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Responsabilidades, Garantias e Seguros para a Cobertura de Danos na Construção Nuno Ricardo Oliveira Seara Bento Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil Júri Presidente: Professor António Heleno Domingues Moret Rodrigues Orientador: Professor Luís Manuel Alves Dias Co-orientador: Eng.º. Nuno Gonçalo Cordeiro Marques de Almeida Vogal: Eng.º. Luís Manuel Antunes da Costa Outubro de 2009

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Responsabilidades, Garantias e Seguros para a

Cobertura de Danos na Construção

Nuno Ricardo Oliveira Seara Bento

Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em

Engenharia Civil

Júri

Presidente: Professor António Heleno Domingues Moret Rodrigues

Orientador: Professor Luís Manuel Alves Dias

Co-orientador: Eng.º. Nuno Gonçalo Cordeiro Marques de Almeida

Vogal: Eng.º. Luís Manuel Antunes da Costa

Outubro de 2009

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I

RESUMO

Aliado há crescente preocupação com o aumento da qualidade no sector da construção em

Portugal, surgiu a necessidade de criar um sistema de responsabilidades, garantias e seguros

eficaz para a cobertura de danos na construção. A criação desse sistema traria melhorias muito

significativas na forma como devem ser responsabilizados os diversos intervenientes de uma obra,

bem como na salvaguarda dos interesses dos proprietários.

Em Portugal, não existe um regime de responsabilidades pelos danos na construção, o que leva a

que a responsabilização pelos erros apenas recaia sobre os empreiteiros e os donos de obra,

ficando os autores do projecto, gestores da qualidade, coordenadores de segurança e saúde,

fiscalização, entre outros intervenientes no processo construtivo ilibados da reparação dos danos

resultantes dos seus erros. Recentemente, foram estabelecidas medidas que visam alterar esta

situação, contudo ainda não se conhecem os efeitos práticos desta reforma legislativa.

A primeira medida a tomar na implementação de um sistema de responsabilidades, garantias e

seguros deveria contemplar a criação de um enquadramento legal adequado, em que a

informação não se encontre dispersa, nem suscite múltiplas interpretações, à semelhança do que

acontece actualmente.

No nosso país, é frequente encontrar casas novas com muitos defeitos, por norma associados a

erros de concepção/projecto e de execução, o que leva à necessidade de criar um sistema de

recolha de dados dos sinistros declarados às diversas entidades responsáveis.

Outro aspecto que deveria ser revisto está relacionado com a ausência de um sistema de

garantias e seguros de adesão voluntária ou obrigatória para a cobertura de danos na construção.

Actualmente, as obras particulares apenas têm uma garantia de 5 anos, independentemente do

tipo de defeito, não existindo nenhum seguro associado à garantia. No que toca às obras públicas,

o Código dos Contratos Públicos definiu garantias de 2, 5 e 10 anos, embora também não estejam

contemplados seguros associados.

Para introduzir esse sistema em Portugal importa ter em conta a realidade de países com

sistemas de garantias e seguros implementados, procurando transpor-se algumas das melhores

práticas para o nosso país.

No presente trabalho, procuram focar-se os diversos temas acima citados. Inicialmente, faz-se a

análise dos defeitos em construções novas, bem como de toda a legislação vigente em Portugal

sobre esta problemática. Em seguida, analisam-se os principais seguros existentes no nosso país

e os sistemas de responsabilidades, garantias e seguros de cinco países – França, Espanha,

Reino Unido, Estados Unidos e Canadá – tendo em vista a criação de uma proposta de

responsabilidades, garantias e seguros para Portugal.

Palavras-Chave: Seguros, garantias, responsabilidades, patologias, qualidade, construção,

defeitos na construção

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III

Abstract

Allied with the growing concern with the improvement of quality in the construction sector in

Portugal, it becomes necessary to create an effective liability, warranties and insurance system to

cover damages in construction. Creating such a system would significantly improve and clarify

stakeholders’ (the intervening parties) responsibilities, as well as the safeguard of the interests of

owners.

In Portugal, there is no liability system regarding damage in construction, which leads to liabilities

concerning errors only being attributed to contractors and promoters, thus relieving all other parties

from these responsibilities. This means the project’s authors, quality technicians, safety and health

coordinators, supervision technicians among other stakeholders are relieved from reparation for

damages caused by their errors. Recently, measures have been established to change this

situation, however still practical effects of this legislative reform are unknown.

The first step to implement a liability, warranties and insurance system should include the

establishment of an appropriate legal framework, in which the information is not disperse, nor

ambiguous, as currently happens.

In Portugal, new houses often come with many defects, usually associated with errors in design

and execution, thus leading to the need to create a database of complaints reported to the

concerning authorities.

Another aspect that should be reviewed is related to the absence of a voluntary or mandatory

warranties and insurance system to cover damages in construction. Currently, private construction

works have only a 5 years warranty, regardless to the type of defect which may be found, there is

no insurance associated with that warranty. Regarding public construction works, the Public

Contracts Code establishes warranties of 2, 5 and 10 years but no insurance associated.

To introduce this system in Portugal is important to take in account the study of countries where

warranties and insurance systems are implemented, looking to transpose the best aspects to our

country.

In this study, we tried to focus on the various issues mentioned above. Initially, the defects in new

construction are analyzed as well as all current Portuguese legislation concerning this issue. Then

a study is done of the main existing insurance in our country and the liabilities, warranties and

insurance systems in five countries - France, Spain, UK, USA and Canada – are examined in order

to create a proposal of a liability, warranties and insurance system for Portugal.

Keywords: Insurances, warranties, liability, pathology, quality, construction, defects in

constructions

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V

Agradecimentos

A concretização deste trabalho, apesar do seu carácter individual, não teria sido possível sem a

valorosa contribuição de algumas pessoas, a quem pretendo expressar o meu agradecimento.

Ao Professor Luís Manuel Alves Dias, orientador científico desta dissertação, expresso o meu

profundo agradecimento pela orientação dada, nomeadamente pelas sugestões, exigência e

disponibilidade demonstrada, bem como pela revisão da dissertação.

Ao Eng. Nuno Almeida, co-orientador desta dissertação, pelo importante contributo prestado,

mostrando-se sempre disponível, dando total apoio à investigação realizada. Também gostaria de

lhe agradecer pelas sugestões dadas e pela revisão da dissertação.

Ao Eng. Luís Costa da seguradora ASEFA, pelos importantes esclarecimentos prestados e

também por toda a disponibilidade demonstrada. Às seguradoras Império Bonança – Companhia

de Seguros S.A., Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, Companhia de Seguros AXA

Portugal e aos diversos intervenientes no processo construtivo consultados pelos esclarecimentos

dados e pela vontade em colaborar no desenvolvimento deste trabalho. Ao Sr. Marques Ferreira

do Gabinete de Seguros da Ordem dos Engenheiros pela disponibilidade e interesse

demonstrados.

Ao João Valente pela revisão do inglês e ao José Borges pelos esclarecimentos relativos à

legislação portuguesa.

À minha família – pai, mãe, irmã e avós – pelo incentivo, apoio, carinho e preocupação sempre

manifestados ao longo do meu percurso académico, bem como na minha vida pessoal. Sem eles,

nada disto teria sido possível.

Por fim, a todos os meus amigos, que contribuíram, de forma directa ou indirecta, para a

realização deste trabalho.

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VII

ÍNDICE

RESUMO .............................................................................................................................. I

ABSTRACT ......................................................................................................................... III

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. V

ÍNDICE ............................................................................................................................. VII

ÍNDICE TABELAS.............................................................................................................. XIII

ÍNDICE FIGURAS ............................................................................................................... XV

ABREVIATURAS .............................................................................................................. XVII

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 1

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................................................... 1

1.2. OBJECTIVOS DA DISSERTAÇÃO .............................................................................................. 1

1.3. METODOLOGIA DA DISSERTAÇÃO ........................................................................................... 2

1.4. ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ........................................................................................... 2

2. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO ............................................................................................ 5

2.1. GENERALIDADES.................................................................................................................. 5

2.2. EVOLUÇÃO DO PARQUE HABITACIONAL PORTUGUÊS ............................................................... 5

2.3. ESTADO DE CONSERVAÇÃO DOS EDIFÍCIOS EM PORTUGAL ....................................................... 7

2.4. TENDÊNCIAS NO SECTOR DA CONSTRUÇÃO EM PORTUGAL..................................................... 10

2.5. SINISTROS NA CONSTRUÇÃO TENDO EM CONTA O TIPO DE DEFEITO ....................................... 12

2.6. SINISTROS NA CONSTRUÇÃO EM FUNÇÃO DO ELEMENTO CONSTRUTIVO .................................. 14

2.7. PRINCIPAIS PATOLOGIAS NA CONSTRUÇÃO ........................................................................... 16

2.8. CUSTOS DE REPARAÇÃO .................................................................................................... 16

2.9. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO................................................................................. 17

3. ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS

CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL ........................................................................................... 19

3.1. GENERALIDADES................................................................................................................ 19

3.2. CONTRATO DE COMPRA E VENDA VS CONTRATO DE EMPREITADA ........................................... 20

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VIII

3.3. LEGISLAÇÃO SOBRE RESPONSABILIDADES ............................................................................ 21

3.3.1. GENERALIDADES ........................................................................................................ 21

3.3.2. RESPONSABILIDADE CIVIL ........................................................................................... 23

3.3.3. EXECUÇÃO DA OBRA EM CONFORMIDADE COM O CONTRATO .......................................... 24

3.3.4. COMPROVATIVO DO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO ........................................................... 25

3.3.5. VERIFICAÇÃO DA OBRA ............................................................................................... 25

3.3.6. CASOS DE IRRESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO ........................................................ 26

3.3.7. DEFEITOS DE OBRA: DENÚNCIA DOS DEFEITOS E DIREITOS DO DONO OBRA ..................... 26

3.4. LEGISLAÇÃO SOBRE GARANTIAS .......................................................................................... 27

3.4.1. IMÓVEIS DESTINADOS A LONGA DURAÇÃO..................................................................... 27

3.4.1.1. PRAZO DE GARANTIA ........................................................................................... 27

3.4.1.2. CONTROVÉRSIAS DO ARTIGO 1225º DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS ......................... 28

3.4.1.3. PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO PRAZO DE GARANTIA EM PORTUGAL ....................... 29

3.4.2. OBRAS PÚBLICAS ....................................................................................................... 30

3.4.3. OBRAS DE URBANIZAÇÃO ............................................................................................ 31

3.4.4. GARANTIA DO BOM FUNCIONAMENTO ........................................................................... 31

3.4.5. VENDAS DE BENS DE CONSUMO................................................................................... 32

3.4.5.1. DIREITOS DO CONSUMIDOR .................................................................................. 32

3.4.5.2. TRANSPOSIÇÃO DA DIRECTIVA Nº 1999/44/CE ....................................................... 32

3.4.5.3. ÚLTIMAS ALTERAÇÕES RELATIVAS À VENDA DE BENS DE CONSUMO ......................... 34

3.5. LEGISLAÇÃO SOBRE SEGUROS ............................................................................................ 34

3.5.1. GENERALIDADES ........................................................................................................ 34

3.5.2. POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL SER OBJECTO DE CONTRATO DE

SEGURO ............................................................................................................................... 35

3.5.3. MONTANTE DO CAPITAL SEGURO ................................................................................. 36

3.5.4. SEGURO PARA OBRAS PÚBLICAS ................................................................................. 37

3.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ................................................................................ 38

4. SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO ................................................................................. 39

4.1. GENERALIDADES ............................................................................................................... 39

4.2. O RISCO E O SEGURO ........................................................................................................ 40

4.3. APÓLICES DE SEGUROS DISPONÍVEIS NO MERCADO DA CONSTRUÇÃO .................................... 40

4.4. PRINCIPAIS SEGUROS PARA A COBERTURA DE DANOS NA CONSTRUÇÃO EM PORTUGAL ............ 41

4.4.1. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL (SRCP) ....................................... 41

4.4.2. SEGURO CONTRA TODOS OS RISCOS NA CONSTRUÇÃO (CAR) ....................................... 42

4.4.3. SEGURO DECENAL ..................................................................................................... 45

4.4.4. SEGURO DE PERDAS DE EXPLORAÇÃO E SEGURO DE CAUÇÃO ........................................ 48

4.5. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA NACIONAL ................................................................. 49

4.5.1. FASE DE PROJECTO .................................................................................................... 49

4.5.2. FASE DE CONSTRUÇÃO E PÓS-CONSTRUÇÃO ................................................................ 50

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IX

4.6. ORGANISMOS DE CONTROLO TÉCNICO ................................................................................. 51

4.7. PROTOCOLO COM A ORDEM DOS ENGENHEIROS ................................................................... 51

4.8. SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO POR CONTA DE OUTREM ............................................. 53

4.9. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO................................................................................. 54

5. SISTEMA DE RESPONSABILIDADE, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES .............. 55

5.1. GENERALIDADES................................................................................................................ 55

5.2. SISTEMA FRANCÊS ............................................................................................................. 57

5.2.1. GENERALIDADES ........................................................................................................ 57

5.2.2. REGIME DE RESPONSABILIDADES DOS INTERVENIENTES NO PROCESSO CONSTRUTIVO ...... 58

5.2.3. REGIME DE GARANTIAS OBRIGATÓRIAS ........................................................................ 59

5.2.3.1. GARANTIA DE “PERFEITO ACABAMENTO” ............................................................... 59

5.2.3.2. GARANTIA DE “BOM FUNCIONAMENTO” .................................................................. 60

5.2.3.3. GARANTIA DECENAL ............................................................................................ 60

5.2.4. SEGUROS DE SUBSCRIÇÃO OBRIGATÓRIA ..................................................................... 61

5.2.4.1. GENERALIDADES ................................................................................................. 61

5.2.4.2. SEGURO DE RESPONSABILIDADE DECENAL ............................................................ 62

5.2.4.3. SEGURO DE REPARAÇÃO DE DANOS ..................................................................... 63

5.2.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA FRANCÊS............................................................. 64

5.3. SISTEMA ESPANHOL ........................................................................................................... 65

5.3.1. GENERALIDADES ........................................................................................................ 65

5.3.2. REGIME DE RESPONSABILIDADES DOS INTERVENIENTES NO PROCESSO CONSTRUTIVO ...... 66

5.3.3. REGIME DE GARANTIAS E SEGUROS ............................................................................. 68

5.3.4. CÓDIGO TÉCNICO DA CONSTRUÇÃO ............................................................................. 70

5.3.4.1. GENERALIDADES ................................................................................................. 70

5.3.4.2. ESTRUTURA, OBJECTIVOS E ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO CTE ................................... 71

5.3.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA ESPANHOL ........................................................... 72

5.4. SISTEMA DO REINO UNIDO .................................................................................................. 73

5.4.1. GENERALIDADES ........................................................................................................ 73

5.4.2. REGIME DE RESPONSABILIDADES ................................................................................. 74

5.4.3. REGIME DE GARANTIAS E SEGUROS ............................................................................. 76

5.4.3.1. GENERALIDADES ................................................................................................. 76

5.4.3.2. SEGUROS DE RESPONSABILIDADE ......................................................................... 76

5.4.3.3. SISTEMA NHBC .................................................................................................. 77

5.4.3.4. SISTEMA DE SEGUROS DE CONSTRUÇÃO PARA EDIFÍCIOS NÃO RESIDENCIAIS ............ 79

5.4.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA DO REINO UNIDO .................................................. 79

5.5. SISTEMA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (EUA) ............................................................. 80

5.5.1. GENERALIDADES ........................................................................................................ 80

5.5.2. REGIME DE GARANTIAS ............................................................................................... 81

5.5.2.1. GENERALIDADES ................................................................................................. 81

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X

5.5.2.2. GARANTIAS EXPLÍCITAS ....................................................................................... 81

5.5.2.3. GARANTIAS IMPLÍCITAS ........................................................................................ 81

5.5.2.4. GARANTIAS DE TERCEIROS .................................................................................. 82

5.5.3. POLÍTICAS EM ALGUNS ESTADOS ................................................................................. 83

5.5.3.1. GENERALIDADES ................................................................................................. 83

5.5.3.2. ESTADO DE OREGON ........................................................................................... 83

5.5.3.3. ESTADO DE WASHINGTON .................................................................................... 84

5.5.3.4. ESTADO DO TEXAS .............................................................................................. 85

5.5.3.5. ESTADO DE NEW JERSEY ..................................................................................... 85

5.5.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA NORTE-AMERICANO .............................................. 86

5.6. SISTEMA CANADIANO ......................................................................................................... 86

5.6.1. GENERALIDADES ........................................................................................................ 86

5.6.2. SISTEMA DE RESPONSABILIDADES ................................................................................ 87

5.6.3. SISTEMA DE GARANTIAS E SEGUROS NA PROVÍNCIA DE BRITISH COLUMBIA ...................... 88

5.6.3.1. GENERALIDADES ................................................................................................. 88

5.6.3.2. LICENÇAS DE CONSTRUÇÃO E TAXAS APLICADAS ................................................... 89

5.6.3.3. CONDIÇÕES DE AQUISIÇÃO DE GARANTIAS DE TERCEIRA PARTE .............................. 90

5.6.3.4. PRINCIPAIS EXCLUSÕES, DOCUMENTAÇÃO REQUERIDA E AVISO DE RECLAMAÇÃO ..... 90

5.6.3.5. PRINCIPAIS CONDIÇÕES DAS GARANTIAS OBRIGATÓRIAS E PERÍODOS MÍNIMOS DE

COBERTURA...................................................................................................................... 91

5.6.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SISTEMA CANADIANO ................................................ 92

6. PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A

COBERTURA DE DANOS NA CONSTRUÇÃO ........................................................................... 93

6.1. GENERALIDADES ............................................................................................................... 93

6.2. COMISSÃO TÉCNICA ESPECIALIZADA .................................................................................... 96

6.3. SISTEMA DE RECOLHA DE DADOS DOS SINISTROS DECLARADOS ÀS SEGURADORAS ................. 98

6.4. RESPONSABILIDADES DOS INTERVENIENTES NO PROCESSO CONSTRUTIVO ............................ 101

6.5. SISTEMA DE GARANTIAS ................................................................................................... 103

6.5.1. SISTEMA DE GARANTIAS PARA AS OBRAS PÚBLICAS ..................................................... 103

6.5.2. SISTEMA DE GARANTIAS PARA EDIFÍCIOS DE HABITAÇÃO .............................................. 105

6.6. SISTEMA DE SEGUROS ..................................................................................................... 107

6.6.1. GENERALIDADES ...................................................................................................... 107

6.6.2. ALTERNATIVA 1: SEGURO DE CAUÇÃO ........................................................................ 108

6.6.3. ALTERNATIVA 2: CAR+SRCP+SEGURO DECENAL ...................................................... 110

6.6.3.1. GENERALIDADES ............................................................................................... 110

6.6.3.2. SEGURO CONTRA TODOS OS RISCOS NA CONSTRUÇÃO (CAR).............................. 110

6.6.3.3. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL (SRCP) .............................. 112

6.6.3.4. SEGURO DECENAL ............................................................................................ 115

6.6.3.5. CONSIDERAÇÕES DA ALTERNATIVA 2 .................................................................. 116

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XI

6.6.4. ALTERNATIVA 3: SEGURO ÚNICO ................................................................................ 118

6.6.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SISTEMA DE SEGUROS ............................................ 121

6.7. CÓDIGO TÉCNICO DA CONSTRUÇÃO ................................................................................... 122

6.8. FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DOS CONTROLADORES TÉCNICOS ............................................ 124

6.9. SÍNTESE DA PROPOSTA E CRONOGRAMA FINAL................................................................... 125

6.9.1. SÍNTESE DA PROPOSTA ............................................................................................. 125

6.9.2. CRONOGRAMA DA PROPOSTA .................................................................................... 127

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 129

7.1. CONCLUSÕES .................................................................................................................. 129

7.2. AVALIAÇÃO DO TRABALHO REALIZADO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS ............................... 132

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 133

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XII

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XIII

ÍNDICE TABELAS

Tabela 2.1 – Evolução das taxas de crescimento dos alojamentos em países da União Europeia e

EUA (Adaptado: Rodrigues, 2001). ............................................................................................................... 6

Tabela 2.2 – Principais causas das patologias em edifícios (Adaptado: Esteves, 2008 e “Sycodés”,

2008). ........................................................................................................................................................ 12

Tabela 2.3 – Necessidades de reparação em função do elemento construtivo em Portugal (Adaptado:

Afonso, 2001). ........................................................................................................................................... 14

Tabela 2.4 - Análise dos sinistros, em França, tendo em conta os diversos elementos construtivos

(Adaptado: “Sycodés”, 2008). ..................................................................................................................... 15

Tabela 2.5 - Principais patologias na construção em França, 1995 a 2007 (Adaptado: “Sycodés”,

2008). ........................................................................................................................................................ 16

Tabela 2.6 – Custos de reparação, em França, tendo em conta o tipo de defeito (Adaptado: “Sycodés”,

2008). ........................................................................................................................................................ 17

Tabela 2.7 – Custos de reparação, em França, tendo em conta o elemento construtivo (Adaptado:

“Sycodés”, 2008). ...................................................................................................................................... 17

Tabela 4.1 – Opções de diferentes capitais para o SRCP da OE (Fonte: Ordem dos Engenheiros,

2008). ........................................................................................................................................................ 52

Tabela 5.1 – Práticas de seguro de construção em países europeus (ECCE, 2004). .................................... 56

Tabela 5.2 – Garantia de “Perfeito Acabamento” (Adaptado: Lei Spinetta, 1978). ........................................ 59

Tabela 5.3 – Garantia de “Bom Funcionamento” (Adaptado: Lei Spinetta, 1978). ......................................... 60

Tabela 5.4 – Garantia Decenal (Adaptado: Lei Spinetta, 1978). ................................................................... 61

Tabela 5.5 – Seguro de Responsabilidade Decenal (Adaptado: Lei Spinetta, 1978). .................................... 63

Tabela 5.6 – Seguro de Reparação de Danos (Adaptado: Lei Spinetta, 1978). ............................................ 63

Tabela 5.7 – Regime de Responsabilidades em Espanha (Fonte: LOE, 1999). ............................................ 66

Tabela 5.8 – Seguro de Danos Materiais ou Seguro de Caução para o primeiro ano da construção

(Fonte: LOE, 1999). ................................................................................................................................... 68

Tabela 5.9 – Seguro de Danos Materiais ou Seguro de Caução para os três primeiros anos da

construção (Fonte: LOE, 1999). .................................................................................................................. 68

Tabela 5.10 – Seguro de Danos Materiais ou Seguro de Caução para os dez primeiros anos da

construção (Fonte: LOE, 1999). .................................................................................................................. 69

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XIV

Tabela 5.11 – Durações das garantias em alguns estados norte-americanos (AAQC, 2006). ........................ 83

Tabela 6.1 – Dados contemplados na informação fornecida à Comissão (“Sycodés”, 2006; “Sycodés”,

2008 e ASEFA, 2009). ................................................................................................................................ 99

Tabela 6.2 – Custo do prémio de seguro de caução (prestação de caução de 10% e duração do

seguro de 5 anos). ................................................................................................................................... 109

Tabela 6.3 – Custo do prémio do SRCP. ................................................................................................... 111

Tabela 6.4 – Indemnização a máxima a pagar pelo projectista segundo o CCP.......................................... 113

Tabela 6.5 – Custo do prémio do SRCP. ................................................................................................... 114

Tabela 6.6 – Custo do prémio do seguro decenal. ..................................................................................... 116

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XV

ÍNDICE FIGURAS

Figura 2.1 – Evolução das taxas de crescimento dos alojamentos e das famílias em Portugal

(Adaptado: Rodrigues, 2001). ....................................................................................................................... 6

Figura 2.2 – Evolução do número de fogos licenciados em Portugal de 1995 a 2007 (Adaptado:

Esteves, 2008 e INE, 2008). ......................................................................................................................... 7

Figura 2.3 – Estado de conservação dos edifícios em Portugal em 2001 (Adaptado: Sousa, 2004). ............... 9

Figura 2.4 – Relação entre a idade dos edifícios e o seu estado de conservação em Portugal (Fonte:

Sousa, 2004). .............................................................................................................................................. 9

Figura 2.5 – Investimentos realizados na construção em diversos países da UE (Adaptado: Sousa,

2004). ........................................................................................................................................................ 11

Figura 2.6 – Tipos de erros na construção em França, 2003 a 2007 (Fonte: “Sycodés”, 2008). .................... 13

Figura 2.7 – Análise dos sinistros, em França, tendo em conta os diversos elementos construtivos,

2003 a 2007 (Adaptado: “Sycodés”, 2008). ................................................................................................. 15

Figura 4.1 – Seguro decenal na Europa (Fonte: Montull, 2008). .................................................................. 45

Figura 5.1 – Sistema de Garantias em França (Adaptado: Lei Spinetta, 1978). ............................................ 61

Figura 5.2 – Regime de Garantias em Espanha (Fonte: LOE, 1999). ........................................................... 70

Figura 6.1 – Cronograma da criação do organismo e elaboração, apreciação e alterações/aprovação

do documento. ........................................................................................................................................... 96

Figura 6.2 – Cronograma de um sistema de recolha de dados dos sinistros declarados às seguradoras

portuguesas. ............................................................................................................................................ 100

Figura 6.3 – Cronograma do sistema de garantias para as obras públicas. ................................................ 105

Figura 6.4 – Cronograma do sistema de garantias para as obras particulares. ........................................... 106

Figura 6.5 – Cronograma final da proposta. .............................................................................................. 128

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XVI

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XVII

ABREVIATURAS

AECOPS – Associação de Empresas de Construção de Obras Públicas

AICE – Associação dos Industriais da Construção de Edifícios

ANEOP – Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas

AQC – Agence Qualité Constrution

CAR – Construction All Risk

CC – Código Comercial

CCE – Código Civil de Espanha

CCF – Código Civil Francês

CCivil – Código Civil Português

CCP – Código dos Contratos Públicos

CMG – Certificate of Making Good Defects

CPC – Certificate of Pratical Completion

CSF – Código de Seguros Francês

CTC – Código Técnico da Construção

CTE – Código Técnico de la Edificación

DL – Decreto-Lei

DO – Dono de Obra

EUA – Estados Unidos da América

FEPICOP – Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas

FTH – Ficha Técnica da Habitação

HPO – Homeowner Protection Office

INE – Instituto Nacional de Estatística

LOE – Ley de Ordenación de la Edificación

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XVIII

NHBC – Conselho Nacional de Edifícios de Habitação

OCT – Organismo de Controlo Técnico

OE – Ordem dos Engenheiros

OPQCB – Office Public de Qualification et de Certification du Bâtiment

RECRIA – Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados

RU – Reino Unido

“Sycodés” – Sisteme de Collecte des Désordres

SRCP – Seguro de responsabilidade civil profissional

TRCC – Texas Residential Construction Commission

UCC – Uniform Construction Code

UE – União Europeia

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1

1. INTRODUÇÃO

1.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Quando se compra uma habitação, não se espera que, pelo menos num futuro próximo, esta

venha a causar problemas, mas nos casos em que tal acontece, pretende-se uma reparação

rápida e sem incómodos adicionais.

A realidade porém mostra que numerosas casas, recentemente construídas, apresentam

patologias. Para além disso, na maioria das situações, os problemas inerentes à reparação dos

danos por parte dos responsáveis (promotores e/ou construtores) apenas são solucionados nos

tribunais.

Com a criação de um sistema eficaz de garantias e seguros para a cobertura de danos na

construção, passaria a existir um suporte na responsabilização dos diversos intervenientes de uma

obra, ficando ainda assegurada a cobertura dos custos de reparação por parte das seguradoras.

Para a criação de um tal sistema no nosso país, importa ter em conta a experiência de outros

países onde o regime de responsabilidades, garantias e seguros já foi implementado.

1.2. OBJECTIVOS DA DISSERTAÇÃO

O principal objectivo da presente dissertação é propor a criação de um sistema de

responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção, analisando-se

para tal a realidade nacional, bem como algumas práticas de países que já implementaram

sistemas semelhantes.

Esta necessidade surge do estado actual dos seguros no nosso país, onde não existe um sistema

de garantias e seguros de adesão voluntária ou obrigatória que cubra eventuais erros nas

construções:

"No que respeita às obras públicas, o factor determinante é o caderno de encargos, uma vez que

cada dono de obra faz as suas exigências, existindo mesmo alguns que pretendem que os

empreiteiros segurem riscos que são próprios do dono de obra ou dos seus projectistas, o que não

faz sentido. Existem outros donos de obra que apresentam clausulados incompreensíveis, que

nem eles próprios conseguem explicar o que pretendem e talvez porque os copiaram de um

modelo qualquer e fizeram-no mal. Já no que concerne às obras particulares, não há sequer

regras, nem uma conduta típica, a legislação que regulamenta o licenciamento de obras

particulares não contém, actualmente, qualquer disposição legal que obrigue à celebração de

seguro." (Adolfo Carranca, advogado que se dedica ao estudo desta problemática – citado numa

publicação realizada pela AECOPS intitulada de “Seguros para a construção dependem do risco e

da negociação”).

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INTRODUÇÃO – CAPÍTULO 1

2

Para que se possa implementar um sistema de garantias e seguros eficaz, importa começar pela

análise da situação actual, no que toca aos principais defeitos em construções novas e legislação

vigente. Em seguida, importa efectuar uma análise aos seguros que podem ser contratados em

Portugal e aqueles que realmente são contratados.

Sabendo aquilo que está disponível no nosso país, deve comparar-se com o que existe em países

com experiência prática neste contexto, analisando-se a possibilidade de aproveitar algumas

dessas matérias para a realidade portuguesa, implementando-se assim um regime que poderia

trazer melhorias significativas na qualidade da construção, bem como na satisfação dos

sucessivos adquirentes do imóvel.

1.3. METODOLOGIA DA DISSERTAÇÃO

Para a realização desta dissertação foi seguida a metodologia que em seguida se refere:

Recolha e análise da legislação vigente em Portugal, no que toca a responsabilidades,

garantias e seguros para a cobertura de danos na construção;

Recolha e análise de elementos estatísticos relacionados com a evolução do sector da

construção em Portugal e com os principais defeitos em construções novas em Portugal e

em França;

Entrevistas com responsáveis de seguradoras e assistentes mediadores de seguros, bem

como com o responsável pelo Gabinete de Seguros da Ordem dos Engenheiros;

Reuniões com alguns dos intervenientes no processo construtivo;

Consulta de apólices de seguro e outra bibliografia relativa ao tema em análise;

Recolha e análise da legislação vigente em França, Espanha, Reino Unido (RU), Estados

Unidos da América (EUA) e Canadá, no que toca a responsabilidades, garantias e seguros

para a cobertura de danos na construção;

Análise de toda a informação obtida e formulação de uma proposta de criação de um

sistema de garantias e seguros para a cobertura de danos em construções, que constitui o

objectivo principal desta dissertação.

1.4. ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

A presente dissertação está dividida nas seguintes cinco partes:

A primeira parte, correspondente ao capítulo 2, aborda a problemática dos defeitos em

construções novas. Inicialmente, são apresentados dados relativos às taxas de evolução

das famílias, dos alojamentos e do número de fogos licenciados, procurando analisar-se o

desenvolvimento da construção em Portugal. Em seguida, são estudados os defeitos nas

construções, em particular em construções novas, analisando-se os principais erros, as

patologias que lhes estão associadas e os elementos construtivos afectados, sendo feita

uma comparação com os dados dos sinistros em França. Por fim, referem-se os custos de

reparação face aos custos de construção dos danos anteriormente analisados;

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INTRODUÇÃO – CAPÍTULO 1

3

A segunda parte, correspondente ao capítulo 3, procura analisar a legislação vigente em

Portugal no âmbito da temática abordada. Também são abordados os principais

problemas com a legislação em vigor e as propostas de alteração que surgiram no

passado recente. Por fim, faz-se uma evolução histórica da legislação relativa a seguros

em Portugal, enumerando-se as principais alterações desde o início da década passada.

A terceira parte desta dissertação, correspondente ao capítulo 4, analisa as apólices de

seguro existentes para a cobertura de danos na construção, dando-se especial atenção às

que podem ser contratadas em Portugal. Também, são estudados alguns aspectos

relevantes da situação portuguesa, tais como a existência de um protocolo entre a Ordem

dos Engenheiros e uma Companhia de Seguros e o papel dos Organismos de Controlo

Técnico.

A quarta parte desta dissertação, correspondente ao capítulo 5, descreve os sistemas de

responsabilidades, garantias e seguros em cinco países (França, Espanha, RU, EUA e

Canadá). Para além da sua descrição, procura fazer-se a comparação dos dados

analisados com os de Portugal.

Por fim, na quinta parte desta dissertação, correspondente ao capítulo 6, é realizada uma

proposta de criação de um sistema de responsabilidades, garantias e seguros para

Portugal, que é composta por:

Proposta de criação de uma Comissão Técnica Especializada;

Proposta de um sistema de recolha de dados dos sinistros declarados às

seguradoras;

Proposta de um regime de responsabilidades dos intervenientes no processo

construtivo;

Proposta de um sistema de garantias para as obras públicas e para os edifícios

de habitação;

Proposta de um sistema de seguros de adesão voluntária ou obrigatória para as

obras públicas e para os edifícios de habitação;

Proposta de um Código Técnico da Construção;

Proposta de formação e qualificação dos Controladores Técnicos.

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INTRODUÇÃO – CAPÍTULO 1

4

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5

2. DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO

2.1. GENERALIDADES

Os defeitos na construção verificados em construções novas, modificadas ou reparadas,

provocados por vício do solo ou da construção, estão na base da necessidade da existência de

um regime claro de responsabilidades, garantias e seguros no processo construtivo. Esse regime

daria seguimento às diversas iniciativas de promoção da qualidade que registaram um impulso

significativo nos últimos anos em Portugal (Esteves, 2008).

O ponto de partida para a criação do referido regime poderá ser a análise da realidade da

construção em Portugal, tendo em conta as perspectivas futuras e os principais defeitos e

patologias que afectam os edifícios. Em Portugal, os dados relativos a erros ou sinistros na

construção apenas podem ser encontrados em trabalhos de investigação realizados por entidades

que se dedicam ao estudo de defeitos, não existindo um sistema de recolha de dados dos sinistros

declarados às seguradoras, à semelhança do que acontece, em França, através do Sistema de

Recolha de Distúrbios (Sisteme de Collecte des Désordres – “Sycodés”).

Em §2.2 faz-se referência a alguns dados relativos à evolução da construção em Portugal, em

especial à evolução das taxas de crescimento dos alojamentos e das famílias e do número de

fogos licenciados, seguindo-se uma análise ao estado de conservação dos edifícios (ver §2.3) e às

perspectivas de evolução da construção (ver §2.4). Nos subcapítulos seguintes analisam-se os

dados relativos a defeitos na construção, particularmente os tipos de erros, elementos construtivos

afectados e as principais patologias (ver §2.5 a §2.7). Em §2.8 é feita uma descrição dos custos

de reparação em França tendo em conta o tipo de defeito e o elemento construtivo afectado. Por

fim, são retiradas as conclusões mais relevantes tendo em vista a elaboração de uma proposta de

criação de um regime de responsabilidades, garantias e seguros na construção em Portugal (ver

§2.9).

2.2. EVOLUÇÃO DO PARQUE HABITACIONAL PORTUGUÊS

Em Portugal, desde há muito que a qualidade da construção tem vindo a ser debatida. A

implementação de um sistema de responsabilidades, garantias e seguros eficaz poderá dar um

contributo significativo para que se verifique o aumento da referida qualidade. Para a

implementação desse sistema é necessária a análise dos erros de construção e dos sinistros em

construções novas. Essa análise está dependente da evolução e das perspectivas para o sector

da construção (Borges, 1991).

A referida evolução está inteiramente ligada com a envolvente económica, social e demográfica e

pode ser estudada através da evolução das taxas de crescimento dos alojamentos e das famílias.

Desde que se realiza o recenseamento à habitação que se verifica uma taxa de crescimento dos

alojamentos superior à taxa de crescimento das famílias.

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

6

Tal como se pode verificar na Figura 2.1, desde 1971 a taxa de crescimento dos alojamentos tem

sido superior a 20%. Apesar dos valores positivos da referida taxa, tem-se verificado um

decréscimo da mesma ao longo do tempo. Relativamente à taxa de crescimento das famílias

constata-se que o seu valor foi sempre inferior ao da taxa de crescimento dos alojamentos nos

últimos 30 anos. Apesar disso, os valores apresentados foram sempre positivos, o que se deve ao

(Afonso, 2007):

Aumento da população residente;

Aumento da esperança média de vida;

Aumento dos divórcios.

Figura 2.1 – Evolução das taxas de crescimento dos alojamentos e das famílias em Portugal (Adaptado:

Rodrigues, 2001).

A tendência da redução da evolução do crescimento da taxa de alojamento verifica-se, também,

noutros países da União Europeia (UE) e nos EUA (Tabela 2.1). Contudo, a quebra verificada em

Portugal é menor do que a dos referidos países: a taxa de crescimento dos alojamentos em

Portugal é o dobro da francesa e da espanhola e o triplo da italiana.

Tabela 2.1 – Evolução das taxas de crescimento dos alojamentos em países da União Europeia e EUA (Adaptado: Rodrigues, 2001).

1970-1981 1981-1991 1991-2001

Portugal 27% 22% 21%

Espanha - 17% 9%

França - 12% 9%

Itália 26% 14% 6%

Grã-Bretanha 11% 9% 8%

Finlândia 26% 20% 13%

EUA 28% 16% 13%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

1971-81 1972-81 1973-81

Alojamento

Famílias

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

7

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), em Portugal, a taxa de crescimento dos

alojamentos é mais expressiva no Litoral, no Algarve e nos Centros Urbanos de média dimensão

do Interior (como por exemplo em Bragança), existindo apenas duas zonas que apresentam uma

taxa de variação das famílias superior à de alojamentos: Açores e Pinhal Novo (Rodrigues, 2001).

Num estudo mais recente realizado pelo INE, verifica-se que o número de fogos licenciados em

Portugal entre 1995 e 2007 teve um aumento até 1999, quando atingiu os 117.830 fogos

licenciados, seguindo-se um decréscimo, que chegou aos 74.050 fogos licenciados em 2005

(Figura 2.2).

Estes valores são um forte indicador das intenções de investimento dos portugueses em habitação

e reflectem que a fase de construção nova poderá estar concluída, existindo, actualmente, uma

média de 1,4 casas por família (Esteves, 2008).

Figura 2.2 – Evolução do número de fogos licenciados em Portugal de 1995 a 2007 (Adaptado: Esteves, 2008

e INE, 2008).

Desde Outubro de 1999, tem-se assistido a uma progressiva desaceleração do investimento em

habitação nova que se deve à evolução desfavorável do rendimento disponível das famílias, que

provoca o seu excessivo endividamento, e ao aumento das taxas de juro do crédito à habitação

(Esteves, 2008). Devido à actual crise mundial, que afecta fortemente o sector da construção, o

cenário de decréscimo do investimento na habitação tenderá a piorar de uma forma ainda mais

significativa.

2.3. ESTADO DE CONSERVAÇÃO DOS EDIFÍCIOS EM PORTUGAL

Em diversas situações do dia-a-dia os portugueses deparam-se com situações que demonstram

que, por vezes, a construção nova em Portugal não tem a qualidade desejada.

Num estudo realizado pela DECO\PRO TESTE, que levou à publicação de um artigo “Habitação

em Portugal: casas novas com muitos defeitos” foram analisadas 34 habitações, na grande Lisboa

e grande Porto, dentro do período de garantia de cinco anos estipulado pelo artigo 1225º do

0

20000

40000

60000

80000

100000

120000

140000

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

Número de fogos licenciados

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

8

Código Civil Português (CCivil). Dessas habitações, apenas 2 não tinham qualquer tipo de defeito,

o que demonstra os problemas afectos à qualidade da construção em Portugal. Uma das formas

que o governo encontrou para alterar esta tendência foi através da criação de uma Ficha Técnica

da Habitação1 (FTH). A FTH é um passo importante para a melhoria da qualidade da construção

em Portugal, embora ainda haja muitas outras medidas que poderiam ser tomadas.

No ano de 2003, a DECO\PRO TESTE recebeu cerca de 2.500 reclamações de defeitos em

construções ainda no prazo de garantia de 5 anos, mas a solução destes problemas tornou-se

num processo muito moroso, que acabou em alguns casos no tribunal. Este facto deve-se em

grande parte à falta de um sistema de garantias e seguros de adesão voluntária ou obrigatória

contra defeitos na construção.

Com a análise efectuada ao artigo publicado pela DECO\PRO TESTE, não é possível tirar

grandes elações sobre os defeitos em construções novas. É também de salientar que a amostra

estudada é bastante pequena e apenas se refere a duas zonas do nosso país (grande Lisboa e

grande Porto). Apesar disso, permite ter uma noção da falta de qualidade das construções em

Portugal devidas a defeitos de construção.

Para aprofundar esta análise relativa a defeitos em construções novas importa conhecer dois

factores que caracterizam os edifícios: idade de construção e estado de conservação.

Relativamente à idade dos edifícios, os Censos de 2001 permitem concluir que houve uma

redução de, aproximadamente, 7% dos alojamentos existentes construídos antes de 1919, quando

comparados com os valores dos Censos de 1991, passando esses alojamentos a representar

5,1% do número total de alojamentos em Portugal (Afonso, 2001).

Da mesma forma, os alojamentos construídos entre 1919-1945 e 1946-1970 também sofreram

uma redução relativamente aos Censos de 1991, sendo que em 2001 o seu peso representava

7,6% e 24,1%, respectivamente. Por fim, o peso dos edifícios construídos entre 1981-1991 e

1992-2001 é de 21,7% e 20%, respectivamente.

Como se pode verificar pelos valores apresentados, apesar da redução da taxa de crescimento

dos alojamentos, na última década estudada nos Censos de 2001, continua a verificar-se uma

forte evolução do parque habitacional português.

Relativamente ao outro factor analisado neste subcapítulo (estado de conservação), é de salientar

que 59,0% dos edifícios não necessitam de reparação, 2,8% encontram-se muito degradados e

38,2% necessitam de reparações, podendo estas ser classificadas de pequenas (22,5%), médias

1 “A FTH é um documento descritivo das características técnicas e funcionais de um prédio urbano para fim habitacional,

reportadas ao momento da conclusão das obras de construção, reconstrução, ampliação ou alteração do mesmo.

A FTH foi criada pelo Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de Março, e o seu modelo aprovado pela Portaria n.º 817/2004, de 16

de Julho, com o intuito de reforçar os direitos dos consumidores à informação e protecção dos seus direitos económicos,

no âmbito da aquisição de prédio urbano para habitação, bem como promover a transparência do mercado” (InCI, 2009).

