Responsabilidade médica e o código de defesa do consumidor

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    RESPONSABI LI DA DE M DI CA E O CDI GO DE DEFESA DO

    CONSUMI DOR

    ANTNIO DE PDUA RIBEIRO*Ministro do Superior Tribunal de Justia

    Sumrio:

    1. Introduo. 2. Responsabilidade Civil. 3.

    Responsabilidade Contratual e

    Extracontratual. 4. Responsabilidade Mdica.

    5. Obrigao de Resultado e Obrigao de

    Meios. 6. Cirurgia Esttica Embelezadora e

    Obrigao de Resultado. 7. Responsabilidade

    Mdica e Cdigo do Consumidor. 8. Inverso

    do nus da prova. 9. Contrato de prestao

    de servio mdico: sujeio a regras da lei

    consumista. 10. Concluso.

    1. INTRODUO

    Durante muito tempo a Medicina viveu presa aos rigores da

    tradio e das influncias religiosas. Devia o mdico conduzir-se da forma

    mais virtuosa e a sua profisso equiparava-se a um sacerdcio servindo de

    modelo de conduta moral da sociedade. Essa postura era calcada no corpus

    hipocraticum, constitudo por um elenco de normas morais, em que a

    virtude e a prudncia constituam os seus pilares1

    .

    No final do sculo XIX e incio do sculo passado, o mdico era

    visto como um profissional cujo ttulo lhe garantia a oniscincia. Assumindo

    a condio de mdico de famlia, amigo e conselheiro, participava de uma

    relao social que no admitia dvida sobre a qualidade dos seus servios

    e, muito menos, a litigncia sobre eles. O ato mdico se resumia na

    1FRANA, Genival Veloso de. Comentrios ao Cdigo de tica Mdica. Rio de Janeiro,Guanabara Koogan S/A, 2000.

    * Ministro do Superior Tribunal de Justia, a partir da Constituio de 1988.

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    superficial. Nos EUA, em 1970, 1/4 dos mdicos respondia a aes de

    responsabilidade3.

    A nova realidade passou a preocupar a Associao Mdica

    Mundial que, em setembro de 1992, editou a denominada Recomendao

    de Marbella sobre responsabilidade mdica. A declarao refere-se ao

    aumento das reivindicaes por erros mdicos e procura exortar as

    Associaes Mdicas Nacionais a buscar meios para solucionar o problema.

    2. RESPONSABILIDADE CIVI L

    Ensina SRGIO CAVALIERI FILHO que a responsabilidade civil

    um dever jurdico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente

    da violao de um dever jurdico originrio. A propsito, exemplifica:

    todos tm o dever de respeitar a integridade fsica do ser humano. Tem-

    se, a, um dever jurdico originrio, correspondente a um direito absoluto.

    Para aquele que descumprir esse dever surgir um outro dever jurdico: o

    da reparao do dano.

    H, pois, distinguir a obrigao da responsabilidade. Aobrigao sempre um dever jurdico originrio, enquanto que a

    responsabilidade um dever jurdico sucessivo, conseqente violao do

    primeiro. Se algum se compromete a prestar servios profissionais,

    assume uma obrigao, um dever jurdico originrio. Se no cumprir a

    obrigao (deixar de prestar os servios), violar o dever jurdico

    originrio, surgindo da a responsabilidade, o dever de compor o prejuzo

    causado pelo no cumprimento da obrigao4.

    3. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

    Quem infringe um dever jurdico que cause dano a outrem fica,

    portanto, obrigado a indenizar. Fala-se em responsabilidade contratual se o

    dever violado tem como fonte uma relao jurdica obrigacional

    3

    AGUIAR JR, Ruy Rosado de. Op. cit., p. 136.4CAVARIERI FILHO, Sergio.Programa de Responsabilidade Civil. So Paulo, Malheiros Editores, 2002. 3Edio. p. 21 e 22.

    3

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    preexistente, isto , derivada do contrato. Caracteriza-se a

    responsabilidade extracontratual, tambm chamada de aquiliana, quando o

    dever jurdico violado decorre de um preceito geral do Direito, ou da

    prpria Lei.

