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1 Dois dias no Parlamento dos Jovens, a discutir o futuro. Nos dias 27 e 28 de Maio, alunos de escolas de todo o país, e também da Europa e de fora da Europa, estiveram na Assembleia da República. Assumiram o papel de deputados dos vinte e dois círculos eleitorais (18 de Portugal continental, 1 da Madeira, 1 dos Açores, 1 de cidadãos portugueses residentes fora da Europa e outro da Europa) à semelhança do que acontece, de facto, no parlamento português. Os alunos representantes dos vários círculos eleitorais, após terem discutido (nas suas escolas e nas sessões distritais) propostas para responder ao problema do emprego entre os jovens, foram ao parlamento com o intuito de debater e escolher, entre os projetos aprovados nas sessões distritais, os melhores. Da sessão nacional sairá um projeto final de recomendação, resultante de um escrutínio exaustivo e que corresponderá às medidas mais votadas pelos círculos eleitorais de todo o país. A minha reportagem pretende conduzir-vos através dos bastidores da assembleia e explicar-vos como foi viver a experiência, por dois dias, de ser deputado e jornalista. Venham daí!

Reportagem - Dois dias no " Parlamento dos jovens", trabalho da aluna Ana Sofia Cadete

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Dois dias no “Parlamento dos Jovens”, a discutir o futuro.

Nos dias 27 e 28 de Maio, alunos de escolas de todo o país, e também da

Europa e de fora da Europa, estiveram na Assembleia da República. Assumiram o

papel de deputados dos vinte e dois círculos eleitorais (18 de Portugal continental, 1

da Madeira, 1 dos Açores, 1 de cidadãos portugueses residentes fora da Europa e

outro da Europa) à semelhança do que acontece, de facto, no parlamento português.

Os alunos representantes dos vários círculos eleitorais, após terem discutido

(nas suas escolas e nas sessões distritais) propostas para responder ao problema do

emprego entre os jovens, foram ao parlamento com o intuito de debater e escolher,

entre os projetos aprovados nas sessões distritais, os melhores. Da sessão nacional

sairá um projeto final de recomendação, resultante de um escrutínio exaustivo e que

corresponderá às medidas mais votadas pelos círculos eleitorais de todo o país.

A minha reportagem pretende conduzir-vos através dos bastidores da

assembleia e explicar-vos como foi viver a experiência, por dois dias, de ser

deputado e jornalista. Venham daí!

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À chegada os visitantes foram encaminhados para locais diferentes, consoante

o papel que cada um iria desempenhar: jornalistas e professores para um lado e

deputados e concorrentes à presidência da mesa da sessão nacional para outro.

Cada grupo recebeu um saco com o material que necessitava para deitar mãos à

obra.

Nós, os jornalistas, começamos por fazer uma visita guiada por alguns espaços

emblemáticos do Palácio de São Bento. Apressámos o passo e partimos para o

interior. Subimos a escadaria nobre e saltou à vista de todos um candeeiro em ferro

forjado (não, não é uma obra da Joana Vasconcelos!) que impressiona pela sua

grandiosidade.

À medida que íamos caminhando, a história do palácio chegava-nos através da

guia: primeiro foi um mosteiro, depois uma prisão, uma hospedaria, um refúgio para

os doentes da peste, uma academia militar e serviu ainda de cemitério. Após

descrever algumas das marcas históricas deixadas neste palácio, em tempos idos, a

guia falou da sua função atual: alberga um dos principais órgãos de soberania do

país, o parlamento.

É neste local que são elaboradas as leis, aqui tomam-se decisões que afetam a

vida de todos os cidadãos. E é por isso que é importante as pessoas conhecerem o

funcionamento do parlamento, as diversas fases do processo legislativo e algumas

leis fundamentais da democracia portuguesa. O site da Assembleia da República

disponibiliza informações sobre estes assuntos e muitos outros. Quem pretenda

analisar - de forma crítica e isenta - os factos políticos, os discursos transmitidos nos

meios de comunicação social e, sobretudo, conhecer os seus direitos e deveres

enquanto cidadão, deve visitar este sítio na internet:

http://www.parlamento.pt/Paginas/default.aspx.

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Enquanto os flashes apanhavam todos

os momentos, era altura de visitar as

salas. Começámos pela do Senado, o

local onde se iria realizar o “Parlamento

dos Jovens”. À entrada, o retrato de D.

