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AN`LISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.12, maio/jun. 2001 Responsabilidade Social: um novo papel das empresas Silmara Cimbalista Este texto procura mostrar algumas mudanças nos valores das organizaçıes brasileiras desenvolvidas pela responsabilidade social, assim como alguns dos resultados obtidos por estas açıes. Contrastes sociais brasileiros Em termos de Brasil, observa-se que a responsa- bilidade atribuída ao Estado, no que concerne ao bem- estar do cidadªo, nªo tem colhido os resultados esperados pela sociedade. O governo parece ter esquecido sua funçªo primeira, a de prestar serviços à sociedade. O Estado nªo tem sido capaz de desempenhar, sozinho, grande parte das suas funçıes sociais do bem- estar social ao desenvolvimento, passando pela proteçªo ambiental, buscando soluçıes alternativas e cooperativas. O Brasil continua a ser um país de contrastes sociais gritantes. Apesar de ser considerado o 10” maior Produto Interno Bruto (PIB) mundial, tem um ˝ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a qualidade de vida da populaçªo, na 74. a colocaçªo em termos mundiais. AlØm da distância entre desempenho econômico e situaçªo social, comparativamente a outros países, verifica-se um contraste ainda maior internamente: enquanto o Estado de Sªo Paulo tem um IDH que seria o equivalente ao 27” posto em termos mundiais, o do Estado do Piauí equivaleria à 135“ posiçªo na escala mundial. Apesar de estar entre as maiores economias do mundo, o Brasil tem 15 milhıes de analfabetos com idade igual ou superior a 15 anos (o que equivale à populaçªo do Chile ou trŒs vezes a de Israel), sem contar que 29,4 % da populaçªo sªo de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que nªo completaram os quatro primeiros anos do ensino fundamental. 1 Na opiniªo de alguns teóricos, seria fundamental que o país aumentasse seus índices de educaçªo para alØm dos 5,6 anos de estudo (menos que o ensino fundamental completo), diminuindo o impacto negativo causado na economia pela mÆ formaçªo educacional, e acreditasse que desenvolvimento econômico tambØm se dÆ pelo investimento em educaçªo. Na sinopse preliminar do Censo 2000, divulgada em maio œltimo pelo IBGE, projetou-se uma populaçªo de 171.320.069 pessoas. Deste contingente, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 22,6 milhıes de brasileiros nªo tŒm condiçıes de se alimentar por conta própria, ou seja, estªo abaixo da linha de indigŒncia, e outros 53,1 milhıes, um pouco acima da escala, sªo considerados abaixo da linha de pobreza. 2 Como se observa, o país tem uma imensa dívida social, em Æreas bÆsicas como saœde, educaçªo e alimentaçªo, que ultrapassa a capacidade de soluçªo por parte do Estado. Em face desse cenÆrio, deverÆ ter um Ærduo trabalho pela frente, tendo que realizar inœmeras reformas estruturais para resgatar seu dØficit social e tornar-se uma sociedade mais justa e humanizada. Empresas e responsabilidade social Para diminuir ou mesmo erradicar essas desigualdades, o país deveria acordar para um novo tempo, de desenvolvimento sustentÆvel, educaçªo, saœde, justiça social, ou seja, de bem-estar geral da sociedade. Nªo necessariamente estas açıes tŒm sido implementadas pelo governo. Muitas estªo sendo substituídas pelo que se convencionou chamar de responsabilidade social empresarial. Pelo menos nas duas œltimas dØcadas, tem-se observado que o mundo tem sido constantemente afetado por decisıes que sªo tomadas em escritórios. Como conseqüŒncia, muitas vezes tanto o meio ambiente como o próprio homem sofrem, inadvertidamente, os resultados dessas decisıes. Segundo VERGARA e BRANCO, 3 as empresas sªo construçıes sociais, isto Ø, sujeito e objeto da realidade da qual fazem parte. Sªo, portanto, partícipes dos problemas sociais e, atualmente, uma das instituiçıes mais influentes nos rumos da sociedade. Sob o ponto de vista conceitual, a empresa que, alØm do seu negócio, prevŒ a colaboraçªo corporativa efetiva na construçªo de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentÆvel, exerce o que se conven- cionou chamar cidadania corporativa. A organizaçªo ou empresa-cidadª que exerce responsabilidade social conduz seus negócios de tal maneira que se torna parceira e co-responsÆvel pelo desenvolvimento social. A empresa socialmente responsÆvel Ø aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcio- nÆrios, prestadores de serviço, fornecedores, consumi- dores, comunidade, governo e meio-ambiente) e conseguir incorporÆ-los no planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos e nªo apenas dos acionistas ou proprietÆrios. 4 *Mestre em Administraçªo Pœblica pela FGV/RJ, tØcnica da equipe permanente desta publicaçªo.

