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II Congresso Internacional na "Recuperação, Manutenção e Restauração de Edifícios" 10,11 e 12 de Maio de 2006 - Rio de Janeiro - Brasil RECOMPOSIÇÃO DO REVESTIMENTO DAS FACHADAS DA IGREJA NOSSA SENHORA DA CONSOLAÇÃO Junginger, Max (1); Resende, Maurício M. (2); Cordts, Roberto de M. (3) (1) Av. Eliseu de Almeida, 2046/22C, SP, SP, 05533-000 (11) 9293 2164; [email protected] (2) L.A. Falcão Bauer; Rua Aquinos, 111 - Água Branca – SP, SP, 05036-070 (11) 8349 7891; [email protected] (3) Praça Franklin Delano Roosevelt, 146, 13º andar, SP, SP, 01303-020 (11) 3151 4576; [email protected] RESUMO A Igreja Nossa Senhora da Consolação foi construída em 1799 e reformada em 1840, quando recebeu novos adendos e teve um aumento de área. A partir de então, poucas foram as intervenções preventi- vas executadas, o que culminou com a ocorrência de grandes danos ao longo do tempo. Este texto aborda a recuperação interna e externa da igreja. Na parte interna existem cúpulas de arga- massa de cal e revestimento de cal e gesso nas paredes e, sobre todas as superfícies, pinturas e afrescos belíssimos que acabaram por ser parcial ou totalmente destruídos pela infiltração de água de chuva e por recalques diferenciais provavelmente ocasionados pelas cargas da torre frontal e também pela pas- sagem do metrô nas imediações. Para a proposta de recomposição das cúpulas, foram executados ensaios químicos e físicos com o ob- jetivo de descobrir qual o tipo de material usado na sua construção original, de onde se chegou a ar- gamassa armada de cal e areia suportada por tirantes de aço apoiados na estrutura treliçada do telhado. A partir daí, pôde-se estabelecer a metodologia de recuperação com produtos adequados e quimica- mente compatíveis. No caso das fachadas, o acabamento é do tipo massa lavada (massa batida, fulget ou granito lavado, na nomenclatura atual de revestimentos semelhantes). Além da especificação de um traço adequado e durável, uma das dificuldades residiu no proporcionamento adequado de vários tipos de pedras que imitassem ao máximo o revestimento existente, uma vez que nem todo ele seria removido por insufici- ência de verba. Em alguns casos, todo o conjunto de camadas precisou ser especificado: chapisco, emboço e reboco, sendo que algumas regiões atingidas por fissuras foram também reparadas. 1. INTRODUÇÃO De maneira geral, as igrejas antigas apresentam grande riqueza de detalhes, tanto internos quanto ex- ternos, executados por verdadeiros artesãos especializados e dotados de esmero impecável. Por este motivo, dentre outros, a durabilidade dos serviços originais mostra-se bastante ampla e, após várias décadas da execução da obra, quando surgem as primeiras manutenções preventivas, fica evidente a dificuldade de refazer os serviços com o mesmo cuidado do trabalho original. A dificuldade em dispor de materiais semelhantes é patente e a mão de obra qualificada para os serviços de reparo é quase ine- xistente. O que se percebe, pois, são reparos localizados em vários pontos, executados de forma inadequada e com aparência e qualidade simplesmente incompatíveis com os acabamentos originais, o que causa estragos e danos irrecuperáveis ou de execução demasiadamente custosa para obras que, pelo seu pró- prio uso, dispõem de parcos recursos para manutenções em qualquer escala.

Restauro da Igreja Consolacao - mxme.com.br · Pág 2 de 10 Este texto expõe, de forma resumida, a metodologia adotada para os reparos da Igreja Nossa Senhora da Consolação, na

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II Congresso Internacional na "Recuperação,Manutenção e Restauração de Edifícios"

10,11 e 12 de Maio de 2006 - Rio de Janeiro - Brasil

RECOMPOSIÇÃO DO REVESTIMENTO DAS FACHADAS DA IGREJA NOSSA SENHORA DA CONSOLAÇÃO

Junginger, Max (1); Resende, Maurício M. (2); Cordts, Roberto de M. (3) (1) Av. Eliseu de Almeida, 2046/22C, SP, SP, 05533-000

(11) 9293 2164; [email protected] (2) L.A. Falcão Bauer; Rua Aquinos, 111 - Água Branca – SP, SP, 05036-070

(11) 8349 7891; [email protected] (3) Praça Franklin Delano Roosevelt, 146, 13º andar, SP, SP, 01303-020

(11) 3151 4576; [email protected]

RESUMO A Igreja Nossa Senhora da Consolação foi construída em 1799 e reformada em 1840, quando recebeu novos adendos e teve um aumento de área. A partir de então, poucas foram as intervenções preventi-vas executadas, o que culminou com a ocorrência de grandes danos ao longo do tempo.

