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Os encontros de clarinetistas pelo Brasil In Memoriam: Harry Sparnaay Clarinetistas brasileiros e os estudos no exterior CLARINETA nº4 janeiro de 2018 www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

Revista da Associação ... · Superior de Música e Artes do Espectáculo, Portugal), Nuno Silva (Escola de Música do Conservatório Nacional, Academia Nacional Superior de Orquestra,

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Os encontros de clarinetistas pelo Brasil

In Memoriam: Harry Sparnaay

Clarinetistas brasileiros e os estudos no exterior

Clarinetanº4 janeiro de 2018

www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas ISSN 2526-1169

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Editorial

Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara de José Siqueira por Hudson de Sousa Ribeiro

Clarineta Convida: Modelos de Periodização do Treinamento Esportivo Aplicados na Organização da Prática de Instrumentos Musicais por Bárbara Brazil Nunes

Clarinetistas brasileiros percorrendo o mundo por Ricardo Freire e Diogo Maia

Entrevista: Klaus Haefele por Pedro Robatto

2º Encontro Paraibano de Clarinetistas por Aynara Silva Montenegro

3º Simpósio para Clarinetistas Unesp 2017 por Pedro Buzatto

5º Festival Internacional de Clarinetistas do Rio de Janeiro (FIC-Rio) por Cristiano Alves

1º Encontro de Clarinetistas do Vale do Acará, Pará por Jacob Cantão

Homenagem: Clarineta à vista !!! 200 anos do ensino da clarineta no Brasilpor Fernando Silveira

Clarone: “A importância das reelaborações: considerações sobre a prática das reelaborações como processo criativo e aplicação ao contexto do clarone”por Bruno Avoglia, co-autor Luís Afonso Montanha

In Memoriam: Harry Sparnaay por Henri Bok

Dica do Mestre: Augusto Maurer

Normas para submissões de trabalhos para publicação

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Clarinetanº4 janeiro de 2018

ISSN 2526-1169 www.revistaclarineta.com.br Revista da Associação Brasileira de Clarinetistas

Editorial

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Prezados amigos e leitores,

É com grande prazer que apresentamos o 4º vo-lume da Revista Clarineta, lembrando que, desde a edição anterior, passamos a ser a revista da Asso-ciação Brasileira de Clarinetistas – ABCL. Desta for-ma continuamos com nosso objetivo de divulgar amplamente os diferentes saberes sobre o instru-mento, além de propiciar um espaço para diálogos sobre nosso fazer musical.

Nessa edição, o artigo de Hudson de Souza Ribeiro “Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara de José de Lima Siqueira”, nos oferece um estudo que evidencia os temas cíclicos, as estruturas simila-res e os padrões de repetições utilizados pelo compo-sitor na obra, possibilitando assim uma maior com-preensão do texto musical para construção de uma interpretação/performance mais consciente.

Na seção “A Clarineta Convida”, a flautista e atle-ta profissional Bárbara Brazil Nunes apresenta o tra-balho: “Modelos de periodização do treinamento esportivo aplicados na organização da prática de ins-trumentos musicais: uma possível estratégia de es-tudo”, realizado com dois clarinetistas, em que cada um foi considerado como um atleta e seus desafios na preparação das performances dos concertos de Carl Nielsen e Jean Françaix. Foram elaborados e testados treinamentos diferenciados para cada um deles e seus objetivos específicos, metodologica-mente fundamentados nos modelos de periodiza-ção do treinamento esportivo e nas estratégias das técnicas das práticas deliberadas.

Na matéria de capa do 2º volume, Joel Barbosa e Vinícius de Souza Fraga buscaram entender de que forma ocorre a presença da clarineta nas instituições de Ensino Superior brasileiras. Agora, como uma ex-pansão desse assunto, nesse 4º volume, a “Matéria de Capa” escrita por Ricardo Freire com colabora-ção de Diogo Maia apresenta o trabalho: “Clarine-tistas brasileiros percorrendo o mundo”, em que realizaram uma pesquisa com 54 clarinetistas que tiveram ou ainda estão tendo a oportunidade de rea-lizar seus estudos no exterior. A pesquisa abrange o período que vai desde o final da década de 60 até os dias atuais, estabelecendo os períodos em que ocor-reram as viagens, as instituições e países escolhidos, os motivos e os resultados obtidos com a experiên-cia de intercâmbio e aprimoramento nos estudos.

Nessa edição temos também, na seção “Home-nagem”, o texto de Fernando Silveira “Clarineta à vista!!! 200 anos do ensino da clarineta no Brasil: uma singela homenagem aos seus fundadores”, que detalha quais clarinetistas foram responsáveis pela introdução do conceito de “especialista”, tornando-se, consequentemente, famosos professores das pri-meiras instituições de ensino do país.

Na seção “Entrevista”, também como uma ho-menagem, teremos a entrevista com o Prof. Klaus Haefele, realizada por Pedro Robatto, relatando suas

primeiras experiências musicais com a clarineta em Munique (Alemanha), suas atividades profissionais naquele país, as dificuldades encontradas na diferen-ça entre os sistemas francês e alemão, sua vinda para o Brasil em 1969, sua carreira na UFBA e seus alunos e também as várias questões que fazem parte dessa ex-periência de vida intensa dedicada à clarineta.

Nossa seção “Clarone” traz o texto “A importân-cia das reelaborações: considerações sobre a prática das reelaborações como processo criativo e aplica-ção ao contexto do clarone” de Bruno Avoglia e Luis Afonso Montanha, que procura incentivar os instru-mentistas a trabalharem com materiais musicais pré existentes, desenvolvendo criativamente as possi-bilidades, ampliando o repertório, utilizando-se de obras originais para outros instrumentos “traduzi-das” para o clarone. Na mesma seção, temos também uma homenagem “In Memoriam”, escrita pelo amigo e professor Henri Bok, ao fantástico claronista holan-dês Harry Sparnaay, que infelizmente nos deixou no dia 12 de dezembro do ano passado.

A edição expõe, em seguida, os relatos do 2°. En-contro Paraibano de Clarinetistas, por Aynara Sil-va Montenegro; do 3°. Simpósio para Clarinetistas Unesp 2017, por Pedro Buzatto; do FIC-Rio por Cris-tiano Alves; e do 1º Encontro de Clarinetistas do Vale do Acará – PA, por Jacob Cantão.

Para finalizar, a Revista Clarineta convidou, para a seção “Dica do mestre”, Augusto Maurer, que discute pontos importantes dos processos seletivos para o acesso ao ensino público de execução de instrumen-tos musicais e questões como: o que é mais impor-tante para se aprender a tocar um instrumento: apti-dão ou motivação?

Esse número da Revista Clarineta só foi possível pelo trabalho voluntário dos editores, da ABCL, da comissão editorial, do conselho consultivo, autores e entrevistados, pelo aporte financeiro dos patrocina-dores e pelo apoio institucional da UFBA e USP.

Com mais essa edição, confirmamos nosso obje-tivo de propiciar a divulgação de informações para todos e a organização da nossa área de atuação.

Sejam bem vindos e boa leitura.

Os editores.

À comunidade clarinetista.

Dando sequência ao processo de reestruturação da ABCL, em 2017, a diretoria recém empossada se ateve aos trâmites burocráticos. Primeiro, revi-samos o estatuto e o registramos em cartório. Em seguida, tiramos o alvará, necessário para emissão do CNPJ e para o funcionamento legal da Associação. Continuamos atuando para que a ABCL esteja ativa novamente e em breve anunciaremos como os associados poderão se cadastrar e ter acesso aos benefícios oferecidos.

Diretoria da ABCL.

Clarineta

Corpo editorial

Ficha técnica:

EditoresDaniel Oliveira (Orquestra do Theatro São Pedro, São Paulo), Diogo Maia (Orquestra Municipal de São Paulo, São Paulo), Joel Luís Barbosa (UFBA, Salvador), Luís A. E. Afonso – Montanha (USP, São Paulo), Mônica Isabel Lucas (USP, São Paulo), Ricardo Dourado Freire (UnB, Brasília), Vinícius de Sousa Fraga (UFMT, Cuiabá)

Corpo Editorial NacionalAmandy Bandeira de Araújo (UFRN, Natal), Cristiano Siqueira Alves (UFRJ, Rio de Janeiro), Fernando José Silveira (Uni-Rio, Rio de Janeiro), Guilherme Sampaio Garbosa (UFSM, Santa Maria), Iura de Rezende Ferreira Sobrinho (UFSJR, São João del-Rei), Jacob Furtado Cantão (UFPA, Belém), Jaílson Raulino da Silva (UFPE, Recife), Johnson Joanesburg Anchieta Machado (UFG, Goiânia), Marco Antonio Toledo Nascimento (UFC, Sobral), Marcos Jacob Costa Cohen (Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília) Maurício Alves Loureiro (UFMG, Belo Horizonte), Pedro Robatto (UFBA, Salvador), Roberto César Pires (Clarinetista, Campinas)

Conselho Consultivo NacionalAndré Ehrlich (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Augusto Fonseca Maurer (UFRGS, Porto Alegre), Diego Grendene de Souza (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Porto Alegre), Eduardo Gonçalves dos Santos (FANES, Vitória), Flávio Ferreira da Silva (UFAL, Maceió), Glória Cira Pereira Subieta (Amazonas Filarmônica, Manaus), Jairo Wilkens da Costa Sousa (Orquestra Sinfônica de Campinas, Campinas), Jônatas Zacarias de Oliveira (Conservatório Pernambucano de Música, Pernambuco), João Paulo de Araújo (UFRN, Natal), José Batista Jr. (UFRJ, Rio de Janeiro), Luca Raele (Sujeito a Guincho), Luís Nivaldo Orsi (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Maurício Soares Carneiro (Orquestra Sinfônica do Paraná, Curitiba), Ney Campos Franco (Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, Belo Horizonte), Ovanir Luiz Buosi Junior (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, São Paulo), Rosa Barros Tossini (IFG, Formosa), Sergio Antonio Burgani (UNESP, São Paulo), Thiago Tavares (Orquestra Sinfônica Brasileira, Rio de Janeiro)

Conselho Editorial e Consultivo InternacionalFabien Lerat (França/Projeto NEOJIBA, Salvador), Henri Bok (Solista Internacional, Holanda), Nuno Pinto (Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, Portugal), Nuno Silva (Escola de Música do Conservatório Nacional, Academia Nacional Superior de Orquestra, Orquestra Metropolitana de Lisboa, Portugal), Paulo Gaspar (Banda da Armada, Portugal)

Associação Brasileira de Clarinetistas – ABCL Biênio 2017 – 2018

Diretoria: Presidente - Sérgio de Meira Albach (Curitiba, PR), Vice-presidente – Guilherme Sampaio Garbosa (Santa Maria, RS), Secretário – Thiago Tavares (Rio de Janeiro, RJ), Segundo Secretário – João Paulo de Araújo (Natal, RN), Tesoureiro – Flávio Ferreira da Silva (Maceió, AL), Segundo tesoureiro – Ney Campos Franco (Belo Horizonte, MG), Diretor de Comunicação – Rafael Nini Junior (Campinas, SP),Conselho Consultivo e Fiscal: Cristiano Siqueira Alves (Rio de Janeiro, RJ), Mario César Borges Marques Junior (São Paulo, SP)Ovanir Luiz Buosi Junior (São Paulo, SP) Representantes Regionais: Centro-oeste –Taís Vilar (DF), Nordeste – Aynara Dilma (João Pessoa, PB), Norte – Gloria Subieta (Manaus, AM), Sudeste – Marcelo Trevisan (Vitória, ES),Sul – Diego Grendene (Porto Alegre, RS)

Projeto Gráfico, design e ilustrações: Marcelo PitelRevisão: Meryelle Maciente

UFBA

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO PROFISSIONAL EM MÚSICA

Apoio Institucional

Hudson Ribeiro é clarinetista da Orquestra Sinfônica da UFRN e spalla da Orquestra Potiguar de Clarinetas. Também é membro do Quinteto de sopros da UFRN, do quinteto de clarinetas Coco é Seco e do Trio de palhetas InVentus. [email protected]

Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara de José Siqueira

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1. O Concertino, o compositor e o clarinetistaDe acordo com Ribeiro (2016, p. 15) o Concertino para Clarineta e Or-

questra de Câmara é proveniente de uma série de 21 concertinos compos-tos por José de Lima Siqueira (1907-1985) para instrumentos solistas e or-questra. Corroborando a partitura deixada pelo compositor, constatou-se que o Concertino foi composto em 1969, em um curto espaço de tempo de apenas três dias. O primeiro movimento datado de 08 a 10 de agosto, o segundo e o terceiro movimento datado do dia 10 de agosto deste ano.

Segundo Neves (2008, p. 38), “Siqueira foi um compositor paraibano inserido na terceira fase nacionalista” que contribuiu com diversas obras para o cenário musical brasileiro. O quantitativo das obras de Siqueira es-teve, por um razoável tempo, em manuscritos esquecidos ou em acervos particulares de solistas a quem ele dedicou suas obras, sendo esse mais um fato que motivou a realização dessa pesquisa. Andrade (2011) relata que, a partir dos anos 2000, Siqueira se torna um assunto de grande inte-resse entre os pesquisadores, tendo, a partir deste ano, mais pesquisas e novos estudos realizados sobre suas obras e consequentemente sobre o compositor. Reforçando o que falamos, vemos que:

Siqueira deixou-nos um importante legado compo-

por Hudson de Sousa Ribeiro

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1. “Working with performers really feeds me. When I hand a piece of mine

to performers, and they love […]. When that happens, I feel like I’ve contributed something to their lives” (TOWER, 1995

apud MCCUTCHAN, c1999, p. 59).

2 José Cardoso Botelho (Rio, 1931), cario-ca da cidade do Rio de Janeiro, é professor

aposentado de clarineta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –

UNIRIO e primeiro clarinetista aposen-tado da Orquestra Sinfônica Nacional/UFF. Foi integrante, por vários anos, da

Orquestra Sinfônica Brasileira e exerceu ampla, intensa e importante atividade docente – seja na UNIRIO, onde foi o

fundador da cátedra de clarineta, seja nos diversos cursos de férias, em que lecionou

por todo o Brasil. Atuou como solista e camerista no Brasil, país que representou,

em diversas oportunidades, no exterior. (SILVEIRA, 2006, p. 92).

3. “[...] paraibano, com um sonho antigo de formar uma orquestra sinfônica em

prol da sociedade geral, junta-se a um gru-po de músicos dentre os quais destacam-

se o Antonio Leopardi (contrabaixista), Djalma Guimarães (trompetista), Alfredo Gomes (violoncelista e sobrinho do com-

positor Carlos Gomes), Moacir Lissenha (flautista), Orlando Frederico (violista),

Iberê Gomes Grosso (violoncelista), Nelson Cintra (violoncelista), Antão

Soares (Clarinetista) e em 1940 criam a Orquestra Sinfônica Brasileira [...]. Além da [Orquestra Sinfônica Brasileira] OSB,

Siqueira criou a Orquestra Euterpe (1930), Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro

(1949-1950), Orquestra Sinfônica Nacio-nal da Rádio do [Ministério da Educação] MEC e a Orquestra de Câmara do Brasil.”

(ANDRADE, 2011, p. 19).

4 Long Playing (LP).

5 Informação fornecida por José Botelho durante entrevista em sua residência, no

Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 2015. Nota: algumas alterações foram feitas e autorizadas pelo próprio entrevistado.

6 De acordo com Ferreira (1999, p. 467): “Cíclico: [...] Que se realiza ou se repete

numa certa ordem.”

sicional. Em sua vastíssima obra podemos encontrar sinfonias, cantatas e óperas, entre outros gêneros mu-sicais sinfônicos que exigem um elevado contingente instrumental. São obras de grande porte, muitas delas ainda desconhecidas do público, mas que atestam a excelente capacidade criativa deste importante artista brasileiro (FARIAS; CORREIA, 2015, p. 386).

Como a maioria dos compositores, Siqueira buscou estreitar seus laços com os intérpretes a quem dedicava suas obras. Essa aproximação possi-bilitou a elaboração de obras para a maioria dos instrumentos da orques-tra sinfônica. Tower explica que “O trabalho com os intérpretes realmente me energiza. A coisa mais bonita do mundo acontece quando entrego uma peça minha a eles, e eles a amam [...]. Quando isso acontece, eu sinto como se tivesse contribuído com alguma coisa nas suas vidas”1 (TOWER, 1995 apud MCCUTCHAN, c1999, p. 59, tradução nossa), porém, a felicidade re-ferida pela compositora é melhor subentendida quando o intérprete cor-responde às suas expectativas. Dito isso, a obra Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara foi dedicada ao clarinetista e professor José Cardoso Botelho 2 que, em entrevista, menciona sua estreia apenas no ano de 1971 na sala Cecília Meireles no Rio de Janeiro (RJ), com sua execução e com o próprio compositor à frente da Orquestra de Câmara Brasil1 3. Botelho diz que só após a estreia a obra foi gravada em LP 4, pela gravadora Corcovado. “[...] Estreamos [e] gravamos depois. Já tocamos várias vezes isso.” (Infor-mação verbal) 5. A orquestração do Concertino contempla uma Flauta, um Oboé, uma Clarineta, um Fagote e o naipe completo de cordas.

Para este artigo utilizamos, como pesquisa satélite, o trabalho de mes-trado de Ribeiro (2016) e a partitura deixada pelo compositor, que foi en-contrada em manuscrito, com todas as marcações de articulação, dinâmi-ca e notas bem visíveis. Dito isso, buscou-se trazer cortes de uma edição semidiplomática realizada por Ribeiro (2016), que possivelmente irá faci-litar sua divulgação e seu acesso. Por conseguinte, trouxemos uma análi-se do Concertino para Clarineta, elencando os temas cíclicos 6 utilizados pelo compositor, para ajudar no entendimento da obra como um todo e suas subseções.

2. Revisão e Estrutura do ConcertinoApós um estudo detalhado sobre a obra, constatou-se que Botelho,

com a autorização do compositor, realizou algumas alterações em trechos do primeiro e terceiro movimentos. No compasso 40 do primeiro movi-mento (Figura 1), notamos duas alterações de notas em graus conjuntos descendentes: notas Sol 4 e Fá 4 sustenido, na partitura original estas notas eram Fá# 4 e Mi 4, respectivamente, repetindo as duas notas ante-riores. A maior alteração foi realizada no terceiro movimento (Figura 2), compassos 187-203, como se observou em Ribeiro (2016, p. 62) “[...] onde o professor José Botelho alega que o compositor escreveu muitas notas rá-pidas, impossibilitando uma execução precisa do instrumentista.” Neste trecho os arpejos eram escritos, em sua maioria, com fusas. Corroborando o que foi dito, podemos notar o relato do professor Botelho:

[...] tem uma hora lá que ele faz muita nota que não dá pra fazer aquilo tudo que está lá no andamento que vai. Eu alterei com autorização dele e no [Concertino]

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de Mignone também. [...] Então, sempre procurei fazer isso. ‘O Siqueira [você] escreveu umas coisas lá, mas não vai dar pra tocar todas essas coisas aqui não!’- [afir-mou Botelho]... [Solfejo do Terceiro Movimento], mas é só uns compassos... [Solfejo de semifusas em arpejos em toda tessitura da Clarineta]. Não dava [pra tocar] aquilo na hora da pressa... Com o [Concertino do] Mig-none a mesma coisa (Informação verbal) 7.

