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Resumo do Livro “O que é Dialética” 1. As Origens da Dialética Segundo o autor, a palavra dialética, para os gregos, significava a arte do diálogo, a arte de demonstrar uma tese por meio da retórica, ou seja, mediante a argumentação. Por outro lado, na modernidade, a Dialética passa a ter um sentido diverso daquele adotado pelos gregos. A dialética na modernidade constitui-se de observação das contradições da realidade, bem como a forma pela qual se assimila a realidade como de natureza fundamentalmente contraditória e mutável, uma vez que sofre constantes transformações. Desse modo, pode-se afirmar que em tudo há movimento; não há inércia no mundo; e, dessa forma, a Dialética corresponde a permanente instabilidade do ser. Logo, esse ser encontra-se em constante transformação. Nesse desiderato, a Dialética nada mais é do que o estudo do lado dinâmico(movimento/transformação) e inconstante da realidade, é aquilo que vê o real como um processo em constante transformação, e não como um fato dado, imutável e imediato. Influenciados pelo pensamento de Aristóteles, que acreditava que todas as coisas possuem movimento, seja ele mecânico, quantitativo, qualitativo ou nascente, os filósofos não abandonaram o estudo do lado dinâmico e inconstante da realidade. Essa ideia trazida pelo Aristóteles é chamada de Teoria do ato e potência: o movimento das coisas são potências que estão se atualizando. Muito embora o pensamento aristotélico tenha influenciado no conceito de dialética que existe hoje,

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Resumo do Livro “O que é Dialética”

1. As Origens da Dialética 

Segundo o autor, a palavra dialética, para os gregos, significava a arte do

diálogo, a arte de demonstrar uma tese por meio da retórica, ou seja, mediante a

argumentação.

Por outro lado, na modernidade, a Dialética passa a ter um sentido diverso

daquele adotado pelos gregos. A dialética na modernidade constitui-se de observação

das contradições da realidade, bem como a forma pela qual se assimila a realidade

como de natureza fundamentalmente contraditória e mutável, uma vez que sofre

constantes transformações.

Desse modo, pode-se afirmar que em tudo há movimento; não há inércia no

mundo; e, dessa forma, a Dialética corresponde a permanente instabilidade do ser.

Logo, esse ser encontra-se em constante transformação. Nesse desiderato, a Dialética

nada mais é do que o estudo do lado dinâmico(movimento/transformação) e

inconstante da realidade, é aquilo que vê o real como um processo em constante

transformação, e não como um fato dado, imutável e imediato.

Influenciados pelo pensamento de Aristóteles, que acreditava que todas as

coisas possuem movimento, seja ele mecânico, quantitativo, qualitativo ou nascente,

os filósofos não abandonaram o estudo do lado dinâmico e inconstante da realidade.

Essa ideia trazida pelo Aristóteles é chamada de Teoria do ato e potência: o

movimento das coisas são potências que estão se atualizando. Muito embora o

pensamento aristotélico tenha influenciado no conceito de dialética que existe hoje,

Aristóteles reduzia a dialética à Teoria do ato e potência, do movimento dos objetos,

das coisas.

Apenas os Filósofos recentes identificaram na teoria de Aristóteles uma

primeira grande construção teórica dialética moderna, pode trazer-se como exemplo

dessa mutabilidade a frase dita por Heráclito de que “o homem não se banha duas

vezes no mesmo rio”, deixando cristalina a ideia de que a realidade é dinâmica. Esse

exemplo traduz o que é dialética no sentido moderno da palavra.

O estudo do movimento das coisas é enterrado na Idade Média e, portanto,

pela filosofia medieval na medida em que o início e fim último das coisas era Deus, um

ser imutável. Temos aí uma realidade dada e posta por um ser único, permanente e

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sobrenatural que controla o mundo material, e cujo pensamento se dá pela revelação,

pela fé e não pela investigação, pela observação ou pelo exame criterioso e racional

dos fenômenos. 

O estudo do lado dinâmico dos fenômenos reaparece com o renascimento,

com a retomada da cultura greco-romana pelos europeus ocidentais, mais

precisamente àqueles ligados às cidades italianas em ascensão como Gênova e

Veneza, que controlavam as rotas de comércio pelo Mar Mediterrâneo, havendo aí

uma grande circulação e troca entre diferentes culturas e povos. 

Sustenta o autor que, no renascimento, quem ajuda a reavivar o estudo do movimento

das coisas ou fenômenos (a dialética) é o matemático Pascal (1623-1654) e o filósofo

Giambattista Vico (1680-1744). Pascal reconheceu no ser humano um caráter instável,

dinâmico e contraditório. Já Vico sustentava, por um lado, que o homem não podia

conhecer a natureza porque fora feita por Deus e só Ele poderia conhecê-la como e

enquanto tal (apesar de Francis Bacon e René Descartes afirmarem o contrário), mas

por outro lado, afirmava que o homem poderia conhecer a sua própria história “já que

a realidade histórica é obra humana” (p. 14), é criada por homens e não por Deus.

