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® BuscaLegis.ccj.ufsc.br Direito e Natureza na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen Ana Cecília Hune da Costa Ferreira da Silva* PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO Disciplina : TEORIA GERAL DO DIREITO PROFESSOR DR. CLÁUDIO DE CICCO Mestranda : Ana Cecília Hune da Costa Ferreira da Silva Trabalho Semestral SP - 25/06/98 - quinta-feira

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Direito e Natureza na Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen

Ana Cecília Hune da Costa Ferreira da Silva*

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Disciplina : TEORIA GERAL DO DIREITO

PROFESSOR DR. CLÁUDIO DE CICCO

Mestranda : Ana Cecília Hune da Costa Ferreira da Silva

Trabalho Semestral

SP - 25/06/98 - quinta-feira

TEORIA PURA DO DIREITO ( HANS KELSEN )

Inicialmente, antes mesmo dos comentários sobre o Direito e a Natureza, objeto deste estudo e que compõe o primeiro capítulo do livro de Hans Kelsen, a "Teoria Pura do Direito", fazemos alguns comentários, tanto relativamente ao prefácio da primeira edição, em Genebra, em maio de 1934, quanto relativamente ao prefácio da segunda edição, feito em Berkeley, California, em 1960.

Justificam-se tais comentários, porquanto nos oferecem uma visão interessante daquilo que iremos abordar.

PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇÃO (Genebra maio /34)

Comentários :

O autor em foco afirma ter aprendido desenvolver uma teoria jurídica pura e purificada de toda a ideologia política e de todos os elementos de ciência natural.

Uma teoria jurídica consciente de sua especificidade porque consciente da legalidade específica do seu objeto.

Com tal colocação pretende garantir um conhecimento apenas e tão somente dirigido ao Direito, excluindo desse conhecimento tudo quanto não

pertença ao seu objeto, isto é, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito.

Na relação entre a ciência jurídica e a ciência política deve existir verdadeira separação, já que esta última produz efeitos negativos a um Direito Puro.

Diz que essa sua teoria pura do direito deve ser rebatida e contestada, mas, demonstra que tais contrariedades somente reafirmam seu entendimento, ou seja, o Direito Positivo não é ciência porque não admite boa interpretação da norma, muito menos autenticidade (aquela feita pelo legislador).

A interpretação da norma não é, nem boa, nem ruim, porque é ato de vontade e o cientista não pode escolher uma interpretação, deve se valer de todas e, se não puder provar o que é verdadeiro, não pode colocar o assunto como ciência. Se não prova, não pode fazer ciência.

Aponta a falta de uma força social que possa contrabalançar os interesses poderosos, criadores de uma ideologia social em contradição da uma teoria pura do Direito.

PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO (Berkeley, Califórnia abril/60)

Comentários :

Diz Hans Kelsen que procura nesta nova edição, resolver os problemas mais importantes de uma teoria geral do Direito de acordo com os princípios da pureza metodológica do conhecimento científico jurídico e, ao mesmo tempo, aperfeiçoar o trabalho anterior , a posição da ciência jurídica no sistema das ciências.

Ressalta que o estudo versará sobre o Direito e Natureza e observa que em face da multiplicidade de conteúdo dos ordenamentos jurídicos positivos, uma teoria geral do Direito corre sempre o risco de não abranger todos os fenômenos jurídicos nos conceitos jurídicos fundamentais por ela definidos.

Analisa e compara a sua teoria por ocasião da primeira guerra mundial e após a segunda guerra mundial, concluindo que do ponto de vista da literatura, ela continua a esbarrar na oposição daqueles que prescrevem ao Direito um determinado conteúdo valorativo para o Direito positivo.

É especialmente a renascida metafísica do Direito natural, opondo-se ao positivismo jurídico.

ALGUMAS TEORIAS DE HANS KELSEN

A ciência do Direito não tem ingerência sobre o juiz nem sobre o legislador, é sempre um ato de vontade, porque se a ciência disser qual é a interpretação correta não é mais ciência.

A ciência que procura fazer a interpretação das leis, denomina-se hermenêutica, a qual oferece ao intérprete os mais variados elementos para que se possa entender o seu conteúdo e, assim, buscar o seu sentido.

Entende o Direito Positivo como norma, dizendo que o Direito Positivo é o encadeamento lógico na competência para edição da norma e decidibilidade , formando uma estrutura hierarquizada não passível de valoração sustentada na norma hipotética fundamental.

A norma hipotética fundamental é a Constituição, de modo que com base nela se pode estruturar uma hierarquia, no sentido de uma lei maior encadeando outras leis de menor poder.

Trata da situação na qual uma determinada norma é editada em contrariedade com a Constituição Federal e diz que nessa hipótese, não quer dizer que seja nula ou inexistente, porque embora inconstitucional, produziu efeitos.

O efeito decorre da aplicação da norma, de modo que deve se levar em conta a inconstitucionalidade, que é pressuposto para a sanção de anulação e que produz efeito " ex tunc", ou seja, que tem efeito retroativo.

De fato, exatamente porque contraria a norma fundamental ela não deve continuar em vigência e dentro da estrutura hierarquizada ela não poderia produzir efeitos relativamente a outras normas que estavam de acordo com a norma fundamental, logo, normas constitucionais, de modo que sua anulação deve, realmente, retroagir ao momento de sua edição.

O legislador pode criar normas (constitucionais e inconstitucionais), pois seu resultado é sempre positivo já que ela, enquanto não for julgada inconstitucional está a produzir seus efeitos.

Isso se dá porque se a norma for inconstitucional e, ao final o judiciário disser que a norma é constitucional, ela passará a ser constitucional.

Não há inconstitucionalidade nem decisão ilegal, porque quem diz o direito é o juiz e mesmo em grau de recurso é ele que dirá o Direito encontrando base constitucional para tanto.

A decisão que se fundamenta numa norma que se encontra em vigor é a decisão que obedece ao ordenamento jurídico de um Estado, logo, ainda que com base numa norma inconstitucional, enquanto essa norma não for anulada ela não poderá ser taxada de inconstitucional ou ilegal, já que está na norma fundamental o seu apoio, ou seja o seu fundamento.

