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HOSPITAL DE MANGUINHOS1904-1940
Autores:
Maria Regina Cotrim Guimarães
Richard Negreiros de Paula
EDIÇÃO COMEMORATIVA 2004
COMISSÃO EDITORIAL
Keyla Belízia Feldman Marzochi, Diretora do IPEC
Rose Esquenazi, Assessora de Comunicação do IPEC
Edição:Rose Esquenazi
Diagramação e Arte:Inpress Artes Gráficas
Fotolitos:Rhema
Impressão:Colorset
Fotos:COC/FIOCRUZ
Rio de Janeiro, 2004
Ficha Catalográfica na Fonte
Setor de Processamento Técnico da Biblioteca de Manguinhos
G963h Guimarães, Maria Regina Cotrim
Hospital de Manguinhos: 85 anos de pesquisa clínica/ Maria Regina
Cotrim Guimarães e Richard Negreiros de Paula. – Rio de Janeiro: FIOCRUZ; IPEC, 2004.
31 p. : il. (gravs. e fotos)
Edição Comemorativa 2004.
1. Medicina –História – Brasil. 2 Hospital de Manguinhos – História 3. Academias e Institutos - História 4. Medicina Experimental – História –
Brasil I. Título II. Paula, Richard Negreiros de
CDD. : 610.981
APRESENTAÇÃO
Da mesma forma que, presume-se, construiria Oswaldo Cruz o Castelo de Manguinhos comoo Templo da Ciência, não será exagero dizer que, ao planejar, à mesma época, o Hospital deManguinhos integrado por seis belíssimos pavilhões na outra colina, para estudar e tratar os
pacientes da forma mais avançada e com um conforto inovador, o ar condicionado central (oprimeiro do País, ao que consta), pretendia simbolizar o santuário da pesquisa clínica.
Este pequeno livro que tenho a honra de apresentar, resultado de uma pesquisa realizada pelamédica e doutoranda da Casa de Oswaldo Cruz, Maria Regina Cotrim Guimarães em parceriacom o historiador Richard Negreiros de Paula, revisitando os primórdios de Manguinhos,
percorre, em seus marcos principais, a história que originou o Instituto de Pesquisa ClínicaEvandro Chagas da FIOCRUZ, a partir de 1904. É desta data, a primeira planta do Hospitalde Manguinhos projetada por Luiz de Moraes Jr., o mesmo arquiteto do castelo mourisco ecertamente parceiro no visionarismo de Oswaldo.
O ano de 1918 marca a inauguração de um belo pavilhão, mas não tão belo quanto oplanejado inicialmente, que se denominou Hospital Osvaldo Cruz. O exemplo deixado por
este homem criador se continuou, ali, na figura de Evandro Chagas, cujo brilhantismo, com-petência e capacidade de trabalho, nos seus 36 anos existência, contagiou a todos os que comele conviveram. Seu trabalho profícuo também lançou sementes em diversos estados do País
como atividades de extensão do Hospital Oswaldo Cruz desenvolvidas através de um de seusserviços, e o mais famoso, o SEGE - Serviço de Estudos de Grandes Endemias.
O carisma de Evandro Chagas, que impressionou os autores deste trabalho introdutório que
nos coube incentivar, certamente os impulsionará à continuidade de estudos que trarão à luzas preciosas contribuições de cada um dos pesquisadores que acompanharam Evandro, algunsdesde a época do pai exemplar, Carlos Chagas, e que o sucederam, na seara inesgotável da
pesquisa clínica em Doenças Infecciosas.
Estamos certos de que os autores já contagiados dessa vontade, na continuidade do estudo,
poderão contextualizar a trajetória da Pesquisa Clínica no país, que permitirá refletir sobre suadelicada identidade e o rico espaço de relações, conhecimentos e contribuições que propicia.
