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RESENHA Bolsista: Rafael Rogério Nascimento dos Santos Data: 13/08/2008 BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Petrópolis, RJ: Vozes,2003. CREDENCIAIS DA AUTORIA Patrice Bonnewitz é professor universitário de Ciências Econômicas e Sociais. RESUMO DA OBRA Pierre Bourdieu é fundador de um paradigma sociológico, superou os tradicionalismos de algumas oposições na sociologia para fundamentar um “enfoque que se pode qualificar de estruturalismo genético ou construtivista”. A sociedade é analisada por Bourdieu sob o conceito de dominação. Esta se manifesta nas coisas mais comuns através das estratégias que os agentes sociais utilizam nos vários campos onde estão situados em posições desiguais, realizando práticas individuais e coletivas no habitus. A abordagem feita por Bourdieu ocorre pelo estruturalismo genético ou estruturalismo crítico que segundo o próprio “a análise das estruturas objetivas é inseparável da análise da gênese... das estruturas mentais”. Com seu estruturalismo construtivista advoga que existem estruturas objetivas que comandam e/ou orientam as práticas dos agentes sociais e que “há uma gênese social,

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BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu. Petrópolis, RJ: Vozes,2003.

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RESENHA

Bolsista: Rafael Rogério Nascimento dos Santos

Data: 13/08/2008

BONNEWITZ, Patrice. Primeiras lições sobre a sociologia de P. Bourdieu.

Petrópolis, RJ: Vozes,2003.

CREDENCIAIS DA AUTORIA

Patrice Bonnewitz é professor universitário de Ciências Econômicas e Sociais.

RESUMO DA OBRA

Pierre Bourdieu é fundador de um paradigma sociológico, superou os

tradicionalismos de algumas oposições na sociologia para fundamentar um “enfoque

que se pode qualificar de estruturalismo genético ou construtivista”.

A sociedade é analisada por Bourdieu sob o conceito de dominação. Esta se

manifesta nas coisas mais comuns através das estratégias que os agentes sociais utilizam

nos vários campos onde estão situados em posições desiguais, realizando práticas

individuais e coletivas no habitus.

A abordagem feita por Bourdieu ocorre pelo estruturalismo genético ou

estruturalismo crítico que segundo o próprio “a análise das estruturas objetivas é

inseparável da análise da gênese... das estruturas mentais”. Com seu estruturalismo

construtivista advoga que existem estruturas objetivas que comandam e/ou orientam as

práticas dos agentes sociais e que “há uma gênese social, por um lado dos esquemas de

percepção, pensamento e ação (...), por outro lado das estruturas sociais”.

Bourdieu toma como objetos de estudo itens que foram deixados a margem pelo

marxismo ortodoxo, como a cultura. Assim sua teoria de dominação simbólica prospera

longe do solo marxista. Bourdieu, ainda realizando rupturas com este pensamento,

atribui importância às relações de sentido, aos bens simbólicos e à dominação simbólica

nas relações de classe. Não obstante, há uma familiaridade na sociologia desses dois

intelectuais – Marx e Bourdieu – pois pensam a ordem social através do paradigma da

dominação, visto que para poder ter uma noção clara do espaço social os antagonismos

de classe, na concepção dos intelectuais, devem ser evidenciados.

A concepção teórica de Max Weber irá gerar a sociologia compreensiva, dando

ênfase no conceito de legitimidade. “Essa definição lembra a necessária consideração da

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dimensão simbólica na explicação dos fenômenos sociais, tema amplamente

desenvolvido por P. Bourdieu.”. Tal conceito – o de legitimação – norteará as relações

de dominação, pois tentará buscar o porquê ou como os dominados se solidarizam com

os dominantes sobre a ordem estabelecida.

Émile Durkheim influenciará Bourdieu na questão da concepção de sociologia,

buscando levá-la ao patamar de ciência com seus métodos e objetos cognoscíveis

específicos. Para Bourdieu os fenômenos sociais devem ser compreendidos dentro de

seu contexto histórico, procurando evitar um positivismo absoluto e universalismo

atemporal.

