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RELAÇÕES PÚBLICAS E GESTÃO DA CULTURA ORGANIZACIONAL:
EXPLORANDO O CONCEITO DE ESQUIZOFRENIA E SUAS IMPLICAÇÕES1
GT2: Comunicação Organizacional e Relações Públicas
Ana Cristina da Costa Piletti Grohs2
Resumo
Este artigo tem como objetivo refletir sobre as incoerências entre o discurso e as
práticas organizacionais, explorando o conceito psicopatológico de esquizofrenia.
Por meio de uma pesquisa teórica, o texto aproxima os campos da comunicação
organizacional e da psicopatologia e apresenta uma análise crítica de notícias
divulgadas na mídia sobre um grande grupo financeiro brasileiro que pode
apresentar os possíveis sintomas de esquizofrenia organizacional. Identificamos
que organizações esquizofrênicas, em longo prazo, podem apresentar problemas
mercadológicos e institucionais. Concluímos que o profissional de Relações
Públicas pode diagnosticar antecipadamente e prevenir possíveis danos à imagem
da organização quando em sua atuação estratégica entende e gerencia a cultura
corporativa.
Palavras-Chave: Relações Públicas. Esquizofrenia. Cultura Organizacional.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação Organizacional e Relações Públicas do XII Congresso da Associação Latino Americana de Investigadores da Comunicação (ALAIC). 2 Doutoranda em Ciências da Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. E-mail: [email protected]
Introdução
Uma empresa pode adoecer? É claro que a resposta mais imediata e evidente
a esta pergunta é comumente um categórico não, uma vez que, não sendo um
organismo biológico, uma organização não é suscetível à ação de um vírus, uma
bactéria ou talvez uma anomalia genética. No entanto, há mais de um século
reconhece-se que, além das doenças propriamente orgânicas, existem doenças
mentais, dadas a partir de circunstâncias diversificadas que envolvem tanto o nível
orgânico quanto o fator psicológico e o social e afetam profundamente o
comportamento dos indivíduos.
Neste sentido, de uma totalidade que se comporta, ou seja, uma organização
composta por indivíduos que se relacionam internamente como membros de uma
mesma cultura e que são sujeitos à pressão exteriores, podemos sim
comparar a empresa a uma totalidade biológica. Enquanto um organismo
nasce e cresce, uma empresa é criada e se desenvolve; quando este
organismo adoece e morre, a empresa tem uma crise e fale.
A visão metafórica da empresa como organismo vivo (MORGAN, 2002) que pode
adoecer não é nova, assim como a ideia de que toda organização tem uma
cultura. Autores da área da comunicação (GRUNIG, 2011; FERRARI, 2011;
MARCHIORI, 2006) e da administração (HOFSTEDE, 2003; FREITAS, 1991;
SCHEIN, 2009), por exemplo, estudam e concordam que a cultura é composta
pelas práticas e discursos dos indivíduos que participam da organização
considerando os elementos tangíveis e intangíveis que a compõem como os
valores, crenças, pressupostos, ritos, normas, estórias, comportamentos entre
outros elementos. Outro aspecto que estes autores ponderam é que a cultura é
viva e dinâmica e que comunicação e cultura se inter-relacionam.
A cultura e a comunicação estão estreitamente relacionadas,
por um lado, porque a cultura traz em si os significados
compartilhados e, por outro, porque é necessário um grande
esforço organizacional para comprometer as pessoas com os
valores estabelecidos como desejáveis, o que implica no uso
de canais de comunicação de todos os tipos (FERRARI,
2011, p.153).
Desta maneira, qualquer análise completa da cultura organizacional deve
considerar sua dinamicidade e os fatores objetivos e subjetivos que a
constituem buscando sempre manter o discurso alinhado à prática da empresa.
No entanto, o estudo Culture and Change Management3 mostrou que 84% dos
líderes de negócios que participaram da pesquisa acreditam que a cultura
organizacional é um fator crítico para o sucesso da empresa e que há uma
grande disparidade entre a forma como as organizações encaram a cultura e a
forma como seus elementos ocorrem na prática. Mas, será tão comum
encontrarmos organizações nas quais os discursos e as práticas sejam
incoerentes? Considerando que uma organização, assim como um indivíduo pode
adoecer, que tipo de patologia uma organização que não mantém seu discurso
alinhado com a prática poderia apresentar?
