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n. 1 2018 REVISTA DIGITAL FACESPI

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n. 1 2018

REVISTA DIGITAL FACESPI

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INDICE

A INCLUSÃO DO DEFICIENTE INTELECTUAL - PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO

Carolina Marcondes Silva, Págs 03 – 21...................................................................03 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Evelin Tatiane Silva Zan, Págs. 22 – 61...................................................................22

AA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA NNOO EESSPPAAÇÇOO EESSCCOOLLAARR EE NNAA FFOORRMMAAÇÇÃÃOO DDOO DDIISSCCEENNTTEE

Antunes, Maria Paula Ferreira. Págs. 62 – 77...........................................................62

MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

FUNDAMENTAL.

SAAD, Mel Pessoa. Págs. 79 – 129..........................................................................79

BRINQUEDOTECA

Pinto, Michele Bertoli Cunha, Págs. 131 – 145........................................................131

A ARTE DE EDUCAR NA GRÉCIA ANTIGA E SUA IMPORTÂNCIA PARA A

ATUALIDADE.

Sidinei Aparecido Oliveira Vieira, Págs. 146 – 160...................................................146

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL.

Talita Moreira Barreiras Melo, Págs 161 – 189........................................................161

COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL.

Tatiane de Jesus Santos. Págs 190 – 205...............................................................190

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DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO

ALUNO COM TEA

Silva, Carolina Marcondes1

RESUMO

Este trabalho está voltado ao estudo sobre o desenvolvimento e

aprendizagem de alunos com deficiência intelectual dentro do ambiente

escolar. A primeira parte constituirá de um breve histórico da educação

inclusiva no Brasil, mais adiante o assunto será aprofundado na inclusão de

alunos com deficiência intelectual na rede regular de ensino e na maneira

como ocorre a aprendizagem dessas crianças, lembrando sempre que cada

ser humano é único e deve ser respeitado em sua maneira de aprender.

PALAVRAS CHAVE: Inclusão. Aprendizagem. Alunos com deficiência

intelectual.

INTRODUÇÃO

A inclusão de crianças com deficiência na rede regular de ensino é fator

marcante nos dias atuais. Influenciada por diretrizes internacionais, a

inclusão escolar de pessoas com deficiência, seja esta qual for, vem se

constituindo como prioridade na legislação brasileira desde a década de

noventa, com base nos princípios da Declaração de Salamanca (UNESCO,

1994).

A temática da inclusão é não deixar ninguém fora do ensino regular, desta

forma, as escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema

educacional que considere as necessidades de todos os alunos e que se

estruture em função dessas necessidades à fim de atende-las.

1 Aluna do curso de Atendimento Educacional Especializado – [email protected]

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4 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

Não podemos admitir o acesso de todos às escolas, sem garantir o

prosseguimento da escolaridade até o nível que cada aluno for capaz de

atingir. Ao contrário do que alguns ainda pensam, não há inclusão, quando

a inserção de um aluno é condicionada à matrícula em uma escola ou classe

especial. A inclusão deriva de sistemas educativos que não são recortados

nas modalidades regulares e especiais, pois ambas se destinam a receber

alunos aos quais impomos uma identidade, uma capacidade de aprender,

de acordo com suas características pessoais. MOANTOAN, 2003, p. 31).

Para considerarmos uma escola inclusiva de fato, alguns procedimentos

deverão ser adotados, dentre esses, a criação de um plano específico que

garanta o avanço de “todos” os alunos, baseado nas diversidades de cada

um, desta forma, um ensinar para todos.

O contato coma família e instituições que o aluno deficiente frequenta

também será fator crucial no processo de aprendizagem do mesmo, pois o

trabalho precisa ser conjunto.

A elaboração de uma rotina que promova a inclusão da criança com

deficiência e ainda adequações no ambiente físico da escola, sempre que

esta se fizer necessária.

Será importante também a abertura de espaços onde a cooperação, o

diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados

por todos os envolvidos, professores, administradores, funcionários e

alunos, pois estas são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira

cidadania e o respeito ao tempo de aprendizagem de cada indivíduo,

respeitando suas dificuldades.

A elaboração e aplicação de atividades acessíveis que proporcionem o

avanço do aluno com deficiência.

Pensando nesta escola inclusiva, o presente trabalho estará voltado ao

desenvolvimento e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual

dentro do ambiente escolar.

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5 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

PERCURSO HISTÓRICO

Analisando o perfil do período histórico da Educação Inclusiva no Brasil, nos

séculos XVII e XVIII, é possível notar teorias e práticas sociais de

discriminação que promoviam infinitas situações de exclusão.

Podemos dizer que esse período foi então caracterizado pela ignorância e

rejeição do indivíduo com deficiência. A família, a escola e a sociedade

condenavam esses indivíduos de uma forma extremamente preconceituosa,

chegando à excluí-los do estado social.

Os deficientes mentais eram internados em orfanatos, manicômios, prisões

dentre outros tipos de instituições que os julgavam como seres anormais,

“[...] na antiguidade as pessoas com deficiência mental, física e sensorial

eram apresentadas como aleijadas, mal constituídas, débeis, anormais ou

deformadas” (BRASIL, 2001, p.25). Contudo, no decorrer da história da

humanidade, observa-se que as concepções sobre as deficiências foram

evoluindo “conforme a mudança das crenças e dos valores culturais.

O início do desenvolvimento da Educação Especial no Brasil se dá no século

XIX, quando os serviços dedicados a esse segmento, baseado em

experiências norte-americanas e europeias, foram trazidos por alguns

brasileiros que se propunham a organizar e a implementar ações isoladas e

particulares para atender a pessoas com deficiências físicas, mentais e

sensoriais.

Tais métodos se não se integravam às Políticas Públicas de Educação e foi

necessário praticamente um século, para que a educação especial fosse um

dos componentes de nosso sistema educacional.

No início dos anos 60 é que essa modalidade de ensino foi instituída

oficialmente, com a denominação de "educação dos excepcionais".

Desta maneira, podemos afirmar que a história da educação de indivíduos

com deficiência no Brasil está dividida entre três grandes períodos:

• 1º Período - 1854 a 1956: Marcado por iniciativas de caráter privado;

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6 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

• 2º Período - 1957 a 1993: Definido por ações oficiais de âmbito

nacional;

• 1º Período - 1993 até os dias de hoje: Caracterizado pelos

movimentos a favor da inclusão escolar.

No primeiro período destacou-se o atendimento clínico especializado,

incluindo a educação escolar e nessa época foram fundadas as instituições

mais tradicionais de assistência às pessoas com deficiências mental, física

e sensorial que seguiram o exemplo e o pioneirismo do Instituto dos

Meninos Cegos, fundado na cidade do Rio de Janeiro.

Entre a fundação desse Instituto e os dias de hoje, a história da Educação

Especial no Brasil foi se estruturando, baseando-se em modelos que

priorizam o assistencialismo, pela visão segregativa e por uma

segmentação das deficiências, fato este que contribui para que a formação

escolar e a vida social das crianças e jovens com deficiência aconteçam em

um mundo separado dos demais.

A Educação Especial foi assumida e aprimorada pelo poder público em 1957,

com a criação das "Campanhas", que eram destinadas à atender cada uma

das deficiências.

Nesse período, instituiu-se a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro

– CESB, seguida da instalação do Instituto Nacional de Educação de Surdos

– INES, que está em funcionamento até os dias de hoje, no Rio de Janeiro.

O Ministério de Educação e Cultura – MEC instituiu em 1972, o Grupo-Tarefa

de Educação Especial e juntamente com o especialista James Gallagher, foi

apresentada a primeira proposta de estruturação de Educação Especial

Brasileira, criando assim um órgão central para gerenciá-la. Atualmente,

esse centro é a Secretaria de Educação Especial - SEESP, que manteve

basicamente as mesmas competências e estrutura organizacional de seu

antecessor, no MEC.