A multiplicidade das influências intelectuais que P. Bourdieu sofreu foi sine

qua non para sua formação, contudo vale ressaltar que sua obra é fruto de uma releitura

crítica dos questionamentos sociológicos e antropológicos tradicionais, proporcionando-

nos uma sociologia inovadora e provocadora.

A idéia de senso-comum é criticada por Bourdieu devido sua noção de pré-

concepção, “O sociólogo procurará construir uma explicação fundada sobre diferentes

variáveis não percebidas pelos indivíduos. Assim sendo, sua primeira tarefa será afastar

essas idéias preconcebidas”. A abordagem sociológica deve, de acordo com este

pensador, levar em consideração o contexto sócio-histórico em qual o fenômeno social

ocorre.

Bourdieu advoga pela sociologia da sociologia, pois acredita que desta forma

fará a mesma progredir, através de uma reflexão epistemológica, isto é, um estudo

crítico dos princípios, hipóteses e resultados desta ciência, para determinar-lhes a

origem lógica, o valor e o alcance subjetivo.

A sociologia deve firmar-se como ciência, se não possui objeto cognoscível

específico, define-se por um procedimento, perspectiva e raciocínios próprios. Esta é

umas das principais preocupações de Bourdieu, o caráter de cientificidade da sociologia.

Na observação dos agentes sociais o sociólogo deve se observar e observar tais agentes

em seus próprios espaços sociais, espaços os quais estão envoltos ambos, pesquisador e

pesquisado.

A sociologia para Bourdieu deve desvelar as estratégias de dominação,

descrevendo a lógica de dominação do social, e dessa forma a sociologia proporcionará

aos agentes sociais dominados lutar contra todas as formas de dominação que se

mostram naturais e universais.

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Na sua concepção de sociedade, Bourdieu busca romper com dicotomias

tradicionais – a primeira de inspiração marxista considera que a sociedade está dividida

em classes antagônicas a partir de um critério econômico e a segunda sob teorias

weberianas, considera a sociedade em termos de estratos constituída em cima de três

princípios sintetizados: poder, prestígio e riqueza, propondo uma teoria que engloba

espaço social e campos sociais e dotando-se de conceitos e instrumentos que permitam

compreender a tendência à reprodução da ordem social.

Os estudos de Bourdieu realizam uma análise de mundo social a partir de

relações dialéticas e suas reproduções em um ambiente conflituoso e desigual no qual se

define o espaço social, onde se encontra diferentes níveis de acesso aos bens

econômicos e culturais entre os indivíduos. Ocorre uma hierarquização vertical entre os

agentes sociais cuja é ditada pelo volume e estrutura do capital, no qual o econômico e o

cultural são os fornecedores de critérios mais pertinentes para construir o espaço social.

No ápice da hierarquia está a classe dominante, no qual possui uma dotação

elevada de capital, que procura legitimar uma identidade própria e visão de mundo onde

seus interesses são impostos à coletividade, tornando-se uma burguesia nova compõe-se

de novos executivos e empresários.

O habitus é um conceito central da sociologia bourdieusiana. Conceitua-se o

mesmo pelos esquemas de percepção e compreensão do mundo, adquiridos pelo

indivíduo durante o processo de socialização cujo ocorre na sua vida. O habitus influi

nas preferências, expectativas, valores, comportamentos, modos de agir que são

considerados naturais ao grupo que os pratica. O conceito de habitus dá suporte a

compreensão da sociedade sendo fundamental na sociologia de Bourdieu na questão da

reprodução da ordem e regulação social.

Os ambientes onde ocorrem as relações constitutivas da estrutura social são os

campos sociais. Tais relações ocorrem entre os grupos que ocupam diferentes posições

na sociedade e que procuram manter ou mudar as mesmas. Os dominantes lutarão pela

conservação e os dominados para mudá-la. Portanto os campos são universos onde há

produções culturais em qual estão inseridos os agentes e instituições que produzem e

reproduzem saberes, ressaltando que a lógica de um campo permeia o outro.

