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1 MESTRADO EM ENSINO DE FÍSICA E DE QUÍMICA NO 3º CICLO DO ENSINO BÁSICO E NO ENSINO SCUNDÁRIO Termoquímica Relatório de Estágio Componente de Química Orientadora: Professora Doutora Ana Maria Melo Ventura Reis João Pedro da Costa Pereira Junho 2019

Relatório de Estágio Componente de Química

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Page 1: Relatório de Estágio Componente de Química

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MESTRADO EM ENSINO DE FÍSICA E DE QUÍMICA NO 3º CICLO DO ENSINO

BÁSICO E NO ENSINO SCUNDÁRIO

Termoquímica

Relatório de Estágio – Componente de Química

Orientadora: Professora Doutora Ana Maria Melo Ventura Reis

João Pedro da Costa Pereira

Junho 2019

Page 2: Relatório de Estágio Componente de Química

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Índice

1. Introdução............................................................................................................................... 3

2. Objetivos ................................................................................................................................. 4

3. Enquadramento no programa .............................................................................................. 5

4. Abordagem teórica ................................................................................................................. 6

4.1.A natureza e os tipos de energia ...................................................................................... 6

4.2.Variações de energia em reações químicas ...................................................................... 8

4.3.Introdução à Termodinâmica ......................................................................................... 10

4.4.Variação de entalpia das reações químicas .................................................................... 14

4.5.Calorimetria ................................................................................................................... 17

4.6.Variação de entalpia padrão e formação da reação ........................................................ 19

5. Atividade laboratorial AL 2.3 – Determinação da entalpia de neutralização da reação

NaOH (aq) + HCl (aq) ........................................................................................................ 21

5.1.Fase pré-laboratorial ...................................................................................................... 22

5.2.Fase laboratorial ............................................................................................................. 25

5.3.Fase pós-laboratorial ...................................................................................................... 27

6. AL 2.4 – Determinação da entalpia de combustão de diferentes álcoois, uma breve

análise .................................................................................................................................... 30

7. Conclusões............................................................................................................................. 33

8. Bibliografia ........................................................................................................................... 34

Page 3: Relatório de Estágio Componente de Química

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1. Introdução

O estudo da Química pode, em geral, ser dividido em quatro ramos principais: a Química Orgânica,

a Química Inorgânica, a Química Analítica e a Química Física. Esta divisão facilita a ordenação do

estudo e a especialização de profissionais de maneira a conseguirem focar-se em problemáticas dentro

dum paradigma mais claro, sem comprometer a capacidade de interdisciplinaridade dos mesmos. É,

por isso, bem clara no contexto universitário.

No contexto do ensino obrigatório, o estudo da Química é incluído numa única disciplina e a

separação em subdisciplinas acaba por ser quase impercetível aos estudantes. Neste caso a separação

é inútil pois tanto no Ensino Básico como no Ensino Secundário, se pretende que os estudantes

tenham uma visão geral da disciplina e dos conhecimentos apreendidos (com a profundidade

adequada a cada nível de ensino). No entanto, na perspetiva dum professor é importante ter boa noção

dos momentos e da profundidade com que se vai desenvolvendo o conhecimento dos estudantes em

cada um destes ramos da Química. Este trabalho irá focar-se principalmente nos conteúdos de

Química Física, principalmente os relacionados com o estudo da Termoquímica. Começar-se-á por

discriminar os momentos do programa de Química em que se abordam conteúdos de Termoquímica,

indicando os conceitos que são desenvolvidos em cada ano letivo e a profundidade com que são

abordados. De seguida, apresentar-se-á um breve resumo dos principais conteúdos de Termoquímica

que um professor de Química deve ter presentes e, por fim, far-se-á a abordagem didática da AL 2.3

– Determinação da entalpia de neutralização da reação NaOH (aq) + HCl (aq), além de uma breve

reflexão acerca da implementação da AL 2.4 – Determinação da entalpia de combustão de diferentes

álcoois, presente no programa de Química do 12º ano de escolaridade.

Page 4: Relatório de Estágio Componente de Química

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2. Objetivos

O presente trabalho pretende servir de modelo e guia à lecionação dos conteúdos de termodinâmica

química abordados no Terceiro Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário. Pretende ainda

apresentar uma sugestão de exploração didática da atividade laboratorial AL 2.3 – Determinação da

entalpia de neutralização da reação NaOH (aq) + HCl (aq), presente no programa de Química do 12º

ano de escolaridade, além de algumas considerações acerca da atividade laboratorial AL 2.4 –

Determinação da entalpia de combustão de diferentes álcoois.

Page 5: Relatório de Estágio Componente de Química

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3. Enquadramento no Programa

Os conteúdos relacionados com o ramo da Termoquímica no ensino pré-universitário são abordados

tanto no Terceiro Ciclo do Ensino Básico como no Ensino Secundário, apesar de apresentar muito

mais ênfase no segundo.

No Ensino Básico, este é um tema pouco abordado, dada a grande quantidade de conceitos abstratos

que a sua compreensão envolve. Tendo em conta a fase de desenvolvimento cognitivo em que os

estudantes se encontram e o seu pouco conhecimento da teoria corpuscular da matéria, os conteúdos

da Termoquímica são abordados no 7º ano como parte dos conteúdos de Física (enquadrados no

estudo físico da Termodinâmica). Importa destacar a definição de sistema termodinâmico, de energia

interna, de temperatura e de transferências de energia.

Passando ao Ensino Secundário, existe um maior foco no desenvolvimento destes conteúdos. No 10º

ano de escolaridade, mais uma vez na parte de Física, existe uma passagem pelos estudos dos

fenómenos térmicos. Revisitam-se os conceitos abordados no 7º ano de escolaridade, mas também se

estudam conceitos como a definição de temperatura e suas escalas, assim como de sistema aberto,

fechado ou isolado, capacidade térmica mássica, condução térmica, convecção térmica, variação de

entalpia de fusão e de vaporização, fenómenos radiativos e as Leis da Termodinâmica.

No entanto, existe também uma introdução ao estudo da Termoquímica, agora já inserida na parte de

Química do programa. Para começar, estuda-se brevemente, ao nível do 10º ano de escolaridade, os

conceitos de energia de ligação e variação de entalpia em reações químicas no contexto do estudo das

transformações químicas. Por fim, no 12º ano, existe um estudo mais aprofundado da Termoquímica

no contexto do estudo da energia dos combustíveis. Para se compreenderem as trocas energéticas que

se dão nas reações químicas que envolvem os hidrocarbonetos presentes nos combustíveis, são

estudadas as variações de entalpia que ocorrem nas mesmas. Introduzem-se assim o conceito de

entalpia padrão e a Lei de Hess. Para consolidar os conteúdos trabalhados, são realizadas duas

atividades laboratoriais: a AL 2.3 – Determinação da entalpia de neutralização da reação NaOH (aq)

+ HCl (aq) e a AL 2.5 – Determinação da entalpia de combustão de diferentes álcoois. A primeira

destas duas atividades será explorada mais em detalhe neste trabalho.

A profundidade dos conteúdos de Termoquímica abordados ao longo dos 6 anos de Química que

fazem parte dos currículos do Terceiro Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário não é muito

elevada, mas serve de uma boa base para estudantes que sigam estudos em áreas que necessitem de

conhecimentos de Química. O estudo de balanços energéticos e da aplicabilidade prática de certos

processos acaba também por se revelar útil para estudantes de áreas relacionadas com a engenharia.

Page 6: Relatório de Estágio Componente de Química

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4. Abordagem teórica

O estudo da Química sempre foi motivado pela compreensão dos mecanismos que levam a

transformações de certas substâncias noutras; este fenómeno de transformação constitui o que hoje

chamamos de reação química. Com a evolução do estudo da Química e a sua passagem do mundo

místico da Alquimia para o espetro científico, desde cedo se compreendeu que dois princípios regiam

as reações químicas: a Lei de Conservação da Massa, conhecida também por Lei de Lavoisier; e o

Princípio de Conservação da Energia. (1) (2) Estas duas propriedades permitem deduzir e compreender

todas as regras que regem os processos por detrás das reações químicas. Neste trabalho debruçar-se-

á sobre o Princípio de Conservação de Energia e como este rege as trocas energéticas por trás das

reações químicas, isto é, a Termoquímica.

