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revista de processo civil

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  • Revista Eletrnica de Direito Processual REDP. Volume XIV. Peridico da Ps-Graduao Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.

    Patrono: Jos Carlos Barbosa Moreira. www.redp.com.br ISSN 1982-7636

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    SUMRIO

    PARTE I: ARTIGOS

    GARANTISMO NO PROCESSO PENAL :BREVE E PARCIAL REFLEXO.

    Afranio Silva Jardim .......................................................................... 6

    A CONCESSO DE TUTELA INIBITRIA NA IMPROBIDADE

    ADMINISTRATIVA - A PROIBIO DE CONTRATAR COM O PODER

    PBLICO.

    Ana Paula Pina Gaio........................................................................... 11

    DA (IM)POSSIBILIDADE DO ADVOGADO REQUERER E FAZER PERGUNTAS

    A SEU REPRESENTADO NO DEPOIMENTO DA PARTE: COLOCAO DO

    PROBLEMA LUZ DA BUSCA PELA VERDADE E DE UM FORMALISMO-

    VALORATIVO.

    Ancelmo Csar de Oliveira.................................................................. 36

    TUTELA POSSESSRIA E A REMOO FORADA DE GRUPOS

    VULNERVEIS E FAMLIAS DE BAIXA RENDA.

    Antonio Rafael Marchezan Ferreira ................................................... 82

    CONSIDERAES SOBRE A LIQUIDAO DE SENTENA NO PROJETO DE

    NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL.

    Flvia Pereira Hill .............................................................................. 108

    NOTAS SOBRE A AVALIAO DA PROVA PERICIAL: RESGATANDO A

    CAUSALIDADE.

    Flvio Mirza ....................................................................................... 126

    O NOVO AMPARO MEXICANO E A PROTEO DOS DIREITOS: NEM TO

    NOVO, NEM TO PROTETOR?

    Francisca Pou Gimnez ..................................................................... 145

    CONDIES DA AO E O NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL: AVANOS

    E RETROCESSOS.

    Gabriela Pellegrina Alves

    Jlio Camargo de Azevedo ................................................................ 164

    CONSIDERAES SOBRE O INCIDENTE DE CONVERSO DA AO

    INDIVIDUAL EM AO COLETIVA NO PROJETO DO NOVO CPC.

    Humberto Dalla Bernardina de Pinho ............................................... 195

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    MEDIAO: UMA ALTERNATIVA RAZOVEL AO PROCESSO JUDICIAL?

    Jordi Nieva-Fenoll ............................................................................. 213

    TRS PASSOS PARA A POTENCIALIZAO DAS AES COLETIVAS, EM

    RESPOSTA AO DESAFIO DA NUMEROSIDADE.

    Jos Maria Tesheiner ........................................................................... 229

    VERBAS PREVIDENCIRIAS, ANTECIPAO DE TUTELA E

    REPETIBILIDADE.

    Jos Quirino Bisneto

    Marco Antonio dos Santos Rodrigues .................................................. 248

    O JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO NO NOVO CDIGO

    DE PROCESSO CIVIL. PRIMEIRAS IMPRESSES.

    Leonardo Faria Schenk ......................................................................... 263

    A TUTELA DA URGNCIA E A TUTELA DA EVIDNCIA NO CDIGO DE

    PROCESSO CIVIL DE 2014/2015.

    Leonardo Greco ..................................................................................... 296

    A EXPANSO DA JUSTIA NEGOCIADA E AS PERSPECTIVAS PARA O

    PROCESSO JUSTO: A PLEA BARGAINING NORTE-AMERICANA E SUAS

    TRADUES NO MBITO DA CIVIL LAW.

    Marcella Alves Mascarenhas Nardelli ................................................. 331

    EXECUO PROVISRIA DE TTULO EXTRAJUDICIAL E A SMULA 317

    DO STJ.

    Mrcia Michele Garcia Duarte ............................................................. 366

    ARBITRAGEM E A FAZENDA PBLICA.

    Marco Antonio dos Santos Rodrigues

    Pedro de Moraes Perri Alvarez ............................................................. 388

    A MEDIAO DE CONFLITOS TRABALHISTAS NO BRASIL E A MEDIAO

    JUDICIAL NO TRIBUNAL DO TRABALHO DO REINO UNIDO.

    Michele Pedrosa Paumgartten ............................................................... 411

    LE FUNZIONI DELLE CORTI SUPREME TRA UNIFORMIT E GIUSTIZIA.

    Michele Taruffo ....................................................................................... 438

    CONDIES DA AO, DIREITOS FUNDAMENTAIS E O CPC PROJETADO.

    Morgana Henicka Galio ......................................................................... 450

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    DA NATUREZA ALIMENTAR DOS HONORRIOS ADVOCATCIOS E DA

    IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIO DE SUA COMPENSAO

    OBRIGATRIA A FAVOR DE PARTES DIVERSAS.

    Nelson Luiz Pinto .................................................................................. 468

    OS DILOGOS ENTRE O CDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O

    PROJETO DO NOVO CDIGO DE PROCESSO CIVIL.

    Paulo Cezar Pinheiro Carneiro............................................................. 473

    BREVES NOTAS SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUO DE DEMANDAS

    REPETITIVAS.

    Paulo Cezar Pinheiro Carneiro............................................................ 485

    O PAPEL DA DEFENSORIA PBLICA NA CONCRETIZAO DO ACESSO

    JUSTIA: SUPERANDO ANTIGOS DOGMAS DO INDIVIDUALISMO.

    Paulo Henrique Veloso da Conceio ................................................. 489

    A SENTENA INCONSTITUCIONAL E A IMPUGNAO DO EXECUTADO.

    Pedro Gomes de Queiroz ..................................................................... 519

    MEDIDAS CAUTELARES, ANTECIPATRIAS E DE URGNCIA NO

    PROCESSO DE AMPARO.

    Roberto Omar Berizonce ...................................................................... 579

    LA GIUSTIZIA CIVILE E I SUOI PARADOSSI.

    Sergio Chiarloni ................................................................................... 603

    PARTE II: RESENHA

    RESENHA DO LIVRO CONTRADITRIO E EXECUO, DE GUILHERME

    LUIS QUARESMA BATISTA SANTOS.

    por Flvia Pereira Hill ......................................................................... 691

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    PARTE I: ARTIGOS

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    GARANTISMO NO PROCESSO PENAL :BREVE E PARCIAL REFLEXO.

    Afranio Silva Jardim

    Professor Associado de Direito Processual Penal da

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre e Livre

    Docente em Direito Processual. Procurador de Justia

    (aposentado) no E.R.J.

    No vamos aqui questionar os fundamentos do chamado "garantismo

    penal", inspirado na obra de Luigi Ferrajoli. De qualquer forma, cabe salientar que

    a corrente de pensamento que, no Brasil, estuda o processo penal, trabalha

    doutrinariamente com apenas um dos aspectos do pensamento do mestre italiano.

    Embora seja o mais relevante, Ferrajoli no se preocupa somente com os direitos

    fundamentais individuais. Ele no se descura da proteo dos direitos e interesses

    sociais.

    Assim, nosso escopo demonstrar que esta forma de pensar no se

    acomoda em uma perspectiva de "esquerda", mas sim, leva a uma concepo liberal

    individualista de conceber a estrutura e desenvolvimento do processo penal em

    nossa ptria.

    A maioria dos chamados "garantistas" tem uma viso burguesa de

    Estado Democrtico de Direito, que mais serve ao neoliberalismo, o qual pressupe

    um "Estado Mnimo", inclusive e principalmente na economia, onde o "Mercado"

    deve regular tudo ... Estes autores do aos chamados direitos fundamentais

    individuais importncia quase que exclusiva, desprezando os direitos fundamentais

    sociais.

    Ao ler muitos destes autores, recordo-me da campanha empresarial,

    veiculada pela mdia, (grandes empresas tambm), contra a carga tributria no

    Brasil. Procuram demonstrar que o Estado o "inimigo" de todos e ele no deve

    gastar seus ativos e atuar na economia para que no necessite angariar recursos

    atravs dos tributos. Ao invs do "Direito Penal do Inimigo" do professor alemo

    Gnter Jakobs, temos o "Processo Penal do Estado Inimigo"...

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    Se bem prestarmos ateno, vamos ver que tudo isto est contaminado

    pelo chamado neoliberalismo, inclusive o pensamento jurdico em geral no Brasil.

    No por outra razo que constantemente so invocados renomados filsofos da

    Amrica do Norte e outros de matizes indiscutivelmente individualista.

    No processo penal ptrio, j se encontra alguma influncia do sistema

    processual penal dos Estados Unidos, falando-se de um processo "adversarial", o

    que leva ao que chamamos de "fundamentalismo do sistema acusatrio". O

    processo concebido como "coisa das partes", que nos faz lembrar a estrutura do

    processo penal ateniense, da Grcia antiga. O juiz penal absolutamente inerte,

    como se o Estado no tivesse interesse de buscar um resultado correto, nada

    obstante a deficincia da atividade de uma das partes. Aposta-se na dvida e

    incerteza, torcendo-se para que o princpio da presuno de inocncia no seja

    afastado.

    Esta corrente de pensamento combate a Teoria Geral do Processo e o

    carter instrumental do processo penal. Ora a Teoria Geral do Processo negada,

    ora apenas dizem no gostar dela ... Fala-se de uma teoria geral especfica para o

    processo penal, mas no conseguem se afastar das categorias comuns s vrias

    espcies do Direito Processual. Por vezes, trocam os nomes das categorias

    processuais, procurando despistar os menos avisados ...

