Resenha Hadot O que é a Filosofia antiga

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  • 8/12/2019 Resenha Hadot O que a Filosofia antiga

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    SNTESE NOVA FASE

    v. 23 75 1996 : 547-551

    QUE FILOSOFI NTIG

    Henrique C. de Lima VazCES H

    PIERREHADOT- Q u est-ce que Ia philosophie antique?Paris,Gallimard Folio-Essais),461 pp., 1995.

    Pierre Hadot conhecido e eminente especialista das pesquisas

    sobre a filosofia da Antigidade tardia e especialmente do neo-platonismo. Dirige uma nova traduo do corpusplotinianoem francs, nas ditions du Cerf, acompanhada de introduo, co-mentrios e notas, para a qual j contribuiu com importantes tradu-es de E na da s tr.50 I1I,5); E na da s tr.38 VI, 7); E na das tr.9 VI,9). Enriqueceu os estudos plotinianos com uma brilhante introduosob o ttulo PIotin ou Ia simplicit du regard 1989 . Renovou nossoconhecimento do retrico Mrio Vitorino, provavelmente o primeironeo-platnico cristo de expresso latina, cuja influncia sobre SantoAgostinho conhecida, e do filsofo neo-platnico Porfrio, o bigra-fo de Plotino, com a monumental monografia P or ph yre e t Vic to rin us ,2 vols., 1968.

    Alm dos trabalhos de erudio Pierre Hadot vem se dedicando, emcolaborao com sua esposa Mme. Ilsetraut Hadot, igualmente espe-cialista bem conhecida da filosofia e cultura da Antigidade tardia,a estudos de interpretao do fenmeno cultural to caraterstico dacultura greco-romana que a philosophiaou, mais exatamente, obios phiIosophikos,a vida filosfica. Trata-se de um fenmeno com-

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    plexo e rico de facetas diversas e que iria marcar, de maneira aparen-temente definitiva, a vida espiritual e cultural do Ocidente, prolon-

    gando de certo modo sua presena at nossos dias . Na investigaoe interpretao desse fenmeno, Hadot faz parte, alis, de um grupode estudiosos no qual se incluem, alm de I . Hadot, P. Rabbow, A. -J Voelke, historiador suio recentemente falecido a quem o presentelivro dedicado, J Domnski e outros.

    Antes de tentar a sntese que estamos apresentando, P. Hadot estu-dou aspectos da vida filosfica reveladores da sua natureza. Doisdesses aspectos merecem ser mencionados : a filosofia como exerc-cio espiritual ou como origem de uma prtica de vida interior que,recebida pela espiritualidade crist, estava destinada a uma longatradi)o ver E xercices S pirituels e t ph ilo sop hie a ntiq ue,3. d., Paris,Les Etudes Augustiniennes, 1993);e a concepo estoica da filosofia

    como fortaleza interior, que torna o filsofo, qualquer que seja suasituao social, imune e mesmo indiferente aos azares da fortuna e svicissitudes da vida. P. Hadot estudou esse aspecto numa magistralinterpretao dos Pensamentosde Marco Aurlio, que lana muitaluz sobre a significao da vida filosfica na paisagem humana esocial da Antigidade tardia: L a C ita delle in trieu re: in tro du ctio naux Penses de M arc-Aurle,Paris, Fayard, 1992.

    Por outro lado, como prembalo presente sntese, P. Hadot traouo programa das suas pesquisas e as grandes linhas da sua viso dafilosofia antiga, sobretudo helenstica, na lio inaugural do seu pri-meiro curso no Collge de Franceem 1983: L histoire de la pense

    h ell nistiq ue e t r om ain ee em artigo no anurio da mesma instituio 1984-1985): La philosophie comme manire de vivre.Esses dois tex-tos esto reproduzidos em E xercice s Sp iritu els e t p hilo sop hie an tiq ue,2a. ed., pp. 197-227.Todos os seus trabalhos anteriores preparavam,pois, o Prof. Pierre Hadot para oferecer-nos uma brilhante interpre-tao da filosofia antiga que responde, de um ponto de vista funda-mental mas que tem merecido pouca ateno dos historiadores, pergunta sobre a natureza desse fenmeno espiritual e intelectualnico que atravessa toda a histria cultural e social da Antigidade.

