Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

24 e 25 de setembro de 2013

REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA MÚSICA DE VINÍCIUS DE MORAES

Miresnei Bomfim de Oliveira

Faculdade de Letras Centro de Linguagem e Comunicação

mibol@outlook.com

Maria Inês Ghilardi Lucena Grupo de Pesquisa Estudos do Discurso

Centro de Linguagem e Comunicação migl@puc-campinas.edu.br

Resumo : Este trabalho encontra-se inserido na linha de pesquisa Discurso de Identidade: representações de gênero e de poder, do Grupo de Estudos do Dis-curso e é parte do Plano Geral de Pesquisa No Fio do Discurso: Identidades e Representações. Propõe uma reflexão sobre o gênero feminino e suas repre-sentações nas canções do compositor brasileiro Vinícius de Moraes (1913-1980), cujo papel foi de grande importância para a cultura brasileira, especi-almente na música popular brasileira. Trata-se de uma pesquisa documental em que a mulher tenha sido retratada, como é o caso de umas das principais composições do autor, Garota de Ipanema. Assim, o corpus utilizado e delimitado para a investigação em propósito foi o conjunto de letras de músicas em que figuram a voz feminina, estudada em seus vários aspectos, inclusive no que diz respeito às considera-ções e implicações de um olhar masculino sobre esta. Neste último caso, provavelmente em contraste com o senso comum, a análise permite observar que, ao enaltecê-la, o “poeta da paixão”, forma como foi tratado por alguns, deixou marcas subliminares da histórica submissão feminina em relação ao masculi-no; seja numa cuidadosa análise desse acervo, seja no olhar mais apurado ligado às condições de produ-ção em que se deram essas composições. A pesqui-sa enfoca as formas de representação no discurso presentes nessas canções, cujo conteúdo não ense-jou, em sua maior parte, as vontades e anseios femi-ninos, o que mostra tal submissão, principalmente se levarmos em consideração o período em que essas letras foram produzidas. Após relativo período de escolha das letras mais adequadas ao propósito aqui apresentado, foram escolhidas 10 (dez) letras que apresentavam já em sua superfície o conteúdo mais adequado ao objetivo geral do trabalho. Desse mo-do, os veículos de suporte do material pesquisado foram CDs, DVDs, Álbuns, Biografias e Sites dedica-dos ao artista.

Palavras-chave: Gênero, Discurso, Identidade.

Área do Conhecimento: Linguística, Letras e Artes – Teoria e Análise Linguística.

1. INTRODUÇÃO Partindo-se do pressuposto de que o discurso é pa-lavra em movimento no qual se observa o homem falando, este trabalho é uma pesquisa documental, orientada pela Análise do Discurso, cujo objetivo é trazer à baila as discussões relativas às relações entre gêneros com enfoque nas representações do feminino, enviesadas que estão pelo discurso mas-culino e objetivamente presentes no cancioneiro do poeta brasileiro Vinícius de Moraes. Discute-se, as-sim, o modo como essas questões de gênero encon-tram-se atreladas aos diferentes modos de significar, pela manifestação do dito e/ou não-dito, além de estarem interpostas na dinâmica social, registradas nas diferentes esferas de linguagem. Se o ponto de partida dessa investigação são as canções do poeta, buscou-se o sentido existente não na sua literalida-de, mas nas relações de transferência, ou metafóri-cas, ocorridas nas formações discursivas relativas ao período histórico e provisório por ele vividos. Desse modo, é possível expor o olhar do leitor à materiali-dade opaca relativa a qualquer texto. Essa investida na busca de sentidos presentes e “não presentes” no texto, culmina na busca do sentido do feminino, e no retrato que o músico e poeta faz, quando da interpo-sição subjetiva e sublime em suas referências às mulheres. Cabe aí observar o seguinte: a discussão e análise das canções do autor são aqui propostas pelo viés do discurso, isto é, uma busca do entendi-mento das maneiras de significar a partir de uma voz específica, qual seja, a do homem. Assim, não se deve desconsiderar o fato de que, apesar do roman-tismo presente na obra, trata-se de uma fala mascu-lina e que, de certa forma, represente e até reforce um imaginário masculino, como forma de reificação do feminino atrelado à ideia ocidental de beleza. O estudo do material recortado a partir do contexto formador das condições de produção dessa obra poética pode nos oferecer suporte necessário para a

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compreensão dos discursos aí presentes, inclusive naquele relativo aos conflitos e formações imaginá-rias presentes numa sociedade ainda patriarcal. Do-ravante serão apresentadas desde as marcas espa-ciais de gênero e poder até as determinações espa-ciais que, uma vez conhecidas, no dão a dimensão do legado deixado por diferentes gerações, princi-palmente ao período relativo à produção da obra viniciana. O referencial teórico da pesquisa foi dado pela Análise do Discurso, que possibilitou uma maior compreensão da(s) forma(s) como a sociedade en-tende homens e mulheres e como se dá sua relação, além do entendimento de suas inter-relações e suas relações com a sociedade em geral.