    Destarte, podemos afirmar que processo o substantivo. Penal, Civil e

    Trabalhista so adjetivos. Gnero e espcies. Caso contrrio, caberia uma pergunta:

    seria correto colocar o Direito Processual Penal como espcie do Direito Penal?

    Retirar a teoria geral do processo penal seria um retorno ao mero

    procedimentalismo reinante em meados do sculo passado no Brasil.

    Esta mesma corrente de pensamento costuma atribuir formao

    autoritria de nossa sociedade o papel mais atuante do juiz em nosso processo

    penal. Que dizer ento dos pases da Europa Continental e da Amrica Latina que

    adotam o sistema misto do chamado "juizado de instruo", ainda que mitigado

    pelas recentes reformas legislativas?

    Assim, tendo em vista a estrutura mista do processo penal em vrios

    pases, precisamos ter mais cautela no chamado Direito Comparado e no importar

    automaticamente a doutrina estrangeira relativa ao processo penal. Talvez j

    tenhamos alcanado o que eles ainda estejam buscando...

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    Para alguns adeptos desta forma de garantismo, o artigo 28 do nosso

    Cod.Proc.Penal, que outorga ao juiz o controle do princpio da obrigatoriedade da

    ao penal pblica, seria fruto do autoritarismo de nossa sociedade. Da mesma

    forma o art.156 do mesmo cdigo seria autoritrio, pois d ao juiz algum poder

    investigatrio, embora supletivamente atividade probatria das partes ...

    Esquecem eles que o in dubio pro reo um princpio que visa socorrer o juiz no

    caso de dvida inafastvel, quando esgotados todos os meios probatrios

    disponveis. Na ao penal condenatria, o nus da prova todo da acusao, como

    de h muito sustentamos em trabalho especfico. Entretanto, tal regra de julgamento

    s deve ser usada quando exauridos todos os meios de prova e o juiz persistir em

    dvida.

    Muitos destes importantes e renomados autores atacam o

    impropriamente chamado "princpio da verdade real". Cabe aqui um reparo, ainda

    que breve. Ns no temos a ingenuidade de achar que, atravs do processo penal,

    consegue-se alcanar a verdade plena ou absoluta dos fatos. Tal princpio o da

    "busca" da verdade real, dando algum poder instrutrio ao juiz, embora, repita-se,

    supletivo atividade probatria das partes. Para evitar este mal entendido,

    sugerimos mudar o nome do princpio para "princpio da busca do convencimento

    do juiz". Vale dizer, havendo possibilidade, o magistrado deve tentar afastar a

    dvida e formar o seu convencimento para fazer o seu julgamento. Agora, se ele

    alcanou realmente a verdade dos fatos, isto coisa que jamais saber ...

    Tais doutrinadores sustentam ainda, dentre outras questes, que a

    possibilidade de o juiz condenar o ru, diante do opinamento pelo Ministrio

    Pblico em prol da absolvio do ru, em suas alegaes finais, macula diretamente

    o sistema acusatrio e resulta tambm da formao autoritria de nossa sociedade,

    (art.385 do Cod.Proc.Penal). Aqui cabe mais uma crtica, embora no seja nossa

    inteno analisar todas as afirmaes desta corrente garantista (alis, o garantismo

    est mais parecendo uma "religio" do que outra coisa ...). Vamos a ela.

    Na verdade, o mencionado art.385 do Cod. Proc.Penal no poderia

    dispor de forma diferente e resultante do princpio da indisponibilidade da ao

    penal pblica (art.42 do Cod.Proc.Penal). O pedido de condenao no retirado,

    sendo que, nas alegaes finais, apenas se d um "parecer" sobre a pretenso

    punitiva estatal, que est manifestada na denncia e nela permanece. De qualquer

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    forma, o legislador no tem sada: a) ou obrigaria o Ministrio Pblico a insistir

    sempre e sempre na condenao do ru, o que seria um absurdo; b) ou obrigaria o

    juiz a absolver o ru e, neste caso, a deciso seria do prprio Ministrio Pblico,

    que mandaria o juiz prolatar uma deciso meramente formal de absolvio, o que

    seria um despautrio...

    Acabamos fugindo um pouco da finalidade destas breves e singelas

    notas. Como dissemos acima, desejamos afirmar que esta corrente de pensamento

    garantista do processo penal no se compatibiliza com o pensamento de esquerda,

    cabendo aqui rejeitar o rtulo de "esquerda punitiva", cunhado pela amiga Maria

    Lcia Karam.

    Para ns, que usamos as categorias marxistas para examinar todos os

    fenmenos sociais, o Estado indispensvel para atuar na sociedade e mitigar as

    diferenas entre as classes sociais, isto em um primeiro momento. Sendo

    democrtico (aqui democracia no tem o sentido burgus de mera liberdade

    individual), o Estado utiliza o Direito como seu instrumento de transformao desta

    sociedade.

    Portanto, dentro desta perspectiva, o Estado, o Direito e o juiz no so

    "neutros", mas existem para buscar o bem comum. Em um processo penal

    socialista, no cabe falar em absoluta "paridade de armas", pois o que se almeja

    fazer atuar os interesses da coletividade, lgico que respeitando os direitos

    individuais do ru e outros valores da sociedade. Basta examinar a maneira da

    organizao judiciria e sua estrutura nos pases que tentaram ou tentam instaurar

    um regime socialista, que se espera democrtico (no no sentido burgus da

    palavra). Muitas das vezes, alguns tipos de crimes so tidos como condutas

    contrarevolucionrias e o sistema penal severo em relao a eles.

    Enfim, o que queremos asseverar que pouco tem a ver a "corrente

    garantista" ptria com o pensamento de esquerda. Este "alibi , lhe quero retirar.

    Note-se que tais fundamentos garantistas podem at ser corretos. O

    "pensamento de esquerda" pode at estar ultrapassado. Cada um que faa a sua

    opo. Nada obstante, no podemos confundir os conceitos: liberal liberal;

    socialista socialista.

    Por derradeiro, vale salientar, com o grande pensador brasileiro que foi

    Caio Prado Junior: no mais das vezes, no o Estado que limita a liberdade das

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    pessoas em sociedade. O que retira a liberdade das pessoas, em concreto, a

    subordinao de umas pessoas s outras, decorrente da diviso da sociedade em

    classes. Em outras palavras, atravs de um contrato de trabalho, eu mando na minha

    empregada domstica; a mim ela fica subordinada. Ela tem a liberdade burguesa

    para falar mal de governo o quanto deseje, mas no tem a liberdade de me

    contrariar...

    Em resumo, o Estado democrtico e popular no o nosso inimigo; o

    processo penal um instrumento necessrio aplicao da Direito Penal (que se

    deseja democrtico). A toda evidncia, a aplicao do Direito Material deve tutelar

    valores outros diversos, frutos do processo civilizatrio. No valioso punir a

    qualquer preo. Por outro lado, a falta de eficcia do processo penal e a ineficincia

    das instituies do Estado de Direito s levam desmoralizao da democracia.

    Junho de 2014

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    A CONCESSO DE TUTELA INIBITRIA NA IMPROBIDADE

    ADMINISTRATIVA - A PROIBIO DE CONTRATAR COM O PODER

    PBLICO

    GRANTING OF A PROHIBITIVE INJUNCTION FOR ADMINISTRATIVE

    MISCONDUCT - PROHIBITION ON CONTRACTING WITH THE

    GOVERNMENT.

    Ana Paula Pina Gaio.

    Especializao em direito pblico com enfase em direito

    administrativo pela UFPR; Especializao em direito penal

    pela UNICURITIBA; Mestre em direito pela PUC/PR.

    Promotora de Justia no Estado do Paran.

    Resumo: O artigo realiza um estudo das cautelares tpicas e atpicas, bem como das

    antecipaes de tutela nas aes de improbidade administrativa, com o objetivo de

    demonstrar a possibilidade, na forma do artigo 461 do Cdigo de Processo Civil, desde que

    atendidos os requisitos legais exigidos, da concesso liminar de tutela inibitria consistente

    na proibio ao autor do ato improbo de contratar com o Poder Pblico, infirmando

    eventual interpretao que a entenda como inadmissvel com o fundamento que significaria

    uma antecipao das sanes descritas no artigo 12 da lei n. 8.429/92.

    Palavras-chave: Improbidade Administrativa Medidas Cautelares - Tutela Inibitria

    Antecipao de Tutela Proibio de Contratar com o Poder Pblico.

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    Abstract: This article presents a study of typical and atypical precautionary measures and

    legal protection from actions of administrative misconduct, with the aim of demonstrating

    the potential, in accordance with article 461 of the Code of Civil Procedure, that meets the

    legal requirements, granting the prohibitive injunction consistent in prohibiting the

    perpetrator of the unlawful act from contracting with the Government, invalidating any

    interpretation that is understood as inadmissible on the grounds that it would mean an

    anticipation of the sanctions described in Article 12 of Law no. 8.429/92.

    Key words: Administrative Misconduct - Precautionary Measures - Prohibitive Injunction

    - Legal Protection - Prohibition on Contracting with the Government.

    1. Introduo

    A lei n. 8.429/92 prev expressamente somente as medidas cautelares de

    afastamento do agente mprobo da funo pblica, a indisponibilidade de bens e o

    sequestro, sendo que no disciplina a concesso da tutela antecipada, bem como a

    concesso das cautelares inominadas, razo pela qual, mediante aplicao subsidiria,

    aplicam-se o artigo 273 e o artigo 461 do Cdigo de Processo Civil.

    No presente artigo, inicialmente, analisam-se as tutelas de urgncia no mbito da

    improbidade administrativa, buscando-se diferenciar, sob o ponto de vista conceitual e dos

    efeitos concretos produzidos, as cautelares das tutelas antecipadas.

