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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENADORIA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E INTEGRAÇÃO ACADÊMICA PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E EM DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E INOVAÇÃO MATHEUS FELLIPE REGUTA Iniciação Científica (PIBIC CNPq) / Agosto de 2015 a Julho de 2016 Relatório individual final do bolsista GRUME – Grupo de Pesquisa Música e Expertise O DESENVOLVIMENTO DA EXPERTISE MUSICAL DE CÉSAR CAMARGO MARIANO POR MEIO DE EXPERIÊNCIAS VICÁRIAS: UMA ANÁLISE AUTOBIOGRÁFICA Relatório apresentado à Coordenadoria de Iniciação Científica e Integração Acadêmica da Universidade Federal do Paraná por ocasião da conclusão das atividades de Iniciação Científica ou Iniciação em desenvolvimento tecnológico e Inovação – Edital 2015/2016. Orientador: Prof. Dr. Danilo Ramos / Departamento de Artes CURITIBA 2016

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃOCOORDENADORIA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E INTEGRAÇÃO ACADÊMICA

PROGRAMA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E EM DESENVOLVIMENTOTECNOLÓGICO E INOVAÇÃO

MATHEUS FELLIPE REGUTAIniciação Científica (PIBIC CNPq) / Agosto de 2015 a Julho de 2016

Relatório individual final do bolsistaGRUME – Grupo de Pesquisa Música e Expertise

O DESENVOLVIMENTO DA EXPERTISE MUSICAL DE CÉSAR CAMARGO MARIANO PORMEIO DE EXPERIÊNCIAS VICÁRIAS: UMA ANÁLISE AUTOBIOGRÁFICA

Relatório apresentado à Coordenadoria deIniciação Científica e Integração Acadêmicada Universidade Federal do Paraná porocasião da conclusão das atividades deIniciação Científica ou Iniciação emdesenvolvimento tecnológico e Inovação –Edital 2015/2016.

Orientador: Prof. Dr. Danilo Ramos / Departamento de Artes

CURITIBA2016

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RESUMO

A expertise musical pode ser definida como o conjunto de estratégias cognitivas empregadas

pelos músicos (compositores ou instrumentistas) para a execução de performances musicais em

nível de excelência, considerando diferentes contextos. Cesar Camargo Mariano, pianista,

compositor e arranjador, é um artista de renome dentro do contexto da música popular

instrumental brasileira dos últimos 50 anos (portanto, um expert em sua área de atuação).

Recentemente foi publicada a autobiografia do compositor, em que ele relata o seu percurso

profissional desde seus primeiros contatos com música na infância. A partir dos pressupostos da

Teoria Social Cognitiva de Albert Bandura, o objetivo deste estudo foi compreender o

desenvolvimento da expertise musical de Cesar Camargo Mariano por meio da investigação de

suas experiências vicárias, que consistem no aprendizado por meio de observação repetitiva de

ações de outros e das ocasiões em que elas são recompensadas, ignoradas ou punidas. Para tal,

foi utilizado o método de pesquisa documental, por meio da coleta e organização dos dados em

uma planilha contendo fragmentos textuais da autobiografia do compositor que apresentaram

indícios de seu desenvolvimento musical, especialmente de habilidades relacionadas à sua

expertise. Os resultados da pesquisa mostram que as experiências vicárias foram uma das

principais estratégias de aprendizagem empregadas pelo instrumentista no curso de seu

desenvolvimento musical. Sendo assim, diferentemente das expertises de outros pianistas,

construídas especialmente por meio do ensino formal de música em conservatório (com a

prevalência de estratégias cognitivas de aprendizagem relacionadas à leitura e interpretação

musical), esta pesquisa mostrou que é possível que o desenvolvimento da expertise musical na

prática da música popular instrumental brasileira possa ser consolidada a partir da inserção de

outras estratégias de ensino, baseadas principalmente na escuta, imitação, repetição e

improvisação musicais.

Palavras-chave: expertise musical; Cesar Camargo Mariano; experiências vicárias.

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1. INTRODUÇÃO

A Expertise é um objeto de estudo na área da psicologia cognitiva. Seu intuito é

compreender a aquisição, o desenvolvimento e o funcionamento dos mecanismos cognitivos que

permitem a atuação de indivíduos em diversas atividades humanas em nível de excelência. Estes

indivíduos realizam atividades práticas de maneira bastante eficiente e são capazes de solucionar

problemas de sua área de forma qualitativamente superior a amadores.

Cesar Camargo Mariano (CCM), pianista, compositor e arranjador, é um artista de renome

dentro do contexto da Música Popular Instrumental Brasileira (MPIB) dos últimos 50 anos. Além de

possuir uma discografia significativa e ter trabalhado como produtor e arranjador junto a ícones da

música nacional, como Elis Regina e Tom Jobim, também atuou fazendo música para televisão,

cinema e teatro. Em 2011 foi publicada a autobiografia de Cesar, intitulada “Solo: Cesar Camargo

Mariano – memórias”. No livro, Cesar relata o percurso de sua carreira como profissional da

música desde seus primeiros contatos com a música no ambiente familiar.

MPIB ou jazz brasileiro é um gênero musical cuja principal característica seria o foco nos

instrumentos, sendo entendido assim principalmente como uma “não-canção” dentro do conjunto

maior da música popular (Piedade, 2005). Dentro do jazz brasileiro, uma das particularidades de

CCM é sua habilidade de apresentar ao piano a sonoridade de estilos como samba e choro

(Gomes, 2008). Outra característica importante de sua carreira é o fato de que seu

desenvolvimento musical se deu de maneira informal, isto é, não foi mediado por instituições de

ensino de música, como conservatórios, nem por aulas formais com professores especialistas.

Assim, conhecimentos que normalmente estão presentes desde cedo na formação de músicos,

como a leitura e a escrita de notação musical, só foram estudados por César após o início de sua

carreira profissional.