4.1. A natureza da energia e os tipos de energia

O termo “termodinâmica” provém da aglutinação das palavras gregas thermo, que significa calor, e

dynamis, que significa potência ou energia. Ou seja, a termodinâmica relaciona-se essencialmente

com o estudo das trocas de energia sob a forma de calor num dado sistema. O estudo da Termoquímica

é a aplicação química da termodinâmica, ou seja, o estudo de trocas de energia, especialmente sob a

forma de calor, nas reações químicas. Dito isto, importa pensar um pouco acerca do conceito de

energia. Este é um contexto altamente abstrato, já que a energia não é percetível fazendo uso dos

nossos sentidos. Sentimos apenas as manifestações da sua presença e, acima de tudo, da sua

transferência. Genericamente, pode-se definir energia como a capacidade de um sistema de realizar

trabalho (1), ou seja, a capacidade de um sistema de gerar movimento contra a existência de uma força

oposta, tendo aqui em conta a definição física de trabalho. (2) Apesar de esta definição ser igualmente

valida para um químico, é mais comum definir trabalho como variação da energia direcionada como

resultado dum processo. (1)

Podemos daqui concluir que estas definições tendem a estar muito associadas à noção de transferência

de energia e às suas diferentes formas de manifestação. Estas acabam por definir aquilo que

chamamos de diferentes tipos de energia. Entre estes, destacam-se os seguintes:

• Energia cinética, que é a energia associada ao movimento dum dado corpo;

• Energia radiante, que é a energia associada à emissão de radiação dum corpo por este se

encontrar a uma dada temperatura;

• Energia térmica, que é a energia associada ao movimento aleatório das partículas que

constituem um corpo e que se pode medir fazendo uso do conceito de temperatura;

Page 7: Relatório de Estágio Componente de Química

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• Energia química, que se relaciona com a energia que se encontra armazenada nas ligações

químicas das substâncias;

• Energia nuclear, que é armazenada na interação entre protões e neutrões no núcleo dos

átomos;

• Energia elétrica, que é a energia associada ao movimento de um fluxo de eletrões.

Ainda podemos considerar a classificação de energia potencial (que se pode referir a vários dos tipos

de energia acima mencionados) e que relaciona com a existência de energia armazenada e pronta a

ser libertada num dado sistema, em virtude da sua posição e interações entre os diferentes

componentes do sistema em questão.

Considerando as partículas constituintes dum sistema, sabemos que cada uma terá um dado valor de

energia cinética, de acordo com a sua massa e a sua velocidade de movimento, e uma dada energia

potencial, resultante das diferentes interações gravíticas, elétricas, químicas, etc. A soma da energia

cinética com a energia potencial de todas as partículas dum sistema é que permitirá obter o valor da

energia total desse sistema – a chamada energia interna (U). Por questões de claras limitações

práticas na observação destes valores, não é geralmente possível saber o valor absoluto da energia

interna dum dado corpo. De acordo com as manifestações que advêm da transferência de energia num

sistema é possível observar e quantificar a energia interna que é transferida entre dois sistemas (ΔU).

É daqui que surge a definição da Primeira Lei da Termodinâmica: (2)

Esta observação é consistente com o Princípio de Conservação da Energia, previamente descoberto

empiricamente, segundo o qual a energia dum dado sistema, apesar de convertível, não pode ser criada

nem destruída. Qualquer aumento de energia dum sistema implica perda dum outro sistema, que por

sua vez perderá o mesmo valor de energia. Ou seja, a quantidade geral de energia no sistema Universo

(isolado) será sempre constante.

Num sistema isolado, a variação de energia é nula.

Isto é,

𝛥𝑈 = 0

Page 8: Relatório de Estágio Componente de Química

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4.2. Variações de energia em reações químicas

Como foi dito atrás, as relações de massa e de energia numa reação química são bastante importantes

para compreender o comportamento de certas substâncias e como estas reagem entre si levando a uma

transformação química. O primeiro destes dois parâmetros é fundamental para compreender o

mecanismo fundamental por detrás duma reação química e como os átomos dum dado composto se

podem realinhar de maneira a dar origem a novos compostos. Já o segundo, permite perceber o porquê

de certas reações químicas levarem a grandes transferências de energia do sistema reacional para o

exterior, enquanto outras originam trocas nulas ou em sentido contrário.

Estas trocas de energia são comuns na larga maioria das reações químicas e tendem a acontecer sob

a forma de calor. O termo “calor” é usado no dia a dia como sinónimo de energia térmica no que se

trata duma referência a uma nomenclatura desatualizada que já fez parte do próprio vocabulário

científico. Na realidade, calor é a transferência de energia térmica entre dois corpos que se encontram

a temperaturas diferentes. (1) Por esta razão é que se diz que existe uma transferência de energia na

forma de calor dum corpo a uma temperatura mais elevada para um outro a uma temperatura mais

baixa. Apesar da simples utilização da palavra calor ser suficiente para descrever uma transferência

de energia, é comum reforçar esta ideia falando de transferência de energia na forma de calor,

reforçando a ideia correta e evitando confusões com a linguagem comum.

O objetivo da Termoquímica é compreender como se dão estas transferências de energia num sistema

reacional e de que maneira a alteração das condições em que a reação se dá pode afetar o resultado

final das mesmas. A ideia de sistema já foi invocada várias vezes ao longo deste trabalho, mas é

necessário definir bem este conceito de maneira a avançar este estudo. Sistema é, então, a parte

específica do universo que é objeto do estudo que se pretende realizar. Para os químicos, um sistema

é em geral a substância que sofre uma transformação física ou química, ou o vaso reacional em que

se dá tal transformação. A parte do universo que se encontra imediatamente à volta do sistema chama-

se de vizinhança. (1) A delimitação do sistema, que o separa da sua vizinhança, é chamada de

fronteira. (2)

Page 9: Relatório de Estágio Componente de Química

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Figura 1: Esquema representativo de um sistema e da sua vizinhança

De acordo com o tipo de trocas que a fronteira permita, o sistema pode ser de um de três tipos:

• Sistema aberto, que é capaz de realizar trocas de massa e de energia com a vizinhança;

• Sistema fechado, que permite apenas a transferência de energia com a vizinhança, mas não a

de matéria;

• Sistema isolado, que impede quaisquer tipos de transferências (sejam elas de matéria ou de

energia) com a vizinhança.

Figura 2: Representação esquemática de sistemas abertos, fechados e isolados

Para perceber a utilidade destes conceitos no estudo duma reação química, considere-se o exemplo

da reação de combustão do hidrogénio molecular:

2 H2(g) + O2(g) → 2 H2O(l) + energia

Neste caso, define-se como sistema a mistura reacional de hidrogénio, oxigénio e água. Suponha-se

que esta reação se encontra num recipiente fechado, mas não termicamente isolado, isto é, um sistema

fechado. Como a energia não pode ser criada ou destruída, qualquer energia perdida pelo sistema irá

ser transferida para a sua vizinhança. Ou seja, durante o processo de combustão do hidrogénio existe

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perda de energia do sistema que leva ao aquecimento da sua vizinhança. Este tipo de reação é uma

reação exotérmica. (1)

Considere-se agora uma segunda reação química: a decomposição do óxido de mercúrio (II) a

temperaturas elevadas:

energia + 2 HgO(s) → 2 Hg(l) + O2(g)

Como esta reação ocorre através do aquecimento do óxido de mercúrio, consideremos um recipiente

que contenha o óxido em questão e que seja aquecido por uma chama. É o fornecimento de energia

ao sistema que leva à ocorrência da reação, decompondo-se o óxido de mercúrio em mercúrio líquido

e oxigénio gasoso. Novamente, de acordo com o princípio de conservação da energia sabe-se que a

energia que é fornecida ao sistema parte da vizinhança e fica armazenada nos componentes do

sistema. Esta é, então, uma reação endotérmica. (1)

4.3. Introdução à termodinâmica

O estudo das variações de energia em reações químicas constitui, como já foi dito, uma aplicação do

estudo da termoquímica. Para aprofundar este estudo é então necessário falar um pouco mais acerca

dos princípios da termodinâmica em geral.

