65
212 5. Discussão dos resultados: estruturas contrastivas com estabilização tardia Ao longo deste capítulo, destaca-se o contributo da investigação desenvolvida para o aprofundamento do estudo sobre aquisição de conectores contrastivos e do estudo sobre as relações que se podem estabelecer entre conhecimento linguístico e aprendizagens formais, como a aprendizagem da competência de escrita. Para isso, retomam-se as questões remanescentes dos resultados apresentados com a análise quantitativa (secção 4.5.), desenvolvendo-se uma análise explicativa, consolidada pelo tratamento descritivo e qualitativo de alguns dos dados antes quantificados. Esta análise permitirá tornar clara a relevância dos resultados encontrados para a discussão de algumas das hipóteses teóricas que têm sido apresentadas na literatura. Na primeira secção, em 5.1., debate-se o carácter tardio da aquisição de conectores concessivos, particularmente em comparação com a precocidade da aquisição de conectores adversativos, discutindo-se, nomeadamente, os resultados da aquisição de mas. Primeiro, discute-se a validade da hipótese teórica de Evers-Vermeul (2005) para a explicação da ordem de emergência de conectores, tendo por base a análise de dados de aquisição e de frequência do português. Seguidamente, reflecte-se acerca da hipótese referida e da questão da aquisição de conectores concessivos factuais. De forma a encontrar uma explicação para a aquisição tardia de conectores concessivos factuais, são analisados outros factores que têm sido apontados como razões para o carácter tardio da aquisição deste tipo de conectores. Em concreto, sistematizam-se alguns aspectos dos resultados que contribuem para o debate em torno do papel do input na aquisição de conectores. Seguidamente, sendo a selecção de modo conjuntivo outra das razões apontadas por alguns autores (Prada: 2003, e.o.) para o carácter tardio da emergência de concessivas, são apresentados dados sobre o domínio do conjuntivo nas produções escritas dos alunos do quarto ano. Apresentando argumentos de outra natureza relativamente ao carácter tardio da aquisição de conectores concessivos, a secção 5.2. destina-se à discussão do tipo de conhecimento envolvido na aquisição de concessivas factuais e não factuais. Para esse efeito, convocam-se os resultados encontrados para a aquisição de conectores condicionais, particularmente de condicionais-concessivos. Nesta secção, mostra-se que os dados encontrados corroboram a consideração, para estes conectores, da existência

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5. Discussão dos resultados: estruturas contrastivas com estabilização

tardia

Ao longo deste capítulo, destaca-se o contributo da investigação desenvolvida

para o aprofundamento do estudo sobre aquisição de conectores contrastivos e do

estudo sobre as relações que se podem estabelecer entre conhecimento linguístico e

aprendizagens formais, como a aprendizagem da competência de escrita. Para isso,

retomam-se as questões remanescentes dos resultados apresentados com a análise

quantitativa (secção 4.5.), desenvolvendo-se uma análise explicativa, consolidada pelo

tratamento descritivo e qualitativo de alguns dos dados antes quantificados. Esta análise

permitirá tornar clara a relevância dos resultados encontrados para a discussão de

algumas das hipóteses teóricas que têm sido apresentadas na literatura.

Na primeira secção, em 5.1., debate-se o carácter tardio da aquisição de

conectores concessivos, particularmente em comparação com a precocidade da

aquisição de conectores adversativos, discutindo-se, nomeadamente, os resultados da

aquisição de mas. Primeiro, discute-se a validade da hipótese teórica de Evers-Vermeul

(2005) para a explicação da ordem de emergência de conectores, tendo por base a

análise de dados de aquisição e de frequência do português. Seguidamente, reflecte-se

acerca da hipótese referida e da questão da aquisição de conectores concessivos

factuais. De forma a encontrar uma explicação para a aquisição tardia de conectores

concessivos factuais, são analisados outros factores que têm sido apontados como

razões para o carácter tardio da aquisição deste tipo de conectores. Em concreto,

sistematizam-se alguns aspectos dos resultados que contribuem para o debate em torno

do papel do input na aquisição de conectores. Seguidamente, sendo a selecção de modo

conjuntivo outra das razões apontadas por alguns autores (Prada: 2003, e.o.) para o

carácter tardio da emergência de concessivas, são apresentados dados sobre o domínio

do conjuntivo nas produções escritas dos alunos do quarto ano.

Apresentando argumentos de outra natureza relativamente ao carácter tardio da

aquisição de conectores concessivos, a secção 5.2. destina-se à discussão do tipo de

conhecimento envolvido na aquisição de concessivas factuais e não factuais. Para esse

efeito, convocam-se os resultados encontrados para a aquisição de conectores

condicionais, particularmente de condicionais-concessivos. Nesta secção, mostra-se que

os dados encontrados corroboram a consideração, para estes conectores, da existência

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de uma subclasse de concessivas distinta da das concessivas estritamente factuais. A

análise dos dados relativos a ainda que e dos dados de produção induzida de frases

sustenta a hipótese de que há conhecimento semântico, em particular de natureza

aspectual, envolvido na estabilização tardia do conhecimento sobre concessivas.

Ainda nesta secção, defende-se que o domínio de conectores concessivos pode

ser considerado um aspecto definitório de níveis superiores de proficiência de língua e,

consequentemente, de um perfil de literacia linguística e de literacia de escrita.

Em 5.3., apresentam-se as estruturas concessivas como um problema para a

arquitectura da gramática e propõe-se que o domínio de concessivas, pelo menos as

factuais, pode ser entendido como um caso de variação linguística. Havendo alternativas

linguísticas a estas estruturas, discute-se uma explicação de factos como este no quadro

de representação da Gramática Universal do Programa Minimalista (Chomsky: 1995;

2001), seguindo a proposta de Adger e Smith (2005) e de Duarte (2009). Finalmente,

argumenta-se a favor de uma análise da aquisição de conectores concessivos enquanto

aquisição lexical, debatendo-se a natureza das aquisições lexicais.

5.1. O carácter tardio da aquisição de conectores concessivos

Nesta secção, que está organizada em torno das questões identificadas na secção

4.5., discutem-se razões apontadas para uma explicação do carácter tardio dos

conectores concessivos, sendo avaliadas algumas das hipóteses explicativas disponíveis

na literatura.

5.1.1. Por que razão são os conectores concessivos adquiridos mais tarde?

Os resultados de investigação apresentados no capítulo anterior permitem

confirmar que, tal como acontece em inglês, com although ou whereas (Diessel: 2004,

157), as primeiras ocorrências de conectores concessivos são tardias, considerando que

aparecem bastante tempo depois de conectores com valores semânticos adjacentes,

como mas e se, e que surgem em níveis de desenvolvimento, e etários, em que se pode

afirmar que já há um domínio bastante consolidado do conhecimento linguístico e de

competências comunicativas. Tanto os resultados do teste de compreensão oral, como

os resultados dos testes de produção, com indução de frases ou com escrita de texto,

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apontam para a estabilização tardia do conhecimento de conectores concessivos,

acompanhando o período de escolaridade.

Ao contrário, a análise das produções de mas, no corpus de Santos (2006),

publicada em Costa et al. (2008), confirma o facto de o conector coordenativo

adversativo ser um dos conectores mais precoces e um dos mais frequentes na altura em

que as crianças começam a produzir enunciados frásicos sintacticamente mais

complexos, o que está em consonância com dados para a aquisição de but

(Evers-Vermeul: 2005, 187-202) e de maar (ibidem). A discussão da explicação deste

carácter precoce do conector adversativo prototípico tem lugar num estudo da aquisição

de concessivas, na medida em que esclarecerá aspectos do conhecimento linguístico

envolvido na aquisição de conectores contrastivos, por comparação com a aquisição de

outros conectores. Esta explicação é indissociável da explicação da ordem de

emergência de conectores com valores semânticos distintos.

Os três estudos já mencionados (Diessel: 2004; Evers-Vermeul: 2005 e Costa et

al.: 2008) indicam que o conector mais precoce nas três línguas, inglês, holandês e

português, é o conector com valor básico aditivo e1. Relativamente à ordem de

emergência, para o inglês, Diessel (idem) apresenta a ordem que se descreve em (157),

segundo a qual but é mais tardio do que because (e do que so)2.

(157) and > because > so > but > when > if

Ao contrário, para o holandês (Evers-Vermeul: 2005) e para o português (Costa

et al.: 2008), as primeiras ocorrências do conector adversativo precedem as primeiras

ocorrências do conector causal, sendo as ordens de emergência as que se encontram em

(158) e (159), respectivamente:

(158) en > maar > toen > want3

‘e’ ‘mas’ ‘então’ ‘porque’

(159) e > mas > porque > se4

1 A esta conclusão chega-se através da análise de dados de fala espontânea. 2 Outros estudos para o inglês, referidos em Evers-Vermeul (2005), como Bloom et al. (1980) e Braunwald (1985), confirmam a precedência de because em relação a but. Os dados considerados são relativos a but como conector interfrásico. 3 Evers-Vermeul (2005) não considera os conectores condicionais.

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Uma explicação para a diferença de ordem nas três línguas não pode decorrer da

distinção entre estruturas sintácticas de coordenação e estruturas sintácticas de

subordinação, uma vez que não há uma correspondência linear entre a natureza do

conector e a ordem encontrada: os conectores causais because5 e porque são,

tipicamente, subordinativos e o conector causal want é coordenativo6.

A investigação levada a cabo por Bloom et al. (1980), revista em Bloom (1991)

apud Evers-Vermeul (2005, 187-188) leva a concluir que há um padrão uniforme entre

crianças inglesas no desenvolvimento de «coherence relations», que corresponde à

ordem enunciada em (160),

(160) aditivo<temporal<causal<adversativo

Contudo, no que diz respeito à aquisição dos conectores que marcam as relações

coesivas enunciadas em (160), verifica-se, em dados do inglês e do holandês

(Evers-Vermeul: 2005), a existência de variação individual na ordem de aquisição de

quase todos os conectores, excepto e, que ocorre quase sempre em primeiro lugar. De

modo a dar conta da variação encontrada nos dados do inglês e do holandês,

Evers-Vermeul (idem) propõe uma hipótese explicativa assente em três primitivos

conceptuais e semânticos envolvidos no processo de aquisição de conectores, segundo o

que foi preconizado por Sanders et al. (1992; 1993)7, numa abordagem cognitiva da

aquisição de relações de coerência. Estes três primitivos correspondem a «basic

operation», «polarity» e «source of coherence», sendo primitivos que se relacionam

entre si através da marcação de valores positivos ou negativos e que representam,

relevantemente, a complexidade semântica ou conceptual cumulativa que explica

diferentes ordens de emergência. Na figura (1), transcreve-se o modelo proposto por

Evers-Vermeul (2005: 194)8:

4 Costa et al. (2008) não consideram os conectores conclusivos. 5 Quirk e Greenbaum (1973: 313). 6 O conector causal subordinativo em holandês é omdat, que emerge mais tardiamente, segundo os dados de Evers-Vermeul (2005). Outros conectores como dus e daarom são pouco frequentes e igualmente tardios (idem, 229-242). 7 Sanders et al. (1992; 1993) consideram quatro primitivos: «basic operation», «polarity», «source of

coherence» e, também, «order of the segments». Este último não é tido em consideração na proposta de Evers-Vermeul, porque esta linguista o considera relevante apenas para conectores causais e uma vez que este primitivo entra em interacção com outro primitivo, «source of coherence» (Evers-Vermeul: 2005, 190). 8 A tradução é minha.

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aditivo positivo [α negativo, α causal, α temporal]

� � � � � �

� � � aditivo negativo

[+ negativo, α causal, α temporal] causal positivo

[α negativo, + causal, α temporal] temporal positivo [α negativo, α causal, + temporal]

� � � � � � � �

causal negativo [+ negativo, + causal, α temporal]

causal temporal [α negativo, + causal, + temporal]

Figura 1 – Hipótese baseada na interacção entre «operação básica», «polaridade» e «ordem temporal» Para facilidade de leitura do diagrama, a autora distinguiu, no modelo

apresentado, quatro hipóteses, que se transcrevem em (161)9.

(161) Hipóteses baseadas em complexidade cumulativa crescente (ibidem):

a. primeiro conector causal ≥ primeiro conector aditivo;

(= o primeiro causal não aparece antes da primeira ocorrência de um aditivo)

b. primeiro conector negativo ≥ primeiro conector positivo;

c. primeiro conector causal negativo ≥ primeiro conector causal positivo,

primeiro conector aditivo negativo;

d. primeiro conector temporal causal ≥ primeiro conector temporal (não causal)

≥ primeiro conector aditivo.

Segundo esta proposta, as duas primeiras hipóteses explicam a estabilidade nas

sequências de desenvolvimento, ao nível semântico, ao passo que as outras duas

hipóteses explicam a variação de ordens entre conectores de classes diferentes ou da

mesma classe, encontrada nos corpora.

O modelo prevê que o primeiro conector a emergir seja o conector aditivo, o que

está em consonância com o que se verifica nos dados do português, como foi referido

9 A notação «X ≥ Y» significa que X não emerge antes da primeira ocorrência de Y; a separação por vírgulas, como em «X, Y», significa que não há uma ordem relativamente a cada um dos elementos. A tradução é minha.

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inicialmente, de acordo com Costa et al. (2008). Relativamente ao conector contrastivo

adversativo (considerando but, em inglês, e maar, em holandês), representado como

«causal negativo», o modelo prediz que este não possa aparecer antes do conector

causal (because, want), o que explica, de forma directa, os resultados antes referidos

para o inglês (Bloom et al.: 1980; Braunwald: 1985; Diessel: 2004). Contudo, este

modelo não dá conta dos resultados quantitativos encontrados para o holandês e para o

português.

No modelo proposto, o valor contrastivo básico do conector adversativo é

representado como «causal negativo», com traços positivos para a «polaridade

negativa» e para a «operação básica causal», e subespecificado quanto ao valor de

«ordem temporal». Nesta representação semântica do conector adversativo, atribui-se a

este conector um traço de causalidade. A existência de traços causais é comummente

aceite na descrição de conectores concessivos, na literatura sobre a contiguidade entre

causais e concessivos (König: 1991; Rudolph: 1996; Varela: 2000; Capítulo 3, e.o.). De

um modo geral, a causalidade negativa das concessivas reside na relação, de certo modo

inversa, entre enunciados concessivos e enunciados causais, na medida em que a

concessiva subverte a relação esperada de causa / efeito, existindo uma espécie de

relação de causa / contra-efeito, que se ilustra com o contraste entre (162) e (163):

(162) Como o João perdeu muito dinheiro, está deprimido.

(163) Embora o João tenha perdido muito dinheiro, não está deprimido.

Como é evidente em (163), há uma negação do valor da pressuposição

(equivalente a se alguém perde muito dinheiro, então fica deprimida), como se

evidencia com a paráfrase em (164), construída com uma adversativa com polaridade

negativa:

(164) Paráfrase: Se o João perdeu muito dinheiro, então espera-se que esteja

deprimido, mas não está.

Uma proposição como (163) pode ser reescrita em (165), com uma adversativa

com valor equivalente, assente na mesma pressuposição e, consequentemente, com a

mesma propriedade de «causalidade negativa»:

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(165) O João perdeu muito dinheiro, mas não está deprimido.

Embora se reconheça a equivalência semântica entre conector adversativo e

conectores concessivos, relativamente a «causalidade negativa», Evers-Vermeul

considera que existe um valor não causal disponível apenas para o conector adversativo.

A equivalência semântica entre o conector concessivo although, único a poder operar

exclusivamente o valor «causal negativo», e o conector adversativo está na base do teste

usado por Evers-Vermeul para distinguir dois valores de but / maar: um valor «aditivo

negativo» e um valor «causal negativo». Esta distinção é particularmente importante

para a validação do modelo explicativo da ordem de emergência representado na figura

1, dado que este modelo é legitimado se as primeiras ocorrências de but e de maar

tiverem lugar em contextos em que o conector não tem valor contrastivo, com

causalidade negativa inerente, mas em que expressa um valor categorizado como

«aditivo negativo». Neste caso, a predição de que não há ocorrências de conectores

«causais negativos» (como os adversativos but, maar) antes de conectores «causais

positivos» (como because, want) será validada.

De modo a confirmar empiricamente o modelo proposto, Evers-Vermeul

complementa a análise quantitativa com uma análise qualitativa que inclui o tratamento

de resultados individuais dos dados do inglês, disponibilizados através dos estudos

referidos (Bloom et al.: 1980; Braunwald: 1985; Diesel: 2004), e dos dados de

produções de doze crianças holandesas.

Relativamente aos resultados para o inglês, a análise dos dados por criança

confirma ser o conector aditivo e o primeiro a emergir nas produções de todas as

crianças, o que confirma a primeira predição do modelo: o primeiro conector causal e o

primeiro conector negativo não emergem antes do primeiro conector aditivo.

No que diz respeito à ordem relativa entre conector causal e conector

adversativo, das produções das nove crianças inglesas estudadas, em sete confirma-se a

precedência de because sobre but e, em dois casos, ambos os conectores emergem ao

mesmo tempo. Esta constatação não põe em causa o modelo de Evers-Vermeul, que

prevê variação nas primeiras ocorrências de conectores «aditivos negativos» e «causais

positivos». Contudo, a confirmação do modelo mediante os dados das crianças inglesas

carece da confirmação de que os primeiros but produzidos têm um valor «aditivo

negativo» e não um valor «causal negativo», parafraseável por although. Esta

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confirmação não pôde ser feita, uma vez que os estudos ingleses não consideraram a

distinção entre valores «aditivo negativo» e «causal negativo» e os dados disponíveis

nem sempre apresentam todas as primeiras ocorrências. De qualquer modo,

Evers-Vermeul constata que os exemplos disponibilizados pelos três estudos são

exemplos de usos de but com valor «aditivo negativo», o que não põe em causa a sua

tese.