Este texto aborda a recuperação interna e externa da igreja. Na parte interna existem cúpulas de arga-massa de cal e revestimento de cal e gesso nas paredes e, sobre todas as superfícies, pinturas e afrescos belíssimos que acabaram por ser parcial ou totalmente destruídos pela infiltração de água de chuva e por recalques diferenciais provavelmente ocasionados pelas cargas da torre frontal e também pela pas-sagem do metrô nas imediações.

Para a proposta de recomposição das cúpulas, foram executados ensaios químicos e físicos com o ob-jetivo de descobrir qual o tipo de material usado na sua construção original, de onde se chegou a ar-gamassa armada de cal e areia suportada por tirantes de aço apoiados na estrutura treliçada do telhado. A partir daí, pôde-se estabelecer a metodologia de recuperação com produtos adequados e quimica-mente compatíveis.

No caso das fachadas, o acabamento é do tipo massa lavada (massa batida, fulget ou granito lavado, na nomenclatura atual de revestimentos semelhantes). Além da especificação de um traço adequado e durável, uma das dificuldades residiu no proporcionamento adequado de vários tipos de pedras que imitassem ao máximo o revestimento existente, uma vez que nem todo ele seria removido por insufici-ência de verba. Em alguns casos, todo o conjunto de camadas precisou ser especificado: chapisco, emboço e reboco, sendo que algumas regiões atingidas por fissuras foram também reparadas.

1. INTRODUÇÃO De maneira geral, as igrejas antigas apresentam grande riqueza de detalhes, tanto internos quanto ex-ternos, executados por verdadeiros artesãos especializados e dotados de esmero impecável. Por este motivo, dentre outros, a durabilidade dos serviços originais mostra-se bastante ampla e, após várias décadas da execução da obra, quando surgem as primeiras manutenções preventivas, fica evidente a dificuldade de refazer os serviços com o mesmo cuidado do trabalho original. A dificuldade em dispor de materiais semelhantes é patente e a mão de obra qualificada para os serviços de reparo é quase ine-xistente.

O que se percebe, pois, são reparos localizados em vários pontos, executados de forma inadequada e com aparência e qualidade simplesmente incompatíveis com os acabamentos originais, o que causa estragos e danos irrecuperáveis ou de execução demasiadamente custosa para obras que, pelo seu pró-prio uso, dispõem de parcos recursos para manutenções em qualquer escala.

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Este texto expõe, de forma resumida, a metodologia adotada para os reparos da Igreja Nossa Senhora da Consolação, na capital paulista. Serão abordados aspectos de recuperação das cúpulas internas e das fachadas externas.

2. RECUPERAÇÃO EXTERNA As fachadas da Igreja da Consolação são compostas por dois tipos básicos de revestimentos: cantaria e reboco1. De maneira geral, as paredes da Igreja da Consolação são em cantaria (Figura 1) e os adornos, detalhes e revestimentos dos pilares são em argamassa de reboco (Figura 2). Não foram feitas avalia-ções minuciosas para averiguar se a cantaria é usada como elemento estrutural das vedações verticais, mas aparentemente isto acontece em alguns locais.

Figura 1. Detalhe de parte da fachada em cantaria

(foto do autor) Figura 2. Detalhes do reboco de fachada

(foto do autor)

Figura 3. Sujeira, pichação e desagregação

(foto do autor) Figura 4. Frisos da cantaria deteriorados

(foto do autor)

1 Reboco: usa-se aqui o termo reboco para designar uma argamassa composta de agregados minerais graúdos (principais responsáveis pelo aspecto final do produto endurecido), areia fina, pó de mármore, cimento, cal e eventualmente algum corante de origem mineral. A composição da argamassa pode variar em traço e conteúdo de acordo com a região e a dosa-gem, de modo que os componentes citados podem ou não estar presentes. O termo usual na época era “massa lavada”. Hoje, ouve-se massa batida, fulget, granito lavado, entre outras menos comuns.

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Os problemas detectados se resumem a quatro principais: acentuado acúmulo de sujeira, pichações localizadas, desplacamento/desagregação generalizada do reboco (Figura 3) e deterioração global dos frisos de argamassa da cantaria (Figura 4).

