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1 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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1Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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2 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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3Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Revista de Controle e AdministraçãoAno I, nº 1 – junho de 2005

Editora: Sonia Virgínia MoreiraEditora Adjunta: Graça Louzada

Conselho EditorialLino Martins da Silva (presidente)

Antonio Lopes de SáArmandino RochaFábio GiambiagiFlávio da Cruz

Fernando XimenesFrançois de Bremaeker

Giselda SauveurMaria da Conceição da Costa Marques

Natan SzusterOlívio Koliver

Ronaldo Costa Couto

Revisão: Janaína SoaresArte e Editoração: Fernando Sperandio

Fotos: Arquivo de Imagens – RioturImpressão: Gráfica Minister

Controladoria Geral do Município do Rio de JaneiroRua Afonso Cavalcanti, 455/sala 1582

Cidade Nova - Rio de Janeiro, RICEP 20211-901 Tel. (21) 2503-2967

E-mail: [email protected]: www.rio.rj.gov.br/cgm

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4 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

SumárioSumário

Aos leitores 05

Auditoria das receitas públicas: análise crítica e contribuição 07Lino Martins da SilvaUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

A ética e os tributos ao longo dos tempos 29Armandino RochaUniversidade Lusíada

Luca Pacioli, ícone na história da Contabilidade 53Antônio Lopes de SáAcademia Brasileira de Contabilidade

O desenvolvimento sustentável e o papel da auditoria ambiental 69Maria da Conceição da Costa MarquesInstituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra

Governo eletrônico: desafios e oportunidades 89Giselda SauveurFundação do Desenvolvimento Administrativo

Um futuro para os municípios brasileiros 103François de BremaekerInstituto Brasileiro de Administração Municipal

A contabilização do leasing face ao princípio da 119prevalência da essência sobre a formaAnísio Cândido Pereira e Thaís do LagoCentro Universitário Álvares Penteado

Eventos 131

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5Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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6 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Aos leitoresAos leitores

Estudos e textos sobre controle e, mais especificamente, sobre controle na

administração pública, são produtos raros nas estantes brasileiras dedicadas ao assunto.

A criação da Revista de Controle e Administração tem origem nessa lacuna, registrada

com freqüência por pesquisadores e professores da área de Ciências Contábeis.

Pretende-se neste espaço abordar questões atuais, contextos e aspectos históricos

relevantes para o controle interno, a contabilidade e a administração pública.

Além dos colaboradores brasileiros, cada edição pretende publicar artigos, estudos

ou ensaios inéditos de autores estrangeiros – latino-americanos, norte-americanos e

europeus – de universidades e organizações públicas ou privadas atuantes nos setores

de que trata a publicação.

Este primeiro número traz os seguintes artigos: “Auditoria das receitas públicas: análise

crítica e contribuição”, do Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Lino

Martins da Silva, que analisa as razões pelas quais os auditores internos e externos têm

dificuldades em planejar e realizar auditoria na área das receitas públicas. Em seguida,

os professores Armandino Rocha, da Universidade Lusíada (Portugal) e Antônio Lopes

de Sá contribuem com dois textos sobre história da Contabilidade. O primeiro aborda

a ética e os tributos ao longo dos tempos, enquanto o segundo faz uma análise da obra

de Luca Pacioli, que segundo ele “merece análise para melhor identificação da obra

com um homem que inaugurou uma nova fase na literatura da Contabilidade”.

Completam esta edição os artigos da professora do Instituto Superior de Contabilidade

e Administração de Coimbra Maria da Conceição da Costa Marques, cujo texto,

intitulado “O desenvolvimento sustentável e o papel da auditoria ambiental” é tema de

interesse de empresas, governos, cidadãos e da opinião pública em geral; de Giselda

Sauveur, socióloga e administradora pública técnica sênior da Fundação do

Desenvolvimento Administrativo (Fundap) do Estado de São Paulo, que apresenta

resultados do estudo “Governo eletrônico: desafios e oportunidades”; de François

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7Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

de Bremaeker, economista e geógrafo do IBAM – Instituto Brasileiro de Administração

Municipal, que apresenta no texto “Um futuro para os municípios brasileiros” as

alternativas viáveis para uma reforma tributária adequada às necessidades financeiras

municipais; e, finalmente, o artigo “A contabilização do leasing face ao ‘princípio da

prevalência da essência sobre a forma’”, dos professores Anísio Cândido Pereira e

Thaís do Lago.

Esperamos que esta reunião de artigos sobre temas variados proporcione a todos

uma boa leitura.

Sonia Virgínia [email protected]

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8 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

AuditoriaAuditoria das receitas públicas:análise crítica e contribuição

Lino Martins da Silva1

[email protected]

ResumoO presente artigo tem por objetivo analisar as razões pelas quais os auditores internos eexternos têm dificuldades em planejar e realizar auditoria na área das receitas públicas. Discorresobre a lógica atual adotada pelos administradores tributários que, voluntária ouinvoluntariamente, praticam uma verdadeira “blindagem” para o trabalho dos auditores.Inicialmente é apresentada uma visão contextual da ausência de estudos e pesquisas quetratem da administração das receitas públicas, em contraponto à abundante bibliografia nocampo da administração das despesas públicas. Em seguida considera-se a relevância daauditoria das receitas públicas e do controle a ela inerente, apresenta a estruturação do processodo sistema de administração tributária e controle fiscal e, finalmente, relaciona sugestões paraa auditoria das receitas públicas e os aspectos mais relevantes que constituem o desafio a sercumprido tanto pelos administradores tributários responsáveis pelo controle interno primáriocomo pelos auditores quando da realização das auditorias.Palavras-chave: receita pública, auditoria governamental, controle interno, contabilidadepública, finanças públicas

ResumenEste artículo pretende analizar las razones por que los auditores internos y externos tienendificultades en planear y realizar auditoría en el rendimiento público. Habla sobre la lógica actualadoptada por los administradores tributarios que, voluntaria o involuntariamente, practican unverdadero “blindaje” para el trabajo de los auditores. Inicialmente es presentada una visióncontextual de la ausencia de los estudios y pesquisas que hablen sobre la administración delrendimiento público, contrastando con la abundante bibliografía en el campo de la administraciónde los gastos públicos. En seguida, se considera la relevancia de la auditoría del rendimientopúblico y del control a la misma inherente, presenta la estructuración del proceso del sistema deadministración tributaria y el control fiscal y, finalmente, relaciona las sugerencias para la auditoríadel rendimiento público y los aspectos más relevantes que constituyen el desafío a ser cumplidotanto por los administradores tributarios responsables por el control interno cuanto por losauditores cuando realizan las auditorías.Palabras-clave: rendimiento público, auditoría gubernamental, control interno, contabilidadpública y finanzas públicas

1Livre docente pela Universidade Gama Filho. Professor Adjunto da Faculdade de Administração eFinanças da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FAF/UERJ).

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9Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

AbstractThe purpose of this article is to analyze the reasons why internal and external auditors havedifficulty in planning and carrying out audits in the public revenue area, in addition to discussingthe current logic adopted by tax administrators who voluntarily or involuntarily practice averitable “armor-plating” in regard to the auditors´ work. Initially a contextual view ispresented of the absence of studies and research dealing with the administration of publicrevenues, as opposed to the abundant bibliography in the field of administration of publicexpenses. Following this, the article dwells on the relevance of the auditing of public revenuesand of the control inherent in it. In item 3, the structuring of the process of the taxadministration system and fiscal control is presented, and in item 4 suggestions are offeredfor auditing public revenues, besides a presentation of the most relevant aspects that comprisethe challenge to be met both by the tax administrators responsible for primary internalcontrol as well as by the auditors during the performance of the audits.Keywords: public revenues, governmental auditing, internal control, government accounting,public finances

IntroduçãoA ciência das finanças define os ingressos do Estado como os meios pecuniários que

o organismo público dispõe para viabilizar a prestação dos serviços públicos de sua

responsabilidade, ou seja: são os meios financeiros necessários para cobrir o orçamento

de despesas do Estado. Na lição de Nogueira,2 a atividade financeira consiste em toda a

ação que o Estado desenvolve para obter, gerir e aplicar os meios necessários para

satisfazer as necessidades da coletividade e realizar seus fins. A maior parte dos recursos

tem origem no patrimônio privado dos cidadãos que, por força de dispositivo legal, são

coagidos a entregar, na forma de impostos, taxas ou contribuições, uma parte de sua

riqueza. Por outro lado, as necessidades da coletividade exigem que, além dos ingressos

oriundos dos cidadãos, o Estado também possua patrimônio próprio representado por

bens imóveis e móveis com o objetivo de manter a ordem, a defesa interna e externa,

promover a justiça e muitas outras atribuições definidas na Constituição e nas leis.

A observação atenta do referencial teórico produzido no Brasil e da prática aplicada

na auditoria governamental revela que a área das despesas está sob o olhar critico de

muitos estudiosos, inclusive dos auditores, que na suas análises e investigações partem

do processo de planejamento e estabelecimento das metas a serem alcançadas, passando,

quando da execução, pelo projeto básico, licitação e, finalmente, pela a assunção da

obrigação de despesa e de pagamento, segundo as condições pré-estabelecidas.

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10 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Enquanto isso, na área da receita, encontramos poucas reflexões acadêmicas e raros

trabalhos publicados, fazendo com que os auditores limitem o escopo de sua atuação

ao exame, apenas, do efetivo ingresso dos recursos no caixa, deixando de examinar as

fases anteriores relativas ao processo de formação da receita pública que envolve o

exame da função econômica da tributação, a capacidade contributiva dos cidadãos,

bem como o processo de fiscalização e cobrança, que leva ao conhecimento das

condições de cumprimento voluntário das obrigações tributárias.

No processo de formação da receita também deve ser incluída a ação dos

administradores voltada para avaliação de práticas inadequadas ou fraudulentas motivadas

para algum tipo de evasão, que devem gerar lançamento e cobrança compulsória dos

inadimplentes seja pela via administrativa ou judicial.

No presente trabalho procuramos, por um lado, mostrar a importância da auditoria

das receitas públicas e, por outro, mostrar algumas das razões que levam à auditoria

parcial em decorrência de uma verdadeira blindagem praticada por alguns

administradores tributários. Também é preciso reconhecer que muitos auditores do

setor público não vêem as fases anteriores ao ingresso dos recursos como integrantes

do escopo do seu trabalho.

Nosso objetivo, assim, é contribuir para ampliar as referências bibliográficas e teóricas

para que em futuro próximo exista mais eqüidade nas preocupações dos órgãos de

controle com as auditorias de receita e de despesa, uma vez que esta última (despesa)

não existirá sem aquela (receita).

Relevância da auditoria das receitasMomentos do controle das receitas

Sob o aspecto do controle, as receitas são objeto de investigação e análise em três

momentos:

• Controle antecedente ou preventivo

• Controle concomitante ou executivo

• Controle subseqüente ou crítico

Na etapa do controle antecedente ou preventivo é necessário que os auditores atuem

avaliando se o cálculo das estimativas de receita é adequado para dar cobertura aos

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11Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

gastos públicos. Nesta fase tudo se reduz à avaliação dos prováveis ingressos do período,

bem como à sua classificação e inscrição na proposta orçamentária, cabendo aos auditores

proceder à validação dessas estimativas.

A etapa do controle concomitante ou executivo envolve o estudo da execução dos ingressos

previstos no orçamento, cuja cobrança deve ser efetuada por força das leis tributárias vigentes,

atendido o princípio da anterioridade quando for o caso. Nesta etapa os auditores devem

avaliar e analisar o processo de realização das receitas, estudando sua repercussão financeira

(balanço financeiro), patrimonial (balanço patrimonial) e de resultados (demonstração das

variações patrimoniais). Devem, além disso, examinar todos os créditos efetivos e potenciais

que constituam valores a receber na data do encerramento de cada mês e ao final do exercício.

A etapa do controle subseqüente ou crítico responde pelo controle da execução da

receita com o objetivo de delimitar a responsabilidade dos agentes públicos, que estão

obrigados a apresentar periodicamente a prestação de contas dos atos que praticaram.

Esta etapa, por sua vez, compreende três fases ou estágios:

• Lançamento

• Arrecadação

• Recolhimento.

A fase do lançamento constitui uma operação, praticada por agente público

competente em obediência às normas e procedimentos financeiros, com o objetivo de

atender aos seguintes requisitos processuais:

• individualização do devedor

• verificação do crédito a favor do Estado

• liquidação do valor por meio do qual o contribuinte paga o que é devido.

A finalidade do lançamento é, portanto, determinar com precisão o direito do Estado

de exigir um ingresso no Tesouro. Na prática, o lançamento depende da delimitação

precisa do sujeito ativo, sujeito passivo, objeto e causa como elementos da obrigação

tributária, cabendo ao agente público, sob o aspecto financeiro, determinar o montante

devido e a data de vencimento a partir da qual deve ser providenciada a cobrança

administrativa ou judicial.

O estágio do lançamento não se confunde, assim, com a fase dos cálculos das estimativas

da receita, que corresponde ao controle antecedente ou preventivo, pois o estágio do

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12 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

lançamento da receita é parte integrante do controle concomitante ou executivo, que

individualiza e aperfeiçoa o crédito do Estado, enquanto a fase de cálculos está inserida

no controle antecedente, preventivo, que muitos denominam de estágio da previsão.

É importante considerar que a etapa do controle antecedente tem apenas efeito

administrativo interno, sem qualquer relevância jurídica que afete a movimentação dos

bens e direitos (ativo) ou das obrigações (passivo) do Estado. O lançamento, por sua vez,

é predominantemente jurídico, pois determina o direito creditório do Estado e define os

elementos da relação obrigacional que o sujeito passivo tem com o sujeito ativo (Estado).

O lançamento também deve produzir efeitos contábeis no patrimônio do Estado.

Entretanto, tal efeito depende do regime de apropriação das receitas adotado: quando

o regime é de competência, a etapa do lançamento produz a inscrição do crédito na

conta do ativo denominada “valores a receber”, cujo saldo no final do exercício será

levado para a conta “créditos fiscais inscritos” em face do não pagamento por parte do

sujeito passivo da obrigação. Se, ao contrário, o regime de apropriação for o de caixa, o

lançamento na conta “valores a receber” não será realizado, pois a receita somente é

afetada no momento do efetivo ingresso dos recursos.

A arrecadação é o estágio em que o agente público ou privado, na condição de

representante do Tesouro, exige do contribuinte o pagamento do valor lançado conforme

estágio anterior. Como conseqüência das regras de arrecadação o contribuinte paga o

valor devido, que tanto pode ser efetuado nos agentes arrecadadores (bancos) como

na própria tesouraria ou, ainda, diretamente na conta bancária do Tesouro. O

recolhimento, por sua vez, é o estágio que decorre do efetivo ingresso dos recursos na

conta do Tesouro ficando, a partir daí, disponíveis para pagamentos de despesas.

Finalmente, o controle subseqüente ou crítico, também denominado de controle

externo, corresponde à ação do Poder Legislativo na qualidade de órgão volitivo da

entidade pública. Mas como o Legislativo só atua nas etapas iniciais com a aprovação

da Lei de Orçamento (controle antecedente), na etapa final que traduz o exame e a

aprovação ou a rejeição das contas (controle subseqüente) surge a necessidade de

atuação do Tribunal de Contas como órgão autônomo e independente, com atribuições

de atuar como delegado do Poder Legislativo no exercício das funções operacionais

de controle externo permanente da entidade pública. Por outro lado, também é

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13Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

possível a intervenção direta do Poder Legislativo na fase do controle concomitante,

ainda que isso ocorra apenas em circunstâncias especiais, como é o caso de Comissões

Parlamentares de Inquérito.

Controle administrativo das receitas

O controle das receitas do Estado inclui dois aspectos básicos:

• controle dos contribuintes e devedores

• controle da administração sobre os agentes arrecadadores

O controle dos contribuintes e devedores é uma necessidade porque a arrecadação

das receitas não pode depender da boa vontade dos contribuintes. É imprescindível que

a administração adote controles voltados para evitar e reprimir a evasão tributária. O

poder do Estado, porém, para exercer tal controle sobre os contribuintes e devedores

não pode significar que a administração pode agir arbitrariamente. Neste sentido, qualquer

ação dos agentes do Estado terá como limite os direitos e garantias individuais nos termos

do art 5° da Constituição Federal, que no inciso II estabelece que:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei.

Por outro lado, o Código Penal inclui o excesso de exação entre os crimes praticados

por funcionários públicos contra a administração em geral. É definido como a situação

em que o funcionário exigir tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber

indevido – ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso que a

lei não autoriza. (§ 1º, art. 316, redação dada pela Lei nº 8.137, de 17.12.1990)

Para o exercício do controle fiscal sobre o contribuinte, a legislação impositiva

estabelece, além da obrigação principal de pagamento dos impostos, taxas e

contribuições, uma série de obrigações acessórias cujo descumprimento implica na

aplicação de penalidades como a manutenção de livros principais e auxiliares, de

documentos fiscais e a apresentação de informações e declarações que permitam ao

Estado acompanhar seu cumprimento. Dentre os instrumentos de controle do

contribuinte também pode ser implementada a obrigatoriedade de retenção dos tributos

devidos por terceiros, como é o caso da substituição tributária e o imposto de renda

retido na fonte pagadora.

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14 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O controle dos contribuintes e devedores também pode ocorrer por meio de

investigações sobre a sua situação econômica e financeira, bem como o exame de livros

e documentos, além da solicitação de informações a instituições bancárias para estimar

de ofício a matéria tributável, aplicando as penalidades previstas em lei quando constatar

a ocorrência de fraude e evasão do valor devido.

O controle da administração sobre os agentes arrecadadores implica na adoção de

uma série de princípios básicos que normalmente estão incorporados na legislação

impositiva. Os mais importantes são os seguintes:

• unidade de direção

• segregação de funções

• responsabilidade dos agentes

• unidade de tesouraria

• prazos rígidos de cobrança

• controle administrativo interno.

A unidade de direção, a organização dos serviços públicos, pode ser feita em função

da especialização (organização horizontal) ou em função da sua estrutura orgânica

hierárquica (organização vertical). Na organização horizontal ocorre a especialização

por objeto ou tipo de trabalho que gera a coesão dos recursos humanos, o equilíbrio

na divisão do trabalho entre os vários agentes e, sobretudo, viabiliza um contato

eficaz da chefia com os elementos do serviço, de modo a permitir conhecimento

suficiente, direção oportuna e controle efetivo. Na organização vertical ou hierárquica,

a ênfase é o ordenamento em órgãos, unidades orçamentárias e unidades

administrativas ou gestoras, que podem ser agrupadas em grandes unidades com o

estabelecimento de alçadas, segundo o poder dos respectivos titulares, de modo a

assegurar a harmonia de cada conjunto.

No primeiro caso temos uma estrutura apoiada nos princípios da cadeia de valor,

enquanto no segundo temos a denominada estrutura institucional, que acompanha a

hierarquia estabelecida no organograma do órgão ou entidade e normalmente está

representada na Lei Orçamentária. Os auditores, ao examinarem a área da receita,

devem avaliar a estrutura dos órgãos responsáveis pela administração tributária levando

em conta que, na estrutura horizontal, é mais fácil a identificação dos macro-processos

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15Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

e do valor agregado na atividade pública. Por outro lado, precisam considerar se a

estrutura está apoiada em um sistema coerente e coordenado com as demais áreas que

tangenciam a área tributária. Ou, ainda, se foi implementada por mero acidente ou para

resolver algum problema casuístico revelador da ausência de planejamento estratégico.

O exame da unidade de direção mostrará se o sistema de administração tributária e

controle fiscal foi concebido apenas para reagir a alguma ação interna ou externa sem

qualquer fundamentação. Nesta hipótese, os auditores não podem esperar que ele

ultrapasse as suas próprias fraquezas para tornar-se um exemplo de eficiência e eficácia.

Na segregação de funções, o objetivo é estabelecer um controle mútuo, recíproco

ou de oposição de interesses entre os diversos órgãos administrativos. Assim como nas

entidades privadas é principio elementar de controle a segregação de deveres dos

empregados de tesouraria e de contabilidade, também nas entidades públicas é

necessário separar as diversas fases do processamento da receita, tais como: cadastro,

lançamento, cobrança, arrecadação e recolhimento.

A responsabilidade dos agentes indica que os encarregados da percepção ou arrecadação

das receitas públicas têm responsabilidade tanto pelos valores arrecadados como também

pelos que deixaram de arrecadar, que devem estar registrados como valores a receber,

cabendo ao responsável, no ato da auditoria ou da prestação de contas, justificar que

praticou todas as diligências para a cobrança dos respectivos créditos.

A unidade de tesouraria corresponde à obrigatoriedade de que o recolhimento de

todas as receitas far-se-á em estrita observância do princípio da centralização das receitas

vedando qualquer fragmentação pela criação de caixas especiais (art. 56 da Lei 4.320/

64). Este é um procedimento normalmente denominado de “caixa único”. Assim, todas

as receitas devem estar sob o comando do órgão ou poder que tenha a responsabilidade

de gerir as receitas.

Quando não for possível, por razões de distância, a aplicação da unidade de tesouraria,

o sistema de controle deve criar normas rígidas que levem à segurança de que os agentes

arrecadadores possam prestar contas na velocidade necessária. Neste sentido, um

procedimento eficaz e econômico é determinar que tudo o que for arrecadado de

forma descentralizada seja depositado na conta bancária do Tesouro sem qualquer

dedução para atender despesas locais, cabendo ao agente fazer o depósito imediato

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16 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

dos recursos e apresentar no prazo estabelecido a prestação de contas que deve conter

a documentação de suporte dos registros, o valor arrecadado e o recolhido.

Quanto aos prazos rígidos, no que se refere à arrecadação das receitas os prazos

concedidos aos contribuintes devedores e agentes arrecadadores devem ser rígidos e

improrrogáveis e conseqüentemente, qualquer atraso deve sofrer acréscimos de multas

ou juros moratórios, conforme estabeleça a legislação, e encaminhados para cobrança

judicial como dívida ativa.

Controle administrativo interno: para exercer o controle integral do fluxo da receita

a administração deve estabelecer uma padronização de fluxos e rotinas de todos os

momentos de controle com o objetivo de permitir que os auditores, tanto internos

como externos, possam analisar e avaliar periodicamente diversos aspectos, entre os

quais cabe destacar:

• análise das normas tributárias

• análise do processo de lançamento

• exame do registro escritural das operações relativas ao lançamento, arrecadação e

recolhimento

• auditoria dos ingressos no Tesouro

• contagem física

• exame das prestações de contas

• verificação de livros e documentos.

Aos administradores tributários cabe a organização administrativa dos controles

internos relativos às receitas públicas. Os auditores, a partir do atendimento dessa

premissa, estarão habilitados a validar tais controles. Sem esse atendimento preliminar,

os auditores ficam praticamente impossibilitados de realizar a auditoria integral das

receitas públicas e, conseqüentemente, seu trabalho fica restrito ao exame e ao

controle dos valores arrecadados. Não atuam, portanto, na fase de previsão original

das receitas e nem nos procedimentos de tributação, preferindo o exame das receitas

nas fases de arrecadação, quando os agentes arrecadadores informam os valores

arrecadados, e na fase do recolhimento, quando tais valores ficam disponíveis para a

realização de gastos. Entretanto, o objetivo deste trabalho é contribuir para que os

auditores, tanto internos como externos, estejam preparados para identificar e avaliar

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17Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

todo o macroprocesso da fiscalização da receita pública, que também deve ser

integralmente auditado.

No planejamento de auditoria das receitas e despesas é de vital importância levar

em conta que as macrofunções fazendárias incluem, na parte da administração

financeira e controle interno, o acompanhamento dos projetos, atividades e operações

especiais, além da avaliação do resultado alcançado pelos gestores. Na parte da

administração tributária e controle fiscal, tratam do acompanhamento das metas de

receita (previstas X realizadas) e dos programas, roteiros e rotinas voltados para a

recuperação de tributos.

Estrutura FazendáriaQualquer estudo mais aprofundado irá revelar que uma das áreas mais sensíveis da

administração do Estado é a área fazendária, vez que é responsável pela captação de recursos

que viabilizam o cumprimento dos programas de governo, sejam eles em nível de custeio e

manutenção ou referentes aos investimentos necessários para estímulo do desenvolvimento

econômico, geração de empregos, facilidades de acesso aos serviços públicos, etc.

Nesta dinâmica podemos observar que, no setor governamental, a área fazendária

tem o indeclinável papel de fazer com que a administração pública:

• funcione melhor

• gaste menos e...

• seja mais eficiente.

Para que tais objetivos sejam alcançados é necessário, além de proceder a uma efetiva

reestruturação de processos voltada para o atendimento das atribuições do sistema

fazendário, estabelecer critérios para a efetiva implantação de um sistema de controle interno.

Entre as dificuldades enfrentadas pela administração fazendária podemos indicar:

Receitas em queda – O aumento das receitas imediatamente após a implantação

do Plano Real ficou estabilizado e em alguns casos evidencia declínio ou crescimento

abaixo das expectativas. O lento crescimento das receitas próprias decorre muitas

vezes da ausência de um cadastro que viabilize a velocidade do lançamento em relação

à ocorrência do fato gerador e das incertezas da política fiscal e econômica, que limitam

o crescimento das receitas.

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18 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Despesas em crescimento – Os administradores públicos enfrentam muitas

dificuldades que vão da ausência de uma discriminação constitucional das despesas, na

qual seriam definidas as competências de alguns dos serviços públicos, ao fato de que

diversos serviços existentes em uma localidade economicamente mais desenvolvida

atendem a contribuintes de outra, não havendo neste caso, salvo algumas exceções,

possibilidade de recuperação de tais gastos. Por outro lado, a espiral de custos

administrativos que não agregam valor e a grande carência de recursos para atendimento

de programas sociais, particularmente nos casos de saúde, educação e serviços sociais,

constituem grave ameaça para o equilíbrio orçamentário, além de inviabilizarem a realização

de investimentos importantes e necessários para melhorar a qualidade de vida do cidadão.

Cidadão exigente por resultados – Cada vez mais, independente dos sistemas de

administração tributária ou de controle interno e externo, o cidadão deseja saber dos

governantes o que tem sido feito, qual o custo das ações desenvolvidas e qual o resultado

alcançado. Tais exigências fazem surgir os seguintes desafios para os gestores públicos:

• Como aumentar as receitas?

• Como diminuir custos e despesas?

• Como financiar os déficits?

• Como priorizar e melhor distribuir os eventuais superávits?

Para responder a estas e muitas outras questões os administradores públicos devem

desenvolver metodologias para a auditoria das receitas e despesas, principalmente das primeiras

e, como conseqüência, permitir que o Estado não apresente déficits que, quando ocorrem,

precisam ser financiados por meio de empréstimos ou com a redução da oferta de serviços.

Infelizmente alguns projetos de reestruturação dos macroprocessos de receita têm sido

inócuos por não conseguirem penetrar na capilaridade do sistema de administração tributária

e controle fiscal que é a base de todo o processo de gestão da receita pública. Embora

existam algumas iniciativas no sentido da reestruturação do ambiente fazendário, a observação

atenta do ambiente administrativo revela um certo conformismo quando do planejamento

dos programas de auditoria que, quase sempre, partem do estágio da arrecadação (ingresso

do recurso no caixa) sem o aprofundamento necessário para permitir a identificação da

cadeia de valor que visualize todo o processo de administrativo e buscar alternativas para

melhorar as fases relevantes desse processo.

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19Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

A utilização dos conceitos relativos à cadeia de valor, popularizados por PORTER,3

considera que uma entidade pode ser desagregada em suas atividades de relevância

estratégica de forma a capturar a riqueza e a heterogeneidade de setores e entidades

proporcionando, ao mesmo tempo, uma estrutura disciplinada para suas análises tornando

possível compreender o comportamento dos custos. Neste aspecto, podemos verificar

que a grande maioria das reestruturações efetuadas na área fazendária não apresentou

preocupação em satisfazer as necessidades dos usuários externos, limitando-se a uma

abordagem dos problemas internos, principalmente com a aquisição de equipamentos de

informática mas sem o desenvolvimento de sistemas adequados que permitissem o efetivo

acompanhamento das ações voltadas para o incremento das receitas públicas. O quadro

a seguir mostra o posicionamento das diversas macrofunções na estrutura fazendária.

O estudo do sistema de administração tributária e controle fiscal envolve os aspectos

relativos aos objetivos, à estrutura e à descrição dos processos conforme se detalha a seguir.

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20 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

ObjetivosO Sistema de Administração Tributária e Controle Fiscal envolve diversas fases entre

as quais podem ser citadas:

• estudos econômicos sobre as potencialidades e a capacidade contributiva dos

contribuintes;

• organização de estimativas que servirão de base para a elaboração do orçamento anual;

• identificação das hipóteses de incidência e constituição do crédito tributário pelo

lançamento aos contribuintes que se encontrem naquela situação econômica, financeira

ou de disponibilidade de renda;

• arrecadação dos recursos dos contribuintes e acompanhamento não só das entradas de

recursos no Tesouro como também a manutenção das informações necessárias ao

conhecimento permanente da situação do contribuinte em relação ao cumprimento das

suas obrigações.

Estrutura do SistemaA estrutura do sistema em estudo envolve os seguintes processos:

Descrição dos Processos• Cadastro – conterá dados e informações referentes ao universo dos contribuintes, localizados

ou não, e suas atividades econômicas, objetivando suprir com informações os demais

componentes do sistema.

• Tributação e Fiscalização – terá por base o Cadastro e será planejada em função de estudos

econômicos das atividades dos contribuintes e exame da escrita comercial e fiscal segundo

as técnicas modernas de auditoria e investigação, especialmente de fraudes e sonegação

tributária.

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21Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

• Arrecadação – conterá informações dos pagamentos, qualificando os diferentes tipos de

receita, gerando relatórios e controles dos contribuintes pagantes e não pagantes, sendo que

estes serão classificados pelo montante da receita e incluídos na programação fiscal imediata.

• Controle Fiscal – este processo é de responsabilidade do gestor do respectivo tributo

e é de fundamental importância para sua administração.

• Informações Econômico-fiscais – Esta área trabalha com informações seletivas oriundas

dos demais processos e deve produzir informações sumarizadas para a tomada de

decisões, permitindo ao órgão fazendário exercer as seguintes atribuições:

• formulação de novas políticas tributárias;

• fiscalização programada;

• projeções de arrecadação;

• previsões de arrecadação;

• estudos econômico-fiscais da região;

• planejamento e orientação da ação fiscal;

• avaliação do desempenho dos órgãos do sistema.

A fiscalização tributária como campo da auditoriaPara entender a auditoria das receitas é preciso levar em conta que a área fazendária

mantém um órgão fiscalizador que atua externamente em contato permanente com os

contribuintes. Seu objetivo é identificar desvios no recolhimento dos tributos e proceder,

quando for o caso, ao lançamento do crédito tributário.