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

9

(10,4%) ou grandes (5,3%) (Figura 2.3). Os dados que foram descritos neste parágrafo devem ser

analisados com alguns cuidados, já que foram recolhidos por inquiridores sem formação nesta

área e não têm em conta uma avaliação das infra-estruturas não aparentes (como por exemplo

canalizações ou instalações eléctricas).

Figura 2.3 – Estado de conservação dos edifícios em Portugal em 2001 (Adaptado: Sousa, 2004).

Através dos dados disponibilizados pelos Censos de 2001 pode ainda concluir-se que o estado de

conservação dos edifícios está fortemente relacionado com a sua idade. Assim, nos edifícios

construídos antes de 1919 apenas 19,8% se encontram sem necessidades de reparação, 64,8%

precisam de obras de reparação (pequenas, médias ou grandes) e 15,4% se encontravam muito

degradados (Figura 2.4).

Figura 2.4 – Relação entre a idade dos edifícios e o seu estado de conservação em Portugal (Fonte: Sousa,

2004).

-10 20 30 40 50 60 70 80 90

100

1 2 3 4 5

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

10

A relação entre a idade dos edifícios e o seu estado de conservação pode ser, desde logo

constatada nos períodos entre 1919-1945 e 1945-1960, onde, tal como se pode observar na

Figura 2.4, as necessidades de reparação dos edifícios diminuem consoante a idade dos mesmos.

Na última década em que se fez o recenseamento à habitação, o peso dos edifícios sem

necessidade de reparação ascende aos 87,6%, existindo apenas 0,2% de edifícios num estado

muito degradado de conservação e 0,6% a necessitar de grandes reparações. Apesar deste valor

parecer, à primeira vista, insignificante, ele refere-se a um total de 1.489 edifícios com menos de

10 anos, o que é justificado por factores que vão para além da idade dos edifícios (Sousa, 2004):

Falta de qualidade da construção;

Incorrecta utilização dos edifícios.

Outra das análises que pode ser feita refere-se ao estado de conservação dos edifícios consoante

as zonas do país onde estes foram construídos. Por esta análise, conclui-se que a zona do país

que apresenta edifícios em melhor estado de conservação é a Região Autónoma dos Açores, na

qual aproximadamente 35% dos edifícios se encontra degradado, enquanto que o Algarve e a

Região Autónoma da Madeira são os locais que apresentam menor percentagem de edifícios

muito degradados. Antagonicamente, o Norte do país apresenta o maior número de edifícios com

necessidades de reparação elevadas, sendo também esse o local com maior percentagem de

edifícios muito degradados (Rodrigues, 2001).

2.4. TENDÊNCIAS NO SECTOR DA CONSTRUÇÃO EM PORTUGAL

Para o estudo das tendências no sector da construção em Portugal analisa-se a percentagem de

investimento nos diversos mercados construtivos: habitação, reabilitação, não residencial e obras

públicas.

Tal como se pode verificar pela análise da Figura 2.5, em Portugal, apesar do mau estado de

conservação dos edifícios ser elevado, o investimento realizado na reabilitação é baixo

(aproximadamente 6%), quando comparado com a média europeia (aproximadamente 30%). O

investimento na reabilitação em Portugal é menor que o investimento na habitação, não

residencial e em obras públicas, contrariando a generalidade dos países da UE analisados.

Para além deste facto, constata-se que a percentagem de investimento na habitação em Portugal

é a maior dos países analisados, sendo a Suécia o país no qual as percentagens de investimento

diferem mais das portuguesas. A alta percentagem de investimento na reabilitação pode também

ser verificada em países como a França, a Itália e a Grã-Bretanha. Por outro lado, os países que

mais se aproximam da realidade nacional em termos de investimento na construção são a Suíça,

a Espanha e a Irlanda.

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

11

Figura 2.5 – Investimentos realizados na construção em diversos países da UE (Adaptado: Sousa, 2004).

A evolução que se regista na UE, aliada à desaceleração do investimento em habitação nova e ao

mau estado de conservação dos edifícios (ver §2.2 e §2.3) leva a crer que, num futuro próximo, o

mercado da manutenção e reabilitação vá aumentar significativamente em Portugal. No ano de

2001, existiam, no nosso país, 1.291.701 edifícios com necessidades de reparação ou muito

degradados (Afonso, 2001).

Segundo dados do Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados

(RECRIA), o valor médio das obras em edifícios reabilitados é, aproximadamente, 0,0684 milhões

de euros/edifício, o que levará ao valor de 88,4 mil milhões de euros para recuperar todos os

edifícios com carências. Por comparação deste valor com outro datado de 1995 por ocasião do

Projecto Forrehabil2 (intervalo entre os 23.2 e 28,7 mil milhões de euros) percebe-se o

crescimento significativo que o mercado de reparação e manutenção pode atingir.

Existem factores que poderão condicionar a evolução do mercado de reparação e manutenção de

edifícios, tais como, a evolução da economia, as medidas públicas de apoio à reabilitação do

parque habitacional, a resolução do problema do arrendamento, a multiplicidade das entidades

envolvidas no processo de reparação de um edifício, a capacidade de resposta das empresas do

sector da construção ou a interiorização de que os trabalhos de reparação e manutenção

representam um importante investimento patrimonial (Afonso, 2001).

2 Projecto realizado com o objectivo de estimar o Mercado de Obras de Reabilitação do Património Edificado Habitacional e

Monumental em Portugal e comparar com Itália e França.

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

12

2.5. SINISTROS NA CONSTRUÇÃO TENDO EM CONTA O TIPO DE DEFEITO

O mau estado de conservação dos edifícios pode ser causado por factores que vão para lá da sua

deficiente utilização. As primeiras fases do ciclo de vida de um edifício são determinantes na sua

qualidade futura, o que justifica a importância de um aumento da preocupação com cada uma

delas (Esteves, 2008).

Tal como se pode verificar na Tabela 2.2 e Figura 2.6, os resultados dos estudos apresentados

demonstram a importância das fases de projecto e execução no que respeita às causas das

patologias em edifícios. O âmbito desta dissertação está inteiramente relacionado com os sinistros

que ocorrem nas duas fases aqui analisadas e, consequente responsabilização dos intervenientes

em cada uma delas.

Assim, ao longo da fase de projecto, os erros mais frequentes são (Farinha, 2005): má selecção

dos materiais, má selecção do processo construtivo e ausência de pormenorização adequada.

No que respeita à fase de execução, os principais erros são (Farinha, 2005): deficiente

interpretação das especificações do projecto, falta de mão-de-obra qualificada e ausência de

fiscalização.

Tabela 2.2 – Principais causas das patologias em edifícios (Adaptado: Esteves, 2008 e “Sycodés”, 2008).

Defeitos de

Projecto/Concepção

Defeitos de

Materiais

Defeitos de

Execução

Defeitos de

Utilização e Outros

Jean Blevot (França, 1974) 35% - 65% -

LEMIT (Venezuela, 1965-1975) 19% 5% 57% 19%

Bureau Securitas (França, 1979) 43% 6% 43% 8%

S.I.A. (Suiça, 1979) 46% - 44% 10%

F.Gabaldón (Espanha, 1982) 41% 13% 31% 15%

A.Paterson (Londres, 1984) 37% 5% 51% 7%

C.S.T.C. (Bélgica, 1971) 46% 15% 22% 17%

Thomaz Ripper (Lisboa, 1997) 36% 37% 32% 15%

Athanazio, A. e Trajano, I. (Brasil, 1998) 21% 14% 54% 11%

Bureau Veritas (Lisboa, 2007) 43% 15% 30% 12%

"Sycodés" (França, 1995-1998) 19% 5% 71% 5%

"Sycodés" (França, 1999-2002) 13% 3% 78% 6%

"Sycodés" (França, 2003-2007) 11% 4% 79% 6%

Outro dos aspectos que se constata com a análise da Tabela 2.2 está relacionado com a

discrepância dos resultados obtidos nos diversos estudos analisados. Se por um lado alguns

estudos indicam a fase de projecto como a principal causadora de defeitos na construção, outros

consideram a fase de execução como a principal responsável pelos sinistros.

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

13

Figura 2.6 – Tipos de erros na construção em França, 2003 a 2007 (Fonte: “Sycodés”, 2008).

É de salientar que as duas fases aqui analisadas correspondem ao período de tempo do ciclo de

vida da construção onde se procura adaptar o projecto à realidade. Este facto pode justificar os

diferentes resultados obtidos, uma vez que, enquanto alguns autores podem considerar um defeito

como sendo derivado de projecto, outros poderão interpretá-lo como sendo derivado de erro na

construção (Esteves, 2008).

Ao contrário do que acontece no nosso país, em França, existe um organismo denominado de

Agência de Qualidade da Construção (Agence Qualité Constrution – AQC) que criou um

mecanismo de recolha e análise dos sinistros declarados às companhias seguradoras. Através do

“Sycodés” é descrita a patologia, o elemento construtivo onde existe o defeito, a causa que origina

a patologia e os custos de reparação inerentes.

Este sistema existente em França foi criado em 1986 no âmbito da garantia decenal e dos seguros

inerentes: seguro de reparação de danos e de responsabilidade decenal. Os dados analisados nas

três últimas linhas da Tabela 2.2 referem-se à 13ª Tabela de Bordo “Sycodés” (13ª Tableu de Bord

“Sycodés”) datada de 2008 e à publicação “Qualidade, todo o progresso” (“Qualité, progressons

ensemble”) datada de 2006, nas quais foram analisados os defeitos na construção e os custos que

lhes estão associados tendo em vista o aumento da qualidade da construção em França. As

recolhas e análise dos sinistros foram feitas entre 1995 e 2008, o que permite uma melhor

interpretação da evolução da qualidade na construção nos últimos anos.

Como um dos objectivos da presente dissertação é a análise do sistema de garantias e seguros

para a cobertura de danos na construção em França, e da possibilidade de transpor algumas das

melhores práticas desse país para Portugal, com as necessárias adaptações, é interessante

conhecer os dados que aqui são analisados, bem como todo o sistema que permite fazer a

recolha e análise dos sinistros declarados às companhias seguradoras, para que se possa discutir

a possibilidade de implementar um sistema com os mesmos objectivos deste no nosso país.

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Tipos de erros de construção

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

14

Da observação da Tabela 2.2 e da Figura 2.6, constata-se que o valor dos defeitos de execução é

superior ao que se verificava no passado, em França. Por outro lado, e fazendo uma analogia

semelhante, os defeitos de projecto são significativamente inferiores. Este facto pode ser

justificado com o que se referiu anteriormente, isto é pelas diferenças de interpretação dos autores

que se dedicam ao estudo desta temática. Outra explicação para as alterações verificadas poderá

ser a regulamentação implementada naquele país (Lei Spinetta, 1978), que procurou aumentar a

qualidade da construção atribuindo as responsabilidades do processo construtivo aos diversos

intervenientes na obra (Esteves, 2008).

2.6. SINISTROS NA CONSTRUÇÃO EM FUNÇÃO DO ELEMENTO CONSTRUTIVO

Após analisar os tipos de erros mais frequentes em construções novas importa qualificar e

quantificar as necessidades de reparação dos edifícios tendo em conta os elementos construtivos

que apresentam patologias (Tabela 2.3).

Em Portugal, relativamente à estrutura, 59,8% dos edifícios não necessitam de reparação, 19,3%

carecem de pequenas reparações, 11,8% de reparações médias, 5,8% de reparações grandes e

3,3% de reparações muito grandes. No que se refere à cobertura, 45% dos edifícios carecem de

reparações, distribuindo-se esse valor da seguinte forma: 19,8% para pequenas reparações,

13,6% para reparações médias, 7,5% para grandes reparações e 4,1% para reparações muito

grandes. Por fim, 47,1% das paredes e caixilharias exteriores dos edifícios carecem de

reparações, sendo que 22,1% representa o peso das reparações pequenas, enquanto que 14,1%

se refere a reparações médias, 7,0% a reparações grandes e 3,9% a reparações muito grandes

(Afonso, 2001).

Na análise feita pelos inquiridores aos locais que carecem de reparações, importa ter presente que

estes não têm a formação necessária para este tipo de análise e que não foi efectuada uma

avaliação das infra-estruturas não aparentes do edifício. Associado aos problemas referidos, está

a imprecisão que possa aparecer nos resultados, já que, por exemplo, uma certa percentagem das

necessidades de reparação das paredes exteriores pode ter como causa problemas estruturais.

Tabela 2.3 – Necessidades de reparação em função do elemento construtivo em Portugal (Adaptado: Afonso, 2001).

Nenhumas Pequenas Médias Grandes Muito grandes

Estrutura 59,8% 19,3% 11,8% 5,8% 3,3%

Cobertura 55,0% 19,9% 13,6% 7,5% 4,1%

Paredes e caixilharia exteriores 52,9% 22,1% 14,1% 7,0% 3,9%

Os dados dos sinistros declarados às seguradoras francesas permitem fazer uma análise mais

detalhada dos diversos elementos construtivos que apresentam patologias (Tabela 2.4).

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

15

Tabela 2.4 - Análise dos sinistros, em França, tendo em conta os diversos elementos construtivos (Adaptado: “Sycodés”, 2008).

1995 a 1998 1999 a 2002 2003 a 2007

Infra-Estruturas 7% 7% 8%

Fundações 9% 8% 7%

Estrutura de Suporte 7% 5% 5%

Cobertura Inclinada 15% 14% 15%

Cobertura em Terraço 6% 9% 9%

Fachada 15% 19% 18%

Vãos Envidraçados 8% 7% 6%

Envolvente Interior 16% 13% 14%

Equipamentos 17% 18% 19%

Figura 2.7 – Análise dos sinistros, em França, tendo em conta os diversos elementos construtivos, 2003 a

2007 (Adaptado: “Sycodés”, 2008).

Os defeitos nas fachadas dos edifícios estão no topo dos sinistros em elementos construtivos,

representando um valor próximo dos 20%. Dos outros elementos construtivos, os que merecem

maior destaque em termos percentuais são a cobertura inclinada, a envolvente interior e os

equipamentos. Os outros elementos construtivos aqui analisados têm valores relativamente

próximos, cifrando-se entre os 5% e os 10% (Sousa, 2004).

É de salientar que a análise aqui realizada tem em conta um estudo realizado por peritos, pelo que

não será de esperar que aconteça o mesmo que no caso português, em que a análise de um

quadro semelhante pode não corresponder à realidade, uma vez que no estudo da realidade

nacional os inquiridores não têm a formação necessária para realizar este tipo de análise.

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Elementos construtivos

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

16

Apesar da especificidade dos dados dos dois países aqui analisados diferir, pode constatar-se

que, em ambas as situações, são os problemas afectos à fachada de um edifício que têm maior

relevância percentual no que toca ao elemento construtivo que apresenta patologias.

As principais causas dos sinistros nas fachadas são (Sousa, 2004): deficiente ligação da alvenaria

com a estrutura (fissuras), deformabilidade do suporte (fissuras), retracção da argamassa e do

betão (fissuras), deficiente preparação do suporte (aparecimento de manchas, deslocamentos e

destacamentos) e não cumprimento das especificações dos fabricantes dos materiais, relativas ao

tempo, dosagem e temperaturas.

2.7. PRINCIPAIS PATOLOGIAS NA CONSTRUÇÃO

Da análise das principais patologias na construção constata-se que são os problemas

relacionados com a estanquidade à água que correspondem à maior percentagem, representando

mais de metade dos defeitos em construções novas em França (Tabela 2.5).

Tabela 2.5 - Principais patologias na construção em França, 1995 a 2007 (Adaptado: “Sycodés”, 2008).

1995 a 1998 1999 a 2002 2003 a 2007

Problemas de estaquidade à água 58% 55% 52%

Condensações 1% 2% 1%

Problemas de estaquidade ao ar 2% 1% 2%

Insuficiencia de isolamento 2% 2% 3%

Problemas de estabilidade 16% 4% 8%

Outros 21% 36% 34%

As patologias relacionadas com problemas de estabilidade também têm uma representação

significativa, embora o seu valor seja metade daquele que existia no primeiro triénio analisado na

Tabela 2.5. Relativamente às outras patologias analisadas, constata-se que o seu peso é pouco

significativo, nunca ultrapassando os 3%, nos triénios em análise.

2.8. CUSTOS DE REPARAÇÃO

Ao longo deste subcapítulo analisam-se os custos de reparação com maior detalhe, tendo em

conta o estudo da AQC, sendo também comparados esses custos face aos custos de construção.

Pela análise da Tabela 2.6, pode constatar-se a importância da responsabilização dos projectistas

no acto de construir, já que os erros decorrentes de concepção/projecto são os que apresentam

custos de reparação mais elevados, bem como percentagem dos custos de reparação face aos

custos de construção.

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

17

Tabela 2.6 – Custos de reparação, em França, tendo em conta o tipo de defeito (Adaptado: “Sycodés”, 2008).

Custo de reparação médio (euros/reparação) % do custo de reparação face ao custo de construção

1995 a 1998 1999 a 2002 2003 a 2007 1995 a 1998 1999 a 2002 2003 a 2007

Defeitos de concepção 11350 10270 11110 12% 9% 9%

Defeitos de execução 4770 4390 4340 7% 4% 3%

Defeitos dos Materiais 5230 4360 5540 8% 5% 4%

Defeitos de utilização 5610 3350 5570 6% 3% 2%

Os defeitos estruturais e das fundações são os que apresentam maior custo de reparação, bem

como maior percentagem de custo de reparação face ao custo de construção. Estes resultados

evidenciados na Tabela 2.7 demonstram ainda que os defeitos na fachada e nos equipamentos do

edifício são os que apresentam menores custos médios de reparação.

É ainda de salientar que, quer os custos de reparação, quer as percentagens dos custos de

reparação face aos custos de construção decrescem com o passar do tempo. Este factor pode

evidenciar um aumento da preocupação na construção em França e consequente melhoria da

qualidade dos edifícios.

Tabela 2.7 – Custos de reparação, em França, tendo em conta o elemento construtivo (Adaptado: “Sycodés”, 2008).

Custo de reparação médio (euros/reparação) % do custo de reparação face ao custo de construção

1995 a 1998 1999 a 2002 2003 a 2007 1995 a 1998 1999 a 2002 2003 a 2007

Infra-estruturas 6800 5330 5280 7% 4% 4%

Cobertura inclinada 4590 4120 4430 8% 4% 4%

Fundações 12300 10950 11670 12% 9% 10%

Cobertura em terraço 5470 4730 5010 6% 3% 2%

Estrutura de suporte 8280 8300 7500 10% 8% 6%

Fachada 5000 4170 3770 8% 4% 3%

Equipamentos 3470 3430 3610 8% 4% 4%

2.9. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Ao longo deste capítulo foram analisados alguns aspectos relacionados com a evolução e os

defeitos na construção. Apresentam-se a seguir as principais conclusões retiradas da análise

realizada.

O primeiro aspecto a salientar prende-se com as perspectivas de crescimento do mercado de

reabilitação face ao de construções novas. Com a diminuição do crescimento da taxa de

alojamentos e do número de fogos e pela análise da tendência na Europa, conclui-se que, num

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DEFEITOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 2

18

futuro próximo, o mercado de reabilitação em Portugal tem tendência a crescer significativamente.

Este factor é de extrema importância para a proposta que se pretende apresentar neste trabalho,

uma vez que o sistema de garantias e seguros não visa exclusivamente a construção nova, mas

também a modificação, reparação e manutenção de edifícios.

Outra das conclusões que se pode retirar deste capítulo está relacionada com o facto de os

principais defeitos na construção se deverem a erros de concepção/projecto. Este facto alerta para

a importância de um regime de responsabilidades com especial atenção para o trabalho dos

projectistas. As outras causas dos defeitos na construção (erros de construção e defeitos dos

materiais), também devem ser tidas em conta neste regime, o que poderá acontecer com uma

maior responsabilização de todos os outros intervenientes no processo construtivo, em especial

dos fornecedores, da fiscalização e dos subempreiteiros.

O custo de reparação dos defeitos de concepção/projecto também é outro dos aspectos que

salienta a importância das responsabilidades dos projectistas. Outra das questões que se poderá

colocar está relacionada com a necessidade de alargar o prazo de garantia dos imóveis, que neste

momento é de cinco anos, uma vez que os defeitos relacionados com erros de

concepção/projecto, por norma, demoram mais tempo a manifestar-se.

Ao longo deste capítulo também se verificou que o elemento construtivo que apresenta maior

percentagem de defeitos é a fachada dos edifícios, sendo o principal problema a estanquidade à

água. Estes factores ressaltam a importância de tomar outros cuidados com vista à melhoria desta

situação, que poderão passar pela criação de um Código Técnico da Construção em moldes

idênticos ao de outros países (como é o caso da Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Japão,

EUA. Canadá, Espanha, entre outros).

Por fim, constata-se que a criação de um sistema de recolha de dados dos sinistros declarados às

seguradoras poderá contribuir para que se possa fazer um estudo mais aprofundado da realidade

portuguesa, à semelhança da que se realiza em França, por exemplo.

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19

3. ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E

SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL

3.1. GENERALIDADES

A construção em Portugal carece de falta de qualidade e apesar do aumento da preocupação

relativa a este tema, verifica-se que, milhares de fogos, recentemente construídos, apresentam

patologias bastante graves que condicionam a sua utilização (Sousa, 2004).

Um factor determinante para a referida falta de qualidade da construção no nosso país está

relacionado com a ausência de um sistema que responsabilize os diversos intervenientes no

processo construtivo, de forma a evitar erros de concepção, execução ou derivados do mau

comportamento dos materiais e componentes e garantir a sua reparação imediata (Sousa, 2004).

Com a Lei 31/2009, de 3 de Julho, foi estabelecida a qualificação e os deveres exigíveis aos

técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização e pela direcção

de obra, contudo ainda não se conhecem os efeitos práticos desta reforma legislativa.

Para que se crie um sistema eficaz de responsabilidades, garantias e seguros, é fundamental criar

um enquadramento legal adequado, que não suscite as dúvidas e as múltiplas interpretações que

actualmente se verificam (AECOPS, 2006).

A legislação que actualmente vigora para as obras particulares está regulada no Código Civil

Português (CCivil) e também na Lei de Defesa do Consumidor (Decreto-Lei (DL) 67/2003 de 8 de

Abril recentemente alterado pelo DL nº84/2008 de 21 de Maio) e resulta da transposição da

Directiva Europeia nº1999/44/CE que regula os direitos dos consumidores no que se refere a

garantias de imóveis. Esta legislação veio alterar outras que ao longo das duas últimas décadas

vigoraram em Portugal, tendo uma delas instituído a “obrigatoriedade de seguro de projecto e de

construção”, embora por um curto período (1992 a 1994). No que respeita às obras públicas, com

a entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos (CCP), que veio revogar o Decreto-Lei

nº59/99, de 2 de Março, foram estabelecidas novas medidas no que respeita às garantias para a

fase de pós-construção.

Para que se possa compreender a legislação relativa à responsabilidade dos intervenientes pelos

danos ocorridos na construção importa, em primeiro lugar, definir “coisas imóveis” e fazer a

distinção entre estas e as “coisas móveis”. Segundo o artigo 204º do CCivil podemos definir como

“coisas imóveis” os “prédios rústicos ou urbanos” e “ as partes integrantes dos prédios rústicos ou

urbanos”.

No número 2 do referido artigo, é ainda estabelecida a distinção entre prédios rústicos e urbanos:

“Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada de solo e as construções nele existentes que

não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com

os terrenos que lhe sirvam de logradouro.”

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

20

O artigo 204º considera como parte integrante de um imóvel “toda a coisa móvel ligada

materialmente ao prédio com carácter de permanência”. Como exemplo de parte integrante dos

prédios urbanos podem enumerar-se as portas, janelas e elevadores, que contribuem

decisivamente para a comodidade e o conforto de quem usufrui do imóvel.

Ao longo deste capítulo, é feita a análise da legislação relativa aos contratos de empreitada e de

compra e venda (ver §3.2), bem como às normas que responsabilizam os intervenientes no

processo construtivo (ver §3.4). Também se analisa a legislação que nos últimos anos foi

implementada no nosso país relativa a garantias (ver §3.5) e seguros para cobertura de danos na

construção (ver §3.6). Por fim, tecem-se os comentários finais ao capítulo tendo em conta a sua

importância para a elaboração da proposta de criação de um sistema de responsabilidades,

garantias e seguros em Portugal (ver §3.7).

3.2. CONTRATO DE COMPRA E VENDA VS CONTRATO DE EMPREITADA

Antes de analisar a legislação que vigora em Portugal relativa a responsabilidades, garantias e

seguros importa distinguir de uma forma clara a diferença entre o contrato de empreitada e o

contrato de compra e venda:

“Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito,

mediante um preço.”

O contrato de compra e venda vem regulado no CCivil, artigo 874º, e também no Código

Comercial (CC) artigos 463º a 476º. Este tipo de contrato é talvez o mais importante regulado nos

códigos em virtude da sua função económica. A compra e venda consiste na transmissão de um

direito contra o pagamento de uma quantia pecuniária, constituindo economicamente a troca de

uma mercadoria por dinheiro (Leitão, 2002).

No passado, existia uma falta de protecção deste tipo de contrato relativamente ao contrato de

empreitada, já que o contrato de empreitada dispunha de um prazo de garantia de cinco anos para

denúncia de vícios (artigo 1225º do CCivil), enquanto que para o contrato de compra e venda esse

período era de apenas seis meses.

Com o DL 267/94 de 25 de Outubro surgiu uma alteração ao artigo 916º do CCivil denominado

“Denúncia do Defeito”. Este artigo estabelece que “o comprador deve denunciar ao vendedor o

vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se tiver usado de dolo3”. Com a referida alteração,

houve um alargamento do prazo de denúncia, no caso da venda de um imóvel, passando este a

ser de um ano após o conhecimento do defeito e de cinco anos após a entrega da coisa.

Esta alteração suscitou um problema que carece de explicação relacionado com a possibilidade

de a denúncia poder ser feita dentro de um período de cinco anos, contados a partir da data do

3 Quando o indivíduo age de má fé, sabendo das consequências que possam vir a ocorrer, e o pratica para de alguma

forma beneficiar-se de algo.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

21

contrato de compra e venda. No caso de um imóvel novo, este artigo parece não criar qualquer

dúvida, mas quando se fala de um imóvel usado, este poderá estar sempre abrangido pela

garantia referida, desde que para tal seja vendido a cada cinco anos (Dias, 2007).

Outra das noções que importa conhecer na legislação vigente, relativa a danos na construção, é a

de contrato de empreitada:

“Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa

obra, mediante um preço.”

Este conceito de contrato de empreitada vem definido no artigo 1207º do CCivil e pode ser

interpretado como um contrato de prestação de serviços4, tendo, no entanto, por objecto

especificamente uma obra, e não um serviço (Leitão, 2002).

Tal como foi referido anteriormente, o prazo de garantia de cinco anos para a denúncia de vícios

vem definido no artigo 1225º do CCivil (ver § 3.4.1), não podendo ser aplicados ao contrato de

empreitada os artigos 470º e 471º do CC e o artigo 916º do CCivil vigente, que só ao contrato de

compra e venda respeitam (CCA, 1992).

Existe um problema relacionado com a distinção entre o contrato de compra e venda e o contrato

de empreitada quando o trabalho tem por objectivo uma coisa nova. Nos casos em que o

empreiteiro apenas fornece o trabalho, ficando a matéria a cargo do dono de obra o contrato é de

empreitada. Por outro lado, nos casos em que o empreiteiro fornece também a matéria, o contrato

é considerado, na maior parte das vezes, como sendo de compra e venda (Leitão, 2002).

Este último caso pode suscitar dificuldades, já que, se por um lado, se o terreno for do dono de

obra, pode considerar-se que o valor dos materiais pouco importa, “visto que a construção é

acessória do solo”, tornando-se o contrato de empreitada, por outro lado pode ser considerada a

importância do preço dos materiais, tornando-se o contrato de compra e venda. A solução desta

dificuldade está na combinação dos dois contratos e das regras de compra e venda e de

empreitada consoante a importância que a prestação da actividade tiver no caso concreto (CCA,

1992).

3.3. LEGISLAÇÃO SOBRE RESPONSABILIDADES

3.3.1. GENERALIDADES

A realização de uma obra é um processo muito complexo, no qual intervêm diversas entidades,

com funções e responsabilidades muito diferentes, o que torna todo o processo de

responsabilização por erros na construção muito difícil. Para além dos intervenientes descritos na

4 Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do

seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

22

Figura 3.1, existem outros, tais como: subempreiteiros, fornecedores de materiais e equipamentos,

técnicos da qualidade ou seguradoras.

Figura 3.1 – Principais entidades na realização de uma obra (Dias, 1989).

No passado, a construção de um monumento era um problema da sociedade, em que os danos

eram pagos pelos lesados. Actualmente, esse cenário é impossível, existindo a necessidade de

procurar um responsável que suporte os encargos pelos danos causados. Esta responsabilização,

surgiu no Código de Hamourabi, embora, as soluções adoptadas na altura fossem muito diferentes

das actuais (Fernandes, Ramos e Ferreira, 1981).

Um dos cenários que existe no presente prende-se com a responsabilidade dos subempreiteiros e

auxiliares. O dono de obra apenas reconhece o empreiteiro, o que leva a que os subempreiteiros e

auxiliares que este contrata sejam de sua responsabilidade (Figura 3.2).

Figura 3.2 – O topo é responsável por toda a pirâmide (Mariano, 2008).

Obra

Fiscalização:

Dono de Obra (Delegado do

Dono de Obra)

Execução:

Empreiteiro (Director de

obra)

Fiscalização complementar, CM, Inspecção

do trabalho

Assistência Técnica:

Autores do Projecto

(Assistente Técnico)

Empreiteiro

Subempreiteiro

Auxiliares

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

23

Apesar do que foi referido anteriormente, existem situações em que o dono de obra e o

empreiteiro são a mesma entidade, como é o caso de algumas obras particulares, promovidas por

empresas de construção (Revista Técnica, 1991).

Ao longo dos próximos subcapítulos será analisada a legislação relevante no nosso país

relativamente às responsabilidades dos intervenientes no processo construtivo.

3.3.2. RESPONSABILIDADE CIVIL

A obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação advém da

responsabilidade civil definida no artigo 483º do CCivil:

“1 – Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer

disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos

danos resultantes da violação…”

A responsabilidade civil aqui definida pode ser agrupada em responsabilidade civil contratual

(infracções às obrigações consignadas num contrato) e extracontratual (violação de um direito de

outrem). Como exemplos de responsabilidade civil contratual do empreiteiro podem enumerar-se

as seguintes situações (Dias, 1989):

“Execução de obras com desrespeito pelas normas e regulamentos aplicáveis;

Utilização de materiais de qualidade inferior ao previsto no projecto aprovado;

Erros de execução da obra que não resultem de ordens escritas da fiscalização;

Erros de concepção da obra quando o projecto é da autoria do empreiteiro e não se

baseie em dados inexactos fornecidos pelo dono de obra;

Falta de cumprimento de ordem escrita da fiscalização;

Incumprimento de cláusulas do contrato estabelecido.”

Existem também casos em que o dono de obra está sujeito a responsabilidade civil contratual

(Dias, 1989):

“Erro de concepção da obra quando o projecto é apresentado pelo dono de obra ou este

forneça elementos de base inexactos que originem deficiências na elaboração do projecto.

Tratando-se de erros imputáveis ao autor do projecto, a responsabilidade recairia sobre

este;

Suspensão temporária dos trabalhos, no todo ou em parte, por facto não imputável ao

empreiteiro.”

Como exemplos de responsabilidade civil extracontratual do empreiteiro podem citar-se (Dias,

1989):

“Execução das escavações que danifiquem os prédios vizinhos;

Danos causados em pessoas ou bens alheios provocados pela queda de materiais ou

meios auxiliares utilizados na execução da obra.”

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

24

Os exemplos de responsabilidade civil contratual e extracontratual, referidos acima, levam a que

os responsáveis tenham de custear as obras de reparação e indemnizar os lesados pelos danos

causados.

Até à entrada da Lei nº31/2009, de 3 de Julho, a legislação vigente em Portugal apenas

responsabilizava os empreiteiros e os donos de obra, não havendo legislação específica que

responsabilizasse os autores do projecto. A responsabilização dos autores do projecto apenas

poderia estar prevista através de coimas estipuladas nos contratos que estes tivessem com o

dono de obra, nomeadamente através da redução do valor dos honorários. Os projectistas estão

ligados ao dono de obra ou ao empreiteiro por um contrato de prestação de serviços (artigos

1152º e 1154º do CCivil) (Revista Técnica, 1991 e Dias, 1989).

Para além dos autores do projecto, outras entidades não tinham legislação específica que os

responsabilizasse pelos danos resultantes das violações. Entre essas entidades podem referir-se

a fiscalização, os gestores da qualidade e os coordenadores de segurança e saúde.

A entrada em vigor da Lei 31/2009 estabeleceu a qualificação e os deveres exigíveis aos técnicos

responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela fiscalização e pela direcção de obra.

Contudo, uma vez que esta Lei foi implementada recentemente ainda não se conhecem os seus

efeitos práticos.

3.3.3. EXECUÇÃO DA OBRA EM CONFORMIDADE COM O CONTRATO

O artigo 1208º do CCivil vem conferir ao dono de obra o direito de reclamar junto do empreiteiro

por defeitos da obra:

“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios

que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no

contrato.”

Assim, o empreiteiro deverá responder pelos defeitos que a obra apresente. Esta responsabilidade

é uma responsabilidade contratual e pode surgir mesmo que o empreiteiro não tenha culpa. O

empreiteiro deve saber se é ou não possível fazer a obra sem defeitos, sendo obrigado a executá-

la, isenta deles, mesmo que o defeito não resulte de culpa sua (CCA, 1992).

Assim, se o erro for de projecto, derivado de um problema com o terreno, grau de perícia ou

material, a culpa não é do empreiteiro, embora este também seja responsável se não avisar o

dono de obra que esses problemas existem. Por outro lado, nos casos de problemas devidos a

causas naturais ou vandalismo, o empreiteiro só é responsável se o terreno for seu. Se forem

impostas opções técnicas ao empreiteiro, a sua responsabilidade diminui (Mariano, 2008).

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

25

Por outro lado, o dono de obra não reconhece os subempreiteiros, sendo sempre a

responsabilidade atribuída ao empreiteiro, excepto nos casos em que os subempreiteiros são

contratados pelo dono de obra (Revista Técnica, 1991).

3.3.4. COMPROVATIVO DO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO

No CCivil, artigos 1218º a 1226º, é atribuído ao dono de obra o direito à eliminação dos defeitos,

nova construção, redução do preço, resolução do contrato e indemnização, através do Regime

Geral das Perturbações na Empreitada.

O artigo 342º nº1 refere que “aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos

constituídos do direito aprovado”. Este artigo obriga a comprovar o cumprimento defeituoso da

empreitada, ficando essa tarefa imputada ao autor do pedido, a quem cabe a alegação e prova

dos elementos constitutivos da responsabilidade civil. Por outro lado, o artigo 799º do CCivil

permite ao empreiteiro provar que não teve culpa pelo defeito causado:

“Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da

obrigação não procede de culpa sua.”

Esta possibilidade conferida ao empreiteiro é possível quando este não tem o dever de controlar o

projecto ou o caderno de encargos dos quais está associado o vício, não sendo possível em caso

contrário (CCA, 1992).

Assim, não cabe ao dono de obra descobrir a origem dos defeitos, estando esse papel destinado

ao empreiteiro que procura provar que a origem é posterior à entrega. Relativamente à

responsabilidade destes intervenientes, o dono de obra responde perante o proprietário (artigo

913º e seguintes) e responsabiliza o empreiteiro (artigo 1208º e seguintes) (Mariano, 2008).

3.3.5. VERIFICAÇÃO DA OBRA

O artigo 1218º do CCivil confere ao dono de obra a possibilidade de proceder à verificação da

obra antes de fazer a aceitação. Assim, o dono de obra procederá à aceitação desta “se ela se

encontra nas condições convencionadas e sem vícios” (artigo 1218º nº1).

O dono de obra fica possibilitado de requerer que a reparação dos danos causados seja realizada

por outra entidade, ficando esse trabalho à custa do empreiteiro (artigo 828º do CCivil). É de

salientar que esta possibilidade conferida ao dono de obra apenas poderá acontecer no caso do

empreiteiro se recusar a proceder à reparação, não podendo o dono de obra proceder

previamente à eliminação dos defeitos da obra sob pena de perder o direito ao ressarcimento das

despesas com a eliminação do defeito. No caso da prestação do empreiteiro corresponder a uma

prestação infungível, o artigo 829º nº1 do CCivil confere ao dono de obra a possibilidade de

solicitar o pagamento de uma quantia pecuniária compulsória.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

26

Quando existir “impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais” o dono de

obra poderá proceder à reparação dos danos da obra, tendo o direito a receber o reembolso

(artigo 336º do CCivil).

O artigo 1218º nº3 e nº4 do CCivil estabelece que qualquer das partes poderá proceder, através

de peritos, à verificação da obra por sua custa, tendo os resultados que ser comunicados

posteriormente ao empreiteiro.

3.3.6. CASOS DE IRRESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO

O artigo 1219º nº1 do CCivil iliba o empreiteiro de responder por defeitos de obra do conhecimento

do dono de obra aquando da sua aceitação. O nº2 do referido artigo acrescenta que se

“presumem conhecidos os defeitos aparentes”. Na interpretação deste artigo surge uma questão

relacionada com a “aparência” dos defeitos, já que esta pode variar consoante a forma como é

realizada a verificação.

No caso de a verificação ser realizada por um perito a aparência será “o vício que for descoberto

por um perito de conhecimentos comuns”, antagonicamente se a verificação for realizada pelo

dono de obra, aparência será o vício que possa ser descoberto por uma pessoa de comum

diligência (Leitão, 2002).

3.3.7. DEFEITOS DE OBRA: DENÚNCIA DOS DEFEITOS E DIREITOS DO DONO OBRA

O CCivil estabelece um prazo de 30 dias, a contar a partir do momento em que descobre o defeito,

para o dono de obra proceder à denúncia dos mesmos, caducando os seus direitos caso esse

período não seja cumprido (artigo 1220º nº1 do CCivil). É de salientar que o artigo 1220º apenas

constitui uma condição de que depende o exercício dos direitos do dono de obra, estando os

referidos direitos estipulados nos artigos 1221º e 1222º, que de seguida serão analisados.

O artigo 1221º do CCivil confere ao dono de obra o direito de exigir a eliminação dos defeitos que

possam ser extintos, podendo exigir uma nova construção no caso de os defeitos não poderem

ser eliminados. No nº2 do referido artigo limita-se o direito do dono de obra ao caso de as

despesas serem proporcionais com o proveito. Em caso contrário, o dono de obra poderá exigir a

redução do preço ou a resolução do contrato “se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a

que se destina” (artigo 1222º nº1 do CCivil). Considera-se inadequada a obra que tenha falta de

qualidades essenciais ou a obra que seja distinta da encomenda.

A redução do preço não se destina a compensar o dono de obra pelos danos causados, mas sim a

estabelecer a adequada correspondência económica entre esse preço e o valor de obra realizada,

abatendo-se a diferença entre o preço estipulado e o que teria sido para a sua realização naqueles

termos. A parcela da obra que deverá sofrer redução do preço deve ser eliminada tendo em conta

a sua discriminação no preço global da obra ou por avaliação no caso de não estar discriminada

(artigo 884º nº2 do CCivil).

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

27

O direito à resolução do contrato conferido ao dono de obra só poderá ter lugar no caso da

inadequação se limitar a uma parte da obra de particular importância. No caso contrário, o dono de

obra apenas terá os direitos à eliminação dos defeitos ou à redução do preço.

Nos casos de resolução do contrato o dono de obra fica desonerado da obrigação de pagar o

preço, podendo ser restituído do dinheiro no caso de adiantamento. O dono de obra poderá ainda

exigir a demolição da obra se for o dono do terreno ou exigir a restituição dos materiais se o

terreno for do empreiteiro.

O artigo 1223º do CCivil vem conferir ao dono de obra o direito de indemnização dos danos

causados, mas apenas no caso de estes não terem sido eliminados pelo exercício dos direitos

conferidos nos artigos anteriormente referidos.

Este direito à indemnização dos danos coloca a questão de se é possível ao dono de obra optar

pela indemnização em vez da eliminação dos defeitos. Como resposta poderá referir-se que a

indemnização só poderá existir para os casos em que os danos não sejam susceptíveis de ser

reparados.

“Os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização

caducam…dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra…” (artigo 1224º do CCivil).

3.4. LEGISLAÇÃO SOBRE GARANTIAS

3.4.1. IMÓVEIS DESTINADOS A LONGA DURAÇÃO

3.4.1.1. PRAZO DE GARANTIA

O artigo 1225º nº 1 do CCivil (redacção dada pelo DL nº 267/94 de 25 de Outubro, que produziu

efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1995) dispõe que “… se a empreitada tiver por objectivo a

construção modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a

longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de

garantia convencionado, a obra por vício de solo ou da construção, modificação ou reparação, ou

por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o

empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono de obra ou a terceiro adquirente”.

No nº 2 do referido artigo limita-se a denúncia ao “prazo de um ano e a indemnização deve ser

pedida no ano seguinte à denúncia”. Este prazo é também aplicado “ao direito à eliminação dos

defeitos, previstos pelo artigo 1221º” (artigo 1225º nº 2). O nº 4 acrescenta que este regime é

igualmente “aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.

A aplicação do artigo 1225º não obriga a que os defeitos sejam, cumulativamente, defeitos por

vício do solo ou da construção, modificação e reparação, sendo apenas necessário que um deles

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

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se verifique. Por outro lado, basta que a obra apresente defeitos, não sendo necessária a

verificação de derrocada ou perigo dela. Deve ainda ser salientado que a obra deve ser vista no

seu todo, podendo os “defeitos” dizer respeito à obra no seu todo ou apenas a uma parte dela

(Leitão, 2002).

Um defeito faz referência a um vício ou um defeito que inutiliza a parte afectada da obra para o fim

económico a que se destina. A denominação de “defeito” que veio substituir a expressão “defeito

grave” (DL 267/94, de 25 de Outubro) continua a suscitar diversas interpretações, sendo esta

problemática tratada no próximo subcapítulo desta dissertação (ver §3.4.1.2).

Outra das alterações ao artigo 1225º introduzida pelo DL 267/94 acrescenta a responsabilização a

“terceiro adquirente”, passando assim as obrigações, contratualmente assumidas pelo empreiteiro

com o DO para os sucessivos proprietários (Leitão, 2002).

No nº 2 do artigo abordado nesta fase da dissertação estabelece-se um prazo de caducidade que

é contado a partir da denúncia, pressupondo-se que esta é posterior à entrega e aceitação da

obra. No caso de “falta de prova da data de entrega e aceitação da obra, não pode dar-se como

verificada a caducidade a que esse preceito se refere” (CCA, 1992).