Responsabilidade Social:um novo papel das empresas

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ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.12, maio/jun. 2001

Responsabilidade Social:um novo papel das empresas

Silmara Cimbalista

Este texto procura mostrar algumas mudançasnos valores das organizações brasileiras desenvolvidaspela responsabilidade social, assim como alguns dosresultados obtidos por estas ações.

Contrastes sociais brasileiros

Em termos de Brasil, observa-se que a responsa-bilidade atribuída ao Estado, no que concerne ao bem-estar do cidadão, não tem colhido os resultados esperadospela sociedade. O governo parece ter esquecido sua funçãoprimeira, a de prestar serviços à sociedade.

O Estado não tem sido capaz de desempenhar,sozinho, grande parte das suas funções sociais � do bem-estar social ao desenvolvimento, passando pela proteçãoambiental, buscando soluções alternativas e cooperativas.

O Brasil continua a ser um país de contrastessociais gritantes. Apesar de ser considerado o 10º maiorProduto Interno Bruto (PIB) mundial, tem um Índice deDesenvolvimento Humano (IDH), que mede aqualidade de vida da população, na 74.a colocação emtermos mundiais. Além da distância entre desempenhoeconômico e situação social, comparativamente aoutros países, verifica-se um contraste ainda maiorinternamente: enquanto o Estado de São Paulo temum IDH que seria o equivalente ao 27º posto em termosmundiais, o do Estado do Piauí equivaleria à 135ªposição na escala mundial.

Apesar de estar entre as maiores economias domundo, o Brasil tem 15 milhões de analfabetos comidade igual ou superior a 15 anos (o que equivale àpopulação do Chile ou três vezes a de Israel), semcontar que 29,4 % da população são de analfabetosfuncionais, ou seja, pessoas que não completaram osquatro primeiros anos do ensino fundamental.1

Na opinião de alguns teóricos, seria fundamentalque o país aumentasse seus índices de educação paraalém dos 5,6 anos de estudo (menos que o ensinofundamental completo), diminuindo o impacto negativocausado na economia pela má formação educacional,e acreditasse que desenvolvimento econômico tambémse dá pelo investimento em educação.

Na sinopse preliminar do Censo 2000, divulgadaem maio último pelo IBGE, projetou-se uma populaçãode 171.320.069 pessoas. Deste contingente, segundoo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 22,6milhões de brasileiros não têm condições de se alimentarpor conta própria, ou seja, estão abaixo da linha deindigência, e outros 53,1 milhões, um pouco acima daescala, são considerados abaixo da linha de pobreza.2

Como se observa, o país tem uma imensa dívidasocial, em áreas básicas como saúde, educação ealimentação, que ultrapassa a capacidade de soluçãopor parte do Estado. Em face desse cenário, deverá terum árduo trabalho pela frente, tendo que realizar inúmerasreformas estruturais para resgatar seu déficit social etornar-se uma sociedade mais justa e humanizada.

Empresas e responsabilidade social

Para diminuir ou mesmo erradicar essasdesigualdades, o país deveria acordar para um novotempo, de desenvolvimento sustentável, educação,saúde, justiça social, ou seja, de bem-estar geral dasociedade. Não necessariamente estas ações têm sidoimplementadas pelo governo. Muitas estão sendosubstituídas pelo que se convencionou chamar deresponsabilidade social empresarial.

Pelo menos nas duas últimas décadas, tem-seobservado que o mundo tem sido constantementeafetado por decisões que são tomadas em escritórios.Como conseqüência, muitas vezes tanto o meio ambientecomo o próprio homem sofrem, inadvertidamente, osresultados dessas decisões.

Segundo VERGARA e BRANCO,3 as empresassão �construções sociais�, isto é, �sujeito e objeto darealidade da qual fazem parte�. São, portanto, partícipesdos problemas sociais e, atualmente, uma dasinstituições mais influentes nos rumos da sociedade.