Figura 1 - Mudança realizada pelo professor Botelho no primeiro movi-mento. Fonte: Ribeiro (2016, p. 62).

Figura 2 - Versão feita pelo professor José Botelho, no terceiro movimen-to.Fonte: Ribeiro (2016, p. 63).

2.2. Estrutura do ConcertinoDe acordo com Ribeiro (2016), a partitura deixada por Siqueira consta

de três movimentos ininterruptos e organizados ciclicamente. Ao final da obra em manuscrito, o compositor elaborou uma análise das seções e suas divisões. Vemos em Siqueira (1969, p. 49) que “A obra foi concebida com três ideias musicais. As duas primeiras, cíclicas, servem de base ao I e III movimentos. A terceira é o Lied do segundo movimento”. O primeiro mo-vimento, Allegro com Espírito, possui um caráter alegre e dançante. O se-gundo movimento, Andante Cantabile, possui um caráter mais vocal, lírico. O terceiro, Allegro, possui as características dos dois movimentos anterio-res, frases longas, grandes ligaduras e também grandes saltos melódicos, porém, com andamento rápido tendo suas respostas fragmentadas com

7 Informação fornecida por José Botelho durante entrevista em sua residência, no Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 2015. Nota: algumas alterações foram feitas e autorizadas pelo próprio entrevistado.

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saltos e acentuações. Dessa forma, o objetivo desta análise é de evidenciar as divisões internas e suas subdivisões, previamente definidas pelo com-positor no manuscrito.

2.2.1. Primeiro Movimento Siqueira afirma que compôs o primeiro movimento utilizando a estru-

tura da forma sonata 8. Esta forma pode ser dividida em três seções: expo-sição, desenvolvimento e reexposição. Na Figura 3 vemos o tema principal do primeiro movimento e este material retornará no terceiro movimento, porém, com outro formato.

Figura 3 - Tema A e Tema B do Primeiro movimento.Fonte: O autor (2017).

Diferentemente das tradicionais reexposições e resoluções do conflito do tema A e B na tônica, Siqueira optou por mudar a tonalidade do tema A, transpondo-o uma 5a diminuta abaixo e realizando uma espécie de codetta9, com fragmentos do tema B.

Figura 4 – Reexposição do Tema A.Fonte: O autor (2017).

8 O termo “Forma Sonata”, segundo Rosen (1987, tradução nossa), faz refe-rência à organização interna do primeiro movimento apenas do gênero sonata, sinfonia ou uma obra de câmara de três ou quatro movimentos. Seu significado usual consiste em uma forma tripartida, entretanto, a segunda e a terceira estão tão intimamente vinculadas que poderiam se supor uma organização bipartida.

9 De acordo com Randel (1999, p. 178, tradução nossa), o termo codetta aplicado na forma Sonata, significa “Uma breve coda concluindo uma seção interior de um movimento ou uma peça [...]”.

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O tema A é o material principal deste movimento, apresentado pelo so-lista na exposição, reaparecendo logo após, no naipe das madeiras, como A’. Segue outro trecho, também derivado de A, que é executado pelo nai-pe das cordas em cânone. Ele serve de ponte (P) para o retorno do solista com o tema B que é, em seguida, reafirmado pelo naipe das cordas (B’). Embora seja curto, o desenvolvimento apresenta duas partes: um cânone a 5a, derivado da seção B, realizado por movimento contrário e reprisado em outra tonalidade e, depois, um curto episódio derivado de A, em for-ma retrógrada direta. A reexposição é apresentada pelo solista com o tema A transposto, entretanto, o segundo tema é exposto de forma fragmenta-da na codetta, após a cadência do solista, essa também sendo derivada do tema A. Podemos visualizar no Quadro 1 os compassos e as respectivas en-tradas de cada subdivisão da forma.

Seção Subseção Compassos

Exposição (Compassos 01-62)

A – Clarineta Solista 03-13

A’ – Madeiras 14-24

P – Em cânone nas cordas 25-30

B – Clarineta Solista 31-42

B’ – Nas cordas 43-62

Desenvolvimento(Compassos 63-83)

Cânone a 5a derivado de B 63-80

Episódio 81-83

Reexposição(Compassos 84-108)

Tema A transposto 86-96

Cadência 100

Tema B Fragmentado - Codetta 101-108Quadro 1 - Forma do I Movimento.Fonte: Ribeiro (2017).

2.2.2. Segundo Movimento Como supracitado, o segundo movimento é denominado como Lied 10

pelo próprio compositor. Além de utilizar o caráter desse gênero, possui uma estrutura tripartida. Podemos visualizá-la como seção A, B e A’ ou su-bentendido como exposição, parte mediana e reexposição, segundo afir-ma Siqueira.

Figura 5 - Tema principal do Segundo Movimento.Fonte: O autor (2017).

10 De acordo com Randel (1999, p. 446, tra-dução nossa) Lied é “Um poema alemão, usualmente lírico e estrófico; também é uma música tendo a estrofe e o poema como texto; muito comum, uma música para canto solista tendo o Piano como acompanhamento [...]”.

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Na figura 5 trouxemos o tema A, realizado pelo solista, sendo este o principal tema de todo o movimento. A exposição deste movimento é divi-dida em três subseções: o solista apresenta o tema A, acompanhado pelas cordas e, em seguida, as cordas realizam um contraponto para o retorno da melodia A’, que é realizada pelo naipe das madeiras. A parte mediana da obra é desenvolvida primordialmente pelo contraponto, realizado pe-las cordas anteriormente. Trata-se de um cânone em 8a, realizado apenas entre a flauta, iniciando no primeiro tempo do compasso 129, e o solista, que entra no terceiro tempo do mesmo compasso. Em seguida, temos um cânone a três vozes em 5a descendente entre os naipes das madeiras e das cordas, tendo suas entradas simultaneamente em 8a. Ele inicia com a flauta e o violino I no primeiro tempo do compasso 137, depois entram o oboé e o violino II, no terceiro tempo do mesmo compasso, e a terceira voz aparece no terceiro tempo do compasso seguinte, realizada pela viola e clarineta do naipe das madeiras. Os violoncelos realizam trêmulos em semínimas nesta seção, junto com os contrabaixos tocando semínimas alternadas, com pausas da mesma figura rítmica. A Figura 6 apresenta os cânones.Figura 6 - Cânones a 5a e a 8a.

Fonte: O autor (2017).

Dita sua terceira seção ou reexposição, o tema principal retorna com uma variação determinada como A’ e executada pelo solista. O contrapon-to desta vez é encontrado no naipe das madeiras. O Quadro 2 exemplifica o que foi dito sobre a forma desse movimento.

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Seção Subseção Compassos

Seção A

(c. 109-128)

A – Solista 109-118

A’ – Nas madeiras 119-128

Seção B

(c. 129-146)

Cânone a 8a 129-136

Cânone a 5a 137-144

Seção A’

(c. 147-157)

A’ – Variação feita pelo Solista 147-156

Quadro 2 - Forma do Segundo Movimento.Fonte: O autor (2017).

2.2.3. Terceiro MovimentoO terceiro movimento é o mais denso de todos os três. Tem o seu esti-

lo fugato, ou, como o compositor denominou, “fuga livre”. Suas principais características são suas passagens rápidas. O quantitativo dessas passa-gens é exposto pelos sujeitos, contrassujeitos e contrapontos da obra. Sua estrutura é composta tomando como base o tema cíclico do primeiro mo-vimento, expondo a resposta do tema A de forma retrógrada contrária e utilizando como contrassujeito o tema B, em contração e transposto uma 5a. acima. Ambos foram utilizados em todo o movimento, como observa-mos a seguir, na Figura 7.

Figura 7 - Tema cíclico A do Primeiro Movimento.

Fonte: O autor (2017).

Neste movimento, o compositor demarcou as seções internas como: exposição, contra exposição e Stretto. Dessa forma, a exposição é iniciada com o sujeito (S) executado pelo solista e, logo após, com a resposta (R) apresentada com a entrada do fagote em 4a justa ascendente. Tal dualida-de de sujeito e contrassujeito é percorrida durante toda a exposição, que prevalece sendo executada pelo naipe das madeiras. A contra exposição possui a sua estrutura similar à anterior, obtendo também uma dualidade, entretanto, é iniciada com a resposta, pelo o violino I e o contrassujeito, pelo o violoncelo. O sujeito só é apresentado pelo violino II, seis compas-sos após a entrada do violino I. Esta seção é caracterizada pela presença dominante do naipe das cordas, com o acompanhamento contrapontísti-co do solista em arpejos 11. Em seguida, o stretto apresenta um diálogo entre os naipes de instrumentos de madeiras e de cordas e pode ser dividido em: dois episódios e três Stretti.

11 De acordo com Randel (1999, p. 52, tradução nossa, grifo nosso) o termo “Arpeggio: [...] são os acordes executados do mais grave para o mais agudo em suas sucessões de terças maiores ou menores, diminuto ou aumentado.”

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Seção/Subseção Trechos/Instrumentos Compassos

Exposição

(c. 158-208)

R – Subdominante, Fagote

S – Oboé

R – Dominante, Flauta

S – Solista 158-163

164-169

170-175

176-181

Contra Exposição

(c. 185-208)

S – Violino II

R – Viola

S – Violoncelo e Contrabaixo

R – Violino I 185-190

191-196

197-202

203-208

Stretto

(c. 209-265)

1°. Episódio Cânone das madeiras e das cordas 209-216

1°. Stretto S – Violoncelo e contrabaixo 217-222

R – Viola 220-225

S – Violino II 223-228

R – Violino I 226-232

2°. Episódio Cânone das cordas 232-236

2°. Stretto S – Flauta 236-241

R – Oboé por movimento contrário 238-243

S – Clarineta do naipe 240-247

R – Fagote 242-246

3°. Stretto S – Violoncelo, Contrabaixo e Fagote 250-255

R – Viola e Clarineta do naipe 251-256

S – Violino II e Oboé 252-257

R – Violino I e Flauta 253-258

Cadência Solista 261

Coda Tutti com o tema A 262-265Quadro 3 - Forma do Terceiro Movimento.

Fonte: O autor (2017).

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3. Considerações FinaisO Concertino para Clarineta e Orquestra de Câmara, assim como os

demais concertinos de José Siqueira, faz parte de um conjunto de obras ainda pouco divulgado, mas com merecida representatividade para o re-pertório brasileiro. Siqueira deixou várias composições que ainda necessi-tam de resgate, seja por uma edição crítica, edição aberta, edição fac-simi-lar, edição diplomática, edição genética, ou por estudos acerca da mesma. A dissertação do autor (RIBEIRO, 2016) apresenta uma edição semidiplo-mática, ou seja, que traz a informação original com pequenas correções, transformando-a em uma leitura mais nítida.

O presente trabalho pode ser visto como um conjunto de informa-ções que possivelmente auxiliará o intérprete durante a construção de sua performance do Concertino para Clarineta de José Siqueira. Acreditando que, para se alcançar o ponto culminante de uma boa interpretação, faz-se necessária uma busca acerca da mesma. Possivelmente, esta pesquisa facilitará o entendimento de todo contexto e textura utilizada na obra pelo compositor, dando a devida relevância aos níveis de importância da obra, como os solos, os acompanhamentos e os contrapontos. Espera-se, com esse artigo, contribuir para divulgação da mesma, bem como para a am-pliação do repertório brasileiro.

Referências bibliográficasANDRADE, Danilo Cardoso de. Concertino para contrabaixo e orquestra

de câmara de José Siqueira: um processo de edição, análise e redução para piano e contrabaixo. 2011. 157 f. Dissertação (Mestrado em Música) - Cen-tro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, 2011. Disponível em: <http://tede.biblioteca.ufpb.br/ han-dle/tede/6583?locale=pt_BR>. Acesso em: 20 de Fevereiro de 2017.

FARIAS, R. B. de; CORREIA. S. C. Catalogação das obras para trompete de José Siqueira e breve análise interpretativa de duas peças selecionadas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE MÚSICA NA AMAZÔNIA, 4., 2015, Porto Velho, RR. Anais... Porto Velho: UFRR, 2015. p. 386-398. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/0B76yJiCrjVAnVeloQjlPOWpreXM/view >. Acesso em: 5 de Março de 2017.

FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Coordenação: Margarida dos Anjos e Marina Baird Ferreira. 3a. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

NEVES, J. M. Música Contemporânea Brasileira. 2a. ed. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2008.

RANDEL, D. M. The new Harvard dictionary of music. London: W. W. Norton, 1999.

RIBEIRO, Hudson de Sousa. Concertino para Clarinete e orquestra de câ-mara de José de Lima Siqueira: uma abordagem interpretativa. 2016. 158 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, 2016.

ROSEN, C. Formas de sonata. Tradução de Luiz Romano Haces. Barce-lona: Labor, 1987.

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SIQUEIRA, José de Lima. Concertino para clarinete e orquestra de câma-ra: análise. 1969. Orquestra. 1 partitura manuscrita.

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Bárbara Brazil tem graduação em flauta, mestrado e doutorado em educação musical pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente, cursa a graduação em educação física na Faculdade Social da Bahia. Ela é pentacampeã brasileira de Stand Up Paddle Race. [email protected]

A Clarineta Convida desta edição con-versou com a atleta, musicista e pesquisadora Bárbara Brazil Nunes,

também conhecida como Babi Brazil no meio es-portivo, e recebeu dela autorização para publicar parte do texto da revisão de literatura de sua tese intitulada “Modelos de periodização do treina-mento esportivo aplicados na organização da prá-tica de instrumentos musicais: uma possível estra-tégia de estudo”.

INTRODUÇÃOA tese apresenta um estudo com dois clarine-

tistas onde cada um deles é visto como atleta e a peça que vai tocar como a prova de execução de sua performance. Para isso, foi elaborado e testado um treinamento específico para cada um deles, metodologicamente fundamentado nos modelos de periodização do treinamento esportivo e em al-gumas estratégias de prática deliberada utilizadas na literatura da música. O texto, abaixo, apresenta os princípios esportivos que foram utilizados para

a elaboração das “planilhas de periodização para o treinamento” proposto para cada um dos clarine-tistas. Elas foram elaboradas a partir de um “mapa de dificuldades” relatadas por eles em relação aos primeiros movimentos dos concertos para clarine-ta de Carl Nielsen e Jean Françaix.

O tratamento dos clarinetistas como atletas veio dos estudos de Cossette (2000, 2007, 2010 a/b), Drinkwater e Klopper (2010) e Caspersen, Powell e Christenson (1985) que apontam que o ato de tocar um instrumento musical é uma ativi-dade física, seguindo a definição de que esta com-preende qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos e cujo resultado é um gasto energético maior do que o correspondente aos níveis de repouso.

1 PERIODIZAÇÃO E PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO ESPORTIVO

1.1 PeriodizaçãoA periodização é o planejamento geral e deta-

Bárbara Brazil Nunes 1

Modelos de Periodização do Treinamento Esportivo Aplicados na Organização da Prática de Instrumentos Musicais

“Você transforma tudo, seja físico, mental ou espiritual, em tensão muscular!” F. M. Alexander

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A Clarineta Convida

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lhado do tempo disponível para treinamento, de acordo com objetivos intermediários plenamente estabelecidos, respeitando os princípios científicos do exercício desportivo (DANTAS apud OLIVEI-RA; SEQUEIROS; DANTAS, 2005).

Segundo Oliveira, Sequeiros e Dantas (2005), a ideia de periodização no treinamento remonta à Grécia Antiga. Naquela época, era utilizado inicial-mente para fins militares e, depois, também com o objetivo de desenvolver a performance nas práticas esportivas. O modelo de periodização utilizado na Grécia Antiga, denominado “TETRA”, é um dos pri-meiros modelos conhecidos. Os “tetras” utilizavam ciclos de três dias de treino por um de repouso (ou exercício ligeiro) e teriam uma duração de quatro meses (Figura 2) (DANTAS, 2003; DA SILVA, apud ALVES, 2010 , p. 1).

Esse modelo foi evoluindo ao longo da história, com o crescente interesse do público pelos Jogos Olímpicos e a necessidade de resultados cada vez mais eficazes e eficientes por parte das delegações dos países. Chegou a aumentar a duração para dez meses de preparação geral, com um teste da prova específica com um mês de antecedência à competi-ção (BRAZ, apud ALVES, 2010).

Gomes (apud OLIVEIRA; SEQUEIROS; DAN-TAS, 2005) aponta metodologicamente três fases ou estágios distintos para caracterizar a história dos modelos de planificação no esporte: a partir de 1950, começaram as sistematizações de treinamentos como primeira fase; a começar da década de 70, ini-ciaram-se os questionamentos acerca dos modelos clássicos de planificação e aparecimento de algumas proposições novas como a segunda fase; e, finalmen-te, a terceira fase, iniciada nos anos 70 e vindo até os dias de hoje, caracteriza um amplo desenvolvimento de conhecimento pertinente a esse tema.

Modelo de periodização utilizado na Grécia Antiga: “Tetra”

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Fonte: Alves (2010)

1.2 Modelo Clássico de Matveev

O modelo clássico ou tradicional, proposto na década de 50 pelo russo Dr. Lev Pavlovtch Mat-veev (1924-2006), é baseado na teoria da síndrome geral da adaptação e se tornou popular, referência para os treinadores nessa época. O modelo é ca-racterizado pela mudança de cargas ondulatórias de treinamento e divisão em três períodos: Prepa-ratório, Competitivo e de Transição.

A síndrome geral de adaptação é uma teoria descrita por Hans Selye, em 1936, e sugere que o organismo reage quando percebe algum estímu-lo ou estresse, reação esta de adaptação em que o organismo se molda à nova situação para en-frentá-la, gerando uma momentânea elevação da resistência do organismo, seguida de um estado de relaxamento. O organismo só é capaz de manter o equilíbrio entre relaxamento e excitação através do descanso suficiente necessário, permitindo assim a manutenção da saúde (FILGUEIRAS; HI-PPERT, 1999).

O período preparatório é o que levará o atleta ao nível competitivo que fora estabelecido, envol-vendo duas etapas:

• A básica – predomina o volume2 sobre a intensidade3, enfatizando a preparação física e o componente geral do treinamento.

• A específica – predomina a intensidade sobre o volume, dando ênfase no treinamento técnico-tático.

O período competitivo ocorre quando o atleta atinge seu nível máximo de performance, e o trei-namento contém quase totalmente a formação es-pecífica. O período de transição ocasiona ao atleta uma recuperação física e psicológica depois dos esforços realizados nas competições e contém ní-veis baixos de intensidade.

O modelo de Matveev, segundo Dantas (2003, apud OLIVEIRA; SEQUEIRA; DANTAS, 2005, p.360), caracteriza-se pelo planejamento pluria-nual de treinamento, que é chamado de plano de expectativa e se subdivide em:

• Plano de expectativa individualizado - o atleta é acompanhado por toda a vida (antes, durante e depois da performance). Objetivo de desenvolver potenciais talentos esportivos de um país;

• Plano de expectativa desportivo – a partir do plano individualizado, propõe objetivos a serem alcançados por um grupo específico de atletas. Organização do treinamento de uma modalidade específica.

