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HISTÓRIA DAS MENTALIDADES E A HISTÓRIA CULTURAL-Ronaldo Vainfas O autor começa o texto com uma nota sobre as mentalidades, de Geoffrey Lloy, que demonstra a crítica sobre suprimir as mentalidades como objeto da História, por pois ela supõe erroneamente uma coerência de idéias de uma sociedade em detrimento da pluralidade de sistema de crenças e racionalidades que integram o interior de uma mesma comunidade. Vainfas cita que a crítica não é nova e nos apresenta outros críticos da história das mentalidades, a exemplo de Ciro Flamarion Cardoso no Brasil, que acusou os historiadores das mentalidades de se declinarem ao estudo do periférico, de iluminar fantasmas e promotora de uma história reacionária, desprovida de contradições (Vainfas, 1997:128). Cita Michel Vovelle que foi criticado na década de setenta por Pierre Vilar por estudar a “festa revolucionária” e não a Revolução Francesa e a luta de classes nela presente. Segundo Vainfas, aparentemente, os críticos das mentalidades triunfaram, pois poucos se intitulam como historiadores das mentalidades, porém, é visível que a história das mentalidades ainda influenciam inúmeros programas de pesquisa em diversos países (Vainfas,1997:128). Ronaldo Vainfas propõe expor quatro questões centrais: 1- A contextualização da história das mentalidades no quadro maior da historiografia francesa filiada ao movimento dos Annales; 2- O exame dos propósito conceitual das mentalidades, suas potencialidades e insuficiências; 3- A delimitação dos campos que sucedem a história das mentalidades, reeditando seus temas com outras denominações (Ex: hist. cultural); 4- As mentalidades e a história cultural no Brasil pela historiografia a partir da década de oitenta. 1. AS MENTALIDADES NO QUADRO DA HISTORIOGRAFIA DOS ANNALES; A Escola dos Annales, fundada em 1929 pelos franceses Lucien Febvre e Marc Bloch (Primeira fase dos Annales 1929-1947) , incorporou métodos das ciências sociais à história, substituindo o tempo breve da história dos acontecimentos, pelos processos de longa duração, privilegiando os métodos pluridisciplinares, com objetivo de tornar compreensíveis a civilização e as “mentalidades” O autor fixa uma diferença entre a história dos Annales e a história marxista, alegando que a Escola não observa o econômico

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HISTÓRIA DAS MENTALIDADES E A HISTÓRIA CULTURAL-Ronaldo Vainfas

O autor começa o texto com uma nota sobre as mentalidades, de Geoffrey Lloy, que demonstra a crítica sobre suprimir as mentalidades como objeto da História, por pois ela supõe erroneamente uma coerência de idéias de uma sociedade em detrimento da pluralidade de sistema de crenças e racionalidades que integram o interior de uma mesma comunidade.

Vainfas cita que a crítica não é nova e nos apresenta outros críticos da história das mentalidades, a exemplo de Ciro Flamarion Cardoso no Brasil, que acusou os historiadores das mentalidades de se declinarem ao estudo do periférico, de iluminar fantasmas e promotora de uma história reacionária, desprovida de contradições (Vainfas, 1997:128).

Cita Michel Vovelle que foi criticado na década de setenta por Pierre Vilar por estudar a “festa revolucionária” e não a Revolução Francesa e a luta de classes nela presente.

Segundo Vainfas, aparentemente, os críticos das mentalidades triunfaram, pois poucos se intitulam como historiadores das mentalidades, porém, é visível que a história das mentalidades ainda influenciam inúmeros programas de pesquisa em diversos países (Vainfas,1997:128).

Ronaldo Vainfas propõe expor quatro questões centrais:1- A contextualização da história das mentalidades no quadro maior da historiografia francesa filiada ao movimento dos Annales;2- O exame dos propósito conceitual das mentalidades, suas potencialidades e insuficiências;3- A delimitação dos campos que sucedem a história das mentalidades, reeditando seus temas com outras denominações (Ex: hist. cultural);4- As mentalidades e a história cultural no Brasil pela historiografia a partir da década de oitenta.

1. AS MENTALIDADES NO QUADRO DA HISTORIOGRAFIA DOS ANNALES;A Escola dos Annales, fundada em 1929 pelos franceses Lucien Febvre e Marc

Bloch (Primeira fase dos Annales 1929-1947), incorporou métodos das ciências sociais à história, substituindo o tempo breve da história dos acontecimentos, pelos processos de longa duração, privilegiando os métodos pluridisciplinares, com objetivo de tornar compreensíveis a civilização e as “mentalidades”

O autor fixa uma diferença entre a história dos Annales e a história marxista, alegando que a Escola não observa o econômico do mesmo modo que os marxistas, apesar de enfatizarem as condições da vida material (materialidade e não materialismo, mentalidade e não ideologia).