    No Brasil, o art. 159 do Cdigo Civil regula a responsabilidade

    extracontratual, enquanto o art. 1.056 a responsabilidade contratual.

    Todavia, preleciona SRGIO CAVALIERI FILHO que o Cdigo do

    Consumidor superou essa clssica distino entre responsabilidade

    contratual e extracontratual no que respeita responsabilidade do

    fornecedor de produtos e servios. Ao equiparar ao consumidor todas asvtimas do acidente de consumo (CDC, art. 17), submeteu a

    responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitrio, tendo em vista

    que o fundamento dessa responsabilidade a violao do dever de

    segurana o defeito do produto ou servio lanado no mercado e que,

    numa relao de consumo, contratual ou no, d causa a um acidente de

    consumo. Acrescenta que o referido Cdigo provocou uma verdadeira

    revoluo em nossa responsabilidade civil e, por conter normas de ordem

    pblica e de interesse social de aplicao necessria e obrigatria, criou

    uma sobreestrutura jurdica disciplinar, aplicvel a todas relaes de

    consumo, seja no direito pblico ou privado, contratual ou extracontratual,

    material ou processual. Afirma que no haveria nenhum exagero em dizer

    estar hoje a responsabilidade civil dividida em duas partes: a

    responsabilidade tradicional e a responsabilidade nas relaes de

    consumo, concluindo: a responsabilidade estabelecida no CDC objetiva,

    fundada no dever e segurana do fornecedor em relao aos produtos e

    servios lanados no mercado de consumo, razo pela qual no seria

    tambm demasiado afirmar que, a partir dele, a responsabilidade objetiva,

    que era exceo em nosso direito, passou a ter um campo de incidncia

    mais vasto do que a prpria responsabilidade subjetiva5.

    4

    5Op.cit., p. 34.

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    4. RESPONSABILIDADE MDICA

    Antes de examinar o tema sobre a responsabilidade mdica

    luz do Cdigo do Consumidor, convm que seja apreciado vista do Cdigo

    Civil.

    Como se disse, a responsabilidade civil pode ser contratual e

    extracontratual e, em ambas, o seu pressuposto fundamental o dano.

    A primeira surge com o descumprimento de uma obrigao

    oriunda do contrato. Est prevista no art. 1.056 do Cdigo Civil:

    No cumprindo a obrigao ou deixando de cumpri-la pelomodo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas edanos.

    A responsabilidade extracontratual tem o seu fundamento legal

    do art. 159 do citado Cdigo:

    Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia, ouimprudncia, violar direito, ou causar prejuzo a outrem, ficaobrigado a reparar o dano.

    A distino entre essas duas modalidades de responsabilidade

    relevante, porquanto produz efeitos no campo probatrio, segundo

    ressalta, com propriedade, SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Com efeito,

    na primeira delas, ao autor lesado cabe to-somente demonstrar a

    existncia do contrato, seu descumprimento, o dano e o nexo de

    causalidade, livrando-se o ru da responsabilidade quando o autor no se

    incumbe satisfatoriamente dessa tarefa ou quando ele, ru, demonstra queo descumprimento derivou de causa estranha. Na segunda, aquiliana,

    delitual, extracontratual, ao lesado impe-se ainda provar a ocorrncia de

    dolo ou culpa stricto sensu do ru, isto , que o ru tenha agido com

    imprudncia, negligncia ou impercia6.

    6AGUIAR JR, Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil do Mdico. InDireito & Medicina, p. 139 e TEIXEIRA, Slviode Figueiredo. p. 187.

    5

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    Cumpre ressaltar que, no caso de mdico ou profissional afim,

    a sua responsabilidade contratual no est prevista, no Cdigo Civil, no

    captulo relativo aos contratos, mas no que cuida da liquidao dos danos

    decorrentes dos atos ilcitos. Trata-se do art. 1.545, nestes termos:

    Os mdicos, cirurgies, farmacuticos, parteiras e dentistasso obrigados a satisfazer o dano, sempre que daimprudncia, negligncia ou impercia, em atos profissionais,resultar morte, inabilitao de servir ou ferimento.