Sob o ponto de vista conceitual, a empresa que,além do seu negócio, prevê a colaboração corporativaefetiva na construção de uma sociedade mais justa eambientalmente sustentável, exerce o que se conven-cionou chamar cidadania corporativa.

A organização ou empresa-cidadã que exerceresponsabilidade social conduz seus negócios de talmaneira que se torna parceira e co-responsável pelodesenvolvimento social. �A empresa socialmenteresponsável é aquela que possui a capacidade de ouviros interesses das diferentes partes (acionistas, funcio-nários, prestadores de serviço, fornecedores, consumi-dores, comunidade, governo e meio-ambiente) econseguir incorporá-los no planejamento de suasatividades, buscando atender às demandas de todos enão apenas dos acionistas ou proprietários�.4

*Mestre em Administração Pública pela FGV/RJ, técnicada equipe permanente desta publicação.

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ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.13, maio/jun. 2001

Para estas empresas a filantropia não deve serconfundida com responsabilidade social, pois trata daação social externa à empresa, beneficiandoprincipalmente a comunidade em suas diversas formas(conselhos comunitários, organizações não-governamentais, associações comunitárias, etc.).

Desde meados da década de 80, a integraçãodos mercados e a queda das barreiras comerciaisgeraram grandes impactos na economia mundial. Paramuitas empresas brasileiras sua inserção numacompetição em nível mundial passou a ser questão devida ou morte. Em um curto espaço de tempo, empresastiveram que reestruturar padrões gerenciais, desenvolvernovas estratégias de negócio para não perderoportunidades, ampliar seus negócios e, ainda, cuidarda concorrência. Ao mesmo tempo, passaram aacompanhar a evolução tecnológica e o aumento do fluxode informações, cada dia mais acelerado devido aosavanços das telecomunicações e da internet.

Nesse novo contexto, o mundo da internet e dascomunicações potencializou profundas mudanças nomodo como as sociedades se organizavam. Mudam-se os papéis das empresas e das pessoas, e redefine-se a noção de cidadania.

Atualmente, um dos grandes desafios dasempresas está na conquista de níveis cada vez maioresde competitividade e produtividade, associada àpreocupação crescente com a legitimidade social desua atuação.

Como resposta, as empresas têm passado ainvestir em qualidade, num contínuo aprendizado que,inicialmente, preocupa-se com os produtos, evolui paraa abordagem dos processos, até chegar ao tratamentoabrangente das relações da atividade empresarial, comos empregados, os fornecedores, os consumidores, acomunidade, a sociedade e o meio ambiente.

Hoje, a gestão empresarial que tome comoreferência apenas os interesses dos acionistas éinsuficiente, pois a gestão deve ser balizada pelosinteresses e contribuições de um conjunto maior de partesinteressadas. A busca de excelência pelas empresaspassa a ter como objetivo a qualidade nas relações e asustentabilidade econômica, social e ambiental.

A responsabilidade social empresarial tem semanifestado baseada em princípios éticos elevados ena busca pela qualidade das relações entre empresae sociedade. Em tempos em que não existem maisnegócios em segredo absoluto, a transparência passoua ser um atributo positivo para a imagem pública ereputação das empresas. A adoção de padrões deconduta ética que valorizem o ser humano, a sociedadee o meio ambiente são uma exigência cada vez maior.Para que isso aconteça, é necessário o envolvimentode toda a empresa na prática da responsabilidadesocial, gerando sinergias, precisamente, com ospúblicos dos quais ela tanto depende.5

A prática da responsabilidade social constróiinternamente um ambiente de trabalho saudável epropício à realização profissional das pessoas. No meioempresarial, empresas que fomentam o trabalhovoluntário de seus funcionários criam um fator competitivoem relação a outras que não atuam nesse sentido.

Uma das formas de a empresa demonstrarresponsabilidade social é comprometendo-se comprogramas sociais voltados para o futuro da comunidadee da sociedade. O investimento em conservação ambientale no uso racional dos recursos naturais é valorizado poratender ao interesse tanto da empresa como dacoletividade. Esse tipo de iniciativa revela à sociedade apreocupação da empresa e sua crença de que só umasociedade saudável pode gerar empresas saudáveis.

Responsabilidade social no Brasil

O investimento social deixa de ser um apêndiceno cotidiano das empresas e passa a ser um fatormotivacional no negócio. Empresários viabilizamações sociais direcionadas aos seus funcionários efamiliares, bem como à comunidade, geralmente emvolta de sua empresa.