Esse avanço no conhecimento é um reflexo da visão antropocêntrica adjacente ao

período renascentista que perpassa os séculos XV e XVI, entretanto, apesar da

predominância de uma visão antropocêntrica marcada pelo retorno aos clássicos,

pelos avanços na filosofia, na ciência e enfim, no conhecimento da realidade, os

pensadores dos séculos XVI e XVII viviam e pensavam numa situação de certo

isolamento em relação à dinâmica social, em relação aos movimentos políticos e

econômicos da época. A visão que tinham da história ainda não era aquela de

processo transformador da condição humana e das estruturas sociais. Um breve

amadurecimento dessa concepção só ocorre no século XVIII, com o advento do

movimento iluminista. 

O amadurecimento do processo histórico que resultou na Revolução Francesa criou

condições que permitiram aos filósofos e demais pensadores um estreitamento e uma

compreensão mais concreta da dinâmica das transformações sociais. Os iluministas

acompanharam de perto os movimentos sociais do século XVIII, sendo aí

influenciados. No entanto, estes iluministas, apesar de mais próximos dos movimentos

sociais, das lutas políticas e econômicas, da realidade em constante transformação,

não trouxeram muitas contribuições ao avanço da dialética, uma vez que reduziam a

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idéia de processo, de transformação social à idéia de progresso, no qual tudo era

controlado pela razão, um agente universal e imutável, um ser em-si mesmo e não

passível de transformação. Eles não refletiram sobre as contradições internas da

realidade histórica. Entretanto, um deles se salva: é Denis Diderot (1713-1784). Este,

por sua vez, afirmou que: 

o indivíduo era condicionado por um movimento mais amplo, pelas mudanças da

sociedade em que vivia /.../. Se mudarem o todo, necessariamente eu também serei

modificado. O todo está sempre mudando. Todos os seres circulam um nos outros.

Tudo é um fluxo perpétuo. A vida é uma sucessão de ações e reações. Nascer, viver e

passar é mudar de formas (p. 36-37). 

Ao lado de Diderot, quem deu maior contribuição à dialética na segunda metade do

século XVIII foi Jean J. Rousseau (1712-1778). Ao contrário dos iluministas, Rousseau

não confiava na razão humana, confiava mais na natureza deste, chegando a afirmar

em uma de suas maiores obras que “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”.

Observando a estrutura da sociedade do seu tempo, percebeu Rousseau inúmeras

contradições, inúmeros conflitos de interesses entre os indivíduos. Rousseau sabia

que mudanças sociais profundas, realizadas por sujeitos históricos (os homens) não

costumam ser tranqüilas. 

2. O TRABALHO 

O filósofo iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804) percebeu que a consciência

humana não se limitava a registrar passivamente impressões provenientes dos

sentidos, do mundo exterior. Ela (a consciência humana) é sempre consciência de um

ser que interfere ativamente na realidade e isso interfere no processo de

conhecimento humano. Sustentou por isso que toda filosofia anterior (à ele) era

ingênua ao interpretar a realidade sem antes ter resolvido uma prévia questão: o que é

o conhecimento e como é possível conhecer? Nesse sentido, descobriu Kant que na

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própria razão pura (antes da experiência) já existiam contradições (as chamadas

atinomias da razão, esboçadas em A Crítica da Razão Pura). 

Já o também filósofo alemão Georg W. F. Hegel (1770-1831) concordava com Kant ao

reconhecer que o sujeito humano é essencialmente ativo e está sempre interferindo na

realidade. Mas superou Kant ao demonstrar que a contradição não era apenas uma

dimensão da consciência (e na consciência) do sujeito, mas um princípio básico que

não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da realidade objetiva.

Portanto, sustentava Hegel que a questão central da filosofia não era o conhecimento,

mas o ser, responsável por tal conhecimento. 

Hegel descobriu, observando a realidade concreta (a história) em que vivia, que o

homem transforma ativamente a realidade, mas quem impõe o ritmo e as condições

dessa transformação ao sujeito é a realidade objetiva. Avaliando de maneira realista e

objetiva as possibilidades do sujeito humano, Hegel procurou estudar/observar seus

movimentos no plano objetivo, das atividades políticas e econômicas. Fez uma

profunda reflexão sobre a Revolução Francesa e a Industrial Inglesa percebendo aí

que o trabalho (a atividade humana transformadora do meio, de si mesmo e da

realidade) é a mola que impulsiona o desenvolvimento humano. É no trabalho que o

homem se produz, que se realiza enquanto homem, que faz história. O trabalho é o

núcleo ou o centro a partir do qual podem ser compreendidas as formas complicadas

da realidade. Foi por meio do trabalho que o homem desprendeu-se da natureza e

pôde, a partir de então, contrapor-se a ela e fazer-se sujeito ao mundo e em um

mundo de objetos materiais, produzidos pelo trabalho. Foi pelo trabalho que o homem

deixou de ser um ser natural, tornando-se um ser social. Foi por meio do trabalho que

o homem começou a fazer sua história. A história humana é a história do trabalho, de

suas relações, condições, limites e possibilidades. 