Luís - conhecido pelo cognome de “O

Popular” - domina as atenções dos

visitantes, embora existam outros focos

de interesse artístico, por exemplo as

pinturas do teto que nos dão a ilusão de

profundidade.

Passámos ao Salão Nobre, cujas paredes estão cobertas de

pinturas (executadas durante o Estado Novo) da época dos

Descobrimentos. Estas retratam vários episódios da expansão

marítima portuguesa e exaltam os feitos do Infante D. Henrique,

de Vasco da Gama, Diogo Cão, Bartolomeu Dias e Pedro Álvares

Cabral.

A seguir, visitámos as duas salas da

assembleia mais televisionadas pelos

portugueses: a dos Passos Perdidos e a das

Sessões. A primeira é uma espécie de sala de

espera, nela os jornalistas aguardam horas e

horas, se for preciso, para obter declarações dos

deputados e dos membros do governo. Nas

paredes, há retratos de personalidades políticas

proeminentes como o Marquês de Pombal,

Almeida Garrett e outros deputados ilustres.

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Terminámos o nosso percurso na Sala das Sessões, o sítio em que a “ação

política acontece”, ainda que grande parte do trabalho dos deputados seja realizado

nas comissões, como terei oportunidade de vos explicar mais adiante. A reação dos

visitantes à entrada desta sala é unânime: surpresa, a sua pequenez contraria a

grandeza que as imagens televisivas fazem supor. No topo da tribuna presidencial,

além da estátua que simboliza a república e da bandeira do nosso país, está uma

bela pintura semicircular, de Veloso Salgado, representando as Cortes Constituintes

de 1821.

Porém, foi na sala das comissões que os deputados eleitos tiveram

oportunidade de argumentar para defender as suas propostas (aprovadas nas

sessões distritais), criticar as dos outros ou ainda propor aditamentos. As comissões

funcionavam em quatro salas diferentes e os jornalistas podiam passar por todas

elas e presenciar os momentos mais relevantes do debate. O objetivo era selecionar

as melhores medidas dos vários círculos eleitorais presentes em cada uma das

salas. Assim, de cada uma das quatro comissões sairiam as medidas mais votadas,

que iriam fazer parte do projeto de recomendação final, a apresentar na sessão

nacional do dia seguinte. A hora era de perceber quem tinha as melhores ideias e

era capaz de as expor da forma mais convincente.

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Depois de uma passagem rápida por todas as salas, centrei a minha atenção

na da quarta comissão, presidida pela deputada comunista Rita Rato. Era aqui que

se encontravam os meus quatro colegas, deputados do círculo eleitoral de Faro. Eles

defenderam bem as suas propostas. Estas passavam, por exemplo, pela criação de

incentivos fiscais destinados às empresas que empregassem jovens e também pelo

alargamento do prazo para o pagamento da dívida portuguesa. Responderam

também a algumas críticas. Contudo, no final dos trabalhos, verificou-se que as

propostas mais votadas foram as do círculo dos Açores (com vinte e um votos). O

círculo de Faro obteve treze. Procederam-se a aditamentos nas propostas aprovadas

e só depois foi feita a redação do texto final. Além disso, os alunos votaram também

algumas das doze perguntas que iriam ser colocadas, na sessão nacional, aos

verdadeiros deputados representantes de todos os partidos políticos com assento

parlamentar.

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Antes do jantar, na Sala do Senado, assistimos a um momento cultural em que

vários alunos, do Agrupamento de Escolas de Águas Santas, realizaram um

espetáculo de dança. Os deputados e jornalistas puderam, então, sentar-se nos seus

lugares e descontrair.

O jantar, nos claustros da assembleia, proporcionou momentos de

confraternização entre alunos e professores oriundos de lugares diferentes,

conversas casuais e a troca de experiências. À noite, ainda em ameno convívio, os

autocarros transportaram-nos para o local onde iríamos passar a noite.

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No segundo dia, os trabalhos iniciaram-se na Sala do Senado, com a abertura

solene levada a cabo pelo deputado José Ribeiro e Castro. Seguiu-se um período de

perguntas aos representantes de todos os partidos com assento parlamentar. Do

PSD a deputada Isilda Aguincha, do PS Pedro Delgado Alves, do CDS-PP Raul de

Almeida, do PCP Rita Rato, do BE Pedro Filipe Soares e do PEV Heloísa Apolónia.