    Em seguida, procede-se ao estudo da tutela inibitria, com enfoque nos requisitos

    para a sua concesso e na sua disciplina pelo artigo 461 do Cdigo de Processo Civil.

    Em continuao, pretende-se abordar a sano de proibio de contratar com o

    Poder Pblico, disciplinada no artigo 12 da lei de improbidade administrativa,

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    demonstrando que esta no exclusivamente uma sano prtica de atos de improbidade,

    sendo possvel a sua determinao como tutela inibitria.

    Por fim, pretende-se demonstrar a aplicabilidade da tutela inibitria para a defesa

    do patrimnio pblico e da moralidade administrativa, especificamente a concesso de

    tutela inibitria consistente na proibio temporria de contratar com o poder pblico na

    ao de improbidade administrativa, com o intento exclusivo de evitar a repetio da

    prtica de ato de improbidade administrativa, considerado ilcito por ser contrrio ao

    direito, j que a inibitria prescinde da demonstrao de dano ao errio e, para a sua

    concesso, basta a demonstrao da probabilidade de repetio do ato improbo.

    2. As Tutelas de Urgncia na Defesa do Patrimnio Pblico e da Moralidade

    Administrativa

    No se pode afirmar a efetividade da proteo judicial ao patrimnio

    pblico e moralidade administrativa, sem que haja a possibilidade da concesso de tutelas

    de urgncia nas aes civis por ato de improbidade administrativa, pois inconteste que a

    usual demora no processo cognitivo acarreta prejuzo a ambos os direitos fundamentais.

    A tutela de urgncia nas aes civis de improbidade administrativa dever

    ser adotada quando haja risco efetividade do processo, que consiste nas cautelares

    propriamente ditas, quando haja a necessidade de antecipao da tutela jurisdicional final,

    no todo ou em parte, como tambm quando for necessria para prevenir a prtica de um ato

    ilcito.

    A lei n. 8.429/92 prev expressamente as seguintes medidas cautelares: a) a

    indisponibilidade de bens do mprobo quando houver dano ao patrimnio pblico ou

    enriquecimento ilcito (artigo 7); b) o sequestro de bens do agente ou terceiro que tenha

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    enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimnio pblico, desde que haja fundados

    indcios (artigo 16); e c) o afastamento do agente pblico do exerccio do cargo, emprego

    ou funo, sem prejuzo da remunerao, quando a medida se fizer necessria instruo

    processual. (artigo 20, pargrafo nico).

    Admite-se a concesso de outras medidas cautelares nas aes civis pblicas

    pela prtica de ato de improbidade administrativa, alm daquelas expressamente previstas

    na legislao referida, desde que demonstrados os requisitos da plausibilidade do direito

    invocado e a probabilidade da ocorrncia de um dano potencial.

    Desta feita, no h impedimentos para a concesso das medidas cautelares

    previstas em outros diplomas legislativos ou inominadas em sede de ao civil decorrente

    da prtica de ato de improbidade administrativa, desde que sejam instrumentais ao

    processo, como por exemplo, a quebra de sigilo bancrio dos mprobos, o arresto e outras.

    De qualquer forma, a cautelar sempre instrumental do processo no qual

    requerida e, assim, tem a funo de garantir a sua efetividade, razo pela qual se pode

    afirmar que, se a medida liminar pleiteada em Juzo no for instrumental ao processo, no

    uma tpica cautelar, e sim consiste na antecipao da tutela jurisdicional que se pleiteia

    ao final da ao.

    A antecipao da tutela jurisdicional regida pelo artigo 273 do Cdigo de

    Processo Civil sendo admitida quando presentes a verossimilhana da alegao e fundado

    receio de dano irreparvel ou de difcil reparao e/ou que reste demonstrado o abuso de

    direito de defesa ou o manifesto propsito protelatrio do ru.

    H diversos autores que admitem a concesso da tutela antecipada na ao

    civil pela prtica de ato de improbidade administrativa, tais como: Emerson Garcia e

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    Rogrio Pacheco Alves1, Jos Antonio Lisboa Neiva2, Pedro Roberto Decomain3, Waldo

    Fazzio Junior4 e Wallace Paiva Martins5.

    Emerson Garcia restringe o cabimento da antecipao de tutela s hipteses

    em que os seus efeitos sejam desconstitutivos ou mandamentais, j que as sanes

    previstas no artigo 12 da lei n. 8.429/92, cuja aplicao se pretende ao final da ao, no

    poderiam incidir anteriormente sentena final.6

    Explica-se, h a possibilidade da concesso de tutela antecipada nas aes

    de improbidade administrativa para desconstituir uma relao obrigacional ou outra

    espcie de ato jurdico que esteja direta, ou indiretamente, relacionado ao ato mprobo

    praticado, especialmente aos prejuzos por ele causados. A par dessas hipteses, tambm se

    admite a concesso da tutela antecipada para impor aos mprobos uma obrigao de fazer

    ou de no fazer para cessar a prtica dos atos de improbidade, bem como salvaguardar a

    eficcia das sanes que sero aplicadas ao final da ao.

    O referido doutrinador aponta exemplos de tutelas antecipadas em atos de

    improbidade administrativa que possuem o carter desconstitutivo ou mandamental:

    A tais exemplos poderamos agregar vrios outros, relacionados a pretenses

    constitutivas negativas: suspenso de execuo de obra ou servio pblico

    lesivos; suspenso de privatizao contrria ao interesse pblico; suspenso

    de ordem de pagamento quando as despesas no forem autorizadas por lei

    (art.10, IX, da lei n. 8.429/92 c.c. Lei Complementar n. 101/00) etc. No que

    1 GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

    2 NEIVA, Jos Antonio Lisboa Neiva. Improbidade Administrativa Legislao Comentada artigo por

    artigo. 4 Edio. Niteri: Rio de Janeiro, 2013.

    3 DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. 2 Edio. So Paulo: Dialtica, 2014.

    4 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa. So Paulo: Atlas, 2012.

    5 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4 Edio. So Paulo: 2009.

    6 GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 954.

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    respeita a pretenses mandamentais, poderamos formular os seguintes

    exemplos: ordem de imediata aplicao dos valores correspondentes s verbas

    mnimas em educao, desde que oramentariamente previstos; determinao

    de publicao de atos oficiais (art. 11. IV da lei n. 8.429/92) ou de prestao

    de contas (art. 11, VI) etc.7

    Contudo, h que se ter em mente que, embora a doutrina em comento

    admita a tutela antecipada em sede de ao civil de improbidade administrativa to

    somente quando a medida concedida possua natureza jurdica mandatria ou constitutiva

    negativa, destas tambm podero decorrer efeitos sancionatrios indiretos, o que no

    significa que se pretende antecipar as sanes cominadas aos atos de improbidade

    administrativa.

    De fato, no se deve olvidar a complexidade da delimitao da extenso

    sancionatria de uma srie de medidas judiciais, ainda que possuam, num primeiro plano,

    natureza jurdica mandamental ou desconstitutiva e, assim, equivocada seria uma

    interpretao que exclusse a possibilidade da concesso da tutela antecipada com

    consequncias sancionatrias ao mprobo.

    Exemplifica-se: uma ao civil por ato de improbidade administrativa

    ajuizada em razo de fraude em concurso pblico, na qual se pretende a concesso de

    tutela antecipada de suspenso do concurso fraudulento e, ao final, a confirmao da

    nulidade do concurso e a condenao dos sujeitos ativos do ato nas sanes previstas no

    artigo 12 da lei n. 8.429/92. A suspenso do concurso pleiteada em sede de tutela

    antecipatria possui carter mandamental, entretanto, tambm projeta efeitos

    sancionatrios, j que impede que os aprovados tenham ou no agido com m-f - sejam

    nomeados para o exerccio de cargo pblico, como tambm impede que a administrao

    7 GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 954.

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    pblica preencha o seu quadro funcional, o que pode interferir na prestao do servio

    pblico.

    Nesse mesmo diapaso, na maioria das aes de improbidade administrativa

    em que a causa de pedir tambm se apoia na nulidade do contrato ou do procedimento

    licitatrio, em virtude da utilizao de expedientes fraudulentos pelos mprobos, as

    antecipaes de tutela consistente em suspenses de pagamentos e de execues

    contratuais acabam tendo cunho tambm sancionatrio, j que projetam efeitos

    patrimoniais indiretos.

    Partindo-se do raciocnio at ento exposto, pode-se concluir que a medida

    judicial concedida em sede de tutela antecipada pode ter efeitos sancionatrios, ainda que o

    seu contedo seja primordialmente mandamental ou desconstitutivo.

    A partir dessa assertiva, poder-se-ia concluir que a vedao da antecipao

    da tutela nas aes de improbidade administrativa restringe-se formalmente s sanes

    expressamente elencadas no artigo 12 da LIA, e no ao contedo material sancionatrio da

    tutela ento concedida.

    Consoante se analisar no decorrer desse trabalho, a concesso de liminar

    consistente em proibio de contratar com o Poder Pblico nas aes de improbidade

    administrativa no se trata de antecipao de tutela das sanes previstas no artigo 12 da

    lei n. 8.429/92.

    Entretanto, entendo que no guarda correlao lgica com a legislao em

    apreo admitir a concesso de liminares que tambm possuem efeitos sancionatrios e

    vedar a concesso daquelas que esto descritas expressamente como sanes na lei da

    improbidade administrativa.

    As sanes previstas no artigo 12 da LIA no so exclusivas aos atos de

    improbidade administrativa, sendo previstas em outras legislaes, como a lei de ao

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    popular 8 e a lei anticorrupo9, sem olvidar que as sanes previstas no dispositivo legal

    em comento no so cumulativas, o que significa que nem sempre todas sero aplicadas.