A primeira objecção à argumentação de Evers-Vermeul decorre da análise dos

dados ingleses, pelos resultados da aplicação dos testes de distinção entre os dois

valores em causa, atribuídos ao conector but. Observem-se os exemplos (166) e (167)10:

(166) Adult: It is called the skin of the peanut.

Naomi: But this isn’t the skin.

(Naomi, 2; 11) (Diessel: 2004, 164)

(167) Cause I was tired, but now I’m not tired.

(Kathryn, 2;11) (Bloom et. al.: 1980, 245)

De facto, numa primeira análise, os conectores but, tanto em (166) como em

(167), podem ser substituídos por and, sem que se perca o valor de contraste negativo.

Contudo, este facto, que decorrerá mais da plurifuncionalidade do conector aditivo do

que do valor aditivo de but, não descarta outras leituras. Em ambos os exemplos

apresentados, o conector but é, igualmente, parafraseável por although, com resultados

semanticamente adequados, ainda que pragmaticamente estranhos, dada a natureza do

registo de língua, que é oral e informal. Contrastem-se (166) e (167) com (168) e (169):

(168) - It is called the skin of the peanut.

- Although this isn’t the skin11.

(169) Cause I was tired, although now I’m not tired.

10 Em Evers-Vermeul (2005: 196), estes exemplos correspondem aos exemplos (21) e (23). 11 Sobre a possibilidade da existência de enunciados frásicos subordinados aparentemente autónomos em interacções orais espontâneas, ver Castilho (1998).

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Complementarmente, para a análise de resultados individuais, relativamente a

ordem de emergência de conectores, Evers-Vermeul examinou transcrições da produção

espontânea de doze crianças holandesas, disponíveis no CHILDES (MacWhinney:

2000). Trata-se de um corpus em que a maioria das transcrições foi realizada com uma

periodicidade quinzenal, o que corresponde a uma maior precisão de recolha de dados

em relação aos dados disponíveis para o inglês, que chegam a ter oito a doze semanas

de intervalo entre recolhas (por exemplo, em Bloom et al.: 1980, 259).

Para a consideração do que constituiu uma primeira ocorrência de um conector,

Evers-Vermeul usou os seguintes critérios12: (i) correcção gramatical, (ii) ligação entre

orações e (iii) criatividade. O terceiro critério exclui usos que possam estar assentes em

memorizações de fórmulas, como expressões fixas ou repetições de enunciados.

Das produções das doze crianças analisadas, apenas em três casos a primeira

ocorrência do conector causal want precede a primeira ocorrência do conector

adversativo maar, ao contrário do que fora observado nas produções das crianças

inglesas. No caso de uma criança, aliás, o conector adversativo maar precede o conector

aditivo en. Nas produções dessa criança, o conector maar aparece aos 2;3.23, no

enunciado reproduzido em (170)13, e o conector en só aparece num ficheiro aos 2;4.9.

(170) Adulto: Je kan hem (= een radio) toch gewoon laten staan?

‘Podes deixar isso (= a radio) estar aí?’

Abel: Nee.

‘Não.’

Adult: Jawel.

‘Sim.’

Abel: Nee.

‘Não.’

Adult: Nou…

‘Bem...’

Abel: Maar ik moet even daar ee(n) tunnel bouwen. (Abel, 2;3.23)

‘Mas eu tenho de construir um túnel mesmo aqui.’

12 Sobre estes critérios, ver secção 4.2.. 13 Em Evers-Vermeul (2005, 200), o exemplo (14) corresponde ao exemplo (30). As glosas em português são minhas.

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O comportamento atípico desta criança e este exemplo em concreto constituem,

para Evers-Vermeul, um contra-argumento (que fica por explicar) e que não permite a

sustentação completa da primeira hipótese do seu modelo, segundo a qual um conector

com polaridade negativa, um «aditivo negativo», não apareceria antes de um conector

com polaridade positiva, um «aditivo positivo», como en.

Relativamente à questão da ordem relativa entre conectores «causais positivos»

(como o causal want) e «causais negativos» (como o adversativo maar, parafraseável

por um concessivo), Evers-Vermeul considera que esta ocorrência precoce de maar,

atestada em (170), corresponde a um uso «aditivo negativo» do conector e não a um uso

«causal negativo». De facto, maar, em (170), não pode ser parafraseado por um

conector concessivo, o que confirma a análise da autora. Note-se, aliás, que o enunciado

introduzido por maar (‘mas’) evidencia, pelo menos, uma intenção explicativa que, em

português, podia ser parafraseado pelo enunciado em (171).

(171) Abel: Mas é que tenho de construir um túnel aqui.

De acordo com a descrição proposta no Capítulo 3, este mas poderia ser um

marcador de mudança de tópico e, de qualquer modo, a eventual leitura explicativa

(positiva) de maar, glosada em (171), não invalidaria a segunda hipótese de

Evers-Vermeul, segundo a qual os conectores «causais positivos» podem aparecer ao

mesmo tempo que os conectores «aditivos negativos». O que a possibilidade desta

leitura aduz é a consciência de que, no domínio da aquisição de conectores, será

estranho considerar que estarão envolvidos apenas valores primitivos de cada conector,

sem interferência de outros factores que concorrem para a interpretação, como possam

ser variáveis discursivas e pragmáticas.

De acordo com a análise de Evers-Vermeul, o facto de nove das doze crianças

produzirem maar antes de want explica-se através do valor básico dos maar mais

precoces, todos analisados como «aditivos negativos». A autora, todavia, não apresenta

exemplos destes casos de «aditivos negativos», sendo o único exemplo transcrito o que

se encontra reproduzido em (170). Além deste exemplo, a autora inclui também um

exemplo, reproduzido em (172), em que maar é inequivocamente um conector «causal

negativo»:

(172) Slagboom gaat niet open. Maar hij kan wel erdoor. (Peter, 2;8.22)

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‘A barreira não abre. Mas ele consegue passar.’

A constatação de que os primeiros adversativos são «aditivos negativos», e não

«causais negativos», sustenta a confirmação da hipótese de que não aparecem «causais

negativos» antes de «causais positivos», crucial para o modelo de Evers-Vermeul. Esta

constatação é reforçada pela observação de que o primeiro maar com valor causal

negativo (equivalente a uma concessiva factual), ilustrado em (172), aparece num

ficheiro de uma das crianças que produz o conector causal want antes de maar.

Uma vez que a análise quantitativa das produções de conectores contrastivos no

corpus de Santos (2006) revelou resultados muito semelhantes aos encontrados para o

holandês, e distintos dos do inglês relativamente a ordem de emergência, considerou-se

interessante verificar se, nos dados de crianças portuguesas, as conclusões de

Evers-Vermeul (2005) se confirmam.

O interesse desta análise de dados do português radica em dois aspectos

resultantes da abordagem quantitativa. Primeiro, a consistência da ordem de emergência

encontrada para o holandês (Evers-Vermeul: 2005) e para português (Costa et al.:

2008), dado que as primeiras ocorrências dos conectores maar e mas precedem as

primeiras ocorrências de conectores causais, want e porque, ao contrário do que

acontece em inglês (Bloom e tal.: 1980; Braunwald: 1985; Diesel: 2004;

Evers-Vermeul: 2005). O segundo aspecto decorre do contraste entre a frequência de

ocorrência do conector adversativo e a do conector causal, em inglês, em holandês e em

português, conforme se apresenta nos quadros 1 a 3.

Quadro 1 – Frequência de uso de because e de but (Diessel: 2004, 157)

CONECTOR TOTAL MÉDIA

because 949 19,9

but 328 6,6

Quadro 2 – Ocorrências totais de want e de maar (Evers-Vermeul: 2005, 209)

CONECTOR TOTAL14

want 307

maar 1052

14 Evers-Vermeul (2005, 209) não apresenta um valor médio de frequência de uso, mas apenas os valores totais de ocorrência, por criança.

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Quadro 3 – Frequência de uso de porque e de mas (Costa et al.: 2008, 135)

CONECTOR TOTAL PROPORÇÃO MÉDIA15

porque 56 0,0087

mas 111 0,0174

Apesar de não ser possível uma comparação linear entre os resultados

apresentados, devido a diferenças na constituição dos corpora e porque os critérios

usados para determinar frequência não são os mesmos, é legítimo comparar as

frequências médias de uso encontradas nos dados de cada língua. De facto, não deixa de

ser curioso que os resultados sejam, para o inglês e para o português, inversamente

proporcionais. Se, nas produções do inglês, a frequência média de ocorrência do

conector causal corresponde a mais do dobro da frequência média de ocorrência de but,

nas produções das crianças portuguesas, a frequência de ocorrência16 de porque

corresponde exactamente a metade da frequência de ocorrência de mas.

Embora, para o holandês, não tenha sido possível aceder ao valor médio da

frequência de ocorrência, Ever-Vermeul conclui que want é o conector que apresenta a

frequência mais baixa, da totalidade de conectores analisados, e maar é o conector com

maior curva de crescimento, a seguir a en: «[t]he fact that maar – of these three more

complex connectives – shows the sharpest and largest increase can be related to the

observation that more than half of the children produced this connective as their second

connective.» (Ever-Vermeul: idem, 209-210).

Em síntese, para o conector causal (because, want, porque) e para o conector

adversativo (but, maar, mas), as análises quantitativas mostram haver evidências

robustas da existência de uma diferença entre o inglês, por um lado, e o português e o

holandês, por outro. Constata-se esta diferença quer na ordem de emergência, quer na

frequência de ocorrência, que parecem ser correlacionáveis. Em inglês, because é mais

precoce e mais frequente do que but, ao passo que, em holandês e em português, maar e

mas emergem antes de want e de porque e são mais frequentes.

Para sustentar a sua hipótese teórica, Evers-Vermeul (idem) encontra uma

explicação para a precocidade do conector adversativo sobre o conector causal com base

na consideração de que os primeiros maar são destituídos do traço de causalidade

negativa dos conectores contrastivos. Esta explicação, que aponta para o carácter mais

15 Esta proporção equivale ao número de ocorrências de um conector / número de enunciados da criança (secção 4.3.). 16 Medida em termos de proporção de uso (secção 4.3.).

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224

tardio da aquisição da causalidade negativa, secundariza a diferença interlinguística, que

parece ser muito evidente, entre os primeiros conectores causais e adversativos e que

carece da consideração de mais dados e de uma análise mais fina da gramática de cada

língua. A não consideração da diferença de comportamento na aquisição de conectores

causais, que parece evidente na análise dos dados das três línguas, constitui outra

fragilidade a apontar à análise proposta por Evers-Vermeul (2005).

Por outro lado, encontrar razões para uma explicação da precocidade de

emergência de mas e para a ordem relativa entre o primeiro conector adversativo e o

primeiro causal é importante para a fundamentação de uma explicação do carácter tardio

de conectores concessivos.

Para a análise das ocorrências de mas em dados de aquisição do português,

estabeleceu-se, como amostra, as produções de uma das crianças do corpus de Santos

(2006)17. A criança seleccionada foi T., que é a criança que mais cedo produz um

enunciado com mas, aos 2;1.7. A pesquisa foi processada automaticamente, com o

comando kwal (MacWhinney: 2000).

O quadro 4 apresenta, de forma sistematizada, todas as ocorrências de mas nas

produções de T.

Quadro 4 – Produções totais de mas nos dados de T. no corpus Santos (2006)

IDADE

CONECTOR

2;1.7 2;2.9 2;3.9 2;4.0 2;5.3 2;6.6 2;7.13 2;8.9 2;9.7 Total

mas

2 1 0 0 0 1 8 2 1 15

Numa primeira análise, descartam-se os casos em que as produções de mas

ocorrem em estruturas diferentes das da gramática alvo, identificadas como «não

canónicas» no quadro 5, ou ocorrem em enunciados resultantes de repetições, como no

exemplo (173). O quadro 5 apresenta estes dados.

(173) T. 2;1.7

*T: ati(r)ei o pau ao gato to to # mas o gato to to não +...

*MAE: não morreu.

17 O facto de a aquisição de mas não ser o tema central desta tese justifica que se tenham tratado apenas os dados de uma criança.

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Quadro 5 – Enunciados com mas no corpus Santos (2006)

IDADE CONTEXTO

2;1.7 2;2.9 2;3.9 2;4.0 2;5.3 2;6.6 2;7.13 2;8.9 2;9.7 Total

Canónico — 0 — — — 1 5 1 1 8

Não canónico — 1 — — — 0 1 0 0 2

Repetição 2 0 — — — 0 2 1 0 5

A leitura do quadro mostra que há apenas dois casos de construções

consideradas marginais nas produções de mas de T., que, na verdade, podem não ser

casos de agramaticalidade categórica. Por exemplo, o enunciado em (174) parece

corresponder a uma hesitação que dificilmente se pode considerar diferente de

hesitações da fala espontânea de adultos. Este facto mostra que o grau de marginalidade

desta estrutura decorre, provavelmente, da situação de enunciação. E, além do mais, não

há evidência de que não seja uma hesitação marcada por um contraste, pelo que a

escolha de mas será mesmo a mais adequada. Observe-se o exemplo.

(174) T. 2;2.9

*MAE: olha # <e o> [//] # e estes # os gorilas # o que é que estão a fazer?

*T: xxx come(r) maçã.

*MAE: e mais?

*T: la(r)anja # mas [//] # bananas.

*MAE: bananas.

A exclusão destes dois contextos e dos cinco contextos de repetição,

semelhantes ao enunciado em (173), reposiciona a emergência de mas para mais tarde,

no ficheiro seguinte ao tido em consideração no estudo quantitativo. Assim, o primeiro

mas aparece aos 2;6.6.

Esta nova datação da primeira ocorrência não tem implicações na ordem de

emergência entre conectores: os primeiros porque de T. surgem no mesmo ficheiro, aos

2;6.6, mas não correspondem ao uso canónico do conector conjuncional causal. O

primeiro porque, reproduzido em (175), é usado como um conector desprovido de

qualquer valor causal:

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(175) T. 2;6.6

*MAE: tu caíste e depois # bateste com o olho onde?

*T: na casa da tia Fê.

*MAE: sim # caíste na casa da tia Fê # mas bateste com o olho em quê?

*ALS: em que sítio Tomás?

*T: po(r)que a mãe # pôs gelo.

*ALS: a mãe xx +/.

*MAE: +< a mãe pôs gelo # pois.

*MAE: mas tu bateste com o olho onde # foi no livro?

O segundo porque parece ser um uso marginal do advérbio interrogativo,

aparecendo à cabeça de um enunciado interrogativo, em (176).

(176) T. 2;6.6

*MAE: ah@i # e o que é que tu disseste à doutora?

*T: eu di [: disse] a@ # eu caí.

*MAE: tu disseste a [?] ela que tu caíste # pois foi.

*ALS: hum@i.

*MAE: +< e mais?

*T: a@.

*MAE: e mais?

*MAE: que é que tu disseste mais a ela?

*T: po(r)que eu xx,, né [: não é],, o meu ai+ai?

*MAE: tu aleijaste e tinhas um ai+ai # pois é.

*MAE: e o que é que ela fez ao Tomás?

*T: u(m)a fita.

Em conclusão, as duas primeiras ocorrências de porque, nas produções de T.,

ilustradas em (175) e em (176), não correspondem ao uso estritamente causal deste

conector. O primeiro porque com valor causal nas produções de T. é atestado apenas

aos 2;9.7, no último ficheiro do corpus, depois de já terem sido produzidos mas

contrastivos.

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227

Localizado o primeiro mas com características de conector contrastivo no eixo

temporal, aos 2;6.6, torna-se necessário proceder à descrição dessa e das produções

subsequentes. Assim, analisaram-se todas as produções com enunciados com mas,

distinguindo três contextos de ocorrência de mas: (i) suprafrásico, sempre que mas

ocorre como conector que ligue unidades superiores a períodos ou sempre que ocorre

como marcador discursivo de mudança de tópico, (ii) interfrásico, quando ocorre como

conjunção, a ligar enunciados oracionais, mesmo que esses enunciados sejam

descontínuos, por se tratar de interacções orais espontâneas e (iii) intrafrásico, em

contextos de ligação de constituintes (como em construções de Contraste Sintagmático)

ou em contextos de elipse (Capítulo 3). O quadro 6 sistematiza os resultados da análise.

Quadro 6 – Contextos de ocorrência de mas no corpus Santos (2006)

IDADE CONTEXTO 2;1.7 2;2.9 2;3.9 2;4.0 2;5.3 2;6.6 2;7.13 2;8.9 2;9.7 Total

Suprafrásico 0 0 — — — 0 1 1 1 3

Interfrásico 0 0 — — — 1 4 0 0 5

Intrafrásico 0 0 — — — 0 0 0 0 0

Finalmente, de forma a tornar a análise dos dados do português comparável com

a análise efectuada para o holandês, em Evers-Vermeul (2005), torna-se necessário

explicitar o valor semântico do conector mas que ocorre nos enunciados produzidos por

T. O quadro 7 apresenta esta informação.

Quadro 7 – Valores semânticos de mas no corpus Santos (2006)

IDADE CONTEXTO 2;1.7 2;2.9 2;3.9 2;4.0 2;5.3 2;6.6 2;7.13 2;8.9 2;9.7 Total

Aditivo positivo 0 0 — — — 0 1 0 0 1

Aditivo negativo 0 0 — — — 0 1 0 0 1

Causal negativo 0 0 — — — 1 3 1 1 6

Ao contrário dos resultados apresentados para a quase totalidade das crianças

holandesas, a primeira produção de mas de T. pode ter uma interpretação com um valor

«causal negativo», parafraseável por uma concessiva, como se pode constatar em (177)

e em (178).