Os fundadores da Escola, combatiam uma história somente preocupada com os fatos singulares, baseados em fatos reais, principalmente os políticos, diplomáticos e militares, onde se podia chegar à verdade dos fatos por meio de análise de documetnos verdadeiros e autênticos.

Combatiam uma história que se desviava do diálogo com as ciências humanas, como a antropologia, psicologia, a linguística, a geografia, a economia e com a principal disciplina humanística na França.

Contra a história historicizante, colocaram uma história nova, problematizadora, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir e pensar, no estudo das condições de vida material, preocupada não com a apologia de principes ou generais em feitos singulares, mas com a sociedade global e a reconstrução dos tatos em série passível de compreensão e explicação.

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Com esta base os fundadores de Annales publicaram em 1929 a famosa revista Annales d'Histoire Économique et Sociale, chamado por Peter Burke de “a revolução francesa da historiografia”.

O combate de Bloch e Febvre à historiografia do século XIX e o movimento que estimularam nos anos vinte foram em parte injustos com historiadores do séc. XIX, pois estes deram grande contribuição aos estudos historiográficos, sem os quais não se poderia compreender o surgimetno dos Annales nem a preocupação com as mentalidades.

Apresenta também Vainfas, alguns trabalhos do séc. XIX que se mostraram preocupados com as mentalidades, a exemplo de Burckhardt, do inglês Edward Gibbon e outros autores franceses que problematizaram a história em diversos campos do social.

Para Vainfas, “ não resta dúvidas de que os primeiros annalistes estereotiparam, em parte, a historiografia oitocentista com o fito de acentuarem a novidade de suas propostas” (Vainfas,1997:132).

Vainfas aponta o início da preocupação com as mentalidades nos Annales, dela fazendo um legítimo objeto de investigação histórica, mas afirma não serem eles os primeiros, citando vários outros historiadores que se dedicaram anteriormente a eles, ao estudo de sentimentos, crenças e costumes na historiografia ocidental,

A segunda fase dos Annales(1947- foi chamada “a era Braudel” (1956-1969). Braudel, principal discípulo de Febrvel, que escreveu sob a orientação do mestre sua tese de doutorado (O Mediterrâneo e o mediterrâneo na época de Felipe II), defendida em 1947 e escrita durante a Segunda Guerra Mundial, quando era prisioneiro dos alemães em um campo perto de Lubeck, de onde ele enviava a Febrvel seus manuscritos. Nela dava ênfase a questão econômica, uma marca notória da segunda geração dos Annales.

A obra de Braudel expôs uma pesquisa extraordinária sobre a economia e sociedade mediterrãnea durante a segunda metade do século XVI, além de apresentar sua própria concepção de história, problematizando o espaço e o tempo históricos.

Quanto ao espaço, aprofundou o estudo sobre as relações entre o meio ambiente e a vida material, sugerindo.um determinismo geográfico na estrutura dinâmica das sociedades.

Com relação ao tempo, Braudel formulou sua teoria sobre os três tempos dos acontecimentos na história: Tempo Longo(relação entre o homem e o ambiente geográfico), Tempo Médio(história das conjunturas econômicas, sociais e políticas) e Tempo Curto(a antiga história, porém com uma visão total das estruturas sociais), onde a principal problemática era demonstrar que o tempo avança com diferentes velocidades

Segundo Vainfas, esta problematização braudeliana do tempo logo é de importância inicial pra o assunto abordado no texto sobre as mentalidades. A era Braudel se manteve avessa ao estudo do mental mas se manteve fiel à concepção sintética da história presente em Annales, se afastando de Bloch e Febvre apenas ao marginalizar o estudo das mentalidades que tanto agradava aos fundadores da história nova.

É nesta fase que o marxismo se faz presente na produção francesa, embora “Braudel apenas tolerasse o marxismo” (Vainfas, 1997:135).