Muitas pessoas se interessaram em apoiar a Educação Especial, dentre elas

haviam políticos, educadores, pais, personalidades brasileiras que se

identificaram com a educação de pessoas com deficiência.

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7 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

Todos tiveram papéis importantes no decorrer do período em que se

estabeleceu o processo evolutivo da Educação Especial.

Os pais dos indivíduos com deficiência estão entre os que compõem essa

liderança e representam grande força para manter o atendimento clínico e

escolar de seus filhos.

Também não podemos desconsiderar as iniciativas de caráter privado e

beneficente lideradas por pais no atendimento Clínico e Escolar de pessoas

com deficiência, assim como na formação para o trabalho protegido, apesar

de suas intenções serem na maioria das vezes, asseguradas pela

discriminação e pelo forte protecionismo.

Dentre os interessados pela Educação Especial, destacam-se o grupo dos

pais de crianças com deficiência mental, que são os mais numerosos e que

fundaram mais de mil APAEs em todo país.

Os responsáveis legais acabam organizando-se em associações

especializadas, gerenciadas por eles mesmos, que buscam parcerias com a

sociedade civil e o governo para atingirem as suas metas. Essas

organizações são basicamente financiadas pelos poderes públicos

municipal, estadual e federal.

Diferentemente de outros países, os pais brasileiros, na sua maioria, ainda

não se posicionaram em relação à inclusão escolar de seus filhos. Apesar

de mostrarem essa preferência na Constituição Federal, observa-se uma

tendência de os pais se organizarem em Associações Especializadas para

garantir o direito à educação de seus filhos com deficiência.

A partir da década de 80 e início dos anos 90 que as pessoas com

deficiência, começaram a se organizar por elas mesmas, participando de

Comissões, Coordenações, Fóruns e Movimentos, visando assegurar os

direitos que conquistaram através do tempo, de serem reconhecidos e

respeitados em suas necessidades básicas de convívio com os demais

indivíduos.

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8 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

Tais movimentos estão ganhando espaço em todos os ambientes, sendo no

trabalho, transporte, arquitetura, urbanismo, segurança, previdência social

e acessibilidade em geral.

As pessoas buscam afirmação e querem ser ouvidas assim como outras

vozes das minorias, que precisam ser consideradas em uma sociedade

democrática. Infelizmente, apesar de estarem presentes e terem mostrado

suas atuações em vários aspectos da vida social, os referidos movimentos

não são ainda fortes no que diz respeito às prerrogativas educacionais, aos

processos escolares, notadamente os inclusivos.

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A educação inclusiva se trata de uma das grandes preocupações da

sociedade contemporânea, pois apresenta desafios que envolvem o

discurso e a ação de todos os envolvidos nessa questão, porém grande

parte dos profissionais que atuam na educação não estão aptos a assumi-

la e exercê-la. As preocupações em torno da perspectiva de educação

especial estão gerando infinitas discussões nos diversos setores da

sociedade: educadores, familiares, especialistas, gestores de políticas

públicas entre outros.

A ideia de Educação Inclusiva baseia-se na defesa de valores éticos, nos

princípios de justiça e cidadania, para todos sem distinção. Olhando por

este ângulo, pode-se dizer que inclusão é: “Um processo pelo qual a

sociedade se adapta para poder incluir em seus sistemas sociais gerais

pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se

preparam para assumir seus papéis na sociedade. Incluir é trocar, entender,

respeitar, valorizar, lutar contra a exclusão, transpor barreiras que a

sociedade criou para as pessoas. É oferecer o desenvolvimento de

autonomia, por meio da colaboração, de pensamentos e formulação de juízo

de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes

circunstâncias da vida” (SASSAKI, 1997, p.123).

Partindo desse princípio, a inclusão é um movimento mais amplo que

engloba toda a sociedade, visando adaptar os espaços escolares em

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9 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

ambientes que atendam a todos os alunos, sem confrontar as suas

diferenças, respeitando seu ritmo e o seu direito a uma adequação

metodológica, bem como o uso de suas múltiplas inteligências, favorecendo

assim a integração social.

O processo de inclusão é recente, já que só a partir do século XIX percebeu-

se que o “deficiente também poderia aprender”.

DEFICIÊNCIA

Deficiência é o termo usado para definir a ausência ou a disfunção de

uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. Diz respeito à atividade

exercida pela biologia da pessoa, este conceito foi definido pela Organização

Mundial de Saúde.

A expressão pessoa com deficiência pode ser aplicada referindo-se a

qualquer pessoa que vivencie uma deficiência continuamente, porém há

que se observar que em contextos legais ela é utilizada de uma forma mais

restrita e refere-se a pessoas que estão sob o amparo de uma determinada

legislação.

A convenção da Guatemala, internalizada à Constituição Brasileira pelo

Decreto nº 3.956/2001, no seu artigo 1º define deficiência como [... ] “uma

restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória,

que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da

vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. Essa

definição ratifica a deficiência como uma situação. (SEESP/ SEED/ MEC, AEE

Deficiência Mental, 2007).

Segundo o CIDID (Classificação Internacional de Deficiências,

Incapacidades e Desvantagens), 1989 Deficiência - Perda ou irregularidade

de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou

permanente. Incluem-se nestas, a ocorrência de uma anomalia, defeito ou

perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo,

inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de uma condição

patológica, refletindo um distúrbio orgânico ou uma perturbação no órgão.

Incapacidade/restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade para

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10 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

desempenhar uma atividade avaliada como normal para o ser humano.

Representa a objetivação da deficiência e reflete os distúrbios da própria

pessoa, em atividades e comportamentos da vida diária.

Desvantagens - Prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência ou

de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de funções de

acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais. É uma discordância

entre a capacidade individual de realização e as expectativas do indivíduo

ou do seu grupo social. Representa a socialização da deficiência e relaciona-

se às dificuldades nas habilidades de sobrevivência.

Segundo a Unicef, as principais causas das deficiências no Brasil são:

nutrição inadequada de mães e crianças; doenças infecciosas e ocorrências

de acontecimentos anormais nas fases pré-natais e pós-natais, além

destes, problemas sociais que são responsáveis por deficiências como

violência, acidentes, baixo nível socioeconômico, falta de conhecimentos,

uso de drogas, exclusão e abandono social.

A Organização Mundial de Saúde avalia que pelo menos 10% da população

mundial possuí algum tipo de deficiência, entre elas, visuais, auditivas,

físicas, mentais, múltiplas, transtornos globais do desenvolvimento e

superlotação/altas habilidade.

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

De acordo com o Decreto nº 5.296, a deficiência mental, atualmente

denominada como deficiência intelectual, refere-se ao "funcionamento

intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos

dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades

adaptativas. ”. (BRASIL, 2004)

Segundo Rodrigues, 2010, as principais características da pessoa com

deficiência são: falta de concentração; entraves na comunicação e na

interação; menor capacidade para entender a lógica de funcionamento das

línguas, por não compreender a representação escrita ou necessitar de um

sistema de aprendizado diferente.

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11 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

Podemos dividir os sinais apresentados pelas pessoas com deficiência

intelectual em quatro áreas:

• Área motora: se a deficiência intelectual for leve, o aluno apresentará

apenas algumas alterações na motricidade fina; já em casos mais graves,

pode apresentar dificuldades no equilíbrio, coordenação, locomoção e em

manipular objetos.

• Área cognitiva: o aluno possui mais dificuldades para se concentrar,

para memorizar e para solucionar problemas. O processo de aprendizagem

será mais lento que os colegas sem deficiências, mas pode atingir os

mesmos objetivos escolares.

• Área da comunicação: apresenta dificuldades para falar e ser

compreendido, mas este fator pode ocorrer por falta de estímulos

ambientais.

• Área sócio educacional: a diferença entre idade mental e cronológica

faz com que a capacidade de interagir socialmente diminua. Esse fato piora

quando o aluno é colocado em turmas com igual idade mental, mas é por

meio da interação com pessoas com idade cronológica igual que se

desenvolverá mais, adquirindo valores, comportamentos e atitudes de seu

grupo.

