Representatividade Politica Republica

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Artigo sobre política e representatividade

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  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    Balano historiogrfico: a representatividade poltica em Minas na Primeira RepblicaFbio Francisco de Almeida Castilho*

    Introduo

    Neste artigo abordaremos, sintaticamente, algumas obras tericas, a fim de apresentar

    o desenvolvimento de alguns estudos que tiveram por mote a histria poltica nas ltimas

    dcadas, salientando os principais conceitos. Em seguida, nos deteremos no debate

    historiogrfico sobre as disputas polticas inter-regionais em Minas no final do sculo XIX e

    incio do XX, dialogando com uma historiografia voltada para a anlise da importncia da

    representatividade poltica de cada regio mineira, com destaque para o sul do estado.

    A partir do final da dcada de 1970, novos rumos de investigao apontaram para

    significativas mudanas na produo historiogrfica. As novas fronteiras tericas

    estabelecidas passaram a ser a antropologia, a psicologia e a crtica literria. A partir da

    utilizao deste novo quadro terico, as produes historiogrficas passaram a adotar o

    recorte espacial microscpico, onde os indivduos eram seus principais atores (FERREIRA,

    1998).

    Por esta senda, Ren Remond enfatiza a importncia da instncia poltica e de sua

    relativa autonomia, ao afirmar que a classe poltica no diretamente condicionada, em suas

    decises, pelos interesses econmicos, mantendo certa margem de manobra que lhe permite

    tomar decises relativamente livre de presses corporativas. O autor ainda assinala a

    importncia do poltico nos vrios temas de interesse atual da pesquisa histrica, ressaltando

    suas vinculaes com a esfera do poder (REMOND, 1994).

    Le Goff afirma que a Histria Poltica no pode pretender-se autnoma e nem

    constituir-se enquanto a ossatura da Histria. Mas deve ser o seu ncleo. Citando Huzinka,

    afirma que a Histria Poltica gozar sempre de um primado por representar a morfologia das

    sociedades atravs de suas prprias divises estruturais, como os tratados de paz, as guerras,

    as revolues, os estados, etc (LE GOFF, 1990).

    Outra prerrogativa da renovao da Histria Poltica consistiu no resgate do estilo

    narrativo. Abandonado pelos Annales e marxistas, em proveito das anlises e da

    quantificao, o contato interdisciplinar entre a Histria e a Literatura fez com que a narrativa

    voltasse a ser usada pelo historiador. Para Stone, a narrativa consiste em organizar materiais

    * Aluno do Programa de Ps Graduao em Histria da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita UNESP. Doutorando. Pesquisa fomentada pela CAPES.

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  • Srgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flvia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: aprender com a histria? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-288-0061-6

    em seqncia cronolgica, concentrando o contedo em uma nica histria coerente, embora

    envolvendo sub-tramas. Distingue-se da chamada histria estrutural por ser mais descritiva e

    menos analtica, volta-se mais sobre o homem e menos sobre as circunstncias, trata do

    particular e no do quantitativo(STONE, 1991), em funo do citado estabelecimento de

    fronteiras com a antropologia.

    Com a renovao da Histria Poltica tambm voltaram cena as biografias, mas,

    igualmente renovadas, a exemplo das prosopografias (HEINZ, 2006). Tal tcnica se enquadra

    perfeitamente aos estudos polticos regionais. De fato, a Histria Poltica, desde o sculo

    XIX, foi marcada pela produo de biografias e pelo uso da narrativa. A renovao das

    tcnicas e dos estilos possibilita, atualmente, um vasto e promissor campo de produo

    intelectual.

    Na prtica, podemos acompanhar o desenvolvimento dos estudos prosopogrficos no

    conjunto da produo historiogrfica produzida a respeito de Minas Gerais, que possui um

    nmero significativo de estudos biogrficos de polticos mineiros. As primeiras biografias

    foram marcadas pela inspirao historicista e positivista e aliada a um carter pouco

    acadmico. Num segundo momento, j com as influncias da Escola dos Anais, as biografias

    continuaram a ser produzidas, no entanto, tais produes incorporaram os paradigmas

    franceses do sculo XX. Alm de possuir um carter eminentemente acadmico, trouxeram

    contribuies metodolgicas derivadas das novas parcerias interdisciplinares da Histria e,

    especificamente no caso da historiografia mineira, a autoria brasilianista das produes

    (Ver: FLEISHER, 1982; WIRTH, 1982; MARTINS FILHO, 1981).