Como já se mencionou atrás, a termodinâmica é o estudo de todas as trocas e conversões de energia

num dado sistema. Para realizar tal estudo, dá-se a observação dum dado sistema, nomeadamente das

alterações no seu estado. Estado de um sistema termodinâmico é definido por todos os valores de

propriedades macroscópicas relevantes, como, por exemplo, a temperatura, a pressão, o volume, a

energia ou a quantidade de matéria. Destas, há um especial foco nas propriedades macroscópicas que

são determinadas pelas condições inicial e final do sistema, independentemente de como se atingiu

tal estado – as chamadas funções de estado. São exemplos de funções de estado a temperatura, a

pressão, a energia e o volume dum sistema. O estudo de uma função, ou variável, de estado é assim

independente dos processos que levam à sua alteração, concentrando-se apenas nos estados inicial e

final do sistema a ser analisado. Por outras palavras, as alterações em funções de estado não dependem

do caminho, dependendo sim do estado inicial e final do sistema. (1) (2)

Prosseguindo o estudo da termodinâmica, é necessário mencionar as leis da termodinâmica, que estão

enunciadas de seguida: (2)

• Lei Zero da Termodinâmica: Se um corpo A está em equilíbrio térmico com um corpo B e

esse corpo B está em equilíbrio térmico com um corpo C, então A estará também em equilíbrio

térmico com C.

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• Primeira Lei da Termodinâmica: A energia interna dum sistema isolado permanecerá

constante.

• Segunda Lei da Termodinâmica: A entropia (medida do estado de desordem) dum sistema

isolado aumenta quando se dá uma transformação espontânea.

• Terceira Lei da Termodinâmica: A entropia de todas as substâncias cristalinas perfeitas é

zero à temperatura de 0 K.

A Primeira Lei da Termodinâmica, já abordada anteriormente, revela-se de particular importância no

estudo das transferências de energia em reações químicas. Como foi referido, não é possível medir o

valor absoluto da energia dum dado sistema. É, contudo, possível calcular variações da energia dum

dado sistema.

Suponha-se uma reação química genérica representada pela equação

A + B → C + D

Desconhece-se se esta reação química é endotérmica ou exotérmica, mas, supondo-se a reação

completa, sabe-se que a variação da sua energia interna, ΔU, será resultante da diferença entre a

energia interna dos produtos da reação (o estado final) e a energia interna dos reagentes (o estado

inicial). Ou seja,

ΔU = U(produtos) − U(reagentes) [1]

Se ΔU for positivo, sabe-se que existe um aumento da energia total presente no sistema e a reação

será, portanto, endotérmica. Por outro lado, se ΔU for negativo, sabe-se que existe perda de energia

inicialmente presente no sistema e a reação será então exotérmica.

Proceder à medição direta da variação da energia do sistema não é, normalmente, viável. Aplicando,

contudo, a Primeira Lei da Termodinâmica e se estudar a interação do sistema com a vizinhança que

o rodeia torna-se possível fazer uma medição indireta da variação de energia do sistema. Seja esta

variação, até agora denominada ΔU, agora denominada de ΔUsist. Se a energia do sistema varia, a

energia da vizinhança terá também de variar de ΔUviz. Como o universo é um sistema isolado que

engloba o sistema reacional e toda a sua vizinhança, pode-se aplicar a Primeira Lei da Termodinâmica

e concluir-se

ΔU𝑠𝑖𝑠𝑡 + ΔU𝑣𝑖𝑧 = 0 [2]

ΔU𝑠𝑖𝑠𝑡 = − ΔU𝑣𝑖𝑧 [3]

Então, se um dado sistema reacional vê a sua energia variar ΔUsist, sabe-se que essa variação será

compensada por uma variação de energia simétrica no restante universo de maneira a que se dê a

Page 12: Relatório de Estágio Componente de Química

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conservação de energia no sistema universo. Esta será então a vizinhança do sistema e tal variação

de energia será ΔUviz. Deste modo, através da medição da variação de energia na vizinhança do

sistema é possível depreender que o sistema sofre uma variação de energia simétrica.

Geralmente, este ganho de energia da vizinhança está associado a um aumento da sua temperatura. É

desta forma que classificamos as reações em endotérmicas e exotérmicas. São casos em que se tem a

transferência de energia do sistema para a vizinhança na forma de calor. No entanto esta não é a única

forma de transferência de energia do sistema para a vizinhança. Esta poderá dar-se também na forma

de trabalho. Deste modo, representando a troca de energia entre sistema e vizinhança na forma de

calor por q e a troca de energia na forma de trabalho por w, pode-se afirmar que

ΔU𝑠𝑖𝑠𝑡 = 𝑞 + 𝑤 [4]

Que se trata duma formulação alternativa da Primeira Lei da Termodinâmica, especialmente útil para

o estudo de sistemas reacionais. Importa ainda destacar as convenções de sinais adotadas: (1)

• 𝑞 > 0 para uma reação em que o sistema recebe energia na forma de calor (endotérmica);

• 𝑞 < 0 para uma reação em que o sistema cede energia na forma de calor (exotérmica);

• 𝑤 > 0 para uma reação em que a vizinhança exerce trabalho no sistema;

• 𝑤 < 0 para uma reação em que o sistema exerce trabalho no sistema.

Esta forma de expressar a Primeira Lei da Termodinâmica permite estabelecer bem a ideia de um

balanço de energia considerando as duas formas de transferência de energia: calor e trabalho. Passe-

se agora a discutir a natureza destas grandezas mais em particular.

O estudo termodinâmico de trabalho não se cinge à definição clássica de trabalho que já foi

apresentada, incluindo o trabalho elétrico e o de fluídos da mesma forma que o trabalho mecânico.

No entanto e para simplificar a explicação que se segue, foquemo-nos neste último. Trabalho será a

energia que é fornecida a um dado sistema quando este sofre a ação de uma força F que leva a que

sofra um dado deslocamento d, sendo calculado como 𝑤 = 𝐹 × 𝑑. À luz desta definição, considere-

se o caso clássico da expansão e contração de gases, um problema clássico em Química.

Page 13: Relatório de Estágio Componente de Química

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Figura 3: Expansão de um gás contra uma pressão externa constante, num cilindro dotado dum pistão móvel

sem peso (1).

Na figura 3 representa-se o problema em questão, que permite, por exemplo, explicar o

funcionamento de pistões num motor de combustão interna. Apresenta-se um gás contido dentro dum

cilindro que contém um pistão móvel e sem peso. Este gás encontra-se em dadas condições de pressão

e temperatura e ocupa um dado volume, Vi. A sua expansão irá fazer com que ocupe um volume final

superior, Vf. A função de estado volume irá assim alterar-se de acordo com uma variação ΔV = Vf −

Vi. Dado tratar-se de uma expansão do gás, o seu volume irá aumentar e pode afirmar-se que ΔV>0.

Sabe-se ainda que este gás está sujeito a uma força resultante da pressão atmosférica, P, que se sabe

ser constante. Por esta razão, o trabalho realizado pelo sistema na sua vizinhança será dado por

𝑤 = −𝑃𝛥𝑉 [5]

Esta expressão é consistente com a expressão 𝑤 = 𝐹 × 𝑑, como se pode concluir por análise

dimensional (ambas resultam em Nm, isto é, J). No caso de expansão do gás, o trabalho terá

necessariamente de ser negativo, o que significa que o processo leva a um ganho da energia da

vizinhança. Se se analisasse o caso de contração do gás, viria que ΔV<0 e então o trabalho seria

positivo, isto é, a vizinhança gastava energia no sistema sob a forma de trabalho. (1)

Notar que o trabalho não é uma função de estado, já que dois sistemas com iguais estados iniciais que

sofram transformações que levem a iguais estados finais podem ter variações de energia na forma de

trabalho diferentes, isto é, o trabalho realizado ou exercido por um sistema depende do processo que

se dá.

O calor, habitualmente representado por q, também não é uma função de estado. O aquecimento de

um dado corpo é, normalmente, obtido através da transferência de energia térmica na forma de calor

dum outro sistema que se encontra na vizinhança do objeto de estudo. Apesar disso, é igualmente

possível levar ao aquecimento desse corpo (ou sistema) através da realização de trabalho no mesmo.