Para além do prazo de caducidade, é estabelecido o prazo para pedir indemnização sendo este

contado a partir do momento em que o proprietário tem conhecimento da existência de vício.

3.4.1.2. CONTROVÉRSIAS DO ARTIGO 1225º DO CÓDIGO CIVIL PORTUGUÊS

O artigo 1225º suscita diversos problemas relacionados com as diferentes interpretações que

possam existir das matérias por ele abordadas (Leitão, 2002).

Um bom exemplo da subjectividade deste artigo está relacionado com a responsabilização do

empreiteiro, nomeadamente se os defeitos surgidos têm de resultar de culpa do empreiteiro ou se

este é responsável por esses defeitos independentemente de ter ou não culpa. Nesta matéria

surgem interpretações diversas das quais se destacam as que defendem que o empreiteiro deve

responder apenas pela ruína do edifício provocada por vícios do solo dos quais ele se deveria ter

apercebido. Por outro lado, defende-se que o empreiteiro se deve certificar das condições do

terreno antes da sua construção, modificação ou reparação, o que o responsabiliza por todos os

defeitos resultantes de vício de solo.

Apesar das alterações introduzidas pelo DL 267/94, nas quais deixou de existir a qualificação de

“graves” para os defeitos referenciados no artigo 1225º, continuam a ser possíveis diversas

interpretações relacionadas com a gravidade dos defeitos abrangidos pelo artigo. Relativamente a

este tema, já surgiram algumas propostas que pretendem solucionar os problemas (ver §3.4.1.3).

Outro dos aspectos que padece de um melhor esclarecimento está relacionado com a

responsabilidade do empreiteiro face a defeitos conhecidos pelo dono de obra no momento da

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

29

aceitação. Se, por um lado, o artigo 1219º nº 1 do CCivil refere que “o empreiteiro não responde

pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles”, por outro, o

facto de a obra ser destinada a longa duração faz com que o empreiteiro deva responder pelos

defeitos, mesmo que o dono de obra tenha conhecimento da situação (Leitão, 2002).

A dificuldade resultante das múltiplas interpretações do artigo 1225º está também presente no

possível “prazo de garantia convencionado” (CCA, 1992). A possibilidade de convencionar um

prazo de garantia inferior aos cinco anos poderá não salvaguardar o interesse público na solidez

dos edifícios ou outros imóveis, bem como o interesse do dono de obra que, vítima da sua

inexperiência poderá não ter o tempo mínimo necessário para se aperceber dos vícios e efectivar

a responsabilidade que advém do artigo 1225º.

3.4.1.3. PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO PRAZO DE GARANTIA EM PORTUGAL

Como foi referido anteriormente, o artigo 1225º suscita diversas interpretações que deveriam ser

esclarecidas. Esse esclarecimento poderia contribuir para a clarificação das problemáticas por ele

abordadas.

Uma das propostas apresentadas visa resolver a problemática da qualificação dos defeitos. Essa

solução assenta em dois aspectos que devem ser verificados em simultâneo (Dias, 2007):

O custo da reparação é superior a uma dada percentagem do valor global da obra;

O defeito deve afectar alguma das seis exigências essenciais da obra.

Essas exigências, enumeradas no DL 113/93, de 10 de Abril, e Portaria 566/93, de 2 de Junho,

são:

“Resistência mecânica e estabilidade;

Segurança contra incêndio;

Higiene, saúde e ambiente;

Segurança na utilização;

Protecção contra ruído;

Economia de energia e isolamento térmico.”

Outro tema bastante discutido e alvo de propostas de alteração é o prazo de garantia de cinco

anos estipulado pelo artigo 1225º.

O prazo de garantia de cinco anos estabelecido pelo CCivil privilegia a fase de execução dos

trabalhos, o que acaba por deixar fora desta responsabilização alguns intervenientes que também

actuam no processo construtivo, tais como projectistas e fiscalização.

Neste tema, os diversos grupos de trabalho que discutem a matéria, colocam duas possibilidades

para o prazo de garantia: cinco ou dez anos. Os defensores do prazo de garantia de cinco anos

(prazo que actualmente vigora) sustentam a sua opinião em estudos realizados na Alemanha, que

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

30

defendem que 80% dos defeitos se manifestam nos primeiros cinco anos de vida do imóvel e em

França, que defendem que 75% dos defeitos se manifestam nos primeiros seis anos de vida do

imóvel (Dias, 2007).

Em 2006, surgiu uma proposta para um novo DL denominado “Projecto de Regime Jurídico do

Exercício da Actividade de Promoção Imobiliária”, que propõe o aumento do prazo de garantia

para a “duração de dez anos ou superior se convencionado”. É de salientar que, para além do

aumento do prazo, surge apenas a possibilidade de convencionar um prazo superior, o que

resolveria o problema, referido no subcapítulo anterior, adjacente à possibilidade de convencionar

um prazo inferior.

A 22 de Novembro de 2006, a Associação dos Industriais da Construção de Edifícios (AICE)

divulgou um comentário ao “Projecto de Regime Jurídico do Exercício da Actividade de Promoção

Imobiliária” no qual discorda desta proposta, referindo que não foi feito nenhum trabalho para

distinguir os vários tipos de vício ou de defeitos e que os prazos de garantia deveriam ser

diversos, consoante os referidos vícios ou defeitos.

Como pode ser constatado, a discussão sobre a possibilidade de alterar o artigo 1225º suscita, tal

como o artigo, diferentes interpretações, o que vem dificultar a tentativa de alterar a realidade

nacional nesta matéria. É de salientar que, nos restantes países da União Europeia, o prazo de

garantia difere, embora a grande maioria dos países opte por prazos de cinco ou dez anos,

existindo casos em que os prazos de garantia diferem para os diferentes tipos de defeitos, tal

como acontece para as obras públicas em Portugal, como se pode ver no subcapítulo que se

segue.

3.4.2. OBRAS PÚBLICAS

A 31 de Julho de 2008, entrou em vigor o Código dos Contratos Públicos (CCP), que veio alterar a

anterior legislação relativa a obras públicas, no qual o prazo de garantia considerado difere do

regulamentado pelo CCivil para as obras particulares. O referido prazo destina-se a todo o sector

público tradicional, nomeadamente o Estado, as Regiões Autónomas, as Autarquias Locais, os

Institutos Públicos, as Fundações Públicas e as Associações Públicas.

No artigo 397º do CCP, existem diferentes prazos de garantia consoante o tipo de defeito que as

construções apresentam:

“10 anos, no caso de defeitos relativos a elementos construtivos estruturais”;

“5 anos, no caso de defeitos relativos a elementos construtivos não estruturais e

instalações técnicas”;

“2 anos, no caso de defeitos relativos a equipamentos afectos à obra, mas dela

autonomizáveis”.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

31

Este artigo permite ainda prazos de garantia diferentes dos descritos anteriormente, tendo para

isso de ser superiores aos estipulados e havendo concorrência, ao empreiteiro, na fase de

formação do contrato.

Durante o prazo estipulado “o empreiteiro tem a obrigação de corrigir, a expensas suas, todos os

defeitos da obra e dos equipamentos nela integrados que sejam identificados até ao termo do

prazo de garantia”. Para além disso, “se os defeitos identificados não forem susceptíveis de

correcção, o dono de obra pode exigir ao empreiteiro e sem custos adicionais para que aquele

repita a execução da obra com defeito ou que substitua os equipamentos defeituosos”. No caso de

os defeitos não serem corrigidos poderá haver uma redução do preço ou uma indemnização ao

dono de obra.

3.4.3. OBRAS DE URBANIZAÇÃO

As obras de urbanização estão definidas no DL nº555/99, de 16 de Dezembro, como sendo “as

obras de criação e remodelação de infra-estruturas destinadas a servir directamente os espaços

urbanos ou as edificações, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e

de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações, e ainda espaços verdes e

outros espaços de urbanização colectiva”.

No artigo 87º do referido diploma, intitulado de “Recepção Provisória e Definitiva das Obras de

Urbanização” é decretada a forma de recepção, a forma de agir em caso de deficiência e prazo de

garantia para este tipo de obras.

O nº4 do referido artigo, remete para o artigo 84º os casos em que o titular das obras de

urbanização não procede às correcções necessárias, no prazo fixado, em caso de deficiência.

Assim, é conferida à Câmara Municipal a possibilidade de proceder à realização das obras por

conta do titular nos casos em que a causa lhe seja imputável.

Relativamente ao prazo de garantia para as obras de urbanização, o artigo 87º nº5 deste DL

estabelece um prazo de cinco anos, à semelhança do que acontece no CCivil.

3.4.4. GARANTIA DO BOM FUNCIONAMENTO

No CCivil, é estabelecida a garantia do bom funcionamento através do artigo 921º. Neste artigo, é

estabelecido que “se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos

usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la quando a substituição

for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do

comprador.”

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

32

O comprador deve assim provar o mau funcionamento da coisa vendida, dentro do período

estipulado para o fazer, enquanto que o vendedor deve provar que o defeito ou a falta de

qualidade é posterior à entrega da coisa, ou é imputável ao comprador ou a terceiro.

A legislação aqui analisada é referente ao contrato de compra e venda estando o prazo de

denúncia da falta de qualidade da coisa vendida analisado em §3.2.

3.4.5. VENDAS DE BENS DE CONSUMO

3.4.5.1. DIREITOS DO CONSUMIDOR

Em 1996, foi estabelecido um regime legal aplicável à defesa dos consumidores que revogou a Lei

nº29/81, de 22 de Agosto. Neste diploma, Lei nº24/96, de 31 de Julho, definiu-se consumidor

como sendo “aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer

direitos” e estipularam-se alguns dos seus direitos, dos quais se poderá destacar o direito à

qualidade dos bens e serviços.

No artigo 4º da referida Lei é decretado que “os bens de consumo devem ser aptos a satisfazer os

fins a que se destinam…”, estando o fornecedor desses bens obrigado a garantir a sua qualidade.

É ainda acrescentado que essa garantia de qualidade é, para o caso de imóveis, de cinco anos,

sendo este prazo interrompido durante o decurso das operações dos danos, no qual o consumidor

está impossibilitado de usufruir do seu bem.

No artigo 12º da Lei analisada, intitulado de “Direito à Reparação dos Bens”, é conferido ao

consumidor o direito à reparação da coisa, à substituição, à redução do preço e à resolução do

contrato.

Também é estipulado um prazo de um ano para denunciar o defeito, no caso de este ocorrer num

imóvel, caducando os direitos referidos no parágrafo anterior no final deste prazo.

O consumidor poderá também exigir uma indemnização pelos danos causados, sendo o produtor

responsável por eles “independentemente de culpa” (artigo 12º nº4 e nº5).

3.4.5.2. TRANSPOSIÇÃO DA DIRECTIVA Nº 1999/44/CE

O DL nº67/2003, de 8 de Abril, veio transpor para o ordenamento jurídico português a Directiva nº

1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, aproximando Portugal com os

outros estados membros da UE relativamente à venda de bens de consumo e suas garantias.

O regime jurídico aprovado implementou um novo conceito no país – conformidade com o contrato

– e os factores que levam à sua falta. Para a referida falta de conformidade importam o momento

da entrega da coisa ao consumidor, bem como os cinco anos a contar da data de entrega, para o

caso de imóveis.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

33

Outra das inovações implementadas com este diploma relaciona-se com as medidas jurídicas

relativas às garantias voluntariamente pelo vendedor ou fabricante com o objectivo de reembolsar

o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se de qualquer modo do imóvel defeituoso.

Neste Decreto é ainda conferida a possibilidade, à pessoa contra quem foi exercido o direito de

regresso, de direito de regresso contra o profissional responsável, pelos prejuízos causados pelo

exercício daqueles direitos.

No artigo 2º da referida Lei implementou-se que “o vendedor tem o direito de entregar ao

consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda”, sendo os casos que

levam à não conformidade com o contrato os seguintes:

Quando os bens de consumo não são conformes com a descrição que deles é feita ou não

possuam as qualidades apresentadas ao consumidor;

Quando os bens não sejam adequados ao uso a que se destinam, desde que, o vendedor

tenha conhecimento dos mesmos;

Quando não são adequados às utilizações dadas a bens de consumo semelhantes;

Quando apresentem falta de qualidade e desempenho, relativamente a bens do mesmo

tipo.

No referido artigo, é acrescentado que se o consumidor tiver conhecimento da falta de

conformidade do bem no período de celebração do contrato ou se esta decorrer dos materiais

fornecidos pelo consumidor ao fornecedor, a falta de conformidade não é considerada.

Tal como foi referido anteriormente, o vendedor é responsável pela falta de conformidade no

momento da entrega do bem, tal como no período de cinco anos seguintes para o caso de

imóveis. Este facto é regulamentado no artigo 3º do DL em análise.

À semelhança do que foi decretado pela Lei nº24/96 artigo 12º, intitulado de “Direito à Reparação

de Bens”, o artigo 4º do Decreto-Lei 67/2003 confere ao consumidor o direito de reparação ou de

substituição, à redução do preço ou à resolução do contrato, sendo que neste diploma surge ainda

“sem encargos”, que se reporta às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com

o contrato celebrado, estando também incluídas as despesas de transporte, de mão-de-obra e de

material.

No artigo 9º é estipulado que a garantia consiste numa declaração que compromete o vendedor a

reembolsar o preço de substituição ou reparação, perante o consumidor, transmitindo-se esse

direito ao adquirente da coisa.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

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3.4.5.3. ÚLTIMAS ALTERAÇÕES RELATIVAS À VENDA DE BENS DE CONSUMO

Em 2008, cinco anos após a transposição para o ordenamento jurídico interno da Directiva nº

1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, considerou-se necessária a

introdução de novas regras para ajustar o regime à realidade do mercado e colmatar as

deficiências que a aplicação do DL nº67/2003 revelara.

Um dos aspectos que foram regulamentados com o novo documento – DL nº84/2008, de 21 de

Maio – prende-se com um novo prazo de três anos, para o caso de imóveis, a contar da data da

denúncia, para a caducidade dos direitos dos consumidores. É ainda estabelecido um prazo de

cinco anos de garantia para o bem sucedâneo, substituto, do bem desconforme, no caso de este

ser um bem imóvel (artigo 5º, nº6 e nº7), sendo também implementado o direito à transmissão dos

direitos conferidos pela garantia aos terceiros adquirentes do bem (artigo 4º, nº6).

Por fim, passa a existir um regime sancionatório de natureza contra-ordenacional que, até à data

não existia. Assim, caso o infractor não cumpra o prazo para reparação ou substituição estipulado

no artigo 4º nº2, poderá ser punido com uma coima que poderá variar entre os 250 e os 2500

euros, no caso de o infractor ser uma pessoa singular, e entre os 500 e os 5000 euros, para o

caso do infractor ser uma pessoa colectiva (artigo 12º-A, DL 84/2008).

3.5. LEGISLAÇÃO SOBRE SEGUROS

3.5.1. GENERALIDADES

Apesar de, nos últimos anos, terem sido regulamentadas algumas exigências sobre os seguros

para a cobertura danos na construção, este sector carece da implementação de um sistema que

transfira os riscos associados à construção para as seguradoras. O referido sistema poderia

contribuir para a salvaguarda dos interesses do consumidor, uma vez que após a ocorrência de

um dano a seguradora iria assumir o custo das reparações.

No passado recente, chegou a ser implementado um seguro obrigatório de projecto e outro de

construção, que não funcionaram, muito por culpa da falta de uma consulta às seguradoras que

inferisse sobre a possibilidade de criação desse seguro (AECOPS, 2006).

Actualmente, no que concerne a obras públicas, é o caderno de encargos, e consequentemente o

dono de obra que define os seguros necessários à realização da obra. Relativamente às obras

particulares não existe qualquer disposição legal de celebração de um contrato de seguro.

É de salientar que, com a entrada em vigor da Lei 31/2009 foi implementada a obrigatoriedade de

contratar seguros de responsabilidade civil extracontratual por parte dos “técnicos responsáveis

pela coordenação, elaboração e subscrição do projecto, pela fiscalização de obra pública e

particular e pela direcção de obra” para garantir o ressarcimento de danos causados a terceiros

por actos ou omissões negligentes.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

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3.5.2. POSSIBILIDADE DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL SER OBJECTO DE

CONTRATO DE SEGURO

Com o aparecimento do DL nº445/91 de 20 de Novembro, o Governo demonstrou preocupação

em garantir a defesa dos interesses públicos e privados e a salvaguarda da qualidade da

construção em Portugal. Para tal, o referido DL definiu um regime de responsabilidades, garantias

e seguros, a praticar em situações de não cumprimento dos planos de ordenamento e restantes

disposições legais e regulamentares em vigor.

Assim, no artigo 70º nº1 do referido DL, intitulado de “Responsabilidade Civil”, ficou definido que “o

proprietário, usufrutuário, titular do direito de uso e habitação, superficiário ou mandatário, os

autores dos projectos e os empreiteiros são responsáveis, nos termos da lei civil, por danos

causados a terceiros que sejam provocados por erros, acções ou omissões decorrentes da sua

intervenção no projecto ou na obra por factos emergentes da qualidade ou forma de actuação

sobre os terrenos”.

Com isto, passaram a ser responsabilizados os diversos intervenientes na obra pelos erros

causados por sua culpa a terceiros. Esta responsabilização é reflectida na obrigação de

indemnizar os terceiros devido à responsabilidade civil contratual e extracontratual.

No nº2 do referido artigo acrescenta-se que a referida obrigação “deve ser garantida,

nomeadamente por seguro, nos termos a definir em decreto regulamentar”.

Com isto, definiu-se que os técnicos autores de projectos e os industriais de construção civil

devem obrigatoriamente contratar seguros que cubram os danos emergentes da sua actuação na

concepção e ou execução de obras, transferindo para a entidade seguradora os riscos inerentes a

essa actividade.

Em 1992, com o aparecimento do Decreto Regulamentar nº11/92 de 10 de Maio, foram instituídos

dois tipos de seguro, um de projecto e outro de construção para garantir o pagamento de

indemnizações que sejam obrigatórias.

O DL nº32/92 veio alterar alguns artigos do referido DL 11/92, sendo que todas as considerações

aqui efectuadas dizem respeito ao DL modificado.

O Capítulo I do referido DL, intitulado “Do Seguro de Responsabilidade Civil aos Autores do

Projecto”, implementa “a obrigação de segurar … sobre as pessoas singulares ou colectivas que

subscrevem os projectos”.

Neste capítulo é ainda estabelecido um seguro para responsabilidade civil extracontratual dos

autores do projecto (artigo 3º) e um seguro de caução para responsabilidade civil contratual,

formando estes o Seguro de Projecto.

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

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No capítulo II deste DL é definida a obrigação de segurar por parte do “industrial de construção

civil”. Esta obrigação está descrita nos artigos 8º e 9º, onde são implementados um seguro de

responsabilidade civil extracontratual para o industrial de construção e um seguro de caução

devido a danos de responsabilidade civil contratual dos industriais de construção, formando estes

o Seguro de Construção.

Por fim, nos artigos 12º, 13º e 14º são decretadas as exclusões destes tipos de contrato de

seguro, bem como a sua duração (“inicia-se com o começo dos trabalhos e mantém-se

obrigatoriamente pelo prazo de cinco anos”) e a forma de realizar o pagamento do prémio.

É de salientar que a obrigatoriedade de um Seguro de Projecto e de um Seguro de Construção foi

implementada sem uma preparação prévia das seguradoras, pelo que eram exigidos seguros que

à data não eram comercializados ou comercializáveis (AECOPS, 2006).

Dois anos mais tarde, o DL 250/94 veio modificar o DL 445/91 passando o nº2 artigo 70º do

referido DL a ter a seguinte redacção:

“ 2 – A obrigação de indemnizar decorrente da responsabilidade civil contratual e extracontratual

de todas as entidades envolvidas na realização da obra pode ser objecto de contrato de seguros.”

Esta definição não parece ser a mais correcta já que, tal como refere Adolfo Carranca citado por

um documento publicado pela Associação de Empresas de Construção de Obras Públicas

(AECOPS) “a possibilidade de ser objecto de contrato de seguro não constitui uma norma

jurídica”.

Esta indefinição suscitou diversos problemas, pelo que, entre 1991 e 1994, para que o empreiteiro

e o dono de obra pudessem obter uma licença de construção, tinham que obter declarações de

três seguradoras em como não era possível fazer um contrato de seguro (AECOPS, 2006).

3.5.3. MONTANTE DO CAPITAL SEGURO

Os artigos 5º e 10º do Decreto Regulamentar 11/92, de 16 de Maio, com a redacção que lhe foi

dada pelo Decreto Regulamentar 32/92, definiram que o Montante Capital seguro pelos contratos

a celebrar pelos autores de projectos e industriais de construção civil seriam fixados por Portaria

dos Ministros das Finanças e do Planeamento e da Administração do Território.

Na sequência do referido anteriormente surgiu a Portaria nº245/93 de 4 de Maio, onde foram

decretados os seguintes Montantes Capitais:

“10000 contos para responsabilidade civil extracontratual dos autores do projecto;

30000 contos para responsabilidade civil extracontratual dos industriais de construção

civil;

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

37

5% do valor total do projecto para responsabilidade civil contratual dos autores do

projecto;

5% do valor total da obra para responsabilidade civil contratual dos industriais de

construção civil.”

É de salientar que, com as alterações produzidas pelo DL 250/94, os Montantes Capitais definidos

acima deixaram de ter efeito, uma vez que deixaram de existir seguros obrigatórios para os

autores do projecto e para os industriais de construção civil.

3.5.4. SEGURO PARA OBRAS PÚBLICAS

Relativamente às obras públicas, a legislação vigente em Portugal foi recentemente alterada com

a entrada em vigor do CCP. Até à data da alteração, existia a possibilidade de existir um seguro

obrigatório, caso o dono de obra o definisse.

Assim, para as obras públicas, o DL nº59/99 de 2 de Março, regulamentava que o factor

determinante para existência de um seguro era o caderno de encargos:

“O caderno de encargos poderá impor a realização de contrato de seguros, que garanta a

cobertura dos riscos e danos directa ou indirectamente emergentes de deficiente concepção do

projecto e da execução da obra”.

Com este DL, foi conferida ao dono de obra a possibilidade de fazer as suas exigências, o que por

vezes poderia levar a que fosse definido no caderno de encargos que determinados riscos

próprios do dono de obra ou dos seus projectistas fossem segurados pelo empreiteiro. Por outro

lado, existiam ainda casos em que os clausulados apresentados pelo dono de obra eram

incompreensíveis (AECOPS, 2006).

Com a entrada em vigor do CCP, foi revogado o DL 59/99, passando a ser unicamente exigida a

prestação de uma caução, no valor de 5% do preço contratual, por parte do adjudicatário para

garantir a celebração do contrato, “bem como o exacto e pontual cumprimento de todas as

obrigações legais e contratuais…” (artigo 397º do CCP). É de salientar que no caso do preço

contratual ser inferior a 200000 euros a referida caução não é exigida, podendo, neste caso, ser

definida no caderno de encargos uma retenção de “10% do valor dos pagamentos a efectuar…”.

Para além da caução acima referida, é exigido um reforço da caução, sendo deduzidas às

importâncias que o empreiteiro tem a receber um montante correspondente a 5% do pagamento

(artigo 353º do CCP).

A caução pode ser prestada pelo adjudicatário através de um depósito em dinheiro, títulos

emitidos ou garantidos pelo Estado, garantia bancária ou seguro-caução (ver §4.4.4) (artigo 90º do

CCP).

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ENQUADRAMENTO LEGAL DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS DAS CONSTRUÇÕES EM PORTUGAL – CAPÍTULO 3

38

3.6. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Após analisar a legislação vigente em Portugal relativa a responsabilidades, garantias e seguros

para a cobertura de danos na construção constatou-se que a legislação existente encontra-se

dispersa e suscita diversas dúvidas, para além de existirem matérias omissas, como é exemplo a

obrigatoriedade de contratar seguros de reparação de danos.

A necessidade de criar o referido enquadramento legal surge devido à obrigação que deve existir

na procura de responsáveis por defeitos na construção, para que aumente a protecção a que os

consumidores (proprietários) têm direito.

No que concerne à responsabilidade dos intervenientes, apenas estava prevista a

responsabilização de empreiteiros e donos de obra, ficando os restantes intervenientes do

processo construtivo ilibados de qualquer responsabilidade. Contudo, com a Lei 31/2009 foi

estabelecida a qualificação e os deveres exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração e

subscrição de projectos, pela fiscalização e pela direcção de obra, embora ainda não se

conheçam os efeitos práticos desta reforma legislativa

Uma das formas que poderá contribuir para a resolução dos problemas acima referidos é a criação

de uma nova definição na legislação portuguesa para “construtores”, à semelhança do que

acontece em alguns países que em §5 se estudam.

Outra das normas que deveria ser clarificada e alterada é a referente aos imóveis destinados a

longa duração, particularmente o artigo 1225º do CCivil. Tal como foi analisado em §3.4.1.2,

existem diversas questões, no referido artigo, passíveis de diferentes interpretações, o que não

pode acontecer num sistema que se pretende rápido e eficaz na defesa dos interesses dos

proprietários dos imóveis. Para além do referido anteriormente, o prazo de garantia imposto nesse

artigo será analisado na proposta apresentada em §6. A convenção de prazos de garantia

diferentes para as obras públicas e particulares dificulta a possibilidade de implementar seguros

de adesão voluntária ou obrigatória em ambos os casos, uma vez que deverá existir uma

preparação prévia das seguradoras antes da referida implementação.

Com um sistema de responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na

construção que contemple seguros de adesão voluntária ou obrigatória aumentaria o controlo à

obra (por exigência das seguradoras) e, consequentemente, diminuiriam os defeitos, melhorando

a qualidade da construção.

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4. SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO

4.1. GENERALIDADES

Associado às grandes dificuldades na determinação das causas dos defeitos e imputação das

responsabilidades, existe uma cada vez maior sensibilização dos lesados para reclamar a

respectiva indemnização ou reparação dos danos, o que leva à necessidade urgente de

transferir as responsabilidades para uma seguradora (Appleton, Trigo e Neves, 1986).

A existência de um seguro, para além de conferir uma maior protecção dos proprietários das

novas construções, poderá contribuir, paralelamente, para um aumento da qualidade da

construção, uma vez que uma seguradora apenas celebra um contracto de seguro depois de

analisar o risco associado à actividade.

Ao longo das últimas décadas, o tema “danos na construção e os seguros associados”, tem

sido analisado em vários países por todo o mundo, existindo um especial destaque para o

Conselho Internacional dos Edifícios (Conseil International du Bâtiment – CIB), criado em 1985,

que colectou informações e legislação nacional vigente praticada em vários países acerca das

responsabilidades e seguros na fase de pós-construção (Borges, 1991).

O organismo acima citado criou a comissão CIB W87, que concluiu acerca das dificuldades

que as diferenças entre os diversos sistemas acarretam para as construtoras, seguradoras e

consultores. Para além deste aspecto, provou que nenhum sistema, qualquer que seja o país,

pode ser considerado como inteiramente satisfatório, pelo que propôs um modelo global de

responsabilidades e seguros na fase de pós-construção (Lavers, 1996).

A situação portuguesa, não difere muito das restantes, no que concerne à análise deste tema,

tendo sido realizados congressos e elaborados estudos, nas últimas décadas, acerca da

responsabilidade dos intervenientes e os seguros. No que toca a acções, a situação

portuguesa difere de alguns países, como a França e a Espanha, que possuem já sistemas de

responsabilidades, garantias e seguros implementados.

Nos subcapítulos seguintes enumeram-se os seguros existentes para a cobertura de danos na

construção (ver §4.3), dando-se especial relevo ao seguro de responsabilidade civil profissional

(SRCP) (ver §4.4.1), ao seguro contra todos os riscos na construção (Constructor All Risk –

CAR) (ver §4.4.2) e ao seguro decenal (ver §4.4.3). Também se analisa o protocolo existente

entre a Ordem dos Engenheiros (ver §4.6) e uma Companhia de Seguros e a função dos

Organismos de Controlo Técnico (ver §4.7). Por fim, tecem-se as considerações finais deste

capítulo, tendo em vista a realização da proposta final (ver §4.9).

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

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4.2. O RISCO E O SEGURO

Associado à actividade da construção existe um conceito fundamental que é indispensável ter

em conta: o risco. Este é calculado pelo produto da probabilidade de ocorrer um dano, pelas

consequências do acontecimento (Montull, 2008).

Face ao risco existente no sector da construção, as empresas podem agir de duas formas

distintas. A primeira, denominada de retenção, consiste em ter reservas para compensar

possíveis perdas, enquanto que na segunda, denominada de transferência, se negoceia um

seguro que cubra as perdas de uma possível ocorrência. O primeiro caso, acontece para riscos

com alta probabilidade de ocorrência e baixas consequências, enquanto que a outra opção, é

utilizada em riscos de menor probabilidade, mas com consequências maiores.

É de salientar que, na construção existem riscos que podem ser segurados, tais como os

naturais, fogo, roubo, falhas mecânicas ou eléctricas e negligência, e outros que, por ser turno,

não o podem ser: políticos, nucleares, perdas financeiras.

Os factores de risco podem ser internos (projecto, execução) ou externos (terceiros, natureza),

sendo estes mais elevados do que noutros sectores, uma vez que cada projecto é diferente, à

constante inovação e desenvolvimento tecnológico, à existência de trabalhadores não

especializados, entre outras situações.

Assim, como forma de transferir o risco envolvido na actividade de construção, os

intervenientes no processo construtivo têm a possibilidade de contratar seguros de reparação

de danos. Com os referidos seguros, após a ocorrência de um sinistro na construção, a

seguradora assume no imediato os custos de reparação.

Existe todo o interesse que o seguro seja único, englobando todos os intervenientes e a maior

gama de coberturas possível, uma vez que quanto mais seguros houver, mais prémios de

seguro têm de ser pagos (Revista Técnica, 1991).

Por outro lado, as seguradoras também podem transferir o risco que assumiram, através de um

resseguro, que não é mais do que o seguro das seguradoras.

4.3. APÓLICES DE SEGUROS DISPONÍVEIS NO MERCADO DA CONSTRUÇÃO

Ao longo deste subcapítulo enumeram-se as principais apólices de seguros existentes para a

cobertura de danos na construção. Para tal, distinguem-se três apólices: anuais, temporárias e

multi-anuais (Montull, 2008).

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

41

Apólices anuais:

Avarias de Máquinas (Machinery Breakdown – MB) – Cobre avarias resultantes de danos

eléctricos e mecânicos na maquinaria.

Interrupção dos Trabalhos Devido a Avaria de Máquinas (Business Interruption in Machinery

Breakdown – BI-MB) – Cobre despesas resultantes da interrupção dos trabalhos devido a uma

perda coberta por uma política MB.

Deterioração de Bens (Deterioration of goods – DOS) – Cobre a deterioração de bens.

Equipamento Eléctrico (Electronic Equipment – EEI) – Cobre danos acidentais em sistemas

eléctricos.

Equipamentos do empreiteiro (Contractor Plants and Machinery – CPM) – Cobre danos em

maquinaria de transporte, como por exemplo escavadoras ou bulldozers.

Riscos Completos de Engenharia Civil (Civil Engineering Completed Risks – CECR) – O

tomador do seguro é o dono de obra. Os trabalhos segurados são as infra-estruturas e as

obras públicas.

Apólices temporárias:

Todos os Riscos da Construção (Constructor All Risks – CAR) – Ver 4.4.2.

Todos os Riscos de Elevação (Erection All Risks – EAR) - Cobre danos resultantes de

trabalhos de elevação, como por exemplo a elevação de uma estrutura de aço.

Perdas Avançadas de Lucro (Advanced Loss of Profit – ALoP) - Cobre despesas resultantes da

interrupção dos trabalhos devido a uma perda coberta por uma política CAR ou EAR.

Apólices multi-anuais:

Decenal (Decennial) – Ver 4.4.3.

Defeitos Inerentes (Inherent Defects) – 2, 3 ou mais anos.

4.4. PRINCIPAIS SEGUROS PARA A COBERTURA DE DANOS NA CONSTRUÇÃO EM

PORTUGAL

4.4.1. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL (SRCP)

O SRCP é um seguro que pode ser subscrito em diversas áreas profissionais, sendo que ao

ser subscrito por engenheiros civis não se limita à cobertura da actividade dos projectistas.

Assim, este seguro cobre a actividade profissional dos engenheiros em diversas outras áreas,

relacionadas com o fabrico, construção, produção, fiscalização e controlo da qualidade (Ordem

dos Engenheiros, 2008).

A contratação do SRCP permite indemnizar terceiros pelos danos materiais ou pessoais, de

natureza patrimonial ou não patrimonial, causados por erros praticados no exercício da

actividade profissional. Para além desta cobertura, ainda estão incluídos os gastos judiciais e

criminais para a defesa civil e criminal de reclamações.

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

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A seguradora ASEFA, especializada no sector da construção, inclui nas coberturas deste

seguro, para além das garantias de responsabilidade civil contratual e extracontratual, as de

responsabilidade decenal, de exploração (danos causados a terceiros pela estrutura

empresarial da empresa durante o desenvolvimento das actividades que lhe são próprias) e

patronal (danos pessoais e a morte que possa sofrer um trabalhador em caso de acidente de

trabalho).

Como principais exclusões deste tipo de seguro, podem enumerar-se as seguintes (ASEFA,

2009):

As reclamações por atraso na iniciação, execução ou fim dos trabalhos e as

consequências derivadas da paralisação;

As reclamações referentes ao pagamento de honorários profissionais;

As despesas devidas à realização de um novo projecto ou rectificação do mesmo

(honorários, custos dos novos planos, investigações ou estudos);

O cálculo defeituoso de medições ou orçamentos que tenham como consequência a

variação de custo da obra em relação ao orçamento.

O custo do SRCP é calculado em função das actividades desenvolvidas durante o período de

cobertura, em relação às coberturas contratadas. Por norma, a contratação deste tipo de

seguro, é feita tendo em conta uma perspectiva do capital a segurar, fazendo-se um acerto no

final do ano. Nos casos em que o dono de obra assim o exija, poderá ter de ser feito o reforço

da apólice. O prémio aplicado para segurar a actividade de projectista é muito elevado, o que

torna este tipo de seguro bastante oneroso (ver §6.6.3.3).

4.4.2. SEGURO CONTRA TODOS OS RISCOS NA CONSTRUÇÃO (CAR)

Devido à enorme variedade de riscos que podem ocorrer durante a execução de uma obra,

surgiu a necessidade de criar um produto que salvaguardasse os intervenientes no processo

construtivo. Este tipo de seguro cobre todos os riscos de uma construção à excepção daqueles

que estão expressamente excluídos, representando uma grande tranquilidade não só para o

dono de obra, como para os restantes intervenientes da obra. (ASEFA, 2009).

É de salientar que, para obras de grande dimensão, com montantes elevados envolvidos,

realizadas por mais do que uma empresa, poderão estar associadas várias seguradoras,

realizando um co-seguro5 (Império Bonança, 2009).

5 Co-seguro: Partilha do risco por mais do que uma seguradora, de entre as quais uma é líder, a esta compete emitir a

apólice (uma única apólice com as mesmas garantias, período de duração e prémio global), onde deve figurar a parte

percentual ou quota-parte do capital assumido por cada uma das companhias.

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

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Os seguros que podem ser contratados variam de obra para obra consoante determinados

factores, sendo analisados caso a caso, variando de companhia para companhia, tendo em

conta a experiência de cada uma, pelo que é exigida a resposta a um questionário antes da

celebração de um contrato deste tipo. Os factores que influenciam o seguro a ser contratado

são (Império Bonança, 2009):

Tipo de obra;

Duração;

Custo da obra;

Volumetria.

O principal interessado neste tipo de seguro é o empreiteiro, embora, em grande parte das

situações estejam salvaguardados os interesses dos diversos intervenientes de uma obra,

designadamente o dono de obra. Este facto leva a que o empreiteiro possa ter de pagar por

erros que um subempreiteiro cometa. Em alguns países que comercializam este tipo de

seguro, apenas o empreiteiro e o dono de obra estão salvaguardados, tendo cada um dos

outros intervenientes um SRCP que cobre a sua actividade. Com isto, após a ocorrência de um

sinistro, os danos são suportados através do seguro CAR, tendo a seguradora direito de

regresso contra os outros intervenientes que deverão ter um SRCP (Revista Técnica, 1991).

Para além dos empreiteiros e dos subempreiteiros, este seguro pode ser contratado por donos

de obra, entidades financiadoras ou outras entidades envolvidas na fase de execução dos

trabalhos. Actualmente, o segurado é a própria construção em si (Montull, 2008).

Para contratar este tipo de seguro poderá ser escolhida uma das duas modalidades

disponíveis: apólice para cobrir um obra ou apólice aberta, que cobre todas as obras do

segurado, desde que estas se realizem dentro das condições estipuladas.

O objectivo de apólices de seguro deste tipo é o conjunto de trabalhos permanentes e

temporários que existem ao longo de uma obra. Como tal, encontram-se cobertos por este tipo

de seguro os riscos inerentes à execução, tais como falhas humanas, defeitos de materiais,

execuções defeituosas, consequências de erros de desenho, entre outros.

Para além dos riscos de execução, ainda estão salvaguardados os riscos convencionais ou

clássicos (como por exemplo incêndio, explosão, roubo) e os riscos da natureza (como por

exemplo chuva, neve, furacão, sismo).

O seguro CAR garante ainda, ao abrigo da Responsabilidade Civil Extracontratual, o

pagamento de indemnizações a terceiros por danos causados pelos trabalhos objecto de

seguro.

Das coberturas facultativas que este seguro apresenta é de salientar a que se refere à

Responsabilidade Civil Cruzada, já que esta garantia convenciona que, para a cobertura da

Responsabilidade Civil Extracontratual, todos as entidades envolvidas no processo de

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

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construção, que contratam este tipo de seguro, são considerados como terceiros entre si, como

se tivesse sido emitida uma apólice individualizada para cada um deles (Império Bonança,

2009).

Como principais exclusões desta apólice podem referir-se as que de seguida se enumeram

(Império Bonança, 2009):

Má fé do segurado;

Guerra, invasão, revolução, entre outros;

Expropriações;

Furto;

Custos de reparação, substituição ou rectificação do objecto seguro por defeitos nos

materiais, desenhos ou planos, ou mão-de-obra;

Danos que não estão a cargo do segurado.

O valor a segurar com a contratação deste seguro é o da construção na data de conclusão da

obra. Está previsto, sem encargos adicionais uma prorrogação de 20% do período inicialmente

previsto, sendo necessário informar previamente a seguradora, no caso da duração da obra

ultrapassar esse limite, procedendo-se a um suplemento da apólice que dará lugar a um sobre

prémio.

Para além da construção, podem ainda ser seguradas opcionalmente a maquinaria

(substituição por nova), o equipamento (valor de nova reposição) e a propriedade (Montull,

2008).

O montante máximo do capital seguro6 é estipulado de acordo com as regras de cada

seguradora. A responsabilidade civil extracontratual corresponde ao montante capital máximo.

Na eventualidade de ocorrer um sinistro, o capital seguro ficará automaticamente reduzido do

montante correspondente ao valor da indemnização paga. O segurado poderá reconstituir o

capital seguro, pagando o prémio complementar correspondente.

O valor do prémio de seguro7 varia de seguradora para seguradora e depende do valor da

franquia8 que o segurado terá de suportar em caso de sinistro. Relativamente à duração do

contrato de seguro, este termina com a recepção provisória da obra, entrada em uso ou

finalização dos testes.

6 Capital seguro: Valor máximo a indemnizar por parte da seguradora. A determinação deste valor é sempre da

responsabilidade do segurado.

7 Prémio de seguro: Prestação paga pelo segurado, para a contratação do seguro, que se efectiva com a emissão da

apólice por parte da empresa seguradora. Em obras de construção de grande dimensão o prémio de seguro pode

chegar a valor próximos dos 300.000 euros.

8 Franquia: “Importância estabelecida na apólice que fica a cargo do tomador do seguro em caso de sinistro. Pode

estabelecer-se como um montante fixo ou como uma percentagem do valor do capital seguro. A franquia permite

reduzir o prémio, responsabilizando-se o tomador do seguro por uma parte do prejuízo.

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

45

Após a recepção provisória da obra termina o período de duração do contrato do seguro CAR.

Apesar disso, poderá ser contratado um Período de Manutenção, que visa estender as

coberturas por um período de 12 ou 24 meses (Império Bonança, 2009).

Este Período de Manutenção tem com principal objectivo salvaguardar a qualidade da

construção de defeitos ocultos na data de encerramento dos trabalhos. Para além disso, cobre

possíveis danos que possam ser derivados de intervenções de manutenção, como por

exemplo, numa tubagem que pode romper provocando inundações que danifiquem elementos

da obra.

Por fim, existe uma cobertura para casos especiais, tais como, extensões, interrupções ou

suspensões e para a conclusão mais cedo (Montull, 2008).

4.4.3. SEGURO DECENAL

O seguro decenal é utilizado em alguns países da Europa e é visto como um desafio a curto

prazo ao sector segurador em Portugal. Actualmente, poucas seguradoras comercializam este

seguro em Portugal.

Na Figura 4.1 apresentam-se as realidades de alguns países com práticas implementadas e

outros em que as referidas medidas estão em desenvolvimento. É de salientar que alguns

países contemplam seguros decenais de subscrição voluntária, defendendo que esta realidade

tem melhores reflexos na qualidade efectiva da construção.

Figura 4.1 – Seguro decenal na Europa (Fonte: Montull, 2008).

Em 2006, surgiu uma proposta de um novo DL denominado de “Projecto de Regime Jurídico do

Exercício da Actividade de Promoção Imobiliária” que prevê um seguro obrigatório de danos

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

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estruturais com garantia decenal, e que foi elaborado na sequência do Programa de Governo

que prevê de forma expressa o “estudo do eventual alargamento do prazo de garantia dos

imóveis, actualmente limitado a cinco anos, e da criação de um seguro obrigatório de garantia

dos imóveis, beneficiando os consumidores adquirentes de imobiliário, de modo a tornar mais

afectiva e exequível a protecção que a lei consagra, durante o período de garantia, contra

defeitos de construção que venham a surgir ou a ser detectados” (ISP, 2006).

No referido Programa de Governo foram debatidas as seguintes matérias (ISP, 2006):

Seguro obrigatório de danos estruturais;

Prazo de garantia do seguro com início na data de recepção do edifício com a duração

de dez anos a contar daquela data;

Acompanhamento obrigatório da obra por entidade legalmente habilitada e certificada

para o efeito;

Existência obrigatória de um estudo geológico ou geotécnico específico;

Montante mínimo obrigatório do seguro e restantes condições a definir por diploma

autónomo próprio;

Despesas com o seguro e com o acompanhamento da obra suportadas pelo promotor;

Obrigatoriedade de seguro aplicável apenas a edifícios que se destinem

maioritariamente a uso habitacional, excluindo a habitação unifamiliar.