Terceira fase do Annales (1969....) - A terceira geração dos Annales retoma as mentalidades de forma enfática em detrimento da questão econômica.A partir de 1969 Braudel se aposenta, deixando em 1972 sob responsabilidade de Jacques Le Goff a 6ª Seção e a revista sob a responsabilidade de Jacques Revel, todos dedicados aos estudos das mentalidades. Assim, “do porão ao sótão”, termo usado para expressar mudança de preocupações da vida econômica ou material para os processos mentais, a vida cotidiana e suas representações (Vainfas, 1997:136).

Após a apresentação das mentalidades até a década de setenta, Vainfas faz uma contextualização das mentalidades com a revolução sexual; a crise do socialismo da

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URSS; cita ainda Perry Anderson sobre o marxismo professoral (vulgar) dos países capitalistas e sua contribuição para o desenvolvimento das mentalidades.

Encerrando a primeira questão proposta no texto, Vainfas apresenta alguns pontos de crítica do tema mentalidades, “ o cotidiano, o amor, a morte, a família, a criança, as bruxas, os loucos, os homossexuais, o corpo, os modos de vestir, de chorar, de beijar etc.,considerado por ele microtemas, recortes minúsculos de todo o social.

Citando Le Goff, Duby, Le Roy, Áries, como autores que jamais podem ser descritos como memoralistas tolos ou narradores ingênuos, Vainfas enfatiza a necessidade de se ir além e buscar uma base teórica das mentalidades, sob o risco de ter-se somente uma caricatura desta relevante corrente de investigação histórica (Vainfas, 1997:137)

2. PRESSUPOSTOS, DIVERSIDADES CONCEITUAIS E TEMÁTICAS NO ESTUDO DAS MENTALIDADES

Neste item, Vainfas expõe a problemática em definir ou delimitar o campo teórico e metodológico das mentalidades, onde quase todos esbarraram em imprecisões ou ambiguidades, contribuindo para o próprio desgaste do conceito.

Uma primeira definição é contrapô-la ao que predominou nos anos 50 e 60, a história econômica. Outra buscou afirmá-la como história mais aberta possível a investigação de fenômenos humanos no tempo (Vainfas, 1997:138), sendo que qualquer fonte (documento) pode ser útil as mentalidades.

Uma terceira definição: que é a história das mentalidades a que mais confirma a vocação interdisciplinar dos Annales (antropologia, psicologia e lingüística).Assim notadamente, a diversificação das mentalidades passa a ser algo característico deste tipo de história.

Vainfas apresenta no plano conceitual, o texto de Le Goff, no artigo: As mentalidades-uma história ambígua (1994), um verdadeiro manifesto da Nova História.

Le Goff apresenta três idéias que procuram delimitar o campo conceitual das mentalidades:1- A questão do recorte social das mentalidades, sendo abrangentes a ponto de diluir as direfenças inerentes à estratificação social da sociedade estudada (o pensamento de César e do legionário).2- A noção de inconsciente coletivo.3- A questão do tempo das mentalidades, que é de longa duração: a história da lentidão na história.

Vainfas aborda ainda a questão do diálogo de Le Goff com o marxismo, que critica estes por “não terem obtido êxito em passar das infra-estruturas para as superestruturas”. “Admitia a existência de mentalidades de classes ao lado de mentalidades comuns” (Le Goff).

Na década de 80 Le Goff revê alguns conceitos no artigo “ A história do Cotidiano” (1980), onde as mentalidades são apresentadas como cotidiano, provavelmente um sinal de desgaste da noção de mentalidades no meio acadêmico.

Neste decênio, Michel Vovelle tenta definir melhor o conceito de mentalidade. Este se coloca como marxista, diferente do posicionamento de Le Goff. Em 1980 escreveu: Ideologias e Mentalidades: um esclarecimento necessário. Defendeu as mentalidades que a acusava como irrisória, mas também não a classificava como o essencial da história. Propôs uma articulação entre o conceito de mentalidade e o de ideologia. Propõe uma explicação marxista para as mentalidades que lhe valeria críticas por outros marxistas.Ainda em 1980, Vovelle trabalharia com a questão da longa duração, propondo compatibilizar a curta duração com a longa duração, o tempo da ruptura com o das

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permanências (Vainfas, 1997:141).A divergência entre Vovelle e Le Goff, nos mostra a problemática conceitual das mentalidades.Quanto às temáticas preferenciais das mentalidades, podemos citar:1- As religiosidades2- As sexualidades e suas representações3- Os sentimentos coletivos4- A vida cotidiana em regiões ou cidades