Page 14: Relatório de Estágio Componente de Química

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Novamente, a variação da energia transferida sob a forma de calor a um sistema irá depender do

processo que se realiza e não apenas das funções de estado inicial e final do sistema em estudo. Pode-

se então concluir que quer o calor, quer o trabalho não são funções de estado já que não são

propriedades dum sistema, mas sim manifestações do próprio processo de transformação. (2)

4.4.Variação de entalpia das reações químicas

Realizada a discussão da Primeira Lei da Termodinâmica de um modo mais ou menos genérico,

passar-se-á à aplicação da mesma para o estudo das reações químicas. Estas costumam dar-se em

condições em que se garante que pelo menos uma das variáveis de estado do sistema se mantém

constante. Considerar-se-á primeiro o caso em que se garante que não existem variações do volume

do sistema, ou seja, em que ΔV=0. Nestas condições tem-se que o trabalho w é nulo e, considerando-

se a formulação feita anteriormente da Primeira Lei da Termodinâmica, pode afirmar-se que

𝛥𝑈 = 𝑞𝑣 [6]

Ou seja, a alteração de energia num sistema depende unicamente das trocas de energia sob a forma

de calor que este realiza com a vizinhança. Devido à fixação de um volume constante denota-se este

calor como 𝑞𝑣. (1)

Durante o estudo duma transformação química é comum realizar-se o controlo da variável de estado

pressão, já que é relativamente simples garantir que esta se mantém constante. Toma-se habitualmente

o valor de pressão atmosférica para o sistema reacional em estudo. Neste caso, se uma reação resulta

num aumento da quantidade matéria gasosa presente no sistema reacional, irá ter-se automaticamente

um aumento do volume de gás presente, isto é, uma expansão. Como 𝑤 = −𝑃𝛥𝑉, então vem que o

sistema realiza trabalho na vizinhança. Se o oposto se verificar e o número de moles gasosas reduzir

na reação química em análise, irá ter-se uma contração do gás que leva a um trabalho positivo, ou

seja, a que seja a vizinhança a realizar trabalho sobre o sistema. Logicamente, sem variação do

número de moles gasosas não haverá alteração do volume de gás presente no sistema e não se realiza

trabalho do ou sobre o sistema.

Em qualquer um destes casos, pode aplicar-se a Primeira Lei da Termodinâmica e obter-se

𝛥𝑈 = 𝑞𝑝 + 𝑤 [7]

Ou seja,

𝑞𝑝 = 𝛥𝑈 + 𝑃𝛥𝑉 [8]

Define-se assim calor num processo realizado a pressão constante.

Page 15: Relatório de Estágio Componente de Química

15

Daqui surge o conceito de entalpia (H), uma função de estado termodinâmica que é definida por

𝐻 = 𝑈 + 𝑃𝑉 [9]

Em que E é representa energia interna do sistema, sendo P e V a sua pressão e volume. Tendo a

grandeza PV dimensões de trabalho, vem que a entalpia tem dimensões de energia.

Como a entalpia é uma função de estado, dependerá apenas do estado final e inicial do sistema em

questão. Sendo U, P e V funções de estado, pode definir-se variação de entalpia como

ΔH = ΔU + Δ(PV) [10]

Que, no caso de um sistema reacional mantido em condições de pressão constante, fica

ΔH = ΔU + PΔV [11]

Relembrando a equação acima presente, conclui-se assim que a variação de entalpia dum dado

sistema reacional não passa da sua variação de calor em condições de pressão constante, isto é, 𝛥𝐻 =

𝑞𝑝. (1)

Esta é uma conclusão particularmente importante porque a maioria das reações que se estudam são

realizadas em condições de pressão constante. Assim, pode-se medir diretamente o valor de variação

de entalpia da reação (ΔH) com base na medição da transferência de energia na forma de calor.

Quanto ao sinal, pode-se ter:

• ΔH > 0, o que implica absorção de calor da vizinhança por parte do sistema (reação

endotérmica);

• ΔH < 0, o que implica libertação de calor para a vizinhança por parte do sistema (reação

exotérmica)

Para compreender o significado físico do valor de entalpia, considerem-se dois exemplos:

I. A transformação física do gelo em água líquida, a T=0ºC e p=1 bar:

H2O(s) → H2O(l)

Cuja variação de entalpia é ΔH0 = 6,01 kJ/mol.

Este é um processo que se sabe, do senso comum, ser endotérmico, já que é necessário que o

sistema gelo receba energia de maneira a passar ao estado físico líquido. Sabendo o valor de

variação de entalpia deste processo, pode afirmar-se que é necessário fornecer 6,01 kJ de

energia a cada mole de água gelada do sistema para que a transformação física se dê a

temperatura constante. Uma variação de entalpia positiva indica que um processo é

endotérmico.

Page 16: Relatório de Estágio Componente de Química

16

II. A combustão do metano

CH4(g) + 2 O2(g) → CO2(g) + 2 H2O(l)

Cuja variação de entalpia é ΔH0 = -890,4 kJ/mol.

Apelando mais uma vez ao senso comum, sabe-se que esta reação leva a libertação de energia

pelo sistema para a vizinhança, sendo por isso uma reação exotérmica. O facto de o valor de

variação de entalpia ser negativo confirma esta observação, já que indica que existe a

libertação de 890,4 kJ de energia na forma de calor por cada mole de metano que reage. Ou

seja, uma variação de entalpia negativa permite concluir de imediato que o processo é

exotérmico.

Todavia, a verdadeira importância do estudo da variação de entalpia dum sistema reacional encontra-

se na sua relação com a variação da energia total no sistema reacional. Esta relação matemática já

tinha sido apresentada um pouco atrás como sendo ΔH = ΔU + PΔV. Pode-se daqui deduzir

facilmente que ΔU = ΔH − PΔV. Considerando o caso duma reação realizada a pressão constante,

verifica-se que a diferença entre a variação da energia total no sistema reacional irá estar diretamente

relacionada com o aumento ou diminuição do volume de gás presente no sistema reacional. Este

volume será tanto maior quanto maior for o número de moles gasosas presentes no sistema, de acordo

com a Lei de Avogadro. Assim, conclui-se que no caso da expansão dum gás (ΔV > 0), a variação de

energia do sistema será inferior à variação de entalpia, ou seja, ΔU < ΔH. Já no caso de contração de

um gás (ΔV < 0), a variação de energia do sistema será superior à variação de entalpia. Estas variações

são geralmente pequenas, já que é uma pequena parte da energia interna total dum sistema que irá ser

gasta ou recebida no trabalho realizado com o gás.

Por fim, em reações que não envolvam gases ou a alteração do número de moles gasosas, vem que

ΔV=0. Ora, isto implicará que o sistema não realiza trabalho e que a variação de entalpia será igual à

variação de entalpia do sistema, isto é, pela equação [11], ΔH = ΔU + PΔV resulta em ΔH = ΔU se

ΔV = 0.

Page 17: Relatório de Estágio Componente de Química

17

4.5.Calorimetria

Toda a discussão feita até este ponto teve um ponto de vista essencialmente teórico. Apesar de ser

uma observação ciente das limitações práticas associadas às medições que podem ou não ser feitas,

não se falou da execução prática de medições que permitam obter os valores de variação de energia

associados a uma reação química. A medição de variações de calor em transformações físicas e

químicas é feita com recurso a um recipiente fechado apropriado para o efeito a que se dá o nome de

calorímetro. Por essa razão, a medição de variações de calor é denominada de calorimetria.

Para perceber um pouco mais acerca destes processos é necessário desenvolver os conceitos de

capacidade térmica mássica (c) e capacidade calorífica (C).

A capacidade térmica mássica é a quantidade de energia transferida por calor necessária para

aumentar de 1ºC (ou 1K) a massa de 1 g de uma dada substância. Apesenta por isso unidades

J g−1 K−1. Trata-se de uma propriedade característica da substância em questão, não dependendo da

massa ou do volume da amostra – trata-se de uma propriedade intensiva. (1)

Por sua vez, a capacidade calorífica de um dado objeto é a quantidade de energia que tem de se

transferir a um corpo sob a forma de calor de maneira a aumentar a sua temperatura de 1ºC (ou 1 K).