O presente documento busca compreender a maneira como se dá o

processo de aprendizagem e aquisição do conhecimento de crianças com

deficiência intelectual leve à moderada, traçando metas e estratégias que

garantam o avanço dessas crianças, respeitando seus níveis intelectuais e

tempo de aprendizagem.

POSSIBILIDADES E LIMITES

A Declaração Universal dos Direitos Humanos explicita que todos têm o

direito de participar de situações de aprendizagem e de se desenvolver

como pessoa e como membro atuante em sua comunidade, porém na

maioria das vezes, essas condições não são disponibilizadas. Sendo assim,

se observa que devido ao preconceito, falta de conscientização e descaso,

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12 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

pessoas com necessidades especiais vivem num constante processo de

exclusão.

Muito se fala de direitos e necessidades, porém os obstáculos têm servido

de barreiras para colocar essas pessoas em posições muito aquém de suas

potencialidades.

Segundo aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2001), a atual política

Nacional de Educação Especial menciona prioridades naquilo que diz

respeito ao atendimento especializado que será oferecido nas escolas para

aqueles que dele necessitar.

Observa-se que a deficiência se constitui em um obstáculo para a escola de

ensino regular, pois isso significa receber um aluno fora dos padrões da

normalidade. Sendo assim, para esse aluno significa fazer parte de um

ambiente onde se sente discriminado, vivenciando situações com muitas

barreiras, dificultando assim o seu desenvolvimento. Essas barreiras

tornam-se mais intensas quando o quadro é de deficiência mental.

A deficiência intelectual apresenta certa complexidade em seu conceito o

que acaba deixando dúvidas sobre como lidar com ela e como tratar quem

a possui. É um tipo de deficiência que não poder ser definida, constitui-se

em um inesgotável objeto de questionamentos e investigação.

Além dos inúmeros conceitos, há também profissionais que se mantêm

resistentes, criando verdadeiros obstáculos que acabam prejudicando ou

impedindo a aceitação e o atendimento do indivíduo com deficiência

intelectual. A escola é entendida como um dos mais importantes ambientes

para o favorecimento da integração cultural dos indivíduos, portanto é neste

espaço que se estabelecem várias das relações entre o indivíduo deficiente

e o restante da sociedade.

Segundo Bourdieu (1979) grande parte das competências dos indivíduos

são reconhecidas pelo sistema escolar e muitas das técnicas empregadas

para mensurar essas competências, são escolares. Nessa perspectiva, as

práticas escolares devem permitir aos alunos com deficiência aprendam a

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ter seus valores reconhecidos, para que desta forma possam se desenvolver

e produzir conhecimentos de acordo com suas capacidades.

Em relação ao aprendizado e desenvolvimento, Vygotsky, 1934 diz que é

em meio a interação social que o indivíduo se desenvolve e que a

aprendizagem de qualidade é aquela que antecede ao desenvolvimento,

estando inteiramente relacionado ao contexto sócio cultural em que o

indivíduo em questão esteja inserido.

Para Vygotky, se faz necessário entender o processo de aprendizagem e

ensino através do conceito da Zona de Desenvolvimento Proximal, um

conceito elaborado por ele, que é responsável por definir a distância entre

o nível de desenvolvimento real, que se tratada capacidade de se resolver

um problema sem receber ajuda, e o nível do desenvolvimento potencial

que é a capacidade de resolver o problema com a ajuda de adulto ou a

colaboração de um companheiro mais capaz.

A colaboração do “outro” nesse processo é muito importante, desta forma,

o ambiente escolar proporciona um contexto que possibilita atividades

coletivas, as quais geralmente não ocorrem fora da escola. Assim nota-se

a importância da escola no processo de interação e aprendizagem de todas

as crianças, com ou sem deficiência.

A iniciação da criança na escola irá proporcionar à ela grandes

transformações, isso porque é neste ambiente que lhe será imposta uma

rotina diária de atividades que não são exclusivamente lúdicas e que lhe

exigirão um esforço intelectual e certo nível desenvolvimento cognitivo que

antes nas suas interações sociais de aprendizagem não lhes era cobrado.

Toda atividade realizada no ambiente escolar tem seu foco intencional, ou

seja, é planejado e executado para que a aprendizagem ocorra

efetivamente, exigindo clareza quanto aos objetivos que se quer alcançar.

Para isso são elaboradas sequências de atividades e especificação dos

reforçadores que serão utilizados, assim como a promoção de um ambiente

facilitador da aprendizagem que estimule cada educando, valorizando as

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14 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

potencialidades de cada uma das crianças, inclusive daquela com algum

tipo de deficiência.

A inclusão deve ser vista como um movimento que visa corrigir uma

tradição com práticas excludentes, desta forma precisa realizar uma

reestruturação escolar em seus diferentes aspectos: conceituais,

arquitetônicos, curriculares de forma a receber todas as crianças,

independente destas apresentarem ou não limitações. O que se espera de

fato, é o ajuste e adequação dos padrões escolares de acordo com o público

que recebe.

As escolas ainda encontram dificuldades em se ajustarem às novas

situações, não só das crianças com deficiência mental, como também das

crianças que não se enquadram nos padrões ditos como “normais” para a

educação. Isso ocorre porque muitos educadores ainda não estão

preparados para receber o aluno de inclusão, o que acaba, muitas vezes,

resultando em um trabalho com práticas excludentes.

Mas o que devemos fazer para que tais práticas não ocorram dentro das

escolas?

Ao pensarmos em uma escola inclusiva, é necessário pensarmos em uma

modificação na estrutura, no funcionamento e consequentemente na

resposta educativa, fazendo com que a escola dê lugar à todas as

diferenças.

Esse trabalho só será possível na medida em que a escola promova

mudanças em seu processo de ensinar e aprender, reconhecendo e

valorizando o potencial de cada criança e o seu ritmo de aprender,

reconhecendo que todos possuem potencialidades e que estas podem e

devem ser desenvolvidas.

A escola deverá desenvolver estratégias de ensino acessíveis que

possibilitem aos alunos aprenderem e se desenvolverem adequadamente.

Para isso outro fator primordial dentro da Educação Inclusiva é a formação

do professor.

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Além da formação, é importante que se instituam lugares para a integração

dos profissionais para que estes discutam suas ações, seu modo de

preparar, avaliando sua técnica pedagógica. Isso irá ampliar o saber

específico, e consequentemente irá melhorar a qualidade do ensino

oferecido na escola inclusiva.

A observação da prática de muitos profissionais tem mostrado que na

maioria dos casos o que vem ocorrendo é a inserção física dos alunos na

sala de aula regular, porém sem incluí-los de fato.

É na prática reflexiva que o professor tem a possibilidade de compreender

sua responsabilidade em respeitar as especificidades, peculiaridades e

necessidades específicas de cada aluno.

A prática inclusiva exige a cooperação entre alunos e professor, sendo que

o educador é o agente determinante nessa transformação e tem a

possibilidade de realizá-la.

PRINCIPAIS CAUSAS DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

CAUSAS PRÉ-NATAIS

Também conhecidas como cromossomopatias

• Síndrome de Down

Também conhecida como mongolismo ou trissomia 21 é a sua causa

pré-natal mais frequente da Deficiência Mental. Seu fenótipo, possui como

traços principais, presentes na maioria dos casos, as fácies “mongoloide”,

caracterizado pelo epicanto interno, obliquidade dos olhos para baixo,

achatamento da base do nariz, protusão lingual, orelhas pequenas de

implantação baixa; mãos curtas e largas, com prega palmar única;

separação dohálux, hipoplasia da bacia; má formação cardíaca (CIV) em

40% dos casos. Do ponto de vista neurológico, a hipotonia é o sinal maior

presente ao nascimento e responsável pelo atraso motor.