    Em que pese a importante contribuio desses trabalhos na delineao da elite poltica

    mineira, a maior parte deles produziu um levantamento biogrfico de carter quantitativo,

    sem ter a pretenso de acompanhar a trajetria de seus biografados diante dos principais

    eventos polticos nela ocorridos. Tal abordagem resultou na distoro de algumas

    informaes que s uma pesquisa de carter qualitativo poderia desvelar. Postura adotada por

    Viscardi, que a partir de uma amostra coletada com base em critrios eminentemente

    qualitativos, acompanhou a trajetria poltica de cinqenta membros da elite mineira

    buscando verificar seu comportamento diante de eventos polticos previamente delimitados

    (VISCARDI, 1999).

    Este trabalho de Viscardi se mostrou profcuo por conseguir desvendar as relaes e

    disputas internas entre as sub-regies mineiras, relativizando a propagada coeso da

    carneirada, composta pelos polticos mineiros. A autora demonstrou que, ao contrrio do

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    que afirmam Resende (1982), Wirth (1982), Iglesias (1990) e muitos outros, a aliana entre

    os polticos das duas regies cafeicultoras de Minas no era permanente.

    A autora destaca a divergncia de interesses polticos entre Mata e Sul, a despeito de

    ambas serem produtoras de caf, e assinala a posio diametralmente oposta das duas regies

    nos principais eventos polticos da Primeira Repblica1. Viscardi afirma que Mata e Sul

    disputavam hegemonia do estado e suas oligarquias no formaram uma aliana permanente

    como quiseram alguns autores (VISCARDI, 1999).

    De acordo com Viscardi, o Sul de Minas, impossibilitado de ser o elo dominante em

    uma aliana com a Zona da Mata, em funo do poder poltico e econmico detido por esta

    regio, uniu-se aos polticos do centro do estado. Nesta aliana pragmtica obteve maiores

    ganhos, pois se colocava como elo dominante. Para a mesma autora a chamada conciliao

    dos interesses divergentes no estado no foi obtida nos primeiros anos do novo sculo. O que

    ocorreu foi a vitria de uma faco sobre a outra (VISCARDI, 1999).

    Com base nos resultados desse estudo Viscardi props uma nova cronologia da

    chamada Repblica Velha em Minas: Disputas Inter-Oligrquicas (1889-1897), Hegemonia

    Sul-Mineira (1898-1918) e Ascenso da Mata e Crise da Repblica (1918-1930). (Ver:

    VISCARDI, 1999).

    Disputas internas em Minas: balano historiogrfico

    De acordo com Renato Lessa, a Primeira Repblica, foi at recentemente representada

    como uma noite montona, a exibir um enfadonho rodzio de oligarcas agrrios emoldurados

    pelo latifndio exportador e pelo folclore coronelista (LESSA, 1988: 11). Com efeito, at o

    final da dcada de 1960 a literatura disponvel sobre a Repblica Velha praticamente se

    resumia a textos de poca, memrias e s histrias da Repblica publicadas por Jos Maria

    Bello e Edgar Carone (BELLO, 1959 e CARONE, 1969). Obras que se destacaram por seu

    veio poltico, mas pecaram pelas generalizaes e por preterirem o recorte regional,

    conferindo importncia exacerbada ao governo central.

    Ainda nos anos 70, Boris Fausto assumiu a coordenao dos trabalhos da coleo

    "Histria Geral da Civilizao Brasileira", at ento dirigida por Srgio Buarque de Holanda.

    Em 1975 a 1976 foram publicados os dois volumes de O Brasil republicano dedicados A

    Primeira Repblica: Estrutura de poder e economia (vol. 8) e Sociedade e instituies (vol.

    9). A orientao adotada para a publicao desses volumes foi a pluralidade, com vistas a

    1 Foram eles:a Proclamao da Repblica, a Campanha Civilista e a Reao Republicana.

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    incorporar a colaborao de autores com diferentes orientaes terico-metodolgicas. A

    contribuio destes trabalhos, ao propiciar um painel dos principais temas do primeiro

    perodo republicano, foi fundamental (FAUSTO, 1975 - 1981).

