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Relato Pessoal Leia este relato pessoal Ao passo dos cavalos levamos quarenta minutos para chegar ao rio Espraiadinho, destino final do passeio. Era um riacho estreito e raso, com peixinhos que passavam velozes por baixo da pequena ponte da estrada. As águas chegavam no máximo à cintura da gente, exceto por um pequeno poço onde não dava pé, ideal para se aprender a nadar, porque as margens eram cobertas com arbustos que se debruçavam sobre o rio, aos quais podíamos nos agarrar em caso de cansaço ou aflição da água entrando pelo nariz. Nesse poço L .. ] consegui dar as primeiras braçadas de nado cachorrinho, com a cabeça prudentemente acima da superfície, batendo os pés e movendo as mãos como fazem os cães com as patas quando nadam. [ ... ] Com as mãos enruga das de tanto tempo no rio, montamos nos cavalos e pegamos a estrada de volta. No caminho, o Antônio Carlos contou a história de Shane, o herói do filme Os brutos também amam, a que ele havia assistido no cine Glamour, em Osasco, onde os pais tinham uma bonbonniere. Descreveu com detalhes a briga do final e depois assobiou a música do filme, tão triste e tão bonita. Senti saudade do meu pai e da minha irmã. A tranquilidade foi quebrada quando nos aproximamos da sede da fazenda: ao ver a porteira ao longe, os cavalos dispararam, loucos para chegar. Puxei as rédeas de Xavante com força para detê-Ia, porque, além de ter medo de cair, fiquei preocupado com Fernando, meu irmão pequeno, que vinha montado na garupa do Faísca, agarrado às costas do Décio. Foi preocupação à-toa. Primeiro, porque os dois, que vinham no final da fila, passaram por mim gritando de excitação, perfeitamente equilibrados em cima do cavalo. Depois, porque Xavante, alheio aos meus temores, esticou o pescoço para diante e saiu no galope, atrás dos outros. Como resistir a um galope daqueles, com o vento e a poeira levantada pelos cavalos da frente entrando em meus olhos? A solução que encontrei foi a pior possível: tentar descer do cavalo em movimento! Mantive o pé esquerdo no estribo, soltei o direito, saí da sela e fiquei pendurado do lado esquerdo de Xavante com os cotovelos apoiados em seu lombo, com a intenção de tocar o chão com o pé direito. Assim que senti o pé resvalar no areão, saltei do estribo e tentei correr, agarrado ao cavalo. Evidentemente, minhas pernas foram curtas e lentas para a velocidade que a operação exigia, e chafurdei de peito na estrada por dois metros, antes de parar. Sorte que o areão era macio. Meus primos, assustados ao ver Xavante passar por eles sem ninguém na sela, voltaram para me socorrer e me encontraram já em pé, com o peito e os braços escoriados, e a camisa tingida de terra, sem os botões, todos eles arrancados no atrito contra o chão.

Relato Pessoal- Texto e Perguntas

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Relato Pessoal

Leia este relato pessoal

Ao passo dos cavalos levamos quarenta minutos para chegar ao rio Espraiadinho, destino final do passeio. Era um riacho estreito e raso, com peixinhos que passavam velozes por baixo da pequena ponte da estrada. As águas chegavam no máximo à cintura da gente, exceto por um pequeno poço onde não dava pé, ideal para se aprender a nadar, porque as margens eram cobertas com arbustos que se debruçavam sobre o rio, aos quais podíamos nos agarrar em caso de cansaço ou aflição da água entrando pelo nariz.

Nesse poço L .. ] consegui dar as primeiras braçadas de nado cachorrinho, com a cabeça prudentemente acima da superfície, batendo os pés e movendo as mãos como fazem os cães com as patas quando nadam. [ ... ]

Com as mãos enruga das de tanto tempo no rio, montamos nos cavalos e pegamos a estrada de volta. No caminho, o Antônio Carlos contou a história de Shane, o herói do filme Os brutos também amam, a que ele havia assistido no cine Glamour, em Osasco, onde os pais tinham uma bonbonniere. Descreveu com detalhes a briga do final e depois assobiou a música do filme, tão triste e tão bonita. Senti saudade do meu pai e da minha irmã. A tranquilidade foi quebrada quando nos aproximamos da sede da fazenda: ao ver a porteira ao longe, os cavalos dispararam, loucos para chegar. Puxei as rédeas de Xavante com força para detê-Ia, porque, além de ter medo de cair, fiquei preocupado com Fernando, meu irmão pequeno, que vinha montado na garupa do Faísca, agarrado às costas do Décio.