O homem não deixa de ser um ente natural, mas agora, por meio do trabalho, não

pertence inteiramente a ela. Ele depende da natureza para sobreviver, mas tem sua

liberdade em relação a ela, liberdade que foi conquistada por meio do trabalho. Com o

trabalho, não é mais a natureza que impera os homens, mas os homens quem

imperam a natureza. O homem conquista certa autonomia (liberdade) diante da

natureza. O trabalho é ato de criação, de transformação da realidade, pois transforma

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tanto a natureza como o próprio homem. É através do trabalho que o homem modifica

a realidade e faz dela um processo, que o homem passa a viver em sociedade, que

passa a ter consciência de sua atividade, de sua historicidade. 

2.1. A superação dialética hegeliana 

Trabalho é o conceito-chave para compreendermos o sentido de superação dialética

em Hegel. Superação, para Hegel, vem da palavra alemã Alfheben que designa um

triplica significação: 

1. negar, anular ou cancelar; 

2. conservar ou proteger; 

3. elevar ou superar (elevar qualitativamente a um nível superior). 

Hegel emprega a palavra superação (alfheben) nos 3 sentidos simultaneamente, pois,

para ele, a superação é, ao mesmo tempo, a negação, conservação e

superação/elevação de algo essencial que existe nessa realidade negada elevada a

um nível superior. 

Isso fica claro se tomarmos o exemplo da ação transformadora do trabalho humano.

Tomemos como exemplo uma canoa. A matéria-bruta da canoa (a árvore ou a

madeira da árvore) é negada (ou seja, a sua forma de árvore), mas ao mesmo tempo

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é conservada sua essência (a madeira, a propriedade da árvore) que assume uma

nova forma, modificada, transformada, correspondente aos objetos humanos (a

canoa). Assim, a madeira sai de uma condição considerada inferiorizada (árvore) e é

elevada a um nível superior (a canoa), conservando-se suas propriedades mais

elementares para esta elevação (a madeira); deixando assim, a madeira, de ser parte

da natureza, sendo agora parte da humanidade. De uma planta ela vira um meio de

transporte[2]. 

Apesar das importantes observações de Hegel para o estudo dialético, possuía ele

suas limitações, uma vez que era um filósofo idealista, ou seja, subordinava todo

movimento da realidade material (até o trabalho) à lógica de uma idéia universal e

imutável: a Idéia Absoluta, responsável pela criação do mundo, dos homens, de tudo e

de todos. 

Já o também alemão Karl Marx (1818-1883) superou dialeticamente as afirmações

hegelianas negando seu idealismo, conservando o sentido de trabalho como ato

transformador e refletindo sobre bases materiais e não ideais. Marx concordou com

Hegel em relação ao fato de que o trabalho é a mola propulsora do desenvolvimento

humano, mas rebateu Hegel por considerar apenas o trabalho intelectual como

promotor das coisas e do mundo, desqualificando o trabalho físico-material. 

3. A ALIENAÇÃO 

Para Marx, o trabalho é a atividade pela qual o homem relaciona-se com a natureza,

domina-a, transforma-a, bem como a si mesmo na medida em que os homens

dependem dela para sobreviverem e fazem dela seu meio de existência. Para Marx,

ao relacionar-se com a natureza na, em e pela busca de meios necessários à sua

sobrevivência, os homens vêem-se obrigados e relacionarem-se uns com os outros,

constituindo-se em sociedade, transformando-se em seres sociais. Portanto, o

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trabalho, para Marx, é a constituição e a realização de um ser: o ser social. Mas,

então, como o trabalho, de realização, de atividade transformadora do homem, de

humanização do mesmo, passa a ser sofrimento? Segundo KONDER, há duas causas

para isso: 

1. A divisão social do trabalho, que engendra a apropriação privada dos meios de

produção e do produto do trabalho, que também engendra ou dá origem a classes

sociais antagônicas: de um lado uma que produz riquezas e de outra uma que se

apropria dessas riquezas e dos meios para fabricação dessas riquezas; 

2. O estranhamento. As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade

privada dos meios de produção de riquezas materiais introduziram um estranhamento

entre o trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto do trabalho, antes

mesmo de se realizar, pertence à outra pessoa que não o trabalhador. Por isso, o

trabalhador não se realiza ou não se reconhece no produto de seu trabalho, porque o

produto daquilo que ele produziu, não é seu desde o início, tornando-se (o produto do

trabalho) uma “coisa”, algo estranho a ele que trabalha. 

Segundo o autor, o agravamento da alienação do trabalho sob o capitalismo não afeta

apenas os operários (os trabalhadores), mas também os capitalistas. A mesma busca

desenfreada pelo lucro por meio da exploração da força de trabalho alheia também o

leva a tirar vantagens sobre outros capitalistas, ocasião em que um capitalista, nesta

busca desenfreada pelo lucro, torna-se hostil e estranho frente a outro capitalista. 

4. A TOTALIDADE 

A verdade é o todo. Afirma KONDER que a realidade é mais rica do que o

conhecimento que temos dela. Há sempre algo que escapa à nossa análise, à nossa

observação, à nossa síntese. 

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A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir os aspectos da

realidade, que segundo ele são múltiplos. É essa multiplicidade do real, proporcionado

pela visão do todo (do conjunto) que chamamos totalidade. A totalidade é a unidade

do diverso. 

