67
revista de assuntos eleitorais ISSN : 0871 - 7451 NÚMERO 5 Ministério da Administração Interna Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral 25 Anos depois... Os “Media” e as sondagens (Breve reflexão) A dimensão da A.R. e o modelo de representação como garante do princípio de proporcionalidade Contencioso eleitoral O universo eleitoral português em números. Uma velha questão revisitada

revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

r e v i s t a de a s s un t o s e l e i t o r a i s

ISSN : 0871 - 7451

MER

O

5

Ministérioda Administração

Interna

Secretariado Técnicodos Assuntos para oProcesso Eleitoral

• 25 Anos depois...

• Os “Media” e as sondagens (Breve reflexão)

• A dimensão da A.R. e o modelode representação como garante do princípio de proporcionalidade

• Contencioso eleitoral

• O universo eleitoral portuguêsem números. Uma velha questão revisitada

Page 2: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes
Page 3: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

r e v i s t a de a s s un t o s e l e i t o r a i s

Page 4: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

2

ELEIÇÕESRevista de assuntos eleitorais (*)

N.º 5 - Abril de 1999

PROPRIEDADE:Ministério da Administração Interna

Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral

DIRECÇÃO:Maria de Fátima Ribeiro Mendes

COORDENAÇÃO TÉCNICA:Jorge Miguéis

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO:STAPE - Av.ª D. Carlos I - 134 - 1249 -104 LISBOA

CAPA E ARRANJO GRÁFICO:Mário Pacheco e Joaquim Ferrada

EXECUÇÃO GRÁFICA:SETA - Comunicação

ISSN:0871 - 7451

DEPÓSITO LEGAL:41658 / 90

(*) Título anotado pelo Instituto da Comunicação Social

Page 5: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

3

• 25 ANOS DEPOISLuís Parreirão 5

• CONTENCIOSO ELEITORALFrancisco Soares 8

• A DIMENSÃO DA A.R. E O MODELO DE REPRESENTAÇÃOCOMO GARANTE DO PRINCÍPIO DE PROPORCIONALIDADE

Paulo Morais 18

• CONTENCIOSO ELEITORALMessias José Caldeira Bento 30

• O UNIVERSO ELEITORAL PORTUGUÊS EM NÚMEROS.UMA VELHA QUESTÃO REVISITADA

Paulo Machado 55

Índice

Page 6: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes
Page 7: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

0 recenseamento eleitoral é,pois, um dever da Administraçãoperante os cidadãos e destesperante o próprio Regime De-mocrático.

0 Governo a que tenho ahonra de pertencer, ciente destasua obrigação, inscreveu no seuPrograma um conjunto de acçõesdestinadas à adequação da"máquina eleitoral" ao pleno exer-cício da cidadania.

Dando cumprimento ao seuPrograma foi concluído, em 29 deMaio de 1998, o processo deactualização extraordinária dasinscriçoes no recenseamento elei-toral, nos exactos termos em quea Assembleia da República ohavia determinado.

Este processo visou, em pri-meira linha, a constituição de umabase de dados central, actualizadae actualizável, enquanto instru-mento de gestão do recensea-mento eleitoral.

A Revista "Eleições" é umaconsequência directa e relevantedo Sistema Democrático Portu-guês, instaurado há 25 "Abri's"atrás.

É, pois, com esse espírito,sempre renovado, de exercíciocívico da cidadania, só possívelem Democracia que aceitei o gra-tificante desafio do STAPE paracolaborar em mais um número deuma revista só possível numaSociedade Livre, Participada eDemocrática como a Portuguesa.

Ao STAPE, como serviçointegrado no Ministério daAdministração Interna responsávelpela Administração Eleitoral, cabeuma posição privilegiada na reali-zação plena do direito imanenteao próprio conceito deDemocracia - o direito de sufrágio.

Contudo, o exercício do direi-to de sufrágio pressupõe, ele pró-prio, a plena realização prévia deum dever - o dever de recensea-mento eleitoral.

5

25 ANOS DEPOIS ..- Luís Parreirão

Secretário de Estado da Administração Interna

Page 8: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

6

Definiu a Lei n.º 130-A/97, de31 de Dezembro, como objectivoda actualização extraordinária dorecenseamento eleitoral a elimina-ção de inscrições indevidas oumúltiplas.

Cumprimos, no prazo estabe-lecido, o objectivo de possuirmosum Recenseamento Eleitoral fiá-vel, actualizado e permanente-mente actualizável.

Só deste modo é possívelassegurar aos nossos concida-dãos a veracidade das suas op-ções eleitorais ou referendárias.

Este foi um processo seguro,tecnicamente evoluído e rigorosonos encargos. 0 que fizémos e oque conseguimos para Portugal epara a Democracia Portuguesa é,assim o cremos, uma mais-valiapara todos os portugueses.

Cientes do carácter extraordi-nário da operação de actualizaçãodo Recenseamento Eleitoral, lan-çámos uma inédita campanha deconsulta dos novos cadernos elei-torais, alertando os cidadãos parao imperativo da confirmação dainscrição. Pela primeira vez emPortugal, as inscrições no recen-seamento eleitoral puderam serconsultadas pela utilização demeios alternativos à tradicionaldeslocação à Junta de Freguesia -

Internet, Caixas Multibanco, LinhaVerde e Postos Fixos e Móveis,numa afirmação de modernidadeem que o ano de 1998 foi pródigo.

Estão, de agora em diante,criadas as condições para que agestão do recenseamento eleitoralse desenvolva segundo processosde tratamento automático da infor-mação, obviando a muitas das difi-culdades que de outro modo difi-cilmente seriam ultrapassáveis.

Chegados as este ponto háque adequar o sistema jurídico ànova realidade.

Para tanto, o Governo propôsà Assembleia da República umanova Lei do Recenseamento Elei-toral. Este novo instrumento legalacolhe, no seu articulado, normastendentes à adopção da gestãoinformatizada do recenseamento.

De facto, o diploma encontra-se, na sua globalidade, imbuído deuma nova filosofia de organizaçãoe gestão do processo de recen-seamento, expressa nos princípiose regras nele plasmados , desig-nadamente no princípio do recen-seamento contínuo e permanente,na gestão centralizada dos dadose consequente actualização, naeliminação de procedimentos bu-rocratizantes do processo, de que

Page 9: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

7

Cada unidade de recensea-mento eleitoral dispõe, agora, deum micro-computador, de umaimpressora, de um fax/modem, dabase de dados correspondente aouniverso eleitoral da freguesia, eestá equipada com um programainformático, especialmente conce-bido para o manuseamento dainformação desse universo deeleitores.

Acreditamos, pois, que o anode 1998 será recordado como oano que marcou a informatizaçãoda gestão e manutenção dosficheiros de recenseamento doseleitores à escala nacional.

Também a AdministraçãoEleitoral deu em 1998 passos degigante para a consolidação deuma imagem nacional de moderni-dade e rigor.

Temos, portanto, fortes ra-zões para crer que o futuro daAdministração Eleitoral em Por-tugal se move em torno de umalógica assente na veracidade, natransparência , na universalidade,na permanência e na unicidade doRecenseamento Eleitoral comosustentáculo da legitimação doexercício do Poder Democrático.

é claro exemplo a supressão dedocumentos que ora se tornamdesnecessários e na criação deum conjunto de regras que possi-bilitam um mais activo empenha-mento e participação dos cidadãosno processo de recenseamento.

Este novo sistema, assenta,pois, em princípios jurídicos fun-damentais e caracterizadores doRegime Democrático, e numa ba-se de desenvolvimento tecnológi-co inegavelmente ao serviço doscidadãos.

Daí a preocupação de dotartodos os agentes activos no pro-cesso de recenseamento dosmeios técnicos adequados à ple-na realização do novo modelo.

Assim, lançou o Ministério daAdministração Interna o Programade Informatização das Juntas deFreguesia, no âmbito do Recen-seamento Eleitoral. 0 objectivo édispor de uma malha informática àescala local, assegurando umagestão informatizada dos fluxos deentrada de novos eleitores, de eli-minações por óbito e por transfe-rência de residência, em estreitaarticulação com a Base de DadosCentral, com claros benefíciospara a qualidade global do recen-seamento eleitoral.

Page 10: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

8

Na sociedade crescentemen-te mediatizada em que vivemos, opapel dos meios de informação naauscultação e medição da opiniãopública é duplo: por um lado, infor-mar sobre o resultado dos estudosde opinião (vulgarmente referidoscomo “sondagens”) e, por outro,patrocinar ou encomendar a res-pectiva realização. Mas como aimprensa escrita, a televisão e, emmenor escala, a rádio são as prin-cipais fontes do que os cidadãossabem acerca de sondagens, jáque só uma minoria (os “clientes”directos ou indirectos) têm acessoaos relatórios dos estudos efec-tuados, é necessário que hajaconsciência clara do duplo risco aque isto os expõe.

Com efeito, muitas organiza-ções, grupos de pressão ou parti-dos que promovem estudos deopinião tentam manipular os“media” levando-os a noticiarresultados desses estudos deforma a servir os seus objectivosou interesses. Na política, porexemplo, os partidos ou candida-tos muitas vezes tentam obtercobertura favorável de sondagens,que eles próprios promoveram,através de fugas controladas deresultados.

Por outro lado, alguns dosmais publicitados estudos de opi-nião são promovidos pelas esta-ções de televisão, jornais e revis-tas, crescentemente funcionandoem “pool”, para repartir custos eaumentar a difusão. Ou seja, sãoos próprios “media” a criar “núme-ros” acerca da “opinião pública” eque, de seguida, se tornam o pre-texto para notícias e análises dosmesmos “media”. Ora, para mui-tos, isto pode gerar conflitos deinteresse, já que a própria defini-ção do que é “notícia” pode serinfluenciada pelos estudos promo-vidos acerca de assuntos específi-cos. Para além disso, o facto dehaver órgãos de informação quefazem investimentos significativosem “máquinas” ou em contratospara levar a cabo estudos de opi-nião pode criar a tendência parausar esses meios mesmo quandoo assunto não o justifique, pelomenos nos termos usados, e sócom a preocupação de “amortizar”o investimento.

Nesta necessariamente brevereflexão sobre o tratamento dosestudos de opinião pelos órgãos deinformação preocupamo-nos ape-nas com dois aspectos: a apresen-tação das características técnicas

OS “MEDIA” E AS SONDAGENS (Breve Reflexão)- Francisco Soares

Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão - Lisboa

Page 11: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

ciada (e, em qualquer caso, estan-do à disposição do público) nadivulgação feita pelos órgãos deinformação. Isto é, não basta queo “cliente” tenha a “ficha”, devendoresponsabilizar-se pela sua divul-gação.

Mesmo admitindo que asempresas e institutos de sonda-gens (referir-nos-emos a sonda-gens, para simplificar, mas abran-gendo estudos de opinião diver-sos) aderem a estas regras, ficalonge de estar garantida a protec-ção do público, já que tudo (ouquase) depende da atitude toma-da pelos órgãos de informaçãoque noticiam os resultados (àsvezes citando outros, caso dasrádios ou televisões, ou mesmojornais). Em princípio, tudo deve-ria correr bem quando o instituto,empresa ou centro responsávelpela realização da sondagem e omedium divulgador integram amesma organização; mas nemsempre é assim, como se sabe.Por outro lado, se esta proximida-de não se verifica, o risco degrandes desvios em relação auma adequada divulgação daficha técnica aumenta, tanto maisquanto o relatório da sondagem,“press release” ou notícia passama ser públicos e livremente citá-veis por terceiros.

Para complicar as coisas,devemos ainda atender a quepode ser do próprio interesse do“sponsor” da sondagem não divul-

da sondagem ou estudo de opinião(a chamada “ficha técnica”); e o tra-tamento dos resultados e as inter-pretações feitas com base nos ele-mentos obtidos.

1. A ficha técnica

Em muitos países, e quasesempre voluntariamente, as em-presas, institutos ou outras organi-zações que efectuam sondagense estudos de opinião integram as-sociações profissionais ou simila-res ou, por forma indirecta, ade-rem ou adoptam regras e princí-pios a observar na divulgação dosresultados.

Entre essas regras estãoquestões como: quem encomenda(ou paga) o estudo; datas e méto-dos das entrevistas; população(universo); dimensão e caracteri-zação da amostra e técnica utiliza-da para a obter; dimensão e des-crição das sub-amostras, se rele-vante; perguntas efectuadas ereferentes aos resultados divulga-dos (em detalhe e com a respecti-va ordem); clara ligação entre con-clusões tiradas e as percentagensque as suportam.

Para além disso, é geralmen-te recomendado que a empresaou instituto responsável pelo estu-do procure assegurar que esta “fi-cha técnica” é incluída ou referen-

9

Page 12: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

gar todos os seus aspectos técni-cos, particularmente se há inten-ção deliberada de manipulaçãocom vista a obter um dado conjun-to de resultados.

A não divulgação de todos osaspectos relevantes pode ter boasjustificações (mais nos media au-diovisuais do que na imprensaescrita), sobretudo devido a limita-ções de espaço/tempo. Mas, ha-vendo preocupações de rigor, seráquase sempre possível, pelo me-nos, evidenciar limitações ou re-servas que o público deva conhe-cer. Isto é tanto mais importantequanto a análise efectuada se refi-ra a um subconjunto de um ques-tionário mais vasto, e em que ostópicos analisados e o seu enqua-dramento podem afectar de formaimportante os resultados.

Mas ainda mais grave, talvez,do que a não divulgação de as-pectos relevantes da “ficha técnica”é, por paradoxal que possa pare-cer, a referência a aspectos parce-lares da mesma sem a convenien-te explicação ou até induzindo fa-cilmente o público em erro. Parailustrar esse ponto bastar-nos ácitar, por todas as outras, a ques-tão da “dimensão da amostra”.

Para um público não informa-do (a esmagadora maioria), existea vaga noção de que a amostra-

gem procura criar um “microcos-mos” da população, sendo alta-mente “misterioso” como isso éconseguido. A errada percepçãoexistente sobre esta questão éenormemente ampliada pelos“media”, através da desusadainsistência com que referem adimensão da amostra e a corres-pondente “margem de erro”.

Ora, a qualidade de uma son-dagem resulta da “intersecção” daqualidade observada em cada umadas suas etapas – de que a amos-tragem é apenas uma. E, emboraexistam compromissos entre a con-cepção, métodos e análise usados,deficiências em qualquer pontopodem comprometer toda a sonda-gem. Ou seja, uma sondagem é tãoboa quanto a pior das suas etapas.

O uso e abuso da caracteri-zação de uma sondagem como,basicamente, uma questão dedimensão da amostra e margemde erro obscurece dois pontos fun-damentais.

Em primeiro lugar, subestimatoda a complexidade inerente àobtenção de uma “boa” amostra eà avaliação das suas limitações.Isto é, ignora, entre outras, ques-tões como pessoas que não estãoem casa, casas sem telefone, pes-soas que se recusam a participar(de todo ou nalgumas questões),

10

Page 13: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

para além do próprio método deselecção primário usado.

Em segundo lugar, e talvezaté mais importante, é subestima-da a enorme quantidade de erros(para além do de amostragem)que pode afectar os resultadosobtidos, como a forma como asquestões são elaboradas, a suaordenação e o “grau de cristaliza-ção” da opinião pública sobre umdado tema.

2. A qualidade e o controle da amostragem

Com vista a limitar o “erro deamostragem”, são necessários es-peciais cuidados na concepção eimplementação do processo deamostragem. Não sendo o objecti-vo destas breves notas tratar emdetalhe estas questões, cabe ape-nas referir alguns aspectos básicos.

O objectivo ideal é o de asse-gurar que todos os indivíduosmembros da população (universo)a estudar tenham uma dada (eigual) probabilidade de seremincluídos na amostra. Mas o“mundo real” impõe enormes res-trições a uma amostragem aleató-ria simples, pelo que diversas téc-nicas são usadas para, em linhacom a Teoria das Probabilidades,assegurar uma dada estrutura daamostra e assim permitir a deter-

minação de “probabilidades deselecção” em cada fase e influen-ciando o “erro de amostragem” – amargem à volta de um valor obtidoque deve ser considerada paraacomodar a probabilidade daamostra não ser representativa.