Não há distinção entre vontade do particular e do legislador. Somente há ato de vontade. É que a norma possuidora do caráter geral, regula as atividades da sociedade e não teria qualquer cabimento se o particular pretendesse adequar o seu conteúdo à sua própria vontade. Assim, podemos concluir que o legislador impõe a vontade para a coletividade e no seio dessa coletividade o particular deve se comportar de acordo com o determinado por essa norma. Isso quer dizer que estando a norma em vigor não existe distinção entre as respectivas vontades, ou seja, tanto do particular, como legislador, da mesma forma que podemos dizer que não existe decisão legislativa e judiciária - sempre é ato de vontade. O fenômeno neste particular é o mesmo do anterior, ou seja, se o legislador impôs a norma e se o juiz com base nessa norma praticou uma decisão, estamos vendo que existe, isto sim, uma convergência de vontades, nunca distinção entre elas.

De toda essa colocação resulta que também não se faz distinção entre Direito Público e Direito Privado.

O Direito Público é aquele que coloca o interesse geral da sociedade acima do interesse do particular e o Direito Privado é aquele que coloca todos os interesses, não importando qual seja a sua natureza, coletivo ou particular, todos num mesmo plano, sem que haja prevalência de um sobre outro.

É o ato de vontade do legislador que faz tal colocação, porém, não importa se numa ou noutra situação, porque sempre o que existe é ato de vontade e o Direito sempre é um só. Portanto, não há distinção entre Direito Público e Direito Privado.

Hans Kelsen não considerava a sanção como um meio para realizar a norma jurídica, mas sim, o elemento essencial da estrutura da norma.

Não reconhecia lacunas no Direito. A sistemática jurídica era composta de um todo e não havendo uma norma específica para determinado assunto aí não existiria o Direito. Logo, o todo não apresentava lacunas.

Não reconhece a inconstitucionalidade, tampouco decisão ilegal, na medida em que somente após a declaração anulatória da norma se pode dizer que ela mesmo tendo produzido seus efeitos, os tem retroagindo ao momento de seu uso; e a decisão não é ilegal uma vez que se agiu com base numa norma editada pelo legislador, apesar de inicialmente estar em contrariedade com a norma fundamental.

Afirma que tudo que não é proibido é permitido. De fato, o Direito procura proibir determinadas condutas e o faz especificamente, de sorte que se não estiver dentro das respectivas proibições, a conduta será permitida, Tal ocorre para regular o "modus vivendi" da coletividade.

Afirma que a norma primária estabelece sanção e que a norma secundária não estabelece sanção.

Afirma que o Direito vale, porque é obedecido. Se não fosse obedecido não teria eficácia, de modo que a norma posta não teria qualquer utilidade e, assim, não teria qualquer validade.

APÓS ESTAS BREVES CONSIDERAÇÕES, PASSEMOS A ANÁLISE DOS ASSUNTOS QUE COMPÕE O OBJETO DESTE ESTUDO.

Ao tratarmos do Direito e Natureza, sob a ótica de Hans Kelsen iremos abordar o sentido do que o autor entende por pureza. Abordaremos o ato e seu significado jurídico, bem como o sentido subjetivo e o sentido objetivo do ato e a sua auto-explicação.

A seguir falaremos sobre a norma, seja como esquema de interpretação, seja como produção normativa, a sua vigência e o domínio da vigência da norma. A regulamentação positiva e negativa e o seu valor.

A ordem social estatuindo sanções. A indagação se haverá ordens sociais desprovidas de sanções. As sanções transcendentes e as sanções socialmente imanentes.

Por fim teceremos considerações sobre a ordem jurídica, comentando a ordem de conduta humana e uma ordem coativa. O Direito como ordem normativa de coação. A comunidade jurídica e "bando de salteadores", os deveres jurídicos sem sanção e normas jurídicas não autônomas.

DIREITO E NATUREZA

A "PUREZA"

Hans Kelsen, assim, inicia suas observações : "A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo - do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial. É teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação."

Generaliza a teoria dizendo que apesar de se ter uma teoria da interpretação, não se pode ficar circunscrito a fazer interpretações específicas, tomando-se normas jurídicas em espécie, que sejam nacionais, quer sejam internacionais.

Como teoria, quer única e exclusivamente conhecer o seu próprio objeto, isto é, responder exclusivamente o que é e como é o Direito, assim, distingue a ciência jurídica da política do Direito, já que não importa a questão de saber como deve ser o Direito. Não há interesse em adequá-la a esta ou aquela sociedade. A este ou aquele costume. É ciência jurídica e não política do Direito.

A utilização da palavra pureza deve ser entendida no seu caráter semântico, para que se possa entender a Teoria Pura do Direito. Deve-se excluir tudo quanto não pertença ao objeto, tudo quanto não se possa , rigorosamente, determinar como Direito.

Portanto, seu princípio metodológico fundamental é libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Isto deve ser assim para que se possa satisfazer a exigência da pureza, evitando-se fazer a confusão com outras ciências que possuem estreitas conexão com o Direito. Assim, a Teoria Pura procura evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que são impostos pela natureza do seu objeto.

Podemos, então, afirmar que o direito, para o jurista, deve ser encarado como norma simplesmente. Deve ser despido de qualquer fator social ou outros valores, que não sejam o puro Direito. Esse entendimento deve ser feito em relação ao seu objeto e ao seu método. Há quem entenda, que sua intenção foi, neste particular, dar autonomia aos juristas.

O ATO E SEU SIGNIFICADO JURÍDICO

A colocação inicial que deve ser feita é da indagação acerca da situação do Direito, isto é, se ele pertence ao mundo da natureza, ou se ele pertence ao mundo social.

Se existe diferença entre natureza e sociedade, já que seus objetos são diferentes, não se pode, por outro lado, afirmar, frente a real ou efetiva convivência entre homens que a sociedade está completamente separada da natureza, isto porque ela aparece como parte da vida em geral, logo, como parte da natureza.

Tal colocação leva o Direito, quanto a uma parte de seu ser, situar-se como parte da natureza e na sua outra extensão, ou seja, no seu complemento, como ciência social.