A partir da sociologia da cultura pode-se haver a compreensão do processo de

manutenção da cultura dominante, através da reprodução, onde os dominados

participam da aceitação da dominação. Essa reprodução ocorre por vias simbólicas da

comunicação e do conhecimento. Tal situação é legitimada pelos próprios agentes

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sociais através da aceitação de crenças estabelecidas, idéias preconcebidas,

representações comuns; o agente social internaliza esse “senso comum”. Esta descrição

irá conceituar o que Pierre Bourdieu chamou de violência simbólica.

O agente social que sofre violência simbólica não percebe que está sendo vítima

da mesma considerando que é natural e inevitável. Concebe que há uma cultura superior

a sua e a aceita sem questionamentos, este não percebe que está sob dominação, torna-se

cúmplice, legitimando todo o processo.

Para P. Bourdieu a escola é uma instituição que procura manter a reprodução da

violência simbólica, não reduzindo as desigualdades sociais e sim, colaborando para sua

existência. A cultura escolar é uma cultura da classe dominante que legitima seus

saberes inexoravelmente.

“A seleção das disciplinas ensinadas, assim como a escolha dos conteúdos

disciplinares é o produto de relações de força entre grupos sociais.” Tal cultura não é

neutra, é uma cultura de classe onde a classe dominante impõe saberes que mais se

alinham a suas exigências.

Surge nessa questão da representação da dominação cultural uma suposta

aptidão natural aos estudos que os indivíduos possuem a “ideologia do dom”. Nessa

perspectiva somente aqueles indivíduos que possuem tal “dom”, ou seja, aqueles que

têm um potencial intelectual natural saberão aproveitar as possibilidades que o espaço

escolar oferece. Dessa forma as desigualdades sociais são transformadas em

desigualdades de competências uma vez que o sucesso escolar dependerá

exclusivamente do próprio indivíduo.

A sociologia bourdieusiana mostra que a escola é uma das instituições centrais

na reprodução dos privilégios culturais, divergindo da idéia da qual a escola é uma

instituição neutra a serviço de um saber universal e racional que permite a promoção

individual. Contudo, esta afirmação fora um pouco reformulada pelo autor quando

frisou mais nos aspectos das estratégias que os agentes sociais utilizam no âmbito

escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS DA AUTORIA

As contribuições de Bourdieu são vistas em vários campos da sociologia,

arte; classes de idade; dos grupos sociais; ambos tem uma enorme influência da teoria

sociológica deste intelectual. É claro, tais teorias ultrapassam os limites da sociologia e

abarcam em outras áreas das ciências humanas como a História e as Ciências políticas.

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Alguns dos intelectuais divergentes das teorias sociológicas de Bourdieu o

acusam de certo tradicionalismo na concepção de estrutura social mesmo acrescentando

as lutas pela acumulação de capital simbólico. Alguns sociólogos concebem a sociedade

com uma noção de estrato e não classe social. Este estrato concebe uma noção bem mais

complexa de grupos sociais, onde os executivos podem ser proletários e operários

tentam viver burguesamente.

Outra crítica feita a Bourdieu refere-se a noção de identidade de classe. Os

grupos sociais possuem identidade própria e não se definem por oposição à outras

classes. Partindo desse pressuposto, sociólogos que não compartilham das idéias de

Bourdieu o acusam de retirar autonomia do indivíduo, pois consideram que na análise

bourdieusiana, o indivíduo não possui consistência diante dos determinismos macros

sociológicos, retirando a liberdade do ator social.

Estas críticas são dirigidas ao quadro teórico adotado por Pierre Bourdieu, que é

matizado de estruturalismos e de concepções marxistas, contudo não retira o fato que a

sociologia proposta pelo autor possui ampla influência, devido, entre vários fatores,

ignorar e ultrapassar fronteiras. Tais embates teóricos não devem ser visto de forma

negativa, eles constituem em lutas científicas onde há contribuição para a construção do

conhecimento científico.