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(177) T. 2;6.6

*ALS: o que é que tu vais comer?

*ALS: estás aí a olhar.

*T: um [/] um pêssego.

*ALS: um pêssego?

*T: +< xx mas # tem # de se(r) # lavado [?].

*ALS: +< mas tens que lavar # poi(s).

*ALS: ah@i # tem de ser lavado # pois é.

Em primeiro lugar, pode afirmar-se que está excluída a hipótese de mas ter valor

negativo aditivo, sem qualquer traço de causalidade. Apesar de ser pouco natural a nível

pragmático, pelo grau de informalidade do contexto, é semanticamente legítima uma

paráfrase do enunciado de T. como a apresentada em (178), com uma concessiva.

(178) Paráfrase: Vou comer um pêssego, apesar de ter de o lavar.

Ao contrário, uma paráfrase com uma conexão com e e com uma interpretação

conclusiva só é aceitável pela natureza polissémica de e, mas não evidencia o valor

«aditivo negativo», como mostra o exemplo em (179):

(179) Paráfrase: Vou comer um pêssego e tenho de o lavar18.

Aliás, a pressuposição sobre a qual assenta a conexão estabelecida por mas, na

produção de T., parece ter uma natureza mais causal positiva do que estritamente causal

negativa ou concessiva. Note-se a equivalência do valor do enunciado em (180) com o

enunciado com mas de T., assumindo-se como pressuposição que «se é fruta para se

comer, tem de ser lavada»:

(180) Como vou comer pêssego, tenho de lavar.

18 Uma interpretação estritamente aditiva seria desviante.

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229

Note-se que este valor causal / explicativo de mas, ignorado na análise de

Evers-Vermeul, é comum ao identificado na produção transcrita em (170). Esta

observação, neste conjunto de dados, reforça dois aspectos a ter em consideração no

estudo da aquisição de conectores: em primeiro lugar, como já antes se sublinhou, não

estão em causa valores primitivos isoláveis, mas valores primários e secundários

frequentemente adjacentes; em segundo lugar, em determinados contextos, pode

observar-se pelo menos alguma contiguidade semântica entre enunciados com

conectores contrastivos factuais e enunciado com conectores causais (Rudolph: 1996;

Varela: 2000)19.

A leitura do quadro 7 mostra também que a maioria dos mas produzidos por T.

são verdadeiros conectores contrastivos, inerentemente causais negativos como (182),

parafraseável por uma concessiva, como (183).

(182) 2;7.13

*TOM: i(s)to é uma ca +...

*TOM: estes # é um (bo)cadinho da canoa.

*MAE: da canoa?

*ALS: +< [=! ri].

*TOM: é.

*ALS: é a canoa do pai?

*MAE: +< hum@i.

*TOM: não # é uma canoa ve(r)melh(a) <não é> [//] # mas # não é # do pai.

(183) Paráfrase: É uma canoa vermelha, embora não seja a do pai.

Naturalmente, a escassez de produções encontradas nesta análise de produções

de apenas uma criança não permite chegar a conclusões totalmente robustas. A análise

de mais dados permitirá validar algumas hipóteses que, de qualquer forma, são

suscitadas pelos dados desta amostra.

19 Varela (2000, 131) defende a equivalência semântica, em algumas construções, entre conectores causais e conectores concessivos, em exemplos como (i) e (ii): (i) Ele é rico. Não é feliz por causa disso. (ii) Ele é rico. Não é feliz apesar disso. Contudo, a interpretação destes enunciados como equivalentes não parece ser totalmente natural.

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230

A análise desta amostra de produções precoces, em português, permite

problematizar uma das hipóteses teóricas de Evers-Vermeul (2005), fundada na

hierarquização de primitivos semânticos para explicar a ordem de emergência entre

conectores de classes diferentes. Sendo mas o segundo conector mais precoce, logo a

seguir a e, confirma-se a sua emergência antes de porque, o que está em consonância

com os dados do holandês. Contudo, o que, de forma crucial, pode pôr em causa a

hipótese desta linguista é o facto de as primeiras produções de enunciados com mas

expressarem conexões em que está presente, de forma inequívoca, o valor de

«causalidade negativa» comum a adversativas e a concessivas factuais, sendo apenas

duas as ocorrências de mas sem traços de causalidade.

De qualquer forma, este contra-argumento, identificado a partir da análise dos

dados do português, foi antes identificado quer na análise dos dados do inglês, por

exemplo com os enunciados transcritos em (166) e (167), nos quais se reconhece a

possibilidade de paráfrase com concessivas, como em (168) e (169), quer nos próprios

dados do holandês, que ficam por explicar, como o exemplo (170), que, ainda que não

seja parafraseável por uma concessiva, aparece antes de want e parece poder ter uma

leitura explicativa.

Complementarmente, outra objecção pode ser colocada à proposta teórica de

Evers-Vermeul: o facto de não ser preditiva quanto a uma ordem de emergência

alargada a conectores de outras subclasses semânticas, como os concessivos. De facto,

com base na conjugação dos primitivos semânticos adoptados pela autora, será

impossível encontrar uma explicação para o carácter tardio da emergência de

concessivas, que partilham das propriedades de adversativas quanto a polaridade, valor

semântico básico e ordem temporal. Afinal, partilhando as concessivas factuais destas

propriedades de adversativas, o que explica a sua emergência, efectivamente mais

tardia?

5.1.2. Que factores poderão explicar as ordens de emergência encontradas para os

conectores mais precoces? Que relação existe entre emergência e frequência no

input? Qual o papel do input na aquisição dos primeiros conectores?

O paralelismo entre precocidade de emergência de um conector e frequência de

uso, considerando tanto resultados globais como resultados por indivíduo é um dado

que sobressai da discussão da secção anterior, com particular destaque nos quadros 1, 2

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e 3. A constatação da existência de tal paralelismo, porém, não se limita ao caso

particular da aquisição do conector adversativo e do conector causal, em inglês,

holandês e português, nas produções espontâneas das crianças. A consulta dos dados de

aquisição e dos resultados do teste de produção de texto, na secção 4.3., revela que os

conectores que primeiro aparecem são os mais frequentes nos enunciados produzidos

pelos mesmos sujeitos, quer nas produções espontâneas, quer nas produções escritas das

crianças e dos adultos. A conclusão de que emergência e frequência são

correlacionáveis ou, pelo menos, coincidentes é uma evidência consistente, suportada

pela análise quantitativa.

Retomando alguns dos resultados referidos, os quadros 8 e 920 permitem o

confronto entre escala de emergência de conectores de classes distintas e escala de

frequência dos mesmos conectores.

Quadro 8 - Emergência de conectores no corpus de Santos (2006)

I. T. I.M.

mas 2;4.19 2;1.7 2;2.18

porque 2;3.8/ 2;5.24 2;6.6 2;3.22

se 2;7.16 2;9.7 2;5.23

Quadro 9 – Proporções de conectores no corpus de Santos (2006)

I. T. I.M.

mas 0,0127 0,0023 0,0024

porque 0,0076 0,0005 0,0006

se 0,0009 0,0003 0,0004

Também com o intuito de pôr em confronto escalas de primeiras ocorrências em

produções escritas e escala de frequência, apresentam-se os quadros 10 e 1121, que, além

do mais, revelam que as ordens encontradas nos dados de aquisição e as ordens

encontradas nos dados de produções escritas são equivalentes relativamente aos

conectores mais precoces: mas, porque e se.

20 Secção 4.3.1., quadro 6 e quadro 10. 21 Secção 4.3.3., quadros 30 e quadro 31.

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Quadro 10 – Escala de conectores mais precoces na produção de texto

mas porque se embora enquanto

9;3.13 9;5.01 9;6.26 9;11.13 14;8.03

Quadro 11 – Escala de proporção de conectores na produção de texto

mas porque se apesar de22 enquanto

5,38 5,25 4,61 0,59 0,03

Relativamente aos dados de produção, destaca-se a confirmação generalizada de

que existe, se não uma correlação, pelo menos uma coincidência entre precocidade de

emergência e frequência de ocorrências, nas produções das crianças, o que não é

novidade nos estudos de aquisição de conectores.

Paralelamente, no que diz respeito à frequência de estruturas linguísticas no

input, esta tem sido uma das explicações amplamente exploradas em estudos de

modelos de abordagem «usage based». Em estudos com este enquadramento teórico,

defende-se a existência de uma correlação positiva entre emergência de certas estruturas

linguísticas e frequência dessas estruturas no input, avançando-se para hipóteses que

apontam esta correlação como factor explicativo de ordens de emergência (Bybee:

1995; Langacker: 1988, e.o). Importa, contudo, esclarecer que os dados de frequência

que estão em apreciação não são dados de frequência no input, em sentido estrito, uma

vez que se trata da quantificação de produções no mesmo corpus em que se

identificaram as primeiras ocorrências. Assim, ao contrário de uma conclusão clássica

sobre eventuais correlações entre frequência no input (por exemplo, no input parental) e

precocidade de emergência, aponta-se para o facto de os conectores de uso mais

frequente na gramática da língua serem os primeiros conectores a ser adquiridos,

independentemente de se tratar da gramática do adulto, coincidente com o input, ou de

gramáticas mais precoces. Embora possa parecer que esta conclusão favorece uma

perspectiva «usage based», segundo a qual há uma relação de causalidade entre

frequência de uma unidade linguística no sistema e emergência dessa unidade, o

paralelismo encontrado, em dados recolhidos nas produções dos mesmos sujeitos, é um

22 A comparação entre os quadros 10 e 11 mostra que embora parece ser o conector mais precoce e apesar de o mais frequente. Como se fez notar na secção 4.3., a diferença de idades entre o aluno autor da concessiva de embora (9;11.13) e o autor da concessiva de apesar de (9;11.17) é de apenas quatro dias, o que não é muito significativo.

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233

argumento mais favorável à defesa de hipóteses que pretendem explicar ordem de

emergência com base em factores internos à teoria linguística. Resultados como os

observados não descartam a hipótese de que a explicação para precocidade de

ocorrência e para frequência seja comum, residindo nas propriedades inerentes às

unidades linguísticas e ao seu funcionamento no sistema.

Alguns estudos, como os de Tomassello (2003), tentam articular a importância

atribuída ao input e factores internos à teoria linguística. No estudo da aquisição de

frases complexas, numa tese enquadrada pela linguística cognitiva e funcional, Diessel

(2004) defende que o input tem um papel preponderante na explicação da ordem de

aquisição de estruturas com determinados conectores, em inglês. Segundo este autor,

«The more frequently a complex sentence occurs in the input data, the earlier it

emerges in children’s speech. This suggests that input frequency plays a key role in the

acquisition process.» (idem: 6). Apesar de tomar a frequência como um factor chave

para a explicação das aquisições precoces, este factor interage com outro, a noção de

complexidade estrutural, interna ao sistema: «the order of acquisition is at least

partially determined by the semantic and morphosyntactic complexity of the emerging

constructions» (ibidem).

Considerando que ambos os factores, frequência e complexidade estrutural,

desempenham um papel na explicação da ordem de emergência da aquisição, a

discussão sobre o peso explicativo que cada um pode assumir não é fácil de discernir.

Sobre este aspecto, Diessel afirma que «Since the earliest complex sentences are not

only simple but also frequent, complexity and frequency are difficult to disentangle;

both correlate very closely with the order of acquisition.» (ibidem)

Equacionando o papel da frequência no input e da complexidade das unidades

emergentes em moldes diferentes, o estudo de Evers-Vermeul (2005) adopta uma

abordagem multifactorial para encontrar explicações para a ordem de aquisição de

conectores e admite explicações exclusivamente internas à teoria, com base na

complexidade sintáctica, na complexidade semântica e também na complexidade

pragmática, que explicam aspectos da frequência de uso das estruturas com conectores.

Em relação ao papel do input na aquisição de conectores, um contributo interessante do

estudo de Evers-Vermeul é a atenção a aspectos metodológicos no estudo do input

parental, criticando o facto de escalas como as apresentadas nos quadros anteriores, que

são usadas para evidenciar correlações entre frequência e ordem de emergência, serem

escalas que consideram apenas valores de quantificações totais de produção. Segundo a

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234

autora, uma análise qualitativa da evolução do input permite outras conclusões sobre o

efeito do ambiente linguístico na aquisição.

A hipótese de que o input não é estável, havendo efeitos de modelização do

discurso dos pais ao nível de desenvolvimento das suas crianças, tem sido suportada por

alguns estudos empíricos. Por exemplo, os resultados de McCabe & Peterson (1997),

ainda que indirectamente, apontam para a existência de efeitos de adaptação dos

estímulos da linguagem dos pais: «They found that parents predate their children’s

so-called spontaneous explicit expression of causal links by approximately five months.

According to McCabe & Peterson (1997: 151), parents “scaffold their children’s

emergent causal language by asking questions, repeating or revising such questions,

occasionally answering those questions themselves, or abandoning them. Children

respond to parental causal questions before they make statements of causal connection

without such prompts (…).» (McCabe & Peterson: 1997, 151 apud Evers-Vermeul:

2005, 204).

De forma a avaliar, nos seus próprios dados, a validade de hipóteses como as de

Tomasselo (2003), segundo as quais as frequências do input parental são um factor

explicativo determinante, Evers-Vermeul apresenta uma análise estatística das

produções do conector toen na fala de duas irmãs e da mãe de ambas. Esta análise

quantitativa, que constitui uma vertente da sua abordagem multifactorial, é um

interessante contributo para o estudo do papel do input parental, uma vez que se trata de

uma mãe comum a duas crianças diferentes. Os resultados mostram que os índices de

produção da mãe não são estáveis, diferem entre as duas crianças, adaptando-se ao

estádio de desenvolvimento de cada uma. Em concreto, os picos de produção de toen no

discurso da mãe ocorrem em momentos diferentes no discurso dirigido a cada uma das

filhas, deixando em aberto a hipótese de que a frequência do input possa ser explicada

como efeito de modelização ao estádio de desenvolvimento da criança, em vez de, como

se preconiza em abordagens «usage based», ser o factor explicativo da aquisição.

Partindo de hipóteses como a explorada em Evers-Vermeul e tendo em

consideração a observação de que havia uma equivalência entre as frequências de

proporção dos conectores e, mas, porque e se nas interacções espontâneas das crianças e

nas das suas mães, Costa et al. (2008) procedem a uma análise estatística para confirmar

a existência de correlação entre as frequências das crianças e as das mães. Nesta análise,

foi aplicado um modelo estatístico de regressão linear, através do qual se procurou

verificar se a frequência de conectores no discurso da criança se comportava como uma

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235

variável preditiva da frequência de conectores no discurso das mães, facto que

confirmaria a existência de modelização do input ao estádio de desenvolvimento da

criança, e se, ao contrário, a frequência de conectores no discurso das mães podia ser

considerada uma variável preditiva da frequência de conectores no discurso das

crianças, o que confirmaria a influência na aquisição da frequência do input. Com o

modelo, pretendia-se testar também se o Tempo é uma variável preditiva da frequência

de conectores no discurso das mães, o que provaria que o input não é estável, e se o

Tempo é uma variável preditiva da frequência de conectores no discurso das crianças, o

que seria revelador de crescimento.

Os resultados obtidos revelam que o Tempo é a variável com maior capacidade

preditiva dos conectores e, mas, porque e se na produção dos mesmos no discurso das

crianças, como seria de esperar, sendo sinónimo de crescimento, mas também no

discurso das mães, o que é, de certa forma, surpreendente. Se bem que se observe que os

quatro conectores analisados sejam cada vez mais frequentes, ao longo das observações,

o modelo não permitiu confirmar, não sendo conclusivo, que a frequência no discurso

das mães tenha capacidade preditiva da frequência dos mesmos conectores no discurso

das crianças, o que impossibilita qualquer conclusão em relação ao papel da frequência

do input parental na aquisição. Ao contrário, e embora não se tenha chegado à mesma

conclusão relativamente a todos os conectores, no caso do conector mas, a frequência

no discurso das crianças teve valor preditivo da frequência no discurso das mães: «a

frequência no discurso das crianças é capaz de explicar 12% da variação no discurso

das mães, sendo esta correlação significativa (p < .05)» (idem, 138).

Destes resultados, os autores destacam duas principais conclusões, uma relativa

ao papel da frequência do input e a outra relativa à instabilidade do input. Em primeiro

lugar, a hipótese de que a frequência de conectores no input é determinante para a

ordem de emergência e para a própria frequência no discurso das crianças não pôde ser

confirmada pelo modelo, o que não favorece abordagens «usage-based». A segunda

conclusão destaca-se pelo facto de os resultados mostrarem que o input não é estável,

confirmando hipóteses como as de McCabe & Peterson (1997) e de Evers-Vermeul

(2005): se a frequência de conectores no discurso das mães pode ser descrita com uma

linha de crescimento, o que não é esperável em situação de fala espontânea do adulto,

então poder-se-á admitir que há adaptação do discurso das mães ao estádio de

desenvolvimento da criança.

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236

Os resultados da pesquisa sobre a aquisição precoce de concessivas, feita de

forma complementar ao trabalho desenvolvido em Costa et al. (2008), tendo por

referência o mesmo corpus, contribuem com mais dados favoráveis à hipótese de que o

input não é homogéneo.

A quantificação da produção de conectores contrastivos no discurso das mães,

apresentada em pormenor na secção 4.3., foi sintetizada no quadro 12, que é ilustrativo

da frequência de uso de conectores contrastivos no input materno.