Segundo o autor, para captar a dialeticidade do todo é preciso reconhecer primeiro

que o todo é composto de múltiplas partes que interligam-se e influenciam-se entre si.

O todo (a totalidade) não é simplesmente a soma das partes, mas o processo de inter-

relação entre elas num movimento constante ou permanente de inter-relação entre as

partes. É preciso reconhecer ainda que o todo só se transforma, só se modifica após

um acúmulo de mudanças nas partes que o compõem.

A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas

partes que o compõem. Processam-se alterações setoriais, quantitativas, até que se

alcança um ponto crítico que assinala a transformação qualitativa da totalidade. É a lei

dialética da transformação da quantidade em qualidade. /.../ a modificação do todo é

mais complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram. E

devemos sublinhar outra coisa: cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar;

as condições da mudança variam, dependendo do caráter da totalidade e do processo

específico do qual ela é um momento (p. 39-40). 

Economia, política, direito, religião, arte, filosofia, etc., aspectos e esferas sociais são

elementos de uma mesma realidade, de uma mesma totalidade (a sociedade). Uma

esfera do real pode sofrer profundas modificações sem alterar profundamente a outra.

É o caso da ditadura militar: altera-se o regime político de forma abrupta, mas a

economia sofre ligeiras modificações, pois ainda há permanência de um modo de

produção, de um todo mesmo debaixo de outro regime político. 

Em suma, a totalidade é síntese de múltiplas determinações; é o inter-relacionamento

das partes que constituem um ou o todo, no qual estas partes modificam e são

modificadas simultaneamente. 

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5. CONTRADIÇÃO E MEDIAÇÃO: aparência e essência 

A concepção de Marx, segundo a qual o conhecimento não é um ato e sim um

processo, desenvolveu-se em polêmica contra a concepção irracionalista. Os

irracionalistas consideram a intuição um instrumento privilegiado do conhecimento

humano; para eles, o que é “sacado” intuitivamente já possui valor de verdade, de

modo que não existe nenhum motivo para nós trilharmos o trabalhoso caminho

indicado por Marx: a impressão genérica obtida no ponto de partida já nos basta. O

irracionalismo desestimula o ser humano a realizar o paciente esforço de ir além da

aparência, em busca da essência dos fenômenos (p. 45). 

A dialética é muito mais exigente do que o irracionalismo. Para reconhecer a totalidade

em que a realidade está efetivamente articulada (em vez de inventar totalidades e

procurar enquadrar nelas a realidade), o pensamento dialético é obrigado a identificar,

com esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas

que constituem o “tecido” de cada totalidade /.../. 

Os irracionalistas, implicitamente, dispensam-nos desse esforço. Quem achar que já

“sacou” intuitivamente o todo não precisará examinar cuidadosamente as partes. Mas

também não terá uma compreensão clara das conexões e conflitos internos e ficará

com uma totalidade um tanto nebulosa (p. 46). 

5.1. A mediação 

/.../ para nós podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos,

precisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a

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dimensão imediata como também, e sobretudo, a dimensão mediata delas (p. 47). 

Ou seja, ao contrário do empirismo, que reduz à verdade os dados dos sentidos,

fenômenos captados empiricamente e sem análise, a dialética não capta a dimensão

imediata e aparente dos fenômenos, mas através dessa aparência, dessa empiria (ou

seja, sem descarta-la) analisa suas interconexões com a totalidade, observando aí

suas mediações. Tomemos este livro como exemplo. Ele é uma realidade imediata, ou

seja, algo dado, visível e palpável aos nossos sentidos. Sua realidade imediata é que

ele tem 90 páginas impressas, tem capa, tamanho e peso específico e está na mão

para ser lido. No entanto, para ele parar na mão de alguém, teve que passar por uma

série processos, de mediações. Ele era uma madeira que foi cortada por um homem,

colocada num caminhão por outro homem que dirigiu/transportou-a para uma usina de

papel para ser processada e transformada em papel pelo trabalho de um terceiro

homem; na usina, esse papel foi cortado no tamanho desejado pelo trabalho de outro,

que foi impresso e encapado por outro trabalhador, que saiu da gráfica e foi

transportado para a livraria por alguém onde lá comprei. A mediação aqui é que o livro

foi mediado por uma série de trabalhos para chegar à minha mão. O livro passou por

um processo, por uma relação entre o homens até chegar à minha mão. Daí, quando

compro o livro, pago por ele o preço de e por toda essa relação que houve do corte da

árvore à sua disposição na prateleira da livraria. Em resumo: o livro que agora está em

minhas mãos passou por uma série de mediações que não vi [3]. 

No caso de tentar analisar uma criação histórica, ensina-nos a dialética que nenhuma

criação humana pode ser adequadamente compreendida e assimilada pelas épocas

que vieram depois delas sem um exame das condições específicas em que essa obra

foi elaborada. Cada da uma delas é produto de seu momento histórico, de sua

totalidade e mediações históricas. A dialética, portanto, parte do imediato e vai

aprofundando-se em busca das mediações, em busca das relações, da interação, do

processo e não do ato. 