2. PÊCHEUX E O SENTIDO DA PALAVRA Assim como para o homem é imprescindível a exis-tência do ar para respirar, a palavra lhe é necessária para os processos de comunicação entre falantes, na escrita ou na fala. Entre esses dois campos encon-tra-se o discurso, objeto fundamental para o enten-dimento da relação estabelecida entre este e a pala-vra. Apesar de se originarem de uma materialidade estanque, as circulações discursivas ensejam diver-sas possibilidades, uma vez que são dinâmicas:

É supor que – entendendo-se o “real” em vá-rios sentidos – possa existir um outro tipo de real diferente dos que acabam de ser evoca-dos, e também um outro tipo de saber, que não se reduz à ordem das “coisas-a-saber” ou a um tecido de tais coisas.. Logo: um real constitutivamente estranho à univocidade lógi-ca, e um saber que não se transmite, não se aprende, não se ensina, e que, no entanto, e-xiste produzindo efeitos. [1]

O texto não pode ser compreendido senão pelo dis-curso. Desse modo, há que se distinguir análise e interpretação, pois enquanto aquela busca sentido num campo além do conteúdo linguístico, esta se restringe a essa região textual. Assim, a materialida-de da palavra conduz-nos a efeitos discursivos para além de si, levando a articulação do verdadeiro pro-pósito das materialidades discursivas. Por meio de-sas práticas, chega-se ao princípio em que se articu-lam relações entre o que é dito e o que não é dito, ou ainda, a presença de não-ditos no interior do que é dito. Isto posto, um dos importantes aspectos na imersão que este trabalho faz no tema a que se pro-põe problematizar e explicar é o fato de que visa compreender o modo como os objetos simbólicos

produzem efeitos de sentido nas canções de Vinícius de Moraes. 3. CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: DO SUBLIME AO

COTIDIANO As condições de produção compreendem, além dos sujeitos e as situações, o modo como a memória as aciona, isto é, há nelas uma característica fenomeno-lógica imanente, que, ao mesmo tempo, as precede e sucede:

Podemos considerar as condições de produ-ção em sentido estrito e temos as circuns-tâncias da enunciação: é o contexto imedia-to. E se as consideramos em sentido amplo, as condições de produção incluem o contex-to sócio-histórico, ideológico. [2]

Deve-se refletir não só no que se diz, mas também no que será entendido a partir do que foi dito; esse entendimento é um trabalho da memória na história. Nesse sentido, a obra de Vinícius é palavra em mo-vimento histórico, lugar em que se encontram inseri-dos elementos a serem avaliados pelos instrumentos analíticos. A partir da relação entre o linguístico e o poético, vemos emergir a arte e, nesse ambiente, outra relação, agora entre o mundo e a arte, possibi-lita que esta última seja entendida no mesmo univer-so que aquele. Assim, desenvolvem-se pressupostos para que a relação entre gêneros seja vista para além das possibilidades imediatas do signo, em que o conhecimento das condições de produção nos processos de concretização é possível.

4. AFINAL, A MÚSICA Parece consenso o entendimento de que música e poesia, em Vinícius de Moraes, são quase totalmen-te indissociáveis.

(...) na obra viniciana houve uma simbiose incrível entre a música e a poesia. Por um lado, as canções passavam a usar textos li-terários perfeitos e, por outro, a música po-pular laborava com a experiência gráfico-visual qual antes foi usada pela Poesia Con-creta. [3]

Apesar disso, este trabalho é orientado para a análi-se, em alguns casos, separada dessas áreas com o intuito de se inclinar, especificamente, na obra musi-cal do autor, ou ainda, em seu cancioneiro. Assim, após escolha de material específico para nortear tal afunilamento (Quadro 1), é possível verificar nessas letras inteira coadunação com o que se propôs de início; por seu turno, propor uma leitura analítica

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buscando entendimento da obra a partir das teorias do discurso tendo como “centro gravitacional” as relações de gênero e poder presentes, em grande monta, em toda a produção viniciana. Ponto notável na composição obreira do poeta, além das condições de produção apresentadas como suporte para sua compreensão, são as célebres parcerias realizadas com nomes de alto gabarito intelectual e musical da música popular brasileira, que culminaram, inclusive, com o surgimento da bossa nova. É sabido, com base nas autorias das canções, que a parceria mais frequente foi aquela com Toquinho, que o acompa-nhou até os últimos momentos de sua vida. Na ver-dade, no campo musical, suas parcerias muitos di-zem a respeito das escolhas e preferências desse multifacetado autor.