Apresenta unidades J K−1 Depende da massa ou do volume da amostra em questão – é por isso uma

propriedade extensiva. (1)

Conhecida a capacidade térmica mássica de um dado material é possível calcular a capacidade

calorífica de um objeto composto por esse material através da relação matemática

C = mc [12]

O valor da capacidade térmica mássica permite também calcular a energia fornecida sob a forma de

calor a um dado corpo quando é conhecida a variação de temperatura (ΔT) que este sofre através da

relação matemática seguinte:

Q = mcΔT [13]

A capacidade térmica mássica pode ser medida em condições de pressão ou de volume constante.

Quando medida em condições de pressão constante é representada pelo símbolo cp e permite calcular

a quantidade de energia trocada sob a forma de calor a pressão constante, isto é, a variação de entalpia

do sistema pela expressão

ΔH = mcpΔT [14]

Page 18: Relatório de Estágio Componente de Química

18

Quando medida em condições de volume constante, a capacidade térmica mássica é representada pelo

símbolo cv e permite calcular a variação de energia interna do sistema

ΔU = mcvΔT [15]

Esta expressão resulta do facto de neste caso não ser realizada qualquer troca de energia na forma de

trabalho.

Por fim, vamos analisar estas duas últimas equações de maneira a comparar cv e cp. Relembrando a

equação [11], sabe-se que desta se pode retirar que ΔU = ΔH − PΔV. Ou seja, a energia interna dum

sistema é resultante da subtração do trabalho que realiza à sua variação de entalpia. Se se mantiver a

pressão constante, existe realização de trabalho no aquecimento do sistema que leva a que a variação

de energia interna seja menor que a variação de entalpia do sistema. No entanto, se se mantiver

volume constante, não é possível a realização de trabalho e a variação de energia do sistema será

então igual à variação da sua entalpia. Por outras palavras, a variação de entalpia será sempre igual

ou superior à variação de energia interna dum sistema (ΔH ≥ ΔU), Associando isto às equações [14]

e [15], torna-se possível afirmar que a capacidade térmica mássica medida a pressão constante é

superior à capacidade térmica mássica medida a volume constante, pois na segunda não existe a perda

de energia associada à realização de trabalho pelo sistema.

O processo de calorimetria mais comum é a calorimetria a volume constante. Este processo faz uso

dum calorímetro de combustão, um recipiente cilíndrico de paredes rígidas no qual se pode realizar

uma reação química, logo não existe variação do volume total do sistema reacional. Este calorímetro

é normalmente cheio com oxigénio a pressão elevada e imerso em água. O reagente é inserido no

calorímetro e a combustão é iniciada remotamente, pelo que o calor libertado ou absorvido pelo

sistema pode ser calculado indiretamente através da variação da temperatura da água, que constitui

neste caso a vizinhança do sistema. Todas as trocas de energia sob a forma de calor são feitas entre a

água e o calorímetro. Este é desenhado de maneira a garantir que as perdas de energia durante o

processo de medição são desprezáveis, pelo que o sistema água + calorímetro pode ser considerado

um sistema isolado. Aplicando a Primeira Lei da Termodinâmica pode então concluir-se que

qcal + qrea = 0 [16]

qrea = − qcal [17]

Pelo que basta calcular a transferência de energia sob a forma de calor do calorímetro para se saber a

quantidade de energia transferida por calor pelo sistema reacional. Este pode ser obtido por

qcal = CcalΔT [18]

Page 19: Relatório de Estágio Componente de Química

19

Em que a capacidade térmica do calorímetro pode ser determinada realizando uma combustão duma

substância padrão da qual se conhece com exatidão a energia libertada sobre a forma de calor.

Conhecida a capacidade térmica do calorímetro, é possível calcular a energia libertada ou absorvida

por calor durante a reação considerada. (1)

Enquanto o processo anterior é ideal para o estudo de reações de combustão, apresenta a limitação de

não permitir obter diretamente o valor de variação de entalpia da reação considerada. Para se

conseguir isso tem de se considerar o processo mais simples de calorimetria a pressão constante. Para

este processo basta usar um copo de esferovite tapado e um termómetro para medição de temperatura.

Considerando este calorímetro simples como um sistema isolado e desprezando a capacidade térmica

do copo de esferovite (que é muito baixa, dada a má condutividade térmica da esferovite), basta

calcular a variação de energia sob a forma de calor na água para determinar a variação de energia sob

a forma de calor do sistema. Variação essa que, em condições de pressão constante, corresponde à

variação de entalpia do sistema reacional. (1) (2)

4.6. Variação de entalpia padrão de formação e de reação

Até este ponto do trabalho já foi mencionada por várias vezes a medição de variações de entalpias de

reações químicas a partir da medição do calor absorvido ou libertado por um sistema reacional.

Porém, tal como a energia, a medição do valor absoluto de entalpia não é possível. Apenas se

conseguem medir variações dos mesmos a partir de valores de referência.

Para se medirem valores de variação de entalpia para diferentes substâncias, foi necessário

convencionar um dado valor de referência. Diz-se que o estado padrão das substâncias é aquele em

que estas se encontram a uma pressão de 1 bar. Por essa razão, definiu-se variação de entalpia de

formação padrão (ΔH0f) como o calor resultante da formação de 1 mole do composto em questão a

partir dos seus elementos constituintes no estado mais estável, à pressão de 1 bar. Trata-se de um

valor variável com a temperatura, mas é habitual considerar como valores de variação de entalpia de

formação padrão as medições feitas à temperatura de 25ºC.

Define-se assim variação de entalpia padrão da reação (ΔH0rea) como a variação da entalpia da

reação à pressão de 1 bar. Este valor pode ser calculado a partir da expressão geral:

ΔHrea0 = ∑ nΔHf

0(produtos) − ∑ mΔHf0(reagentes) [19]

Em que n e m se referem, respetivamente, aos coeficientes estequiométricos dos reagentes e dos

produtos da reação. (1)

Page 20: Relatório de Estágio Componente de Química

20

Para se proceder ao cálculo da variação de entalpia padrão de reação é necessário conhecer os valores

de variação de entalpia de formação padrão dos compostos que compõem reagentes e produtos. Na

clara maioria das substâncias não é possível determinar diretamente o seu valor de entalpia de

formação padrão. Existem, contudo, exceções. Alguns compostos são facilmente sintetizáveis a partir

das substâncias elementares que o constituem. Toma-se assim a reação de síntese do composto que

se pretende analisar nas condições padrão, medindo a entalpia diretamente. As entalpias de formação

padrão de tais substâncias são hoje bem conhecidas e são fáceis de encontrar em tabelas. (1)

A partir dos valores tabelados, faz-se uso da Lei de Hess. O enunciado desta lei é o que se segue:

Quando reagentes são convertidos em produtos, a variação de entalpia é a mesma quer a reação se

dê num único passo ou numa série de passos. (1)

Isto permite proceder à formação do composto pretendido a partir de uma série de reações para as

quais se conheça a sua variação de entalpia padrão, somando os valores obtidos de seguida. A validade

desta lei advém do facto da entalpia ser uma função de estado, pelo que a variação dos seus valores

depende apenas do estado do sistema e não do processo que levou a que se atingisse tal estado.

Geralmente, procura-se aplicar a lei de Hess de maneira a que as diferentes reações permitam anular

a contribuição de todas as espécies à exceção de todas aquelas que apareçam na reação geral.

Page 21: Relatório de Estágio Componente de Química

21

5. Atividade laboratorial AL 2.3 – Determinação da entalpia de neutralização da reação

NaOH (aq) + HCl (aq)

Esta atividade laboratorial de cariz obrigatório surge no seguimento do estudo do domínio

Combustíveis, energia e ambiente da disciplina de Química 12º ano, mais concretamente inserida no

subdomínio De onde vem a energia dos combustíveis. Este momento serve de desenvolvimento do

estudo do conceito de variação de entalpia de uma reação, introduzido no 10º ano de escolaridade,

em que se fez uma abordagem teórica e simplificada destes conceitos. Ao nível do 12º ano, pretende-

se que essa abordagem seja aprofundada e adquira uma componente experimental. É por esta razão

que se apresenta esta atividade que se trata, no fundo, da execução de uma calorimetria a pressão

constante. Pretende-se assim determinar experimentalmente a variação de entalpia na reação de

neutralização NaOH (aq) + HCl (aq).