5.2. A contradição 

As mediações nos levam ou nos obrigam a refletir sobre outro elemento insuprimível

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da realidade: as contradições. Contradição não é a contradição da lógica formal, que

significa a manifestação de um defeito do raciocínio. Segundo o autor: “existem

dimensões da realidade humana que não se esgotam nas disciplinas das leis da lógica

[formal]” (p. 48). Contradição não é aqui uma discrepância, uma antinomia da razão

como quer Kant. Contradição é a conexão íntima entre o que é e o que não-é, é a

conexão e interdependência dos contrários, a ponto de só podermos afirmar que algo

é pelo que ele não-é, vice-versa[4]. Segundo o autor: 

As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam unidades

contraditórias. Em tais unidades, a contradição é essencial: não é um mero defeito do

raciocínio. Num sentido amplo, filosófico, que não se confunde com o sentido que a

lógica confere ao termo, a contradição é reconhecida pela dialética como princípio

básico do movimento pelo qual os seres existem. A dialética não se contrapõe à

lógica, mas vai além da lógica, desbravando um espaço que a lógica não consegue

ocupar (p. 49). 

Desse modo, a dialética não trabalha com conceitos definidos enquanto tais. Como a

realidade, a totalidade e a própria dialética são processos em constante

transformação, a dialética trabalha com determinações reflexivas promovendo a

fluidificação dos conceitos. 

6. A FLUIDIFICAÇÃO DOS CONCEITOS 

Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade está sempre

assumindo formas novas, os conceitos com os quais o nosso conhecimento trabalha

precisam aprender a ser “fluídos” (p. 51-52). 

A fluidificação dialética dos conceitos não tem nenhuma relação com o relativismo. O

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que se altera é o conteúdo dos conceitos de acordo com sua realidade histórica (sua

totalidade) e não sua denominação. Por exemplo, Marx não reconhece nenhum

aspecto da realidade humana situada acima ou fora da história, mas admite que

determinados aspectos da realidade humana perduram na história. É o caso na

natureza humana: não existe uma natureza humana acima da história, pois, os

homens modificam historicamente sua natureza; ou seja, sociologicamente, não existe

uma “essência humana” acima, fora ou desligada da história, que explique o homem

acima de suas sociedades, pois, os seres humanos são seres determinados

socialmente. A “natureza humana” só existe na história, num processo global de

transformação que abarca todos os seus aspectos. E a história, em seu conjunto, não

é outra coisa senão uma transformação contínua da natureza humana. O que muda

não é a palavra “natureza humana”, mas o conteúdo dessa tal natureza humana. 

7. AS LEIS DA DIALÉTICA 

O amigo de Karl Marx, Friedrich Engels (1820-1895), procurou resgatar as leis da

dialética formulada por Hegel e dar-lhes um caráter ou sentido claramente materialista.

Ao realizar esse trabalho, exposto no Anti-During ou Dialética da Natureza, Engels

caiu num equivoco: os exemplos usados para esclarecer o funcionamento das leis da

dialética eram todos extraídos das ciências naturais. Segundo KONDER: 

O terreno em que a dialética pode demonstrar decisivamente aquilo que é capaz não é

o terreno da análise dos fenômenos quantificáveis da natureza e sim o da história

humana, o da transformação das sociedades[5] (p. 60-61). 

8. O SUJEITO E A HISTÓRIA 

Depois da morte de Marx (1883) e Engels (1895), Eduard Bernstein (1850-1932)

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passou a criticar as posições de Marx afirmando que seus escritos, além de não

responderem à realidade do início do século XX, seus “diagnósticos” (no caso, o

Manifesto Comunista) tinham falhado, razão para uma profunda revisão do marxismo.

Segundo Bernstein, líder do partido socialista alemão, abandonar a dialética marxiana,

a herança hegeliana e retornar ao kantismo seria a saída. 

Foi nas duas primeiras décadas do século XX que se inicia o chamado materialismo

vulgar que possui por característica a negação da dialética e a deformidade do

materialismo histórico formulado por Marx em troca de um determinismo econômico

face ao movimento dialético da realidade, ao desenvolvimento contraditório

(movimento interno da sociedade). Tentou-se construir um marxismo estruturalista que

não levava em conta o aspecto da mutabilidade, da constante transformação e

interconexão das várias esferas da totalidade. Ao contrário, partiu-se do pressuposto

de que a economia determinava única e exclusivamente o movimento da sociedade,

não sofrendo interferências dos aspectos políticos e ideológicos desta mesma

realidade múltipla e determinada. No marxismo vulgar não há uma inter-relação, uma

interação constante e dialética entre economia, política e ideologia (que também

possui força material). 

Vladmir Ulianov Lênin (1870-1924) tentou resgatar a importância da herança hegeliana

do marxismo e advertiu que a não assimilação dos ensinamentos contidos na Lógica

Dialética de Hegel, implicaria no não entendimento da dialética marxiana. 

O húngaro Georg Lukács (1885-1971) advertiu ainda que: 

não é a predominância dos motivos econômicos na explicação da história que

distingue decisivamente o marxismo da ciência burguesa: é o ponto de vista da

totalidade. Somente o ponto de vista da totalidade é que permite à dialética enxergar,

por trás da aparência das “‘coisas”, os processos e inter-relações de que se compõe a

realidade (KONDER, 2003: p. 67-68). 