Quadro 12 – Totais de conectores contrastivos produzidos pelas mães no corpus Santos (1996)

mas mesmo assim mesmo que nem que

1115 2 1 1

Embora a desproporção entre o número de ocorrências do segundo conector

mais precocemente adquirido pelas crianças – mas – e os demais conectores

contrastivos deixe clara a pouca saliência destes últimos do input materno, destacou-se

o facto de a concessividade não estar totalmente ausente do input com que as crianças

contactam. Mas, mais significativa ainda, é a constatação de que os quatro conectores

concessivos nunca aparecem em contextos de discurso dirigido às crianças, ocorrendo

em todos os casos em contextos de interacções entre adultos. Esta observação, além de

confirmar que não há homogeneidade no input, no que diz respeito à linguagem dirigida

às crianças, permite alguma especulação sobre o que parecem ser intuições dos adultos

acerca do estádio de desenvolvimento em que as crianças se encontram. Na verdade,

esta pesquisa de concessivas dos adultos em interacção com crianças mostra que estes

adultos, que recorrem abundantemente a nexos contrastivos com mas, escolhem não

usar concessivas quando se dirigem às crianças, embora as usem com outros adultos. A

natureza destas intuições, radicadas em conhecimento linguístico, justifica futura

investigação, que talvez venha a contribuir com mais informações sobre o papel

específico do input na aquisição. Um aspecto adicional, que parece interessante, será

aferir o grau de acerto das intuições dos adultos sobre o conhecimento linguístico das

crianças.

Um problema identificado na análise de Costa et al. (2008) foi a não

coincidência entre crescimento da produção de conectores no discurso das mães e a

confirmação do valor preditivo do discurso das crianças em relação ao das mães. Por

outras palavras, o modelo aplicado não pôde confirmar que a frequência de conectores

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237

das mães espelhasse o número de conectores efectivamente produzido pelas crianças.

Este problema deixa em aberto a possibilidade de que os efeitos de modelização do

discurso das mães seja mais um efeito do que estas intuem sobre a capacidade de

compreensão das crianças do que uma adaptação ao que as crianças já estão aptas a

produzir, no domínio linguístico.

Em síntese, embora a incursão nos dados de aquisição precoce de conectores não

tenha confirmado integralmente a explicação de Evers-Vermeul (2005) para a ordem de

emergência de conectores com base em primitivos semânticos, a hipótese de que existe

uma relação de causalidade entre frequência no input e emergência na aquisição

também não pôde ser sustentada. Ainda que os resultados da análise quantitativa tenham

confirmado a existência de equivalência entre frequência e ordem de emergência dos

primeiros conectores, defendeu-se, com Evers-Vermeul (2005) e com Costa et al.

(2008) que os factores explicativos da ordem de aquisição podem ser os mesmos que

determinam a frequência de uma unidade ou de uma estrutura linguística. Ainda

relativamente ao papel do input na aquisição, a pesquisa sobre os conectores mais

frequentes contribuiu para a confirmação da existência de efeitos de modelização do

input, determinados por intuições dos adultos sobre o estádio de desenvolvimento

linguístico das crianças.

Numa perspectiva generalista, as duas hipóteses explicativas da ordem de

aquisição radicam uma nos efeitos da frequência do input e outra na complexidade

estrutural. As abordagens «usage-based», que encontram na frequência de ocorrência de

estruturas a razão para a precocidade de aquisição, deixam a descoberto a explicação

para as aquisições tardias, para além do factor temporal. Se a pouca frequência de

concessivas é para Diessel (2004, 157) uma das justificações para a inexistência desta

classe de orações nas produções do seu corpus, ficam ainda por explicar os factores que

viabilizam, apesar da pouca frequência, a aquisição de estruturas como estas.

Considerando a hipótese da complexidade estrutural, para explicar quer as

aquisições mais precoces, quer o carácter tardio de estruturas como as concessivas,

importa, antes de mais, obviar uma aparente contradição destas assunções relativamente

à aquisição de conectores. Por exemplo, Diessel conclui que as frases complexas que

são adquiridas primeiro são as mais frequentes e, simultaneamente, as menos

complexas, chegando mesmo a admitir a independência da complexidade como factor

explicativo da aquisição: «Since the earliest multiple-clause structures are both simple

and frequent, the two factors, i.e. frequency and complexity, are difficult to disentangle.

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238

However, that complexity is an important factor independent of frequency is suggested

by the ‘delay’ in the acquisition of some especially complex structures» (idem, 178)23.

Se se preconizar que são as estruturas e unidades menos complexas as que são primeiro

adquiridas, como explicar que são conectores plurifuncionais, como o aditivo e e o

adversativo mas os primeiros a ser adquiridos? No paradigma das palavras conectivas, a

que corresponde a complexidade, se não for à acumulação de possibilidades de

distribuição sintáctica e de funções semânticas e discursivas? Então, em que medida

mas pode ser considerado menos complexo do que embora?

Conectores concessivos factuais e o conector mas são semanticamente

comutáveis em contextos em que este último ocorre em posições interfrásicas (Capítulo

3). Contudo, em alguns contextos, como em estruturas de Despojamento, em Contraste

Sintagmático ou na ligação de unidades discursivas, mas não pode ser substituído por

embora ou por apesar de (Matos e Prada: 2005). Do ponto de vista da acumulação de

funções, pela sua plurifuncionalidade sintáctica, semântica e discursiva, mas é um

conector mais complexo do que os conectores concessivos factuais. Constata-se, então,

que, havendo conectores com o mesmo valor, ao contrário do que seria esperado,

emerge primeiro o estruturalmente mais complexo. Esta conclusão conduz à reflexão

em torno de dois aspectos: em primeiro lugar, a explicação da aquisição de mas e, em

segundo lugar, o reconhecimento dos factores que podem explicar que os conectores

concessivos sejam adquiridos postumamente.

Relativamente à aquisição de mas, a amostra de dados de produção individual de

uma criança do corpus de Santos (2006) permite sustentar a hipótese de que, quando um

conector é adquirido, não é dominado o conhecimento inerente a toda a sua

complexidade desde o início. Conforme se pode ler no quadro 6, acima, das três funções

de mas, identificam-se três ligações suprafrásicas e cinco interfrásicas, não havendo

qualquer ocorrência do conector adversativo em contextos de ligação de constituintes

internos à frase ou em contextos de elipse. Hipótese semelhante poderá ser colocada em

relação aos valores semânticos do mesmo conector: registam-se seis casos de mas com

valor contrastivo básico, um caso com valor aditivo positivo e outro com valor aditivo

negativo.

23 Diessel admite ainda que outros factores confluem para a explicação do carácter tardio de algumas estruturas: «In addition to frequency and complexity, the pragmatic functions of complex sentences can

have a significant effect in their development.» (Diessel: 2004, 179)

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239

A ideia de que um item plurifuncional, quando é adquirido, não é logo

plenamente dominado não é estranha na literatura sobre aquisição. A propósito de

aquisição de conectores, Evers-Vermeul (2005) discute o conceito de «aquisição»

distinguindo diferentes graus de domínio de um conector, desde a primeira emergência

até ao uso pleno de uma mesma unidade, que pode envolver a manifestação de

conhecimento linguístico da mesma unidade com distribuições gramaticais diferentes.

No que diz respeito à aquisição de mas, a autora defende que os usos mais precoces de

mas correspondem a um valor – aditivo negativo – que não é o seu valor básico, o que

constituiu uma perspectiva de aquisição progressiva da complexidade estrutural.

Em estudos de aquisição da plurifuncionalidade semântica de outras unidades,

hipóteses em certa medida equiparáveis têm sido apresentadas. Crain et al. (1992)

mostram que, em estádios precoces de aquisição, a interpretação dos diferentes escopos

do advérbio only não está disponível. Inicialmente, as crianças estão apenas aptas a

fazer uma interpretação de escopo largo. Só mais tarde, aplicam aos contextos

específicos as interpretações mais restritas e adequadas24.

Considerando a hipótese de que, quando o conector mas é adquirido, não o é

plenamente, mas apenas numa das suas funções, fica descartado o problema de ser

adquirido um conector estruturalmente mais complexo. Aliás, se a explicação para a

plurifuncionalidade for enquadrada por uma hipótese de subespecificação de traços, mas

será um conector subespecificado e menos complexo do ponto de vista da aquisição,

podendo entender-se que plurifuncionalidade não é sinónimo de complexidade para a

aquisição.

No entanto, mantém-se o problema de explicar que factores tornam a aquisição

dos conectores concessivos mais tardia. Ainda que, no estádio inicial de aquisição, mas

não seja um conector tão complexo como o é na gramática do adulto, não poderá ser

considerado estruturalmente menos complexo do que os conectores embora e apesar de.

Tendo sido infirmada a hipótese de que os primeiros conectores adversativos

tenham valor «aditivo negativo», ou outro diferente, com a análise das produções de T.

antes apresentada, pode considerar-se que conectores como mas, embora e apesar de

operam valor semântico primário equivalente - de contraste - não podendo ser a sua

complexidade semântica o factor diferenciador de ordem de aquisição. Do ponto de

vista distribucional, tanto o conector adversativo como os conectores concessivos têm

24 Para explicar esta evolução, Crain et al. (1992) recorrem ao «semantic subset principle».

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240

comportamento de conjunções, ligando constituintes oracionais, o que também não

permite diferenciá-los. Que factores poderão, então, explicar a diferença de ordem de

aquisição entre conector adversativo e conectores concessivos factuais?

Seguidamente, ponderam-se três factores diferenciadores do conector

adversativo e dos concessivos, sendo um dos factores externo ao sistema linguístico e os

outros dois internos. O primeiro factor é a frequência, cujo papel na aquisição de

conectores, em geral, foi antes discutido, e os outros dois são, em primeiro lugar, as

diferenças sintácticas decorrentes da participação em estruturas de coordenação ou de

subordinação e, em segundo lugar, as diferenças envolvidas na selecção de modo,

especificamente de modo conjuntivo.

Como é evidente na análise quantitativa apresentada na secção 4.3., a frequência

de produção de mas é amplamente superior às produções de embora e de apesar de.

Mesmo considerando as produções dos adultos, que podem ser tomadas como evidência

da gramática do adulto e, por isso, do input adulto, a desproporção é elevada, como

ilustra o gráfico da figura 2.

Figura 2 – Proporções de conectores contrastivos factuais nas produções de adultos escolarizados25

Contudo, retomando a argumentação anterior, relativa ao papel do input na

aquisição de conectores, e tendo em consideração resultados de análises como a de

Evers-Vermeul (2005) e a abordagem estatística de Costa et al. (2008), verifica-se que,

embora se possa constatar que existe uma correlação positiva entre a precocidade de

25 Corpus de produção de textos por adultos escolarizados (secção 4.1., 4.3. e Anexos 4 e 5).

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241

aquisição de mas e a sua proporção de ocorrência, não há evidência de que essa

correlação sustente uma relação de causa-efeito. Em consonância com o que é

defendido em Costa et al. (2008), conclui-se que os factores que poderão explicar a

precocidade de mas face a embora e a apesar de poderão ser, efectivamente, os mesmos

que explicam os valores de frequência deste conector. Afinal, por que razão um

conector é mais frequente que outros, seus equivalentes, no sistema?

A diferença estrutural mais óbvia entre o conector adversativo e os conectores

concessivos reside no facto de o primeiro participar numa estrutura de coordenação e os

segundos numa estrutura de subordinação. Face a isto, poder-se-á colocar a hipótese de

que, havendo dois conectores em concorrência, se adquire primeiro o conector

coordenativo, assumindo-se que a coordenação é adquirida mais precocemente. Alguns

argumentos, porém, fragilizam esta hipótese.

Primeiro, considerando uma abordagem descritiva, de entre os três tipos de

subordinadas, são as subordinadas adverbiais as que mais se aproximam de estruturas de

coordenação, pelo seu carácter periférico (Lobo: 2003), sendo subordinadas adjectivas e

subordinadas relativas estruturas que envolvem um maior grau de encaixe. Havendo

distinção a fazer entre graus de encaixe sintáctico, que justifiquem a diferença, na

aquisição, entre coordenação e subordinação, esta será menos evidente entre

coordenadas, como as adversativas, e subordinadas adverbiais, como as concessivas.

O facto de se defender que propriedades gerais da coordenação e da

subordinação não são suficientes para explicar as diferenças de ordem de emergência

entre adversativas e concessivas não exclui a hipótese de que propriedades da

subordinação que interagem com a interpretação, ao nível discursivo, não concorram, a

par de outras razões, para o carácter tardio da aquisição de concessivos. De entre estas,

destaca-se a mobilidade de subordinadas adverbiais, aspecto que será abordado

posteriormente.

Cumulativamente, do ponto de vista da aquisição da sintaxe, os dados

disponíveis para o inglês também não permitem concluir que as diferenças entre

coordenação e subordinação tenham impacto na diferenciação da ordem de emergência

de conectores coordenativos e subordinativos. Segundo os dados de Diessel (2004), há

produção de, pelo menos, algumas estruturas de subordinação completiva e relativa

desde cedo, a par da aquisição dos primeiros conectores coordenativos (como and e but)

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242

e dos primeiros conectores subordinativos adverbiais (como because)26, sendo inviável

a suposição de que estruturas de coordenação emergem antes de estruturas de

subordinação. Aliás, na análise que propõe, Diessel (idem, 149-173) trata conjuntamente

os resultados da aquisição de estruturas de coordenação e de estruturas de subordinação

adverbial, tendo em consideração a contiguidade existente, quer no processo de

aquisição, quer na gramática do adulto: «adverbial subordination and clausal

co-orditation form a continuum of related constructions» (idem, 149).

Finalmente, um último argumento contra a hipótese de os conectores

coordenativos serem mais precoces do que conectores subordinativos é evidente se se

considerar o facto de, em inglês, because, conjunção subordinativa causal, emergir antes

de but, conjunção coordenativa adversativa. Por outro lado, tendo em consideração quer

os dados do corpus de Santos (2006), em Costa et al. (2008), quer as produções escritas

do quarto ano, sexto ano e nono ano, constata-se que, no paradigma semanticamente

contíguo de causais e explicativas, se adquire primeiro o conector porque, subordinativo

causal, e só mais tarde há produção de pois, enquanto conjunção coordenativa

explicativa27.

5.1.3. O modo conjuntivo é um precursor linguístico da aquisição de concessivas?

A obrigatoriedade de selecção de modo conjuntivo, decorrente do recurso à

maioria de conjunções e de locuções conjuncionais concessivas factuais (como embora,

ainda que, se bem que) e condicionais (como ainda que, mesmo que e mesmo se) tem

sido um aspecto encarado como uma razão para a menor frequência de concessivas e

para o seu carácter mais tardio. A este propósito, Edite Prada, defendendo, com

Martelotta (1998) e Lapa (1984), a preferência dos falantes pelas estruturas

26 Recorde-se que, segundo Diessel (2004), a ordem de emergência, coincidente com a escala de frequência, equivale a and > because > so > but > when > if. 27 A ocorrência do conector porque do paradigma dos causais/explicativos, nas produções de T. (corpus de Santos: 2006), que ocorre no último ficheiro, tem valor causal e não explicativo (embora pertença a um fragmento ancorado no contexto situacional), o que suporta a ideia de que, neste paradigma, se adquire primeiro a conjunção subordinativa e só mais tarde a coordenativa, como pois, ou a função coordenativa de porque: (i) T 2;9.7 *TOM: é # eu tenho t(r)ês. *MAE: pois tens. *ALS: [=! ri]. *TOM: po(r)qu(e) ist(o) é da cabeça. Nas produções espontâneas das crianças, não há produções de pois conjuncional explicativo.

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243

adversativas, refere que estes, quando «optam pela concessiva, a sua escolha recai

sobre construções que não impliquem o uso de conjuntivo» (Prada: 2003, 666).

Com base na análise de dois corpora de produções escritas – o corpus A, com

textos produzidos por jovens entre os catorze e os vinte anos, e o corpus J, com um

conjunto aleatório de textos de jornais e de revistas, Prada (idem) conclui que, mesmo

no domínio da produção de conectores concessivos, se observa um recurso muito

limitado da produção de concessivas com conjuntivo. Em concreto, no corpus A, dos

vinte e oito exemplos de concessivas, apenas oito (28,6%) são estruturas com

conjuntivo. Um resultado paralelo pôde ser observado no corpus J: somente cinquenta e

cinco dos cento e noventa e três exemplos, ou seja, 28,5% das construções integram

verbos no modo conjunto. Com base nestes resultados, a autora propõe uma escala de

preferência na produção de contraste: (i) coordenada adversativa, (ii) subordinadas

concessivas sem recurso a conjuntivo e (iii) recurso a concessivas com conjuntivo.

Conclusões como a apresentada têm como implicação a sugestão de que o

conjuntivo é um modo ainda em estabilização, pelo menos em fases mais precoces da

escolarização. Por outro lado, a ideia de que as concessivas de infinitivo, preferidas

pelos jovens escritores dos corpus A de Prada (idem), são, na globalidade, mais

frequentes do que as concessivas de conjuntivo leva a concluir que um conjunto de

construções, como as de apesar de, não obstante, mesmo com gerúndio, entre outras,

são as preferidas pelos jovens escritores, em detrimento das concessivas de embora,

ainda que e mesmo que.

De forma a avaliar a hipótese de que o conjuntivo não está ainda adquirido em

fases iniciais da escolarização, procedeu-se a uma análise qualitativa dos textos

produzidos pelos alunos do quarto ano, de que se dá conta em seguida28. Posteriormente,

comparam-se os resultados obtidos no corpus de diagnóstico, relativamente à produção

de concessivas sem conjuntivo e de concessivas com conjuntivo.

Para a análise da produção de conjuntivo em textos do quarto ano,

seleccionaram-se, como relevantes, os contextos de uso obrigatório de conjuntivo

descritos em Duarte (1992), que são enunciados no quadro 13.