Keyla Belízia Feldman MarzochiDiretora do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas
AGRADECIMENTOS:
Keyla Belízia Feldman Marzochi, pelo apoio e sugestões;
Rose Esquenazi, pela colaboração na pesquisa de campo e entrevistas
Flávio Coelho Edler, Chefe do Departamento de Pesquisa da COC/
FIOCRUZ, Jean Maciel, Rose Oliveyra, Roberto de Jesus Oscar (Arqui-
vo COC), Ana Luce, Edmar Oliveira, diretor do Instituto Municipal
Nise da Silveira
Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas - IPEC / FIOCRUZwww.ipec.fiocruz.br
(21) 3865-9562 e 2290-4532 (tel/fax)Avenida Brasil, 4365 – Manguinhos
CEP 21.040.360 Rio de Janeiro
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O INSTITUTO SOROTERÁPICOSEU HOSPITAL E A SAÚDE PÚBLICA
Decreto que aprova a criação do Hospital de Manguinhos, em 1912
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Ao longo dos 85 anos passados desde a con-
clusão de sua construção, em 1918, o atual Insti-
tuto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (IPEC),
no Rio de Janeiro, conservou o mesmo prédio do
antigo Hospital de Manguinhos. Este prédio, bem
antes de tornar-se o IPEC, abrigou o Hospital de
Manguinhos - o Hospital Oswaldo Cruz, o Hos-
pital Evandro Chagas e o Centro de Pesquisa Clí-
nica Evandro Chagas, diferentes momentos da tra-
jetória deste símbolo da pesquisa associada à assis-
tência e ao ensino das doenças infecciosas, estrate-
gicamente localizado em Manguinhos.
O ponto de partida necessário para enten-
dermos sua sinuosa história é o próprio entendi-
mento da sua gênese: a construção do Instituto de
Manguinhos na primeira década do século XX es-
tava contextualizada no panorama nacional da saú-
de do Brasil, particularmente do Rio de Janeiro,
então capital federal. Entre 1872 e 1890, a popu-
lação dessa cidade duplicou, passando de 274 mil
para 522 mil habitantes - grandes contingentes de
imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pe-
las oportunidades que se abriam ao trabalho assala-
riado.
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O Diretor-Geral do Instituto Vacínico Municipal (recém-instalado
em Manguinhos), Barão de Pedro Affonso, por sugestão do médico francês
Émile Roux, convidou, em 1899, o médico Oswaldo Cruz, para a Direção
Técnica deste Instituto. Oswaldo Cruz regressara ao Brasil influenciado
pelas pesquisas realizadas nos dois anos em que estudou nas instalações do
Instituto Pasteur, em Paris. Naquele ano, já conhecido por J. J. Seabra,
Ministro da Justiça e Negócio Interiores (as ações de saúde pertenciam a
este Ministério) - por ocasião de sua ida a Santos a fim de confirmar a
presença de peste bubônica naquela cidade - Oswaldo Cruz aceitou o con-
vite e se dedicou à fabricação de soros. Entretanto, bem mais que desejar
copiar Paris, este médico esteve comprometido com os grandes problemas
nacionais, representados pelas diversas epidemias e endemias.
“20 8bro 99
Exmo Sr. B.
Accedendo ao seu honroso convite de hoje estou disposto a empenhar
todos os meus esforços collaborando na obra patriótica de que V. Ex. se
encarregou. Tenho porém, de tomar sobre mim grande somma de res-
ponsabilidade debaixo do poder technico. Desejo ter também corres-
pondente liberdade de acção, dependendo só e exclusivamente da
esclarecida direcção de V. Ex.
Em summa, desejo responder eu só pela parte de preparação do sôro
que me for confiada. Queira relevar a franqueza com que me dirijo a
V. Ex. e aceitar os protestos de alta estima e consideração com que sou
de V. Ex. ...
Amanhã às 2 horas estarei em seu consultório”
Carta de Oswaldo Cruz aceitando o convite do Barão de Pedro Affonso para a direçãotécnica do Instituto Vacínico de Manguinhos
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Em 1900, o Instituto Vacínico Municipal
de Manguinhos passou para o âmbito federal, com
o nome de Instituto Soroterápico Federal, enquan-
to se manteve na Rua do Catete o Instituto
Vacínico da Municipalidade do Rio de Janeiro, sob
a direção do Barão de Pedro Affonso. Em 1902,
Oswaldo Cruz foi nomeado Diretor do Instituto
Soroterápico Federal. Quando este Instituto já es-
tava ampliando suas pesquisas, Oswaldo Cruz tam-
bém foi nomeado, em março de 1903, pelo presi-
dente Rodrigues Alves, Diretor da Saúde Pública.