Tal órgão fiscalizador deve direcionar suas preocupações para a definição de estratégias,

determinação de prioridades e orientação operacional, com o objetivo de estudar a

dinâmica econômica e as diversas hipóteses de dissimulação que ensejam a desconsideração

de ato ou negócio jurídico. Para cumprir as funções de fiscalização externa, parte inicial do

processamento das receitas, a administração deve enfocar três fases distintas:

• planejamento fiscal

• execução

• avaliação e controle.

A administração fiscal, conforme já verificamos ao longo deste trabalho, se exprime por

meio de métodos e processos razoavelmente uniformizados, e é disciplinada em maior ou

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22 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

menor grau conforme o nível de sistematização adotado ou disponível em cada gestão

fazendária. Entretanto, na grande maioria dos entes da Federação brasileira trata-se de um

sistema fechado ao qual os órgãos de auditoria tanto interna como externa não têm acesso.

Assim, qualquer lançamento tributário ou parcelamento fica submetido a um

desconhecido sistema de controle que não é validado por órgão independente (interno

ou externo) podendo gerar práticas corruptas de atuação que vão desde o

descumprimento de prazos constantes das normas reguladoras do Processo

Administrativo Tributário até ao “engavetamento” de processos de alto valor, que ficam

“escondidos” em pilhas de documentos, uma vez que o fluxo de entrada é quase sempre

superior ao fluxo de saída.

É preciso, portanto, que os auditores do setor público incluam entre suas tarefas a

avaliação de controles internos do sistema de administração tributária para verificar a

existência de efetivo planejamento fiscal que tenha como objetivos básicos:

• garantir o recebimento integral dos tributos;

• aprimorar o relacionamento fisco-contribuinte, orientando o contribuinte sobre o

correto recolhimento dos tributos ao Estado;

• valorizar o funcionário fiscal como representante do Estado junto ao contribuinte,

aperfeiçoando a sua capacidade de decisão e consciência profissional;

• manter as exigências em nível realista, para que as normas não sejam desmoralizadas

tanto pelos funcionários como pelos contribuintes;

• aperfeiçoar os métodos e instrumentos utilizados na fiscalização de tributos,

adequando-os às novas técnicas de investigação e de inteligência fiscal.

Para que o planejamento seja bem sucedido é preciso implementar um sistema de

informações detalhadas sobre o ambiente externo no qual as entidades tributadas atuam.

Neste sentido, o sistema deve identificar focos de resistência ao pagamento do tributo

e formas mais ou menos sofisticadas de evasão tributária em cada atividade econômica.

Por outro lado, para o bom desempenho do planejamento é necessário que o ambiente

interno seja estruturado de modo a padronizar os procedimentos dos setores

responsáveis pela gestão dos tributos de modo a evitar o estabelecimento de rotinas

casuísticas e impregnadas de voluntarismo, que é sempre aliado da desorganização,

com implicações na demora para transformar o lançamento tributário em receita efetiva.

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23Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Internamente os administradores tributários devem ser responsáveis pelo

estabelecimento de indicadores que determinem a periodicidade da programação, bem

como o perfil dos contribuintes e as metas de arrecadação. Neste último aspecto devem

ser considerados os seguintes fatores:

• a evolução natural da arrecadação observada na sua série histórica;

• a projeção da inflação segundo as metas estabelecidas pelo Governo

• as medidas legais que possam interferir para mais ou para menos na arrecadação

• o esforço fiscal a ser despendido segundo os seguintes parâmetros:

- Total de contribuintes a fiscalizar no período, por faixa de importância em relação ao

total arrecadado;

- Percentual máximo de omissão de informações a ser admitido;

- Percentual máximo de correções a serem realizadas em função dos documentos

informados;

- Redução da evasão apontada nos indicadores fiscais;

Uma vez estabelecidas as metas e idealizados os programas de ação fiscal, é necessário

estabelecer pontos de controle que possam verificar se a execução das tarefas está

sendo realizada na direção pretendida. Além disso, em função da metodologia adotada,

as metas têm de ser avaliadas e revistas periodicamente com base na atualização das

previsões formuladas anteriormente. Para atingir esses fins, o controle será exercido

nas seguintes etapas:

• Controles automáticos

- Controle de pagamentos (conta corrente) por faixa de contribuintes;

- Controle de autos de infração, parcelamentos e dívida ativa.

• Controle de qualidade da execução individual

- Relatório de ação fiscal

- Controle do imposto recuperado por ação fiscal

• Controles consolidados

- Controle dos programas de fiscalização desenvolvidos

- Relatório mensal das atividades

- Relatório trimestral de avaliação das metas estabelecidas

• Auditoria

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24 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O quadro a seguir apresenta um resumo do fluxo do processo da fiscalização

tributária que tem como produto o lançamento da obrigação tributária:

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25Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Sugestões para uma auditoria de receitasPlanejamento

No planejamento da auditoria das receitas é necessário adotar alguns procedimentos

preliminares de análise e avaliação dos processos como os que seguem:

• analisar o modelo de organização e gestão;

• analisar os procedimentos operacionais;

• avaliar os usos da informática;

• avaliar o modelo organizacional das áreas/funções/processos para o macro-processo

das receitas, ou seja:

- Legislação

- Cadastro

- Fiscalização

- Lançamento tributário

- Cobrança administrativa ou judicial

Os responsáveis por esse planejamento devem procurar respostas adequadas sobre

as possibilidades do sistema a fim de avaliar os riscos inerentes à auditoria que se pretende

realizar. Cabe ao auditor avaliar se o sistema permite:

• o cadastro de contribuintes de modo eficiente e na época oportuna?

• a emissão de número exclusivo e permanente de identificação do contribuinte?

• identificar os sócios das empresas e verificar, todas as vezes que uma nova empresa esteja

sendo constituída, se cada um dos sócios é responsável por alguma empresa inadimplente

ou que tenha encerrado suas atividades sem a devida baixa e quitação tributária?

• o processamento preciso e na época oportuna de formulários e declarações de

imposto, incluindo o autolançamento?

• identificar o tempo médio gasto na concessão do cadastro dos contribuintes e da

baixa das atividades de modo a estabelecer algum padrão de desempenho?

• verificar se as demonstrações contábeis dos contribuintes são adequadas para a

atividade exercida?

• a identificação dos contribuintes que não entregam suas declarações e das contas em

atraso?

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26 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

• Gerar estatísticas operacionais, mensurações de produtividade, relatórios

extemporâneos e consultas?

A resposta a estas e outras perguntas podem ser utilizadas como base para o

estabelecimento de diretrizes quantitativas e qualitativas a serem usadas durante todo

o planejamento da auditoria.

Aspectos relevantes para auditoria das receitasCom base em todos os aspectos aqui considerados podemos afirmar que, na

apreciação do modelo de gestão fazendária, cabe ao auditor avaliar se o mesmo tem

capacidade e agilidade para, ao atribuir uma inscrição fiscal ao contribuinte, identificar

determinadas informações que serão de fundamental importância para a atuação futura

dos agentes da fiscalização. Dentre estas informações temos as seguintes:

• atividades preponderantes e atividades secundárias

• tipo de imposto

• responsabilidade fiscal com a identificação dos sócios, cotistas ou dirigentes,

• data do início das atividades.

Nas informações ou declarações entregues, inclusive nos documentos de pagamento

de tributos ou outros, devem constar dados que sejam relevantes para a apropriação e

notificação aos contribuintes, na época devida, bem como identificar aqueles que não

fizeram a entrega das informações solicitadas ou que pagaram menos impostos do que

o valor total devido.

Os pagamentos de impostos feitos em qualquer repartição ou em agentes de

arrecadação (rede bancária) devem ser controlados e os recebimentos diários conciliados

com o caixa e com a contabilidade. A inscrição cadastral do contribuinte é essencial

para o registro adequado dos pagamentos feitos pelo mesmo na conta corrente mantida

em seu nome. Os pagamentos feitos em bancos devem ser controlados pelo próprio

banco mediante o batimento entre os valores registrados nos boletins diários de

arrecadação e o montante dos recursos financeiros arrecadados.

A apropriação da receita dever efetuada segundo os dados descritos acima, recebidos

da rede bancária ou de outros agentes arrecadadores, afetando na forma estabelecida

no plano de pontas as rubricas da execução orçamentária e as variações patrimoniais

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27Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

resultantes, tanto no caso de receita efetiva como no de receita por mutações

patrimoniais. Neste último caso, a alteração patrimonial deve ser efetivada como conta

redutora da receita correspondente. A utilização do regime de competência pressupõe

o registro de todas as receitas lançadas no ativo de contas a receber.

A conta corrente do contribuinte deve ser entendida como o processo de

acompanhamento desse contribuinte e um dos principais componentes de qualquer sistema

de administração tributária e controle fiscal. Permite conhecer, a qualquer tempo, as

responsabilidades fiscais por imposto, período, tipo de transação, faixa de datas e outros

critérios. A chave de um bom e regular acompanhamento do contribuinte está na

capacidade de controle daquilo que é visualizado ou impresso para qualquer contribuinte.

A inclusão nesses dados do nome dos sócios e responsáveis é um forte auxílio no

combate à evasão fiscal, pela atribuição, em qualquer momento, do mecanismo da

responsabilidade ou solidariedade fiscal conforme previsto no Código Tributário Nacional.

O processo de contas a receber (após o lançamento de qualquer tributo ou como

dívida ativa) é extremamente importante, já que se concentra na arrecadação de valores

em atraso. O seu desenho deve estar integrado ao processo de acompanhamento do

contribuinte com a geração automática de notificações-padrão e personalizadas ao

mesmo de forma a acelerar o processo de notificação sobre valores em atraso ou sobre

a não entrega de declarações solicitadas.

O cumprimento das obrigações fiscais pelo contribuinte é afetado pela capacidade da

área tributária em reconhecer aqueles que deixam de entregar ou entregam a declaração

com atraso, deixam de pagar ou pagam com atraso. É importante que as notificações de

atraso, automaticamente geradas pelo sistema informatizado, sejam revistas e verificadas

pelos dirigentes fiscais antes do envio aos contribuintes, uma vez que o computador precisa

ser entendido como ferramenta de auxílio dos administradores, mas não substitui os seus

conhecimentos.

O processo para aprovação e pagamento das devoluções aos contribuintes por pagamentos

em duplicidade ou a maior deve ser convenientemente analisado pelos auditores. Existem

administradores que não processam tais pedidos, outros que processam muito lentamente e

há os que fazem as devoluções rapidamente. Em qualquer das situações é importante que as

devoluções sejam rigorosamente controladas. Por outro lado, é importante que o auditor

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28 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

fique atento para as devoluções: não devem ser concedidas para um tipo de imposto se o

contribuinte estiver atrasado com o pagamento de qualquer outro tipo de imposto.

No caso de devoluções o auditor deve rastrear o pagamento das mesmas, pois a operação

constitui um dos fatores críticos: na grande maioria das vezes poderão estar sendo rompidos

alguns paradigmas éticos que precisam estar presentes em todo o setor público.

A conciliação fiscal representa uma das tarefas mais importantes da administração

tributária porque será sempre uma rica fonte de informações para o critério de seleção

de auditoria. O processo deve integrar dados fiscais informatizados e facilitar as consultas

padrão e extemporâneas em relação a estes. Os dados fiscais deverão ser cruzados

para serem comparados com uma série de armazenamentos de dados para gerar

relatórios de conciliação fiscal.

Os sistemas fiscais informatizados podem fornecer dados estatísticos usados pela

administração para melhorar as operações. Neste sentido, o desenho do sistema interno

de informações deve permitir suficiente capacidade para emissão de relatórios, que

ficarão armazenados e estarão disponíveis sempre que necessários.

ConclusãoQualquer estudo dos sistemas de administração tributária e controle fiscal revelará,

sem grande esforço intelectual, que o mesmo é fortemente influenciado pelo entorno

político, cultural, econômico, social e tecnológico, assim como pela evolução e tendências

do entorno mundial.

Tais fatores levam os gestores responsáveis a ter que lidar cotidianamente com uma

instabilidade permanente e com relações cada vez mais complexas e interdependentes

entre a administração e a sociedade, que exigem adaptações na forma de gestão, recursos

humanos altamente qualificados e estruturas organizacionais capazes de responder e

adaptar-se às exigências sempre crescentes da sociedade.

Para cumprir tais desafios a administração tributária precisa sofrer adaptações,

principalmente aquelas relativas ao estabelecimento de normas de controle que permitam

a realização, a qualquer tempo, da auditoria integral das receitas públicas. O que equivale

dizer, de todas as fases consideradas fundamentais para que não só os administradores

públicos como todos os interessados possam ter a certeza da adequação dos valores

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29Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

arrecadados. Assim, ao final de cada período os profissionais de controle poderão emitir

parecer de auditoria que valide os dados constantes das demonstrações contábeis.

Notas

2 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário, 9ª. ed. S. Paulo: Saraiva: 1989, p. 3.3 PORTER, Michael.Estratégia competitiva – técnicas para análise de indústrias e da concorrên-cia, tradução de Elizabeth Maria Pinho Braga; revisão técnica Jorge A. Garcia Gomes, 7ªed. Rio deJaneiro: Campos, 1986. p. 6

Referências Bibliográficas

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DIFINI, Luiz Felipe Silveira. Manual de direito tributário. S.Paulo: Saraiva, 2003.

GAITÁN, Rodrigo Estupiñán. Controle interno y fraudes, con base en los ciclos transaccionales. Bogotá: Ecoe Ediciones, 2002.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário, 9ª ed. S.Paulo: Saraiva, 1989.

PORTER, Michael. Estratégia competitiva – técnicas para análise de indústrias e da concorrência, tradução de Elizabeth Maria Pinho Braga; revisão técnica Jorge A. Garcia Gomes, 7ª ed. Rio de Janeiro: Campos, 1986, p. 6.

SILVA, Lino Martins. Contabilidade Governamental, 7ª. ed. S.Paulo: Atlas, 2004.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

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30 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

A éticaA ética e os tributos ao longo dos tempos

Armandino Rocha1

[email protected]

ResumoVivemos hoje numa época em que as mudanças culturais, tecnológicas e econômico-financeirasocorrem a um ritmo alucinante e em que as transformações e alterações delas decorrentesassumem dimensões imprevisíveis. Ao longo dos tempos, os impostos sempre procuraram aadaptação à mudança. Essa estratégia implica uma clara definição de objetivos emetas, comandados por princípios. Implica também que se tenha a flexibilidade tática suficientepara se atingir os objetivos, mesmo que os meios falhem, faltem ou sejam insuficientes. Nesteartigo procuramos apresentar um resumo histórico da fundamentação ética do imposto até ointervencionismo do Estado, com uma resenha histórica sobre a evolução dos objetivos políticos,econômicos e sociais da intervenção do Estado.Palavras-chave: evolução, ética e tributos

ResumenVivimos hoy en una época en que los cambios culturales, tecnológicos y económico-financierosocurren a un ritmo loco y en que las transformaciones y las modificaciones provenientes delas mismas asumen dimensiones imprevisibles. En el transcurso del tiempo, los impuestossiempre buscaron la adaptación al cambio. Esa estrategia implica una definición clara de objetivosy metas, ordenados en principios. Implica también que se tenga la flexibilidad táctica suficientepara alcanzar los objetivos, aunque los medios fallen, falten o sean insuficientes. En este artículonosotros presentaremos un resumen histórico de la fundamentación ética del impuesto alintervencionismo del Estado, con una reseña histórica acerca de la evolución de los objetivospolíticos, económicos y sociales de la intervención del Estado.Palabras-clave: evolución, ética y tributos

AbstractWe are living today in a time when cultural, technological and economic-financial changes areoccurring at a maddening pace and when the transformations and alterations resulting fromthem are assuming unpredictable dimensions. Throughout history, taxes always tried to adaptto change. This strategy implies a clear definition of objectives and goals, guided by principles.It also implies the need for tactical flexibility sufficient for achieving the objectives, even if themeans fail, are lacking or insufficient. In this article we try to present a historical summary ofthe ethical basis of taxation up to State interventionism, with a historical account of the evolutionof the political, economic and social objectives of State intervention.Keywords: evolution, ethics and taxes

1 Diretor da Faculdade de Ciências Empresariais da Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão, Portugal.

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31Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Breve resumo histórico da fundamentação ética do impostoSe fizermos uma análise retrospectiva, embora necessariamente breve, podemos

verificar que desde o seu nascimento até os dias de hoje o imposto tem sofrido várias

alterações, as quais passam pela sua fundamentação ética, pelo modo como os

contribuintes reagem perante ele e se tentam ou não defraudar o credor tributário.

Antigüidade Clássica

A primeira forma de imposto remonta à Antigüidade, quando as comunidades vencidas

nas guerras como resultado dessa derrota ficavam sujeitas ao pagamento de um tributo

à comunidade triunfadora, o qual era marcado pelo signo da servidão, do domínio ou da

dependência. Esse tributo era imposto unilateralmente pela comunidade vencedora

com o fundamento que por meio do seu pagamento a derrotada podia continuar a

usufruir os seus bens e terras.

Na Grécia Antiga, a concepção dominante de democracia aí existente permitiu que

as contribuições tivessem um caráter voluntário (embora apenas para os cidadãos livres).

Relativamente, aos estrangeiros e libertos (escravos que se libertaram mediante carta

de alforria) incidia um imposto de capitação, o qual consistia num tributo de certa soma

que se pagava por cabeça ou por pessoa.

No entanto, havia certos períodos excepcionais em que, por via, por exemplo, da

guerra, as necessidades financeiras do Estado aumentavam significativamente, pelo

que, nessa altura, o imposto tornava-se obrigatório e incidente sobre os bens próprios

dos cidadãos livres. Esse fato era bem aceito pelos cidadãos gregos, pois para eles a

colaboração, e conseqüente submissão ao imposto, fundava-se nas exigências do bem

comum da Cidade e da comunidade política. Com efeito, para o cidadão grego o

Estado está acima do indivíduo: “a ele se deve, a ponto de considerar a contribuição

como virtude de elevadíssima estima moral, dado que se destina a atender às

necessidades da Cidade”2.

Por meio da educação que lhe era ministrada, o cidadão grego compreendia que a obrigação

de pagar imposto derivava da sua obrigação de, como cidadão, contribuir para os gastos

públicos e não devido a qualquer coação externa. Como conseqüência dessa filosofia, ele

sente-se honrado pelo fato de que pelo seu tributo esteja contribuindo para o bem comum

da cidade, razão pela qual, muitas das vezes, pagava um tributo maior do que lhe era exigido.

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32 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

A obrigação de pagar imposto, na Roma Antiga, já não era vista da mesma maneira,

pois tal obrigação era encarada como uma forma de servidão, incompatível, portanto,

com o status de pessoa livre. Assim, dado que das pessoas livres não era exigido imposto,

as receitas necessárias para a cobertura das despesas públicas provinham das

contribuições pagas pelos vencidos como contrapartida da permissão de eles ficarem

com a posse e fruição do solo provincial.

Idade Média

Com a decadência do Império Romano, e conseqüente corrupção do sistema

financeiro, tornou-se necessário proceder a uma reforma do sistema tributário, pela

qual também os cidadãos gregos passavam a estar sujeitos a imposto. Tal alteração não

enfrentou uma resistência ativa e organizada por parte deles. No entanto, eles reagiram

de uma forma “passiva e individual sob a pena de fraude”3

Nesse mesmo período, começava a se desenvolver no seio da sociedade romana

uma nova comunidade: os cristãos. Em consonância com os ensinamentos de Jesus

Cristo que manda dar a César o que é de César, era-lhes eticamente vedado apoderarem-

se do alheio, entendendo-se como tal, também, a prestação tributária que lhes era

exigida. Desse modo, não podiam defraudar o fisco, como faziam os não-cristãos, pois

isso tratar-se-ia de um furto.

Para S. Crisóstomo (S. João Crisóstomo – Antioquia C.340, Capadócia 407), a

obrigação de pagar imposto tem como fundamento os benefícios que o indivíduo recebe

da sociedade e como forma de remuneração devida às autoridades gestoras do bem

social, ao qual dedicam as suas vidas. Em Santo Agostinho (Tagasta, 354–430), é referido

que a fraude para com o erário público não é distinta do roubo contra uma pessoa, pelo

que condena veementemente a fraude tributária.

A Alta Idade Média não introduziu alterações à moral tributária perfilhada na Antigüidade,

e o princípio segundo o qual do homem livre não se pode exigir imposto mantém-se.

Com a Baixa Idade Média, e por força das situações de injustiça e abusos tributários

praticadas no seio da sociedade feudal, começam a se desenvolver uma nova moral e

fundamentação ética da exigibilidade do imposto.

Nesse sentido, S. Tomás de Aquino (Castelo de Roccasecca, 1125 – Fossanova, 1274)

afirma que o imposto visa a permitir alcançar o bem comum e, simultaneamente, servir

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33Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

como retribuição ao príncipe pelos serviços que ele presta à coletividade. S. Tomás de

Aquino defende, pela primeira vez, a igualdade do esforço tributário exigido aos cidadãos,

ou seja, que a tributação se reparta em proporcionalidade eqüitativa entre os cidadãos.

Desse modo, o fundamento do imposto deixa de estar relacionado com questões de

submissão e domínio para passar a constituir uma obrigação do cidadão contribuir para

o bem-estar da sua comunidade.

Por sua vez, Martinho Lutero (Eisleben, 1483–1546), partindo do dogma de que é

justo o que está preceituado e também o que é legal, defende que os impostos têm de

ser satisfeitos porque são justos, dado que são estabelecidos pela autoridade.

Thomas Hobbes (Wesport, Malmesbury, 1588 – Hardwich Hall, 1679), no seguimento

do absolutismo mais enérgico em que perante o Estado os súditos não têm direitos,

defende que todos os tributos, sem exceção, devem ser pagos porque só o Estado é

juiz do que se deve ou não executar.

Idade Contemporânea

A chegada da Idade Contemporânea traz consigo a queda do absolutismo político,

o qual deu origem ao individualismo. Essa nova concepção pode ser já observada com

Rousseau (Jean-Jacques Rousseau, Genebra, 1712 – Paris, 1755). Para este autor, as

contribuições individuais têm de ser voluntárias e livres, como conseqüência do pacto

social primitivamente estabelecido e não tanto como conseqüência de vontades

individuais à margem do referido pacto. O cidadão deve submeter-se à vontade

expressa pela maioria. O juiz único das necessidades públicas é o Estado Soberano, a

quem cabe ser juiz estimativo das mesmas e fixar os justos sacrifícios em imposto

proporcional, sem deixar nada de arbitrário nas instituições fiscais. Deste modo,

segundo esse autor, fica automaticamente assegurada a justiça tributária.

Já no século XVIII, Adam Smith (Kirkcaldy, 1723 – Edimburgo, 1790) considera

os impostos como visando ao objetivo de permitir a arrecadação dos meios

financeiros necessários à administração da justiça, à proteção da propriedade privada

e à realização de obras e manutenção de instituições privadas, que os particulares

não podiam realizar.

O século XX foi fortemente marcado pelas duas guerras mundiais (1914/18 e 1939/

45) e pela depressão econômica de 1929. Essas situações levaram a um aumento do

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34 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

intervencionismo do Estado, que, por meio de uma política de receitas e despesas

apropriadas, influencia decisivamente a vida econômica da nação, amortecendo os

efeitos das crises cíclicas e fomentando o desenvolvimento econômico.

O intervencionismo do EstadoEnquadramento histórico

Com o dealbar da Revolução Industrial e o êxodo migratório das populações

campesinas e subseqüente pressão demográfica sobre as cidades onde se desenvolviam

e floresciam as atividades mercantil e industrial, acentuaram-se as assimetrias sócio-

econômicas entre os agentes econômicos em presença, com excessiva concentração

da riqueza numa burguesia florescente detentora dos meios de produção, e o

depauperamento e acentuado empobrecimento da classe social emergente, a operária.

Se no âmbito secular de uma economia rural, de subsistência, de sobrevivência, o

povo já vivia mal e pobremente, com a vinda para as cidades passou a viver pior no novo

modelo econômico industrializado, socialmente ainda mais desprotegido4.

A insustentável situação gerada pela subseqüente tensão social daí resultante levou o

Estado a assumir cada vez mais uma obrigação intervencionista (que não vocação,

entenda-se) como órgão privilegiado, dotado do poder necessário, de correção dos

gritantes desnivelamentos e desigualdades sócio-econômicas entre cidadãos integrados

num mesmo espaço comunitário (maximize a Nação).

Os sistemas econômico-sociais (predominantes)

Sistema Capitalista Liberal

Sistema Coletivista

O Capitalismo Moderado (Intervencionismo)

Como forma de melhor e mais eficazmente se determinar a intervenção do Estado,

vários sistemas político-econômico-sociais se perfilaram, dos quais avultam os designados

por capitalismo liberal, moderado ou intervencionista e coletivista, digladiando-se entre

si numa guerra sem quartel, sobre quem deveria deter o poder e prover ao nivelamento

social e econômico, extremando-se as posições. Esses sistemas, numa fase embrionária,

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35Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

tinham como elemento comum uma visão meramente economicista, baseado no

controle das regras da oferta e da procura como forma de estabilizar os preços de

mercado dos bens e produtos, cujo desajuste não sustentado para cima (inflação) ou

para baixo (deflação) estariam na base do empobrecimento e desigual redistribuição da

riqueza e concomitante desnivelamento social.

Sistema Capitalista LiberalAssentava num liberalismo econômico, defendendo uma economia privada, baseada

no livre comportamento dos agentes econômicos, de total e livre concorrência

unicamente baseada em equilíbrios parciais e gerais por eles estabelecidos, que instintiva

ou intuitivamente saberiam por si só gerar e distribuir a riqueza (concomitante bem-

estar social) sem a intervenção do Estado, o qual estava reduzido a funções como as de

garantir a segurança, defesa, manutenção da ordem e da justiça.

Para prosseguir essas funções, o Estado estava dotado de uma estrutura orgânico-funcional

insípida, carecendo de receitas reduzidas, as quais só eram incrementadas para suportar,

regra geral, esforços de guerra.

Essa visão político-econômica, que na prática resulta da concentração da riqueza e

do poder nas classes sociais dominantes, é paradigmática de regimes políticos apodados

à direita do espectro político-partidário, tendo decaído no princípio do século XX,

causa e conseqüência da evolução e da afirmação de teses político-sociais mais

protetoras das classes sociais desfavorecidas. E encontra novo fôlego (após

reformulação a princípios mais pragmáticos e consentâneos com as teses

intervencionistas) nas teses neoliberais, tendo nos americanos e em especial em Milton

Friedman um dos seus expoentes máximos, encontrando nas teses monetaristas um

instrumento privilegiado da regularização econômica. As teses monetaristas

(nomeadamente por meio das teorias quantitativas, que fazem depender o valor da

moeda da sua quantidade e velocidade de circulação, de tal modo que a moeda valerá

mais quando rara e menos quando abundante), tendem a considerar como instrumento

privilegiado a insuflação no mercado ou a retirada deste de massa monetária, de maior

ou menor velocidade de circulação da moeda, como forma de ajustar os níveis de

oferta e da procura, dando desta forma uma contribuição para o controle dos preços

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36 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

de mercado (mais moeda em circulação, mais poder de compra, maior procura, maior

pressão sobre a oferta, o que gera inflação e carestia dos preços e vice-versa).

Concomitantemente e por via indireta, obtém-se um mecanismo corretor das

desigualdades sociais, porquanto a inflação gera o encarecimento dos preços dos bens

e produtos, sendo que o esforço acrescido na sua aquisição gera para as classes

desfavorecidas o empobrecimento e subseqüentemente o desnivelamento na

redistribuição da riqueza.

Os monetaristas privilegiam as políticas financeiras e cambiais (como maiores ou

menores taxas de juro nos empréstimos bancários) em detrimento das políticas fiscais

(por exemplo, aumento ou diminuição dos impostos) como forma de incrementarem

ou não os níveis de poupança e concomitantemente introduzirem ou retirarem do

mercado a massa monetária em circulação.

O Sistema ColetivistaNo extremo oposto posicionam-se os defensores de um sistema coletivista baseado

no conceito de economia pública, num pressuposto de solidariedade coletiva prosseguida

pelo poder político instituído, que atua por conformação da atividade econômica segundo

esquemas de planificação dirigida ao prosseguimento dos interesses coletivos e sociais

comuns a todos os cidadãos, sendo paradigmática de regimes políticos apodados à esquerda

extremada do espectro político-partidário, principalmente os regimes comunistas. Essas

teses assentam na coletivização dos meios de produção e subseqüente concentração da

propriedade na titularidade do Estado, como forma de melhor e mais eficazmente

prosseguir o controle dos preços, do jogo da oferta e da procura, redistribuição da riqueza

e prosseguimento das políticas de pleno emprego e bem-estar social.

Para prosseguir essa visão política, o Estado está dotado de uma estrutura orgânico-

funcional pesada, sofisticada mesmo, que estende e afirma a sua influência ao mais

recôndito lugar, carecendo absorver elevadíssimas receitas públicas, criando para o efeito

um eficaz sistema de percepção das mesmas.

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O Capitalismo Moderado (Intervencionismo)No meio evolucionam os defensores dos sistemas de capitalismo moderado, dito

intervencionista, baseado num conceito de economia comunitária, numa confraternização

entre a propriedade privada e a pública, que prossegue e se organiza determinada por

uma lógica de solidariedade social e de interligação entre a iniciativa privada e pública,

dosadas em função das pressões que se estabelecem no mercado, recorrendo para

corrigir as suas distorções quer à intervenção individual, quer à coletiva.

É característico de regimes políticos posicionados ao centro do espectro político-

partidário, típico das ditas economias européias ocidentais (ou das ocidentalizadas) e

que teve em Keynes e no keynesianismo o seu exponente paradigmático. O

keynesianismo tem por filosofia base o combate ao desemprego baseado numa política

de pleno emprego integrada numa visão macroeconômica da sociedade, em vez das

teorias liberalistas até aí dominantes, baseadas numa visão redutora, microeconômica,

centrada na figura isolada do homem ou da empresa como centro da economia.

O Estado intervém na economia por forma racional e em períodos de baixa ou de

crise econômica acentuada, investindo e gerando emprego, como forma de acelerar a

recuperação econômica. Ao Estado incumbe “mandar abrir e tapar buracos na estrada”,

pois ao criar emprego, gera riqueza, poder de compra, maior procura, que incrementa

a oferta (a qual para corresponder tem de aumentar o investimento na produção, gerando

por sua vez emprego e redistribuição da riqueza).

A construção dogmática do keynesianismo assenta grandemente na teoria do

multiplicador, que exprime uma relação direta entre o aumento dos investimentos e

um aumento correspondente do rendimento nacional. Segundo essa teoria, qualquer

aumento do investimento determina um aumento do rendimento, sendo possível por

meio de uma fórmula matemática (1 x K = R) encontrar o fator de multiplicação

(verdadeiro barômetro do estado da economia de determinada sociedade).