O plano de amostragem parauma sondagem implica uma sériede compromissos entre os objecti-vos de encontrar um processo deentrevistar com custos controla-dos e de limitar a variância daamostra.

O custo depende sobretudodo número de entrevistas e do res-pectivo grau de dificuldade (porexemplo, entrevistas por telefonesão mais baratas do que as pes-soais; tentativas de entrevistar amesma pessoa após um primeiro“não está” ou “não atende” encare-cem o custo por entrevista; ques-tionários longos são mais caros).A variância, por outro lado, refere-se à maior ou menor dispersãodos resultados se um númeromuito grande (“infinito”) de sonda-gens fosse levado a cabo simulta-neamente, usando a mesmametodologia e fazendo as mes-mas perguntas. Em regra, quantomenor a variância maior a confian-ça nos resultados obtidos.

Com vista a compatibilizar,parcialmente, os objectivos deminimização da variância e deredução de custos, há normal-

11

Page 14: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

mente três técnicas auxiliares quesão usadas na definição da amos-tra: estratificação, sobreamostra-gem e “clustering”.

A primeira é talvez a maisconhecida e leva a escolher sub-amostras (de acordo com a distri-buição da população por regiões,por exemplo).

A segunda consiste na selec-ção de uma ou mais sub-amostrasda população, com dimensãosuperior á respectiva proporçãonessa população com vista aassegurar um número suficientede entrevistas em cada subgrupo(e para que, portanto, a margemde erro respectiva não ultrapassedados limites). Esta técnica deve-ria, claramente, ser mais usada,sobretudo quando é dado relevoàs posições de subgrupos dapopulação.

Por último, o “clustering” é atécnica mais complexa, e aquelaonde o compromisso é mais vinca-do. Trata-se, por exemplo, decomeçar por seleccionar aleatoria-mente localidades e depois, emcada uma, um certo número deentrevistados. Num extremo selec-cionar-se-iam tantas localidadesquantos os entrevistados pretendi-dos (um por localidade), com umcusto proibitivo; no outro, seleccio-nar-se-ia, uma localidade e far-se-

iam todas as entrevistas aí, comrisco de enorme variância daamostra dadas determinadascaracterísticas de homogeneidadepresentes no cluster “localidade”.

3. Alguns exemplos de outras fontes de erro

Referiremos de seguidasituações e técnicas cuja escolhaé determinante na qualidade deuma sondagem, para além daamostragem, que raramente sãoreferidas ou cuja importância nemsempre é apreendida, e que sãoresponsáveis por uma série deerros de maior ou menor importân-cia

Entrevistas telefónicas

Hoje em dia, por razões derapidez e, sobretudo, de custo,muitas sondagens são telefónicas.Não cabe aqui discutir os inúme-ros problemas adicionais que asentrevistas telefónicas colocam,desde os métodos de selecçãodos números (e muitos lares não otêm) de telefone até ao tratamentodos não listados, dos “não atende”, dos “não residenciais” e dos quese recusam a responder (e que,em certos tipos de temas, tendema ser em maior número do que nasentrevistas em pessoa). Mascaberá salientar que há caracterís-ticas da entrevista directa que nãopodem ser replicadas por telefone.

12

Page 15: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

Para além de uma relação oumesmo empatia só possível na pri-meira, não podem ser usados car-tões, fotografias, gráficos, etc. e, oque é muito importante em sonda-gens sobre intenções de voto, nãopode ser usada a simulação dovoto em urna fechada.

Ponderar ou não?

Outra questão importantepara a validade dos resultados deuma sondagem tem a ver com aexistência ou não de “pondera-ções”. A ponderação de resulta-dos, se feita criteriosamente, nãotem nada a ver com “martelar osresultados”, como por vezes é in-sinuado, mas visa antes corrigirdeficiências dos métodos de a-mostragem que levam a que nemtodos os membros da populaçãotenham igual probabilidade de serseleccionados. A “estratificação ex-post”, desde que baseada eminformação fiável sobre determi-nadas características da popula-ção, é um método que pode cor-rigir alguns enviesamentos e assimreduzir a variância das estimaçõesfeitas a partir de uma amostra.

Como medir a abstenção?

A questão da “abstenção” édas mais importantes e tambémdas menos “atendidas” na realiza-ção de sondagens. Estudos efec-tuados permitem concluir que,

quanto menor a abstenção numaeleição, melhores se mostram,“ceteris paribus”, as sondagensrealizadas antes, e que quantomelhor uma sondagem conseguediferenciar os que irão votar dosque não votam mais “exactos”serão os seus resultados. Paraalém das perguntas directas sobrea intenção do entrevistado quantoa ir ou não votar, há diversosmétodos que podem ser usadospara, a partir das respostas aoutras questões e das característi-cas do entrevistado, “graduar” ou“ponderar” os resultados.

Controle

Um aspecto crítico e tambémdemasiadas vezes negligenciadoé o do controle de qualidade daamostra e das entrevistas (o “tra-balho de campo”). Se em relaçãoa alguns aspectos sistemáticos asupervisão das entrevistas telefó-nicas é mais fácil, já em relação aoutros a simplificação do processotorna o controle de qualidademuito mais difícil ou até impossí-vel.

A forma e a ordenação dasperguntas

Esta é, sem dúvida, uma dasquestões que mais podem influen-ciar os resultados de uma sonda-gem. A sua importância é tal que,se possível, todas as análises de

13

Page 16: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

sondagens deveriam incluir, na“ficha técnica”, o questionário utili-zado. No entanto, isso raramenteacontece.

Há, basicamente, quatro gran-des questões na construção de umquestionário: a presença ou não dealternativas (questões fechadas, ouabertas); a inclusão de posição ouposições intermédias em relaçãoaos extremos (e o seu número parou ímpar); a referência a nomes ouinstituições conhecidos e respeita-dos; e a ordenação das perguntas.Esta última pode ser decisiva, so-bretudo entre os inquiridos menosinstruídos ou cultos, que mais facil-mente podem ser influenciados.

A cristalização das opiniões

Quer a sondagem diga res-peito a intenções de voto quer aoutras questões, o sentido dasrespostas obtidas não pode sercompletamente apreendido se nãohouver alguma indicação da “in-tensidade” com que as opiniõessão afirmadas.

Isso é tanto mais claro quan-to é hoje dado como adquiridoque a mais forte componente naexplicação das mudanças de vototem a ver com a flutuação dosvotantes “ao centro”, precisamen-te aqueles em que as convicçõessão menos firmes e mais voláteis.

Só que esta volatilidade tantopode implicar decisões de últimahora que geram autênticas sur-presas como pode levar à saídalógica para a indecisão que é aabstenção. Daqui decorrem, pelomenos, duas questões importan-tes: em primeiro lugar, deve ter-se alguma medida da “intensida-de” das preferências e da maiorou menor probabilidade de queocorra a sua mudança tentandotambém distinguir entre o genuíno“não sabe, não responde” e a pre-ferência não revelada ou a sim-ples não intenção de votar. E, emsegundo lugar, há que desacredi-tar definitivamente as consultasefectuadas através do convite aleitores, ouvintes ou telespectado-res para expressarem a sua opi-nião através de telefonemas (oschamados “call-ins”, de que emPortugal, nos últimos anos, tantosexemplos têm existido). Com efei-to, trata-se aqui de induzir aexpressão (simplista) de opiniãojunto dos que têm preferênciasfortemente “cristalizadas”, origi-nando amostras “auto-selecciona-das”, com um custo (a chamadatelefónica “de valor acrescenta-do”), com repetição possível ecom possibilidade de organizaçãode grupos de pressão. Porém, oque é mais grave nesse autênticoabuso dos “call-in” é que, apesarde muitas vezes ser referido quenão se trata de uma sondagem“científica”, se tenta logo de segui-da partir para a sua interpretaçãoou conduzir um programa a partir

14

Page 17: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

dos números obtidos, justificandoas questões e comentários combase neles! E isto só se agravaquando pessoas com autoridadeou responsabilidades se prestama entrar no jogo, como entrevista-dos ou comentadores. Jornalistasque têm noção disto (e todos adeveriam ter!) não deveriam nun-ca prestar-se a dar uma aparênciaválida a processos deste tipo!

Ainda agora, a propósito daguerra no Kosovo, um diário “dereferência” titula “Jornais sondamleitores pela Internet”, para depoisdizer (na “ficha técnica”) que “esteinquérito não obedece aos crité-rios de validade científica das son-dagens e não pretende represen-tar com rigor as opções do públi-co em geral (…). Mas no corpoprincipal diz-se que “(…) lançámosdesde o primeiro dia do conflitouma sondagem de opinião”. Serápossível maior confusão?

4. Concluindo: a comple-xidade da opinião públicae a responsabilidade dos“media”

A caracterização do estadoda opinião pública acerca de umdado assunto não é fácil, sobretu-do quando há múltiplos factoresou motivos que podem influenciaressa opinião ou quando se tentatirar ilações de respostas a ques-tões que só parcialmente captam

a complexidade de determinadassituações.

Com efeito, a maioria daspessoas não pensa em termosunidimensionais e uma perguntaisolada não capta a complexidadedo processo de formação e doestado da opinião de cada indiví-duo. É por isso que quem entrevis-ta deve precisar as questões omelhor possível e não induzir oentrevistado em erro ou confusão,ao mesmo tempo que deverá ter ocuidado de não partir para genera-lizações abusivas. E quem trans-mite e difunde os resultados deve-rá ter sempre presente a necessi-dade de esclarecer sobre a com-plexidade e dinâmica da opiniãopública, evitando a todo o custoampliar e dar carácter “definitivo” aconclusões tantas vezes provisó-rias, inseguras e frágeis dos estu-dos efectuados.

E porque se trata do aspectomais vezes usado para tentar pro-var a validade (ou não validade)dos resultados de uma sonda-gem, concluímos com uma últimareferência à ”margem de erro” e àforma como é normalmente tra-tada.

Para além da implicação deque métodos probabilísticos sãodevidamente usados em todos ospassos do processo de amostra-

15

Page 18: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

gem – o que nem sempre aconte-ce – o problema mais sério com areferência ao “erro de amostra-gem” (tantas vezes levianamentechamado de “erro máximo”!) é,como vimos, a implícita sugestãode que ele é a principal, senãoúnica, fonte de erro possível numasondagem! Na melhor das hipóte-ses, trata-se de informação impor-tante, mas parcelar, ao tentar ava-liar a validade das conclusõesobtidas a partir da sondagem; napior, transmite-se u ma falsa ideiade precisão às percentagens (re-sultados) obtidas – e ainda maisse estas são apresentadas não ar-redondadas, isto é, com vírgulas etudo!

Como exemplo vale, por mui-tos outros, o das “sondagens” queregularmente são efectuadas coma chancela de uma estação detelevisão e de um semanário e emque, na “ficha técnica”, se refereque a amostra é “aleatória e repre-sentativa do universo (…) dos elei-tores (…) em cujos lares existetelefone”, com “803 entrevistas edesvio padrão máximo de 1,8%”.Mesmo ao estrito nível da amos-tragem, e descontando todos osoutros possíveis erros, falta dizerque o “erro de amostragem” serápróximo disto para um nível deconfiança de 68% e para a totali-dade da amostra. Quando citandopercentagens para partições daamostra (regiões, por exemplo), equerendo (como é mais usual)

níveis de confiança de 95%, o erropoderá ser de 8 ou 10%. O quequer então dizer a palavra “máxi-mo”?

Julgamos que uma socieda-de (bem) informada exige ummuito maior rigor e seriedade notratamento das sondagens e estu-dos de opinião do que o que severifica entre nós. Mas, chegadosaqui, uma inevitável questãosurge: como assegurar que talobjectivo seja atingido?

Trata-se, obviamente, deuma questão de regulação. Os ins-titutos de sondagens têm os seuscódigos de conduta e normas aque, melhor ou pior, se espera queadiram. Mas os “media” têm a e-norme responsabilidade de avaliara qualidade o que “compram”, porum lado, e de garantir a qualidadedo que difundem, por outro. Aqui,parece que só a eles competirá aresponsabilidade de obter boassondagens e completa informação(“ficha técnica”), junto dos institu-tos ou empresas que as efectuam(maxime se feitas com meios pró-prios).

Mas já quanto à difusão quepromovem, é claro que o públicoestá desprotegido. A Alta Auto-ridade para a Comunicação Socialé inoperante, lenta e quase sem-pre irrelevante, nesta matéria.

16

Page 19: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

Melhor do que a regulação ou fis-calização imposta seria no entantoa existência de uma auto-regula-ção inteligente, passando por for-mação de jornalistas e controle dequalidade. Mas pior será a conti-nuação do statu-quo, que porvezes nos deixa a estranha sensa-ção de que o resultado (também)é função de quem o difunde e deque, não tendo informação quepermita aferir a qualidade do pro-duto, os cidadãos desvalorizamuma técnica que assenta em ba-ses científicas sólidas e pode edeve constituir um elemento deinformação útil e fiável.

Março de 1999

17

Page 20: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

A DIMENSÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA E O MODELO DE REPRESENTAÇÃO COMO GARANTES DO PRINCÍPIO DE PROPORCIONALIDADE- Paulo Morais

Professor do Dep. de Matemática da Universidade Lusíada - Porto

Objectivos

Este estudo tem por objectivoa procura dum modelo para deter-minação automática do número dedeputados no Parlamento e pro-põe-se ainda um método que per-mita salvaguardar o princípio deproporcionalidade na sua distribui-ção pelos círculos eleitorais.Ambos os estudos são efectuadosna perspectiva duma maior aproxi-mação ao princípio da proporcio-nalidade, tal como estipulado peloartigo 288.º da Constituição daRepública Portuguesa.

Numa primeira parte, tecem-se considerações acerca da di-mensão da Assembleia da Repú-blica e experimenta-se a aplicaçãodos ratios mais comuns na biblio-grafia; utiliza-se de seguida ummodelo de interpolação linear nacomparação da dimensão dosParlamentos da Europa dos Quin-ze. E conclui-se acerca do número“ideal” (aproximado) de deputadospara o Parlamento Português, emfunção da dimensão da populaçãoresidente e recenseada.

Ainda sob o prisma da salva-guarda da proporcionalidade, ava-lia-se a dimensão das diferençasresultantes da utilização do méto-

do de Hondt em contraponto ao doQuociente Eleitoral, na distribuiçãode mandatos por círculo. Esta ava-liação da representatividade é feitana perspectiva das novas questõesdecorrentes da actualização extra-ordinária do recenseamento de1998, da revisão constitucional de1997 e da eventual desadequaçãodo método de Hondt a esta novarealidade sócio eleitoral.

Introdução

A discussão (sempre actual)acerca da representatividade dosdeputados e sobre a eficiência doParlamento conduz-nos à questãosempre recorrente da dimensão daAssembleia da República, ou seja,à questão de saber se o númerode deputados é excessivo ou não.O que este estudo pretende é,numa primeira fase, encontrar indi-cadores que permitam compararos países da Europa dos Quinze,em termos da dimensão dosParlamentos, relativamente à di-mensão das respectivas popula-ções e número de recenseados.Na primeira parte deste trabalho,comparamos os diversos paísesem termos de alguns dos ratios

18

Page 21: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

mais comummente usados nabibliografia e apreciamos a posi-ção relativa de Portugal na Europa.

De seguida, recorrendo àstécnicas de análise numérica maisclássica, experimentamos um mo-delo de regressão linear, que permi-ta determinar o número de de-putados do Parlamento Português;esse número obtém-se como fun-ção duma eventual relação entre onúmero de deputados e a dimensãoda população (ou entre o númerode deputados e a população recen-seada), que se verifique nos outrospaíses da União Europeia.

Por último, e uma vez que,para além da dimensão, também adistribuição regional ou distrital dosdeputados influencia o nível de re-presentatividade democrática, ilus-tra-se, com os dados de recensea-mento eleitoral de 1998 e compa-ram-se diferentes modelos de atri-buição de mandatos pelos círculoseleitorais distritais. Utilizam-se nes-ta comparação os métodos de Hon-dt, tal como previsto no artigo 12.ºda Lei Eleitoral da Assembleia daRepública e o do Quociente Eleito-ral (QE).