28 Estes dados foram primeiramente explorados em Costa (2006) e em Costa (2007).

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244

Quadro 13 – Usos de conjuntivo em produções escritas de crianças entre os 9;3.13 e os 10;2.07

Contextos de uso obrigatório de Conjuntivo

Total de contextos

Total de estruturas correctas

% de estruturas correctas

FRASES MATRIZ Com advérbios como oxalá, talvez, … 1 1 100% Em frases imperativas e exclamativas 12 12 100%

FRASES COMPLEXAS Em subordinadas completivas finitas dependentes de verbos factivos, volitivos, optativos e declarativos de ordem

10

10

100%

Em algumas relativas restritivas com antecedente desconhecido ou com um antecedente que não existe

4

4

100%

Em algumas subordinadas adverbiais finitas conjuncionais 18 17 94,4% Total 45 44 -

A leitura do quadro 13 deixa perceber que foram identificados quarenta e cinco

contextos de uso de modo conjuntivo nos vinte e quatro textos dos alunos de quarto ano.

Entre estes contextos, encontram-se estruturas de conjuntivo em frases matriz, por

exemplo dependentes de advérbios como talvez, em (184), ou em frases imperativas

exortativas, de que é exemplo (185)29.

(184) *MK4 (9;10.09):Ora [%spe: Ura] aqui está uma resposta difícil [%spe: difísil]

mas um colega meu teve uma grande ideia [%spe: 0,] que era fazer clones dos

animais e assim talvez desse resultado [%spe: resoltado] [%spe: 0.] .

(185) * FF4 (9;7.28): Não estrague a vida dos animais .

Relativamente aos contextos de uso de conjuntivo em frases complexas, foram

identificadas estruturas com conjuntivo em orações relativas restritivas, exemplificadas

em (186), e em orações completivas dependentes de verbos factivos, volitivos e

optativos, como se ilustra em (187)30, com um verbo volitivo.

(186) * FA4 (10;2.07): 0apesar+de serem irracionais [%spe:inrracionais] [%spe: 0,]

devem ter um dono que goste deles (domésticos) .

29 O sublinhado é meu. 30 O sublinhado é meu.

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245

(187) * FB4 (10;1.11):Espero que tenham gostado da minha opinião [%spe:

opiniam][%spe *,] e peço~vos [%spe:peso~vos] que sejam tão defensores dos

animais quanto eu .

Esta análise de contextos de uso de conjuntivo permitiu constatar que há maior

frequência de recurso a modo conjuntivo em contextos de subordinação adverbial, tendo

sido identificadas dezoito frases complexas deste tipo, entre as quais se contam uma

subordinadas adverbial final, construída com para que, em (188), uma subordinada

adverbial com valor temporal/condicional, construída com quando, em (190), duas

subordinadas adverbiais concessivas, ambas encabeçadas por embora, de que é exemplo

(189), e catorze condicionais construídas com a conjunção se.

(188) * FI4 (9;10.12): Os cientistas [%spe: 0,] em vez de trabalhar com os animais

[%spe: 0,] deviam era deixar fugir todos , para que eles não sofressem [%spe:

sufrecem] mais .

(189) * MJ4 (9;11.13): Embora alguns sobrevivam [%spe: subrevivam] , o seu Adn está

afectado por doenças , e isso pode contagiar os humanos .

(190) ME4 (10;0.26): Também as cobras às [%spe: ás] vezes são caçadas por bem para

eles [*] tirarem o veneno para [%spe: 0,] quando atacar alguma pessoa

[%spe: 0,] na [*] a envenenar .

Das catorze subordinadas condicionais, todas com valor hipotético, cinco são

orientadas para o passado, sendo construídas com imperfeito do conjuntivo, como (191)

e nove recebem uma interpretação hipotética de orientação para o futuro, tendo o verbo

no futuro do conjuntivo, como (192)31.

(191) * MK4 (9;10.09): O problema é que [%spe: 0,] se os clones tivessem problemas

[%spe: 0,] podiam atacar os humanos e assim gerasse [*] uma guerra entre

humanos e clones.

31 O sublinhado é meu.

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246

(192) * ML4 (10;1.05): Mas se não o fizerem haveremos de chegar a uma altura em que

não temos mais animais .

Como se pode depreender da leitura dos exemplos apresentados, as formas

verbais de conjuntivo seleccionadas são morfologicamente adequadas, havendo apenas,

com bastante frequência, erros de representação gráfica dessas formas. O quadro 14 dá

conta dos tipos de erros encontrados no uso de formas verbais de conjuntivo.

Quadro 14 – Tipologia de erros de conjuntivo em produções de crianças entre os 9;3.13 e os 10;2.07

FORMAS COM ERROS

FORMAS

CORRECTAS

ORTOGRÁFICOS

MORFOLÓGICOS

SINTÁCTICO-

-SEMÂNTICOS

6 0 1 11

33,3% 0% 5,5% 61,1%

No quadro apresentado, consideram-se formas com erros ortográficos as formas

de conjuntivo representadas, na escrita, de modo incorrecto, sendo disso exemplo as

transcrições dos dados em (188) e em (189) acima, na linha [%spe]. O conhecimento de

língua implicado no conhecimento ortográfico decorre, naturalmente, do ensino formal

e a percentagem de erros identificada corresponderá a problemas na aprendizagem

formal da escrita, que poderão ser justificados pelo facto de se tratar, apenas, de um

quarto ano de aprendizagem desta competência.

Não foram encontrados quaisquer erros morfológicos nas formas de conjuntivo,

ou seja, não foram encontradas representações gráficas que pudessem indiciar um mau

domínio da estrutura interna das formas verbais em análise, o que leva a concluir que

não há evidências para se afirmar que a morfologia do conjuntivo possa ainda estar em

fase de aquisição ou de estabilização. Desta forma, mesmo que se considere a hipótese

de que o conjuntivo é um precursor linguístico da aquisição de concessivas, fica

fragilizada a hipótese de que o não domínio do conjuntivo justificaria a fraca ocorrência

de concessivas, dado que se pode concluir que os alunos, no quarto ano, dominam o

conjuntivo nos seus contextos de uso obrigatório, embora praticamente não produzam

concessivas.

Foram considerados erros sintáctico-semânticos os erros que envolvem uma má

selecção de tempo e modo do verbo da subordinada, o que tem implicações na coesão

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247

têmporo-modal interna à frase complexa. A transcrição em (193) é o único exemplo de

erro semântico, na construção de um enunciado condicional32.

(193) *MD4: Eu não acho bem o que estão a fazer aos animais , porque [%spe: por

que] os animais [%spe: animai] são nossos [%spe: nosos] amigos e nós

devemos protegê~los [%spe: protegelos] senão [%spe: se não] qualquer dia

os cães [%spe: 0,] os gatos , os macaco [*] e muitos [/?] animais ficariam em via

[*] de extinção [%spe: estinção] , [%spe: 0;] mas se não pormos [*] a

vida dos animais [*] [%spe: 0,] púnhamos [%spe: punhamos] a vida das

pessoas [%spe: *,] e eu também não gosto disso .

No dado transcrito em (193), a selecção de uma forma de infinitivo flexionado

do verbo pôr, a forma pormos, em vez da selecção de imperfeito do conjuntivo, na

subordinada condicional, motiva um erro sintáctico, por má selecção de modo, e um

erro semântico, pela descontinuidade provocada na coesão têmporo-modal da frase

complexa, decorrente da ocorrência de imperfeito do indicativo na subordinante. Ora,

este tipo de erro é idêntico a outros desvios encontrados nas produções de concessivas

das crianças do quarto ano, no teste de produção induzida de frases, e também se

assemelha a erros atestados nos dados de Prada (2003), parecendo ter alguma relevância

para a descrição do estádio de desenvolvimento em que se encontram estes alunos

relativamente a conhecimento inerente a coesão têmporo-modal.

Em conclusão, face à análise de usos de conjuntivo nas produções de alunos do

quarto ano, o menor uso de construções concessivas com recurso a este modo, que

resulta na fuga ao conjuntivo observada em Prada (2003), não pode ter como causa o

facto de o modo conjuntivo ainda não estar adquirido por volta dos dez ou onze anos.

Nesta fase, os alunos recorrem a formas do conjuntivo em contextos de uso obrigatório,

em consonância com os padrões da gramática do adulto. O erro encontrado, transcrito

em (37), não evidencia que se evite o conjuntivo, mas que haja problemas de selecção

têmporo-modal na estruturação da frase complexa.

Note-se ainda que os dados de produção de concessivas na escrita de textos por

alunos do quarto ano não permitem corroborar totalmente o segundo parâmetro da

escala de produção de estruturas contrastivas, proposta em Prada (2003), segundo a qual

32 O sublinhado é meu.

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248

são preferencialmente usados os conectores concessivos que não requeiram a selecção

de conjuntivo, tanto entre os jovens escritores, no corpus A, como nas produções

escritas da imprensa, no corpus J. Considere-se a figura 333.

Figura 3 – Proporções de conectores concessivos

Tendo em consideração a totalidade de conectores concessivos produzidos pelos

alunos do ensino básico, por um lado, o pelos escritores adultos, por outro, verifica-se

que a conclusão de Prada (idem) é validada, sendo apesar de o conector com maior

proporção de uso entre os escritores mais jovens34, se se considerarem apenas os

conectores conjuncionais. Na totalidade das produções, observa-se igualmente que a

proporção de uso de conectores que não exigem conjuntivo (apesar de, mesmo, não

obstante, ainda assim e mesmo assim) é superior à proporção de uso de conectores de

conjuntivo (ainda que, embora, mesmo que). Esta situação inverte-se nas produções dos

adultos.

Ao contrário do observado por Edite Prada, no corpus J, as produções de textos

de adultos escolarizados revelam uma proporção superior de uso de conectores que

33 A figura 3 é a figura 5 na secção 4.3. 34 Apenas a consideração das produções do sexto ano isoladamente contraria este raciocínio. Contudo, o número de produções isoladas, correspondente a um apesar de, um embora e um mesmo que, é escasso para a apresentação de uma contra-argumentação.

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249

exigem o recurso ao conjuntivo (0,49% de conectores com conjuntivo vs. 0,42% de

conectores sem conjuntivo). Esta constatação poderá consolidar a ideia de que o recurso

a estruturas com conjuntivo é uma marca do perfil de escrita adulto. Contudo, esta

hipótese só poderia ser inteiramente verificada mediante a análise de proporções de uso

de outras estruturas de conjuntivo, para além das concessivas. De qualquer forma, a

constatação de que os jovens escritores produzem menos concessivas de conjuntivo do

que os escritores adultos escolarizados, que manifestam um uso mais diversificado de

conectores e recorrem mais a construções concessivas com conjuntivo, corrobora a

hipótese de que o domínio pleno de concessivas de conjuntivo é uma característica do

perfil de níveis superiores de mestria de língua e, consequentemente, de literacia

linguística e de literacia de escrita.

5.2. O conhecimento envolvido na aquisição de concessivas

Na secção anterior, discutiram-se factores candidatos a ter poder explicativo

sobre o carácter tardio da aquisição e mestria de produção de estruturas concessivas. A

análise dos dados proposta excluiu a ideia de que cada um destes factores, considerado

isoladamente, poderia constituir a explicação dominante do facto de as concessivas

serem adquiridas mais tarde e do facto de, simultaneamente, terem um baixo índice de

frequência. Assim, a análise da influência do input, como factor preponderante na

explicação do carácter tardio dos conectores concessivos, conduziu à conclusão de que

este factor, externo às características intrínsecas das unidades em análise, não tem um

poder explicativo suficientemente forte. As hipóteses que radicam numa análise interna

ao funcionamento do sistema linguístico também não puderam ser sustentadas: a

hipótese de Evers-Vermeul (2005), de que a causalidade negativa, inerente ao valor

semântico de adversativas e concessivas, é adquirida mais tarde não foi validade pela

análise de dados do português. De igual modo, outras duas hipóteses assentes em

características gramaticais cruciais na descrição de concessivas – o facto de serem

estruturas de subordinação e o facto de estarem frequentemente associadas ao uso de

modo conjuntivo – foram excluídas, não podendo os factores em análise ser

considerados razões inequivocamente fortes para a explicação da aquisição e domínio

tardio de concessivas.

Assumindo uma abordagem multifactorial da questão – a explicação do carácter

tardio da aquisição de concessivas - analisam-se, nas secções seguintes, factores que,

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250

concomitantemente, concorrem para o facto de estas estruturas serem compreendidas,

produzidas e usadas tardiamente.

5.2.1. Que tipo de conhecimento pode ser factor explicativo do carácter tardio da

aquisição de concessivas?

Tanto nos dados de produção de texto, em Prada (2003), como em alguns dados

de produção de texto dos alunos do quarto ao nono ano e, em particular, nos dados de

produção induzida de frases, os erros mais salientes, nas estruturas concessivas, são

desvios que radicam ou numa errada selecção de modo ou numa selecção de tempo do

conjuntivo errada, com consequências nefastas para a coesão têmporo-modal. Um

terceiro tipo de desvio evidencia um domínio incipiente da manutenção aspectual que

tem de ser garantida para a coesão de uma estrutura complexa concessiva. Dada a

proeminência de desvios como os enunciados nos dados que se apresentam em seguida,

defende-se, como em Costa (2007), que o domínio tardio de conhecimento linguístico

de natureza sintáctico-semântica, responsável pela coesão têmporo-modal e pela coesão

aspectual na estruturação de enunciados frásicos complexos, é um dos factores que

justificam o carácter tardio da aquisição de concessivas, provavelmente o principal, pelo

carácter matricial do conhecimento envolvido.

Nos dados apresentados em Prada (2003), entre as produções de alunos a

frequentar o oitavo ano ou com quinze anos, encontram-se erros que revelam

desconhecimento lexical do item conjuncional, manifesto na produção de um conector

concessivo com uma estrutura interna inexistente no português europeu padrão. São

casos desse tipo os exemplos que se reproduzem em (194) e (195):

(194) *Gosto muito dos amigos, embora de conhecer poucos. 15B02A02

(195) *O tempo está óptimo embora que as noites estejam frescas. 8ºD, Fev. 200035

Este tipo de erro, que revela que os itens correspondentes aos conectores

concessivos não estão disponíveis no léxico activo destes falantes, pelo menos no

formato padrão, também foi encontrado no teste de produção de frases de alunos do

35 Exemplos (12) e (15) em Prada (2003, 671-672).

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251

nono ano. O único «não obstante» conjuncional, que ocorre numa produção de um

aluno de nono ano, corresponde a uma locução com uma estrutura desviante, com

consequências nos critérios sintácticos de selecção têmporo-modal.

(196) *WRI51 (16;10.20): Eu acho que não se deve fazer experiências [%spe:

experiencias] em animais , porque [%spe: 0,] não+obstante de [*] serem

importantes para a descoberta de vacinas [%spe: 0,] que sem dúvida é o mais

importante [%spe: 0,] não acho que se devam utilizar animais .

Se este erro de desconhecimento de propriedades de selecção de itens funcionais

tem registo até uma idade que pode ser considerada tardia para a mestria de uma língua

materna – o final da escolaridade básica –, há outro erro sintáctico do mesmo tipo que

permanece até bem mais tarde: a não selecção de conjuntivo em estruturas com

conectores que o exigem. Este erro é atestado tanto nos dados de Prada, em (197) e

(198)36, como em produções de adultos escolarizados, em dados como os de Costa

(2005), reproduzidos em (199) e em (200)37. Nos quatro exemplos que se transcrevem

em seguida38, os conectores seleccionados são, com a excepção de ainda que, que é

ambíguo, conectores típicos de concessivas factuais.

(197) (?) Se algum dia puder viajar para outros planetas, vou, se bem que eu acho

impossível acontecer na minha geração… 19C06D01

(198) *Embora consideram em privado esta situação “inaceitável”, os quinze assumem

que têm de ser realistas… Público, 10/12/1999, p.4

(199) *Olá, Muito Boa tarde. Tal como a Sonia, eu também adquiri um último andar

nas Colinas. Ainda não estou lá a morar, ainda que vou lá muitas vezes. [Fórum on-

line JFQA]

(200) *Se bem que os sindicatos nem sempre conseguem atingir todos os seus

objectivos, a história tem mostrado que (...) [“Sup” Jornal da Fenprof Nº51]

36 Exemplos (18) e (19) em Prada (2003, 672). 37 Exemplos (19) e (22) em Costa (2005, 500-501). 38 O sublinhado é meu.

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252

Ressalve-se, como foi descrito no Capítulo 3 relativamente a este erro, que de

acordo com Epiphanio Silva Dias (1917), a opção por um tempo do modo indicativo

num enunciado concessivo corresponderia, numa diacronia anterior da nossa língua, à

marcação de uma leitura factual. Assim, poder-se-á colocar a hipótese de que as

hesitações dos falantes relativamente ao modo seleccionado na concessiva, em

enunciados de interpretação factual, possam corresponder a um traço residual de uma

diacronia da língua que atribuía ao indicativo a leitura factual. Porém, outros erros de

selecção, sinais inequívocos de mau domínio tardio, são ilustrados nos dados de Prada,

como a selecção de infinitivo, em (201)39:

(201) *Embora estar cá só há dois dias gosto muito desta escola. 15B02A01

Além de desvios em enunciados concessivos prototipicamente factuais,

diferentes estudos têm identificado desvios, com um elevado grau de aceitabilidade por

parte dos falantes, de selecção de indicativo com locuções tipicamente

condicionais-concessivas, como mesmo se. Em (202) e (203), reproduzem-se dois

exemplos, de Varela (2000) e de Prada (2003), respectivamente.