A contratação do seguro decenal é composta por diversas fases, cabendo ao dono de obra a

decisão de contratar este tipo de seguro. Se o dono de obra se decidir favoravelmente pela

contratação do seguro terá de seleccionar a seguradora tendo em conta o orçamento que esta

lhe fará. Depois de seleccionada a seguradora, o dono de obra deverá entregar o projecto da

obra que pretende realizar e segurar (AECOPS, 2006).

De seguida, o dono de obra e a seguradora escolhem um gabinete de controlo independente

que analisa as condições do projecto, concluindo sobre as condições para aceitar ou não os

riscos que advêm da obra a segurar.

O gabinete de controlo poderá julgar necessária a realização de algumas alterações ao

projecto. Neste caso, cabe ao dono de obra concordar com as alterações propostas e, em caso

positivo, o projecto segue em frente sendo considerado bom para segurar.

Depois desta análise ao projecto de construção, segue-se a fase de execução da obra, durante

a qual serão elaborados relatórios quanto à conformidade dos trabalhos. Nesta fase, a

fiscalização poderá exigir alterações, que se não forem feitas levam à conclusão do processo

de negociação, ficando o seguro sem efeito.

No final da execução dos trabalhos o gabinete de controlo procede à elaboração do relatório

final, certificando-se de que tudo está em conformidade com o projecto de construção. Por fim,

o contrato de seguro decenal é aceite, processando-se a apólice de seguro e o pagamento

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

47

remanescente do prémio de seguro contratado no início das negociações. O seguro decenal

inicia-se com a recepção da obra e terá a duração fixa de dez anos.

No caso de ocorrer um sinistro na construção que necessite de reparação terá de ser realizada

a peritagem do defeito que é composta pelos seguintes passos (AECOPS, 2006):

Determinação do carácter decenal do dano;

Determinação da causa física que provocou o dano, sem procura de uma

responsabilidade;

Proposta de reparação do dano ou do montante da indemnização correspondente.

O compromisso financeiro que advém da contratação de um seguro decenal está limitado ao

montante total da obra. Seria anormal que a ocorrência de múltiplos sinistros parciais obrigasse

a seguradora, por acumulação, a pagar várias vezes o valor inicial do objecto de seguro,

enquanto que só recebem um único prémio.

Depois da ocorrência do sinistro e reparação do dano existe a possibilidade de reconstituição

da garantia mediante o pagamento de um sobre prémio de seguro. O segurado deste tipo de

contrato é o dono de obra e os sucessivos adquirentes que se tornarem proprietários da obra.

Este tipo de seguro cobre obras de edificação, tais como: habitações, escritórios, centros

comerciais, hospitais, auditórios, teatros, polidesportivos, entre outros. Em função do tipo de

cobertura contratado em cada caso, garante-se o conjunto da obra (lajes, fundações,

estruturas, coberturas exteriores, obra secundária, equipamentos, instalações, entre outros)

(ASEFA, 2009).

Alguns dos tipos de problemas que estão cobertos pelo seguro decenal são: os defeitos de

materiais e os erros de concepção ou de execução que comprometem a estabilidade do

edifício. É ainda de salientar que com a contratação deste tipo de seguro não existirão custos

adicionais provenientes de despesas de demolição.

Em algumas seguradoras na Europa, como é o caso da ASEFA, é englobado dentro do

contrato de seguro decenal, uma modalidade de coberturas complementares trienais, que

contemplam danos relacionados com (ASEFA, 2009):

Impermeabilização de coberturas;

Impermeabilização de fachadas;

Impermeabilização de caves;

Obras secundárias;

Instalações;

Estabilidade e resistência mecânica das fachadas não portantes.

As regras de aceitação e contratação inerentes aos seguros decenais são o seu principal

garante de qualidade e, consequentemente, a sua grande vantagem (ISP, 2006).

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

48

O seguro decenal para a cobertura de danos na construção leva a que haja a implicação do

sector segurador na prevenção como factor primordial para a diminuição dos danos, através do

controlo independente do processo construtivo como contributo à normalização dos riscos.

A existência de um seguro decenal é um factor acreditador de qualidade, pois implica uma

protecção do segurado. Este factor advém da existência de uma entidade externa que toma a

decisão de assumir um risco após avaliar satisfatoriamente todo o processo de construção de

uma obra. Não se deve considerar o seguro decenal como uma alternativa à qualidade, mas

sim como um reforço da garantia de qualidade da obra, pelo que compensa o capital que a

empresa investe nele.

4.4.4. SEGURO DE PERDAS DE EXPLORAÇÃO E SEGURO DE CAUÇÃO

Existem acontecimentos ao longo da realização de uma obra que poderão trazer problemas,

podendo, por isso, ser prevenidos através da criação de seguros que possam cobrir os custos

que deles advenham (AECOPS, 2006).

Um dos referidos acontecimentos que poderá acarretar prejuízo é a paralisação da obra devido

a danos na construção que possam ocorrer. Como forma de cobertura deste tipo de prejuízo

poderão existir dois tipos de seguros para situações diferentes:

Seguros de perdas de exploração:

No caso de existir um dano na construção no decorrer de uma obra, poderá ocorrer um período

de paralisação dos trabalhos. A referida paralisação será reflectida na imobilização de

equipamentos e mão-de-obra, o que trará custos inerentes. Estes custos, ao contrário daquilo

que alguns dos intervenientes na obra pensam, não fazem parte da cobertura normal de um

seguro CAR.

Um seguro de perdas de exploração garante a cobertura dos custos inerentes aos

equipamentos e à mão-de-obra imobilizada com a paragem forçada do projecto de construção.

Seguro-caução9

Com a entrada em vigor do CCP aumentou a contratação deste tipo de seguro, uma vez que

este é uma das formas regulamentadas para se poder prestar a referida caução. As outras

formas de prestação são o depósito em dinheiro, títulos emitidos ou garantidos pelo Estado e

as garantias bancárias.

9 O Seguro de Caução incide na prestação de uma garantia por parte de um tomador a favor de um segurado que

poderá ser uma entidade pública ou privada. A caução a prestar poderá ser de adiantamento, reembolso do IVA,

deferimento do IVA, aduaneira, empreitada, boa execução dos trabalhos na construção, entre outras.

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

49

Através do seguro-caução o segurado transmite à seguradora os riscos relacionados com

(COSEC, 2008):

Obrigações de empreiteiros nos contratos de empreitadas de obras;

Obrigações de fornecedores nos contratos de fornecimento.

Assim, este tipo de seguro serve como garantia do risco de um eventual incumprimento

temporário ou definitivo das obrigações dos empreiteiros. A utilidade deste tipo de seguros

pode ser comprovada com o exemplo que de seguida se apresenta:

No caso da construção de um hotel, com data marcada para o início do seu funcionamento e

contratos celebrados com os operadores turísticos, em que aconteça um determinado acidente

na obra que provoque a paragem dos trabalhos por algum tempo. Essa paragem provoca um

atraso relativamente à data marcada inicialmente para o começo das funções, que provocará

um prejuízo para os responsáveis do hotel que terá que ser pago por alguém (Império

Bonança, 2009).

4.5. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PANORAMA NACIONAL

Para a realização dos subcapítulos que se seguem foram tidas em conta entrevistas realizadas

com as seguradoras: ASEFA, Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, Companhia de

Seguros AXA Portugal e Império Bonança - Companhia de Seguros, SA. Também foram

realizadas entrevistas com entidades intervenientes no processo construtivo, tais como

projectistas e empreiteiros.

4.5.1. FASE DE PROJECTO

Tal como se referiu no capítulo “Defeitos na construção” (ver §2.5), os erros de

concepção/projecto são uma das principais causas da má qualidade do edificado, não só em

Portugal, mas também em diversos países da UE. Para que este factor se altere será

necessário existir um sistema de responsabilidades, garantias e seguros que cubram eventuais

erros dos intervenientes nesta fase do ciclo de vida de uma obra.

O seguro que, actualmente, pode ser contratado pelos projectistas é o SRCP, que não cobre

uma determinada obra específica, mas sim a própria actividade do projectista, quer seja este

arquitecto ou engenheiro. A este tipo de seguro é aplicada uma taxa elevada devido aos custos

de reparação que um possível erro na actividade possa trazer.

Uma das formas de fazer uma apólice deste tipo é através de contratos de um ano, onde são

segurados os trabalhos durante esse período, sendo no final feito um acerto tendo em conta as

obras que na realidade foram executadas. Para determinadas obras poderá ser exigido ao

projectista que faça um reforço da apólice de seguro.

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

50

Em Portugal, este seguro só pode ser activado no caso de os erros levarem à ocorrência de

um acidente, o que leva a que um erro que seja atempadamente descoberto não possa ser

custeado segundo a cobertura de um SRCP.

Para que as seguradoras aceitem fazer um contrato deste tipo de seguro necessitam de

conhecer bem o cliente que o pretende contratar. Por norma, as seguradoras exigem o

preenchimento de um questionário, onde entre outras coisas, verificam a experiência do

engenheiro em projectos semelhantes. Para além desse questionário, as seguradoras solicitam

o envio do currículo do engenheiro ou da empresa que pretende contratar o seguro.

Existem diversas situações em que as seguradoras recusam o pedido do engenheiro ao

consultarem o seu currículo. A título de exemplo descreve-se o caso da construção de um

viaduto, em que um projectista pretende contratar um seguro que cubra eventuais erros de

projecto. Neste caso, se a referida empresa nunca tiver realizado nenhum projecto para um

viaduto, terá dificuldade em conseguir contratar um seguro de projecto.

Por outro lado, poderão existir casos em que, o segurado faça uma apólice em que refira um

determinado tipo de obras e no final apresente um sinistro numa obra que não referiu na

apólice, ficando esta sem efeito. Como exemplo, poderá ser dado o caso de um projectista que

contrate uma apólice para um ano que cubra obras em edifícios. Se o segurado apresentar à

seguradora um sinistro ocorrido na construção de um viaduto, esta não tem obrigação de cobrir

os custos inerentes à reparação, pois este tipo de obras não estava definido na apólice de

seguro celebrada.

Caso o projectista não tenha um SRCP, que salvaguarde a sua actividade, em caso de

ocorrência de um sinistro, sobre o qual lhe tenha sido atribuída culpa, terá que indemnizar

pelos danos causados. Este facto leva a que algumas empresas de projecto tenham que

cessar actividade, pois os custos de reparação destes erros podem ser incomportáveis.

4.5.2. FASE DE CONSTRUÇÃO E PÓS-CONSTRUÇÃO

Não existindo a obrigatoriedade de um seguro de construção, é conferida a possibilidade de

encarar o seguro de duas formas diferentes:

Como mais um encargo para a obra;

Como um factor que acresce qualidade.

As duas formas aqui referidas estão claramente relacionadas com a dimensão da empresa de

construção, já que este tipo de seguros é muito caro.

Assim, as empresas de menor dimensão podem contratar seguros para o desempenho das

suas actividades, embora em muitas situações nem isso aconteça. Para estas empresas, ao ir

a concurso com os encargos adicionais que os seguros acarretam, o orçamento para a

proposta torna-se incomportável para concorrer com empresas que não contratem seguros. A

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

51

solução deste problema poderia passar pela regulamentação de seguros obrigatórios, para que

todos partissem em igualdade num concurso, ficando a ganhar a qualidade da construção.

As empresas de maior dimensão contratam, na maioria das situações, seguros para danos

próprios e de Responsabilidade Civil Profissional, evitando correr riscos desnecessários que

prejudicam a qualidade da obra, bem como o nome da empresa.

Estas empresas obrigam todos os outros intervenientes da obra a contratarem seguros de

responsabilidade civil conseguindo dessa forma seguros mais baratos. Em caso de sinistro, a

seguradora vai cobrir os custos das reparações, recobrando posteriormente os encargos aos

responsáveis pelo sinistro.

Por norma, a apólice de seguro é realizada para uma obra ou por um período de um ano. No

segundo caso, o segurado informa a seguradora do valor aproximado das obras a segurar

(baliza) e no final do ano faz-se um acerto, tendo em conta as obras realmente seguradas,

sendo revisto o prémio.

4.6. ORGANISMOS DE CONTROLO TÉCNICO

Tal como foi referido anteriormente, para contratar uma apólice de Seguro Decenal para

cobertura de danos na construção é indispensável o controlo específico, direccionado para a

prevenção e normalização do risco realizado por um Organismo de Controlo Técnico (OCT)

(ASEFA, 2009).

Esse referido controlo deverá actuar quer na fase anterior à execução, quer na fase de

execução da obra sendo composto por uma equipa especializada encarregue de seguir a obra.

Na fase anterior à execução, fase de projecto, deverá ser feito o controlo da análise efectuada

aos estudos geotécnicos, ao projecto de execução e à adequação entre ambos. Por outro lado,

na fase de execução, o controlo deverá centrar-se na aplicação em obra dos materiais e dos

ensaios efectuados.

Ao longo das duas fases referidas anteriormente e no final da execução da obra, o OCT

creditado pela seguradora deverá emitir relatórios que servirão à seguradora como base para a

aquisição do compromisso de cobertura para os dez anos seguintes à recepção. A actividade

de controlo deverá servir sobretudo como elemento de prevenção e melhoria da qualidade.

4.7. PROTOCOLO COM A ORDEM DOS ENGENHEIROS

A 1 de Janeiro de 2002 a Companhia de Seguros AXA Portugal e a Ordem dos Engenheiros

(OE) realizaram um Protocolo de Seguros que facilita a contratação de seguros por parte dos

Engenheiros. Este protocolo estabelece um SRCP para todos os membros da Ordem, sendo o

capital seguro de 10.000 euros, sem quaisquer encargos pessoais. Por norma, este valor é

bastante baixo, estando a Ordem a tentar aumenta-lo para o dobro (20.000 euros), o que não é

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

52

fácil devido à quantidade de engenheiros que pertencem à OE (Ordem dos Engenheiros,

2008).

Para os engenheiros que tenham que garantir um capital superior aos 10.000 euros, o presente

Protocolo possibilita a subscrição do excedente facultativamente. Esta opção é utilizada por

alguns engenheiros, embora existam outros que devido à falta de informação ou desinteresse,

pensam que não é necessário cobrir um capital superior, apenas se apercebendo dessa

necessidade quando os sinistros acontecem.

Através do Protocolo de Seguros, os engenheiros podem ainda escolher uma de cinco opções

relativamente aos capitais da modalidade de Responsabilidade Civil Profissional, que variam

entre os 60.000 € e os 500.000€, consoante a opção escolhida.

Tabela 4.1 – Opções de diferentes capitais para o SRCP da OE (Fonte: Ordem dos Engenheiros, 2008).

Opções Capital (euros) Prémio (Euros/ano)

A 60.000 220,2

B 130.000 373,2

C 250.000 559,8

D 375.000 671,8

E 500.000 746,4

É de salientar que o capital pode ainda ser superior, embora nesses casos, o cálculo do prémio

seja efectuado de uma maneira diferente.

Tal como foi referido anteriormente (ver §4.4.1), o SRCP, suporta o pagamento a terceiros

lesados das indemnizações em consequência de danos materiais ou pessoais, de natureza

patrimonial ou não patrimonial, provenientes de erros do engenheiro.

Apenas as actividades de engenharia podem ser salvaguardadas por seguro, o que leva a que

um engenheiro que exerça uma actividade que não seja considerada de engenharia, não esteja

coberto por um SRCP. De entre as actividades que estão englobadas neste seguro podem

enumerar-se as seguintes (Ordem dos Engenheiros, 2008):

Investigação;

Concepção;

Estudo;

Projecto;

Fabrico;

Construção;

Produção;

Fiscalização;

Controlo de qualidade.

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

53

Ao contrário do que algumas seguradoras fazem, através deste Protocolo, as taxas aplicadas

ao SRCP são iguais independentemente da actividade exercida pelo engenheiro.

Para além do SRCP, estão abrangidos neste protocolo os seguintes seguros: “Vida, Saúde,

Multi-Riscos Habitação, Multi-Riscos Comércio, Automóvel, Ocupantes, Auto 2 Rodas,

Acidentes Pessoais, Acidentes de Trabalho, Embarcações de Recreio e Equipamento

Electrónico”.

4.8. SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO POR CONTA DE OUTREM

Embora esteja fora do âmbito desta dissertação, ao longo deste subcapítulo aborda-se um

seguro obrigatório para a construção.

Em 1997, foi aprovado, em Portugal o novo “Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e

Doenças Profissionais”, que estabeleceu o “direito à reparação dos danos emergentes de

acidentes de trabalho e doenças profissionais” para os trabalhadores e para as suas famílias

(Lei nº100/97 de 13 de Setembro).

Dois anos mais tarde, o DL 59/99 de 2 de Março (actualmente revogado), no seu artigo 145º

nº1, veio regulamentar que:

“O empreiteiro deverá segurar contra acidentes de trabalho toda a sua pessoa, apresentando a

apólice respectiva antes do início dos trabalho e sempre que tal lhe for exigido pelo fiscal de

obra.”

Os DL 159/99, de 11 de Maio, e DL 143/99, de 30 de Abril, regularam a obrigatoriedade de um

seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes e por conta de outrem,

respectivamente, sendo ainda aprovado um novo jurídico dos acidentes em serviço e das

doenças profissionais (DL nº503/99 de 20 de Novembro).

O seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem é assim um seguro

obrigatório na construção e a sua inexistência é punida por lei através do pagamento de uma

coima. No caso de acidente ocorrido por um determinado trabalhador, é a entidade

empregadora a responsável pelo pagamento das prestações previstas na lei (Autoridade de

Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões).

Este Seguro de Responsabilidade Civil Patronal transfere para a seguradora a

responsabilidade das entidades empregadoras pela reparação dos acidentes de trabalho

ocorridos com trabalhadores durante o período laboral, independentemente de estarem

vinculados por contrato efectivo ou a prazo.

Com a contratação deste tipo de seguro, ao ocorrer um determinado acidente, a seguradora

assume a responsabilidade de pagamento de prestações em espécie e em dinheiro. Nas

prestações em espécie estão incluídos pagamentos derivados de assistência médica,

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SEGUROS PARA A CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 4

54

reabilitação funcional ou outras prestações necessárias ao restabelecimento do estado de

saúde; nas prestações em dinheiro são pagas, entre outras, prestações decorrentes da

indemnização diária por incapacidade temporária ou pensões vitalícias por incapacidade

permanente.

Relativamente ao prémio de seguro, este vai variar com a natureza e risco da actividade

empresarial, sendo que no caso da construção poderá variar com o tipo de obra para o qual se

está a contratar o seguro.

4.9. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Com a realização deste capítulo ficaram evidentes alguns aspectos que em seguida se

referem:

Em primeiro lugar, é de realçar a importância que a existência de um seguro para a cobertura

de danos tem. Se por um lado, esse seguro garante uma maior protecção ao consumidor, uma

vez que após ocorrer um dano, este é imediatamente reparado, sendo os custos acarretados

pela seguradora, por outro, com a contratação de seguros, é exigida a presença de organismos

que vão controlar o projecto e a execução da construção, o que aumenta a sua qualidade.

A actividade da construção é uma actividade que envolve riscos na generalidade superiores ao

de outras actividades. Este facto leva a que haja alguma prudência por parte das seguradoras

em celebrar contratos para a cobertura de danos.

Existe uma vasta gama de apólices de seguro que podem ser contratadas em alguns países.

Em Portugal, a situação difere do que foi referido, existindo três seguros que se destacam:

seguro de responsabilidade civil profissional (cobre a actividade profissional dos intervenientes

no processo construtivo), seguro contra todos os riscos na construção (cobre todos os riscos

de uma construção à excepção daqueles que estão expressamente excluídos) e seguro

decenal (cobre defeitos de materiais, erros de concepção e de execução, que afectem a

estabilidade do edifício) (Montull, 2008, ASEFA, 2009 e Império Bonança, 2009).

Os Organismos de Controlo Técnico (OCT) têm um papel muito importante neste contexto, já

que têm por missão normalizar os riscos comunicando-os às seguradoras. Com base nesta

informação, a seguradora tem condições para celebrar um contrato de seguro contra danos na

construção. A actuação dos OCT leva a uma maior qualidade da obra, uma vez que este tipo

de organismo acompanha a construção desde a fase de projecto até ao final da execução,

elaborando relatórios frequentes que registam as evidências encontradas ao longo da

execução da obra.

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55

5. SISTEMA DE RESPONSABILIDADE, GARANTIAS E SEGUROS EM

ALGUNS PAÍSES

5.1. GENERALIDADES

No presente capítulo analisam-se os sistemas de responsabilidades, garantias e seguros na

construção de países onde já existem estes sistemas implementados. Essa análise tem em

vista conhecer práticas já implementadas, aproveitando-se essa experiência como base para a

proposta que se apresenta no capítulo 6 deste trabalho.

A escolha dos países analisados ao longo dos subcapítulos que se seguem teve em conta

países com sistemas já implementados e os idiomas desses países. Outra das condicionantes

está relacionada com o facto de existirem países que privilegiam a lei escrita (Statute Law) e

outros a lei comum (Common Law). Procurou-se analisar não só países europeus, mas

também outros de fora da Europa, para que se possa fazer um estudo mais abrangente de

diferentes realidades.

Nos subcapítulos que se seguem analisam-se dois sistemas de responsabilidades, garantias e

seguros de lei tradicional, sendo um deles a França, no qual regime existe desde 1978 (ver §

5.2) e o outro a Espanha (ver § 5.3), que tem um regime bem mais recente (desde 2000). Nos

restantes subcapítulos analisam-se três países anglo-saxónicos Reino Unido (ver § 5.4),

Estados Unidos da América (ver § 5.5) e Canadá (ver § 5.6). No final de cada subcapítulo

descrito acima é feita uma breve conclusão sobre a realidade daqueles países, tendo como

finalidade a identificação de práticas que poderão vir a ser implementadas em Portugal, com as

necessárias adaptações tendo em conta a realidade nacional.

Embora não seja abordado ao longo desta dissertação, salienta-se o contributo que o estudo

do sistema belga poderá dar para a discussão da possibilidade de implementar novas práticas

em Portugal, uma vez que este país contempla seguros disponíveis apenas numa base

voluntária, o que difere da imposição obrigatória de seguros existente, por exemplo, em França

e Espanha (Mascarenhas, 1990).

Para além destes países, existem muitos outros com sistemas implementados que não são

analisados devido à escassez de informação em idiomas que dominamos. Na Tabela 5.1,

resume-se a realidade de alguns desses países que não são analisados, sendo que alguns

destes possuem práticas implementadas de sistemas de responsabilidades, garantias e

seguros.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

56

Tabela 5.1 – Práticas de seguro de construção em países europeus (ECCE, 2004).

País Sistema de seguros para cobertura de danos na construção

Croácia Não há seguros a nível da empresa, apenas existindo seguro de trabalhadores no

caso de acidente de trabalho.

Chipre

Seguro para responsabilidade civil profissional dos engenheiros não é obrigatório. Algumas empresas de projecto têm seguros de responsabilidade civil profissional. Departamentos do Governo e Organizações Públicas requerem seguro de

responsabilidade civil profissional para consultores de engenharia civil em determinados projectos.

República Checa O seguro é obrigatório para engenheiros civis. As empresas têm o seu próprio seguro de responsabilidade civil.

Estónia O seguro não é obrigatório para engenheiros civis. As empresas têm o seu próprio seguro de responsabilidade civil.

Finlândia O seguro não é obrigatório para engenheiros civis. As empresas têm o seu próprio seguro de responsabilidade civil. As empresas são responsáveis pelo seu seguro de

responsabilidade civil.

Alemanha

Alguns estados federais requerem seguro de responsabilidade civil profissional para arquitectos e engenheiros que assinem projectos para obter permissão de construção. Cada engenheiro civil é responsável pelo seu seguro de

responsabilidade civil. As empresas têm o seu próprio seguro de responsabilidade civil.

Hungria Não há seguros obrigatórios para engenheiros. Ninguém é responsável pelo seguro de responsabilidade civil profissional. As empresas podem optar por ter o seu

próprio seguro.

Irlanda Há seguro obrigatório para engenheiros civis. Empresas e individuais são responsáveis pelo seguro de responsabilidade civil profissional.

Lituânia Não há seguro obrigatório para engenheiros civis.

Polónia Há seguro obrigatório para engenheiros civis. O Polish Chamber of Civil Engineers e individuais são responsáveis pelo seguro de responsabilidade civil profissional. As empresas têm o seu seguro de responsabilidade civil.

Roménia Não há seguro obrigatório para engenheiros civis. Defeitos ou danos são regulados

pela lei comum.

Turquia

É aplicado um sistema de seguros contra todos os riscos para os sectores público e

privado. O seguro de responsabilidade civil profissional ainda não foi utilizado na Turquia, mas continuam a existir estudos. O seguro de responsabilidade civil das empresas é voluntário.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

57

5.2. SISTEMA FRANCÊS

5.2.1. GENERALIDADES

Em França, o sistema de responsabilidades, garantias e seguros é um dos que demonstra

maior evolução na Europa, principalmente na adequação do quadro jurídico-legal sobre

direitos, responsabilidades e garantias na construção (Mascarenhas, 1990).

O referido sistema, entrou em vigor com a Lei 78-12, de 4 de Janeiro de 1978, denominada Lei

Spinetta (Loi Spinetta), que na altura alterou o artigo 1792º do Código Civil Francês (CCF)10

.

Com essa alteração, o referido artigo, passou a ter a seguinte redacção:

“Todo o construtor de obra é responsável de pleno direito perante o proprietário, ou quem

tenha adquirido a obra, por danos, inclusive os resultantes de um vício de solo, que

comprometem a solidez da obra ou que, afectando um dos seus elementos construtivos ou um

dos seus equipamentos indissociáveis da envolvente11

, a tornem imprópria para o seu destino.

Esta responsabilidade não se aplica caso o construtor prove que os danos são provenientes de

causa externa.”

Com as alterações produzidas em 1978, passou a existir a responsabilização dos

intervenientes e a indemnização imediata dos proprietários, associada à instituição de seguros

obrigatórios, não só dos intervenientes da construção, mas também do dono de obra.

As responsabilidades e garantias definidas na Lei Spinetta englobam todos os tipos de obra,

embora a obrigação legal de seguro (analisada em §5.2.4) apenas diga respeito a trabalhos em

edifícios.

Nos subcapítulos que se seguem, descreve-se o regime de responsabilidades dos

intervenientes na construção em França (ver §5.2.2), bem como das garantias válidas durante

os primeiros dez anos do ciclo de vida da construção (ver §5.2.3). É também realizada uma

análise dos seguros de subscrição obrigatória naquele país (ver §5.2.4), procurando-se, por

fim, enumerar as características mais significativas desse sistema (ver §5.2.5).

10

Code Civil. Article 1.792 (Loi nº 67-3 du 3 janvier 1967 Journal Officiel du 4 janvier 1967 en vigueur le 1er juillet 1967,

Loi nº 78-12 du 4 janvier 1978 Journal Officiel du 5 janvier 1978 en vigueur le 1er janvier 1979): “Tout constructeur d'un

ouvrage est responsable de plein droit, envers le maître ou l'acquéreur de l'ouvrage, des dommages, même résultant

d'un vice du sol, qui compromettent la solidité de l'ouvrage ou qui, l'affectant dans l'un de ses éléments constitutifs ou

l'un de ses elements d'équipement, le rendent impropre à sa destination. Une telle responsabilité n'a point lieu si le

constructeur prouve que les dommages proviennent d'une cause étrangère”.

11 São todos os equipamentos cuja colocação ou substituição não possa ser realizada sem afectar os elementos da

envolvente (uma tubagem encastrada na laje do pavimento de uma habitação, por exemplo).

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

58

5.2.2. REGIME DE RESPONSABILIDADES DOS INTERVENIENTES NO PROCESSO

CONSTRUTIVO

Com a entrada em vigor da Lei Spinetta, ficou definida a responsabilização pós-construção dos

“construtores” perante o DO ou proprietários sucessivos. Esta instituição está definida desde

1804 no Código Civil de França (CCF), tendo sido reformulada pela Lei nº 78-12 de 4 de

Janeiro de 1978 (Mascarenhas, 1990).

Ao longo da análise do sistema de responsabilidades, garantias e seguros Francês o termo

“construtores” é utilizado de acordo com o significado definido no artigo 1792-1º da “Lei

Spinetta”:

Todos os projectistas, empreiteiros, técnicos ou outra pessoa ligada ao dono de obra

por um contrato a esta relativo;

Toda a pessoa que vende, após acabamento, o que ela construiu ou fez construir;

Toda a pessoa que, embora agindo na qualidade de mandatário do proprietário da

obra, cumpre uma missão semelhante à de um adjudicatário da obra.

É de salientar que, devido a não estarem ligados ao dono de obra por um contrato, os

subempreiteiros não são considerados construtores. Contudo, apesar da Lei Spinetta não ter

prevista a sua responsabilização, esta está, em muitos casos, assegurada.

No artigo 1792-6º define-se “recepção” de uma obra como sendo o acto através do qual o dono

de obra declara aceitar a obra com ou sem “reservas”, quer de forma amigável, quer judicial, no

caso de não existir entendimento. Com isto, pode ser dito que a “recepção” define a conclusão

e entrega dos trabalhos da obra.

Após a “recepção” da obra entra em vigor a garantia decenal que submete os construtores ao

regime decretado na Lei anteriormente definida. No caso de não ser realizada a recepção da

obra, não poderão ser contratados os seguros obrigatórios por lei.

O acto de recepção da obra não tem especificações formais, apenas existindo uma declaração

– processo formal de recepção – no qual o dono de obra aceita os trabalhos ao abrigo do

contrato estabelecido entre as partes, com ou sem “reservas”.

A palavra “reservas”, indicada no parágrafo anterior, diz respeito a patologias ou defeitos de

acabamento, ficando a cargo da empresa de construção a sua reparação ao abrigo da garantia

de “perfeito acabamento”. No caso de os defeitos não serem objecto de “reservas”, estes não

poderão ser incluídos na garantia decenal.

Ao abrigo da alínea 1 do artigo 1792º do CCF, a “recepção” da obra poderá ser feita de forma

judicial, bastando para isso que uma das partes se recuse a fazer a recepção da obra.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

59

Com a entrada em vigor das garantias que serão analisadas em §5.2.3, acaba a

responsabilidade contratual dos “construtores”.

Tal como foi referido em §5.2.1, em França, a reparação de danos assenta na responsabilidade

obrigatória dos intervenientes no processo construtivo (“construtores”). Essa responsabilidade

é válida para um período de dez anos, após a recepção da obra, sendo considerada de “pleno

direito”, isto é, os construtores não se podem eximir a ela, a não ser que provem que o defeito

provém de causa que lhes é estranha.

A garantia de responsabilidade terá que ser subscrita por cada um dos intervenientes do

processo de construção, através de um seguro de responsabilidade decenal obrigatório

(Sousa, 2004).

A Responsabilidade Decenal, beneficia o dono de obra e os sucessivos adquirentes durante

dez anos após a recepção da obra e o fim da garantia de “perfeito acabamento”. Na referida

responsabilidade encontram-se abrangidos defeitos relacionados com a solidez das obras de

embasamento, de fundação, estrutura, de enchimento de paredes e de cobertura ou outros que

tornem a obra imprópria ao fim a que se destina (Mascarenhas, 1990).

5.2.3. REGIME DE GARANTIAS OBRIGATÓRIAS

5.2.3.1. GARANTIA DE “PERFEITO ACABAMENTO”

A garantia de “perfeito acabamento” tem início na recepção dos trabalhos e é válida por um

ano (artigo 1792-6º do CCF). Desta garantia fazem parte todos os trabalhos de reparação de

patologias que tenham sido objecto de “reserva” (ver §5.2.2).

Para além das patologias acima referidas, estão também cobertas as que se manifestam no

ano seguinte à recepção dos trabalhos, desde que sejam comunicadas à empresa de

construção pelo dono de obra.

A garantia de “perfeito acabamento” integra os contratos de seguro de responsabilidade

obrigatória, estando a cargo da empresa de construção em benefício do dono de obra ou dos

futuros proprietários do imóvel.

Tabela 5.2 – Garantia de “Perfeito Acabamento” (Adaptado: Lei Spinetta, 1978).

Início Recepção da obra.

Duração Válida durante 1 ano.

Danos abrangidos Patologias que foram objecto de “reservas” na recepção dos trabalhos.

Quem deve subscrever Empresa de construção em benefício do dono de obra e proprietário sucessivos.

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60

5.2.3.2. GARANTIA DE “BOM FUNCIONAMENTO”

A garantia de “bom funcionamento” tem início na recepção dos trabalhos e é válida por dois

anos (artigo 1792-3º do CCF). Desta garantia fazem parte todos os trabalhos de reparação das

patologias que afectam os elementos e os equipamentos dissociáveis da obra.

Quando os elementos são considerados indissociáveis, a reparação das patologias está

inserida na garantia decenal.

Assim sendo, as reparações incluídas nesta garantia são todas as que se fazem em

equipamentos sem que sejam afectados os elementos. Como exemplo do acima referido

podem indicar-se a colocação de portas, a reparação de canalizações “à vista” ou a reparação

de radiadores (Sousa, 2004).

As reparações associadas à garantia de “bom funcionamento” são asseguradas por todos os

intervenientes na obra, fazendo parte destes as entidades ligadas ao fabrico, fornecimento e

montagem dos elementos e equipamentos dissociáveis do edifício.

Tabela 5.3 – Garantia de “Bom Funcionamento” (Adaptado: Lei Spinetta, 1978).

Início Recepção da obra

Duração Válida durante 2 anos

Danos abrangidos Patologias que afectam os elementos e os equipamentos dissociáveis da obra

Quem deve subscrever Todos os intervenientes na obra em benefício do dono de obra e proprietários sucessivos.

5.2.3.3. GARANTIA DECENAL

A garantia decenal tem início após a recepção da obra e é válida por 10 anos (Lei Spinetta,

1978).

Desta garantia fazem parte todos os trabalhos de reparação de patologias que comprometem a

solidez do edifício, estando incluídos também os resultantes de defeito do solo. Como exemplo

do acima referido podem enumerar-se as fissuras graves, os assentamentos diferenciais, os

problemas de estrutura ou os defeitos de estanquidade.

Para além dos danos enumerados, a garantia decenal assegura a reparação de patologias que

tornem o edifício, ou parte, inadequado ao fim a que se destina – infiltrações através da

cobertura ou fissuras na fachada, por exemplo.

Por fim, é ainda assegurada a reparação dos elementos construtivos ou equipamentos

indissociáveis da envolvente (como por exemplo, ruptura de uma canalização encastrada numa

laje).

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

61

Existem casos para os quais a garantia decenal não assegura a reparação de danos, estando

esses normalmente associados à ausência de manutenção ou à má utilização (como por

exemplo, infiltrações de água devidas à falta de limpeza dos edifícios).

As reparações associadas à garantia decenal são asseguradas pelos intervenientes no

processo construtivo em benefício do dono de obra, embora o construtor possa provar que o

dano deriva de uma causa que lhe é estranha ficando ilibado da responsabilidade de

reparação.

Tabela 5.4 – Garantia Decenal (Adaptado: Lei Spinetta, 1978).

Início Recepção da obra.

Duração Válida durante 10 anos.

Danos abrangidos

Danos que comprometam a solidez do edifício.

Danos que tornem o edifício ou parte inadequado ao fim a que se destina.

Danos que afectem elementos construtivos ou equipamentos indissociáveis.

Quem deve subscrever Todos os intervenientes na obra em benefício do dono de obra e proprietários sucessivos.

Recepção d

a o

bra

1ano 2anos 3anos 4anos 5anos 6anos 7anos 8anos 9anos 10anos

"Perfeito Acabamento"

"Bom Funcionamento"

Decenal

Figura 5.1 – Sistema de Garantias em França (Adaptado: Lei Spinetta, 1978).

5.2.4. SEGUROS DE SUBSCRIÇÃO OBRIGATÓRIA

5.2.4.1. GENERALIDADES

Com a Lei nº78-12, de 4 de Janeiro de 1978, foi decretada a obrigatoriedade de contratar dois

seguros para a construção:

Seguro de Responsabilidade Decenal (ver §5.2.4.2);

Seguro de Reparação de Danos (ver §5.2.4.3).

O Seguro de Responsabilidade Decenal impõe a obrigação de um seguro para todos os

intervenientes no processo construtivo, e é complementado pelo Seguro de Reparação de

Danos que impõe a obrigação de um seguro para o dono de obra.

Para o Seguro de Reparação de Danos, as seguradoras definem taxas de prémios diferentes

tendo em conta as características de cada construção que se pretende segurar. Por outro lado,

para o Seguro de Responsabilidade Decenal o contrato de seguro cobre todas as actividades

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62

do segurado, sendo negociado em função das características da empresa de construção e da

competência do responsável da empresa (Mascarenhas, 1990).

As características da empresa de construção são definidas por um organismo de qualificação e

classificação, no qual as seguradoras se apoiam, denominado Serviço Público de Qualificação

e Certificação do Edifício (Office Public de Qualification et de Certification du Bâtiment –

OPQCB)12

.

Relativamente à duração dos contratos de seguro, ambos os contratos acima descritos são

válidos durante o tempo de responsabilidade legal – 10 anos – não podendo ser anulados. O

Seguro de Reparação de Danos é transferido, durante a duração do contrato de seguro,

automaticamente aos sucessivos compradores da construção.

Relativamente às exclusões, isto é, as situações que não estão cobertas pelos seguros aqui

analisados, podem ser enumeradas as seguintes (Lei Spinetta, 1978):

Quando os construtores provarem que a causa dos danos lhe é estranha;

Quando existir deficiente uso, manutenção ou utilização da construção;

Em casos de incêndio, explosão ou factos de guerra;

Em casos de fenómenos naturais catastróficos, tais como, trombas de água, ciclones,

sismos, entre outros.

Nos subcapítulos seguintes, serão estudados com maior pormenor os dois tipos de seguro

acima indicados, analisando-se para cada um deles a sua data de subscrição, início, duração,

os danos abrangidos e o subscritor do seguro.

5.2.4.2. SEGURO DE RESPONSABILIDADE DECENAL

O artigo 1792º do CCF e o artigo L241-1º do Código de Seguros Francês (CSF) impõem a

obrigação de um seguro para todos os intervenientes no processo construtivo:

“Toda a pessoa física ou moral, cuja responsabilidade possa ser accionada sobre o

fundamento de responsabilidade estabelecido no artigo 1792º do CCF, referente a trabalhos de

edifícios, deve ser coberta por um seguro.”

O seguro de responsabilidade decenal deve ser subscrito no início da obra, sendo válido

durante os 10 anos do período de garantia decenal.

12

L'Office public de qualification et de certification du bâtiment (OPQCB), actualmente designado de QUALIBAT, é um

organismo oficial francês, responsável pela qualificação e certificação das empresas de construção e obras públicas.

Para cada empresa que apresentou um pedido, é dada uma etiqueta de certificação nas suas áreas de competências

técnicas, tendo em conta os seus recursos de equipamentos e mão-de-obra.

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Tabela 5.5 – Seguro de Responsabilidade Decenal (Adaptado: Lei Spinetta, 1978).

Início Início do período de responsabilidade legal.

Duração Todo o tempo de responsabilidade legal.

Danos abrangidos Garante a cobertura das responsabilidades dos intervenientes no processo construtivo.

Quem deve subscrever Todos os intervenientes no processo construtivo

5.2.4.3. SEGURO DE REPARAÇÃO DE DANOS

O artigo 1792-1º do CCF e o artigo L242-2º do CSF impõem a obrigação de um seguro para o

dono de obra:

“Toda a pessoa física ou moral que, na qualidade de dono de obra ou mandatário do dono de

obra, manda realizar trabalhos de construção de edifícios, deve subscrever antes do início da

obra, para seu benefício e dos proprietários seguintes, um seguro que garanta,

independentemente da procura de responsabilidades, o pagamento da totalidade dos trabalhos

de reparação da responsabilidade dos construtores.”

O Seguro de Reparação de Danos deve ser subscrito pelo dono de obra, em seu benefício e

dos sucessivos proprietários adquirentes do imóvel.

Este seguro, complementar do Seguro de Responsabilidade Decenal, deve ser subscrito no

início da obra, entrando em vigor 1 ano após a recepção13

e tendo a duração do tempo de

responsabilidade legal.

Este seguro garante a pesquisa de responsabilidades e o pagamento dos trabalhos de

reparação, bem como danos de natureza daqueles por que são responsáveis os “construtores”.

Fica, ainda, garantido o pagamento das reparações, antes e depois da recepção da obra,

devidas ao incumprimento das obrigações por parte do “construtor”.

Tabela 5.6 – Seguro de Reparação de Danos (Adaptado: Lei Spinetta, 1978).

Início 1 ano após a recepção da obra.

Duração Todo o tempo de responsabilidade legal.

Danos abrangidos Danos incluídos na garantia decenal.

Quem deve subscrever Dono de obra em seu benefício e dos sucessivos adquirentes do imóvel.

13

Apesar de entrar em vigor 1 ano após a recepção, garante o pagamento das reparações quando:

Antes da recepção o contrato com o construtor seja denunciado por inexecução por parte deste das suas

obrigações;

Após a recepção o construtor não cumpra as suas obrigações no prazo de garantia de “perfeito

acabamento”.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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5.2.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA FRANCÊS

A lei francesa entrou em vigor há mais de 30 anos, sendo, algumas das suas características,

seguidas em Espanha e no Reino Unido. Esta longa experiência deve ser tida em conta, uma

vez que muitos dos problemas que possam surgir com a implementação de um regime

semelhante em Portugal podem ser evitados ou resolvidos.

Um dos aspectos que deve ser salientado no regime francês prende-se com a

responsabilização dos diversos intervenientes no processo construtivo. Com a “Lei Spinetta”

criou-se uma definição clara e abrangente de “construtores”, bem como de todas as suas

responsabilidades no processo construtivo.

Outro dos aspectos de relevo em França prende-se com a indemnização dos proprietários ou

reparação dos danos na construção, que é imediata após o sinistro. Este aspecto, poderá

contribuir para a discussão de novas medidas a implementar no nosso país, onde muitos dos

sinistros e consequentes indemnizações apenas são resolvidos em tribunal, após um longo

período de tempo.

O regime de garantias em França contempla três grupos distintos (garantias de 1, 2 e 10 anos),

que salvaguardam o proprietário e os sucessivos adquirentes desde o final da construção até

ao 10º ano de vida do imóvel. Em Portugal, existe um regime de garantias de 2, 5 e 10 anos,

que apenas contempla as obras públicas, estando as obras particulares limitadas a uma

garantia única de 5 anos (ver §3).