Os dados relativos à dimen-são da população são obtidos porestimativa, estimativas fornecidaspelos Institutos de Estatística dosrespectivos países e dizem respeitoao ano em que teve lugar a últimaeleição, parlamentar ou presiden-cial. O mesmo acontece quanto aosdados relativos ao número derecenseados. São pois dados ac-

tuais. Apenas no caso português,optou-se pelos dados do recensea-mento eleitoral de 1998. E isto por-que a actualização extraordináriado Recenseamento Eleitoral, queteve lugar em 1998, salientou osdefeitos (já conhecidos aliás) dosnúmeros existentes anteriormentenessa base de dados. Optámospois por trabalhar com dados signi-ficativamente mais fiáveis, em detri-mento de números que seriam clarae comprovadamente inflacionados.

Para o tratamento dos dadosutilizou-se o software Excel e SPSS.

Discussão e resultados

1. Dimensão da Assembleiada República

Optámos neste trabalho porcomparar a dimensão do Parla-mento Português com a dos outrospaíses da União Europeia, uma vezque é este o espaço geopolítico emque Portugal se integra. A União Eu-ropeia, embora integrando no seuseio países que adoptam diferentesmodelos de representação (maiori-tária, semi-proporcional e proporcio-nal) com especificidades própriasde cada país, apresenta uma consi-derável similitude quanto ao princí-pio democrático da representativi-dade parlamentar. Os diversos paí-ses da União Europeia constituempois realidades comparáveis.

Assim, se considerarmos oratio entre o número de deputados

19

Page 22: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

como contrapartida da dimensãoda população recenseada, obte-mos o quadro que abaixo se apre-sentam:

Observa-se que, enquanto paí-ses de grande dimensão (em termosdo número de recenseados) apre-sentam quocientes de representa-tividade baixos, já a grande maioriados países de pequena dimensão(em que Portugal se inclui) têm umquociente muito semelhante. Háuma aparente super valorização dadimensão dos parlamentos para ospaíses de menor dimensão. Comoexcepção clara nesta tabela surge oLuxemburgo, país que pela suadimensão e características, nãodeve em nosso entender ser consi-

derado neste estudo; constitui umoutlier e como tal não deve ser leva-do em linha de conta para a produ-ção de generalizações ou até dequaisquer conclusões.

Por simples inspecção databela apresentada, e se observa-mos a coluna “Recenseados pordeputado”, facilmente se constataque Portugal, com 37605 recensea-dos para cada deputado, ocupauma posição intermédia. Em ter-mos relativos, tem a oitava posição,numa tabela constituída por quinzepaíses, e está enquadrado pelaBélgica e pela Áustria. Se aprofun-darmos a nossa análise e atender-mos apenas aos países de menordimensão (número de recenseadosinferior a 15 milhões), verifica-se

20

Page 23: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

que Portugal é, à excepção daHolanda e da Bélgica, o país queapresenta o maior número de re-censeados por mandato; surge as-sim posicionado em 8.º lugar, pa-tenteando desta forma a sua situa-

ção de pequeno país com um ele-vado número de recenseados.

Se optarmos por uma compa-ração entre o número de mandatose a dimensão da população resi-dente, as conclusões não sãomuito diversas. O quadro que a se-guir se apresenta revela o mesmotipo de seriação já apresentadopelo quadro anterior, em que ospaíses de maior dimensão surgemsubrepresentados e os menores

países apresentam indicadoresmuito aproximados. (Quadro II)

Portugal, com 42700 habitan-tes por cada mandato, ocupa aqui

a nona posição, o que revela a suasituação de país pequeno com umparlamento de média dimensão, talcomo acontece com a Bélgica, aÁustria, a Grécia ou a Dinamarca,por exemplo.

O facto de que ambos os qua-dros anteriores apresentam umasobre representação dos paísescom menos população residente erecenseada e um menor índice derepresentatividade para os países

21

Page 24: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

com maior dimensão, permite-nossuspeitar que a avaliação do nú-mero de deputados em função dumfactor de proporção poderá não sero mais correcto; e seja este factorindexado à população recenseadaou residente. Não obstante os múl-tiplos trabalhos que se vêm publi-cando nesta matéria recorrerem aeste tipo de indicadores, parece-nos que o mesmo se não revelamuito adequado para esta popula-ção em estudo (recorde-se, paísesda União Europeia). Tal revelar-se-ia eventualmente mais adequadose procedêssemos à divisão daUnião Europeia em dois grupos,atinente aquela à dimensão dosdiversos países. E mesmo assimhaveria ainda de ter o cuidado deexcluir o Luxemburgo deste estudo,pelas razões já acima expostas.

Segue-se pois a apresentaçãodum modelo de comparação quenão o da proporcionalidade directa.Opta-se por comparar o número dedeputados dos vários países da U-nião Europeia, através dum modelode interpolação linear. Uma apro-ximação por funções de maior grau(função quadrática, cúbica ou supe-rior) não nos parece adequado. Pelomenos antes de avaliar de todas asconclusões que a construção dummodelo linear nos proporcione.

A construção dum diagramade dispersão a partir das variáveis“dimensão da população recen-seada” e “número de deputados”ou “dimensão da população resi-dente” e “número de deputados”,

permite-nos obter a função que prédetermine o número de deputados(variável dependente) em funçãodas variáveis independentes járeferidas.

O número de deputados ade-quado à dimensão de Portugal épois fornecido por este modelo, porinterpolação e a partir do númerode deputados dos outros países daUnião Europeia. Ou seja, o exercí-cio que aqui nos propomos é o decalcular o número de deputadosque deveria ter um país com ascaracterísticas de Portugal porforma a respeitar o modelo linearconstruído para a União Europeia;modelo este definido pelo compor-tamento das variáveis “dimensãoda população” (residente ou recen-seada) e “número de deputados”nos outros países da UE.

O diagrama de dispersãoobtido para as variáveis “popula-ção recenseada” e “número dedeputados” e a respectiva funçãode aproximação linear é dado pelográfico I.

Dá-nos a relação linear entredimensão da população recensea-da e dimensão do parlamento nospaíses da União Europeia, à ex-cepção de Portugal.

Através da expressão assimobtida aplicada ao caso português(população recenseada em 1998de 8649197), calcula-se o númerode deputados ideal para o nossoPaís. Este é de 223, sendo poiseste o número ideal de deputados,em função da população recensea-

22

Page 25: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

da. A este número haveria que adi-cionar os deputados da emigração(quatro), o que nos levaria a umParlamento com 227 deputados.

O diagrama de dispersãoobtido para as variáveis “popula-ção residente” e “número de depu-tados” e a respectiva função deaproximação linear é dado pelográfico II.

Fornece o modelo da relaçãolinear entre dimensão da popula-ção residente e dimensão do par-lamento nos países da UniãoEuropeia, à excepção de Portugal.

Através da expressão assimobtida aplicada ao caso português(população residente em 1995 de9821000), calcula-se o número dedeputados adequado para Portugal,

em função do modelo proposto.Este é de 207, sendo pois este ovalor ideal para o número de depu-tados, em função da populaçãoresidente no território nacional. Aeste número haveria que adicionaros deputados da emigração (qua-tro), o que nos levaria a umParlamento com 211 deputados.

Os cálculos acima apresenta-dos são efectuados a partir detodos os outros países da UniãoEuropeia que não Portugal. Dadasas características e dimensão doLuxemburgo e pelo que já atrás seexpôs, parece-nos mais correctoproceder aos cálculos efectuados,excluindo o Luxemburgo do nossoestudo. Procedeu-se pois, com amesma metodologia mas excluindoo Luxemburgo, ao cálculo dos valo-

23

Page 26: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

24

res para a dimensão do Parlamentoportuguês em função da populaçãoresidente ou recenseada.

O diagrama de dispersão obti-do para as variáveis “populaçãorecenseada” e “número de de-putados” e a respectiva função deaproximação linear é dado pelo grá-fico III.

Dá-nos a relação linear entredimensão da população recensea-da e dimensão do parlamento nospaíses da União Europeia, à excep-ção de Portugal e do Luxemburgo.

Através da expressão assimobtida aplicada ao caso português(população recenseada em 1998de 8649197), calcula-se o númerode deputados ideal para o nossoPaís. Este é de 228, sendo poiseste o número ideal de deputados,em função da população recensea-

da. A este número haveria que adi-cionar os deputados da emigração(quatro), o que nos levaria a umParlamento com 232 deputados.

O diagrama de dispersãoobtido para as variáveis “popula-ção residente” e “número de depu-tados” e a respectiva função deaproximação linear é apresentadono gráfico IV.

Dá-nos a relação linear entredimensão da população residente ea dimensão do parlamento nos paí-ses da União Europeia, à excepçãode Portugal (e do Luxemburgo).Através da expressão assim obtidaaplicada ao caso português (popula-ção residente em 1995 de 9821000),calcula-se o número de deputadosideal para o nosso País. Este é de220, sendo pois este o número ideal

Page 27: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

25

de deputados, em função da popula-ção residente no território nacional.A este número haveria que adicionar

os deputados da emigração (quatro),o que nos levaria a um Parlamentocom 224 deputados.

Page 28: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

2. Distribuição dos manda-tos pelos círculos eleito-rais.

A Constituição da RepúblicaPortuguesa, no seu artigo 288.ºdetermina que a distribuição dosmandatos pelos diversos círculoseleitorais no território nacional de-verá respeitar o princípio da pro-porcionalidade. O método adopta-do para atribuição de mandatosaos diversos círculos, segundo oarticulado do n.º 2 do artigo 13.º daLei Eleitoral da Assembleia daRepública, deverá ser o da médiamais alta de Hondt. O método deHondt é pois utilizado, não só paraa distribuição dos mandatos pelospartidos, aquando da eleição, co-mo para a distribuição dos manda-tos pelos diversos círculos eleito-rais.

O método de Hondt é, comose sabe, um método proporcionalque introduz alguns enviezamen-tos de proporcionalidade; esta ca-racterística acentua-se com asdiferenças de dimensão entre osdiversos círculos eleitorais. Osmovimentos migratórios internosdos últimos anos, do interior para olitoral e predominantemente paraas áreas metropolitanas de Lisboae Porto; a actualização extraordi-nária do recenseamento eleitoralde 1998, que veio tornar patenteestes movimentos, atribuindo poisum peso crescente aos círculos demaior dimensão e agravando a dis-crepância entre grandes e peque-nos círculos eleitorais; o efeito de

enviezamento intrínseco ao méto-do de Hondt; - estes efeitos conju-gados poderão provocar um desvioà proporcionalidade de tal dimen-são que a aplicação do método deHondt ao caso português já nãorespeite o princípio de proporcio-nalidade a que obriga o artigo288.º da Constituição.

São estes os pressupostosque presidem à realização dasimulação a que dizem respeito oscálculos do quadro III. Neste qua-dro, simula-se a distribuição demandatos por círculos eleitorais,utilizando os números resultantesda actualização extraordinária dorecenseamento eleitoral.

Comparam-se ainda os valo-res obtidos para o número de man-datos dos diversos círculos, se uti-lizado o método de Hondt ou ummétodo mais proporcional. Nestasimulação (quadro II), optou-se porutilizar o método do quociente elei-toral, com aproveitamento do maisforte resto. Os números obtidospermitem avaliar as consequên-cias para cada círculo e o tipo detransferências que a utilização deum ou outro método virão a acarre-tar.

A aplicação do método deHondt aos números resultantes daactualização extraordinária dorecenseamento eleitoral condu-zem-nos à distribuição de deputa-dos que se pode ler na coluna“Hondt-Out.98 n.º dep”. Esta distri-buição ora actualizada tem comoconsequência a perda de umdeputado para cada um dos círcu-

26

Page 29: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

27

los de Beja e Lisboa e consequen-tes ganhos para os de Aveiro eBraga. Estas transformações re-sultam como consequência óbviados movimentos migratórios dosúltimos anos, patentes no novo re-censeamento litoral.

Se, alternativamente, se op-tasse pela utilização dum métodomais proporcional (nomeadamenteo do Quociente Eleitoral, com utili-zação do mais forte resto), as dife-renças seriam diversas. Lisboaperderia três deputados, relativa-mente a 1995. Estes seriam trans-feridos para os círculos de Aveiro,Braga e Vila Real. Daqui se pode

concluir que neste momento (comvalores de 1995), Lisboa é um dis-trito sobre representado, desvian-do-se a sua representatividade doprincípio de proporcionalidade de-finido na Constituição.

Comparando ambos os méto-dos, com números actualizados,observa-se que a aplicação do mé-todo de Hondt (menos proporcio-nal) em detrimento dum métodomais proporcional (como QE, v.g.)virá a prejudicar, em termos de re-presentatividade proporcional, osdistritos de Beja e Vila Real (umdeputado cada), beneficiando Lis-boa (dois deputados).

Page 30: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

Conclusões

A construção dum modelopara determinação da dimensãodo Parlamento Português deve as-sentar, numa primeira análise, nummodelo de interpolação linear. Estemodelo revela-se mais eficaz doque os tradicionais ratios entre adimensão da população recensea-da ou residente e o número dedeputados de cada país. O modeloque se obtém neste estudo ébaseado em interpolação linear eaplica-se às variáveis número dedeputados (variável dependente) edimensão da população recensea-da ou residente (variável indepen-dente), para os vários países daUnião Europeia. Permite pois cal-cular o número de deputados doparlamento português em funçãodo comportamento dos outros paí-ses da união Europeia. Aplicadoeste modelo ao caso português,chegamos aos números de 228 ou220, conforme se considere a po-pulação recenseada ou residente,respectivamente.

A estes deverá ser acrescen-tado o número de deputados cor-respondentes aos eleitores fora do

território nacional, i.é, quatro depu-tados, obtendo então os valores de232 e 224, respectivamente, comonúmero de deputados “ideal” parao Parlamento Português. O actualnúmero de deputados (230) estácontido no intervalo que aquelesdois valores definem, afigurando-se pois como um valor adequadopara a dimensão do País, por com-paração com os outros países daUnião Europeia.

A actualização extraordináriado recenseamento eleitoral aportouuma melhoria considerável da basede dados eleitoral. A eliminação degrande parte dos chamados “eleito-res fantasma”, através da identifica-ção de duplicações e falecimentos,a detecção dos movimentos migra-tórios dos últimos anos permite-nos afirmar que a actual base dedados reflecte com maior verdadea realidade dos diversos círculoseleitorais, em termos do número derecenseados.

Consequência imediata destaactualização é uma alteração do nú-

mero de deputa-dos por círculo. Aaplicação do mé-todo de Hondt aosdados actuais pro-vocará um envie-zamento de pro-porc ional idadeque virá a benefi-ciar o distrito de

Lisboa, em detrimento de Beja e VilaReal. Em contrapartida, uma even-tual aplicação do método do quo-

28

Page 31: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

ciente eleitoral, que salvaguarda oprincípio da proporcionalidade, virá aatribuir mais um deputado do quenas eleições legislativas de 1995aos distritos de Aveiro, Braga e VilaReal. Estes três deputados seriamdiminuídos ao círculo de Lisboa, queassim se verifica estar sobre repre-sentado.

Referências Bibliográficas:

CARDOSO, ANTÓNIO LOPES,(1993) – Os Sistemas Eleitorais;

Lisboa, Salamandra;

IDEA (1997), Voter Turnout from1945 to 1997 A Global Report.

Estocolmo, IDEA;

IDEA (1997), The InternationalIDEA Handbook of Electoral

System Design. Estocolmo, IDEA;

MENDES, MARIA DE FÁTIMAABRANTES e MIGUÉIS, JORGE– Lei Eleitoral da Assembleia daRepública actualizada, anotada e

comentada;

OLIVEIRA, TIAGO DE, (1981) –“O Sistema Eleitoral Português

como Forma de Representação”,Análise Social, vol. XVII (65);

STAPE – Eleição da assembleiada República 1995 (escrutínio pro-

visório).

29

Page 32: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

1. Introdução

0 tema da minha intervenção é o contencioso eleitoral.

Começo por advertir que utili-zo aqui a expressão contenciosoeleitoral num sentido amplo, por for-ma a abarcar o controlo judicial detodo o processo eleitoral: não ape-nas o contencioso eleitoral strictosensu (isto é, o contencioso da vo-tação e dos apuramentos), comotambém o próprio contencioso deapresentação das candidaturas.