2.1 Cantaria O problema existente na cantaria resumia-se basicamente aos frisos de argamassa, seja por desagrega-ção mecânica ou por descolamento da base. Em muitos locais já havia sido feita pelo menos uma in-tervenção, mas não houve o cuidado em remover a argamassa existente no interior das juntas das pe-dras, o que culminou em fraca ancoragem superficial, posterior perda de aderência e destacamento.

Também, mesmo os frisos originais estavam com som cavo em vários locais, além de sujos em dife-rentes níveis e com pichações localizadas. Uma vez que a remoção parcial deixou muito visível as áreas recuperadas e culminou por afetar partes adjacentes, a decisão final foi pela remoção completa dos frisos e posterior reaplicação.

Para garantir uma ancoragem adequada, a argamassa dos frisos foi removida em pelo menos 1cm de profundidade nas juntas das pedras (Figura 5). Após limpeza com jato de água a alta pressão, permitiu-se um tempo de secagem superficial e em seguida foi aplicada uma demão de pasta de cimento (cimen-to amolentado com resina acrílica) dentro das juntas, formando uma ponte de aderência para a arga-massa. Na seqüência e antes da secagem da ponte de aderência, foi aplicada a argamassa e foram re-confeccionados os frisos das juntas no formato semelhante ao original, com cerca de 2cm de largura.

A reconstrução dos frisos foi um trabalho estritamente artesanal e lento, executado com auxílio de espátulas e desempenadeiras (Figura 6). O traço2 de argamassa utilizado foi exaustivamente testado até chegar-se numa proporção de componentes em que a retração da argamassa não se manifestou na for-ma de fissuras visíveis. Foi usado um traço básico de 1:6 (cimento:agregado), sendo que o agregado foi representado por uma mistura de areia fina, areia média e pó de mármore numa proporção aproxi-mada de 5,5:0,5 (areia: pó de mármore). Tal composição resultou numa argamassa bastante plástica e de trabalhabilidade adequada para o fim a que se destinou.

Figura 5. Preparo das juntas da cantaria

(foto do autor) Figura 6. Reconstrução dos frisos (foto do autor)

Não foi utilizado qualquer tipo de aditivo na argamassa dos frisos, uma vez que produtos de baixa qualidade poderiam causar alteração de cor no futuro e a limpeza do excesso de argamassa sobre as pedras ficaria em muito dificultada. Assim, a aderência foi otimizada apenas pelo uso da ponte de ade-rência já descrita nos parágrafos anteriores.

2 Todos os traços aqui especificados referem-se a volumes úmidos e optou-se pelo uso de cimento tipo CP IIF e cal CH I.

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Uma vez que o clima local era bastante agressivo, foi utilizada uma manta plástica preta sobre os frisos recém executados, protegendo-os do vento e sol; pelo menos duas vezes ao dia e durante por no míni-mo sete dias, a manta foi afastada, os frisos foram encharcados com água limpa e a manta foi recolo-cada. Tal metodologia de cura mostrou-se fundamental para evitar a fissuração dos frisos.

2.2 Sujeira e pichação

A poluição do local, extensamente povoado e com alta circulação de veículos particulares e ônibus, provocou grande impregnação de fuligem nas fachadas. Nos locais onde não houve intervenção para remoção do emboço, foi executada uma lavagem com quatro tipos de detergentes industriais: um neu-tro, um alcalino, um ácido e um baseado em solventes desengraxantes. Os produtos alcalinos e ácidos tinham seu PH muito próximo de sete, de modo a evitar agressões severas nos pontos de aplicação. Ao final dos testes, optou-se pelo uso do detergente de caráter básico (Yellow Pine, da Spartan do Brasil) diluído em água.

A aplicação se deu com o encharcamento prévio da base, aplicação do detergente diluído em água com escova de cerdas plásticas e posterior lavagem com jato de água a alta pressão, suficientemente afasta-do para evitar novos danos a um revestimento já fragilizado. Foram executadas duas lavagens, o que resultou numa limpeza adequada e total remoção das pichações existentes.

2.3 Desagregação e desplacamento

As partes da igreja revestidas por reboco apresentaram problema de aderência na interface chapis-co/alvenaria (Figura 7) e raros foram os casos em que o reboco tinha se destacado do emboço. A ca-mada superficial da alvenaria de tijolos maciços estava fragilizada mecanicamente e apresentava-se friável e facilmente riscável ao toque da unha, resultado dos inúmeros ciclos de secagem e umedeci-mento decorrentes da idade do edifício e da infiltração de água por trincas e fissuras.