    Esse deslocamento do instituto jurdico levou alguns a duvidar

    da sua natureza contratual, mas no o suficiente para modificar a sua

    substncia, segundo, em definitivo, o qualificou a doutrina, na observaode SLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA.

    Portanto, a responsabilidade do mdico situa-se, em princpio,

    no campo contratual, embora possa ser encontrada no mbito

    extracontratual, quando deriva de ato ilcito.

    Ressalte-se que o mdico, muitas vezes, como servidor estatal

    ou vinculado empresa, atende aos beneficirios dos institutos de sadeou aos empregados do ente privado. Nesse caso, o contrato de prestao

    de servios mdicos no vincula o mdico ao paciente, mas ao ente pblico

    ou empresa.

    5. OBRIGAO DE RESULTADO E OBRIGAO DE MEIOS

    Na esfera da responsabilidade mdica, usual fazer a distino

    entre obrigao de resultado e obrigao de meios. Na obrigao deresultado, o devedor assume a obrigao de obter um resultado certo e

    determinado, sem o que haver inadimplemento. Na obrigao de meios, o

    devedor apenas se obriga a se utilizar da sua habilidade, tcnica, prudncia

    e diligncia para atingir um resultado, sem, contudo, se comprometer a

    obt-lo.

    Em regra, a responsabilidade do mdico resulta dodescumprimento de uma obrigao de meios; todavia, pode ela tambm

    6

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    decorrer de obrigao de resultado, como, por exemplo, no caso em que o

    mdico se compromete a efetuar uma transfuso de sangue ou a realizar

    determinada visita. E em hipteses outras como no caso de raio X e de

    exames biolgicos e laboratoriais de execuo simples.

    No campo probatrio, na obrigao de resultado, basta ao

    lesado demonstrar, alm da existncia do contrato, a no-obteno do

    resultado prometido. Isso suficiente para caracterizar o inadimplemento

    contratual. Para exonerar-se, o devedor h de provar a ocorrncia de caso

    fortuito ou fora maior. Na obrigao de meios, cumpre ao lesado provar a

    conduta ilcita do obrigado, ou seja, que o mdico descumpriu com a sua

    obrigao de ateno e diligncia, estabelecida no contrato.

    Nesse contexto, salienta, com propriedade, RUI ROSADO DE

    AGUIAR, que tanto na responsabilidade delitual como na responsabilidade

    contratual derivada de uma obrigao de meios, o paciente deve provar a

    culpa do mdico, seja porque agiu com imprudncia, negligncia ou

    impercia e causou um ilcito absoluto (art. 159), seja porque descumpriu a

    sua obrigao de ateno e diligncia, contratualmente estabelecida7.

    6. CIRURGIA ESTTICA EMBELEZADORA E OBRIGAO DERESULTADO

    Admite-se, de modo geral, que a obrigao do mdico de

    meios. Cumpre-lhe o dever jurdico de agir com observncia da tcnica

    recomendada e das cautelas de estilo. A no-obteno da cura no significa

    inadimplemento do contrato. O direito indenizao decorre, em tal caso,no do dano em si, mas de que haja decorrido de comportamento culposo

    do mdico.

    Contudo, a cirurgia esttica oferece peculiaridade. Quem

    apresenta estado patolgico h de tratar-se para livrar-se das suas srias

    conseqncias. Diversa a situao de quem se encontra com sade e

    7

    7Op. cit., p. 140.

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    quer apenas ter aparncia mais agradvel. Neste caso, dificilmente se

    submeter interveno embelezadora, se no obtiver razovel garantia

    de que no sofrer dano capaz de, no lugar do aformoseamento, ensejar-

    lhe leso deformante. de admitir-se, em tal caso, que o mdico deverter condio de assegurar, com elevado nvel de certeza que, com a

    interveno, o resultado pretendido ser alcanado ou, pelo menos, no

    ocorrer o inverso.