As enormes carências e desigualdades sociaisno Brasil conferem à responsabilidade socialempresarial uma relevância ainda maior. Diferentementedo sentimento ou expectativa com relação ao governo,a sociedade brasileira tem repassado às empresas, decerta forma, o cumprimento de um novo papel noprocesso de desenvolvimento, isto é, serem atores demudança social, construtores de uma sociedade melhor.

No Brasil, o movimento de valorização daresponsabilidade social empresarial ganhou forteimpulso na década de 90, mediante a ação de entidadesnão-governamentais, institutos de pesquisa e empresassensibilizadas para a questão.

Desde o final dos anos 80, o trabalho do InstitutoBrasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)passou a desenvolver e mobilizar ações políticas,campanhas públicas, monitoramento de processoslegislativos e políticas públicas tendo como figuraprincipal um de seus fundadores, o sociólogo Herbertde Souza, o Betinho.

Atualmente, o Ibase, além de continuardefendendo causas públicas, trabalha também com oexercício da responsabilidade social através da idéiade se desenvolver empresas-cidadãs, comprometidascom a qualidade de vida da sociedade e que, por meiode seu Balanço Social, apresentem seus investimentosnos mais diversos projetos sócio-culturais.

A promoção do Balanço Social (que divulga osinvestimentos realizados pela empresa na área social epara onde são destinados) é uma de suas expressões etem logrado grande repercussão. O principal dirigente daentidade, Betinho, semeou convicções que hoje setransformaram em conquistas concretas e estão mudandoa realidade social brasileira. A responsabilidade dasempresas públicas e privadas com o bem-estar dacomunidade é uma delas.

O Ibase criou um selo pelo qual as empresascom preocupação social poderão mostrar através deseus anúncios, embalagens de produtos, balanço sociale campanhas publicitárias � que investem em educação,saúde, cultura, meio ambiente, enfim, em tudo aquiloque é preciso preservar.

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Além do selo, um outro símbolo de avanço na áreaé a obtenção de certificados de padrão de qualidade e deadequação ambiental, como as normas ISO, queempresas brasileiras têm obtido gradativamente.

A iniciativa privada tem conseguido agir emproblemas de difícil solução. Um exemplo é o númeroexpressivo de empresas que adotaram o selo EmpresaAmiga da Criança, da Fundação Abrinq pelos Direitosda Criança, que luta pela erradicação do trabalho infantilno Brasil. No mês de junho último, a Fundação aumentouas exigências para a obtenção do selo, incluindo açõesde educação e saúde. Essa mudança se deu em virtudeda boa receptividade por parte dos consumidores comrelação a empresas que investem no social.6

Um outro instituto que tem se destacado pordisseminar a responsabilidade social e orientarempresas nesse segmento é o Instituto Ethos, querecentemente criou os indicadores Ethos, os quais aomesmo tempo em que servem de instrumento deavaliação para as empresas, reforçam a tomada deconsciência dos empresários e da sociedade brasileirasobre o tema. Trata-se de uma empresa sem finslucrativos, fundada em 1998, que reúne mais de 306empresas associadas em operação no Brasil, dediferentes portes e setores de atividade. A entidade temcomo missão mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresasa gerir seus negócios de forma socialmente responsável,tornando-as parceiras na construção de uma sociedademais próspera e justa. Dissemina a prática daresponsabilidade social por intermédio de atividadesde intercâmbio de experiências, publicações, programase eventos voltados para seus associados e para acomunidade de negócios em geral.7

Na Conferência Nacional 2001 de Empresas eResponsabilidade Social, realizada em junho último, emSão Paulo, o instituto lançou um guia cujo objetivo écriar um padrão nacional de Balanços Sociais. O modelonada mais é do que uma ampliação do modelo propostopelo Ibase desde 1997. O instituto também se baseouem propostas feitas pelo Institute of Social and EthicalAccountability, da Inglaterra e da Global ReportingIniciative, que propõe obrigatoriedade de apresentaçãodo Balanço Social por empresas que negociam com ogoverno. A idéia é aumentar o número de empresasbrasileiras que já fazem seu Balanço Social, que hojeconta com cerca de 200 organizações.8

Recentemente, o IPEA divulgou algunsresultados da Pesquisa Ação Social das Empresas,realizada nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul,abrangendo 1.752 empresas das quase 700 mil ematuação no Brasil, constatando que boa parte delas temalgum tipo de projeto na área social. Uma das conclusõesdo estudo é que �o setor privado já pode ser consideradocomo o grande interlocutor das políticas públicas do Paísno tocante à ação social�.9 Como se pode observar nográfico 1, a seguir, o estudo mostra que a região Sudestepossui mais empresas investindo em projetos sociaisdo que nas regiões Nordeste e Sul.