    J nos anos seguintes, no incio da dcada 1980, importantes trabalhos foram

    publicados no esforo de descompactao da ordem oligrquica, esses estudos traziam a

    dimenso regionalista da poltica brasileira, como testemunham os trabalhos de Joseph Love,

    John With, Robert Levine e Eul Soo Pang. Paralelamente ao esforo por investigar os

    componentes regionais da poltica oligrquica brasileira, abriu-se caminho para estudos sobre

    aspectos parciais da sociedade. Assim demonstram a relativa proliferao de teses e pesquisas

    sobre movimentos sociais urbanos no perodo, notadamente incidindo sobre o comportamento

    operrio e o clssico texto de Jos Murilo de Carvalho sobre as foras armadas na primeira

    Repblica (Ver: LOVE, 1982; WIRTH, 1982; PANG, 1979 e CARVALHO, 1977).

    A nova tendncia se espraiou ao final da dcada de 1980 e a produo acadmica

    durante os anos 1990 sobre a Primeira Repblica atribuiu maior dinamismo e variao

    temtica ao perodo. Temas e questes suscitados por outros contextos nacionais ou por

    pocas mais recentes da histria brasileira foram incorporados ao esforo de conhecimento

    sobre o perodo.

    De forma geral, um balano acerca da produo bibliogrfica das dcadas de 1960 e

    1970, a despeito de suas especificidades, demonstra que foi privilegiada a idia de que a

    hegemonia poltica da oligarquia paulista, em aliana com a mineira, sustentava-se na

    preeminncia da economia exportadora cafeeira. Em decorrncia, o arranjo poltico

    oligrquico entre So Paulo e Minas ditava de forma ntida a orientao do governo federal.

    Visando relativizar essas interpretaes que privilegiavam a oligarquia cafeeira como

    um ator fundamental e quase exclusivo na conduo da poltica do perodo, surgiu ao longo

    das dcadas de 1980 e 1990 um significativo nmero de trabalhos voltados para a

    relativizao desta hegemonia.

    Na tentativa de relativizar o papel e o peso de So Paulo e da oligarquia cafeeira

    surgiram novos trabalhos que tm como foco de anlises seja a atuao das demais

    oligarquias regionais, seja a reviso do papel das oligarquias dominantes - So Paulo e Minas.

    Os mesmos tm contribudo no sentido de permitir um melhor desenho do sistema oligrquico

    da Primeira Repblica e de apontar para as complexidades do pacto oligrquico. Tambm so

    contribuies importantes e que atendem aos dois ltimos objetivos acima apontados, os

    trabalhos de Jos Murilo de Carvalho (1987 e 1989) e de Renato Lessa (1988). Os

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    bestializados, proporciona ricos elementos para a compreenso das prticas oligrquicas; que

    visavam impedir a extenso da cidadania a contingentes mais amplos da populao brasileira.

    J o trabalho de Renato Lessa, A inveno republicana, investiga a gnese e a implantao da

    ordem poltica republicana, concentrando sua ateno na anlise do papel da poltica dos

    governadores como fator de estabilidade da ordem oligrquica.

    Por esta senda, Renato Lessa assinalou aspectos fundamentais para o entendimento da

    ordem poltica contempornea, tais como formao e desempenho das burocracias pblicas,

    papel e comportamento do legislativo e gerao e modos de domestificao das crises

    polticas, temas, at ento, inexplorados com relao aos anos da Primeira Repblica.

    Com este objetivo central Lessa buscou analisar a gnese e a implantao da ordem

    poltica republicana, tomando como evidncia a forma poltica aplicada no governo do

    presidente Manoel Ferraz de Campos Sales, no perodo de 1898 a 1902.

    Por ltimo, j na primeira dcada do sculo XXI, seguiu-se a tendncia de

    desmistificao da propagada poltica do caf com leite, em O teatro das oligarquias,

    Cludia Viscardi questionou o carter hegemnico e at mesmo a existncia de uma aliana

    duradoura e permanente entre as federaes paulista e mineira, demonstrando o complexo

    jogo poltico que marcou o perodo (VISCARDI, 2001). E mais importante, conforme a

    autora, a proliferao de pesquisas complementares tem aquecido o debate e proporcionado

    esclarecimentos sobre a poltica da Repblica Velha, tema dos mais visitados pela

    historiografia brasileira.

    No tpico seguinte analisaremos a bibliografia sobre a construo da nova capital

    mineira, por enxergar neste evento um dos momentos em que o debate que apresentamos at

    aqui se fez bastante presente, isto , observa-se a disputa de interesses locais e as contendas

    regionais nas tomadas de deciso poltica.

    A construo da Cidade de Minas

    Abordaremos como estudo de caso um dos momentos em que a elite poltica mineira

    se mostrou dividida, e principalmente, mostrou que os interesses polticos eram definidos em

    cada regio da federao, pesando como fator de agregao a dimenso regional.