    Em caso dessa natureza, ou seja, de responsabilidade relativa

    cirurgia esttica, a Terceira Turma, em dois precedentes (AgRgAg n

    37.060 RS, Relator Ministro Eduardo Ribeiro e Resp n 10.536 RJ,

    Relator Ministro Dias Trindade) decidiu que contratada a realizao da

    cirurgia esttica embelezadora, o cirurgio assume obrigao de resultado

    sendo obrigado a indenizar pelo no cumprimento da mesma obrigao,

    tanto pelo dano material quanto pelo dano moral, decorrente da

    deformidade esttica, salvo prova de fora maior ou caso fortuito.

    Ao julgar o Resp n 81.101 PR, a citada Turma, por maioria,

    chegou mesma concluso. Ficou vencido o Ministro Carlos Alberto

    Menezes Direito por entender que se tratava de obrigao de meio. O

    Ministro Eduardo Ribeiro reviu a sua posio anterior e concluiu no sentido

    dos citados precedentes por entender cabvel, no caso, a inverso do nus

    da prova, com base no Cdigo do Consumidor.

    No mbito da Quarta Turma, ao que sei, o Ministro Ruy Rosado

    de Aguiar sustenta que a hiptese inclui-se na modalidade das obrigaesde meio8.

    Penso, porm, que, em qualquer tipo de cirurgia, inclusive a

    plstica, includa nesta a esttica, a obrigao assumida pelo mdico de

    meios e no de resultado. A propsito, preleciona, com razo, CARLOS

    ALBERTO MENEZES DIREITO, aps descrever os vrios tipos de cirurgia:

    8

    8 Op. cit., p. 151

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    Com esse panorama geral possvel, agora, anotar que asdiversas subespecialidades cirrgicas no apresentam entre sidiferenas essenciais ou constitutivas. Toda cirurgia umaforma de tratamento. As cirurgias bem poderiam ser umasubdiviso da teraputica, que a arte e a cincia do

    tratamento.

    E assim , na medida em que as cirurgias so uma forma detratamento do qual uma parte importante um contrato paraa obteno do melhor resultado possvel, acompanhado damais competente e ampla informao sobre seus efeitos eresultados previsveis.

    Em qualquer das subespecialidades cirrgicas exige-se umprofissional habilitado, agindo com percia, prudncia ediligncia em todas as etapas de sua atuao, de formacomparvel a outro profissional atuando nas mesmascircunstncias.

    Pela prpria natureza do ato cirrgico, cientificamente igual,pouco importando a subespecialidade, a relao entre ocirurgio e o paciente est subordinada a uma expectativa demelhor resultado possvel, tal como em qualquer atuaoteraputica, muito embora haja possibilidade de bons ou nomuito bons resultados; mesmo na ausncia de impercia,imprudncia ou negligncia, dependente de fatores alheios,assim, por exemplo, o prprio comportamento do paciente, areao metablica, ainda que cercado o ato cirrgico de todasas cautelas possveis, a sade prvia do paciente, a sua vidapregressa, a sua atitude somatopsquica em relao ao atocirrgico. Toda interveno cirrgica, qualquer que ela seja,pode apresentar resultados no esperados, mesmo naausncia de erro mdico. E, ainda, h em certas tcnicasconseqncias que podem ocorrer, independentemente daqualificao do profissional e da diligncia, percia e prudnciacom que realize o ato cirrgico.

    Anote-se, nesse passo, que a literatura mdica, no mbito dacirurgia plstica, indica, com claridade, que no possvelalcanar 100% de xito9.

    Em suma, ao prestar os seus servios o mdico se obriga a

    proporcionar ao paciente os cuidados e conselhos recomendados para o seu

    tratamento, cirrgico ou teraputico, com observncia das regras, mtodos

    e tcnicas recomendveis para o caso. Se a sua atuao, por si s, no

    9

    9A Responsabilidade Civil em Cirurgia Plstica. Revista de Direito Renovar n 7, p. 15 e16. jan. / abr. 1997.