Até 1909, ele acumulou as duas funções.
Entrada de Manguinhos: Castelo, ao fundo, em construção, no começo do século XX
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O segredo das causas, sintomas e tratamen-
to das principais doenças endêmicas e epidêmicas
estava tanto no estudo da interação do homem com
o ambiente em que vivia, quanto no estudo siste-
mático dos indivíduos, isoladamente. O escopo das
preocupações de Oswaldo Cruz - e da maior parte
dos médicos desse período - pressupunha idas a
campo, assistência médica e pesquisas laboratoriais.
A pesquisa clínica, integrada às viagens a diversas
áreas endêmicas do Brasil, foi, certamente, a lógi-
ca que mobilizou a construção de um hospital vin-
culado ao Instituto Soroterápico, antes mesmo do
projeto do castelo-sede de Manguinhos.
O Instituto Oswaldo Cruz se engajou numa
missão semelhante à do Instituto Pasteur, que en-
viava seus pesquisadores para as regiões dos conti-
nentes africano e asiático distanciadas da assistên-
cia médica. Análogos às inúmeras pesquisas desen-
volvidas por Yersin - enviado por Pasteur - sobre a
peste em Hong-Kong e na Índia1 , foram os estu-
dos da malária e da Doença de Chagas, em Minas
Gerais, por Carlos Chagas - a pedido de Oswaldo
Cruz.
Em meio a um quadro em que a varíola, a febre amarela, a peste bubônica
e a tuberculose, entre várias outras moléstias, eram uma ameaça diária a
cada habitante, não se podia pensar no Instituto sem um Hospital que
atendesse e pesquisasse essas doenças (e o que também fazia parte do
modelo do Instituto Pasteur).
1Brossolet, Jacqueline & Mollaret, Henri. Pourquoi la peste? Le rat, la puce et lê bubon.Paris: Gallimard. 1994.
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“Do mesmo modo que uma
catedral não basta para que haja
uma religião [...], e do mesmo modo
que uma escola não é simplesmen-
te o edifício que a aloja, o Hospital
de Manguinhos, a que mais tarde
foi dado o nome de Hospital
Evandro Chagas, tem uma história
que não é apenas a da casa que por
tanto tempo o abrigou [...]. Essa his-
tória foi feita pelos homens que lá
têm trabalhado: Carlos Chagas,
Eurico Villela, Evandro Chagas,
Sinval Lins, Genard Nóbrega, to-
dos eles grandes clínicos forrados
de excelentes experimentadores”.2
Como se viu, a idéia de um hos-
pital para o Instituto Oswaldo Cruz,
que priorizasse as pesquisas clínicas, foi
tão antiga quanto a criação do próprio
Instituto. O arquiteto português Luiz
de Morais Junior, a pedido de Oswaldo
Cruz, elaborou as primeiras plantas de
UM HOSPITAL SEM PRÉDIO
2 Fonseca , Olympio da. A Escola de Manguinhos. São Paulo, Brasil. 1974, pág. 100
(separata do tomo II de Oswaldo Cruz Monumenta Historica).
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um hospital de isolamento, que per-
tencesse ao Instituto, em 1904, um
ano antes do início das obras do pavi-
lhão mourisco; o ministro da Justiça,
J. J. Seabra autorizou a construção do
hospital, mas por uma relação
conflituosa entre Oswaldo Cruz e o
Congresso, a verba cedida não foi su-
ficiente para dar continuidade à cons-
trução, que já havia sido iniciada.
Foto Planta Hospital (Benchimol tomo II, pg 163)
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Ilustração em perspectiva do Hospital
Detalhe Planta do Hospital
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Por outro lado, Oswaldo Cruz, acumulan-
do os cargos de Diretor do Instituto de
Manguinhos e de Diretor da Saúde Pública, devia
responder tanto à crescente e urgente necessidade
de criação de leitos, quanto à pesquisa das doen-
ças. A peste bubônica, a febre amarela e a varíola
foram os maiores alvos de suas preocupações
assistenciais e científicas.