Vainfas ressalta que o estudo das mentalidades não se limitou à França, estendendo-se à outros países e continentes (América latina e saxônica). Mesmo assim, não podemos pensar as mentalidades de forma homogenia em relação a sua teoria e sua metodologia.De acordo com Ronaldo Vainfas, poderíamos falar de três variantes da história das mentalidades:1- A herdeira dos Annales;2- Uma mentalidade marxista, preocupada em relacionar os conceitos de mentalidade e ideologia (Vovelle)3- A descompromissada em discutir teoricamente os objetos, a narrativa de épocas e episódios do passado (o beijar, chorar, cardápios etc.).Vainfas apresenta esse esquema como três maneiras de fazer a história das mentalidades

3. DA HISTÓRIA DAS MENTALIDADES À HISTÓRIA CULTURALA história das mentalidades recebera críticas exógenas e endógenas. Como por exemplo, da crítica apresentada por Stuart Clark acerca da feitiçaria. Clark afirmou que só é possível estudar a feitiçaria a partir do significado que os próprios atores sociais emprestavam as suas religiosidades. Qualquer problematização externa àqueles significados é vista como anacrônica e frágil.Uma outra problemática é a construção da história sob bases tão frágeis, criando-se a ilusão sobre a construção da real realidade.A partir da década de 80, o declínio das mentalidades é bem perceptível, quando observamos o surgimento de “novos” campos da história, ainda herdeiros das mentalidades. Como exemplo, temos a História da vida privada, organizada por Philippe Áries e Duby.Outro refúgio da história das mentalidades, diferente da “história da vida privada” é a chamada micro-história (Vainfas, 1997:147) tendo como referencia documentais os processos judiciários do tipo inquisitorial.Independente da micro-história, um outro refúgio das mentalidades fora a chamada história cultural. A história cultural se apresentaria como uma forma de corrigir as imperfeições teóricas das mentalidades.Vejamos algumas características importantes da história cultural:1- A sua rejeição ao conceito de mentalidades, considerando exessivamente vago, ambúguo e impreciso quanto as relações entre o mental e o social.2- Ela se apresenta com uma Nova História Cultural, diferente da antiga história cultural, não recusando as expressões culturais das elites (letradas) ou das classes subalternas.3- A sua preocupação em resgatar o papel das classes sociais, da estratificação e co conflito social.4- É uma história plural, como as mentalidades, apresentando caminhos alternativos para a investigação.Um breve perfil da nova história cultural diante da sua pluralidade:1- Recusa do conseito vago de mentalidade;

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2- Preocupação com o popular;3- Valorização das estratificações e dos conflitos socioculturais como objeto de investigação.Vainfas nos apresenta três maneiras distintas de se apresentar a historia cultural:1- A história da cultura praticada por Carlo Ginzburg (a questão da circularidade cultural);2- A história cultural de Roger Chartier (uma complicada apresentação do cultural sobre o social);3- E, a história da cultura produzida por Edward Thompson (uma tradição singular da cultura de viés marxista da história cultural).

4. CULTURA E MENTALIDADES NA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRAA chegada na Nova História no Brasil é tardia, estabelecendo-se a partir de meados da década de 80.O crescimento editorial na década de oitenta possibilitou um maior contato e divulgação de trabalhos já calcados sobre problemas da Nova História. E, entre os problemas de acesso a esta historiografia, Vainfas nos apresenta algumas considerações. O regime militar no Brasil que realmente dificultou a divulgação de muitos trabalhos; a adesão ao marxismo (do vulgar ao refinado) e o fato de ser muito restrito o circulo de pós-graduação no Brasil nos anos 70.A história cultural pode ser observada em Gilberto Freyre e Sérgio Buarque. Muitos dos seus críticos os apontarem como historiadores das mentalidades.Sérgio Buarque de Holanda introduz Weber na historiografia brasileira (“Raízes do Brasil”, 1936). Mas o livro que talvez mais sinalize com a HN é o de Laura de Mello e Souza, “O diabo e a Terra de Santa Cruz (1986), apoiando-se em fontes inquisitoriais.O trabalho percursos, de acordo com Vainfas talvez tenha sido o livro de Kátia Mattoso, Ser escravo no Brasil (1982), questionando as relações de poder entre senhores e escravos. Seus críticos a acusaram de reeditora de idéias de Freyre, inspiradora de estudos reacionários. Muito provavelmente esta crítica fora influenciada pelo marxismo vulgar presente muito mais que as mentalidades na história do Brasil.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICASVAINFAS, Ronaldo. História das mentalidades e História cultural, In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História – ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997:127-162.