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exemplo de periodização

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Entende-se que o sistema criado por Matveev tinha, como foco principal e único objetivo, os jo-gos olímpicos e por isso só permitia um peak4 por temporada. Além de tal manifestação esportiva, esse modelo também representa uma política go-vernamental de apoio ao desenvolvimento do es-porte naquela época.

1.3 O Caráter Cíclico Estrutural do Modelo de Matveev

O plano de expectativa pode abranger várias temporadas, e cada temporada pode ser fragmen-tada em estruturas chamadas de macrociclos. Os macrociclos são subdivididos nos períodos de preparação, competição e transição. Considera-se também um período pré-preparatório, quando objetivos são traçados para a temporada e os atle-tas são submetidos a testes médicos, físicos, psi-cológicos e técnicos (DANTAS, apud OLIVEIRA; SEQUEIROS; DANTAS, 2005).

Os macrociclos são organizados através das curvas de volume, intensidade e performance, cal-culadas pelas diversas equações encontradas na literatura, e, para esse cálculo, são utilizados os

dados obtidos no período pré-preparatório. Tam-bém podem ser subdivididos em outras estruturas chamadas mesociclos e microciclos.

O mesociclo permite equalizar o trabalho a ser executado, tem duração aproximada de 21 a 35 dias, tempo mínimo para que ocorram as adapta-ções nas qualidades físicas pretendidas, com base nos conhecimentos da síndrome de adaptação geral (DANTAS, apud OLIVEIRA; SEQUEIROS; DANTAS, 2005). Oliveira, Sequeiros e Dantas (2005) descrevem sete mesociclos: de incorpora-ção, básico, estabilizador, de controle, pré-compe-titivo, competitivo e recuperativo.

O microciclo é a menor estrutura do proces-so de treinamento, utilizam-se tanto estímulos quanto recuperações, construindo condições ne-cessárias para ocorrer o fenômeno da supercom-pensação5, que vai melhorar o condicionamento do atleta. Oliveira, Sequeiros e Dantas (2005) des-crevem seis tipos de microciclos: de incorporação, ordinário, de choque, de recuperação, pré-compe-titivo e competitivo.

No Quadro 1, é possível visualizar um exemplo de periodização com suas estruturas subdivididas.

Fonte: Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd94/pliom.htm>

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Vários autores são apontados por Farto (2002) por terem realizado estudos complementares e fun-damentados em Matveev (PLATONOV, 1988, HAR-RE, 1988, OZOLIN, 1989, FORTEZA, 1990, e VIRU, 1991) e ainda outros (VERKHOSHANSKY, 1990, TS-CHIENE, 1986, 1990, BONDARCHUK, 1985, WEINE-CK, 1989, GAMBETTA, 1990, BOMPA, 2001, e MAR-QUEZ, 1989) que estabeleceram críticas e diversos questionamentos ao modelo tradicional de Matveev.

2 SURGIMENTO DE NOVOS MODELOS

Uma das questões mais discutidas, levantada por Bompa (2001), são os calendários competiti-vos, que se tornaram densos e modificados de tal forma que não há tempo suficiente disponível para preparação geral nos moldes tradicionais.

Além disso, Weineck (1989) chama atenção para a questão de a preparação geral tornar-se des-necessária em atletas que já estão muitos anos trei-nados, supondo que, nessa situação, não ocorrem adaptações a novas capacidades. Tschiene (1990) defende uma formação específica e individuali-zada com altos índices de intensidade e aponta o modelo de Matveev como muito rígido a ponto de qualquer atleta de qualquer modalidade treinar sob o mesmo modelo.

Verkhoshansky (1990) coloca a intensidade como tônica para treinamentos desportivos atuais e ressalta que o modelo clássico foi fundamentado em base de resultados competitivos muito mais baixos e de níveis de oxigênio menores dos que os atuais.

Matveev inspirou, através do seu modelo clás-sico, outros modelos de periodização. Foi através dos questionamentos e críticas relacionadas a seu modelo e até das próprias falhas identificadas que outros autores criaram novos modelos, porém to-dos com alguma fundamentação no modelo tradi-cional de Matveev.

3 PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO ESPORTIVO

Segundo Maglischo (1999), não existe um modo melhor de treinar os sistemas de produção de energia do corpo humano, mas os programas de treinamento devem obedecer a certos princípios para que sejam eficientes. O autor apresenta qua-tro princípios: adaptação, sobrecarga, progressão e especificidade. Entretanto, encontram-se na li-teratura mais alguns princípios que também nor-teiam a elaboração de qualquer treinamento.

Tubino (1984) apresenta cinco princípios do treinamento: individualidade biológica, adapta-ção, sobrecarga, continuidade e interdependência volume-intensidade. O autor ainda enfatiza que há uma inter-relação entre os cinco princípios em to-das as suas aplicações (TUBINO, 1984, p. 99).

Para atualizar o elenco dos princípios, Dantas (1995) inclui mais um princípio, o da especificida-de, e Gomes da Costa (1996) sugere mais dois prin-cípios: o da variabilidade e o da saúde.

3.1 Princípio da Individualidade Biológica

Esse princípio está ligado ao conceito de va-riabilidade entre indivíduos, pois elementos da mesma espécie não são iguais. Os seres diferem em formação e estrutura física e psíquica, o que, no entendimento das Ciências do Esporte, faz do trei-namento individualizado um diferencial quando se almejam melhores resultados (TUBINO, 1894, p.100). Através desse princípio, o treinador obser-va as limitações e potencialidades do indivíduo e, através da sua experiência e de testes específicos, constrói o treinamento específico.

As capacidades constitucionais genótipo e fe-nótipo são aspectos importantes quando se fala em individualidade biológica. Segundo Dantas (1995, p.39), cada indivíduo é caracterizado pela junção entre fenótipo6 e genótipo, numa somatória de es-pecificidades, em que genótipo compreende a car-ga genética transmitida e fenótipo, o desenvolvi-mento de capacidades e habilidades do genótipo7.

3.2 Princípio da Adaptação

O termo adaptação diz respeito a alterações ve-rificadas em resposta ao treinamento. Esse proces-so ocorre quando os tecidos são estimulados com intensidade máxima ou submáxima. Esse estímulo vai provocar uma degradação (catabolismo) dos tecidos, durante o trabalho. Dessa forma, os teci-dos serão reconstruídos (anabolismo) em maior volume, com mais força e mais funcionalmente durante o período de recuperação, se existirem nutrientes suficientes à disposição do atleta. É im-portante que sempre haja equilíbrio entre os pro-cessos de catabolismo e anabolismo durante o trei-namento. Se a taxa de catabolismo for maior que a de anabolismo, o sistema fisiológico e o desempe-nho do atleta irão sofrer deterioração no decorrer do tempo (MAGLISCHO, 1999, p. 59).

O processo de adaptação tem pelo menos três etapas:

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1) Criação da necessidade de mais energia com o treinamento;

2) Fornecimento dos nutrientes adequados para reconstrução e o reparo dos tecidos;

3) Descanso suficiente dos atletas para a construção e o reparo dos tecidos.

Para Maglischo (1999), estando completo o processo de adaptação, será necessário aumentar a duração e/ou intensidade do treinamento, a fim de criação de novas adaptações, dando seguimento aos outros princípios como, por exemplo, sobre-carga e progressão.

Tubino (1984, p. 102) ressalta que esse princí-pio está amplamente conectado ao fenômeno do estresse e define, fundamentado em Hans Selye8, como a “reação do organismo aos estímulos que provocam adaptações ou danos ao mesmo, esses estímulos são denominados agentes estressores ou estressantes”. Constata que existe uma relação entre adaptação de estímulos de treinamento e o fenômeno do estresse. Estudos sobre esse fenô-meno ganharam popularidade na década de 50 e trazem conceitos como o de homeostase:

Definindo-se Homeostase, de acordo com CANNON, como o equilíbrio estável do organismo humano em relação ao meio ambiente, e sabendo-se que esta estabilidade modifica-se por qualquer alteração ambiental, isto é, para cada estímulo há uma resposta, e, ainda, entendendo-se por estí-mulos o calor, os exercícios físicos, as emoções, as infecções, etc., conclui-se, com base num grande número de experiências e observações de diversos autores, que em relação ao organismo humano:

1. Estímulos débeis => não acarretam consequências;

2. Estímulos médios => apenas excitam;3. Estímulos médios para fortes => provocam

adaptações;4. Estímulos muito fortes => causam danos.

(TUBINO, 1984, p. 101).

O estresse ou síndrome da adaptação geral é dividido em três fases, que ilustram o percurso das interferências dos agentes estressores nos mecanismos fisiológicos gerando as compensações no organismo: 1ª fase – reação de alarme, 2ª fase – da resistência e 3ª fase – da exaustão (TUBINO, 1984, p. 102).

Na fase de reação de alarme, caracterizada pelo desconforto, ocorre a mobilização dos mecanis-mos auxiliares para manutenção da vida. O autor

ainda relata duas partes nessa fase: 1) o choque – reação inicial aos estímulos que o organismo não está adaptado com baixa de pressão sanguínea, e 2) o contrachoque – onde a situação se inverte e há aumento da pressão sanguínea.

A fase de resistência, chamada também de fase de adaptação, onde acontece o desenvolvimento adequado dos canais de defesa, caracterizada pela dor e pela ação de resistência do organismo ao es-tresse, é a fase mais interessante para o treinamen-to desportivo.

A fase de exaustão caracteriza a presença do colapso, onde há disseminação das reações e a saturação dos canais de defesa, pode levar a mor-te (TUBINO, 1984, p. 104). Por isso, o princípio da adaptação exige uma aplicação cuidadosa das car-gas de treinamento e os agentes estressores envol-vidos no treinamento.

Agentes estressores podem ser considerados de ordem física, bioquímica e mental, como relatados por Tubino (1984). O mesmo autor também relata as capacidades de adaptação emocional, ambien-tal, social, além da adaptação de outros agentes en-volvidos no processo de treinamento, como, por exemplo, o treinador.

3.3 Princípio da Sobrecarga

O fundamento desse princípio é de que as adap-tações só ocorrem quando as demandas impostas pelo treinamento são superiores às usuais impos-tas a um determinado mecanismo fisiológico, ou seja, quando esse mecanismo está sobrecarregado. Esse princípio torna-se complexo na sua aplicação porque as demandas impostas pelo treinamento para estimular a adaptação não podem ser intensas demais, ou o efeito do treinamento será em vão, em decorrência de lesões ou de supertreinamento (MAGLISCHO, 1999, p. 60).

O momento exato em que se produz a adap-tação aos estímulos para Tubino (1984) é um dos pontos mais discutíveis do treinamento esportivo. Alguns estudos defendem a ideia de que a adap-tação ocorre durante intervalos intermediários dos treinos, por outro lado, outros pontos de vista acreditam que adaptações acontecem após o últi-mo intervalo da sessão de treino. Segundo Dantas (1995, p. 43), o organismo se recupera com o obje-tivo de restabelecer a homeostase, isso acontece imediatamente depois da aplicação de uma carga de trabalho, e é preciso ter equilíbrio entre a carga aplicada e o tempo de recuperação para garantir a

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assimilação compensatória9 de maneira perma-nente.

Na assimilação compensatória, ocorrem duas fases: o período de restauração – quando há a res-tauração das energias perdidas e se estabelece o mesmo nível de energia anterior ao estimulo; e o período da restauração ampliada, em que existe um aumento da fonte de energia para estímulos novos (TUBINO, 1984, p. 106). O autor sustenta que é justamente no período de restauração am-pliada (final) que dessas adaptações no atleta.são aumentadas as fontes de energia, nas quais devem ser aplicadas as sobrecargas mais fortes, gerando adaptações novas e aumentando os limites

O bom senso é um aspecto muito importante na manipulação da sobrecarga que vai ser trabalhada com o aluno ou atleta, observando todos os outros Princípios do Treinamento Esportivo, respeitando as necessidades e os anseios do atleta.

3.4 Princípio da Continuidade (Progressão)

Uma determinada carga de treinamento so-mente permanecerá como uma sobrecarga até que o atleta tenha-se adaptado a ela. É nesse ponto que se deve aumentar a intensidade e/ou duração, an-tes que possam acontecer quaisquer outras adap-tações. Os princípios de sobrecarga e da progres-são podem ser aplicados pela manipulação das três variáveis do interval training10:

• A velocidade das repetições conhecidas como intensidade do treinamento;

• O número de repetições conhecidos como volume de treinamento;

• O intervalo para repouso entre repetições, conhecido como densidade do treinamento.

A sobrecarga e a progressão podem ser aplica-das aumentando uma ou mais dessas variáveis, sendo que, ao mesmo tempo, se mantêm as variá-veis restantes em seu patamar usual. Os progra-mas de treinamento devem utilizar o princípio da progressão de modo bem definido, com aumentos sistemáticos dessas variáveis, gerando maiores ní-veis de adaptação com menor risco de causar lesão (MAGLISCHO, 1999, p. 61).

Lussac (2008) concorda com Tubino (1984) e afirma que a condição atlética somente é construí-da depois de alguns anos seguidos de treinamento, as preparações anteriores influenciam significati-vamente em qualquer que seja o esquema de trei-namento. Portanto, para atletas de alto desempe-

nho, a continuidade ao longo de sua preparação é fator determinante e evita que o treinador deduza etapas importantes na sua formação.

3.5 Princípio da Interdependência Volume-Intensidade

A melhora da performance está ligada ao fator de aumento das cargas de trabalho, e esse aumento acontece por conta das variáveis volume e intensi-dade, este princípio está muito conectado com o princípio da sobrecarga (LUSSAC, 2008, p. 07).

A adequação dessas duas variáveis em deter-minadas fases de treinamento e a compreensão da interdependência entre elas trazem êxito em atle-tas de alto rendimento. Tubino (1984) ainda afirma que, na maioria das vezes, quando se aumenta uma dessas variaríeis, a outra é diminuída, estabelecen-do uma relação linear inversa. O bom senso é no-vamente ingrediente básico para a aplicação desse princípio para evitar danos aos atletas e prejudicar o treinamento.

3.6 Princípio da Especificidade

Para Maglischo (1999), este princípio está muito ligado ao da sobrecarga e tem a mesma complexidade na sua aplicação. Segundo o autor, o princípio da especificidade assegura que os processos fisiológicos mais focalizados no treinamento serão os que mais progredirão. Ele ainda ressalta que problemas podem surgir quando treinadores interpretam equivocadamente que indivíduos somente devem treinar nas velocidades de competição. Esta não deixa de ser uma maneira específica de treinar, porém não é a única e nem a mais importante, e o treinamento específico verdadeiro engloba velocidades que, de modo progressivo, irão sobrecarregar todas as diferentes etapas do sistema metabólico que gera energia para a restituição do trifosfato de adenosina (ATP) ao longo das provas (MAGLISCHO, 1999, p. 62).

Para Dantas (1995), o fundamental do princípio da especificidade é o treinamento ser construí-do com pressupostos específicos da performance desportiva, envolvendo qualidade física integran-te, sistema energético predominante, segmento corporal e coordenações psicomotoras utilizados. Esse princípio evidencia aqui também uma forte relação com o princípio da individualidade bioló-gica já que há o estabelecimento de limites indivi-duais na modalidade esportiva (DANTAS, 1995, p.

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50).Treinar o sistema energético e cardiorrespi-

ratório dentro dos parâmetros da prova e fazer isso exatamente com o mesmo tipo de atividade da performance é o que aconselha o princípio da especificidade, principalmente na fase próxima à competição. Esse é o aspecto metabólico, que representa uma das categorias de fundamentos fisiológicos que se refletem nesse princípio. A outra são os aspectos neuromusculares, o que implica que todos os gestos esportivos utilizados durante a performance já se encontrem corretamente “apren-didos”, de forma que, durante a performance, ape-nas se lembra e se executa um movimento aprendi-do (DANTAS,1995, p. 50).

3.7 Princípio da Variabilidade

Esse princípio é baseado no desenvolvimento global do indivíduo, que deve ser o mais comple-to possível, Gomes da Costa (1996) reforça a ideia de que é preciso utilizar as mais variadas formas de treinamento. A diversificação de estímulos atua positivamente na motivação, e possibilita a desco-berta de técnicas novas de treinamento, novas tá-ticas e estratégias que, sob o ponto de vista de um treinamento não variável, não apareceriam. Tem como pilar fundamental a criatividade, do treina-dor tal como do atleta (GOMES DA COSTA, apud LUSSAC, 2008, p. 1).

3.8 Princípio da Saúde

Ainda de acordo com Gomes da Costa (1996), o princípio da saúde está rigorosamente ligado ao ob-jetivo primordial de uma atividade física, que é pro-mover a saúde do indivíduo. Lussac (2008) coloca que esse princípio está fundamentado na interdis-ciplinaridade, pois, para alcançar e manter a saúde, é necessário corpo de orientações e não podem ser desprezadas as contribuições da medicina (avalia-ção médica), nutrição (nutrição esportiva) e fisio-terapia (avaliação funcional e biomecânica).

3.9 Funções do Aquecimento

Aquecimento são todas as medidas que servem como preparação para a atividade, treinamento ou competição, que busca o estado ideal físico e psí-quico, além da preparação cinética e coordenativa na prevenção de lesões e que, para Mcardle e co-laboradores (2002, apud DI ALENCAR; MATIAS,

2010, p. 230), é a primeira parte da atividade física. O aquecimento geral ativo possibilita um fun-

cionamento mais dinâmico do organismo como um todo, cuja realização mobiliza grandes grupos musculares, como ocorre em um trote leve. O aque-cimento específico equivale a exercícios específi-cos para uma modalidade, tendo em vista grupos musculares mais selecionados, ocasionando repo-sicionamento do sangue, que se encontra em gran-de porcentagem retido no trato gastrointestinal, favorecendo assim maior irrigação da musculatura a ser recrutada, abastecendo-a com mais oxigênio e possibilitando alcançar uma temperatura ideal.

Di Alencar e Matias (2010) ainda argumentam que, entre as vantagens do aquecimento, estão re-lacionados:

• Aumento da temperatura muscular e do metabolismo energético;

• Aumento da elasticidade do tecido (os músculos, os tendões e os ligamentos tornam-se mais elásticos, o que proporciona diminuição do risco de lesão);

• Aumento da produção do líquido sinovial (aumentando a lubrificação das articulações);

• Aumento do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo periférico, melhora da função do sistema nervoso central e do recrutamento das unidades motoras neuromusculares.

Essas modificações provocam melhoria na flui-dez e na eficácia do gesto esportivo, prevenindo os problemas articulares.

4 SESSÃO DE TREINO

Além dos princípios apresentados acima, as pla-nilhas de periodização de treinamento fundamen-taram-se no estudo de Drinkwater e Klopper (2010) que aponta duas aplicações práticas: 1) os músicos deveriam se aquecer antes de uma performance; 2) tocar um instrumento de sopro é suficientemente estressante do ponto de vista fisiológico para pro-vocar efeitos nocivos na qualidade da performance, se esta for mantida por bastante tempo. Eles suge-rem condicionamento físico para os músicos me-lhorarem a qualidade de suas performances, na pre-missa de que este melhora a resistência à fadiga

Assim, cada sessão de treino foi construída da seguinte forma:

1) Aquecimento do corpo – Preparação do corpo para o esforço que seria feito através de exercícios funcionais com o instrumento. Foram

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atividades físicas de aquecimento: prancha frontal, lateral, elevação da pelve, elevação do tronco, etc.