O QI varia de 25 a 60. A maioria fala e se comunica bem, porém

poucos conseguem se alfabetizar. Quando atingem a idade adulta podem

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desenvolver demência do tipo Alzheimer. Sua sobrevida após a terceira

década é excepcional.

• Síndrome do X frágil

Também conhecida como Síndrome de Martin-Bell, essa síndrome foi

reconhecida recentemente. Calcula-se que sua frequência em meninos de

idade escolar seja de 0,73 por mil, e, em meninas, de 0,48 por mil.

Clinicamente, são crianças com Deficiência Mental moderada ou leve, cuja

maioria apresenta alterações somáticas sugestivas caracterizadas por face

alongada e estreita, com hipoplasia malar e prognatismo, orelhas grandes

e em abano, lábios grossos, palato ogival.

Os distúrbios da linguagem são atrasados e preservativos, e os distúrbios

de conduta com hiperatividade e comportamento autístico são

proeminentes.

• Síndrome do miado do gato

A síndrome do Miado do Gato, também conhecida como Síndrome de Cri

Du Chat é um transtorno que afeta um de cada quinze milhões de nascidos.

Mais comum em meninas do que em meninos.

Identificada pela primeira vez na França, a alteração do cromossomo

5p (região 5p15.2) recebe este nome, pois os indivíduos que a apresentam,

possuem um choro semelhante ao miado de um gato.

Esta doença pode ser detectada durante a gravidez através de teste

genético.

Os sintomas variam e podem ser mais ou menos graves, afetando seus

portadores de forma física e intelectual.

• Síndrome de Rett

A Síndrome de Rett é definida como uma desordem do desenvolvimento

neurológico relativamente rara, foi reconhecida pelo mundo no início da

década de 1980. Desde então, diversos estudos já apontaram que pode

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ocorrer em qualquer grupo étnico com aproximadamente a mesma

incidência.

A prevalência da Síndrome de Rett é de uma em cada dez mil pessoas do

sexo feminino.

Durante os últimos 25 anos, os conhecimentos sobre as características

clínicas e a história natural da Síndrome de Rett evoluíram de maneira

surpreendente. Entretanto, ainda se trata de condição muito desconhecida

para segmentos sociais e científicos importantes: ainda há muitos médicos,

terapeutas e educadores que não fazem ideia do que seja a Síndrome de

Rett, e muitos dos que já ouviram falar sobre ela permanecem

relativamente desinformados sobre os avanços no conhecimento clínico e

terapêutico adquiridos especialmente nesta última década.

Síndromes biológicas poli malformativas

• Aicardi

• Miller-Dieker

• Sotos

• Prader-Willi

• Cronélia de Lange

• Rubinstein-Taybi

• Angerman (HappyPuppet)

• Neuroectodermoses

Infecções fetais

• Toxoplasmose

• Rubéola

• Sífilis

Radiações ionizantes

• Atômica

• Raios X

Intoxicações

• Álcool

• Drogas alucinógenas

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18 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

• Anticonvulsionantes

Desnutrição, distúrbios hipóxicos e isquêmicos

• Síndrome da transfusão fetal

Hipotiroidismo - Proveniente da produção do hormônio T4 pela glândula

tireóide. Esse hormônio é um dos responsáveis pelo desenvolvimento do

cérebro e demais órgãos do corpo humano. Sua falta prejudica o

crescimento da criança e pode resultar em deficiência mental. Uma

reposição hormonal acompanhada por endocrinologistaà partir do 1 mês

de vida, consegue reverter esse quadro, evitando problemas desse tipo.

CAUSAS PERINATAIS

• Kienicterus

• Distúrbios hipóxico-isquêmicos - Circular de cordão, placenta prévia,

deslocamento precoce.

CAUSAS PÓS-NATAIS

• Meningites

• Encefalites

• Traumas

• Estado de mal-epiléptico

• Desidratação grave

• Fenilcetonuria -Proveniente da ausência ou diminuição da atividade

de uma enzima do fígado, responsável pelo processamento de alimentos

ricos em proteínas. Com isso os elementos que sobram intoxicam o cérebro,

provocando sérias lesões neurológicas.

CLASSIFICAÇÃO DA DEFICIÊNCIA

Há quatro níveis de deficiência intelectual. Esses níveis são classificados de

acordo com a variação do quociente de inteligência (Q.I.):

• DEFICIÊNCIA INTELECTUAL LEVE

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19 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

A deficiência intelectual leve pode não ser diagnosticada até que os

indivíduos afetados ingressem na escola, pois suas aptidões sociais e

comunicativas podem ser adequadas aos anos pré-escolares.

Este grupo constitui a maior parte de pessoas com retardo mental –

aproximadamente 85%, porém à medida que crescem, os déficits

cognitivos podem diferenciá-las de outras crianças de sua idade. Embora os

indivíduos levemente deficientes sejam capazes de funções acadêmicas no

nível elementar superior e suas aptidões vocacionais sejam suficientes, para

que se sustentem, a assimilação social pode ser difícil. Dificuldades na

comunicação, baixa autoestima e dependência podem contribuir para sua

relativa falta de espontaneidade social. Na maioria dos casos, as pessoas

com deficiência intelectual leve podem atingir grau de sucesso social e

ocupacional desde que haja um ambiente de suporte.

• DEFICIÊNCIA INTELECTUAL MODERADA

A deficiência Intelectual moderada tende a ser diagnosticada mais

precocemente do que a deficiência intelectual leve, isso porque as aptidões

comunicativas se desenvolvem mais lentamente nestes indivíduos e seu

isolamento social pode se manifestar nos primeiros anos da educação do

primeiro grau.

Embora as conquistas acadêmicas, geralmente, sejam limitação ao nível

elementar mediano, as crianças moderadamente deficientes, beneficiam-se

de um atendimento individualizado. As crianças com deficiência Intelectual

moderada têm consciência de seus déficits e assim sentem-se afastadas de

seus pares e frustradas por suas limitações. Elas continuam necessitando

de um nível relativamente alto de supervisão, mas podem tornar-se

competentes em tarefas ocupacionais em ambientes de suporte. Elas

podem aprender a viajar sozinhos a locais familiares. Constitui

aproximadamente 10% da população com retardo.

• v

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20 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

A deficiência intelectual severa, geralmente se evidencia nos anos da pré-

escola, já que a linguagem do indivíduo afetado é mínima e seu

desenvolvimento motor é baixo.

Algum desenvolvimento da linguagem pode ocorrer nos anos escolares, na

adolescência, se a linguagem for fraca, ocorre a evolução de formas não-

verbais de comunicação. Eles se beneficiam de apenas em uma extensão

limitada de treinamento em coisas como o alfabeto e contas simples. Eles

podem ser ensinados a identificar palavras como homens, mulheres, ônibus

e parada, por exemplo. A incapacidade de articularem plenamente suas

necessidades pode reforçar os meios corporais de comunicação. Os

enfoques comportamentais podem ajudar a promover algum grau de

cuidados pessoais, embora os indivíduos com retardo mental severo

geralmente necessitem de supervisão extensa. Este grupo constitui 3 a 4%

da população com retardo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão exige uma transformação da cultura pedagógica à fim de

promover o desenvolvimento das potencialidades e a valorização das

diferenças dos alunos envolvidos no processo educativo.

O processo de inclusão dos alunos com deficiência desencadeou

importantes discussões sobre a qualidade do ensino ofertada, não só para

indivíduos deficientes, mas para todos os envolvidos no processo de

ensino/aprendizagem.

Para que haja inclusão de fato, é essencial que as práticas propiciem o

desenvolvimento cognitivo de todos dentro das suas competências e

habilidades.

A criança com deficiência intelectual encontra diversas barreiras no

processo de escolarização. Estas vão desde a aceitação, até a dificuldade

para realizar tarefas que para os demais são simples, desta forma cabe à

escola e seus membros (gestores, professores e funcionários) auxiliarem a

mesma no processo de inclusão. O sucesso do aluno com deficiência

intelectual dependerá do trabalho realizado pela escola.