    Qualquer leitor de Piato sabe que a filosofia, cujas caratersticasaparecem j plenamente definidas nos Dilogos, no era apenas umadisciplina intelectual entre outras e, menos ainda, uma rea de espe-cializao da cultura superior, tal como a praticamos hoje. Trazendoos traos da sua origem religiosa, visveis e permanentes desde aconversoplatnica at ao xtaseplotiniano , a filosofia era um estiloou modo de vida tropas tou bou)que se diferenciava segundo asdiversas escolas ou tradies - platnica, aristotlca, epicurista,estoica, cnica, ctica, neo-platnica, para falar das principais - masque era reconhecido genericamente pelas suas duas exigncias funda-

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    duas dimenses da philosophia na concepo antiga, o dito clebrede Kant: a vida filosfica sem o discurso cega; o discurso sem avida filosfica vazio. Para mostrar em concreto essa unidade nadiferena entre vida filosfica e discurso filosfico, Hadot expe,em pginas de grande riqueza documental, as duas prticas maiscaratersticas da vida filosfica: os exerccios espirituais e a con-templao do sbio pp. 276-350). A terceira parte dedicada auma breve evocao do destino posterior da filosofia como modode vida na cultura ocidental. Dois eventos espirituais importan-tes so aqui assinalados: o primeiro o encontro da vida filosficacom o cristianismo nascente; o segundo a sobrevivncia de algunstraos da concepo antiga na filosofia moderna.

    O destino da philosophianos tempos que se seguiram ao fim daAntigidade segue um roteiro singular. sabido que, pelos me-

    nos desde o 11sculo, com So Justino, os apologistas cristosapresentaram a forma de vida e a doutrina propostas pela novareligio como a vera philosophia ,e reivindicaram para si o ttulode philosophoi. verdade que essa receptividade ao pensamentoe ideal de vida filosficos, reinterpretados segundo as exignciasdoutrinais e ticas do q u rig ma c ris t o,encontrou desde o inciooposio decidida em autores como Taciano e Tertuliano, dandoorigem, de resto, a uma tradio anti-filosfica que alcanar ostempos modernos com Pascal, S. Kierkegaard e outros. Prevale-ceu, no entanto, a idia da phi lo soph ia chr is ti anacelebrada porSanto Agostinho e que dar seus frutos mais amadurecidos comToms de Aquino e a escolstica medieval. Nessa transposiocrist da antiga philosophiaverificou-se, porm, uma separao

    entre o modo de vida e o discurso. Este passa a integrar a theologianum sentido j especificamente cristo e que ir constituir umcorpo terico sempre mais vasto e complexo. J o modo de vida transposto para a prtica espiritual crist, comeando pelomonaquismo de expresso grega nos fins do sculo, e ela her-dar muito dos estilos de vida e dos exerccios espirituais dosfilsofos antigos. Assim a histria da espiritualidade crist podeser lida como a continuao em outro clima espiritual e obedecen-do a outras motivaes, do antigo bios philosophikos.

    Como mostrou, entre outros, A. de Libera ver pp. 392-394) oideal da vida filosfica renasce por um momento no seio dasFaculdades de Artes da Universidade medieval nos fins do sculo

    XIII, sob a influncia sobretudo da recm traduzida tica deNicmaco.A atrao desse ideal atravessa o fim da Idade Mdiae persevera na Renascena, atingindo os comeos da filosofiamoderna. Embora os tempos modernos venham a consagrar cadavez mais a filosofia como uma das disciplinas que constituem aenciclopdia do ensino superior institucionalizado na Universida-

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    de, traos da concepo antiga da filosofia como modo de vidasubsistem, referindo-se Hadot particularmente a Descartes e Kant pp. 395-407).

    Nas Questes e perspectivas que terminam o livro, P. Hadot seinterroga sobre a possvel significao atual da concepo antiga dafilosofia, para alm do seu interesse meramente histrico. O histori-ador parece convencido de que a filosofia no apenas como disciplinaintelectual mas como estilo de vida, conserva ainda um sentido nosnossos tempos utilitaristas e dominados pela tirania do imediato. a evocar os aspectos da vida filosfica do ponto de vista da suaatualidade que P. Hadot dedica as ltimas pginas do seu livro.

    Um lapso na til Cronologia em apndice: o advento de Augusto eo comeo do Imprio so colocados em 27 depois de Cristo, quando

    se trata de 27 antes de Cristo p. 437).

    Endereo do Autor:Av. Dr. Crist iano Guimares, 212731720-300 Belo Horizonte - MG

    Sntese oo Fase Belo Horizonte u 23, n 75, 1996 ~

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