Em Marx, Engels e Lênin, a prática exigia um reexame da teoria e a teoria servia para

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criticar a prática em profundidade, servia para questionar e corrigir a prática[6]. Em

Stalin, isso mudou: a teoria perdeu sua capacidade de criticar a prática e a prática, a

sua habilidade de negar a teoria. Stalin intrumentalizava o trabalho teórico, fazia dele a

justificação permanente de todas as medidas decididas por ele. Manipulava assim a

teoria e a prática. 

9. O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE 

Sustenta o autor que o gênero humano está excessivamente fragmentado, sendo

muito difícil compreendê-lo como totalidade concreta; que a falta de coesão e

interação entre os seres humanos (provocado pelo individualismo exacerbado da

sociabilidade do capital) diminui as possibilidades de fazerem história de modo

consciente. Diminui as possibilidades de se organizarem e de se reconhecerem na

ação da comunidade organizada a que se integraram. O fato é que o indivíduo isolado

não faz história, não transforma a realidade em que vive, pois sozinho suas forças são

muito limitadas em relação à sociedade. 

Por isso, o problema da organização capaz de levá-lo a multiplicar suas energias e

ganhar eficácia é um problema crucial para todo revolucionário. É preciso que a

organização não se torne opaca para o indivíduo /.../; é preciso que ela não o reduza a

uma situação de impotência /.../ ou a um ativismo cego. Senão, o indivíduo fica

impossibilitado de atuar revolucionariamente e se sente alienado na atividade coletiva.

A organização deixa de ser o lugar onde suas forças se multiplicam e passa a ser um

lugar onde elas são neutralizadas ou instrumentalizadas por outras forças, orientadas

em função de outros objetivos (p. 76-77). 

Quaisquer que sejam os caminhos que venham a ser trilhados, entretanto, os

indivíduos precisarão se empenhar em elevar seu nível da consciência crítica, para

poderem participar mais efetiva e conscientemente do movimento de transformação da

sociedade; e para isso precisarão assimilar melhor e aprofundar o pensamento

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dialético (p. 78-79). 

O homem é e sempre foi um ser social. Foi somente ao longo de sua história em

sociedade que os homens, depois de muitos séculos, chegou a se individualizar. A

racionalização utilitária do capitalismo e o espírito exageradamente competitivo

estimulado pelo mesmo sistema agrava em demasia o individualismo entre os seres

humanos e destrói formas tradicionais de comunidades como a família, a antiga

vizinhança, criando situação de solidão, falta de caráter, desenvolvendo ainda

frustrações. 

A falta de uma compreensão dialética dos problemas sociais e a necessidade dos

indivíduos de associarem-se em um determinado grupo ou comunidade visando a

busca de uma identidade coletiva num sistema como o capitalismo faz com que essas

pessoas se insiram em grupos que anulam sua compreensão de sujeitos históricos,

como sujeitos ou seres transformadores realidade social. 

Homens são seres sociais, históricos, temporais e limitados espacialmente. São

sujeitos da história, transformadores desta, mas também produtos de seu tempo e

espaço, transformados pelas circunstâncias em que vivem. É enfim um ser

impregnado de dialeticidade. Muitas vezes, idéias revolucionárias se combinam, numa

mesma pessoa, com sentimentos bastante reacionários e conservadores. 

Por isso, não são raros os casos revolucionários que tendem a transformar a

organização em que desenvolvem suas atividades políticas numa espécie de ídolo

sagrado, que não pode ser submetido a críticas profundas e que deve merecer todos

os sacrifícios [no caso, Jesus para os cristãos]. Essa atitude, alienada, causa graves

prejuízos tanto a indivíduos como à organização /.../ (p. 82). 

10. SEMENTE DE DRAGÕES 

Page 16: RESUMO o que é Dialética

Uma das características essenciais da dialética é o espírito crítico e autocrítico. Assim

como examinam constantemente o mundo em que atuam, os dialéticos devem estar

sempre dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar (p. 83). 

Segundo o autor, o método dialético nos incita e rever o passado à luz do presente,

razão pela qual questiona o presente à luz ou em nome do futuro. Para os que

assumem consciente ou inconscientemente uma posição de compromisso com o

capitalismo, a dialética é “subversiva”, porque demonstra que o capitalismo está sendo

superado ou incita a superá-lo. 

Longe disso, a dialética é, segundo o autor, semente de dragões, dragões que

assustam muita gente e que causam tumulto, objeções à ordem e à harmonia, não

sendo todavia baderneiros inconseqüentes. A presença destes dragões na

consciência das pessoas atormentam-nas, pois mostram que são sujeitos históricos,

responsáveis pelos processos sociais e pela alteração no decurso da história; que a

responsabilidade por tal situação real e atual da sociedade, com seus avanços e

limitações, é produto histórico, é fruto do processo de interação, dos seres humanos, é

sua herança. 

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[1] Leandro KONDER. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2003. 