Analisando mais atentamente o Programa (3), este atenta os seguintes objetivos e sugestões para esta

atividade laboratorial:

Evidencia-se assim que a intencionalidade desta atividade laboratorial é procurar determinar

experimentalmente a variação de entalpia da reação de neutralização. Ou seja, procura-se desenvolver

e consolidar os conhecimentos de termodinâmica química através da realização de uma calorimetria

a pressão constante, invocando para isso os conhecimentos acerca de reações ácido-base estudados

no 11º ano de escolaridade.

Apresentar-se-á de seguida uma proposta de abordagem didática desta atividade dividida nas três

partes principais: pré-laboratorial, execução laboratorial, pós-laboratorial.

Objetivo geral: Determinar a variação de entalpia na reação de neutralização de soluções

aquosas de hidróxido de sódio e de ácido clorídrico.

1. Realizar uma titulação termométrica

2. Elaborar o gráfico de temperatura em função do volume de titulante adicionado.

3. Identificar o ponte de equivalência e associá-lo à temperatura mais elevada registada no

decorrer da titulação.

4. Determinar a entalpia de neutralização.

5. Determinar o erro percentual.

Page 22: Relatório de Estágio Componente de Química

22

5.1. Fase pré-laboratorial

O sucesso de qualquer atividade laboratorial está sempre dependente da sua preparação. O papel do

professor deve ser preparar a atividade de maneira a potenciar as condições de aprendizagem de

sucesso do estudante, realizando todas as tarefas que sejam necessárias e planificando o trabalho que

pretende que seja executado pelos estudantes.

Analisando com mais atenção esta atividade laboratorial, verifica-se que se trata duma execução de

cariz quase demonstrativo, em que se pretende acima de tudo a execução de técnicas laboratoriais

adequadas ao mesmo tempo que se aplicam os conhecimentos lecionados acerca das trocas

energéticas dum sistema reacional, nomeadamente a variação de entalpia. Trata-se assim de uma

calorimetria realizada em condições de pressão constante, em que se irá proceder a uma titulação

ácido-base, com soluções aquosas de hidróxido de sódio e de ácido clorídrico. Ou seja, promover-se-

á a reação

NaOH (aq) + HCl (aq) → NaCl (aq) + H2O (l)

Que resulta na reação de neutralização

OH− (aq) + H3O+ (aq) → H2O (l)

Lembrando os objetivos presentes no Programa, enunciados atrás, e considerando o trabalho a ser

executado pelos estudantes, será indicado que o professor faça uma breve revisão dos conteúdos

lecionados no ano anterior acerca de reações ácido-base. Relembrar em que consiste uma reação de

neutralização e o significado do conceito de ponto de equivalência deverá ser feito na aula anterior à

atividade. Alertando que se trata de uma titulação entre um ácido e uma base fortes, o professor deverá

aferir se os estudantes conseguem prever a curva de titulação obtida e calcular o volume de solução

de ácido clorídrico que será necessário para se atingir o ponto de equivalência, conhecendo as

concentrações em jogo.

Além dos conhecimentos teóricos associados, é importante garantir que os estudantes estão

familiarizados com os conhecimentos processuais que terão de invocar. Estes já terão sido

desenvolvidos no ano anterior, mas pode ser necessário relembrar alguns detalhes. O uso de recursos

multimédia, nomeadamente de simulações e vídeos, permitirá que esta tarefa será realizada.

Trabalhados os conhecimentos prévios que serão necessários evocar, é possível passar à preparação

da atividade a ser realizada mais em concreto. Os estudantes deverão compreender que o trabalho

passará pela realização de uma titulação ácido-base dentro dum calorímetro a pressão constante.

Page 23: Relatório de Estágio Componente de Química

23

Como se conhece que a reação de neutralização do hidróxido de sódio com o ácido clorídrico é uma

reação exotérmica, sabe-se que à medida que o ácido é adicionado à base irá haver um aumento de

temperatura. No momento em que se atingir o ponto de equivalência e não houver mais base para

reagir com o ácido, a temperatura irá estabilizar e atingiu-se o ponto de equivalência. Este processo

é conhecido como uma titulação termométrica.

É importante que fique claro que o objetivo não é a determinação da concentração rigorosa da solução

titulada, mas sim a medição da variação de entalpia na reação de neutralização e sua comparação com

o valor tabelado de -57,1 kJ mol-1. É esta a razão pela qual a reação se dá dentro dum calorímetro que

garanta o isolamento térmico do sistema reacional e medir a variação de temperatura do sistema (ΔT).

A partir da equação [13], Q = mcΔT, é possível calcular a energia libertada pelo sistema reacional na

forma de calor à medida que se dá a reação de neutralização. Da definição de variação de entalpia de

reação, vem que esta será exatamente o calor libertado por cada mole de água (n) resultante da reação

de neutralização. Ou seja,

ΔH =Q

n

ΔH =mcΔT

n

Em que m é a massa inicial da solução aquosa de hidróxido de sódio e c é a capacidade térmica da

solução.

Assim, bastará medir a temperatura inicial, Ti, do sistema (o titulado, que é a solução aquosa de

hidróxido de sódio) e verificar a variação da temperatura à medida que se vai adicionando o ácido

clorídrico (o titulante). Quando se atingir o ponto de equivalência, a temperatura estabiliza num valor

máximo, Tf, e obtém-se a variação de temperatura ΔT. Conhecido ainda o volume de ácido clorídrico

necessário para se dar a reação de neutralização, pode calcular-se a quantidade de reagente (neste

caso ácido clorídrico) que participa da reação.

Num laboratório de química é sempre importante conhecer os riscos associados à manipulação de

determinados reagentes. Neste sentido, é sempre aconselhável responsabilizar os estudantes pela

pesquisa prévia dos perigos associados a cada um dos reagentes através da consulta de ficha de dados

de segurança do reagente em questão. Considerando esta atividade em concreto, os reagentes a serem

utilizados são o hidróxido de sódio e o ácido clorídrico.

[20]

[21]

Page 24: Relatório de Estágio Componente de Química

24

Reagente Pictogramas de perigo Riscos associados

Ácido clorídrico (HCl)

Trata-se de um material nocivo e

corrosivo. Pode ser corrosivo

para os metais, provocar

queimaduras na pele, lesões

oculares graves e irritação das

vias respiratórias

Hidróxido de sódio (NaOH)

Trata-se de um material

corrosivo. Pode ser corrosivo

para os metais, provocar

queimaduras na pele e lesões

oculares graves-

Tabela 1: Riscos associados à utilização dos reagentes da atividade laboratorial AL 2.3.

Considerando que nesta atividade laboratorial se pretende utilizar a medição da massa da solução de

hidróxido de sódio para proceder ao cálculo da energia libertada sob a forma de calor, é importante

que a variação de massa induzida pela adição de titulante não seja muito grande. Por outras palavras,

é importante que o volume de hidróxido de sódio a participar na reação seja bastante superior ao

volume de ácido clorídrico que será necessário adicionar. Para garantir isso, é recomendável utilizar

uma solução de ácido clorídrico bastante mais concentrada que a do hidróxido de sódio. Considere-

se que se tem HCl (aq) a 2,0 mol dm-3 e NaOH a 0,10 mol dm-3, sendo o volume inicial de NaOH a

ser introduzido no calorímetro 100,00 mL.

Figuras 4 e 5: Exemplo de esquema de montagem a ser utilizado para a AL 2.3

Por fim, mas não menos importante, o professor deve garantir que todo o material necessário para a

montagem laboratorial está disponível e em boas condições de uso por parte dos estudantes. O

material necessário para a montagem experimental é o seguinte:

Page 25: Relatório de Estágio Componente de Química

25

• Bureta

• Suporte universal

• Noz

• Garra para bureta

• Gobelé

• Pipeta volumétrica de 100,00 mL

• Pompete ou macrocontrolador

• Calorímetro com tampa (pode ser um copo de esferovite com tampa apropriada)

• Termómetro

• Agitador e barra magnética

• Funil

• Balança eletrónica

Sugere-se que se separem os estudantes em grupos de 3 a 4 elementos (conforme o número de

elementos da turma), e que cada grupo tenha uma montagem para trabalhar. O professor deverá testar

todo o material previamente, verificando as concentrações dos reagentes por meio duma titulação.