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21 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes

O indivíduo com deficiência deverá ser estimulado através de atividades

acessíveis, tendo o professor como mediador de suas aprendizagens, pois

apesar de levar mais tempo para aprender é capaz de adquirir habilidades

intelectuais e sociais.

A escola deverá estar preparada para receber este aluno, estimulando-o e

respeitando o seu ritmo de aprendizagem.

Diante de todo o estudo realizado, conclui-se que embora a inclusão tenha

um grande caminho a percorrer, muitas escolas têm procurado realizar um

trabalho com carinho e responsabilidade, valorizando as competências e

habilidades do indivíduo com deficiência.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica. MEC SEESP, 2001.

FERREIRA, Windyz B. Educação Inclusiva: Será que sou a favor ou contra

uma escola de qualidade para todos? Revista da Educação Especial - Out/2005, Nº 40.

GOFFREDO, Vera Lúcia Flor Sénéchal. Educação: Direito de Todos os Brasileiros. In: Salto para o futuro: Educação Especial: Tendências atuais/

Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, SEED, 1999.

SANCHEZ, Pilar Arnaiz. A Educação Inclusiva: um meio de construir escolas

para todos no século XXI. Revista da Educação Especial - Out/2005, Nº 07.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3. ed. Rio de Janeiro: WVA, 1997.

UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades

Educativas Especiais. Brasília: CORDE, 1994.

MANTOAN, Maria Tereza Égler; QUEVEDO, Antonio Augusto Fasolo e de

Oliveira; José Raimundo (Org.). Mobilidade, Comunicação e Educação: desafios à acessibilidade. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999.

MANTOAN, Maria Tereza Égler; MARQUES, Carlos Alberto. A integração de

pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Ed. SENAC, 1997.

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22 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Evelin Tatiane Silva Zan2

RESUMO

Alfabetização e o letramento na Educação Infantil: uma perspectiva de

aprendizagem. Embasando no método qualitativo dos professores que

atuam na área da Educação Infantil. Introduzir as práticas de alfabetização

e letramento no contexto infantil contribuirá para o desenvolvimento

integral da criança, facilitando também para seu aprendizado nas séries

iniciais do ensino fundamental. No que se referem à aprendizagem da

linguagem escrita, os quais pressupõem interação entre sujeitos de uma

cultura letrada e requerem uma ação intencional e planejada. Foi em função

disso que a sociedade delegou à escola o papel de ensiná-la e, hoje,

reconhece-se a possibilidade de trabalhar o processo de construção dessa

linguagem desde a Educação Infantil.

O processo de aprendizagem nessa etapa da Educação Básica se amplia, na

medida em que são trabalhados, de modo intencional, os processos de

produção e leitura de textos. Ao mesmo tempo em que constroem o sistema

alfabético de escrita, as crianças vão se apropriando dos aspectos gráficos

dessa linguagem, isto é, das letras, do uso de maiúsculas e minúsculas, da

pontuação, da segmentação e da orientação da escrita. Dessa forma, a

alfabetização e letramento são processos que caminham juntos, esse

trabalho, em específico, buscou um repensar da aquisição da língua escrita,

baseado no alfabetizar letrando.

Palavras chave: Alfabetização. Letramento. Educação Infantil.

INTRODUÇÃO

Os primeiros estudos sobre desenho das crianças datam do final do século

XIX e estão fundados nas concepções psicológicas e estéticas da

época. São os psicólogos e os artistas que descobrem a originalidade dos

desenhos infantis e publicam as primeiras 'notas' e 'observações' sobre o

2 Evelin Tatiane Silva Zan do Curso de Alfabetização e Letramento, [email protected]

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assunto. Como escreveu o famoso pintor Pablo Picasso em relação às suas

observações sobre o desenho infantil: Quando criança, eu desenhava como

Rafael. À medida que fiquei mais velho, passei a desenhar como criança.

De certa forma eles transpuseram para o domínio do grafismo a descoberta

fundamental de Jean Jacques Rousseau sobre a maneira própria de ver e

de pensar da criança. As concepções relativas a infância modificaram-se

progressivamente. A descoberta de leis próprias da psique infantil, a

demonstração da originalidade de seu desenvolvimento, levaram a admitir

a especificidade desse universo.

Mesmo que a alfabetização seja um processo que só se inicia oficialmente

no primeiro ano do ensino fundamental, suas bases são lançadas bem antes

disso, pois desde que nasce a criança está exposta às práticas sociais da

leitura e escrita, grande contribuições em inserir esse processo desde cedo

na vida das crianças na faixa etária de 0 a 6 anos. De acordo com Magda

Soares (2009), a alfabetização e o letramento devem ter sua presença na

Educação Infantil. Os pequenos, antes mesmo do ensino fundamental,

devem ter acesso tanto a atividades de introdução ao sistema alfabético e

suas convenções – a alfabetização, como também práticas sociais de uso

da leitura e da escrita – o letramento.

Durante muito tempo, a educação infantil restringiu o contato das crianças

com a escrita, acreditando que se tratava de uma atividade escolarizada,

mais pertinente às crianças maiores e não as pequenas que ainda

precisavam brincar.

Atualmente, já se reconhece que, assim como tudo que está em seu

entorno, as crianças notam a presença da escrita e se interessam por

desvendá-la. Cabe aos professores, cuidar para que o contato com a escrita

seja prazeroso, desafiador, encantador, mantendo aceso o desejo da

criança de aprender a escrever.

Até pouco tempo atrás, essa era uma tarefa difícil de realizar. Os antigos

métodos de alfabetização, baseados em práticas de prontidão em exercícios

repetitivos de coordenação motora estavam muito presentes nas

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24 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

representações dos professores e, em muitos casos, eram os únicos

recursos conhecidos.

Ainda hoje, essa é uma realidade em muitas regiões do país. Tais métodos,

apesar de populares, são inconvenientes porque afastam as crianças de um

contato significativo com as manifestações socialmente aceitas da escrita,

e enfatizam a decodificação de escrito, mas não a significação, a

compreensão e fruição da linguagem que se usa para escrever.

Apesar das divergências metodológicas dos teóricos da área, existe certo

consenso sobre o fato de que a aprendizagem da linguagem escrita não

depende de um amadurecimento psicológico ou biológico, mas sim, de

complexos processos de construção de conhecimentos ancorados nas

oportunidades sociais que as crianças possam ter com a escrita.

Atualmente, não se defende qualquer método de alfabetização, mas sim

uma abordagem que trabalhe diversas práticas sociais de leitura e escrita,

que trate as manifestações de nossa língua em sua complexidade e não da

decodificação de sinais simples.

A alfabetização e o letramento são apresentados como etapa muito

importante na educação infantil, pois o processo de construção da base

alfabética durante o qual as crianças formulam e reformulam hipóteses,

construindo explicações sobre o que a escrita representa e como ela é

representada, elas vão se apropriando da dimensão sonora da escrita,

percebendo a relação entre o que falamos e o que escrevemos,

desenvolvendo passo a passo a capacidade de representação alfabética e

aproximando-se progressivamente das convenções ortográficas com suas

regularidades e irregularidades.

A importância de introduzir as práticas de alfabetização e letramento na

primeira fase da criança na escola, pois desde o seu nascimento a criança

interage com os signos, figuras, letras, números e tudo que possa ter um

significado para a linguagem escrita. E a educação infantil, apesar de ser

uma fase na qual predomina a oralidade, torna-se uma etapa fundamental

para a alfabetização e letramento, na qual as crianças possam vivenciar

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25 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

práticas que integrem conhecimentos construídos por elas no âmbito da

oralidade e da escrita.