Figura 7. Desplacamento do emboço (foto do autor) Figura 8. Emboço removido e base preparada (foto do autor)

A remoção do emboço nos locais atingidos não apresentou dificuldades devido à aderência estar bas-tante comprometida. Após esta etapa, a alvenaria foi lavada com jato de água a alta pressão, o que removeu a camada superficial dos tijolos comprometida pela baixa resistência mecânica.

Com a alvenaria umedecida, foi aplicado chapisco tradicional no traço 1:3 (cimento:areia grossa) e, após pelo menos três dias de cura úmida, foi aplicado o emboço em espessura tal que o reboco voltasse ao nível original, preservando a volumetria da obra. O emboço foi executado em traço 1:1:6 (cimen-

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to:cal:areia), sendo que houve preparo de argamassa intermediária para maximizar a trabalhabilidade final. Os seis volumes de areia eram compostos de areia fina e média em proporções semelhantes.

Cuidados foram tomados antes das demolições para que todos os detalhes da fachada pudessem ser recompostos nas suas dimensões originais, sem perda de referência. Assim, para detalhes curvos e arredondados foram feitos moldes em chapa galvanizada3 e/ou fibra (Figura 9), de modo que a massa de emboço pudesse ser “cortada” na forma exata, ficando pronta para receber a camada final do reboco (Figura 10).

Figura 9. Recomposição com auxílio de moldes

(foto do autor) Figura 10. Emboço refeito nos detalhes

(foto do autor)

A recuperação do emboço e o tratamento da alvenaria não envolveram grandes trabalhos, uma vez que as técnicas utilizadas puderam ser as atuais. Para recompor o reboco, entretanto, foi necessário o estu-do de um traço que imitasse ao máximo o reboco original, já deteriorado pela ação do tempo e polui-ção do ar.

Inicialmente, a idéia foi de realizar uma reconstituição química de traço, mas logo em seguida foi a-bandonada porque a verba disponível para ensaios químicos e físicos e para a pesquisa de matéria pri-ma era escassa. Ademais, a reconstituição de traço não traria grandes benefícios na elaboração do novo reboco. Então, a metodologia adotada foi de usar os materiais de que se dispunha e produzir uma ar-gamassa com composição granulométrica que se aproximasse ao máximo da existente nas fachadas.

Na primeira etapa, uma pequena parte do reboco original foi fragmentada em nódulos que, por sua vez, foram dissolvidos em ácido clorídrico diluído. Durante a dissolução, os nódulos foram amassados com auxílio de bastões de madeira, acelerando o processo e evitando ao máximo a agressão do ácido aos minerais existentes na composição.

Em seguida, o agregado já solto foi analisado visualmente e levado a um fornecedor de matéria prima para revestimentos semelhantes ao reboco. Desta consulta foram definidos os agregados a serem utili-zados nos testes de composição do novo reboco: cristal (quartzo brilhante) em duas granulometrias, branco (calcário leitoso) em duas granulometrias e preto (diabásio), também em duas granulometrias. Além destes, foram também usados cimento branco, cimento cinza, areia fina e cal na composição da argamassa final.

3 É importante salientar que moldes de molduras devem sempre ser usados de forma a não deixar vestígios de ferro na fachada, o que pode ocasionar manchas de ferrugem no futuro.

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Foram elaboradas quatro composições iniciais, onde se percebeu a pequena influência da areia no as-pecto visual final do produto aplicado. A partir daí, foram formulados mais oito composições diferen-tes, basicamente com variações nos teores de cristal e preto. Atingido o aspecto desejado do agregado exposto após a aplicação e secagem dos panos teste, trabalhou-se a cor de fundo por meio da variação dos teores de cimento cinza e branco (Figura 11).

Um aspecto muito importante que norteou a definição do traço final foi o teor aglomerante:agregado, mantido sempre em torno de 1:1 a 1:1,25. A ausência de agregados de granulometria reduzida (abaixo de 1mm), exigiu um grande teor de pasta para que a argamassa ficasse trabalhável a ponto de ser apli-cada e acabada de forma adequada. Por outro lado, mostrou-se uma argamassa extremamente rica e sua aplicação em camada espessa apresenta grande chance de fissuração. Assim, o emboço foi aplica-do de forma que a camada de reboco não foi mais espessa que 8mm.