Num estudo dos fatos que se classificam como jurídicos, aqueles que revestem-se de significado jurídico (quando possuem conexão com o Direito), necessário se faz fazer duas observações :

Para analisá-lo deve-se distingui-lo em dois elementos:

primeiro, um ato que se realiza no espaço e no tempo - quando se exteriorizado de forma coordenada, manifesta uma conduta humana;

segundo, ou ser analisado por sua significação jurídica, isto é, se possui significação à luz do Direito.

Desde que manifeste uma conduta humana e tenha significação jurídica, o ato deve entendido como ato do Direito. É ato no qual existe uma relação entre sua realização no tempo e no espaço, sensorialmente perceptível (ato externo de conduta) e a sua significação do ponto vista do Direito. É o caso de um indivíduo que de cima de um tablado pronuncia algumas palavras em face de outro indivíduo que se encontra de pé à sua frente, demonstrando pelo processo exterior que foi dada uma sentença.

É o caso de se fechar um contrato entre duas pessoas; é o caso da edição de uma lei na Casa Legislativa; e até mesmo da prática de um crime. Em todos estes casos existem uma conduta exteriorizada e um significado jurídico.

O SENTIDO SUBJETIVO E O SENTIDO OBJETIVO DO ATO.

SUA AUTO-EXPLICAÇÃO.

A significação jurídica do ato não pode ser percebida por meio dos sentidos, como a cor, a forma, a dureza, o peso, etc. É preciso para se reconhecer o ato jurídico, não que um indivíduo o exponha subjetivamente, é necessário também que sua aplicabilidade e o seu entendimento tenham um significado objetivo. O ato subjetivo é a mera expressão de vontade do indivíduo, mas no ponto de vista do Direito pode não significar nada, por lhe faltar pressupostos legais, inerentes ao conhecimento do Direito, diz-se do ato jurídico. Aquele com forma e características que interessam ao Direito.

O ato deve, na medida que for expresso, dizer algo sobre a sua significação jurídica. O autor oferece alguns exemplos, como - uma planta não pode comunicar sobre si própria ao investigador da natureza que a procura classifica-la cientificamente; já, os indivíduos reunidos num parlamento podem expressamente declarar que votam uma lei ou ainda, uma pessoa pode expressamente declarar como testamento a sua disposição de última vontade. etc.

Assim, se um ato contiver um material, uma auto-explicação jurídica, possuindo característica que digam respeito ao Direito, então esse ato, por si só, é jurídico.

A aplicação da pena de morte sem o devido processo legal não pode ser considerado um ato jurídico, pois apesar de ser um ato exteriorizado no tempo e no espaço, não obedeceu aos ditames da regulamentação legal a respeito do assunto, logo, não possui significado jurídico.

A NORMA

A norma como esquema de interpretação.

Um ato simplesmente exteriorizado, ou seja, aquele praticado no tempo e no espaço e, por isso mesmo, sensorialmente perceptível não pode ser considerado ato jurídico (lícito ou ilícito), conforme já explanado no capítulo anterior, se não possuir significação jurídica.

O ato, nestas circunstâncias, como parcela da natureza, é determinado pela lei da causalidade e para ser transformado em num ato jurídico é preciso que tenha um significado objetivo. É, pois, o seu sentido objetivo - o sentido jurídico específico e a sua particular significação jurídica, o que lhe é dado pela norma jurídica, que lhe permite ser interpretado por intermédio de uma norma.

É a interpretação normativa que determina se o ato possui características particularmente jurídicas. Portanto, a norma empresta ao ato um significado de um ato jurídico (ou antijurídico). Faz um ato subjetivo ter aplicabilidade objetiva e receber uma interpretação normativa, tornando-se efetivamente um ato Jurídico.

O conteúdo de um acontecer fático coincide com o conteúdo de uma norma que se considera válida, de modo que é isso que faz da norma um esquema de interpretação para demonstrar que o ato é jurídico.

Norma e produção normativa

O conhecimento jurídico dirige-se a estas normas que possuem o caráter de normas jurídicas e conferem a determinados fatos o caráter de atos jurídicos (ou antijurídicos).

O Direito constitui o objeto do conhecimento, sendo uma ordem normativa da conduta humana, um seja um sistema de normas que regulam o comportamento humano.

O termo "norma" - significa a forma, o modo pelo qual um cidadão deve se conduzir. É a forma de se conduzir outrem. É a maneira de se determinar um meio de conduta - de determinar o convívio humano.

Exprime-se a vontade de que um outro indivíduo deva se conduzir desta, ou daquela forma. Não se podendo, neste particular, pretender que um indivíduo se conduza desta ou daquela maneira, mas, sim, que ele deva se conduzir desta ou daquela maneira.

Primeiramente vale salientar a distinção entre as categorias do (ser) e do (dever ser), pois para Kelsen a consciência humana só as vê como elas são (a parede é branca), ou como elas devem ser ( a parede deve ser branca). Esse modo de entendimento de uma atitude - o entendimento do comportamento humano é que nos leva ao entendimento destas categorias.

Mas o exemplo é que poderá elucidar essa compreensão:

Ex: O indivíduo levanta a mão numa assembléia ( José levantou a mão) - sentido natural do comportamento humano entendido como - SENTIDO DESCRITIVO (SER / ESTAR PRESENTE );José Deputado Federal levantou a mão votando contra - SENTIDO PRESCRITIVO (DEVER SER / PODER DE / PERMISSÃO PARA ...votar...

O autor demonstra que o verbo "dever" é usado no sentido de - estar autorizado a - ter permissão para - poder de - ter competência para - (conduzir-se de acordo com a norma) praticar ou deixar de praticar o ato jurídico - ilícito ou lícito.

A norma é um dever-ser e o ato de vontade de que ela constitui o sentido é um ser.

Essa Teoria da norma fundamental tem como objeto fundamental, demonstrar a neutralidade científica aplicada a ciência jurídica.

Observa-se ainda que nem sempre a norma é posta, pode ela existir, ser aplicada, mas não ser posta.