    Waldo Fazzio Jnior advoga pela possibilidade de concesso da tutela

    antecipada nas aes de improbidade administrativa na parte referente aplicao das

    sanes, embora reconhea que a sua incidncia rarssima, citando como exemplo o

    pedido de ressarcimento de danos materiais.10

    Francisco Glauber Pessoa Alves entende que as sanes cominadas ao ato

    de improbidade administrativa podero ser antecipadas, com exceo daquelas

    expressamente referidas no artigo 20 da LIA:

    8 Lei n. 4.717/65: Art. 11. A sentena que, julgando procedente a ao popular, decretar a invalidade do ato

    impugnado, condenar ao pagamento de perdas e danos os responsveis pela sua prtica e os beneficirios

    dele, ressalvada a ao regressiva contra os funcionrios causadores de dano, quando incorrerem em culpa.

    9 Lei n. 12.486/2013: Art. 6o - Na esfera administrativa, sero aplicadas s pessoas jurdicas consideradas

    responsveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanes:

    I - multa, no valor de 0,1% (um dcimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do ltimo

    exerccio anterior ao da instaurao do processo administrativo, excludos os tributos, a qual nunca ser

    inferior vantagem auferida, quando for possvel sua estimao;

    ()

    3o - A aplicao das sanes previstas neste artigo no exclui, em qualquer hiptese, a obrigao da

    reparao integral do dano causado.

    Art. 19. Em razo da prtica de atos previstos no art. 5o desta Lei, a Unio, os Estados, o Distrito Federal e

    os Municpios, por meio das respectivas Advocacias Pblicas ou rgos de representao judicial, ou

    equivalentes, e o Ministrio Pblico, podero ajuizar ao com vistas aplicao das seguintes sanes s

    pessoas jurdicas infratoras:

    I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente

    obtidos da infrao, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-f;

    II - suspenso ou interdio parcial de suas atividades;

    III - dissoluo compulsria da pessoa jurdica;

    IV - proibio de receber incentivos, subsdios, subvenes, doaes ou emprstimos de rgos ou entidades

    pblicas e de instituies financeiras pblicas ou controladas pelo poder pblico, pelo prazo mnimo de 1

    (um) e mximo de 5 (cinco) anos.

    10 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa. So Paulo: Atlas, 2012. p. 358

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    J no mbito da antecipao da tutela, prima facie, todas as sanes impostas

    poderiam ver-se antecipadas, total ou parcialmente (isso com muito mais

    razo), com a nica exceo da perda do cargo ou funo pblica e da

    suspenso de direitos polticos, para quem se exige o trnsito em julgado (art.

    20, caput, da LIA). A antecipao parcial mostra-se, ademais, extremamente

    mais eficiente, quando presentes os requisitos especficos, seja sob o ponto de

    vista da pronta resposta do Judicirio, atuando como fator de transformao

    social, seja tambm sob o aspecto da tempestividade da tutela jurisdicional.11

    3. A tutela inibitria na ao de improbidade administrativa

    Anteriormente ao advento do artigo 461 e do artigo 273 do Cdigo de

    Processo Civil, a ideia de processo de conhecimento clssico era dissociada da tutela

    preventiva de direitos, j que adstrita a sentenas de cunho declaratrio, condenatrio ou

    constitutivo, razo pela qual as cautelares eram utilizadas para a obteno de tutelas

    preventivas, em regra, satisfativas e que no impunham o ajuizamento de uma ao

    principal.

    Diante do disposto no artigo 461 do Cdigo de Processo Civil, pode-se

    afirmar a existncia de um processo de conhecimento com tutela antecipatria e sentena

    de contedo inibitrio da prtica de um ato ilcito.

    A configurao do ato ilcito prescinde da ocorrncia de um dano, sendo

    suficiente a mera prtica de um ato contrrio ao direito, o qual pode ou no ter como

    11 ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Tutelas Sumrias e Afastamento dos Agentes Pblicos na Lei n.

    8.429/92. Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8.429/92. (Cordenadores) Paulo

    Henrique dos Santos Lucon, Eduardo Jos da Fonseca Costa, Guilherme Recena Costa. Sao Paulo: Atlas,

    2013. p. 222.

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    consequncia um resultado danoso. A importncia da dissociao do dano da configurao

    de um ato ilcito sintetizada por Luiz Guilherme Marinoni no seguinte trecho:

    importante perceber que o Estado, na sociedade contempornea, tem a

    obrigao de garantir determinados bens e direitos, imprescindveis para a

    adequada vida social, e para tanto utiliza-se de normas protetoras, ou seja, de

    normas que objetivam evitar que tais bens ou direitos possam ser violados. De

    modo que deve haver disposio do cidado, ou de um entre que o faa valer

    em Juzo, um instrumento processual civil capaz de impedir a simples violao

    do direito, sem se importar com o dano. Para melhor explicar, preciso deixar

    claro que, na sociedade contempornea, o ato que contrrio ao direito, mas

    no produz dano, no pode fugir do campo de aplicao do processo civil,

    pretendendo-se refugiar na seara exclusiva do processo penal. Note-se que esta

    nova concepo de processo civil toma como necessria a distino entre o ato

    contrrio ao direito e dano, uma vez que antigamente o processo civil

    preocupava-se apenas em evitar ou reparar o ilcito danoso, mas no em evitar

    ou reprimir a simples conduta contrria ao direito12.

    A ao inibitria tem como finalidade impedir a prtica de um ato ilcito, a sua

    continuidade ou a sua repetio. Depreendem-se trs situaes fticas distintas: o ato ilcito

    ainda no foi praticado e, atravs da ao inibitria, pretende-se impedir a sua prtica; o

    ato ilcito j foi praticado e se pretende impedir a sua continuidade; ou, por fim, o ato

    ilcito j foi praticado e j produziu seus efeitos, sendo que se pleiteia a tutela jurisdicional

    para evitar a sua repetio.

    12 MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipao da Tutela. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p.

    73.

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    Verifica-se, assim, que a ao inibitria no tem o dano como um dos seus

    pressupostos, sendo necessria concesso da tutela a demonstrao do perigo da prtica

    de um ato contrrio ao direito, de sua continuidade ou de sua repetio.

    No importa procedncia da ao inibitria a demonstrao de qualquer

    elemento subjetivo dolo ou culpa na prtica do ato contrrio ao direito, at mesmo

    porque sendo uma tutela voltada para o futuro, no h como se avaliar objetivamente de

    forma prvia o dolo ou a culpa de uma conduta futura.

    Portanto, para a procedncia da ao inibitria necessrio apenas

    demonstrar a probabilidade de repetio ou continuao de um ilcito j praticado, ou a

    probabilidade da prtica de um ato ilcito quando ainda no houver sido praticado.

    A tutela inibitria guarda consonncia com a defesa do patrimnio pblico e

    da moralidade administrativa, sendo possvel a sua utilizao para prevenir a prtica de

    atos ilcitos contra estes direitos fundamentais.

    Partindo-se das premissas que o ato de improbidade administrativa um ato

    ilcito, j que contrrio ao direito, e demonstrada a probabilidade de sua continuidade ou de

    sua repetio, conclui-se como, no somente possvel, mas imperiosa a concesso de uma

    tutela inibitria que previna a sua ocorrncia e garanta a efetividade dos direitos

    fundamentais em questo.

    A tutela inibitria tem justamente a finalidade de prevenir a prtica de um

    ato contrrio ao direito e o pressuposto para a sua concesso to somente a probabilidade

    de que este venha a ser praticado, continuado ou repetido.

    Trata-se, na verdade, de uma ao de conhecimento autnoma, mas cuja

    tutela que se pretende de cunho inibitrio, e no condenatrio como na ao civil de

    improbidade administrativa, sendo o seu pedido a concesso da tutela jurisdicional

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    necessria e suficiente, na forma do artigo 461 do Cdigo de Processo Civil, para evitar a

    prtica do ato de improbidade administrativa.

    Na linha da doutrina de Fernando Rodrigues Martins acerca da concesso

    das tutelas de urgncia nas aes civis de improbidade administrativa, importa

    especialmente a ideia de preveno do ilcito atravs da concesso de uma tutela inibitria,

    sendo que a Constituio Federal, no artigo 5, inciso XXXV, quando determina que a lei

    no excluir da apreciao do Poder Judicirio a ameaa de leso a direito, sedimenta a

    hiptese de tutela inibitria para a defesa e proteo do patrimnio pblico e da moralidade

    administrativa, cuja base legal consiste no artigo 461 do Cdigo de Processo Civil.13

    Afigura-se improvvel, contudo, que esta ao inibitria tenha curso

    independente ao da ao civil de improbidade administrativa, pois haver continncia entre

    elas, sendo admissvel a cumulao das aes e, at mesmo, a concesso antecipada da

    tutela inibitria consistente na adoo das medidas suficientes para impedir a prtica de um

    novo ato de improbidade administrativa.

    de bom alvitre que todos os atos de improbidade administrativa tipificados

    nos artigos 9, 10 e 11 da LIA podero ser objeto da ao inibitria que vise prevenir a sua

    prtica, j que o ato ilcito pressuposto desta tutela to somente aquele contrrio ao

    direito, prescindindo da ocorrncia de dano, inclusive, nestas espcies de ao, do dano ao

    errio.

    4. A Proibio de Contratar com o Poder Pblico

    13 MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimnio Pblico. Comentrios Lei de Improbidade

    Administrativa. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 370.

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    A lei n. 8.429/92 elenca como uma de suas sanes a aplicao ao agente

    mprobo da proibio de contratar com o Poder Pblico ou receber benefcios ou

    incentivos fiscais ou creditcios, direta ou indiretamente, ainda que por intermdio de

    pessoa jurdica da qual seja scio majoritrio.

