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LEITE, Yonne; CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. – 3. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. Rafael Andrade – UFRRJ¹ As autoras Yonne leite, professora-adjunta aposentada da UFRJ, com doutorado em linguística pela Universidade do Texas e atuação em pesquisas sobre as línguas indígenas brasileiras e a fonologia do português, e Dinah Callou, professora-titular do Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da UFRJ, com doutorado pela UFRJ na área de língua portuguesa, pós-doutorado em linguística pela Universidade da Califórnia e atuação em pesquisas que versam sobre variação e mudança no português do Brasil, discorrem, no livro Como Falam os Brasileiros, sobre os pontos de convergência entre identidade e linguagem. Apoiam o fenômeno da variabilidade, sem que um segmento seja essencialmente considerado bom e outro mau. Sustentam a unidade linguística portuguesa do Brasil sem deixar de considerar a sua vasta diversidade e defendem o dialeto carioca enquanto falar padrão. As autoras iniciam a análise afirmando que o português do Brasil, na sua origem, reflete a superioridade cultural do homem branco sobre os negros e índios, trazendo consequências observadas ainda atualmente. Dentre as assertivas, também o fato do território brasileiro ser tão vasto contribui para impedir que um quadro linguístico homogêneo se estabelecesse. Diferentes territórios com diferentes tipos de colonização ¹ Graduando em Letras/Português/Inglês/Literaturas.

Resenha Como Falam Os Brasileiros

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Page 1: Resenha Como Falam Os Brasileiros

LEITE, Yonne; CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. – 3. ed. – Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2005.

Rafael Andrade – UFRRJ¹

As autoras Yonne leite, professora-adjunta aposentada da UFRJ, com doutorado em

linguística pela Universidade do Texas e atuação em pesquisas sobre as línguas indígenas

brasileiras e a fonologia do português, e Dinah Callou, professora-titular do Departamento de

Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da UFRJ, com doutorado pela UFRJ na área de

língua portuguesa, pós-doutorado em linguística pela Universidade da Califórnia e atuação em

pesquisas que versam sobre variação e mudança no português do Brasil, discorrem, no livro

Como Falam os Brasileiros, sobre os pontos de convergência entre identidade e linguagem.

Apoiam o fenômeno da variabilidade, sem que um segmento seja essencialmente considerado

bom e outro mau. Sustentam a unidade linguística portuguesa do Brasil sem deixar de

considerar a sua vasta diversidade e defendem o dialeto carioca enquanto falar padrão.

As autoras iniciam a análise afirmando que o português do Brasil, na sua origem, reflete a

superioridade cultural do homem branco sobre os negros e índios, trazendo consequências

observadas ainda atualmente. Dentre as assertivas, também o fato do território brasileiro ser

tão vasto contribui para impedir que um quadro linguístico homogêneo se estabelecesse.

Diferentes territórios com diferentes tipos de colonização (como a colonização com pouca

miscigenação do Rio Grande do Sul) colaboram para se presumir que no Brasil a expansão do

português não seguiu uma forma única. Na verdade, a hegemonia da língua portuguesa

dependeu de fatores históricos e uma normatização em direção a um português padrão só

ocorreu nos últimos dois séculos e meio. Assim, a relação entre colonização brasileira e a

diversidade linguística existente no país deve ser considerada. Por outro lado, existe a

idealização de um país monolíngue e um português cada vez mais parecido com o de

Portugal. O absurdo de se negar a diversidade linguística envolve aspectos ideológicos e o

preconceito relativo a determinadas variedades é equivalente aos preconceitos social, racial e

religioso. Nesse ponto, uma questão importante levantada é a de que educação igualitária tem

o dever de reconhecer a diversidade a fim de possibilitar aos usuários da língua o acesso às

normas prestigiadas e às mesmas oportunidades.

¹ Graduando em Letras/Português/Inglês/Literaturas.

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Ao enfocar a necessidade de melhor descrever e analisar a diversidade linguística, as autoras

citam o projeto ALIB, que se propõe a criar um atlas linguístico geral do Brasil, o que

confirmaria, por exemplo, a tese de que as divisões dialetais no país são menos geográficas

que socioculturais. Várias tentativas de traçar áreas dialetais brasileiras foram feitas ao longo

dos anos, partindo sempre de fatores históricos, sem, no entanto, levantar traços linguísticos

diferenciadores. As autoras invocam o filólogo Antenor Nascentes, que ressalta a falta de

determinação das “isoglossas”, isto é, linhas demarcadoras dos fenômenos linguísticos. Esses

traços são tão marcantes que chegam a ser imitados (porém, de maneira superficial, o que

acaba por caricaturar e igualar falares diferentes) pelos veículos de comunicação sempre que

se quer ressaltar a fala de determinada região. O fato dos limites administrativos e linguísticos

raramente coincidirem contribuem para dificultar a identificação de um falante como membro

de determinada comunidade. Nesse quesito, os atlas linguísticos seriam de pouca ajuda, pois

dão mais ênfase na fonética e nos vocabulários, calcados no falar de iletrados, esquecendo-se

que a variação atinge também o nível culto. O projeto NURC, citado pelas autoras, ao analisar

as normas linguísticas de cinco capitais brasileiras (Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro,

Salvador e Recife), pretende demonstrar a pluralidade de normas, em detrimento de uma

única. Além da existência de vários fenômenos nas modalidades cultas, pôde-se detectar

também que não houve coincidência entre o comportamento linguístico dos falares e suas

respectivas áreas. O Rio de Janeiro, por exemplo, apresenta realizações que hora se

aproximam de uma região, hora de outra. Já que não é possível traçar uma linha geográfica

demarcatória, no que se refere a alguns aspectos fonéticos e morfossintáticos, o mais correto

seria determinar que cada dialeto tem sua própria norma.