0 contencioso eleitoral deque vou falar (entendida a expres-são no sentido amplo indicado) éapenas o relativo às eleições parao Presidente da República e paraa Assembleia da República. Emais: debruçar-me-ei sobremanei-ra sobre os aspectos desse con-tencioso que interessam à inter-venção dos juizes dos tribunaisjudiciais nos mencionados proces-sos eleitorais sobre os quais existajurisprudência do TC, ainda que fir-mada a propósito de outro tipo deeleições.

____________(*) Conferência proferida noPorto, em 26.6.95, no âmbito daformação permanente de juizes,promovida pelo C.E.J.

Por isso, quanto ao conten-cioso da eleição para o Presidenteda República, não abordarei osproblemas que se colocam na faseda apresentação de candidaturas,nem tão-pouco na do apuramentogeral, e passarei ao de leve sobrea fase da campanha leleitoral. E,no tocante ao contencioso da elei-ção da Assembleia da República,também passarei a correr sobre ocontencioso dos actos administra-tivos praticados pela ComissãoNacional de Eleições ou por outrosórgãos da administração eleitoral,designadamente sobre o que con-cerne à constituição das assem-bleias de voto e à campanha elei-toral.

É que, no processo eleitoraldo Presidente da República, o juizapenas intervém na assembleia deapuramento distrital, a que preside[cf. alinea a) do n.º 1 do artigo 98.ºdo DL n.º 319-A/76, de 3/Maio] -excepção feita, claro é, ao facto deos juizes de Direito das comarcasdeverem receber das assembleiasde voto, “devidamente lacrados” (afim de, “esgotado o prazo para ainterposição dos recursos conten-ciosos ou decididos definitivamen-te estes”, determinarem a sua des-truição) os boletins de voto quenão tenham sido objecto de recla-mação ou protesto (cf. artigo 94.ºdo mesmo DL n.º 319-A/76), nem

30

CONTENCIOSO ELEITORAL (*)- Messias José Caldeira Bento

Juíz Conselheiro doTribunal Constitucional

Page 33: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

sejam votos nulos, pois que estes(os votos reclamados, os protesta-dos e os nulos) devem ser remeti-dos à assembleia de apuramentodistrital (cf. artigo 93.º do DL n.º319-A/76 e, analogicamente, oartigo 103.º da Lei n.º 14/79, de 16de Maio).

As candidaturas para a elei-ção do Presidente da Repúblicasão, na verdade, apresentadas noTribunal Constitucional, que, emsecção, verifica a regularidadedos processos, a autenticidadedos documentos e a elegibilidadedos candidatos (cf. artigos 92.º e93.º da Lei n.º 28/82, de 15/Novembro). E é também o Tribu-nal Constitucional (agora em ple-nário) que decide qualquer recur-so que seja interposto da decisãofinal relativa à apresentação decandidaturas (cf. artigo 94.º). Éainda o Tribunal Constitucionalque, também em plenário, verificaa morte e decide sobre a incapa-cidade de qualquer candidato (cf.artigo 97.º) e que julga os recur-sos que, acaso, sejam interpostosdo resultado do apuramento geral(cf. artigo 100.º), o qual é feito poruma assembleia a que preside oPresidente do mesmo Tribunal. Eé o Presidente do Tribunal Cons-titucional que recebe e verifica aregularidade da desistência dequalquer candidatura (cf. artigo96.º).

Como se escreveu no acór-dão n.º 9/86 (DR, II, de 24/4/86),

“nas eleições presidenciais, [ ... ]existe uma manifesta preferênciado legislador pelo TC: àparte aintervengão de um magistrado judi-cial nas assembleias de apuramen-to distrital [cf. artigo 68.º, n.º 1, alí-nea a), do DL n.º 319-A/76, na r. daLei n.º 143/85) só este Tribunal, oseu presidente e juízes seus inter-vêm no processo eleitoral [ ... ]” .

Já na eleição para a Assem-bleia da República os juízes inter-vêm logo aquando da apresenta-ção das candidaturas (cf. artigos23.º e seguintes da Lei n.º 14/79,de 16/Maio).

2. A eleição para a Assembleiada República

2.1. Generalidades:

0 processo eleitoral para aAR inicia-se com a marcação peloPR da data das eleições - eleiçõesque devem ser marcadas comuma antecedência minima de 80dias e, salvo decorrendo da disso-lução da Assembleia, para umadata que se situe entre 22 de Se-tembro e 14 de Outubro do anocorrespondente ao do termo daLegislatura [cf. artigo 36.º, alineaa), da CRP e 19.º, n.ºs 1 e 2, daLei n.º 14/79, de 16/Maio (r. da Lein.º 14-A/85, de 10 de Julho)].

Entre o 70.º e o 80.º dia ante-rior à data da eleição, a Comissão

31

Page 34: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

da respectiva comarca, até 5 diasapós a afixação da decisão (cf.artigo 36.º, n.º 1, da Lei n.º 69/78);o juiz, ouvida a comissão recen-seadora e, sendo caso disso, oeleitor cuja inscrição seja conside-rada indevida, para responderemno prazo de 7 dias, decide o recur-so nos 5 dias subsequentes (cf.artigo 36.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º69/78).

Qualquer irregularidade que,acaso, tenha sido cometida duran-te as operações de recenseamen-to, se não foi em devido temporeclamada (e, sendo caso disso,contenciosamente impugnada domodo indicado), fica sanada, nãopodendo vir a ser posteriormenteinvocada, por exemplo, a título deirregularidade de votação (cf. oacórdão n.º 86.º/93, DR, II, de12/5/94).

Só assim não será, se essairregularidade de recenseamentofor aproveitada no momento davotação para a prática de uma irre-gularidade de votação. Será ocaso, por exemplo, de se não eli-minar um eleitor falecido do res-pectivo caderno eleitoral e de, pos-teriormente, no momento da vota-ção, ele ser descarregado comovotante (cf. acórdão n.º332/92, DR,II, de 17/XI/92) ou o caso de umeleitor, que mudou de residência,se manter inscrito nos cadernoseleitorais de determinada fregue-sia e de, no momento da votação,aí ter votado também (voto plúri-

Nacional de Eleições (CNE) fazpublicar na I série do DR “ummapa com o número de deputadose a sua distribuição por circulos” -mapa que “é elaborado com baseno número de eleitores segundo aúltima actualização do recensea-mento” (cf. artigo 13.º, n.ºs 4 e 5,da Lei n.º 14/79).

Note-se que a última actuali-zação do recenseamento podenão ser a desse ano, sim a do anoanterior ao da eleição.

Para que isso aconteça,basta que, no momento da elabo-ração do mapa, ainda não estejamconcluídas as operações de recen-seamento, cujo período de inscri-ção decorre de 2 a 31 de Maio decada ano [cf. artigo 18.º, n.º 1, daLei n.º 69/78, de 3/Novembro (r. daLei n.º 3/94, de 28/Fevereiro)].Findo o período de inscrição edecorridos dez dias, são expostascópias dos cadernos de recensea-mento, durante 15 dias, nas sedesdas comissões recenseadoras,para consulta e reclamação dosinteressados [cf. artigo 34.º, n.º 1,da Lei n.º 69/78 (r. da Lei n.º 81/88,de 20/Julho)]; havendo reclama-ções, as comissões recenseado-ras, depois de ouvirem os cida-dãos contra cuja inscrição sereclamou, decidem-nas no prazode 7 dias e mandam afixar as suasdecisões (cf. artigo 35.º, n.º 1, daLei n.º 69/78); das decisões dascomissões, podem os interessa-dos recorrer para o juiz de Direito

32

Page 35: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

mo: cf. acórdão n.º 860/93, DR, II,de 10/5/9.4).

Esta sanação das irregulari-dades não reclamadas em devidotempo é decorrência do principioda aquisição progressiva dos ac-tos do processo eleitoral (cf. ac. n.º868/93, DR, II, de 30/4/94 e citadoacórdão n.º 869/93), em virtude deele se desenvolver segundo umsistema faseado em cascata, queo mesmo é dizer por etapas suces-sivas, não podendo passar-se àfase seguinte sem que a prece-dente esteja arrumada [cf. acór-dãos n.ºs:

200/85 (DR, II, de 18/2/86), 262/85 (DR, II, de 18/3/86), 322/82 (DR, II, de 16/4/86), 236/88 (DR, II, de 27/12/88), 861/93 (DR, II, de 10/5/94) e 869/93 já citado].

A actualização dos cadernosde recenseamento faz-se, nãoapenas mediante novas inscriçõesde eleitores (cf. artigo 21.º da Lein.º 69/78) e a transferência de ins-crição de eleitores já inscritos (cf.artigo 26.º da Lei n.º 69/78), comoainda pela eliminação de inscri-ções, o que sucede, por exemplo,com a inscrição de cidadãos atin-gidos por incapacidades eleitoraisou falecidos entretanto (cf. artigo31.º da Lei n.º 69/78).

Esta eliminação só pode fa-zer-se até ao 30.º dia anterior ao

acto eleitoral exclusive, pois, nes-se período de 30 dias, os cader-nos são absolutamente inalterá-veis (cf. artigo 33.º da Lei n.º69/88).

Voltando ao mapa de deputa-dos, a publicar pela CNE entre o70.º e 80.º dia anterior à data daseleições, convém lembrar que eleconsubstancia um acto administra-tivo, que por isso, é susceptível deser contenciosamente impugnadoperante o TC [cf. acórdão n.º200/85 (DR, II, de 18/2/86)]. Senão for impugnado no prazo legal(cf. artigo 102.º-B, n.ºs 1 e 2, daLTC), tal mapa torna-se inatacáveltal como foi publicado (é casoresolvido), sendo um dado de queas assembleias de apuramentotêm que partir no momento emque houverem de distribuir osmandatos pelas forças políticasconcorrentes, sendo de todo irrele-vante que o número de eleitoresinscritos em cada círculo eleitoralacaso seja diferente daquele queconsta do mapa (cf. acórdão n.º236/88, DR, II, de 27/12/88).

Como se escreveu nesteacórdão n.º 236/88, “a assembleiade apuramento geral, para distri-buir os mandatos de deputadospelas diversas forças políticas con-correntes, tem que dividir os votosobtidos por cada uma delas pelonúmero de deputados que, segun-do esse mapa, cabe a cada círcu-lo eleitoral, e não por qualquer ou-tro número”.

33

Page 36: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

E que, por força do já assina-lado princípio da aquisição pro-gressiva dos actos do processoeleitoral, que vigora nesta matéria,só depois de definitivamente arru-mada a questão de saber quantossão os deputados a eleger, é pos-sível passar à fase da apresenta-ção das candidaturas. Estas sãoapresentadas para o número dedeputados que, para cada círculoeleitoral, consta do aludido mapa,e não, obviamente, para um núme-ro de eleitores que, no momentoda votação, constem dos cadernosde recenseamento.

Note-se, porém, que o factode, na elaboração do aludidomapa, eventualmente se não to-marem em consideração as novasinscrições (tal sucederá, recorda-se, se o processo de recensea-mento ainda não estiver concluído)não significa que os eleitores ins-critos de novo não possam votar.Poderão fazê-lo, se as operaçõesde recenseamento ja estiveremtotalmente concluídas no 30.º diaanterior ao do acto eleitoral, que éa data em que - lembra-se - oscadernos de recenseamento setornam absolutamente inalteráveis(cf. citado artigo 33.º). Não pode-rão votar, se, nessa data, tais ope-rações ainda não tiverem sido con-cluídas.

Bem se compreende queassim seja, pois, neste último ca-so, se os novos eleitores pudes-sem votar, o sufrágio far-se-ia com

base num recenseamento queainda não era definitivo, válido eeficaz, como exige o artigo 116.ºda CRP e este Tribunal decidiu noacórdão n.º 163/87 (DR, II, de19/6/87).

2.2. A apresentação de candidaturas:

Só os partidos políticos regis-tados no TC até ao início do prazopara a apresentação das candida-turas podem apresentar listas dedeputados (cf. artigo 21.º, n.º 1, daLei n.º 14/79).

As listas podem, no entanto,conter cidadãos que não sejaminscritos nos partidos proponentes(citado artigo 21.º, n.º1) .

Os partidos podem apre-sentar-se ao sufrágio isoladamen-te ou em coligação (citado artigo21.º, n.º 1).

As coligações de partidospara fins eleitorais devem ser ano-tadas pelo TC, e comunicadas aomesmo Tribunal, até à apresenta-gão das candidaturas, por docu-mento assinado conjuntamentepelos órgãos competentes dosrespectivos partidos (com indica-ção das suas denominações, si-glas e símbolos); e devem, bemassim, ser anunciadas dentro domesmo prazo nos dois jornais diá-

34

Page 37: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

rios mais lidos (cf. artigo 22º, n.º 1,da Lei n.º 14/79).

A anotação não é, porém,exigida, se a coligação, por seruma coligação permanente de par-tidos, constituída ao abrigo do ar-tigo 12.º da Lei dos Partidos Po-líticos (Decreto-Lei n.º595/74, de7/Novembro), já estiver anotada noTC (cf. acórdão n.º 267/85, DR, II,de 22/3/86).

Os símbolos e as siglas dascoligações ou frentes para finseleitorais têm que reproduzir rigo-rosamente o conjunto dos símbo-los e siglas de cada um dos parti-dos que os integram, tal como elesconstam do registo do TC (cf. arti-gos l.º e 2.º da Lei n.º 5/89, de17/Março).

Compreende-se que seja as-sim, uma vez que os partidos polí-ticos, embora coligados, surgemno processo eleitoral como realida-des a se stantes.

As coligações “não consti-tuem”, de facto, “individualidadedistinta dos partidos” que agrupam(cf. artigo 12.º do DL n.º 595/74,aplicável ex vi do disposto no arti-go 14.º da Lei n.º 14/79): e, porisso, são os partidos - e não ascoligações, elas mesmas - quemtem legitimidade para apresentaras candidaturas.

A apresentação das candida-turas - que cabe aos órgãos com-petentes dos partidos - faz-se, emgeral, perante o juiz do círculo judi-cial com sede na capital do res-pectivo círculo eleitoral, entre o70.º e o 55.º dia anterior à data daseleições (cf. artigo 23.º, n.º 1, daLei n.º 14/79). Entrega-se, paratanto, a lista de candidatos, adeclaração de candidatura, as cer-tidões de inscrição no recensea-mento dos candidatos e do man-datário, a certidão de registo dopartido proponente ou, tratando-sede coligação, da comprovação deque se cumpriu o artigo 22.º (iden-tificando-se também qual o partidoque propõe cada candidato) e indi-ca-se o mandatário da lista [cf. arti-go 24.º da Lei n.º 14/79 (r. da Lein.º 10/95, de 7/Abril)].

Não é exigível o reconheci-mento notarial das assinaturas doscandidatos e dos mandatários. 0juiz pode, porém, exigir que sesolicite a exibição dos respectivosbilhetes de identidade [cf. acór-dãos n.ºs:

219/85 (DR, II, de 18/2/86), 220/85 (DR, II, de 27/2/86), 221/85 (DR, II, de 12/3/86) e 558/89 (DR, II, de 4/4/90).

As listas devem conter a indi-cação de candidatos efectivos emnúmero igual ao dos mandatosatribuídos ao círculo eleitoral a querespeita e de candidatos suplentes

35

Page 38: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

em número não inferior a dois,nem superior ao dos efectivos, nãopodendo exceder cinco (cf. artigo15.º, n.º 1, da Lei n.º 14/79). Senão contiverem o número total doscandidatos, devem os mandatárioscompletá-las no prazo de três dias,sob pena de rejeição de toda alista (cf. artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º14/79).

São elegíveis para a AR oscidadãos portugueses eleitoresque não sejam atingidos por algu-ma ineligibilidade geral (artigo 5.º)ou especial (artigo 6.º). E eleitoressão os cidadãos portugueses ins-critos no recenseamento eleitoralque não sofram de incapacidadeeleitoral activa nos termos do arti-go 2.º (cf. artigo 3.º).