Com o objetivo de refletir sobre as incoerências entre o discurso e as práticas
organizacionais, explorando o conceito psicopatológico de esquizofrenia
realizamos uma análise de notícias divulgadas na mídia sobre uma grande
empresa que apresenta essas possíveis incoerências. Identificamos que
organizações esquizofrênicas, em longo prazo, podem apresentar problemas
3 Estudo realizado em maio de 2013 pela consultoria americana Booz & Company com 2.219 participantes dos diversos setores industriais.
mercadológicos e institucionais. Assim, o profissional de Relações Públicas pode
diagnosticar antecipadamente e prevenir possíveis danos à imagem da
organização quando em sua atuação estratégica entende e gerencia os
elementos da cultura corporativa, já que esta é um fator chave para o
alinhamento da imagem ideal à imagem real de uma empresa.
Comunicação Organizacional e psicopatologia
Sobre a psicopatologia, termo abordado inicialmente pela Medicina, sabemos que
se iniciou com um modelo que buscava, fundamentalmente, classificar as
anormalidades do organismo em termos de desvio, definindo o normal a partir de
médias estatísticas. Desta maneira, as minorias ou os indivíduos diferentes seriam
olhados com suspeita e classificados como anormais.
Muito se modificou nesta área desde então, e de maneira breve podemos afirmar
que um dos critérios mais atuais de entender a psicopatologia é o sofrimento
(MYERS, 2006): se o indivíduo sofre está mentalmente doente. Esta mudança de
perspectiva é fundamental para a análise que pretendemos aqui: chamar uma
empresa de doente por ela ser diferente poderia ser um grave erro, pois
estaríamos chamando de patológico seu diferencial competitivo que garante,
justamente, seu destaque. No entanto, considerando patológico o sofrimento,
que pode ser entendido tanto quanto o sofrimento dos colaboradores quanto à
instabilidade da empresa no mercado, possuímos um critério adequado e válido
para selecionar quais são as empresas “doentes”.
Além de uma definição breve do patológico, é necessária uma forma de
compreensão de onde surgem as doenças. Desde Freud (MYERS, 2006), que
criou um modelo de causalidade psíquica para as doenças mentais, não
restringimos o campo das causas apenas às biológicas e orgânicas. Edward
Bernays referenciado como o “pai das Relações Públicas” e sobrinho de Sigmund
Freud considerado o “pai da psicanálise” afirmava que o profissional de Relações
Públicas deveria ser e atuar como o psicanalista da organização (CURTIS, 2002).
Além disso, o modelo mais bem aceito pela Medicina e pela maior parte das
teorias psicológicas é o modelo biopsicossocial, que considera que todas as
doenças são, simultaneamente, biológicas, psicológicas e sociais, e é necessária
a atuação multiprofissional para efetivamente combatê-las. Um exemplo para
compreensão do quanto estes três fatores são integrados é o desenvolvimento
do câncer em um indivíduo. Neste caso o indivíduo pode ter disposição genética
para esta doença (fator biológico), consumir excessivamente álcool e tabaco,
reforçados socialmente pela mídia (fator social) ou se manter em uma
rotina estressante (fator psicológico). Se tratarmos apenas o fator biológico, talvez
nossos esforços sejam em vão devido aos dois outros fatores
continuarem contribuindo para o desenvolvimento da doença.
É justamente por meio do modelo mais complexo e atual de comportamento
humano e compreensão da doença que podemos fazer um paralelo entre
patologias humanas e organizacionais. Se para a Medicina e maior parte das
teorias psicológicas o olhar biopsicossocial é uma prática recente, para a
comunicação a interdisciplinaridade faz parte de sua origem e constituição. Da
mesma forma, a comunicação organizacional já é uma área estudada sob o
enfoque do paradigma da complexidade. Segundo Morin (1995, p.32), criador do
conceito de complexidade: “A primera vista la complejidad es um tejido
(complexus = lo que esta tejido em conjunto) de constituyentes heterogéneos
inseparablemente associados: presenta la paradoja de lo uno y lo múltiple”.