RESENHA

Todos os caminhos levam a Bourdieu

A influência de Pierre Bourdieu com suas teorias para a compreensão da

sociedade e suas formas de ação são indiscutíveis. Este intelectual faz-se presente em

vários discursos e obras de outros autores sobre estudos que permeiam a sociedade e

suas problemáticas.

A obra de Patrice Bonnewitz realiza uma abordagem sobre os conceitos e

perspectivas de Bourdieu, mostrando as concepções deste de uma forma mais clara ao

leitor. O diálogo com as teorias de Bourdieu, seus paradigmas e sua análise crítico

social é tomada de forma única e acessível.

A abordagem sobre o papel da escola é um dos levantamentos mais pertinentes

que Bonnewitz faz sobre Bourdieu. Segundo Pierre Bourdieu a cultura escolar é

reprodutora da cultura dominante. A escola acaba não exercendo seu papel que deveria

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ser de transformadora da sociedade para legitimar processos de violência simbólica

envolto ao habitus dos indivíduos.

Parafraseando Bourdieu o habitus consiste em sistemas de disposição duráveis e

mutáveis, estruturas que o indivíduo absorve e interioriza durante sua vida social e que

irá influenciar totalmente a visão de mundo do indivíduo, assim como seu lugar

determinará seu suposto lugar em tal mundo. O habitus vai influenciar totalmente no

conceito de dominação simbólica, pois estes se compõem na fabricação de crenças no

processo simbólico que irão fazer com que o indivíduo enxergue o mundo a partir de

ideologias dominantes.

A partir dessa concepção o agente social que sofre violência simbólica acaba

legitimando tal processo, mesmo que inconscientemente, acredita que a cultura

dominante é superior a sua e, assim acaba internalizando uma suposta inferioridade

perante a ideologia dominante.

“Todos os caminhos nos levam a Bourdieu” poderia até parecer um

demasiado exagero sem fundamentos, não obstante, o capital intelectual e a “bagagem”

cultural que este pensador possui tornam tal frase aceitável. Para justificar ainda mais tal

afirmação baseamo-nos na quantidade imensa de pesquisas e trabalhos que utilizam P.

Bourdieu como referencial teórico.

É o caso da intelectual Wilma Coelho que em sua obra “A cor ausente: um

estudo sobre a presença do negro na formação de professores – Pará” declara utilizar o

intelectual como aporte teórico. “As formulações de Pierre Bourdieu constituem a nossa

referencia teórica. Com efeito, nós nos apropriamos de alguns de Bourdieu: violência

simbólica, cultura dominante, poder simbólico e habitus.”(COELHO, 2006, p. 34)

Outro intelectual que podemos ver os conceitos de Bourdieu presentes é

Antonio Alfredo Guimarães em seu ensaio “Raça e pobreza no Brasil – a rationale dos

estudos de desigualdade racial”, quando aborda que “nos estudos da educação: existe

uma forma de interiorização do racismo, ou seja, de criação de pessoas que se sentem

inferiores... porque foram inferiorizadas.” (GUIMARÃES, p.11)

Poderíamos nos alongar nessa lista, citando outros intelectuais que declaram,

explicitamente ou implicitamente, utilizarem Bourdieu como aporte teórico, contudo o

objetivo de destacar a importância do mesmo já fora concluído.

A leitura de Bourdieu através de Bonnewitz não distorce as concepções do

mesmo, pelo contrário é uma grande contribuição que serve para nos instigar a leituras

do próprio Pierre Bourdieu. Talvez tenha sido este um dos principais objetivos do autor

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– além de apresentar as concepções de Bourdieu sobre sociedade – o de levar outros

leitores a conhecer esse grande intelectual.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

COELHO, Wilma de Nazaré Baía. A cor ausente: um estudo sobre a presença do

negro na formação de professores - Pará. Belo Horizonte: Mazza Edições; Belém:

Editora Unama, 2006.

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Raça e pobreza no Brasil – a rationale

dos estudos de desigualdade racial.