[2] Perceba-se que o trabalho de quem faz a canoa é o agente da transformação, da

mudança, da modificação. Dialeticamente falando, o artesão, por meio de seu

trabalho, é aquilo que nega a madeira em seu estado puro (a árvore), conservando

sua propriedade, sua essência (a madeira), mas simultaneamente transformando-a em

um objeto elevado, superior à árvore, no caso, acanoa. Assim, dialeticamente, a

árvore é a tese que é negada pelo trabalho humano. Já o trabalho humano pode ser

considerado uma antítese, pois é uma negação, algo que está na mediação entre a

madeira em forma de árvore e a madeira em forma de canoa, transformando ou

elevando essa árvore à um patamar superior (a canoa). Já a canoa pode representar a

síntese do processo transformador da madeira-árvore em madeira-canoa, síntese esta

causada pelo trabalho. Não obstante, é impressionante como essa concepção

assemelha-se, de certa forma, com a teoria da causalidade aristotélica, que, apesar de

Page 17: RESUMO o que é Dialética

não ser formulada com e para este princípio, proporciona margem à uma interpretação

dialética. Por movimento, Aristóteles entendia toda mudança qualitativa, quantitativa,

de lugar ou locomoção e de geração ou corrupção de um corpo qualquer. Enfim, por

movimento entendia-se toda e qualquer alteração de uma dada realidade, de uma

dada coisa, seja ela qual for. Segundo Aristóteles, só há conhecimento da realidade

(ou seja, da permanência e do movimento dos seres) quando se conhece ou se busca

conhecer suas causas, que são, ao todo, quatro: a material (da matéria em si), a

formal (da forma da matéria, que é determina ou dada por alguma intervenção), a

eficiente (ou o agente da mudança, da transformação ou movimento) e a final

(finalidade da forma, do movimento, transformação e da causalidade de um ser). Para

Aristóteles, uma causa é o que responde ou se responsabiliza por algum aspecto da

realidade. Tomemos como exemplo nossa canoa: no caso desta, sua causa material é

a madeira; a formal é a forma de canoa; a eficiente é o artesão, aquele que imprime na

madeira a forma de canoa e a causa final é o uso da canoa (valor de uso), o motivo ou

a razão pela qual ela foi fabricada. Perceba-se que o trabalho do artesão (a causa

eficiente) que confecciona a canoa enquanto tal é o agente da mudança, do

movimento, da transformação da árvore em canoa. Dialeticamente falando, o trabalho

do artesão (causa eficiente) é aquilo que nega a madeira em seu estado puro (causa

material), transformando-a em canoa (causa formal) para ser usada por alguém (causa

final), elevando-a à um nível superior (passagem de uma causa à outra, por meio do

trabalho: a causa eficiente). No processo de passagem da árvore para a canoa, há

uma “superação dialética hegeliana”, ou seja, há uma negação (a árvore é negada em

seu estado de árvore), há uma conservação (da árvore à canoa, a matéria madeira é

conservada) e há uma superação, uma elevação à um nível superior (a árvore deixa

de ser árvore para virar/transformar-se numa canoa, algo humano, mais útil aos

homens, que poderão atravessar o rio). 

[3] Um belo exemplo de mediação o que ela representa é a terceira parte da

Introdução à Crítica da Economia Política de Marx, denominada “O Método da

Economia Política”, quando este exemplifica como se chega à categoria de população,

indo do sentido mais simples e/ou abstrato ao mais complexo do termo, fazendo, por

sua vez, um caminho inverso, compreendendo de forma concreta o que é população. 

[4] A lógica formal afirma que “é impossível que A seja A e não-A ao mesmo tempo e

na mesma relação”. A contradição consiste em mostrar que isso é possível. Em O que

é ideologia, Marilena Chauí (2003: p. 38) afirmará que: “Diversamente da oposição,

em que os termos podem ser pensados fora da relação em que se opõem, na

contradição só existe a relação, isto é, não podemos tomar os termos fora dessa

relação /.../, trata-se de tomar os termos ao mesmo tempo e na mesma relação,

Page 18: RESUMO o que é Dialética

criados por essa relação e transformados nela e por ela. Além disso, a contradição

opera com uma forma muito determinada de negação, a negação interna. /.../ A

negação é interna quando o que é negado é a própria realidade de um dos termos, por

exemplo, quando dizemos: ‘A é não-A’. Ou seja, quando digo ‘A não é B’, a negação é

externa; mas quando digo ‘A é não-A’, a negação é interna. /.../ Só há contradição

quando a negação é interna e quando ela for a relação que define uma realidade que

é em si mesma dividida num pólo positivo e num pólo negativo, pólo este que é o

negativo daquele positivo e de nenhum outro”. Por exemplo: quando digo que “a canoa

é a não-canoa” definimos a canoa por sua relação interna, ou seja, a não-canoa é a

árvore negada, suprimida como árvore pelo trabalho humano que preservou sua

essência (a madeira) para transformá-la em canoa ou não-árvore. A não-canoa é a

árvore, assim como a não-árvore é a canoa. O trabalho do canoeiro consiste em negar

a árvore enquanto tal (em estado natural, matéria bruta) transformando-a numa coisa

humana, cultural (a canoa, valor de uso). O trabalho do canoeiro, nessa

transformação, preserva o que a árvore tem de mais essencial (a madeira). Assim, o

canoeiro eleva a essência da árvore (a madeira) à um patamar superior (a canoa),

efetuando o que o autor (KONDER, 2003) chamará de “superação dialética de (em)

Hegel”. Nessa perspectiva de negação interna, na mesma relação, temos o caso do

senhor e do escravo: o senhor é o não-escravo e o escravo é o não-senhor. Ou seja,

só haverá escravo quando e onde houver senhor, ao mesmo tempo em que só haverá

senhor onde e quando houver escravo, pois ambos se relacionam entre si, estando

ambos na mesma relação. Para haver um senhor é necessário haver um escravo

(vice-versa). Que e quem é o senhor? Aquele que vive graças ao trabalho do escravo.