Tal situação ocorre naturalmente entre indivíduos, pois há normas de condutas que nem sempre estão postas, no entanto o dever-ser conduz o indivíduo a um ser, utilizando-se daquele comando. Situação que ocorre oriundo dos "costumes".

Os "costumes" se constituem num modo de procedimento das pessoas sem que haja uma determinação específica a respeito do assunto. Através dos "costumes tanto podem ser produzidas normas morais, como normas jurídicas.

A norma pode, ainda, estar pressuposta no pensamento. É a norma que é querida e, mesmo não sendo querida, é pensada, porém, não é posta, ou seja, não é norma positiva e, no entanto, determina o modo de conduta das pessoas.

VIGÊNCIA E DOMÍNIO DE VIGÊNCIA DA NORMA

Diz o autor que com a palavra vigência a existência específica de uma norma. Quando descrevemos o sentido ou significado de um ato normativo - dizemos que com o ato em questão, uma conduta qualquer humana é preceituada, ordenada, prescrita, exigida, proibida; ou então consentida, permitida ou facultada.

Ora, substituindo-se todos os termos acima pela palavra dever-ser - exprimimos a vigência, desde que ela os substitua.

A existência de uma norma positiva, ou seja, a sua vigência, é diferente da existência do ato de vontade de que ela é o sentido objetivo.

A norma pode valer (ser vigente) quando o ato de vontade de que ela constitui o sentido já não existe.

Ela somente entra em vigor, depois do ato de vontade, cujo sentido ela constitui, ter deixado de existir.

O indivíduo que com seu ato intencional dirigido à conduta de outrem, criou uma norma jurídica, não precisa continuar a querer essa conduta para que a norma que constitui seu ato valha ( seja vigente). Ela já está expressa. Logo, estamos concluindo que a vigência do ato é a sua validade.

A vigência da norma encontra-se na categoria do dever-ser, e não na do ser.

Outra distinção que deve ser feita diz respeito a vigência da norma e a sua eficácia, isto é, do fato real de ela ser efetivamente aplicada e obedecida, e da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos.

Norma vigente, por conseguinte, norma válida, para Hans Kelsen não significa que efetivamente é aplicada e respeitada.

Para ele, a norma jurídica é válida, quando a conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente.

A norma que nunca é aplicada e respeitada, não é eficaz em uma certa medida, logo, não deverá ser respeitada como uma norma vigente .

A vigência e a eficácia da norma são elementos que estão em tempos diferentes. De fato, a norma entra em vigor, antes mesmo de possuir eficácia, isto porque vigência significa validade (é a sua existência específica) e eficácia é a resultante de sua aplicação e respeito.

Pode a norma jurídica entrar em vigor antes mesmo de se tornar eficaz, ou seja antes mesmo de ser seguida e aplicada.

Se a norma não possuir um mínimo de eficácia não é norma válida, de sorte que não possui vigência.

A norma jurídica pode deixar de ser válida quando permanecer duradouramente ineficaz.

A eficácia é, nesta medida, condição da vigência, visto ao estabelecimento de uma norma se ter de seguir a sua eficácia para que ela não perca sua vigência.

A referência da norma relativamente ao espaço e relativamente ao tempo é domínio da vigência espacial e temporal da norma, respectivamente.- O domínio de vigência da norma pode ser limitado ou ilimitado.

De um modo geral a norma se refere ao futuro, isto é, aos fatos que acontecerão, mas, excepcionalmente poderão se referir a fatos passados, ou seja, já acontecidos. Nestas circunstâncias diz-se que a norma tem força retroativa. Neste particular deve-se distinguir-se o período de tempo posterior e o período de tempo anterior ao estabelecimento da norma, já que dessa diferenciação se pode determinar os atos que estão ou que serão atingidos por ela. É o caso dos atos praticados sob o regime nacional-socialista na Alemanha.

A norma pode valer apenas para um determinado espaço e para um determinado tempo, fixados por ela mesma ou por outra norma superior; ou seja regular apenas fatos que se desenrolam dentro de um determinado espaço e no decurso de um determinado período de tempo.

O que as normas de um ordenamento regulam é sempre uma conduta humana, pois, apenas a conduta humana é regulável através das normas.

Além dos domínios de validade no tempo e no espaço das normas, pode-se distinguir, ainda, um domínio de validade pessoal e um domínio de validade material dessas normas.

Todos os outros fatos que não são pertinentes a conduta humana, somente poderão constituir conduta relativa a norma quando estiverem em conexão com uma conduta humana, já que se não existir essa conexão não há falar-se em que a conduta humana é regulável através dela.

REGULAMENTAMENTAÇÃO POSITIVA E NEGATIVA: ORDENAR,CONFERIR

PODER OU COMPETÊNCIA, PERMITIR.

A conduta humana disciplinada por um ordenamento normativo ou é uma ação por esse ordenamento determinado, ou a omissão de tal ação. A regulamentação da conduta humana por um ordenamento normativo processa-se por uma forma positiva e por uma forma negativa. A conduta humana é regulada positiva e por uma forma

negativa. A conduta humana é regulada positivamente por um ordenamento positivo, desde logo, quando a um indivíduo é prescrita a realização ou a omissão de um determinado ato.

Quando é prescrita a omissão de um ato, expressamente está se determinando que esse ato é proibido

Ser a conduta de um indivíduo prescrita por uma norma objetivamente válida é equivalente a ser esse indivíduo obrigado a essa conduta.

Se o indivíduo se conduz tal como a norma prescreve, contida na norma ele cumpre a sua obrigação, uma vez que ele observa essa norma.

Com a conduta oposta, "viola" a norma, ou, o que vale o mesmo, a sua obrigação.

Num sentido amplo, toda a conduta humana que é fixada num ordenamento normativo como pressuposto ou como conseqüência se pode considerar como autorizada por esse mesmo ordenamento.

NORMA E VALOR

O juízo que se faz sobre uma conduta pode apresentar um valor positivo ou um valor negativo.

Quando a conduta estiver de acordo com uma norma objetivamente válida, temos um juízo de valor positivo e, quando não estiver de acordo com a respectiva norma, temos um juízo de valor negativo. No primeiro caso significa que a conduta real é "boa" e, no segundo caso, significa que a conduta real é "má".