Assim, os clínicos vinculados ao Instituto
Oswaldo Cruz, ainda sem seu hospital próprio,
utilizaram-se de hospitais que já existiam no Rio
de Janeiro, como o São Sebastião (inaugurado em
9/11/1889) e a Santa Casa de Misericórdia (mea-
dos do século XVI), para os estudos das doenças
endêmico-epidêmicas. Ambos os hospitais firma-
ram convênios com o Instituto Oswaldo Cruz para
que pesquisas pudessem ser realizadas nas suas de-
pendências, até que um hospital definitivo, em
Manguinhos, tivesse lugar. Em 1912, o provedor
da Santa Casa autorizou o Instituto Oswaldo Cruz
a instalar o seu hospital geral numa seção que
Oswaldo Cruz, em seu relatório ao Ministro da
Justiça, designou como “Instituto Patológico”3
O Hospital São Sebastião - que, desde 1902,
pertencia à Diretoria Nacional de Saúde Pública -
era o hospital de referência para o atendimento
das doenças infecciosas. O arquiteto português
Luiz de Morais Jr., “braço direito” de Oswaldo
3 Benchimol, Jayme L. (coord). Primeiro Relatório de Pesquisa: Manguinhos, um retrato decorpo inteiro -Projeto Manguinhos. Parte II. COC/FIOCRUZ, pág. 187.
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Cruz, construiu, nessa época, doze quartos parti-
culares, de tijolo e cimento, para os doentes mais
abastados (“contribuintes”, como se dizia na épo-
ca), que pagavam pela internação. Em 1908, o ar-
quiteto retornou ao São Sebastião para aí cons-
truir um pavilhão cirúrgico, o “Pavilhão Oswaldo
Cruz”.
Neste ano de 1908, o Hospital São Sebasti-
ão já não tinha mais onde abrigar os doentes de
uma grande epidemia de varíola, apesar de terem
sido criadas instalações provisórias, inclusive vári-
as “barracas” no seu vasto terreno na ponta do Caju.
Oswaldo Cruz, ainda sem verba para construir o
“seu” hospital de isolamento em Manguinhos (na-
quele ano, já havia três diferentes plantas para esse
hospital), reformou dois prédios a fim de prestar
assistência à epidemia de varíola. Um deles, uma fá-
brica de louças falida - “Fábrica Manufatura e Lou-
ças” - no bairro do Engenho de Dentro, depois de
comprada e reformada por Luiz de Morais Jr., funci-
onou como hospital de isolamento para atender aos
variolosos dos subúrbios. Seu diretor, Dr. Antonino
Ferrari4 , fazia parte do corpo clínico do São Sebasti-
ão. Este “nosocômio provisório”, “recolhimento es-
pecial” para variolosos, adquiriu as características de
um “hospital de alienados”, em 1910, ao receber os
pacientes do Hospício Pedro II, da Praia Vermelha, e
ficou conhecido como “Hospital do Engenho de
4 Benchimol, Jayme L. (coord). Manguinhos, um retrato de corpo inteiro. Op. cit. Parte II,pág. 152
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Dentro” 5 ; hoje, saído do âmbito federal, tem o nome de “Instituto Muni-
cipal Nise da Silveira”. O outro prédio, o antigo Hospital Paula Cândido -
de 1853, na enseada de Jurujuba, em Niterói - segundo relatos do período,
estaria fechado por não ter condições mínimas de funcionamento. A pedi-
do de Oswaldo Cruz, esse hospital foi reformado pelo mesmo arquiteto e
também ganhou o seu Pavilhão Oswaldo Cruz6 ; no ano de 1908 recebeu
1395 doentes com varíola.
A repercussão do trabalho de Oswaldo Cruz, ainda que enfrentando
situações críticas, como a Revolta da Vacina em 1904, levou o
Instituto de Manguinhos a receber a medalha de ouro na Exposição
Internacional de Higiene, do IV Congresso Internacional de Higiene
e Demografia, realizado em Berlim, em setembro de 1907.
5 Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro – História e Estatística. Comemoração doCentenário da Independência Nacional. Rio de Janeiro:Typografia do “Annuario do Bra-sil”, pg. 554.6 Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro. Op.cit.,pág. 551-2.