Relativamente a seguros obrigatórios, a lei francesa protege durante 10 anos os diversos

intervenientes no processo construtivo (através do seguro de responsabilidade decenal), bem

como o dono de obra e os sucessivos adquirentes (através do seguro de reparação de danos).

Como foi analisado anteriormente, em Portugal não existem seguros obrigatórios, a não ser no

caso das obras públicas se o dono de obra os contemplar no caderno de encargos.

Por fim, em França existe um sistema de recolha de dados dos sinistros declarados às

seguradoras, que permite uma correcta análise da realidade daquele país, tendo em vista a

melhoria contínua do seu sistema de responsabilidades, garantias e seguros, bem como da

construção, o que contribui para o aumento da qualidade da construção naquele país.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

65

5.3. SISTEMA ESPANHOL

5.3.1. GENERALIDADES

Sendo o sector da construção um dos principais sectores económicos em todo o mundo, com

uma ligação muito grande à sociedade, cultura e ao património arquitectónico, é fundamental

que a regulamentação existente satisfaça todas as exigências do mesmo.

A Lei de Ordenação da Edificação (Ley 38/1999, de 5 de Noviembre, de Ordenación de la

Edificación – LOE), veio introduzir, em Espanha, um novo sistema de responsabilidades,

garantias e seguros para a cobertura de danos na construção.

Esta Lei, que entrou em vigor a 6 de Maio de 2000, surgiu devido à necessidade de colmatar

diversas lacunas no processo da construção em Espanha que, até então, era legislada pelo

Código Civil de Espanha (CCE) e por diversas normas (LOE, 1999).

As principais lacunas, acima referidas, dizem respeito à identificação de obrigações, de

responsabilidade dos intervenientes e garantias em benefício dos proprietários. Com a nova

Lei, procurou solucionar-se a discrepância entre a legislação vigente e a realidade da

insuficiente regulamentação do processo construtivo, estabelecer uma forma de fomentar a

qualidade dos edifícios e fixar garantias para superar possíveis danos. Assim sendo, a LOE

baseia-se nos seguintes objectivos:

Regular o processo de construção, fixando as obrigações para estabelecer as

responsabilidades e cobrir as garantias;

Definir tecnicamente o conceito jurídico da construção e os conceitos essenciais que

presidem esta actividade;

Enumerar as obrigações de cada interveniente do processo construtivo;

Exigir de forma pessoal e formalizada a responsabilidade civil dos diferentes

intervenientes por danos nas construções, por actos próprios ou pelos que sejam

legalmente responsáveis;

Estabelecer prazos de responsabilidade de um, três e dez anos em função dos danos

que surjam nas construções;

Estabelecer garantias e seguros de subscrição obrigatória para os prazos de um, três e

dez anos;

Estabelecer a imposição de elaborar um Código Técnico da Construção para definir as

exigências a que devem satisfazer os edifícios.

Esta Lei estende-se a todo o processo de construção, entendendo-se por tal os edifícios de

carácter permanente, público ou privado, cujo principal uso está compreendido nos seguintes

grupos: administrativo, sanitário, religioso, residencial, docente, cultural, entre muitos outros.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

66

Nos subcapítulos que se seguem, descreve-se o regime de responsabilidades dos

intervenientes na construção em Espanha (ver §5.2.2), bem como das garantias e os seguros

válidos durante os primeiros dez anos do ciclo de vida da construção (ver §5.2.3). É ainda

realizada uma análise ao Código Técnico da Construção (ver §5.2.4) na parte respeitante a

seguros na construção. Por fim, conclui-se acerca dos principais elementos a reter para a

fundamentação da proposta de criação de um sistema em Portugal (ver §5.2.5).

5.3.2. REGIME DE RESPONSABILIDADES DOS INTERVENIENTES NO PROCESSO

CONSTRUTIVO

Com a entrada em vigor da LOE surgiu a definição de recepção da obra, como sendo “o acto

através do qual o construtor14

, uma vez concluída a obra, faz a sua entrega ao dono de obra,

para aceitação deste. A aceitação poderá realizar-se com ou sem reservas e deverá conter a

totalidade da mesma se assim for acordado entre as partes” (artigo 6º da LOE).

Na acta que formaliza a aceitação da obra deverão constar:

As partes que intervêm;

A data do certificado de conclusão da obra;

O custo final de execução;

A declaração de recepção da obra;

As garantias que se exijam aos construtores para assegurar as suas

responsabilidades.

Nos casos em que a obra não se encontre adequada com as condições contratuais ou que não

esteja concluída, o dono de obra poderá recusar a aceitação desta, tendo que fazê-lo por

escrito numa acta onde deverá constar o novo prazo para efectuar a recepção.

A recepção da obra deverá ter lugar nos 30 dias seguintes à data de comunicação do

construtor ao dono de obra de que a obra está concluída, sendo tácita se, passado esse

período, o dono de obra não apresentar quaisquer “reservas”. A partir do momento em que é

subscrita a acta de recepção da obra têm início os prazos de responsabilidades e garantias

que serão descritos em seguida.

Tabela 5.7 – Regime de Responsabilidades em Espanha (Fonte: LOE, 1999).

Quem deve responder pelos danos? Danos abrangidos

1 ano Construtor Danos derivados de deficiente execução

3 anos Todos os intervenientes na construção Danos que afectem a habitabilidade

10 anos Todos os intervenientes na construção Danos que afectem a segurança estrutural

14

Construtor: É o agente que assume, contratualmente com o promotor, o compromisso de executar com meios

humanos e materiais, próprios ou outros, as obras ou parte das mesmas sujeitas ao projecto e ao contrato.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

67

Relativamente à responsabilidade dos intervenientes no processo construtivo, o artigo 17º da

LOE regulamenta que “as pessoas físicas ou jurídicas que intervêm no processo construtivo

respondem perante os proprietários e os terceiros adquirentes, dos edifícios ou parte destes,

por danos ocorridos no edifício durante os prazos que em seguida se descrevem, contados a

partir da data de recepção da obra, sem reservas ou após a reparação desta”.

Responsabilidade no primeiro ano:

O construtor deve responder pelos danos materiais derivados de vícios ou defeitos de

execução que lhe seja imputável e que afectem os elementos no primeiro ano do ciclo de vida

da construção.

Responsabilidade durante os três primeiros anos:

Os diversos intervenientes no processo construtivo devem responder, durante 3 anos, pelos

danos materiais causados no edifício por vícios ou defeitos nos elementos construtivos ou nas

instalações, que lhe seja imputável, e que ocasionem o incumprimento da habitabilidade da

construção.

Responsabilidade durante os dez primeiros anos:

Os diversos intervenientes no processo construtivo devem responder, durante 10 anos, pelos

danos materiais causados no edifício por vício ou defeitos que afectem fundações e estrutura

de suporte (vigas, pilares, muros de suporte ou outros elementos estruturais) e que

comprometem directamente a resistência mecânica e a estabilidade do edifício.

A responsabilização dos diferentes agentes do processo construtivo deverá ser feita de forma

individual e pessoal, embora, nos casos em que não se possa individualizar a causa dos

danos, a ocorrência de culpas ou o grau de intervenção de cada agente no dano causado, a

responsabilidade deve ser exigida solidariamente. O dono de obra deverá responder

solidariamente com os diversos agentes perante os possíveis proprietários, pelos danos

materiais no edifício causados por vícios ou defeitos na construção.

Nos casos em que o projecto tenha sido contratado conjuntamente a vários projectistas, esses

deverão responder solidariamente. Quando os projectistas contratarem os cálculos, os estudos

ou informações a outros profissionais, serão directamente responsáveis pelos danos que

possam resultar da insuficiência, incorrecção ou falta de exactidão.

Para além do referido, o construtor deverá responder directamente pelos danos causados no

edifício derivados de imperícia, falta de capacidade profissional ou técnica, negligência ou

incumprimento das obrigações atribuídas às diversas entidades físicas ou jurídicas que dele

dependam (Artigo 17º da LOE).

O construtor será ainda responsável pelos danos materiais por vícios ou defeitos de execução

causados por entidades por ele subcontratadas ou por deficiências nos materiais de construção

que sejam adquiridos por ele.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

68

Quando se provar que os danos foram causados por caso fortuito, força maior ou actos de

terceiros, os diversos intervenientes no processo construtivo ficam ilibados de responsabilidade

(como por exemplo a queda de um raio que danifique o edifício é um caso de força maior, pelo

que os intervenientes ficam ilibados de responsabilidade).

5.3.3. REGIME DE GARANTIAS E SEGUROS

Em concordância com o regime de responsabilidades descrito em §5.2.2 a LOE estabelece um

regime de garantias obrigatórias, bem como os seguros que lhe estão associados.

Assim, no artigo 19º da referida Lei, estabelece-se um regime de garantias exigidas para as

obras de edificações que contempla um seguro de danos materiais ou seguro de caução, para

garantir durante o primeiro ano do ciclo de vida da edificação o ressarcimento dos danos

materiais por vícios ou defeitos de execução que afectem os acabamentos ou os revestimentos

finais da obra.

Este seguro poderá ser substituído por uma retenção, realizada pelo dono de obra de 5% do

custo final da obra. No final do período de garantia, caso não tenha ocorrido um dano, o dono

de obra devolve a referida retenção ao construtor. No caso de ter ocorrido um dano, a retenção

é utilizada para a sua reparação.

Tabela 5.8 – Seguro de Danos Materiais ou Seguro de Caução para o primeiro ano da construção (Fonte: LOE, 1999).

Início Após a recepção da obra.

Duração 1 ano.

Danos abrangidos Danos que afectem os revestimentos ou acabamentos finais da obra.

Quem deve subscrever Construtor em benefício do dono de obra e dos proprietários sucessivos.

No nº1-b do referido artigo, regulamenta-se um seguro de danos materiais ou um seguro de

caução para garantir, nos primeiros três anos do ciclo de vida da construção o ressarcimento

dos danos materiais causados por vícios ou defeitos de execução dos elementos construtivos

ou das instalações que levem a que os requisitos de habitabilidade da construção não sejam

cumpridos.

Tabela 5.9 – Seguro de Danos Materiais ou Seguro de Caução para os três primeiros anos da construção (Fonte: LOE, 1999).

Início Após a recepção da obra.

Duração 3 anos.

Danos abrangidos Danos que afectem elementos construtivos ou instalações.

Quem deve subscrever Dono de obra em seu benefício ou dos proprietários sucessivos.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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Foi ainda implementado um seguro de danos materiais ou seguro de caução (também

denominado de Seguro Decenal), que contempla a cobertura de danos materiais causados no

edifício por vícios ou defeitos que afectem as fundações ou a estrutura de suporte (vigas,

pilares, muros de suporte ou outros elementos estruturais) e que comprometam directamente a

segurança e a estabilidade do edifício, durante um período de 10 anos (Sousa, 2004).

Tabela 5.10 – Seguro de Danos Materiais ou Seguro de Caução para os dez primeiros anos da construção (Fonte: LOE, 1999).

Início Após a recepção da obra.

Duração 10 anos.

Danos abrangidos Danos que afectem as fundações ou a estrutura de suporte.

Quem deve subscrever Dono de obra em seu benefício ou dos proprietários sucessivos.

Relativamente ao prémio de seguro a pagar por parte do tomador de seguro, a Lei espanhola

regulamenta que este deve ser pago no momento da recepção da obra. Contudo, poderá ser

acordado que o pagamento se realize em prestações após a recepção da obra. Caso o

segurado falte ao pagamento das ditas fracções, não poderá haver resolução do contrato ou a

sua extinção.

A partir do momento em que se iniciem as coberturas do seguro, em nenhum caso se poderá

proceder à resolução do contrato ou à sua rescisão por mútuo acordo, tendo este que ser

cumprido durante os prazos de duração previstos para as garantias acima descritas. No que

toca ao capital assegurado, o nº5 do artigo 19º da Lei em estudo estabelece os montantes

mínimos para os três tipos de seguros regulamentados:

5% do custo final de execução, incluindo os honorários profissionais, para as garantias

cobertas no primeiro ano do ciclo de vida da construção;

30% do custo final de execução, incluindo os honorários profissionais, para as

garantias cobertas nos três primeiros anos do ciclo de vida da construção;

100% do custo final de execução, incluindo os honorários profissionais, para as

garantias cobertas nos dez primeiros anos do ciclo de vida da construção.

As garantias estipuladas para o primeiro ano da construção não poderão ser alvo de cláusulas

que estipulem franquias. Por outro lado, no caso das garantias de três e dez anos, deverá ser

estipulada a franquia a aplicar sendo que esta não poderá exceder 1% do capital assegurado.

No artigo em análise são ainda estabelecidas as exclusões que não estão cobertas nas

garantias estipuladas:

Danos distintos dos materiais (danos corporais, por exemplo);

Danos ocorridos em imóveis contíguos ou em bens móveis situados no edifício;

Danos ocorridos em obras realizadas depois da recepção da obra;

Danos provocados pela má utilização ou falta de manutenção;

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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Danos que tenham origem em explosões, incêndios, casos de força maior, entre

outros.

Por fim, a Disposição Adicional Segunda da presente Lei, acrescenta que para as garantias de

dez anos, a obrigatoriedade da contratação de um seguro deveria entrar em vigor no imediato,

o que aconteceu a 6 de Maio de 2000. No que toca aos outros tipos de seguro, tendo em conta

as circunstâncias do sector da construção e do sector segurador, poderão vir a ser obrigatórios.

Recepção d

a o

bra

1ano 2anos 3anos 4anos 5anos 6anos 7anos 8anos 9anos 10anos

Defeitos de execução

Condições de habitabilidade

Segurança e estabilidade estrutural

Figura 5.2 – Regime de Garantias em Espanha (Fonte: LOE, 1999).

5.3.4. CÓDIGO TÉCNICO DA CONSTRUÇÃO

5.3.4.1. GENERALIDADES

A LOE, no seu artigo 3º, intitulado de “Requisitos Básicos da Construção”, estabelece três

cuidados fundamentais a ter na construção para garantir a segurança, o bem-estar e a

protecção do meio ambiente.

O primeiro desses requisitos é referente à funcionalidade, focando-se em três aspectos:

Utilização;

Acessibilidade;

Acesso aos serviços de telecomunicações, audiovisuais e de informação.

Em segundo lugar, o referido artigo descreve aspectos relativos à segurança do edifício:

Segurança estrutural;

Segurança contra incêndios;

Segurança de utilização.

Por fim, são enunciados aspectos relativos à habitabilidade, tais como:

Higiene, saúde e protecção do meio ambiente;

Protecção contra ruído;

Isolamento térmico.

É de salientar que os requisitos básicos aqui analisados são muitos semelhantes às seis

exigências essenciais da obra em Portugal, definidas no DL 113/93 de 10 de Abril (ver

§3.4.1.3).

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

71

Para que os requisitos, acima descritos, pudessem ser cumpridos, foi definido o Código

Técnico da Construção (Código Técnico de la Edificación – CTE) – norma que estabelece as

exigências básicas da construção.

Este Código, desenvolvido pela LOE, surgiu em Março de 2006, sendo um dos seus principais

objectivos a constante actualização, acompanhando a evolução das técnicas construtivas com

desenvolvimentos periódicos.

O CTE foi elaborado por uma organização criada com esse propósito, coordenando diversos

organismos, tais como a Secretaria de Estado da Habitação do Governo Espanhol e o Instituto

da Ciência da Construção Eduardo Torraja. Para além dos organismos acima referidos,

participam diversas comissões técnicas, centros tecnológicos e de investigação, universidades

e especialistas independentes (Sousa, 2004).

A LOE definiu entidades de controlo de qualidade, como sendo, “aquelas capacitadas para

prestar assistência técnica na verificação da qualidade do projecto, dos materiais e da

execução da obra e suas instalações de acordo com o projecto e as normas aplicáveis” (nº1

artigo 14º da LOE).

Por outro lado, foram também definidos laboratórios de controlo de qualidade:

“Laboratórios capacitados de prestar assistência técnica, mediante a realização de ensaios ou

provas de serviço dos materiais, sistemas ou instalações de uma obra de construção” (nº2

artigo 14º da LOE).

A lei espanhola não implementa a obrigação da intervenção das entidades de controlo de

qualidade, contudo, as companhias seguradoras em Espanha exigem ao dono de obra a

contratação dessas entidades, para a subscrição do Seguro Decenal (Sousa, 2004).

5.3.4.2. ESTRUTURA, OBJECTIVOS E ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO CTE

O CTE foi desenvolvido pela LOE, no ano 2000, tendo sido o primeiro projecto apresentado

dois anos mais tarde. Em 2004, foi entregue, à Comissão Europeia, para aprovação da versão

final do documento que acabou por ser publicado no ano de 2006.

Apesar da sua publicação, alguns dos regulamentos espanhóis referentes ao tema

continuaram em vigor, passando a servir de complemento ao CTE. Relativamente às Normas

Básicas da Construção (NBE), foi realizada a sua reestruturação, passando o seu conteúdo a

integrar o Código.

No artigo 3º do CTE vem definida, com o objectivo de facilitar a compreensão e a utilização do

documento, a sua estrutura. Assim sendo, o documento em análise está ordenado em duas

partes.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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A primeira contem as disposições e condições gerais de aplicação do CTE e as exigências

básicas que devem ser exigidas aos edifícios (objectivo, âmbito de aplicação e estrutura do

Código).

Na segunda parte, podem encontrar-se os denominados “Documentos Básicos” para o

cumprimento das exigências básicas do CTE. Estes documentos baseiam-se no conhecimento

consolidado das distintas técnicas construtivas e actualizam-se regularmente em função dos

avances tecnológicos. A sua utilização facilita o cumprimento de determinadas exigências

contribuindo para a implementação da qualidade.

O CTE é o marco normativo pelo qual se regulam as exigências de qualidade que os edifícios

devem cumprir para satisfazer os requisitos básicos de segurança e habitabilidade que foram

referidos em §5.3.4.1. É de salientar que as referidas exigências devem ser cumpridas durante

as diversas fases do ciclo de vida da construção: projecto, construção, manutenção e

conservação.

Relativamente aos requisitos de funcionalidade e de aspectos funcionais dos elementos

construtivos, existem normas específicas pelos quais eles se regulam.

O Código em análise aplica-se, nos termos estabelecidos pela LOE, aos edifícios públicos ou

privados cujos projectos necessitem da licença de autorização exigida pela lei espanhola.

As obras abrangidas poderão ser de construção nova, ampliação, modificação, reforma ou

reabilitação. No artigo 2º nº4 do CTE definem-se os objectivos das obras de reabilitação:

Adequação estrutural;

Adequação funcional;

Remodelação de edifícios de habitação.

5.3.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA ESPANHOL

Ao contrário do que acontece com o sistema francês, em Espanha a lei relativa a sinistros na

construção é recente. Este aspecto deve ser tido em conta para a criação de um sistema em

Portugal, uma vez que a análise das práticas existentes em países com sistemas

implementados pode contribuir para a discussão desta temática.

Relativamente às garantias pelas quais os intervenientes no processo construtivo são

responsáveis, estas diferem do sistema francês, em termos das garantias para instalações e

equipamentos, uma vez que neste caso a duração é de 3 anos e não 2 como no anteriormente

estudado.

No sistema espanhol é de salientar a possibilidade de substituir o seguro obrigatório por uma

retenção de 5% do custo final da obra. Para além deste aspecto, os seguros obrigatórios

diferem dos analisados em França, uma vez que existem seguros específicos para cada

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73

período de garantia. Outra diferença nos dois sistemas prende-se com a ausência de um

seguro de responsabilidade decenal obrigatório para salvaguardar os diversos intervenientes

do processo construtivo de possíveis danos na construção a que lhes seja atribuída culpa.

Por fim, é de salientar a existência de um Código Técnico da Construção, que também será

tido em conta na elaboração da proposta que se realiza nesta dissertação, uma vez que a

criação de um código em Portugal poderia trazer muitos benefícios na redução dos erros de

construção e consequentemente aumento da sua qualidade.

5.4. SISTEMA DO REINO UNIDO

5.4.1. GENERALIDADES

No presente subcapítulo descreve-se o sistema de responsabilidades, garantias e seguros na

construção do Reino Unido (RU).

Importa referir, desde já, que neste caso, e diferentemente dos casos Francês e Espanhol, é

aplicada a Lei Comum (Common Law), típica dos países Anglo-saxónicos. O sistema jurídico

do RU é o direito comum, baseado no costume, práticas e uso do povo – a lei desenvolve-se

em conformidade com as decisões dos juízes em casos anteriores (Borges, 1991).

O sistema de responsabilidades difere de outros países do mundo Ocidental, sendo a lei

aplicada e progressivamente desenvolvida pela jurisprudência, através das soluções adaptadas

em “casos” passados. A lei comum é preponderante, mas não exclusiva, existindo também lei

escrita (Statute Law), estatuída pelos Actos do Parlamento, que tem uma expressão

significativamente inferior no que toca a Responsabilidade Civil. É de salientar que, a lei

estatuída, quando existe, se sobrepõe à lei comum, pois dimana desta (Mascarenhas, 1990).

Outro dos aspectos em que o sistema actual do RU difere dos estudados anteriormente,

aproximando-se dos sistemas Belga, Sueco e Dinamarquês, prende-se com o facto de existir

legislação distinta entre os diversos sectores da construção, o que é justificado pelas maiores

necessidades de protecção do sector habitacional, quando comparado com o comercial

(Lavers, 1996).

No RU, existe uma organização designada por Conselho Nacional de Edifícios de Habitação

(National House-Building Council – NHBC) que tem como objectivo a protecção ao consumidor

do sector privado da construção, unicamente destinado ao sector residencial. O NHBC é uma

instituição de carácter privado e sem fins lucrativos, que funciona como Companhia de Seguros

Mútua, também exercendo funções de Controlo Técnico e de estudo das patologias da

construção (NHBC, 2003).

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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Relativamente a garantias e seguros o sistema NHBC, proporciona contractos de 10 anos,

divididos em 5 secções, nos quais se compromete, com o consumidor, a cobrir defeitos ou

danos que eventualmente aconteçam no edifício.

Tal como acontece nos casos anteriormente estudados, no RU, foi adoptada uma definição

para as diversas partes responsáveis pela concepção e execução do edifício com

responsabilidades pelos danos ou defeitos no edifício.

O termo produtor (producers) foi adoptado da Comissão CIB W87 (ver §4.1) pela Build Report

e refere-se a arquitectos, engenheiros, empreiteiros, subempreiteiros e autoridades locais. Os

produtores têm responsabilidades pós-construção, quer contratuais, quer extracontratuais (in

tort), podendo a quebra de tais obrigações dar origem a responsabilidade por “falta ao dever ou

negligência” ou por “não cumprimento do contrato”. É de salientar que nenhuma parte que não

tenha contrato com o dono de obra é um produtor (Lavers, 1996).

Ao longo deste subcapítulo, descreve-se o regime de responsabilidades existente no RU (ver §

5.4.2), bem como o regime de garantias e seguros de responsabilidade civil (ver § 5.4.3), para

o sector habitacional (ver § 5.4.3.3) e para o sector não habitacional (ver § 5.4.3.4).

5.4.2. REGIME DE RESPONSABILIDADES

Conforme referido anteriormente, o regime de responsabilidades implementado no RU, assenta

no Direito Comum, aplicado e desenvolvido pela análise de “casos” passados, tendo a lei

escrita uma pequena relevância, embora se sobreponha à lei não escrita, nos casos em que

exista.

Este regime confere especial importância a duas expressões que caracterizam diferentes tipos

de responsabilidade contratual: objectiva ou estrita e subjectiva. A responsabilidade objectiva

ou estrita impõe a obrigação de apresentar resultados (duty of results), sendo os produtores

responsáveis, independentemente de culpa, nos casos de não cumprimento do contrato. Por

outro lado, a responsabilidade subjectiva, apenas obriga a um dever de cuidado e perícia (duty

of care), sendo exigida uma prova de culpa para responsabilizar o produtor (Borges, 1991).

Na lei vigente no RU, é expresso que num contrato de empreitada “…os materiais deverão ser

razoavelmente adaptados para o efeito necessário e de qualidade comercializável, e o

empreiteiro deverá fazer o trabalho de boa maneira…”. Como se pode constatar, apenas é

requerido um dever de cuidado com os materiais e o trabalho a ser executado, pelo que a

responsabilidade é subjectiva.

No que toca a um contrato de projecto e construção a lei refere que “…o edifício deverá ser

adequado para o efeito para o qual seja requerido…”. Neste caso, é imposto um dever de

construir o edifício para o fim exigido, o que torna este contrato de responsabilidade objectiva

ou estrita.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

75

Da mesma forma, o contrato de venda de mercadorias impõe um dever de resultado,

implicando responsabilidade objectiva ou estrita – “…as mercadorias são de qualidade

comercializável e próprias para o efeito requerido…”.

Relativamente aos diversos intervenientes numa construção podem ser enumerados alguns

casos em que estes dois tipos de responsabilidade contratual são evidenciados. A

responsabilidade objectiva ou estrita é imposta aos empreiteiros na construção de edifícios

residências e em contratos do tipo “chave na mão”15

. A responsabilidade subjectiva, é imposta

aos empreiteiros na construção de edifícios não residenciais, bem como a todos os outros

produtores.

No caso dos fornecedores, pode dar-se o caso destes terem responsabilidades contratuais

com o dono de obra sem que tenham contrato com este, bastando para isso que exista um

contrato colateral com o empreiteiro.

Para além da responsabilidade contratual anteriormente analisada, é de salientar o dever de

reparação imposto aos intervenientes por falta ao dever ou negligência – responsabilidade

extracontratual. Este tipo de obrigação existe para todos os produtores ligados, ou não,

contratualmente ao dono de obra.

Um dos exemplos do que foi referido no parágrafo anterior prende-se com as autoridades

locais que têm deveres impostos estatutariamente, podendo ser responsabilizados perante o

dono de obra por falta ao dever ou negligência dos seus inspectores, provocados por

aprovações a fundações ou drenagens que não são adequadas (Mascarenhas, 1990).

Outro dos aspectos a salientar na lei vigente no RU prende-se com os períodos de

responsabilidade para danos na construção, existindo três fases a considerar (Atkinson, 1999):

Período de construção – no qual o empreiteiro tem uma licença contratual de posse do

local de construção, podendo durante esse período executar obras de reparação e

substituição de materiais defeituosos;

Período de garantia – em que é dada uma licença ao empreiteiro para poder voltar ao

local e proceder a obras de reparação16

. Este período inicia-se quando é emitido o

Certificado de Finalização de Obra (Certificate of Pratical Completion – CPC), e tem a

duração de 6 meses, se nada for estipulado em contrário. No final desse período, o

projectista passa um Certificado de Reparação dos Defeitos (Certificate of Making

Good Defects – CMG);

15

Um contrato “chave-na-mão” é tipicamente aquele que é efectuado com um empreiteiro principal, que assume a

responsabilidade pelo licenciamento da tecnologia, projecto, fornecimento de equipamentos e materiais, construção,

montagem, testes e arranque da nova fábrica.

16 Este facto possibilita ao empreiteiro o direito e a obrigação de reparar defeitos que de outra forma lhe poderia trazer

maior despesa.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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Período de responsabilidade – Este período tem início após o final do período de

garantia e estende-se por 6 anos no caso de um contrato simples e 12 no caso de um

contrato escrito. Para responsabilidades extracontratuais este período tem a duração

de 6 anos, enquanto que para danos latentes (Act 1986) a duração é de 3 anos.

5.4.3. REGIME DE GARANTIAS E SEGUROS

5.4.3.1. GENERALIDADES

Ao contrário do que acontece em França, no RU, não existe obrigação legal no que toca à

contratação de seguros para a cobertura de danos na construção. No entanto, quando o

produto é a habitação, os financiamentos apenas são concedidos mediante a contratação de

seguros de construção. Por outro lado, verifica-se o aumento das exigências do cliente no que

toca a seguros de responsabilidade, muito por culpa da pressão exercida pelas suas fontes de

crédito (ECCE, 2004).

Relativamente aos contratos de seguros, existem 3 tipos que merecem destaque:

Seguro de Responsabilidade Profissional: protege os produtores das reclamações de

danos que surjam após a conclusão dos trabalhos;

Seguro de construção: protege o dono de obra e os sucessivos adquirentes;

Seguros durante a realização da obra: por norma é contratado o Seguro CAR (ver

4.4.2).

Ao longo dos próximos subcapítulos analisam-se os três sistemas de seguros existentes no

Reino Unido:

Sistema de Seguros de Resonsabilidades (ver § 5.4.3.2);

Sistema NHBC (ver § 5.4.3.3);

Sistema de Seguros de Construção em Edifícios não Residenciais (ver § 5.4.3.4).

5.4.3.2. SEGUROS DE RESPONSABILIDADE

O Seguro de Responsabilidade, que inclui o Seguro de Responsabilidade Profissional, cobre os

riscos de danos com origem em quebra de contrato e negligência, erro ou omissão (Borges,

1991).

É um seguro dirigido a arquitectos, engenheiros, consultores, empreiteiros e autoridades locais,

não sendo contratado por fornecedores. Para o caso do empreiteiro este seguro é pouco

utilizado, sendo subscrito em contratos de projectos do tipo “chave na mão”. Os fornecedores

têm à disposição um seguro denominado Seguro de Responsabilidade do Produto (Product

Liability Insurance), que aliado ao seu custo elevado tem a exigência de uma cláusula de co-

seguro de 10% e uma franquia.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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Para o Seguro de Responsabilidade as entidades seguradoras são as companhias de seguro

comuns, que têm atracção por este tipo de seguro devido ao enorme volume de contratos

potenciais. Por outro lado, existe algum receio da seguradora devido ao elevado risco

associado a esta actividade e aos custos envolvidos (Mascarenhas, 1990).

O prémio anual do Seguro de Responsabilidade é calculado em função da facturação anual do

tomador do seguro, do pessoal envolvido (salários) ou do currículo da entidade que pretende

contratar o seguro. Para o cálculo do prémio não são tidas em consideração a qualidade

técnica dos projectos realizados pelo segurado, nem a sua prática na realização de controlo

técnico, o que tem levantado algumas criticas por parte de alguns intervenientes na construção.

5.4.3.3. SISTEMA NHBC

5.3.3.3.1 – National House-Building Council – NHBC

Em 1936, um grupo da Associação Britanica para a Qualidade das Construções (British Quality

Builders), criou o Conselho Nacional de Edifícios de Habitação (National House-Building

Council – NHBC) com o objectivo de elevar os padrões da indústria de novas habitações e

assegurar a protecção dos seus proprietários (NHBC, 2003).

Actualmente, a NHBC é uma entidade reconhecida e uma influência muito positiva na

protecção dos consumidores, devido à experiência e conhecimentos adquiridos nos mais de 70

anos de existência.

Esta instituição sem fins lucrativos cobriu mais de sete milhões de casas nos últimos 40 anos,

detendo, actualmente, 80% da cota de mercado de habitações novas no Reino Unido (1,7

milhões de casas) e contando com 18.000 construtores registados, que cumprem as normas e

regras da NHBC (NHBC, 2008).

A NHBC é dirigida por um conselho do qual 1/3 é composto por empreiteiros e os restantes 2/3

por imobiliárias, projectistas, fiscais, e outras entidades intervenientes na construção. Esta

instituição funciona como Companhia Mútua de Seguros, estendendo a sua acção ao Controlo

Técnico e ao estudo das patologias da construção (NHBC, 2007).

Através da NHBC, poderá ser obtida a Marca NHBC, uma garantia que consiste num acordo

entre o construtor, a NHBC e o comprador titulado por um certificado de seguro que deve ser

transmitido a um novo proprietário.

Para que as recomendações da NHBC sejam cumpridas é enviado, à obra, um fiscal, de 3 em

3 semanas, sem aviso prévio, sendo usados os dados da fiscalização, bem como os das

reclamações para elaborar novas recomendações e publicações técnicas.

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5.3.3.3.1 – Garantias e Seguros NHBC

Ao logo dos últimos anos a NHBC adoptou uma política de extensão e implementação de

coberturas, como forma de proteger os compradores de habitações de eventuais implicações

financeiras provocadas por defeitos dos materiais ou na construção.

Actualmente, o sistema de garantias e seguros da NHBC pode dividir-se em 5 secções (NHBC,

2008):

Secção 1:

A primeira secção ocorre durante a fase de pré-conclusão da construção e tem como objectivo

compensar o cliente nos casos em que a construtora não conclua o produto final devido a

insolvência, fraude ou falência.

Assim, estão englobadas duas situações:

Se a obra não tiver começado, a NHBC restitui o valor que o cliente tiver pago.

Se a obra já tiver começado, a NHBC assegura os custos de conclusão da obra.

É de salientar que existe um limite financeiro imposto para estes dois casos que é menor que

10% do preço de compra ou de 100.000 libras.

Secção 2:

A segunda secção tem início com a conclusão dos trabalhos e estende-se por dois anos.

Nesta secção, de cobertura muito ampla, o construtor é o principal responsável pelos prejuízos

causados. As coberturas para esta fase contemplam qualquer dano ou defeito, definidos como

defeitos de violação das normas obrigatórias da NHBC. No caso do construtor não proceder às

reparações, o NHBC presta um serviço de resolução gratuito.

O limite financeiro imposto para esta situação é menor que 1.000.000 de libras ou o custo de

nova construção.

Secção 3:

As garantias da secção 3 estendem-se do 3º ao 10º ano após a conclusão da construção.

Nesta secção a NHBC é a principal responsável pela cobertura dos danos, sendo para tal

necessário que tenha sido efectuado o serviço extra de controlo da construção.

O seguro nesta fase cobre danos na estrutura, segurança contra incêndios, higiene, drenagem,

produção de calor, entre outros. As principais exclusões são os danos provocados pelo

movimento dos materiais que não tenham implicações estruturais ou à resistência da água,

danos decorativos ou devidos alterações do proprietário.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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O limite financeiro imposto para esta situação é menor que 1.000.000 de libras ou o custo de

nova construção.

Secção 4:

O sistema NHBC possibilita uma cobertura adicional que se estende do 3º ao 10º ano após a

conclusão da construção, que abrange violações aos regulamentos de construção, que

representem um perigo iminente para a saúde e segurança.

Esta cobertura só se aplica quando um subsidiário ou “Inspector Aprovado” da NHBC tiver

realizado as inspecções de controlo da construção.

Secção 5:

É uma cobertura adicional com extensão idêntica à das secções 3 e 4 (do 3º ao 10º ano).

Cobre os custos de cumprimento de qualquer “Advertência Legal” que requer ao proprietário o

tratamento, isolamento ou remoção de contaminantes do solo.

5.4.3.4. SISTEMA DE SEGUROS DE CONSTRUÇÃO PARA EDIFÍCIOS NÃO RESIDENCIAIS

Conforme foi escrito anteriormente, no RU há diferentes sistemas para os sectores de edifícios

residenciais e não residenciais. Assim, o sistema de seguros de construção para edifícios não

residenciais não pertence ao âmbito da NHBC.

Os contratos deste tipo de seguro têm, por norma, a duração de 10 anos e cobrem o risco de

prejuízos causados por danos manifestados resultantes de disfunções provenientes de falhas

no projecto, má aptidão dos materiais e deficiente execução, ou de uma combinação

simultânea das situações acima referidas (Mascarenhas, 1990).

Estão ainda abrangidos os defeitos que possam causar danos na edificação, que venham a

colocar em perigo a estrutura durante o período seguro ou danos causados provocados por

alterações geotécnicas devidas à intervenção de terceiros.

5.4.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA DO REINO UNIDO

Tal como foi referido anteriormente, o sistema do RU difere dos casos Francês e Espanhol

anteriormente estudados, uma vez que, tal como os outros países anglo-saxónicos, as

decisões de conflitos são tomadas tendo em conta casos anteriores, não existindo uma lei

escrita tão completa como nos sistemas tradicionais. Outro aspecto que particulariza este

sistema é o facto de existir legislação específica para o sector residencial e não residencial.

A característica de maior relevância no sistema do RU é a existência de uma organização que

reúne as funções de companhia mútua de seguros, controlo técnico e estudo de patologias.

Este grupo de intervenientes do processo construtivo – NHBC – existe há mais de 70 anos no

RU, salvaguardando o interesse dos proprietários e sucessivos adquirentes. A longevidade do

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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NHBC, demonstra o seu sucesso, embora este apenas exista devido às sucessivas alterações

que implementou ao longo dos anos.

No que respeita ao regime de responsabilidade dos diversos intervenientes na construção, no

RU é dada muita relevância a dois conceitos que até à data não tinham sido analisados:

responsabilidade objectiva ou estrita (impõe a obrigação de apresentar resultados) e

responsabilidade subjectiva (apenas obriga a um dever de cuidado e perícia).

No RU, para além do seguro de responsabilidade que já foi analisado para os outros países,

está disponível um seguro específico para fornecedores. Estes dois seguros cobrem as

actividades dos diversos intervenientes numa obra, existindo ainda os seguros de garantia do

NHBC para a salvaguarda dos interesses do dono de obra e dos sucessivos adquirentes da

construção.

Os seguros de garantia não se limitam a fazer a cobertura da construção nos seus primeiros 10

anos de vida, existindo ainda a possibilidade de assegurar a fase de pré-conclusão da obra

para os casos de insolvência, fraude ou falência do construtor. Outro aspecto a salientar é o de

o NHBC apenas facultar os seguros de garantia de 3 e 10 anos se tiver havido controlo técnico

da obra, realizado pela própria organização.

Por fim, à semelhança do que foi escrito noutros subcapítulos, refere-se que para o sector não

residencial, o sistema do RU teve em conta a realidade existente em França desde 1978. Mais

uma vez, fica demonstrado a importância que é dada ao estudo de leis de países onde já

existem sistemas implementados.

5.5. SISTEMA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (EUA)

5.5.1. GENERALIDADES

No presente subcapítulo descrevem-se algumas das particularidades das políticas para a

cobertura de danos na construção nos EUA, tendo presente que a lei não é igual para todo o

país, variando consoante o Estado.

À semelhança do que acontece no RU e nos restantes países anglo-saxónicos, o sistema legal

dos EUA é a Lei Comum (Common Law), baseada na interpretação dos juízes tendo em conta

decisões tomadas no passado (Borges, 1991).

Ao longo deste subcapítulo analisam-se com maior pormenor algumas das características do

regime de garantias e seguros dos EUA, não sendo estudado o regime de responsabilidades

que se assemelha bastante ao vigente no RU (ver § 5.4.3.2).

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

81

Assim, em §5.5.2 será analisado o regime de garantias vigente nos EUA, particularmente as

garantias implícitas (ver §5.5.2.2), explícitas (ver §5.5.2.3) e de terceira parte (ver §5.5.2.4).

Seguidamente, analisam-se as diferentes políticas em alguns Estados.

Para a descrição do sistema de responsabilidade, garantias e seguros nos EUA que se faz ao

longo deste subcapítulo foi utilizado (AACG, 2006).

5.5.2. REGIME DE GARANTIAS

5.5.2.1. GENERALIDADES

A primeira opção para a reparação de defeitos na construção é a garantia dos construtores.

Nos casos em que o proprietário não fique satisfeito com essa garantia, existem outras

políticas que podem proteger o consumidor: garantia de títulos e Seguro de Responsabilidade

Civil Geral.

Apenas 12 Estados dos EUA têm incorporado nas suas leis requerimentos de garantias,

existindo um 13º (Missouri) que tem um projecto de lei para garantias.

Embora haja variações de Estado para Estado, por norma, as leis de garantia seguem os

mesmos termos, sendo o Modelo 1-2-10 o mais utilizado. O Modelo 1-2-10 contempla um

regime de garantias anual (para a cobertura de danos provenientes do trabalho e dos

materiais), bienal (para a cobertura de danos em canalizações, instalações eléctricas, ar

condicionado, sistemas de ventilação e aquecimento) e decenal (para a cobertura de danos

provenientes de defeitos estruturais).

A garantia dos construtores pode dividir-se em três formas que nos próximos subcapítulos são

descritas: explícitas (ver §5.5.2.2), implícitas (ver §5.5.2.3) e de terceira parte (ver §5.5.2.4).

5.5.2.2. GARANTIAS EXPLÍCITAS

As garantias explícitas vêm determinadas no contrato de construção e seguem o Modelo 1-2-

10 que acima foi brevemente analisado (ver § 5.5.2.1).

Através deste tipo de garantias, o construtor tem que reparar os defeitos ou os danos

provenientes dos defeitos. Caso o construtor não cumpra com as garantias obrigatórias, poderá

ser processado por violação de contrato. A referida violação de contrato não está coberta nas

apólices de Responsabilidade Civil do construtor.

5.5.2.3. GARANTIAS IMPLÍCITAS

5.5.2.3.1. Garantias Implícitas para Promotores

As garantias implícitas têm fundamento em casos da lei e diferenciam as garantias para os

promotores e para os empreiteiros.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

82

Segundo a lei dos EUA o promotor constrói edifícios para vender ao público, construindo-os de

acordo com as especificações dos seus planos. Ele é segurado segundo as mesmas normas

de qualquer fornecedor de um produto para venda. A jurisprudência contempla garantias para

residências construídas por promotores:

“ O promotor implicitamente garante (ao público) que as construções foram realizadas de uma

forma razoavelmente boa, estando livre de defeitos graves, tendo sido realizadas para o

propósito a que se destinam.”

Caso o construtor não cumpra com as garantias estabelecidas poderá ser processado por

violação do contrato. Aquilo que constitui o referido não cumprimento das garantias é

determinado pelos tribunais caso a caso, não tendo que seguir, necessariamente, o Modelo 1-

2-10.

5.5.2.3.2. Garantias Implícitas para Empreiteiros

Segundo a lei dos EUA o empreiteiro não constrói para venda ao público. Os empreiteiros e os

subempreiteiros aceitam os contratos concordando “construir de acordo com o descrito no

contrato de uma maneira razoavelmente boa, de acordo com a documentação”. Por outro lado,

um empreiteiro não “garante implicitamente a comercialização do produto final se seguir os

planos e especificações do contrato”. Contudo, os empreiteiros reparam defeitos que em

alguns casos não estão contemplados por lei nas garantias implícitas.

O empreiteiro constrói com o dever de cuidado, o que o leva a poder ser acusado de

negligência, embora não tenha que dar garantia do produto. Neste caso de negligência, a

cobertura existe através das apólices de Responsabilidade Civil do construtor.

5.5.2.4. GARANTIAS DE TERCEIROS

Através das garantias de terceiros os construtores suportam as suas garantias numa apólice de

seguros de garantia emitida por uma terceira parte. Com esta política é exigida uma garantia

mínima para cada casa nova, suportada por uma seguradora de garantias de terceiros.