Foi preocupação à-toa. Primeiro, porque os dois, que vinham no final da fila, passaram por mim gritando de excitação, perfeitamente equilibrados em cima do cavalo. Depois, porque Xavante, alheio aos meus temores, esticou o pescoço para diante e saiu no galope, atrás dos outros.

Como resistir a um galope daqueles, com o vento e a poeira levantada pelos cavalos da frente entrando em meus olhos? A solução que encontrei foi a pior possível: tentar descer do cavalo em movimento!

Mantive o pé esquerdo no estribo, soltei o direito, saí da sela e fiquei pendurado do lado esquerdo de Xavante com os cotovelos apoiados em seu lombo, com a intenção de tocar o chão com o pé direito. Assim que senti o pé resvalar no areão, saltei do estribo e tentei correr, agarrado ao cavalo. Evidentemente, minhas pernas foram curtas e lentas para a velocidade que a operação exigia, e chafurdei de peito na estrada por dois metros, antes de parar. Sorte que o areão era macio.

Meus primos, assustados ao ver Xavante passar por eles sem ninguém na sela, voltaram para me socorrer e me encontraram já em pé, com o peito e os braços escoriados, e a camisa tingida de terra, sem os botões, todos eles arrancados no atrito contra o chão. Chegando em casa, fomos guardar os arreios no quartinho. Para que os tios não me vissem naquele estado, dei a volta por fora, pulei a janela do nosso quarto, fechei a porta e esperei os primos trazerem uma toalha e água quente para limpar os machucados. Depois, vesti uma camisa de manga comprida e fomos almoçar.

Deu certo! Ninguém percebeu que eu tinha caído do cavalo. O pacto existente entre nós desde a viagem, de esconder dos adultos os acidentes causados por nossa imprudência infantil, havia sido respeitado mais uma vez, em nome de nossa liberdade de ir e vir sem a vigilância habitual dos pais. (Drauzio Varella. De braços para o alto. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002. p. 30-3)

areão: grande areal, trecho de terreno onde predomina a areia. bonbonnière: loja onde se vendem bombons, balas, etc. chafurdar: afundar, mergulhar; ato lar. escoriar: ferir, esfolar. estribo: peça geralmente de metal, presa à sela, na qual o cavaleiro firma o pé. Osasco: cidade da Grande São Paulo. resvalar: tocar, roçar. sede: a casa principal de uma fazenda; lugar onde fica a administração de um estabelecimento comercial ou industrial.

Page 2: Relato Pessoal- Texto e Perguntas

1. O 1º parágrafo do texto, o narrador situa no tempo e no espaço o fato vivido por ele.

a) Essa experiência foi vivida pelo narrador quando ele era menino ou adulto?

b) Que palavra do último parágrafo do relato pode comprovar sua resposta?

c) Quem foram os companheiros do narrador no passeio?

d) Em que consistiu o passeio?

2. No passeio, aconteceu um fato marcante na vida do narrador: descer de um cavalo em movimento.

a) Por que, naquele momento, essa solução foi a “pior possível”, segundo o narrador?

b) Você acha que o narrador foi imprudente? Por quê?

3. Entre os primos havia um pacto: não contar aos adultos os acidentes que sofressem .

a) Se contassem , o que os adultos provavelmente fariam?

b) Que consequências isso poderia lhes trazer?

4. Em relação a esse relato, quais das seguintes afirmações são corretas?

( ) O narrador é protagonista e relata experiências vividas por ele.

( ) Os verbos e os pronomes estão empregados na 3ª pessoa.

( ) Os verbos estão no passado.

( ) A variedade linguística empregada é a padrão.

( ) Emprega a descrição.