O seu prosseguimento determina para o Estado a existência de uma estrutura

orgânico-funcional bem alicerçada, carecendo de grandes recursos financeiros, sendo

também um grande absorvedor de receitas públicas, as quais procura obter quer por

recurso ao setor público (intervindo no mercado produtivo, por exemplo), quer por

recurso ao setor privado (incremento de políticas fiscais, de políticas financeiras, etc.).

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38 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O Estado do bem-estar socialAs economias do pós-guerra, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, determinam

uma acrescida intervenção do Estado, face à manifestada incapacidade do mercado e dos

agentes econômicos privados de por si só gerarem riqueza e desenvolvimento econômico.

As teorias socioeconômicas que tinham vindo a evoluir intensificam-se no sentido do

entendimento de que ao Estado já não competiria tão só intervir para corrigir as assimetrias

por mecanismos meramente economicistas (pelo controle dos preços, atuando sobre as regras

da oferta e da procura), mas também intervir para fazer face a necessidades de caráter social.

O Estado assume vocações intervencionistas no sentido de afirmar e garantir que o

desenvolvimento econômico passa não só pela prossecução de políticas econômicas, mas

também sociais (garantir políticas de proteção e incentivo na saúde, educação, emprego,

reformas, aposentadorias, etc.), partindo do pressuposto de que o pilar fundamental de

qualquer desenvolvimento econômico de uma comunidade está no bem-estar e qualidade

de vida da sua população.

A essas preocupações de natureza social acresce a conscientização de que o

desenvolvimento econômico passa também pela criação e implementação de grandes

empreendimentos estruturais, como a construção de estradas, pontes, barragens, escolas,

hospitais, etc., obras essas de vulto, caríssimas e sem retorno imediato do capital investido,

fora do alcance ou interesse do investimento privado, investimentos esses só possíveis

por recurso ao erário público.

O Intervencionismo contemporâneoNas modernas economias, o intervencionismo de Estado é um dado adquirido, sendo

impensável até para os liberalistas a sua inexistência (e cujas teses evoluíram como já foi

dito, de uma postura ortodoxa para conceitos econômicos mais pragmáticos por meio

das doutrinas neoliberais), admitindo mesmo que o Estado intervenha em socorro dos

privados, especialmente no que concerne ao comércio internacional, quanto mais não

seja pelo uso da influência política e diplomática que abra horizontes e facilidades de

instalação em países terceiros por parte dos seus agentes econômicos (principalmente, as

multinacionais).

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39Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Hoje em dia, fazem parte das políticas socioeconômicas de qualquer Governo adepto

de uma economia de mercado o recurso quer às teses monetaristas (intervindo sobre o

mercado financeiro e cambial, aumentando ou diminuindo as taxas de juro, por exemplo,

ou sobre as políticas fiscais, aumentando ou diminuindo a carga fiscal), quer às teses

intervencionistas puras de influência keynesiana (procedendo ao investimento público em

obras de grande envergadura, sofisticando o conceito a ponto da sua concessão aos

privados) e mesmo às teses de pendor coletivista (como o projeto de incentivo à produção

de beterraba, em que o Estado, além de criar condições à sua produção atribuindo subsídios

ou arrendando terras, ainda absorve integralmente a produção, construindo ou propondo-

se construir para o efeito uma unidade industrial de produção do açúcar de beterraba,

assegurando o total escoamento do produto por posterior distribuição quer no mercado

nacional, quer no internacional).

Essa vocação intervencionista do Estado é acompanhada do crescimento do seu

aparelho administrativo e do funcionalismo público (a ponto de o converter no principal

empregador do país), determinando uma despesa pública enorme, com concomitante

desenvolvimento e empenho na percepção de receita que a sustente, cada vez mais

multiforme, mais diversificada.

Síntese dos vários impostos que vigoraram em Portugal até o século XIXO poder de intervir ativamente nos lançamentos de impostos só se efetivou, no nosso

país, por volta do século XIV e, em alguns casos, como o imposto de SISA, só se

transformaram em impostos permanentes e gerais com D. João I (1357-1433).

Para efeitos de cobrança dos rendimentos, procedeu-se à divisão do país em distritos fiscais

(também designados por almoxarifados), os quais eram entregues a mordomos ou porteiros

de distrito que exerciam as suas funções junto aos ricos-homens ou aos juízes dos julgados.

Nessa altura, a centralização financeira pertencia a uma única pessoa, o porteiro-mor

(verdadeiro ministro das Finanças), cargo criado por D. Sancho II (1202-1248) na corte

portuguesa, o qual tinha a seu serviço um reposteiro (nos fins do século XIII toma o nome

de tesoureiro) e vários ovençais que tinham a seu cargo a cobrança das rendas.

Orientando superiormente todo esse processo estava o mordomo-mor (o encarregado

pela repartição da casa real, encarregado das despesas dessa casa) e o rei. Apesar dessa

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40 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

aparente separação de funções, a verdade é que a organização tributária era bastante

complexa e confusa, pois a linha de separação entre a direção dos serviços públicos e a

dos serviços particulares do rei e da casa real era bastante tênue.

Já durante esse período existiam os impostos diretos e os indiretos. Os primeiros eram

mais utilizados em períodos de crises onde se mostravam mais eficientes na obtenção de

receitas públicas, enquanto que estes eram mais adequados a momentos de prosperidade

e a dias de calma e prosperidade política.

Assim, ao longo desse período, podemos encontrar, entre outros, os seguintes

impostos diretos5:

• fossado – consistia numa multa que era aplicada aos indivíduos que faltassem ao

serviço militar, a que se encontrava obrigada a população vilã e cuja prestação lhe era

exigida segundo as disposições estabelecidas pelo foral ou pelo costume da terra. Como

serviço militar, o fossado consistia numa expedição ou cavalgada, que ia a terras inimigas

para colher frutos, devastar campos, saquear, etc. O fossado “compunha-se de

cavalleiros, escudeiros e tropas regulares, e de gente de toda a casta, muitas vezes até

mulheres e rapazes, para trazerem o que se pilhasse”6;

• jugada – era um tributo muito antigo que desde o tempo dos romanos se pagava na Espanha.

Era um direito real imposto nas propriedades lavradias, ordinariamente baseado no número

de juntas de bois com que o colono arava a terra. “Os lavradores eram, no tempo dos gôdos,

meros servos da gleba, pagando cada ano o censo fiscal, canon, frumentário ou fossatária, que

consistia em certa porção de grãos, por cada junta de bois”.7O concelho de Lisboa pagava a

jugada, ao almoxarifado ou a outro oficial régio, até o Natal (Foral de D. Afonso Henriques).

Passada essa data, não poderia ser exigido do lavrador o pagamento do imposto, que passaria

a recair sobre a pessoa que tinha a responsabilidade de o receber. O oficial negligente era,

assim, obrigado a assumir o imposto. D. João I aboliu a jugada, em Lisboa, a pedido do concelho;

• anúduva (ou anubda, anuda, anuduba, adua) – era um imposto pago em dinheiro, que

vigorou entre os séculos IX e XV e cuja receita se destinava a financiar o custo das

reparações e construção de obras necessárias à defesa de uma terra. Esse imposto era

também de natureza corporal, obrigando os peões a trabalharem na construção e

reparação de castelos e dos paços (para a residência dos reis ou abades), construção de

torres, muros, fossos e outras obras militares semelhantes para a defesa da terra. Essa

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41Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

imposição chegou a ser excessiva, levando os povos a reclamar, como é exemplo a

carta de D. Afonso III (1210-1279) dada em Coimbra em 28 de julho de 1265. Nesse

seguimento, na reforma tributária por ele iniciada em 1272, esse imposto foi

meticulosamente regulamentado fixando-se as condições da sua execução e isentando-

se dele várias pessoas;

• calunias (ou coimas) – eram penas pecuniárias impostas, a titulo de indenização, aos

culpados de certos danos (mais freqüentemente os causados pelo gado em propriedade

alheia) e que revertiam uma parte para o lesado e outra para o fisco. O valor da indenização

a pagar pelo infrator era determinado por foral consoante a gravidade do crime. Esse valor

era muito variável de localidade para localidade, não havendo qualquer padrão válido para

todos os casos idênticos, nem sequer para o número de comportamentos sujeitos a multa.

No entanto, e porque estes eram muito numerosos e freqüentes, o produto dessas multas

constituía para o fisco uma receita muito razoável, não obstante a parte que, como referimos,

pertencia ao lesado ou à sua família, ser, em muitos casos, muito superior. Essas multas,

porém, não representavam a total expiação dos crimes, pois o infrator ficava,

independentemente do seu pagamento ou não, sujeito às penas corporais e mesmo à morte;

• colheita – era uma contribuição paga coletivamente por cada concelho e que

consistia no fornecimento de víveres para a mesa do rei e seu séqüito, quando este

passava pelas povoações. Em períodos em que os mantimentos escasseavam com

freqüência e a falta de moeda complicava o sistema dos impostos e da sua

arrecadação, foi necessário recorrer às receitas (também chamadas coletas, jantares,

paradas ou comeduras) para se prover à subsistência do soberano, obrigado, por

motivos vários, a viajar constantemente pelo reino;

• montado (ou montático, montádego, montádigo) – direito que se pagava de certas

espécies de gado. Em 1261, D. Afonso III dirigiu uma carta ao mestre do Templo, e

aos outros comendadores da mesma ordem, em Portugal, na qual lhes dizia que

tivera queixas de que eles recebiam nos termos das vilas e terras da ordem, sem

moderação alguma, e com dano e prejuízo dos seus vassalos, o tributo do montado.

Ordena que eles e os mais religiosos do reino escolham a seu arbítrio uma vila das que

tinham e só dessa recebessem o montado, e não das outras. Esse direito era:

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do rebanho de vaccas uma vacca; do rebanho de ovelhas, 4 carneiros, porém nada deporcos, éguas ou outros gados. E que não tirassem portagem das cousas e dos homensque passassem pelos seus logares, senão em aquelles, nos quaes lhes fôsse concedidopor doações reaes; sob pena de quem o contrário fizesse, pagar 500 soldos, além dascustas e despezas, áquelle que se lhe d´isso queixasse;8

• condado – era um imposto lançado em nível de concelhio e que recaía sobre o produto

da caça que se matava em terreno alheio (denominando-se nesse caso condado do

monte) ou da pesca fluvial que era paga pelos pescadores, no porto (designado de

condado do rio). A sua incidência variava de localidade para localidade e consoante o

agente fosse habitante da terra ou não;

• alcavala – tributo que incidia sobre o produto de todas as vendas públicas ou permutas;

• quinto dos despojos de guerra (ou quinto real) – consistia na quinta parte de todos

os bens conquistados, ao inimigo, nas guerras, com exceção dos direitos de ereita, ou

seja, da indenização devida ao cavaleiro que na batalha, sem culpa, tivesse perdido o

cavalo. Só esses direitos eram desviados do espólio total da batalha antes da separação

do quinto real. O chefe da hoste (exército em campanha), no caso de não ser o

próprio rei, somente podia receber o sétimo ou o décimo e nunca o quinto. Dadas as

lutas constantes que acompanharam o início da nossa monarquia, essa foi uma receita

pública muito importante, que perdurou até a definitiva expulsão dos muçulmanos do

território português;

• imposto sobre o vinho – imposto que, como o nome indica, incidia sobre a produção

de vinho e era cobrado no próprio gênero e, como podia se deteriorar, estabeleceu-

se o relego, que era um verdadeiro tributo na medida em que só o fisco podia vender

vinho na vila de 1º de janeiro a 1º de abril.

Passando aos impostos indiretos e reportando-nos à mesma época, constatamos

que as principais contribuições indiretas incidiam sobre o consumo, as importações e

exportações de mercadorias e sobre a transmissão de bens de raiz. Os impostos mais

importantes eram:

• portagem (mais tarde designado de imposto de barreiras) – imposto de barreiras

exigido às portas de uma cidade ou de uma povoação ou ao atravessar uma ponte. Esse

imposto aparece, pela primeira vez, nos forais dados pelo conde D. Henrique (1512-

1580). Como se sabe, não eram somente os reis que davam forais, também os bispos e

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43Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

os grandes do reino os concediam, estabelecendo impostos indiretos, tributando as

mercadorias. Esse imposto variava de portagem de concelho para concelho. A

ordenação Afonsina considerava as portagens como direitos reais, enquanto que a

Filipina isentou os clérigos do pagamento dela. Esse privilégio já estava consignado na

reforma dos forais de D. Manuel (1469 - 1521), como se pode ver no foral de

Guimarães, que contém prescrições aplicáveis a todo o reino. Por lei de 2 de agosto

de 1899, foi o governo autorizado a abolir as portagens das pontes cujo rendimento

anual não fosse superior a 500 reis.

Tal imposto era igualmente devido por todos os produtos entrados no reino e por

todos os gêneros exportados, desde que a essa exportação não correspondesse uma

importação de igual valor;

• açougagem – direito que se pagava de quaisquer vendas ou compras, não só onde

eram vendidas carnes frescas, mas ainda em todo o lugar e praça em que se vendiam

frutas, pães, hortaliças, peixes, panelas, etc., e, por isso, as ruas dos vendedores se

chamaram algumas vezes açougues;

• peagem (ou passagem) – direito que pagavam os que passavam por alguma terra à

qual esse tributo se concedia. Os excessivos abusos que se davam fizeram com que ele

fosse abolido;

• sisa (ou siza) – antes de ser estabelecido em Portugal, esse imposto já havia sido

lançado na península luso-hispânica, independentemente da intervenção do Estado.

Com efeito, a sisa foi, a princípio, um tributo temporário que os povos auto-impunham

e cobravam para acudirem às despesas extraordinárias provocadas pelas guerras, sem

que o Estado tivesse a mínima interferência. Obedecia, portanto, essa atitude do povo

daquela época à firme resolução de obterem, por sua própria iniciativa, os meios

financeiros precisos para manterem bem alto o espírito da conquista pelas armas. O

que se deve sublinhar, principalmente, é a perseverança desse povo e a continuidade da

sua obra até a ponto das cortes decretarem a sisa, como medida extraordinária em

tempo de D. Afonso IV (1291-1357), D. Pedro I (1320-1367) e D. Fernando I (1345-

1383), isto é, vários anos depois de ter sido adotada para Castela por D. Sancho IV em

1295. Desde o tempo de D. João I (1357-1433), passada a necessidade porque se

impuseram, foram-se prorrogando até que em 1387 passaram a constituir receita

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44 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

permanente do Estado, obviando o popular rei, por esse meio, entre outros, à difícil

situação financeira que tinha herdado. Mais tarde, D. Afonso V (1432-1481) deu-lhe

regimento, vulgarmente conhecido por artigos das sisas, em 27 de setembro de 1476.

No reinado de D. Sebastião (1554-1578), foi reformado este regimento – aclarado em

alguns pontos e aditado em outros – e fez-se organizar outro regimento com o título de

encabeçamentos, em que se estabeleceu a cobrança por concelhos, a qual foi mandada

pôr em execução pelo cardeal D. Henrique (1512-1580) em 13 de janeiro de 1580.

As disposições desses dois regimentos não só abrangiam a transmissão da propriedade

imobiliária e mobiliária, como também compreendiam um tanto dos modernos impostos

de consumo, industrial e de selagem. Poucas transações escaparam às apertadas malhas

daquela rede tributária. A sisa pagava-se por tudo o que se comprava ou trocava, à

exceção, entre outros, do pão cozido, do ouro e da prata. Pagava-se, geralmente, 10%

do capital nas compras e vendas dos bens de raiz, quando o comprador e o vendedor

eram da mesma terra, existindo, contudo, exceções para mais em algumas terras.

Quando o comprador e o vendedor eram de terras diferentes daquela onde estava

situada a propriedade, pagava-se 20% e quando um deles era da terra e o outro não,

pagava-se 15%, embora houvesse terras em que a sisa era sempre de 20%.

Ao longo do tempo, foram criadas inúmeras isenções para algumas instituições e

para os concelhos mais afetados com os estragos da guerra. Contra algumas dessas

isenções e à prepotência dos exatores desse imposto (aqueles que exigiam o seu

pagamento) levantaram os povos fundados queixumes. Foi esse um dos pontos

vigorosamente tratados nas cortes celebradas em Évora nos anos de 1482 e 1490.

A sisa foi vivendo sem grandes atritos9 e continuou a fruir da mesma atmosfera

mesmo depois de esse imposto ter sido elevado para o dobro, por dois anos, por

carta régia de 19 de junho de 1661, sem exceção de privilegiados, para perfazer o

dote da infanta Catarina de Bragança, que casou com Carlos II da Inglaterra (1630-

1685), argumento que foi prorrogado por mais dois anos pela carta régia de 16 de

novembro de 1663. E como não era próspera a situação econômica do país, quando

expirava a prorrogação para o dote, determinou-se por carta régia de 8 de março

de 1696 que se lançasse meio dobro da sisa para ocorrer às despesas da guerra.

O processo de arrecadação do imposto de sisa era exercido com

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45Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

um tal cortejo de vexames, commettidos à sombra de uma legislação tão contradictoriae com desegualdades tão absurdas e projediciaes, que à grandeza d´este mal deuprompto e efficaz remedio e levantado espirito do grande estadista Mousinho da Silveirano providentissimo decreto de 19 de abril de 1832.10

Com efeito, foi Mousinho da Silveira que pôs termo a essa injustificável discriminação

entre habitantes de um mesmo país e que restringiu o tributo aos contratos das vendas

e troca dos bens de raiz, que igualou para todo o território português pela aplicação da

taxa única de 5%. O citado decreto entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 1833,

dispondo que a quota de sisa era de 5% sobre o preço do prédio nas vendas e sobre a

diferença do valores dos prédios, nas trocas.

O regime jurídico dos tributosO conceito de “Finanças Públicas” não se deverá reduzir à atividade financeira, por

se tornar simplista em excesso. Conforme António Sousa Franco (1982):

(...) a actividade financeira envolve complexas arbitragens de interesses e umaestruturação institucional, articulada em razão de fins públicos e do exercício do poderpolítico ou da autoridade pública, por força tem então de ser regida por normas jurídicase determinam a existência de instituições, situações e relações jurídicas (...)

É esse complexo normativo (ou conjunto de normas) que rege a atividade

financeira do Estado, que constitui o objeto do que se designa por Direito Financeiro.

Tem por finalidade, segundo Soares Martinez (1983), “(...) a definição jurídica dos

poderes das entidades públicas na obtenção e no emprego dos meios económicos

destinados à realização dos seus fins (...)”.

Verificando-se, assim, uma especial preocupação da comunidade para que a

percepção de receitas por parte do Estado (GOMES, 1998)

(...) não se exerça de forma fortuita, incondicionada e livre, ao sabor da conveniênciaou da vontade dos órgãos públicos, pois, tratando-se de atividade social relevante,está subordinada ao Direito, que disciplina não só as formas jurídicas de que o Estadopode lançar mão na obtenção de receitas públicas e na satisfação de despesas, masainda o respectivo conteúdo (...)

A percepção de tributos não é discricionária, antes vinculada à observância de

requisitos e pressupostos que a condicionam.

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46 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Atualmente o regime jurídico dos tributos vem consagrado na Lei Geral Tributária,

aprovada pelo D.L. nº 398/98, de 17.12, tomando como principais vetores a

determinação do seu objeto e os princípios jurídicos enformadores.

ObjetoO tributo distingue-se no universo jurídico pelo fim que visa a atingir e pelo modo e

a forma como o prossegue, constituindo o seu objeto, o qual para a sua determinação

se sustenta em três grandes parâmetros de aferição:

Objetivos

Eqüidade Patrimonial

Promoção do Desenvolvimento

• Objetivos

O pendor intervencionista do estado fez com que a tributação evoluísse de um conceito

meramente economicista ou financeiro para um instrumento privilegiado de influência no

tecido sócio-cultural e econômico da comunidade, contribuindo o tributo como um

estímulo ou incentivo às atividades de produção ou consumo ou mesmo à redistribuição

de rendimentos, assumindo-se até como uma forma indireta de nivelar a riqueza.

Hoje em dia a tributação só faz sentido e só é admissível para o cidadão anônimo,

quando tenha por objetivo fundamental conferir ao Estado os meios que lhe permitam

custear ou sustentar uma afetividade dirigida à resolução das assimetrias entre os cidadãos.

Veja-se o Art. 5º da LGT (fins da tributação):

1- A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outrasentidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e asnecessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.

Ou o Art. 103º da CRP (sistema fiscal): “1- O sistema fiscal visa a satisfação das

necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos

rendimentos e da riqueza”.

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47Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

• Equidade Patrimonial

A tributação deverá ser justa e eqüitativa na distribuição do esforço financeiro exigível

aos cidadãos e aferida em função das suas possibilidades econômicas, sendo garantido

que em caso algum poderá ser posta em causa a estabilidade e a condigna subsistência

do agregado familiar ou da pessoa do tributado.

Veja-se o Art. 104º da CRP (impostos): “1 - O imposto sobre o rendimento pessoal

visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as

necessidades e os rendimentos do agregado familiar”.

Ou o Art. 6º da LGT (características da tributação e situação familiar):

1 - A tributação directa tem em conta :a) A necessidade de a pessoa singular e o agregado familiar a que pertence disporemde rendimentos e bens necessários a uma existência digna.b) ........c) ........2 - .......3 - A tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares,devendo orientar-se no sentido de que o conjunto de rendimentos do agregado familiarnão esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónomadas pessoas que o constituem.

• Promoção do Desenvolvimento Econômico e Justiça Social

A tributação não pode onerar de tal forma os agentes econômicos que ponha em

causa a sua atividade e viabilidade econômica, devendo antes ser dirigida ao seu

incentivo e desenvolvimento, contribuindo para um desenvolvimento econômico

alicerçado em valores de justiça social, pleno emprego e qualidade de vida dos cidadãos.

Veja-se o Art. 104º da CRP (impostos):

1 - ....2 - ..... 3 - ....4- A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução dasnecessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar osconsumos de luxo.

Ou o Art. 6º da LGT (características da tributação...):1 - .....2 - A tributação indirecta favorece os bens e consumos de primeira necessidade.

Ou o Art. 7º da LGT (objetivos e limites da tributação):1 - A tributação favorecerá o emprego, a formação do aforro e o investimentosocialmente relevante.2 - A tributação deverá ter em consideração a competitividade e internacionalizaçãoda economia portuguesa, no quadro de uma sã concorrência.

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48 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Princípios Jurídicos FundamentaisSó se atingirá plenamente o objeto do tributo, se quer na sua feitura, quer na sua

aplicabilidade, a tributação se orientar pelos princípios jurídicos que encontram

consagração na lei constitucional ou na lei ordinária, nomeadamente:

1. Legalidade

2. Generalidade

3. Igualdade

4. Justiça material

Princípio da Legalidade

As receitas tributárias (principalmente os impostos) serão criadas por lei, a qual deverá

determinar a sua tipificação, isto é, a definição dos elementos essenciais da obrigação

tributária (a incidência, a taxa e as garantias do tributado).

Ver Art. 103º, nº 2, da CRP: “Os impostos são criados por lei, que determina a

incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.”

E o Art. 3, nº 3, da LGT: “O regime geral das taxas e das contribuições financeiras

referidas no número anterior consta de lei especial.”

A esse princípio subjaz o pressuposto do consentimento dos cidadãos para a

criação dos tributos por meio dos seus legítimos representantes políticos, porque

ele se traduz numa restrição legal à livre disposição do Estado sobre os bens dos

particulares (com a finalidade última de não deixar ao arbítrio da Administração

Pública a criação desses tributos).

A criação de receitas tributárias é por imperativo constitucional reservada à

Assembléia da República, sendo matéria da sua reserva relativa, ou seja, tanto pode

ser exercida pela AR como pelo Governo, quando autorizado para o efeito. Art.

165º, nº 1, 2 e 5 da CRP. Presentemente, com a Lei Geral Tributária, os princípios

enformadores que à criação dos impostos respeitavam (conforme o referido Art.

103º/2 CRP) passam a ser extensivos aos demais tipos tributários.

Conforme Art. 8º/1 da LGT: “1- Estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária

a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição

dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações.”

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49Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Princípio da Generalidade

Este princípio determina que a lei é genérica e abstrata, ou seja, abrange todos os cidadãos

sem exceção, sem privilegiar alguns deles.

O princípio da generalidade não é exclusivo da Direito Tributário, sendo enfatizado

por qualquer ramo do direito, encontrando consagração constitucional no Art. 12º: “1-

Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na

Constituição.”

No Direito Tributário há que equacionar esse princípio à luz dos demais, isto é,

reduzido nas suas proporções generalistas, considerando só por universo dos cidadãos

visados os que têm capacidade contributiva, só estes ficando genericamente sujeitos ao

tributo e na justa medida das suas capacidades econômicas.

Existe, contudo, uma exceção a esse princípio, o benefício fiscal. Casos há em que

são atribuídas prerrogativas de exceção, determinadas não por quaisquer razões de

privilégio fiscal, mas por razões de justiça social ou de incentivos econômicos, em que

cidadãos são tratados desigualmente, beneficiando de carga tributária inferior à

genericamente considerada.

Princípio da Igualdade

Todos os cidadãos merecem e têm a mesma dignidade social e jurídica, a todos

devendo ser garantido pela Lei um tratamento igual e não-discriminatório.

Genericamente é consagrado no Art. 13º da CRP:

1 - Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei;2 - Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direitoou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território deorigem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica oucondição social.

Igualmente este princípio tem consagração no Art. 7º/3 da LGT:

3- A tributação não discrimina qualquer profissão ou actividade nem prejudica a práticade actos legítimos de carácter pessoal, sem prejuízo dos agravamentos ou benefíciosexcepcionais determinados por finalidades económicas, sociais, ambientais ou outras.

Numa perspectiva jurídico-tributária, esse princípio tem de ser encarado à luz de valores

mais concretos e precisos, nos quais o princípio se revê não numa igualdade absoluta,

tratando todas as situações de um modo genérico e abstrato, mas em uma igualdade

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50 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

relativa, tratando igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Os parâmetros

de aferição para essa igualdade relativa serão de índole econômica ou social.

Numa perspectiva econômica, só se poderá falar em igualdade tributária se a carga

tributária importar para todos os sujeitos um similar sacrifício patrimonial, carreando maior

dispêndio patrimonial para os mais abastados e menor dispêndio para os mais empobrecidos

(em função da sua capacidade contributiva). Materialmente resulta na aplicação de taxas

com valores percentuais diversos, constituindo o fundamento da tributação progressiva.

Numa perspectiva social, só haverá igualdade se pelo tributo se prosseguir a correção

das assimetrias socioeconômicas, promovendo uma maior justiça social, redistribuição

da riqueza, favorecimento e promoção das regiões economicamente mais débeis.

Princípio da Justiça Material

É a face visível do princípio da igualdade, advindo dos princípios constitucionais de

justiça, solidariedade e bem-estar social.

A justiça tributária não se revê numa justiça formal, ou seja, consagradora desses

valores em termos genéricos e abstratos, mas sim numa afirmação concreta,

personalizada, em que cada caso é um caso, pois não haverá duas situações iguais, que

exponencialmente carecerão de um tratamento desigual para que se realize uma justiça

fiscal consubstanciada na abolição de discriminações em matéria tributária.

Esse princípio da justiça material cumpre-se em vários momentos da afirmação do

tributo, segundo parâmetros de natureza socioeconômica, administrativa ou judicial,

tomando como vetores fundamentais:

Capacidade Contributiva

Vetores Eficiência Funcional

Controle Judicial Tributário

• Capacidade Contributiva

Devem contribuir para a cobertura das despesas públicas os que tenham capacidade

econômica para o fazer e na justa medida das suas possibilidades. A capacidade

contributiva pressupõe que os cidadãos só são tratados igualitariamente se o pagamento

que os onera importar igual sacrifício.

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51Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

• Eficiência Funcional

Se aos cidadãos é exigida diligência e espírito de sacrifício na assunção da despesa

pública, ao Estado é exigido diligência para que esse esforço não seja em vão, resultando

no cumprimento dos objetivos político-econômico-sociais a que se destinam, devendo

o Estado envidar todos os esforços para combater a evasão fiscal (sobre as múltiplas

formas que se apresenta), a qual resulta como um elemento altamente perturbador do

cumprimento igualitário e justo da repartição das obrigações tributárias.

• Controle Judicial Tributário

Só se prosseguirá uma verdadeira justiça tributária se a Administração Pública

(principalmente a fiscal) souber atuar e apreciar as situações em concreto por forma

eqüitativa, não se deixando impulsionar pelo arbítrio ou pela discriminação na

interpretação e aplicação dos normativos tributários.

Como garante máximo da observância da legalidade tributária, a todos é garantido o

acesso à justiça tributária (v.g. Tribunais Tributários).

Notas

2 “O imposto: uma penalização ou uma necessidade?”, 1992, Fiscália , n.º 3 e 4, p. 18.3 Ibidem.4 Abreu, Amílcar Augusto Ferreira, Abril 2004, dissertação de Mestrado na Universidade doMinho.5 “Pequena síntese histórica dos impostos em Portugal” (1993). Fiscália, n.º 6, p.s 22 a 24.6 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme. (1907): Portugal - Diccionário Histórico, chorographico,biographico, bibliographico, heraldico, numismatico e artistico - Vol. III. João Romano Torres &Cia. - Editores. Lisboa, p. 557.7 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme. Op. cit., p. 1069.8 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme, ob. cit. Vol. IV, p. 1215.9 Abreu, Amilcar Augusto Ferreira. Ob. Cit.10 Pereira, Esteves e Rodrigues, Guilherme, ob . cit. Vol. VI, p. 982.

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52 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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53Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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54 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Luca PacioliLuca Pacioli, ícone na história da Contabilidade

Antônio Lopes de Sá1

[email protected]

ResumoPor ter produzido uma obra sobre temas matemáticos, na qual inseriu matéria contábil, LucaPacioli celebrizou-se como um grande difusor dos critérios de escrituração mercantil. Emboranão seja ele o autor das partidas dobradas, nem um inovador de coisa alguma nos procedimentosdessas e tampouco o autor do primeiro livro de difusão contabilística, coube-lhe, todavia, aprimazia da primeira edição “impressa”, pois várias outras obras, produzidas há milênios, eramtodas manuscritas. A vida desse ilustre personagem merece análise, para melhor identificaçãoda obra com um homem que inaugurou uma nova fase na literatura da Contabilidade, cujosefeitos jamais se interromperiam.Palavras-chave: Luca Pacioli, partidas dobradas, história da Contabilidade

ResumenEn razón de haber producido una obra sobre temas matemáticos, en la cual introdujo ladisciplina contable, Luca Pacioli se consagró como un gran difusor de los criterios de lacontabilidad mercantil. Aunque no es él el autor de las partidas dobladas, ni un innovadorde cosa alguna en los procedimientos de las mismas ni tampoco el autor del primer libro dela difusión de la contabilidad, cupo a él, sin embargo, la prioridad de la primera ediciónimpresa, porque varias otras obras, producidas hace milenios, eran todas escritas a mano.La vida de este personaje ilustre merece análisis, para una identificación mejor de la obracon un hombre que inauguró una nueva fase en la literatura de la contabilidad, cuyos efectosnunca serían interrumpidos.Palabras-clave: Luca Pacioli, partidas dobladas e historia de la Contabilidad

AbstractDue to the fact of his having produced a work on mathematical topics in which he insertedmaterial on accounting, Luca Pacioli became known as a major disseminator of commercialbookkeeping criteria. Although he was not the author of the double entry bookkeepingsystem, nor did he innovate any of these procedures nor was he the author of the first bookto disseminate accounting, nevertheless he was the first to produce a “printed” publication,since several other works, produced millenniums ago, were all handwritten. Thisillustrious figure´s life deserves analysis, for better identification of the work with a manwho inaugurated a new phase in accounting literature, whose effects were never interrupted.Keywords: Luca Pacioli, double entry, history of Accounting

1 Presidente da Academia Brasileira de Ciências Contábeis, especialista em história e ética da Contabili-dade, autor de vários livros e artigos na área contábil.