    A sano de proibio de contratar com o Poder Pblico tem carter

    temporrio, sendo de 10, 05 ou 03 anos (incisos I, II e III do artigo 12 da lei n. 8.429/92),

    dependendo da espcie de ato de improbidade administrativa (artigos 9, 10 e 11 da lei n.

    8.429/92), contudo, possui a caracterstica de generalidade j que engloba toda a

    administrao pblica, direta ou indireta, e todos os nveis de governo, federal, estadual e

    municipal.

    A proibio de contratar com o Poder Pblico no prevista somente como

    uma sano tpica aos atos de improbidade administrativa na lei n. 8.429/92, tendo assento

    tambm na lei n. 8.666/93 como sanes administrativas a serem aplicadas pela prpria

    Administrao Pblica nas hipteses de inexecuo contratual total ou parcial, da prtica

    de atos ilcitos com a finalidade de frustrar os objetivos de licitao, da existncia de

    condenao pela prtica de fraude fiscal no recolhimento de tributos, e da prtica de atos

    ilcitos que denotem a ausncia de idoneidade do contratado. 14

    14 Art. 87. Pela inexecuo total ou parcial do contrato a Administrao poder, garantida a prvia defesa,

    aplicar ao contratado as seguintes sanes:

    (...)

    III - suspenso temporria de participao em licitao e impedimento de contratar com a Administrao, por

    prazo no superior a 2 (dois) anos;

    IV - declarao de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administrao Pblica enquanto perdurarem

    os motivos determinantes da punio ou at que seja promovida a reabilitao perante a prpria autoridade

    que aplicou a penalidade, que ser concedida sempre que o contratado ressarcir a Administrao pelos

    prejuzos resultantes e aps decorrido o prazo da sano aplicada com base no inciso anterior.

    Art. 88. As sanes previstas nos incisos III e IV do artigo anterior podero tambm ser aplicadas s

    empresas ou aos profissionais que, em razo dos contratos regidos por esta lei:

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    Logicamente que a proibio de contratar com o Poder Pblico, em cada

    uma das legislaes referidas, possui graduaes e alcances distintos, mas seu mote sempre

    a correo de um desvio tico de conduta do mprobo no trato com a coisa pblica.

    A sano de proibio de contratar com o poder pblico aplicada em razo

    da prtica do ato de improbidade administrativa, embora prevista nos trs incisos do artigo

    12 da LIA, ou seja, tanto aos atos de improbidade administrativa que importam em

    enriquecimento ilcito, como queles que causam dano ao errio e queles que afrontam

    aos princpios da administrao pblica, no tm incidncia obrigatria, sendo que nem

    sempre o Juiz a aplicar.

    De fato, as sanes previstas no artigo 12 da lei n. 8.429/92 no so

    cumulativas, sendo que nem sempre todas que esto descritas nos seus incisos sero

    aplicadas ao mprobo pelo julgador, o qual, atento ao princpio da proporcionalidade e da

    razoabilidade, cominar quais as sanes, e com qual graduao, incidiro no caso em

    concreto.

    Veja-se a doutrina de Srgio Turra Sobrane:

    No h dvida de que o magistrado, ao aplicar as sanes ao ato de

    improbidade, deve perseguir a indispensvel reprovao da conduta praticada,

    cabendo-lhe impor as sanes previstas na lei que se mostrem adequadas e

    razoavelmente necessrias para tal desiderato, o que significa que deve,

    invariavelmente, impor todas as sanes cominadas. Adotar a

    proporcionalidade para imposio das sanes leva, inexoravelmente,

    I - tenham sofrido condenao definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de

    quaisquer tributos;

    II - tenham praticado atos ilcitos visando a frustrar os objetivos da licitao;

    III - demonstrem no possuir idoneidade para contratar com a Administrao em virtude de atos ilcitos

    praticados.

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    necessidade de se inferir quais seriam as sanes prprias represso do ato de

    improbidade administrativa e que poderiam ser aplicadas pelo juiz para atender

    ao fim legal15.

    A proibio de contratar com o Poder Pblico consiste em sano

    administrativa e sano por ato de improbidade administrativa prevista expressamente em

    lei, o que no impede que seja aplicada como tutela inibitria para evitar a prtica de um

    ato contrrio ao direito, j que o julgador deve adotar as medidas que forem necessrias

    para garantir a preveno do ilcito na forma do artigo 461 do Cdigo de Processo Civil.

    Certo que, aplicada como sano pelo ato de improbidade administrativa,

    o que no ocorrer em todas as hipteses em virtude da no cumulatividade das sanes, a

    proibio de contratar com o Poder Pblico impe uma restrio ao mprobo diante do

    grave desvio tico de sua conduta e, portanto, possui carter retributivo.

    De outro lado, tambm certo que a mesma medida pode ser determinada

    pelo Juzo, na forma do artigo 461 do Cdigo de Processo Civil, somente para prevenir a

    ocorrncia de um ato ilcito e, assim, revestir-se de carter inibitrio.

    Suponha-se a hiptese de uma fraude licitatria que culmina com a

    contratao ilegal de uma empresa pela administrao pblica municipal e que esta

    empresa habitualmente contratada pela municipalidade porque, em razo de outras

    circunstncias (desde a localizao da sede, da conjugao das indstrias, oficinas e

    estruturas fornecedoras de matrias-primas, e de outras facilidades), oferece o melhor

    preo do mercado. Ajuizada a ao civil de improbidade administrativa contra a pessoa

    jurdica e seus representantes legais, durante o tempo do trmite da ao, provavelmente, a

    empresa ser contratada outras vezes pela Administrao Pblica, o que no somente

    15 SOBRANE, Sergio Turra. Improbidade Administrativa Aspectos Materiais, Dimenso Difusa e Coisa

    Julgada. So Paulo: Editora Atlas, 2010. p.167.

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    compromete a efetividade da proteo judicial da probidade administrativa, como tambm

    propicia a prtica de inmeros outros atos mprobos.

    Ainda que haja possibilidade da Administrao Pblica aplicar, nos termos

    da lei n. 8.666/93, a proibio temporria de contratar com o Poder Pblico pessoa

    jurdica de direito privado, conforme j asseverado, por vezes, o agente poltico que a

    representa tem interesse na contratao da mesma empresa e, at mesmo, estar tambm

    respondendo a mesma ao de improbidade administrativa.

    Em casos tais, to evidente a probabilidade da repetio do ato de

    improbidade administrativa pelos mesmos requeridos que se impe a cumulao da ao

    de improbidade administrativa com a ao inibitria, com pedido de antecipao de tutela

    nesta ltima, para que se determine a proibio temporria da empresa e de seus

    representantes legais contratarem com o poder pblico municipal. Ademais, no h

    dvidas de que a imposio de tal restrio a medida necessria e suficiente para evitar a

    repetio da prtica do ato contrrio ao direito, sendo que o intento da medida judicial

    pleiteada no sancionatrio, mas essencialmente preventivo de repetio do ato ilcito

    durante o longo trmite da ao de conhecimento condenatria.

    No se olvida que a sano da proibio de contratar com o poder pblico

    prevista na lei de improbidade administrativa muito mais ampla do que a restrio

    imposta, na forma proposta, em tutela inibitria, j que o alcance desta ltima se

    restringiria somente pessoa jurdica de direito pblico atingida pelo ato de improbidade

    praticado.

    5. Precedentes da Jurisprudncia

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    Verifica-se que, atualmente, a jurisprudncia dos nossos Tribunais de

    Justia dos Estados e no Superior Tribunal de Justia ratifica a concesso de liminares para

    que o contrato administrativo objeto da ao civil de improbidade administrativa e os

    pagamentos dele decorrentes sejam suspensos.

    Veja-se que o objeto dessas liminares a desconstituio de uma relao

    obrigacional durante a qual foi praticado o ato de improbidade que se aponta na prpria

    ao, sendo que, o enfoque desse artigo a concesso liminar de tutela inibitria para

    impedir a prtica de outros atos de improbidade administrativa, ou seja, os seus efeitos

    projetam-se para alm do objeto da ao da relao negocial, do procedimento licitatrio

    ou do contrato administrativo atingido pela improbidade administrativa praticada.

    Emblemtico diferenciao entre as cautelares, as antecipaes de tutela e

    a tutela inibitria da repetio de ato contrrio ao direito nas aes civil de improbidade

    administrativa o acrdo proferido pela 1 Cmara Cvel do Tribunal de Justia do Estado

    do Esprito Santo, o qual desproveu agravo de instrumento impetrado contra deciso de 1

    instncia que concedeu a cautelar de indisponibilidade de bens dos requeridos, bem como

    proibiu novos pagamentos ao posto de gasolina contratado, proibiu novos abastecimentos

    neste mesmo estabelecimento e, por fim, proibiu a assuno de cargo comissionado na

    Administrao Municipal e a de contratar com o Poder Pblico.16

    16AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - AO

    CIVIL PBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAO

    IRREGULAR DE FORNECIMENTO DE COMBUSTVEL PELO MUNICPIO DE MIMOSO DO SUL -

    DECRETO DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS - PRESENA DOS REQUISITOS - FUMUS BONI

    IURIS CARACTERIZADO PELOS DOCUMENTOS CONSTANTES NOS AUTOS - PERICULUM IN

    MORA PRESUMIDO - PARGRAFO NICO DO ART. 7 DA LEI 8.429/1992 - PROIBIO DE

    ABASTECIMENTO NO POSTO ENVOLVIDO NA INVESTIGAO - DECORRNCIA DOS INDCIOS

    DA PRTICA DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PROIBIO DE CONTRATAO

    PARA CARGO COMISSIONADO E DE CONTRATAR COM O PODER PBLICO MANTIDAS -

    RESGUARDO DA TICA NO TRATO DA COISA PBLICA - DECISO MANTIDA - RECURSO

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    28

    Tratava-se de ao de improbidade administrativa em virtude de fraude

    licitatria e contratao ilegal para fornecimento de combustveis pelo municpio de

    Mimoso do Sul, na qual o Ministrio Pblico pleiteou uma srie de medidas

    liminares/antecipaes de tutela, as quais foram concedidas pelo MM. Juzo de 1 instncia

    e objeto de agravo de instrumento interposto pela empresa Petro Mimoso do Sul Ltda.