Prancha frontal

Fonte: Disponível em:<http://www.musculacao.net/14-variacoes-exercicio-prancha/>

Prancha lateral

Fonte: Disponível em: <http://www.muscula-cao.net/14-variacoes-exercicio-prancha/>

2) Aquecimento do corpo com instrumento (tocando) – exercícios de sonoridade ou escalas, muitas vezes utilizando um disco de equilíbrio ou retirando uma perna do chão enquanto tocava, alternando as pernas.

Demonstração de aquecimentos com uso do disco

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Demonstração de aquecimento com uso do disco com instrumento

Fonte: Arquivo pessoal da autora

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3) Exercícios Educativos – etapa para introdu-zir as séries principais de estudo já contendo séries de repetições controladas ou não por intervalos de descanso preestabelecidos de acordo com objeti-vos. (Realizado no instrumento).

4) Séries principais de estudo – foram planeja-das de acordo com os objetivos de cada sessão de estudo de forma mais complexa. Algumas sessões tiveram mais de uma série principal em determi-nadas fases do treinamento. (Realizado no instru-mento).

5) Relaxamento – diminuir as tensões provoca-das pela sessão de estudo. Nessa etapa, foram su-geridos tocar o tema principal da música de forma relaxada ou tocar alguma música memorizada (sem leitura de partitura).

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(notas de Fim)

1 Bárbara Brazil tem graduação em flauta, e mestrado e doutorado em educação musical pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmen-te, cursa a graduação em educação física na Facul-dade Social da Bahia. Ela é pentacampeã brasileira de Stand Up Paddle Race.

2 O volume representa o total de traba-lho realizado durante o treinamento (KRAMER; HAKKINEN, 2004).

3 Grau de esforço exigido num exercício (KRAMER; HAKKINEN, 2004).

4 Peak: desempenho máximo.

5 A supercompensação pode ser classifi-cada como o período de restabelecimento de um determinado substrato bioquímico para níveis superiores àqueles encontrados no início da sessão de treinamento. Portanto, os fatores que delimita-rão a ocorrência da supercompensação são a oti-mização dos intervalos de recuperação/repouso entre sucessivas sessões de treinamento e a regulação da carga de treinamento em cada atividade programa-da. (ANTUNES NETO; VILARTA, 2012).

6 O fenótipo é responsável pelo potencial ou pela evolução das capacidades envolvidas no genótipo. Neste se inclui tanto o desenvolvimento da capacidade de adaptação ao esforço e das ha-bilidades esportivas, como também a extensão da capacidade de aprendizagem do indivíduo.

7 O genótipo é o responsável pelo potencial do atleta. Isso inclui fatores como composição cor-poral, biótipo, altura máxima esperada, força máxi-ma possível e percentual de fibras musculares dos diferentes tipos, entre outros. (BENDA; GRECO, 2001, p. 34).

8 Hans Selye (1959) foi o primeiro estudioso a tentar conceituar o estresse, num âmbito mais biológico. De acordo com ele, estresse é o estado que se manifesta através da síndrome geral da adap-tação (apud FILGUEIRAS; HIPPERT, 1999).

9 Capacidade do organismo de restituir so-zinho as energias perdidas pelos diversos desgas-tes, e ainda preparar-se para uma carga de trabalho mais forte, chamando-se este fenômeno de assimi-lação compensatória. (HEGEDUS, apud TUBINO, 1984 p. 105).

10 Interval Training é um tipo de atividade que envolve um trabalho de explosão em alta intensidade. Esse trabalho de alta intensidade é alternado com períodos de descanso ou atividade de baixa intensidade. (Disponível em: < http://en.wikipedia.org/wiki/Interval_training >).

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Clarinetistas brasileirospercorrendo o mundo Texto: Ricardo Dourado Freire e Diogo Maia

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Venezuela 1

Dados coletados das trajetórias de 54 clarinetistas brasileiros que estiveram estudando em vários países entre 1968 e 2015.

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Portugal 4

Inglaterra 1

França 4

Holanda 6

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Itália 4

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D urante o séc. XX, ocorreram três movi-mentações musicais no Brasil: primeiro tivemos a criação de instituições musicais

entre 1908 e 1940; depois houve um fluxo de músi-cos imigrantes vindos da Europa no pós-guerra; e, a partir da década de 70, um número crescente de cla-rinetistas buscou formação complementar no exte-rior. Este artigo traz algumas trajetórias e as movi-mentações que ocorreram a partir de 1970 até 2015, quando o intercâmbio no exterior passou de uma possibilidade remota para ser uma possibilidade provável na formação dos clarinetistas brasileiros.

O início do século acompanhou a criação das instituições musicais, que estabeleceram um am-biente de música profissional no país. Investimen-tos estaduais permitiram a inauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1908, e do Teatro Municipal de São Paulo, em 1911, que propiciaram a realização de diversos espetáculos musicais nos anos da belle époque. Em 1907, tivemos a fundação do Centro Musical do RJ, uma associação musical que teve por objetivo defender os músicos profissionais em suas atividades e oferecer apoio para sua atuação em orquestras e eventos musicais. Após a década de 1930, surgem as primeiras orquestra profissionais fixas, com a fundação da Orquestra do Teatro Mu-nicipal do Rio de Janeiro, em 1931, da Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo, em 1939, e a criação do primeiro grupo musical autônomo, em 1940, a Orquestra Sinfônica Brasileira.

Após o final da segunda grande guerra, o Brasil recebeu um fluxo de músicos vindos de vários paí-ses, incluindo italianos, alemães, espanhóis, portu-gueses e oriundos do leste europeu, que buscaram novas possibilidades profissionais no Brasil e foram importantes na organização dos cursos superiores de música, criados no período entre 1950 e 1980.

O clarinetista José Botelho, nascido no Brasil, mas que realizou todos seus estudos musicais no Porto – Portugal, chegou em 1954, atuou na Or-questra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, na Orquestra Sinfônica Brasileira e criou o curso de clarineta da UNIRIO. No mesmo período, chegou a São Paulo o italiano Leonardo Righi que e atuou na Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal e foi professor da USP. A Universidade Federal da Bahia recebeu o alemão Klaus Haefele, que chegou no final em 1969 e atuou também na Orquestra Sin-fônica da Bahia. Outro alemão, Gunther Pusch, se estabeleceu em São Paulo, entre 1979 e 1985, e foi professor de vários clarinetistas profissionais. A

Orquestra Sinfônica Brasileira contratou o clari-netista americano Roy White, vindo de NY, que atuou no final da década de 1970. A Universidade Federal da Paraíba contratou o clarinetista argen-tino Carlos Riero, que foi fundamental para a for-mação musical de excelentes músicos no nordeste do Brasil. Na década de 90, o norte do Brasil rece-beu vários músicos oriundos do leste europeu para atuarem nas atividades musicais em Belém e Ma-naus, e merece destaque o trabalho do clarinetista ucraniano Oleg Andryeyev. A contribuição destes músicos estrangeiros ofereceu a oportunidade de intercâmbio com outras referências culturais para vários jovens clarinetistas brasileiros. De certa ma-neira esses contatos foram decisivos para estimu-lar jovens músicos na busca de aperfeiçoamento em vários lugares do mundo.

Este artigo apresenta um estudo panorâmico que tem por objetivo iniciar uma reflexão sobre as trajetórias dos clarinetistas brasileiros pelo mun-do. Foram realizadas pesquisas em bibliografias de clarinetistas, em currículos inseridos na plata-forma Lattes do CNPq e também por meio de um questionário que foi disponibilizado na internet e respondido por 26 clarinetistas. Este é um estudo inicial, que necessita de aprofundamento acadê-mico, mas que pretende olhar os caminhos que foram percorridos nos últimos anos por esses ins-trumentistas. Foram pesquisadas as trajetórias de 54 clarinetistas que demonstram um amplo inter-câmbio com Europa, EUA, Ásia e América do Sul. ( Figura 1)

Durante a década de 1960, os cursos superiores de música ainda não tinham estabelecido uma tra-dição na cidade de São Paulo, pois o curso da USP

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foi iniciado em 1971 e os bacharelados da UNESP e Unicamp foram estruturados em 1983. Existiam cursos de música nos Conservatórios, mas a for-mação era oferecida em nível técnico. Nesse con-texto, José Máximo Sanchez teve a iniciativa de estudar clarineta no exterior, no final da década de 1960, pois ele já possuía formação como pianista e decidiu ter formação como clarinetista no Con-servatório de Genebra, na Suíça. Este foi o início de um intenso período de estudos, tão intenso que ele desenvolveu um quadro de lesão facial que o impediu de terminar o curso de bacharelado. No seu retorno ao Brasil, iniciou uma importante car-reira como professor particular de música tendo influenciado clarinetistas como Edmílson Nery e Sérgio Burgani.

No final da década de 1970, Maurício Lou-reiro também teve que buscar uma formação fora do Brasil e, após finalizar seu curso de Engenharia no Instituto Tecnológico Aeronáutico (ITA), de-cidiu ir estudar com Dieter Klocker, na Alemanha. No seu retorno, Maurício assumiu o cargo de pro-fessor de clarineta do Instituto de Artes da UNESP e atuou como clarinetista na Orquestra Sinfônica de Campinas e na OSESP.

As trajetórias durante a década de 1980 e 1990 podem ser separadas em cursos de formação e aperfeiçoamento realizados na Europa e forma-ção em nível de Mestrado e Doutorado nos EUA. Alemanha, Holanda, Itália e França foram os prin-cipais destinos para clarinetistas na busca por for-mação em nível de graduação e em cursos de férias.

Figura 1 – Países nos quais os clarinetis-tas brasileiros foram estudar

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Neste período, Luis Afonso Montanha e Guilherme Garbosa buscaram formação em clarineta-baixo com Henri Bok, que torna-se uma referência para todos os clarinetistas brasileiros. O investimento da CAPES e CNPq na estruturação de cursos de pós-graduação no Brasil incentivou a formação de vários doutores em Música, entre eles: Maurício Loureiro, formado na University of Iowa, em 1991, Joel Barbosa, na University of Washington, em 1994, e Ricardo Dourado Freire, na Michigan State University em 2000.

A partir da fundação da Associação Brasileira de Clarinetistas, em 1996, ocorreu um intenso in-tercâmbio com a vinda de diversos artistas inter-nacionais incluindo: Henri Bok, Luis Rossi, Johna-than Cohler, Patricia Kostek, Elsa Ludwig Verdehr, Kimberly Cole, Antonio Saiote, Michel Arrignon, Walter Boyekens, entre outros. A participação de Paulo Sérgio Santos, Ricardo Dourado Freire e Quinteto Sujeito a Guincho no ClarinetFest 1997, realizado no Texas, permitiu uma maior inserção dos clarinetistas brasileiros no contexto interna-cional. Desde então, clarinetistas brasileiros são presença obrigatória nos ClarinetFests, realizados em diversas partes do mundo.

O século XXI iniciou com um intenso fluxo de informações e possibilidades entre todas as partes do planeta. Internet, MP3, Youtube e PDF oferecem infinitas trocas de arquivos de texto, áudio e vídeo, e permitem que qualquer pessoa tenha acesso a informações que ficavam restritas às melhores bi-bliotecas da Europa e EUA. As possibilidades de realizar cursos de curta duração, aperfeiçoamento, Mestrado e Doutorado no exterior possibilitaram que 40 clarinetistas buscassem atividades fora do país, como forma de enriquecimento e aprimora-mento de suas habilidades musicais. Observa-se que a cada década aumentam as possibilidades e também o número de clarinetistas que estudam no

exterior; o que antes era uma aventura, agora tor-na-se uma oportunidade que pode ser realizada.

Com base na coleta de dados, foi possível veri-ficar que não houve um professor ou modelo úni-co de referência para os clarinetistas, sendo que a variedade de referências permitiu a formação de um cenário musical rico e diversificado. Durante este período, os clarinetistas brasileiros estudaram com: Karl Leister, Guy Deplus, Walter Boeykens, Dieter Klöcker, Willliam McColl, Antonio Saiote, Wolfgang Meyer, Eric Hoeprich, Henri Bok, Char-les Neidich, Michael Collins, Masaharu Yamamo-to, Luis Rossi, James Campbell, Jonathan Cohler, D. Ray McClellan, Jorge Montilla, Nuno Pinto e Nuno Silva, entre outros. No entanto, um núme-ro considerável de clarinetista buscou a formação com um clarinetista alemão nascido no Brasil, François Benda, em estudos na University of Arts, em Berlim, ou na Hochschule für Musik der Stadt Basel, Suiça.

A trajetória de cada clarinetista no exterior en-volveu descobertas e desafios e algumas perguntas que foram feitas nos questionários trazem respos-tas que podem ilustrar a experiências de viver em um ambiente diferente, com uma cultura distinta e com valores que exigem a transformação de cada um, na busca de uma formação musical que possa mudar a sua trajetória profissional. Neste artigo apresentamos uma entrevista com este clarinetista brasileiro hipotético, que se constrói como a soma das identidades das pessoas que responderam ao questionário. Os discursos individuais se comple-mentam na formação de um diálogo coletivo.

Revista Clarineta: Como a experiência de estu-dar no exterior influenciou a sua formação musical?

Clarinetista Brasileiro: O contato com uma escola diferente para o estudo da clarineta me expôs a uma maior variedade de abordagens com relação à prática instrumental. A comparação com a minha experiência no Brasil serviu para me dar perspectiva com relação a que práticas são universais e quais pa-recem ser preferências regionais ou até pessoais. Essa distinção me deu mais liberdade para moldar a mi-nha própria concepção com relação ao instrumento. Foi possível ter uma percepção mais ampla no pensar musical, com planejamento deliberado do estudo, va-lorização do tempo de estudo e elaboração de objetivos.

Minha experiência estudando no exterior me in-fluenciou de várias maneiras. Em poucas palavras, o contato com outra cultura, vivenciando também as particularidades de clima, características geográficas e o contato com pessoas diversas são alguns dos aspec-

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tos extra-musicais que também influenciaram minha formação. Esta experiência foi fundamental para que eu pudesse relacionar algumas sutilezas no pensar musical com a música de concerto que, de alguma ma-neira, nasceu lá. Essa experiência não apenas estreitou meus laços com subjetividades importantíssimas para o fazer musical (como clima, comida, linguagem) mas também fez com que eu enxergasse a música erudita como algo muito mais “popular” e “humano” do que havia imaginado.”

Poderia comparar a experiência de estudar fora do Brasil com a primeira vez que você vai morar fora de casa, é tudo novo, no entanto, muito mais intenso. O estudo no exterior está me ajudando a abordar a mú-sica com uma seriedade muito maior, a visão de mun-do é outra e estou podendo ver de perto grandes nomes da música mundial e isso não tem preço. A experiência que obtive é incomparável, sendo que, cada dia, me exige maior discernimento musical, auto-disciplina e esforço.

Acredito que a grande estrutura das universidades com seus diversos grupos, estudantes e professores de vá-rias nacionalidades ajudaram a abrir mais os horizon-tes de conhecimento. Houve uma ênfase muito grande em audições de orquestra, que me inseriu no mercado de trabalho no Brasil. Também acredito ter absorvido me-lhor as ideias propostas pelo fato de ter 3 encontros sema-nais (aula individual, masterclass coletiva e música de câmara) com o professor de instrumento.

Além do alto nível dos clarinetistas ter am-pliado meu repertório e ter aulas com clarinetistas renomados, o que mais me surpreendeu foi o trabalho social realizado onde estudei. Acredito que a música possa atuar como um agente transformador na vida de qualquer pessoa, consequentemente escolhi seguir trabalhando, pois tive a oportunidade de exercer a docência para diferentes grupos, de diferentes níveis, fazendo com que eu me interessasse muito pela área de pedagogia da clarineta. Hoje, estudando fora, estou aprendendo muitas coisas e tendo uma visão bem dife-rente sobre o ensinar e o fazer musical, principalmente no trabalho que é feito com as crianças e jovens. Busco, nessa nova fase, práticas que me ajudem a melhorar como musicista não só do ponto de vista técnico, mas como pessoa também. Um novo comportamento dian-te da música e estou vivendo isso dia após dia!

A grande vantagem, no meu ponto de vista, é que a experiência musical é enriquecida através do contato com grandes solistas e grandes orquestras nos palcos da Europa e Estados Unidos, fenômeno este, reduzido a três, quatro cidades brasileiras. No meu caso, obvia-mente, as aulas foram cruciais e ajudaram a moldar minha execução, mas como o ambiente também in-

fluencia, assistir muitos concertos de alto nível foi um fator determinante na minha formação fora do país. Passei a obter mais oportunidades de performances em bons teatros especialmente com repertório sinfônico e de câmara, que nunca tive oportunidade no Brasil. A interação com músicos e alunos de várias nacionalida-des enriquece o fazer musical, o que me inspira a conti-nuar estudando.

Revista Clarineta: Quais os elementos técni-cos que você modificou ao estudar no exterior?

Clarinetista Brasileiro: Minha concepção com relação à produção de som na clarineta e a minha abordagem interpretativa foram muito influenciadas pela minha experiência no exterior. A busca por uma sonoridade mais leve e flexível, com mais possibilidades de construir cores e timbres. Tudo a partir do entendi-mento de que a “espacialização” do som é uma busca fundamental e crucial para encontrar a sonoridade correta para uma passagem ou repertório específico. Pude também entender a expressão musical como algo extremamente criativo e altamente relacionado com os sentimentos humanos e, desde então, não existe fazer musical para mim sem imaginação.

É difícil elencar todos os elementos que modifiquei. Gosto de pensar que houve uma modificação na mi-nha técnica, mas a base é brasileira, ou seja, considero que houve um hibridismo na minha técnica. Houve diversas alterações na minha forma de tocar, com ên-fase numa coluna de ar mais estável e menor pressão labial, além de maior relaxamento geral. Mas também nas estratégias de estudo, na visão da música como um todo, especialmente na forma de ouvi-la. E sobretudo, a questão de ser músico antes de clarinetista. Acho que foi um processo de amadurecimento de toda parte técnica e interpretativa.

Revista Clarineta: Quais os aspectos que você aprendeu no Brasil e decidiu manter, mesmo após o estudo no exterior?

Clarinetista Brasileiro: Toda a minha base musical e técnica desenvolvida no Brasil se manteve. Felizmente a minha experiência do estudo da clarine-ta no exterior não foi uma de substituição, mas sim de adição. A forma como eu estudo uma peça nova ainda é a mesma em grande parte. Acredito que não cheguei a modificar nada de forma extrema, tudo foi se adi-cionando ao que já tinha aprendido no Brasil. Mas de forma geral, o som ainda mantém as principais ca-racterísticas que tinha no Brasil. Toda a base técnica, emissão, embocadura etc, aprendidos no Brasil, foram mantidos e até elogiados pelos colegas de classe e demais professores da instituição.