Embora este tipo de garantias tenha algumas características de um seguro, não pode ser

considerada como uma política estrita de seguros. Por norma, nos primeiros anos é o

construtor que executa os trabalhos de garantia cobertos pela política de garantias de terceiros,

sendo que a seguradora assume a responsabilidade pelas reclamações no caso de o

construtor falhar com as suas obrigações.

Os danos cobertos por este tipo de garantias são apreciados por um avaliador, sendo,

normalmente, o custo da construção o limite máximo da garantia.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

83

5.5.3. POLÍTICAS EM ALGUNS ESTADOS

5.5.3.1. GENERALIDADES

Tal como foi referido anteriormente, nos EUA existem 12 Estados (num total de 50) com

requerimentos estatutários de garantia para a construção e um 13º com um projecto de lei para

garantias. Nestes Estados o Modelo 1-2-10 é o mais comum, embora não se possa dizer que

esta política de garantias seja utilizada em todos os estados (ver Tabela 5.11).

Tabela 5.11 – Durações das garantias em alguns estados norte-americanos (AAQC,

2006).

Estado Trabalho ou

materiais

Ar condicionado,

aquecimento, electricidade, sistemas

de distribuição

Defeitos devido a penetração

de água Estrutura

3ªparte (obrigatorio)

Cobertura

Florida* 1ano 3anos – 3anos Nao 3anos

Indiana 2ano 2anos – 10anos Nao 4anos

Louisiana 1ano 2anos – 5anos Nao –

Maryland 1ano 2anos – 5anos Nao –

Minnesota 1ano 2anos – 10anos Nao –

Mississipi 1ano – – 6anos Nao –

New Jersey 1ano 2anos – 10anos Sim –

New York 1ano 2anos – 6anos Nao –

Texas 1ano 2anos – 10anos Nao –

Virginia 1ano 1ano – 5anos** Nao –

Missouri*** 3anos 5anos 3anos 10anos Nao 3anos

* - Estatutos só dizem respeito a condomínios.

** - Só fundações.

*** - Ainda na lei dos estatutos.

Relativamente a seguros de garantia de terceira parte, apenas a legislação de um Estado (New

Jersey) a prevê, embora nenhum dos outros impossibilite a sua contratação. Esta situação de

New Jersey foi criada como forma de retirar as coberturas dos defeitos dos seguros de

responsabilidade civil.

Ao longo dos próximos capítulos analisam-se algumas particularidades de quatro estados

Norte Americanos: Oregon, Washington, Texas e New Jersey.

5.5.3.2. ESTADO DE OREGON

No estado de Oregon existe uma instituição – Oregon House Bill – que estuda a relação entre

as reclamações na construção e as práticas de construção, defeitos e protecção dos

consumidores. O seu principal objectivo é a redução dos defeitos, assegurando a protecção

aos consumidores e um seguro para os construtores.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

84

Neste estado, as garantias acima descritas (ver § 5.5.2) não são obrigatórias, embora sejam a

primeira medida de protecção utilizada para a defesa dos consumidores. No caso de os

proprietários não ficarem satisfeitos com essas garantias têm três caminhos possíveis a seguir:

garantia de títulos (cauções), Senate Bill 909 e o seguro de responsabilidade civil comercial.

As garantias de títulos são um acordo contratual entre três partes, em que o fiador garante à 2ª

parte (o proprietário), que a 3ª (o empreiteiro) cumpre com sucesso o contrato. No caso de o

empreiteiro falhar com a sua parte do contrato, o fiador compensa o proprietário. Este tipo de

garantias assegura a cobertura de danos devido a quebras de contrato e negligência, estando

cobertos os danos independentemente do número de ocorrências.

As garantias de título não podem ser consideradas um seguro, uma vez que, enquanto o

segurador avalia os riscos, podendo esperar perdas, o fiador espera desempenho, tendo

contratualmente salvaguardadas as perdas, os custos e os gastos legais. A seguradora paga

pelos erros do segurado, não sendo compensada, enquanto que o fiador apenas corre um risco

temporário.

No estado de Oregon, se não existir um contrato de garantias de títulos não é atribuída a

licença de construção pelo Quadro de Empreiteiros da Construção (Construction Contractors

Board).

Para além das garantias de títulos existem outras formas de protecção dos proprietários, sendo

a principal o Senate Bill 909. Com o Senate Bill 909, os proprietários deixaram de estar

dependentes das políticas de responsabilidade civil do construtor no caso das garantias de

títulos não resolverem as suas reclamações.

Através do Senate Bill 909 o dono do imóvel não entra em litígio com o construtor antes de

completar um processo de resolução de disputa NOR. No caso desta forma de resolução não

ser eficaz o proprietário poderá procurar solução nas apólices de Responsabilidade Civil

Comercial do Construtor (Comercial General Liability – CGL).

5.5.3.3. ESTADO DE WASHINGTON

Nos anos de 2001 e 2002, foi promulgada a lei do direito de reparação, através da qual os

proprietários têm de avisar e dar oportunidade de reparação ao construtor pelos defeitos da

construção.

Mais tarde (entre 2003 e 2004), surgiu uma nova lei que prevê um programa voluntário de

seguros de garantia, que oferece cobertura de garantias explícitas aos construtores de

condomínios, não tendo estes que enfrentar as garantias implícitas como até aí acontecia.

Actualmente, neste estado a utilização de seguros de garantia é limitada devido à falta de

seguradoras a oferecer coberturas. Este facto deve-se aos materiais que são autorizados pelos

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

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Códigos de Construção, que não têm qualidade suficiente para dar garantias futuras para

danos provocados pela água.

5.5.3.4. ESTADO DO TEXAS

No estado do Texas, foi criada, no ano de 2003, a Comissão da Construção Residencial do

Texas (Texas Residential Construction Commission – TRCC), com o objectivo de supervisionar

as licenças dos construtores e as garantias para novos edifícios residenciais.

A partir de 1 de Junho de 2005, todas as casas novas e os projectos de remodelação com valor

superior a 20.000 dólares passaram a ser objecto de garantias fornecidas pelos construtores.

As coberturas dessas garantias seguem o Modelo 1-2-10 que acima foi descrito (ver § 5.5.2.1).

Essas garantias têm início quando o proprietário toma posse do edifício e mantém-se com os

sucessivos adquirentes do imóvel.

Os requerimentos de garantia do TRCC não têm explicitamente um programa de seguros de

garantia, recaindo a responsabilidade e os custos de reparação no construtor do edifício.

5.5.3.5. ESTADO DE NEW JERSEY

No estado de New Jersey foi promulgado, em 1977, o Lei das Garantias de Habitação Nova e

Registo dos Construtores (New Home Warranty and Builder’s Registration Act). Com isso, os

construtores passaram a ter de estar registados para iniciarem uma nova construção

residencial. Uma vez registados, têm que participar no programa de garantias obrigatórias que

segue o Modelo 1-2-10.

A cobertura das referidas garantias pode ser fornecida por uma de quatro seguradoras

privadas ou pelo patrocínio do Plano de Garantias do Estado (New Home Warranty Program).

Actualmente, no estado de New Jersey, 75% dos seguros de garantia são fornecidos pelas

seguradoras privadas. No caso de o construtor não optar por uma das seguradoras privadas, é

automaticamente remetido para o plano.

Em New Jersey, os construtores de edifícios residenciais têm de se registrar no Departamento

de Assuntos Comunitários (Department of Community Affairs – DCA) e resolver as

reclamações de acordo com as normas do Código Uniforme da Construção de New Jersey

(New Jersey Uniform Construction Code – UCC).

Para a realização do seu trabalho os construtores têm de seguir o UCC, que tem incorporado 4

sub códigos: edifícios, instalações eléctricas, protecção ao fogo e canalizações. Para o

cumprimento do código existem 3 tipos de identidades responsáveis para a sua boa execução:

oficial de construção, oficial do sub código e inspector.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

86

Os oficiais de construção e sub código são responsáveis pela revisão das plantas e

especificações por forma assegurarem o cumprimento do UCC, enquanto que os inspectores

realizam inspecções periódicas ao local de construção. No final da fase de execução do

projecto o oficial de construção emite um Certificado de Ocupação que permite verificar se a

obra se realizou de acordo com as normas do UCC.

5.5.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS DO SISTEMA NORTE-AMERICANO

A realidade dos EUA tornou-se a mais difícil de analisar devido à inexistência de um sistema de

responsabilidades, garantias e seguros comum para os diversos estados norte-americanos. Na

verdade, cada estado tem as suas particularidades, havendo alguns em que existem poucas

práticas implementadas neste domínio. À semelhança do RU, nos EUA apesar da lei escrita

prevalecer, é a lei comum que tem maior destaque.

O regime de garantias que mais se realça naquele país é o modelo 1-2-10, que é igual ao

regime francês em termos de durações. Para além deste aspecto, é de realçar a importância

que neste país é dada a três conceitos, que até aqui não tinham sido escritos: garantias

explícitas, implícitas e de terceira parte.

5.6. SISTEMA CANADIANO

5.6.1. GENERALIDADES

Ao longo do presente subcapítulo será analisado o sistema de garantias e seguros do Canadá,

particularizando o regime vigente no estado de British Columbia. À semelhança do que

acontece nos EUA, não existe um regime comum para todo o Canadá, tendo cada província a

sua própria lei, embora existam muitas características dos diversos sistemas de garantias e

seguros que se assemelham (Gowlings, 2009).

No que respeita há província do Quebec, o Código Civil do Quebec decreta que os

construtores, arquitectos, engenheiros, subempreiteiros e promotores são responsáveis por

defeitos na construção por um período de um ano, podendo essa duração aumentar para cinco

anos a contar da data de conclusão consoante a gravidade dos defeitos.

Na província de Alberta, a Lei dos Códigos de Segurança (Alberta’s 1994 Safety Codes Act)

implementou regras e responsabilidades para todas as partes do projecto de construção,

existindo um período de garantia de 10 anos para a cobertura das reclamações.

Nas províncias de British Columbia e Quebec (desde 1999) a legislação requer uma cobertura

de garantia feita por uma terceira parte ou por seguradoras para todas as casas novas. Este

tipo de coberturas assegura, por intermédio de uma terceira parte, a reparação e os custos

derivados dos defeitos, nos casos em que os construtores não cumpram com o estipulado nos

contratos.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

87

Na província de Ontário existe, desde 1976, um sistema que se distingue pelo facto de ser uma

associação privada de promotores – Sociedade de Garantias Tarion (Tarion Warranty

Corporation) – que faz a gestão das garantias dos vários associados, salvaguardando o

interesse de mais de 1,45 milhões de compradores de novas habitações (Tarion, 2009).

Estes contratos variam de província para províncias e consoante a obra a executar, embora,

normalmente se baseiem em normas comuns da indústria. Assim, eles incluem a descrição das

responsabilidades e dos trabalhos a ser feitos, o preço, os termos de garantia e seguros e os

procedimentos nos casos de alterações ou de conflitos.

Para além das garantias e seguros acima mencionadas, existe um seguro (seguro de

propriedade) que dá protecção ao consumidor por perdas de propriedade provocadas por

incêndios ou outros desastres.

Para os diversos intervenientes do processo construtivo é facultado o seguro de

responsabilidade civil comercial, sendo em algumas províncias um requerimento obrigatório.

Este tipo de seguro cobre danos causados pelo construtor, podendo, em alguns casos ter uma

cláusula que estenda a cobertura a trabalhos negligentes. Nas situações em que este seguro

não cobre negligência, o construtor poderá contratar um seguro de erros e omissões.

Ao longo dos próximos capítulos descrevem-se, resumidamente, as responsabilidades dos

diversos intervenientes no processo construtivo (ver § 5.6.2), seguindo-se a análise do regime

de garantias e seguros na província de British Columbia (ver § 5.6.3). A escolha desta

província prende-se com o facto de este ter uma dimensão muito significativa naquele país e

possuir um sistema completo e eficaz no que toca à cobertura de danos na construção. Por fim,

são tiradas as principais conclusões do sistema canadiano (ver § 5.6.4), tendo em especial

atenção a elaboração da proposta de criação de um sistema de responsabilidades, garantias e

seguros para Portugal.

5.6.2. SISTEMA DE RESPONSABILIDADES

As leis relativas à responsabilidade dos intervenientes na construção são estabelecidas pela lei

imposta pelos governos federais e das províncias, podendo ainda existir as jurisdições de leis

comuns, à semelhança dos outros países anglo-saxónicos que se analisaram anteriormente.

Para além destas duas formas de delinear responsabilidades, estas podem ainda ser definidas

nos contratos de construção. Os códigos de construção e segurança têm um papel pouco

significativo no domínio de responsabilidades no Canadá.

Assim, para os diferentes intervenientes na construção são, por norma, definidas as seguintes

responsabilidades (AACG, 2006):

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

88

Proprietários: Têm a responsabilidade pelos seus empreendimentos, estando incluído

neste aquilo que vai ser construído, as leis vigentes e a escolha de construtores e

consultores competentes;

Projectistas: Têm a responsabilidade de produzir projectos perceptíveis e

especificações de acordo com as leis aplicadas e que reflictam os requerimentos dos

proprietários. Também podem fazer revisão do projecto no terreno;

Empreiteiros: Têm a responsabilidade de toda a construção, incluído comprar, fabricar,

gerir, programar e contratar subempreiteiros e fornecedores;

Subempreiteiros: Têm a responsabilidade pela sua parte do trabalho (mecânico,

eléctrico, escavações, entre outros);

Fabricantes: Têm a responsabilidade por fornecer produtos que cumpram as

especificações e as aplicações requeridas;

Organizações de desenvolvimento de normas: Têm a responsabilidade de produzir

normas fiáveis e utilizáveis;

Províncias e territórios: Têm a responsabilidade de adoptar para a legislação os

códigos de construção, incêndio e canalizações;

Municípios: Têm a responsabilidade de examinar as plantas e inspeccionar os

projectos para ver se estão em conformidade com os códigos.

5.6.3. SISTEMA DE GARANTIAS E SEGUROS NA PROVÍNCIA DE BRITISH COLUMBIA

5.6.3.1. GENERALIDADES

No ano de 1998, foi aprovado o Lei de Protecção do Proprietário (Homeowner Protection Act)

para a criação da Agência de Protecção do Proprietário (Homeowner Protection Office – HPO),

que teve como base as recomendações da Comissão Barret (Barret Commission) num relatório

de discussão da qualidade da construção de condomínios na província de British Columbia. A

principal função da HPO é administrar as licenças de construção residencial e fazer cumprir as

garantias de terceira parte para todas as novas casas construídas naquele estado (AACG,

2006).

A partir de 1 de Julho de 1999, para todas as construções de habitação novas foi requerido um

seguro de garantias de terceiros. Este seguro é um requerimento para obter uma permissão de

construção e para o construtor obter a licença de execução dos trabalhos.

No ano de 2006, o seguro de garantia de terceira parte poderia ser providenciado por 4

companhias de seguros, autorizadas a fornecer seguros de garantia pela Comissão de

Instituições Financeiras (Finantial Institutions Commission). Por ano, estas 4 seguradoras

fornecem 40.000 novos postos de trabalho na área da construção residencial. Uma das formas

destas seguradoras oferecerem termos mais flexíveis aos construtores é através da

possibilidade de reembolso à seguradora por defeitos nos primeiros anos de vida da

construção, o que leva à redução dos prémios de seguro pagos pelo tomador.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

89

Inicialmente, o seguro de garantia de terceira parte era providenciado pela Garantia das

Habitações Novas de British Columbia (New Home Warranty of British Columbia Inc.). Os

seguros que essa instituição, fundada por construtores, providenciava tinham algumas

diferenças para os actuais, o que levou à sua falência. As causas da falência foram analisadas

pela Barret Comission, que concluiu ser o aparecimento de infiltrações de água o motivo

principal das falhas da referida instituição.

As garantias que actualmente estão disponíveis na província de British Columbia têm

coberturas mínimas definidas, impostas por regulamentação, de 2, 5 e 10 anos. Nos 2

primeiros anos, as garantias asseguram a cobertura dos trabalhos e dos materiais, seguindo-se

uma garantia de 5 anos para salvaguardar a envolvente do edifício e de 10 anos para precaver

possíveis falhas estruturais.

No que se refere aos capitais mínimos cobertos, para residências primárias, o valor é o menor

entre o custo de aquisição do primeiro proprietário ou 200.000 dólares (aproximadamente

123700 euros – esta conversão, bem como todas as outras realizadas neste capítulo, foi feita

em Junho de 2009), enquanto que para partes da casa é o menor valor entre o custo de

aquisição por parte do primeiro proprietário ou 100.000 dólares (aproximadamente 61800

euros).

Ao longo dos subcapítulos que se seguem analisa-se com maior pormenor algumas das

condições deste regime vigente na província de British Columbia (Homeowner Protection Act,

1999).

5.6.3.2. LICENÇAS DE CONSTRUÇÃO E TAXAS APLICADAS

Tal como foi referido em § 5.6.3.1, o HPO é responsável por administrar todas as licenças de

construção, que são um requerimento obrigatório para que os construtores possam construir

novas residenciais na província de British Columbia.

Para que o construtor obtenha uma licença ou a renovação desta, terá que providenciar ao

registador da licença o seu nome, morada, telefone, fax e carta de condução, sendo que no

caso de ser uma empresa de construção terá ainda que referir o nome de todos os

colaboradores.

Para além do referido anteriormente, é obrigatória a apresentação de uma prova de aceitação

do seguro de garantia da habitação, feita por quem providencia a garantia, bem como de uma

lista das construções realizadas nos últimos 36 meses por parte do futuro titular da licença e de

todos os membros da sua empresa.

No que respeita às taxas aplicadas para a licença de construção residencial, os seus valores

são de 600 dólares para nova licença e de 500 dólares (aproximadamente 310 euros) para a

renovação da mesma. Para além destes valores, é ainda cobrada uma taxa de 750 dólares

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

90

(aproximadamente 460 euros) para cada edifício múltiplo que contenha 2 ou mais unidades de

habitação, localizado na British Columbia, por cada seguro de garantia de habitação.

5.6.3.3. CONDIÇÕES DE AQUISIÇÃO DE GARANTIAS DE TERCEIRA PARTE

Para que possam ser providenciadas as garantias de seguro para a cobertura de danos na

construção é realizado um inquérito, com taxas suportadas pelo construtor, por parte da

terceira parte que fornece as garantias, no qual o construtor é questionado sobre os recursos

financeiros para se encarregar do número de construções propostos para os 12 meses

seguintes, as especializações técnicas dos trabalhadores para as funções que vão

desempenhar, a experiência em obras semelhantes e as boas práticas no passado do

candidato e seus trabalhadores.

As questões colocadas acima não se limitam ao inquérito realizado, sendo também imposições

colocadas ao construtor para que lhe seja atribuída a garantia. São ainda condições para a

atribuição de garantia a descrição sobre o empreiteiro geral e sua licença, a exigência de uma

entidade fiscalizadora, de certificação por uma terceira parte e de inspecções periódicas ao

local.

A entidade que providencia a garantia poderá, no caso de pagar ou assumir a responsabilidade

por qualquer pagamento ou reparação cobertos pelo seguro de garantia da habitação, ter o

direito de cobertura que tem o proprietário contra a pessoa ou pessoas causadoras do

pagamento ou reparação. Para além do referido, a entidade garantidora poderá, às suas custas

meter uma acção em nome do proprietário para fazer valer os seus direitos.

Na lei da província de British Columbia, define-se ainda que o proprietário deve permitir à

entidade garantidora ou ao construtor a entrada na propriedade, desde que seja avisado

previamente, para trabalhos de inspecção, investigação ou reparação, tendo também que

facultar toda a documentação ou informação que possa ser útil para a investigação e reparação

dos danos.

5.6.3.4. PRINCIPAIS EXCLUSÕES, DOCUMENTAÇÃO REQUERIDA E AVISO DE

RECLAMAÇÃO

Como principais exclusões deste tipo de garantias poderão ser enunciados: as vedações e

pátios desanexados, as estruturas não residenciais desanexadas (como por exemplo

garagens), as áreas comerciais, as estradas e as operações de serviços municipais (como por

exemplo as operações sanitárias).

Para além das exclusões acima enumeradas, existem outras relativas aos defeitos que não são

suportados por este tipo de garantias. Desses podem ser destacados os causados por

intempéries ou causas naturais, as perdas ou danos num edifício que esteja a ser usado para

fins não residenciais, as contracções dos materiais derivadas da secagem depois da

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

91

construção, os materiais, trabalhos e projecto fornecidos pelo proprietário e a negligência, má

manutenção, uso inapropriado e alterações realizadas por alguém que não seja o construtor

titular das garantias ou os seus trabalhadores.

Relativamente à documentação do seguro de garantia de terceiros, a entidade seguradora não

deve incluir no seguro nenhuma disposição que requeira ao proprietário o pagamento de uma

quantia referente à reparação de algum defeito coberto pela garantia. Por outro lado, todas as

exclusões permitidas por este regulamento devem estar descritas no seguro de garantia, sendo

que a entidade seguradora não pode utilizar um novo documento sem que o torne público 60

dias antes, devendo submete-lo ao HPO.

No regulamento aqui analisado vem definido que “o segurador deve, o mais cedo possível,

depois das garantias entrarem em vigor, informar de todas as datas de expiração das

garantias”, tendo o proprietário “num tempo razoável, após a descoberta do defeitos, que avisar

por escrito a entidade garantidora e o construtor sobre o defeito com o maior detalhe possível”.

5.6.3.5. PRINCIPAIS CONDIÇÕES DAS GARANTIAS OBRIGATÓRIAS E PERÍODOS

MÍNIMOS DE COBERTURA

Nos casos em que o proprietário e a entidade que garante o seguro de garantia entrarem em

conflito, é conferida pela lei de British Columbia a possibilidade do primeiro solicitar um

mediador para que se possa chegar a um acordo. Depois do proprietário fazer a referida

solicitação, tem 21 dias para que se chegue a um acordo sobre o mediador e outros 21 dias até

que seja realizada a primeira sessão de mediação.

O Lei de Protecção do Proprietário e Lei do Seguro (Homeowner Protection Act and Insurance

Act) decreta ainda que quando existir uma transmissão da propriedade com garantia de seguro

todos os benefícios cobertos são automaticamente transferidos para o novo proprietário.

No que toca ao tratamento das reclamações o documento em análise implementa que a

entidade garantidora deve, na altura do aviso de reclamação, tentar contactar o proprietário

para fazer a avaliação da reclamação. A referida entidade deve providenciar ao proprietário

uma história das reclamações composta por:

Tipo da reclamação feita;

Forma de resolução;

Tipo de reparação estruturada;

Data da reparação;

Custo da reparação.

Tal com foi referido em § 5.6.3.1, em British Columbia, tal como na maioria das províncias

canadianas, as coberturas das garantias têm durações de 2, 5 e 10 anos.

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SISTEMAS DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS EM ALGUNS PAÍSES – CAPÍTULO 5

92

Para a primeira cobertura (2 anos) são suportados danos provenientes dos materiais e dos

trabalhos executados, podendo subdividir-se essa cobertura em 3 categorias diferentes:

12 meses para outros trabalhos que não em propriedade e instalações comuns;

15 meses para propriedades e instalações comuns, para materiais, trabalhos e

violações dos códigos de construção;

24 meses para defeitos em materiais e trabalhos eléctricos, de aquecimento,

ventilação, ar condicionado, sistemas de distribuição, portas, janelas, revestimentos

exteriores e violações dos códigos de construção.

A cobertura de 5 anos está relacionada com a evolvente do edifício, tendo especial atenção

para os problemas relacionados com as infiltrações de água, enquanto que a cobertura de 10

anos cobre defeitos estruturais na construção.

Após qualquer alteração (reparação ou substituição) feita no âmbito do seguro de garantia

acima descrito, deve existir uma nova garantia que suporte danos nos trabalhos realizados com

uma cobertura com a duração mais longa entre o 1º ano a contar da data de conclusão da

reparação ou substituição, a expiração da cobertura do seguro de garantia.

As reparações e substituições devem ser feitas com materiais e trabalho de acordo com os

códigos de construção e os standards da indústria.

5.6.4. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SISTEMA CANADIANO

Apesar do Canadá estar dividido em províncias, à semelhança do que acontece com os EUA,

as práticas implementadas para a cobertura de danos na construção não diferem de uma forma

tão significativa como no caso analisado no subcapítulo anterior relativo aos EUA.

Ao contrário da análise dos sistemas norte-americanos, ao longo dos subcapítulos anteriores

foi feita uma análise do sistema de uma província: British Columbia

À semelhança dos EUA e do RU, a lei comum é a mais utilizada neste país, existindo ainda

outro conceito que muito se assemelha ao caso dos EUA: garantia de terceira parte.

No sistema existente na província de British Columbia, o modelo seguido para as garantias

obrigatórias contempla durações de 2, 5 e 10 anos, o que se assemelha às garantias

existentes para as obras públicas em Portugal, embora neste último caso não exista uma

entidade que assegure a indemnização dos proprietários ou a reparação dos danos.

Por fim, destaca-se a possibilidade de se poder solicitar um mediador de conflitos, num curto

espaço de tempo, o que facilita a rápida resolução dos problemas, salvaguardando o interesse

dos proprietários.

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93

6. PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E

SEGUROS PARA A COBERTURA DE DANOS NA CONSTRUÇÃO

6.1. GENERALIDADES

Ao longo deste trabalho, foi analisada a legislação vigente em Portugal e noutros cinco países

relativamente a responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na

construção. Constatou-se que a realidade portuguesa carece da implementação de algumas

medidas para que se possa aproximar dos restantes países estudados.

Com a proposta que se apresenta ao longo deste capítulo analisam-se possíveis práticas que

podem ser discutidas e posteriormente implementadas para que a referida aproximação

aconteça. Para tal, é tida em consideração a realidade nacional, nomeadamente as práticas

que recentemente foram regulamentadas pelo CCP (ver §3.4.2 e §3.5.4), bem como a

realidade desses países (ver §5), no que respeita às matérias que ainda não foram

regulamentadas em Portugal (como por exemplo o seguro obrigatório de reparação de danos

em edifícios).

Como se referiu anteriormente, no nosso país, por vezes, a compra de uma habitação provoca

problemas que o novo proprietário não espera. Existem numerosas casas, recentemente

construídas, que apresentam patologias. Para além do incómodo que este facto acarreta, na

maioria das situações, os problemas inerentes à reparação dos danos por parte dos

responsáveis (promotores e/ou construtores) apenas são solucionados em tribunal, o que, por

norma, está associado a um longo período de espera. Com as práticas que se apresentam, nos

próximos subcapítulos, procura solucionar-se este problema, nomeadamente, através da

implementação de garantias e seguros que suportem os custos de reparação imediatamente

após a ocorrência de um sinistro.

Outro dos aspectos que se analisou ao longo deste trabalho foi a elevada percentagem de

erros de concepção/projecto (ver Tabela 2.2), face aos outros tipos de erros (construção e

defeitos dos materiais). Este facto alerta para a importância de um regime de

responsabilidades, com especial atenção para o trabalho dos projectistas, bem como para a

necessidade de alargar o prazo de garantia para defeitos estruturais nas obras particulares.

Em Portugal, não existe um enquadramento legal adequado relativamente a responsabilidades,

garantias e seguros para a cobertura de danos na construção. Ao analisar a realidade nacional,

verifica-se que existem temas que não são contemplados pela legislação, enquanto que outros,

apesar de existirem, não são específicos e suscitam dúvidas, dificultando a interpretação da

legislação vigente. A criação do referido enquadramento legal poderia contribuir para o

aumento da qualidade da construção em Portugal, embora, para que tal aconteça seja

fundamental ouvir todas as partes envolvidas neste processo, para que se evite cometer erros

que se verificaram no passado.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

94

Um dos exemplos da ausência de um enquadramento legal adequado verifica-se no regime de

responsabilidades vigente em Portugal. O empreiteiro e o dono de obra são os únicos a ser

responsabilizados pelos danos na construção. Com a entrada da Lei 31/2009 foi estabelecida a

qualificação e os deveres exigíveis aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de

projectos, pela fiscalização e pela direcção de obra, contudo ainda não se conhecem os efeitos

práticos dessa reforma legislativa. É fundamental, a definição de um limite de onde começa e

acaba a responsabilidade de cada interveniente no processo construtivo, para que não tenha

que se recorrer aos tribunais, como forma de saber quem é o responsável por um dado dano.

No que respeita a garantias para a cobertura de danos na construção, também poderiam ser

tomadas medidas com vista a alterar a legislação vigente em Portugal. No que concerne às

obras públicas, foi, recentemente, implementado um novo regime de garantias de 2, 5 e 10

anos, pelo CCP. Antagonicamente, as obras particulares continuam a ser reguladas pelo artigo

1225º do CCivil, que contempla uma garantia única de 5 anos, independentemente do tipo de

defeito. Tal como se verificou ao longo do estudo da realidade dos outros países analisados –

França, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos da América e Canadá – as práticas vigentes

no nosso país para as obras particulares, estão desactualizadas e não respondem às reais

necessidades.

Relativamente a seguros para a cobertura de danos na construção, não existe qualquer

disposição legal que contemple a sua obrigatoriedade. No passado, com a entrada em vigor do

DL11/92 e DL32/92 foram implementados seguros obrigatórios de projecto e de construção,

situação que se alterou 2 anos mais tarde, quando os referidos DL foram revogados. Este facto

deveu-se à falta de uma consulta prévia das seguradoras, uma vez que se implementou a

obrigatoriedade de contratar seguros que à data não eram comercializados. Nas medidas que

se apresentam nos subcapítulos que se seguem, esta situação é tida em consideração, para

que não se volte a cometer o erro que se verificou há 17 anos atrás. Assim, analisam-se as

coberturas e as exclusões dos seguros que actualmente são comercializados, em Portugal,

para ver se coincidem com os defeitos contemplados nas garantias obrigatórias.

Conforme foi referido, na proposta que se apresenta, são analisadas as coberturas dos

seguros que são comercializados em Portugal, para verificar se estas coincidem com as das

garantias obrigatórias. No caso de não coincidirem, devem ser analisadas as coberturas que

não são contempladas e verificar a viabilidade de criar seguros que as contemplem. Para tal,

analisam-se três possibilidades de contratação de seguros de adesão voluntária ou obrigatória:

seguro de caução; seguro decenal, seguro contra todos os riscos na construção (CAR) e

seguros de responsabilidade civil profissional para os intervenientes (SRCP); e seguro único.

É de salientar a importância que a análise de realidades distintas da portuguesa teve na

elaboração da proposta que se apresenta em seguida. As práticas estudadas, permitiram uma

maior percepção das falhas existentes em Portugal, tendo também ajudado na apresentação

das medidas que se apresentam nesta proposta.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

95

Outro aspecto que se deve salientar prende-se com a possibilidade de criação de um sistema

de recolha de dados dos sinistros declarados às seguradoras portuguesas, semelhante ao

sistema “Sycodés”, existente em França. Um sistema com essas características poderia

contribuir para a implementação de medidas com vista à criação do sistema de

responsabilidades, garantais e seguros, bem como fornecer uma base estatística anual com

vista à melhoria contínua do referido sistema.

Para além do sistema de responsabilidades, garantias e seguros e do sistema de recolha de

dados dos sinistros declarados às seguradoras, também poderia ser discutida a criação de um

Código onde constem os requisitos básicos da construção, à semelhança dos Códigos

baseados no desempenho que têm sido implementados em diversos países.

Uma vez que para a contratação de alguns seguros, como por exemplo o seguro decenal, as

Companhias de Seguro exigem a contratação de Organismos de Controlo Técnico, que

acompanham a obra nas fases de projecto e execução, elaborando relatórios que são

fornecidos às seguradoras, poderia ser contemplado um programa de acção para a formação e

qualificação dos referidos Organismos.

É de salientar que, para que as medidas aqui propostas possam ser estudadas, discutidas e,

posteriormente, implementadas poderia ser criado um organismo responsável, composto por

representantes dos diversos intervenientes no processo construtivo, quer na fase de

concepção/projecto, quer na fase de execução, bem como por representantes das várias

partes interessadas (promotores, seguradoras, Organismos de Controlo Técnico e entidades

legisladoras, entre outras).

As funções deste organismo poderiam passar por elaborar um documento único, com as

diversas medidas que se propõem ao longo deste capítulo. Este documento, complementaria o

CCP, no que respeita às obras públicas e serviria de base às obras particulares, uma vez que

se abordam questões inovadoras neste sector, relativamente a garantias e seguros.

Na proposta de criação deste sistema é tido em conta que, as medidas a tomar não terminam

com a aprovação do documento. Seria conveniente que este fosse regularmente actualizado

para garantir a resposta à constante evolução existente no sector da construção em Portugal.

Para além das possíveis práticas que se propõem ao longo deste capítulo também é realizado

um cronograma que contempla as durações das diversas etapas que se apresentam, bem

como a entrada em vigor das medidas apresentadas. Assim, considera-se que a criação da

Comissão Técnica Especializada e a elaboração, apreciação e alterações/aprovação do

documento poderiam ocorrer nos Anos 1, 2 e 3, conforme se apresenta na Figura 6.1.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

96

Ano 1 Ano 2 Ano 3

Criação de um organismo responsável

Elaboração do documento

Apreciação do documento

Alterações e aprovação do documento

Figura 6.1 – Cronograma da criação do organismo e elaboração, apreciação e alterações/aprovação do

documento.

Assim, ao longo deste capítulo será abordada a criação do organismo responsável pela

elaboração do documento (ver §6.2) e de um sistema de recolha de dados dos sinistros

declarados às seguradoras em Portugal (ver §6.3). Também se apresenta a proposta de

algumas medidas para o regime de responsabilidades para os diversos intervenientes do

processo construtivo (ver §6.4). Propõe-se a criação de um sistema de garantias para as obras

particulares (ver §6.5.1) e de algumas medidas para o sistema de garantias para as obras

públicas (ver §6.5.2). Em seguida, propõe-se a criação de um sistema de seguros para as

obras públicas e particulares, analisando-se a possibilidade de implementar um seguro de

caução, um seguro único para a construção ou seguros de reparação de danos associados a

seguros de responsabilidade civil profissional para cada interveniente no processo construtivo

(ver §6.6). Também se apresenta a proposta de criação de um “Código Técnico da Construção”

(ver §6.7). Por fim, apresenta-se uma proposta de formação e qualificação dos controladores

técnicos (ver §6.8).

Após a análise das medidas que poderiam contribuir para a discussão desta temática em

Portugal, é apresentada uma síntese (ver §6.9.1) e um cronograma com as durações de cada

uma das medidas apresentadas (ver §6.9.2).

6.2. COMISSÃO TÉCNICA ESPECIALIZADA

Para que se possa elaborar o documento com as diversas medidas que visam a criação de um

sistema de responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção, é

fundamental existir uma entidade responsável pela sua elaboração. Essa entidade, poderia ser

composta por representantes dos diversos intervenientes no processo construtivo, quer na fase

de concepção/projecto, quer na fase de execução, bem como por promotores, representantes

das seguradoras, autarquias, entidades legisladoras e Organismos de Controlo Técnico, entre

outros.

Como foi referido ao longo deste trabalho, a principal falha que se verificou, no passado, na

implementação de um regime de seguros obrigatórios, foi a falta de diálogo entre a entidade

legisladora e as seguradoras, o que levou a que se implementasse uma lei que na prática não

era possível de concretizar. Com uma entidade que engloba os diversos sectores envolvidos

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

97

neste tema, como a que se propõe, seria evitado o erro que se cometeu no passado (AECOPS,

2006).

Existem diversos organismos que poderiam elaborar o referido documento, tais como o

Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), o Instituto da Construção e do Imobiliário,

I.P. (InCI), a Ordem dos Engenheiros (OE), entre outros.

Na proposta que se apresenta analisa-se a possibilidade do referido organismo ser o InCI, uma

vez que este é um instituto público que tem como missão a regulamentação e fiscalização do

sector da construção e do imobiliário, sendo uma das suas funções a elaboração e proposta,

ao Governo, de projectos legislativos e regulamentares, assim como de regulamentação

técnica, relativos ao sector da construção e do imobiliário.

Assim, poderia ser criada uma Comissão Técnica Especializada, à semelhança das já

existentes no InCI: Comissão de Classificação de Empresas de Construção (CCEC) e

Comissão de Índices e Fórmulas de Empreitadas (CIFE). É de salientar que, destas Comissões

fazem parte algumas das entidades que são essenciais à nova Comissão que se propõe (InCI,

2009):

Representantes dos serviços das administrações central e regional, incluindo

organismos autónomos, aos quais sejam atribuídas funções no âmbito das obras

públicas e particulares;

Representantes das autarquias;

Representantes de institutos públicos ou serviços públicos, que sejam adjudicantes de

obras públicas;

Para além das entidades que acima se enumeram, existem outras que poderiam estar

representadas na Comissão Técnica Especializada que se propõe neste subcapítulo, tais

como:

Instituto Nacional de Estatística (INE) – produz e divulga informação estatística oficial e

poderia ter realizar o tratamento de dados necessário ao sistema de recolha de dados

dos sinistros declarados às seguradoras;

Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) – exerce actividade em múltiplos

domínios da Engenharia Civil e poderia dar um forte contributo a nível de investigação

científica nas matérias analisadas pela Comissão;

Direcção-Geral do Consumidor (DGC) – instituição que defende os direitos dos

consumidores e poderia defender os interesses destes na Comissão;

Instituto de Seguros de Portugal (ISP) – autoridade de supervisão dos seguros, poderia

ter influência na implementação de seguros obrigatórios, bem como no tratamento dos

dados dos sinistros declarados às seguradoras;

Associação Portuguesa de Seguradores (APS) – reúne representantes de companhias

de seguros e resseguros;

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

98

Organismos de Controlo Técnico (OCT) – tem como função garantir a qualidade da

obra e informar as companhias seguradoras sobre os riscos presentes na cobertura do

seguro decenal;

Resseguradoras – as seguradoras transferem o risco que assumiram através de um

resseguro para uma seguradora. Sendo a construção um sector com um elevado risco

associado à actividade, a sua presença é fundamental na Comissão;

Ordem dos Engenheiros (OE) – actualmente fornece seguros de responsabilidade civil

profissional aos seus membros;

Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores (APPC) – representa o sector de

estudos e projectos de Engenharia e Arquitectura;

Associação Nacional de Empreiteiros de Obras Públicas (ANEOP) – associação

composta por diversas empresas de construção de obras públicas;

Associação dos Industriais de Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN) –

representa cerca de 8000 empresas do sector de construção civil e obras públicas;

Associação das Empresas de Construção e Obras Públicas (AECOPS) – Realiza,

frequentemente, publicações relacionadas com garantias e seguros para a cobertura

de danos na construção;

Federação Portuguesa da Indústria da Construção e Obras Públicas (FEPICOP) –

Constituída pela AECOPS, AICCOPN e ANEOP;

Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção;

Universidades.

É de salientar que algumas das entidades que se enumeraram já têm representantes no

Conselho Consultivo do InCI, I.P., embora aquilo que se pretenda é que estes façam parte da

Comissão Técnica Especializada que se propõe, para a elaboração do documento que

contempla um sistema de responsabilidades, garantias e seguros na construção em Portugal

(InCI, 2009).

A Comissão Técnica Especializada que se propõe, permite a elaboração de um documento em

que seja tida em consideração a opinião das diversas partes que poderiam vir a ser afectadas

pelas medidas que nos próximos subcapítulos se apresentam, o que poderia facilitar o sucesso

das referidas medidas.

Para o cronograma final do sistema de responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura

de danos que se apresenta no final do presente capítulo, considera-se que a criação da

Comissão Técnica Especializada deveria ser feita até ao final do primeiro trimestre do Ano 1.

6.3. SISTEMA DE RECOLHA DE DADOS DOS SINISTROS DECLARADOS ÀS

SEGURADORAS

A criação de um sistema de recolha de dados dos sinistros declarados às seguradoras

portuguesas poderia contribuir para a implementação e consolidação do regime de

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

99

responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção que se

propõe implantar em Portugal, uma vez que possibilita a identificação dos principais problemas,

bem como a melhoria contínua através da identificação das principais falhas das novas

construções.

A referida melhoria contínua poderia verificar-se não só através da adaptação da legislação,

tendo em vista a redução dos defeitos, como também na forma de actuar das seguradoras, que

têm numa boa base estatística um dos pilares da sua actividade.

O sistema de recolha de dados a implementar em Portugal poderia ter por base os moldes do

sistema “Sycodés”, existente em França (ver §2.5), que consiste num sistema de recolha de

algumas características dos sinistros declarados às seguradoras daquele país.

O sistema que se propõe para Portugal poderia ter por base as seguintes considerações:

As seguradoras poderiam fornecer, anualmente, os dados dos sinistros declarados a

uma entidade, que poderá ser o Instituto de Seguros de Portugal (uma vez que

actualmente já efectua o tratamento estatístico dos dados de alguns seguros) ou outra

entidade, como por exemplo o Instituto Nacional de Estatística, para que se possa

reunir a informação de todas as seguradoras relativamente a este tipo de sinistros;

Seguidamente, a informação adquirida poderia ser fornecida à Comissão Técnica

Especializada responsável pela criação do sistema de responsabilidades, garantias e

seguros para a cobertura de danos na construção, para que este a possa analisar,

extraindo daí as principais conclusões tendo em vista a criação e melhoria contínua do

referido sistema;

Os dados que poderiam ser contemplados na informação a disponibilizar pela

seguradora são (“Sycodés”, 2006; “Sycodés”, 2008 e ASEFA, 2009): local do sinistro,

tipo de construção, tipo de defeito, elemento construtivo afectado, patologia, custo de

reparação do defeito, qual o interveniente no processo construtivo responsável pelo

defeito e o período temporal desde a data de conclusão da obra até ao aparecimento

do defeito (Tabela 6.1).

Tabela 6.1 – Dados contemplados na informação fornecida à Comissão (“Sycodés”, 2006; “Sycodés”, 2008 e ASEFA, 2009).

Local

Tipo de Construção

Tipo de defeito

Elemento construtivo

Patologia Custo de reparação

Interveniente responsável

Período temporal

Sinistro 1

Sinistro 2

Relativamente ao cronograma que se apresenta na Figura 6.2 e em §6.9.2, é de salientar que a

primeira recolha e análise de dados poderia ser realizada no 1ºTrimestre do Ano 1, para que as

conclusões retiradas deste estudo possam ser tidas em consideração para o documento que

se pretende elaborar. Para além da recolha e análise de dados que se referiu, poderiam ser

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

100

realizadas outras no 1ºTrimestre de cada ano, com o objectivo de identificar problemas que

necessitem de ser resolvidos através da implementação de novas medidas no sistema de

responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção.