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    produziu o efeito esperado, no h falar-se em inadimplemento contratual

    (Aguiar Dias, Caio Mrio, Silvio Rodrigues, Srgio Cavalieri Filho).

    7. RESPONSABILIDADE MDICA E CDIGO DO CONSUMIDOR

    Embora ainda haja divergncia sobre a natureza da avena

    celebrada entre o mdico e o paciente, isso em nada altera a

    responsabilidade do mdico, no caso de no cumprimento do contrato.

    O certo que o mdico se obriga a prestar ao paciente servios

    mdicos, para os quais se acha profissionalmente habilitado.

    Nessas condies, a relao jurdica mdico/paciente estsujeita ao Cdigo do Consumidor (Lei n 8.078, de 11/9/1990),

    configurando relao de consumo.

    Com efeito, diz o citado Cdigo que fornecedor toda pessoa,

    fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os

    entes despersonalizados, que desenvolvem, entre outras, atividades de

    prestao de servios (art. 3). Define servio como qualquer atividade

    fornecida ao mercado de consumo, mediante remunerao, inclusive as de

    natureza bancria, financeira, de crdito e securitria, salvo as decorrentes

    das relaes de natureza trabalhista (art. 3, 2), e consumidor como

    sendo toda pessoa, fsica ou jurdica, que adquire ou utiliza produto ou

    servio como destinatrio final(art. 2).

    Nesse contexto, a responsabilidade mdica deve ser examinada

    sob duplo aspecto: a decorrente da prestao de servio, direta e

    pessoalmente, pelo mdico como profissional liberal e a decorrente da

    prestao de servios mdicos de forma empresarial, a includos hospitais,

    clnicas, casas de sade, bancos de sangue, laboratrios mdicos etc10.

    O tema est assim regulado no Cdigo Consumista:

    10CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit., p. 317.

    10

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    art. 14 O fornecedor de servios responde,independentemente da existncia de culpa, pela reparaodos danos causados aos consumidores por defeitos relativos prestao de servios, bem como por informaesinsuficientes ou inadequadas sobre a sua fruio e riscos.

    1 - O servio defeituoso quando no fornece a seguranaque o consumidor dele pode esperar, levando-se emconsiderao as circunstncias relevantes, entre as quais:

    I o modo de seu fornecimento;

    II o resultado e os riscos que razoavelmente dele seesperam;

    III a poca em que foi fornecido.

    2 - O servio no considerado defeituoso pela adoo denovas tcnicas.

    3 - O fornecedor de servios s no ser responsabilizadoquando provar:

    I que, tendo prestado o servio, o defeito inexiste;

    II a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

    4 - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberaisser apurada mediante a verificao de culpa.

    Segundo se depreende, o caput do dispositivo dispe sobre a

    responsabilidade do fornecedor de servios, independentemente da

    extenso da culpa, acolhendo, pois, os princpios relativos

    responsabilidade objetiva. Nesse caso, o prestador de servios s seeximir da responsabilidade se provar que prestou o servio, que o defeito

    inexiste ou que a culpa exclusiva do usurio ou de terceiro.

    J o 4 do dispositivo deixa claro que a responsabilidade

    pessoal dos profissionais liberais, nestes includos os mdicos, subjetiva e

    com culpa provada. Portanto, a responsabilidade pessoal do mdico no

    decorre do mero insucesso no diagnstico ou no tratamento, seja clnico ou

    cirrgico. Caber ao paciente, ou aos seus herdeiros, demonstrar que o

    11

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    resultado funesto do tratamento tem por causa a negligncia, imprudncia

    ou impercia do mdico. O Cdigo do Consumidor manteve neste ponto a

    mesma disciplina do art. 1.545 do Cdigo Civil11.

    Portanto, a responsabilidade do mdico prestador de servios,

    por ser subjetiva, inclui-se na nica exceo ao sistema da

    responsabilidade objetiva adotado pelo Cdigo Consumista.