Os deputados são eleitospelos círculos eleitorais (cf. artigo14.º). Uma vez eleitos, represen-tam, porém todo o País, e não oscírculos por que foram eleitos (cf.artigo 11.º).

A apresentação dascandidaturas não necessita de serfeita por requerimento do tipo peti-ção inicial [cf. acórdãos n.ºs 215/85e 220/85 (DR, II, de 12/2/86 e de27/2/86)], nem tão-pouco exigeque as listas sejam assinadaspelos mandatários [cf. acórdão n.º250/85 (DR, II, de 12/3/86)]. Emais: como as irregularidades pro-

cessuais podem ser supridas,todas elas, até ser proferido o des-pacho a admitir definitivamente oua rejeitar as listas apresentadas,seja a convite do juiz, seja por ini-ciativa do mandatário da lista [cf.acórdãos n.ºs 227/85, 234/85 e236/85 (DR, II, de 5/2/86 e de6/2/86)], pois que não há irregulari-dades essenciais e não essenciais,irregularidades mais ou menosimportantes ou irregularidades su-príveis e insupríveis [cf. acórdãosn.ºs 220/85, 234/85, 250/85,527/89, 723/93 e 731/93 (DR, II, de27/2/86, 6/2/86, 12/3/86, 22/3/90f11/3/94 e 14/3/94)], um documentoapresentado em tribunal por umpartido, mesmo que não contenhaa indicação de qualquer candidato,traduz a apresentação de candida-turas, se tal entrega revelar umavontade inequívoca nesse sentido[cf. acórdãos n.ºs 234/85 e 235/85(DR, II, de 6/2/86) e 731/93 (DR, II,de 14/3/94)].

É esta uma jurisprudênciabastante permissiva (“maternel”),cujo sentido é o de possibilitar àsvárias forças políticas a sua apre-sentação a sufrágio.

Terminado o prazo para aapresentação das candidaturas, ojuiz - para além de proceder aosorteio das listas (cf. artigo 31.º,n.º 1) - manda afixar cópias dasmesmas à porta do edifício do tri-bunal (cf. artigo 26.º, n.º 1) e, nostrês dias subsequentes, “verifica aregularidade do processo, a auten-

36

Page 39: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

ticidade dos documentos e a elegi-bilidade dos candidatos” (cf. artigo26.º n.º 2), devendo rejeitar os queforem inelegíveis (cf. artigo 28.º,n.º 1). Se rejeitar algum candidato,manda notificar o mandatário paraque, em três dias, proceda à suasubstituição, “sob pena de rejeiçãode toda a lista” (cf. artigo 28.º, n.º2), tal como o mandará notificarpara, no mesmo prazo, suprir qual-quer outra irregularidade quedetecte (cf. artigo 27.º).

Embora o juiz deva mandarnotificar o mandatário para, em 3dias, suprir qualquer irregularida-de, a verdade é que não existe,propriamente, um direito a ser-seconvidado para suprir irregularida-des; é, antes, o proponente quetem o ónus de apresentar listasque dêem cumprimento ao que éexigido por lei [cf. acórdãos n.ºs528/89 e 723/93(DR, II, de 22/3/90e de 11/3/94) ].

Se a lista não contiver onúmero total de candidatos, nem omandatário a completar, spontesua ou a convite do juiz, nos trêsdias destinados ao suprimento deirregularidades, é ela rejeitada [cf.artigo 28.º, n.º 3. Cf. também osacórdãos n.ºs 259/85 e 264/85(DR, II, de 18/3/86 e de 21/3/86)].

Findo o prazo destinado aosuprimento de irregularidades (três

dias), o juiz, em 48 horas, faz ope-rar nas listas as rectificações ouaditamentos requeridos pelos man-datários (cf. artigo 28.º, n.º 4) e, deseguida, faz afixar as listas rectifi-cadas ou completadas e a indica-gão das que tenham sido admitidasou rejeitadas (cf. artigo 29.º).

Se o juiz não tiver detectadoirregularidades, nem o mandatáriose apresentar a suprir nenhuma,findo o prazo de três dias destina-do à verificação da regularidadedo processo, da autenticidade dosdocumentos e da elegibilidade doscandidatos (a que se refere o n.º 2do artigo 26.º), profere logo o des-pacho a admitir as candidaturas(cf. artigo 29.º), sem necessidade,nesse caso, de uma segunda afi-xação das listas [cf. acórdão n.º747/93 (DR, II, de 15/3/94)].

Da decisão do juiz (de admis-são ou de rejeição de qualquerlista ou candidato), podem recla-mar para o próprio juiz, no prazode dois dias contados da afixaçãodas listas admitidas (ou rejeita-das), os candidatos, os seus man-datários e os partidos políticos queconcorram à eleição naquele cír-culo (cf. artigo 30.º, n.º 1).

Se a reclamação for contra aadmissão de qualquer candidatu-ra, o juiz manda notificar o manda-tário da lista reclamada para res-ponder, querendo, em 24 horas (cf.artigo 30.º, n.º 2)

37

Page 40: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

Se a reclamação for contra arejeição de qualquer candidatura, ojuiz manda notificar para o mesmoefeito os mandatários das restan-tes listas (cf. artigo 30.º, n.º 3).

0 TC já decidiu, no domíniodas eleições autárquicas, mas comvotos discordantes, que os candi-datos podem reclamar (e recorrer)contra a admissão da candidaturade companheiros da mesma lista[cf. acórdão n.º 231/85 (DR, II, de1/3/86)].

Não havendo reclamaçõesou decididas que sejam as quetiverem sido apresentadas - o queo juiz deve fazer em 24 horas (cf.artigo 30.º, n.º 4) - o juiz manda afi-xar a relação completa de todas aslistas admitidas e remeter cópiadas mesmas ao governador civilou, sendo o caso, ao Ministro daRepública (cf. artigo 30.º, n.º 5).

Das decisões finais do juizrelativas à apresentação de candi-daturas, cabe recurso para o TC,que é de plena jurisdição e deveser interposto no prazo de trêsdias, a contar da data da afixaçãosubsequente à decisão das recla-mações que tiverem sido apresen-tadas ou do termo do prazo paratal (cf. artigo 32.º n.ºs 1 e 2).

Este recurso não pode, emprincípio, ser apresentado pelo

MP. Este só tem legitimidade pararecorrer, se estiver em causa umaquestão de constitucionalidade,como sucede quando se admite ourejeita uma candidatura, recusan-do-se, para o efeito, a aplicação,com fundamento na sua inconsti-tucionalidade, da norma que con-siderava o candidato inelegível ouelegível [cf. acórdão n.º 248/85(DR, II, de 12/3/86)].

A petição de recurso é, entre-gue no tribunal que proferiu a deci-são recorrida, acompanhada detodos os elementos de prova (cf.artigo 34.º, n.º 1).

Se o que se impugna é aadmissão de uma candidatura, de-ve ser notificado imediatamente omandatário da lista respectiva, pa-ra, querendo, responder, em 24horas, podendo também fazê-lo oscandidatos ou os partidos políticosproponentes (cf. artigo 34.º, n.º 2).

Se se recorre da não admis-são de uma lista, a notificação(imediata) será feita à entidadeque tiver impugnado a sua admis-são para responder, querendo, em24 horas (cf. artigo 34.º, n.º 3).

0 recurso sobe ao TC nos pró-prios autos (cf. artigo 34.º, n.º 4).

Decididos os recursos (o TCprofere a decisão em 48 horas: cf.artigo 35.º n.º 1), o juiz manda afi-xar imediatamente as listas defini-tivamente admitidas e remete có-pia das mesmas à CNE e aosgovernadores civis (nas regiõesautónomas, ao Ministro da Repú-

38

Page 41: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

blica), que, em 5 dias, as farãopublicar, por edital, à porta dogoverno civil e de todas as câma-ras municipais do circulo eleitoral(cf. artigo 36.º, n.º 1).

As listas são novamente pu-blicadas se, entretanto, houversubstituição de candidatos - e,claro, no caso de, em recurso, seranulada a decisão que rejeitouuma lista (cf. artigo 38.º).

Só pode haver substituiçãode candidatos - substituição que éfacultativa e há-de ter lugar, nomáximo, até 15 dias antes daseleições - nos seguintes casos:

(a). quando o TC julgar inele-gível qualquer candidato;

(b). quando qualquer candi-dato morrer ou se incapacitarfísica ou psiquicamente;

(c). quando um candidato de-sistir (cf. artigo 37.º).

A desistência de um candida-to tem que constar de declaraçãopor ele subscrita com assinaturareconhecida pelo notário (cf. artigo3.º).

Tal desistência não afecta avalidade da lista.

Diferente é a desistência delista, que pode ter lugar até 48

horas antes da eleição. Esta deveser comunicada pelo partido pro-ponente ao juiz, que a comunicaráao governador civil ou, nas regiõesautónomas, ao Ministro da República(cf. artigo 39.º n.ºs 1 e 2).

2.3. A campanha eleitoral:

A campanha eleitoral inicia-se no 14.º dia anterior ao das elei-ções e termina às 24 horas da an-tevéspera desse dia (cf. artigo 53.º,na r. da Lei n.º 10/95, de 7/Abril).

As campanhas eleitorais re-gem-se pelos seguintes princípios:

(a). Liberdade de propagan-da (comícios, desfiles, espec-táculos, difusão de textos, deimagens, etc.)

(b). Igualdade de oportunida-des e de tratamento das di-versas candidaturas, o que,desde logo, impõe a atribui-ção de iguais tempos deantena;

(c). Imparcialidade das enti-dades públicas perante ascandidaturas: todas as candi-daturas devem receber igualtratamento; as entidades pú-blicas devem abster-se dequalquer atitude que possafavorecer ou prejudicar umacandidatura.

39

Page 42: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

(d). Fiscalização das contaseleitorais, com que se preten-de que se não excedam osmáximos fixados na lei paradespesas eleitorais, para,desse modo também, se ga-rantir a igualdade de oportu-nidades (cf. artigo 116.º, n.º3, da CRP).

0 TC, na campanha eleitoralpara as autarquias locais, decidiuque não merecia censura umadeliberação da CNE, que ordenaraa uma câmara municipal a imedia-ta remoção da propaganda de umcandidato que, sendo presidentedessa câmara, tinha cartazes afi-xados dizendo “Presidente F....., já nos conhecemos”.

Entendeu o TC que essescartazes violavam a obrigação deneutralidade das entidades públi-cas [cf. acórdão n.º 808/93 (DR, II,de 31/3/94)].

Num outro acórdão [o n.º605/89 (DR, II, de 2/5/90)], o TCentendeu que a CNE tinha compe-tência para mandar suspender adistribuição de um panfleto eleito-ral em que determinada força polí-tica, apelando ao voto, prometiasortear um automóvel no caso dasua vitória eleitoral. E entendeu,bem assim, que essa deliberaçãonão merecia censura, uma vez quetal panfleto atentava contra o prin-cipio da igualdade das candidatu-ras, já que violava a liberdade devoto dos eleitores.

2.4. A votação:

0 direito de voto é exercidopresencialmente pelo cidadão elei-tor, salvo nos casos previstos nosartigos 79.º-A, 79.º-B e 79.º-C (r.da Lei n.º 10/95, de 7/Abril), emque a lei permite o voto antecipado(cf. artigo 79.º, n.º 3). E é exercidodirectamente (principio da pessoa-lidade do voto), não sendo admiti-do o voto por procuração (cf. artigo97.º, na r. da Lei n.º 10/95). Isto,porém, não impede que os eleito-res afectados de doença ou defi-ciência física notórias se façamacompanhar de outros eleitorespor si escolhidos para os ajudarema praticar os actos necessários àexpressão do seu voto [cf. os acór-dãos n.ºs 3/90 e 869/93 (DR, II, de24/4/90 e de 12/5/94)] E tambémnão impede que os eleitores resi-dentes no estrangeiro exerçam odireito de voto “pela via postal(voto por correspondência) e juntodas assembleias de recolha e con-tagem de votos dos residentes noestrangeiro” (cf. artigo 5.º do DL n.º95-C/76, de 30 de Janeiro. EsteDL, também foi alterado pela Lein.º 10/95).

A fim de que os eleitores nãosejam mais sugestionados pelossímbolos de uns partidos (ou coli-gações) do que pelos de outros -ou seja: a fim de se assegurar aigualdade de tratamento das can-didaturas também ao nível dos bo-letins de voto - tais símbolos de-vem, todos eles, ocupar nos bole-tins uma área sensivelmente igual,

40

Page 43: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

que seja suficiente para assegurara sua perceptibilidade, pois só as-sim eles terão uma idêntica ca-pacidade identificadora. E cadasímbolo não pode ultrapassar, sejaem largura, seja em altura, umamedida compatível com o que nosboletins deve ser impresso. Emais: na reprodução dos símbolosnos boletins, devem respeitar-serigorosamente as suas proporçõesoriginais [cf., sobre isto: os acór-dãos n.ºs 241/85, 243/85, 258/85 e260/85 (DR, II, de 10/3/86, de11/3/86, de 18/3/86, de 18/3/86) e544/89 (DR, II, de 3/4/90)].

Só pode votar quem estiverinscrito nos cadernos eleitorais (cf.artigo 3.º e 83.º).

Nas assembleias de voto enum raio de 100m, é proibida apresença da força armada (cf. arti-go 94.º).

Salvo quando se trate de pôrtermo a qualquer tumulto ou deobstar a qualquer agressão ou vio-lência - e, em qualquer caso, sem-pre e só pelo tempo estritamentenecessário - , a presença da forçaarmada constitui nulidade de vota-ção, independentemente de ofacto ter ou não tido influência navotação [cf. acórdão n.º 332/85(DR, II, de 18/4/86)].

0 eleitor exerce o direito devoto, traçando “uma cruz no qua-

drado respectivo da lista em quevota” (cf. artigo 95.º, n.º 4).

Qualquer sinal diferente dacruz torna o voto nulo [cf. acórdãon.º 319/85 e 326/85 (DR, II, de15/4/86 e 16/4/86)].

A cruz pode, no entanto, serimperfeitamente traçada e, mes-mo, exceder os limites do quadra-do; o que se exige, sob pena denulidade de voto, é que a intercep-ção dos seus dois segmentos derecta se dê dentro dos limites doquadrado [cf. acórdãos n.ºs 320/85(DR, II, de 15/4/86); 326/85 (DR, II,de 16/4/86); 862/93 e 864/93 (DR,II, de 10/5/94, e de 31/3/94); e 8/94(DR, II, de 31/3/94)].

Durante a votação, podem serapresentadas reclamações, pro-testos, ou contraprotestos, tantopelos eleitores inscritos na as-sembleia de voto, como pelos dele-gados das listas (cf. artigo 99.º, n.º1), que serão decididas pela mesa(cf. artigo 99.º, n.ºs 3 e 4).

2.5. 0 apuramento

2.5.1. 0 apuramento parcial

Terminada a votação, inicia-se em cada assembleia de voto orespectivo apuramento (apuramen-

41

Page 44: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

to parcial), do qual se lavrará acta(cf. artigos 100.º a 105.º).

Relativamente às operaçõesde apuramento parcial, podemapresentar reclamações ou protes-tos os delegados das listas (cf. arti-go 102.º, n.º 4).

Se as reclamações ou protes-tos não forem atendidos, os votosreclamados ou protestados sãoseparados, anotados no versocom indicação da qualificaçãodada pela mesa e do objecto dareclamação ou protesto e rubrica-dos pelo presidente da mesa e,querendo-o, pelo delegado da lista(cf. artigo 102.º, n.º 5).

Os boletins de votos nulos,que serão rubricados pelo presi-dente da mesa, e, bem assim, osboletins de votos reclamados ouprotestados são entregues ou re-metidos ao presidente da respecti-va assembleia de apuramento ge-ral, acompanhados pelos docu-mentos que lhes digam respeito(protestos, reclamações, contra-protestos) e, ainda, da acta, ca-dernos eleitorais e demais docu-mentos respeitantes à eleição.

Essa remessa ou entregapode ser feita por seguro do cor-reio ou por próprio, que cobrarárecibo da entrega (cf. artigo 106.º).

Embora a lei o não diga, to-dos esses elementos devem serenviados dentro de envelopes la-

crados - o que, sobremaneira, seimpõe quando forem levados emmão.