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55Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Pacioli e PacioloA profusão de referências feitas sobre o livro que mais se difundiu sobre a escrituração

contábil por partidas dobradas, em razão de ter sido o primeiro a ser impresso pelo

processo industrial de Gutemberg, trouxe, também, uma dúvida sobre o verdadeiro

nome do autor.

PACIOLO ou PACIOLI é a interrogação que se faz a respeito do sobrenome do

escritor da obra que divulgou o processo das Partidas Dobradas (1494) e que rompeu

uma inércia de quase três séculos em matéria de literatura contábil.

Encontramos o uso dos dois sobrenomes, ora bem aplicados e outras erroneamente

referidos. Ambos, todavia, por uma fidelidade à origem, podem ser usados, mas, admito,

para que sejam adequados no emprego, com a observância das particularidades relativas

às raízes idiomáticas. Isso porque, em verdade, o que aconteceu, no aparecimento das

duas designações, foi uma peculiaridade no antigo idioma italiano, falado na época de

Paciolo, na Toscana (terra do denominado pai da língua italiana, Dante Alighieri).

O sobrenome terminado com a letra “i”, quando junto ao nome, conservava tal

letra; portanto, ao dizer nome e sobrenome juntos, usava se falar, por exemplo:

Michelangelo Buonarotti; logo, também se dizia: LUCA PACIOLI. Quando, entretanto,

pronunciava-se só o sobrenome, transformava se o “i” em “o” e, então, dizia se IL

BUONAROTTO, logo, também, IL PACIOLO. Portanto, o correto era dizer se: LUCA

PACIOLI ou, então, IL PACIOLO. Não são sobrenomes diferentes, mas a forma de

dizer um mesmo sobrenome: se “junto do nome” (com “i”) ou “sozinho” (com “o”).

Existem referências de que o nome completo do Frei seria: LUCA BARTOLOMEO

PACIOLI, ao que se acrescentava DI BORGO DI SAN SEPOLCRO. O nome Bartolomeo,

todavia, era o do pai de Luca e nas obras maiores que o Frei editou não há referência ao

nome Bartolomeo.

Era também comum, por exemplo, dizer-se “Leonardo fi Bonacci”, ou Leonardo di

Bonacci, o que, entre nós, equivaleria a: “Pedro filho de João” (o mesmo costume se

encontra em muitos outros países, quer da Europa, quer da Ásia; os árabes, por exemplo,

usam, ainda, “Ibn”, que é a expressão “filho”, como os espanhóis usam o sufixo “ez”

para expressar “filho de”, como em “Rodriguez”, para significar “filho de Rodrigo”).

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56 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Local de nascimento e a época de PacioloLuca Pacioli nasceu em um vilarejo, em seu tempo denominado “Borgo di San

Sepolcro”, hoje, apenas, “Sansepolcro”, província da cidade de Arezzo, na região da

Toscana, parte central da Itália, acredita se, por volta de 1445 (dúvidas, também, foram

levantadas a respeito). Teria, pois, 49 anos, quando se editou em Veneza a sua Summa

de Aritmética, Geometria, Proporção e Proporcionalidade (na qual está inserido o Tratado

de Computo e Escrituração, ensinando a partida dobrada).

Sansepolcro ergue se no alto de uma colina; ainda hoje conserva seus ares medievais,

o Palácio, a Catedral, algumas igrejas da época, um seminário; ainda hoje é um local que

transpira a respeitabilidade dos gênios que abrigou e dos que ali nasceram (entre eles

bastaria citar, além de Paciolo, Piero della Francesca).

Paciolo foi coevo de Leonardo Da Vinci (1452 1514), Michelangelo (1475 1564),

Maquiavel (1469 1527), Lourenço, o Magnífico (1449-1492), Girolamo Savonarola (1452-

1498), Piero della Francesca (1420-1492) e de muitas personalidades de uma “época de

ouro” da civilização mundial que resplandeceu na Itália. Quando Luca nasceu, Cosme

de Medici, então já banqueiro do papa, era o senhor de Florença (1434 1464). Luca era

ainda muito jovem quando Lourenço, o Magnífico (1449-1492), sucedendo a Cosme,

assumiu o Poder em Florença (1469).

Viveram também naquela época os magníficos Sandro Botticelli, que produziu o famoso

quadro da Primavera, em 1477, Marsilio Ficino (1433-1499), o grande filósofo que

recuperou a imagem de Platão, superando Aristóteles, e o humanista e poeta Angiolo

Poliziano (1454 1494).

Paciolo mal saíra da adolescência quando na Itália inaugurou-se a indústria de imprimir,

pelo processo de Gutemberg (a primeira obra impressa surgiu na península em 1465,

ano em que, por coincidência, vinha ao mundo o magnífico Maquiavel), mas, já era

adulto quando nasceu Rafael Sanzio (1483), o grande gênio da pintura, tendo vivido a

época dos grandes descobrimentos, ou seja, a de Vasco da Gama (1469-1524), Cristóvão

Colombo (1451-1506), Américo Vespúcio (1454-1512) e Pedro Álvares Cabral (1460-

1520). Se analisarmos as revoluções causadas com a imprensa e com o Novo Mundo,

somadas a novos posicionamentos nas artes e no pensamento, é possível compreender

o que se passava na mente de um homem de inteligência. A tudo se acrescenta o entender

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57Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

que o tempo de Paciolo foi aquele dos gênios e de uma expressiva metamorfose histórica.

Não só a descoberta, pelos europeus, de novas terras mudou mercados e visões, mas,

também, viu-se a grande ascensão muçulmana que abalaria até preconceitos do clero.

A queda de Constantinopla, em 1453, como conquista de Maomé II, provocou o fim

do milenar império romano, ensejando mudanças políticas, como a paz de Lodi (1454)

entre os Visconti (poderosos senhores de Milão desde 1277) e Veneza (quando esta

também perdia o predomínio do mediterrâneo), a conspiração dos Pazzi (tentando

derrubar os Medici), que resultou no assassinato de Juliano de Medici (1478), e a

conjuração dos barões em Nápoles, contra o rei Fer-nando (1485).

As influências ambientais ditadas por eventos sociais, econômicos, políticos e

intelectuais têm grande poder sobre a cultura, e a época do Renascimento Italiano foi

uma dessas, ou seja, aquela que ensejaria a eclética formação cultural de Luca (absorvida

de Piero, Alberti, Da Vinci e Rompiasi, especialmente).

Um fato curioso histórico, irônico mesmo, é o de que, quando nascia Paciolo, o

ducado dos Sforza ia à falência, por uma “magnificência alérgica a qualquer preocupação

com a Contabilidade”, como escreveu o magnífico Indro Montanelli em co autoria com

Roberto Gervaso (GERVASO, 1967), sendo salvo pelos toscanos “Medici” (da região

do Frei), que não só eram banqueiros, mas, possuíam excelentes controles contábeis.

A atmosfera cultural sob a qual nasce Paciolo era a de apoio à cultura, fortemente

incentivada por Cosme dos Medici (que se torna senhor de Florença em 1434 e até sua

morte em 1464). A riqueza dos banqueiros florentinos alimentou Brunelleschi (que

construiu a famosa cúpula da catedral de Florença, ao lado da qual existe sua estátua de

bronze), Donatello (o escultor mais original do Renascimento Italiano), Ghiberti (que

fez a porta do Paraíso do batistério de Florença), Botticelli (o exímio pintor da Primavera),

Gozzoli (famoso pintor da cavalgada dos reis), Felipe Lippi (pintor de quadros notáveis

nos templos religiosos), Frei Angélico (famoso pintor, com muitas produções, inclusive

no Vaticano), Pico della Mirandola (erudito dialético), Marsílio Ficino (grande filósofo),

Alberti (arquiteto e humanista) etc.

Os homens de fortuna na Itália, especialmente na Toscana, fizeram fervilhar a cultura

da região e criaram um ambiente favorável à produção intelectual. Como escreveram

Montanelli e Gervaso, na obra citada, referindo-se a Cosme, o povo intitulava a este

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como “ídolo de toda a inteligência”, “pai da pátria”, protetor de “toda a Itália”. A política

dos Medici não se alteraria até o fim do século XV e admite se que tenha sido a principal

a alimentar o milagre da Renascença. Paciolo viveu uma Itália de lutas, invasões, mas de

fortíssimo teor intelectual, com o renascer intenso da filosofia platônica.

Sucedendo a Cosme, Lourenço, o Magnífico, que fora aluno de Marsílio Ficino, líder

de uma escola “platônica”, utilizou seu poder na continuidade de apoio à intelectualidade

e isso, obviamente, consolidou, de forma notória, a produção de matéria artística,

filosófica e científica.

Sob esse clima de valor à cultura, muito cedo Paciolo foi educado em sua cidade

natal por um emérito pintor e matemático, Piero della Francesca (também nascido

em Borgo di San Sepolcro, onde até hoje existe sua casa, defronte ao campanário de

São Francisco, local que emocionado visitei em 1984), que lhe ensinou álgebra,

matemática e a divina proporção platônica.

Piero nasceu entre 1410 e 1420 (não é precisa a data de seu nascimento, como

muitas não são as informações históricas sobre toda a sua vida) e dedicou se a diversos

trabalhos em sua província (em Arezzo e Sansepolcro), admite se de 1455 a 1466. O

célebre pintor e intelectual, em 1469, esteve na cidade de Urbino, após exercer cargos

públicos em Sansepolcro e aceitar empreitadas em Arezzo; depois de 1470 parece

ter ficado a maior parte do tempo em sua cidade (nesse período é que Piero Della

Francesca teria lecionado para Paciolo).

Atividades de Paciolo em Veneza – o início de sua atuaçãoAcredita se que a ida de Paciolo para Veneza deve se ao mercado de trabalho que ali

existia e que faltava em sua vila de nascimento; aos 20 anos, empregou se na casa do

próspero comerciante judeu Antonio Rompiasi, aos filhos do qual dedicaria uma obra.

Entrementes, estudou na Escola de Domenico Bragantino, um “público leitor de

matemática”, como na época se denominavam os especialistas da área que possuíam

concessão para o magistério.

Não se sabe, ao certo, a completa função de Luca na casa comercial de Rompiasi,

mas admite se que fosse a de pedagogo dos filhos deste, considerados os conhecimentos

de aritmética, religião e arte que já trazia de San Sepolcro.

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Admito que naquela época Paciolo já tivesse conhecimento das partidas dobradas

(conseguimos, junto com o Prof. Marcelo Berti, ilustre docente de História da Contabilidade

na Universidade de Pisa, encontrar no Museu Cívico de San Sepolcro, documentos

escriturados em Partidas Dobradas, da época em que Paciolo estava naquela vila e possuía

ampla convivência com a casa dos religiosos, que se empenhavam também na educação

do ainda muito jovem Luca).

Melis, entretanto, entende que a grande prática sobre comércio Paciolo adquiriu em

Veneza, junto a Rompiasi, o que também justifica, em parte, ter seu Tractatus se dedicado

só ao ramo comercial. Até seu trabalho em Veneza, que culminou com um livro sobre

álgebra, ultimado em 1470, Luca não era, ainda, um frei.

A Summa foi o mais importante dos dez livros escritos (editada em 10 de novembro

de 1494), mas, não o primeiro livro de Paciolo, pois, aos 25 anos, já com grande acervo

cultural, produziu uma obra, dentro de sua grande vocação pelos números e cálculos.

De tal obra tem se referência, mas essa se perdeu, não deixando prova histórica; sabemos

que existiu porque Paciolo a ela se refere em sua Summa.

A passagem por Roma: novos progressos culturais com AlbertiA inquietude cultural de Paciolo, naturalmente despertada em seus verdes anos, por

Piero Della Francesca, em Sansepolcro, parece ter feito com que se sentisse atraído para

absorver novas luzes. Tais luzes, por influência natural, deveriam provir de um grande mestre

que muito se identificava com o pensamento de Piero.

Como escreve Alberto Busignani, biógrafo daquele genial pintor e mestre, Leon Battista

Alberti era um “espírito afim” ao de Piero (BUSIGNANI, 1968. p. 8) e é muito possível que

este tenha repassado a Paciolo a sua forte impressão sobre aquele.Não é, pois, sem razão

que por volta de 1470 ou 1471 (é imprecisa a referência histórica) Luca desloca se para

Roma e passa a residir na casa de Leon Battista Alberti, embora não por muito tempo. É aí

que lhe causam profundas influências os estudos de Teologia e de Filosofia, que encontraram

terreno fértil na mente lógica de Paciolo, essa treinada para Aritmética e Álgebra.

A aproximação com os textos relativos ao que Alberti lhe transfere, naturalmente, despertam

a “consciência religiosa” mais aprofundada e isso iria induzir o genial discípulo a ingressar em

uma ordem que tanta influência na Itália exercia, pela pureza de seus fundamentos.

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Alberti era escultor, pintor, músico, filósofo, em suma, um homem afinado com a

policultura, um homem do Renascimento (1404 1472) e de sua autoria, famosíssima na

história da arte, é a fachada da Igreja da Santa Maria Nova e do Palácio Ruccellai, ambos em

Florença (terra de nascimento de Alberti). Paciolo encontrou aquele gênio já no fim da vida,

com grande maturidade intelectual, competente para exercer a grande influência que, de

fato, teve e em plena vitalidade porque, em Roma, executava as obras do Palácio Veneza.

Outros estudiosos, todavia, atribuem a maior religiosidade de Paciolo ao fato de

dois irmãos deste haverem entrado para a Ordem dos Franciscanos (em Borgo di

Sansepolcro, onde o Santo Toscano era devotado com grande eloqüência e ao qual

uma igreja fora no vilarejo dedicada).

O frei Luca Pacioli da ordem dos franciscanos e o magistérioA fé por São Francisco, na cidade de Paciolo, parece ter se iniciado no fim do século

XIII, por volta de 1285, introduzida por um frei chamado Tommaso da Spello que ali

aportou com o objetivo de construir a primeira igreja, em face de terreno doado pela

comunidade (desse antigo templo hoje só existem restos da fachada).

Com a fé consolidada no santo de Assis, com os irmãos que haviam ingressado na

ordem, com o suporte de teologia recebido de Alberti, outra não poderia ter sido a

decisão de Paciolo, senão a de se tornar Frei, o que ocorreu por volta de seu retorno de

Roma, em 1471 (Menores de São Francisco). Outros autores admitem seu ingresso na

ordem somente em 1494 (VLAEMMINCK, 1961). O agora Frei Luca Bartolomeo Pacioli

di Borgo di San Sepolcro parece ter vestido o hábito na sua própria terra natal, segundo

Melis (MELIS, 1950, p. 620).

Poucos anos depois, foi lecionar matemática em Perugia (cidade perto de Assis, onde

estava o principal convento da Ordem Franciscana), provavelmente de 1475 a 1480, firmando

se no magistério. Em tal cidade, escreve seu segundo livro, um pequeno volume, ainda

sobre álgebra.

Ao prestígio da Ordem e à respeitabilidade do hábito, Paciolo somava sua imagem de

mestre e se consolidava como um escritor; a vocação para o ensino sempre em Luca foi

algo manifesto e irreversível. Sua obra manuscrita de 1478, de Perugia (Tractatus

Matematicus ad discípulos perusinos) conserva se na biblioteca do Vaticano sob nº 3.129

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e abrange Aritmética, Geometria, Álgebra, Câmbio, Moedas etc. e Lamouroux admite

que possa ter sido o embrião da Summa (LAMOUROUX, 1989, p. 302).

A estada de Paciolo em Perugia não é bem precisa (Melis admite de 1475 a 1478 e

Lamouroux até 1480, assim como ainda outros preferem declará la incerta), mas, ali esteve

lecionando e produziu o manuscrito referido, que continha matéria de álgebra e de cálculos

mercantis, semelhante, em alguns pontos, aos assuntos da Summa. O professor Mário

Mari, todavia, em recentes pesquisas que elaborou, afirma que a atuação no magistério,

em Perugia, foi de outubro de 1477 a junho de 1480.

Quase mais 20 anos de andanças e a produção da SummaDe Perugia o Frei deslocou se para Veneza, novamente, onde ficou pouco tempo,

viajando e localizando se em Zara (perto de Veneza, mas já na Iugoslávia). Não se

conhece o motivo da transferência, mas é em Zara que ele escreve o seu terceiro

livro de Matemática, também perdido, em 1481. De tal livro só sabemos da existência

pela referência que lhe faz Paciolo em sua Summa, quando afirma que nele havia passado

de leve sobre o assunto e que agora (na Summa) estava a desenvolver em outro de

maior profundidade.

De Zara, ele volta à Toscana, dessa vez a Florença, e depois a Perugia. Depois vai a

Roma para ensinar. De 1490 a 1494, ainda no magistério, leciona em Nápoles e em

Pádua. Volta a Florença e, finalmente, desloca se para Veneza para revisar a sua obra

Summa de Aritmética, Geometria, Proporções e Proporcionalidade (que se admite tenha

concluído em Perugia, em 1487).

Parece não haver dúvida, todavia, de que a Summa tenha sido produzida e concluída

na segunda metade da década de 80 do século XV (portanto, 200 anos depois que o

processo das partidas dobradas já estava consolidado na Itália; o mais antigo documento

da partida dobrada na Itália é da última década do século XIII). O tempo que decorreu

entre a conclusão da volumosa obra e sua edição, de aproximadamente sete anos,

não é de se admirar, considerando se as condições da época e a preferência que os

editores tinham por livros de melhor aceitação no mercado (Bíblia, obras do latim

clássico etc.); também, o alto custo das edições (muitas perdas e pequenas tiragens)

não estimulava a criação de um grande fundo editorial (por questão de giro de capital).

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O referido livro de Paciolo (cuja reprodução do original possuo), além de volumoso,

tem muitos desenhos, fórmulas e arte gráfica (as letras iniciais de parágrafos e distinções

são desenhadas artisticamente e consta que foram da lavra de Leonardo). O editor

Paganino de Paganini imprimiu a Summa e esta veio à luz em 10 de novembro de 1494.

Paciolo e Leonardo da VinciPaciolo tornou-se amigo de Leonardo da Vinci, um dos maiores gênios da humanidade

(1452 1519), figura ímpar do Renascimento. Acredita-se que ambos partiram para Milão,

em 1482, sob o custeio e proteção de Ludovico Sforza (1451-1508), poderoso conde

de uma família de rara importância (o castelo onde vivia, em Milão, está quase intacto

até hoje e constitui motivo de atração turística).

O tronco dos Sforza se iniciou com Muzio Attendolo (1369 1424) e tinha em Ludovico,

cognominado “O Mouro” (1452-1508), um de seus expoentes; o duque muito valorizou

as artes e as técnicas e em razão disso “investiu” nos dois sábios (Da Vinci e Paciolo) e

os trouxe para Milão. De 1496 a 1499, ambos os gênios permaneceram naquela cidade,

até a época da invasão dos franceses (que obrigou a fuga do duque). Perdido o apoio de

Ludovico, pela circunstância desastrosa da guerra, Paciolo voltou a Veneza.

Em Milão, durante sua permanência, o frei ensinou matemática na corte e consta que

tenha, igualmente, ensinado a Da Vinci as noções das “divinas proporções”. Tais

“proporções”, como as difunde Paciolo, são o resultado de comparações harmônicas, ou

seja, admitem-se divinas quando em um segmento de reta dividido em partes desiguais a

parte menor está para a maior, assim como a maior está para o todo.

Admite se, inclusive, que a famosa “Ceia Sagrada”, iniciada em 1495 e concluída em 1497

(tão reproduzida e conhecida), de Leonardo (pintada na parede do Convento de Santa Maria

delle Grazie), tenha tido como inspiração as divinas proporções que Paciolo tanto defendia (o

frei na época já tinha editado a sua famosa Summa). Guido afirma ainda que Leonardo só se

interessou pelos números, pela geometria superior, depois de sua convivência com Luca.

Lamouroux escreve que Paciolo só foi conhecer Da Vinci em Milão (LAMOUROUX,

1989, p. 302), e o questionamento do encontro dos dois fica, desta forma, dividindo

opiniões, mas é inequívoco que se tornaram amigos e trabalharam juntos. Assegura

Ângelo Guido em sua obra sobre o mito de Da Vinci (GUIDO, 1969) que este já havia

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esboçado o desenho da Ceia (projetos encontram-se atualmente na Academia de

Veneza e no Castelo de Windsor) quando depois o modificou para adaptá-lo de acordo

com os ensinamentos de Paciolo.

Admite Guido que, na mesma época em que Leonardo pintava a Ceia, Paciolo escrevia

o seu outro livro As Divinas Proporções, inspirado nas idéias de Platão (na obra O Timeu) e

de Euclides. De fato, pelas ilustrações de tal obra (cuja reprodução integral possuo em

minha biblioteca) pode-se perceber nas figuras geométricas, quer nas sólidas, quer nas

vazadas, a fixação dos pertinentes “pontos de equilíbrio”. Logo no prólogo do referido

livro, Paciolo destaca o nome de Leonardo como “ilustre arquiteto e engenheiro” e

acrescenta: “compatriota nosso, florentino”. O frei concluiu a obra em 1498 e a dedicou

ao seu protetor Ludovico Sforza (foi editada em Veneza pelo mesmo editor da Summa).

A Summa, de 1494, fora dedicada a “Guido Ubaldo Duca d’Urbimo” (possuo, inclusive,

um quadro pintado, copiado do original de Jacopo di Barbari, com Paciolo ensinando ao

Duque de Urbino, cujo original está no Museu do Banco de Nápoles, em Capodimonti).

Tal a amizade que Da Vinci tinha a Paciolo que, em 1499, após a fuga de Ludovico, com

este se afasta de Milão, viajando juntos. Rapidamente passam por Mantua e Veneza para,

depois, residirem juntos em Florença.

A admiração de Paciolo por Leonardo era tamanha que a este faz muitas referências

calorosas e elogiosas, em outra obra que começou a escrever quando estivera em Milão:

De Viribus Quantitatis (que se acha, em seu original, na Biblioteca da Universidade de

Bolonha). O De Viribus foi um livro que visou a estimular o gosto pelos números e por isso

está pleno de “jogos” e “curiosidades” matemáticas, sendo de cunho popular e incluindo

formas de estabelecer sofismas por meio de cálculos, mas não foi editado.

Tudo faz crer, todavia, que Leonardo e Paciolo separam-se e só se reencontraram em

Roma, em 1514, quando Leão X convidou o frei para lecionar (e quando ele já havia

passado por Veneza, Perugia, Florença e Borgo di San Sepolcro). Escreve Marinoni que o

encontro se deu quando “Leonardo já estava envelhecido e descrente” (MARINONI,

1982, p. 6), ou seja, pouco antes que fosse para Amboise, no Vale do Loire, onde veio a

falecer, em 1519, em “Clos Lucée”, e onde está enterrado - comoveu-me, profundamente,

quando vi, pessoalmente, a singeleza do túmulo de tão grande homem, com uma lápide

não menos singela, em uma modesta capelinha do Castelo de Amboise.

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Paciolo, igualmente, vizinho já estava de sua morte, que hoje já se admite, com margem

de segurança, ocorreu em 1517 - vários autores entendiam que o falecimento do frei

tivesse sucedido em 1515. A morte de Paciolo foi, entretanto, em 1517, conforme estudos

idôneos do reverendo Ivano Ricci (bibliotecário, em Sansepolcro, do Museu Cívico), e o

sepultamento deu-se naquele local na igreja de San Giovanni D’Afra.

O encontro dos dois expoentes, em Roma, foi, assim, uma despedida sem retorno,

mas, inequívoca ficou, para a história, a identidade intelectual que estabeleceram. Em

memória de seu ilustre filho, nos fins do século passado, a comunidade ergueu uma

estátua de bronze a Luca e essa hoje adorna um destacado recanto de seu vilarejo

natal. Os dois grandes amigos que o destino juntou, deveriam, neste mesmo,

entretanto, serem separados geograficamente em seus leitos de morte; o túmulo de

Leonardo está em Amboise, França, e o de Paciolo, em Sansepolcro, Itália.

Os últimos anos de PacioloA vocação do Frei, segundo Aloe e Valle, não parece ter sido monástica, pois,

viajou freqüentemente. Após a estada em Florença, com Da Vinci, Paciolo ensinou

nas universidades de Pisa e de Bolonha (entre 1500 e 1507). Em 1501, em Florença,

o frei contou com a proteção do prestigioso cardeal Soderini. Existem provas

documentais de tais passagens, inclusive recibos de salários de magistério assinados

por Luca.

Em 1508, em Veneza, Paciolo proferiu uma aula magna em abertura de um curso

da Igreja de São Bartolomeu do Rialto, tratando da geometria euclidiana (livro V de

Euclides) e das proporções; na mesma época revisou, para seu editor, As Divinas

Proporções (que sairia em 1509) e a edição latina dos “Elementos”.

Em 1510, foi nomeado “comissário” do Convento Franciscano de Sansepolcro e

ali ficou até que Leão X o chamasse a Roma (quando se reencontrou com Da Vinci),

em agosto de 1514. Tudo nos prova que as atividades finais de Paciolo foram tão

intensas quanto às de sua existência, esta que cumpriu dividindo-se entre as suas

missões prediletas, como professor e escritor, ou seja, a de um gênio da difusão

cultural.

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A cultura que conseguiu acumular, quer pelo acesso aos livros mais preciosos

que leu (como os da biblioteca do duque de Urbino), quer pela influência de Piero,

Alberti e Da Vinci, principalmente, ele procurou retratar em suas obras (dez livros)

e em suas lições. Sabendo conquistar amizades, como revela o famoso historiógrafo

Prof. Esteban Hernández Esteve em sua introdução ao livro De las cuentas y escrituras,

relacionou-se com nobres e todos os papas de seu tempo, sempre no sentido de

valorizar-se culturalmente e, também, de transferir cultura.

No meio milênio da Summa uma consagração mundialQuando ocorreu o meio milênio da edição da Summa, o mundo inteiro reverenciou

o gênio italiano em uma convenção internacional. O local do encontro foi em um

palácio, o Centro Zitelle, na ilha onde viveu Antônio Rompiasi e na casa na qual

Paciolo lecionou para os descendentes deste comerciante – a ilha Judaica, em Veneza.

Várias entidades patrocinaram o monumental encontro, entre elas a Sociedade

Italiana de História da Contabilidade (a qual tenho a honra de pertencer, como

membro honorário), o Conselho Nacional dos Doutores em Comércio e o Conselho

dos Contadores e Peritos Comerciais da Itália.

A convenção ocorreu de 9 a 12 de abril de 1994, com uma série de palestras,

festividades e comemorações. Foram apresentados muitos trabalhos, provenientes

de Alemanha, Japão, Espanha, Nova Zelândia, Austrália, Estados Unidos, Índia,

Inglaterra e Bélgica e foram selecionados 44 deles para publicação.

A edição, feita pela IPSOA em 1995 e com 484 páginas, deu-se sob a coordenação

de uma comissão científica, composta dos mais eminentes professores doutores e

historiógrafos, das universidades mais famosas da Itália, entre os quais os eméritos

intelectuais Carlo Antinori, Giuseppe Catturi, Giuseppe Bruni, Umberto Bertini,

Antônio Amaduzzi, Maurizio Fanni, Rosella Ferraris, W. Santorelli e Giuseppe

Bernoni.

A Itália, em homenagem a seu filho ilustre, na ocasião cunhou uma moeda com a

esfinge de Luca e estampou um selo postal (ambos possuo), assim como facilitou

aos participantes uma peregrinação a Sansepolcro (terra natal do frei). Tive a honra

de representar o Brasil no evento, com um trabalho de pesquisa sobre a vida do

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personagem homenageado. Participaram representantes de Brasil, Japão, Rússia,

Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Alemanha, Portugal, Espanha, França, Canadá,

em suma, de todos os continentes.

Em 2003, a Universidade do Grande Rio (Unigranrio) lançou a primeira edição de

meu livro sobre Luca Pacioli e, em 2004, a segunda edição, sob o patrocínio da

Fundação Brasileira de Contabilidade, lançada no Congresso Brasileiro de

Contabilidade, em Santos. Foi a forma de a classe contábil brasileira, no século

XXI, voltar a comemorar o que deveras é imortal em nossa história.

O frei italiano Luca Pacioli é um ícone de nossa história, não só porque teve a

primeira obra impressa onde inseriu um Tratado sobre Escrituração por Partidas

Duplas, mas, especialmente, por ter rompido uma inércia e por fazer conhecido

um dos mais importantes critérios de registro que toda a história da humanidade

conheceu. Cultuar personalidades que construíram uma cultura é uma forma de

valorizar um ramo de conhecimento; desconhecer a História é enfraquecer a

compreensão sobre o presente e perder a visão do futuro.