"A conduta real a que se refere o juízo de valor e que constitui objeto da valoração, que tem um valor positivo ou negativo, é um facto da ordem do ser, existente no tempo e no espaço, um elemento ou parte da realidade. Apenas um facto da ordem do ser pode, quando comparado com uma norma, ser julgado valioso ou desvalioso, ter um valor positivo ou negativo. É a realidade que se avalia. ..."

Em uma norma constitutiva de certo valor que prescreve determinada conduta e tendo essa norma vindo de Deus ou da natureza criada por Deus, todas as outras normas que possam prescrever uma conduta oposta terão sua vigência (validade) excluída.

O juízo feito acerca da punição de alguém que contrariou a norma, está de acordo com o Direito se traduzir a determinação legal imposta, pois se for feito de maneira diferente, mudando-se o seu conteúdo, será um juízo falso.

É o caso da punição de um ladrão com a pena de morte, quando de conformidade com o Direito vigente ele deverá ser punido com a privação da liberdade. Isto está a demonstrar que não existe norma verdadeira ou falsa, mas simplesmente válida ou inválida.

O valor da norma também pode se apresentar como subjetivo ou objetivo. O valor é subjetivo quando traduz uma relação de um objeto, especialmente de

uma conduta humana, com o desejo ou a vontade de um ou vários indivíduos dirigida àquele objeto; e o valor é objetivo quando consiste na relação de uma conduta com uma norma objetivamente válida.

Aquele que deve dar a resposta sobre a aplicação da norma não tem que fazer um juízo se o seu conteúdo é ou não valioso, se deve-se aprová-lo ou desaprová-lo, mas, somente dar a resposta pedida. Estará, assim, fazendo um juízo de valor objetivo.

O valor da norma também pode ser designado na relação que tem um objeto com um fim. De fato, a adequação do objeto ao fim colimado pela norma é um valor positivo e a contrariedade do objeto ao fim colimado pela norma é um valor negativo.

A ORDEM SOCIAL

ORDENS SOCIAIS QUE ESTATUEM SANÇÕES

A ordem social deve ser analisada sobre o prisma do comportamento de conduta de um indivíduo, em relação a um ou vários indivíduos, como também o seu comportamento em relação a objetos ou coisas.

O comportamento de uma pessoa é que vai determinar o que deve-se entender por ordem social. Se esse comportamento, conforme acima anotado se realizar em face de outra pessoa ou de várias outras pessoas, então diz que é um comportamento social, já que envolve pessoas.

Uma ordem normativa, isto é, um conjunto de normas que regula a conduta humana na medida em que essa pessoa se encontra em relação a outra ou outras pessoas, é uma ordem social.

A relação em que a conduta de uma pessoa está com uma ou várias outras pessoas, ou seja, dentro da ordem social, pode ser imediata ou mediata.

A relação é imediata quando a conduta do indivíduo diz respeito a um objeto ou uma coisa e é mediata quando essa conduta diz respeito a uma ou várias pessoas.

Logo, podemos representar tais relações da seguinte maneira : Relação imediata - em face de objetos ou coisas e relação mediata - face a pessoas.

Numa relação, quando um indivíduo destrói um objeto valioso pode ele atingir uma ou várias pessoas que possuam algum interesse nesse objeto.

A relação imediata se dá em face do objeto e a relação mediata se dá em face dessas respectivas pessoas.

Uma ordem normativa que regula a conduta humana na medida em que ela está em relação com outras pessoas, como já acima anotado, é ordem social. A moral e o Direito são ordem sociais deste tipo.

A lógica tem por objeto uma ordem normativa que não tem qualquer caráter social, pois os atos de pensar do homem, que as normas desta ordem regulam, não afetam outras pessoas - o homem não pensa "perante" outro homem da mesma forma que atua em face de outro homem - a ordem normativa, pelo seu caráter exclusivo de regular a conduta humana somente se revestirá do caráter jurídico se ocorrer uma conduta negativa.

Sobre o aspecto, se a conduta humana não estiver em sintonia com norma, ou seja, se o indivíduo não se beneficiar do prêmio que a própria sociedade lhe oferece, ficará a mercê da pena que poderá lhe ser aplicada, já que sua conduta foi oposta ao esperado. O princípio retributivo, é aquele que conduz a reagir a uma determinada conduta com um prêmio ou uma pena.

O prêmio e o castigo podem compreender-se no conceito de sanção, já que numa ordem normativa uma mesma conduta pode ser "prescrita" e simultaneamente ser "proibida", pois a ordem social pode prescrever uma determinada conduta precisamente pelo fato de ligar à conduta oposta uma desvantagem - daí a aplicação de uma sanção.

A sanção sobre esse prisma, deve ser aplicada contra a vontade do atingido, no entanto, se houver resistência, a sanção poderá ser mais forte, pois para que possa ser cumprida poderá se utilizar do recurso da força física e assim, a sanção terá caráter de ato de coação.

Se a sanção pudesse ficar a mercê do indivíduo, seja o seu prêmio ou o seu castigo, a norma não se revestiria de eficácia e como tal, não teria utilidade relativamente a ordem social.

O Direito Positivo, prevê a coação não só contra uma determinada conduta humana, mas também como uma reação contra situações de fato socialmente reprováveis, o que se pode afirmar que esse ato coercitivo não é proibido por se tratar de ato de vontade.

Neste sentido observa-se a eficácia da norma em relação a conduta.

HAVERÁ ORDENS SOCIAIS DESPROVIDAS DE SANÇÃO ?

Um ordenamento social que não estatui sanções se contrapõe ao ordenamento onde domina o princípio retributivo.

Um ordenamento social sem que haja o princípio retributivo, é a ordem moral, já que ela é desprovida de sanções.

O entendimento do autor que diz respeito a questão, conforme anotado, refere-se a Moral, mas, nesse particular, mesmo que não haja uma sanção concreta, haverá uma sanção que deve ser chamada de " REPROVAÇÃO" da norma de conduta. Essa reprovação por parte de nossos semelhantes deve ser reconhecida com sanção. Sobre esse aspecto, o autor utiliza-se do termo "castigo" em substituição ao termo "pena", pois sua análise é religiosa e comportamental.