    No h olvidar, porm, que a exceo s abrange a

    responsabilidade pessoal do profissional mdico, no incluindo a pessoa

    jurdica na qual trabalhe como empregado ou participe como scio. Se

    vrios mdicos resolvem constituir uma sociedade, a responsabilidadedesta no ser subjetiva12.

    8. INVERSO DO NUS DA PROVA

    Se, no tocante ao profissional mdico, o Cdigo do Consumidor

    afastou a responsabilidade objetiva, no chegou, contudo, a abolir a

    aplicao do princpio da inverso do nus da prova. Pela aplicao da

    regra, cabe ao profissional provar que no laborou em equvoco, nem agiucom imprudncia ou negligncia no desempenho da sua atividade.13

    A inverso do nus da prova est elencada no art. 6 da Lei

    Codificada como um dos direitos bsicos do consumidor, constando do seu

    inciso VIII, que a prev quando, a critrio do juiz, for verossmil a

    alegao ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinrias de

    experincias.

    Essa inverso do nus da prova no h, porm, de ser vista

    como regra absoluta e invarivel. admitida, em favor do consumidor

    como medida a ser adotada caso a caso, segundo critrio do juiz, e sob a

    condio de se verificar a verossimilhana da alegao ou a hipossuficincia

    12

    11CAVALIERI FILHO, Sergio, Op. cit., p. 318

    12

    Idem.13 Cdigo Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. ,6 ed, p. 173.

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    tcnica do consumidor, aferveis conforme as regras ordinrias de

    experincia14. No se pode, pois, afirmar, com base nela, que a culpa do

    profissional liberal ser sempre presumida.

    Assinale-se que a hipossuficincia de que ali fala o Cdigo no

    apenas econmica, mas tambm tcnica, de sorte que, se o consumidor

    no tiver condies econmicas ou tcnicas para produzir a prova dos

    textos constitutivos do seu direito, poder o juiz inverter o nus da prova a

    seu favor15.

    A regra, no entanto, a de que cabe ao lesado, seja na

    responsabilidade contratual, seja na responsabilidade extracontratual, onus de provar que o mdico agiu com imprudncia, negligncia ou

    impercia.

    bem verdade, assinala Ruy Rosado, que so considerveis as

    dificuldades para a produo da prova da culpa. Em primeiro lugar, porque

    os fatos se desenrolam normalmente em ambientes reservados, seja no

    consultrio ou na sala cirrgica; o paciente, alm das dificuldades em quese encontra pelas condies prprias da doena, um leigo, que pouco ou

    nada entende dos procedimentos a que submetido, sem conhecimentos

    para avaliar causa e efeito, nem sequer compreendendo o significado dos

    termos tcnicos; a percia imprescindvel, na maioria das vezes, e sempre

    efetuada por quem colega do imputado causador do dano, o que dificulta

    e, na maioria das vezes, impede a iseno e a imparcialidade. preciso

    super-las, porm, com determinao, especialmente quando atuar ocorporativismo. Da acrescentar: O juiz deve socorrer-se de todos os

    meios vlidos de prova: testemunhas, registros sobre o paciente existentes

    no consultrio ou no hospital, laudos fornecidos e, principalmente, percias.

    Uma das formas de fazer a prova dos fatos a exibio do pronturio, que

    todo mdico deve elaborar (art. 69, Cdigo de tica), e a cujo acesso o

    13

    14

    THEODORO JR, Humberto. Responsabilidade Civil por Erro Mdico. In Direito & Medicina,p. 123.15CAVALIERI FILHO, Sergio. Op. cit., p. 324