(202) Mesmo se a distribuição da população não é normal, a distribuição das médias

tende a aproximar-se da normal. (Varela: 2000, 56)

(203) Mesmo se Ancara está longe de reunir as condições (...) para iniciar as

negociações de adesão, o novo passo traduz a vontade dos quinze de trazer a Turquia

para a esfera europeia... Público, 10/12/1999 (Prada: 2003, 672)

A propósito de desvios deste tipo, e da sua frequência e aceitabilidade, Costa

(2005) levanta a hipótese de, sem invalidar a interpretação condicional-concessiva do

enunciado, se tratar de uma estrutura de modificação de uma oração condicional de se

pelo advérbio mesmo. Não se tratando da locução conjuncional concessiva mesmo se,

mas sim de uma oração condicional real, estaria explicada a aceitabilidade do enunciado

com indicativo, mais uma vez associada a leitura fortemente factual.

39 Exemplo (14) em Prada (2003, 672).

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253

De desvios deste tipo, com mesmo se e indicativo, não se encontram ocorrências

nas produções textuais, nem entre os escritores mais jovens, do ensino básico, nem entre

os escritores mais experientes do grupo de adultos escolarizados. Aliás, ao contrário dos

resultados encontrados para o corpus A de Prada (2000; 2003), nos quais, das vinte e

oito concessivas encontradas, catorze são estruturas desviantes (Prada: 2000, 205), no

corpus de produções escritas de alunos do quarto ao nono ano a incidência de

concessivas com desvios em relação à gramática alvo é relativamente baixa, como se

pode verificar no quadro 15. De facto, o que é notório neste corpus, face ao número

total de textos (vinte e quatro no quarto ano, dezassete no sexto ano e cento e vinte e

sete no nono ano), é a diminuta produção destas estruturas.

Quadro 15 – Total de concessivas canónicas e desviantes no corpus de produção de texto

4º Ano40 6º Ano 9º Ano

Canónicas 6 3 49

Desviantes 1 0 4

A estrutura mal construída produzida por um aluno do quarto ano consiste num

curioso dado que parece evidenciar uma tentativa de expressão da condicionalidade

concessiva numa estrutura com apesar de, seguida do verbo modal poder41. Das quatro

estruturas desviantes encontradas nas produções de nono ano, conta-se um caso de

selecção de indicativo numa concessiva com embora, a violação das propriedades de

selecção de não obstante e duas situações de desvio semântico no uso de estruturas com

apesar de e mesmo que. Os resultados do quadro 15 reflectem a ausência generalizada

do recurso a concessivas, mesmo nos textos de opinião dos alunos no final da

escolaridade básica.

Não havendo produção significativa de concessivas nos textos escritos pelos

alunos do quarto ao nono ano, importa considerar os dados de produção de concessivas

no teste de indução de estruturas. A análise das estruturas concessivas, em particular as

desviantes, produzidas numa situação em que os alunos foram levados a construir

40 Incluem-se as duas produções do sujeito FA4 não contabilizadas na análise quantitativa, por se tratar de um apesar de sintagmático (apesar de tudo), num caso, e de uma estrutura mal construída de apesar de com o verbo poder, no outro. 41 Trata-se do enunciado em (i), que se analisa adiante, em (82). (i) *FA4: <As pessoas que não tratam bem os animais [%spe: 0,] apesar+de mais tarde o mal se poder virar contra elas [%spe: 0:]

alguns animais tornam~se maus [%spe: 0,]> [*] .

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254

concessivas, revela-se particularmente relevante para a elaboração de um perfil do

conhecimento de concessivas ao longo da escolaridade básica. Os dois erros analisados

antes, encontrados nas produções de nono ano, que radicam em conhecimento

semântico da coesão dos enunciados complexos concessivos, são exemplo do tipo de

desvio predominante nas dificuldades evidenciadas neste teste para produzir

concessivas.

Seguidamente, apresenta-se uma análise qualitativa dos dados de produção de

concessivas, comparando os resultados encontrados na produção livre na escrita de

textos e os resultados encontrados no teste de produção induzida.

Entre as produções de texto do quarto ano, encontram-se ao todo cinco

concessivas, três de apesar de e duas de embora. Deve salientar-se ainda, destes dados,

que apenas três alunos produziram as cinco frases concessivas, sendo um o autor de

duas frases concessivas factuais com apesar de e outro o único a usar frases com

embora. Em termos percentuais, relativamente ao universo da turma, estes três alunos,

representam 12,5%. Esta é a percentagem de alunos que, no quarto ano, manifesta já ter

capacidade para produzir por iniciativa própria enunciados com pelo menos alguns

conectores concessivos42, dado que usam espontaneamente concessivas nos seus textos

e respondem com sucesso ao teste de produção induzida.

A análise dos erros e desvios semânticos dos enunciados concessivos produzidos

pelas crianças do quarto ano, em contexto de produção induzida, revelou ser

extremamente produtiva, uma vez que permitiu obter informações sobre a natureza do

conhecimento linguístico que está implicado nesta fase incipiente da estabilização do

conhecimento de concessivas.

A análise quantitativa dos dados do teste de produção induzida de frases

sustentou a hipótese de que a aquisição de concessivas está em desenvolvimento ao

longo da escolaridade básica, havendo crescimento entre os três ciclos de ensino e

resultados positivos, acima dos 95%, no grupo de controlo de adultos escolarizados.

Como se antecipou no comentário aos dados feito na secção 4.3., alguns erros

revelam desconhecimento de propriedades semânticas de selecção dos conectores

concessivos, com consequências ao nível da estrutura sintáctica resultante, o que indicia

42 Em entrevista à professora do quarto ano, que foi inquirida relativamente ao perfil da turma e de alguns alunos, destacou-se o facto de a aluna autora de duas das concessivas ser uma aluna com hábitos de leitura. Este perfil de aluno pode ser tomado como uma evidência de que a leitura pode ser motor do alargamento do capital lexical, o que é, aliás, defendido em Giasson (1993).

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desconhecimento dos padrões distribucionais destes itens, que não são usados como

conjunções em exemplos como (203).

(203) *FJ4 (10;1.12): Hoje tenho de <apesar de> [*] uma prenda para a minha mãe .

Em exemplos como (203), pode considerar-se que não há evidência de existir

conhecimento lexical de apesar de, enquanto item conjuncional. Outros erros há que

revelam desconhecimento lexical, em relação à estrutura canónica do conector

concessivo, havendo, porém, uma aproximação à estruturação de uma frase complexa.

Veja-se, por exemplo, (204).

(204) *MC4 (9;6.06): Mesmo se a tartaruga anda depressa apesar que as tartarugas nunca ganham as corridas .

Uma estrutura desviante, como a exemplificada em (204), assemelha-se aos

enunciados de Prada (2003), transcritos acima em (194) e (195), e indicia que a

aquisição de conectores concessivos está fortemente associada à expansão do

conhecimento lexical, com consequências para o desenvolvimento do conhecimento

sintáctico e semântico, podendo nisto radicar uma das explicações para o seu carácter

tardio.

No processo de aquisição de estruturas concessivas, após a integração do

conector no léxico, enquanto item conjuncional, segue-se a estabilização da sua

produção em conformidade com os requisitos sintácticos e semânticos comportados por

estes itens. Estruturas desviantes, como a apresentada em (205), mostram uma produção

incipiente de embora, que parece não deter poder concessivo autónomo e necessita de

um reforço com mas.

(205) *MA4 (9;6.20): Embora vocês não acreditem , mas fadas e bruxas habitam na floresta .

Estabilizada a capacidade de usar os conectores concessivos como conjunções,

na estruturação de enunciados complexos, identificam-se erros de má selecção de modo

e de tempo verbais, que não se limitam a uma troca de conjuntivo por indicativo, como

antes se ilustrou, até em produções de adultos escolarizados. Efectivamente, com alguns

conectores, como se bem que, a preferência por indicativo, em contextos de uso

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obrigatório de conjuntivo, é o erro que persiste até mais tarde. De forma diferente, nas

primeiras produções das crianças, com um grau de maior distanciamento em relação à

gramática do adulto, em enunciados de concessivas prototipicamente factuais, atesta-se

a opção por indicativo, como em (206), e por conjuntivo, como em (207), em vez de

infinitivo.

(206) *FF4 (9;7.28): Apesar de o Pedro estava [*] com muita febre , o pai levou ao

futebol .

(207) *MB4 (9;3.13): Apesar de o Pedro esteja [%spe: estega] [*] com muita febre , o

pai leva~o [%spe: levao] ao futebol .

O enunciado em (208) revela uma opção ambígua entre infinitivo ou futuro do

conjuntivo num contexto de presente de conjuntivo.

(208) *FB4 (10;1.11): As fadas e as bruxas habitam a floresta [%spe: 0,] embora vocês

não acreditarem [*] .

Em (209), surge mais uma das ocorrências de presente do indicativo por presente do conjuntivo.

(209) *MB4 (9;3.13): Eu [%spe: 0,] ainda que sou [*] sportinguista [%spe

seportengiste] [%spe: 0,] vou ver o jogo que futebol [%spe: fotebol] .

Os erros em enunciados com conectores tipicamente condicionais-concessivos

consolidam a ideia de que um dos estádios de estabilização do conhecimento de

concessivas consiste na capacidade de seleccionar o tempo e modo adequados ao

conector. Também entre as produções com conectores condicionais-concessivos se

encontra a preferência por presente do indicativo, como em (210).

(210) MB4 (9;3.13): Mesmo se a tartaruga anda [*] depressa , as tartarugas nunca ganham corridas .

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257

Os erros mais salientes, entre os enunciados com conectores

condicionais-concessivos, são erros de má selecção de tempo43, frequentemente entre

tempos do modo conjuntivo, como se verifica nos três exemplos seguintes. Uma vez

mais se sublinha o facto de a morfologia do modo conjuntivo estar já adquirida, estando

em estabilização, eventualmente, a sua adequação ao contexto sintáctico configurado

pela selecção do conector.

(211) *FE4 (9;11.17): Mesmo que estiver frio [%spe: 0,] eu como um gelado .

(212) *MJ4 (9;11.13): Mesmo se o meu computador esteja estragado, divirto~me

[%spe: diverto~me] .

(213) *FA4 (10;2.07): Mesmo se as tartarugas andem depressa [%spe: 0,] as

tartarugas nunca ganhariam as corridas .

Outro tipo de erro atestado parece indiciar que, apesar de ter havido uma

integração do conector no paradigma das palavras conjuncionais, o seu uso é desprovido

de valor concessivo estrito, podendo ser substituído, de forma mais adequada, por um

conector com um dos valores inerentes a concessivas, como o valor causal ou o valor

condicional. Para ilustrar esta hipótese, contraste-se a estranheza da frase complexa

produzida por um aluno, em (214), na qual se recorre a um conector contrastivo, sem

que haja contraste semântico entre as proposições, com a sua paráfrase causal (215) e

condicional (216).

(214) *FD4 (9;11.02): Ainda que ganhe [%spe: 0,] fico contente .

(215) Já que ganho, fico contente.

(216) Se ganho, fico contente.

Além dos erros antes apresentados, que permitem concluir que o conhecimento

sintáctico que garante a adequada selecção têmporo-modal é um dos conhecimentos

43 Entre 147 produções agramaticais contabilizadas no quarto ano, indicadas no quadro 16, da secção 4.3., 74,8% são erros como os mencionados.

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cruciais na estabilização do conhecimento sobre concessivas, outros erros, associados a

coesão têmporo-modal e aspectual, com incidência não só na subordinada, mas na

totalidade da estrutura complexa, corroboram a hipótese de que a aquisição plena de

concessivas depende de conhecimento semântico estrito, como o conhecimento que

sustenta a coesão aspectual de enunciados complexos. Estes desvios na coesão

têmporo-aspectual são mais frequentes em enunciados com conectores típicos de

condicionais-concessivas e manifestam um maior grau de aceitabilidade, pelo que, na

análise quantitativa, não foram considerados como erros categóricos, mas desvios ao

formato semântico padrão (secção 4.3.3.).

Retomando a exposição iniciada na secção 4.3., relativamente a estas

construções, em enunciados como (217) e (218), a estranheza poderá ser explicada pelo

facto de a locução subordinativa concessiva mesmo se, típica das condicionais

concessivas, ser usada como tendo um valor estritamente condicional.

(217) * ME4 (10;0.26): Mesmo se for [%spe: fôr] presidente , vou ser bom .

(218) *MN4 (9;11.06): Mesmo se ganhar um prémio vou ao Brasil .

Aceitando esta hipótese, dar-se-ia o caso de estes conectores concessivos

fazerem parte do repertório lexical disponível, mas estarem integrados no paradigma de

conectores semanticamente contíguos, como os condicionais, adquiridos mais cedo. Só

com a especificação do conhecimento de mesmo se se estabilizaria a sua função

enquanto nexo condicional-concessivo. Efectivamente, note-se que as paráfrases de

(217) e de (218), em (219) e em (220), com a conjunção se, são enunciados

perfeitamente aceitáveis, o que corrobora a ideia de que se está a atribuir à locução um

valor mais genérico dentro da condicionalidade, ou seja, o mesmo valor da conjunção

condicional se.

(219) Se for presidente, vou ser bom.

(220) Se ganhar um prémio, vou ao Brasil.

No caso da interpretação da frase construída em (218), a única leitura que parece

disponível é a estritamente condicional. Quanto à frase complexa produzida em (217),

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outra hipótese de explicação para a estranheza do enunciado pode ser o domínio ainda

incipiente dos mecanismos que garantem a coesão têmporo-aspectual, como a selecção

de tempos verbais (pelo valor aspectual que o tempo codifica) ou como a selecção de

complexos verbais com auxiliares aspectuais. Para comprovar esta hipótese de

explicação, compare-se a aceitabilidade de (221)44, com um predicado complexo, com

vir a, com a estranheza de (217).

(221) Mesmo se vier a ser presidente, vou ser bom.

Entre as produções de concessivas resultantes do teste de produção induzida,

vários são os enunciados que se percebe que não são integralmente adequados, ou

felizes, e cuja estranheza não decorre de erros de má selecção de modo ou de tempo

verbal. A formação deficiente destes enunciados, maioritariamente construídos com

conectores típicos de condicionais-concessivas, pode ter uma explicação semelhante à

segunda hipótese de explicação do exemplo (217), radicada em conhecimento de

natureza aspectual. Assim, outro exemplo deste tipo de conhecimento encontra-se em

(222), enunciado que, além do mais, ilustra incapacidade para articular, num só período,

garantido coesão têmporo-aspectual, três enunciados proposicionais conectados através

de nexos contrastivos (mesmo que, não só, mas também).

(222) *MC4 (9;6.06): Mesmo que eu ganhe , eu não só [%spe: so] gostei de ganhar

[%spe: 0,] mas também [%spe: tambem] fico contente por participar [%spe: partissipar]

.

Finalmente, outro factor associado a conhecimento linguístico estritamente

semântico, que sobressai da tipologia de erros encontrados na produção induzida de

frases concessivas é o uso de conectores condicionais-concessivos, mesmo que e mesmo

se, em contextos típicos de concessivas factuais. São disto exemplo os enunciados (223)

e (225) a (227).

Embora o dado em (223) possa ser explicado à luz de uma das hipótese de

explicação antes colocadas, podendo tratar-se de uma má selecção de elementos

aspectuais no predicado da concessiva, o que poderia ser resolvido com uma paráfrase

44 Neste caso, a aceitabilidade do contraste implicaria a assunção de que, normalmente, ser presidente é

ser mau.

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260

como a de (224), tanto o enunciado em (223) como os enunciados de (225) a (227)

tornar-se-iam adequados com um conector factual típico, como apesar de, em (228) a

(231), ou mesmo com gerúndio, em (232) a (235).

(223) *MB4 (9;3.13): Mesmo que eu seja futebolista [%spe: 0,] também posso nadar .

(224) Mesmo que um dia eu seja futebolista, também posso/poderei nadar.

(225) *ML4 (10;1.05): Mesmo se conseguir fazer o trabalho , na [*] me apetece <o

fazer> .

(226) *ML4 (10;1.05): Mesmo que seja bom aluno [%spe: 0,] posso ter uma nota

negativa .

(227) *FI4 (9;10.12): Mesmo que tenha calor [%spe: 0,] não posso tirar a camisola

porque [%spe: *,] estou a transpirar .

(228) Apesar de eu ser futebolista, também posso nadar.

(229) Apesar de conseguir fazer o trabalho, não me apetece fazê-lo.

(230) Apesar de ser bom aluno, posso ter uma nota negativa.

(231) Apesar de ter calor, não posso tirar a camisola porque estou a transpirar.

(232) Mesmo sendo eu futebolista, também posso nadar.

(233) Mesmo conseguindo fazer o trabalho, não me apetece fazê-lo.

(234) Mesmo sendo bom aluno, posso ter uma nota negativa.

(235) Mesmo tendo calor, não posso tirar a camisola porque estou a transpirar.

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261

Note-se, antes de mais, que nos enunciados (223), (225), (226) e (227) há uma

adequada selecção de tempo e de modo verbais, em função do conector seleccionado,

não havendo qualquer erro sintáctico que explique a estranheza percebida, que decorre,

efectivamente, da selecção de locuções condicionais-concessivas em enunciados em que

se opera uma leitura factual, condicionada aspecto lexical dos predicados das

concessivas, quase todos de natureza menos dinâmica (são predicados de estado).

O facto de não se atestar o reverso deste tipo de desvio (há conectores

condicionais-concessivos usados como factuais, mas não há conectores factuais usados

como condicionais-concessivos) conduz à hipótese de que a diferença entre factualidade

e condicionalidade (já adquirida para condicionais) seja uma diferença que, no âmbito

da aquisição da concessividade, já de si tardia, seja ainda mais tardia. Segundo esta

hipótese, em primeiro lugar estabilizar-se-ia o conhecimento de conectores concessivos

factuais e só depois o conhecimento de conectores concessivos se generalizaria a

condicionais-concessivos.