Normalmente costuma-se distinguir a moral do Direito na medida em que este estatui sanções e aquela não.

A ordem moral desprovida de sanção tem que ter em conta que, quando ela prescreve uma determinada conduta, se a pessoa se comportar de acordo com essa conduta, haverá a aprovação por parte das demais pessoas da comunidade, porém, quando a pessoa se comportar de maneira oposta a conduta será reprovada.

Essa reprovação da conduta moralmente prescrita deve ser entendida como a sanção nesse caso especificamente. Logo, ainda que a ordem moral não estatua uma sanção

concreta, a desaprovação funcionando como sanção, nos leva a concluir que não existe ordem social desprovida de sanção (existirá, ainda que como mera reprovação).

SANÇÕES TRANSCENDENTES E SANÇÕES SOCIALMENTE IMANENTES

As sanções estabelecidas numa ordem social apresentam ora um caráter transcendentes, ora um caráter socialmente imanente, isto é, apresentam-se em função de uma determinada crença na qual estão submetidas as pessoas relativamente a esse ordenamento.

SANÇÕES TRANSCENDENTES - aquelas oriundas das crenças das pessoas. Um elemento específico da mentalidade - Um resultado dos castigos divinos. Se

o resultado for favorável, a sua resultante deverá ser entendida como merecimento; se o resultado for negativo, ela deverá se entendida como castigo.

SANÇÕES IMANENTES - São aquelas que podem consistir na simples aprovação ou desaprovação, expressa de qualquer maneira, por parte dos nossos semelhantes, ou em atos específicos, como por exemplos nos primórdios tempos, quando uma família sacrificava um membro de outra família por ser este o meio de lhes aplicar o castigo.

O que chama a atenção e por isso é digno de nota que, das duas sanções que dão a idéia de retribuição (prêmio e castigo) o papel muito mais importante que desempenha o castigo, deixando em segundo plano, ou mesmo sendo totalmente desprezado o prêmio pelo comportamento de acordo com a norma.

Neste ponto vislumbra-se a importância da distinção da norma posta (ex: a Constituição Federal) e da norma transcendental, como condição de possibilidade de um ordenamento jurídico (jurídico ou moral) . Esta teoria é de grande importância ao

entendimento do direito, pois demonstra o complexo de normas como uma unidade válida.

A ORDEM JURÍDICA

O DIREITO: ORDEM DE CONDUTA HUMANA

H.K - neste particular, diz que ..." uma teoria do Direito deve, antes de tudo, determinar conceitualmente o seu objeto. ..."

Para tanto, analisou a palavra "direito" buscando sua origem e sua utilização em outros tempos, povos e civilizações, encontrando o mesmo resultado, podendo definir DIREITO como ordem, com o sentido de conduta humana.

Ele afirma, então, que o Direito é um sistema de normas cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de validade. E o fundamento de validade de uma ordem normativa é uma norma jurídica enquanto pertence a uma determinada ordem jurídica, e pertence a uma determinada ordem jurídica quando a sua validade se funda na norma fundamental dessa ordem.

As normas de uma ordem jurídica regulam uma conduta humana, individual ou coletiva. Coletiva deve ser entendido o comportamento individual em face da comunidade jurídica, ou seja, pelo motivo de todas as pessoas pertencerem à comunidade jurídica.

Nota-se que nos povos ditos civilizados, as normas de uma ordem jurídica regulam somente a conduta das pessoas e não dos animais, plantas e coisas (seres inanimados). Mas, isto não quer dizer que em razão dessa situação, as normas de uma ordem jurídica não possam prescrever uma determinada conduta das pessoas não somente em relação a outras pessoas, mas também em face dos animais, das plantas e das coisas.

Note-se que através de tais normas jurídicas não se está regulando a conduta dos animais, das plantas e dos objetos inanimados, porém, a conduta do homem contra o qual se dirige a sanção (ameaça da pena).

Certo é que neste aspecto Hans Kelsen questiona a exclusão de proteção que deveria ser dada em relação aos animais e plantas, mas, reconhece que o Direito Positivo pode e deve tratar do assunto, aplicando-lhes proteção, quando se fizer necessário.

A referência da conduta humana pode ser, ainda, individual ou coletiva, isto é pode se referir somente a uma pessoa, ou pode se referir a toda a comunidade. É o caso, por exemplo da norma que proibe matar outra pessoa (individual) e a norma que manda respeitar a propriedade alheia (coletiva).

DIREITO : UMA ORDEM COATIVA

Uma característica comum às ordens sociais a que chamamos Direito é que elas são coativas, no sentido de que reagem contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente perniciosas - particularmente contra condutas humanas indesejáveis - com um ato de coação.

O ato de coação normado pela ordem jurídica pode ser referido à unidade da ordem jurídica, ser atribuído à comunidade jurídica constituída pela mesma ordem jurídica, ser explicado como reação da comunidade jurídica contra uma situação de fato considerada socialmente nociva e, quando esta situação de fato determina conduta humana, como sanção.

Dizer que o Direito é uma ordem coativa significa que suas normas estatuem atos de coação atributíveis à comunidade jurídica.

Vemos, portanto, que a ordem coativa é estatuída pelo ordenamento jurídico, transformando-se numa sanção específica.

O conceito de sanção pode ser estendido a todos os atos de coerção estatuídos pela ordem jurídica, desde que com ele outra coisa não se queira exprimir se não que a ordem jurídica, através desses atos, reage contra uma situação de fato socialmente indesejável e, através desta reação, define a indesejabilidade dessa situação de fato. É esta, na verdade, a característica comum a todos os atos de coerção estatuídos pela ordem jurídica.

Se tomarmos o conceito de sanção neste sentido amplíssimo, então o monopólio da coerção por parte da comunidade jurídica pode ser expresso na seguinte alternativa: .....a coação exercida por um indivíduo contra outro ou é um delito, ou uma sanção (entendendo, porém, como sanção, não só a reação contra um delito, isto é, contra uma determinada conduta humana, mas também a reação contra outras situações de fato socialmente indesejáveis).