A Teoria Social Cognitiva, de Albert Bandura (1977), é parte da psicologia cognitiva. É

central a ela o conceito de auto-eficácia, crença de um indivíduo em sua própria habilidade de

realizar uma tarefa. Tal crença tem quatro origens fundamentais: experiência ou domínio de uma

área (experiência direta), experiências vicárias, persuasões sociais e estados emocionais. Nesta

pesquisa foram enfocadas as experiências vicárias como fator fundamental para o

desenvolvimento do músico estudado.

Pode-se afirmar que Cesar Camargo Mariano, por sua carreira e suas realizações como

músico, é um expert. A partir das experiências por ele relatadas em sua biografia, torna-se

possível traçar o desenvolvimento de sua expertise. O objetivo geral desta pesquisa é investigar

de que maneira se deu este desenvolvimento. Para tal, foi lida a autobiografia de Cesar e, a partir

desta, extraídos trechos que apontem de que maneira se deu a aprendizagem do músico em

questão. Foi dada especial atenção ao papel das experiências vicárias, tendo por referencial a

Teoria Social Cognitiva, de Bandura. Buscam-se, assim, aplicações práticas das estratégias

cognitivas encontradas no percurso da carreira de CCM que possam ser usadas no aprendizado

do piano.

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2. REVISÃO DA LITERATURA

2.1 EXPERTISE

Uma das definições possíveis para o termo expert parte do caráter prático da expertise.

Expert é o indivíduo que possui habilidades e conhecimentos de determinado campo do

conhecimento e é capaz de realizar tarefas e resolver problemas relacionados a este campo de

forma eficiente. Outra definição do termo parte da comparação entre experts e amadores. Neste

caso, define-se um indivíduo pela quantidade de conhecimentos acumulados em relação a outro.

Em algumas áreas do conhecimento tal distinção é clara e torna-se evidente na forma de

performances a nível expert. Estas são performances de atividades representativas de

determinada área, realizadas por indivíduos experts de forma superior a amadores (Ericsson,

2006a; Chi, 2006).

Por outro lado, Ericsson (2006a) também aponta que existem áreas do conhecimento em

que há dificuldades para o reconhecimento de indivíduos leigos, amadores e experts. Nestes

casos, pesquisadores podem basear-se no reconhecimento por pares, isto é, pedir a profissionais

da área estudada que avaliem se um indivíduo é expert na área em questão ou não. Porém,

indivíduos caracterizados como experts desta maneira nem sempre apresentam desempenho

superior a amadores na realização de tarefas de seu domínio.

O estudo sistematizado da expertise parte da premissa de que este fenômeno, ainda que

se manifeste de múltiplas formas, tenha causas similares em todas as áreas do conhecimento, e

que haja certo grau de similaridade também entre suas diversas manifestações. Uma vez que

todas as áreas do conhecimento são criações humanas, a base comum da expertise nestas áreas

deve estar em fatores de ordem biológica, psicológica e cultural. Algumas linhas de pesquisa já

apontaram, inclusive, diversas causas para a expertise, como tendências inatas, prática e

automatização de tarefas e experiência do indivíduo com o meio.

A definição de expertise por meio da comparação do conhecimento acumulado por experts

e amadores implica em alguns fundamentos teóricos para o estudo destas causas, expostos por

Chi (2006). Esta abordagem pressupõe que indivíduos habilidosos tornaram-se experts graças ao

acúmulo e à organização de conhecimentos de uma determinada área por meio do aprendizado,

do estudo e da prática deliberada1, de forma que estas atividades exercem um papel central no

desenvolvimento da expertise. Pressupõe ainda que diferenças entre experts e amadores na

performance de tarefas resultam de diferenças no modo como indivíduos de cada grupo

representam mentalmente seus conhecimentos.

Um expert, por meio do estudo e da prática, organiza seu conhecimento em padrões

representativos para sua área. Por meio desta aglomeração de conhecimentos um expert

1 De acordo com Ericsson (2006b), a repetição rotineira de uma atividade não implica em desenvolvimento de expertise. No quadro teórico por ele utilizado, após um período de aprendizado inicial atinge-se um nível estável de performance, que somente pode ser incrementado a níveis de expert por meio da prática deliberada. Esta pode ser entendida como a prática de uma determinada atividade visando desenvolver conscientemente determinadas habilidades requeridas em uma determinada área.

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consegue resolver um problema a partir de uma perspectiva mais sistêmica. Um expert lida

mentalmente com estes padrões de forma ativa. Frequentemente experts realizam a prática

deliberada de tarefas de sua área visando a melhora contínua de sua performance. Além disso,

experts ativamente modelam as representações mentais de conhecimento que adquiriram e

desenvolveram.

Cada área do conhecimento possui saberes específicos e as relações entre estes também

são únicas para cada domínio. Experts lidam de forma eficiente e rápida com problemas e tarefas

por serem capazes de detectar padrões específicos de sua área e compreender problemas em um

nível mais profundo que amadores. No entanto, tal método de solução de problemas por detecção

de padrões não pode ser transferido de um domínio para outro. Assim, experts só realizam tarefas

de forma superior em seu próprio domínio, não apresentando desempenho melhor que amadores

em outras áreas (Chi, 2006).

O estudo da expertise tem por base a suposição de que existem similaridades estruturais

nas manifestações deste fenômeno que independem do domínio em que ele ocorre. Há diversas

abordagens para este estudo. Uma delas, que define experts e amadores a partir da comparação

de conhecimentos dos dois grupos, implica nos fundamentos teóricos já apresentados. Tal

abordagem não visa somente revelar os mecanismos que permitem que um indivíduo tenha um

nível expert de performance. Também tem por objetivo compreender a formação destes

mecanismos e revelar métodos de aprendizagem que podem ser úteis para o desenvolvimento de

amadores.

2.2 EXPERTISE MUSICAL

A expertise em música é um conjunto de conhecimentos e habilidades musicais de um

indivíduo desenvolvidos a ponto de lhe dar meios de apresentar uma performance

qualitativamente superior de tais habilidades. Lehmann, Sloboda e Woody (2007a) definem

experts em música como indivíduos que tenham adquirido e desenvolvido habilidades musicais

até níveis acima da média encontrada na sociedade e que atuem como profissionais da música.