Não deixei nada de lado, o que aconteceu foi uma flexibilização criativa de tudo que eu havia construído.

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Por exemplo, mantive toda a base técnica, com um se-dimentado método de estudos de escalas, uma boa for-ma de organizar o tempo de estudo e nem mesmo o meu material variou muito. Em termos gerais, não diria que estou fazendo uma escolha entre o que manter ou não. Gosto mais de dizer que o que estou aprendendo aqui é algo que adiciono para a minha bagagem e pos-so dizer que escolho diferentes aspectos para diferentes estilos musicais.

Mantenho vários aspectos que aprendi no Brasil. Acredito, na realidade, que tudo que aprendi nos EUA de alguma forma também tem algo que aprendi no Brasil. Todavia, fazendo um esforço para separar os conheci-mentos aprendidos no Brasil dos aprendidos nos EUA, posso citar a confiança no instinto musical, assim como na espontaneidade, a concepção fraseológica, os contras-tes de dinâmica, o uso de técnicas estendidas e principal-mente a preocupação com o fazer artístico. Além disso, os fundamentos técnicos (respiração, embocadura, po-sição de mãos e braços), e os princípios de prática do ins-trumento como motivação, planejamento, disciplina, dedicação foram muito importantes.

Mantive praticamente todos os conceitos e a apli-cabilidade de formas de estudar que tive lá. Natural-mente, o próprio processo te leva a refinamentos e mo-dificações relacionadas ao processo individual; assim, ainda busco elementos constantemente que não me foram ensinados diretamente lá, mas que o processo permitiu ou iniciou. No entanto, preciso dizer que a ênfase conservatorial do ensino foi algo que fiz questão de me desvencilhar. Ficou claro pra mim que é um sis-tema que está dando sinais de cansaço e não responde mais às demandas atuais da nossa compreensão do ensino na clarineta. Sobre isso, acho que temos a chan-ce de iniciar algo por aqui muito mais calcado na livre expressão, com um processo mais criativo e dinâmico. Mas claro, essa compreensão ficou mais clara pra mim depois de ter vivenciado essa experiência lá.

O que admiro no Brasil é a diversidade e a indivi-dualidade estilística, consegue-se perceber bem a dife-rença de cada grande profissional tocando. E essa in-dividualidade é marcante. Podemos ir de norte a sul, teremos grande clarinetistas, cada um com sua forma individual de tocar. Exemplo dentro de São Paulo mes-mo, que é nosso maior polo musical, se tem Burgani, Montanha, Ovanir etc, todos são muito diferentes, e essa individualidade cativa. O respeito pelas diferen-ças, o amor e a dedicação pela arte, a garra e a vontade de aprender independente das adversidades, o compa-nheirismo, o amor pela MÚSICA BRASILEIRA, sem dúvidas. Aprendi também que não importa onde você estiver: se não houver dedicação, trabalho e respeito entre aluno (em aprender) e professor (em ensinar)

é muito difícil formar uma boa escola, bons músicos e mais que tudo: boas pessoas!

As trajetórias de clarinetistas brasileiros percor-rendo o mundo somada à trajetória de clarinetistas estrangeiros no Brasil oferecem o contexto no qual a atual cultura clarinetística foi formada. A vinda para o Brasil de clarinetistas portugueses, france-ses, alemães, estadunidenses, latino-americanos e eslavos ofereceu o contato com uma cultura mu-sical internacional. Estas referências foram con-frontadas com as práticas musicais desenvolvidas no Brasil e com a formação musical realizada no exterior. Um processo contínuo de transformação dos parâmetros musicais de sonoridade, articula-ção, expressividade, técnica e musicalidade que constroem um coletivo de músicos que podem se identificar como clarinetistas brasileiros.

Cada experiência é única e cada trajetória foi construída em contextos históricos específicos dentro de um período de 50 anos de história dos clarinetistas brasileiros. A formação como clarine-tista foi o elemento comum nesta pesquisa, sendo que cada pessoa pesquisada investiu na busca do desenvolvimento musical, tanto no Brasil como no exterior. A identidade de cada clarinetista foi formada pelas soma de suas experiências no Bra-sil e no exterior, independente do local de estudos. A experiência no exterior torna-se um elemento complementar que promove um aprendizado pro-fundo que transforma a vida de cada um. Afinal, viver, conviver e aprender com outros clarinetistas são os fatores que favorecem o desenvolvimento musical no Brasil e em qualquer parte do mundo.

Dicas para estudar no exterior1 Estude a língua do país no qual pretende estudar.2 Verifique os sites com as informações de processo de admissão com dois anos de antecedência.3 Prepare o repertório da audição e a documentação com muito cuidado.4 Não perca nenhuma data importante, as datas limite são realmente finais.5 Entre em contato com os professores e colegas da escola na qual pretende estudar, eles podem te oferecer informações fundamentais.

Ricardo Dourado Freire é professor de clarineta da Universidade de Brasília, email: [email protected]. Diogo Maia atua como clarinetista e claronista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo, email: [email protected]

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Pedro: Klaus, eu quero ouvir de você onde você nasceu e em que ano?Klaus: Eu nasci no ano de 1941, em Munique.

Klaus, gostaria de saber como foi sua formação mu-sical, se você teve alguma influência da sua família e como você resolveu estudar música e Porque re-solveu estudar clarineta? Eu sempre vivia em ambientes musicais porque a mi-nha avó foi cantora de ópera e meu avô era regente de orquestra. Na música mesmo, eu comecei relati-vamente tarde, com 16 anos. Eu ouvia muitos discos americanos de Jazz, com instrumentos de sopros e gostava do som da clarineta. Então, através de meu irmão, que era violinista, fiz um contato com um cla-rinetista da filarmônica de Munique, Gustav Soltner, que também era professor do Conservatório Richard Strauss. Foi aí que comprei minha primeira clarineta e fui estudar com ele.

esse Primeiro instrumento era sistema alemão ou francês?Naquela época, muitos alunos do Conservatório já estavam usando o sistema francês. Inclusive o meu segundo professor do Conservatório mudou do sis-tema alemão para o francês. Nesta época eu fiz um grande progresso e chegava a estudar até seis horas por dia. Depois eu pretendia estudar com o primeiro clarinetista da Orquestra da Rádio da Baviera, que se chamava Rudolf Gall, um dos melhores clarinetistas desta região, na época. Eu fiquei super animado em estudar com ele, pois eu tinha assistido um concerto dele tocando o concerto de Mozart e achava que ele tinha um som belíssimo! Mas, quando meu professor foi procurá-lo para pedir para dar aulas para mim, foi quando ele soube que Rudolf tinha se matado. Era uma pessoa muito sensível e, durante uma apresen-tação, ficou chateado porque tinha errado alguma coisa. Nenhum músico percebeu que ele havia erra-

Klaus Haefele

Por Pedro Robatto

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do. Depois ele foi pra casa e se enforcou! Aí, termi-nou essa história e eu fui estudar com o primeiro cla-rinetista da Filarmônica, chamado Anton Felbinger. Ele tocava com o sistema Boehm (francês) e tinha uma classe grande de uns oito alunos.

você começou a tocar desde o início com boquilha alemã?Não, comecei com francesa. Depois eu experimen-tei várias boquilhas e cheguei a ficar maluco com as várias opções. Depois passei para uma boquilha alemã, construída pelo fabricante Werschnik, feita especialmente para mim. Minhas primeiras clarine-tas eram do sistema francês, mas de marcas alemãs. Depois eu passei para a clarineta Buffet.

gostaria agora de saber quando começaram suas atividades Profissionais, os gruPos que você tinha e as orquestras em que você tocava, ainda na ale-manha.Toquei em vários conjuntos de câmara e orquestra de alunos do conservatório. Depois eu me interessei em tocar nas chamadas “Kurorchester” na Alema-nha. Eram orquestras que tocavam nas cidades de balneários durante seis meses no verão, e que faziam três concertos por dia sem ensaios! Eram programas bem puxados. Esta experiência me deu uma boa prá-tica de orquestra, principalmente, para leitura à pri-meira vista e transposições. Depois disso, você não tem mais medo de tocar nada em uma orquestra. Era muito duro! A orquestra “tirava o couro” da gente. Se você errasse algo, o maestro dava uma bronca em

frente do público. Se você aguenta isso você pode se-guir, se não, você larga.

Klaus, me conte agora como foi a sua vinda ao bra-sil. você tinha feito concursos Para entrar nas or-questras na alemanha?Eu fiz vários concursos para as orquestras, mas era muito difícil conquistar um lugar, principalmente pelo grande número de músicos concorrendo e tam-bém porque havia uma proteção aos alunos dos pro-fessores que tocavam nessas orquestras.

e você acha que Pelo fato de tocar com sistema francês te Prejudicou nestes concursos?Pode ser. A maioria dos concorrentes tocava com sistema alemão. Eram poucos que tocavam no sis-tema francês. Isso poderia ser um fator, porque ge-ralmente eu sempre chegava na última etapa. Eu cheguei até em pensar em mudar para o sistema alemão. Mas depois eu pensei, vamos ver o que tem de oportunidades abertas. Olhei nas revistas de or-questras da Alemanha que mostravam as vagas para clarinetistas, não só na Alemanha mas como no res-to do mundo. Então um dia eu vi duas oportunida-des. Uma era na orquestra de Petrória, na África do Sul, e a outra era na Universidade da Bahia, no Brasil. Nesta época eu tinha 27 anos. Eu escrevi para as duas orquestras e recebi uma carta da África do Sul dizen-do que, infelizmente, a vaga já havia sido preenchida. Depois recebi uma carta da Universidade da Bahia me chamando para fazer um concurso na cidade de Karlshuhe, na Alemanha. Aí eu fui pra lá e quem fez o teste foi o professor Horst Schwebel, já atual pro-fessor de trompete da UFBA. Aí eu fui fazer o teste e perguntei: onde estão as partes de orquestra? Aí o prof. Schwebel disse: “iiihh”, esqueci... Aí eu disse: não tem problema, eu vou tocar o concerto de Mo-zart e as partes de orquestra eu sei de cor! Isso por-que eu tocava essas músicas diariamente. Depois eu recebi uma carta pelo correio dizendo que eu fui es-colhido. Aí minha mãe disse: meu filho, pelo amor de Deus, você vai pra lá onde tem cobras, jacarés... Aí eu disse: não se preocupe não, eu vou para lá, se eu não gostar eu volto. Aí eles me mandaram a passagem, marcaram a data. Eu fui, cheguei e fiquei!

me conte como foi a sua chegada ao brasil. como era o cenário musical aqui na bahia e como é que que foi sua Primeira imPressão? como você come-çou a trabalhar no início?Olha, eu cheguei aqui... Eu me lembro a data: foi no dia 4 de janeiro de 1969. Aí eu cheguei aqui no do-mingo de manhã, né? E estava todo mundo na praia! O diretor de Escola de Música da época era o Ernst Widmer. Inicialmente me estabeleci em um apar-tamento do oboísta Afrânio Lacerda. Foi ótimo! Fui muito bem recebido pelos colegas. Eu praticamen-te não falava nada de português, mas eu já me senti praticamente em casa. No início não tinham muitos alunos de clarineta. Eles foram aparecendo aos pou-cos e ainda no nível preparatório. Isto era o começo, eu precisava conhecer o material humano que tinha, para construir algo praticamente do zero. Eu dei aula

Klaus Haefele. Ex-Professor de clarineta da Escola de Música da UFBA e primeiro clarinetista

aposentado da OSBA (Orquestra Sinfônica da Bahia)

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também nos festivais daqui da Bahia, que eram os Seminários Internacionais de Música, no qual vinha gente de todo o Brasil.

e você fez Parte de outros conjuntos de música nesta éPoca?Sim, fiz parte do quinteto de sopros da UFBA, depois fiz um duo com clarineta e piano com o professor Gondim, onde tocamos muito. Tinha também um trio com piano, clarineta e soprano. Também, par-ticipei da fundação do Conjunto Música Nova, que teve 10 anos de existência. Fizemos muitas estreias de compositores brasileiros, latino-americanos e europeus. Fizemos também muitas estreias de com-positores da Bahia ou que estudaram por aqui, como Widmer, Fernando Cerqueira, Lindembergue Cardo-so, Rufo Herrera e muitos outros... Com esse conjun-to também fizemos muitas apresentações e turnês pela parceria da UFBA com o Instituto Goethe pelo Brasil todo, América Latina e até pela Alemanha. Gra-vamos também muitos discos, “bolachas”, Lps que você deve encontrar lá na escola de música.

oK Klaus, vamos falar agora desta última fase, a Partir dos anos 80.Nesta época as coisas dentro da Escola de Música já estavam em um nível mais profissional. Meu dia era assim: 7h30 da manhã começava o ensaio da Orques-tra da Universidade (eu achava uma loucura tocar instrumentos de sopro tão cedo, 7h30 da manhã), depois saíamos correndo para o teatro Castro Alves, pois às 9h30 começava o ensaio da OSBA (Orquestra Sinfônica da Bahia). O ensaio terminava às 12h30 e eu ia correndo para casa almoçar. Aí eu precisava de 10 minutos para me deitar rapidamente, depois acorda-va e voltava para a Universidade porque meus alunos já estavam me esperando. As aulas iam até 5h30 ou 6h00 e, em seguida, tinha ensaios do Conjunto Músi-ca Nova ou do quinteto. E os alunos exigiam de mim cada vez mais, principalmente um que está sentado em frente de mim agora, me entrevistando (risadas). Essas coisas aconteceram, mas foram muito gratifi-cantes. Outra coisa: às vezes eu dava aula para alunos de outros instrumentos que não tinham professor, como o oboé, fagote e até a flauta, por um período. Meu professor já dizia: “Musik ist ein Schwieriges Instrument” (música é um instrumento difícil). Eu posso trabalhar musicalmente com eles, preparar al-guma coisa, sonhar...

gostaria que você falasse agora mais dos seus con-ceitos do que é ser um músico. como ele deve se comPortar Para ser um clarinetista Profissional?Bom, em primeiro lugar o músico tem que ter talento, vocação e gostar de música. Uma coisa bonita! Qual-quer criança que começa com um instrumento não sabe o que vai acontecer futuramente. Somente um professor vai analisar se ela pode ter um futuro bom. Porque nós temos que pensar o seguinte: você não pode formar somente solistas. Eles são as exceções. Tem músicos de nível médio que são bons segundos clarinetistas, bons quartos, que tocam bem o clarone ou que vão ser professores. Eu acho o professor fun-damental.

eu, como aluno, Percebi que você semPre cuidou da Parte técnica, mas também era como um “conselhei-ro musical”, uma esPécie de “tutor”. você teve isso na alemanha, ou você criou uma maneira Particular de ensinar?Eu disse sempre: o aluno iniciante sempre tem a ten-dência de copiar o professor. Nada mal. Depois ele tem que desenvolver a sua própria personalidade. Tem que se afastar: isso sou eu, esse é o meu pro-fessor. Todos são bons! Agora, na Alemanha, meus professores que tinham muitos alunos, um depois do outro, eram mais exigentes e não se preocupavam muito com você. Eu não gostei disso! É um relacio-namento mais frio, “op”, entendeu? Tem que ter um certo contato humano com seu aluno. Estimulando, dizendo para ele qual o problema. Uma boa conversa vale mais do que uma aula forçada!

então, além de Professor de clarineta você acabava sendo meio Psicólogo!Eu me sentia assim, com muito prazer! No fim da minha carreira eu gostava mais de ensinar do que de tocar. Também com a idade tem um declínio, você fica mais cansado para tocar e não estuda mais como deveria. Mas eu gostava sempre de conversar com os alunos sobre a minha experiência de tocar. Então é uma coisa gratificante. Transmitir alguma coisa mi-nha para o aluno.

maravilha!!!

Pedro Robatto é Professor de clarineta da Escola de Música da UFBA e clarinetista da OSBA

(Orquestra Sinfônica da Bahia)[email protected]

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O 2º Encontro Paraibano de Clarinetistas ocorreu entre os dias 21 e 24 de setembro de 2017, em João Pessoa-PB, no Espaço

Cultural José Lins do Rêgo. Para tal evento foram convidados os professores Juan Ferrer (ESP), Ser-gio Burgani, Joel Barbosa, Vinícius Fraga, Marcus Julius, Luis Afonso Montanha, Alexandre Silva, Amandy Bandeira, Luca Raele, Carlos Rieiro, Tiago Teixeira e Thiago Tavares. Os artistas e grupos con-vidados foram Alphonsos Silveira, Sergio Albach, Orquestra Potiguar de Clarinetas, Grupo de Cla-rinetes da UFPB e o quarteto Sopros de PE. Foram abertas submissões para artistas recitalistas, alunos

ativos e alunos ouvintes e, para nossa alegria, con-tamos com mais de 70 alunos e a presença de mais de 30 artistas e professores que se apresentaram no evento. Ao todo foram mais de 100 clarinetistas que passaram por nossos palcos e salas de aula, duran-te esses dias. O 2º EPC promoveu 10 recitais, bem como palestras, aulas, mesas redondas, concertos e exposição de produtos.

Como já é sua marca, o evento contemplou as esferas erudita e popular, bem como do ensino e da performance da clarineta, com o objetivo de pre-parar e motivar clarinetistas em suas mais diversas etapas de estudo da música. O evento teve ainda um

20 Encontro Paraibano de Clarinetistas

por Aynara Silva Montenegro fotos Ana Marília Buarque

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diferencial, por fortalecer os laços entre professo-res e artistas locais com demais artistas do Brasil e do mundo, estreitando relações e nos unindo ainda mais como classe. No evento contamos com a pre-sença do presidente da ABCL – Associação Brasilei-ra de Clarinetistas, Sergio Albach, assim como uma grande representação da sua diretoria e comissões. Durante o evento foi anunciado que eu, Aynara, serei a representante da ABCL no Nordeste, o que para mim é uma grande honra! Para a realização de um evento tão expressivo foi necessária uma equi-pe engajada que arregaçou as mangas para que tudo fluísse de forma coesa e tranquila. São os membros da equipe: Aynara Silva Montenegro (coordena-ção), Lucas Andrade e Eduardo Lima (direção artís-tica), Arimatéia Veríssimo (professor de clarineta da UFPB) e Alphonsos Silveira (direção executi-va); além dos voluntários nas diversas equipes de atuação: Fabíola Santos, Geovane Santos, Natália Franco, Gilvandro Nascimento, Talles Ian, Thayná Italyne, Thompson Moura, Jackson Santos, Dayane Roque, Rosangela Souza e Lidiane Ramos. O evento contou com o patrocínio e apoio das seguintes mar-cas: Legère, Marca Reeds, D’addario Woodwinds,

Buffet Crampon, Devon & Burgani, Silverstein Works e Via Sinfônica. O 2º Encontro Paraibano de Clarinetistas foi uma Realização da Universidade Federal da Paraíba, do Centro de Comunicação, Tu-rismo e Artes (CCTA-UFPB) e do Departamento de Música da instituição, em parceria com a FUNESC, EEMAN, PRIMA, OSPB e apoios do CEARTE e Igre-ja Evangélica Assembleia de Deus.

Aynara Silva Montenegro - Coordenadora do 2º EPC e professora de clarineta da UFPB.