Logo, como ordem coativa, o Direito distingue-se de outras ordens sociais. O momento que se verifica a característica da coação, ou seja, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como conseqüência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e, se houver resistência por parte dessa pessoa emprega-se a força física, como critério decisivo para o cumprimento do estatuído na norma.

Os atos de coação estatuídos pela ordem jurídica como sanções.

A ordem jurídica prescreve determinadas condutas que devem ser observadas pelos indivíduos. Quando não há o comportamento de acordo com a prescrição da norma, incide sobre o indivíduo determinada sanção.

Tal colocação deve-se ao fato de que a ordem jurídica deve motivar as pessoas no sentido de atuarem de acordo com a conduta prescrita na norma.

Na medida em que o ato praticado contrarie o Direito ele se transforma em conduta proibida e, desta maneira, tal conduta deve ser impedida. Ao contrário, quando o ato praticado estiver de acordo com o Direito, esse ato será um ato socialmente útil, desejado, de acordo com o Direito, de modo que ele deve ser fomentado.

O monopólio de coação da comunidade jurídica.

Os atos de coação que consistem na privação forçada de bens, estão globalmente entendidos em relação as diferentes ordens jurídicas. Porém, no que diz respeito aos pressuposto a que estes atos de coação estão ligados, existe verdadeira divergência.

É que cada ordem jurídica dá um determinado valor jurídico à conduta humana que contraria o preceituado na norma. Isso decorre, evidentemente dos níveis de evolução apresentados por aquela determinada ordem.

A ordem jurídica é quem taxativamente determina as condições sob as quais a coação deve ser aplicada e os indivíduos a quem deve aplicar. Não é possível, hoje, dentro da evolução do Direito, pretender que qualquer pessoa ou órgão vá estatuir, ou então, aplicar uma norma por ele criada.

Nesse sentido, pois, é que se pode verificar o monopólio da coação por parte da comunidade jurídica.

A ordem jurídica e segurança coletiva.

Exatamente na proibição de estatuir normas por quem quer que seja é que a ordem jurídica protege os indivíduos. É ela quem determina os pressupostos sob os quais a coação pode ser exercida.

Quando essa coação alcança um determinado mínimo, fala-se de segurança coletiva.

Também pode-se conceber uma noção mais restrita de segurança coletiva, quando se fala que o monopólio de coerção por parte da comunidade jurídica atinja um mínimo de centralização, por forma a que a auto-defesa seja, pelo menos em princípio excluída.

A segurança coletiva visa a paz, uma vez que esta pode ser entendida como a ausência do emprego da força física.

Sendo o Direito uma ordem de coerção e, como ordem de coerção, dependendo de seu grau de evolução, é uma ordem de segurança, o que quer dizer ser ele uma ordem de paz.

Atos coercitivos que não tem o caráter de sanções.

O círculo dos fatos que são considerados pressupostos de atos coercitivos, amplia-se com o decorrer da evolução, fazendo com que sejam, não somente os atos e as omissões humanas socialmente indesejáveis, mas também outros fatos que não tem o caráter de fatos ilícitos.

Neste caso, existem normas que dão a possibilidade a determinados órgãos de privar a liberdade de uma pessoa, mas não é a determinada conduta do indivíduo que essa conduta atinge, mas, sim, a suspeita de uma tal conduta.

A ordem jurídica, ao estatuir os atos de coerção, outra coisa não faz senão reagir contra uma situação de fato socialmente indesejável. Esse ato de coerção, nada mais é do que a sanção, a qual tomada neste sentido amplíssimo expressa o monopólio da coerção por parte da comunidade jurídica na seguinte

alternativa : "a coacção exercida por um indivíduo contra outro ou é um delito, ou uma sanção (entendendo, porém, como sanção, não só a reacção contra um delito, isto é, contra uma determinada conduta humana, mas também a reacção contra outras situações de facto socialmente indesejáveis)."

O mínimo de liberdade.

A ordem jurídica ou garante ao indivíduo determinada conduta, ou então lhe proibe essa conduta.

Ao garantir uma determinada conduta a ordem jurídica cria a liberdade positiva no sentido em que não proibe essa conduta, fazendo-a juridicamente permitida.

Ao proibir determinada conduta a ordem jurídica cria a liberdade negativa no sentido em que veda referida conduta, fazendo-a juridicamente proibida.

A liberdade determinada pela ordem jurídica no sentido negativo, pois não lhes proíbe uma certa conduta, mas deve ser distinguida da liberdade que efetivamente a ordem jurídica lhes garante, pois esta, passa a ter caráter positivo.

Neste aspecto a liberdade deve ser entendida como sendo o limite de atuação de um indivíduo. Sua liberdade termina, no mesmo marco que inicia a do outro indivíduo.

A liberdade negativa, é concedida pela ordem jurídica, dizendo que um indivíduo pode agir dentro deste ou daquele limite. A liberdade positiva é a concedida sem nenhuma restrição, como por exemplo, o indivíduo é livre para pensar.

No entanto, quando a conduta de um indivíduo não for proibida, mas, sendo contrária à conduta de outro indivíduo também não proibida, logo, ambas as condutas permitidas, é possível existência de um conflito face ao qual a ordem jurídica não toma qualquer disposição, não procurando impedi-la como faz relativamente a outros conflitos, proibindo a conduta de um indivíduo que é contrária à do outro.

A ordem jurídica pode limitar mais ou menos a liberdade de um indivíduo, porém sempre lhe garante um mínimo de liberdade, ou seja, um mínimo de ausência de vinculação jurídica.

O DIREITO COMO ORDEM NORMATIVA DE COAÇÃO.

COMUNIDADE JURÍDICA E "BANDO DE SALTEADORES".

Neste ponto, o autor compara a atitude de um bando de salteadores, a execução de uma ordem normativa de coação.

Quando o bando de salteadores de estrada ordena a entrega de dinheiro a alguém, sob a cominação de qualquer mal, tem o sentido subjetivo de um dever-ser.

O questionamento é se a atitude dos salteadores, ao fazer a respectiva ordem a alguém, sob a ameaça de algum mal, para a entrega de dinheiro possui em relação a atitude de órgão judiciário, diferença em dar o seu comando para que alguém seja coagido a entregar alguma coisa, por se tratar de um comando objetivamente válido.