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70 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O desenvolvimentoO desenvolvimento sustentável e o papelda auditoria ambiental

Maria da Conceição da Costa Marques1

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ResumoA preocupação pela proteção do meio ambiente alcançou uma considerável notoriedadenos últimos anos, tornando-se num tema de interesse para as empresas e governos,assim como para os cidadãos e a opinião pública em geral. A responsabilidade presentee futura pelos temas ambientais converteu-se, hoje em dia, em algo imprescindível.Surge, deste modo, um novo fator a que as empresas e organizações em geral nãopodem ficar alheias. A auditoria ambiental surge como resultado desta crescentepreocupação com o meio ambiente e da responsabilidade que as empresas detêm nestamatéria. Trata-se de uma ferramenta capaz de avaliar e testar as bases de uma políticacuidadosa na temática ambiental, que tenha em conta a envolvente que rodeia asindústrias e que analise os riscos ambientais decorrentes do desempenho de umaatividade, bem como avaliar o seu impacto. Neste trabalho, pretende-se enquadrar aauditoria ambiental nos sistemas de gestão ambiental das organizações, enfatizar osuporte legal nesta matéria, verificar o que neste âmbito se está a fazer em Portugal equais são os benefícios para as empresas e para o meio ambiente que podem advir dasua realização.Palavras-chave: meio ambiente, auditoria ambiental, gestão

ResumenLa preocupación por la protección del medio ambiente alcanzó una considerablenotoriedad en los últimos años, llegando a ser un tema de interés para compañías ygobiernos, así como para los ciudadanos y la opinión pública en general. Laresponsabilidad presente y futura por los temas ambientales se convirtió actualmenteen algo imprescindible. Entonces, surge un nuevo factor que las empresas y lasorganizaciones en general no pueden ignorar. La auditoría ambiental surge comoresultado de esta creciente preocupación con el medio ambiente y de la responsabilidadque empresas tienen en este asunto. Es un instrumento capaz de evaluar y probar lasbases de una política cuidadosa en la temática ambiental, que se tenga en cuenta laenvolvente que rodea las industrias y que analice los riesgos ambientales que resultandel desempeño de una actividad, así como evaluar su impacto. En este estudio, nosotrosesperamos abordar la auditoría ambiental en los sistemas de gestión ambiental de lasorganizaciones, enfatizar el requisito legal en este asunto, verificar lo que se hace eneste campo en Portugal y cuales son los beneficios para las empresas y para el ambienteque pueden resultar de su realización.Palabras-clave: medio ambiente, auditoría ambiental, gestión

1 Professora adjunta do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, Portugal.

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AbstractThe concern for the environmental protection has gained considerable importance overthe last years, becoming a topic of great interest to companies and governments, as well asfor the citizens and public opinion in general. The present and future responsibility ofenvironmental issues has become presently indispensable. In this manner a new factoremerges that both enterprises and organisations in general cannot ignore. The environmentalaudit emerges as a result of this increasing concern with the environment and of theresponsibility that enterprises have in this matter. This tool is capable of evaluating andtesting the basis of a careful policy on the environmental issue, which is concerned withenvironmental issues involving the industries and analyses the environmental risks resultingfrom carrying out certain activities, as well as evaluating its impact. In this study, we hope tofit the environmental audit in the environmental management systems of the organisations,emphasize the legal requirement in this matter, check what is being done in this field inPortugal and what benefits for both the enterprises and the environment can result fromsuch an audit.Key words: environment, environmental audit, management

IntroduçãoNa atualidade, o desempenho ambiental de qualquer empresa torna-se cada vez

mais importante para todos os intervenientes. Cada vez mais, as instituições dos diversos

setores de atividade econômica concentram a sua atenção e desenvolvem esforços que

mostram o seu compromisso com a melhoria e a preservação contínua da qualidade do

ambiente, para proteger a saúde humana das gerações presentes e futuras.

O meio ambiente está presente em todas as atividades exercidas pelo homem, tanto

como fator que as condicionam quanto elemento que pode ficar prejudicado com essas

atividades. Por isso, hoje em dia, nenhuma empresa pode permanecer alheia ao fator

ambiental, que influenciará diretamente o seu negócio, tanto pela aprovação de nova

legislação, como pela pressão dos consumidores e exigência dos fornecedores e clientes.

Para incluir a variável ambiental na empresa e conseguir que o meio ambiente seja

um fator competitivo para si própria, ela deve dispor de sistemas de gestão ambiental.

Da sua implementação advêm benefícios variados, tais como melhor controle e poupança

nos consumos de matérias-primas e energia, melhoria da eficiência do processo

produtivo, redução nos custos e conseqüente minimização de resíduos.

Os sistemas de gestão ambiental permitem a criação de novos produtos e mercados,

baseados em processos que respeitam o meio ambiente, promovem a redução dos custos

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de transporte, armazenamento e embalagem, melhoram a imagem pública da empresa,

introduzem melhorias nas relações com a Administração Pública, ao mesmo tempo que

evitam custos associados a danos ambientais. Evitam, também, os custos relativos à

recuperação do meio ambiente e às multas por infrações da legislação existente e concorrem

para a redução dos prêmios nos seguros por responsabilidade ambiental. Esses são motivos

pertinentes para o desenvolvimento do estudo que se segue sobre o tema auditoria ambiental.

A auditoria ambientalA auditoria ambiental surge em resultado de uma crescente preocupação sobre a

problemática ambiental e do papel assumido pelas empresas quanto à responsabilidade que

lhes cabe. Trata-se de uma ferramenta poderosa, capaz de avaliar e assentar as bases de uma

política cuidadosa com o meio ambiente, que tenha em conta a envolvente que rodeia as

indústrias. Assim, para analisar os riscos ambientais decorrentes da execução de uma atividade

e avaliar o seu impacto, realizam-se auditorias ambientais, não apenas para dar cumprimento

à legislação vigente de cada país, setor de atividade ou região, mas também destinadas à

própria empresa, que tem todo o interesse em exibir uma boa imagem junto ao público.

As empresas que desejem conhecer e analisar a sua situação ambiental realizam

auditorias ambientais, quer sejam internas, efetuadas pela própria empresa, quer sejam

externas, solicitadas a organizações especializadas. A auditoria ambiental converte-

se, então, num instrumento de gestão que garante o correto funcionamento das

políticas adotadas sobre o meio ambiente, proporcionando vantagens tanto à própria

empresa, como ao ambiente em que esta se insere. Como ferramenta, torna-se cada

vez mais necessária dentro da gestão empresarial, quando se quer assegurar que as

atividades desenvolvidas pelas organizações não determinam a deterioração do meio

ambiente.

Em muitos casos, a auditoria ambiental surge apenas para cumprir uma obrigação que

decorre da legislação vigente, mas a auditoria deve saber conjugar o objetivo prioritário

da empresa – o da obtenção de benefícios – com o da proteção ao meio ambiente.

O desenvolvimento econômico sustentado das organizações deve ser compatível

com a conservação do meio ambiente e para isso é necessário obter um equilíbrio

entre ambos. Talvez a principal diferença entre a auditoria ambiental e os demais

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tipos de auditorias existentes seja o caráter multidisciplinar da primeira, que permite unir

os esforços de grande quantidade de profissionais, como juristas, técnicos ou científicos.

Os profissionais envolvidos devem formar uma equipe de trabalho capaz de estudar

o impacto ambiental que a empresa provoca, permitindo que a sua organização e o seu

funcionamento se ajustem às normas vigentes. As tarefas a serem realizadas por essa

equipe prendem-se com a investigação preliminar, a avaliação posterior, o diagnóstico,

as decisões e as propostas. A equipe de auditores deve ser formada por pessoas

experientes, qualificadas e com amplos conhecimentos das normas ambientais, das leis

em vigor, das atividades, dos processos de produção e instalação, das técnicas existentes,

da minimização de impactos, etc., a que acrescem as características inerentes à profissão

de auditor, como competitividade, honestidade e objetividade, entre outras.

Conceito de auditoria ambientalDiversos temas relacionados com o ambiente têm dado origem a serviços profissionais,

freqüentemente apelidados de auditorias ambientais, de que são exemplos:

• Avaliação e contaminação do lugar;

• Avaliação do impacto ambiental dos investimentos planejados;

• Auditorias peremptórias devido ao meio ambiente (auditorias antes da compra);

• Relatórios da auditoria do desempenho ambiental corporativo;

• Auditoria do cumprimento pela entidade das leis e regulamentos ambientais.

No entanto, existem diferenças práticas e conceituais relevantes nesses serviços,

pelo que chamar a todos eles auditoria ambiental pode ser enganoso. Para isso há de

limitar o termo auditoria somente àqueles serviços que podem dar algum nível de garantia

aos utilizadores do relatório de auditoria. Para distinguir a auditoria ambiental de outros

serviços, há de ter presente a definição de auditoria.

A auditoria é uma ferramenta de gestão que compreende uma avaliação sistemática,

documentada, periódica e objetiva do funcionamento da organização ambiental. Prevê

a implementação de gestão, bem como a existência de equipes de controle necessárias,

para se efetivar o controle de gestão das práticas ambientais e declarar o cumprimento

da política da empresa de acordo com as normas ambientais.

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A norma ISO 14 010 define uma auditoria como:processo de verificação sistemática e documentada permitindo obter e avaliar demaneira objetiva as provas da auditoria, tendo em vista determinar se as actividades,acontecimentos, condições, sistema de gestão relativos ao ambiente e as informaçõese aferições, são conformes com os critérios da auditoria tendo em vista comunicar osresultados deste processo ao requerente.

Com a realização de auditorias ambientais pretende-se:

• determinar a conformidade dos elementos do Sistema de Gestão Ambiental (SGA)2

com os requisitos do referencial utilizado;

• determinar a eficácia do SGA implementado para cumprir com os objetivos

especificados;

• identificar oportunidades de melhoria;

• verificar a conformidade legal;

• reconhecer o SGA por entidades externas (certificação).

As auditorias ambientais caracterizam-se por:

• serem realizadas com objetividade, independência e por meio de uma abordagem

sistemática;

• constituírem uma ferramenta efetiva de gestão para examinar atividades e processos

– os seus resultados são utilizados como input para a revisão pela gestão;

• serem efetuadas por equipes auditoras com as competências necessárias à sua

realização;

• serem efetuadas por equipes auditoras que cumprem um código de ética;

• serem planejadas, assegurando a sua condução de forma consistente e a confiança

nos resultados;

• assentar em objetivos e âmbito claramente definidos;

• serem conduzidas em relação a critérios acordados.

Fonte: adaptado de AEP (2005)

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Vantagens da auditoria ambientalA realização de auditorias ambientais proporciona às empresas determinadas vantagens.

Um dos benefícios que podem advir da sua realização é a melhoria do rendimento dos

recursos da empresa originando, em seqüência, um incremento na poupança. Outro

benefício é a possibilidade de utilizar uma valiosa informação ambiental quando se tomam

decisões sobre o impacto ambiental, em decurso de uma nova estratégia a pôr em prática.

Do mesmo modo, perante qualquer situação de emergência que possa surgir, dispõe de

apoio informativo seguro e eficaz, apto a dirigir os esforços na direção certa. Ajuda tanto

os dirigentes como os funcionários no conhecimento da situação e política ambiental da

empresa, facilitando o intercâmbio de informação entre os diversos setores produtivos.

Isso é possível graças à elaboração de um relatório final, documento que se entrega

à direção e que esta utilizará como ferramenta de controle interno. Essa informação

poderá ser utilizada por todo o pessoal da empresa, pelos organismos oficiais

correspondentes e, em geral, por qualquer interessado que deseje conhecer a situação

ambiental da empresa.

Objetivo da auditoria ambientalUm objetivo geral básico a cumprir pelas auditorias desse tipo é o de conseguir que as

empresas cumpram com a legislação vigente em matéria ambiental. Esse é um dos principais

problemas das indústrias quando decidem solicitar a assistência técnica necessária para

solucionar o conflito, quando não cumprem as normas. Nesses casos, uma vez realizada a

pesquisa adequada e elaborado o relatório correspondente a cada situação particular, a

auditoria deve ser capaz de proporcionar os meios para acautelar a situação. Por meio de

um plano de atuação especial, preparado para a organização, a auditoria deve assegurar

que não se voltará a incorrer no descumprimento das normas, o que implica um

conhecimento profundo da legislação nacional, setorial, territorial, comunitária,

internacional, etc., que seja capaz de propiciar à empresa a cobertura legal de que necessita.

Por outro lado, sob o ponto de vista técnico, a auditoria deve poder verificar se a situação

requer a melhor tecnologia disponível, face ao grau de complexidade. Isso implica a disposição,

pela equipe de auditoria, dos meios necessários para garantir credibilidade, donde se deduz

que necessita de especialistas destacados em cada matéria.

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Na etapa de fixação de objetivos é importante obter um acordo econômico, ajustando o

projeto às necessidades da empresa. Podem ser apresentados, tal como acontece no resto

das auditorias, projetos alternativos a diferentes custos, de modo que se cumpram os objetivos

legais, que podem melhorar tecnologicamente com maiores investimentos no futuro.

Posteriormente, podem apresentar-se objetivos específicos destinados a cobrir as

diferentes áreas ou departamentos, como o desenvolvimento de planos de integração

do pessoal dentro dos objetivos gerais, de modo que se compreenda a importância do

tema em questão e a necessidade de cumprir os objetivos fixados.

Nesse sentido, a informação contínua deve-se considerar prioritária – a reciclagem

por meio de cursos, seminários, conferências é crucial para se poder obter um

desempenho efetivo. Em outra ordem de idéias, deve-se levar em consideração a

possibilidade de contar com a colaboração de outras empresas – as companhias a serem

consideradas e em que grau ou medida se estabelecerá a cooperação. Além de efetuar

os contatos pertinentes (como gabinetes jurídicos, assessores econômico-financeiros,

etc.), deve-se contar com o apoio de um sistema de gestão integrado e um programa

informático adequado que facilite a auditoria.

Tipos de auditorias ambientaisDependendo dos objetivos a atingir, é possível distinguir diferentes classes de auditorias

ambientais. Se é certo que as auditorias de gestão ambiental na atualidade fazem parte

da política geral da empresa, existem outros tipos de auditorias que dependem de

situações e interesses específicos. A principal característica das auditorias é que

proporcionam uma imagem estática da empresa, limitada no espaço e no tempo a certos

domínios das suas atividades.

Auditoria de conformidade e responsabilidade – O seu objetivo é comprovar

que o funcionamento da empresa cumpre com as normas vigentes em matéria ambiental.

A ênfase centra-se nos aspectos jurídicos relacionados com o tema. Esse tipo de auditoria,

de caráter defensivo, serve de instrumento para cobertura de responsabilidades passadas

(auditorias de sinistros ou acidentes), presentes (auditorias de situação administrativa

ou de responsabilidade) e futuras (auditorias de riscos).

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Auditoria de sinistros ou acidentes – A auditoria inicia-se em seqüência de uma

circunstância específica, como sinistro, catástrofe ou acidente, com o fim de se

determinarem as causas, estabelecer as responsabilidades, bem como encontrar soluções

que permitam evitar a sua repetição no futuro, independentemente do processo judicial,

penal ou civil que paralelamente sigam as autoridades correspondentes. A empresa

passa, assim, a dispor da auditoria como um instrumento de defesa.

Auditoria de situação administrativa – Consiste no simples trâmite para assegurar

a conformidade administrativa ou legal da empresa. Trata-se de uma apreciação da

conformidade administrativa do funcionamento da empresa em relação ao ambiente.

Auditoria de responsabilidade – É um estudo das responsabilidades civis ou penais

do funcionamento da empresa relativamente ao meio ambiente.

Auditorias de risco – O seu objetivo destina-se a conhecer e limitar os riscos

ambientais; pode traduzir-se numa atenuação dos possíveis riscos jurídicos e econômicos

que possam ameaçar a empresa. O caráter desta auditoria é mais dinâmico que as

anteriores, dado que se converte numa ferramenta de avaliação dos riscos potenciais e

de decisão do tipo de gestão ou estratégia para prevenir os riscos.

Auditorias operacionaisEssas auditorias apresentam uma maior dinâmica que as anteriores, já que, além de

considerar a responsabilidade potencial, têm em conta as soluções técnicas e jurídicas de

proteção ambiental, os seus custos e investimentos e as suas vantagens. Relacionam, portanto,

responsabilidade com decisão de gestão. Trata-se de auditorias destinadas a preparar uma

operação, uma atividade ou um investimento. Podem mencionar-se as seguintes:

Auditoria para a compra de empresas – Pode-se solicitar uma auditoria de

verificação nos casos de concentrações empresariais. Normalmente, as empresas

envolvidas têm interesse em conhecer os possíveis riscos ambientais resultantes desses

processos. O mesmo sucede nos casos de compra ou aquisição. As empresas asseguram,

por meio de auditoria, os riscos prováveis e as responsabilidades futuras em que

incorrem, ao adquirirem empresas potenciadoras de gerar contaminação.

Auditoria ao sítio e de localização – No caso da criação e construção de uma

indústria, a auditoria centrar-se-á na análise das situações geográficas, hidrológicas e

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condições econômicas, entre outras, procurando detectar a incidência do projeto sobre

o meio ambiente, com o fim de diminuir o possível impacto e adequar a empresa aos

aspectos legais. Trata-se de auditorias sobre aspectos pontuais, dos quais se procura

medir o seu efeito sobre o meio ambiente, de que é exemplo a criação de uma indústria.

Auditoria de impacto ambiental de produtos fabricados – Consiste em fazer

um diagnóstico parcial de um determinado aspecto da atividade industrial ou comercial da

empresa, em relação ao meio ambiente. Alguns desses aspectos prendem-se com a análise

dos riscos que existem para o meio ambiente, resultantes do uso de uma determinada

matéria ou resíduo. Analisa também os efeitos que pode causar o lançamento de um

novo produto ou a execução de uma determinada atividade, bem como o impacto da

produção ou comercialização de um produto específico no meio ambiente.

Auditoria de gestão integral – Compreende o desenvolvimento geral do tema

ambiental na empresa, destinado a conhecer e avaliar se os efeitos decorrentes de uma

verdadeira política sobre a matéria estão de acordo com o resto dos princípios por que

se rege a atividade da empresa. A política ambiental deve ser avaliada de forma contínua

e submeter-se às mudanças que possam ser necessárias, de acordo com a evolução que

suscite o tema. Nesse caso, trata-se de uma análise global da situação ambiental da

empresa e do seu funcionamento. Esse tipo de auditoria, ao contrário das anteriores,

não se limita a um exame das fontes potenciais ou riscos ligados ao funcionamento de

uma instalação. É uma ferramenta de informação, de caráter periódico, e um instrumento

para gestão da organização, visando à adaptação da sua organização interna, em função

do impacto das atividades exercidas. Essas auditorias são geralmente descritas como:

Auditorias externas (de segunda ou terceira parte) – As auditorias de segunda

parte são realizadas por uma parte interessada – por exemplo, uma organização pode

auditar um fornecedor quanto ao seu desempenho ambiental. As auditorias de terceira

parte são realizadas por uma entidade externa independente, como as auditorias de

certificação realizadas pelas entidades certificadoras, que asseguram o reconhecimento

dos Sistemas de Gestão Ambiental.

Auditorias internas (de primeira parte) – As auditorias internas ou de primeira

parte são efetuadas recorrendo a recursos internos ou externos (por exemplo,

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consultores) e medem pontos fortes e oportunidades de melhoria relativa a

procedimentos, métodos e/ou normas externas adotadas.

As auditorias internas verificam se as atividades de uma organização, na prática, estão

de acordo com os procedimentos estabelecidos, identificam eventuais problemas

relacionados com esses procedimentos e oportunidades de melhoria.

O período de tempo necessário para completar as auditorias de todas as atividades é

designado por ciclo de auditoria, que varia de acordo com a dimensão e complexidade

das organizações. O âmbito das auditorias internas pode mudar desde a auditoria de

um simples procedimento até a auditoria de atividades complexas.

As auditorias internas devem ser realizadas por pessoas suficientemente

independentes em relação às atividades a auditar, para assegurarem um parecer isento.

Essas auditorias podem ser realizadas por recursos humanos internos (colaboradores)

ou externos à organização (colaboradores de outras organizações ou consultores).

A figura seguinte contém as fases de uma auditoria interna.

Fonte: adaptado de APE (2005)

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80 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Participantes no processo de auditoriaNuma auditoria ambiental intervêm três figuras:

• Cliente da Auditoria - O cliente da auditoria é quem a solicita, pode ser uma pessoa

ou uma organização, a quem é entregue o relatório final.

• Auditor - O auditor é quem planeja e leva a cabo a auditoria (pode ser independente,

ou pertencer à organização), com a missão de estabelecer os requisitos em função dos

objetivos assinalados pelo cliente e avaliar o cumprimento com base nas evidências objetivas.

• Auditado - O auditado é a pessoa ou empresa cujo Sistema de Gestão Ambiental se

vai avaliar, de cuja cooperação com os auditores dependerá em grande parte o bom

desenvolvimento da auditoria.

A equipe de auditores deve reunir elevados conhecimentos técnicos, atitudes pessoais,

independência e objetividade para garantir a qualidade da auditoria. Dentro do grupo

de auditores destaca-se a figura do auditor-chefe, a quem compete assegurar o bom

desenvolvimento da auditoria e que é responsável pelo cumprimento dos objetivos

estabelecidos, nos moldes do plano de auditoria aprovado pelo cliente.

Enquadramento legalEm Portugal, as bases legais a serem consideradas (nacionais e européias) são diversas:

• Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de abril);

• Decreto-Lei nº 69/2003 de 10/04/2003 (normas do exercício da atividade industrial);

• Decreto-Lei nº 516/99 de 02/12/1999 (plano estratégico de gestão de resíduos

industriais);

• Decisão da Comissão nº 2003/241/CE de 26/03/2003 (prevenção e controle integrados

da poluição);

• Regulamento do Conselho nº 1836/93/CEE de 29/06/1993 (generalidades e programas

que permitem a participação voluntária das empresas do setor industrial num sistema

de ecogestão e auditoria).

A Norma ISO 19 011 (Guidelines on Quality and Environmental Management System

Auditing) é a versão conjunta da norma de referência relativa a Auditorias e Sistemas de

Gestão Ambiental e a Sistemas de Gestão da Qualidade. Essa norma substitui as partes

1, 2 e 3 da norma ISO 10011 e as normas ISO 14010, 14011 e 14012.

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Entidades que procedem a auditorias de certificaçãoA Certificação dos Sistemas é um processo específico de Auditoria ao Sistema de

Gestão, que é realizado por uma terceira parte independente creditada para o efeito.

Podem emitir certificados organismos creditados pelo Sistema Português da Qualidade

e por entidades internacionais.

Os organismos de certificação acreditados pelo Sistema Português da Qualidade para

a ISO 14001 são: Associação Portuguesa de Certificação (APCER); Serviços Internacionais

de Certificação (SGS ICS) e BVQI Portugal - Certificação de Produtos e Sistemas -

Sociedade Unipessoal (BVQI). Das entidades acreditadas internacionalmente, destacam-

se: Det Norske Veritas (DNV) e Lloyd’s Register Quality Assurance (LRQA).

  Etapas da auditoria ambiental

A realização de uma auditoria ambiental prevê o cumprimento de etapas, que podem

variar em função do tipo de auditoria, dos objetivos a atingir ou da situação e/ou

características da empresa.

A pré-auditoria ou diagnóstico prévio corresponde à fase anterior à auditoria em si,

conhecida como diagnóstico prévio. Serve de preparação à auditoria e nela se procura

minimizar tempo e gastos, assim como maximizar a produtividade da equipe de auditoria.

Nesta etapa, tem-se em conta as atividades de definição de objetivos, em que se

define a missão, concretizam-se os objetivos, selecionam-se critérios e prioridades e

fixa-se o método, todo ele dependendo do tipo de auditoria que se vá realizar. O

planejamento e a tomada de decisões têm a ver com a forma de realização da auditoria.

Procede-se à elaboração do plano de auditoria, à definição do seu alcance (técnico,

temporal, geográfico, etc.), à identificação das fontes de informação e gestão de

questionários, à discussão do programa da auditoria e à afetação de prioridades. Procede-

se também à escolha dos critérios de avaliação.

A seleção da equipe de auditoria e a designação de tarefas e responsabilidades a ela,

com a comprovação da sua competência e qualidades, é feita nesta fase. Nesta etapa é

imprescindível a cooperação da empresa, facilitando a entrega da informação solicitada

por meio de conversações, entrevistas, documentação, questionários, etc., de forma a

permitir a elaboração de um diagnóstico prévio.

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82 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

É ainda nesta fase que se define com profundidade o alcance da auditoria e o nível de

detalhe suficiente para ganhar tempo e recursos. O alcance da auditoria dependerá de

fatores como o tipo de auditoria, o tempo disponível, o tamanho da empresa, a

complexidade dos seus processos, os recursos humanos e econômicos, etc.

Quanto às fontes de informação selecionadas, serão fundamentalmente de informação

geral sobre a empresa, acessos e autorizações, documentação da empresa, descrição

dos processos e identificação das emissões e da produção de resíduos e efluentes,

assim como gestão dos resíduos.

A partir desses dados, elaboram-se as perguntas dos questionários destinados ao

pessoal técnico, científico, diretivo, produtivo, etc. do qual se procurará obter respostas

que permitam conhecer a situação da empresa, o seu sistema produtivo, os mecanismos

de controle interno e em que serão afetadas tarefas e responsabilidades. Assim, poder-

se-á elaborar um plano para a auditoria ambiental.

O programa de auditoria deve conter os objetivos e as ações prioritárias, como a

revisão do antigo plano de auditorias, os planos de gestão ambiental (se existirem) e a

revisão das normas ambientais de âmbito local, nacional ou internacional. A revisão dos

planos de instalação, a revisão dos esquemas de processos, a aquisição de cópias dos

acessos, autorizações e planos, a identificação das fontes de emissão, os tipos de

tratamento, armazenamento ou eliminação de resíduos são questões a serem

consideradas também nesta fase.

Por fim, a seleção de pessoal deverá ser feita tendo em conta as características próprias

de um bom profissional desta área. Deverá ser avaliado se se dispõe de conhecimentos

técnicos suficientes, objetividade, honestidade, competência, experiência, capacidade

de comunicação e diálogo, etc.

Processada a informação prévia, a realização da auditoria exige que se faça uma análise

para conhecimento da situação ambiental da empresa. A execução de uma auditoria

ambiental prevê que sejam seguidos os seguintes passos:

• Identificação das atividades, no qual se tem uma visão mais ou menos precisa do

trabalho a realizar;

• Execução da auditoria, no qual se definem os objetivos, a metodologia a ser utilizada,

análise e tratamento da informação recolhida, estudo dos pontos fortes e fracos da

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empresa, recolhimento de provas, avaliação das provas e elaboração do relatório prévio,

bem como resumo e conclusões da auditoria;

• As técnicas utilizadas na auditoria são várias e a sua eleição depende, em geral, do tipo

de auditoria, recaindo sobre o auditor a responsabilidade da decisão, que será tomada

tendo por base a informação recolhida na etapa de pré-auditoria.

A Pós-Auditoria coincide com a elaboração do relatório final, apresentação dos

resultados, comparação, verificação da legislação vigente, conclusões e propostas,

recomendações e medidas corretivas.

O Sistema de Ecogestão e Auditoria e a sua aplicação ao setor públicoO EMAS e as organizações do setor público

O objetivo do Sistema de Ecogestão e Auditoria (EMAS)3 consiste em promover

a melhoria contínua do ambiente. É um sistema voluntário para as organizações

interessadas na avaliação e melhoria do seu desempenho ambiental. O sistema foi

lançado em abril de 1995, tendo sido revisto em 2001 para integrar a norma ISO

14001 (norma internacional/européia para sistemas de gestão do ambiente), como

seu componente do sistema de gestão ambiental. O EMAS ultrapassa a norma ISO/

EN ISO 14001 em vários aspectos. O sistema exige das organizações que realizem

um levantamento ambiental preliminar; façam participar ativamente o seu pessoal

na aplicação do EMAS e tornem disponíveis ao público e a outras partes as

informações pertinentes (CE 2005).

É um instrumento voluntário dirigido às organizações que pretendam avaliar e

melhorar os seus comportamentos ambientais e informar o público e outras partes

interessadas4 em relação ao seu desempenho e intenções sobre o ambiente, não se

limitando ao cumprimento da legislação ambiental nacional e comunitária existente.

O EMAS está disponível para todas as organizações dos setores público e privado

que estejam interessadas em melhorar o seu desempenho ambiental. Está aberto

aos Estados-membros da União Européia e do Espaço Econômico Europeu

(Noruega, Islândia e Liechtenstein). No quadro da sua preparação para aderirem à

União Européia (EU), um número crescente de países candidatos aplica igualmente

o sistema.

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84 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Para as autoridades do setor público decorrem benefícios do uso do EMAS, na

medida em que o EMAS revisto está agora aberto a todos os tipos de organizações,

incluindo as autoridades do setor público, envolvendo inúmeros benefícios para os

participantes. A estrutura do EMAS permite uma abordagem flexível do registro,

concedendo aos serviços individuais das autoridades do setor público a possibilidade

de se registrarem. Desde 1993 as autoridades do setor público de vários Estados-

membros da UE têm podido se registrar, existindo atualmente mais de 120 registros

detidos por autoridades locais nestes países5.

Com o EMAS, as organizações podem cumprir a legislações nacional e

internacional, realizar economias com a redução de resíduos, poupança de energia

e menor utilização de recursos6, melhorar o controle da gestão no seio da autoridade

e reduzir a responsabilidade ambiental7, demonstrar um empenho na melhoria

ambiental, integrar princípios de desenvolvimento sustentável8 na ação da autoridade,

de acordo com a Agenda Local 219.

Para que o programa EMAS tenha sucesso, é importante o empenho dos quadros

superiores, o que pode ser conseguido de várias maneiras: salientando os benefícios,

em especial as poupanças de custos, o cumprimento das disposições regulamentares,

um melhor controle da gestão e a responsabilidade política, demonstrando à direção

o entusiasmo do pessoal pelo sistema, utilizando casos-tipo de autoridades

semelhantes que obtiveram o registro EMAS. Uma vez alcançado, deve ser

amplamente divulgado, pois com isso os funcionários serão encorajados a participar.

O EMAS permite o registro de sítios individuais, o que possibilita às organizações

administrarem o EMAS num sítio determinado. No Reino Unido, as autoridades do

setor público tiveram a faculdade de se registrar numa base de serviços, o que

concede ainda mais flexibilidade.

O registro no EMASNo domínio da política ambiental, são necessários quatro elementos essenciais, tendo

em vista o registro:

• Empenho em cumprir todas as exigências regulamentares pertinentes;

• Empenho no melhoramento contínuo;

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85Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

• Criação de um enquadramento para a definição e revisão de objetivos e metas

ambientais;

• Necessidade de ser comunicada abertamente a todas as partes interessadas.

Existem muitas abordagens diferentes ao desenvolvimento de uma política ambiental,

nomeadamente:

- Organização de seminários para formadores de opinião;

- Análise dos exemplos de políticas de outras autoridades;

- Realização de sessões de reflexão sobre temas-chave e efeitos ambientais;

- Estabelecimento de prioridades;

- Garantia de que a política é adequada à audiência a que se destina.

É essencial proceder a um levantamento preliminar para avaliar os elementos das

atividades da organização em termos de efeitos ambientais. O levantamento deve

incluir os requisitos legislativos, regulamentares e outros aspectos ambientais, critérios

de avaliação dos aspectos identificados, práticas e procedimentos ambientais e

incidentes passados, por exemplo queixas, reações, acidentes que produziram ou

possam ter produzido efeitos no ambiente.

A maioria das autoridades do setor público, independentemente da sua dimensão,

localização ou nacionalidade, apresenta aspectos ambientais semelhantes, dado que

desempenha tarefas e atividades semelhantes. No quadro seguinte, enumeram-se alguns

dos aspectos mais comuns, podendo os itens indicados utilizar-se como ponto de partida

para a identificação desses aspectos.