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Nessa época, Carlos Chagas – então médico e pesquisador do Insti-
tuto Oswaldo Cruz - havia sido designado (1907) para o controle da epide-
mia de malária em Minas Gerais, que vinha preocupando as autoridades
sanitárias, durante a construção de uma extensão da Estrada de Ferro Cen-
tral do Brasil, no distrito de São Gonçalo das Tabocas - depois de 1908
chamado de Lassance - no município de Pirapora, às margens do rio Bicudo.
A escolha do nome de Carlos Chagas pode ter residido no seu interesse pela
malária, desde sua tese de doutoramento em Medicina, de 1903, intitulada
“Aspectos Hematológicos do Impaludismo”.
Carlos Chagas e Belisário Penna no prédio da Estrada de Ferro Central do Brasil, emLassance, Minas Gerais,1908
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Outras instalações, mais adequadas, foram
construídas, posteriormente, pelo pessoal da rede
ferroviária: “um comprido barracão de tijolos com
estrutura executada com trilhos ferroviários, co-
berturas em telhas cerâmicas coloniais, e um pe-
queno biotério.”7 Entre os pacientes com suspei-
7 Oliveira, Benedito Tadeu de (coord). Um lugar para a Ciência: a formação do campus deManguinhos . Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2003, pág. 228.
Durante essa campanha de erradicação da malária, Chagas viveu e
trabalhou dentro de um vagão da Estrada de Ferro, que usou como con-
sultório e laboratório.
“barbeiro”, o inseto vetor
ta de malária que atendia, Carlos Chagas obser-
vou no exame de sangue de alguns deles a presen-
ça de um outro agente biológico que não o da
malária, confirmado depois como um
Trypanosoma por Oswaldo Cruz, nos laboratóri-
os de Manguinhos. Foi a visão de pesquisador des-
se clínico, com formação laboratorial e em Saúde
Pública, que culminou na descrição de uma do-
ença até então desconhecida, da menina Berenice,
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de menos de um ano de idade. Chagas descreveu a
doença a partir dos sintomas clínicos, que tam-
bém vinham sendo observados entre diversos pa-
cientes daquele local, associados ao ciclo evolutivo
do parasito, ao seu vetor, o inseto “barbeiro”, e aos
seus hospedeiros “intermediários”, o tatu e o gambá
- a Doença de Chagas (1909).
Carlos Chagas e a menina Rita, suapaciente, em Lassance
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Chagas descreveu:
“Seu nome era Berenice, nome cuja suavida-
de não condiz com a violenta tragédia amo-
rosa que o envolve. Como terá ele se perdido
nos sertões de Minas? Terá ali chegado através
do julgamento de Paulo de Tarso, tal como se
lê nos Atos dos Apóstolos, ou fora ali levado
pelo engenheiro Lassance, de origem francesa,
e com ele a dramatização clássica que deram,
ao nome, Racine e Corneille? A resposta é di-
fícil, o que importa é que Chagas, examinan-
do o sangue de Berenice em dia não precisado,
encontra o tripanossoma que enxergara exa-
minando barbeiros, cães, gatos e tatus.” 8
8 Carlos Chagas Filho. Cenas da vida de Carlos Chagas. Ciência e Cultura, São Paulo, v.31,n.7, p.5-14, maio 1979, suplemento. Sobre a primeira paciente em quem foi descrita adoença que levou o nome de seu pai)
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O incremento das pesquisas sobre a Doença de
Chagas, com sua repercussão na comunidade mé-
dica nacional e internacional, e que teve como um
de seus pontos altos o Prêmio Schaudinn de 1912- do Instituto Naval de Medicina de Hamburgo,
na Alemanha - transformou Lassance no primeiro
“campus avançado” do Hospital de Manguinhos.
Diversos médicos ligados ao Instituto lá tra-
balharam ao lado de Carlos Chagas, como Gaspar
Vianna e Carlos Bastos Magarinos Torres (que o
sucedeu em 1912), Eurico Villela, Leocádio Cha-
ves, Astrogildo Machado, Evandro Chagas eEmmanuel Dias.
O prêmio Schaudinn, que reflete o reconhe-cimento internacional das descobertas do grupo
de Chagas, contribuiu com um bom motivo para
que Oswaldo Cruz (que deixara a Diretoria de
Saúde Pública, em 1909) obtivesse do governo fe-
Carlos Chagas diante de seu primitivo ambulatório em Lassance
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deral uma verba para a retomada da construção do
Hospital de Manguinhos, para algumas melhoriasno pequeno hospital de Lassance (que passou a se
chamar Hospital Carlos Chagas), e para o estudo
da distribuição geográfica da Doença de Chagas.