Os dados da análise quantitativa suportam esta hipótese, uma vez que, nas

produções do quarto ano, não há qualquer conector condicional-concessivo e a primeira

locução produzida no corpus de diagnóstico é um uso isolado de mesmo que, no sexto

ano. Isto não significa que a condicionalidade, expressa com modalidade epistémica,

não esteja já disponível na gramática de pelo menos algumas das crianças de quarto ano,

que produzem condicionais e concessivas factuais. Aliás, uma aluna do quarto ano tenta

produzir um dos enunciados com apesar de com valor condicional, mostrando ter

disponível a estratégia de expressar condicionais-concessivas com o recurso ao verbo

modal poder, ainda que a construção da estrutura complexa não seja bem sucedida.

(236) * FA4 (10;2.07):<As pessoas que não tratam bem os animais [%spe: 0,]

apesar+de mais tarde o mal se poder virar contra elas [%spe: 0:] alguns animais

tornam~se maus [%spe: 0,]> [*] .

Uma pista interessante para avaliar a hipótese de que a aquisição de concessivas

factuais tem precedência sobre a aquisição de concessivas-condicionais é a análise dos

dados de produção de ainda que, conector ambíguo entre os valores factual e

condicional.

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262

5.2.2. Como se desenvolve o conhecimento de «ainda que»?

Uma vez que ainda que é, de entre os conectores concessivos, o conector mais

plurifuncional, podendo operar valor factual, hipotético e contrafactual (Capítulo 3), a

análise dos dados da sua produção torna-se particularmente interessante, pela

contribuição que pode trazer relativamente ao tipo de conhecimento envolvido na

aquisição de concessivas.

Nos dados quantitativos totais relativos à produção de texto, ainda que é um dos

conectores concessivos menos frequentes. Não há qualquer produção desta locução nos

textos de diagnóstico do quarto ano, do sexto ano ou do nono ano. Os três ainda que

produzidos por alunos do nono ano ocorrem nos textos escritos após a intervenção

educativa, o que pode ser indiciador de que o recurso a este conector foi estimulado pela

consciencialização do seu funcionamento. Mesmo entre as produções de adultos

escolarizados, esta locução concessiva é uma das menos frequentes, com uma proporção

de 0,13, igual à proporção de mesmo que.

Contudo, como antes se explicitou, o facto de não se atestarem produções de

enunciados com ainda que nos textos dos alunos do ensino básico não significa que

estes ainda não tenham adquirido este conector ou sejam incapazes de o produzir. São

os dados do teste de produção induzida de frases que revelam que, pelo menos no

quarto ano, uma considerável percentagem de alunos (48,1%) é incapaz de formar uma

estrutura correcta com ainda que. O quadro 16 sintetiza os resultados da tarefa A do

teste de produção induzida de frases com ainda que, no quarto ano.

Quadro 16 – Concessivas de ainda que em produção induzida

4º ano

De acordo com a gramática alvo

Desviantes

Sem resposta

Factuais Hipotéticas Ambíguas entre F e H

Contrafactuais Ambíguas entre H e C

8,3% - 41,6% - - 33,3% 14,8%

Dada a plurifuncionalidade deste conector, seria de esperar maior diversidade na

expressão dos diferentes valores. Os resultados da turma do 4º ano, porém, mostram,

por um lado, uma percentagem significativa de frases mal construídas e de estímulos

sem resposta e, por outro, a inexistência de concessivas inequivocamente condicionais.

Aliás, a maioria das construções condicionais-concessivas obtidas na produção

induzida de frases tem concessivas com predicados de estado, que, embora ambíguos

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263

entre o valor factual e o hipotético, são tendencialmente mais naturais na leitura factual.

A título de exemplo, observe-se o enunciado (237).

(237) *MJ4 (9;11.13): Ainda que esteja um dia solarento [*], fico em casa.

Por fim, saliente-se relativamente aos dados de produções com ainda que, quer

nos dados de produção induzida, quer nas produções textuais, a total inexistência de

enunciados com valor contrafactual. Das três produções em escrita de texto de frases

concessivas de ainda que, em textos do nono ano, há uma concessiva com valor factual,

uma estrutura com interpretação factual com elipse do predicado e a terceira é uma

concessiva ambígua entre o valor hipotético e o valor contrafactual. O facto de também

não existirem concessivas contrafactuais entre as produções de concessivas de ainda

que dos adultos (quatro factuais e uma ambígua entre os valores factual e hipotético)

impede que a ausência de enunciados contrafactuais possa ser tomada como evidência

de uma eventual menor mestria de enunciados com este valor. Aliás, relativamente à

produção de concessivas contrafactuais, os dados obtidos, com os demais conectores

condicionais-concessivos, também não são muito conclusivos: (i) na produção de texto,

no quarto ano, não há conectores condicionais-concessivos e não há enunciados

contrafactuais ou ambíguos entre o valor hipotético e o valor contrafactual, (ii) a

primeira condicional-concessiva produzida no corpus de diagnóstico, no sexto ano, é

contrafactual e (iii) na totalidade das produções de concessivas, na produção de texto, só

existe outro exemplo de concessiva contrafactual, produzida no texto de um adulto.

Estes factos levam a crer que o estudo da contrafactualidade em concessivas deverá ser

aprofundado mediante a análise de mais dados, em particular dados de produção

induzida.

A análise das estruturas com ainda que, produzidas tanto no teste de produção

induzida, como na escrita de textos, confirmou a tendência, observada na análise

quantitativa de outros conectores, de um claro predomínio do valor factual sobre os

valores condicionais. A constatação deste facto permite sustentar a hipótese de que o

percurso de aquisição de um conector plurifuncional, como ainda que, tenha início em

um dos seus valores, o factual, que pode ser considerado mais abrangente na

concessividade estrita, ficando só mais tarde disponível uma especificação

correspondente aos valores condicionais de concessivas. Note-se que este percurso de

estabilização do conhecimento do conector plurifuncional ainda que é semelhante ao

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264

proposto antes para mas, nos dados de aquisição precoce, que inicialmente também não

está disponível para todos os contextos em que pode ocorrer na gramática alvo.

5.3. O lugar da aquisição de concessivas no sistema linguístico

A análise de erros e de construções desviantes, na produção de concessivas no

teste de produção induzida e na produção de texto, abriu uma janela sobre os tipos de

conhecimento linguístico envolvidos no processo de estabilização do conhecimento de

concessivas, permitindo propor, em (238), um elenco de requisitos linguísticos para a

mestria de uma estrutura concessiva.

(238) Requisitos linguísticos para a mestria de uma estrutura concessiva

(i) conhecimento da natureza funcional do item, manifestado pelo reconhecimento do

seu padrão distribucional de item conjuncional;

(ii) conhecimento sintáctico relativo às propriedades de selecção, manifestado por uma

adequada selecção de tempo e de modo na concessiva, em função de cada conector

concessivo;

(iii) conhecimento sintáctico-semântico relativo a propriedades de selecção,

manifestado por uma selecção têmporo-modal que garanta a coesão na estrutura

complexa que integra a concessiva;

(iv) conhecimento semântico relativo a propriedades aspectuais, manifestado por uma

selecção aspectual que garanta a coesão na estrutura complexa que integra a concessiva;

(v) conhecimento semântico relativo a configurações aspectuais de predicados que

legitimam enunciados de valor factual ou de valor condicional, manifestado por uma

selecção de conectores factuais ou de conectores condicionais adequada aos predicados

da concessiva.

Exceptuando talvez o último tipo de conhecimento, que é inerente a concessivas,

nenhum dos tipos de conhecimento enunciados de (i) a (iv) pode ser tomado como um

factor explicativo para o carácter tardio da aquisição de concessivas. Ainda que estes

conhecimentos possam ser considerados pré-requisitos linguísticos para o conhecimento

de concessivas, trata-se de conhecimentos já disponíveis na gramática das crianças,

manifestados em estruturas complexas de aquisição precoce, quando as crianças ainda

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265

não produzem concessivas. Aliás, a capacidade de produzir nexos equivalentes, como o

adversativo, em relação a concessivas factuais, e nexos contíguos, como o condicional,

em relação a condicionais-concessivas, manifesta-se muito antes da capacidade de

produzir concessivas, como se verificou pela análise dos dados de aquisição no corpus

de Santos (2006). Neste sentido, o problema da explicação do carácter tardio de

concessivas pode ser encarado como um desafio ainda maior: como explicar o que

espoleta a aquisição de nexos cujos requisitos linguísticos já estão preenchidos no

sistema linguístico?

5.3.1. A mestria de concessivos é uma característica de um perfil de «literacia

linguística» e de «literacia de escrita»?

Prosseguindo uma abordagem multifactorial, após a análise de factores internos

à gramática, implicados no processo de desenvolvimento do conhecimento de

concessivas, torna-se premente considerar outros factores, externos à gramática nuclear,

que possam contribuir para uma explicação do carácter tardio de concessivas.

Embora, na discussão apresentada no início do presente capítulo, no ponto

5.2.1., se defenda que as explicações que atribuem um papel preponderante a factores

extra-linguísticos, como a frequência do input, são explicações ineficazes para a

aquisição das estruturas da gramática da língua, importa perceber o papel de

determinados factores externos ao sistema linguístico – ou, pelo menos, externos à

gramática nuclear, como factores discursivos e factores pragmáticos, que funcionam

como motores de desenvolvimento linguístico associados a níveis superiores de

proficiência de língua.

Estudos sobre desenvolvimento da pragmática, sobre produções orais e escritas

de diversos géneros, reportam crescimento da produção de subordinadores, no eixo

temporal, a par da estabilização da produção de conectores coordenativos (Van Hell et

al.: 1999, e.o., apud Evers-Vermeul: 2005). No estudo de Van Hell et al. (idem),

desenvolveram-se análises quantitativas e qualitativas de narrativas escritas em

holandês por crianças do quarto ano, com nove a dez anos, por crianças do sexto ano,

com onze a doze anos, por adolescentes de um nível secundário, com quinze a dezasseis

anos, e por um grupo de adultos. A produção de estruturas coordenativas, com

conectores como o coordenativo en (e), o adversativo maar (mas), o causal want

(porque) e o conclusivo dus (então) revelou-se estável nos quatro grupos, quer quanto a

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266

frequência, quer quanto ao recurso a estes quatro nexos por cada um dos grupos. Já no

que diz respeito ao recurso a conectores de subordinação, o estudo permitiu concluir

que, ao contrário da estabilidade de coordenativos, há desenvolvimento com a idade. A

análise qualitativa mostrou, em concreto, que o quarto ano e o sexto ano usam menos

conjunções de subordinação do que os alunos do secundário e os adultos, embora sem

haver diferenças notórias relativamente a algumas conjunções temporais e causais. Mais

especificamente, a análise qualitativa das produções revelou que os adultos usavam

todos os tipos de subordinativas, enquanto os alunos entre os quinze e os dezasseis anos

usavam apenas 64% dos tipos de conexões de subordinação considerados e os alunos do

quarto e do sexto ano apenas 45% (Van Hell et al.: idem apud Evers-Vermeul: 2005,

184).

Não sendo os dados totalmente equivalentes, salientam-se algumas semelhanças

com as conclusões a que se chegou na secção 4.3., na análise quantitativa da fase de

diagnóstico. Embora não se tenha observado estabilidade no uso de nexos

coordenativos, havendo, por exemplo, diminuição da proporção de uso de nexos

coordenativos mais precoces quando se começam a usar outros nexos, confirma-se a

existência de crescimento de uso de conectores subordinativos, como os concessivos, ao

longo da escolaridade e com a idade. Tanto em relação a nexos subordinativos em geral,

como em relação ao recurso a nexos coordenativos estruturados com advérbios

conectivos (como porém e no entanto), são os adultos escolarizados quem manifesta

uma maior e mais e diversificada produção.

Outros estudos sobre o desenvolvimento das relações coesivas publicitam

resultados paralelos. No estudo experimental de Spooren et al. (1996) apud

Evers-Vermeul (2005), conclui-se que crianças entre os seis e os sete anos produzem

menos relações com nexos que envolvem conhecimento pragmático do que crianças

entre os onze e os doze anos e que, com a idade, as crianças se tornam mais proficientes

a marcar nexos argumentativos com o recurso a conectores. Com os dados do estudo

experimental referido antes, Spooren (1997) investigou o grau de especialização

semântica com que crianças de diferentes idades usavam conectores e concluiu que,

inicialmente, as crianças marcam as relações coesivas com conectores menos

específicos, deixando ao seu interlocutor o papel de inferir o que pretendem, e que, com

a idade, tornam mais específicas as relações coesivas no seu discurso.

O estudo de Spooren (idem), em particular, leva a crer que a natural evolução

das necessidades conversacionais e pragmáticas, associada à formalidade das situações

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267

comunicativas da escola, gera a necessidade de se especificarem nexos coesivos que

antes, em situações comunicativas primárias, eram assegurados com estruturas básicas.

Partindo desta hipótese, podemos encontrar na necessidade de especificação dos nexos

coesivos o motor que leva a que só tardiamente, face aos desafios de situações

comunicativas mais formais, da leitura e da escrita, as coordenadas adversativas sejam,

em alguns contextos, substituídas por subordinadas concessivas factuais. Do mesmo

modo, com o grau crescente de exigências comunicativas e com o domínio de níveis

crescentes de literacia, surgirão as necessidades pragmáticas de expressar nexos

condicionais mais específicos, como os condicionais-concessivos.

Além de se reconhecerem factores pragmáticos promotores da aquisição de

concessivas, factores de natureza discursiva concorrem igualmente para o necessário

aparecimento destas conexões, em resposta a desafios linguísticos mais sofisticados. A

ideia de que a aquisição de alguns conectores e, consequentemente, de algumas

subclasses de frases complexas é mais tardia, não só por razões de frequência e de

complexidade, mas também por razões pragmáticas é defendida em Diessel (2004, 180):

«Other complex sentences seem to emerge late because their pragmatic functions are

not really useful in early child speech». É nesta linha de argumentação que o autor

explica a emergência mais tardia de subordinadas adverbiais iniciais, considerando que

estas estruturas não cumprem necessidades específicas do discurso da criança em

estádios de aquisição precoce.

Esta perspectiva de Diessel (idem) pode dar conta do desenvolvimento da

expressão de nexos contrastivos, na medida em que a expressão da contrastividade

parece estar basicamente assegurada pelo recurso a coordenadas adversativas até ao

momento em que necessidades expressivas mais sofisticadas, estimuladas, em

particular, pelo desenvolvimento da competência de escrita, exigem, por exemplo, a

capacidade de manipular ordem de constituintes, com a finalidade de controlar efeitos

discursivos. Ora a diferença crucial, consensualmente descrita na literatura, entre

adversativas e concessivas reside no facto de estas, por serem uma estrutura de

subordinação adverbial, poderem ocorrem em diferentes posições, sendo, tipicamente, a

sua posição mais frequente a inicial. A possibilidade de a proposição contrastiva

veicular, simultaneamente, contraste e informação background é uma especificidade das

concessivas (Flamenco García: 1999; Lobo: 2003). Esta e outras propriedades de

estruturas concessivas, com efeitos discursivos, como a possibilidade de intercalar a

frase concessiva, destacando discursivamente outros constituintes da frase (Lopes:

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268

1989), são factores distintivos, que suprem necessidades discursivas que surgem mais

tarde, em função do desenvolvimento da literacia de leitura e de escrita.

Havendo evidências como as que se acabam de referir para afirmar que a

confluência de aspectos do desenvolvimento pragmático e discursivo, associada ao

desenvolvimento das literacias, pode ser considerada um factor explicativo para a

aquisição tardia de concessivas, importa reflectir acerca das diferenças entre o

conhecimento linguístico nuclear, adquirido de forma espontânea por qualquer falante, e

o conhecimento linguístico alcançado por falantes com níveis mais elevados de literacia

linguística (Berman: 2004). Esta mesma questão é equacionada em Duarte (2009, 6), em

termos de diferenças entre modo oral e modo escrito: «A consciência das diferenças

entre modo oral e modo escrito leva-nos à formulação de uma interessante questão:

como caracterizar o conhecimento dos falantes adultos com níveis satisfatórios de

literacia que lhes permite um uso da língua distinto no modo oral e no modo escrito?

Esta questão, obviamente, insere-se no problema mais geral de descobrir como dar

conta da variação linguística atribuível a factores históricos, sociais, geográficos e

contextuais».

Antes de integrar a questão da aquisição tardia de concessivas no âmbito mais

vasto da variação social e contextual, sublinhe-se que uma das conclusões que é

sustentada pelo trabalho experimental sobre produção de concessivas é a da

consideração do uso, progressivamente mais proficiente, de concessivas como um traço

caracterizador não só, especificamente, de um perfil de literacia de escrita, em particular

no domínio dos géneros com carácter argumentativo, mas também de um perfil de

«mestria linguística» (Sim-Sim, Duarte e Ferraz: 2007) ou de «competência elaborada»

(Menyuk e Brisk: 2005).

Os resultados apresentados na secção 4.3. revelam, entre o quarto e o sexto ano,

problemas na compreensão e produção de concessivas, o que corresponderá a um

estádio de desenvolvimento cuja estabilização se dá mais tarde: são os alunos do nono

ano que manifestam um comportamento mais próximo do dos adultos, confirmando a

existência de uma correlação positiva entre nível de escolaridade e mestria de

concessivas. Que esta estabilização se dê por volta do nono ano é um dado

extremamente interessante, por ser coincidente com as conclusões de outros estudos

caracterizadores de estádios intermédios e tardios de estabilização de conhecimento

linguístico. Por exemplo, em Duarte (2009), a análise comparativa dos resultados de

Fontes (2008) e de Valente (2008) mostra que o conhecimento de relativas canónicas de

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269

PP só começa a estabilizar a partir do nono ano, sendo, à semelhança de concessivas,

uma estrutura de aquisição tardia, sensível aos efeitos da escolarização.