TAREFAS\ANO

Ano 1 Ano 2 …

1ºT 2ºT 3ºT 4ºT 1ºT 2ºT 3ºT 4ºT 1ºT 2ºT 3ºT 4ºT

Primeira recolha e análise dos dados

Segunda recolha de dados

Figura 6.2 – Cronograma de um sistema de recolha de dados dos sinistros declarados às seguradoras

portuguesas.

Tal como se referiu, a reunião e tratamento de dados poderia ser efectuada pelo Instituto de

Seguros de Portugal (ISP), pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) ou por outra entidade.

Os dois organismos aqui destacados produzem e divulgam informação estatística, embora o

primeiro apenas o faça relativamente a seguros nas diversas áreas. Uma vez que, tal como se

verá em §6.6.3.3, também poderia ser realizada uma base de dados com a informação relativa

ao historial dos intervenientes no processo construtivo, destes organismos, aquele que seria

mais adequado para a reunião e tratamento de dados dos sinistros declarados às seguradoras

é o ISP.

Ao longo deste subcapítulo refere-se que um sistema de recolha de dados possibilitaria a

criação e melhoria do sistema de responsabilidades, garantias e seguros, bem como poderia

melhorar a forma de actuar das seguradoras. A título de exemplo referem-se situações em que

tal se pode verificar:

Com os dados que se analisariam no 1ºTrimestre, verificar-se-ia a realidade actual, no

que respeita a sinistros e às práticas de seguro existentes. Este facto serviria de base

para a criação das medidas que seriam implementadas pela Comissão Técnica

Especializada;

No 1ºTrimestre de todos os anos após o Ano 1, os dados recolhidos poderiam ser

utilizados como forma de avaliação do sistema que se propõe implementar. Para além

da avaliação, os referidos dados permitiriam verificar quais as práticas implementadas

que necessitam de alteração, bem como a possibilidade de implementar novas

práticas;

A informação recolhida poderia ser muito útil às seguradoras, uma vez que

possibilitaria a análise dos seguros comercializados. Este facto poderia levar a novas

adaptações nos seguros, no que respeita ao cálculo de prémio e franquias, bem como

na definição de coberturas e exclusões.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

101

6.4. RESPONSABILIDADES DOS INTERVENIENTES NO PROCESSO CONSTRUTIVO

Um dos principais problemas apontados ao longo deste trabalho relativamente a

responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção em Portugal é

a ausência de um enquadramento legal adequado, que responsabilize todos os intervenientes

no processo construtivo pelos danos causados, evitando-se assim recorrer aos tribunais para a

resolução dos conflitos, à semelhança do que acontece frequentemente.

Recentemente, entrou em vigor a Lei 31/2009 que estabeleceu a qualificação e os deveres

exigidos aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de projectos, pela

fiscalização de obra e pela direcção de obra, embora ainda não se conheçam os efeitos

práticos desta reforma legislativa. Os intervenientes contemplados na referida Lei são:

Autores do projecto;

Coordenadores do projecto;

Directores de obra;

Directores de fiscalização de obra.

Com a Lei 31/2009, definiu-se um limite de onde começa e acaba a responsabilidade de cada

interveniente no processo construtivo, sendo agora necessário que as medidas nela

implementadas tenham efeito prático. Para além do referido anteriormente, a responsabilidades

dos intervenientes contemplados nesta Lei, bem como a restante legislação sobre esta matéria,

poderia constar no documento que se propõe elaborar. A existência de um documento único

com a legislação vigente em Portugal sobre responsabilidades, garantias e seguros, poderia

solucionar o problema da dispersão da informação que se identificou ao longo desta

dissertação.

Na legislação nacional, apenas: “ o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono

de obra ou a terceiro adquirente” (artigo 1225º do CCivil) ou “o empreiteiro está obrigado a

corrigir todos os defeitos da obra” (artigo 397º do CCP). Num sistema que se pretende eficaz,

no que respeita a responsabilidade dos intervenientes, é desejável que a responsabilidade seja

extensível a todos os intervenientes na medida das suas competências, pelo que se propõe a

utilização da expressão “Construtor”, à semelhança do que acontece em alguns países

analisados ao longo deste trabalho. Em síntese do que se analisou ao longo deste trabalho

descrevem-se as definições adoptadas nos países analisados:

França (Lei Spinetta, 1978):

Construtor (Constructeur) – Todos os projectistas, empreiteiros, técnicos ou outra pessoa

ligada ao DO por um contrato a esta relativo. Toda a pessoa que vende, após acabamento, o

que ela construiu ou fez construir. Toda a pessoa que, embora agindo na qualidade de

mandatário do proprietário da obra, cumpre uma missão semelhante à de um adjudicatário da

obra.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

102

Espanha (LOE, 1999):

Construtor (Constructor) – É o agente que assume, contratualmente com o promotor, o

compromisso de executar com meios humanos e materiais, próprios ou outros, as obras ou

parte das mesmas sujeitas ao projecto e ao contrato.

Reino Unido e Estados Unidos da América (Lavers, 1996):

Produtor (Producer) – Um termo conglomerado que engloba projectistas, consultores,

empreiteiros, subempreiteiros e, em determinadas circunstâncias, autoridades reguladoras,

mas que não inclui fabricantes e fornecedores de materiais e componentes.

Construtor (Contractor) – É tecnicamente competente apenas pela execução de trabalhos em

conformidade com as plantas, desenhos e descrições realizadas pelo projectista.

Tendo em conta a realidade nacional e a dos países estudados, no documento que se

pretende criar poderia ser utilizada a expressão “Construtor17

” entendendo-se como tal

qualquer interveniente no processo construtivo ligado ao dono de obra por um contrato tendo

em vista a concepção ou a execução da obra (empreiteiros, fiscalização, projectistas,

coordenadores de segurança e saúde, técnicos de qualidade, entre outros). É de salientar que

a definição que actualmente existe de construtor difere da que se apresenta acima, na

definição actual existente em Portugal, construtor é “o empresário da construção civil

proprietário de, ou responsável por, uma empresa que executa obras e edificações, elabora

orçamentos e planifica os trabalhos a desenvolver”.

Existem ainda, duas outras entidades, que não estão englobadas na definição de “Construtor”,

embora não devam ser ilibadas de responsabilidades no caso de ocorrência de um sinistro: os

subempreiteiros e os fornecedores. A responsabilização destes dois intervenientes poderia

estar prevista por lei de uma forma específica, sendo desejável que também fosse incluída no

documento que se propõe para que a legislação não esteja dispersa, à semelhança do que

acontece actualmente.

As medidas que se propõem ao longo deste subcapítulo poderão contribuir para o sistema de

responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção. Como

principais vantagens que estas medidas poderão trazer podem enumerar-se:

Aumento das responsabilidades de todos os intervenientes no processo construtivo

pelos erros derivados das suas funções;

As responsabilidades pelos erros na construção seriam repartidas pelos diversos

intervenientes, deixando de recair, unicamente, sobre empreiteiros e donos de obra;

17

A definição de “Construtor” que se apresenta na presente dissertação é adoptada numa publicação (Lavers, 1996),

que propõe um modelo global de um sistema de responsabilidades, garantias e seguros para a pós-construção.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

103

Reunião de legislação que actualmente se encontra dispersa e criação de legislação

específica que ainda não foi implementada no que respeita à responsabilidade dos

intervenientes no processo construtivo;

Com as medidas propostas, nomeadamente no que se refere ao aumento da

responsabilidade dos diversos intervenientes, passaria a existir um maior cuidado

destes no seu trabalho, o que levaria à redução dos erros e, consequentemente, ao

aumento da qualidade na construção.

Relativamente ao cronograma que se apresenta em §6.9.2, considerou-se que a entrada em

vigor das medidas que se apresentam ao longo do corrente subcapítulo poderiam ocorrer após

a elaboração, apreciação e alteração/aprovação do documento que se propõe nesta

dissertação.

6.5. SISTEMA DE GARANTIAS

6.5.1. SISTEMA DE GARANTIAS PARA AS OBRAS PÚBLICAS

Para qualquer obra de construção nova, manutenção ou reabilitação é fundamental que

existam garantias para a cobertura de danos que possam ocorrer nos primeiros anos após a

construção. Com as referidas garantias, os construtores são responsáveis pelos defeitos que

se venham a verificar, ficando salvaguardado o interesse do dono de obra, bem como dos

consumidores.

Com as alterações produzidas pelo CCP, foi introduzido um novo regime de garantias em

Portugal, que contempla durações de 2, 5 e 10 anos, deixando de existir uma garantia única,

de 5 anos, que até à data vigorava para todo o tipo de obras, ficando, actualmente, apenas a

contemplar as obras particulares.

Assim, tal como foi referido em §3.4.2, no que toca a garantias obrigatórias para as obras

públicas o CCP definiu:

“10 anos para defeitos nos elementos construtivos estruturais;

5 anos para defeitos em elementos construtivos não estruturais e instalações técnicas;

2 anos para defeitos em equipamentos autonomizáveis.”

A mudança que se verificou recentemente no nosso país vem acompanhar aquilo que se tem

vindo a verificar em diversos países, não só da União Europeia (UE), mas também do resto do

mundo. A implementação de garantias com diferentes durações consoante o tipo de defeito é

uma medida que vem aumentar a protecção das novas construções. O alargamento do prazo

de garantia possibilita a reparação de danos derivados de erros de projecto, que, por norma,

não se manifestam nos primeiros anos do ciclo de vida de uma construção. Para além desse

facto, as diferentes durações permitem definir, de uma forma mais clara, as responsabilidades

dos construtores e consumidores, uma vez que, para equipamentos autonomizáveis, por

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

104

exemplo, um prazo de garantia de 5 anos, tal como existia anteriormente, poderia levar o

empreiteiro a responder por defeitos pelos quais não deveria ser responsabilizado.

À semelhança do que se referiu em §6.4, uma das medidas que poderia ser discutida no

sentido de contribuir para o aumento da responsabilização dos intervenientes no processo

construtivo é a introdução de um novo conceito de “Construtor” na legislação nacional. Assim,

passaria a estar o “Construtor” obrigado a corrigir os defeitos durante o prazo de garantia e não

apenas o empreiteiro, como acontece actualmente no artigo 397º do CCP.

Para além das garantias acima propostas considera-se que uma medida que poderia contribuir

positivamente, seguindo o exemplo Canadiano, é a criação de uma garantia adicional para os

trabalhos executados no âmbito das garantias acima descritas (Homeowner Protection Act,

1999). A duração dessa garantia poderia ser a mais longa entre o 1º ano a contar da data de

conclusão dos trabalhos executados no âmbito das garantias e a data de expiração das

garantias. Esta garantia viria assegurar que os trabalhos de reparação, executados no âmbito

das garantias definidas pelo CCP, poderiam ser reparados em caso de defeito. A título de

exemplo refere-se uma reparação de um defeito num elemento construtivo estrutural, realizada

no 10º ano após o auto de recepção provisória da obra. Com a referida garantia adicional que

se propõe, passariam a estar contemplados defeitos que surgissem, no 11º ano, após o auto

de recepção provisória da obra, no elemento construtivo estrutural reparado.

É de salientar que, o CCP contempla cauções associadas às garantias de 2, 5 e 10 anos, que

podem ser prestadas de diversas formas. É fundamental que as referidas formas de prestação

de caução tenham coberturas e durações semelhantes às garantias existentes. Na análise da

possibilidade de implementação de seguros associados às garantias do CCP, este facto é tido

em consideração, para que se evitem os erros cometidos aquando da implementação de

seguros obrigatórios pelos DL 11/92 e DL 32/92, uma vez que na altura estavam a ser exigidos

seguros que, à data não eram comercializados em Portugal.

Como principais vantagens das medidas que se propõe ao longo deste subcapítulo enumeram-

se:

A introdução do termo “Construtores” poderia aumentar a responsabilização dos

diversos intervenientes no processo construtivo pela sua parte do trabalho, deixando

de ser o empreiteiro o único responsável pelos defeitos;

A implementação de uma garantia adicional de um ano poderia assegurar a reparação

dos danos que possam ocorrer nos trabalhos de reparação de danos realizados no

âmbito das garantias de 2, 5 e 10 anos.

É de salientar que, para o cronograma que se apresenta em §6.9.2, poderia ser considerado

que a entrada em vigor das alterações que se propõem ao longo deste capítulo deveria ocorrer

no ano seguinte à aprovação do documento que se propõe nesta dissertação (Figura 6.3).

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

105

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4

Criação de um organismo responsável

Elaboração do documento

Apreciação do documento

Alterações e aprovação do documento

Entrada em vigor das medidas propostas

Figura 6.3 – Cronograma do sistema de garantias para as obras públicas.

6.5.2. SISTEMA DE GARANTIAS PARA EDIFÍCIOS DE HABITAÇÃO

À semelhança do que se referiu no subcapítulo anterior, a existência de um regime eficaz de

garantias para a cobertura de danos em edifícios de habitação é fundamental para

salvaguardar o interesse dos proprietários. As referidas garantias responsabilizam os

empreiteiros por defeitos que o edifício apresente nos primeiros anos dos seus ciclos de vida.

Como se pôde constatar ao longo deste trabalho, a realidade das obras particulares em

Portugal, difere muito daquilo que está legislado para as obras públicas no que toca a garantias

para a cobertura de danos na construção (ver §3.4).

Uma reformulação da legislação vigente para as obras particulares poderia contribuir para que

se garanta um aumento na qualidade da construção e uma maior protecção dos adquirentes do

imóvel.

Actualmente, no que concerne às obras particulares, existe uma garantia de 5 anos ou outra

convencionada, legislada pelo artigo 1225º do CCivil. A referida garantia é única, não estando

relacionada com o tipo de defeito que o edifício apresente. Tal como se referiu anteriormente, a

discussão da criação de um regime de garantias com durações diferentes consoante o tipo de

defeito que o edifício apresente poderia contribuir para uma melhoria significativa em relação à

realidade actual.

Para além deste facto, seria importante que as garantias a implementar fossem idênticas às

das obras públicas, uma vez que tal facilitaria a preparação dos intervenientes no processo

construtivo e das seguradoras para a criação de um sistema de seguros associados às

garantias.

Assim, na proposta que se apresenta neste capítulo, é tido em consideração o regime de

garantias existente para as obras públicas. À semelhança do que foi referido no subcapítulo

anterior, também poderia ser discutida a possibilidade de introduzir na legislação referente às

obras particulares o termo “Construtor”.

Tendo em conta o que foi referido anteriormente, o regime de garantias para as obras

particulares poderia contemplar garantias de (artigo 397º do CCP):

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

106

“10 anos para defeitos nos elementos construtivos estruturais;

5 anos para defeitos em elementos construtivos não estruturais e instalações técnicas;

2 anos para defeitos em equipamentos autonomizáveis.”

Para além das garantias acima propostas considera-se importante seguir o exemplo das obras

públicas, pelo que se propõe uma garantia adicional para os trabalhos executados no âmbito

das garantias acima descritas. A duração dessa garantia deveria ser a mais longa entre o 1º

ano a contar da data de conclusão dos trabalhos executados no âmbito das garantias e a data

de expiração das garantias, sendo as suas características semelhantes às descritas no

subcapítulo anterior (Homeowner Protection Act, 1999).

É de salientar que as alterações propostas dizem respeito a contratos de empreitada. Seria

desejável que o prazo de garantia para contratos de compra e venda de imóveis também fosse

alterado. Este facto deve-se a existirem construções em que para além do trabalho os

empreiteiros fornecem o terreno e os materiais, o que torna o contrato de compra e venda e

não de empreitada, levando à necessidade de alteração das garantias existentes, que

deveriam ser de 2, 5 e 10 anos, à semelhança dos contratos de empreitada.

Como principais vantagens das medidas que se propõe ao longo deste subcapítulo enumeram-

se:

A introdução do termo “Construtor” poderia aumentar a responsabilização dos diversos

intervenientes no processo construtivo pela sua parte do trabalho, deixando de ser o

empreiteiro o único responsável pelos defeitos;

A criação de um regime de garantias de 2, 5 e 10 anos poderia aumentar a qualidade

das novas construções, bem como a protecção dos proprietários e construtores;

A implementação de uma garantia adicional de um ano vem assegurar a reparação dos

danos que possam ocorrer nos trabalhos de reparação de danos realizados no âmbito

das garantias de 2, 5 e 10 anos.

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4

Criação de um organismo responsável

Elaboração do documento

Apreciação do documento

Alterações e aprovação do documento

Entrada em vigor das medidas propostas

Figura 6.4 – Cronograma do sistema de garantias para as obras particulares.

Para o cronograma que se apresenta em §6.9.2, poderia ser considerado que a entrada em

vigor das alterações que se propõem ao longo deste capítulo ocorressem no ano seguinte à

aprovação do documento, à semelhança do que acontece para as obras públicas (Figura 6.4).

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

107

6.6. SISTEMA DE SEGUROS

6.6.1. GENERALIDADES

No seguimento do que tem vindo a ser realizado ao longo da proposta de criação de um

sistema de responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção,

analisa-se a possibilidade de implementar seguros, de adesão voluntária ou obrigatória, para a

fase de construção e de pós-construção.

A implementação de seguros de adesão voluntária ou obrigatória poderia dar um contributo

significativo para a eficácia do sistema que se propõe, uma vez que possibilita a transferência

do elevado risco associado à construção para as seguradoras.

Relembra-se que esta possibilidade já constituiu, no passado, norma jurídica, uma vez que

com a entrada em vigor dos DL 11/92 e 32/92, foi implementada a obrigatoriedade de contratar

um seguro de projecto e um seguro de construção. Contudo, na altura, não foi feita uma

consulta prévia às seguradoras, tendo sido implementados seguros que não eram

comercializados ou comercializáveis (AECOPS, 2006). Como forma de evitar que se volte a

cometer o mesmo erro do passado, considerou-se importante incluir na Comissão Técnica

Especializada o Instituto de Seguros de Portugal, a Associação Portuguesa de Seguradores e

as resseguradoras.

Ao longo dos subcapítulos que se seguem este aspecto é tido em consideração uma vez que

se analisam as principais coberturas que cada seguro oferece, bem como as que deveriam ser

oferecidas para que estivessem salvaguardadas as garantias definidas na legislação nacional.

Para tal, analisam-se três alternativas de práticas de seguro que poderiam ser discutidas pela

Comissão Técnica Especializada tendo em vista a implementação de novas medidas em

Portugal. A primeira vem no seguimento da legislação já existente e contempla a

obrigatoriedade de contratar um seguro de caução (ver §6.6.2). Na segunda alternativa é

analisada a possibilidade de contratar três seguros (ver §6.6.3): seguro contra todos os riscos

na construção (CAR), seguro decenal e seguros de responsabilidade civil profissional (SRCP)

para cada interveniente no processo construtivo. Por fim, analisa-se a possibilidade de

contratar um seguro único, que ainda não é comercializado em Portugal, que tenha coberturas

semelhantes aos seguros da segunda alternativa (ver§6.6.4).

Para que se possa compreender melhor as questões relativas aos custos dos prémios de

seguro a pagar, para cada seguro estudado apresentam-se os custos dos prémios de seguro

para três tipos de obra:

Uma moradia unifamiliar com 2 pisos térreos e uma cave com um custo de construção

de 300.000 euros;

Um sistema elevatório no valor de 4.500.000 euros;

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

108

Um Hospital, sendo a empreitada realizada num local de risco, no valor de 11.000.000

euros.

É de salientar que, os valores que se apresentam nos próximos subcapítulos para as taxas

aplicadas aos prémios dos diversos seguros analisados foram fornecidos por uma seguradora

(ASEFA), podendo variar de seguradora para seguradora. As durações, coberturas, exclusões

e entidade que subscreve os seguros são baseadas em (ASEFA, 2009 e Império Bonança,

2009). Para a realização dos subcapítulos que se seguem foram tidas em consideração

entrevistas com o Gabinete de Seguros da Ordem dos Engenheiros, ASEFA, Império Bonança

– Companhia de Seguros SA e Companhia de Seguros Fidelidade Mundial.

6.6.2. ALTERNATIVA 1: SEGURO DE CAUÇÃO

Ao longo do presente subcapítulo analisa-se a obrigatoriedade de prestação de caução por

parte do empreiteiro, que vem definida no artigo 397º do CCP, sendo estudada a possibilidade

de contratar um seguro de caução.

Para tal, é realizada uma análise às coberturas, duração e prémio do seguro de caução,

fazendo-se uma comparação dessas características com as requeridas na legislação vigente

em Portugal.

No CCP são definidas algumas formas de prestação de caução: depósito em dinheiro, títulos

emitidos ou garantidos pelo Estado, garantia bancária ou através de um seguro-caução. É de

salientar que, devido à crise internacional que se vive na actualidade, registou-se uma

diminuição das garantias bancárias a favor da contratação de seguros de caução.

Outro aspecto a salientar prende-se com o depósito em dinheiro realizado pelo empreiteiro que

leva a que o seu crédito esgote rapidamente na banca. Ao ser paga a caução, o dinheiro

correspondente tem que ficar parado durante o período de tempo definido pelo CCP, ficando o

empreiteiro privado de investir esse dinheiro numa nova construção.

Assim, é fundamental que seja analisada a possibilidade de prestar caução através da

contratação de um seguro. Para que esta possibilidade se enquadre com a legislação vigente

em Portugal deve ser tido em atenção a duração do seguro de caução.

Os seguros de caução que são comercializados actualmente, não estão adaptados ao CCP,

uma vez que contemplam uma duração de 5 anos, equivalente à da garantia definida pelo

revogado DL 59/99 (ASEFA, 2009). Para que se analise a possibilidade de implementar a

obrigatoriedade de contratar um seguro de caução, deveria existir uma preparação prévia das

seguradoras de forma a comercializarem seguros com a duração de 10 anos, correspondente

ao período de garantia para danos estruturais definido no CCP.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

109

Com a hipótese acima referida surge uma questão de qual seria o prémio de seguro a pagar

nessa situação. A título de exemplo referem-se os prémios de seguro a pagar para três tipos de

obra, nas quais a prestação de caução é de 10%, estando vigente durante 5 anos:

Tabela 6.2 – Custo do prémio de seguro de caução (prestação de caução de 10% e duração do seguro de 5 anos).

Obra Valor de construção

(euros) Caução

10% Prémio à taxa de 0,3 por mil

(euros) Prémio à taxa de 1 por mil

(euros)

Moradia

unifamiliar 300.000 30.000 9 30

Sistema elevatório

4.500.000 450.000 135 450

Hospital 11.000.000 1.100.000 330 1.100

Tal como se pode observar na Tabela 6.2, os valores do custo do prémio a pagar são baixos.

Este facto deve-se a dois factores: a taxa aplicada ao prémio neste seguro é baixa (varia entre

0,3 e 1 por mil) e a taxa é aplicada sobre o valor a segurar (valor da caução) que é 10% do

valor de construção.

Outro aspecto a ter em consideração é o modo de funcionamento deste seguro. A subscrição

deste seguro é feita pelo empreiteiro em benefício do dono de obra. Antes de ser emitida a

apólice de seguro, a seguradora exige um comprovativo da “saúde financeira” do empreiteiro,

como forma de reduzir o seu risco. Assim, ao ocorrer um determinado dano na construção, é

exigida ao empreiteiro a sua reparação, apenas entrando em vigor o seguro no caso do

empreiteiro se recusar a assumir os custos. Nesse caso, a seguradora disponibiliza o valor ao

dono de obra, até ao limite da apólice (valor da caução). Em seguida, a seguradora exige ao

empreiteiro a indemnização pelos custos, podendo ser negociada a forma como o empreiteiro

faz o pagamento. O risco corrido pela seguradora é baixo, uma vez que só não lhe é devolvido

o dinheiro no caso de falência do empreiteiro, facto improvável, já que antes da emissão da

apólice tinha sido comprovada a “saúde financeira” do empreiteiro (ASEFA, 2009).

Tal como se pode comprovar, este tipo de seguro é diferente do seguro CAR ou do seguro

decenal, uma vez que não é um seguro para a cobertura de danos. Assim, o risco do

empreiteiro não é transferido para a seguradora. A seguradora apenas disponibiliza um plafond

ao dono de obra no caso do empreiteiro não cumprir com as suas obrigações, exigindo

posteriormente uma indemnização ao empreiteiro.

Na análise da implementação da subscrição obrigatória do seguro de caução deveriam ser

tidas em conta as suas principais vantagens, desvantagens e dificuldades de implementação.

As principais vantagens que o seguro de caução obrigatório traria são:

Este seguro tem um valor baixo de prémio;

Suporta os custos de incumprimento de contrato do empreiteiro no caso deste se

recusar a cumprir com as suas obrigações.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

110

Como principais desvantagens deste tipo de seguro podem enumerar-se:

Não é um seguro de reparação de danos;

Está limitado ao valor da caução;

Não está coberta a responsabilidade dos diversos intervenientes no processo

construtivo;

A sua duração é de 5 anos, valor que não cumpre as obrigações definidas pelo CCP.

Na análise da possibilidade de implementar um seguro de caução obrigatório devem ser tidas

em consideração algumas dificuldades de implementação:

É necessário alterar o período de duração deste seguro para que satisfaça as

imposições do CCP;

Actualmente, as resseguradoras apenas contemplam seguros de caução para 5 anos,

sendo necessária a sua adaptação para 10 anos, para possibilitar a sua

comercialização por parte das seguradoras (ASEFA, 2009).

6.6.3. ALTERNATIVA 2: CAR+SRCP+SEGURO DECENAL

6.6.3.1. GENERALIDADES

Ao longo dos próximos subcapítulos analisa-se uma alternativa que contempla a contratação

de três seguros. O primeiro, seguro CAR, suporta os custos dos dados na construção durante a

fase de execução da obra. O segundo, SRCP, deveria ser contratado pelos intervenientes no

processo construtivo, assegurando a cobertura das suas actividades. Por fim, o seguro

decenal, suporta os danos na construção durante o período de garantia.

Para que a alternativa que aqui se analisa possa ser viável, é fundamental que as coberturas

destes seguros sejam as necessárias para assegurar a reparação dos danos que possam

ocorrer na construção. Aliado a este facto, é fundamental que as seguradoras comercializem

seguros com as coberturas requeridas.

Assim, em seguida analisam-se as principais coberturas que cada um destes seguros deveria

contemplar, bem como os prémios de seguro a pagar para cada um deles. Este último aspecto

que se referiu, é de extrema importância e poderá ser uma condicionante à implementação de

seguros obrigatórios na construção.

6.6.3.2. SEGURO CONTRA TODOS OS RISCOS NA CONSTRUÇÃO (CAR)

Apesar do âmbito desta dissertação ter maior incidência sobre a fase de pós-construção,

poderia ser discutida a possibilidade de associar os seguros existentes para essa fase com

aquele que se pode contratar durante a fase de execução de uma obra. Num sistema de

responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção a cobertura

dos danos ocorridos antes da conclusão da obra deveriam estar contemplados.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

111

O seguro CAR é comercializado para a cobertura de danos durante a construção, não só em

Portugal, mas também na generalidade dos países com práticas de seguro implementadas.

Assim, na alternativa que se apresenta deveria estar contemplada a contratação de um seguro

CAR.

Tal como se referiu em §4.4.2, este seguro cobre todos os riscos na construção à excepção

dos que estão expressamente excluídos, isto é o conjunto dos trabalhos permanentes e

temporários que existem ao longo de uma obra (ASEFA, 2009).

Este seguro, representa uma grande tranquilidade para o dono de obra, bem como para os

restantes intervenientes no processo construtivo. Por norma, este seguro é subscrito pelo dono

de obra ou pelo empreiteiro, embora estejam salvaguardados os interesses dos restantes

intervenientes de uma obra.

Normalmente, a contratação deste seguro está associada a uma cobertura de responsabilidade

civil (CAR+RC), resultando a taxa total do seguro de uma composição entre as duas taxas. A

referida taxa total varia em função da obra a segurar, sendo este, por norma, um seguro mais

barato do que os que se analisam nos subcapítulos seguintes (SRCP e seguro decenal). O

prémio de seguro resulta da aplicação da taxa no valor seguro, que normalmente é o valor da

construção. Para um seguro CAR a taxa varia entre 1 e 5 por mil (Tabela 6.3).

Tabela 6.3 – Custo do prémio do seguro CAR.

Obra Valor de construção (euros) Prémio à taxa de 1 por mil

(euros)

Prémio à taxa de 5 por mil

(euros)

Moradia unifamiliar 300.000 300 1.500

Sistema elevatório 4.500.000 4.500 22.500

Hospital 11.000.000 11.000 55.000

É de salientar que, para a alternativa analisada ao longo desta fase da dissertação

(CAR+SRCP+seguro decenal), o prémio do seguro CAR é inferior aos valores apresentados,

uma vez que, na Tabela 6.3, o prémio tem em consideração uma cobertura adicional por um

período de manutenção de 24 meses, que não seria necessária caso existisse um seguro

decenal associado.

Assim, na proposta que se apresenta contempla-se a contratação de um seguro CAR, sendo

que a determinação da entidade que paga o valor do prémio do seguro deveria ser discutida de

forma aprofundada, tendo em conta diversas considerações e a opinião das diversas partes

interessadas (promotores, seguradoras, empreiteiros, entre outros). A título de exemplo refere-

se a seguinte situação, se por um lado é o empreiteiro que é responsável pelos trabalhos, por

outro, o projecto poderá ser contratado pelo dono de obra. Assim, ao ocorrer um dano derivado

de um erro de projecto, não faria sentido ser o empreiteiro a suportar a totalidade do valor do

prémio de seguro.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

112

É de salientar que, associado ao seguro CAR poderia existir um SRCP, que se analisa no

próximo subcapítulo. Assim, ao ocorrer um sinistro na construção, a seguradora que

comercializou o seguro CAR, suporta no imediato os custos de reparação. Posteriormente,

caso a responsabilidade seja atribuída a um terceiro interveniente no processo construtivo, a

seguradora poderia ser indemnizada pelo responsável, que poderia ter um SRCP para suportar

os custos.

6.6.3.3. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL (SRCP)

A contratação de um Seguro de Responsabilidade Civil Profissional por parte dos diversos

intervenientes no processo construtivo poderia contribuir significativamente, uma vez que

possibilita a transferência do risco associado à sua actividade para uma entidade – a

seguradora – que aceita suportar os custos de reparação dos erros derivados da actividade do

segurado mediante o pagamento de um prémio.

Um dos aspectos que se analisa nesta fase da dissertação é a possibilidade de implementar a

obrigatoriedade de contratação de um SRCP por parte dos diversos intervenientes no processo

construtivo. É de salientar que, para que esta possibilidade se concretize devem ser tidas em

consideração algumas condicionantes que podem dificultar a implementação desta prática, tais

como:

Este tipo de seguro tem um elevado risco associado, em especial no que respeita ao

trabalho dos projectistas, pelo que as seguradoras têm alguma prudência na

comercialização do SRCP;

Uma vez que existe um risco na generalidade mais elevado associado à construção, o

prémio deste tipo de seguro é mais caro do que outros tipos de seguros contratados

no quotidiano dos diversos profissionais;

A obrigatoriedade de contratar o SRCP aumenta os encargos dos diversos

intervenientes no processo construtivo, o que coloca, em alguns casos, a questão de

existirem prémios muito elevados tendo em conta os honorários dos profissionais;

Para que não se cometam os erros do passado, é fundamental que as coberturas

deste seguro sejam as necessárias à sua actividade, pelo que é necessário realizar

uma comparação entre as coberturas do SRCP e as responsabilidades dos

intervenientes na construção;

A criação de seguros com o maior número de coberturas possível vai aumentar, ainda

mais, o prémio de seguro a pagar;

A implementação da obrigatoriedade de contratar um SRCP vai aumentar

consideravelmente o número de seguros comercializados.

Tendo em conta o que foi referido anteriormente, analisam-se em seguida, algumas coberturas

e exclusões do SRCP, fazendo-se a comparação com as coberturas necessárias de segurar,

tendo em conta o CCP. Também se faz uma análise do prémio do SRCP, bem como dos

honorários do projectista, tendo em atenção a duração do seguro.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

113

No que respeita às coberturas do SRCP, é de salientar que este seguro não é de reparação de

danos, estando coberta apenas a actividade do segurado. A título de exemplo, pode referir-se o

caso de um erro de projecto num pilar de uma estrutura, que provoca danos na laje de um

edifício. Com a cobertura base do SRCP, apenas está segurado o erro no pilar, não estando

coberta a reparação dos danos provocados na laje. Com a contratação de coberturas

complementares, poderá ser assegurada a reparação da laje, embora o prémio de seguro suba

consideravelmente (ASEFA, 2009).

Outro aspecto a salientar, uma vez que vem contemplado no CCP, é o pagamento de

indemnizações. No CCP define-se que no caso de erros e omissões que decorram do

incumprimento de obrigações de concepção assumidas por terceiros, a “responsabilidade de

terceiros perante o dono de obra ou o empreiteiro, quando fundada em título contratual, é

limitada ao triplo dos honorários…” (artigo 378º do CCP). O SRCP não assegura os custos das

indemnizações do segurado. A ausência de uma cobertura adicional que contemple o

pagamento de indemnizações representa uma grande preocupação para o segurado devido

aos valores que poderão estar envolvidos. A título de exemplo, apresenta-se a Tabela 6.4,

onde se apresentam os valores de construção, valores estimados dos honorários de projecto e

o valor máximo a pagar em caso de indemnização por parte de um projectista, tendo em conta

o artigo 378º do CCP:

Tabela 6.4 – Indemnização a máxima a pagar pelo projectista segundo o CCP.

Obra Valor de construção

(euros) % de honorários de

projecto18

Honorários

(euros) Indemnização

(euros)

Moradia unifamiliar (Cat. 2) 300.000 6 18.000 54.000

Sistema elevatório (Cat. 3) 4.500.000 5 225.000 675.000

Hospital (Cat. 3) 11.000.000 4 440.000 1.320.000

Relativamente ao prémio de seguro, o SRCP é considerado um seguro muito caro. Um dos

aspectos que leva a que tal aconteça prende-se com o facto deste seguro apenas contemplar a

actividade do profissional, sendo necessário contratar coberturas adicionais para assegurar

outros custos. A esta cobertura é aplicada uma taxa base, à qual são somadas outras taxas

consoante as coberturas que se pretendam contratar. Assim, o prémio é calculado anualmente,

através da multiplicação da facturação anual do profissional pela taxa total. O valor da referida

taxa, para um SRCP, varia entre os 4 e os 22 por mil, ao contrário da taxa do seguro CAR (1 a

5 por mil) que é consideravelmente inferior. É de salientar que, nas coberturas base já é

contemplada a responsabilidade decenal (ASEFA, 2009).

A título de exemplo, e apenas para fazer uma comparação com o prémio de um seguro CAR,

consideram-se três casos, o projectista realiza num ano: uma moradia, uma estação elevatória

ou um hospital (ver Tabela 6.5).

18 Valores estimados.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

114

Tabela 6.5 – Custo do prémio do SRCP.

Obra Valor de construção

(euros) Honorários

(euros) Prémio à taxa de 4 por mil (euros)

Prémio à taxa de 22 por mil (euros)

Moradia unifamiliar (Cat. 2) 300.000 18.000 72 396

Sistema elevatório (Cat. 3) 4.500.000 225.000 900 4.950

Hospital (Cat. 3) 11.000.000 440.000 1.760 9.680

Tal como se pode constatar, o custo do prémio do SRCP é mais baixo do que o do seguro

CAR, contudo deve ser salientado que este seguro cobre a actividade de um profissional,

enquanto que o seguro CAR cobre os danos de toda a obra. Outro aspecto de extrema

importância é o facto de, por norma, devido às coberturas contratadas, ser aplicada uma taxa

muito próxima da máxima (22 por mil).

Tal como foi referido ao longo deste subcapítulo, o SRCP é bastante oneroso, facto acrescido

pelas coberturas adicionais que têm de ser contratadas para que a actividade do segurado

estejam realmente cobertas. Na análise da possibilidade de implementar um SRCP obrigatório

para cada um dos intervenientes no processo construtivo, deve ser tido em consideração que

todos os riscos associados à actividade dos profissionais deveriam estar assegurados. Assim,

a reparação de danos causados por erros na actividade do profissional deveriam estar

cobertos, por outro lado a cobertura do pagamento de indemnizações definidas por lei deveria

poder ser contratada adicionalmente, uma vez que vai agravar consideravelmente o prémio de

seguro.

Assim, na alternativa apresentada neste subcapítulo, poderia ser contemplada a

obrigatoriedade de contratação de um SRCP para todos os “Construtores” e subempreiteiros.

No seguimento da obrigatoriedade de contratação de um SRCP, poderiam ser tomadas

medidas que reduzam o valor do prémio de seguro.

A criação de uma base de dados onde estivessem contempladas informações sobre o

profissional que pretende contratar o seguro e a actividade a segurar, poderia contribuir para a

implementação do SRCP. Assim, poderia ser criada uma base de dados que contemplasse

informações relativas a:

Actividade profissional do segurado;

Obras em que participou até à data (comprovativo de actividade profissional na obra,

tipo de obra, duração, local, custo da obra, valores dos honorários);

Seguros contratados para as obras em que participou (tipo de seguro, coberturas,

exclusões, prémio, franquia, capital segurado);

Sinistros ocorridos nas obras realizadas;

Outros seguros contratados na companhia.

Com a informação reunida na base de dados, poderiam ser tomadas medidas com vista à

redução do prémio. A primeira medida poderia passar pelo aumento da franquia e redução do

prémio a pagar. Em seguida, caso o profissional não apresente sinistros à medida que vai

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

115

realizando obras, poderia diminuir a franquia e o prémio de seguro a pagar. Outra situação que

poderia diminuir o prémio de seguro é a contratação de outros seguros na companhia, o que

diminui o risco assumido pela seguradora face ao negócio total que tem com o cliente.

A informação existente na base de dados a criar poderia ser facultada a outras seguradoras,

para que no caso de o profissional desejar mudar de Companhia Seguradora ter a

possibilidade de usufruir das regalias que tinha decorrentes da ausência de sinistros, ou no

sentido inverso não poder usufruir destas.

É de salientar que, a contratação deste tipo seguro acarreta encargos diferentes consoante os

intervenientes no processo construtivo. Este facto deve-se às diferentes coberturas

necessárias de segurar, bem como às diferentes durações das garantias a que estão sujeitos

os intervenientes. A título de exemplo refere-se o caso de um interveniente responsável pela

instalação de um equipamento autónomo à obra e outro responsável pela elaboração do

projecto de estruturas da construção. Enquanto que, o primeiro apenas tem responsabilidades

durante 2 anos, o segundo tem durante 10, pelo que o seu SRCP será mais oneroso.

6.6.3.4. SEGURO DECENAL

Para além do seguro CAR e do SRCP, é fundamental existir um seguro que suporte os custos

da reparação dos danos na construção durante o período de garantia de 2, 5 e 10 anos. O

seguro decenal tem as características que mais se aproximam das imposições requeridas pela

legislação vigente em Portugal.

Ao longo desta parte do trabalho, analisa-se a possibilidade de contratar um seguro decenal.

Contudo, é de salientar que, a generalidade das seguradoras portuguesas não comercializa

este seguro frequentemente, embora existam situações em que este seguro já é contratado.

Na possibilidade de implementar a obrigatoriedade de contratação deste seguro, seria de

extrema importância contemplar um período de preparação das seguradoras, para que, no

caso de não existir este seguro disponível, terem tempo para se prepararem da melhor forma

para a sua comercialização.

Com a contratação dos seguros CAR, RCP e decenal passariam a estar transferidos os riscos

associados ao sector da construção para as seguradoras, uma vez que estes seguros cobrem

possíveis danos durante a fase de execução (seguro CAR e SRCP) e durante a fase de pós-

construção (SRCP e seguro decenal).

Assim, as coberturas do seguro decenal contemplam defeitos de materiais, erros de concepção

e de execução, que comprometem a estabilidade do edifício. Tal como foi referido em §4.4.3,

podem ser contratadas coberturas trienais para impermeabilização de coberturas, fachadas e

caves, obras secundárias e instalações e equipamentos. É de salientar que na possibilidade de

implementar um seguro decenal obrigatório, as durações das coberturas acima analisadas

deveriam ser alteradas para que cumprissem os requisitos da legislação vigente em Portugal.

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

116

Relativamente ao prémio de seguro a pagar, o seguro decenal é muito mais oneroso do que o

seguro CAR. As taxas aplicadas ao seguro decenal são dez vezes superiores às do seguro

CAR, variando entre os 1 e 5%. A título de exemplo apresentam-se os valores dos prémios de

seguro para as 3 situações que têm vindo a ser analisadas, tendo sido considerados os valores

máximo e mínimo da taxa:

Tabela 6.6 – Custo do prémio do seguro decenal.

Obra Valor de construção

(euros) Prémio à taxa de 1% (euros)

Prémio à taxa de 5% (euros)

Moradia unifamiliar 300.000 3.000 15.000

Sistema elevatório 4.500.000 45.000 225.000

Hospital (Cat. 3) 11.000.000 110.000 550.000

É ainda de salientar que, para além do custo do prémio, que é pago em parte na data de

emissão da apólice e na data de recepção da obra, é aplicada uma taxa anualmente como

forma de acerto, uma vez que o valor actual do prémio é diferente do valor que teria em cada

um dos 10 anos seguintes, em que o seguro estaria em vigência.

Tal como se pode verificar na Tabela 6.6, os custos do prémio do seguro decenal são muito

elevados, surgindo o problema de quem pagará esse valor.

A determinação da entidade que paga o valor do prémio do seguro deveria ser discutida de

forma aprofundada, tendo em conta diversas considerações e a opinião das diversas partes

interessadas (promotores, seguradoras, empreiteiros, entre outros) (ver §6.6.3.2).

À semelhança do que acontece com o seguro CAR, ao seguro decenal está associado um

SRCP subscrito por todos os intervenientes no processo construtivo. Assim, ao ocorrer um

sinistro na construção, a seguradora que comercializou o seguro decenal, suporta no imediato

os custos de reparação. Posteriormente, caso a responsabilidade seja atribuída a um terceiro

interveniente no processo construtivo, a seguradora teria que ser indemnizada pelo

responsável, que deveria ter um SRCP para suportar os custos.

6.6.3.5. CONSIDERAÇÕES DA ALTERNATIVA 2

Ao longo dos últimos subcapítulos analisou-se a possibilidade de implementar três seguros que

poderiam, por exemplo, ser de subscrição obrigatória em Portugal. Assim, esta alternativa

contempla a contratação do SRCP para todos os “Construtores” e subempreiteiros, bem como

a contratação do seguro CAR durante a fase de construção e do seguro decenal para o

período de garantias.

Nesta fase do trabalho, analisam-se os três seguros acima referidos, nomeadamente, as suas

principais coberturas, duração e as vantagens, desvantagens e dificuldades de implementação

desta alternativa.