Foram ouvidas pequenas, médias e grandesempresas sobre todos os tipos de atividades sociaisque realizam, levando-se em conta, assim, um conceitoamplo de ação social, que abrange atividades nãoobrigatórias realizadas para atender aos empregados

da empresa ou da comunidade em setores comoassistência social, saúde e educação.

A pesquisa revela, ainda, que os incentivosfiscais não têm servido de grande estímulo para que asempresas promovam atividades na área social, comomostra o gráfico 2.

Uma outra organização que sistematiza osinvestimentos sociais no Brasil oriunda da iniciativaprivada é o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas(Gife), criado informalmente no final dos anos 80 e tendosido formalizado em 1995, atraindo, desta forma, ummaior número de associados.10

O Gife realizou, em maio último, um estudo sobreo investimento social no País, revelando que asempresas doam e desenvolvem projetos sem finslucrativos do mesmo modo como gerenciam seusnegócios. Contratam consultores e auditores externos,montam joint-ventures com outros doadores, investemno mercado financeiro e formam equipes com pessoalaltamente qualificado. Isto significa dizer que aprofissionalização cresce junto com o investimento.

O grupo ouviu 48 de seus 57 associados atravésde entrevistas, visitas e questionários. Entre os seussócios estão empresas como a Xerox, C&A, Bradesco,Kellogg, Volkswagen, Fundação Abrinq e InstitutoAyrton Senna. No total, os associados doam R$ 593milhões por ano.

Conclui-se que os maiores beneficiados dodinheiro privado e dos seus projetos estão localizadosgeralmente nas imediações das fábricas ou escritóriosdos doadores: são crianças (66,7%), jovens (70,8%),população em geral (56,2%), sociedade civil (43,7%) eprofessores (41,7%).11

Para a maioria dos membros do Gife, os temasprioritários são a educação, seguida da cultura e artes,fortalecimento da sociedade civil, saúde e outros, comomostra o gráfico 3.

Contudo, apesar de mostrar um significativocrescimento, o investimento social privado ainda não éproporcional ao tamanho do capital no Brasil. O gráfico 4mostra a evolução dos investimentos entre 1997 e 2000.

Os promotores da pesquisa ficaram admiradoscom o dado de que apenas 30% dos membros buscamincentivos fiscais. Os doadores preferem buscarparcerias com outras fundações ou instituições em 85%dos casos, com o governo em 77%, com organizaçõesnão-governamentais em 75%, e com empresas em 55%dos casos. A busca de parceiros normalmente visaampliar o apoio aos projetos, trocar experiências eaumentar o volume de recursos disponível.

Os investimentos ainda são humildes em setratando, por exemplo, de empresas como a Volkswagen,que fechou 2000 com um faturamento na ordem de R$ 9bilhões no País. A Basf, por outro lado, reserva R$ 400milhões para pesquisas e desenvolvimento em suadivisão agrícola. Segundo a pesquisa, ao contrário donorte-americano, o ambiente fiscal brasileiro é inóspitopara o investimento social, com exceção da área cultural.

Num país em que 15 milhões de jovens, adultos eidosos não sabem ler ou escrever, onde ainda tem-se umíndice de mortalidade infantil alto, apesar de ter diminuídonos últimos anos, onde a desigualdade social e a mádistribuição de renda estão entre as piores em termos

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GRÁFICO 1 - PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS EM AÇÕES SOCIAIS,NAS REGIÕES SUDESTE, NORDESTE E SUL DO BRASIL

67

55

46

0

10

20

30

40

50

60

70

Sudeste Nordeste Sul

(%)

FONTE: Pesquisa Ação Social das Empresas - IPEA/DICOD (2001), extraídode CAVALCANTI, Hylda. Ipea relaciona ação social das empresas.Gazeta Mercantil , São Paulo, 29 maio 2001. p.a11