Deste modo poderá verificar o bom funcionamento da bureta e as condições dos reagentes.

5.2. Fase laboratorial

No dia da realização da atividade laboratorial propriamente dita, devem definir-se os cuidados de

segurança que irão ser seguidos durante a realização da atividade laboratorial:

• Utilização da bata;

• Utilização de luvas de latex de maneira a evitar o contacto dos reagentes com a pele;

• Particular cuidado para evitar a inalação de vapores dos reagentes utilizados, em especial do

ácido clorídrico, dada a sua concentração. Seria ideal a utilização de óculos de proteção e de

máscara.

De seguida deve entregar-se aos estudantes um protocolo experimental simples que indique as

operações que deve realizar de maneira a atingir os objetivos da atividade. Este incluirá um

procedimento similar ao que se segue:

Page 26: Relatório de Estágio Componente de Química

26

A execução laboratorial deve ser deixada às mãos dos estudantes, conferindo-lhes tanta autonomia

quanto possível. O professor deve assumir um papel mais regulador, ajudando os estudantes com

dificuldades que possam ter, garantindo o respeito pelas normas de segurança e a boa utilização do

material.

Apresentam-se de seguida dados exemplificativos daqueles que seriam obtidos durante uma execução

laboratorial similar a esta:

Através das medições das massas, obtém-se a massa da solução de hidróxido de sódio, m

mcopo = 3,11 g

mcopo+solução = 103,02 g

m = mcopo+solução − mcopo = 103,02 − 3,11 = 99,1 g

Registam-se as concentrações indicadas nos rótulos de cada um dos frascos das soluções

|HCl| = 1,844 mol dm−3

1. Pesar o calorímetro (copo de esferovite).

2. Pipetar 100 mL de solução aquosa de NaOH para o interior do calorímetro e pesar o

conjunto copo + solução. Através da diferença entre esta massa e a anterior, determinar a

massa da solução, m.

3. Colocar a barra magnética dentro do calorímetro e colocar este em cima do agitador.

4. Fechar o copo com a tampa de maneira a garantir o seu bom funcionamento como

calorímetro. A tampa tem apenas duas aberturas, uma para o termómetro e outra para a

extremidade da bureta.

5. Introduzir a sonda do termómetro no calorímetro através da extremidade adequada,

garantindo que esta fica mergulhada.

6. Preparar a bureta com a solução de HCl, com cuidado.

7. Posicionar a bureta de maneira a que a sua extremidade fique no interior do calorímetro e

que todo o sistema fique termicamente isolado.

8. Ligar o termómetro e registar a temperatura inicial.

9. Registar o volume inicial na bureta e adicionar 0,50 mL de HCl. Registar a temperatura

indicada alguns instantes depois.

10. Repetir o procedimento anterior até que a temperatura estabilize num valor máximo,

correspondente ao ponto de equivalência. Verificar o volume de HCl adicionado.

Page 27: Relatório de Estágio Componente de Química

27

|NaOH| = 0,1 mol dm−3

Procedeu-se então à titulação termométrica, registando-se o volume de HCl adicionado e a

temperatura verificada à medida que se ia adicionando o ácido

Tabela 2 e Gráfico 1: Tabela dos dados registados durante a titulação e gráfico correspondente, em que se

apresenta a variação da temperatura do sistema, em ºC, em função do volume de ácido clorídrico adicionado.

Daqui se verifica que a temperatura inicial era de 20,1 ºC, e que o ponto de equivalência se alcança

quando a temperatura chega a 21,5 ºC, que se alcança quando se adiciona um volume de 5,67 mL de

HCl. Ou seja

V = 5,67 mL

ΔT = 21,5 − 20,1 = 1,4 ℃

5.3.Fase pós-laboratorial

Obtidos os dados, pretende-se que os estudantes realizem todos os cálculos necessários para obter o

valor de entalpia da reação de neutralização. Utilizando os dados exemplificativos apresentados atrás,

vai-se demonstrar o que se pretendia que os estudantes fizessem.

Considerando a capacidade térmica mássica da solução como sendo c = 3,9 J g−1 K−1, pode-se então

proceder ao cálculo do calor libertado pela reação de neutralização.

Q = mcΔT = 99,1 × 3,9 × 1,4 = 541 J

Na realidade, como o calor é libertado convenciona-se Q = −541 J.

V(HCl) / mL T / ºC

0 20,1

0,56 20,2

1,08 20,4

1,56 20,5

2,1 20,7

2,55 20,8

3,07 20,9

3,59 21,1

4,08 21,2

4,6 21,3

5,06 21,4

5,67 21,5

6,04 21,5

6,65 21,5

7,15 21,5

7,64 21,5

20

20,2

20,4

20,6

20,8

21

21,2

21,4

21,6

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

T /

ºC

V(HCl) adicionado / mL

Page 28: Relatório de Estágio Componente de Química

28

Que foram libertados pela neutralização da seguinte quantidade de hidróxido, que corresponde a igual

quantidade de água

n = V ∗ |HCl| = 5,67 × 10−3 × 1,844 = 0,0105 mol

Conhecida a quantidade de hidróxido que reagiu e o calor libertado durante essa reação, é então

possível determinar a variação de entalpia da reação de neutralização

∆H =Q

n=

−541

0,0105= −51,5 kJ mol−1

O que, considerando o valor tabelado de -57,1 kJ mol-1 corresponde a um erro de

𝑒𝑟 =|∆𝐻𝑚𝑒𝑑𝑖𝑑𝑜 − ∆𝐻𝑡𝑎𝑏𝑒𝑙𝑎𝑑𝑜|

|∆𝐻𝑡𝑎𝑏𝑒𝑙𝑎𝑑𝑜|× 100 =

|−51,05 − (−57,1)|

| − 57,1|× 100 = 10,6 %

Ou seja, conseguiu-se determinar o valor de entalpia de neutralização da reação NaOH (aq) + HCl

(aq) como sendo de -51,5 kJ mol-1. Este valor apresenta um erro de 10,6% em relação ao valor

tabelado.

Os dados exemplificativos aqui apresentados mostram que a experiência apresentou resultados

satisfatórios. Importa, contudo, fazer com que os estudantes reflitam um pouco acerca da razão pela

qual existe um erro por defeito, ainda que pequeno. Tomando novamente o exemplo, existem dois

pontos principais:

• O facto de se falar dum erro por defeito significa que há calor libertado na reação que está a

escapar do calorímetro para o meio exterior. Ou seja, o sistema não é completamente isolado.

Isto seria uma necessidade das limitações de qualquer real, mas a necessidade de se terem

aberturas para o sensor do termómetro e a extremidade da bureta acabam por agravar este

efeito.

• Num trabalho deste tipo, a existência de erros aleatórios e de leitura são inevitáveis,

introduzindo sempre um fator de erro mais ou menos apreciável.

Feita esta discussão e retirados os pontos principais da atividade, deve sensibilizar-se os estudantes

para a correta eliminação de resíduos, armazenando-os num recipiente apropriado. Embora,

posteriormente e em privado, estes resíduos possam ser eliminados pela canalização, dado não

apresentarem risco de contaminação de águas, importa sensibilizar os estudantes para a importância

de ser particularmente cuidadoso na gestão dos resíduos resultantes do trabalho em laboratório e

introduzir bons hábitos no seu comportamento.

Page 29: Relatório de Estágio Componente de Química

29

Considerando que estamos a lidar com estudantes do 12º ano de escolaridade, é ainda importante

responsabilizá-los pela limpeza do material e da bancada. Mesmo que esta seja imperfeita e haja

necessidade duma nova limpeza posteriormente, o simples gesto responsabiliza os estudantes pela

manutenção dum espaço e dum material comunitário.