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

117

As principais coberturas que a contratação destes seguros contempla são descritas em

seguida (ASEFA, 2009; Império Bonança, 2009 e Fidelidade Mundial, 2009):

Seguro contra todos os riscos na construção (CAR) – Cobre o conjunto dos trabalhos

dos trabalhos permanentes e temporários que existem ao longo de uma obra;

Seguro de responsabilidade civil profissional (SRCP) – Cobre a actividade do

profissional que contrata este seguro. Actualmente a reparação de danos que um erro

na actividade pode provocar apenas pode ser contratada como cobertura adicional,

pelo que poderia existir uma preparação das seguradoras, para que essa cobertura

seja uma base do SRCP. Também, poderia ser contemplada uma cobertura adicional

que cubra as indemnizações decorrentes da actividade dos profissionais, embora esta

possibilidade possa tornar o prémio de seguro ainda mais elevado.

Seguro decenal – Cobre defeitos materiais, erros de concepção e de execução que

comprometem a estabilidade da estrutura. Tem como coberturas adicionais a

impermeabilização de coberturas, fachadas e caves, bem como as obras secundárias,

instalações, equipamentos e estabilidade e resistência mecânica das fachadas não

portantes.

No que se refere às durações destes seguros, a apólice do seguro CAR está vigente durante o

período de construção, a do seguro decenal durante os 10 anos seguintes à conclusão da

obra, embora existam coberturas complementares vigentes durante 3 anos. O SRCP cobre a

actividade do profissional estando contemplada a responsabilidade decenal.

Após descrever as principais características dos 3 seguros que se analisam nesta alternativa,

referem-se as principais vantagens, desvantagens e dificuldades que a possível

implementação da obrigatoriedade de os contratar possam acarretar.

Algumas das principais vantagens desta alternativa são:

O seguro CAR representa uma grande tranquilidade para o dono de obra e para os

restantes intervenientes no processo construtivo;

Face aos outros seguros analisados, o custo do prémio do seguro CAR não é muito

elevado;

O SRCP possibilita a transferência do risco associado à actividade dos profissionais

para uma terceira entidade – a seguradora;

A base de dados que se descreveu poderia reduzir os elevados custos do SRCP e

diminuiria os riscos assumidos pela seguradora;

Para que seja possível contratar o seguro decenal é exigido ao dono de obra a

contratação de um Organismo de Controlo Técnico, que controla a obra, diminuindo o

risco que a seguradora assegura;

O seguro decenal representa uma garantia de qualidade da construção, bem como

uma segurança para o consumidor.

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

118

No que respeita às principais desvantagens apresentadas por esta alternativa, podem

enumerar-se as seguintes:

Actualmente, o SRCP apenas cobre a actividade do profissional, sendo necessário

contratar uma cobertura alternativa para que sejam transferidos os custos de reparação

de danos inerentes à actividade. Este aspecto leva ao aumento do custo do prémio de

seguro;

O prémio do SRCP é muito elevado;

O prémio do seguro decenal é muito elevado, sendo a sua taxa 10 vezes superior à do

seguro CAR;

Ao ocorrer um dano, o seguro CAR ou o seguro decenal suportam os custos de

reparação. No caso de a culpa ser atribuída a terceiro, este terá que indemnizar a

seguradora. Sendo obrigatória a contratação de um SRCP, é pago um prémio para a

reparação de danos (CAR ou seguro decenal) e outro prémio por um seguro que vai

indemnizar a seguradora pelos custos dos danos. Assim, são pagos dois prémios de

seguro com a mesma finalidade. Este aspecto analisa-se em seguida, ao ser estudada

a alternativa de contratação de um seguro único.

Por fim, analisam-se algumas das principais dificuldades que a implementação da

obrigatoriedade de contratar estes seguros apresenta:

Com a implementação destes seguros, vai aumentar significativamente o número de

seguros comercializado;

O SRCP não apresenta todas as coberturas necessárias, pelo que deveria haver uma

reformulação deste seguro por parte das seguradoras;

Actualmente, poucas seguradoras comercializam o seguro decenal, facto que poderá

justificar parte do seu elevado custo;

As coberturas adicionais do seguro decenal têm durações que diferem das definidas

pela legislação vigente em Portugal.

6.6.4. ALTERNATIVA 3: SEGURO ÚNICO

A alternativa que se analisa ao longo do presente subcapítulo tem em vista a possibilidade da

discussão da criação de um seguro único na construção. Para tal, são descritas as coberturas

que este seguro poderia ter, bem como as suas vantagens e condicionantes. Também se faz

uma alusão ao prémio que um seguro deste tipo poderia ter associado. É de salientar que, uma

vez que este seguro não é comercializado não é possível apresentar um valor para o custo do

prémio, pelo que se faz uma análise comparativa com o custo dos prémios dos seguros da

segunda alternativa.

Aquilo que se pretende com o seguro único é a cobertura de danos na construção, bem como

uma cobertura de responsabilidade civil que transfira o risco para uma seguradora nas fases de

construção e de pós-construção (período de garantia). Este seguro poderia salvaguardar os

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

119

interesses do dono de obra, bem como dos restantes intervenientes no processo construtivo,

sendo o seu prémio repartido por todos.

É de salientar que, para a análise da criação de um seguro com estas características deveriam

ser ouvidas todas as entidades com interesse nesta matéria.

Assim, no que respeita às principais coberturas, o seguro único poderia contemplar:

O conjunto dos trabalhos permanentes e temporários que existem ao longo de uma

obra;

Defeitos relativos a equipamentos autonomizáveis da obra (cobertura durante 2 anos

após a conclusão da obra);

Defeitos relativos a equipamentos não estruturais e a instalações técnicas (cobertura

durante 5 anos após a conclusão da obra);

Defeitos relativos a elementos construtivos estruturais (cobertura durante 10 anos após

a conclusão da obra);

Indemnizações a terceiros pelos danos materiais ou pessoais, de natureza patrimonial

ou não patrimonial, causados por erros praticados no exercício da actividade

profissional.

Tal como se pode analisar, as coberturas que o seguro único deveria contemplar estão

relacionadas com as impostas pelas garantias definidas no CCP, estando ainda inseridos nesta

cobertura os danos ocorridos na própria obra e a responsabilidade civil extracontratual. Para

além deste facto, deve ser referido que estas coberturas são idênticas às da segunda

alternativa, onde é analisada a possibilidade de contratar três seguros (seguro CAR, SRCP e

seguro decenal).

A duração deste seguro poderia ter início no início dos trabalhos, terminando ao final de 10

anos após a conclusão da obra. Nas coberturas acima analisadas consideraram-se durações

que respeitam as garantias definidas no CCP (garantias de 2, 5 e 10 anos).

O prémio de seguro poderia ser pago pelo dono de obra e pelos restantes intervenientes no

processo construtivo uma vez que todos saem beneficiados com a contratação deste tipo de

seguro. Assim, no início da obra, este seguro poderia ser contratado pelo dono de obra e à

medida que cada interveniente no processo construtivo realiza a sua actividade paga uma

parte corresponde à sua percentagem do prémio, tendo em conta o trabalho que realiza e os

honorários que recebe. Outra forma de proceder ao pagamento do prémio poderia ser o dono

de obra pagar a totalidade do seu custo e deduzir aos honorários dos intervenientes no

processo construtivo a parte correspondente a cada um deles.

É de salientar que esta forma de pagamento do prémio é referida a título de exemplo, sendo

fundamental realizar uma análise mais aprofundada de todas as condicionantes, para que se

possa determinar a melhor forma de pagamento do prémio.

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

120

Por comparação com os seguros contratados na segunda alternativa, o custo final do prémio

do seguro único deveria ser inferior ao do custo final dos prémios CAR+SRCP (para cada

interveniente) +seguro decenal, uma vez que ao contrário da segunda alternativa, em que se

paga um prémio para o seguro CAR, outro para o seguro decenal e vários prémios para o

SRCP, nesta possibilidade apenas se pagaria um prémio.

Para além deste facto, refere-se um exemplo que demonstra que o custo deste prémio poderia

ser inferior ao dos três seguros contratados para a segunda alternativa. Caso ocorresse um

dano num pilar derivado de erro de projecto durante a fase de construção da obra, o seguro

CAR iria suportar os custos de reparação, posteriormente, ao ser atribuída culpa ao projectista

o seu SRCP indemnizaria a seguradora que comercializou o seguro CAR. Assim, seriam

accionados 2 seguros para a mesma finalidade – a reparação do dano no pilar. Com a

alternativa que se apresenta (seguro único), existiria apenas 1 seguro que suportava os danos

da reparação, não sendo necessário atribuir responsabilidades a uma terceira parte, uma vez

que todos os intervenientes estariam cobertos pelo seguro.

É de salientar que uma vez que este seguro ainda não é comercializado, as considerações que

se fazem nos parágrafos anteriores necessitam de uma reflexão mais aprofundada, que

poderia ser realizada pela Comissão Técnica Especializada, uma vez que esta é composta

pelas diversas entidades interessadas nesta matéria.

Existem algumas condicionantes que se poderão verificar na implementação deste seguro,

estando a primeira relacionada com o facto deste tipo de seguro não ser comercializado no

nosso país. Este facto levaria à necessidade de prever um período de preparação das

seguradoras, bem como uma fase experimental.

Outro aspecto que poderia dificultar a implementação deste seguro é o facto deste seguro ser

um seguro de grande dimensão, devido à abrangência das suas coberturas e ao número de

possíveis segurados. Com isto, não seria apenas necessário um período de preparação das

seguradoras, sendo também fundamental existir um período de preparação das

resseguradoras, que teriam um papel fundamental na possibilidade de implementar um seguro

deste tipo em Portugal, uma vez que são estas que suportam parte do elevado risco assumido

pelas seguradoras (ASEFA, 2009).

Devido à dimensão do seguro que se analisa nesta fase do trabalho, poderia ser necessário

que as seguradoras realizassem co-seguros, repartindo dessa forma o risco assumido. Neste

tipo de contratos, existe uma seguradora que é a líder (a seguradora que assume a maior

percentagem do risco) e outras que participam neste contrato em percentagens mais

pequenas. Assim, ao ocorrer um sinistro, os custos de reparação seriam repartidos por todas

as seguradoras, consoante a percentagem de risco assumida por cada um.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

121

Após referir as principais condicionantes na implementação deste seguro, importa referir as

principais vantagens que a sua contratação poderia trazer:

Contratar uma apólice de seguro em vez de contratar várias;

Com um único seguro poderiam estar cobertos todos os riscos associados a uma

construção;

Todos os intervenientes transferiam o seu risco para a seguradora;

Coberturas e durações do seguro idênticas às exigências da legislação nacional.

É de salientar que, a base de dados proposta em §6.6.3.3, poderia funcionar da mesma forma

no caso de ser implementado um seguro único na construção. Assim, consoante a prestação

de cada interveniente em obras anteriores, poderia ser reduzido o prémio de seguro a pagar.

Também poderiam ser aumentadas as franquias das diversas coberturas do seguro como

forma de reduzir o seu prémio.

6.6.5. CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O SISTEMA DE SEGUROS

Ao longo dos últimos subcapítulos apresentam-se algumas práticas relativas à contratação de

seguros que possam vir a ser discutidas pela Comissão Técnica Especializada. Assim,

analisaram-se três alternativas com vista à possibilidade de contemplar na proposta de criação

de um sistema de responsabilidades, garantias e seguros, um regime de seguros de

subscrição voluntária ou obrigatória. Nesta fase do trabalho tecem-se alguns comentários

sobre as alternativas analisadas.

Assim, a primeira alternativa, correspondente à implementação de um seguro de caução,

apresenta a principal vantagem de ter um prémio de seguro baixo, contudo, este tipo de seguro

não tem como finalidade a cobertura de danos na construção, mas sim a garantia de

cumprimento de contrato.

A segunda alternativa, correspondente à contratação de um seguro CAR, um seguro decenal e

um SRCP para cada interveniente, apresenta como principal vantagem a vasta gama de

coberturas para danos na construção disponível. Nesta alternativa, todos os intervenientes

suportam os custos dos prémios de seguro, correspondentes à sua parte do trabalho. Como

principal obstáculo a esta alternativa está o prémio de seguro a pagar, nomeadamente nos

seguros de RCP e decenal, que é muito elevado, mesmo quando comparado com o seguro

CAR. Para além deste facto, as coberturas destes seguros deveriam ser readaptadas tendo em

conta as garantias e durações implementadas pela legislação vigente em Portugal.

A terceira alternativa, correspondente à criação de um seguro único, subscrito pelo dono de

obra e suportado por todos os intervenientes no processo construtivo apresenta vantagens

semelhantes às da segunda alternativa. Ao comparar estas duas alternativas constata-se que o

seguro único poderia ter um custo mais baixo do que os três seguros da segunda alternativa.

Também seria mais fácil a sua contratação, uma vez que apenas existe uma apólice ao

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

122

contrário da segunda alternativa onde teriam que ser contratadas várias apólices de seguro.

Contudo, esta alternativa está, ainda mais dependente, da preparação prévia das seguradoras

e da disponibilidade das resseguradoras para assumirem a sua parte dos riscos, uma vez que

este tipo de seguros não é à data comercializado em Portugal.

Outro aspecto de grande relevância prende-se com a possibilidade da subscrição destes

seguros ser feita de uma forma voluntária ou obrigatória. A escolha entre as duas

possibilidades deveria ser discutida pela Comissão Técnica Especializada, uma vez que

poderão existir vantagens e desvantagens em cada uma das formas de subscrever este

seguro. Na proposta que se apresenta, nomeadamente no cronograma final, considerou-se que

a contratação deste seguro deveria ser feita inicialmente de uma forma voluntária, passando

em seguida para a adesão obrigatória. Esta solução deve-se à necessidade de preparação

prévia das seguradoras e dos diversos intervenientes no processo construtivo para a

contratação obrigatória de seguros.

A implementação da obrigatoriedade de contratar seguros, nos moldes apresentados, não

deveria existir apenas para as obras públicas. No seguimento das alterações que se vêm a

apresentar ao longo desta proposta, poderia ser contemplada a obrigatoriedade de contratar

seguros para as obras particulares.

No cronograma que se apresenta em §6.9.2, considera-se que a contratação de seguros

poderia estar vigente numa forma voluntária logo após a aprovação do documento realizado

pela Comissão Técnica Especializada, sendo mais tarde implementada a obrigatoriedade de

contratar os seguros. Contudo, esta implementação poderia ser feita por partes, consoante o

valor das obras, para que existisse um período de adaptação das seguradoras e dos

intervenientes no processo construtivo. Estes aspectos analisam-se com mais pormenor em

§6.9.2.

6.7. CÓDIGO TÉCNICO DA CONSTRUÇÃO

A criação de um “Código Técnico da Construção” poderia complementar o regime de garantias

e seguros para a cobertura de danos na construção.

É de salientar que, com a entrada em vigor da LOE em Espanha, surgiu a necessidade de criar

um “Código Técnico da Construção” naquele país, como forma de garantir os cuidados

fundamentais que a LOE definiu. Para além de Espanha, existem muitos outros países com

“Códigos” implementados, tais como a Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Japão, Estados

Unidos da América e Canadá.

Assim, o “Código Técnico da Construção” poderia ser composto por quatro partes. A primeira,

correspondente às disposições gerais: objectivo, âmbito de aplicação e estrutura do “Código”.

Em seguida, poderiam estar especificadas as condições de cumprimento do código, quer na

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DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

123

fase de concepção/projecto, quer na fase de execução, bem como os responsáveis pelo

cumprimento do “Código” em ambas as fases (CTE, 2006).

Na terceira parte, poderiam estar descritos os cuidados básicos a ter na construção como

forma de garantir as 6 exigências básicas enumeradas no DL 113/93 de 10 de Abril e Portaria

566/93 de 2 de Junho:

Resistência mecânica e estabilidade;

Segurança contra incêndio;

Higiene, saúde e ambiente;

Segurança na utilização;

Protecção contra ruído;

Economia de energia e isolamento térmico.

A última parte deste “Código” poderia conter as diversas normas e regulamentos existentes em

Portugal, para que sejam cumpridas as exigências acima referidas. No “Código” espanhol, as

referidas normas e regulamentos são denominados por Documentos Básicos (DB). Em

Portugal, alguns desses documentos são:

Regulamento do Comportamento das Características Térmicas dos Edifícios (RCCTE);

Regulamento Geral de Segurança Contra Incêndio em Edifícios;

Eurocódigos;

É de referir que, a quarta parte deste “Código”, correspondente aos Documentos Básicos, vem

complementar a parte anterior como se pode verificar no exemplo que se segue. Na terceira

parte do “Código Técnico da Construção” poderiam estar definidas as exigências básicas de

segurança contra incêndio, como por exemplo (CTE, 2006):

“Intervenção dos bombeiros – Deve ser facilitada a intervenção das equipas de resgate

e combate a incêndios.”

Na quarta parte poderiam estar definidas as formas que facilitam a referida intervenção das

equipas de resgate e combate a incêndios (artigo 23º do Regulamento Geral de Segurança

Contra Incêndios em Edifícios):

“Vias de acesso aos edifícios com altura não superior a 9m e a recintos ao ar livre – As

vias de acesso devem possibilitar o estacionamento dos veículos de socorro a uma

distância não superior a 30m de, pelo menos, uma das saídas do edifício que faça

parte dos seus caminhos de evacuação.”

À semelhança do que acontece noutros países, o “Código” português poderia estar em

constante actualização, acompanhando a inovação que constantemente se verifica no sector

da construção. O organismo responsável pela elaboração deste documento deveria ser

diferente da Comissão Técnica Especializada que se descreveu em §6.2, uma vez que as

matérias abordadas diferem relativamente às do documento referente a responsabilidades,

garantias e seguros.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

124

Para além da elaboração e actualização do “Código”, o organismo poderia promover acções de

formação após a entrada em vigor do documento, para os diversos intervenientes no processo

construtivo interessados.

É de salientar que, a responsabilidade pelo cumprimento do “Código Técnico da Construção”

que se propõe estaria a cargo dos diversos intervenientes no processo construtivo nas fases de

concepção/projecto e de execução.

A entrada em vigor de um “Código” com os moldes do que aqui se propõe poderia trazer

algumas vantagens no que se refere à qualidade na construção, tais como:

Passaria a existir um documento único, no qual estariam definidas as exigências

básicas da construção em Portugal, bem como todas as normas e regulamentos

vigentes;

Nesse documento estariam definidas as responsabilidades dos intervenientes no

processo construtivo pelo cumprimento das exigências básicas da construção em

Portugal;

Um documento nos moldes aqui propostos poderia estar em permanente actualização,

acompanhando a evolução constante que se verifica no sector da construção;

As acções de formação proporcionariam, aos diversos intervenientes no processo

construtivo, um aumento do conhecimento das necessidades do sector da construção,

bem como das responsabilidades pela sua parte da construção.

Relativamente ao cronograma do “Código Técnico da Construção”, refere-se que a sua criação

poderia ter inicio em simultâneo com a elaboração do documento referente às

responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção. No

cronograma propõe-se um período de 1 ano para a elaboração do documento, de 1 ano para a

sua apreciação e de 1 ano para alterações/aprovação. A entrada em vigor poderia acontecer

logo após a aprovação do “Código”, embora, tal como se referiu, estejam previstas

actualizações constantes, que acompanhem a evolução verificada no sector da construção em

Portugal. Relativamente às acções de formação referidas anteriormente, o seu início poderia

ser no ano de entrada em vigor do “Código”, devendo prolongar-se por um período de um ano,

para que possam ser realizadas em diversos locais do país, para que todos os interessados

possam participar.

6.8. FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DOS CONTROLADORES TÉCNICOS

Tal como foi referido ao longo da presente dissertação, para contratar um seguro decenal é

indispensável o controlo específico, direccionado para a prevenção e normalização do risco

realizado por um Organismo de Controlo Técnico.

Uma vez que uma das medidas apresentadas para discussão é a possibilidade de contratar um

seguro decenal de adesão voluntária ou obrigatória, poderiam ser definidas as qualificações e

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

125

os requisitos mínimos exigidos aos Organismos de Controlo Técnico. Para além deste aspecto,

poderia ser realizada a formação dos referidos organismos.

A Comissão Técnica Especializada que se propõe neste trabalho poderia definir a referida

qualificação necessária aos Organismos, bem como qual a entidade que seria responsável

pela sua formação.

As medidas que se apresentam neste subcapítulo poderiam evitar o aparecimento de

Organismos de Controlo Técnico não regulados, contribuindo assim para um melhor controlo

da obra.

Assim, para o cronograma que se apresenta em §6.9.2 poderia ser considerado o início da

formação e qualificação dos referidos Organismos no Ano 3. É de salientar que esta medida

deveria continuar nos anos seguintes, uma vez que a formação de novos Organismos seria

sempre necessária.

6.9. SÍNTESE DA PROPOSTA E CRONOGRAMA FINAL

6.9.1. SÍNTESE DA PROPOSTA

Ao longo do presente capítulo foram apresentadas algumas medidas com vista à criação de um

sistema eficaz de responsabilidades, garantias e seguros. Para tal, foi tida em consideração a

realidade nacional nesta matéria, bem como as melhores práticas de países com sistemas já

implementados.

Neste subcapítulo, apresenta-se uma síntese das medidas propostas, tendo em atenção as

principais vantagens que estas trazem para o panorama nacional.

A primeira medida a tomar poderia ser a criação de uma Comissão Técnica Especializada

pertencente, por exemplo, ao Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P. (InCI), composta por

representantes dos diversos intervenientes no processo construtivo, das seguradoras e

resseguradoras e das entidades legisladoras, com vista à elaboração de um documento

relativo ao sistema de responsabilidades, garantias e seguros para a construção. Assim,

estariam representadas nesta Comissão as diversas partes envolvidas no sistema que se

propõe, para que a opinião, interesse e experiência de cada uma fossem tidas em

consideração na elaboração do documento.

Outra medida que poderia ser tomada é a criação de um sistema de recolha de dados dos

sinistros declarados às seguradoras. Com o referido sistema, seriam identificados os principais

problemas existentes na construção, bem como as principais necessidades das seguradoras,

no que respeita à implementação de práticas sobre esta matéria. Esta base de dados serviria

de auxílio à Comissão Técnica Especializada, não só na elaboração do documento, mas

também na implementação de práticas com vista à melhoria contínua do sistema, através da

identificação das suas principais falhas.

No que respeita às medidas que poderiam ser discutidas pela Comissão responsável pela

elaboração do documento, seria de extrema importância contemplar uma definição específica

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

126

da responsabilidade de cada interveniente, bem como os limites onde a referida

responsabilidade começa e acaba. Também se poderia introduzir uma nova definição da

palavra “Construtor”, entendendo-se como tal qualquer interveniente no processo construtivo

ligado ao dono de obra por um contrato, tendo em vista a concepção ou a execução da obra

(empreiteiros, fiscalização, projectistas, coordenadores de segurança e saúde, técnicos da

qualidade, entre outros). Com as referidas medidas aumentariam as responsabilidades de

todos os intervenientes na construção e, consequentemente, os cuidados que cada um tem

nas suas actividades. A redefinição das responsabilidades seria a solução para um dos

problemas salientados ao longo deste trabalho: actualmente as responsabilidades recaem

unicamente sobre os empreiteiros.

Quanto às garantias, as principais alterações deveriam ser debatidas para as obras

particulares, deixando de existir uma garantia única de 5 anos, para ser implementado, por

exemplo, um regime de garantias semelhante ao das obras públicas (2, 5 e 10 anos),

estabelecido pelo CCP. Também poderia ser implementada, para as obras públicas e

particulares, uma garantia adicional de um ano para trabalhos realizados no âmbito das

garantias, à semelhança do que acontece, por exemplo, no Canadá (Homeowner Protection

Act, 1999). As duas medidas acima referidas representariam uma forte mudança nas práticas

actuais das obras particulares, contribuindo para o aumento significativo da protecção aos

proprietários, bem como da qualidade da construção.

No presente capítulo também foi analisada a possibilidade de deverem ser contemplados

seguros obrigatórios para a construção, nomeadamente através da análise de três alternativas,

tendo para tal, sido realizado um estudo com base em coberturas, exclusões, durações e taxas

aplicadas ao prémio de seguro, fornecidas pela seguradora ASEFA. As alternativas analisadas

foram:

Seguro de caução;

Seguro contra todos os riscos na construção (CAR), seguro de responsabilidade civil

profissional (SRCP) e seguro decenal;

Seguro único.

Também, poderia ser discutida a criação de um “Código Técnico da Construção” nos moldes

descritos em §6.7. Com o referido “Código” seriam definidas, num documento único, as

responsabilidades dos intervenientes no processo construtivo, tendo em conta as exigências

básicas da construção definidas. É de salientar que este documento poderia estar em

constante actualização, acompanhando o constante progresso do estado de conhecimentos.

Por fim, poderia ser prevista a formação e definição das qualificações e requisitos mínimos dos

Organismos de Controlo Técnico para que, com as novas práticas de seguro que poderão vir a

ser implementadas, não se corra o risco do controlo de uma obra ser realizado por entidades

não reguladas.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE

DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

127

6.9.2. CRONOGRAMA DA PROPOSTA

Ao longo deste subcapítulo apresenta-se o cronograma final da elaboração do documento e da

entrada em vigor das medidas que foram apresentadas no subcapítulo anterior (Figura 6.5).

Assim, a Comissão Técnica Especializada poderia ser constituída durante o 1ºTrimestre do

Ano 1. Em simultâneo com a criação da entidade responsável pela elaboração do documento,

deveria ser realizada a primeira recolha e análise de dados dos sinistros declarados às

seguradoras portuguesas, uma vez que esses valores poderiam ser utilizados como base para

algumas das medidas a incluir no referido documento. As recolhas posteriores poderiam ser

feitas no 1ºTrimestre dos anos seguintes.

Após a criação da entidade responsável pela elaboração do documento relativo a

responsabilidades, garantias e seguros na construção, poderiam ser considerados 3 períodos

de 1 ano cada para a elaboração, apreciação e alteração/aprovação do documento. Durante

estas fases poderia ocorrer em simultâneo um período para a preparação e fase de

experiências das seguradoras (Ano 1, Ano 2 e Ano3)19

. Após a aprovação do documento,

importa referir quando é que as medidas nele implementadas entram em vigor. Assim, as

medidas referentes à responsabilidade dos intervenientes e das garantias deveriam entrar em

vigor logo após a aprovação do documento (início do ano 4).

No que respeita a seguros, a sua entrada em vigor poderia ser feita em diferentes períodos

consoante o valor das obras a realizar. Para além deste facto, poderia existir um período de

transição de regime voluntário, que deveria entrar em vigor no início do Ano 4, deixando de

estar em vigor à medida que se iniciasse a obrigatoriedade de contratar o seguro. Assim, no

início do Ano 5 poderia entrar em vigor a obrigatoriedade de contratar o seguro para obras

superiores a 5.000.000 euros. No início do Ano 6 poderia entrar em vigor a obrigatoriedade de

contratar o seguro único para obras de valor inferior a 5.000.000 e superior a 500.000 euros.

Por fim, no início do ano 7 poderia entrar em vigor para obras inferiores a 500.000 euros.

Também se apresentam os períodos referentes ao CTC. É de salientar que este deveria ser

elaborado em simultâneo com o documento referente a responsabilidades, garantias e

seguros. Assim, considera-se 1 ano para a elaboração do documento (Ano 1), 1 ano para a sua

apreciação (Ano 2) e 1 ano para as alterações e aprovação do documento (Ano 3), entrando

em vigor no inicio do Ano 4. As acções de formação relativas ao Código Técnico da Construção

poderiam ocorrer durante o Ano 4. Por fim, deveria ser considerado um período para a

formação e qualificação dos Organismos de Controlo Técnico (OCT), que poderia ter início no

Ano 3, continuando nos restantes anos, uma vez que a formação e qualificação dos

Organismos seria sempre necessária.

19 Para a elaboração do cronograma de responsabilidades, garantias e seguros e do Código Técnico da Construção,

foram considerados períodos com base em (Sousa, 2004; Freitas, Alves e Sousa, 2007), embora, em algumas

medidas, os períodos considerados não sejam semelhantes aos da bibliografia consultada.

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PROPOSTA DE UM SISTEMA DE RESPONSABILIDADES, GARANTIAS E SEGUROS PARA A COBERTURA DE DANOS NA CONSTRUÇÃO – CAPÍTULO 6

128

Figura 6.5 – Cronograma final da proposta.

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Ano 6 Ano 7

Enquadramento legal de responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção

Criação de um organismo responsável

Elaboração do documento

Apreciação do documento

Alteração e aprovação do documento

Preparação das seguradoras

Recolha e análise de dados dos sinistros

Entrada em vigor medidas referentes a responsabilidades

Entrada em vigor das medidas referentes a garantias

Seguros de adesão voluntária (mais de 5.000.000 euros)

Seguros de adesão obrigatória (mais de 5.000.000 euros)

Seguros de adesão voluntária (menos de 5.000.000 euros e mais de 500.000 euros)

Seguros de adesão obrigatória (menos de 5.000.000 euros e mais de 500.000 euros)

Seguro de adesão voluntária (menos de 500.000 euros)

Seguro de adesão obrigatória (menos de 500.000 euros)

Código Técnico da Construção

Constituição do grupo de trabalho e elaboração

Apreciação

Alteração e aprovação

Entrada em vigor

Acções de formação

Formação e qualificação dos Organismos de Controlo Técnico

Formação e qualificação dos Organismos de Controlo Técnico

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129

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

7.1. CONCLUSÕES

O sector da construção é um dos mais importantes a nível económico e social, representando

cerca de 5,2 % do Produto Interno Bruto (PIB) e 10% do emprego. É assim fundamental tomar

medidas que garantam a sua qualidade, nomeadamente no que à cobertura de danos diz respeito.

A realidade nacional carece de um sistema de responsabilidades, garantias e seguros que confira

uma maior protecção aos proprietários de novos imóveis, bem como de imóveis alvo de obras de

manutenção, reparação e reabilitação.

Em Portugal, é frequente encontrar edifícios novos com muitos defeitos que, em grande parte,

estão associados a erros de concepção/projecto e a erros de execução. Como forma de reduzir

esses erros, particularmente os de concepção/projecto, deveriam ser implementadas medidas que

responsabilizem os diversos intervenientes da construção, em especial os técnicos envolvidos na

concepção/projecto.

A legislação em Portugal encontra-se dispersa e é, por vezes, ambígua, o que dificulta não só o

seu estudo, mas também a sua interpretação. Ao longo deste trabalho procurou reunir-se a

legislação existente sobre esta matéria como forma de facilitar a sua análise, bem como para

fornecer um documento útil a possíveis estudos posteriores.

No que concerne a garantias e seguros, pode constatar-se que Portugal carece da implementação

de algumas medidas. Nas obras particulares apenas está prevista uma garantia de 5 anos,

independentemente do tipo de defeito, não existindo qualquer seguro associado. Para as obras

públicas, existem garantias de 2, 5 e 10 anos, bem como a obrigatoriedade de prestar caução

embora também não estejam contemplados seguros associados.

O sector da construção apresenta um risco associado à actividade na generalidade superior ao de

outros sectores. Com a contratação de seguros para a cobertura de danos ou de responsabilidade

civil profissional, o referido risco é transferido, mediante o pagamento de um prémio, para a

seguradora. Apesar disto, existem muitos intervenientes no processo construtivo que consideram

o seguro como mais um encargo, pelo que optam pela não contratação do mesmo, correndo

riscos que, em muitos casos, não têm capacidade de suportar.

Para algumas seguradoras, o sector da construção é visto com alguma prudência. Apesar de ser

um sector com grande dimensão, o risco que tem associado leva à existência de alguma cautela

em aceitar a comercialização de seguros.

O estudo da realidade de outros países – França, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos da

América e Canadá – mostrou-se útil à realização deste trabalho. Em primeiro lugar, salienta-se o

facto de nesses países existirem sistemas eficazes e distintos de garantias e seguros. Com a

análise realizada nesses países foi possível identificar as principais lacunas no sistema português.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS – CAPÍTULO 7

130

Para além deste facto, constatou-se que existem diversas alternativas para assegurar os custos

de reparação de danos na construção: garantias e seguros de reparação de danos, seguros de

caução, garantias de terceira parte, entre outras.

Com a proposta que se apresentou neste trabalho procuraram apresentar-se medidas que possam

contribuir para a discussão dos diversos problemas anteriormente descritos. Seria desejável que

as propostas apresentadas fossem discutidas entre as várias partes interessadas e que se

estabelecesse um programa de acção o mais rapidamente possível.

Na proposta que se elaborou considerou-se que a criação de uma Comissão Técnica

Especializada, pertencente ao InCI, formada pelas diversas entidades que deveriam estar

envolvidas na implementação das medidas que são propostas poderia contribuir significativamente

para a criação do sistema de responsabilidades, garantias e seguros. Assim, evitava cometer-se

os erros do passado, quando se implementaram seguros obrigatórios sem uma consulta prévia

das seguradoras, o que levou a que fosse exigida a contratação de seguros que, à data, não eram

comercializados.

Para que as medidas propostas possam ser implementadas e posteriormente alteradas de acordo

com a constante evolução do sector da construção, poderia ser criado um sistema de recolha de

dados dos sinistros declarados às seguradoras nos moldes analisados em §6.3. Com este

sistema, existiria uma base estatística relativa aos principais problemas na construção, o que

poderia contribuir para a identificação das principais medidas que deveriam ser implementadas em

Portugal.

Com as medidas propostas neste trabalho, procurou solucionar-se o problema referente à

responsabilização dos diversos intervenientes no processo construtivo. Ao definir, no documento

que se propõe, as responsabilidades de cada interveniente, seriam criados limites de onde

começa e acaba a responsabilidade de cada um num documento onde toda a legislação estaria

reunida. Para que a responsabilidade seja extensível a todos os intervenientes na medida das

suas competências, também poderia ser criada uma nova definição de “Construtor”, entendendo-

se como tal qualquer interveniente no processo construtivo ligado ao dono de obra por um contrato

tendo em vista a concepção ou a execução da obra (empreiteiros, fiscalização, projectistas,

coordenadores de segurança e saúde, técnicos da qualidade, entre outros).

No que se refere às garantias existentes para as obras públicas e particulares, também poderiam

ser implementadas medidas no sentido de suprir as falhas existentes e aproximar a legislação

vigente para os dois tipos de obras. Assim, poderia ser criado um novo regime de garantias para

as obras particulares, semelhante ao das obras públicas (2, 5 e 10 anos). Outra medida que

poderia ser implementada refere-se à possibilidade de implementar, nas obras públicas e

particulares, uma garantia adicional de 1 ano para os trabalhos executados no âmbito das

garantias, à semelhança do existente no sistema Canadiano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS – CAPÍTULO 7

131

Relativamente a seguros, ao longo desta dissertação foram analisadas três alternativas:

Seguro de caução;

Seguro CAR, seguro decenal e SRCP;

Seguro único.

Para a escolha de uma solução, poderia ser tido em consideração que o seguro deveria ter

coberturas e durações que respeitassem as imposições da legislação nacional. Outro aspecto a

ser considerado prende-se com a necessidade de criar seguros para os quais possa ser

transferido o risco decorrente das actividades de todos os intervenientes no processo construtivo.

Por fim, foi tido em consideração que o seguro, embora represente uma grande tranquilidade para

todos os intervenientes de uma construção, acarreta custos que podem ser vistos como mais um

encargo existente.

Assim, na proposta que se elaborou foi contemplada a adesão voluntária, numa primeira fase e,

posteriormente, a obrigatoriedade de contratar seguros. A questão relativa ao pagamento do

prémio de seguro deveria ser analisada aprofundadamente pelas diversas partes interessadas.

Com a contratação de seguros, não só estariam salvaguardados os trabalhos existentes ao longo

da obra, como também poderiam ser reparados os danos existentes durante o período de

garantias.

A implementação desta medida, poderia trazer benefícios para o consumidor (proprietário do

imóvel no caso de edifícios de habitação), uma vez que após ocorrer um dano, este seria reparado

no imediato, sendo os custos suportados pela seguradora. Para além do consumidor, todos os

intervenientes no processo construtivo seriam beneficiados com a contratação deste seguro.

Outra medida nesta dissertação contempla a criação de um “Código Técnico da Construção”. Com

esta medida poderia passar a existir um documento único, no qual estariam definidas as

exigências básicas da construção em Portugal, bem como todas as normas e regulamentos

vigentes. Este documento poderia estar em constante actualização acompanhando a inovação do

sector da construção.

Por fim, poderia ser prevista a formação e definição das qualificações e requisitos mínimos dos

Organismos de Controlo Técnico para que, com as novas práticas de seguro que poderão vir a ser

implementadas, não se corra o risco do controlo de uma obra ser realizado por entidades não

reguladas.

Seria desejável que as propostas apresentadas fossem discutidas entre as várias partes

interessadas e que se estabeleça um programa de acção o mais rapidamente possível. Contudo,

na elaboração do cronograma final, foi tido em consideração que estas práticas representam uma

profunda alteração na legislação vigente em Portugal. Este facto, leva a que seja fundamental

considerar um período de preparação dos diversos intervenientes no processo construtivo, bem

como das seguradoras.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS – CAPÍTULO 7

132

7.2. AVALIAÇÃO DO TRABALHO REALIZADO E DESENVOLVIMENTOS FUTUROS

Com a realização deste trabalho reuniu-se legislação, vigente em Portugal, que até à data se

encontrava dispersa, o que dificultava o estudo das práticas vigentes relativamente à cobertura de

danos na construção. A informação reunida ao longo deste trabalho constitui um documento que

poderá ser útil para estudos posteriores relativos a responsabilidades, garantias e seguros na

cobertura de danos na construção.

Também foram apresentadas medidas para a criação de um sistema que poderia contribuir para

regulamentar as responsabilidades, garantias e seguros para a cobertura de danos na construção.

Salienta-se que a ausência dessas medidas constitui um problema actual na construção em

Portugal, pelo que, num futuro próximo, é esperado que sejam implementadas práticas nestas

matérias. Essas práticas, poderão seguir algumas das medidas apresentadas ao longo deste

trabalho, uma vez que estas foram tomadas após analisar as principais lacunas existentes em

Portugal e as melhores práticas em vigor nos países analisados.

A nível de desenvolvimentos futuros seria interessante se a análise realizada neste estudo fosse

ainda mais explorada e se estendesse a países, que aqui não foram abordados. O trabalho que se

realizou foi condicionado pelos idiomas falados pelo autor, pelo que se julga interessante estudar

as práticas de outros países, tais como: Alemanha e países nórdicos, como por exemplo a Suécia.

Também poderia se relevante o estudo do sistema Belga, uma vez que nesse país os seguros são

contratados de forma voluntária, contrariando alguns países estudados (como por exemplo,

França e Espanha).

Seria igualmente interessante que se aprofundasse mais o estudo sobre a entidade que paga o

prémio de seguro. Tal como se analisou neste trabalho, esta questão não tem uma resolução

simples, existindo diversos casos específicos que deveriam ser analisados.

No seguimento das medidas propostas neste trabalho, poderia ser realizada uma análise mais

detalhada às coberturas e exclusões que os seguros deveriam ter. Ao longo da proposta que se

apresentou foram referidas quais as principais coberturas que deveriam estar contempladas nos

seguros. Contudo, nos contratos de seguro, existem inúmeros casos específicos que podem estar

ou não contemplados.

Por fim, poderia ser estudada a forma de actuar das resseguradoras e os contratos que estas

realizam com as seguradoras. Relembra-se que a implementação de um seguro único obrigatório

para a construção está dependente das resseguradoras, uma vez que estas são as seguradoras

das companhias de seguro. O seguro único que se propõe discutir envolve um vasto leque de

coberturas e valores elevados de capital a segurar, o que leva a que o risco assumido pelas

seguradoras seja superior ao dos restantes seguros, facto que torna fundamental o trabalho das

resseguradoras nesta matéria.

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133

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Imobiliária (PRJEAPI);

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RODRIGUES, D. (2001) – “A Evolução do parque habitacional português: Reflexões para o

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SEQUEIRA, J. (2003) – “Redução de Erros em Obras de Construção Civil – Estudo Sobre Obras

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SOUSA, M. (2004) – “Patologia da Construção – Elaboração de um Catálogo”, Faculdade de

Engenharia da Universidade do Porto, Porto;

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136

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Diário da República (1992): Decreto Regulamentar nº 11/92 de 10 de Maio (D.R.11/92) – Instituiu

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Diário da República (1992): Decreto Regulamentar nº 32/92 de 28 de Novembro, (D.R.32/92) –

Instituiu um seguro de projecto e um seguro de construção.

Diário da República (1993): Decreto-Lei nº 245/93 de 8 de Julho, (D.L.245/93) – Estabelece os

montantes capitais seguros.

Diário da República (1993): Decreto-Lei nº 113/93 de 10 de Abril, (D.L.113/93) – Estabelece as

exigências essenciais de uma obra.

Diário da República (1994): Decreto-Lei nº 250/94 de 15 de Outubro, (D.L.250/94) – Estabelece a

possibilidade de contratar seguros.

Diário da República (1994): Decreto-Lei nº 267/94 de 25 de Outubro, (D.L.267/94) – Estabelece

prazos de garantia para imóveis em contratos de compra e venda e de empreitada.

Diário da República (1996): Lei 24/96 de 31 de Julho (Lei 24/96) – Leis de defesa do consumidor.

Diário da República (1997): Lei 100/97 de 13 de Setembro, (Lei 100/97) – Estabelece o direito à

reparação dos danos devidos a acidentes de trabalho.

Diário da República (1999): Decreto-Lei nº59/99 de 2 de Março, (D.L. 59/99) – Estabelece a

possibilidade, por parte do DO, de exigir a contratação de seguros para Obras Públicas.

Diário da República (1999): Decreto-Lei nº 159/99 de 11 de Maio, (D.L. 159/99) – Estabelece a

obrigação de contratar um seguro de acidentes de trabalho.

Diário da República (1999): Decreto-Lei nº 555/99 de 16 de Dezembro, (D.L.555/99) – Define

obras de urbanização e estabelece o seu prazo de garantia.

Diário da República (2003): Decreto-Lei nº 67/2003 de 8 de Abril, (D.L. 67/2003) – Transposição

para o ordenamento jurídico português da Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do

Conselho.

Diário da República (2008): Decreto-Lei nº 18/2008 de 29 de Janeiro, (D.L. 18/2008) – Aprova o

Código dos Contratos Públicos (CCP).

Diário da República (2008): Decreto-Lei nº 84/2008 de 21 de Maio, (D.L. 84/2008) – Estabelece

alterações relativas à venda de bens de consumo.

Diário da República (2009): Lei nº 31/2009, de 3 de Junho (Lei 31/2009) – Estabelece a

qualificação e os deveres exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição de

projectos, pela fiscalização de obra e pela direcção de obra;

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137

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Homeowner Protection Act (1999) – “Homeowner protection act and insurance act”, British

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