Todavia, podemos entender a comunicação organizacional como uma área
privilegiada de análise da complexidade que dispõe de teorias e técnicas para
avaliar a estrutura, a cultura e a imagem de uma organização. De acordo com
Baldissera:
(...) parece mais fértil pensar a Comunicação Organizacional
em sentido complexo, seja para assumir a incerteza como
presença, para respeitar e fortalecer a diversidade
(possibilitar que se realize/ manifeste), fomentar lugares de
criação e inovação, potencializar o diálogo e os fluxos
multidirecionais de comunicação, reconhecer as
possibilidades de desvios de sentidos e compreender a
alteridade como força em disputa de sentidos, dentre outras
coisas (BALDISSERA, 2009, p. 120)
Desta forma, o profissional de Relações Públicas como administrador da
comunicação entre uma organização e seus públicos (GRUNIG; HUNT, 1984)
também é um gestor da complexidade.
Esquizofrenia Organizacional: quando o discurso não condiz com a prática
A esquizofrenia é uma doença mental e pode ser entendida como uma perda de
contato com a realidade, na qual o indivíduo pode tornar-se indiferente as
coisas e pessoas ao seu redor ou ter alucinações e delírios. O termo significa
“divisão da realidade” conferindo a pessoa “um pensamento desorganizado,
percepções perturbadas e emoções e ações impróprias” (MYERS, 2006, p.
470).
Considerando o caráter de analogia que traçamos entre a comunicação
organizacional e a psicopatologia, podemos pensar nos paralelos que esta breve
definição nos possibilita. Ressaltamos, portanto, que o conceito esquizofrenia
organizacional já foi utilizado por Mark Achabar e Jennifer Abbott (2004) no
documentário “The Corporation” e mais recentemente por Fred Kofman (apud
SANTOS, 2010) referindo-se as organizações que sustentam discursos
moralmente correto e, na prática, se comportam de outra maneira. De acordo com
a psicóloga Selma Paschini (2007, p.13) o desalinhamento dos artefatos culturais
aos valores expressos pela empresa gera “frustrações, politicagem, dissimulação,
perda de produtividade, baixo engajamento, perda de talentos, medo e inúmeros
outros comportamentos indesejáveis que nada contribuem para a criação de um
ambiente de alta performance organizacional”. Também não podemos deixar de
ressaltar que tais comportamentos afetam a imagem e a credibilidade da
organização. Desta forma, quando uma organização estabelece relações
incoerentes com os seus públicos, começamos a perceber claramente sintomas
de esquizofrenia. Paschini (2007) destaca alguns exemplos de esquizofrenia
organizacional, entre os quais destacamos dois:
a) Diversidade: Refere-se ao discurso de valorização, aceitação e respeito
às diferenças de raça, gênero, religião, deficiência, etnia, etc. Neste sentido,
a empresa afirma sua intenção de construir equipes multidisciplinares e de alto
desempenho visando criar um ambiente de inovação e criatividade. No entanto,
quando os funcionários são contratados acabam inseridos em um ambiente que
não promove, ao contrário, restringe práticas diferentes e inovadoras. Paschini
(2007) indica algumas alegações utilizadas nas empresas como “Veja, não é
assim que fazemos as coisas por aqui”.
b) Relação de confiança: “Não existe sinal visível de desalinhamento maior do
que ler no quadro de valores e princípios, fixado na recepção, que “nós confiamos
nos nossos funcionários” para ao final do expediente observar uma daquelas
cenas constrangedoras da área de segurança da empresa fazendo a ‘revista dos
funcionários’ na saída da fábrica” relata Paschini (2007). A partir deste tipo de
situação – quando se fala e escreve uma coisa e se pratica outra – a empresa
perde toda a credibilidade segundo a autora.