    Evaldo Doin nos fornece outro ponto para avanarmos na questo: o autor chama a

    ateno para a reflexo, em mbito internacional, no final do sculo XIX, da representao de

    uma capital como agente de polarizao de uma regio, organizando o sistema de trocas entre

    seus plos mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos, econmica e demograficamente

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    (DOIN, 2006). Tal proposta se mostrou extremamente pertinente para a provncia de Minas

    Gerais naquele perodo, pois a mesma se encontrava fragmentada poltica e economicamente,

    com cada sub-regio tendo seu comrcio voltado para outras federaes.

    Maria Efignia Lage de Resende aponta a origem dessa fragmentao: com o declnio

    da minerao, as atividades rurais passaram a dar sustentao econmica provncia,

    acirrando contradies e diferenas regionais, ocasionando a desigualdade da densidade

    demogrfica das diferentes regies mineiras poca (RESENDE, 1982).

    Este problema advm do fato de, embora, Minas se constituir numa unidade poltico-

    administrativa com contornos geogrficos delimitados, ser na verdade a soma pouco integrada

    de diversas regies com caractersticas sociais e econmicas bastante diferenciadas entre si.

    John Wirth assinalou que tal caracterstica pode ser avaliada em um duplo aspecto: de um

    lado, na unidade mineira, o desenvolvimento de cada regio se constituiu numa linha diferente

    de tempo, dando ao estado uma longa histria de crescimentos desarticulados e descontnuos,

    e, alm disso:

    aquelas regies que fariam parte daquele todo, se articularam muito mais com as outras unidades federais com as quais possuam vizinhana do que com a unidade poltica e administrativa que integravam (o Sul e o Tringulo com So Paulo, o Norte com a Bahia, a Zona da Mata com o Rio de Janeiro) (WIRTH, 1982: 25).

    Este argumento, em linhas gerais, foi apresentado em 1955 por Afonso Arinos de

    Melo Franco em Um estadista da Repblica: a criao da nova capital originou-se da disputa

    de poder poltico entre grupos regionais mineiros que, por sua vez, decorreu do surgimento de

    novas foras econmicas, em especial a cafeicultura no Sul e na Mata mineira (FRANCO,

    1974). Em 1974, em Uma interpretao sobre a fundao de Belo Horizonte, Maria Efigenia

    Lage de Resende retomou essa tese. Na mesma direo, analisando especificamente o debate

    poltico sobre a mudana da capital no Congresso Constituinte Mineiro de 1891, Francisco

    Iglsias, Juscelino Ribeiro, Luiz de Assis e Menelick de Carvalho Neto afirmaram que

    A mudana da capital mineira [...] espelha concretamente um projeto poltico. [...] O que persiste desse projeto nos debates da Constituinte : 1) a luta pela mudana da capital, como ponto de equilbrio das novas regies produtoras (argumento mais assimilado pela historiografia); 2) a luta pela mudana da capital, como soluo para os entraves administrativos da antiga capital, smbolo de um Ancien Rgime; 3) a luta pela mudana da capital, como substituio de um smbolo decadente (o monarquismo arraigado de Ouro Preto) por um outro moderno e no seu tempo (IGLESIAS, 1990: 67).

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    Por fim, a estagnao da economia mineira2 era apresentada como decorrente, em

    parte, da desarticulao territorial do estado. De fato, Minas Gerais era vista pelos grupos que

    dominavam a poltica e a economia mineiras como um conjunto pouco entrosado de vales

    voltados para plos econmicos situados alm das divisas estaduais, em especial o Rio de

    Janeiro e So Paulo. Esse conjunto, fracamente articulado pela velha capital, estava sujeito s

    foras que, eventualmente, poderiam levar ao separatismo e desagregao do estado.

    Caracterstica que Wirth cunhou de Mosaico mineiro.

    De acordo com Aguiar, a partir de 1891, os debates polticos demandaram, por um

    lado, apoio oficial cafeicultura estabelecida no Sul e na Mata, atravs de medidas que

    permitissem aos grandes plantadores contornar a crise de mo-de-obra decorrente da Abolio

    e que melhorassem o escoamento da produo cafeeira para o mercado internacional, e, por

    outro, iniciativas que superassem o relativo atraso das demais regies mineiras, que

    unificassem o estado e que estabelecessem as condies necessrias para a modernizao

    regional (AGUIAR, 2006). Essa modernizao mineira foi tambm pensada como forma de

    assegurar a autonomia do Estado face Unio (VISCARDI, 2001).