A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Segundo Kuhlmann (2000), as primeiras instituições dedicadas às crianças

pequenas no Brasil, fossem elas destinadas a crianças das camadas

abastadas ou de famílias com poucos recursos financeiros, possuíam um

projeto educacional. Para as crianças das classes populares, concepção

formulada no início do século XX, previa-se um atendimento sem grandes

investimentos financeiros. Configurou-se, assim, para as crianças das

classes mais pobres, uma educação assistencialista, uma pedagogia da

submissão, para a qual o atendimento à criança era entendido como uma

dádiva, e não como um direito. A atenção à criança era vista como uma

estratégia para reduzir conflitos sociais ocasionados pelas precárias

condições de vida.

Essa concepção assistencialista predominou no atendimento oferecido

pelas instituições de Educação Infantil, relacionando-o à ideia de proteção,

higiene e saúde. O atendimento era realizado por órgãos do governo,

vinculados à Saúde ou à Assistência Social ou, em menor proporção, por

empresas que se propunham a atender os filhos das trabalhadoras e o

faziam desde o berçário, como em São Paulo, em 1920. Kramer (2006)

esclarece que a criação destas instituições foi constante, contudo, Saúde,

Assistência e Educação não se articularam ao longo da história, e nenhuma

destas esferas considerou-se responsável efetivamente pelo atendimento à

criança.

Além da diferença do atendimento de acordo com a classe social, Kuhlmann

(2000) ressalta que houve direcionamentos diferentes também para o

atendimento segundo a idade das crianças. Para aquelas de zero a três anos

de idade, o atendimento vinculava-se aos órgãos de Saúde e de Assistência,

cujas instituições eram denominadas creches. O atendimento das crianças

de quatro a seis anos estava ligado ao sistema educacional, sendo as

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crianças atendidas nos Jardins de Infância, inspirados pela pedagogia de

Fröebel.

Estes atendimentos cresceram de forma lenta, tiveram nomenclaturas

diferentes (creche, maternal, jardim de infância, pré-escola) e aos poucos

se modificaram. Na trajetória histórica da Educação Infantil, no Brasil, é

possível constatar que esta lentidão no processo de expansão persistiu até

meados dos anos 70, quando, tendo como contexto histórico o Regime

Militar, a Educação Infantil brasileira passa a vivenciar profundas

transformações.

Naquele momento, o governo brasileiro não podia mais desconsiderar a

camada mais pobre frente ao desenvolvimento que o país passava a

vivenciar com o Milagre Econômico. O fracasso escolar das crianças

oriundas das camadas populares no Primeiro Grau não seria condizente com

o desenvolvimento do país.

Para sanar as questões relacionadas a este fracasso, atribuindo

supostamente às “deficiências” de origem cultural e à “inexperiência” das

crianças, seria preciso criar estratégias e políticas compensatórias, desde

os primeiros anos de escolarização, acreditando que assim ocorreria uma

democratização do ensino. Essa política ficou conhecida como Educação

Compensatória (KRAMER,1982).

A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

(Unesco), o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) e a

Organização Mundial da Saúde (OMS) influenciavam nas políticas sociais

dos países pobres, exigindo que essas fossem de baixo custo.

O Unicef, inicialmente, envolveu-se em projetos educacionais e,

posteriormente, passou a se ocupar da criança como um todo voltando sua

atenção para a educação pré- escolar. Em 1965, este órgão promoveu a

Conferência Latino-Americana sobre a Infância e a Juventude no

Desenvolvimento Nacional, já trazendo a ideia de simplificar as exigências

básicas para uma instituição educacional e implantar um modelo de baixo

custo, apoiado na ideologia do desenvolvimento da comunidade, que

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27 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

influenciou a elaboração do Plano de Assistência do Pré-escolar, do

Departamento Nacional da Criança – DNCr – de 1967.

As orientações que guiaram as propostas de pré-escola de massa,

elaboradas pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC – formuladas

durante a década de 70 e 80, encontram-se nesse Plano de Assistência do

Pré-escolar. Trata-se de uma política de assistência ao pré-escolar que não

possuía recursos orçamentários específicos e se apoiava no trabalho

voluntário, na cessão de espaços, baseando-se na participação comunitária.

É sob esta influência que a educação da criança pequena começa a receber

a atenção do poder público. Ações, programas e projetos que marcaram o

processo de expansão da pré- escola indicam, de acordo com Rosemberg

(1992), a opção dos órgãos governamentais por programas de cunho

compensatório e de massas. Assim, em 1974, há a publicação do parecer

n. 2.018/74, do Conselho Federal de Educação (CFE); a criação, em 1978,

do Serviço de Educação Pré-escolar (Sepre) subordinado ao MEC,

transformado, no ano seguinte, em Coordenadoria de Educação Pré-Escolar

( Coepre); a publicação do Programa Educação Pré- Escolar: Uma Nova

Perspectiva, em 1975; a realização do Primeiro Encontro de Coordenadores

de Educação Pré-Escolar, em Brasília, nesse mesmo ano, e a implantação

do projeto Casulo, em 1977, pela Legião Brasileira de Assistência – LBA. A

proposta do MEC de 1975 tornou-se o modelo nacional de atenção ao pré-

escolar até a Nova República, inspirando, por meio dos ideais difundidos, a

criação do projeto Casulo, primeiro programa brasileiro de Educação Infantil

de massa desenvolvido pela LBA.

A partir dos anos 80, muitas críticas eram feitas a esse modelo, que

considerava a educação pré-escolar como solução para os problemas das

crianças pobres e, portanto, como estratégia para recuperar déficits

cognitivos, afetivos e sociais. Estas críticas direcionavam-se para o fato de

que estes programas, com esta perspectiva, em vez de beneficiarem as

crianças pobres, estavam marginalizando-as e discriminando-as. As várias

manifestações isoladas foram ganhando força até se tornarem expressão

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dos movimentos sociais, como, por exemplo, o Movimento de Luta por

Creches – MLPC–, criado oficialmente em 1979. Tratava-se de um

movimento social composto por grupos políticos que se opunham à Ditadura

Militar. As reivindicações incorporadas pelo MLPC, de acordo com Kulhmann

(2000), faziam parte do processo de redemocratização do Brasil.

Para responder a estas críticas houve alterações das propostas do MEC por

meio do Programa Nacional de Educação Pré-Escolar, 1981, que estabelecia

as diretrizes, prioridades, metas, estratégias e um plano de ação voltado

para as crianças em idade pré-escolar. De acordo com essas diretrizes, a

função da pré-escola não seria preparar para a escolarização posterior, mas

sim possibilitar o desenvolvimento global e harmônico da criança,

respeitando suas características físicas e biológicas, de acordo com sua

idade, cultura e comunidade. Isto ajudaria a superar os problemas da falta

de recursos da família, contribuindo para que as crianças apresentassem

melhor resultado na escola. Várias críticas foram feitas ao Programa

Nacional de Educação Pré-escolar. A função compensatória era substituída

por uma função de “curar males sociais”, deixando de fora a discussão do

que seria uma educação capaz de contribuir de fato para o processo

educativo da criança.

Somente na década de 80, o MEC passa a ter ações mais incisivas na

educação pré- escolar. Em 1981, o Movimento Brasileiro de Alfabetização

(Mobral), instituição voltada para alfabetização e educação continuada de

adolescentes e adultos, passou a integrar o Programa Nacional de Educação

Pré-escolar. O Programa Nacional de Educação Pré-escolar do Mobral

expandiu-se, tornando-se responsável, em 1982, por 50% do atendimento

pré-escolar na rede pública. Após sua extinção, em 1985, o programa foi

transferido para a Secretaria de Ensino de 1º e 2º graus do MEC. Dois anos

depois, para a Secretaria de Educação Básica do MEC (SEB/MEC), que

manteve as metas estabelecendo convênios com as prefeituras para

continuar o atendimento.

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29 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

Além desse programa, outros foram considerados importantes para a

década de 1980: O Programa de Capacitação de Professoras de Educação

Pré-escolar (Proepre), o programa Zero a Seis, o Primeiro Mundo, produzido

pela fundação Roberto Marinho em convênio com o MEC, que abordava

assuntos de cuidados e a educação da criança; o programa Primeiro a

Criança, em 1986, que era restrito à assistência e à alimentação, sob a

responsabilidade da LBA.