Todo o revestimento original estava dividido em pequenos quadros, tanto por motivos arquitetônicos quanto por motivos executivos e de manutenções futuras. Revestimentos deste tipo não aceitam reto-ques e sua manutenção deve sempre ser executada em todo um pano definido por juntas ou frisos de fachada (Figura 12).

Figura 11. Panos de teste do reboco (foto do autor) Figura 12. Frisos na emenda de panos do reboco (foto do autor)

Desta forma, o revestimento reaplicado respeitou rigorosamente a disposição dos frisos existentes, todas as emendas entre panos foram executadas na posição dos frisos e a quantidade mínima de reves-timento aplicado foi sempre a equivalente a pelo menos um quadro definido por quatro ou mais frisos. Os frisos existentes definem quadros de pequena dimensão, como por exemplo 25x40cm, 25x50cm, 30x50cm. Nas áreas ao nível das platibandas, os frisos são eqüidistantes em aproximadamente 60cm (Figura 13).

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Figura 13. Disposição dos frisos no revestimento final do reboco e detalhe da cantaria (foto do autor)

3. RECUPERAÇÃO INTERNA

Por uma questão de cronograma da obra e verba disponível, a recuperação interna será executada após o término da externa, o que significa data prevista para o final de 2006. Assim, os resultados da inter-venção e seus empecilhos serão discutidos futuramente. O texto a seguir ilustra os problemas detecta-dos e estabelece a metodologia de reparo dos pontos afetados.

Em análise preliminar visual, o revestimento interno das cúpulas apresentou grandes trechos agredidos por manchas, descolorações e formação de mofo em pontos específicos. Após uma análise em maiores detalhes, percebeu-se que os pontos atingidos pelos problemas sofreram ação da água infiltrada através de pontos em que houve falhas na estanqueidade do telhado.

Alguns pontos deteriorados foram analisados por meio de intervenções mecânicas com ferramentas manuais, o que permitiu comprovar que os pontos não atingidos pela água estavam em estado de con-servação sensivelmente superior aos demais e com boa resistência à abrasão. A Figura 14 mostra uma das cúpulas vista por cima e a Figura 15 um esquema da concepção estrutural. Pode-se perceber que existe um acúmulo de entulho no vértice das cúpulas que, devido à infiltração de água pelo telhado, resulta numa região encharcada que corresponde aos pontos de maior deterioração da parte interna da igreja.

Durante as análises in loco, a coloração esbranquiçada das argamassas e sua facilidade em sofrer abra-são e riscamento (em comparação com uma argamassa cimentícia) foram fortes indícios de uma arga-massa composta principalmente de areia e cal e com possível teor de gesso. Esta conclusão pôde tam-bém ser fortalecida pelo fato de que argamassas deste tipo eram comumente utilizadas na época da construção da Igreja.

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Figura 14. Vista da parte superior da cúpula (foto do autor) Figura 15. Esquema estrutural das cúpulas

Diferentemente de uma argamassa mista de cimento e cal, argamassas apenas baseadas no efeito a-glomerante da cal necessitam de vários meses e até anos para adquirir resistência mecânica, e ainda assim bem inferior aos produtos cimentícios. Sua química de endurecimento está baseada na reação de hidratação da cal e carbonatação do hidróxido de cálcio,

( )22 OHCaOHCaO ⎯→⎯+

( ) OHCaCOCOOHCa tempo2322 +⎯⎯ →⎯+

o que resulta num composto duro, frágil e praticamente insolúvel em água com PH neutro. Também, tal reação neutraliza o PH elevado proporcionado pelo efeito alcalino do hidróxido de cálcio e, portan-to, atenua o caráter protetor das armaduras existente no meio alcalino. Esse fato não apresenta proble-mas desde que não haja contato das armaduras com água líquida, o que não ocorreu devido às infiltra-ções de água pelo telhado.

Em algumas situações, essas argamassas podem receber um teor reduzido de gesso para acelerar o endurecimento inicial e facilitar a aplicação e o acabamento. Por outro lado, a presença de gesso impe-de o uso de cimento na argamassa se o destino do revestimento for algum local sujeito à umidade, uma vez que os dois materiais podem reagir expansivamente quando em presença de água, o que pode re-sultar na ruptura mecânica da argamassa endurecida.