Page 30: Relatório de Estágio Componente de Química

30

6. AL 2.4 – Determinação da entalpia de combustão de diferentes álcoois, uma breve

análise

No contexto do subdomínio De onde vem a energia dos combustíveis, pertencente ao domínio

Combustível, energia e ambiente do 12º ano da escolaridade existe ainda uma segunda atividade

laboratorial obrigatória: a AL 2.4 – Determinação da entalpia de combustão de diferentes álcoois.

Novamente, trata-se de uma atividade laboratorial de cariz fortemente técnico, em que se pretende

que os estudantes realizem uma calorimetria de maneira a determinarem a entalpia de combustão de

uma série de álcoois. Pretende-se que os estudantes prevejam a influência que o comprimento da

cadeia carbonada de cada álcool e a posição do grupo OH no mesmo terão no valor da variação da

entalpia da sua combustão, ou seja, no calor que libertam durante a sua combustão.

Analisando o Programa (3), esta AL apresenta as seguintes metas e objetivos:

Uma atividade laboratorial deste tipo é bastante propícia à utilização da estratégia POE, levando os

estudantes a prever os resultados que vão ser obtidos para uma série de álcoois com cadeias de

diferentes tamanhos e estruturas. A execução da atividade experimental e a realização dos diferentes

cálculos permitem obter os valores necessários e realizar a comparação com os valores tabelados e

aquilo que havia sido previsto pelos estudantes. No final, conforme se verifique a previsão realizada

pelos estudantes, ou não, estes deverão desenvolver em grupo uma explicação para os resultados

obtidos.

A análise desta atividade laboratorial vai ser um pouco menos aprofundada do que aquela realizada

para a anterior, focando-se nos aspetos que maximizarão o seu aproveitamento didático e a obtenção

de melhores resultados.

Na fase pré-laboratorial, os estudantes devem identificar a fórmula de estrutura de todos os álcoois a

serem utilizados, investigando também os riscos associados ao seu manuseamento. Já o professor

deve garantir a qualidade da montagem, que assume alguma complexidade. Será necessário instalar

Objetivo geral: Investigar a influência da posição do grupo OH e do comprimento da cadeia

carbonada de álcoois na energia libertada durante a combustão.

1. Calcular a variação de entalpia de combustão para cada um dos álcoois.

2. Traçar e interpretar o gráfico da variação de entalpia de combustão em função do número

de átomos de carbono nos álcoois.

3. Identificar erros que possam ter afetado as medições efetuadas.

4. Concluir qual é a relação entre a entalpia de combustão e a estrutura dos álcoois.

Page 31: Relatório de Estágio Componente de Química

31

um calorímetro de combustão e preparar um termómetro para que consiga medir a temperatura da

água que se vai introduzir no calorímetro.

Algumas notas adicionais que se devem deixar acerca deste procedimento são ainda:

• Posicionar o termómetro a cerca de meia altura do vaso com água;

• Proceder à combustão, em cada ensaio, aproximadamente durante o mesmo tempo;

• Utilizar o mesmo volume de água nos vários ensaios;

• Entre ensaios, arrefecer o calorímetro com água à temperatura ambiente;

• Agitar vigorosamente a água antes de efetuar a medição final de temperatura.

Figuras 6 e 7: Exemplo de montagem utilizado para a AL 2.5

Considerando a variação de temperatura registada para a combustão de cada um dos álcoois, ΔT, é

possível utilizar a expressão Q = mc∆T para determinar o calor libertado durante a combustão.

Para aproximação, considera-se que toda a energia libertada durante o processo de combustão é

transferida para a água presente no calorímetro. Conhecido o volume de água adicionado, é possível

saber a massa de água que recebe energia, e assim, tomando a sua capacidade térmica mássica,

calcular a variação de entalpia da combustão. A realização desta atividade nestas condições não

compromete a capacidade de se estabelecerem comparações entre os valores obtidos, já que se

introduz um erro sistemático que irá afetar a exatidão dos dados obtidos, mas que não irá influenciar

a sua precisão. Ou seja, a comparação dos dados obtidos para análise da influência da estrutura

molecular dos álcoois continua a ser viável. Contudo, a comparação com os valores tabelados revela

erros bastante elevados.

Este erro sistemático pode ser corrigido se se considerar não só a transferência de energia para a água,

mas sim o calor transferido para todo o sistema água + calorímetro. Para fazer esta correção nos

cálculos, bastará apenas realizar a combustão de um álcool cujo valor de entalpia de combustão seja

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bem conhecido e utilizá-lo para determinar a capacidade térmica, C, do sistema calorímetro + água.

De seguida, utilizando esse valor e a expressão Q = C∆T, é possível determinar a variação da entalpia

de combustão dos diferentes álcoois com um elevado grau de exatidão, assim como precisão. Os

dados obtidos ficam afetados dum erro muito menor e apresenta-se aos estudantes uma estratégia

prática bastante comum no laboratório, em que se calibra um dado instrumento utilizando uma reação

ou substância bem conhecida de maneira a obter valores mais exatos com substâncias a serem

estudadas.

Finalmente, na fase pós-laboratorial, será interessante calcular os erros cometidos nos valores obtidos

com e sem calibração do calorímetro. Estes deverão variar da ordem dos 25% para valores inferiores

a 10% após calibração. Além da avaliação da exatidão dos valores obtidos experimentalmente, os

estudantes deverão observar que a entalpia de combustão de um álcool depende do comprimento da

cadeia carbonada e, em compostos isoméricos, da posição do grupo -OH. Verifica-se que

• Quanto maior for a cadeia carbonada, maior será o valor absoluto da variação de entalpia de

combustão

• Quanto mais próximo o grupo -OH se encontra da extremidade de uma molécula, menor será

o valor absoluto da sua variação de entalpia de combustão (isto para compostos com isomeria

do grupo -OH)

A explicação para o primeiro fenómeno relaciona-se com o facto de uma cadeia mais longa implicar

a existência de maior número de ligações, o que significa que existe maior armazenamento de energia

na molécula. Já para o segundo, verifica-se que quanto mais “exposto” estiver o grupo -OH mais

facilmente existirá a quebra desta ligação e menor será a energia libertada. Em compostos em que

esta ligação se encontra mais interior, existem ligações intermoleculares mais intensas e, por isso,

mais energéticas. Por essa razão, existe maior libertação de calor durante a sua combustão e uma

variação de entalpia superior.

Esta atividade permite concluir que, quanto maior for uma cadeia carbonada e quanto mais rica esta

for em grupos hidroxilo interior, mais energia libertará a combustão desse hidrocarboneto.

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7. Conclusões

Este trabalho permitiu resumir eficazmente os conteúdos de Termoquímica desenvolvidos nas

disciplinas de Física e Química e de Química do 7º ao 12º ano de escolaridade. Apesar de haver uma

grande tendência para associar o estudo da Termodinâmica à Física, a abordagem realizada ao nível

do 10º e, especialmente do 12º ano de escolaridade permite aos estudantes desenvolver um grau

apreciável de conhecimento acerca de Termodinâmica Química, isto é, Termoquímica. Este é um

estudo que acaba por se contextualizar bastante no estudo dos combustíveis e das razões pelas quais

conseguimos obter energia destes compostos. Pretende-se também, ao nível do 12º ano, desenvolver

as capacidades processuais dos estudantes no laboratórios, sendo nesse sentido que são desenvolvidas

duas atividades que exigem montagens relativamente complexas, que evocam diferentes técnicas e o

sentido crítico dos estudantes em relação a opções tomadas em relação às condições em que se

efetuam dadas experiências. Este foi um pensamento subjacente às abordagens propostas para as duas

atividades laboratoriais apresentadas e que deve estar sempre presente na mente dum professor ao

aplicar estas atividades na sua sala de aula.

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8. Bibliografia

(1) Chang, R., Chemistry, 10ª edição, McGraw Hill Education, 2010

(2) Atkins, P., De Paula, J., Physical Chemistry, 2012

(3) Ferreira, A. J., et al, Metas Curriculares de Química, 12º ano, Curso científico-humanístico(1

de Ciências e Tecnologias, Ministério da Educação e da Ciência (2014)

(4) Simeão, P., Paiva, J., et al, Ensino experimental das Ciências, Um guia para professores do

ensino secundário, U.Porto Editorial (2012)