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86 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Com base nos aspectos ambientais acima definidos, pode ser concebido um programa

para a gestão de aspectos ambientais e o controle da poluição. O programa deve dispor

de um coordenador para executar e administrar o programa, contar com a participação

ativa do pessoal, conter os objetivos ambientais e um plano que inclua atividades,

indicadores, objetivos, calendários, responsabilidades e os efeitos dos recursos no ambiente.

Como qualquer programa ambiental, no setor público deve-se promover a participação

ativa do pessoal, sendo esta uma exigência fundamental do EMAS. Para incentivar o pessoal

a participar, indicam-se algumas idéias-chave, defendidas pela Comissão Européia:

• Constituição de um comitê ambiental;

• Presença de um livro/caixa de sugestões para idéias de melhoramentos;

• Existência de formação (por exemplo: trabalho em grupo, sensibilização);

• Representantes ou “campeões” ambientais.

O sistema de gestão ambiental (EMS1) é outra componente essencial do EMAS.

Um EMS incluirá como elementos a estrutura organizativa, as práticas de trabalho,

as atividades previstas, os recursos, as responsabilidades e o controle da

documentação.

Para monitorizar o EMS e os dados de desempenho, é necessária a realização de

auditorias antes do registro EMAS. O ciclo da auditoria não deve ser superior a três

anos, mas pode ser realizado tanto interna como externamente, conquanto os

auditores sejam independentes dos elementos que são objeto de auditoria.

Deve-se promover a elaboração de uma declaração ambiental que necessita ser

validada de forma independente por um verificador credenciado e estar disponível

para consulta do público. Essa declaração deve seguir as normas específicas

existentes, nomeadamente quanto ao conteúdo, que incluirá aspectos políticos, um

resumo do EMS e dados relativos ao desempenho e aos objetivos. A fase final do

processo EMAS consiste na verificação, que deve ser realizada por um inspetor

credenciado e incluir uma visita in loco.

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87Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Modelo do Sistema de Gestão Ambiental

Fonte: Dramb (2005)

ConclusõesNos últimos anos verificou-se um considerável aumento nas preocupações da sociedade

com questões relacionadas ao meio ambiente. Esse aumento de conscientização social

está alimentado pelas provas científicas que mostram os danos que a atividade humana

gera no meio ambiente e que se repercutem de forma global no mundo, não podendo ser

vistas de modo particular.

À volta dessa problemática, foi aprovada abundante legislação sobre o meio ambiente

que se reflete diretamente na indústria e contribui para que a empresa reconheça a

importância de considerar os aspectos ambientais como um requisito essencial à sobrevivência

e êxito empresarial. Para que as atividades de uma empresa se encaminhem para a consecução

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88 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

de melhorias em matéria ambiental, é preciso que estejam incluídas num Sistema de Gestão

Ambiental, estruturado e integrado com as demais atividades de gestão.

O Sistema de Gestão Ambiental deve fixar os objetivos e as metas ambientais adequados

e estabelecer a estrutura e o programa que permitam alcançar essas metas e objetivos,

que devem ser objeto de fixação anual, de acordo com a política ambiental da organização.

A auditoria interna serve para comprovar periodicamente que o sistema de gestão

ambiental cumpre os planos estabelecidos e que se encontra em dia. A revisão pela direção

é realizada com o fim de evidenciar a melhoria contínua e a eficácia e a adequação do

sistema implementado.

Para as organizações do setor público decorrem importantes benefícios do uso do

EMAS. Esse sistema foi revisto e está agora aberto a todos os tipos de organizações,

privadas e públicas. Para as entidades públicas existe vantagem em proceder ao registro,

na medida em que podem obter economias com a redução de resíduos, poupam energia,

utilizam menos recursos, aperfeiçoam o controle de gestão, reduzem a responsabilidade

ambiental, ao mesmo tempo em que demonstram aos funcionários e aos clientes um

empenho na melhoria ambiental.

Notas2 No ponto 4 utilizamos também a sigla EMS, para a mesma expressão em língua inglesa.3 O Eco-Management and Audit Scheme foi estabelecido pelo Regulamento (CEE) nº 1836/93, de29 de junho, que definia as responsabilidades dos Estados-membros na criação de estruturas debase do EMAS, as condições de funcionamento e operacionalidade dessas estruturas, bem comoos requisitos de adesão ao sistema. Em 2001, foi publicado o novo regulamento do EMAS (EMASII), instituído pelo Regulamento (CE) nº 761/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19de março de 2001, que revoga o primeiro.4 Hoje em dia utiliza-se o termo “Stakeholders” para designar todas as partes interessadas dasorganizações.5 Em 2004, Portugal quase duplicou o registro das suas organizações (+91%), seguido pela Itália(+50%) e pela Espanha (+31%). Das 396 novas organizações registadas em 2004, 107 provêmda Espanha e 92 da Itália. Quatro organizações registadas desde a ascensão do EMAS são de forados dez Estados-membros: República Tcheca, República da Eslovénia e República de Malta.6 P. ex., em Leicester verificou-se 10% de redução no consumo de água.7 P. ex., no Stroud District verificou-se redução das emissões de CO2 em 36,5% desde 1995/6.8 Desenvolvimento sustentável é aquele que considera as necessidades do presente sem compro-meter a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades.9 As bases do estabelecimento do processo conhecido como Agenda Local 21 assentam sobre

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89Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

condicionantes e definições políticas. A sua origem é determinada por dois fatores. Em primeirolugar pela crescente utilização, a um ritmo cada vez maior, dos recursos naturais, da má gestãodos mesmos e de um interesse inicialmente nulo na minimização de resíduos da sociedade no seuconjunto. Em segundo lugar, devido à pressão, às vezes silenciosa e às vezes nem tanto, decidadãos cada vez mais informados, que por meio dos seus votos vão condicionando a ação dosseus dirigentes.10 Environmental Management System.

Referências bibliográficas

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90 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Governo eletrônicoGoverno eletrônico: desafios & oportunidades

Giselda Barroso Sauveur1

[email protected]

ResumoO E-governo, o uso de computadores ou a automatização de processos complexos por sisó não serão capazes de dar efetividade às ações de governo ou promover a participaçãocidadã. O que se espera com as aplicações de governo eletrônico? Ele traz a esperança e,por certo, oportunidades da implementação da boa governança com seus atributos evalores de integridade, transparência e prestação de contas na gestão pública.Palavras-chave: governo eletrônico, governança e administração pública

ResumenEl E-gobierno, el uso de computadoras o la automatización de procesos complejos porsí sólo no serán capaces de dar efectividad a las acciones del gobierno o promover laparticipación ciudadana. ¿Qué esperarse con las aplicaciones del gobierno electrónico?Él trae la esperanza y, por cierto, oportunidades de implementación de la buenagobernación con sus atributos y valores de integridad, transparencia y prestación decuentas en la gestión pública.Palabras-clave: gobierno electrónico, gobernación y administración pública

AbstractE-government, the use of computers or the automation of complex processes bythemselves alone will not be capable of giving effectiveness to governmental actions orpromoting the citizens’ participation. What can be expected from the applications ofelectronic government? It provides the hope of and certainly the opportunities forimplementation of good governance with its attributes and values of integrity,transparency and rendering of accounts concerning the public administration.Keywords: electronic government, governance and public administration

1 Socióloga, administradora pública e técnica sênior da Fundação do Desenvolvimento Administrativo(Fundap) do Estado de São Paulo

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91Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Existe entre nós uma curiosa inclinação para raciocinar, legislar e administrar tendoem vista um país imaginário, que não é o nosso; um país dominado pelo exercíciofascinante do planejamento abstrato, pela ilusão de ótica das decisões centralizadas edas concepções macroeconômicas, pelo deslumbramento ante as soluções importadas,sofisticadas e onerosas, incompatíveis com a nossa realidade e com os modestos padrõesde renda do nosso povo. A miragem desse país imaginário tem atrasado o reencontrocom a nossa verdadeira identidade e obstruído a redescoberta do Brasil real, construídopredominantemente de gente simples, que permanece à espera de soluções igualmentesimples e compreensíveis para os problemas que constituem o drama de seu quotidiano.Hélio Beltrão, pronunciamento no Encontro Nacional de Desburocratização,Brasília, agosto de 1983.

IntroduçãoA administração pública é concebida, tradicionalmente, como o lado operacional do

governo, a máquina que põe em marcha às políticas dos dirigentes eleitos e parte das

atividades associadas ao desenvolvimento dessas políticas. Esse foco sobre os meios e fins

do governo transforma a administração pública, no início deste século, talvez no mais

importante campo de estudo na ciência política. A razão desse destaque é que os cidadãos,

por certo em todo o mundo, desejam menos governo e mais governança. Em última

análise, governança nada mais é do que nomear a administração pública de outra maneira.

O que é então governança? Por certo pode-se defini-la como a capacidade para governar,

ou mais precisamente, os sistemas e métodos por meio dos quais essa capacidade é

exercida. Assim, a única diferença entre os dois termos é apenas esta: governança é um

termo mais amplo do que administração pública.

Assim, se tomarmos uma agência do governo, por exemplo, a Secretaria da Saúde,

prestadora de serviços à população (promovendo vacinação antipólio, atendimento

materno-infantil), o conceito de governança sugere que os cidadãos estão mais preocupados

com os serviços finais oferecidos do que com a estrutura organizacional, os recursos

financeiros ou os processos de trabalho dessa agência. Desse modo, pode-se considerar

a governança como um processo pelo qual recursos são coletados e utilizados para resolver

os problemas enfrentados pela comunidade.

A partir do momento em que um governo estabelece estratégias para levar avante seu

projeto de governança, importantes desafios e oportunidades surgirão durante o processo

de implementação. A esse propósito, ao avaliar os problemas, as demandas e as

necessidades dos países em desenvolvimento, em seu conjunto, numerosos aspectos

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92 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

devem ser considerados a respeito das iniciativas de promover o governo eletrônico ou

E-governo enquanto instrumento para a boa governança.

Governos, no mundo inteiro, estão adotando o governo eletrônico. Em quase todas

as regiões do planeta – dos países em desenvolvimento aos industrializados – governos

nacionais e locais estão disponibilizando informações importantes, automatizando

processos morosos e interagindo eletronicamente com seus cidadãos.

Muitos são os desafios e oportunidades trazidos com a decisão política de promover o

governo eletrônico. Discute-se aqui um conjunto de questões que devem estar presentes

ao se planejar e conceber projetos de E-governo. Trata-se mais de inventariar elementos

para aprofundar a reflexão sobre questões como: há uma visão estratégica clara sobre a

promoção do E-governo?; quais os desafios e possibilidades da implementação do E-governo

em países em desenvolvimento?; o governo eletrônico permite a participação cidadã?; o

E-governo trará mais transparência, integridade e prestação de contas à governança?

Hoje se percebe que o uso bem planejado da tecnologia (TIC) pelo governo pode resultar

numa administração mais inclusiva, efetiva, eficiente, transparente, prestadora de contas e

centrada no “cliente”, ou seja, no cidadão. De fato, se entendermos o E-governo como a

aplicação da tecnologia da informação e comunicação (TIC) no âmbito da administração pública

visando à melhoria de suas funções internas e externas, é possível almejar para governo, cidadãos

e empresas a garantia de um conjunto de ferramentas potencialmente capazes de transformar

o modo como ocorrem suas interações, como os serviços são prestados, como o conhecimento

é utilizado, as políticas são concebidas e implementadas, a participação cidadã e as reformas da

administração pública e os objetivos para a boa governança são propostos.

Numa definição ampla, E-governo é o uso da tecnologia da informação e da comunicação

(TIC) para promover um governo mais eficiente, tornar os serviços governamentais mais

acessíveis, permitir maior acesso público à informação e tornar o governo mais transparente

e prestador de contas aos cidadãos. E-governo envolve a prestação de serviços via internet,

telefone, centros comunitários (auto-serviço ou com auxílio de terceiros), radiotelefonia

ou outros sistemas de comunicação.

De onde advém esse entusiasmo com o E-governo? Ele ocorre, em parte, pela crença

de que a tecnologia pode transformar a por vezes negativa imagem do governo. Em

muitos lugares, a imagem que os cidadãos têm do governo é a de uma máquina

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93Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

administrativa inchada, desperdiçadora e omissa na resposta às suas mais prementes

necessidades. A descrença no governo está disseminada tanto no público em geral quanto

no mundo dos negócios. Os funcionários públicos são vistos muitas vezes como

aproveitadores.

Os valores de integridade, transparência e prestação de contas na administração pública

tiveram expressivo renascimento nas últimas três décadas ou mais. A administração pública

somente será revitalizada aos olhos do público ao qual deve atender se houver confiança

entre os cidadãos e a administração pública. Essa confiança somente será construída em

torno da integridade da administração pública na prestação de serviços públicos, transparência

em seu planejamento e operações (especialmente pela participação dos cidadãos) e prestação

de contas na gestão e controle dos recursos e nos resultados alcançados.

A globalização tornou possível a rápida difusão de idéias e práticas, permitindo aos

cidadãos, em toda parte, exigir altos padrões de integridade, transparência e prestação de

contas. Embora o processo de participação possa ser visto inicialmente como difícil de

manejar e consuma tempo, a participação das populações destituídas é não somente

necessária para a boa governança, mas também para a efetividade das ações de governo.

Esses princípios podem ser inculcados por medidas práticas tanto nas instituições quanto

nas populações. Em nível institucional, exigir, por meio de normas, gestão de sistemas e

procedimentos administrativos, relatórios honestos, troca de informação e prestação de

contas por desempenho. Em nível dos cidadãos, valores institucionais e padrões de

conduta e desempenho deveriam ser claramente comunicados, monitorados e fortalecidos.

Tais medidas previnem e detectam a corrupção na prestação de serviços públicos.

Por último, tais valores exigem que todas as organizações públicas avaliem seu

desempenho. Na medida em que esses princípios são aplicados a comportamentos

individuais e organizações, a adesão aos mesmos é difícil de medir e monitorar.

Entretanto, ao aplicar esses procedimentos, as organizações públicas serão capazes de

identificar boas práticas, aprender a partir de seus erros e determinar as ações que

estarão contribuindo para atingir esses princípios.

A disseminação da tecnologia da informação e comunicação (TIC) traz a esperança

de que o governo possa ser transformado. De fato, funcionários públicos em toda parte

estão usando tecnologia para melhorar a gestão do governo. Contudo, E-governo não é

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94 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

um atalho para alcançar o desenvolvimento econômico, o equilíbrio orçamentário, a

transparência ou o governo eficiente. Embora os benefícios e as promessas do E-governo

sejam teoricamente numerosos, a experiência internacional até o momento indica que

na realidade eles permanecem indefinidos e, até certo ponto, ilusórios.

E-governo é um processo e, muitas vezes, uma batalha que implica custos e riscos,

ambos financeiros e políticos. Tais riscos podem ser significantes porque, quando não

bem concebidas e implementadas, as iniciativas de E-governo podem desperdiçar

recursos, falhar quanto à promessa de oferecer serviços úteis e, em conseqüência,

aumentar a insatisfação pública para com o governo. Nos países em desenvolvimento,

em particular, nos quais os recursos são escassos, o E-governo precisa visar a áreas de

alta oportunidade de sucesso e produzir projetos exitosos.

Além disso, o E-governo nos países em desenvolvimento precisa adequar-se a algumas

condições singulares, necessidades e obstáculos. Estes vão desde a presença de uma

continuada tradição oral à falta de infra-estrutura, à corrupção, à debilidade do sistema

educacional e ao acesso desigual à tecnologia. Freqüentemente, a carência de recursos

e de tecnologia é acompanhada pela ausência de conhecimento e de informação.

Em um governo municipal da China, a criação de uma “sociedade da

informação” é vista como a base de seus planos de governo eletrônico. Essa

idéia define a visão do E-governo para toda a sociedade – cidadãos, negócios,

escolas, administração pública e indústria – operando sob o princípio da

informação. As redes e TIC tornar-se-ão parte do trabalho diário e da vida

cotidiana das pessoas.

A seguir, focalizaremos as muitas lições aprendidas com a implementação de programas

de E-governo tanto no mundo industrializado quanto nos países em desenvolvimento, e

também destacaremos alguns dos seus imensos desafios e oportunidades.

As fases do E-governoAo focalizar de forma sucinta as principais etapas do E-governo, podemos ter uma visão

de sua abrangência e dos seus aspectos peculiares. Desse modo, é possível estabelecer

uma visão das potencialidades oferecidas pelo E-governo no sentido de fortalecer a

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95Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

democracia e tornar os governos mais responsáveis a respeito das necessidades de seus

cidadãos. E-governo é um processo que requer planejamento, alocação sustentada de

recursos e vontade política.

Estudiosos da questão costumam dividir o E-governo em fases. Tais fases são

independentes, não havendo necessidade de que uma esteja concluída antes do início de

outra, mas, conceitualmente, todas permitem estabelecer sobre o estágio de

desenvolvimento do E-governo. As Nações Unidas chegaram a um consenso sobre a questão

e estabeleceram cinco fases (Global E-government Survey 2003).

A fase I (presença emergente) consiste na prontidão para a implantação do governo

eletrônico. Caracteriza-se pela presença do governo na internet, em tornar públicas

(divulgar) as ações de governo. Vale dizer: utilizar a tecnologia (TIC) para ampliar o acesso

dos cidadãos às informações governamentais. Consiste na inserção de páginas de órgãos

estatais visando a divulgar as ações e serviços prestados pelo governo.

A fase II caracteriza-se pela ampliação das atividades do E- governo visando a ordenar a

presença do governo na internet. Essa (presença expandida) consiste em ampliar a

participação cívica no governo. Sítios públicos constituem, possivelmente, o primeiro passo

nessa direção. O governo eletrônico dispõe de um grande potencial para envolver os

cidadãos no processo de governança, pondo-os em contato com tomadores de decisão

por meio do processo político e em todos os níveis de governo.

Os governos produzem enorme volume de informação, até mesmo além da que

pode ser utilizada por indivíduos e empresas. Esse processo, na fase II, é inaugurado

com a apresentação online de documentos de interesse “universal” para a sociedade,

tais como leis, regulamentos e formulários. Ao permitir a cidadãos e empresas um

rápido acesso a informações governamentais sem a necessidade de deslocamentos às

agências, com permanência em longas filas ou pagando suborno, constitui sem dúvida,

um avanço para sociedades imersas na burocracia e na corrupção.

A fase III envolve a interação governo-cidadão. O E-governo interativo compreende

comunicação de mão-dupla, iniciando com funções básicas tipo correio eletrônico (e-mail),

troca de informações com os funcionários públicos ou formulários de respostas que permitam

aos usuários apresentar comentários sobre leis e propostas políticas. De acordo com

especialistas, esta fase de E-governo poderia ainda incluir a criação de fóruns de

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96 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

cidadãos-governo, cujo exemplo mais destacado é o constituído pelo governo da Armênia.

A fase IV, a das transações, consiste na criação de sítios da web permitindo aos usuários

realizar transações online. Do mesmo modo que o setor privado, nos países em

desenvolvimento, começa-se a utilizar a internet para oferecer seus serviços, os governos

também serão demandados a seguir esse exemplo. Um sítio na web com um link direto

de acesso ao governo, disponível 24 horas, representa um avanço na prestação de serviços

ao cidadão. Inovações tais como os serviços de quiosques localizados em centros de

compras no Brasil ou computadores portáteis que podem ser levados ao meio rural,

como na Índia, são dois exemplos exitosos desta fase que se caracteriza pela prestação

direta de serviços de E-governo.

Tem-se por último a fase V, também chamada presença em rede ou transformação, na

expressão do Gartner Group. Nesta etapa as iniciativas de E-governo estão em seu estágio

mais avançado. As agências governamentais poderão utilizar um variado conjunto de

tecnologias (TIC) para melhorar não somente seus próprios procedimentos de trabalho,

mas também a prestação de serviços à comunidade.

Talvez o maior incentivo aos governos com o uso da tecnologia (TIC) seja a de agilizar

os processos burocráticos e procedimentos de trabalho-intensivo, os quais podem

economizar recursos financeiros e aumentar a produtividade a longo prazo. Além disso, a

automatização de procedimentos e processos, especialmente em áreas geradoras de renda

tais como a cobrança de taxas e multas, pode levar o governo a deter a corrupção, aumentar

seus recursos e, ao mesmo tempo, elevar a confiança no governo.

Transformando o governo: projetos de E-governoUm princípio básico é o entendimento, pelos dirigentes, que E-governo significa antes

de tudo a transformação de como o governo interage com seus governados. Processo

que não é rápido nem simples. Isso requer, desde logo, uma estratégia coerente,

começando com a análise cuidadosa dos anseios políticos do país, dos recursos

disponíveis, o sistema legal e, de suma importância, da habilidade da população para

fazer uso da tecnologia. Desse modo, pode-se adiantar que o sucesso do E-governo

requer mudança no modo como o governo trabalha e como a população encara a maneira

de o governo responder às suas demandas e necessidades.

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97Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

É certo que não há modelo universal ou estratégia única para a implantação do E-

governo. Entretanto, especialistas da área identificaram cinco elementos essenciais para

iniciar o processo de transformação de governos por meio de projetos de E-governo.

O primeiro deles é a reforma do governo. Sem dúvida crítico para o sucesso do

processo de reforma do governo é o entendimento de que E-governo não é a mera

automação dos atuais processos e procedimentos ineficientes. Mais do que isso, é a

criação de novos processos e novas relações entre governados e governante. A

aplicação da tecnologia (TIC) não é simplesmente utilizar uma ferramenta para

economizar trabalho, a ser alcançada pela simples concessão de computadores aos

funcionários públicos ou mediante a automação de processos manuais. Em

conseqüência, os dirigentes governamentais que concebem projetos de E-governo

deveriam examinar, em primeiro lugar, as funções e operações nas quais desejam

fazer uso da TIC. Exemplo: os governos deveriam usar a tecnologia (TIC) em áreas

nas quais a transparência representa um novo modo de apresentar o problema.

O segundo elemento é a liderança. Para ser bem sucedido, o E-governo exige forte

liderança política, para poder assegurar o comprometimento, a longo prazo, de recursos

e experiência e cooperação de diferentes setores. O Chile oferece um bom exemplo

de liderança política por meio de estímulo à criação de uma agência central de E-governo.

Esta dispõe não somente de experiência, mas também de autoridade institucional para

implementar as mudanças requeridas no âmbito do governo.

Um terceiro aspecto é o investimento estratégico. É imperativo que países em

desenvolvimento escolham cuidadosamente os projetos de E-governo no sentido de

otimizar seus investimentos de tempo e recursos. Tais projetos deveriam ter seus valores

explicitados no sentido de aumentar a transparência e a participação dos cidadãos no

processo de governança, desburocratizando ou economizando recursos.

A colaboração intergovernamental é outro fator crucial nesse processo. Os governos

deverão explorar novas relações entre as agências governamentais bem como com os

parceiros do setor privado e organizações não-governamentais para garantir acessibilidade

e qualidade do E-governo. As agências governamentais deverão superar a tradicional

relutância de trabalhar colaborativamente para obter ganhos de escala em seus projetos

de E-governo. Essa colaboração será tanto mais útil na medida em que os especialistas do

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98 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

setor privado, por conhecerem em profundidade aspectos tais como e-comércio, TIC,

marketing e gestão, poderão aconselhar os gestores públicos sobre essas áreas. O setor

privado, pelas suas características e experiência, será de grande ajuda para enfrentar os

desafios de aumento da eficiência, da capacidade gerencial e do entendimento das

“necessidades do consumidor”, isto é, do cidadão.

Como último elemento, mas tão importante quanto os demais, temos o envolvimento

do cidadão. O sucesso das iniciativas de E-governo depende de cidadãos engajados e,

para tanto, é fundamental desenvolver esforços para fomentar o envolvimento dos

cidadãos. E aqui se chega a uma questão central: o conceito de E-governo centra-se no

cidadão. Portanto, E-governo não é somente corte de custos ou implementação de

iniciativas para melhorar a eficiência dos serviços, mas ações direcionadas para melhorar

as vidas das pessoas comuns. Para desenvolver essa visão, focada no cidadão, ao conceber

seus projetos de E-governo os dirigentes devem ter em mente esse cidadão comum e,

mais do que isso, contemplar diferenças culturais e regionais.

No Brasil, o estado da Bahia oferece um exemplo de como prestar serviços

de E-governo a comunidades que não têm acesso às TIC. A Bahia criou centros

de atendimento móveis (caminhões equipados com computadores) que se

deslocam para zonas rurais a fim de prestar serviços a mais de 400 comunidades

do estado. Essas unidades móveis estão conectadas a redes informatizadas e

bases de dados que lhes permitem emitir cédulas de identidade, certidões de

nascimento e carteiras de trabalho. As unidades sanitárias móveis trabalham

de modo análogo, oferecendo serviços de saúde, informação e registros

eletrônicos para pacientes das cem comunidades mais carentes do estado.

Mais de cinco milhões de pessoas já foram beneficiadas por esses serviços.

Desafios e oportunidadesMuitos países em desenvolvimento, mesmo possuindo vontade política, não dispõem

da infra-estrutura necessária para prontamente prestar serviços em todo o território

nacional. Assim, o grande desafio a ser enfrentado será a concepção de projetos

compatíveis com a infra-estrutura de telecomunicações disponível no país. Sob esse

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99Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

aspecto, é importante considerar o estágio atual da tecnologia em uso no país e aprender

a partir dos sucessos e insucessos passados. Alguns dos melhores exemplos e orientações

sobre essa questão podem ser encontrados no sítio InfoDev, do Banco Mundial <http:/

/www.infodev.org/ereadiness/methology.htm>.

A aplicação de tecnologia (TIC) em processos de governo pode também enfrentar

barreiras políticas ou legais. Desse modo, torna-se imperativa a atualização do sistema

legal para regulamentar, por exemplo, o reconhecimento de documentos e transações

eletrônicas.

Mesmo em áreas nas quais a infra-estrutura de comunicações é bastante generalizada,

há ainda grandes contingentes marginalizados, incapazes de utilizar as tecnologias de

informação e comunicação pelo simples fato de desconhecerem noções básicas do uso

de computadores. A despeito do potencial de democratização implícito no E-governo,

há o reconhecimento de um risco real: o de que o mundo venha a ser dividido entre a

“informação rica” e a “informação pobre”, vale dizer, que esse processo possa acarretar

o aumento das barreiras à participação e à justiça social.

A exclusão digital – o desnível entre os que têm e os que não têm acesso à internet –

surge como uma das questões mais críticas na implementação de programas de E-

governo. Os excluídos desse acesso não podem adquirir as noções básicas essenciais

para usar computadores, nem acessar informações que lhes permitam participar do

mercado de trabalho. Além de enfrentar esse duplo desafio, promovendo o acesso dos

excluídos ao governo e aos seus serviços, os dirigentes deverão considerar – e este é o

caso do Brasil – as diferenças sócio-culturais, de classe, de etnia e regionais, oferecendo

programas adequados aos diferentes públicos, de acordo com sua especificidade.

Mais do que um desafio, a questão da transparência emerge como uma oportunidade

para resgatar a confiança do governo, cada vez mais debilitada junto aos cidadãos e às

empresas. Os cidadãos raramente entendem como os governos tomam decisões. Essa

falta de transparência impede o público de participação ativa no governo e de questionar

ou protestar contra injustiças ou decisões equivocadas. A falta de transparência pode

ocultar suborno ou favoritismo. Desde logo, o E-governo pode desempenhar um papel

crucial nesse campo, divulgando amplamente as políticas que estão sendo adotadas ou

as ações que o governo está promovendo em benefício da população.

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100 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O Estado de São Paulo adotou o Pregão de Compras, a nova modalidade de

licitação instituída desde 2000 por lei nas esferas federal, estadual e municipal.

É uma modalidade de compras utilizada no âmbito do governo para a aquisição

de bens e serviços considerados comuns, ou seja, aqueles cujos padrões podem

ser definidos pelas especificações usuais do mercado. O objetivo é tornar o

processo de compras governamental mais econômico, eficiente e transparente.

O sistema torna público qual o serviço ou produto que estão sendo adquiridos.

A iniciativa já está sendo oferecida online por algumas agências e a perspectiva

é que seja estendida a toda a administração estadual a partir do segundo

semestre de 2005. A licitação será integralmente efetuada pela Internet.

Junto à transparência é necessário que os cidadãos tenham confiança. Para ser bem

sucedido, o E-governo precisa construir confiança no interior das agências, entre agências

e ainda com o setor privado, ONGs e cidadãos em geral.

Ao conceber projetos de E-governo, os planejadores muitas vezes desconhecem as

diversas barreiras, tanto físicas quanto administrativas, que determinado projeto terá

de superar. Especialistas anotam que o sucesso de projetos de E-governo surge por

meio da construção de confiança e mútuo entendimento de uma variedade de atores

desde o início do processo. A maior preocupação para as partes envolvidas é que as

mudanças trazidas pelo novo sistema não acarretem impactos negativos. A questão da

confiança envolve ainda duas outras de especial interesse para qualquer serviço online:

(a) privacidade, qual seja a proteção das informações pessoais que o governo detém

sobre os indivíduos; (b) segurança, que é a proteção dos sítios governamentais de ataques

e uso indevido. As questões de privacidade e segurança têm merecido intensa atenção

internacional. De um lado, em razão do grande volume de informações pessoais

custodiadas pelos governos, e de outro, porque a violação de informações reservadas e

mesmo sigilosas atingem a credibilidade do E-governo.

No atual estágio de desenvolvimento tecnológico, a gestão da informação é um aspecto

crucial para a boa governança. Novas tecnologias estão sendo concebidas para auxiliar

a gestão da informação e, nesse campo, os governos têm necessidades muito específicas.

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101Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Uma gestão da informação de qualidade pode auxiliar os funcionários a identificar

obstáculos à maior eficiência do governo. Registros de dados oficiais precisos podem

auxiliar na elaboração de leis, desenvolvimento econômico e prestação de contas.

Um projeto de cinco anos de duração – Evidence-Based Governance in the

Electronic Age – foi iniciado pelo Banco Mundial em parceria com o International

Records Management Trust. Envolve a coordenação de uma rede global de

instituições e organizações para prover apoio na modernização da gestão de

sistemas de registros e de medidas para melhorar a gestão do setor público.

<http://www.irmt.org/evidence>

Como decorrência natural do processo de governo eletrônico, surge a questão da avaliação.

Os governos devem avaliar regularmente o progresso e a efetividade de seus investimentos

em E-governo para determinar se as metas estabelecidas estão sendo alcançadas. Calcular o

gasto e a progressão dos investimentos em E-governo é uma etapa difícil, mas necessária, se

os governos desejarem manter apoio aos seus projetos. Padrões de medida podem ser de

natureza qualitativa e quantitativa, como número de agências e funções online, redução no

tempo de processamento de solicitações dos cidadãos ou preenchimento de formulários,

redução na quantidade de reclamações sobre o nível e qualidade de serviços prestados pelo

governo, crescente participação por meio de consultas, redução nos custos de prestação de

serviços pelo governo e aumento da renda, entre outros.