Quadro 1: Canções analisadas de Vinícius de Moraes.

Título Ano Autoria/Parceria Mulher, sempre

Mulher 1956 Vinícius de Moraes

Brigas Nunca Mais 1959 Vinícius de Moraes e Tom Jobim

Minha Namorada 1965 Vinícius de Moraes e Carlos Lyra

Samba da benção 1966 Vinícius de Moraes e Baden Powell

Mulher Carioca 1967 Vinícius de Moraes Formosa 1967 Vinícius de Moraes

Receita de Mulher 1967 Vinícius de Moraes A Felicidade 1969 Vinícius de Moraes

A Flor da Noite 1971 Vinícius de Moraes Garota de Ipanema 1975 Vinícius de Moraes e

Tom Jobim Poema dos olhos

da Amada 1977 Vinícius de Moraes

CONSIDERAÇÕES FINAIS Vinícius de Moraes foi, sem dúvida, um dos maiores artistas brasileiros que a literatura e a música conhe-ceram. A julgar pelo repertório de suas canções, pode-se dizer que a música popular brasileira foi representada, entre outros títulos, por um cronista e poeta, sendo uma das figuras mais representativas desse meio. Não obstante a isso, é na relação social que inclui a de gêneros, que a linguagem aparece como meio de interpretação e análise, comunhão e conhecimento, promovendo a formação de uma iden-tidade cultural do sujeito. Por isso, a linguagem artís-tica é indispensável, por expressar fraquezas, senti-mentalidades, ideologias, valores de um indivíduo imerso na cultura de grupos sociais, da sociedade de

forma geral. Assim, o trabalho artístico viniciano, apesar de transformar a experiência, as emoções e as percepções em memória, em expressão, supe-rando os seus próprios limites, é também a materiali-zação e reafirmação do discurso masculino sobre o feminino, restringindo este a um papel historicamente construído e constituído, o qual submete a mulher ao plano estético da beleza corporal de formato servil, resignando-o a um espaço utilitário na mente mascu-lina. Nesse sentido, ressalte-se a importância dessa análise no sentido de se reafirmar não uma ilusória e quixotesca luta por um reposicionamento do discurso feminino sobre o masculino, mas de sua reafirmação e recolocação ao lugar de onde nunca deveria ter saído; de sua validade a partir da assunção de suas idiossincrasias, de sua interioridade e, acima de tu-do, de sua importância no cenário social. Por isso, a elevação da mulher, proposta por Vinícius em Garota de Ipanema, por exemplo, não deve se restringir à categoria estética do pleno prazer físico, mas ter relação com a força, a inteligência e a sensibilidade que sobrepujam o conjunto de sua obra, quer isso dizer: há mulheres belas além de Ipanema. Tendo em vista o fato de que a Análise do Discurso trabalha com a língua no mundo, com maneiras de significar, com homens falando, considerando a produção de sentidos enquanto parte de suas vidas, seja enquan-to sujeitos, seja enquanto membros de uma determi-nada forma de sociedade, pôde-se, por meio deste trabalho, entender como as palavras, se lidas em sua amplitude, podem denunciar valores embutidos em uma letra de música, de modo que apresentem não só os valores discursivos que a constituem, mas também o modo de funcionamento a serviço de ideo-logias, moralismos e preconceitos presentes em seu interior, muitas vezes mascarados por uma subjeti-vidade romântica. Por isso, diz-se que o discurso reflete uma visão determinada de mundo, vinculada à de seu autor e à sociedade em que vive. REFERÊNCIAS

[1] PÊCHEUX, Michel. O Discurso. Estrutura ou Acontecimento. Pontes: Campinas, 1990, p. 43.

[2] ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso. Princípios e Procedimentos. Pontes: Rio de Janeiro, 1988, p. 30.

[3] VALEKOVÁ, Martina. A análise da paixão na vida e obra de Vinícius de Moraes. Dissertação de Mes-trado, Universidade de Masarykova, República Tche-ca, 2010, p 3.