Email: [email protected]

Na página anterior, equipe organizadora do 2º EPC(da

esquerda pra direita) Alphonso Silveira, Arimateia Veríssimo,

Geovane Santos, Fabíola Santos, Natália Franco, Thompson

Moura, Thalles Ian, Aynara Silva, Gilvandro Nascimento,

Eduardo Lima, Lucas Andrade. Acima, alguns dos professores

e artistas convidados do 2°EPC (da esquerda para a direita)

Thiago Tavares, Tiago Teixeira, Alexandre Silva, Vinicius

Fraga, Sérgio Burgani, Luís Afonso Montanha, Aynara Silva,

Juan Ferrer, Luca Raele, Sérgio Albach, Joel Barbosa, Flávio

Ferreira, Amandy Bandeira e Arimateia Veríssimo.

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3º Simpósio para Clarinetistas UNESP 2017 por Pedro Buzatto

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Acima, homenagem ao professor Sérgio Burgani pelos seus 30 anos de atuação como do-

cente do IA-UNESP. À frente, Sérgio Burgani; da esquerda pra direita: Gustavo Ananias,

Paulo Mantovani, Jefferson Bueno, Leonardo Castro, Letícia Moraes, Pedro Buzatto, Lu-

cas Henrique do Nascimento, Handemberg Silva (atrás do Sérgio) e Daniel Oliveira.

Ao lado, Premiação do III Concurso Devon & Burgani Jovens Clarinetistas - Rafael Galhar-

do Caro. O vencedor da categoria 2, Lucas Ferreira ao centro; da esquerda pra direita: Vale-

rie Albright, Tiago Garcia, Tiago Naguel, Jussan Cluxnei, Jéssica Gubert (atrás do Lucas),

Eduardo Lima e Jovany Gomes. Na próxima página, José Augusto Mannis ministrando a

Palestra “Graduação em Música: áreas de atuação profissional”.

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O 3o. Simpósio para Clarinetistas - UNESP 2017 ocorreu nos dias 13 e 14 de outubro, em São Paulo – SP, no Teatro Maria

de Lourdes Sekeff, localizado no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Foram convidados para o evento os professores Márcio Pereira (POR), Joel Barbosa (UFBA), José Augusto Mannis (UNICAMP), Paulo Moura (UNESP), Daniel Cornejo, Potiguara Menezes (UFES), Edmilson Nery, Marta Vidigal, Fabrícia Medeiros, Diogo Maia, Priscila Rahal, Marisa Takano Lui, Ovanir Buosi, Luca Raele, Daniel Rosas, Mônica Lucas (USP), Luis Afonso Montanha (USP), João Geraldo Alves, Dirceu Leite, Thiago Garcia. Os artistas e grupos que realizaram uma apresentação musical foram Joel Barbosa, Daniel Oliveira, Sérgio Burgani, Luca Raele, Paula Pires, Marcus Julius Lander, Giuliano Rosas, Rafaela Lopes, Anna Beatriz Gomes, Renan Branco, Lidia Bazarian, Sara Chong. Foi também aberta uma oportunidade para os alunos das instituições de ensino de São Paulo apresentarem seus trabalhos, como os grupos Quarteto Burgani, Quarteto Viajando pelo Brasil, o Quinteto Vizinhança, o duo Duas e a participação de Gustavo Ananias e Paulo Mantovani, antigos alunos da UNESP, que realizaram uma apresentação musical. Com a participação de mais de 70 alunos e alunas inscritos e mais de 40 professores e professoras ministrando aulas e palestras, tivemos no total a presença de mais de 120 pessoas no evento. O 3o. Simpósio para Clarinetistas UNESP 2017 realizou 10 recitais, uma palestra, duas mesas redondas, masterclass e exposição de produtos.

O evento foi realizado sob a perspectiva de um tema específico: O Mercado de Trabalho. Na atualidade, consideramos importante essa discussão sobre as diversas áreas de trabalho nas quais o clarinetista pode ingressar, mostrando outros pontos de vista. A palestra do professor Dr. José Augusto Mannis (UNICAMP) nos trouxe esse outro olhar, em que o palestrante apresentou outros caminhos a serem seguidos na profissão musical, não sendo somente na atuação orquestral. Em complemento a essa palestra, foi realizada uma mesa redonda sobre o tema Elaboração de Projetos Musicais. Integrantes da mesa, que participam e trabalham na área de desenvolvimento de projetos, como o professor Dr. Potiguara Menezes (UFES), compositor e produtor musical, que já teve projetos contemplados em editais do SESC, SESI e Ministério da Cultura e a professora Priscila Rahal, que trabalha junto ao SESC-SP na elaboração de apresentações artísticas, avaliando os vários projetos que recebem.

O evento contou com o patrocínio e apoio das seguintes marcas: Devon & Burgani, D’addario Woodwinds, Vandoren, Armazém do Sopro, Barkley, Marca e Windi. O 3o. Simpósio para Clarinetistas foi uma realização da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” e do Departamento de Música do Instituto de Artes.

Pedro Henrique Viana Buzatto - Organizador do 3o. Simpósio para Clarinetistas UNESP 2017.

Email: pedro_ [email protected]

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Em novembro do corrente ano, entre os dias 9 e 15, foi realizada a 5ª edição do Festival Internacional de Clarinetistas do Rio de Janeiro (FIC-Rio). Além de masterclasses, palestras, exposições, recitais e con-certos variados, a novidade deste ano ficou por conta da 1ª edição dos Concursos Nacionais de Clarinetis-tas e Claronistas. O evento contou com o patrocínio da empresa Royal Global, na pessoa de Yuan Gao. Importantes apoiadores fizeram-se presentes, via-bilizando o evento, tais como: Escola de Música da UFRJ, Orquestra Petrobras Sinfônica, Projeto “Mú-sica nas Escolas” (Barra Mansa), Casa de Artes de Paquetá, Centro Cultural do Ministério da Justiça e PROMUS (UFRJ).

Tomaram parte ao corpo docente os professores Diego Grendene (OSPA), Fernando Silveira (Uni-Rio), Marcos Cohen (OSTNCS), Marcus Julius (OFMG), Mariano Rey (Teatro Colón), Paula Pires (ORTHESP), Thiago Tavares (OSB) e Tiago Teixeira (OSN). Foram realizadas dez apresentações públi-cas, em distintos palcos da cidade, com a participa-ção dos seguintes artistas:

➢ Recital 1 (Sala Armando Prazeres, Fundição Progresso – SAP-FP) – Bezaleel Ferreira, Tia-go Teixeira, Thiago Tavares e Mariano Rey;

➢ Recital 2 (SAP-FP) – Elon Silveira, Pedro Paes, Weslley Guedes, Trio Clarioca (João William, Marcelo Vieira e Vitor Macedo), João Souto (violão), Gabriel Leite (percus-são), Marcus Julius e Luiza Salles (piano);

➢ Recital 3 (Casa de Artes de Paquetá) – Maria-no Rey, Luiza Salles, Duo Bifonia (Lucas Fer-reira e Victor Hugo Rego);

➢ Concerto Sinfônico (Theatro Municipal do Rio de Janeiro) – Orquestra Sinfônica de Bar-ra Mansa, Cristiano Alves (solista), Daniel Guedes (regente);

➢ Recital 4 (SAP-FP) – Paula Pires;

➢ Recital 5 (SAP-FP) – Fernando Silveira, Cris-tiano Alves, Luis Carlos Justi (oboé) e Elione Medeiros (fagote);

➢ Recital 6 (SAP-FP) – Diego Grendene, Cris-tiano Alves, Marcos Cohen, Anderson Alves, Luiza Salles (piano), Trio de Palhetas do Rio de Janeiro (Igor Carvalho, clarineta, Rodri-go Herculano, oboé e Carlos Bertão, fagote), Cesar Bonan, Flavio Augusto (piano);

➢ Recital 7 (Centro Cultural do Ministério da Justiça – CCMJ) – Trio Entre Amigos (Mar-cio Miguel Costa, Marcos Ribeiro, cello e Priscila Bomfim, piano), Duo Bifonia (Lucas Ferreira e Victor Hugo Rego);

➢ Concerto de encerramento das atividades acadêmicas do V FIC-Rio (CCMJ) – Ensem-ble de Clarinetas do Festival, Anderson Alves e Thiago Tavares (solistas), Marcio Miguel Costa (regente);

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5º Festival Internacional de Clarinetistas do Rio de Janeiro (FIC-Rio)

por Cristiano Alves

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➢ Recital 8 (Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro) – Cristiano Alves e Duo Burajiru (Fernando Thebaldi, viola e Yuka Shimizu, piano).

Após três fases (1ª Fase, Semifinal e Final), os concur-sos apresentaram os seguintes resultados:

➢ Concurso Nacional de Claronistas: 1ª colo-cação – Jussan Cluxnei; 3ª colocação – João Paulo Araújo e Mario Marques;

➢ Concurso Nacional de Clarinetistas: 2ª colo-cação – Jussan Cluxnei; 3ª colocação – Victor Hugo Rego.

O balanço geral do festival foi altamente positivo e a satisfação era visível! Inúmeros aspectos merecem ser ressaltados:

➢ Justas e belas homenagens prestadas aos grandes músicos e professores José Carlos de Castro (por seus 80 anos de vida recém completados e brilhante carreira docente e artística) e Fernando Silveira (por sua rica trajetória profissional de mais de 35 anos de atividades e relevantes serviços prestados a classe clarinetística). Estiveram presentes, além da classe de clarinetas e participantes do festival, também familiares e amigos. So-braram emoção, alegria, bons momentos, re-cordações e exemplos!

➢ Destacado nível artístico apresentado por todos os artistas envolvidos nos recitais;

➢ Presença relevante do clarone nas atividades artísticas e pedagógicas;

➢ Palestras de grande relevância e qualidade acerca de diversas e fundamentais questões concernentes à prática clarinetística;

➢ Belo coral de clarinetas e congêneres, com repertório que abarcava obras concertantes, adaptações, além do conjunto de clarones;

➢ Estreia mundial da obra “Verbete: Clarine-ta”, para clarineta solo (com narração), de Tim Rescala (por Weslley Guedes);

➢ Estreia carioca do Concerto para Clarineta e Orquestra, de Francis Hime (por Cristiano Alves);

➢ Estreia carioca da obra O Grande Arlequim, de Karlheinz Stockhausen (por Paula Pires);

➢ Estilos, vertentes, formações e abordagens plurais em eventos didáticos e artísticos;

➢ Recital de requinta (por Anderson Alves);

➢ Importantes estreias e apresentações de transcrições para clarone de obras de Heitor Villa-Lobos e Francisco Mignone.

O V FIC-Rio não teria acontecido sem a fundamen-tal colaboração de Yuan Gao, Igor Carvalho, Cesar Bonan, Thiago Tavares, Elon Silveira, Marcio Miguel Costa, Weslley Guedes, Victor Hugo Rego, Tiago Tei-xeira, Bezaleel Ferreira, Guilherme Palha, Matheus Martins, Anderson Alves, Marcos Cohen, Marcus Ju-lius, Whatson Cardozo, Adilson Alves e Mariano Rey.

Cristiano Alves é Coordenador do FIC-Rio e Professor da UFRJ. Email: [email protected]

Um canal no Youtube dedicado ao clarinete, com vídeos didáticos, entrevistas, playlist, links etc.

Idealizado, produzido e apresentado por Herson Amorim.

https://www.youtube.com/channel/UCnzG3jMadS3BPNZ9Dn_Ss_A

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O I Encontro de Clarinetistas do Vale do Acará foi realizado na cidade de Concordia do Pará, no dia 02 de novembro de 2017, com a participação de 36 clarinetistas evangélicos de quatro municí-pios: Acará, Tomé Açu, Concórdia do Pará e Mãe do Rio. É a primeira vez, no Pará, que a Igreja Evangé-lica Assembleia de Deus (IEAD) sedia e apoia um encontro de Clarinetistas.

O maestro Júlio Kzan, da cidade de Tomé-Açu, no Vale do Acará, propôs para o prof. Jacob Cantão a realização deste evento, com objetivo de abordar questões como dificuldades técnicas e manutenção de instrumentos. Tais assuntos são de grande relevância para os músicos da localidade, já que existe uma lacuna no que diz respeito à forma-ção profissional em música na região.

Na programação constaram palestras, mas-terclasses, coral de clarinetas e uma mesa redonda, que abordou a necessidade da rotina de estudos diários dos alunos. Quanto aos aspectos técnicos, a abordagem se concentrou no controle de ar, articu-lação, embocadura, posição das mãos e dedos. Os clarinetistas tiveram a oportunidade de conhecer outros estilos musicais, já que o repertório utilizado por eles é composto, basicamente, por hinos tradi-cionais, cívicos e música gospel.

A contribuição do Encontro de Clarinetis-tas teve como metas: conscientizar o aluno sobre a importância da qualidade sonora e ampliar o seu olhar sobre a formação em clarineta. Como resulta-do, pudemos observar uma maior preocupação dos participantes com a qualidade dos instrumentos. Nota-se o interesse pela compra de materiais como boquilhas, braçadeiras, palhetas, ou mesmo ins-trumentos novos, com a finalidade de aperfeiçoar a execução musical. Vale dizer também que vários instrumentos foram enviados para manutenção. Por fim, é importante citar a aprovação de clarine-tistas do Vale do Acará em seleção para o curso téc-nico da Escola de Música da Universidade Federal do Pará, em Belém.

Comissão responsável pelo I Encontro de Clarinetistas do Vale do Acará foi: Evandro Williamy e Júlio Kzan (direção); Jacob Cantão (Professor de Clarineta); Quedma Menezes e Davi Silva (monito-res); Gustavo Saldanha e Adrielly Castro (Maestros convidados). Apoio: IEAD de Concórdia do Pará e Clarinetes Devon & Burgani.

Jacob Cantão é professor de clarineta da Escola de Mú-sica da Universidade Federal do Pará

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1º Encontro de Clarinetistas do Vale do Acará, Pará

por Jacob Cantão

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Diz-se que o brasileiro não tem memória boa. Talvez seja até verdade. É provável que nossa falha de memória tenha a ver com as frustrações e vili-pêndios que o povo brasileiro tem sofrido, nestas últimas décadas. Nesse caso, melhor esquecer!

Mas nem tudo são mazelas em nosso passado...Quanto à nossa história, sempre se supôs que os

primeiros clarinetistas chegaram ao Brasil durante a travessia da Família Real portuguesa em 1808 ou, talvez, pela informação do uso de clarinetas em Minas Gerais no final do Século XVIII. Recentes pesquisas (SILVEIRA, 2014) refutam essas informa-ções apontando dados novos.

O mais antigo clarinetista a ser citado por sua atuação no Brasil é o português José Joaquim da Silva (ANDRADE, 1967). O que se sabe é que foi um dos responsáveis pela introdução do conceito do ‘especialista’ em clarineta no Brasil. Ayres de Andra-de informa que ele foi “primeiro clarinete do grande teatro do Rio de Janeiro e da Capela Real. Passa por ser o primeiro executante deste instrumento em todo o Brasil” (ANDRADE, 1967, p. 46). Diz, ainda, que obteve papel de destaque como músico. Segun-do Balbi (apud FREIRE, 2000), foi nomeado para a Real Câmara, em 1812.

Em 22 de julho de 1816, outros clarinetistas são oficialmente nomeados para a Real Capela: Aleixo Bosh e Antonio Joaquim de Barros (FREIRE, 2000).

Bosh atuou nesta até 1842. Sobre Antonio Joaquim de Barros, sabe-se ser o único clarinetista portu-guês que esteve ligado à Irmandade de Santa Cecília de Lisboa a atuar comprovadamente no Brasil. Por-tanto, atuou profissionalmente em Portugal e no Brasil e foi tido como o melhor clarinetista do Brasil à sua época.

Porém, apesar desses clarinetistas supracitados terem atuado no Brasil, nada se sabe de mais espe-cífico sobre sua qualidade artística. Ser o ‘melhor’ clarinetista do Brasil, sem ter critérios de compara-ção não é tarefa árdua. Eu mesmo, por exemplo, sou o melhor clarinetista da minha casa! Por enquanto...

Brincadeiras à parte, é em 1817 que uma banda de música aporta no Rio de Janeiro e que irá mu-dar, substancialmente, o que até então se verificava. Neste ano, a arquiduquesa Leopoldina casava-se com D. Pedro I. Contraíram matrimônio por procu-ração: ele no Brasil e ela em Viena. Sim! Pode-se ca-sar, ainda hoje, por procuração. Mas não façam isso em casa...

Após o casamento, Leopoldina teve de se deslo-car para o Brasil. D. João VI, então, mandou uma co-mitiva de navios buscá-la em Livorno – Itália - e levá-la ao Rio de Janeiro. Tal travessia levava, em média, três meses. Para que houvesse entretenimento a bordo, foi arregimentada uma banda de música com os melhores instrumentistas de Lisboa. Nesse

larineta à vista !!!

200 anos do ensino da clarineta no Brasil: uma singela homenagem aos seus fundadores.

Por Fernando Silveira

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momento começa, realmente, nossa jornada.

A nau D. João VI que em novembro de 1817 chegou ao Rio de Janeiro com a archi-duqueza D. Leopoldina, levou de Lisboa uma excelente banda militar, da qual era mestre Eduardo Neuparth. Era a primeira vez que se ouvia no Brazil uma banda de musica tão bem organizada, e seu effeito causou grande sensação (VIEIRA, 1900, p. 452).

Como visto, foi nomeado Eduardo (Erdmann) Neuparth para mestre da banda e, como primeiro clarinetista, Gaspar Campos. Os outros clarinetis-tas eram Antonio Bulak e João Vieira.

Merecem destaque Eduardo Neuparth e Gas-par Campos pois consegue-se, facilmente, infor-mações sobre suas altas qualidades como clarine-tistas e músicos atuantes em Lisboa e, ainda, pelo primeiro evento relacionado ao ensino da clarineta no Brasil. Este é descrito por Carvalho (2006), in-formando que D. Pedro I, filho de D. João VI e que viria a ser o primeiro monarca do Brasil indepen-dente, teve aulas de clarineta com músicos que aportaram no Rio de Janeiro, em 1817.

[...] O príncipe D. Pedro d’Alcantara aprendeu música inicialmente com Mar-cos Portugal, e mais tarde clarinete com Gaspar Campos e Augusto [sic] Neuparth, ambos clarinetistas que haviam integrado a banda que acompanhou a princesa D. Leopoldina, noiva de D. Pedro, ao Brasil, onde a família real portuguesa se encon-trava exilada (WESTON, 2002 apud CAR-VALHO, 2006, p. 28).

Nem Neuparth nem Campos eram portugue-ses. Eram imigrantes – alemão e espanhol (cata-lão), respectivamente – que fixaram residência em Lisboa e atuaram como músicos em Portugal. Pos-teriormente foram ao Brasil por ocasião da estada da Corte no Rio de Janeiro. Pela qualidade da ban-da de música formada, ao chegar ao Brasil, todos os músicos foram convidados por D. João VI a perma-necer. Tanto Neuparth quanto Campos ficaram.