Podemos dizer que os sintomas de esquizofrenia organizacional causam danos
internos que refletem externamente. Em entrevista para a revista Exame
(2007), Tony Juniper, na época principal executivo da ONG inglesa Friends of the
Earth criticou o discurso de sustentabilidade das grandes empresas ressaltando
que tais discursos não passam de “marketing” para vender uma boa reputação
para os acionistas. Quando questionado sobre o motivo de atacar as companhias
que investem em políticas sustentáveis, Juniper respondeu “Há muita hipocrisia.
A Shell, por exemplo, gasta uma enorme quantia de dinheiro tentando convencer
as pessoas de que se importa com o meio ambiente. No entanto, sua produção de
petróleo e de gás só aumenta”.
São diversos os exemplos que observamos na mídia de organizações que
mantém um discurso desalinhado com a prática. Com o objetivo de identificar
esses tipos de incoerências, selecionamos o caso de uma grande empresa
brasileira onde um choque de diferentes culturas, devido a um processo de fusão,
pode ter levado a estas distorções entre o discurso e a prática.
Análise de caso
Para verificarmos as incoerências entre os discursos e práticas organizacionais,
selecionamos o grupo financeiro brasileiro Itaú Unibanco considerando o processo
de fusão que ocorreu em 2008, o que de acordo com Tanure e Cançado (2005)
impacta diretamente na cultura da organização ampliando as possibilidades de
incoerências entre discurso e prática.
A fusão envolve uma combinação completa de duas ou mais
empresas, cada uma deixando de existir legalmente para
formar uma terceira, com nova identidade. Apesar da
suposta igualdade entre os parceiros, o que geralmente
ocorre é o controle por parte de um deles. E, de fato, o
número de fusões “reais” é tão baixo que, para propósitos
práticos, a expressão “fusões e aquisições” basicamente
significa aquisições. (TANURE; CANÇADO, 2005, p. 11-
12)
Desta forma, fizemos uma análise da organização a partir de dados obtidos no
ranking de reclamações do Procon/SP de 2012, assim como no ranking Interbrand
das marcas brasileiras mais valiosas de 2013. Também, examinamos a lista das
empresas com mais processos trabalhistas não pagos do Tribunal Superior do
Trabalho de 2014 e realizamos um levantamento de notícias sobre a organização
divulgadas na mídia. Cruzamos estas informações com dados institucionais
divulgados pela empresa e os analisamos criticamente, identificando as possíveis
divergências entre os discursos e práticas organizacionais.
Itaú Unibanco: Considerado o maior grupo financeiro brasileiro, surgiu no ano
de 2008 a partir da fusão entre o Itaú e o Unibanco. Segundo as palavras do
presidente da instituição Roberto Setúbal a fusão dos bancos não iria fechar
unidades e nem gerar demissões (UOL Notícias, 03/11/2008). Em agosto de
2012, porém, o grupo havia fechado nove mil postos de trabalho (Revista Exame,
08/ 08/ 2012). Para os representantes dos trabalhadores, os cortes seriam ainda
um reflexo da fusão: “Em 2008, os dois bancos empregavam 108.458 pessoas -
77.354 no Itaú e 37.104 no Unibanco. Em relação ao total de colaboradores hoje,
foram fechados 15.941 postos” (Revista Exame, 08/ 08/ 2012). Para Carlos
Cordeiro, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do
Ramo Financeiro, Central Única dos Trabalhadores (Contraf, CUT):
as demissões revelam o lado nefasto do processo de fusão
entre Itaú e Unibanco e a política antissocial da rotatividade
de mão de obra. O banco manda embora funcionários
antigos com salários maiores e contrata novos pagando bem
menos, na lógica perversa do lucro fácil, em vez de
valorizar os trabalhadores e contribuir para o
desenvolvimento econômico do país. (CORDEIRO,
13/06/2012)
De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho de 2012, o Itaú Unibanco
configurou em 23º lugar na lista das empresas com mais processos trabalhistas
não pagos, totalizando 1209 processos com débitos na Justiça do Trabalho. Em
fevereiro de 2012, uma funcionária com câncer foi demitida e reintegrada pelo
banco em outubro do mesmo ano após pressão sindical segundo notícia divulgada
pela CUT (16/ 10/2012). Já, em janeiro de 2014 o banco Itaú foi condenado a
pagar uma indenização de R$ 10 mil reais para uma gerente por ter ficado de
"castigo" em casa por ter não cumprido as metas estabelecidas pelo seu chefe.