“A construção do hospital fazia parte da ambicio-
sa estratégia de transformar o instituto na pontade lança dos inquéritos epidemiológicos e da in-
tervenção profilática nas zonas rurais do país, in-
teiramente negligenciadas pela Saúde Pública que
mal dava conta das demandas da capital.” 9
Enfim, o Hospital de Manguinhos, em
1912, começava a se tornar uma realidade con-
creta, embora muito longe de corresponder ao
modelo de hospital de pesquisas à altura dos
9 Benchimol, Jaime L. (coord). Manguinhos do Sonho à Vida – A Ciência na Belle Époque.Rio de Janeiro: COC/FIOCRUZ, 1990, pág. 215.
Construção do Hospital de Manguinhos, 1912
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Hospital de Lassance
anseios de Oswaldo Cruz - dos seis pavilhões que
o arquiteto Luiz de Morais Jr. havia proposto, na
sua última planta (cuja maquete fez parte da Ex-
posição de Berlim de 1907), apenas um foi
construído. Além disso, a verba para sua constru-
ção escasseou e as obras do hospital foram, nova-
mente, suspensas.
Após a morte de Oswaldo Cruz, em 1917, Carlos
Chagas foi nomeado Diretor do Instituto e, ao privile-
giar, com base no estudo dos pacientes, a investigação
das causas e dos aspectos epidemiológicos das endemias
rurais, concluiu, em 1918, a construção do Hospital
Oswaldo Cruz.
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HOSP ITAL DE MANGUINHOS - 1904-1940 E D I Ç Ã O C O M E M O R A T I V A 2 0 0 4Carlos Chagas (à direita), com pacientes,na escadaria do Hospital Oswaldo Cruz
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Mesmo antes de o Mal de Chagas ter ocu-
pado uma grande parte da pauta do Hospital, os
médicos que aí trabalhavam dedicavam-se à pes-
quisa e à assistência das doenças infecciosas mais
freqüentes no país, e ainda fora de controle. Os
doentes de Lassance, por outro lado, careciam de
observações contínuas, de aprofundadas investi-
gações, que só teriam sucesso em ambiente hospi-
talar de maior porte. Assim, muitas dessas pessoas
passaram a ser assistidas na Santa Casa de Belo
Horizonte, e nos já citados hospitais do Rio de
Janeiro, acrescentados depois pelo Hospital São
Francisco de Assis10 , onde se criou o Pavilhão
Carlos Chagas para isolamento. Como alguns lei-
tos desses hospitais estavam cedidos aos médicos-
pesquisadores de Manguinhos, os prontuários dos
respectivos pacientes, assim como dos pacientes
de Lassance, levavam o carimbo do Hospital
Oswaldo Cruz – RIO.
O primeiro caso de Doença de Chagas no
Brasil - em Lassance - leva o timbre desse Hospi-
tal.
10 Nesse momento, é de se ressaltar a contribuição do Dr. Eurico Villela nos estudosclínicos e de de Patologia, tanto na Santa Casa mineira, quanto no São Francisco carioca.
OS “HOSPITAIS” OSWALDO CRUZ - RIO
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Prontuário da menina Berenice, Lassance, 1912 - detalhe: Carimbo do Hospital Oswaldo Cruz
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O mesmo logotipo também pode ser encon-
trado no prontuário do primeiro caso da doença
no estado de São Paulo, de 1918, na cidade de
Casa Branca, descrito pelo Dr. Eurico Villela em
colaboração com o médico local, Dr. André Pio
da Silva.