Frente ao tipo de desagregação encontrada na argamassa de revestimento interno e à localização dos problemas em todos os vértices (encontros com os pilares) das cúpulas, pôde-se concluir que:

• a deterioração da pintura foi causada por dois efeitos principais: saponificação e cripto-eflorescência. O primeiro efeito foi devido à presença de água líquida com PH elevado e o se-gundo representou a cristalização de sais entre a camada de pintura e a base que lhe dá supor-te, o que prejudicou seriamente a aderência e causou destacamento em forma de filme com uma camada pulverulenta no verso (Figura 16);

• a argamassa sofreu desagregação mecânica por ciclos de molhagem/secagem, o que causou a solubilização contínua dos sais da rede cristalina, resultando em lixiviação e aumento de poro-sidade. Também, esses ciclos causaram variações volumétricas no corpo da argamassa, o que causou a contínua ruptura da sua matriz resistente por esforços de compressão e tração;

• o aumento de porosidade ao longo do tempo permitiu a penetração de umidade em escala crescente, acelerando ainda mais seu efeito nocivo até chegar à completa perda de aderência em alguns casos. Partes do revestimento (algumas com frágil resistência mecânica e outras já

telhado

Vértice

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em estado de pulverulência) estão apenas suportados por regiões circunvizinhas e pelo efeito confinante da película de tinta.

Figura 16. Vista interna das cúpulas mostrando a ação deletéria da água infiltrada (foto do autor)

Após ensaios de composição granulométrica da areia utilizada nas cúpulas, foram executados ensaios de difração de raios X (DRX) para identificar quais os compostos químicos presentes no material en-durecido, o que permitiu deduzir com grande grau de certeza quais os compostos utilizados na sua produção original.

Após a análise dos dados fornecidos, verificou-se a presença principal de sílica e carbonato de cálcio, ou seja, areia e subproduto da cal. Não foram encontrados compostos que indicassem a presença de cimento na argamassa original em qualquer dos pontos analisados, o que confirmou a hipótese inicial do uso de argamassas compostas principalmente por cal e areia.

O revestimento das cúpulas está suportado por telas tipo déployé e/ou fios trançados ancorados em uma estrutura espacial de barras de aço que, por sua vez, estão atirantadas à estrutura de madeira do telhado. Uma vez que os tirantes encontram-se atualmente sem qualquer tensão de tração, pode-se supor que seu uso teve apenas função construtiva e que as cúpulas são capazes de auto-sustentação por efeito arco. Independente deste fato, os pontos atingidos serão recuperados como segue:

• os locais onde a argamassa está friável e com visível destacamento devem ser removidos e re-compostos. O termo friável aqui deve ser tratado com muito cuidado, pois mesmo os locais em bom estado apresentam baixa resistência à abrasão por se tratar de uma argamassa de cal;

• locais em que houve corrosão das telas suporte devem ser tratados por meio da substituição localizada do material por outro mecanicamente semelhante. Durante a inspeção, foram raros os pontos com corrosão visível da armadura.

Nos demais locais afetados, como paredes e arcos onde não existe reforço metálico, o revestimento deve ser simplesmente recomposto. É importante ressaltar que apenas os locais realmente danificados

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e com risco de queda devem ter o revestimento removido e reaplicado. Nos demais pontos, a argamas-sa existente será tratada com uma solução de cal preparada da forma explicada abaixo e explicitada por GOMES et all (1999) e NASCIMENTO (2002):

• separar uma parte de cal CH I e 8 partes de água, em volume;

• misturar, de preferência mecanicamente, por pelo menos cinco minutos;

• deixar a solução descansar por pelo menos 24h;

• retirar a solução sobrenadante e separar para aplicação. Os resíduos de fundo não devem ser coletados.

Tal solução proporcionará a aglutinação e aumento da resistência mecânica do conjunto e deve ser aplicada como segue:

• na parte superior, os locais atingidos devem ser encharcados até que a umidade seja visível na parte inferior. Essa ação deve ser repetida três vezes, sendo que o intervalo entre elas é o tem-po de secagem (estimado em 3-5 dias) da parte inferior;

• na parte inferior, após a limpeza e remoção de partes soltas, a solução de cal deve ser borrifada nos locais atingidos até o completo encharcamento, também por três vezes.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Gomes, Adailton O.; Maciel, Luciana L. Estudo da argamassa de cal para restauração de edifícios históricos. In: III Simpósio Brasileiro de Tecnologia de Argamassas, 1999, ES. Anais. ES, SBTA, 1999, p.621-632.

Nascimento, Claúdia B. Deterioração de forro em estuque reforçado com ripas vegetais: o caso “Vila Penteado” – FAUUSP. 2002. 245p. Dissertação (mestrado) – Escola Politécnica, Universida-de de São Paulo. São Paulo, 2002.