    A primeira medida cautelar guerreada no agravo foi a decretao da

    indisponibilidade de bens dos demandados, medida cautelar expressamente prevista na lei

    n. 8.429/92 e que guarda instrumentalidade com o processo de improbidade

    administrativa, pois visa assegurar a efetividade da tutela jurisdicional, especificamente o

    ressarcimento ao errio e o pagamento da multa cominada.

    Seguiu-se a insurgncia do agravante em razo da suspenso dos

    pagamentos realizados pela Prefeitura empresa e da proibio de abastecimentos dos

    veculos no posto de gasolina contratado. Ocorre que, na linha de raciocnio do presente

    estudo, na medida em que o contrato administrativo nulo, da eventual antecipao de

    DESPROVIDO. 1 - A decretao de indisponibilidade dos bens, medida que decorre do poder geral de

    cautela do Juiz, h de ser deferida quando houver indcios da prtica de atos de improbidade. 2 - A existncia

    de indcios configura o fumus boni iuris necessrio para a medida cautelar de decretao da indisponibilidade

    dos bens. 3 - J o periculum in mora, no caso da ao civil pblica por atos de improbidade administrativa,

    presumido e visa garantir eventuais prejuzos causados ao errio. Precedentes do c. STJ e do e. TJ/ES. 4 - As

    demais medidas restritivas adotadas na espcie, tais como a proibio de novos pagamentos ao posto de

    gasolina que tido pelo Ministrio Pblico como participante de esquema fraudulento de licitao e

    proibio de novos abastecimentos neste mesmo estabelecimento, so medidas razoveis e decorrncia lgica

    da prpria afirmao de existir indcios da prtica de atos de improbidade administrativa. 5 - A proibio

    liminar de ocupar cargo comissionado na Administrao Municipal e a de contratar com o Poder Pblico

    serve, dentre outros, para salvaguardar a tica no trato da coisa pblica, alm de evitar a ocorrncia de

    situaes conflitantes (indcios de atos de improbidade e possibilidade de contratar com o Poder Pblico e de

    assumir cargos comissionados). Precedente. 6 - Deciso mantida. 7 - Recurso conhecido e desprovido.

    (Agravo de Instrumento n 32109000144, 1 Cmara Cvel do TJES, Rel. William Couto Gonalves. j.

    24.04.2012, unnime, DJ 09.05.2012).

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    29

    tutela mandamental consistente na suspenso de sua execuo, decorreria como

    consequncia lgica a paralisao dos pagamentos e de aquisio do combustvel pela

    pessoa jurdica contratante.

    No voto do eminente Relator do agravo, ficou consignado que esta medida

    tambm era necessria para acautelar o eventual ressarcimento de bens, j que, se

    repassados os valores devidos pelo municpio empresa, estes poderiam ser objeto de

    dilapidao. Tal fundamentao acaba por atribuir a esta deciso judicial natureza cautelar

    consistente na garantia da efetividade da tutela jurisdicional de condenao por ato de

    improbidade administrativa e, especialmente, o ressarcimento ao errio pblico.

    Por fim, o agravo de instrumento combateu a deciso judicial que

    determinou a proibio do agravante de ocupar cargo comissionado na Administrao

    Municipal e a proibio de contratar com o Poder Pblico, sendo que, na forma da tese ora

    defendida, a natureza da tutela que concedeu tais medidas seria inibitria, pois destinada a

    prevenir a repetio de ato de improbidade administrativa.

    O eminente Relator, ao fundamentar a necessidade de manuteno destas

    medidas judiciais concedidas em sede liminar pelo Juzo de 1 instncia, entendeu que se

    tratava de verdadeira antecipao da tutela, a qual se revogada poderia gerar situaes

    inadmissveis durante o transcorrer da ao de improbidade administrativa.

    Pensar de modo diverso, ou seja, revogar esta parte do decisum (proibio

    de ocupar cargo comissionado na Administrao Municipal e a proibio de contratar com

    o Poder Pblico), significaria admitir situaes que afrontariam a moralidade

    administrativa, durante o transcorrer da ao de improbidade administrativa, como por

    exemplo, a nomeao do mprobo em cargos comissionados junto a administrao pblica;

    ou, noutro caso, sendo declarado vencedor em idntico procedimento licitatrio.

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    30

    De qualquer forma, a deciso judicial de 1 instncia foi mantida na integra

    pelo Tribunal de Justia do Estado do Esprito Santo, o qual negou provimento, por

    unanimidade, ao agravo de instrumento interposto.

    Em outro agravo de instrumento, julgado pela 1 Cmara Cvel, o Tribunal

    de Justia do Rio Grande do Sul17 ratificou a deciso do Juzo de 1 instncia que

    determinou, liminarmente, em ao de improbidade administrativa, a proibio da

    requerida de receber verbas do Poder Pblico, bem como de com ele contratar ou receber

    benefcios ou incentivos fiscais e creditcios, direta ou indiretamente.

    O Desembargador Relator Luiz Felipe Silveira Difini asseverou que a

    concesso da liminar se impunha para a efetividade dos princpios constitucionais,

    especialmente o da moralidade administrativa e, que, na hiptese, era necessria a

    17 AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PBLICO NO ESPECIFICADO. AO CIVIL PBLICA

    POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA LIMINAR QUE DETERMINA A

    PROIBIO DA AGRAVANTE DE RECEBER VERBAS DO PODER PBLICO, BEM COMO DE COM

    ELE CONTRATAR, RECEBER BENEFCIOS OU INCENTIVOS FISCAIS E CREDITCIOS.

    POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. PRESENA DA VEROSSIMILHANA DO ALEGADO

    PELO AUTOR. IMPERATIVIDADE DO PRINCPIO DA MORALIDADE.

    Em alguns casos, de forma excepcional, pode o Juzo conceder a medida liminar inaudita altera partes,

    assegurando, imediatamente, o contraditrio, como ocorreu no caso dos autos, em que no se pode olvidar

    que os fatos narrados pelo Ministrio Pblico so de extrema gravidade e do conta dos fortes indcios da

    conduta mproba da recorrente, que envolve a utilizao de recursos pblicos para benefcios particulares ou

    de familiares; a ausncia de critrios objetivos na escolha dos beneficirios em descumprimento Lei

    Municipal n. 2.309/2005; a utilizao de veculos, materiais e equipamentos pblicos em obra particular; a

    utilizao do trabalho de servidores pblicos e de apenados, encaminhados para prestao de servios

    comunidade, na execuo de obra particular; a supresso de prova necessria ao deslinde da questo. Nessa

    senda, a questo exige uma ponderao entre dois valores constitucionais absolutamente importantes, que so

    o da moralidade e o da ampla defesa. No caso concreto, pela existncia de fortes indcios da conduta

    mproba, impera o princpio da moralidade administrativa, forte no art. 37, da Constituio Federal. (Agravo

    de Instrumento N 70049407406, Primeira Cmara Cvel, Tribunal de Justia do RS, Relator: Luiz Felipe

    Silveira Difini, Julgado em 17/10/2012).

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    31

    ponderao entre valores constitucionais, cujo resultado importaria na relativizao do

    princpio da ampla defesa.

    A determinao judicial que proibiu a agravante de contratar com o poder

    pblico teve, indubitavelmente, cunho inibitrio, j que restou evidente a necessidade de se

    evitar a repetio de um ato de improbidade administrativa como o narrado no bojo da

    ao, como tambm restou evidenciada a probabilidade de que este poderia se repetir.

    Veja-se que a concesso da tutela inibitria no tem como objeto o ato de

    improbidade j praticado, ao qual, no final da ao, sero cominadas as sanes

    proporcionais e razoveis para a sua represso, sendo que o objeto da inibitria reside na

    tutela preventiva da moralidade administrativa, para que se evite a prtica de outros atos de

    improbidade administrativa, para alm do processo em trmite, mas cuja probabilidade de

    ocorrncia se extrai dos fatos e circunstncias narrados na ao em trmite.

    Registra-se que houve voto divergente do Desembargador Carlos Roberto

    Lofego Canbal que deu provimento ao recurso de agravo, com fundamento nos princpios

    da presuno de inocncia, da legalidade e do devido processo legal, os quais, no seu

    entendimento, teriam sido afrontados pela deciso de 1 instncia, que antecipou a

    aplicao de uma sano de improbidade administrativa.

    Independentemente do posicionamento contrrio, com o devido respeito ao

    teor deste ltimo voto proferido no agravo em anlise, redireciona-se a natureza da deciso

    judicial concedida em 1 instncia e mantida pelo Tribunal de Justia aludido, ao mbito da

    tutela inibitria, no qual tais situaes encontram guarida e soluo condizente com a tutela

    dos novos direitos.

    Recentemente, o Superior Tribunal de Justia admitiu a possibilidade da

    concesso de tutela inibitria em ao de improbidade administrativa consistente

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    32

    justamente na proibio daquele que responde por ato de improbidade administrativa de

    firmar contratos com o Poder Pblico.18

    Infere-se que o entendimento desse Tribunal Superior foi pela possibilidade

    do Juzo, com fundamento no artigo 461 do Cdigo de Processo Civil, conceder a tutela

    inibitria em questo para extirpar o ato lesivo, firmando o entendimento que a proibio

    de contratar com o poder pblico no possui carter exclusivamente sancionatrio.