Observação de Eurico Villela, no interior do primeiro prontuário da doença de Chagasno Estado de São Paulo
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No início dos anos 20, o Hospital Oswaldo Cruz começou suas ativi-
dades, passando a centralizar as pesquisas realizadas nos outros hospitais e a
reorganizar seu corpo clínico. Seu primeiro diretor, Eurico Villela já vinha
estudando, há muitos anos, a Doença de Chagas, em Lassance e no Hospi-
tal São Francisco de
Assis. Neste período,
Evandro Chagas, que
fora seu assistente, e
com quem trabalhara
também em Lassance,
fazia o internato no São
Francisco de Assis e no
Hospital Oswaldo
Cruz; recém-formado
EVANDRO CHAGAS E OHOSPITAL OSWALDO CRUZ
Primeiro Diretor doHospital Oswaldo Cruz,Eurico Villela, na varan-da do atual Centro deInternação, no IPEC
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(1926), Evandro iniciou sua carreira, contratado
pelo Hospital Oswaldo Cruz para o serviço de Ra-
diologia e Eletrocardiografia. Aí, trabalhou com
traçados eletrocardiográficos, contribuindo para o
estabelecimento das alterações características da
forma cardíaca da Doença de Chagas.
Além dos trabalhos sobre as alterações cardíacas
provocadas pela Doença de Chagas, Evandro Cha-
gas desenvolveu estudos sobre a febre amarela, a
malária, a ancilostomose e, principalmente, so-
bre a leishmaniose visceral americana, descobrin-
do os primeiros casos humanos dessa doença e
realizando investigações clínicas e epidemiológicas
em diversos estados brasileiros e na Argentina.
Em 1931, encarregou-se da Seção de Pato-
logia Humana do Instituto Oswaldo Cruz. Em
1935, representou Manguinhos, juntamente com
Emmanuel Dias, na IX Reunião da Sociedade Ar-
gentina de Patologia Regional do Norte, realizada
na cidade de Mendoza, em homenagem à memó-
ria de Carlos Chagas, recém-falecido. Divulgando
os trabalhos realizados naquele país sobre a
tripanossomíase americana, esse encontro tem
grande importância como incentivo para a reno-
vação dos estudos sobre a doença no Brasil, pro-
cesso em grande medida conduzido por Evandro
Chagas.
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Ao retornar da Argentina, em 1935,
Evandro Chagas criou no Hospital Oswaldo Cruz,
do qual era Diretor, o Serviço de Estudo das Gran-
des Endemias (SEGE).
O SEGE, cujo objetivo era coordenar um
plano de investigação médico-sanitária em diver-
sos estados brasileiros, promoveu importantes pes-
quisas, especialmente sobre a malária, a
leishmaniose e a doença de Chagas. Deste serviço
participaram ativamente os Drs Felipe Nery Gui-
Material de viagem, na varanda do Hospital Oswaldo Cruz
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marães e Wladimir Lobato Paraense, entre diver-
sos outros médicos.
Esse projeto era condizente com um olhar
sobre a medicina característico da geração de mé-
dicos das primeiras décadas do século XX, que não
se enquadraram numa única categoria ou especia-
lidade. Todos eram clínicos, sanitaristas, e muitos
foram professores universitários - como o caso de
Evandro Chagas, que foi médico e diretor do Hos-
pital Oswaldo Cruz, onde criou o SEGE, funda-
dor do Instituto de Patologia Experimental do
Norte (IPEN, 1936), em Belém - para estudos
sobre as doenças endêmicas no país - e professor
da cadeira de Medicina Tropical da Faculdade Na-
cional de Medicina.
Um veículo puxado por carro de boi, em uma das expedições do SEGE, no interior do País
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DEPOIMENTO:
Keyla Belízia Feldman Marzochi - Diretora do Instituto de Pesquisa Clínica EvandroChagas
“Evandro Chagas, certamente pressentindo o pouco tempo que a vida lhe
reservava, nos 36 anos que viveu deixou a marca de sua mente brilhante e
visão estendida. E, assim, indo e vindo pelos rincões do Brasil, implantan-
do pesquisa e descobrindo vocações para a ciência, voltado para identificar,
estudar, tratar e prevenir as endemias desse país, nunca abandonou, porém,
sua trincheira de luta e sonho - o Hospital Oswaldo Cruz de Manguinhos.
Ali permaneceu de 1922 a 1940. Ali deixou a metade de sua vida.”