Tal desenvolvimento se dá por meio de engajamento ativo em atividades musicais.

Atividades artísticas e criativas em música só são possíveis pelo domínio de habilidades

de escuta e criação. A expressão “habilidade musical” refere-se a um atributo de um indivíduo que

define sua proeza na execução de atividades relacionadas a música. O aspecto comum a

qualquer habilidade é sua dependência de mecanismos internos desenvolvidos por meio da

prática e do estudo para seu funcionamento efetivo.

Culturas diferentes apresentam estilos de música diferentes. Assim, de acordo com

Lehmann e Gruber (2006), práticas musicais também apresentam diferenças entre culturas, de

modo que a importância do desenvolvimento de uma habilidade musical para um indivíduo

depende do meio em que está inserido. Mesmo dentro de uma mesma cultura musical, esta

relativização da importância de uma habilidade musical também pode ser encontrada. Lehmann,

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Sloboda e Woody (2007b) exemplificam a questão ao apresentarem a informação de que, do

ponto de vista cognitivo, o desenvolvimento tardio da voz pode ser comparado com a necessidade

de começar o estudo de um instrumento difícil (como o violino) o mais cedo possível.

Uma visão amplamente difundida sobre o desenvolvimento de habilidades musicais é o de

que este desenvolvimento dependeria do talento ou aptidão inatos de um indivíduo para a música.

Lehmann, Sloboda e Woody (2007b) questionam esta visão e afirmam que evidências científicas

apontam outras causas para o desenvolvimento de habilidades musicais. Segundo os autores,

elas começam a se desenvolver nos primeiros estágios da vida de um indivíduo. Assim, bebês

apresentam reações a fenômenos musicais que indicam habilidades de escuta. Eles também

desenvolvem ativamente sua capacidade de emitir sons antes da fala. Estes comportamentos são

comuns a todos os humanos no início de suas vidas e não há pesquisas científicas que apontem

de forma conclusiva a existência de diferenças significativas no desenvolvimento de habilidades

musicais entre bebês, isto é, este independeria de características inatas.

Enquanto cresce, todo indivíduo é exposto a um meio sociocultural. Processos de

enculturação estimulam e desenvolvem as habilidades musicais já presentes em bebês. Esses

processos introduzem o indivíduo a novas habilidades às quais sua cultura dá importância e valor,

por meio de atividades informais, frequentemente assumindo a forma de uma brincadeira ou jogo

(Lehmann, Sloboda & Woody, 2007b).

O meio familiar também é um fator decisivo para o desenvolvimento musical. Lehmann e

Gruber (2006, p. 458) afirmam que “as condições socioeconômicas da família de um jovem

músico constituem fatores óbvios que influenciam a escolha de um professor, a qualidade do

instrumento tocado e outras possibilidades dadas ao aprendiz”. Além do aspecto socioeconômico

e do ensino musical formal, a presença de hábitos relacionados a música em uma família é um

forte incentivo ao desenvolvimento musical de seus membros. Assim, crianças que possuem

acesso a práticas musicais no seu cotidiano desenvolvem-se musicalmente mais rápido que

aquelas cuja principal interação com a música seja o consumo passivo (Lehmann, Sloboda &

Woody, 2007b).

Após a enculturação, um indivíduo pode buscar treinar e desenvolver suas habilidades

musicais ativamente, tornando-se um músico amador. Um dos métodos de desenvolvimento das

habilidades musicais é a prática deliberada. Lehmann e Gruber (2006) afirmam que o

desenvolvimento e o refinamento da performance musical por meio da prática deliberada

dependem do investimento de tempo a ela destinado. Esse fator pode ser comprovado por meio

de pesquisas cujos resultados apontam para a relação entre horas acumuladas de estudo e o

desenvolvimento de habilidades musicais (Ericsson et al., 1993 citado por Lehmann & Gruber,

2006, p. 459). Os autores afirmam ainda que a qualidade da prática de uma habilidade não pode

ser definida somente pelo estudo de comportamentos observáveis, mas que depende da

ocorrência de certos processos cognitivos que devem ser desenvolvidos. A prática deliberada,

desta forma, é um meio de aquisição de habilidades que é em si uma habilidade a ser adquirida.

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Habilidades musicais, ainda que envolvam aspectos físicos, são essencialmente

habilidades mentais. Os movimentos realizados pelo corpo em qualquer atividade musical não são

a essência de tal atividade. De acordo com Lehmann, Sloboda e Woody (2007a, p. 19) os

“mecanismos que mediam a execução de habilidades são representações mentais internas e

processos auxiliares que agem nestas representações”. Um indivíduo que desenvolva estes

processos em um nível acima da média, adaptando suas habilidades cognitivas a sua área de

domínio, passa a ter uma performance musical de nível expert (Lehmann & Gruber, 2006).

Assim como em outras áreas, em música, experts podem ser identificados por sua

habilidade na execução de tarefas e na resolução de problemas de seu domínio, pela comparação

com amadores e pelo reconhecimento de outros experts. O que os permite atingir graus elevados

de desempenho na performance musical são as habilidades musicais que adquiriram e

desenvolveram por diversos meios. Características inatas não parecem ser decisivas para este

desenvolvimento. A essência destas habilidades são as representações mentais e processos

cognitivos auxiliares desenvolvidos a partir do estudo e da prática musical.

O estudo da expertise musical não tem por objetivo único compreender a maneira como

experts realizam tarefas de nível superior em relação às outras pessoas, mas sim buscar revelar

estratégias de desenvolvimento de certas habilidades relacionadas à música (Lehmann, Sloboda

& Woody, 2007b).

2.3 EXPERIÊNCIAS VICÁRIAS

Dentre as várias abordagens pelas quais é possível estudar o desenvolvimento da

expertise musical de um indivíduo, a escolhida neste trabalho foi a Teoria Social Cognitiva, de

Albert Bandura (1977), que busca compreender o desenvolvimento cognitivo de indivíduos a partir

de uma perspectiva sócio construtivista. Nela, o indivíduo é estudado não somente como ser

influenciado pelo meio externo, mas também como sujeito ativo, auto-regulador de suas ações.