De facto, fazendo a lei essaexigência para os boletins de votocontados como válidos sem recla-mação ou protesto (cf. artigo 104.º,n.º 1), maior razão há para se exi-gir o mesmo procedimento para asactas, cadernos eleitorais, votos edemais elementos que as acom-panham [cf., neste sentido, o acór-dão n.º 853/93 (DR, II, de 31/3/94),onde o TC concluiu que o facto deos votos nulos não virem metidosem envelopes lacrados constituiuma irregularidade no apuramentoparcial]. No acórdão n.º 859/93(DR, II, de 10/5/94) que, recaiusobre um caso em que os votosreclamados foram transportadospara a assembleia de apuramentogeral sem irem em envelope lacra-do, ponderou-se que o facto deesses votos irem “em mão, deforma avulsa, isto é, não introduzi-dos em envelopes lacrados”, con-tém em si a possibilidade da “suaalteração, quer através da marca-ção dos simbolos ou cruzes, queratravés da emenda de votosnulos”.

2.5.2. 0 apuramento geral:

Este apuramento é feito emcada círculo eleitoral com basenas actas das operações das as-sembleias de voto, nos cadernoseleitorais e nos demais documen-

42

Page 45: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

tos que os acompanham (cf. artigo109.º, n.º 1).

No inicio dos trabalhos, aassembleia de apuramento geraldecide se os votos que tenham sidoobjecto de reclamação ou protestodevem (ou não) ser contados comoválidos, corrigindo, se for caso dis-so, o apuramento da respectiva a-ssembleia de voto (cf. artigo 110.º,n.º 1).

Quanto aos votos nulos, de-vem as assembleias reapreciá-los“segundo um critério uniforme”, cor-rigindo, se for caso disso, o apura-mento em cada uma das assem-bleias de voto (cf. artigo 110.º, n.º 2).

As assembleias de apura-mento geral não podem, porém,reapreciar (e, assim, recontar) osvotos que as assembleias de voto(e apuramento parcial) tenhamconsiderado válidos sem reclama-ção ou protesto: esses votos tor-nam-se definitivos. É, de novo, oprincipio da aquisição progressivados actos a fazer sentir a sua força[cf. acórdãos n.ºs 322/85 (DR, II,de 16/4/86), 610/89 (DR, II, de6/4/90), 856/93, 857/93 e 864/93(DR, II, de 31/3/94) e 3/94 (DR, II,de 13/5/94)].

0 TC entendeu, no entanto,que, quando as actas são omis-sas, seja quanto ao número devotos obtidos por cada lista, seja

quanto ao número de votos bran-cos e nulos, há que proceder à suarecontagem [cf. acórdão n.º 16/90(DR, II, de 17/9/90)].

No acórdão n.º 322/85 (DR,II, de 16/4/86), chamou o TC a a-tenção para que a lei distingue en-tre operações preliminares e ope-rações de apuramento, mandandoque neste se proceda à verificaçãodo número total de votos obtidospor cada lista, do número de votosem branco e do número de votosnulos [cf. artigo 11.º , alínea- b)].Ora, isso significa - disse-se aí -que a reapreciação de votos, ten-do por finalidade decidir se elesdevem ou não ser contabilizados,apenas pode ter por objecto osvotos nulos, os votos reclamados eos votos protestados, e não tam-bém aqueles que as assembleiasde voto consideraram válidos semobjecção de ninguém.

No acórdão n.º 864/93, apli-cou-se esta doutrina a um caso emque uma assembleia de apura-mento geral tinha corrigido o apu-ramento de uma assembleia devoto, procedendo, para o efeito, auma pesquisa no maço dos votosválidos. Precisou-se aí que, embo-ra.tal operação aparecesse justifi-cada como “correcção de um erromaterial”, do que, em direitas con-tas, se tratou foi de uma alteraçãoinjustificada do “sentido do apura-mento de um voto consideradocomo válido (ainda que erronea-mente contabilizado)”.

43

Page 46: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

Durante as operações deapuramento geral, os candidatos eos mandatários das listas - quepodem assistir aos respectivos tra-balhos sem direito de voto - podemapresentar reclamações, protestos,ou contraprotestos (cf. artigo 108.º,n.º 3), que a assembleia decidirá - oque tudo deve constar da respecti-va acta, tal como os resultados dasrespectivas operações (cf. artigo113.º, n.º 1).

Estas reclamações, protestosou contraprotestos não podem,porém, ser genéricos, antes tendoque identificar o voto cuja valida-ção (ou invalidação) se contesta[cf. acórdão n.º 863/93 (DR, II, de31/3/94)].

0 presidente da assembleiade apuramento geral - que é o juizdo círculo judicial com sede nacapital do circulo eleitoral - , con-cluídos os trabalhos, proclamaráos resultados apurados e fá- los-ápublicar por edital (cf. artigo 112.º,r. da Lei n.º 10/95), para além dedever enviar dois exemplares daacta à CNE e um ao governadorcivil ou, nas regiões autónomas,ao Ministro da República (cf. artigo113.º, n.º 2).

Na conversão dos votos emmandatos, há que observar o mé-todo da representação proporcio-nal de Hondt (cf. artigo 16.º).

Quando se trate de atribuir oúltimo mandato, se tal for necessá-rio, deve recorrer-se às décimaspara determinar a lista a que omandato deve ser atribuído [cf.acórdão n.º 15/90 (DR, II, de29/6/90)].

2.6. Contencioso eleitoral:

Como se disse já, podem a-presentar-se reclamações, protes-tos ou contraprotestos contra asirregularidades ocorridas durantea votação ou durante os apura-mentos (parcial e geral). As irregu-laridades que se verifiquem duran-te a votação ou durante o apura-mento parcial devem ser reclama-das ou protestadas, por escrito, pe-rante as respectivas mesas eleito-rais (cf. artigo 99.º e 102.º, n.ºs 4 e5). As irregularidades que ocorramdurante o apuramento geral devemser reclamadas ou protestadas pe-rante a respectiva assembleia (cf.artigo 108.º, n.º 3).

Das decisões proferidas so-bre as reclamações ou protestospodem recorrer contenciosamentepara o TC, além do apresentanteda reclamação, protesto ou contra-protesto, os candidatos, os seusmandatários e os partidos políticosque, no círculo, concorram à elei-ção (cf. artigo 118.º, n.ºs 1 e 2).

A apresentação de reclama-ção ou protesto no acto em que a

44

Page 47: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

irregularidade ocorreu é, pois, con-dição indispensável do recursopara o TC. Ainda que tenham sidocometidas irregularidades, se senão reclamou, nem protestou o-portunamente, não podem elas serimpugnadas contenciosamente;antes, se consolidam [cf., entremuitos outros, os acórdãos n.ºs322/85 e 324/85 (DR, II, de16/4/85); 855/93, 856/93, 857/93,(DR, II, de 31/3/94); 859/93 (DR, II,de 10/5/94); 864/93 (DR, II, de31/3/94); 869/93 (DR, II, de12/5/94); e 13/94 (DR, II, de13/5/94)].

Só depois de feito o apura-mento geral é que se pode interporrecurso para o TC. E isso é assim,mesmo que o recurso se funde naprática de irregularidades ocorri-das no decurso da votação ou nodo apuramento parcial.

E que, o recurso visa a anula-ção da votação, e esta só pode serdecretada, se a ilegalidade puderinfluir no resultado geral da elei-ção. Ora, isso só pode ser compro-vado depois de feito o apuramentogeral [cf. acórdão n.º 814/93 (DR,II, de 31/3/94) ] .

0 protesto ou reclamaçãoapresentado por um partido con-corrente à eleição aproveita aqualquer outro partido igualmenteconcorrente que pretenda recorrercontenciosamente da decisão pro-ferida sobre essa reclamação ouprotesto [cf. acórdão n.º 869/93(DR, II, de 12/5/94)].

A petição de recurso - que há-de especificar os fundamentos defacto e de direito do mesmo - temque ser acompanhada de todos oselementos de prova, incluindo foto-cópia integral da acta da assem-bleia em que ocorreu a irregulari-dade (cf. artigo 117.º, n.º 3).

Recai sobre o recorrente oónus da prova da tempestividadedo recurso [cf. acórdãos n.ºs840/93, 847/93 (DR, II, de31/3/94); 848/93 (DR, II, de10/5/94); 851/93 (DR, II, de19/5/94; e 854/93 (DR, II, de31/3/94)] e, bem assim, o ónus daprova da oportuna apresentaçãode reclamação ou protesto, para oque tem que juntar cópia integralda acta em que ocorreu a irregula-ridade invocada [cf. acórdãos n.ºs814/93, 847/93 (DR, II, de31/3/94); 850/93 (DR, II, de19/5/94); 857/93, 866/93 (DR, II,de 31/3/94); e 868/93 (DR, II, de30/4/94)]. Se, porém, não for impu-tável ao recorrente a impossibilida-de de junção com a petição, dacópia integral da acta da assem-bleia em que ocorreu a irregulari-dade invocada, é ele admitido ajuntá-la até ao termo do prazo queo TC tem para decidir o recurso [cf.acórdãos n.ºs 5/90 (DR, II, de24/4/90) e 856/93 (DR, II, de31/3/94) ].

0 recorrente tem também oónus de juntar os votos que a as-

45

Page 48: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

sembleia de apuramento parcialjulgue nulos, mas que a assem-bleia de apuramento geral validou,no caso, obviamente, de ser esseo fundamento de recurso. Se osnão juntar, o TC não pode conhe-cer do recurso [cf. acórdão n.º 1/94(DR, II, de 13/5/94 ) ].

0 recurso - que é de plenajurisdição - deve ser interposto noprazo de 24 horas, a contar da afi-xação do edital contendo os resul-tados do apuramento geral (cf. arti-go 118.º, n.º 1.

Este prazo conta-se hora ahora, não se contando a hora ini-cial, mas não se suspende nossábados, nem nos domingos eferiados [cf. acórdão n.º 857/93(DR, II, de 31/3/94)].

Para ajuizar da tempestivida-de do recurso, relevante é a data(dia e hora) em que a respectivapetição deu entrada na secretariado TC [cf. acórdão n.º 7/90 (DR, II,de 24/4/90)].

A irregularidade de votação -recorda-se - só acarreta a nulidadeda respectiva eleição (da assem-bleia de voto ou do circulo eleito-ral), se puder “influir no resultadogeral da eleição no circulo” (cf. arti-go 119.º, n.º 1).

As irregularidades de apura-mento - que em princípio, condu-zem à correcção do resultado apu-rado [cf. acórdão n.º 332/85 (DR,II, de 18/4/86)] - se forem suscep-tíveis de “influir no resultado geralda eleição no círculo” e não pude-rem ser reparadas pela simplescorrecção ou anulação do apura-mento, acarretam também a nuli-dade da eleição [cf. acórdão n.º15/90 (DR, II, de 29/6/90) e 859/93(DR, II, de 10/5/94)].

0 TC já, porém, anulou umaeleição, sem que tivesse sido feitaprova de que a ilegalidade cometi-da podia ter influído no resultadoeleitoral e sem que tivesse havidoreclamação ou protesto de tal ile-galidade.

Conheceu, assim, o TC ofi-ciosamente e com dispensa de re-clamação ou protesto. Foi o casodo acórdão n.º 332/85 (DR, II, de18/4/86), em que a GNR, tendosido chamada a uma assembleiade voto para evacuar a sala, porvirtude de se ter gerado “confusãoe alarido”, ai se manteve até aoencerramento das operações devoto. Disse o TC: o facto não pode“deixar de implicar a nulidade davotação, independentemente deter havido ou não influência noresultado eleitoral”.

46

Page 49: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

3. A eleição do Presidente da República

3.1. Generalidades:

0 processo eleitoral para oPR inicia-se também com a mar-cação da data das eleições - dataque se deve situar entre o 60.º e o30.º dia anteriores ao termo domandato do Presidente em fun-ções ou, sendo esse o caso, entreo 60.º e o 90.º dia posteriores àvacatura do cargo (cf. artigo 128.º,n 1, da CRP). Em caso algum,porém, tal data pode situar-se nos90 dias anteriores ou posteriores àdata das eleições para a AR (cita-do art. 128.º, n.º 2).

Só é elegivel PR o cidadãoeleitor, português de origem (isto é,nas condições do artigo l.º da Lein.º 37/81, de 3/Outubro), maior de35 anos (cf. artigo 125.º da CRP),que estiver no pleno gozo dos seusdireitos civis e politicos e inscrito norecenseamento eleitoral (cf. artigos4.º e 15.º, n.º 2, do DL n.º 315-A/76).

A nacionalidade originária dosportugueses nascidos em territórioportuguês ou sob administraçãoportuguesa prova-se pelo assentode nascimento; a dos que nasce-ram no estrangeiro prova-se, con-soante os casos, pelo registo dadeclaração de que depende a suaatribuição ou pelas menções cons-

tantes do assento de nascimento(cf. artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º37/81). [cf., no entanto, o acórdãon.º 327/85 (BMJ, n.º 361-S, pág.355)]

Existe um único circulo elei-toral, compreendendo o continen-te, os Açores e a Madeira (cf. arti-go 7.º).

0 PR é eleito por lista unino-minal (cf. artigo 9.º).

Será eleito PR o candidatoque obtiver mais de metade dosvotos validamente expressos, nãose considerando como tal os votosem branco (cf. artigo 129.º, n.º 1,da CRP). Se nenhum dos candida-tos obtiver esse número de votos(metade e mais um), procede-se asegundo sufrágio no 21.º dia sub-sequente à primeira votação (arti-go 129.º, n.º 2), ao qual concorremapenas os dois candidatos maisvotados na 1.ª volta que nãotenham retirado a sua candidatura(cf. artigo 124.º, n.º 3).

Se um dos candidatos morrerantes do dia da eleição ou se inca-pacitar para o exercício da funçãopresidencial, reabre- se o proces-so eleitoral, nos termos do artigo30.º do DL n.º 315- A/76, na redac-ção da Lei n.º 143/85, de 26 de

47

Page 50: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

Novembro e do artigo 979 da Leido Tribunal Constitucional (tanto amorte, como a incapacidade sãoverificados pelo TC, em plenário(cf. artigo 127.º, n.º 3, da CRP).

3.2. Eleitores: (*)

0 PR é eleito por sufrágiouniversal, directo e secreto doscidadãos portugueses eleitores,recenseados no território nacional(cf. artigos 124.º, n.º 1, da CRP el.º do DL n.º 319- A/76, de 3 deMaio).

Eleitores são, portanto, todosos cidadãos portugueses residen-tes em território nacional à data doúltimo recenseamento e aqui efec-tivamente recenseados.

Contrariamente ao que suce-de com a eleição dos deputados,na eleição para o PR não votam oscidadãos portugueses residentesno estrangeiro e aí recenseados(cf. artigo 152.º, n.º 2, da CRP eartigo 3.º da Lei n.º 14/79).

3.3. Apresentação dascandidaturas:

As candidaturas são apre-sentadas por cidadãos eleitores(um mínimo de 7.500 e um máxi-mo de 15.000: cf. artigo 13.º, n.º 1),perante o Presidente do TC até 30dias antes da data prevista para aeleição (cf. artigos 13.º, n.º 1, e14.º, n.º 1, do DL n.º 319-A/76, de3 de Maio, e artigo 92.º, n.º 1, daLei n.º 28/82, de 15 de Novembro).

Não é aqui atendível a invoca-ção de justo impedimento (cf. acór-dãos n.ºs 1/86 e 7/86, Acórdãos doTribunal Constitucional, 7.º vol., I,ps. 311 e 319).

Cada cidadão eleitor só podepropor uma única candidatura (cf.artigo 13.º, n.º 1).

As assinaturas dos propo-nentes têm que ser reconhecidaspor notário (cf. artigo 15.º, n.º 4).