(INFOMONEY, 02/ 01/ 2014). Por outro lado, verificamos que os valores e
atitudes declaradas como elementos da cultura do banco consideram essenciais a
“liderança compartilhada”, “valorização da individualidade” e “do trabalho em
equipe” além de “postura ética”, “transparente” e “comprometida”. O banco se
autodeclara uma organização comprometida com a sustentabilidade gerando valor
para os clientes e para a sociedade. (PORTAL ITAU, 2013). Destacamos também,
que foi em 2013, principalmente no terceiro trimestre, que o Itaú Unibanco obteve
o lucro de R$ 4 bilhões, o maior da história dos bancos (Uol Notícias, 29/10/2013).
Se retomarmos ao diagnostico de esquizofrenia organizacional sugerido por
Paschini (2007) em relação aos funcionários e comunidade, percebemos
nitidamente a dificuldade em manter na prática o discurso da diversidade e da
sustentabilidade e as relações de confiança equilibradas e saudáveis.
Outro dado interessante refere-se ao relacionamento do banco com os clientes.
No ranking da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/SP) de
2012, o banco Itaú Unibanco foi o primeiro colocado em número de reclamações
realizadas por clientes totalizando 1108 reclamações das quais 58% não foram
atendidas. Os principais motivos das reclamações referem-se aos
questionamentos sobre tarifas atreladas ao financiamento de veículos e à
contestação de saques e lançamentos não reconhecidos em contas e cartões
de crédito (PROCON, 2013). Também, no ranking de 2013 elaborado pelo portal
Reclame Aqui sobre os bancos mais reclamados no período de um ano, o Itaú
Unibanco ocupou o 2º lugar com 10.021 reclamações das quais 34,5% não foram
resolvidas. Porém, quando consultamos o portal institucional do grupo,
detectamos que um dos valores e atitudes declaradas que compõem a cultura
corporativa do banco é “Todos pelo cliente” sendo este ressaltado na afirmação:
“Nosso foco é oferecer serviços cada vez melhores aos nossos clientes.
Acreditamos que sermos líderes de mercado é uma consequência direta dessa
atitude” (PORTAL ITAU, 2013). Assim, ao mesmo tempo em que o Banco Itaú
Unibanco configura como 1ª colocada no ranking Interbrand das marcas
brasileiras mais valiosas de 2013, também foi uma das empresas mais
criticada pelos clientes em 2012/ 2013. Em janeiro de 2014, por exemplo, uma
falha no sistema de processamento do banco resultou na cobrança em dobro de
algumas compras feitas com cartões de débito de diversos clientes (G1,
02/01/2014). Aqui, observamos outras incoerências entre o que a empresa diz
que é ou o que a empresa quer ser e o que realmente a empresa faz.
Uma das grandes incoerências que podem ser notadas, no caso do Itaú
Unibanco, é o próprio conceito de fusão, já que na prática o que acabou sendo
notado de forma mais visível foram às características de uma aquisição tais como
são explicadas por Tanure e Cançado (2005). O analista da consultoria Lopes
Filho, João Augusto Sales afirmou que "Embora seja uma fusão, quem controla é
a Itausa. A cultura que prevalece é do Itaú”. (O Estado de São Paulo, 21/ 06/
2010)
Podemos sintetizar esta análise a partir da construção da figura a seguir:
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pode ser marcada ou pela cisão entre estes elementos, correspondendo ao que
chamamos anteriormente de esquizofrenia organizacional, ou pela sua integração
e coerência. De qualquer modo, ambos fatores ocorrem em um mesmo local e
envolve simultaneamente os mesmos sujeitos, sendo necessária uma análise que
parta da complexidade comunicacional para não dicotomizar, mas compreender a
profundidade das relações humanas, os discursos envolvidos e a dialética de suas
inter-relações. No caso estudado, o discurso de valorização dos públicos e os
descasos identificados em ações com os mesmos revelam a incoerência entre o
discurso e a prática da organização, com prováveis consequências negativas para
sua imagem.