Essencial para a compreensão dessa teoria é o conceito de auto-eficácia. De acordo com

Krüger e Araújo (2013, conforme citado em Pajares e Olaz, 2008), auto-eficácia refere-se ao

conjunto de crenças e percepções que um indivíduo possui acerca de suas habilidades em

determinadas atividades. Tal crença tem quatro fundamentos: experiência direta, experiência

vicária, persuasão social e estados físicos e emocionais.

Experiências vicárias são as situações em que, por meio da observação repetitiva de

ações de outros e das ocasiões em que elas são recompensadas, ignoradas ou punidas, um

indivíduo passa por um processo de aprendizagem, que ocorre por meio de três efeitos: aquisição

de novos padrões, isto é, aprendizado de um comportamento novo; efeitos inibitórios ou

desinibitórios e efeitos de facilitação de resposta. A diferença entre os dois últimos é a de que a

facilitação da resposta não é um aprendizado em si, mas somente a facilitação para a realização

de um comportamento já possuído (Bandura, 1977; 1979).

Outra característica importante do aprendizado vicário é o quanto ele é facilitado por

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determinadas características do modelo observado. Bandura (1979, pág. 79) aponta que modelos

que demonstrem “alta competência, se apresentem como peritos ou celebridades e que possuam

símbolos conferidores de status, têm maior probabilidade de obter mais atenção e de servir de

fontes mais influentes de comportamento social do que modelos a quem faltem tais qualidades”.

Assim, a convivência de um indivíduo com uma pessoa que possua certo tipo de habilidade e

realize atividades em uma determinada área tende a incentivar o desenvolvimento deste indivíduo

nesta área.

Bandura (1979) afirma ainda que pode haver aprendizagem sem demonstração imediata

de resposta, isto é, um indivíduo pode aprender um novo comportamento somente pela

observação, registrando-o na forma de representações cognitivas. Mais tarde, utilizando-se destas

representações, este indivíduo pode realizar a tarefa aprendida somente pela observação.

Dentro das experiências possíveis na área da música, destaca-se o papel da realização de

atividades musicais em grupo, que incluem não somente a performance, mas também a escuta e

a composição. Nessas atividades ocorre não somente a experiência direta, pela realização em si,

mas também a vicária, pela observação da ação de outros indivíduos (Krüger & Araújo, 2013). No

caso de Cesar Camargo Mariano, este tipo de atividade foi comum em sua vida desde sua

infância, quando sua casa era local de saraus, sendo muito frequentada por músicos, passando

por experiências suas com canto coral, até as atividades profissionais, já em sua vida adulta

(Mariano, 2011).

2.4 MPIB

Música Popular Instrumental Brasileira (MPIB) ou Jazz Brasileiro é um gênero musical que

desenvolveu-se na segunda metade do século XX. O nome MPIB remete a uma música popular

que não é canção, isto é, em que a voz e a letra não são os principais aspectos na música. Isto

não significa que a voz não pode ser encontrada nas músicas deste gênero. Ela pode estar

presente, mas não possui um papel central nas composições. Além disso, na canção a

importância dada à voz e à letra permite um acesso muito mais imediato ao significado de uma

obra, do qual a música instrumental busca se afastar (Bastos & Piedade, 2006).

A MPIB dialoga com as músicas tradicionais e folclóricas brasileiras, mas também possui

uma relação próxima com meios de comunicação de massa e contato com musicalidades das

mais diversas, especialmente o jazz estadunidense e a música de concerto. Também se

caracteriza como uma música urbana, sendo assim um gênero musical que possui ao mesmo

tempo uma relação próxima com o Brasil Profundo, o tradicional, o folclórico, e com o mundo, o

cosmopolita, o novo (Rodrigues, 2006).

Piedade (2005) refere-se a esta relação da MPIB com o tradicional e o novo como fricção

de musicalidades. O autor afirma que, ao mesmo tempo em que a MPIB se apropria de elementos

do jazz, em especial o paradigma bebop2, busca afastar-se dele por incorporar características da

2De acordo com Piedade (2005), o paradigma bebop é “uma mesma musicalidade jazzística que torna possível o diálogoentre um trompetista sueco, um pianista tailândês e seu público, numa jam session em Caracas; enfim, algo como uma

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musicalidade brasileira, tais como determinados ritmos ou escalas. Apesar da apropriação destas

musicalidades, não ocorre uma síntese entre elas, de forma que ambas permanecem claramente

distinguíveis nas composições, dialogando entre si, mas mantendo sua identidade preservada.

Esta ideia de fricção de musicalidades situa a MPIB em um período histórico que vai dos

anos 70 até hoje, com antecedentes nas décadas de 50 e 60. Neste período, surgiu a bossa nova,

um gênero influenciado pelo samba, o jazz e a música erudita, e começaram a se formar os

grupos que viriam a ser centrais à MPIB, em particular trios à base de piano, baixo e bateria.

A partir de meados dos anos 60 e começo dos 70, houve certa insatisfação com a

influência do jazz na música brasileira. Surgem grupos que exploram a música regional, buscando

assim distanciar-se do jazz. Na mesma época, o rock chega ao Brasil e começa a ditadura militar,

dando origem ao período dos festivais e de uma maior valorização da canção em detrimento da

música instrumental. Os anos 70 e 80 viram o surgimento de várias produtoras fonográficas

pequenas e independentes. Isto beneficiou a MPIB, visto que esta dificilmente conseguia acesso

às grandes gravadoras, e aproximou compositores de música instrumental e produtores. Neste

período também se acentuaram a influência de outros estilos na MPIB, como o rock, o pop e

música folclórica brasileira, e de novas tecnologias, sintetizadores, samplers, etc.. Foi a partir dos

anos 80 que a MPIB se internacionalizou de forma consistente. É um gênero presente em

diversos festivais ao redor do mundo. Estilisticamente, mantém como característica a alternância

entre afastamento e aproximação de musicalidades brasileiras e estrangeiras (Rodrigues, 2006).