Portanto, o senhor é aquele cujo ser depende de outro ser que é sua negação. Assim,

o senhor vive ou depende do não-senhor (o escravo), existindo enquanto senhor pela

sua negação. Aí está o sentido de contradição interna. 

[5] “/.../ a história é o real, e o real é o movimento incessante pelo qual os homens, em

condições que nem sempre foram escolhidas por eles, instauram um modo de

sociabilidade e procuram fixá-lo em instituições determinadas (família, condições de

trabalho, relações políticas, instituições religiosas, tipos de educação, formas de arte,

transmissão dos costumes, línguas, etc.)” (CHAUÍ, 2003: pp. 22-23). “A história é

história do modo real como os homens reais produzem suas condições reais de

existência. É história do modo como se reproduzem a si mesmos (pelo consumo direto

ou imediato dos bens naturais e pela procriação), como produzem e reproduzem suas

relações sociais (pela divisão social do trabalho e pela forma da propriedade, que

constituem as formas das relações de produção). É também história do modo como os

Page 19: RESUMO o que é Dialética

homens interpretam todas essas relações, seja numa interpretação imaginária, como

na ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu

ou produz tais relações” (Id., Ibid.: p. 47). “A dialética é materialista porque seu motor é

o trabalho material propriamente dito: o trabalho como relação dos homens com a

Natureza, para negar as coisas naturais enquanto naturais, transformando-as em

coisas humanizadas ou culturais, produtos do trabalho” (Id., Ibid.: p. 52). “O motor da

dialética materialista é a forma determinada das condições de trabalho, isto é, das

condições de produção e reprodução da existência social dos homens, forma que é

sempre determinada por uma contradição interna, isto é, pela luta de classes ou pelo

antagonismo entre proprietários das condições de trabalho e não-proprietários (servos,

escravos, trabalhadores assalariados)” (Id., Ibid.). “/.../ o que interessa realmente à

dialética materialista não é a simples relação dos homens com a Natureza através

(pela mediação) do trabalho. O que interessa é a divisão social do trabalho e, portanto,

a relação entre os próprios homens através do trabalho dividido. Essa divisão começa

no trabalho sexual de procriação, prossegue na divisão de tarefas no interior da

família, continua como divisão pastoreio e agricultura e entre estes e o comércio,

caminha separando proprietários das condições do trabalho e trabalhadores, avança

como separação entre cidade e campo e entre trabalho manual e trabalho intelectual.

Essas formas de divisão social do trabalho, ao mesmo tempo em que determinam a

divisão entre proprietários e não-proprietários, entre trabalhadores e pensadores,

determinam a formação das classes sociais” (Id., Ibid.: pp. 52-53). 

[6] “Marx e Engels dão à teoria um sentido inteiramente novo enquanto crítica

revolucionária: a teoria não está encarregada de ‘conscientizar’ os indivíduos, não está

encarregada de criar a consciência verdadeira para opô-la a consciência falsa, e com

isto mudar o mundo. A teoria está encarregada de desvendar os processos reais e

históricos enquanto resultados e enquanto condições da prática humana em situações

determinadas, prática que dá origem à existência e à conservação da dominação de

uns poucos sobre todos os outros. A teoria está encarregada de apontar os processos

objetivos que conduzem à exploração e à dominação e aqueles que podem conduzir à

liberdade”. (CHAUÍ, 2003, p. 74). “Percebemos, então, que a teoria – ao contrário da

ideologia – não está encarregada de tomar o lugar da prática, fazendo a realidade

depender das idéias /.../. A relação entre teoria e prática é revolucionária porque é

dialética. /.../. Que significa dizer que a relação entre teoria e prática é dialética e não

ideológica /.../? A relação entre teoria e prática é uma relação simultânea e recíproca

por meio da qual a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega a

prática como um fato dado para revelá-la em suas mediações e como práxis social, ou

seja, como atividade socialmente produzida e produtora da existência social /.../. A

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prática, por sua vez nega a teoria como um saber separado e autônomo, como puro

movimento de idéias se produzindo umas às outras na cabeça dos teóricos. Nega a

teoria como um saber acabado que guiaria e comandaria de fora a ação dos homens.

E negando a teoria enquanto saber separado do real que pretende governar esse real,

a prática faz com que a teoria se descubra como conhecimento das condições reais da

prática existente, de sua alienação e de sua transformação.” (Id., Ibid.:p. 75-76).