Cada candidato - que deveráassinar uma declaraçao de aceita-ção da candidatura (cf. artigo 15.º,

48

__________(*)

Nota: Manteve-se a redacção original da comunicação do autor mas que neste pontotem, naturalmente, de ser lida de acordo com a nova redacção constitucional (art.º 121.º)decorrente da revisão de 1997.Nos termos daquela norma constitucional também os eleitores residentes no estrangeiropodem votar na eleição presidencial, “devendo ter em conta a existência de laços de efecti-va ligação à comunidade nacional”.Na sequência dessa norma, também o artigo 297.º da Constituição assegura que os eleito-res que se encontrem inscritos no estrangeiro em 31 de Dezembro de 1996 se consideraminscritos para a eleição do Presidente da República.

Page 51: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

n.º 3) - tem que designar um man-datárío - para o representar nas o-perações referentes ao julgamentoda elegibilidade e nas operaçõessubsequentes (cf. artigo 16.º, n.º1), o qual, se não residir em Lis-boa, tem que escolher aí domicíliopara o efeito de receber as notifi-cações que houverem de ser-lhefeitas (cf. artigo 16.º, n.º 2) .

A regularidade dos processosde apresentação de candidaturas,a autenticidade dos documentosjuntos aos mesmos e a elegibilida-de dos candidatos são julgadaspelo TC, em secção (cf. artigo 93.º,n.º 1, da LTC).

Da decisão final relativa àapresentação de candidaturas -uma única para todas as que tive-rem sido apresentadas, a proferirno prazo de 6 dias a contar doprazo para a apresentação dasmesmas - (cf. artigo 93.º, n.º 2) -cabe recurso para o Plenário doTC, a interpor no prazo de 1 dia,regulado pelo artigo 94.º da LTC.

Este recurso pode ser inter-posto pelos candidatos ou pelosseus mandatários (cf. artigo 26.ºdo DL n.º 319-A/76).

Se desistir algum candidato,verificada a regularidade da decla-ração de desistência, que tem queser por ele escrita, com assinatura

reconhecida pelo notário o Presi-dente do TC manda afixar imedia-tamente à porta do edifício do Tri-bunal cópia dessa declaração enotificar a CNE, os Ministros daRepública e os governadores civis(cf. artigo 96.º da LTC).

3.4. Campanha eleitoral:

0 período de campanha eleito-ral inicia-se no 14.º dia anterior aodia da eleição e termina às 24 horasda antevéspera desse dia (cf. artigo44.º, n.º 1, do DL n.º 319-A/76, na r.da Lei n.º 11/95, de 22/Abril).

Havendo segunda volta o pe-ríodo da campanha começa no diaseguinte ao da afixação do editalcontendo os resultados do apura-mento geral da primeira votação eacaba às 24 horas da antevésperado dia marcado para as eleições(artigo 44.º, n.º 2).

Havendo atraso na publica-ção do edital, a campanha decorreentre o 8.º dia anterior à data dosegundo sufrágio e as 24 horas daantevéspera desse dia (cf. artigo44.º, n.º 3, na r. da Lei n.º 11/95).

No período de campanhaeleitoral, os candidatos dispõemde tempos de antena na rádio e natelevisão, que devem ser regularese equitativos (cf. artigo 40.º, n.º 3,da CRP) e têm direito a que a suacampanha seja coberta pela im-prensa, em termos de igualdade

49

Page 52: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

[cf. artigo 116.º, n.º 3, da CRP e54.º do DL n.º 319- A/76, de3/Maio].

Os candidatos utilizam ostempos de antena para promove-rem as suas candidaturas do mo-do que melhor entenderem. Com acondição de respeitarem os limitesimpostos pela ordem jurídica à li-berdade de expressão, são eleslivres de fazerem as propostas quequiserem e de veicularem as men-sagens que entenderem.

A ordem jurídica configura,assim, o direito de candidatura co-mo um direito de conteúdo insindi-cável.

0 TC, no seu acórdão n.º 9/86(DR, II, de 21/4/86), decidiu, justa-mente, não poder suspender ostempos de antena de um candida-to a PR que os utilizava para fazercampanha a favor de um outrocandidato. E isso, não obstante ocandidato a favor de quem umoutro passou a fazer campanhaver os seus tempos de antena“duplicados” e de assim ficar,objectivamente, colocado numasituação de vantagem, com o quese atingia o principio do tratamen-to igual das candidaturas [cf. artigo116.º, n.º 3, b), da CRP ] .

É que, a suspensão dotempo de antena é uma sanção,que, por isso, o TC só poderia apli-

car se houvesse lei que previsse asua aplicação a situações do tipoindicado. Mas tal lei não existe.

Também no domínio da cam-panha eleitoral para PR, o TC tirouo acórdão n.º 23/86 (DR, II, de28/4/86), no qual entendeu (embo-ra com vozes discordantes) quehavia que respeitar a troca derecintos públicos, que tinha sidofeita por dois candidatos, embora,no momento em que um dessesrecintos devia ser utilizado, o can-didato, a quem esse espaço tinhasido atribuído, já tivesse desistido[cf. sobre outro caso de troca deespaços, o acórdão n.º 19/86 (DR,II, de 24/4/86)].

Quem decide da utilizaçãodos espaços pelas diversas candi-daturas é o governador civil (nasregiões autónomas, o Ministro daRepública), havendo da sua deci-são recurso para a CNE [cf. artigo57.º e 59.º do DL n.º 319-A/76 eartigo 5.º, n.º 1, g), da Lei n.º71/78, de 27/Dezembro].

50

Page 53: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

3. 5. Votação e apuramento: (*)

0 direito de voto é exercidopresencialmente no território nacio-nal (cf. artigo 70.º, n.º 1), mas podeser exercido antecipadamente (cf.artigos 70.º-A, 70.º-B e 70.º-C).Não pode haver voto por procura-ção, antes tem que ser exercidodirectamente pelo cidadão eleitor,como, de resto, acontece nas elei-ções para a AR. Mas, contraria-mente ao que sucede nas eleigõeslegislativas, em que os eleitoresrecenseados no estrangeiro e aíresidentes votam pela via postal,nas eleições presidenciais, nãopode haver voto por correspondên-cia. Aliás, como se disse já, nestaseleições, eleitores são apenas oscidadãos portugueses residentesno território nacional.

Também nestas eleições osdeficientes (visuais ou outros),verificado o condicionalismo doartigo 74.º (r. da Lei n.º 11/95, de22/Abril), podem votar acompa-nhados.

Durante a votação qualquereleitor inscrito na assembleia devoto e, bem assim, qualquer dele-gado das candidaturas pode apre-sentar, por escrito, reclamação,protesto, ou contraprotesto porirregularidades aí praticadas, jun-

tando os documentos necessários,que a mesa decidirá, por maioria(cf. artigo 89.º). E outro tantopodem fazer os delegados dascandidaturas, durante as opera-ções de apuramento, relativamen-te à contagem e à qualificaçãodada aos votos de qualquer bole-tim (cf. artigo 92.º, n.º 4).

Encerrada a votação, se-guem-se as operações de apura-mento, do que se lavrará acta,que, juntamente com os cadernoseleitorais e demais documentosrespeitantes à eleição, será entre-gue ou remetida, pelo seguro docorreio ou por próprio, ao presi-dente da assembleia de apura-mento distrital (cf. artigo 96.º), queé um magistrado judicial designa-do pelo presidente do Tribunal daRelação do distrito judicial respec-tivo [cf. artigo 98.º, n.º 1, alínea a)].

Dos documentos que os pre-sidentes das assembleias de votodevem remeter aos presidentesdas assembleias de apuramentodistrital fazem parte as reclama-ções, protestos e contraprotestosque, acaso, tenham sido apresen-tados durante a votação ou o a-puramento (cf, artigos 89 e 92.º,n.º 4); os próprios votos reclama-dos ou protestados (cf. artigo93.º) ; e os votos nulos (cf. analo-gicamente, o artigo 103.º da Lein.º 14/79).

51

__________(*) Ver nota ao ponto 3.2

Page 54: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

0 apuramento distrital inicia-se com a tomada de decisãosobre se devem ou não contar-seos boletins de voto sobre quetenha recaído reclamação ou pro-testo, corrigindo-se, se for casodisso, os apuramentos feitos nasassembleias de voto (cf. artigo10O.º).

Se os votos nulos tambémdeverem ser remetidos, comopenso, a assembleia de apura-mento distrital deve reapreciá-lossegundo um critério uniforme,corrigindo também (se for o caso)os resultados das assembleias devoto (cf. artigo 110.º, n.º 2, da Lein.º 14/79, analogicamente).

As assembleias de apura-mento distrital não podem tam-bém aqui reapreciar ou recontaros votos que as assembleias devoto tenham julgado válidos semreclamação ou protesto de nin-guém (cf., entre outros, o acórdãon.º 3/94 (DR, II, de 13/5/94).

Durante os apuramentosdistritais, podem ser apresenta-das reclamações, protestos oucontraprotestos pelos delegadosdas candidaturas (cf. artigo 103.º,n.º 1).

Do apuramento distrital lavra-se acta, de que o respectivo presi-dente deve remeter dois exempla-res (pelo seguro do correio ou por

próprio) ao presidente da assem-bleia de apuramento geral, sendoo terceiro exemplar e demais do-cumentação entregue ao respec-tivo governador civil (cf. artigo103.º) .

0 respectivo resultado é pu-blicado por edital (cf. artigo 102.º).

0 apuramento geral - já sedisse - é feito pela assembleia deapuramento geral, que é presididapelo Presidente do TC, por dois jui-zes do mesmo Tribunal, por trêsprofessores de Matemática desig-nados pelo Ministro da Educaçãoe pelo secretário do TC (cf. artigo106.º).

Os resultados são proclama-dos em edital (cf. artigo 109.º) .

No apuramento geral, podemos candidatos e mandatários apre-sentar reclamação, protestos oucontraprotestos (cf. artigo 106.º,n.º 3).

52

Page 55: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

3.6. Contencioso eleitoral:

As irregularidades ocorridasno decurso da votação ou do apu-ramento parcial podem ser apre-ciadas “em recurso”, a interporpara a assembleia de apuramentodistrital pelos apresentantes dasreclamações protestos ou contra-protestos ou pelos candidatos eseus mandatários.

Da decisão que for proferidapela assembleia de apuramentodistrital e, bem assim, das irregula-ridades que tiverem sido cometidasdurante os apuramentos distritais,cabe recurso para o TC, a interporpelas mesmas entidades no diaseguinte ao da afixação do editalcontendo os resultados do respec-tivo apuramento distrital (cf. artigo114.º, n.ºs 1 e 5, e 105.º, n.º 1) .

Cabe também recurso para oTC das decisões proferidas sobreas reclamações, protestos ou con-traprotestos apresentados contrairregularidades ocorridas no de-curso do apuramento geral (cf. arti-gos 114.º, n.º 1, e 115.º, n.º 1).

Pressuposto dos recursos étambém aqui que as irregularida-des tenham sido objecto de recla-mação ou protesto.

Recai também sobre os re-correntes o ónus da prova dos

pressupostos do recurso e, bemassim, dos respectivos fundamen-tos de facto e de direito.

A falta de junção de cópiaintegral da acta em que a irregula-ridade foi cometida e dos demaiselementos de prova implica o nãoconhecimento do recurso [cf. acór-dãos n.ºs 850/93 e 852/93 (DR, II,de 19/5/94 e de 14/5/94)], idênticasendo a consequência no caso deo recorrente não fazer prova datempestividade do recurso, ou seja,da data da afixação do respectivoedital [cf. acórdão n.º 851/93 (DR,II, de 19/5/94)].

As irregularidades de votaçãosó acarretam a nulidade da vota-ção da assembleia em que ocor-reu, se puder influir no resultadogeral da votação [cf. artigo 116.º,n.º 1. Cf. também os acórdãos n.ºs859/93, 860/93 (DR, II, de 10/5/94)e 15/90 (DR, II, de 29/6/90)].

Exemplo de írregularidade devotação é o caso de um eleitor votarem mais do que uma assembleiade voto (voto plúrimo), por estarirregularmente inscrito em duas fre-guesias diferentes - o que tambémconstitui o ilícito previsto no artigo137.ºdo DL n.º 319-A/76 [cf. o artigo339.º, n.º 1, alínea a), do novo Có-digo Penal][cf. acórdão n.º 860/93(DR, II, de 10/5/94)].

53

Page 56: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes
Page 57: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

55

Uma vez realizada, antes dotermo do primeiro semestre de1998, a actualização extraordináriado recenseamento eleitoral, nosprecisos termos e prazos previstosna Lei nº 130-A/97, de 31 deDezembro, cabe agora reflectir, aesta distância – passados quasedoze meses, e após a realizaçãode dois actos referendários – sobreo que neste artigo se entende cha-mar a “síndrome crítica” dos faze-dores de opinião.

O tema e problema aqui invo-cados remetem-nos para o recen-seamento eleitoral, a sua (des)ac-tualização e a profusa1 decepçãodos polemistas em face da elimina-ção de aproximadamente apenas443.000 inscrições activas por viado processo de actualização ex-traordinária. Ou seja, uma reduçãode 4,9% no universo eleitoral doPaís.

Tratou-se, e talvez se venha atratar ainda com reincidentes epi-sódios num futuro próximo, de umaquestão controversa, alimentadapor diferentes comentadores des-

tas coisas dos números da popula-ção, ou mais genericamente dasestatísticas, se bem que, e em a-bono da verdade se diga, nenhumdeles tenha posto em causa a legi-timidade da taxa de participaçãonos actos de sufrágio que decorre-ram em 1998. Em nossa opinião,acabou por prevalecer, apesar detudo, o bom senso numa matériaque exige algum aclaramento. Nãose cumpriu, portanto, a profecia deAntónio Barreto, para quem o Cen-so fantasma seria usado para inva-lidar o veredicto do povo, abrindo ocaminho para o argumento da ilegi-timidade das decisões populares.

Ninguém tem dúvidas que aausência de rigor e a margem deerro das nossas estatísticas sãofactores estruturais de constrangi-mento da sociedade portuguesa,certamente mais evidentes quandose trata de realizar estudos compa-rativos internacionais. Os dadosoficiais pecam frequentemente porinexactidão e por serem tardiamen-te publicados. Reconhecendo quea explicação deste fenómeno secu-lar é complexa, ela passará pelainsuficiência organizativa e proces-

O UNIVERSO ELEITORAL PORTUGUÊS EMNÚMEROS. UMA VELHA QUESTÃO REVISITADA.- Paulo Machado

Sociólogo

1

Sem preocupação de exaustividade, recolhemos entre Novembro de 1997 e Junho de1998 mais de 40 artigos, crónicas e notícias sobre este assunto.

Page 58: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

sual dos serviços estaduais e poruma atitude culturalmente adversaà quantificação precisa. AntónioBarreto (1996), referindo-se a estamesma questão, partilha connoscoum episódio bem ilustrativo:

“Passei em revista dadossobre a população, a família, a edu-cação, a saúde e a segurança so-cial. Tentei traçar um panorama su-perficial da evolução da sociedadeportuguesa nos últimos trinta anos.Quando acabei, Silva Lopes, co-mentou e endereçou-me os maissimpáticos elogios. Mas rematou:«O problema é que não sabemosse isso é verdade! Pode ser ou não.Nem sequer as estatísticas doscensos são seguras, quanto maisas outras!» Fiquei preso à cadeira”(página 27).

Não serão muitas as excep-ções a esta regra, e não se vê queo questionamento de um certoresultado se possa fazer por recur-so à insuspeita certeza de umoutro. Parece, pois, pouco pruden-te que se tenha questionado apurga de apenas 443.000 eleitoresfantasmas, invocando o rigor dafasquia censitária resultante do XIIIRecenseamento Geral da Popula-ção (v.g. Censos91).

1. O (falso) ponto de partida

O leitor recordar-se-á que aproblematização do alegadamentereduzido número de eliminaçõesde falsos eleitores se baseou nainvocada existência de uma discre-pância entre o volume de eleitoresinscritos e o volume de populaçãoresidente em Portugal com 18 emais anos de idade. Recorrendo aum método comparativo simples –sempre redutor –, a expectativa dealguns comentadores situava-sena fronteira psicológica de 1 milhãode falsos eleitores. Outros, palpi-tando com aparente maior prudên-cia, quedaram-se na fasquia dos700.000 falsos eleitores.