2.5 CESAR CAMARGO MARIANO3

Cesar Camargo Mariano nasceu em 19 de setembro de 1943, na cidade de São Paulo.

Viveu a maior parte de sua infância e adolescência nesta mesma cidade com sua família, apesar

de esta ter morado algum tempo também em Marília e São Vicente. Desde muito cedo teve

contato com música. Seu pai era formado como pianista pelo conservatório de Rio Claro e sua

mãe tinha grande gosto por música, especialmente jazz, apesar de nenhum dos dois ter feito uma

carreira musical. Pouco tempo após entrar em uma escola, Cesar começou a participar em um

coral infantil e por volta da mesma época a casa de sua família tornou-se um ponto de encontro

de músicos.

Já em São Paulo, com 13 anos de idade, Cesar ganhou um piano vertical de seus pais e

demonstrou grande facilidade com o instrumento. No entanto, mesmo tendo estado rodeado por

música desde cedo e tendo participado de um coral, Cesar ainda não possuía conhecimentos de

teoria musical. Seu pai tentou por algum tempo ensinar teoria, mas a experiência foi frustrante

tanto para ele quanto para Cesar. Em São Paulo, ainda, Cesar teve contato com o contrabaixista

Sebastião Oliveira da Paz, o Sabá, que o introduziu às últimas tendências do jazz, que veio a

tornar-se uma das principais linguagens musicais empregadas pelo compositor em seus arranjos.

língua comum.”3 As informações relativas à vida de Cesar descritas nesta sessão foram retiradas de sua biografia (Mariano, 2011) e de seu site: www.cesarcamargomariano.com.

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Por volta desta mesma época, o músico Alfredo José da Silva, conhecido popularmente como

Johnny Alf, mudou-se para a casa de sua família, com quem viveu por oito anos. Apesar de nunca

ter dado aulas para Cesar, Johnny compunha e estudava música enquanto Cesar o escutava e os

dois conversavam frequentemente sobre música e cinema.

Pouco antes dos 16 anos, Cesar começou a tocar regularmente com uma orquestra em

bailes, mesmo sem ainda saber ler partitura, sendo guiado pelo seu ouvido e foi assim que

começou a sua carreira como músico profissional. Pouco tempo depois, participou de um quarteto

e começou a tocar na “A Baiúca”, importante casa de música de São Paulo. A partir de então, com

a participação em diversos grupos e projetos, ganhou reconhecimento como pianista e arranjador,

trabalhando com artistas de renome como a cantora Claudete Soares e Lennie Dale, coreógrafo,

dançarino e cantor que lhe dá contato com o mundo do teatro.

Em 1967, lhe foram encomendados arranjos orquestrais para um álbum, mas Cesar ainda

não possuía conhecimentos de harmonia, contraponto e orquestração. Com isto, obrigou-se a

aprender escrita musical para orquestração, passando a fazer arranjos e compor para grupos

maiores com mais frequência a partir de então.

Em 1971 realizou seu primeiro trabalho com a cantora Elis Regina, que viria a tornar-se

sua esposa. Dedica os anos 70 principalmente a seu trabalho com Elis, participando em diversos

festivais e espetáculos e continuando seu trabalho como arranjador e intérprete, com destaque

para o álbum “Tom e Elis”, que viria a tornar-se uma referência para a música brasileira. Na

mesma década, CCM ganhou proeminência também com seu trabalho em publicidade, cinema e

teatro.

A partir dos anos 80, continuou o seu trabalho como arranjador e começou a fazer

concertos solo, visando desenvolver sua técnica como pianista. Passou, assim, a ter maior

projeção internacional, junto a outros músicos de MPIB, por fim mudando-se para os Estados

Unidos em 1994. Mantém-se atualmente muito ativo em sua carreira, tocando e trabalhando junto

a grandes músicos e orquestras, lidando com músicas dos mais variados gêneros.

As principais influências na obra de Cesar são o jazz, a música brasileira, presente em sua

casa desde sua infância, e o samba-jazz de Johnny Alf (Gomes, 2012). A maioria dessas

influências chegaram a Cesar por meio da convivência com músicos e esses estilos musicais são

marcados pela informalidade no ensino. Exemplo disso é a descrição de Cesar dos músicos que

frequentavam a casa de sua família durante sua infância, em que afirma que “a maioria daqueles

artistas nunca frequentou uma escola de música. Eram músicos intuitivos, tocavam de ouvido […]”

(Mariano, 2011, p. 39). Ou ainda, outro trecho em que afirma “Os Modernistas nos introduziram na

música brasileira mais moderna, uma música mais pop, presente no rádio, e particularmente o

Sabá me apresentou o jazz” (Mariano, 2011, p. 43).

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3. METODOLOGIA

O método escolhido para a realização da presente pesquisa foi a pesquisa documental. De

acordo com Severino (2007, pág. 122), pesquisa documental é aquela em que “tem-se como fonte

documentos no sentido amplo”, cujo conteúdo ainda não passou por nenhum tratamento analítico.

Materiais: foi feita a leitura analítica da autobiografia de Cesar Camargo Mariano, intitulada Solo.

O livro possui 512 páginas, está dividido em 31 capítulos e foi publicado em 2011 pela editora

Leya em São Paulo. Foi utilizado o software excel para registro e análise dos dados coletados do

livro.

Procedimento: durante a leitura do livro, foram procurados trechos indicativos de experiências

relacionadas ao aprendizado musical de CCM. Estes foram registrados em uma planilha do

software excel, com indicação de página e capítulo do livro. As experiências foram identificadas a

partir de critérios extraídos dos textos a respeito de expertise musical e aprendizado: influência do

meio familiar e social (o que inclui tanto experiências vicárias de CCM como experiências e

aprendizados de pessoas próximas), experiência direta, sinais de desenvolvimento de

representações e padrões. Dentre os trechos selecionados, procurou-se estabelecer quais seriam

indicativos de experiências vicárias. Para tanto, foram contatados três juízes, aos quais foi

enviada por e-mail uma planilha com os trechos e uma coluna para preencher com a resposta à

pergunta “Este trecho é indicativo de uma experiência vicária?” com “Sim” ou “Não”. No mesmo e-

mail foram enviados também uma ficha convite, contendo a descrição da avaliação a ser realizada

e uma definição de experiência vicária, e um termo de consentimento (anexados ao final do

presente relatório). As respostas foram retornadas em e-mail e registradas em planilha do excel,

na qual se fez a análise de dados.