    Destacam-se as seguintes consideraes do voto do Ministro Relator

    Herman Benjamin: a) a deciso judicial de proibio de contratar com o Poder Pblico

    no consiste em antecipao de tutela sancionatoria, mas sim de adoo de medidas

    18 ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AO CIVIL PBLICA. IMPROBIDADE. MEDIDA

    LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS. PODER GERAL DE CAUTELA (ART.804 CPC). EXCEO

    AO ART. 17, 7, DA LIA. TUTELA ESPECFICA DE CARTER NO EXCLUSIVAMENTE

    SANCIONATRIO. VIABILIDADE.

    ()

    PROVIDNCIAS CAUTELARES

    5. Ressalvadas as medidas de natureza exclusivamente sancionatria - por exemplo, a multa civil, a perda da

    funo pblica e a suspenso dos direitos polticos - pode o magistrado, a qualquer tempo, adotar a tutela

    necessria para fazer cessar ou extirpar a atividade nociva, consoante disciplinam os arts. 461, 5, e 804 do

    CPC, 11 da Lei 7.347/85 e 21 da mesma lei combinado com os arts. 83 e 84 do Cdigo de Defesa do

    Consumidor, que admitem a adoo de todas as espcies de aes capazes de propiciar a adequada e efetiva

    tutela dos interesses que a Ao Civil Pblica busca proteger.

    6. No caso concreto, o acrdo regional revela a gravidade dos atos de improbidade, que consistiram na

    utilizao de recursos pblicos para benefcios particulares ou de familiares, no emprego de veculos,

    materiais e equipamentos pblicos em obra particular; no uso do trabalho de servidores pblicos e de

    apenados (encaminhados para prestao de servios comunidade) em obra particular e na supresso de

    prova necessria ao esclarecimento dos fatos. Nesse contexto, a liminar concedida pelo juzo de primeiro

    grau para proibir a demandada de receber novas verbas do Poder Pblico e com ele contratar ou receber

    benefcios ou incentivos fiscais e creditcios guarda relao de pertinncia e sintonia com o ilcito praticado

    pela r, sendo evidente o propsito assecuratrio de fazer cessar o desvio de recursos pblicos, nos termos do

    que autorizado pelos preceitos legais anteriormente citados.

    Recurso Especial no provido. (REsp 1385582/RS. Rel. Ministro Herman Benjamin; 2 Turma. J. em

    01.10.2013, p. DJe em 15.08.2014)

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    tendentes a extirpao da atividade nociva; b) o artigo 20 da Lei n. 8.429/92 reclama o

    transito em julgado da sentena proferida em ao de improbidade administrativa apenas

    para a efetivao das sanes de perda da funo pblica e de suspenso dos direitos

    politicos e, assim, ressalvadas essas medidas de natureza exclusivamente sancionatoria

    pode o magistrado, a qualquer tempo, adotar as medidas necessrias para fazer cessar a

    atividade nociva.

    6. Concluses articuladas

    a) A efetividade da proteo judicial ao patrimnio pblico e moralidade

    administrativa demanda a possibilidade da concesso de tutelas de urgncia nas aes civis

    por ato de improbidade administrativa, pois inconteste que a usual demora no processo

    cognitivo acaba por perpetuar o prejuzo a ambos os direitos fundamentais. Neste passo, a

    tutela de urgncia nas aes civis de improbidade administrativa dever ser adotada no

    somente quando haja risco efetividade do processo, que consiste nas cautelares

    propriamente ditas, como quando haja necessidade de antecipao da tutela jurisdicional

    final, no todo ou em parte e, ademais, quando for necessria para prevenir a prtica de um

    ato ilcito.

    b) A proibio de contratar com o Poder Pblico consiste em sano

    administrativa e por ato de improbidade administrativa previstas expressamente em lei,

    sendo possvel a sua aplicao judicial como tutela inibitria para evitar a repetio da

    prtica de um ato contrrio ao direito, no caso em comento, de um ato de improbidade

    administrativa, j que o julgador deve adotar as medidas que forem necessrias para

    garantir a preveno do ilcito na forma do artigo 461 do Cdigo de Processo Civil. No h

    dvidas de que, comprovados os requisitos para a concesso da tutela inibitria, a

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    imposio de tal restrio a medida necessria e suficiente para evitar a repetio da

    prtica do ato contrrio ao direito, sendo que o intento da medida judicial no

    sancionatrio, mas essencialmente preventivo de repetio do ato de improbidade

    administrativa durante o longo trmite da ao de conhecimento condenatria.

    7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALVES, Francisco Glauber Pessoa. Tutelas Sumrias e Afastamento dos Agentes Pblicos

    na Lei n.8.429/92. Improbidade Administrativa: aspectos processuais da Lei n. 8.429/92.

    (Cordenadores) Paulo Henrique dos Santos Lucon, Eduardo Jos da Fonseca Costa,

    Guilherme Recena Costa. Sao Paulo: Atlas, 2013.

    DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. 2 Edio. So Paulo: Dialtica,

    2014.

    FAZZIO JUNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa. So Paulo: Atlas, 2012.

    GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

    MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipao da Tutela. So Paulo: Editora Revista dos

    Tribunais, 2011.

    MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do Patrimnio Pblico. Comentrios Lei de

    Improbidade Administrativa. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

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    35

    MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 4 Edio. So Paulo:

    2009.

    NEIVA, Jos Antonio Lisboa Neiva. Improbidade Administrativa Legislao Comentada

    artigo por artigo. 4 Edio. Niteri: Rio de Janeiro, 2013.

    SOBRANE, Sergio Turra. Improbidade Administrativa Aspectos Materiais, Dimenso

    Difusa e Coisa Julgada. So Paulo: Editora Atlas, 2010.

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    DA (IM)POSSIBILIDADE DO ADVOGADO REQUERER E FAZER PERGUNTAS A

    SEU REPRESENTADO NO DEPOIMENTO DA PARTE: COLOCAO DO

    PROBLEMA LUZ DA BUSCA PELA VERDADE E DE UM FORMALISMO-

    VALORATIVO

    Ancelmo Csar de Oliveira

    Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da

    Universidade Federal de Juiz de Fora. Ps-Graduando em

    Direito Processual pela mesma instituio. Advogado.

    Resumo: Conciliar a busca da verdade, por meio de um procedimento guiado pelo

    formalismo-valorativo, com a efetiva participao de todos os envolvidos no processo

    desafio que se lana aos estudiosos e profissionais que militam no processo civil. Para que este

    desafio seja vencido, vrios institutos e variadas maneiras de agir podero nortear a conduta

    das partes e dos magistrados que analisaro o processo. Assim, prope-se analisar se uma

    forma especfica do agir humano, qual seja, a possibilidade de o advogado requerer o

    depoimento de seu representado e lhe fazer perguntas quando da ocorrncia da audincia de

    instruo e julgamento, configura-se como meio idneo a possibilitar o alcance da verdade em

    um processo guiado pelo formalismo-valorativo.

    Palavras-chave: verdade; processo; formalismo-valorativo; depoimento; advogado.

    Abstract: Conciliate the pursuit of truth, through a procedure guided by an evaluative

    formalism, with the effective participation of all stakeholders in the process is a challenge for

    scholars and professionals who are active in civil procedure. To overcome this challenge many

    institutes and many ways of acting can guide the conduct of the parts and magistrates who will

    analyze the process. Therefore, it is proposed to analyze whether a specific form of human

    activity, which is the possibility of the lawyer require the testimony of his assisted and ask him

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    questions during the instruction hearing and trial, appears as a qualified way to enable the

    attainment of truth in a process guided by the evaluative formalism.

    Keywords: truth; process; evaluative formalism; testimony; lawyer.

    Sumrio: 1 Introduo; 2 Notas sobre a verdade no processo; 2.1 A verdade no Cdigo

    de Processo Civil Brasileiro; 2.2 Verdade forma/processual x verdade material/real; 3 A

    evoluo do processo e suas fases; 3.1 Apontamentos sobre algumas fases do processo; 3.2

    A busca da verdade e o formalismo-valorativo; 4 O depoimento pessoal ou depoimento da

    parte no processo civil e seus aspectos relevantes; 4.1 A regulamentao do depoimento

    pessoal ou depoimento da parte no CPC; 4.2 Da oralidade no processo civil; 4.3 A

    oralidade e a lei 9.099/95; 4.4 O depoimento pessoal ou depoimento da parte e o projeto do

    novo Cdigo de Processo Civil; 5 Consideraes finais.

    1 - Introduo

    O estudo que ser desenvolvido ter como foco principal a investigao de um dos

    principais momentos no trmite de um processo civil, qual seja, o depoimento da parte ou

    depoimento pessoal. De maneira mais pontual, ser analisada a possibilidade ou

    impossibilidade de o advogado requerer e fazer perguntas a seu representado, diante da

    redao do art. 343 do Cdigo de Processo Civil e da prtica forense.

    A estrutura do trabalho partir da constatao de que o processo civil, dentre

    outros objetivos, almeja a verdade. Para tanto, ser verificada a utilizao do verbete ao longo

    do texto do Cdigo de Processo Civil. Alm disso, o trabalho versar sobre a compatibilidade

    da busca da verdade com o formalismo-valorativo no processo civil.

    A importncia do tema pode ser creditada, entre outros aspectos, ao fato de que se

    mostra invivel a concretizao de um processo justo sem a efetiva possibilidade de

    participao de todas as partes e de seus procuradores. Alm disso, h que se analisar se a

    redao do art. 343 se apresenta omissa.