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    paciente tem direito (art. 70). Em juzo, cabe o pedido de exibio; a

    recusa permitir ao juiz admitir como verdadeiros os fatos que se pretendia

    provar, se no houver a exibio ou se a recusa for considerada ilegtima

    (art. 355 e 359, CPC). E lembra, citando Luis Adorno, que Na Argentina,predomina hoje o entendimento de que, em determinadas circunstncias,

    se produz uma transferncia da carga probatria ao profissional, em razo

    de encontrar-se em melhores condies de cumprir tal dever. o princpio

    da carga probatria dinmica, baseado no fato de que, tendo as partes o

    dever de agir com boa-f e de levar ao juiz o maior nmero de informaes

    de fato para a melhor soluo da causa, cada uma delas est obrigada a

    concorrer com os elementos de prova a seu alcance. Nas relaes mdico-paciente, normalmente o mdico quem dispe de maior nmero e de

    melhores dados sobre o fato, da o seu dever processual de lev-los ao

    processo, fazendo a prova da correo do seu comportamento. Tocando ao

    mdico o nus de provar que agiu sem culpa, no se lhe atribui a produo

    de prova negativa, apenas se exige dele a demonstrao de como fez o

    diagnstico, de haver empregado conhecimentos e tcnicas aceitveis,

    haver ministrado ou indicado a medicao adequada, haver efetuado a

    operao que correspondia em forma adequada, haver controlado

    devidamente o paciente, etc.16.

    No julgamento do RESP n 81.101-PR, antes citado, relativo

    ao de indenizao por danos decorrentes da cirurgia esttica, a 3 Turma

    do Superior Tribunal de Justia admitiu, com base no Cdigo consumista, a

    inverso do nus da prova. esclarecedor, no tpico, o texto conclusivo dovoto do Ministro Eduardo Ribeiro:

    No plano do direito material pode-se ter como certo que aobrigao do cirurgio plstico apenas de utilizar-se damelhor tcnica, mas isso no afasta que, no plano do direitoprocessual, seja lcito atribuir-lhe o nus de provar que assimprocedeu.

    14

    16Obra citada., p. 146-148

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    Responsabilidade Mdica e o Cdigo de Defesa do Consumidor

    Ter-se- em conta, para isso, o que acima ficou exposto. Oque se pretende obter com a cirurgia esttica algo que sepode dispensar e certamente se dispensar se os riscos foramgrandes. Se o profissional dispe-se a efetu-la porque osavaliou e concluiu que no o so. Verificando-se a

    deformao, em lugar do embelezamento, goza deverossimilhana a assertiva de que a melhor tcnica no tersido seguida, ensejando a aplicao do artigo 6, VIII doCdigo de Defesa do Consumidor. Nem haver qualquerdesateno ao que estabelece o artigo 14, 4 do mesmocdigo. A responsabilidade depende da culpa, mas o nus daprova se inverte. A incidncia da norma que admite seja issofeito supe exatamente que, em princpio, caberia ele outraparte.

    Pelas razes expendidas, peo vnia para conhecer do recurso

    e dar-lhe provimento para inverter o nus da prova, o quenegou em primeiro grau.

    Aquela mesma Terceira Turma, quando do julgamento do RESP

    N 122.505-SP, da relatoria do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito,

    embora admitindo a tese da inverso do nus da prova com base no

    Cdigo do Consumidor, afastou a sua aplicao vista das circunstncias

    do caso concreto. O aresto, ento proferido, ficou assim ementado:

    Responsabilidade civil. Cirurgio-dentista. Inverso do nusda prova. Responsabilidade dos profissionais liberais.

    1 - No sistema do Cdigo de Defesa do Consumidor aresponsabilidade pessoal dos profissionais liberais serapurada mediante a verificao de culpa (art. 14, 4).

    2 - A chamada inverso do nus da prova, no Cdigo deDefesa do Consumidor, est no contexto da facilitao da

    defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinado aocritrio do juiz, quando for verossmil a alegao ou quandofor ele hipossuficiente, segundo as regras ordinrias deexperincias (art. 6, VIII). Isso quer dizer que no automtica a inverso do nus da prova. Ela depende decircunstncias concretas que sero apuradas pelo juiz nocontexto da facilitao da defesa dos direitos do consumidor.E essas circunstncias concretas, nesse caso, no foramconsideradas presentes pelas instncias ordinrias.

    3 - Recurso especial no conhecido.