Finalmente, segundo a análise quantitativa da secção 4.3., são os escritores mais

escolarizados e os mais experientes, os adultos do grupo de controlo, que revelam

mestria no uso de concessivas, pois produzem mais concessivas e recorrem a conectores

mais diversificados. Estes resultados confirmam a hipótese de que o domínio de

concessivas, na produção escrita, pode ser tomado como um indicador de perfil de

literacia de escrita e de um domínio de língua mais sofisticado e proficiente.

5.3.2. Afinal, qual a natureza do conhecimento de concessivas? Qual o seu lugar na

Gramática?

A explicação da aquisição de conectores concessivos e de subordinadas

concessivas é um desafio ainda mais interessante quando se considera que o

conhecimento linguístico que pode ser tido como precursor do conhecimento de

concessivas está estabilizado muito tempo antes de sua aquisição. Afinal, pouco há a

adquirir no momento em que se adquirem concessivas: (i) os valores semânticos

inerentes a concessivas são expressos desde cedo, com adversativas, causais e

condicionais; (ii) a sensibilidade a factualidade / condicionalidade manifesta-se desde a

produção de enunciados condicionais; (iii) a manipulação discursiva de informação, em

enunciados complexos, está disponível com a produção das subordinadas mais precoces

(causais, condicionais…); (iv) a interpretação pressuposicional associada à interpretação

de enunciados concessivos é também, frequentemente, condição para a interpretação de

adversativas; (iv) até mesmo a consciência de valores aspectuais de predicados, crucial

para a adequada selecção de conectores concessivos, se evidencia desde cedo, noutras

frases complexas. Sob esta perspectiva, há mais evidências para defender que a

aquisição de concessivas é uma aquisição lexical do que para defender que se trata de

aquisição de um conhecimento gramatical nuclear. Este processo de aquisição lexical

corresponde a alargamento do conhecimento do repertório de itens lexicais e funcionais,

os quais comportam alargamento do conhecimento sintáctico e semântico, na medida

em que participam em estruturas sintácticas diferentes, que expressam um mesmo valor

semântico ou valores semânticos contíguos.

O conhecimento linguístico configurado num item como uma conjunção

concessiva tem uma natureza mais funcional do que lexical, na medida em que se trata

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270

de um complementador. Contudo, à semelhança de outras categorias funcionais,

comporta informação semântica, interpretável, cujas propriedades explicam alguns

efeitos de variação linguística. É, aliás, a informação semântica destes itens que

assegura a sua principal função, no estabelecimento de nexos com valores

especializados. Em síntese, a aquisição de concessivas não provoca alterações

concomitantes nos processos da gramática da língua, explicáveis em termos de

maturação ou de continuidade do conhecimento linguístico, traz somente alargamento

do repertório lexical e, consequentemente, do repertório de valores semânticos (por

exemplo, com a expressão de nexos como os de condicionais-concessivas) e do

repertório de estruturas sintácticas (através dos múltiplos formatos frásicos – de

indicativo, de conjuntivo, de infinitivo, com elipses – que permitem expressar

contraste).

Numa perspectiva de desenvolvimento pragmaticamente motivada, poder-se-ia

entender o percurso de desenvolvimento de concessivas em função da valoração que

cada um dos conectores concessivos assume, havendo um lugar único na gramática da

língua para cada uma das estruturas geradas por cada conector. Este pode ser o caso da

diferenciação entre concessivas factuais e concessivas-condicionais, no momento em

que se estabiliza o conhecimento especializado dos dois subconjuntos maiores de

conectores concessivos.

Considerando o conjunto de conectores de que se registaram ocorrências na

totalidade dos corpora analisados, as conclusões a que se chegou com os resultados da

análise qualitativa e com os requisitos linguísticos para a mestria de conectores

concessivos, identificados em (238), suportam a ideia de que o valor mais abrangente,

comum a todos os conectores concessivos, presente desde os estádios iniciais de

aquisição, é o valor contrastivo. Assumindo que a informação linguística de itens

conjuncionais, como os conectores concessivos, pode ser representada em termos de

traços, com pares atributo-valor, os conectores contrastivos são todos valorados como

[+contraste].

Os resultados da análise qualitativa dos dados revelaram precocidade e

predomínio dos conectores concessivos que operam valores factuais. A ideia de que o

valor factual é primeiramente adquirido foi consolidada pela detecção de erros, em

produções induzidas do quarto ano, com conectores tipicamente

condicionais-concessivos usados em enunciados com predicados de estado, em

condições estruturais que obrigam a leituras factuais. Estes dados permitem propor que,

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271

além do atributo [contraste], os itens conjuncionais concessivos sejam valorados com

[factual], sendo este o valor assumido por defeito em estádios iniciais da aquisição de

conectores condicionais-concessivos. Em (239), apresenta-se o elenco de conectores

valorados com [factual] e, em (240), listam-se os conectores não factuais.

(239) [+contraste, +factual] = mas, apesar de, embora, se bem que.

(240) [+contraste, –factual] = mesmo que, mesmo se.

O facto de a produção de enunciados com condicionais-concessivos ser mais

tardia do que a produção de concessivas factuais pode decorrer da complexidade

estrutural de conectores condicionais-concessivos, cuja informação pode ser descrita em

termos de traços cumulativos: o valor condicional-concessivo consubstancia-se pela

valoração [factual] e [condicional]. Em (241), reescreve-se a proposta de representação

de conectores condicionais-concessivos.

(241) [+contraste, –factual, +condicional] = mesmo que, mesmo se.

Nos dados da produção induzida de alunos do quarto ano, como antes se

destacou, há vários casos em que as crianças usam conectores de

condicionais-concessivas em contextos específicos de conectores factuais, como nos

exemplos (223), (225), (226) e (227). A par destes casos, surgem dois exemplos de uso

de mesmo se com valor estritamente condicional, em (217) e (218). Esta oscilação das

crianças do quarto ano entre a atribuição, a locuções condicionais-concessivas, de valor

estritamente factual ou estritamente condicional evidencia que, no percurso de

desenvolvimento de condicionais-concessivas, a valoração de [factual] é uma etapa

relevante.

O valor dos conectores enunciados em (241) pode ser determinado em função da

matriz têmporo-modal do enunciado complexo cuja conexão garantem, assumindo dois

valores condicionais: o valor hipotético e o valor contrafactual. Em consonância com a

descrição apresentada no Capítulo 3, a activação do valor contrafactual decorre da

definição têmporo-modal da frase complexa a que a locução conjuncional

condicional-concessiva pertence. Note-se que o baixo índice de frequência de

concessivas com este valor impediu a exploração da aquisição de enunciados deste tipo,

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272

embora se possa intuir que se trata de um tipo de estrutura de aquisição ainda mais

tardia, mesmo entre as concessivas, cuja investigação futura será do maior interesse.

Os dados da produção induzida de enunciados com ainda que, locução

plurifuncional, sustentam a hipótese de que o primeiro valor a ser produzido é o valor

factual, não havendo registo de enunciados de ainda que estritamente condicionais entre

as produções das crianças do quarto ano. O facto de serem condições semânticas, como

o valor aspectual de predicados, e pragmáticas as que permitem fixar, ou favorecer, uma

interpretação para as frases com ainda que suporta a proposta de que uma representação

da informação veiculada por esta locução deve dar conta da sua ambivalência entre os

valores factual e condicional, como se propõe em (242).

(242) [+contraste, α factual] = ainda que.

À semelhança do que se descreveu para os valores de condicionais, os valores de

ainda que são estabelecidos em função de configurações sintácticas com consequências

para a coesão têmporo-aspectual, de condições semânticas e de condições pragmáticas

(Capítulo 3).

A análise dos dados de produção texto e das produções induzidas mais precoces

e a proposta de representação, em termos de traços, dos conectores concessivos reforça

a ideia, consensual na literatura, de que existem duas subclasses distintas de

concessivas: as factuais (ou canónicas) e as condicionais-concessivas. O lugar que cada

subclasse de concessivas ocupa na gramática e as relações que estas estruturas

estabelecem com outras subclasses de frases são aspectos cruciais da sua diferenciação.

Em relação aos valores condicionais, as condicionais-concessivas estão associadas a um

elevado grau de complexidade estrutural e semântica. Comportando um valor

cumulativamente de [+contraste] e [–factual; +condicional], as subordinadas

condicionais concessivas detêm valores específicos, únicos no repertório de conexões

disponíveis na gramática, não sendo comutáveis por outras frases contrastivas ou por

outras frases condicionais. A sua aquisição corresponde, efectivamente, ao crescimento

de conhecimento sintáctico e semântico, que conduz ao alargamento do repertório de

subclasses de subordinadas.

Ao contrário deste paradigma das frases resultantes de conexões com itens com

valores cumulativamente contrastivos e condicionais, as subordinadas concessivas

factuais operam um valor semântico básico equivalente ao de coordenadas adversativas.

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273

Neste conjunto de estruturas, verifica-se a existência de diferentes configurações

sintácticas que convergem num mesmo nexo semântico – o contrastivo factual -, o que

se esquematiza em (243):

(243) Configurações sintácticas e valor de contrastivas factuais

Não Finitas com infinitivo flexionado - apesar de [+contraste; +factual]

com indicativo – mas [+contraste; +factual]

Finitas

com conjuntivo – embora, se bem que [+contraste; +factual]

Relativamente a concessivas factuais, o facto de o conhecimento destas

estruturas de subordinação e do conhecimento da coordenada adversativa de mas

corresponder a um conjunto de opções sintácticas, semânticas e discursivas associadas a

uma mesma interpretação semântica poderia constituir um problema para a arquitectura

da Gramática.

O estudo de construções que são casos de inexistência de uma relação de um

para um entre a componente sintáctica e a componente interpretativa, de que são

exemplo o par coordenadas explicativas / subordinadas causais e o par coordenadas

adversativas / subordinadas concessivas, conduz a reflexões que podem ajudar a

esclarecer o modo como funcionam as interfaces na Gramática, no quadro do Modelo de

Princípios e Parâmetros (Chomsky: 1995). Considerando construções como as

explicativas e as causais, com diferentes estruturas sintácticas e a mesma interpretação

semântica, Lobo (2003, 60) faz notar que «[D]e facto, na arquitectura da gramática do

Modelo de Princípios e Parâmetros, em particular na sua versão minimalista, as

unidades necessárias à formação de uma frase são retiradas do léxico numa só

operação, e são agrupadas progressivamente duas a duas na sintaxe de acordo com

propriedades de selecção das unidades lexicais. A estrutura derivacional daí resultante

é enviada para as componentes fonológica e semântica simultaneamente. Se a

interpretação de uma estrutura na componente conceptual-intencional for

exclusivamente o resultado da estrutura sintáctica, diferentes estruturas sintácticas

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deveriam dar origem a diferentes ‘leituras’ semânticas». Havendo desajustes no

mapeamento entre a componente sintáctica e a componente interpretativa, uma vez que,

por exemplo no caso de adversativas de mas e concessivas factuais, várias construções

sintácticas correspondem a uma mesma ‘leitura’, pode considerar-se que esta não

conformidade decorre de diferenças marcadas não a nível estrutural, mas a nível lexical.

Consequentemente, entende-se que a interpretação semântica é, pelo menos em parte,

condicionada por traços semânticos inerentes aos itens lexicais, tendo a componente

sintáctica um papel praticamente nulo na construção da interpretação. Assim, no caso

concreto de conectores contrastivos, embora mas seja definido no léxico como

coordenador e embora e apesar de como subordinadores (sendo o primeiro finito e o

segundo não finito), todos partilham dos traços semânticos [+contraste] e [+factual].

Ainda que esta explicação seja comummente reconhecida na literatura, a

pergunta sobre o que condicionará um falante a escolher uma ou outra estrutura

sintáctica para expressar um mesmo valor semântico conduz a uma abordagem

alternativa da questão. Enquadrados pelo Programa Minimalista (Chomsky: 1995;

2001), em particular, pela sua implementação em Adger (2003), Adger e Smith (2005)

apresentam uma explicação, em termos de variação intralinguística, para casos em que

diferentes possibilidades sintácticas, que correspondem a uma mesma interpretação,

correspondem a escolhas tácitas do falante.

Tendo por base a ideia de que itens lexicais são colecções de traços,

morfofonológicos, sintácticos e semânticos, e que os traços sintácticos podem ser

puramente estruturais (não interpretáveis) ou receber uma interpretação semântica

(interpretáveis), considera-se que apenas os traços interpretáveis podem afectar a

interpretação. A ideia crucial defendida pelos autores é a de que a variação decorrerá de

os itens lexicais terem especificações diferentes para traços não interpretáveis e para a

componente fonológica e as mesmas especificações para traços interpretáveis, sendo

consideradas para análise duas situações: quando os itens lexicais comportam os

mesmos traços interpretáveis, mas traços não interpretáveis diferentes e quando a

inserção de morfemas desencadeia (‘triggers’) processos morfofonológicos diferentes.

Procedendo a uma análise da variação morfossintáctica de um dialecto escocês da zona

de Buckie, em Adger e Smith (idem) idenfica-se a existência de variação dentro de uma

mesma comunidade, com padrões de uso categórico que contrastam com padrões de

variação, em casos em que diferentes representações sintácticas fazem um mapeamento

para uma mesma interpretação semântica. Ao contrário de abordagens de tipo

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«gramáticas em competição» e de abordagens que explicam a variação com base na

marcação paramétrica, na abordagem proposta por estes autores assume-se que a opção

por uma variante não é uma especificação da componente sintáctica, mas antes um

mecanismo separado, que interage com a sintaxe. Esta abordagem distingue-se das

outras por ser mais minimalista, na medida em que defende a existência de um único

sistema invariante, que comporta mecanismos universais. Nesta proposta, o que permite

a variação situa-se basicamente ao nível do indivíduo, ao passo que os factores que

influenciam a variação podem localizar-se quer ao nível individual, como aspectos de

processamento, quer ao nível da comunidade. Adger e Smith (idem, 15) explicam, a este

propósito, que cada falante «has a lexicon, a memorized store of pairings of syntactic

features and lexical meanings, and it is the choice of lexical item that is the source of

variation. This choice is influenced by various factors: ease of lexical access (perhaps

related to how common the word is), questions of speaker-hearer relationships, notions

of social identity, ease of processing etc.».

Considerando, como em Adger e Smith (idem), que manifestações de variação

de registo de língua, entre oralidade e escrita, ou entre diferentes graus de formalidade,

são manifestações semelhantes às analisadas na variação dialectal ou social, na medida

em que há padrões de variação não categórica e de variação aleatória, em Duarte (2009)

recorre-se ao «critério do uso» para se dar conta da variação decorrente de estruturas de

aquisição tardia, como alguns subtipos de relativas, em particular as relativas de PP

(Duarte: idem; Fontes: 2008 e Valente: 2008). Por «critério do uso» entende-se a

hipótese de que a variação possa ser explicada à luz da escolha tácita que cada falante,

individualmente, possa fazer, influenciado por factores de uso, externos ao sistema

linguístico. Esta hipótese, enquadrada pela proposta de Adger e Smith (2005) antes

apresentada, sintetiza-se nas seguintes palavras: «Our basic proposal here has been that

a Minimalist approach to syntax melds extremely well with the kinds of data that

variationists study because it has two core properties: it builds the notion of (tacit)

choice of lexical item into the syntactic system, and it allows derivations with different

lexical items to converge on the same basic semantic representation, thus capturing the

multiple form/single meaning notion of a linguistic variable. The orderly patterns of

variation seen across (groups of) individuals reduces to the lexical choice by an

individual speaker of functional elements with particular feature specifications. This

choice is influenced by a range of use-related factors, such as processing, frequency of

individual lexical items in the register or community discourse, and broader

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sociolinguistic and communicative factors. These use-related influences are, for us,

outside the grammar proper, which is simply a specification of the syntactic, semantic

and morphophonological properties of lexical items together with an invariant syntactic

engine sensitive to these properties. They are, however, part of language in the broader

sense, and their study may impact on our understanding of how I-language is embedded

within other cognitive mechanisms.» (idem, 25).

A explicação do tipo de variação em Adger e Smith (idem) pode ser estendida a

outras situações de variação, como, de acordo com Duarte (2009), a alternância entre

relativas cortadoras e relativas de PP, bem como à alternância encontrada entre

coordenadas adversativas e subordinadas concessivas factuais, na medida em que (i) a

variação decorre da existência de diferentes matrizes sintácticas que resultam numa

mesma interpretação; (ii) se observam padrões de uso categórico (por exemplo, em

sujeitos em fases mais precoces de aquisição) que alternam com padrões de uso

alternativo (por exemplo, num mesmo sujeito, em diferentes registos, como oralidade e

escrita, ou até em variação livre); e (iii) a escolha de uma variante pode ser situada ao

nível das escolhas tácitas do sujeito e os factores que podem influenciar essa escolha

podem ser puramente individuais ou condicionados por aspectos contextuais ou sociais.

Sublinhe-se, finalmente, que uma explicação da aquisição de concessivas associada a

variação de natureza contextual ou social engloba não só a fundamentação para o

carácter tardio desta aquisição, mas também dá conta da explicação para a variação

individual, ou seja, para o facto de um mesmo falante, em momentos diferentes,

escolher expressar contraste ora com uma adversativa, ora com uma concessiva.