Nascido em 1784 na cidade alemã de Poelwitz, Neuparth começou seus estudos musicais aos 15 anos. Posteriormente foi empregado como 1º. cla-rinetista da Capela do príncipe de Löwenstein, per-manecendo até 1806, quando Napoleão invadiu as terras do referido príncipe. Tal evento obrigou-o a despedir seus músicos, forçando Neuparth a pro-curar um novo trabalho.

Após outras paragens, chegou a Lisboa em 12

de agosto de 1814, como membro do Regimento de Música do Exército Francês e, logo depois, foi con-tratado para a orquestra do teatro da Rua dos Con-des e, em seguida, atuou no Teatro de São Carlos. Em paralelo à sua carreira como músico em Lisboa, manteve seu trabalho como músico em regimen-tos militares em Portugal.

Em 1817, chegando ao Brasil, foi convidado a fi-car. Aceitou o convite e foi designado para trabalhar na ‘Música das Reaes Cavalhariças’ no Rio de Janei-ro. A portaria de sua nomeação foi assim escrita:

El Rey Nosso Senhor Faz Mercê a Eduardo Neuparth de o tomar por Músi-co das suas Reaes Cavalhariças com a qual occupação vencerá o ordenado de duzen-tos sete mil trezentos noventa e seis reis por anno, com que o Escrivão das ditas Cavalhariças o lançará em Folha, com vencimento desde vinte e seis de novem-bro do corrente anno, e gosará dos privi-légios e izençõens que tem e de que gosão os Músicos das referidas Cavalhariças, e isto em quanto o Mesmo Senhor assim o houver por bem e não mandar o contrário. – Rio de Janeiro em dez de dezembro de mil oito centos e dezessete. – (a.) Cande de Paraty (VIEIRA, 1900, p.120).

O contrato de trabalho de Neuparth no Brasil, com mesmo teor daquele firmado em Portugal, previa que, além de suas funções como músico e mestre de banda, atuasse como professor de músi-ca. Transcreve-se o contrato firmado por Neuparth (BINDER, 2006, p. 76):

Contrato que faz Erdmann Neuparth, Mestre de Musica no 4.º Regimento de In-fantaria de Linha.

1.o – Fico engajado n’este Regimento, como Mestre de Musica, ganhando dezes-seis tostoens por dia, principiando a nove de Maio do presente anno, athe nove do dito mez de 1815 devendo receber a dita paga sem diminuição athe o fim do tempo do meu ajuste.

2.o – Serei somente obrigado a tocar no que pertence ao serviço militar.

3.o – No caso de adoecer ficarei rece-bendo o meu soldo pelo espaço de um mez.

4.o – O Regimento me fará pagamento de dez em dez dias.

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5.º – Caso de eu querer me retirar, ou o Regimento me querer demitir, no enfim do meu ajuste, haverá um aviso recíproco d’hun mez antes.

6.o – Fico igualmente encarregado de fornecer ao Regimento Música Militar, a qual farei ensaiar e dar ao publico o mais ameudo que for possivel.

7.o – Serei obrigado a executar as or-dens que receber do Comandante do Re-gimento e Capitão encarregado da Musica.

8.o – Será de minha obrigação ensinar a tocar qualquer instrumento aos Soldados do Regimento tirados para Musicos, dan-do-lhes liçoens e prestando todo o sentido e cuidado, a fim de os pôr perfeitos. –Quar-tel em Miret 9 de Maio de 1814. – (a)Arms-trong Tenente Coronel Commandante.

Neuparth foi bem-sucedido no Rio de Janeiro. Além do trabalho como músico da corte, dos teatros e igrejas do Rio de Janeiro, como compositor e pro-fessor, associou-se a Valentim Ziegler e abriu uma loja de venda de instrumentos musicais no Rossio (atual Praça Tiradentes) com a qual fez fortuna.

Em 1821, regressou a Lisboa juntamente com D. João VI, para continuar o negócio de venda de ins-trumentos musicais iniciado no Rio de Janeiro. Em 1859, por enfermidade em seus olhos, passou o seu negócio para o filho, Augusto Neuparth. Faleceu em 23 de junho de 1871, com a idade de 87 anos (VIEI-RA, 1900).

Por sua vez, Gaspar Campos, também citado em vários documentos como ‘Gaspar Catalão’ ou ‘Gas-par Catelão’ (CARDOSO, 2008) nasceu em 1790, em Barcelona. Estabeleceu-se posteriormente em Lis-boa e durante vários anos fez parte da orquestra do Teatro São Carlos de Lisboa. Em 1814, foi incorpora-do ao regimento de músicos do exército português. Em 1817, alistou-se na banda de música que acompa-nharia D. Leopoldina da Áustria para o Rio de Janeiro. Convidado a ficar no Brasil, foi admitido como músi-co da Casa Real em 26 de novembro de 1817.

Regressou a Lisboa em 1824 (WESTON, 1982), sendo novamente admitido como clarinetista da orquestra do Teatro de São Carlos. Permaneceu nessa posição até 1842, quando passou ao posto de solista, com a morte de José Avelino Canongia.

Campos também fez parte, em Portugal, da or-questra da Sé Patriarcal, foi fundador do Montepio Philarmonico – ambos em Lisboa e pertenceu à or-questra da Real Câmara de Lisboa, entre 1827 e 1834 (SCRERPEREEL, 1985, p.20). Faleceu em 01 de de-zembro de 1854.

Por ocasião de seu serviço fúnebre, publicou o jornal Revista dos Espetaculos: “Artista zeloso no cumprimento de seus deveres, o sr. Campos tinha tambem qualidades que o tornavam geralmente bemquisto dos seus collegas e fizeram que estes sentissem sinceramente a sua morte” (VIEIRA, 1900, p. 182).

Portanto, como se vê, a partir de 1817 – com a chegada de Eduardo Neuparth e Gaspar Campos – o ensino da clarineta começa a ser ministrado a aprendizes brasileiros nas bandas de músicas dos quarteis no Brasil de forma organizada. Ora, se D. Pedro I teve aulas com Eduardo Neuparth e Gaspar Campos, durante a presença de outros clarinetistas no Rio de Janeiro – inclusive Barros, Bosh e Silva, parece adequado dizer que, estes sim, eram os clari-netistas de maior competência e prestígio no Brasil dessa época.

A biografia desses clarinetistas confirma essa afirmativa, já que tanto Neuparth quanto Campos, apesar de não serem portugueses, atuaram na pres-tigiada orquestra do Teatro de São Carlos e tiveram imenso sucesso em suas carreiras, que foram de-senvolvidas em Portugal e, antes disso, em outros países europeus. Campos, após sua volta para Lis-boa, sucedeu, como solista da Orquestra do Teatro de São Carlos, um dos maiores clarinetistas virtuo-ses europeus de sua época: José Avelino Canongia. Por isso, parece razoável dizer que durante suas estadas no Rio de Janeiro, entre 1817 e 1821, estes acabaram por se tornar os primeiros professores de clarineta de que se tem notícia a atuar oficialmente no Brasil, sendo, comprovadamente, clarinetistas e músicos de indubitável qualidade.

Não esqueçamos destes nomes, Neuparth e Campos, como os primeiros destacados clarine-tistas a atuar no Brasil e que inauguraram o nosso ensino formal de clarineta. Que mais 200 anos se passem! Não deixemos as gerações vindouras se esquecerem de onde viemos e quem foram aqueles que contribuíram para o desenvolvimento da clari-neta no Brasil. Um povo que esquece seu passado não pode planejar seu futuro.VIVA EDUARDO NEUPARTH E GASPAR CAMPOS!!!

Bibliografia referenciada:

ANDRADE, Ayres de. Francisco Manuel da Silva e seu tempo. Vol. I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967.

BINDER, Fernando Pereira. O dossiê Neuparth. In: Rotunda: Campinas: UNICAMP, 2006, p. 71-101.

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CARDOSO, André. A Música na corte de D. João VI, 1808-1821. São Paulo: Martins, 2008.

CARVALHO, Luis Filipe Leal de. José Avelino Ca-nongia (1784-1842): virtuoso e compositor. Aveiro: Universidade de Aveiro, 2006. Dissertação de Mes-trado em Música.

FREIRE, Ricardo José Dourado. The History and Development of the Clarinet in Brazil. Michigan: Michigan State Univeristy, 2000. Tese de Doutora-do (DMA) em música.

SCHERPEREEL, Joseph. A Orquestra e os Instru-mentistas da Real Câmara de Lisboa de 1764 a 1834. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.SILVEIRA, Fernando José. Clarinetistas Portu-gueses no Brasil do Século XIX: sua influência na consolidação do uso profissional e do ensino da clarineta no Brasil. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2014. Pesquisa de Pós-Doutorado em Músi-ca (Musicologia Histórica).

VIEIRA, Ernesto. Diccionario Biographico de Musi-cos Portuguezes- historia e bibliographia da musica em Portugal. Lisboa: Mattos Moreira & Pinheiro, 1900.WESTON, Pamela. More Clarinet Virtuosi of the Past. Londres: Panda Press, 1982

Fernando José Silveira é Doutor em Música - Execução Musical/Clarineta pela UFBA com Pós-Doutorado na

área de Musicologia Histórica na Universidade Nova de Lisboa e Professor Associado de clarineta e música de

câmara do Instituto Villa-Lobos da [email protected]

A o longo dos séculos, a produção musical se viu imersa em uma infinidade de com-posições originais que, revolucionárias ou

não, moldaram a maneira de se compreender um discurso por meio dos sons. Compositores de diver-sos períodos e representantes de várias orientações estéticas contribuíram para tal. A linguagem da mú-sica ocidental culminou em inúmeras ferramentas e memórias composicionais e auditivas que seduzi-ram nossos ouvidos ao criar referências para quase tudo o que ouvimos hoje. Poucos sons são realmen-te “novos” e, mesmo sendo, ainda assim, nos reme-tem a memórias pessoais auditivas que nos tornam íntimos ao próprio discurso ao qual estamos sendo submetidos.

Paralelamente a esse interesse, mas muito mais recentes que as composições originais, as reelabora-

A importância das reelaborações: considerações sobre a prática

das reelaborações como processo

criativo e aplicação ao contexto do

claronepor Bruno Avoglia

co-autor Luís Afonso Montanha

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ções surgiram como traduções de um mesmo discur-so com intuito de “divulgar” ou “tornar possível a execução” de determinada obra musical. Posterior-mente, o significado de se criar uma reelaboração despedaçou-se em inúmeros cacos com motiva-ções diversas, podendo ser entendidos como uma nova concepção artística da obra. O interesse e as práticas nestes vetores de viés composicional das reelaborações ainda é pouco compreendido e seu estudo e análise não contemplam ainda a profundi-dade técnica e artística de tal realização.

Ao analisar algumas destas reelaborações, é pos-sível verificar diversas “anomalias” criadas tanto pelo próprio reelaborador como também pelo per-former que as executa. Tais “anomalias” são resul-tados da própria memória auditiva do reelaborador e também da sua maneira pessoal de recriar o dis-curso em sua mente. O resultado desse processo, executado tanto pelo performer como pelo reelabo-rador, acabam por gerar um “novo” discurso orien-tado por suas ideias.

A “escuta crítica”

Termo proposto por Peter Szendy (2008), a escu-ta crítica é pontual para descrevermos a ideia teórica que permeia a reelaboração e, portanto, justificá-la acerca de sua importância prática. Tal reflexão sem-pre indaga o reelaborador e seus ouvintes com a seguinte pergunta: porque fazer uma reelaboração? A resposta permeia um pensamento sobre o ouvir internamente, ou ainda, ouvir algo que realmente não está ocorrendo de maneira física e sim de ma-neira mental, no subconsciente. Trata-se de ouvir mais da obra do que o que está registrado no papel ou que está sendo executado pelos músicos, enten-dendo que esta existe além da interferência de seu compositor.

A reelaboração embasa-se na ideia de que há um questionamento do ouvinte por trás da escuta origi-nal da peça, que há algo ainda a ser dito dentro do mesmo discurso ou algo que possa ser alterado para ser compreendido por outro ponto de vista. Esse questionamento é, portanto, algo que transcende a audição da obra e existe na percepção do ouvinte. No momento em que o indivíduo escuta uma obra (aqui utilizaremos a especificidade relacionada à música, mas ainda entendendo que tais práticas aplicam-se profundamente a outras áreas como a arquitetura, pintura, escultura, entre outros), a me-mória e o diálogo com o material colocam-se em ebulição internamente. O discurso musical aplicado

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pelo compositor entra em contato com o imaginário dos ouvintes. Tal qual um recorte que o compositor encontra para comunicar sua obra, a escuta crítica pode propor outra observação da mesma obra.

Um intérprete musical, ao executar uma obra, se utiliza de sua audição da peça para criar o discurso de sua interpretação sem, no entanto, mudar uma nota sequer. Sua poética encontra-se na manipu-lação auditiva da música sem, contudo, desdizer o texto. O processo de reelaboração compete de uma relação semelhante à citada anteriormente. Neste caso, o reelaborador pratica sua interpretação do texto na reescritura: o objetivo e, portanto, o inte-resse de se realizar esse tipo de prática, consiste na ideia de interpretar um texto com um novo texto, se utilizando de ferramentas composicionais e não performáticas, que serão elucidadas no decorrer deste trabalho.

Ao vivenciarmos abertamente uma obra em qualquer segmento artístico, musical, visual, arqui-tetônico etc, iniciamos internamente um diálogo para com esta, de forma a tentar compreender ou simplesmente buscar algo da memória que nos re-lacione àquele instante, imagem ou escuta. Nasce, nessa interação, uma alegoria mental ou uma per-cepção pessoal e crítica acerca de seu significado, formado a partir da bagagem perceptiva daquele que a consome. Tal alegoria pode, em certo ponto, con-cordar ou até mesmo desconstruir uma ideia previa-mente concebida por seu idealizador (compositor, arquiteto, entre outros) tornando a “leitura” dessa experiência uma nova “concepção” da própria obra.

Entretanto, a nova construção da obra não se in-dividualiza tanto da concepção original a ponto de essa pertencer a um novo âmbito de expressão e ca-racterizar, portanto, uma nova obra. Mesmo poden-do existir maneiras do criador da obra “conduzir” seu apreciador a esta ou aquela conclusão, é impos-sível (e talvez pouco desejável) obter total controle acerca deste quesito. Ademais, torna-se pouco in-teressante para a obra e para o público apreciador, uma precisa e padronizada conclusão a esse res-peito. Retomando, a alegoria criada pelo público apreciador pode se converter em uma crítica “téc-nica” sobre a obra ou, como pretendemos elucidar neste trabalho, como ferramenta de importância à própria reelaboração artística, crítica e

dialógica da mesma obra.

Entender a reelaboração como processo criativo, artístico e recriador é fundamental para a dialógica

entre compositor e reelaborador, no qual o primeiro se converte em apreciador de seu próprio discurso, se utilizando de novas concepções, e o segundo tor-na-se criador crítico.

As representações das concepções de cada reela-borador podem, portanto, enriquecer o espectro da obra original, contribuir para seu discurso e conse-quentemente, contribuir para novas reelaborações.

A ciclicidade do procedimento é, portanto, a “crença de que uma coisa feita nunca está termina-da”, algo que agrega e que contempla o universo e o contexto da existência da própria obra. Obra essa que não existe em uma única maneira de expressão mas que, compreendida a ideia a respeito da reela-boração, poderá ser expressada de inúmeras manei-ras e estendida a diversas compreensões possíveis.

A performance, enquanto ferramenta dialógica, encontra-se em estágio profundamente mais avan-çado, ao comparar-se à reelaboração de uma obra, podendo ser encontrada em diversas execuções/proposições que desenvolvem intensivamente o discurso original utilizando-se dos mais diferentes artifícios para tal.

A “música popular” (termo bastante questioná-vel, mas que, no entanto, não vem ao caso sua discussão no presente texto) se utiliza dessas ferramentas de reelaboração, de forma profunda-mente mais respeitosa (entende-se por “respeito-sa”, neste caso, mais aberta a esta prática) que a “mú-sica de concerto” (termo igualmente questionável). Na primeira, é possível observar muito mais liberdade em se manipular o material a diferentes proposições expressivas, enquanto nesta última, a reelaboração caminha a passos largos, porém ainda submissos ao preconceito de tal prática.

A partir do discurso recriado, realizado na prá-tica da reelaboração, a obra ganha uma nova ‘escu-ta’: é possível perceber de maneira mais concreta as ideias e concepções do reelaborador, tendo esse, agora, interpretado a obra, não por meio da perfor-mance, mas, sim, pela reescritura da obra. Essa nova escuta pode agora propor o diálogo com a obra origi-nal, os intérpretes, os ouvintes técnicos e leigos, re-dimensionando o impacto da obra e entendendo-a como poética permanentemente em movimento.

O reelaborador, ao propor sua recriação, posi-ciona-se criticamente ao texto e oferece ao aprecia-dor a sua própria visão acerca da obra. O procedi-mento poderá ser observado inferindo em diversas

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questões técnicas e filosóficas da própria obra. Os reelaboradores e os performers têm em comum a liberdade de dialogar com o texto de maneira a res-significá-lo. Suas práticas propõem releituras de um mesmo material, podendo o reelaborador ser consi-derado um “performer do texto”.

O ineditismo de uma obra musical, sua primeira audição e suas indagações, certamente são suficien-tes para provocar no ouvinte uma reação crítica que poderia ser usada como material para uma reelabo-ração. Entretanto, o inverso, a familiaridade acerca da audição de uma obra, pode talvez trazer ainda mais indagações ligadas à reelaboração. Questio-nar algo já compreendido torna a experiência ainda mais rica.

Ao reconhecermos uma melodia, harmonia ou motivo de uma obra musical, já sabemos sucessi-vamente seus eventos e suas reviravoltas compo-sicionais. Esse fato pode, em alguns casos, causar certa monotonia no ouvinte. Em tempos nos quais, em geral, o repertório contemporâneo e as experi-mentações não são muito bem recebidos, lidar com algo reconhecido de maneira alterada pode oferecer uma experiência que contemple os dois lados: o da inovação e o da “aceitação”. São famosos os exem-plos de experiência de diversos compositores que “ousaram” demais para sua época e embora suas obras tenham de fato revolucionado a história da música, até hoje causam estranhamento em ouvi-dos mais leigos.

Tendo como base essas considerações, a reela-boração é uma ideia de reescritura (sendo essa pa-lavra entendida como sendo uma transposição para um novo meio) musical que pode englobar tanto a tradução, quanto a paráfrase, sendo, assim, a com-pleta alteração de um discurso para seu novo meio comunicativo, podendo alterar sua ordem e realçar certas informações, ainda assim, conservando seu significado original.

O Clarone e as reelaborações

A presença da clarineta baixo em novas obras composicionais ainda é considerada limitada. Mes-mo que utilizado pelos compositores atuais devido a sua funcionalidade e versatilidade, este instru-mento carece de mais diversificadas referências li-terárias.

O clarone vive ainda a aurora de seu desenvolvi-mento, seja em sua construção, seja em seu restrito repertório. Diferentemente de outros instrumentos

já consolidados por importantes obras de inúme-ros compositores, as obras, baseadas em uma lin-guagem, muitas vezes de vanguarda e de avançado nível técnico, refletem a natureza solística do ins-trumento. Ainda, o diminuto repertório orquestral e a discreta presença camerística retardam o conhe-cimento, desenvolvimento e utilização deste pelos compositores em inúmeras modalidades musicais.