Participantes: os três juízes participantes foram selecionados dentre os membros do Grupo de

Pesquisa Música e Expertise (GRUME), da UFPR. Os três são mestrandos nesta instituição e

possuem conhecimentos das áreas de psicologia cognitiva e música. Possuem, portanto, os

conhecimentos necessários para realizar a avaliação anteriormente descrita.

Análise de dados: cada trecho foi indicado pelos juízes como experiência vicária ou não. Havendo

três juízes, não era possível haver empate na avaliação. Assim, foi tirada a moda como medida de

tendência central de cada trecho analisado. Foram contabilizadas as respostas afirmativas

unânimes, afirmativas modais, negativas modais e negativas unânimes e apresentadas em tabela,

na sessão a seguir.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na tabela 1 pode ser vista a distribuição de respostas das avaliações pelos juízes dos 130

trechos recolhidos.

Tabela 1: Distribuição em números absolutos e em porcentagem das avaliações dos trechos pelos juízescomo Sim Unânime (3 afirmativas de 3 avaliações), Sim Modal (2 afirmativas de 3), Não Modal (2 negativasde 3) e Não Unânime (3 negativas de 3)

23 trechos (17,69% do total de trechos analisados) foram classificados unanimemente

como indicativos de experiências vicárias e 39 trechos (30% do total de trechos analisados) foram

classificados como indicativo de outros tipos de experiência e aprendizado. Os demais 68 trechos

(52,31% do total de trechos analisados) tiveram divergências nas respostas, sendo 32 trechos

(24,62% do total de trechos analisados) apontados por uma maioria como indicativos de

experiências vicárias e 36 trechos (27,69% do total de trechos analisados) como de outros tipos

de experiência e aprendizado. Assim, ao todo foram avaliados como indicativos de experiência

vicária 55 trechos (42,31% do total de trechos analisados) e como não indicativos de experiências

vicárias 75 (57,69% do total de trechos analisados).

Com relação ao conceito de experiência vicária, ela foi definida na ficha convite como a

experiência de um indivíduo em que este passa por um processo de reforço e aprendizagem por

meio da observação do comportamento de outros indivíduos, tendo sido indicada a Teoria Social

Cognitiva de Bandura (1977) como referencial teórico. Evitou-se fornecer aos juízes exemplos

sobre o conceito, no intuito de não interferir no julgamento deles na avaliação dos trechos. Ainda

assim, observou-se respostas divergentes entre os juízes (sim modal, não unânime). Acredita-se

que dois tenham sido os motivos pelas quais elas ocorreram (52,31% do total de respostas): a

interpretação pessoal dos trechos pelos juízes e a compreensão que eles tiveram acerca do

conceito de experiência vicária dentro do estudo. Nesse sentido, observou-se que muitos dos

trechos selecionados diziam respeito a familiares de CCM. Um deles, por exemplo, nos informa

que seu pai costumava estudar piano 9 horas diariamente durante seu período no conservatório.

Dois dos três juízes interpretaram este trecho como indicativo de experiência vicária, uma vez que

aponta que o pai de CCM era pianista e que Cesar convivia com ele. Outros trechos com

informação similar (isto é, não sobre CCM, mas sobre outras pessoas de seu meio) foram

avaliados por vezes como indicativos de experiências vicárias e por vezes não.

Na coleta de dados do livro, foram considerados como indicativos de experiência vicária

não somente os trechos que apontam para a observação de “comportamentos modelos” por CCM,

mas também aqueles que apontam para a musicalidade de pessoas do meio de Cesar, uma vez

que se inferiu que o compositor poderia observá-la em seu dia a dia. De qualquer modo, tendo em

Sim (unanimidade) Sim (moda) Não (moda) Não (unanimidade) Total de trechos

Números absolutos 23 32 36 39 130

Porcentagem 17,69% 24,62% 27,69% 30,00% 100,00%

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vista que foram coletados todos os trechos entendidos como indicativos do desenvolvimento da

musicalidade de Cesar por meio de qualquer tipo de experiência, observa-se uma prevalência de

indicações a experiências vicárias (42,31% do total geral de respostas).

Cesar conviveu com música desde muito cedo em sua vida. Aos 6 anos sua casa tornou-

se um local de encontro para músicos de sua região e tornou-se costume de sua família acolher

todo tipo de instrumentistas e cantores. Além disso, os principais contatos e amigos de Cesar se

deram com o contato com outros músicos, que lhe apresentaram estilos diversos e formas de

trabalhar e lidar com pessoas que tornaram-se marcas pessoais suas. A convivência com artistas

como Sabá, Johnny Alf, Lennie Dale, Elis Regina, Tom Jobim e tantos outros, bem como o longo

período passado em estúdios, que Cesar descreve como o equivalente a uma faculdade em sua

vida profissional (Mariano, 2011, pág. 154), certamente contribuíram para o desenvolvimento de

sua musicalidade.

Dois aspectos do aprendizado vicário chamam a atenção no desenvolvimento de Cesar: a

aprendizagem sem apresentação de resposta imediata e o papel da identificação com os modelos

observados. Aos 13 anos Cesar, ao ganhar um piano, imediatamente começou a tocá-lo e suas

habilidades causaram espanto em sua família (Mariano, 2011, pág. 51). No entanto, em trechos

anteriores do livro, Cesar indica que desde criança “brincava de estar tocando piano, mesmo sem

ter jamais estado perto de um, dedilhando em cima da mesa” (pág. 36). Além disso, sua casa foi

local de encontro para músicos, tendo sido frequentemente realizados saraus e rodas de choro,

que duravam horas e nos quais Cesar escutava com grande atenção. Ademais, sua família

sempre possuiu o hábito de escutar música, especialmente jazz. Estas informações apontam

justamente para a aprendizagem vicária sem apresentação de resposta imediata, isto é, Cesar

observou músicos e escutou determinados estilos por vários anos, estudando-os mentalmente, de

forma que ao ganhar um piano já possuía conhecimentos para tocar com um nível de habilidade

surpreendente para alguém que, aparentemente, ainda não possuía nenhuma instrução musical.