36

71

20

23

33

41

22

477

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100%

Su des te N ordes te Su l

S im Não Não respondeu

G RÁFICO 2 - USO DE INCE NTIV OS F ISCAIS EM AÇÕ ES SOCIAIS, P E LA S E M P R E S A S D AS R E G IÕ E S SU D E S T E , NO RDESTE E SUL DO BRAS IL

FONTE: Pesquisa Ação Social das Empresas - IPEA/DICOD(2001), extraído de Cavalcanti, Hylda. Ipea relacionaação Social das Empresas. Gazeta Mercantil , SãoPaulo, 29 maio 2001. p.a11

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ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.16, maio/jun. 2001

G R Á FIC O 3 - T EM A S P R IO R ITÁ RIO S D O S M E M B R O S D O G IFE , PAR A O INV E S T IM E N TO S O C IA L P R IVA D O , NO B R A S IL

85,4

56,2

43,7

43,7

41,7

37,5

37,5

31,2

25

14,6

12,5

10,4

8,3

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Educação

C ultura e artes

F orta lecim entos de O N G s

Saúd e

C idadania

Assis tência socia l

M eio am bie nte

D esen volv im ento com unitá rio

D esen volv im ento da eono m ia popula r

C om u nicações

Tecno log ia

Esportes

M elhorias h abita ciona is/sa neam ento

FO NT E: S C HA R F, R eg ina . Investim ento soc ial p rivado está m a is p ro fiss ional. . São Paulo , 23 m a io 2001 . p .49Gazeta Mercantil

G RÁFICO 4 - EV O LUÇÃ O DO INV ESTIME NTO SO CIAL E PRIVADO ENTRE 1997 E 2000, NO BRAS IL

C resceram m ais d e 200 %

6% N ão inves tia em 19 97

6%

C resceram entre101 % e 200 %

10%

C resceram até 3 0%13%

C resceram entre61% e 100%

15%

C resceram entre31% e 60%

15%N ão re spo ndeu

17%

D im in uíram

18%

FO NTE : S C HA R F, R eg ina . Investim en to soc ial privado está m ais profiss iona l. . S ão P au lo, 23 m aio 2001. p.49

Gazeta Mercantil

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mundiais, é necessário confiar na sociedade organizadae nas organizações para que tal quadro desastroso setransforme, já que o braço social do Estado é curto demaispara alcançar todos os bolsões de carência.

Experiências de responsabilidade social emempresas brasileiras

Fundações e instituições de todo o mundoestudam maneiras de mostrar às empresas que não bastarealizar ações sociais de forma isolada, mas é precisointegrá-las aos sistemas de planejamento, avaliação,monitoramento e em seus processos de gestão.

Do universo de empresas brasileiras que estãoengajadas em projetos de responsabilidade social,muitas admitem que ações voltadas para o públicoexterno acabam se integrando ao modo de produção.

A Natura ilustra bem essa tendência. Na sualinha Natura Ekos, demonstrou como o social acabaincorporando o gerencial. A partir de espéciesamazônicas, vendidas por extrativistas, a empresainveste no desenvolvimento sustentável dabiodiversidade botânica da Amazônia brasileira,afirmando ser este o pilar de sustentação do negócionos próximos 10 anos. Considera, também, ser umaexperiência definitiva e transformadora na empresa,pois aproximou-se de uma realidade que não conhecia,as organizações não-governamentais, bem como dascomunidades de reservas extrativistas do Amapá e doAmazonas que fornecem partidas de castanha do Pará,andiroba ou guaraná. Como resposta, há um aumentode consumidores que demonstram gostar e incorporaro novo conceito do produto.12

A discussão sobre o papel da propaganda emarketing na responsabilidade social é recente emostra ser este um campo muito perigoso. O alerta aosempresários é para que não usem a propaganda parapromover as causas sociais, ou, quando o fizerem,tenham muito critério, bom senso e ética.

Uma experiência cujos resultados de vendas eestratégia de comunicação estão alinhados com afilosofia da ética social é a do Boticário, que atualmenteé referência no uso de ações de preservação domeioambiente em prol de sua imagem de fabricantede perfumes e cosméticos.