Se ambas as atitudes forem tomadas no sentido subjetivo acima mencionado, não haverá qualquer diferença. A diferença existe quando se verifica o sentido objetivo do comando efetuado.

A atitude dos salteadores não faz parte do ordenamento jurídico, não está revestida de eficácia e tampouco é válida, logo, não vincula o destinatário.

Já, a atitude de um juízo é o resultado de atos jurídicos, no sentido de alcançar a norma objetiva, mesmo que esta ordem determine uma pena de morte, ela estará juridicamente correta e após, análise dos tribunais superiores, se for o caso, deverá ser prontamente efetivada, vinculando o destinatário.

DEVERES JURÍDICOS SEM SANÇÃO?

Hans Kelsen, trata dos deveres jurídicos, como sendo um direito constitucional, afirmando que na (primeira Constituição da história) já havia a determinação de se aplicar a coação , através de um processo que estabelecesse as normas estatuidoras de atos de coação.

O Direito deve ser entendido como ordem de coerção e nesse sentido deve ser entendido como o momento coação de seu conceito.

A definição do Direito como uma ordem coercitiva pode ainda ser levada em consideração relativamente às normas que conferem competência ou poder para uma conduta que não tenha o caráter de um ato de coação ou permitem positivamente tal conduta, na medida em que tais normas são normas não autônomas, por estarem em ligação essencial com normas estatuidoras de atos de coerção.

A hipótese mais significativa onde se vê uma norma destituída de sanção e que , no entanto, é constitutiva de um dever jurídico, é a hipótese da chamada obrigação natural.

Deve-se rejeitar uma definição do Direito que o não determine como ordem de coação, já que é exatamente por esse sentido que se pode distingui-lo de toda e qualquer outra ordem social.

Assim claro fica, que o preceito constitucional de que ninguém poderá ser processado sem o devido processo legal, já fazia parte da teoria pura do direito, garantido o aspecto constitucional de aplicabilidade das normas sancionadoras.

Certo é que, deste modo, também não há em se falar sobre deveres jurídicos sem sanção, por se tratar de situação alheia aos preceitos do direito.

NORMAS JURÍDICAS NÃO AUTÔNOMAS

Quando uma norma prescreve uma determinada conduta e numa segunda norma estatui uma sanção para a hipótese da não-observância da primeira, estas duas normas estão essencialmente intercaladas.

Normas jurídica não autônomas são também aquelas que permitem positivamente uma determinada conduta, pois elas apenas limitam o domínio de validade de uma norma jurídica que proíbe essa conduta na medida em que lhe liga uma sanção.

Por vezes, a primeira norma jurídica é supérflua em relação a segunda, pois, a primeira poderá apenas demonstrar uma conduta, sem ligá-la a uma sanção e, portanto, se torna dispensável em relação a uma segunda norma que certamente prescreverá a norma coativa - aplicação da sanção.

Uma ordem jurídica, mesmo compreendendo que nem toda norma estatui ato de coação, pode ser caracterizada como ordem de coação, na medida em que todas as suas normas não estatuam elas próprias um ato de coercitivo e, por isso, não contenham uma prescrição, mas, antes, confiram competência para a produção de normas não-autônomas, pois apenas têm validade em ligação com uma norma estatuidora de uma ato de coerção.

Também nem todas as normas estatuidoras de um ato de coerção prescrevem uma conduta determinada (a conduta oposta à visada por este ato), mas, somente aquelas que estatuam o ato de coação como reação contra uma determinada conduta humana, isto é, como sanção.

A norma jurídica pode limitar o domínio da validade de uma outra, como também pode lhe retirar completamente a sua validade. São normas derrogatórias que não são autônomas, já que somente poderão ser entendidas em conexão com outras normas estatuidoras de atos de coerção.

São, ainda, normas não autônomas as normas jurídicas que conferem competência (para a produção de normas jurídicas gerais) para realizar determinada conduta.

Visto que uma ordem jurídica é uma ordem de coação no sentido que acaba de ser definido, pode ela ser descrita em proposições enunciando que, sob pressupostos determinados , devem ser aplicados certos atos de coerção (determinado igualmente pela ordem jurídica).

Todo o material dado nas normas de uma ordem jurídica se enquadra neste esquema de proposição jurídica formulada pela ciência do Direito, proposição esta que se deverá distinguir da norma jurídica posta pela autoridade estadual.

A outra interpretação da norma não-autônoma será encontrada naquelas em que o próprio ordenamento jurídico proíbe uma determinada conduta. Ex: art. 121 - matar alguém: Pena - reclusão, de 6 a 20 anos. A proibição é de que ninguém pode matar outra pessoa, caso contrário receberá a sanção prescrita na norma incriminadora.

A ordenamento jurídico, possui normas supérfluas (aquelas que prevêem uma determinada conduta sem que se estabeleça qualquer sanção) e normas positivas (aquelas que estabelecendo uma determinada conduta, impõe-lhe uma determinada sanção). Estas possuem eficácia, já que se norma jurídica não for observada, respeitada, cumprida, será de imediato aplicado uma sanção.

Finalmente devemos considerar as normas que determinam com maior exatidão o sentido de outras normas. Elas se ligam a outras normas estatuidoras de um ato de coerção.

A norma deve se encontrar em conexão com outra que prescreva uma situação que permite a sua aplicação.

Encerra as suas colocações anotando que o Direito não possui caráter exclusivamente prescritivo ou imperativista.

OBSERVAÇÃO

O trabalho foi produzido com base no livro TEORIA PURA DO DIREITO, de HANS KELSEN, sobre o primeiro capítulo - DIREITO E NATUREZA.

Está isento de bibliografia uma vez que foi feita uma análise direta com os apontamentos e comentários da própria mestranda.

* Advogada, Professora Universitária e Mestranda em Direito pela PUC - SP Disponível em: <http://www.estudando.com/direito/artigos/direito_natureza_teoria_pura_hans_kelsen_ana_cecilia_c_f_silva.htm> Acesso em: 18 ago. 2008.