Como decorrência, a educação passa a desempenhar um papel relevante nesse

processo. Os serviços do E-governo somente serão úteis se os cidadãos tomarem

conhecimento de sua existência. Não basta desenvolver uma página da web atraente.

Projetos bem sucedidos exigirão boa divulgação para encorajar os cidadãos a fazer uso

deles. O público, especialmente o não familiarizado com a tecnologia ou por falta de

entendimento do seu potencial, pode relutar em utilizar os serviços de E-governo,

desconfiar de sua eficácia ou mesmo não acreditar que serviços online possam atender

as suas necessidades. Neste caso, campanhas educativas devem ser encorajadas e a

população convidada a usar os serviços desde que, evidentemente, eles sejam concebidos

tendo em mente as características do “cliente”.

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102 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Destaque-se ainda, sobre a questão educação, que um corpo de funcionários bem

treinado e motivado é elemento crítico para o sucesso do E-governo. Funcionários

públicos necessitam de treinamento e liderança para integrar-se na nova estrutura de

E-governo. É necessário atentar para os sentimentos de ameaça e resistência que muitos

funcionários irão experimentar diante dos novos processos de trabalho: seja porque

temem a perda do seu posto de trabalho, dos controles que evitarão suborno e corrupção

ou mesmo perda de poder. A liderança desempenhará importante papel e criará uma

atmosfera propícia à mudança oferecendo treinamento adequado e recompensando os

que apoiarem as mudanças oferecidas pelo E-governo.

A Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) em parceria com

a Casa Civil do governo de São Paulo desenvolveu um exitoso experimento na

área de capacitação de recursos humanos. Utilizando a tecnologia (TIC) para

realizar educação a distância, concebeu o curso Licitação e Gestão de Contratos

Terceirizados. Outro curso, este abordando temas específicos de E-governo,

estará em funcionamento a partir de junho deste ano. Oferecidos totalmente

online, envolvem um público de aproximadamente 6 mil participantes que os

acessam a partir dos seus postos de trabalho.

Considerações finaisO processo de globalização poderá provocar o paradoxo de reduzir a disparidade de

riqueza entre nações, mas, ao mesmo tempo, provocar a crescente desigualdade de

renda no interior das mesmas. Nessa perspectiva, para muitos países, refletir sobre a

questão da inclusão digital constituirá uma batalha nas frentes interna e externa. Em

ambas as frentes, o E-governo constituirá uma poderosa ferramenta para auxiliar qualquer

economia – industrializada ou em desenvolvimento – trazendo os benefícios da

emergente sociedade global da informação a amplos segmentos das suas respectivas

populações.

Os efeitos diretos do E-governo incluem a efetividade de custos do governo e das

operações públicas, com ganhos substanciais em áreas como compras, coleta de impostos

e taxas e operações alfandegárias, além de melhores e contínuos contatos com os cidadãos,

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103Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

especialmente com aqueles que habitam áreas remotas ou menos densamente habitadas.

Os efeitos indiretos não são menos importantes, e incluem maior transparência e

prestação de contas nas decisões públicas, poderosos meios de lutar contra a corrupção,

habilidade para estimular o surgimento de e-culturas locais e, sobretudo, fortalecimento

da democracia.

Essas são algumas das razões por que, após disseminar-se por meio das economizas

industrializadas, o E-governo tornou-se uma prioridade em um número cada vez maior dos

países em desenvolvimento. No plano mundial, recursos significativos estão sendo mobilizados,

tanto recursos humanos quanto energia para desenvolver, implementar e promover o uso do

E-governo. Entretanto, na medida em que tais recursos são escassos em relação ao imenso

desafio de promover o desenvolvimento econômico e social e a redução da pobreza, é essencial

que eles sejam aplicados sabiamente e com o máximo de possibilidades de sucesso.

Utilizar a experiência de outros países, aprendendo com seus êxitos e insucessos e

adaptando esse conhecimento ao contexto particular de cada país, é vital para o futuro

do E-governo em muitas regiões do mundo.

Como notamos antes, implementar governo eletrônico não é simplesmente fornecer

computadores aos funcionários, criar uma página atraente na web ou mesmo automatizar

velhos procedimentos. O uso de computadores ou a automatização de processos

complexos por si só não serão capazes de dar efetividade às ações de governo ou

promover a participação cidadã. Há caminhos inexplorados que devem ser palmilhados

com visão estratégica e planejamento. As boas práticas e exemplos internacionais e

mesmo nacionais nos exortam a olhar o problema dessa perspectiva.

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104 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Um futuroUm futuro para os municípios brasileiros

François E. J. de Bremaeker1

[email protected]

ResumoO artigo insere o município no cenário político-administrativo do País e apresenta dadosque mostram a realidade municipal brasileira, cujas diversidades dificultam a adoção deuma reforma tributária adequada às suas necessidades financeiras, para a consecuçãode um novo pacto federativo. O artigo apresenta uma alternativa viável para osMunicípios, mediante a criação de um sistema de compensação de despesas, com regrasa serem definidas pelo Conselho de Gestão Fiscal, organismo previsto na Lei deResponsabilidade Fiscal, como forma de se chegar a um efetivo pacto federativo.Palavras-chave: município, pacto federativo e reforma tributária

ResumenEl artículo incluye el municipio en el escenario político-administrativo del país y presentadatos que muestran la realidad municipal brasileña, cuyas diversidades dificultan laadopción de una reforma tributaria adecuada a sus necesidades financieras para laconsecución de un nuevo pacto federativo. El artículo presenta una alternativa viablepara los municipios, mediante la creación de un sistema de compensación de gastos,con reglas a ser definidas por el Consejo de Gestión Fiscal, organismo previsto en la Leyde Responsabilidad Fiscal, como forma de llegar a un efectivo pacto federativo.Palabras-clave: municipio, pacto federativo y reforma tributaria

AbstractThe article places the municipality in the Brazilian political-administrative scene andpresents data that illustrate the Brazilian municipal reality, whose diversity hampers theadoption of an appropriate tax reform to satisfy financial needs, for the achievement ofa new federal pact. The article presents a feasible alternative for the Municipalities, bymeans of the creation of a system for offsetting expenses, with rules to be defined bythe Fiscal Management Council, a body provided for by the Fiscal Responsibility Law, asa way to attain an effective federal pact.Keywords: municipality, federal pact and tax reform

1 Economista e Geógrafo do Centro de Estudos Interdisciplinares de Finanças Municipais do Instituto Bra-sileiro de Administração Municipal (Ibam). Coordenador Técnico do Banco de Dados Municipais do Ibam(Ibamco).

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105Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O cenárioO endividamento do setor público no País, que assola as três esferas de Governo, tem

suas origens no passado e se descontrolou de vez no tempo em que a inflação girava em

torno dos 2.500% ao ano, ou seja, quando de fato as peças orçamentárias não passavam

de uma mera formalidade burocrática. Com o advento do Plano Real, quando finalmente

se conseguiu, após sucessivas tentativas, controlar o processo inflacionário ou pelo menos

fazer com que se convivesse com uma inflação civilizada, aí sim o Poder Público caiu

literalmente na real.

Os compromissos assumidos com o objetivo de reduzir o elevado endividamento e a

crescente demanda por parte da população quanto ao atendimento dos serviços sociais

(principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social) e na manutenção e

ampliação da infra-estrutura (principalmente nas áreas de saneamento básico, habitação e

transporte) estimularam os Governos a aumentar suas receitas, seja por meio do

aprimoramento das suas máquinas arrecadatórias, seja pela simples elevação da carga

tributária, aliás, o caminho mais fácil.

Neste meio tempo, a sociedade, capitaneada pelo meio empresarial, vem lutando para

que a carga tributária seja reduzida, o que implicaria a necessidade de redução dos gastos

do setor público. Imaginava-se, a princípio, que pela via das privatizações esse objetivo

seria atingido mais facilmente, porém, o que se viu é que, mesmo assim, a voracidade

tributária continua presente.

Como os recursos são limitados e o atendimento das necessidades é crescente, verifica-

se que tanto a União quanto os Estados passaram a se valer de inúmeros mecanismos

para repassar para os Municípios diversos serviços e obrigações que deveriam ser de sua

exclusiva competência. Isso vem se dando tanto pela transferência de obrigações ou pela

não-execução dos serviços (que a população acaba cobrando dos prefeitos e vereadores,

por serem os agentes políticos mais próximos dela) quanto indiretamente pelo

contingenciamento de recursos orçamentários federais e estaduais.

Com o passar dos anos têm se intensificado as dificuldades enfrentadas pelos

Municípios brasileiros, que só vêem aumentar as suas responsabilidades, sem que os

recursos financeiros necessários para tanto cresçam, pelo menos no mesmo ritmo. E

esse que era um problema enfrentado principalmente pelos municípios de pequeno e

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106 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

médio portes demográficos no passado já se torna uma realidade bem mais aparente

hoje em dia também para os municípios de grande porte.

Não é por acaso que do elenco de reivindicações apresentadas pelos prefeitos, que

representam os reclamos do movimento municipalista, dez entre 12 dessas reivindicações

se referem, direta ou indiretamente, à necessidade de ampliação dos recursos financeiros

em favor dos municípios. As reivindicações mais ouvidas dizem respeito ao aumento na

participação das transferências constitucionais federais e estaduais e no recebimento de

uma parcela dos recursos auferidos pelo Governo Federal por meio da cobrança das

contribuições, que não são partilhadas com os demais entes da Federação.

Portanto, não se venha dizer que isso está acontecendo por causa da Lei Complementar

nº 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estaria impondo uma série de restrições

fiscais aos Municípios, em razão da vedação à realização de despesas acima do montante

das receitas, que, além de ser preceituado pela LRF, já consta de uma série de instrumentos

legais, como a Lei nº 4.320/1964. Esse é um preceito de bom senso, ou seja, de bom juízo.

A solução para o equacionamento dos problemas enfrentados pelos Municípios estaria,

segundo muitos, na implementação de um novo pacto federativo, que definisse as

responsabilidades de cada esfera de Governo e que lhes garantisse os recursos financeiros

imprescindíveis para o atendimento das necessidades de cada ente federado, o que se

daria pela via de uma ampla reforma tributária.

A realidade municipal brasileiraSabemos que a realidade dos Municípios brasileiros não permite generalizações, dadas

as enormes diferenças encontradas entre eles, seja em relação ao porte demográfico,

ao grau de urbanização, à vocação econômica, às condições sociais da sua população,

ao grau de participação da população na sua interação com a Administração local, à

estrutura administrativa da Prefeitura, aos condicionantes políticos locais e externos, às

características e percepções dos prefeitos e dos vereadores, à localização geográfica e

à dimensão territorial do Município, ou ainda em relação a uma série de outros atributos.

Enfim, como já dizia há décadas Diogo Lordello de Mello, imaginar que os Municípios

são todos iguais e que reagem da mesma forma a todos os estímulos externos seria

pecar pela “síndrome da simetria”.

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107Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional para o ano de 2003, obtidos pela

Portaria MF/STN nº 307/2004, que efetua a consolidação das contas públicas e dos

dados contábeis dos Municípios, disponibilizados pela internet, os recursos correntes

ajustados, disponíveis para as esferas de Governo, mostram que a União concentra

53,7% dos recursos correntes, os Estados detém 28,3% e os Municípios ficam com

18,0%. Se às receitas correntes forem adicionadas as receitas de capital, então as relações

se alteram significativamente: 72,9% dos recursos concentrados na União, 16,6% com

os Estados e 10,5% com os Municípios.

Do montante de R$ 132,2 bilhões, referentes à receita orçamentária total do conjunto de

Municípios brasileiros, realizada em 2003, apenas 17,0% são constituídos pelas receitas

tributárias, contra 66,7% oriundos de transferências constitucionais e 16,3% de outras receitas.

Entretanto, a distribuição dos recursos entre os Municípios é bastante desigual em

relação aos grupos de habitantes, quando fica patente a influência do variável grau de

urbanização nas receitas tributárias municipais.

TABELA 1PARTICIPAÇÃO RELATIVA DAS RECEITAS MUNICIPAIS

SEGUNDO OS GRUPOS DE HABITANTES NO ANO DE 2003 (*)

Fonte: Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional – 2003.Tabulações especiais: Ibam – Banco de Dados Municipais (Ibamco).

(*) Dados expandidos a partir de uma amostra de 4.736 Municípios para um total de 5.559 Municípios. Não são considerados os dados referentes ao Distrito Federal.

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108 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

A concentração da receita tributária nos Municípios de maior porte demográfico

se deve a um fato: os impostos Municipais mais significativos, que são o Imposto

sobre Serviços (ISS) e o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), têm sua base

de incidência no meio urbano. Isso significa dizer que, para a maior parte dos

Municípios brasileiros, que, além de ser de porte demográfico pequeno, tem sua

vida econômica voltada para as atividades rurais, não tem muito o que arrecadar ou

de quem arrecadar.

Esse é um dos motivos que fazem com que 81% dos Municípios brasileiros tenham

no Fundo de Participação dos Municípios (FPM) uma transferência constitucional

do Governo Federal, sua principal fonte de receita. E em 28% dos Municípios o

FPM representa mais da metade dos recursos de que dispõe o Município.

Esse quadro de dependência financeira das transferências constitucionais é

apontado por muitos como um argumento para apontar a fragilidade dos Municípios

e até mesmo colocar em dúvida a sua viabilidade como ente governamental

autônomo. Entretanto, esses críticos se esquecem de que o Município não é nada

mais do que um grande espelho da realidade sócio-econômica do País, traduzida

pela péssima distribuição de renda da população.

A distribuição da renda das pessoas pelos Municípios mostra que os 562 Municípios

(aí computado Brasília) com população superior a 50 mil habitantes, que representam

10,1% do total de Municípios do Brasil, concentram nada menos que 79,7% de

toda a renda das pessoas. No outro extremo, que são os 2.671 Municípios com

população abaixo de 10 mil habitantes, e que representam 48,0% do total de

Municípios, são encontrados tão-somente 4,3% da renda das pessoas.

Isso representa dizer que, para termos Municípios financeiramente fortes, antes

é necessário que a população apresente melhores condições de vida e possa fazer

valer sua condição de verdadeiros cidadãos contribuintes dos fiscos. Como pode

ser observado, esses dados de distribuição de renda se casam perfeitamente com a

distribuição da receita tributária dos Municípios.

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109Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

A viabilidade de uma reforma tributária para os MunicípiosUma série de simulações efetuada pelo Banco de Dados Municipais (Ibam), tomando por

base diferentes cenários e alternativas tributárias, mostrou que qualquer que venha a ser o

desenho de uma reforma tributária, ampla ou restrita, não produzirá nenhuma mudança na

atual situação financeira dos Municípios brasileiros.

A utilização dos dados que serviram para compor o Índice de Desenvolvimento Humano

Municipal (IDH-M) em 2000, referentes à renda da população, mostra que 55,8% dela se

concentram na região Sudeste, vindo em seguida a região Sul com 17,0% e posteriormente

a região Nordeste com 14,7%. Não é por outro motivo que 84,9% dos Municípios que

apresentam os 30% piores IDH-M se encontram na região Nordeste do País, enquanto que

91,2% daqueles que apresentam os 30% melhores IDH-M estão nas regiões Sudeste e Sul.

Esses dados mostram que as desigualdades encontradas entre os Municípios têm a

ver não apenas com a sua distribuição regional, mas também com a distribuição em

relação ao porte demográfico dos Municípios, segundo combinações que apresentam

variações bastante significativas, que se refletem na distribuição do IDH-M em relação

ao porte demográfico dos Municípios.

Em razão do pequeno porte demográfico combinado à elevada receita per capita

oriunda do FPM, os Municípios com população inferior a dois mil habitantes apresentam

um IDH-M médio de 0,733, enquanto que os Municípios com população entre dois mil

e cinco mil habitantes, 0,704, ou seja, índices superiores aos Municípios com população

entre 5 mil e 10 mil habitantes (IDH-M = 0,680), àqueles com população entre 10 mil

e 20 mil habitantes (IDH-M = 0,688) e até mesmo em relação àqueles com população

entre 20 mil e 50 mil habitantes (IDH-M = 0,697).

Essas colocações servem de embasamento para mostrar que, qualquer que seja o

tributo que venha a ser atribuído aos Municípios, seja ele o Imposto sobre a Circulação

de Mercadorias (ICMS), o Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre a Propriedade de

Veículos Automotores (IPVA) ou o próprio talvez futuro Imposto sobre Valor Agregado

(IVA), sem falar nas diversas modalidades de contribuições arrecadadas pelo Governo

Federal, ou até mesmo se fosse levado em consideração o conjunto desses tributos, na

maioria dos Municípios brasileiros, não se conseguiria arrecadar o suficiente para suprir

os recursos a eles transferidos pelo FPM.

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110 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Chamamos a atenção para o papel desempenhado pela transferência do FPM, porque

na mais recente proposta de reforma tributária, está posto que com a instituição do

IVA, a partir de 2007, o FPM seria extinto, valendo-se os Municípios exclusivamente das

transferências do IVA para substituir as transferências do FPM e do ICMS. Essa nova

modalidade é anunciada no Jornal do Senado de 19 de dezembro de 2003 (p. 5).

Isso não funcionaria porque, vale a pena repetir, falta à população desses Municípios

capacidade contributiva por parte da sua população, em razão da péssima distribuição

da sua renda, por um lado, e da sua escala por outro lado. E mais, segundo as simulações

efetuadas pelo Ibam, apenas em um Estado das regiões Norte e Nordeste se conseguiria

arrecadar por meio do IVA os recursos necessários para suprir a perda do ICMS, do

Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ainda compensar os seus Municípios pela

perda do FPM: seria o Estado do Amazonas, graças à Zona Franca de Manaus, que

representa uma excepcionalidade.

Quanto à implementação de uma reforma tributária que direcionasse a tributação da

renda pelo Governo Federal, a tributação do consumo pelos Estados e a tributação da

propriedade pelos Municípios, muito pouco se alteraria o resultado final, que ainda assim

seria desfavorável aos Municípios, vez que o que eles perderiam com a arrecadação do

ISS não seria compensado pela tributação por meio do Imposto sobre a Transmissão

Causa-Mortis e Doação (ITCD), os 50% do IPVA e os 50% do Imposto Territorial Rural.

O pacto federativo é factível?É imprescindível dizer que as tarefas de redesenhar um novo pacto federativo e

elaborar uma reforma tributária ampla deveriam ser conduzidas em paralelo.

Efetivamente o que se tem assistido são posicionamentos que reproduzem belos

discursos, que na prática não levam a resultado algum. Em primeiro lugar, pelo fato

de que o processo de reforma tributária se encontra em discussão no Congresso

Nacional desde 1995 e sempre esteve divorciado da discussão do pacto federativo.

Em segundo lugar, se fosse fácil conciliar os conflitos existentes entre os diferentes

entes da Federação (União, Estados e Municípios) e também aqueles existentes entre

os 26 Estados e o Distrito Federal e entre os 5.562 Municípios, tudo já estaria

equacionado há muito tempo e não estaríamos aguardando até hoje a regulamentação

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111Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

do parágrafo único do artigo 23 da Constituição de 1988, que seria a concretização

desse pacto federativo.

O único fato digno de registro é que apenas a federação brasileira deu ao Município

um status constitucional, muito embora, segundo diversos juristas, a ampliação da

autonomia municipal, inclusive com a possibilidade de que esses venham a se auto-

organizar por meio da edição das Leis Orgânicas Municipais, não seja o suficiente para

incorporar o Município na federação, isso porque seriam necessários dois pressupostos

básicos para que existisse efetiva autonomia e para que os Municípios fizessem parte do

Poder Central, o que em verdade não acontece: autonomia e participação. Segundo

esses especialistas, o Município tem assumido novas responsabilidades simplesmente

na posição de ente colaborador e solidário da federação.

Na prática, o repasse de encargos para os Municípios é um problema já bem antigo e

vem se agravando ano após ano. Os serviços e ações que são de exclusiva competência

do Governo Federal e dos Estados desempenhados pelos Municípios custam anualmente,

em valores de 2003, pelo menos R$ 5,890 bilhões, ou seja, um valor muito superior ao

déficit orçamentário apresentado pelo conjunto dos Municípios nesse mesmo ano (R$

1,1 bilhão), conforme cálculos elaborados pelo Ibam para o universo de Municípios, a

partir dos dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional.

Se esses valores gastos pelos Municípios fossem expandidos para o período de

vigência da atual Constituição, teríamos que nos 16 anos decorridos entre 1989 e

2004 o resultado alcançaria um valor não inferior a R$ 94,24 bilhões, em valores de

2003, uma soma muito maior do que aquela que corresponde à dívida fundada e

flutuante dos Municípios.

E novamente vamos encontrar uma série de disfunções nesses números, que

resultam de um processo extremamente perverso para com os Municípios: quanto

menor o porte demográfico do Município, mais ele despende recursos com a

manutenção desses serviços!

Enquanto em média os Municípios brasileiros destinam 4,46% de sua receita total

para o custeio desses serviços, os Municípios com população inferior a 10 mil habitantes

chegam a comprometer nada menos que 10,85% do seu orçamento, relação que vai

se reduzindo à medida que cresce o porte demográfico dos Municípios.

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112 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

TABELA 2

GASTOS EFETUADOS PELOS GOVERNOS MUNICIPAIS COM SERVIÇOS DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA UNIÃO E DOS ESTADOS,

SEGUNDO OS GRUPOS DE HABITANTES (*)BRASIL - 2003

Fontes: Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro Nacional – 2003.Ibam – Banco de Dados Municipais (Ibamco) – levantamento dos gastos municipais.

É fácil verificar que não apenas as desigualdades existentes entre os Municípios, mas

também os tipos de relacionamentos existentes entre as diferentes esferas de Governo

também se manifestam de maneiras bastante diferentes segundo o porte demográfico

dos Municípios, no qual os de menor população se vêem em nítida desvantagem diante

daqueles de maior população.

Isso tudo acontece porque as necessidades por parte dos pequenos, dos médios e dos

grandes Municípios são bastante diferentes, o que dificulta em muito o estabelecimento

de uma “regra única”, vez que os Municípios não são simétricos entre si.

A alternativa viável para os MunicípiosSe as desigualdades existentes entre os Municípios não encontram uma solução pela

via tributária e o equacionamento de um novo modelo de pacto federativo esbarra em

inúmeras dificuldades, a única alternativa plausível seria a adoção de um sistema de

compensação financeira, o que não apenas seria politicamente mais justo, como também

resolveria toda série de problemas fiscais dos Municípios.

(*) Dados expandidos a partir de uma amostra de 4.736 Municípios para um universo de 5.559 Municípios Observação: não foram levados em consideração os dados de Brasília (DF).

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113Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Neste sentido, o Ibam sugeriu a elaboração de uma Proposta de Lei Complementar,

apresentada pelo senador Roberto Saturnino (PLC/SF nº 112/2001), que incluía novo

dispositivo na Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo teor é transcrito a seguir:

Art. 1º Inclua-se novo artigo no Capítulo X da Lei Complementar nº 101, de 04 deMaio de 2000, com a seguinte redação:

Art. Para fins de apuração do cumprimento dos limites de gastos e endividamentoprevistos nesta lei complementar, não serão consideradas as despesas realizadas pelosMunicípios com ações de competência de outro ente da Federação, desde queautorizada a dedução pelo Conselho de Gestão Fiscal.Art. 2º Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação.

O projeto de Lei Complementar teve uma rápida tramitação na Comissão de Assuntos

Econômicos (CAE) do Senado Federal, tendo sido rejeitado pelos seus membros.

Vê-se pelo teor da propositura que o procedimento da compensação financeira não

se daria ao sabor da vontade dos Municípios, mas obedeceria a critérios técnicos

estabelecidos pelo Conselho de Gestão Fiscal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal,

cuja instalação continua apenas no papel.

Vale a pena lembrar que a recente criação de uma nova organização de âmbito

mundial unificada de governos locais – “Cidades e Governos Locais” – reunindo

prefeitos, líderes e representantes das cidades e governos locais do mundo, ao serviço

da população das comunidades rurais e urbanas, pequenas, médias e grandes cidades,

metrópoles e regiões, objetiva cumprir a missão de realizar o “ futuro do

desenvolvimento” por meio dessa união.

A Declaração do Congresso Fundador “Cidades e Governos Locais: o futuro do

desenvolvimento” apresenta como considerações:

• que os desafios globais num mundo em rápida transformação são sentidos, em primeiro

lugar, em nível local e precisam ser enfrentados nesse nível pela esfera de governo mais

próxima do cidadão;

• que são valores fundamentais a democracia, a autonomia, a descentralização e a

governabilidade urbana, como indicado na Carta Mundial da Autonomia Local;

• que os Governos locais têm a desempenhar um papel essencial na promoção do

desenvolvimento, bem como para a realização dos “Objetivos do Desenvolvimento

para o Milênio”, subscrito pelos países membros da Organização das Nações Unidas,

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114 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

que fazem parte dos deveres quotidianos dos Governos locais na prestação de serviços

às cidades e às comunidades;

• que é necessário apoiar o desenvolvimento de uma autonomia local forte, efetiva e

democrática;

• que devem tratar dos problemas, das responsabilidades e dos desafios das cidades e

das comunidades, em particular o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, a

descentralização e a democracia local.

Para que sejam alcançados esses objetivos, são propostas pela Declaração do

Congresso Fundador “Cidades e Governos Locais: o futuro do desenvolvimento”, o

atendimento a três propósitos:

1. desenvolvimento local sustentável num mundo em vias de globalização;

2. descentralização e democracia local;

3. cooperação e diplomacia.

Entre os meios de se realizar os objetivos propostos, destacam-se aqueles que

propõem:

• que um dos fundamentos da descentralização é a adoção de uma política adequada

de transferência dos recursos financeiros entre os diferentes níveis de administração;

• que as autoridades locais precisam de meios financeiros adequados para poder assumir

seus compromissos, desenvolver seus serviços, dispor de recursos humanos qualificados

para atender às necessidades dos cidadãos;

• que é necessário que os Governos locais sejam diretamente responsáveis pelas decisões

relacionadas com seus recursos;

• que os Governos locais têm a necessidade de atuar com o conjunto dos atores para

atingir seus objetivos, destacando-se que a parceria entre o setor público e o privado e

a sociedade civil pode ser decisiva para melhorar os serviços e tornar mais eficiente a

administração dos recursos públicos;

• que diante da complexidade crescente dos serviços solicitados pela população e do

conflito de interesses que excedem, por vezes, as competências dos Governos locais,

estes devem velar pela proteção dos interesses de sua cidadania;

• que num mundo globalizado as decisões públicas são cada vez mais complexas e suas

conseqüências têm maior impacto;

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115Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

• que ampliar a participação é uma exigência cidadã e um meio de recuperar a legitimidade

necessária e reforçar os laços sociais;

• que o desenvolvimento de novas formas de participação nas diferentes regiões do mundo

(conselho de bairros e orçamento participativo) são manifestações desse fenômeno.

Verifica-se que o novo quadro institucional mundial propugna que os Municípios são a

via natural para acelerar o desenvolvimento sustentável, isso porque são aqueles que

melhor conhecem a realidade local.

Para que os Municípios possam desempenhar com maior liberdade sua missão, é

necessário que lhes sejam destinados mais recursos, para que esses sejam aplicados da

melhor forma e para que sejam obtidos os melhores resultados, que poderão ser avaliados

por meio de indicadores de desempenho e que não deixarão de estar submetidos à

fiscalização da sociedade pelos diversos mecanismos já existentes.

O reconhecimento da diversidade da realidade municipal brasileira e a vontade política

de acelerar o desenvolvimento com a efetiva participação dos Municípios passam

necessariamente pela construção de uma nova ordem institucional baseada na confiança.

Para tanto faz-se necessário dar maior liberdade aos Municípios na aplicação dos seus

recursos, o que não quer dizer que não estarão submetidos a rígidos controles por parte

das entidades que têm essa responsabilidade.

A adoção de um critério justoUma questão fundamental surge no momento: até quando as relações federativas dar-

se-ão sob o regime da adoção de “dois pesos e duas medidas” ou de um sistema de “mão-

única”, dependendo da situação?

No primeiro caso, o exemplo seria retirado da filosofia que rege a adoção do Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

(Fundef), que direciona os recursos para o ente federado que efetivamente mantém alunos

matriculados na rede de ensino fundamental. Estudos realizados pelo Ibam comprovaram

que em 2002, ao se efetuar um balanço final da influência do Fundef nas finanças municipais,

verificava-se que 39,3% dos Municípios brasileiros (um total de 2.185 unidades) perderam

recursos no balanço entre os créditos e as deduções do referido fundo. As perdas ocorriam

principalmente nos Municípios de menor porte demográfico, em razão das deduções

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116 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

sobre o FPM e pelo fato de apresentarem no conjunto um relativo pequeno número de

alunos, mesmo que estivessem mantendo 100% dos alunos no território do Município.

Se esse critério é considerado justo do ponto de vista macro, pois se está priorizando

a mais perfeita distribuição dos recursos para que sejam alocados onde realmente se

efetuam as despesas do ensino fundamental, por que o mesmo critério não pode ser

adotado nas relações federativas entre os diversos entes, fazendo-se com que os recursos

sejam alocados em favor do ente que realmente efetua a despesa com a prestação do

serviço?

No segundo caso, temos o exemplo da adoção de uma política tributária por parte do

Governo Federal, em meados de 2004, quando foram aplicados dois pacotes tributários,

com o objetivo de incentivar alguns setores da economia e gravar mais outros setores,

em que no primeiro deles eram retirados da sociedade R$ 10,05 bilhões, sendo R$ 9,65

bilhões por meio da elevação de contribuições federais (Cofins e CSLL) e R$ 0,4 bilhão à

conta do IPI; enquanto que os estímulos que montavam R$ 4,95 bilhões eram concedidos

exclusivamente com o Imposto de Renda e o IPI, que são recursos partilhados com os

Estados e os Municípios.

ConclusãoNão é difícil verificar que está bem longe a possibilidade de um novo pacto federativo

que atenda aos interesses dos Municípios, vez que as relações federativas existentes

continuam a pender em favor dos entes federados mais fortes.

As relações federativas somente começarão a prosperar no dia em que as esferas

superiores começarem a abrir mão de uma parte do poder, o que significa dizer, em

termos concretos, melhor distribuir os recursos financeiros de acordo com as reais

necessidades dos diversos entes da Federação.

O que se vê na prática é uma eterna desconfiança de um ente em relação ao

outro, motivo pelo qual praticamente tudo aquilo que diz respeito às relações entre

os diferentes entes da Federação deve estar inscrito na Constituição, nos seus

mínimos detalhes. E mesmo assim não se tem garantido o seu real cumprimento,

pois inúmeros são os mecanismos utilizados para distorcer essas relações em favor

dos entes mais fortes.