A educação de zero a seis anos começou a ser reconhecida e ampliada.

Alguns fatores impulsionaram a crescente demanda da população pelo

atendimento educacional da criança pequena como:– mudanças no modelo

econômico brasileiro que demandava mão de obra qualificada;– a busca

da creche e pré-escola pelos pais como uma alternativa para minimizar a

carência de alimentação surgida pela crise de desemprego;– o aumento da

participação da mulher no mercado de trabalho;– o reconhecimento pela

sociedade da importância das primeiras experiências para o

desenvolvimento da criança; e a colaboração de estudos científicos de

várias áreas do conhecimento, mostrando que as crianças, nos primeiros

anos de vida, passam por processo rico de crescimento cognitivo e

emocional.

Por outro lado, os movimentos socialistas e feministas, na segunda metade

da década de 70 e início da década de 80, impulsionavam a maior inserção

de mulheres no mercado de trabalho, trazendo, cada vez mais, a

necessidade de equipamentos que atendessem seus filhos. Surgia, deste

modo, uma outra dimensão para a necessidade da educação, que se

vinculava à forma de garantir às mães o direito ao trabalho. “A luta pela

pré-escola pública, democrática e popular se confundia com a luta pela

transformação política e social mais ampla” (KUHLMANN, 2000, p.11).

Outro fator importante é que a incorporação das mulheres da classe média

ao setor trabalhista fez com que também passassem a demandar as

instituições educacionais para os seus filhos. Consequentemente, a visão

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30 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

de atendimento educacional deixava de ser exclusividade para as classes

pobres, dando lugar a novas formas de pensar a Educação Infantil.

Ao longo dos anos seguintes, os discursos sobre a necessidade de

instituições educacionais que atendessem às crianças pequenas se

diversificaram. A luta deixou de ser exclusivamente das mães que

precisavam trabalhar, passando a ser uma luta pelo direito da criança de

zero a seis anos a uma educação de qualidade.

Em resposta às reivindicações dos movimentos sociais e à crescente

necessidade de atender aos direitos das crianças, ressaltados por

intelectuais e militantes, a educação de zero as seis anos, em 1988, com a

promulgação da Constituição Federal, passa a assumir um caráter

educacional para todos, independente de sua classe social.

Os direitos atribuídos às crianças pela Constituição Federal de 1988 vão ser

reafirmados pouco depois pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em

1990, e, alguns anos mais tarde, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

em 1996 (LDB/9394/96), que atribuiu à Educação Infantil o status de

primeira etapa da educação básica. Este foi outro momento bastante

significativo para a superação do caráter de atendimento assistencialista ou

compensatório para as crianças de zero a seis anos e a afirmação da ideia

de Educação como um direito para todas elas. A Educação Infantil passou

a ser vista como essencial para atender às especificidades do

desenvolvimento das crianças, reforçando o caráter educacional.

Tal concepção, embora não tenha se materializado em todo contexto social

brasileiro de forma a superar completamente a visão assistencialista na

educação destinada às camadas populares, trouxe avanços significativos

com a incorporação da Educação Infantil ao Sistema Educacional. A partir

dessas mudanças consagradas na legislação, novas demandas tornaram-se

evidentes, dentre as quais Kramer (2006) aponta: a formulação de políticas

de formação de profissionais, as orientações curriculares, a definição de

critérios de qualidade, a discussão sobre a concepção de infância e de direito

da criança, a ampliação da oferta com qualidade, o debate sobre o

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31 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

financiamento com a inclusão das creches e pré-escolas no Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (Fundeb), a articulação de políticas de Educação

Infantil com políticas sociais, as formas de estruturação da Educação

Infantil no âmbito da educação básica e sua articulação com o Ensino

Fundamental, a organização escolar e da Educação Infantil em diferentes

contextos municipais e diferentes formas de avaliações.

O conhecimento científico, a arte e a vida cotidiana fazem parte da

Educação entendida como prática social. Sendo a criança sujeito da história

e da cultura, ela tem direito de se inserir nesta prática e vivenciar os bens

que nela estão incluídos, de forma completa, sem fragmentações.

Considerar a criança a partir desta perspectiva significa proporcionar-lhe

participar da experiência cultural que, para Kramer (2006), é o que articula

a Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Uma das formas de

proporcionar esta participação é garantir às crianças o direito de apropriar-

se da linguagem escrita como um bem cultural. Como ressalta Baptista

(2013a), publicações acadêmicas (Kramer, 2010; Baptista, 2010; Brandão

e Rosa, 2010; Baptista, 2011) vêm discutindo a temática da alfabetização

e do letramento na Educação Infantil, no contexto atual, no qual a Educação

Infantil parece assumir um papel de destaque no ensino e na aprendizagem

da linguagem escrita.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS E DISCUSSÃO TEÓRICA

A discussão sobre as dificuldades da escola para dar conta de alfabetizar de

modo íntegro a população brasileira envolve muitas questões, como tem

sido apontado em muitos estudos – questões políticas, culturais, sociais,

históricas, entre outras origens.

A discussão se situa principalmente desde o final do século XIX e no interior

dessa discussão a questão do método de alfabetização sempre se fez

presente, trazendo à tona o debate sobre o papel que a análise da língua

em unidades linguísticas ocupa no processo de alfabetização, quem realiza

tal análise, o que é ou deve ser analisado e de que modo. Este debate tem

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32 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

gerado estudos, propostas e metodologias de alfabetização, e também

divergências.

A discussão tem sido contínua, incorporando novos conhecimentos de

diferentes áreas de estudo desenvolvidos especialmente a partir da década

de oitenta do século passado. Tais conhecimentos têm possibilitado uma

discussão muito mais qualificada do tema, levando-nos à compreensão e

explicação de muitos aspectos, fatos e fenômenos tradicionalmente

recorrentes no processo de alfabetização, além de ter-nos revelado

aspectos desconhecidos e redimensionado facetas até então pouco

destacadas. Não temos dúvida da relevância dos estudos linguísticos,

principalmente descrevendo a língua, para a compreensão da sua estrutura,

de seus princípios e da relação entre oralidade e escrita.

Sabemos, entretanto, que a análise da língua realizada pela criança para

aprendê-la não é a de um pequeno linguista, como se chegou a pensar no

desenvolvimento de estudos da aquisição da linguagem oral. Muitos dos

estudos estruturais de descrição linguística são criticados inclusive por

terem “esquecido” o processador da língua, o sujeito falante.

A consciência fonológica das crianças, por sua vez, tem sido examinada e

medida, antes e durante o percurso do processo de alfabetização, o que

tem levado alguns autores a destacá-la como fator necessário para a

aprendizagem da escrita. Entendemos de acordo com estudos realizados,

que são muitas as janelas linguístico-discursivas que se abrem para as

crianças no processo de aprender a ler e a escrever. Algumas crianças são

mais sensíveis a palavras e textos, como um todo, e outras, mais sensíveis

a fonemas ou sílabas, e mesmo a letras.

Entendemos que a consciência fonológica, outro ponto de estudo e de

divergência entre estudiosos do assunto, se desenvolva no percurso da

aprendizagem da linguagem escrita, isto é, como um produto deste

processo, e não precisa ser tomada como condição para a aprendizagem

em questão. Dois outros aspectos se destacam de estudos sobre a escrita

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33 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

e do seu ensino, considerando o contexto das reflexões e preocupações

acima.

O primeiro se refere à língua escrita estudada e trabalhada como uma

transcrição do oral. Segundo a linguista Ruth Monserrat (1986), a maioria

dos alfabetos “fonêmicos” atuais – tanto os das línguas com longa tradição

escrita, como os das com escrita recente – são uma mescla de símbolos

fonêmicos, morfofonêmicos e até logográficos. Em outras palavras, a

essência atual da escrita no mundo tem caráter em grande medida

convencional, embora ela tenha tido origem na representação parcial da

fala.