A identificação com os modelos observados pode ser um elemento de facilitação do

aprendizado por meio de experiências vicárias. De acordo com Bandura (1979, pág. 79), modelos

que demonstrem “alta competência, se apresentem como peritos ou celebridades e que possuam

símbolos conferidores de status, têm maior probabilidade de obter mais atenção e de servir de

fontes mais influentes de comportamento social do que modelos a quem faltem tais qualidades”.

No caso de Cesar, durante sua infância sua casa foi receptiva a músicos populares. Cesar os

descreve, dizendo:

A maioria daqueles artistas nunca frequentou uma escola de música. Erammúsicos intuitivos, tocavam de ouvido, não sabiam ler uma pauta, e alguns deleseram até analfabetos. Por outro lado, dificilmente se encontrariam pessoas maisconscientes em relação à cultura brasileira e à realidade nacional (Mariano, 2011,pág. 39).

A convivência de Cesar com estes músicos pode indicar que seu aprendizado musical se

deu por meio da escuta, imitação e repetição das atividades musicais observadas nestes modelos.

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O mesmo pode ser dito a respeito de Johnny Alf, com quem conviveu diariamente durante um

período de sua vida, e de outros artistas célebres. Além disso, CCM somente adquiriu

conhecimentos de teoria e notação musicais tradicionais já em sua vida adulta, após já haver

iniciado sua carreira profissional. Isto indica que a base de seu desenvolvimento foram

inicialmente a escuta e a observação e, mais tarde, a experimentação e improvisação musicais.

5. CONCLUSÕES

Esta pesquisa apresentou dados que revelam a importância de experiências vicárias para

a formação da musicalidade de Cesar Camargo Mariano. A análise de sua biografia parece indicar

que seu desenvolvimento como músico expert se deu em grande parte graças a seu contato com

a prática de outros músicos. A compreensão deste desenvolvimento pode contribuir para a criação

de estratégias de ensino de música, neste caso, com foco no ensino do piano dentro do contexto

da MPIB. Assim, os resultados obtidos com este estudo apontam para a possibilidade de que se

desenvolvam métodos de ensino baseados principalmente na escuta, imitação e improvisação.

Entretanto, estes métodos não precisam necessariamente excluir as estratégias de ensino de

métodos mais tradicionais de música, especialmente aqueles baseados em conhecimentos

formalizados de teoria e em treinamento auditivo antes da prática instrumental. Acredita-se que a

aplicação de ambas as formas de ensino podem contribuir para o desenvolvimento da expertise

musical do piano brasileiro no contexto da MPIB.

Há vários aspectos do desenvolvimento da expertise de CCM cujo estudo pode ser

aprofundado. Um estudo melhor detalhado do papel dos modelos no ensino de instrumentos e de

apreciação musical pode ser de interesse tanto para a área de cognição musical quanto a de

educação. Realizar um estudo comparativo de habilidades requeridas em diferentes contextos (de

um músico inserido em uma orquestra e outro em um grupo de música popular, por exemplo) e as

estratégias utilizadas para desenvolver tais habilidades também é uma possibilidade.

6. REFERÊNCIAS

Bandura, A. (1977). Social Learning Theory. New York: General Learning Press

Bandura, A. (1979). Modelação e Processos Vicários. Modificação do Comportamento, pp. 69-128.

Bastos, M. B. & Piedade, A. T. C. (2006). O desenvolvimento histórico da “música instrumental”, o

jazz brasileiro. Anais do XVI Congresso da ANPPOM, Brasília, DF, Brasil, p. 931.

Chi, T. H. M. (2006). Two Approaches to the Study of Experts’ Characteristics. The Cambridge

Handbook of Expertise and Expert Performance, pp. 21-30.

Ericsson, K. A. (2006a). An Introduction to Cambridge Handbook of Expertise and Expert

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Performance: Its Development, Organization and Content. The Cambridge Handbook of Expertise

and Expert Performance, pp. 3-19.

Ericsson, K. A. (2006b). The Influence of Experience and Deliberate Practice on the Development

of Superior Expert Performance. The Cambridge Handbook of Expertise and Expert Performance,

pp. 683-703.

Gomes, R. T. (2008). Piano solo no samba-choro: Algumas possibilidades a partir de duas

performances de César Camargo Mariano. Trabalho de conclusão de curso, Universidade do

Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

Gomes, R. T. (2012). O samba para piano solo de Cesar Camargo Mariano. Dissertação de

Mestrado, Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

Krüger, I. M. & Araújo, R. C. (2013). Experiências vicárias no processo de aprendizagem da

composição musical em aulas coletivas. Anais da I CIEMS, Sobral, CE, Brasil, p. 364.

Lehman, C. A. & Gruber, H. (2006). Music. The Cambridge Handbook of Expertise and Expert

Performance, pp. 457-470.

Lehmann, C. A., Sloboda, J. A., Woody, R. H. (2007a). Science and musical skills. Psychology for

musicians, pp. 5-24.

Lehmann, C. A., Sloboda, J. A., Woody, R. H. (2007b). Development. Psychology for Musicians,

pp. 25-43.

Mariano, C. C. (2011). Solo: Cesar Camargo Mariano – memórias.

Pajares, F. & Olaz, F. (2008). Teoria social cognitiva e autoeficácia: uma visão geral. Teoria Social

Cognitiva: Conceitos Básicos, pp. 97-114.

Piedade, A. T. C. (2005). Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. Anais do XV

Congresso da ANPPOM, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, p. 197.