O auge do desenvolvimento de sua construção, ainda não cumpre um papel consolidado, o que acarreta diversos desenvolvimentos técnicos em sua montagem com enorme rapidez ano após ano, forçando os instrumentistas a estarem permanente-mente compreendendo suas inovações.

Sobre o repertório da clarineta baixo, observa-se que é baseado principalmente em peças solo e qua-se em sua maioria escritas no período pós metade do século XX. Alguns importantes e pioneiros cla-ronistas tornaram-se referências técnicas do instru-mento e motivaram a composição de algumas des-tas peças. Entre estes, podemos citar os claronistas Henri Bok e Harry Sparnaay (Holanda), e Rocco Pa-risi (Itália). Entretanto, alguns instrumentistas e/ou compositores optam por adaptações e transcrições de algumas obras originais de diferentes instrumen-tos, observando nelas algum tipo de característica que transcende as particularidades do instrumento para a qual originalmente foram compostas.

Nesse caso, percebe-se que uma experimen-tação de timbre e técnica desse instrumento seria possível no intercâmbio de seu repertório com o de outros instrumentos e/ou mídias e, ainda, ofereceria aos seus executantes um maior delineamento de seus limites.

O caso da “Sequenza IX” (1998), de Luciano Be-rio, originalmente concebida para clarineta solo, mas que por meio da observação do claronista e cla-rinetista Rocco Parisi, obteve sua adaptação dedica-da à clarineta baixo aprovada pelo próprio composi-tor, em 1998. Neste caso, trata-se de um experimento e, portanto, um risco assumido por Parisi. A peça de Berio se constitui em uma obra já consagrada do repertório contemporâneo para clarineta, entretan-to, a referida adaptação de Parisi concebe um novo tratamento à sua interpretação ao clarone. A trans-posição, o âmbito da tessitura, os multifônicos e o gestual, foram reflexos de sua experiência ao claro-ne e entendidos por Parisi como material a ser rea-dequado na partitura, obtendo consequentemente um novo resultado musical.

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Excerto da reelaboração do Concerto de Carl Nielsen para Clarone, tal qual realizado no concerto descrito.

As adaptações acima citadas, de Rocco Parisi e Luciano Berio, consistem experimentos acústicos e refletem, no entanto, a necessidade de outras re-leituras, transcrições e experimentalismos, que po-dem oferecer aos instrumentistas (neste caso, os claronistas) um material inédito e que rompa com a estética original imaginada na obra, a fim de com-plementar e ampliar os recursos da própria.

Além destas, obras de outros períodos da Histó-ria da Música não devem ser negadas, para que pos-sam enriquecer esse repertório. A adoção do clarone em substituição a outro instrumento põe em risco sua funcionalidade característica e oferece novos “problemas técnicos” à estética original da obra. Essa, por sua vez, disseminará, como expe-rimento, novas visões formais e estéticas. As obser-

vações dessas adaptações poderão elucidar gestos característicos e particularidades da linguagem do instrumento, que auxiliarão nas escolhas para a ade-quação das novas partituras.

Entender os processos da reelaboração como complemento ao repertório de clarone ajudaria a enriquecer sua linguagem e técnica, ainda não total-mente explorados pelos compositores.

Algumas reelaborações para clarone ja foram executadas por alguns compositores e instrumen-tistas e citamos, como exemplo, a reelaboração do Concerto para Clarineta e Orquestra de Carl Nielsen, realizado por Luís Afonso Montanha junto à Or-questra Jovem do Estado de São Paulo. https://www.youtube.com/watch?v=A8-Y38r1toM

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Em outro exemplo, o clarone pode ser aplicado nas reelaborações de música de câmara ou de músi-ca orquestral, fazendo-o, assim, praticar linhas que originalmente seriam de outros instrumentos ou outras linhas compostas por mais de um instrumen-to. Nesse sentido, a literatura do clarone enriquece-se, de maneira a aprofundar o desenvolvimento do instrumento.

As práticas da reelaboração, mesmo que ainda pouco valorizadas, constituem-se em contribuições para a permanência, difusão e escuta críticas das obras originais e o aprofundamento da linguagem do clarone. Assim, o presente artigo nos permite concluir que sua realização apresenta profunda re-levância criacional e performática e seu interesse não se encontra somente na fidelidade ou na nega-ção, mas as suas práticas aprofundam o diálogo mu-sical atemporal, em todas as suas competências.

Referências Bibliográficas

PEREIRA, F. V. As práticas de reelaboração mu-sical. 2011. 308 f. Universidade de São Paulo, Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. v. 2 versões: original e corrigida após a defesa. São Paulo, 2011.

SANTOS, D. M. A reelaboração e a relação com a obra musical: uma reflexão sobre fidelidade, criati-vidade e crítica na prática de reelaboração musical. 2015, 108 f. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.

SZENDY. P. Listen: a history of our ears. Nova Iorque: Fordham University Press, 2008.

SZENDY, P. Arrangements, dérangements: la transcription musicale aujourd’hui. Paris: L’ Harma-ttan Éditions, 2000.

Bruno Avoglia:- Claronista do quinteto Viajando Pelo Brasil e Professor de Percepção e Análise Musical

da Universidade Federal do Mato GrossoE-mail: [email protected]

Excerto do Concerto para Clarineta e quinteto de Clarinetas* (Reelaboração) em que o clarone está escrito na última linha, tomando as partes de viola, violoncelo e contrabaixo.

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In Memoriam: Harry Sparnaay

O ícone do Clarone Harry Sparnaay faleceu às 9hs da noite do dia 12 de dezembro de 2017, com a idade de 73 anos, após perder sua batalha contra o câncer. Ele partiu em seu escolhido lar Lloret de Mar, Espanha, onde passou seus últimos dez anos de vida.

Harry Sparnaay foi um verdadeiro pioneiro do clarone e teve imensa responsabilidade pela emancipação do instrumento como instrumento solista e de música de Câmara. Ele apresentou o clarone para audições por todo o mundo e também para um vasto número de compositores dos quais ele desvendou infinitas possibilidades sonoras do instrumento, estendendo o arsenal de novos sons. O legado de Sparnaay compreende centenas de composições e gravações do mesmo.

Sparnaay foi também um dedicado professor educando centenas de estudantes pelo mundo. Após vencer a Gaude-amus Competition, em 1972, lhe foi oferecida a cadeira de professor no Conservatório Superior de Rotterdam, onde eu fui muito afortunado de fazer parte de sua primeira classe de clarone. Foi um privilégio ver como ele abordou as novas peças escritas para ele. Eu sempre vou me lembrar do enorme impulso, energia e entusiasmo de Harry.

O saxofone tenor, seu primeiro instrumento, foi um grande fator de vinculação entre ele e eu. Inspirado por gi-gantes do Jazz como John Coltrane e Eric Dolphy, nós dois queríamos nos especializar no saxofone e só pudemos fazer isso abraçando a clarineta. Quando Harry parou de tocar o clarone, alguns anos atrás, ele decidiu voltar ao saxofone tenor e formou uma banda com amigos para fazer algumas gigs em Jazz Clubs locais: o círculo estava completo.

Sou grato ao meu mentor Harry Sparnaay por me apresentar ao mundo maravilhoso do clarone. O mundo da clarineta sempre se lembrará dele por sua grandiosa contribuição à música.

Nós sentiremos falta de você, Harry!

Henri Bok.

(Tradução: Meryelle Maciente)

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Dica do mestre por Augusto Maurer

O que é mais importante para se apreender a tocar um instrumento musical: aptidão ou motivação ?

Professores de instrumentos musicais em escolas, tanto de nível médio como superior, se deparam frequentemente com a tarefa de selecionar candidatos às suas classes. Na maioria das vezes, em escolas públicas, o número de candidatos supera o de vagas oferecidas. O problema não é tão acentuado no ensino privado, institucional ou individual, já que, nestes casos, os valores a serem pagos pela instrução costumam restringir a demanda.

Então, a discussão abaixo se refere, principal ou exclusivamente, aos ritos de acesso ao ensino público de execução de instrumentos musicais. Antes, porém, de a ela proceder, cabe uma observação sobre o fato de eu haver desistido, há muitos anos, de ministrar aulas particulares de clarineta. A razão é bem simples: professores particulares, autônomos ou em instituições de ensino, geralmente não se encontram em posição de poder selecionar alunos com os quais queiram trabalhar - já que, na medida em que um preço é

estipulado pelas aulas a serem ministradas, fica o instrutor refém de quem quer que possa e se disponha a investir o valor cobrado pela instrução.

O acesso praticamente universal a este tipo de ensino, i.e., mediante o pagamento de mensalidades ou honorários por aulas recebidas, pode parecer, de início, mais democrático. Apenas, no entanto, até considerarmos o alto índice de evasão ou frustração persistente quando da abolição da exigência de condições iniciais, das quais trataremos adiante.

Antes, porém, de examinarmos estas condições, necessariamente polêmicas, devemos ressalvar que nosso foco é exclusivamente o aprendizado da execução de instrumentos musicais para alta performance, usualmente (mas não necessariamente) associada à música orquestral e de câmera – as quais, para a aquisição de alguma proficiência, são exigidos anos de dedicação concentrada, com várias horas de prática diária. Tais pré-requisitos demandam, por si só, um perfil bem específico de qualquer aspirante.

Dito isto, reafirmamos a convicção de que a educação musical básica, também conhecida

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como musicalização, deve ser franqueada a todo aluno matriculado em redes escolares, independentemente de motivação ou aptidão prévias. Feita esta distinção entre o ensino musical básico, que deve ser disponível a todo cidadão, e o especializado, voltado ao músico profissional, devemos também distinguir quais os instrumentos mais adequados a uma e a outra. Pois não há qualquer propósito em submeter precocemente alunos em processo de musicalização às complexidades de execução dos instrumentos que fazem parte de uma orquestra sinfônica. Para tanto, teclados, violões e flautas doces oferecem uma oportunidade de aprendizado muito mais intuitiva e amigável a iniciantes – os quais, uma vez tendo optado por se aprofundar na arte da execução musical, poderão mais adiante, já musicalizados, escolher instrumentos de manejo mais complexo. Além disso, ensinar música e a tocar um instrumento complexo ao mesmo tempo é um tremendo convite à perda de foco numa coisa ou noutra, quando não nas duas.

Por vezes, professores e instituições de ensino privados, mesmo percebendo que alguns alunos não chegarão a adquirir a necessária proficiência como instrumentistas, insistem em ministrar aulas aos mesmos. Fazem isto na melhor das intenções, amparados pela justificativa de um acesso universal e democrático à instrução. Só que, nestes casos, acabam por levar tais alunos, na melhor das hipóteses, à perda de tempo e, na pior, a frustrações de tratamento mais complexo. Nestes casos, ainda que o pretexto – a saber, o de dar oportunidade a todos – seja dos mais altruístas, a razão oculta – que muitas vezes é a de maximizar o número de alunos e, com isto, os ganhos – pode não ser tanto. O que temos, então, é que uma iniciativa que era para ser mais democrática acaba se tornando, no máximo, demagógica.

Já professores de instituições públicas que oferecem ensino gratuito - cujo tempo de atenção docente, portanto, não está à venda – se encontram na posição privilegiada de poder favorecer aqueles aspirantes que, independentemente de condição econômica, apresentem o melhor elenco de condições iniciais. É do peso relativo de duas variáveis deste complexo – a saber, a motivação e a aptidão prévia – que trataremos no restante deste texto.

* * *Da aptidão préviaCandidatos aspirantes ao curso de extensão

em clarineta na UFRGS não são submetidos a

quaisquer testes de aptidão prévia. Como únicas condições iniciais, devem possuir um instrumento viável (i.e., afinado, equilibrado e cuja ergonomia não dificulte, ao invés de ajudar, o processo de aprendizagem de quem o manuseia) e ter algum domínio sobre a leitura musical.

Tal protocolo de acesso está longe de ser o mais comum, já que cursos de música com demanda de vagas maior do que a oferta costumam condicionar a aceitação de novos alunos à demonstração de alguma habilidade previamente adquirida por cada candidato na execução do instrumento de sua escolha. Para tanto, realizam testes seletivos cujo repertório pode incluir estudos técnicos, obras pré-determinadas e de livre escolha, solfejo e leitura à primeira vista ao instrumento.

Além disso, se é que existe algo como uma aptidão ao aprendizado da execução de um instrumento musical, esta não pode ser avaliada por meio de um teste realizado num único instante mas, tão somente, em duas ou mais ocasiões consecutivas nas quais o professor fornece, inicialmente, a cada candidato um conjunto de orientações e, posteriormente, verifica o progresso do aluno após dias de prática sob as mesmas. Ora, é claro que a realização de processos seletivos sob tais premissas se situa bem longe das possibilidades e da prática comum no ensino institucional. Então, não tendo como acessar e avaliar aptidões desta maneira e também no intuito de não desfavorecer aspirantes com grande potencial mas pouca habilidade já adquirida, abandonei totalmente a realização de testes seletivos.

Influenciado por práticas institucionais, também condicionei, num passado remoto, o ingresso de novos alunos de extensão a demonstrações de aptidão prévia. Só que, com o passar do tempo, fui verificando que tais demonstrações podem, muitas vezes, não ter qualquer correlação com o potencial de cada aluno para a aquisição de proficiência na execução do instrumento. Isso porque muitos dos que demonstravam, ao ingressar no curso, a melhor aptidão prévia – adquirida, por vezes, por razões alheias à sua vontade – vinham mais tarde, ao tomar contato a alta exigência do universo da execução musical, a abandonar os estudos. Ao mesmo tempo, vários alunos que chegaram ao curso com uma proficiência bem mais modesta ou mesmo “começando do zero” progrediram muito mais do que o restante dos colegas.

* * *Da motivação

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Augusto Maurer é primeiro clarinetista da OSPA e professor do Instituto de Artes da UFRGS. Cursou mestrado na Manhattan School of Music como bolsista da CAPES. Tocou em CDs do Trio de Madeiras de Porto Alegre, do Fábio Mentz Quarteto, de Leonardo Winter e do Coral Porto Alegre. Foi solista junto à OSPA e às orquestras de câmera de Blumenau, do Theatro São Pedro, da Ulbra e da Unisinos. É autor do blog impromptu.

Todo candidato a frequentar o curso de extensão em clarineta da UFRGS – para o qual, repito, não é submetido a nenhum processo seletivo formal – é por mim advertido de que meus esforços iniciais serão no sentido de, por meio do esclarecimento honesto e precoce sobre as complexidades envolvidas na execução artística do instrumento, lhes fazer desistir de investir tempo, concentração e energia em algo tão exigente caso não estejam plenamente conscientes das implicações da opção para suas vidas futuras. Depois de algumas semanas, os que desistem agradecem e os remanescentes costumam ser bem mais focados e dedicados do que a maioria dos que frequentam classes demagógicas mais populosas.

Em substituição aos testes seletivos, passei a submeter todos os candidatos a uma entrevista informal na qual falo bastante do que entendo serem os principais pré-requisitos para um bom progresso na aprendizagem da execução da clarineta e, principalmente, procuro sondar a motivação de cada um para ter decidido dedicar tanto tempo de sua vida ao instrumento. Com isto, os apenas curiosos se assustam, agradecem e se retiram.

Aos que ficam, pergunto quais são suas fantasias de palco. Normalmente, ninguém assume ou sequer entende o que estou a perguntar. Explico: quero saber em que contextos se imaginam tocando clarineta daqui a 5 ou 10 anos. É aí que ouço de tudo, desde tocar em bandas e orquestras sinfônicas, até em conjuntos de música popular (curiosamente, poucos se imaginam tocando música de câmera). É quando declaro que todos estes não terão problemas em enfrentar a árdua dedicação necessária, por estarem suficiente e saudavelmente motivados.

A parte problemática do grupo é a dos que pretendem aprender a tocar clarineta como uma atividade solitária, a ser exercida longe de outros ouvintes e tão somente em busca de prazer pessoal. A estes, afirmo categoricamente que tocar apenas para si próprios não constitui motivação suficiente para se encarar a dedicação e concentração necessárias por anos a fio até a obtenção de uma execução minimamente prazerosa para si, que dirá para os outros. Também explico a diferença entre instrumentos musicais profissionais e pedagógicos - distinção óbvia para músicos, mas nem sempre clara para leigos - e sugiro, na maioria das vezes, aos “músicos solitários”, a aquisição e o aprendizado de um teclado eletrônico ou outro

brinquedo musical.Por que considero a fantasia de palco, qualquer

que seja, tão importante ? Ora, porque ainda acho (ao contrário de muitos compositores acadêmicos, desde o célebre manifesto de Milton Babbitt, “Who cares if you listen ?”, de 1958) que a componente comunicativa seja uma parte inalienável da música. Ou, noutras palavras, que toda música depende, para sua legitimação, de sua capacidade de estabelecer uma ligação cognitiva e emocional entre ouvintes e executantes. Então, o desejo de tocar em público para, de algum modo, encantar os outros é essencial para que qualquer um tenha a motivação sustentável necessária durante o longo e exigente caminho da aquisição de competências musicais.

Com o tempo, passei a chamar, para choque daqueles mais favoráveis a uma educação demagogicamente inclusiva, a prática acima descrita de pedagogia da desistência precoce.

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NORMAS PARA SUBMISSÕES

DE TRABALHOS PARA PUBLICAÇÃO

A revista CLARINETA é uma revista acadêmica que visa divulgar co-nhecimentos científicos, artísticos, pedagógicos e técnicos referentes a área de clarineta no Brasil, mas não se restringindo apenas a este país. Ela recebe submissões de textos para publicação para suas diversas seções (artigos, entrevistas, resenhas etc).

Os textos publicados serão aqueles recomendados por dois parece-res da equipe editorial. Os pareceristas serão de região(ões) e institui-ção(ões) diferentes da(s) do(s) autor(es) das submissões. Eles emitirão pareceres pelo sistema single blind, onde o manuscrito é avaliado com o(s) nome(s) do(s) autor(es). Todo texto será avaliado, primeiramente, por dois pareceristas e, em não havendo concordância, será acionado um terceiro. O conteúdo dos textos é de responsabilidade do(s) autor(es).

Em relação a artigos, serão aceitas submissões de artigos científicos e empíricos referentes a pesquisas concluídas. Cada artigo deverá incluir resumo, abstract, cinco palavras-chave, texto e referências, contendo até 25.000 caracteres com espaços, em arquivo Word (.doc). Quanto às sub-missões dos outros formatos de textos, será considerada a relevância de suas contribuições histórica, teórica, artística, pedagógica e/ou prática. A submissão de resenhas poderá ser sobre gravação, vídeo, artigo, livro, ma-terial didático, partitura (composição, arranjo e adaptação), dissertação e tese. A submissão de notícias deverá ser sobre eventos a ocorrer ou ocor-ridos após o último número da revista. Para entrevistas serão aceitos tex-tos com até 10.000 toques, para a “Dica do Mestre” até 8.000, para cada resenha 2.000, e notícia 1500.

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