Solenidade em que o Hospital Oswaldo Cruz é rebatizado como Hospital Evandro Cha-gas. Rio de Janeiro, 13 novembro 1942. Da esquerda para a direita, na terceira, quinta esétima posições da primeira fila, estão o Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema,Henrique Aragão, diretor do Instituto Oswaldo Cruz, e Carlos Chagas Filho
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Carta de Evandro Chagas para a filha Tatiana, sete meses antes de mor-rer, em um acidente aéreo, na Baía de Guanabara
“Rio, 10 de abril de 1940
Por aqui vai tudo bem menos a saúde de papai. Tenho estado com a pressão arterial muitoalta e creio que vou seguir o mesmo caminho do vovô Chagas. Em todo caso, espero quepossa viver ainda o bastante para ver você crescida, com sua vida feita e que possa deixar oServiço completamente organizado.
“Para impedir que a moléstia evoluísse, teria de deixar todo o sistema de trabalho quetenho, não fazer grandes esforços, não voar, enfim, mudar totalmente de vida, o que im-portaria em deixar paralisar o trabalho que, por enquanto, está com caráter muito pessoale na completa dependência de minha atividade. E, como dispus-me inteiramente a levaravante a idéia de estudar, tanto quanto possível, os problemas médicos do Brasil, nãomodificarei as normas que tenho tido e tratarei de, no menor prazo, conseguir obter omáximo de resultados. Decidi levar a cousa até estourar e só me entristece a idéia de talveznão poder ver você crescer e desenvolver-se.
Você não deve deixar impressionar pela doença do papai nem pelas perspectivas que tenhopara o futuro. Eu mesmo não estou dando a menor importância ao caso porque acho quedesde que se viva com proveito para o meio, não importa que se viva pouco ou muito,mesmo porque quando se vive muito, o fim é sempre com decadência e muito triste. Ovovô Chagas sempre dizia que a vida só vale ser vivida em toda sua plenitude e foi assimque ele viveu; morreu no trabalho e no máximo da carreira profissional, respeitado por
todos e muito querido.”
Fachada do Hospital Evandro Chagas,nos anos 40
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BIBLIOGRAFIA
1. Assistência Pública e Privada no Rio de Janeiro - História e Estatística.Comemoração do Centenário da Independência Nacional. Rio de
Janeiro:Typografia do “Annuario do Brasil”.
2. Benchimol, Jaime L. (coord). Manguinhos do Sonho à Vida - A Ciência
na Belle Époque. Rio de Janeiro: COC/FIOCRUZ, 1990.
3. Benchimol, Jayme L. (coord). Primeiro Relatório de Pesquisa:
Manguinhos, um retrato de corpo inteiro (“Projeto Manguinhos”) Parte II.
COC/FIOCRUZ.
4. Biblioteca Virtual Carlos Chagas, Casa de Oswaldo Cruz, FIOCRUZ.
www.coc.fiocruz.br
5. Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, FIOCRUZ.
www.coc.fiocruz.br
6. Brossolet, Jacqueline & Mollaret, Henri. Pourquoi la peste? Le rat, lapuce et le bubon. Paris: Gallimard. 1994.
7. Chagas Filho, Carlos. Cenas da vida de Carlos Chagas. Ciência e Cultu-ra, São Paulo, v.31, n.7, p.5-14, maio 1979, suplemento.
8. Fonseca , Olympio da. A Escola de Manguinhos. São Paulo, Brasil. 1974
(separata do tomo II de Oswaldo Cruz Monumenta Historica).
9. Oliveira, Benedito Tadeu de (coord). Um lugar para a Ciência: a forma-
ção do campus de Manguinhos. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz. 2003.
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FONTES:
Arquivo Tatiana Chagas Memória
Fundo IOC - seção Hospital Evandro Chagas (COC)
Fundo Presidência FIOCRUZ (COC)
Fundo Família Chagas - Documentos de Evandro Chagas (COC)
Plantas da Fábrica Manufatura de Louças, à Rua Maria Flora, 17, atualRamiro Magalhães, Engenho de Dentro (Arquivo da Cidade do Rio deJaneiro)
IMAGENS gravadas: Arquivo da COC/ FIOCRUZ
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DOS AUTORES:
Maria Regina Cotrim Guimarães
Médica, infectologista do IPEC, professora da História da Medicina daUFF
Mestre e doutoranda em História das Ciências da Saúde pela COC/FIOCRUZ
Richard Negreiros de Paula
Historiador, mestrando em História pela UFF