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117Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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119Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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120 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

A contabilizaçãoA contabilização do leasing face ao“princípio da prevalência da essência sobre a forma”

Anisio Candido Pereira1

[email protected]

Thaís do Lago2

[email protected]

ResumoAlgumas regras tributárias distorcem a percepção do resultado mais provável das atividadeseconômicas. Isso conduz a uma má compreensão dos efeitos das mudanças sobre o patrimônio,tanto quantitativa quanto qualitativa, já que a informação fornecida revela uma realidadeeconômica equivocada, não baseada em valores verdadeiros e justos. O objetivo do presenteestudo é propor um conhecimento interdisciplinar, de amplitude contábil e jurídica, tendocomo referência o contrato de arrendamento mercantil (financeiro e operacional), cujosaspectos jurídicos, materiais e formais, ainda não estão completa ou suficientementeesclarecidos. A metodologia aplicada foi a pesquisa teórica, envolvendo a literatura e a legislaçãopertinente, focando a análise da Resolução 2.309/96 do Banco Central do Brasil, Resolução921 do Conselho Federal de Contabilidade e Lei Complementar 116/03. Portanto, o presenteestudo contribui para integrar a abordagem das ciências mencionadas.Palavras-chave: tributo, arrendamento mercantil financeiro e operacional

ResumenAlgunas reglas tributarias retuercen la percepción del resultado más probable de las actividadeseconómicas. Eso lleva a una equivocación de los efectos de cambios sobre la propiedad, tantocuantitativa cuanto cualitativa, desde que la información suministrada revela una realidadeconómica equivocada, no basada en valores verdaderos y justos. El objetivo del presenteestudio es proponer un conocimiento interdisciplinar, de amplitud contable y legal, teniendocomo referencia el contrato de arrendamiento mercantil (financiero y operacional), cuyosaspectos legales, materiales y formales, todavía no están completos o suficientementeesclarecidos. La metodología aplicada fue la investigación teórica, envolviendo la literatura y lalegislación pertinente, enfocando el análisis en Resolución 2.309/96 del Banco Central de Brasil,Resolución 921 del Consejo Federal de Contabilidad y la Ley Complementar 116/03. Portanto, el presente estudio contribuye para unir el enfoque de las ciencias mencionadas.Palabras-clave: tasa, arrendamiento mercantil financiero y operacional

1 Professor do Mestrado em Controladoria e Contabilidade Estratégica do Centro Universitário ÁlvaresPenteado (Unifecap).2 Mestranda do Curso de Controladoria e Contabilidade Estratégica do Centro Universitário ÁlvaresPenteado (Unifecap).

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121Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

AbstractSome taxation rules distort the perception of the most probable result of economicactivity. This leads to a misunderstanding of the effects of the changes on net worth,both quantitative as well as qualitative, since the information furnished reveals a mistakeneconomic reality, not based on true, fair amounts. The objective of this study is topropose an interdisciplinary consciousness, with accounting and legal scope, having asits reference point leasing contracts (financial and operational), whose legal, materialand formal aspects are still not completely or sufficiently clarified. The methodologyapplied was that of theoretical research, involving the pertinent literature and legislation,focusing on the analysis of Central Bank of Brazil Resolution 2,309/96, Federal AccountingCouncil Resolution 921 and Supplementary Law 116/03. In this way, this study contributesto integrating the approach of the sciences mentioned.Keywords: tax, financial and operational leasing

IntroduçãoUm dos fatores necessários para a consecução do objetivo da Contabilidade de

fornecer informação de qualidade é o registro dos lançamentos contábeis segundo a

prevalência da essência econômica sobre a forma. O fornecimento de informação

econômica para a tomada de decisão suscita abordagens distintas. Ora se privilegia uma

abordagem geral, ora uma abordagem específica, para cada tipo de usuário.

O grau de importância e o nível de detalhamento das informações aumentam

conforme a necessidade e a sofisticação do usuário e dependem do padrão considerado

mais desejável. Nos Estados Unidos, como os investidores e credores compõem o

grupo dos destinatários principais das informações financeiras, define-se a divulgação

como sendo a “apresentação de informação necessária para o funcionamento ótimo de

mercados eficientes de capitais”. Já na Europa, segundo o autor, a importância dos

investidores e credores é diminuída em favor de uma divulgação mais ampla e menos

específica e que abrange funcionários, clientes órgão do governo e o público em geral

(HENDRIKSEN, 1999, p. 511).

O escopo deste artigo é analisar a interferência da legislação tributária na

evidenciação das transações e a importância da informação econômica de qualidade

para os seus usuários, a fim de demonstrar que a forma como uma empresa

aproveita as vantagens fiscais têm reflexos sobre a qualidade da informação, tendo

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122 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

o contrato de leasing como exemplo da distorção causada por regras que visam a

interesses de um único usuário, no caso o Governo Federal.

Com isso, espera-se proporcionar um conhecimento dinâmico, de amplitude contábil

e jurídica, de modo que confira instrumental para os profissionais que atuam nessas

áreas opinarem acerca da necessidade de tais ciências estarem em harmonia, oferecendo

condições para uma tomada de decisão de investimento melhor fundamentada.

A classificação do leasing pelo Bacen e pelo CFCFoi o Conselho Monetário Nacional, por meio da Resolução nº 2.309, do Banco

Central do Brasil (Bacen), de 28 de agosto de 1996, que, exercendo a delegação conferida

pela supracitada lei, elaborou regulamento conceituando as peculiaridades inerentes ao

leasing operacional e ao leasing financeiro, disciplinando essas duas modalidades de

arrendamento mercantil, autorizando a prática de operações de arrendamento mercantil

com pessoas físicas em geral, consolidando, enfim, as normas a esse respeito.

Nos termos do Art. 1º do regulamento anexo à Resolução nº 2.309/96, as operações

de arrendamento mercantil, seja financeiro, seja operacional, com o tratamento tributário

previsto na Lei nº 6.099/74, alterada pela Lei nº 7.132/83, somente podem ser realizadas

pelas seguintes pessoas jurídicas:

a) que tenham como objeto principal de sua atividade a prática de operações de

arrendamento mercantil (denominadas sociedades de arrendamento mercantil);

b) bancos múltiplos com carteira de arrendamento mercantil;

c) instituições financeiras que, nos termos do Art. 13, estejam autorizadas a contratar

operações de arrendamento com o próprio vendedor do bem ou com pessoas jurídicas

a ele coligadas ou interdependentes.

Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que:

I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pelaarrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custodo bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenhaum retorno sobre os recursos investidos;II - as despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos aoperacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária;III - o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado, podendoser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado (Art. 5º da Resolução nº 2.309/96do BACEN, grifo nosso).

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123Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que:

I - as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplem o custo dearrendamento do bem e os serviços inerentes a sua colocação a disposição daarrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90% (noventapor cento) do custo do bem;II - o prazo contratual seja inferior a 75% (setenta e cinco por cento) do prazo de vidaútil econômica do bem;III - o preço para o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bemarrendado;IV - não haja previsão de pagamento de valor residual garantido (Art. 6º da Resoluçãonº 2.309/96 do BACEN, grifo nosso).

As operações de leasing operacional, entretanto, são privativas dos bancos múltiplos

com carteira de arrendamento mercantil e das sociedades de arrendamento mercantil.

É de se notar que o regulamento prevê que para a modalidade de leasing operacional

a manutenção, a assistência técnica e os serviços correlatos à operacionalidade do bem

arrendado podem ser de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária.

Ressalte-se que a operação de arrendamento mercantil será considerada como de

compra e venda a prazo, se a opção de compra for exercida antes de decorrido o

seguinte prazo mínimo (Art. 8º, c/c Art. 10 da Resolução nº 2.309/96 do Bacen):

I - para o arrendamento mercantil financeiro:a) 2 (dois) anos, compreendidos entre a data de entrega dos bens a arrendatária,consubstanciada em termo de aceitação e recebimento dos bens, e a data de vencimentoda última contraprestação, quando se tratar de arrendamento de bens com vida útiligual ou inferior a 5 (cinco) anos;b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo constante da alínea anterior, para oarrendamento de outros bens;II - para o arrendamento mercantil operacional, 90 (noventa) dias.

No mais, as operações que se realizarem em desacordo com as disposições desse

Regulamento não se caracterizam como de arrendamento mercantil (Art. 33 da

Resolução nº 2.309/96 do Bacen).

Em 13 de dezembro de 2001, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) anunciou,

via Resolução nº 921, os aspectos contábeis específicos do arrendamento mercantil

classificando-o como financeiro quando, necessariamente, além de cumprir a previsão

do inciso I do Art. 5º da Resolução nº 2.309/96 do Bacen:

a) o valor residual, que é a parcela do principal não incluída nas contraprestações aserem pagas pela arrendatária e serve de base para a opção de compra do bemarrendado, é significativamente inferior ao valor de mercado do bem na data da opção;

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124 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

b) o bem objeto de arrendamento é de tal maneira específico que somente aquelearrendatário pode utilizá-lo em sua atividade econômica.

Por exceção, o arrendamento operacional foi classificado pelo CFC como a modalidade

que não se enquadra em ao menos uma das condições estabelecidas acima. Essa

resolução também estabeleceu a avaliação dos componentes patrimoniais. No caso do

arrendamento financeiro, sob o ponto de vista da arrendatária, dispôs que:

10.2.2.1.1 - O valor do bem arrendado integra o imobilizado no ativo permanente,devendo ser identificado como sendo objeto de arrendamento financeiro, emcontrapartida ao valor total das contraprestações e do valor residual que deve serregistrado no passivo circulante ou no exigível a longo prazo.10.2.2.1.2 - A depreciação desse bem deve ser consistente com a depreciação aplicávela outros ativos de natureza igual ou semelhante.(grifos nossos).

Por outro lado, para a arrendadora tem-se que:

10.2.2.2.1 - O valor total das contraprestações e do valor residual, parcelado ou não,decorrentes de contrato de arrendamento financeiro, deve ser registrado comoarrendamentos a receber e classificado no ativo circulante ou no realizável a longoprazo.

No que concerne às operações de arrendamento operacional, sob o ponto de vista

da arrendatária, temos que:

10.2.2.3.1 - As operações de arrendamento operacional, por serem modalidade emque o bem arrendado proporciona util ização dos serviços sem que hajacomprometimento futuro de opção de compra, caracterizando-se, essencialmente,como uma operação de aluguel, não devem integrar as contas do balanço patrimonial.10.2.2.3.2 - As obrigações decorrentes do contrato de arrendamento operacional nãodevem integrar as contas do passivo circulante ou exigível a longo prazo, exceto pelaparcela devida no mês.

Sob o ponto de vista da arrendadora, prescreveu que:

10.2.2.4.1 - Os bens objeto de arrendamento operacional devem ser registrados emconta específica do ativo imobilizado.10.2.2.4.2 - As despesas com depreciações devem ser apropriadas mensalmente noresultado, em contrapartida à conta específica de depreciação acumulada do ativoimobilizado.10.2.2.4.3 - Os contratos de arrendamento operacional não devem ser objeto deinclusão nas contas patrimoniais, devendo ser controlados em contas de compensação.(grifos nossos).

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125Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O problema da conceituação genérica do arrendamento mercantilpela legislação tributária

A controvérsia surge porque a legislação tributária não distinguiu as modalidades de

leasing. É importante adiantar que os elementos característicos das duas modalidades

de arrendamento (financeiro ou operacional) são de suma importância, pois, por meio

deles torna-se mais clara a qualificação jurídica desta espécie contratual.

Vejamos qual é a qualificação jurídica dada ao contrato de leasing para fins de tributação:

Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídicorealizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica,na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridospela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta(parágrafo único, Art. 1º da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, alterada pela Leinº 7.132, de 26 de outubro de 1983).

Nesse sentido, o arrendamento mercantil consiste na concessão pelo arrendador do

uso prolongado, porém determinado, de bem ao arrendatário, mediante o pagamento de

prestações periódicas mais substanciais que um mero aluguel, na medida em que se

vislumbra que o arrendatário optará por adquirir o bem, o que se dará com o pagamento

do valor residual. Neste caso, isto é, vez que o arrendatário opte pela aquisição do bem,

direito que lhe é inegável, as prestações transformar-se-ão em paga pelo bem.

Sendo assim, se o contrato de arrendamento é um misto de propriedade e uso, isto é,

possibilita a retenção da propriedade do bem por uma das partes, enquanto permite à

outra seu usufruto, e se tais peculiaridades o tornam único, tem-se que esse negócio não

pode ser confundido com uma compra e venda financiada ou com uma locação de bem,

ainda se pareçam do ponto de vista contábil.

Ressalte-se que a Lei nº 6.099/74, no Art. 11, garantiu que seriam deduzidas, seja como

custo, seja como despesa operacional (e, portanto dedutível do lucro tributável pelo

Imposto de Renda), da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas

por força do contrato de arrendamento mercantil, diferenciando o contrato de leasing da

operação de compra e venda a prazo.

No Art. 12, permitiu-se a dedução como custos das pessoas jurídicas arrendadoras ascotas de depreciação do preço de aquisição de bem arrendado, calculadas de acordocom a vida útil do bem.

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126 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Ocorre que, apesar de disciplinar o tratamento tributário das operações dearrendamento mercantil, ao não fazê-lo de acordo com as diferentes modalidades,distorceu a contabilização dessas transações.

Controvérsias acerca da incidência do ISS e do ICMS sobre o leasingDeve-se observar que inexiste operação relativa à circulação de mercadoria,

juridicamente falando, no arrendamento mercantil, conforme Machado (2004, p. 79):

No contrato de arrendamento mercantil, como aludido anteriormente, não hátransferência do domínio da coisa, o que se apresenta como pressuposto essencialpara incidência de ICMS. Como é assente na doutrina, um dos critérios materiais a serverificado em concreto para a exigência de ICMS é a circulação, não meramente física,da mercadoria o que se verifica na transferência de propriedade da mesma.No caso de leasing não há venda de mercadoria. Repise-se: há um contrato no qual oarrendatário indica ao arrendante um bem de seu interesse; este paga o preço e adquiretal bem da indústria fornecedora, para então conceder por longo prazo, o direito deuso de tal bem ao arrendatário, que deverá pagar uma determinada quantia a título dealuguel, caracteriza-se, ainda, por ter o arrendatário a opção de compra de tal bemmediante pagamento do preço residual (grifos nossos).

Certo que não há circulação de mercadoria, não há que se falar em incidência do

ICMS. Vide que o Art. 3º, inc. VIII da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de

1996 (Lei Kandir), expressamente dispõe que o imposto não incide sobre operações de

arrendamento mercantil (não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário).

Outrossim, a tese que está em pauta, fundamentada no Recurso Extraordinário nº

116.121-3/SP, é a de que sobre o arrendamento mercantil de bem móvel não incide

nem ICMS e nem ISS, uma vez que configurada a preponderância de uma obrigação de

dar, que não pode ser encarada como serviço pelo legislador tributário, sob pena de

alterar a definição desta atividade.

Vale noticiar que o Supremo Tribunal Federal, em acórdão publicado em 25 de maio

de 2001 (Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP), já declarou incidentalmente a

inconstitucionalidade do ISS sobre a locação de bens móveis, atividade que configura

obrigação de dar, enquanto a prestação de serviços, necessariamente, compreende

obrigação de fazer. Resta saber se esse entendimento será mantido com o advento da

Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, que instituiu a incidência do ISS

sobre as operações de leasing (item 15.09).

Esclareça-se que a Lista de Serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03 classificou

o leasing no item 15.09 como arrendamento mercantil de quaisquer bens, inclusive

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127Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

cessão de direitos e obrigações, substituição de garantia, alteração, cancelamento e

registro de contrato e demais serviços relacionados ao arrendamento mercantil.

A contabilização do leasing face ao princípio da prevalência da essênciasobre a forma

O § 2º do Art. 1º da Resolução n º 750, do Conselho Federal de Contabilidade, de 29

de dezembro de 1993, que dispõe sobre os Princípios Fundamentais da Contabilidade

(PFC), prevê a aplicação destes princípios a situações concretas, uma vez que a essência

das transações deve prevalecer sobre seus aspectos formais.

Vale acrescentar que o apêndice à Resolução nº 774 do Conselho Federal de

Contabilidade, de 16 de novembro de 1994, no item 1.4, in fine, tece comentário a

respeito de situações nas quais os aspectos jurídico-formais das transações ainda não

estão completa ou suficientemente elucidados. Nesses casos, explica, deve-se considerar

o efeito mais provável das mutações sobre o patrimônio, quantitativa e qualitativamente,

concedendo-se prevalência à substância das transações, de modo que corrobora a

relevância da essência econômica.

Entretanto, no Brasil a “prevalência da essência sobre a forma” não foi expressamente

elevada ao status de princípio. Esse não-reconhecimento, entretanto, não tem o condão

de descaracterizar sua natureza de postulado ou norte, sob o qual deve se pautar a

evidenciação, dado que o seu caráter está intimamente relacionado com a ciência

contábil.

No caso em análise, restou evidente que a Lei nº 6.099/74 não observou que a

propriedade do bem muda conforme a modalidade contratual, o que implica a não-

dedução como custo da pessoa jurídica arrendadora das cotas de depreciação do preço

de aquisição do bem arrendado, no caso do leasing financeiro.

Outro ponto a ser considerado é que a disposição da Portaria nº 140/84 do Ministério

da Fazenda, no sentido de que antecipação do valor residual garantido – que consiste

em uma “obrigação assumida pelo arrendatário para garantir ao arrendador uma quantia

mínima final de liquidação do negócio, no caso de o arrendatário não exercer a opção

de compra ou não quiser prorrogar o contrato” (ROLIM, 2001, p. 321) – e o pagamento

da opção de compra, não constituem receita do arrendador, nem despesa do

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128 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

arrendatário, até o momento da liquidação do contrato, vai de encontro ao postulado

da prevalência da essência econômica sobre a forma, sendo discutível sua subsunção ao

princípio contábil da competência.

Ainda, tem-se que a antecipação do valor residual garantido pode interferir na essência

econômica das transações, na medida em que, “dependendo do seu valor e das suas

condições em comparação com o valor da opção de compra, esta poderá ser

absolutamente ou substancialmente compreendida na primeira”, passando a ser um

contrato de compra e venda (ROLIM, 2001, p. 321-322). Esse entendimento é respaldado

pela jurisprudência. A justificação econômica para a possibilidade da garantia do valor

residual, segundo Rolim (2001, p. 322), é o fato de que a sua não-existência poderia

restringir o crédito a longo prazo.

Vale citar que a inserção parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional

(CTN), pela Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, sedimentou o

entendimento de que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos e negócios

praticados em detrimento da arrecadação tributária que dissimulem a ocorrência do

fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Ressalte-

se que a eficácia desse dispositivo depende de legislação ordinária que o regule.

De acordo com Cardoso (2003):

Agora, nos deparamos com outro instituto da common law sendo inserido em nossoordenamento jurídico tributário, o business purpose test, doutrina que prevê apossibilidade de desconsideração de atos ou negócios que desviem da finalidade negociale tenham apenas a intenção de reduzir ou não pagar impostos.

Para melhor compreensão acerca da contabilização do arrendamento mercantil, face

o princípio contábil da prevalência da essência econômica sobre a forma, é elucidativo

o caso citado por Rolim (2001, p. 338-340). Segundo seu relato, tratava-se de um

proprietário de um terreno, no qual estava sendo edificada sua sede. Esse proprietário

vendeu o terreno a uma instituição financeira e, posteriormente, esta lhe arrendou o

imóvel. Desse modo, foi possível deduzir as prestações dos aluguéis, com a vantagem

de os gastos com a construção passarem a ser tratados como benfeitorias realizadas

em propriedade alheia, devendo, portanto, serem amortizadas pelo prazo do

arrendamento e não pelo longo prazo de vida útil do edifício.

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129Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

O Superior Tribunal de Justiça desqualificou a operação de venda seguida de

arrendamento mercantil ao próprio vendedor do bem para considerá-la um

financiamento com garantia do bem.

Rolim (2001, p. 340) apresenta-nos os seguintes questionamentos acerca desse

entendimento:

a) não representaria verdadeira utilização do terreno ainda que o mesmo seja utilizado

para construção de edifício?;

b) somente pelo fato da obtenção da vantagem fiscal a transação não pode ser efetivada

ou devido ao provável exercício do direito à compra entendeu-se como inadequada a

opção pelo arrendamento mercantil?;

c) foi interpretada como de má-fé a intenção das partes no início do contrato, sendo

meramente formal (ou simulada) a previsão da opção de compra ao término do contrato?

Sem desmerecer as brilhantes considerações do autor acima citado, no sentido de

que a vontade das partes, materializada no contrato, deveria valer como lei entre as

partes, a despeito do leasing back não ser reconhecido pelo ordenamento jurídico

brasileiro como modalidade de arrendamento mercantil, é notável que o Art. 116 do

CTN mantém relação com o postulado da prevalência da essência econômica sobre a

forma.

Conclusão

Se, para fins de tributação, a propriedade do bem arrendado pertence ao arrendador,

até o momento do exercício da opção de compra pelo arrendatário, quando então

dar-se-á a integralização deste bem ao ativo fixo do adquirente, para fins contábeis o

bem objeto de arrendamento operacional deve ser registrado em conta específica do

ativo imobilizado da arrendadora, enquanto que no arrendamento financeiro o bem

arrendado integra o ativo permanente da arrendatária.

Vê-se que a Resolução nº 774 do CFC, de 16 de novembro de 1994, a qual prevê

que deve ser analisado o efeito mais provável das mutações sobre o patrimônio,

quantitativa e qualitativamente, em situações nas quais os aspectos jurídico-formais

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130 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

das transações ainda não estiverem completa ou suficientemente elucidados, é um

norte em situações conflituosas, como a que está em foco. Em outras palavras, a

atividade a ser desempenhada com o bem há de ser a que possui maior relevância,

que é a que mais reflete no aumento da capacidade contributiva.

Finalmente, no que se refere à inserção, pela LC nº 104/01, do parágrafo único

ao Art. 116 do CTN, conclui-se pela necessidade de se atribuir maior importância

ao postulado contábil da prevalência da essência econômica sobre a forma, haja

vista o relevo que a materialidade das transações assumirá, lembrando que os

conhecimentos inerentes à informação contábil de qualidade permanecem, isso

posto, eficazes para a solução de conflitos correlatos.

Referências Bibliográficas

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132 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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133Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

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134 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

EVENTOSEVENTOS

JULHO

19º Encontro Nacional dos Estudantes de Ciências Contábeis (Enecic)Local: Natal, RNData: 31 de julho a 5 de agosto

O Enecic terá como tema principal “A pesquisa como instrumento propulsor para o

avanço da Ciência Contábil” e acontecerá na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(UFRN) e no Centro de Convenções de Natal. A organização do evento está sendo feita

pelo Centro Acadêmico de Ciências Contábeis e pela Base de Pesquisa em Controladoria e

Gestão de Tecnologia da Informação da UFRN. O evento terá palestras sobre pesquisa

contábil, mesas redondas sobre a inserção da pesquisa na área contábil e mini-cursos sobre

a formação acadêmica e profissional do estudante. Os universitários também apresentarão

trabalhos de iniciação científica sobre os mais variados temas contábeis. Haverá ainda

workshops com entidades de programas contábeis e eventos culturais.

AGOSTO

X Convenção de Contabilidade do Rio Grande do SulLocal: Bento Gonçalves, RSData: 17 a 19 de agosto

A convenção é dedicada a profissionais de contabilidade que queiram se manter

atualizados na área e desenvolver suas habilidades. Este ano, o tema será “Estratégias

para obter resultados”. Os trabalhos a serem apresentados versarão sobre Auditoria,

Perícia, Contabilidade Pública, Ética, Responsabilidade Social, Governança Corporativa,

Educação/Ensino, Contabilidade Gerencial e Societária, entre outros. Mais informações

podem ser obtidas no site <www.crcrs.org.br/xccrs>.

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135Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

XVI Encontro Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (Enangrad)Local: Belo Horizonte, MGData: 28 a 31 de agosto

O evento é organizado em parceria da Associação Nacional dos Cursos de Graduação

em Administração (Angrad) com o Conselho Federal de Administração (CFA).

Direcionado a alunos, professores, e profissionais da área, o Enangrad é um dos mais

importantes encontros para discussões da comunidade acadêmica de Administração.

Este ano, o tema principal das palestras e dos painéis será “As Competências

Condicionantes para o Ensino da Graduação em Administração”. Informações detalhadas

sobre o evento estão disponíveis em <www.angrad.org.br>.

SETEMBRO

4ª Conferência Internacional sobre História da ContabilidadeLocal: Braga, PortugalData: 7 a 9 de setembro de 2005

A 4ª AHIC (Quarta Conferência Internacional sobre História da Contabilidade) acontece

bienalmente em diferentes países, de forma a possibilitar uma representação tão ampla

quanto possível de acadêmicos com variadas áreas de interesse influenciadas por diferentes

panoramas culturais e sociais. As conferências anteriores tiveram lugar em Melbourne (agosto

de 1999), em Osaka (agosto de 2001) e em Siena (setembro de 2003). Em 2005 a Escola de

Economia e Gestão da Universidade do Minho sedia a Conferência entre os dias 7 e 9 de

setembro. Outras informações no endereço: <http://www.eeg.uminho.pt/4ahic>

19ª Convenção dos Contabilistas do Estado de São Paulo (Convecon)Local: Santos, SPData: 7 a 9 de setembro

A convenção, que acontece a cada dois anos, é uma oportunidade para troca de

informações, atualização, reciclagem profissional e contato com palestrantes da área

contábil. Os participantes que se inscreverem até 31 de julho têm desconto de 20%.

Os três melhores trabalhos, cujas inscrições devem ser feitas até 15 de julho, ganharão

prêmios de R$ 1.000 a R$ 3.000, dependendo da categoria (estudante ou profissional).

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136 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

Juntamente com a Convecon, será realizada a tradicional Feira de Negócios. Informações

podem ser obtidas no site <www. convecon.com.br>.

X Conselho Nacional de Administração (Conad)Local: Goiânia, GOData: 8 a 10 de setembro

O encontro, que acontecerá no Centro de Convenções de Goiânia, terá como

objetivo principal o aperfeiçoamento profissional, o intercâmbio de experiências e a

comemoração dos 40 anos da profissão. Poderão participar administradores,

empresários, executivos, dirigentes públicos, professores, acadêmicos e demais

interessados. Mais informações podem ser obtidas pelo e-mail

<[email protected]>. O evento está sendo organizado pelos conselhos regionais

de administração de Goiás e de Tocantins, pelo Conselho Federal de Administração,

pelo Sindicato dos Administradores de Goiânia (Sinago) e pela Organização Latino-

americana de Administração (OLA).

XIV Convenção Estadual dos Contabilistas do ParanáLocal: Curitiba, PRData: 14 a 16 de setembro

“O contabilista em sintonia com a sociedade” será o tema da convenção, que

discutirá a importância da contabilidade no contexto atual, as mudanças, as

tendências, a evolução do conhecimento contábil e a influência do desenvolvimento

tecnológico na profissão. Entre os palestrantes confirmados estão Domingos Poubel

de Castro, Gilberto Luiz do Amaral e Antoninho Trevisan. Os interessados em

inscrever trabalhos têm até o dia 1º de agosto para fazê-lo. Serão concedidos prêmios

para os três melhores trabalhos, nos respectivos valores: R$ 1.000, R$ 750 e R$

500. A previsão da organização do evento é receber mil participantes. Informações

podem ser obtidas no site <www.crcpr.org.br/convencao>.

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137Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

III Simpósio de Gestão e Estratégia em Negócios (Simgen)Local: Seropédica, RJData: 14 a 16 de setembro

No congresso, os participantes terão acesso a novidades da área de técnicas de gestão

e desenvolvimento científico e acadêmico da Administração, buscando articular o ensino

e a pesquisa científica com a prática profissional. O simpósio é dedicado a pesquisadores,

docentes e acadêmicos da área de Administração e demais interessados. Tem preços

diferenciados para alunos de mestrado, de doutorado e de graduação. Informações

detalhadas podem ser encontradas em <www.ppgen.ufrrj.br/simgen>.

XXIX Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação emAdministração (Enanpad)Local: Brasília, DFData: 17 a 21 de setembro

No XXIX Enanpad serão apresentados trabalhos de dez áreas científicas:

Administração da Informação, Administração Pública e Gestão Social, Estratégia em

Organizações, Estudos Organizacionais, Finanças e Contabilidade, Gestão de Ciência,

Tecnologia e Inovação, Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, Gestão de

Operações e Logística, Marketing, Ensino e Pesquisa em Administração e

Contabilidade. O encontro, destinado a administradores, professores e estudantes,

será realizado no Blue Tree Alvorada, SHTN Trecho 01, Lote 1B, blocos A, B e C. Os

interessados podem obter informações pelo e-mail <[email protected]>.

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138 Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

11ª Convenção Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresasde Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Conescap)Local: Natal, RNData: 21 a 23 de setembro

O tema principal dessa convenção será: “Empresas e Serviços: Desafios e

Perspectivas”. O público estimado é de cerca de mil pessoas, entre profissionais do

meio contábil e empresas de assessoramento. Na convenção, promovida pela Federação

Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento,

Perícias, Informações e Pesquisas e pelo Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis

de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte,

proporcionará reciclagem profissional e oportunidades de negócios. Informações em

<www.conescap.com.br>.

OUTUBRO

Fórum Internacional de Administração (FIA)Local: Acapulco – MéxicoData: 12 a 15 de outubro

O FIA é bianual, de origem brasileira, e pela primeira vez acontecerá no México, na

cidade de Acapulco, a 40 minutos da cidade do México. O evento, promovido pelo

Conselho Federal de Administração, pela Organização Latina de Administração (OLA)

e pelo Conselho Regional de Administração do Rio Grande de Sul, é destinado a

profissionais de administração, que irão discutir temas atuais. A previsão da organização

é receber 500 participantes. Informações podem ser obtidas pelo e-mail

<[email protected]>.

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139Revista de Controle e Administração Vol. 1, nº1, junho 2005

26ª Conferência Interamericana de ContabilidadeLocal: Salvador, BAData: 23 a 26 de outubro

A conferência, organizada pela Associação Interamericana de Contabilidade (AIC)

será realizada no Centro de Convenções da Bahia. A intenção principal do encontro

será “Restaurar a confiança da profissão mediante a transformação de seus paradigmas

vitais”. Entre os assuntos a serem abordados estão: Investigação Contábil, Auditoria,

Setor Governamental, Administração e Finanças, Ética e Exercício Profissional, Integração

Econômica e Fiscal, Auditoria Interna, Pequenas e Médias Empresas, e Sistemas e

Tecnologia da Informação. Os interessados em participar devem se inscrever pelo site

<www.26cic.com.br>.

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