    O principal empreendimento com este fim foi a construo da nova cidade capital, que

    anunciava a modernizao em bases urbanas, atravs da industrializao e da urbanizao,

    base que se pretendiam cientficas e rigorosamente tcnicas.

    Segundo Aguiar,

    Dessas concepes - a idia de estagnao da economia mineira, a idia de desarticulao territorial do estado e a idia de dissociao entre poder poltico e poder econmico - surgiu a iniciativa de mudana da capital, como um projeto poltico que buscava reordenar o estado e permitir o desenvolvimento econmico. As elites polticas mineiras se mostraram convictas de que removendo a sede governamental para fora do velho centro minerador, visto ento como decadente, seria possvel reequilibrar a balana de poder em favor das regies mais dinmicas. Seria possvel, tambm articular as vrias regies mineiras em torno de um centro que tivesse condio efetiva de polarizar a vida do estado, constituindo um mercado interno melhor organizado. Por fim, mudar a capital propiciaria, tanto aos grupos polticos oriundos das regies mais ricas quanto das mais pobres, novas oportunidades para tentar redefinir a atuao da administrao pblica e, assim, desenvolver aes que pudessem estimular o crescimento econmico e a superao do relativo atraso regional. (AGUIAR, 2006: 52).

    2 A idia da estagnao surgia freqentemente por contraste com a imagem de um passado de riqueza e prestgio, correspondente ao ciclo da minerao do ouro. Mas derivava igualmente de comparaes desfavorveis com o avano econmico de outras reas do pas, particularmente So Paulo. Ver: DULCI, Otvio Soares. Poltica e recuperao econmica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora da UFMG. 1994.

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    Por outro lado tecemos algumas consideraes nesse sentido, seriam as elites mineiras

    to unidas a ponto de conceberem um projeto nico quanto localizao e construo da nova

    capital? A grande polmica que a deciso de mudana da capital causou no seio da elite

    mineira no deve ser investigada? Embora vitorioso, o projeto de construo de Belo

    Horizonte onde est situada a cidade hoje, passou por inmeros agravos e resistncias, at a

    deciso de sua instalao em 1897. Num exemplo bastante conhecido a opo Colnia do

    Maral, nos arrabaldes de So Joo del Rei, era mais forte e mais interessante que a edificao

    da nova capital no curral del Rey (ASSIS, 1997).

    Acreditamos que a escolha do local como sede da nova capital foi resultado de uma

    conciliao, na qual sul de Minas e Zona da Mata, as duas regies mais fortes, aceitaram a

    construo no centro, no por hegemonia dos polticos daquela regio, mas para uma no

    ceder a outra a prerrogativa de instalar a nova capital em sua regio e se fortalecer ainda mais,

    desequilibrando a diviso de poderes at ento estabelecidos. No projeto mais forte, da

    Colnia do Maral, temos um claro exemplo, o boicote do sul de Minas com apoio da regio

    central para no permitirem que a nova capital fosse construda em um local que privilegiaria

    a Zona da Mata.

    Ainda neste mote, cabe a constatao de que a construo de Belo Horizonte no foi

    capaz de polarizar ou unificar o estado, que seria um dos objetivos centrais, segundo Aguiar,

    pois o estado permaneceu dividido e sofrendo forte influncia das federaes vizinhas,

    principalmente Rio de Janeiro e So Paulo.

    Nesse sentido, podemos compreender a disputa em torno da localizao da nova sede

    governamental. Grupos que dominavam a poltica e a economia do Sul e da Mata defenderam,

    nos debates travados no Congresso Constituinte mineiro, a instalao da nova capital em

    localidades situadas nessas regies ou prximas a elas, o que lhes permitiria dinamizar a

    economia regional de acordo com seus interesses. E buscando evitar que a mudana da capital

    viesse a reforar os desequilbrios regionais j existentes, grupos polticos das regies mais

    pobres do estado procuraram assegurar a localizao da nova capital em stios a elas bem

    articulados, contrabalanando o poderio das regies cafeeiras (ASSIS, 1997).

    Portanto, a mudana da capital estava ligada a um embate pelo controle da

    administrao pblica do novo Estado federado. Este embate, por sua vez, se dava em torno

    da demanda por novas condies para superar a estagnao da economia mineira e suplantar o

    atraso em relao ao centro da economia brasileira. Temos, assim, a mudana da capital

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    associada a outras concepes presentes nas elites mineiras do fim do sculo XIX: o ideal do

    progresso e a necessidade de o governo mineiro participar da modernizao regional.

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