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    Responsabilidade Mdica e o Cdigo de Defesa do Consumidor

    No tocante responsabilidade das Cooperativas de Trabalho

    Mdico, h julgados das duas Turmas especializadas, que decidiram a

    matria, tendo presentes as normas do Cdigo Consumista, na consonncia

    das seguintes ementas:

    CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRESTAO DESERVIOS MDICOS. Quem se compromete a prestarassistncia mdica por meio de profissionais que indica, responsvel pelos servios que estes prestam. Recursoespecial no conhecido.

    CIVIL E PROCESSUAL. AO DE INDENIZAO. ERROMDICO. COOPERATIVA DE ASSISTNCIA DE SADE.LEGITIMIDADE PASSIVA. CDC, ARTS. 3 E 14.

    I. A Cooperativa que mantm plano de assistncia sade parte legitimada passivamente para ao indenizatriamovida por associada em face de erro mdico originrio detratamento ps-cirrgico realizado com mdicocooperativado.

    II. Recurso especial no conhecido.

    9. CONTRATO DE PRESTAO DE SERVIO MDICO: SUJEIOA REGRAS DA LEI CONSUMISTA

    Como se procurou esclarecer, o contrato de prestao de

    servios mdicos est sujeito a normas do Cdigo do Consumidor, que so

    cogentes e inafastveis por vontade das partes. O art. 51 declara nulas de

    pleno direito as clusulas abusivas. Aps citar algumas, entre elas inclui as

    que estabeleam obrigaes consideradas inquas, abusivas, que

    coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejamincompatveis com a boa-f ou a eqidade.

    De outra parte, estatui o art. 47 que as clusulas contratuais

    sero interpretadas de maneira mais favorvel ao consumidor.

    Essas regras tm sido aplicadas, com freqncia, especialmente

    no que se regue aos planos de sade. Entre outros casos, decidiu o STJ que

    abusiva, nos termos da lei (CDC, art. 51, IV), a clusula prevista em

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    contrato de seguro-sade que limita o tempo de internao do segurado

    (Resps ns 158.728-RJ e 251.024-SP). No mesmo sentido, a clusula

    excludente do tratamento de doenas infecto contagiosas, como a AIDS

    (AGRESP 251.772-SP; RESP n 234.219-SP).

    10. CONCLUSO

    No incio desta exposio, tivemos ocasio de observar, que, no

    curso da histria, a relao mdico-paciente tem passado por um processo

    de despersonalizao, decorrente da massificao das relaes sociais.

    Ademais, o grande progresso que vem ocorrendo no mbito das cincia

    mdicas tem gerado por parte dos pacientes expectativa de alcanar oresultado esperado, seja no tratamento clnico, seja no cirrgico. Essas

    circunstncias, entre outras, tm gerado cada vez mais conflito entre

    mdicos e pacientes, a ponto de preocupar a Associao Mdica Mundial,

    que promulgou, em 1992, a denominada Recomendao de Marbella sobre

    responsabilidade Mdica.

    Nesse contexto, afigura-se que devem as entidades mdicas,

    em geral, preocupar-se em instruir os seus associados sobre as cautelas a

    tomar, seja em termos de redao dos contratos de prestao de servios,

    seja em relao a elementos probatrios (redao de pronturios mdicos,

    redao de contratos de prestao de servios, assinatura de termo de

    consentimento informado etc.), recorrendo assessoria de profissionais

    especializados.

    Enfim, deve o prestador de servios mdicos documentar-se

    adequadamente para evitar a condenao em indenizaes por pretensos

    danos causados a seus pacientes, inclusive danos morais.

    Com efeito, as causas indenizatrias, em casos tais, so

    numerosas em muitos pases, especialmente os desenvolvidos, e, no Brasil,

    so ajuizadas cada vez em maior quantidade.

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    Devem, ainda, preocupar-se as entidades mdicas e seus

    associados com a celebrao de contratos de seguro, evitando ter o seu

    patrimnio atingido pelo pagamento de indenizaes.

    Essa a realidade do mundo atual. Se boa ou m no sei. a

    realidade. E como tal h de ser considerada.

    Muito obrigado.

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