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    Primeiramente, o estudo investigar se alcanar a verdade objetivo do processo

    civil, bem como sero lanados questionamento acerca da dicotomia verdade formal/verdade

    material.

    Em seguida h pequena digresso, que objetiva analisar a evoluo do processo

    em suas fases, com nfase ao formalismo-valorativo proposto por Carlos Alberto Alvaro de

    Oliveira, pontuando a importncia da conexo entre este formalismo-valorativo e a busca da

    verdade.

    Finalmente, o ltimo ponto dedicado ao depoimento da parte ou depoimento

    pessoal, com a diviso deste ponto em quatro itens:

    No primeiro, ser apresentada a disciplina do depoimento pessoal ou depoimento

    da parte na atual sistemtica do Cdigo de Processo Civil e sua relao com a confisso, por

    exemplo. Ser feita revista pelo art. 343 do diploma processual vigente, sem prejuzo da

    anlise de outros dispositivos legais, tudo luz do formalismo-valorativo e da possibilidade de

    se buscar a verdade no bojo do processo.

    Os seguintes itens abordaro a oralidade no processo civil e a preocupao do

    legislador ptrio em adot-la como modelo a ser perseguido nos dois Cdigos de Processo

    Civil (1939 e 1973). Alguns aspectos da lei 9099/95 sero colocados em apreciao, por este

    diploma consagrar a oralidade e a informalidade como princpios norteadores.

    O derradeiro ponto o referente s perspectivas do tema no projeto do novo

    Cdigo de Processo Civil.

    Por fim, sero apresentadas possveis concluses ao estudo empreendido.

    2-Notas sobre a verdade no processo

    2.1 A verdade no Cdigo de Processo Civil Brasileiro

    Uma das clssicas regras de hermenutica jurdica, que passada aos nefitos do

    direito, a de que a lei no contm palavras, frases ou disposies inteis. Apesar desta regra

    ser, geralmente, introjetada ao inconsciente do operador do direito, por muitas e muitas vezes,

    parece que referido aforismo no faz sentido.

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    O Brasil vive uma crise de identidade poltica em todos os nveis e a credibilidade

    do Poder Legislativo questionada de forma rotineira em todos os crculos sociais. Porm,

    incontestvel que parcela de nossos representantes colabora em muito para o descrdito em

    relao produo legislativa. Um exemplo pode ser visto, atravs de uma pesquisa junto ao

    site da Cmara dos Deputados, com a busca de projetos que visam instituio de datas

    comemorativas.

    Recentemente foi feito um requerimento, de autoria do Deputado Nilson Leito,

    para designao de Audincia Pblica (REQ 55/2013 CLP) 1 e discusso sobre a criao de

    uma data para relembrar o movimento Diretas J. Como o objetivo do presente trabalho no

    criticar a produo legislativa, o exemplo citado serve somente como demonstrao de que,

    muitas vezes, o aforismo sobre a utilidade de algumas disposies legislativas realmente no

    faz sentido.

    Diante da regra de hermenutica que exprime a utilidade dos vocbulos e frases

    dos textos legais, bem como da utilizao da palavra verdade no corpo do Cdigo de Processo

    Civil2 (CPC), entende-se necessria uma pequena pesquisa.

    O CPC utiliza, ao longo dos seus 1.220 (um mil duzentos e vinte) artigos, a

    palavra verdade por 12 (doze) vezes. Por seu turno, o vocbulo verdadeiro surge em 3 (trs)

    oportunidades, enquanto sua grafia no plural aparece 6 (seis) vezes, ao passo que a expresso

    verdadeira aparece uma nica vez. A enumerao no tem apenas o objeto de trazer dados

    estatsticos. Ao contrrio, a apresentao de referidos dados vem fortalecer a suposio que

    rege o aforismo j mencionado, qual seja, a de que a lei no utiliza palavras inteis.

    No h pretenso de anlise exaustiva de todos os artigos do CPC que apresentam

    os verbetes transcritos. Porm, so relevantes algumas consideraes sobre determinados

    dispositivos.

    A primeira apario da palavra verdade ocorre no art. 14, I do CPC. Referido

    dispositivo est situado no Livro I (Do Processo de Conhecimento), Ttulo II (Das Partes e

    Procuradores), Captulo II (Dos Deveres das Partes e dos Seus Procuradores), na Seo I (Dos

    1BRASIL. Cmara dos Deputados. Disponvel em:

    http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=571169, acesso em 02 mar. 14, s

    11h37. 2 Nota de esclarecimento: para a abreviatura de Cdigo de Processo Civil ser usado CPC.

  • Revista Eletrnica de Direito Processual REDP. Volume XIV. Peridico da Ps-Graduao Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.

    Patrono: Jos Carlos Barbosa Moreira. www.redp.com.br ISSN 1982-7636

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    Deveres) e dispe que: So deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma

    participam do processo: I - expor os fatos em juizo conforme a verdade; 3.

    Verifica-se que, no s por sua colocao topogrfica no corpo do CPC, h uma

    preocupao do legislador em determinar de maneira expressa que todas as partes e todos

    aqueles que participem do processo exponham os fatos conforme a verdade.

    A inquietao do legislador tamanha que, na seo que trata da responsabilizao

    das partes no caso de ocorrncia de dano processual, qualifica a parte que altera a verdade dos

    fatos como litigante de m-f. Apesar da clareza do texto do art. 17, II do CPC, dispositivo

    que no possui rol taxativo, sua aplicao e anlise no tm o enfrentamento adequado pelos

    magistrados em sua rotina diria. Duas questes podem demonstrar isso: quantas vezes o leitor

    deste estudo j presenciou uma condenao por litigncia de m-f, motivada pela alterao

    deliberada dos fatos? Certamente a resposta, para muitos, ser a de nunca ter notcia de

    alguma condenao desta espcie. De outro lado, em quantas oportunidades o mesmo leitor

    constatou, diretamente ou por outro meio, uma afirmao que no condizia com a verdade

    estampada no bojo de um processo judicial?

    Na parte que o Cdigo de Processo Civil destina s provas, a expresso volta a

    merecer destaque, notadamente nas dices contidas nos artigos que seguem transcritos

    abaixo.

    Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legtimos,

    ainda que no especificados neste Cdigo, so hbeis para provar a

    verdade dos fatos, em que se funda a ao ou a defesa.

    Art. 339. Ningum se exime do dever de colaborar com o Poder

    Judicirio para o descobrimento da verdade.

    Art. 348. H confisso, quando a parte admite a verdade de um fato,

    contrrio ao seu interesse e favorvel ao adversrio. A confisso

    judicial ou extrajudicial.

    Art. 415. Ao incio da inquirio, a testemunha prestar o

    compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado.

    3 BRASIL. Congresso Nacional. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Disponvel em:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm, acesso em 02 mar.14, s 11h51.

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    Pargrafo nico. O juiz advertir testemunha que incorre em sano

    penal quem faz a afirmao falsa, cala ou oculta a verdade.4

    A pesquisa sobre a utilizao do vocbulo poderia seguir pontualmente por

    cada um dos dispositivos. Porm, alm de cansativa, fugiria ao objeto do estudo, motivo pelo

    qual os exemplos citados parecem transparecer uma inteno: a de que o processo civil

    brasileiro busca a verdade. Pensar de maneira contrria ao que acaba de ser exposto parece ser

    atitude que afronta inteligncia de quem se prope ao estudo da cincia processual com a

    seriedade que esta merece. Ou ento fica a pergunta: nosso legislador escreveu inutilmente

    tantas vezes e em pontos to importantes do CPC a palavra verdade?

    2.2- Verdade formal/processual X verdade material/real

    Uma das grandes celeumas histricas que acompanha o estudo de quem analisa a

    verdade na cincia processual uma suposta dicotomia. Em termos singelos, tal diviso

    defende o que se denomina verdade formal ou processual e verdade material ou real.

    Ocorre que, antes da apresentao dos postulados bsicos da pretensa diviso,

    parece ser relevante delimitar a qual espcie (se que se pode falar assim) de verdade o

    presente trabalho se refere. preciso deixar claro que no h pretenso de uma definio do

    que seja verdade, haja vista que teorias complexas da lgica, filosofia, metafsica,

    epistemologia e outros ramos da cincia j propuseram o enfrentamento do tema, sem,

    contudo, um consenso. No ser aqui que surgir a aspirao de um conceito nico e

    definitivo do que seja verdade.

    Para melhor entendimento e para se apresentar uma concluso ao final do presente

    estudo, faz-se necessria a adoo de alguma vertente que apresente o significado da verdade

    no processo. Nesta difcil tarefa, a obra de Michele Taruffo ser fundamental.

    4 BRASIL. Congresso Nacional. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Disponvel em:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm, acesso em 02 mar.14, s 14h05. Todos os

    destaques na palavra verdade foram feitos pelo autor do texto.

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    No estudo intitulado, Uma simples verdade: o Juiz e a construo dos fatos, o

    jurista italiano no nega a dificuldade de se apresentar um conceito para o termo, consignando,

    inclusive, opinies de vertentes que defendiam o banimento da verdade do discurso filosfico.

    quele que espera uma definio de verdade proposta pelo autor citado, pode ocorrer certa

    frustrao. Contudo, sem fugir ao tema e com clareza mpar, Michele Taruffo assim se

    pronuncia: A passagem do pos-modernismo a uma fase que se poderia talvez definir como

    ps-ps-moderna implica notveis mudanas de perspectiva no que concerne ao problema da

    verdade 5.

    Neste cenrio de mudanas, com didtica e preciso, Michelle Taruffo preleciona:

    De fato, mesmo sem compartilhar de teses ontologicamente realistas,

    possvel imaginar que exista uma verdade racional