Os temas das questões, colocadas pelos alunos, foram variados: os exames

nacionais e o acesso à universidade; a situação económica do país; a injustiça que é

a geração atual e as vindouras pagarem pelos erros dos políticos cometidos no

passado e estes não serem responsabilizados; a anunciada greve dos professores

aos exames; a necessidade dos alunos terem mais oportunidades de praticar, nas

escolas, a cidadania; a má gestão que o Estado faz dos dinheiros públicos; o facto

da oposição se recusar a dialogar com o governo; o aumento do poder local contra o

centralismo de Lisboa, entre outros. Este foi, a meu ver, um dos momentos mais

interessantes, pois permitiu falar de problemas concretos e das suas possíveis

soluções. Teria sido até desejável que deputados e alunos tivessem tido mais tempo

para a discussão.

Depois, tal como estava previsto no programa, os jornalistas dirigiram-se para a

Sala dos Passos Perdidos. Nesta, o deputado Ribeiro e Castro, Presidente da

Comissão de Cultura e Educação, respondeu às perguntas dos jornalistas. Alguns

temas repetiram-se, como os das questões relacionadas com os exames nacionais.

O nosso interlocutor acabou dizer que era totalmente a favor dos exames. Em

relação a esta atividade, julgo que os organizadores deveriam estabelecer,

previamente, a ordem pela qual os jornalistas dos diferentes círculos eleitorais

poderiam colocar as suas questões. Deste modo, evitar-se-iam os atropelos que

acabaram por acontecer, nomeadamente o facto de alguns alunos, como eu, não

terem tido oportunidade de colocar as suas perguntas.

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No debate da recomendação final, a presidência da mesa da sessão nacional

esteve a cargo do aluno Luís Carvalho, do círculo eleitoral de Coimbra, auxiliado por

três outros alunos, que desempenharam os papéis de vice-presidente e de primeiro e

segundo secretários. Coube-lhes assegurar o cumprimento das regras do

regulamento: dar ordem de palavra, contabilizar o tempo de cada intervenção e

contar os votos, entre outras tarefas que tiveram a cargo.

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As medidas do texto final eram dezanove. Mas foi discutida a eliminação de

algumas delas. Os deputados podiam apresentar, para cada uma, argumentos a

favor e contra. Seguia-se a votação de medida a medida. Ao votarem, os deputados

poderiam optar por uma das seguintes posições: a favor ou contra, a eliminação e a

abstenção. Acabaram por ser eliminadas do texto final pelo menos cinco das

medidas inicialmente propostas.

O debate foi aceso e as intervenções de alguns alunos impressionaram pela

pertinência, clareza das ideias e pela capacidade argumentativa. Houve também

situações a ilustrar o contrário: a utilização de argumentos falaciosos,

intelectualmente desonestos e de informações pouco ou nada rigorosas, sem que

tenha sido possível o contraditório.

A meu ver, os moldes organizativos deste debate final deveriam ser

repensados. Dever-se-ia conceder mais tempo à discussão, ao confronto de ideias e

agilizar o sistema de contagem dos votos, que é difícil fazer e é demorado devido ao

elevado número de alunos. Na verdade, as votações acabaram por se prolongar para

além da hora prevista. De tal forma que, os alunos e professores do meu círculo

eleitoral não puderam assistir ao encerramento da sessão nacional, pois o comboio

para o Algarve não esperava por nós.

Em jeito de balanço final, na minha opinião foi concretizado um dos principais

objetivos do “Parlamento dos Jovens”: levar-nos a perceber como é que se pode

resolver politicamente um dado problema e os procedimentos a seguir no parlamento

para o fazer. Dito por outras palavras: perceber como a democracia funciona, por

dentro, fazendo o que os deputados também fazem.

Esta experiência envolveu empenho e dedicação por parte dos professores e

alunos. Ao longo das várias etapas deste projeto (na fase de escola, distrital e

nacional), eu vi alguns alunos entusiasmados a discutir ideias políticas. Se as

medidas do projeto de recomendação final forem tomadas a sério, pelos políticos a

sério, talvez possamos ter esperança no futuro do país.

Texto e fotografias da autoria da repórter Ana Sofia Cadete,

da Escola Secundária e Pinheiro e Rosa, em Faro.