Severino, A. J. (2007). Metodologia do Trabalho Científico (23º ed.).

7. RELATÓRIO DE ATIVIDADES

Paralelamente ao projeto de pesquisa, no segundo semestre do ano passado, desenvolvi

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atividades dentro do GRUME – Grupo de Pesquisa Música e Expertise, juntamente aos colegas

de grupo. Nas reuniões semanais, participei de atividades relacionadas à leitura e discussão de

textos pertinentes à área de cognição musical, em apresentações dos trabalhos de meus colegas

e em seminários de pesquisa.

8. AVALIAÇÃO DO ORIENTADOR

8.1 Relatório científico e desempenho do bolsista no projeto.

O bolsista foi fiel a tudo o que lhe foi passado durante o processo de orientação. Além da

obra “Solo” (biografia de Cesar Camargo Mariano), o aluno leu e fichou textos-referência da área

de cognição musical e expertise, especialmente aqueles referentes à Teoria Social Cognitiva, de

Albert Bandura, permitindo com que se aprofundasse no assunto de maneira bastante adequada.

Apesar de não ter havido certa regularidade na execução do projeto por conta do acúmulo de

atividades realizadas pelo aluno junto à UFPR (número de disciplinas em que estava matriculado,

participação na AMPLIFICAR – empresa júnior do curso de música, entre outras), as atividades

foram concluídas de maneira honrada. Finalmente, o aluno é esforçado, comprometido, querido

pelos colegas de grupo e bastante respeitoso no trato com o seu orientador, demonstrando-se

sempre solícito quando consultado.

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8.2 Desempenho Acadêmico do Bolsista

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8.3 No caso do bolsista estar terminando o curso de graduação, informar suas pretensõesfuturas:

APERFEIÇOAMENTO MESTRADO CENTRO DE PESQUISA MERCADO DE TRABALHO OUTROS (ESPECIFICAR)

9. DATA E ASSINATURA DO BOLSISTA E ORIENTADOR

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Anexo 1

Ficha convite

Você está sendo convidado a participar como juiz externo de um estudo sobre

desenvolvimento de expertise musical. A sua contribuição será ler trechos de texto de uma

planilha do Excel e avaliar se estes indicam, ou não, uma experiência vicária.

Você terá aproximadamente uma semana para realizar a leitura e preenchimento desta

planilha. Esta encontra-se anexada ao mesmo e-mail pelo qual foi enviada esta ficha-convite. Os

trechos de texto a serem lidos foram retirados da autobiografia de Cesar Camargo Mariano. Após

esta leitura, pede-se ao juiz que aponte quais dentre estes trechos indicam experiências vicárias,

anotando “Sim” ou “Não” no campo indicado na planilha.

Em seu artigo Social Cognitive Theory, no trecho Vicarious Reinforcement, Albert Bandura

escreve:

Em situações do cotidiano, reforço [de comportamentos] tipicamente ocorre dentro

de um contexto social. Isto é, pessoas repetidamente observam as ações de

outros e as ocasiões em que elas são recompensadas, ignoradas ou punidas.4

Assim, experiência vicária pode ser definida como a experiência de um indivíduo em que

este passa por um processo de reforço e aprendizagem por meio da observação do

comportamento de outros indivíduos.

Prof. Dr. Danilo Ramos(Área: Cognição Musical)Depto. de Música – UFPR

Matheus Fellipe RegutaPesquisador em Cognição Musical

Depto. de Música – UFPR

4BANDURA, A. Social Learning Theory. New York: General Learning Press, 1977, p. 24

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Anexo 2

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Você está sendo convidado a participar como juiz externo de um estudo sobre

desenvolvimento de expertise musical que está sendo desenvolvido no Departamento de

Artes da Universidade Federal do Paraná como parte integrante do projeto de Iniciação

Científica de Matheus Fellipe Reguta (pesquisador responsável, que lhe apresenta o

seguinte termo), sob a supervisão do Professor Doutor Danilo Ramos.

O objetivo deste estudar é avaliar o papel de experiências vicárias no

desenvolvimento musical de Cesar Camargo Mariano, por meio da leitura e análise de

sua biografia. A sua contribuição será ler trechos de texto de uma planilha do Excel e

avaliar se estes indicam, ou não, experiências vicárias.

Você terá aproximadamente uma semana para realizar a leitura e preenchimento

desta planilha. Sua participação é de grande importância para este estudo, pois permitirá

uma análise mais precisa e imparcial dos trechos. Tal análise permitirá uma compreensão

maior do papel de experiências vicárias no aprendizado de instrumentistas, em especial

de pianistas no contexto da música popular, abrindo caminho para futuras pesquisas e

aplicações tanto na área de cognição como de educação musical.

Este estudo não apresenta desconfortos ou riscos previsíveis à sua integridade

física e moral ou mesmo à sua saúde. No entanto, você tem total liberdade para perguntar

o que quiser antes, durante e mesmo depois de sua participação. Se, de algum modo, o

estudo lhe provocar constrangimentos ou qualquer tipo de prejuízo, você tem total

garantia de se recusar a participar em qualquer momento, sem que isto acarrete qualquer

penalidade, nem represálias de qualquer natureza.

O pesquisador responsável garante o sigilo confidencial dos dados; assim, todas as

gravações executadas serão mantidas no anonimato.

Você não será reembolsado por sua participação neste estudo.

Uma cópia deste documento lhe será entregue assim que você assiná-lo.

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Para mais esclarecimentos, contatar:

Matheus Fellipe RegutaDepto. de Artes – UFPRR. Coronel Dulcídio, 638Bairro Batel, Curitiba – PRCEP 80420-170Contatos: (41) 9550 [email protected]

Prof. Dr. Danilo RamosDepto. de Artes – UFPRR. Coronel Dulcídio, 638Bairro Batel, Curitiba – PRCEP 80420-170Contatos: (41) 3222 [email protected]

Eu li a proposta acima e entendi os procedimentos. Eu me disponho a participardeste estudo e autorizo a utilização de minhas respostas para fins científicos.

Nome Assinatura

Data: _____ / _____ / _____