Enfim, consideramos o caso do Itaú Unibanco relevante para exemplificar as
contradições que podem existir entre os discursos e práticas de uma organização.
Tais incoerências, comparadas aos sintomas da esquizofrenia organizacional,
podem resultar, em longo prazo, em problemas institucionais e mercadológicos,
afinal sendo “a cultura um elemento indissociável das práticas organizacionais”
(FERRARI, 2009, p. 243) e a imagem o reflexo dessas práticas e cultura,
dificilmente uma organização consegue manter por muito tempo uma imagem
positiva caso tenha um comportamento incoerente como apontou Juniper (2007).
Considerações finais
A cultura organizacional baseia-se fundamentalmente nos discursos e práticas dos
sujeitos da organização, indivíduos estes que trazem um conjunto de
valores e comportamentos de fora da empresa e que interagem em uma local de
poder estruturado. No caso da organização analisada, com o processo de fusão,
temos um choque de culturas e, portanto, uma situação complexa de
reconfiguração cultural. Desta forma, foram identificadas algumas incoerências
existentes entre os discursos e as práticas desta organização.
Contudo, é necessário considerar as limitações metodológicas desta análise de
notícias de caráter exploratório sobre uma empresa, cujo maior objetivo foi o
de demonstrar a pertinência deste objeto de estudo, ou seja, as
incoerências entre discursos e práticas organizacionais que tendem a tornar o
tema da cultura organizacional mais complexo.
O resultado destas complexas interações é, na maior parte das vezes, construído
sem a intenção consciente de um gestor, considerando a dificuldade de intervir em
fatores culturais, mas ainda assim produzindo a esquizofrenia organizacional.
Mesmo que a organização tenha objetivos bem definidos, sua prática depende
mais das relações reais entre os indivíduos do que da formalização de suas
políticas. Esta aparente imprevisibilidade diferencia-se da imagem criada para
seus públicos. Neste sentido, percebemos o quanto as notícias divulgadas
apontavam para caminhos distintos entre a imagem ideal e o comportamento real
da organização. Temos assim o papel fundamental do profissional de Relações
Públicas e da comunicação como integradores da realidade empírica
organizacional e de como o público a percebe.
Desta forma, podemos sintetizar nossa argumentação destacando a cultura como
relações humanas permeadas tanto por discursos quanto por práticas,
apresentando simultaneamente os aspectos objetivos e subjetivos das
organizações. A questão que podemos colocar é em que medida, estratégias
adotadas por algumas organizações, que mantém discursos em contradição com
suas ações, podem ser prejudiciais ou benéficos para as instituições. A resposta a
esta pergunta não é fácil, e talvez seja dupla: ações que promovem uma imagem
dessemelhante de ações pouco aceitas pelo público têm resultados benéficos,
mas em curto prazo. Em longo prazo estas organizações acabam por mostrar
sinais de sua incoerência e afastar o público, perdendo sua credibilidade e
corroendo as relações de confiança construídas. Justamente por isto, verifica-se a
pertinência da atuação estratégica e com o modelo de comunicação simétrica de
mão dupla como propõe Grunig (2011), entendendo a cultura sob a ótica da
complexidade visando constantemente alinhar o discurso com a prática das
organizações.
Por fim, a perspectiva que defende a comunicação honesta e autêntica e que
advoga em favor da clareza e da transparência é o fundamento das Relações
Públicas. Consideramos que esta abordagem é o caminho mais perene
para a construção de organizações de excelência. O profissional de Relações
Públicas, portanto, deve ser responsável por analisar e compreender os riscos e
as consequências das incoerências entre discursos e práticas organizacionais e
avaliar as melhores propostas para solucioná-las. Para isto, este professional
deve ir além da superficialidade dos discursos e opiniões e compreender as
práticas cotidianas e comportamentos dos funcionários e gestores das empresas
em que atua.
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