Cite-se também o Pão de Açúcar, que pretendeinvestir R$ 6 milhões em atividades do Terceiro Setor,argumentando ter construído uma nova relação com oconsumidor, amparada em conceitos derelacionamento com o cliente, tecnologia e apoio acausas sociais. Atualmente vem investindo ematividades ligadas à educação, esporte, reciclagem delixo e preservação do meio-ambiente.13

Enfim, essas experiências são alguns exemplosdas inúmeras ações que podem ser desenvolvidas pelaresponsabilidade social empresarial.

Considerações finais

Sabe-se que o investimento social privado podegerar saldos positivos ou negativos, dependendo dograu de comprometimento da empresa e de suaestratégia. A empresa precisa ter conhecimento dasnecessidades da comunidade ao seu redor a dasociedade em que está inserida, trabalhar no sentidode eliminar ou amenizar essas carências, combinarseu foco de negócio com o de seus clientes e criarparcerias para maximizar sua atuação social, fazendodisso um diferencial de competitividade. Para que todosesses fatores estejam em harmonia é necessário umesforço conjunto de empresários, funcionários, ONGse sociedade em geral.

Embora haja mudanças positivas sobre açõessociais, somente será possível colher resultados efetivosquando apenas as não grandes, mas as médias epequenas empresas incorporarem esses valores em suagestão. Em um país como o Brasil, a responsabilidadesocial só será importante quando, numa empresa, tivero mesmo peso que as questões econômicas.

Espera-se que num futuro breve, as empresassejam julgadas pelas suas ações, pelo seu compromissocom o social, com a ética � pelo foco nas pessoas(funcionários, clientes, fornecedores, concorrentes ecidadãos em geral) � e com o meio ambiente. Como jáocorre na Europa, é muito provável que a sociedadebrasileira escolha produtos, bens ou serviços medianteanálise da responsabilidade social exercida pelaempresa. O lucro será mútuo, ganhando-se também umasociedade mais justa e humanizada.

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NOTAS

1MANDL, Carolina; VIANA, Diego. Pesquisadores vinculam analfabetismo e economia. Folha de S. Paulo, 27 mar. 2001.Caderno Especial Trainee, p.2.

2BALANÇO social 2001: rumo certo no desafio da injustiça. Expressão, Florianópolis, v.11, n.112, 2001. p.17.

3 VERGARA, Sylvia Constant; BRANCO, Paulo Durval. Empresa humanizada: a organização necessária e possível.Revista de Administração de Empresas, São Paulo: FGV, v. 41, n. 2, abr./jun. 2001. p.21.

4INSTITUTO ETHOS. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 06 jun. 2001.

5INSTITUTO ETHOS. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 06 jun. 2001.

6ATHIAS, Gabriela. �Amigas da criança� tem novas exigências. Folha de S. Paulo, 13 jun. 2001. CadernoCotidiano, p.C1

7INSTITUTO ETHOS. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 08 Jun 2001.

8SCHARF, Regina. Instituto Ethos lança guia de balanços sociais. Gazeta Mercantil, São Paulo, 06 jun. 2001. CadernoAdministração & Marketing, p.C5.

9CAVALCANTI, Hylda. Ipea relaciona ação social das empresas. Gazeta Mercantil, São Paulo, 29 maio 2001. p.A11.

10A informação referente ao GIFE foi extraída de: SCHARF, Regina. Investimento social privado está mais profissional.Gazeta Mercantil, São Paulo, 23 maio 2001. p.A9.

11SCHARF, Regina. Investimento social privado está mais profissional. Gazeta Mercantil, São Paulo, 23 maio 2001. p.A9

12SCHARF, Regina; ANTIQUERA, Daniel. Social entra para o coração das empresas. Gazeta Mercantil, São Paulo, 07jun. 2001. Caderno Nacional, p.A6.

13Informações sobre Boticário e Pão de Açúcar foram extraídas de: COMPANHIA com responsabilidade social sedestaca no marketing. Valor Econômico, São Paulo, 8 a 10 jun. 2001. Caderno Empresas, p.B2.

REFERÊNCIAS

AGLIERI, Liliam; BORINELLI, Benilson. Responsabilidade social empresarial. Folha do Paraná, Londrina, 13set. 2000. p.3.

BALANÇO social 2001. Expressão, Florianópolis: Ed. Expressão Sul, v.11, n.112, 2001

BITTAR, Rodrigo. Pesquisa do IPEA faz mapa do investimento no terceiro setor. Valor Econômico, São Paulo, 29maio 2001. Caderno Empresas, p.B2.

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