Curiosamente, e tratando-sede uma questão quantitativa, a“conta” (diminuendo-diminuidor =diferença) nunca teve um resultadocomum. A suspeita, todavia, recaiuinevitavelmente (?) sobre o Re-censeamento Eleitoral (RE), sim-plesmente porque era esse nume-ramento que estava a ser actuali-zado extraordinariamente, de acor-do com os parâmetros definidospela Lei da Assembleia da Re-pública. O objecto da síndrome cri-ticista não poderia, pois, ser outro.

Qual sombra chinesa, essaactualização, a sua metodologia, osresultados obtidos – afinal, e comoalguém escreveu, a vontade políticapara o fazer – alegadamente iludi-

56

Page 59: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

riam a “realidade” esperada e maisuma oportunidade histórica foradesperdiçada. O Recenseamentoda População (RP) passou quasiincólume a toda esta questão, fun-cionando como valor de referênciapara questionar o trabalho e osresultados da actualização do RE.Nada mais equivocante…

Recorrendo ao método com-parativo simples atrás referido,essa diferença poderia ser estima-da a partir da comparação entre onúmero de eleitores inscritos e queconstavam no RE em 31 de Maiode 1997 (8.926.129 eleitores) 2 , eo volume estimado de populaçãocom 18 e mais anos de idade resi-dente em Portugal em 30 de Junhodesse mesmo ano (7.797.421 indi-víduos); isto é, uma diferença paramais de aproximadamente 1,128milhões de indivíduos 3.

Este resultado é, todavia, en-ganador, e pelos seguintes motivos:

1. O RE, ainda que obrigatório, de-corre exclusivamente de umacto cívico (inscrição do cidadão

eleitor), uma vez que a inscriçãooficiosa não é uma prática a queas Comissões Recenseadorasrecorram. O actual RE data de1979 (cfr. Decreto-Lei nº 69/78,de 3 de Novembro) e aos cader-nos eleitorais são acrescenta-dos os novos eleitores e elimina-das as inscrições de eleitoresfalecidos 4. Os cadernos eleito-rais tiveram reformulações em1983, 1988 e 1993 (cfr. ainda nº1, artº 25º do Decreto-Lei nº69/78); sem prejuízo das actuali-zações anuais ordinárias duran-te o mês de Maio.

2. O RP, o último dos quais realiza-do em 1991, assenta numa ob-servação indirecta e descontí-nua da população residente oupresente, realizada através daaplicação exaustiva de umquestionário. As estimativas depopulação subsequentes ba-seiam-se, fundamentalmente,no método do seguimento de-mográfico, que consiste na apli-cação da equação de concor-dância – i.e., estima-se o efecti-vo populacional esperado a par-tir do efectivo recenseado, so-mando-lhe os nascimentos e o

57

2 Este universo refere-se ao número de eleitores inscritos nos 18 distritos e RegiõesAutónomas. Incluindo os eleitores dos círculos da Europa, fora da Europa e Macau, ouniverso eleitoral era em Maio de 1997 de 9.114.338.

3 Paulo Morais e José António Monteiro (1998) apontam para uma diferença de 989.914em 1995, recorrendo igualmente a este método.

4 Por que nos estamos a reportar ao universo total de leitores recenseados, não se mencionam aqui as eliminações por transferência de uma para outra ComissãoRecenseadora.

Page 60: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

saldo migratório externo, e de-duzindo os óbitos 5;

3. O RE, com tal metodologia ebase recenseadora tão remota,não poderá ter deixado de acu-mular erros ao longo dos seus20 anos de existência. Esseserros majoraram por certo o uni-verso eleitoral, e traduzem-seessencialmente nos seguintesfactores de distorção: óbitos nãoeliminados, inscrições múltiplase indevidas 6. Mas importarianão esquecer que o RE tambémpecará por defeito, dado quenão é previsível que todos oscidadãos com capacidade e-leitoral se tenham inscrito noRE, nomeadamente as novascoortes eleitorais, como de-monstra a taxa de inscriçãodesses novos eleitores 7 na últi-ma década;

4. O RP de 1991 teve uma margemde erro assumida pelo INE deaproximadamente 1% - equiva-lente a cerca de 100.000 indiví-duos -, muito embora a taxa deomissão tenha sido de 6,3%(cfr. Eggerickx et al., 1993). Pre-sume-se que, deduzida a taxade duplas contagens (5,3%, cfr.ainda Eggerickx et al.), se tenha

apurado tão ínfima margem deerro. Todavia, importa não es-quecer que as estimativas doINE para 1991, efectuadas combase no Censo de 1981 e nomesmíssimo método de segui-mento demográfico, apontavampara 10,337 milhões de habitan-tes, mas os Censos91 apenascontaram 9,867 milhões. A ex-plicação para o estranho “desa-parecimento” de meio milhão deportugueses deveu-se a umaerrada estimativa do movimentomigratório ao longo da décadade 80! Ficou, assim, por explicaraquele peculiar jogo de socie-dade, a que aludia António Bar-reto em crónica n’O Público(1991), e que consistia em per-guntar à sua volta, aos amigos efamiliares se tinham preenchidoos questionários (dos Censos);se sim, se alguém os tinha vin-do buscar; se não, se os tinhamlevado a algum sítio.

58

5 Pelo mesmo motivo, tratando-se de invocar o total da população, não se mencionamos saldos migratórios internos.

6 Sobre esta questão, consulte-se Miguéis, Jorge (1997) “A Reforma e Modernização doRecenseamento Eleitoral” in Eleições, nº 4, STAPE, Lisboa: pp 33-41.

7 Entende-se por novas coortes eleitorais o conjunto dos indivíduos que, em cada anoconsiderado, atingem os 18 anos de idade, e como tal deveriam inscrever-se no RE.

Page 61: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

2. Evidências de uma aritmética sem resto zero

Observemos a evolução dosdois universos ao longo dos últi-mos 17 anos (ver Quadro 1 eFigura 1), dividindo-a em doisperíodos (1981-1989 e 1990-1997).

Com pouco mais de dois anosde existência, em 1981 o RE apre-sentava uma diferença de +4,4%relativamente ao volume de popu-lação com 18 e mais anos de idade(em ano de recenseamento popu-lacional). Esta diferença, de acordocom a bibliografia internacional,poderia entender-se normal, umavez que em vários países se verifi-ca tal não coincidência (Morais etal., 1998).

Em Portugal, o fenómeno mi-gratório pode ajudar a explicar amajoração do número de eleitoresrecenseados em Comissões Re-censeadoras do Continente e dasRegiões Autónomas. Ainda quejuridicamente incorrecta – uma vezque a Lei impõe o recenseamentono círculo eleitoral correspondenteà zona de residência -, pode adivi-nhar-se uma de duas situações:cidadãos que emigraram num pe-ríodo posterior ao do seu recen-seamento eleitoral, conservando asua inscrição de origem; ou emi-grantes que vieram recensear-se aPortugal, permanecendo todavia a

residir no estrangeiro. Qualquerdas situações contribui para umaaparente majoração (por erro) doRE. De notar que o número de elei-tores recenseados nos círculos daEuropa e fora da Europa semprefoi – e assim se mantém – gritante-mente abaixo do número de portu-gueses que se sabe residirem noestrangeiro. Estamos em presençado valor afectivo e/ou simbólico dainscrição eleitoral enquanto proce-dimento que vincula alguém à suaterra natal.

Até ao final da década de 80,a discrepância entre os dois univer-sos aumenta até 7% (em 1989), oque equivaleria a reconhecer que apopulação adulta portuguesa teriaregistado uma variação de +11,8%, contrastando com a evoluçãodo universo eleitoral (+14,7%).

Na ausência de informaçãodesagregada, antes de 1990, sobreo movimento de novas inscrições einscrições por transferência, elimi-nações por óbito e eliminações portransferência, a análise do cresci-mento da diferença entre RE e RPdurante a década de 80 torna-sedifícil, senão impossível. Apenas sefaz notar que o valor médio de ins-crições e eliminações entre 1983 e1989 foi superior à dimensão médiadas novas coortes eleitorais e dosóbitos médios ocorridos nesse pe-ríodo (ver Quadro 2). O que signifi-ca que a vida do recenseamentoeleitoral não parou, condicionadapor procedimentos de natureza ad-

59

Page 62: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

60

Page 63: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

ministrativa que não favoreçam alimpeza de duplas inscrições e, porcerto, também, de óbitos entretantoocorridos.

O fluxo de migrações internase externas durante esta décadapoderia parcialmente ajudar a esti-mar o erro que se foi acumulandonas dezenas de milhar de cader-nos eleitorais das mais de 4.000Comissões Recenseadores exis-tentes. No início da década de 80,cerca de 18,5% da população por-tuguesa residia num distrito ou Re-gião Autónoma de que não era na-tural. Esta proporção certamentenão abrandou posteriormente, co-mo deixam antever os saldos mi-gratórios internos calculados combase nos dados dos Censos91.

A análise dos movimentosmigratórios internos com recursoaos dados do RE – possível a par-tir da existência de uma Base de

Dados central – é um exercíciocujo desenvolvimento não cabe noâmbito necessariamente restrito dopresente texto. Mas os dados jádisponíveis não deixam de confir-

mar que o movimento da popula-ção se acentuou bastante nasduas últimas décadas, como ficaclaro pela constatação de que maisde _ do eleitorado do distrito deLisboa, mais de 1/3 do eleitoradode Faro, quase _ no distrito doPorto (apenas para dar três exem-plos), não ser natural do distritoonde exerce o seu direito de voto.

Por explorar o seu peso per-centual ficam, assim, as seguintessituações:

• Eleitores que votam onde resi-dem, não sendo daí naturais;

• Eleitores que votam onde não re-sidem, por terem mantido a suaprimeira (ou última) inscrição;

61

Page 64: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

O conhecimento mais apro-fundado do universo eleitoral faráemergir mais a mobilidade dos ci-dadãos eleitores e, seguramente,menos a sua condição metafísicade “fantasmas”.

Para o período de 1990 a1997 dispomos dos dados do REde acordo com a seguinte discrimi-nação:

4 Número de inscritos;

4 Eliminações por transferência;

4 Eliminações por óbito;

4 Inscrições durante actualizações (por transferência);

4 Novas inscrições (das novas coortes eleitorais).

Neste período de 8 anos, oRE regista um acréscimo de 8,1%(+670.403 eleitores), portanto, me-nor do que registara na décadaanterior. É evidente o carácter irre-gular do movimento anual do RE,com picos de actividade adminis-trativa nos anos de reformulaçãodos cadernos (1993) ou em véspe-ras de actos eleitorais (ver Figura2). Não será absurdo, ainda, oestabelecimento de uma relaçãoentre os ciclos de gestão autárqui-ca e a actualização dos cadernoseleitorais.

De notar que as eliminaçõespor óbito registaram um crescimen-to ligeiro e quase regular, emboracom uma média anual (84.289)inferior aos óbitos médios da popu-lação com mais de 18 anos deidade ocorridos nesse mesmoperíodo (101.555).

Por outro lado, a diferençatotal entre as inscrições por trans-ferência e as eliminações pelomesmo motivo situou-se, nesteperíodo, em 34.553. Tal significaque este procedimento administra-tivo não foi, de facto, e neste perío-do, o principal motivo para a depre-ciação da qualidade do RE.

Por último, um comentárioapenas para a irregularidade domovimento de novas inscriçõesentre 1990 e 1997. Demografi-camente, tal irregularidade não seassemelharia à que o RE denuncia.Em face do declíneo mais a-centuado da fecundidade, fenóme-no que se vem observando desde adécada de 70, esperar-se-ia, para operíodo 1990-1997, uma diminuiçãosensível, pontualmente invertida –como de facto aconteceu em 1992-1993 -, mas, apesar de tudo, comuma média para o período superiorà verificada (180.687), já ponderadoo efeito das inscrições com 17 anosde idade. Tal significa que a adesãoao RE por parte das gerações maisjovens de potenciais eleitores apre-senta um perfil suficientementepreocupante para exigir estratégiaspor parte do poder político que cati-vem as novas coortes para a suaparticipação cívica.

62

Page 65: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

O que se pretende, em pou-cas palavras, sublinhar é que osmétodos de apuramento de um eoutro recenseamentos são falíveis.Foram-no em relação ao RP, emface da insustentável diminuiçãode residentes (de um ano para ou-tro) que a Figura 1 evidencia. Fo-ram-no em relação ao RE, comoindicia a análise do movimento deinscrições e eliminações das duasúltimas décadas.

Mas, mais importante, impor-ta sublinhar e definitivamente assu-mir que os resultados do RP e do

RE não são directamente compa-ráveis. O recenseamento popula-cional é sempre uma “fotografia”datada, um recorte da realidadepopulacional assente no conceito-base de população residente 8. Orecenseamento eleitoral é, diferen-temente, uma operação anual derecorte cívico, cujo conceito-base éo domicílio eleitoral, baseado nadeclaração do proponente eleitor.

A eliminação de 443.000 ins-crições, decorrente da actualiza-ção extraordinária efectuada no 1ºsemestre de 1998, corresponden-

63

8 Por população residente entende-se a que se encontra presente no domicílioinquirido no momento censitário ou, não estando, ali reside a maior parte do ano.

Page 66: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

do a uma diminuição de cerca de5% no universo de eleitores inscri-tos, coloca a fasquia da diferençaentre RP e RE, mantendo o RPcomo numeramento de referência,numa ordem de grandeza de apro-ximadamente 8% - valor semelhan-te ao verificado noutros países.Rejeitando, uma vez mais, tal com-paração, admite-se que as elimina-ções que ainda serão necessáriasefectuar incidam, fundamental-mente, nas inscrições dos eleitoresmais idosos – e para os quais nãofoi possível encontrar uma provaformal e inequívoca de óbito,mesmo recorrendo à consultadirecta dos registos das Con-servatórias, como se fez em Marçode 1998.

As alterações introduzidas re-centemente no novo regime jurídi-co do recenseamento eleitoral –pela entrada em vigor da Lei nº13/99, de 22 de Março -, facilitarãocertamente o aperfeiçoamento doRE. Desde logo, pela circunstânciado STAPE passar a dispor de umaBase de dados central, actualizadae actualizável, para cuja gestãoconcorrerão procedimentos quecruzam informações da base dedados de identificação civil. Por ou-tro lado, porque ao instituir a actua-lização contínua, favorecendo asinscrições por transferência, permi-tirá ajustar o domicílio eleitoral aodomicílio “de facto”, reduzindo aactual distorção entre onde se resi-de e onde se está recenseado, e

funcionando como factor propicia-dor de novas inscrições. A informa-tização das Comissões Recensea-doras traduzir-se-á, ainda, por umamelhoria dos procedimentos à es-cala local, facilitando a detecção (eimediata correcção) de duplas ins-crições, com reflexo na qualidadeglobal do RE.

Ao arrepio da vontade dos crí-ticos, o RE irá, por certo, crescerse, e quando, muitos milhares decidadãos com capacidade eleitoralcumprirem o seu dever cívico de seinscreverem. No cenário (teórico)de um número de eleitores inscri-tos “vivos” e sem duplicações, res-tar-nos-ia esperar que o novo re-censeamento populacional do ano2000 os coteje. E se assim nãoacontecer...os comentadores quese entendam no agendamento deum novo objecto de crítica.

Bibliografia citada

MIGUÉIS, Jorge (1997) - “AReforma e Modernização doRecenseamento Eleitoral” in

Eleições, nº 4, STAPE, Lisboa: pp33-41

64

Page 67: revista de assuntos eleitorais - Portugal · Eleitoral deu em 1998 passos de gigante para a consolidação de uma imagem nacional de moderni-dade e rigor. Temos, portanto, fortes

MORAIS, Paulo e MONTEIRO,José António (1998) –

Actualização dos CadernosEleitorais e Suas Consequências

nos Círculos de Apuramento (textopolicopiado)

BARRETO, António (1996) – ASituação Social em Portugal, 1960

– 1995, Instituto de CiênciasSociais, Universidade de Lisboa,

Lisboa

EGGERICKX, Thierry et BÉGEOT,François (1993) – “Les

Recensements en Europe Dansles Annés 1990 – de la diversité

des pratiques nationales à la com-parabilité internationale des résul-tats”, Population, 6, INED, Paris:

pp. 1705-1732

65