Para situar a posição excepcional do “linguajar carioca” entre as demais áreas dialetais

brasileiras, as autoras se referem à cidade do Rio de Janeiro como que colocada numa posição

de contrastes, tanto no plano socioeconômico quanto no geográfico. A diferença geográfica se

justifica num Rio localizado entre as montanhas e o mar, e outro se estendendo por uma área

de baixada. No plano socioeconômico, no entanto, o contraste se faz mais evidente, tanto que

o Rio de Janeiro foi o primeiro município a ter seu próprio Relatório de Desenvolvimento

Humano. Em um mapa, fruto do trabalho de Antenor Nascentes, é mostrado o linguajar

carioca como variedade do subfalar fluminense. Considerando que as diferenças sociais e

geográficas estejam relacionadas, as autoras observam que essa diferenciação teria origem no

processo de mobilidade que se desenvolveu a partir do século XIX e que levou diferentes

¹ Graduando em Letras/Português/Inglês/Literaturas.

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classes sociais a ocuparem diferentes pontos urbanos. Como essa mobilidade era, na verdade,

privilégio de poucos, poderia ser tirada daí, em parte, a explicação de diferenças linguísticas

na fala de moradores das tradicionais áreas da cidade – Zona Sul, Zona Norte e Zona

Suburbana.

Subsequente a esses aspectos da mobilidade econômica, cultural e social está a dinâmica

linguístico-educacional. Para as autoras, o fato de ter a menor taxa de analfabetismo entre as

12 maiores capitais brasileiras e com um em cada cinco adultos, pelo menos, tendo iniciado o

curso superior faz do Rio de Janeiro um denominador comum da realidade brasileira e serve

de argumento para defender a linguagem carioca como “padrão” nacional. Ressalta-se, porém,

que o bom nível educacional não está igualmente distribuído pela cidade, o que justificaria as

diferenças linguísticas dentro de seus próprios limites. Chama atenção o fato de que a

expansão urbana ocasionou o encontro das classes mais baixas da população com outras de

setores mais ricos, mas, no entanto, não causou uma interação total, devido a um conceito de

hierarquia social já enraizado na sociedade. Dessa forma, a polarização geográfico-social

refletiria também uma oposição linguística: de um lado um segmento mais popular

(pertencente aos falantes menos escolarizados); de outro, um mais próximo do português

europeu (correspondendo ao uso dos falantes mais escolarizados).

Quanto às diferenças, que ainda existem na fala, relativas aos gêneros, as autoras, como

possível explicação para esse fato, fazem menção à falta de alfabetização da população

feminina, que durante 322 anos ficou restrita aos afazeres domésticos. Levando em conta as

construções históricas, culturais e sociais que acompanham os gêneros, segundo a geografia

linguística, de base rural, a fala feminina seria conservadora, enquanto que a dialetologia

urbana a vê como inovadora (principalmente no uso das mulheres mais jovens). Isso se deve,

em grande parte, pela mulher, nos centros urbanos, desempenhar outros papéis que não o

doméstico. Essa interação gênero/faixa etária representa, então, um importante papel na

análise da mudança linguística, mas que, no entanto, não pode ser considerada de maneira

isolada de outros fatores.

Foi a partir da década de 1970, com a ajuda de programas computacionais, que se tornou

possível a confirmação não só das diferentes normas gerais das várias modalidades nacionais,

mas também normas específicas em cada uma delas. Na seção em que as autoras tratam da

¹ Graduando em Letras/Português/Inglês/Literaturas.

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fonética da fala culta, através de estudos e análises realizadas em Porto Alegre, São Paulo,

Rio de Janeiro, Salvador e Recife, um quadro de diferenças e intersecções nas falas dessas

cinco áreas urbanas é traçado, e os aspectos abordados são: o vocalismo átono; as consoantes

pós-vocálicas; o r pós-vocálico; o s pós-vocálico; o l pós-vocálico; e o padrão entonacional

em estruturas de tópico. O termo “sotaque sintático”, do linguista Fernando Tarallo, é citado

para tratar das diferenças de pronúncia entre as regiões. Relativo a isso são abordados: o

artigo definido diante de nomes próprios e de possessivos; alternância “nós/a gente”; e “ter”

por “haver” em construções existenciais. A partir dessas análises, as autoras chamam atenção

para um comportamento paradoxal. A variação linguística que existe hoje provém do contato

dos diversos grupos étnicos e sociais nos diferentes períodos da nossa história. A tentativa da

modalidade escrita de neutralizar essas marcas na busca por um padrão único revela, assim,

um paradoxo, pois todos os falares, mesmo o culto, possuem suas próprias normas.

Por fim, as autoras dão o alerta de que, tal qual no momento em que o homem branco chegou

a terras brasileiras, hoje também se fazem juízos de valor sobre a linguagem sem, no entanto,

o conhecimento necessário para se entender a complexidade dos fatos que caracterizam cada

falar.

Como Falam os Brasileiros é resultado da rica experiência de Yonne Leite e Dinah Callou

enquanto profícuas pesquisadoras do português brasileiro. O livro é de leitura indispensável

para todos os que se propõem a pensar sobre a língua e buscam entender não somente seus

mecanismos internos, como também os externos; além, é claro, de proporcionar uma reflexão

sobre nós mesmo e o falar que utilizamos no nosso cotidiano.

¹ Graduando em Letras/Português/Inglês/Literaturas.