O segundo aspecto se relaciona à sintaxe da língua escrita, ao léxico e aos

conjuntos de sinais que contribuem para o sentido do texto, como sinais de

pontuação e de acentuação, marcadores de paragrafação, de divisão das

palavras em final de linha e também a disposição gráfica do texto, ainda

que consideremos a relação oralidade-escrita como um complexo

continuum. Estes dois aspectos nos sugerem a necessidade de

intensificação da pesquisa nesta área e a possibilidade de pensarmos em

algumas revisões nos modos de alfabetizar. Além disso, uma questão que

teima em permanecer, e que tem preocupado permanentemente, é a

dislexia sígnica que tem se produzido em uma parcela imensa da população

brasileira (Pacheco, 1998) que é agravada pela apresentação da linguagem

escrita como um simulacro, revelando um trabalho alfabetizador isolado das

tensões discursivas e da historicidade, existentes em qualquer processo e

qualquer texto.

Os alunos são considerados alfabetizados pela escola, mas, no entanto, não

modificam, ou modificam muito pouco, a sua condição de pertencimento à

sociedade letrada. Essa incapacidade gera nos alunos sentimentos de

incompetência e de impotência que reforçam a sua “desqualificação” social

(MOYSES, 1985). Na perspectiva apontada, a noção de letramento tem se

mostrado significativa. Partimos do princípio, como postula Soares (2003),

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34 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

que os processos de alfabetização e de letramento são distintos, mas

interdependentes e indissociáveis.

Ler e escrever são atividades altamente complexas que envolvem o

conhecimento de linguagens sociais, que historicamente e culturalmente

foram se organizando oralmente e por escrito, por meio de recursos

expressivos, como modos de dizer os conhecimentos das diferentes esferas

sociais criadas pelo homem. As linguagens sociais apresentam os

conhecimentos das esferas de conhecimento com sintaxes e repertórios

lexicais que as caracterizam, associadas a gêneros do discurso que foram

se elaborando para dar conta das necessidades humanas nas situações

sociais.

Ensinar, pois, a linguagem escrita sem considerar tais aspectos é perder

suas características vitais, sem as quais a linguagem perde seu vigor

político, sua abertura a múltiplos sentidos, sua atmosfera de campo aberto

à entrada e saída de sujeitos, espaço de liberdade e de constrição que é.

As linguagens sociais ligadas às esferas sociais do conhecimento nos dizem

das muitas possibilidades que temos de olhar para o mundo, são

perspectivas sociais; e os gêneros do discurso são formas de ação social

nesse mundo, nessa realidade.

Ampliam, portanto, nossas possibilidades discursivas, ampliando nossas

possibilidades de participar de forma mais ativa e compreensiva da

sociedade. Diante do exposto, com base em Lemos (1988, p.10),

procuramos entender o acesso das crianças a textos escritos, a portadores

de textos e a situações em que os textos são produzidos, ou seja,

consideramos nós, ao contexto de produção, funcionamento e valores da

linguagem escrita, observando na prática pedagógica da creche de que

modo práticas discursivas orais, e, portanto, interpretáveis pela criança,

permeiam as atividades atravessadas pela escrita, oferecendo a ela lugares

e modos de participação.

Os estudos de Olson e Astington (1990), por sua vez, nos levam a

compreender que o letramento deve ser interpretado como algo mais geral

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do que a competência para a escrita: ser letrado é ser competente para

participar de uma determinada forma de discurso, sabendo-se ou não ler e

escrever. Uma outra compreensão se relaciona ao fato de que a

escolarização parece fornecer competência para falar sobre o falar, sobre

questões, sobre respostas, isto é, a competência de uma metalinguagem.

Os dois autores concluem, com base em trabalhos também de outros

autores, que as consequências cognitivas do letramento estão ligadas ao

envolvimento em uma cultura letrada e não diretamente às habilidades de

leitura e escrita.

ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Embora a alfabetização não seja uma exigência de aprendizagem da

educação Infantil, observamos com Vygotsky (1991) que o ensino da

linguagem escrita pode ter lugar, desde a pré-escola, e que se respeite todo

o processo de desenvolvimento pelo qual cada criança deve passar. O

importante na aquisição da linguagem escrita é que ela seja percebida como

algo importante e necessário pela criança. Essa é a primeira conclusão a

que o autor chega, “[...] a leitura e a escrita devem ser algo de que a criança

necessite.” (id, p.156) e que sejam percebidos como algo relevante para

sua vida. Para entender melhor o conceito de alfabetização, vejamos o que

afirma Soares (2003, p. 15):

[...] o termo alfabetização designa tanto o processo de aquisição

da língua escrita quanto o de seu desenvolvimento:

etimologicamente, o termo alfabetização não ultrapassa o

significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o

código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever;

[...] alfabetização em seu sentido próprio, específico: processo de

aquisição de código escrito, das habilidades de leitura e escrita.

[Grifo no Original]

Assim, para a autora, alfabetizada é a pessoa que aprende a ler e escrever,

mesmo que não faça uso das mesmas, ou seja, não incorporam à sua vida

a prática da leitura e da escrita. Do ponto de vista de Soares, as atividades

do cotidiano escolar da educação infantil como os rabiscos, os desenhos, os

jogos, as brincadeiras de faz-de-conta, não são consideradas atividades de

alfabetização, mas na verdade já faz parte desse processo.

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A fase inicial da aprendizagem da língua escrita, constituindo,

segundo Vygotsky, a pré-história da linguagem escrita: quando

atribui a rabiscos e desenhos ou a objetos a função de signos, a

criança está descobrindo sistemas de representação, precursores e

facilitadores da compreensão do sistema de representação que é a

língua escrita. (Soares, 2009, p.8)

Constatamos, desse modo, que é a partir dos rabiscos ou desenhos

realizados pelas crianças, ou seja, aquilo que elas se apropriam são

símbolos que mais adiante são transformados em letras para representar à

escrita.

Ainda, segundo Vygotsky, “as vivências de representações semióticas, não

propriamente linguísticas, é um primeiro passo em direção à representação

da cadeia sonora da fala pela forma gráfica da escrita” (Soares, 2009, p.8).

A fase citada acima pode ser comparada como a pré-história da escrita onde

às crianças supõem estar escrevendo quando na verdade estão rabiscando

ou imitando a escrita dos adultos, isso significa um avanço no processo de

alfabetização, um reconhecimento da natureza arbitrária da escrita. É o

primeiro nível, entre os níveis por que passam as crianças em seu processo

de conceptualização do sistema alfabético, identificados tão claramente por

Emília Ferreiro e Ana Teberosky (2001): níveis icônicos e da garatuja, pré-

silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. Conforme Soares

(2009), quase todos esses níveis podem ocorrer na educação infantil.

As pesquisadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky (2001), identificaram os

níveis investigando comportamentos de crianças de 4, 5 e 6 anos, e nesses

estudos comprovaram que sendo bem orientadas e incentivadas por meio

de atividades adequadas e de natureza lúdica, evoluem rapidamente em

direção ao nível alfabético. De acordo com Piaget, o processo de

desenvolvimento de determinadas habilidades motoras e intelectuais se dá

através de estágios: “um estágio comporta ao mesmo tempo um nível de

preparação, por um lado, e de acabamento, por outro [...] é necessário

distinguir, em toda a sucessão de estágios, de processos de formação ou

de gênese e as formas de equilíbrio finais [...].” (PIAGET, 1973b, p. 52).

Piaget fala sobre a teoria do desenvolvimento da criança, onde descreve

quatro estágios, que ele próprio chama de fases de transição (PIAGET,

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37 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

1975). São eles: Sensório-motor (0 – 2 anos); Pré-operatório (2 – 7, 8

anos); Operatório-concreto (8 – 11 anos); operatório – formal (8 – 14

anos). De uma forma geral, todos os indivíduos vivenciam essas quatro

fases na mesma ordem, porém, cada pessoa tem seu tempo e sua

maturação para iniciar e terminar cada uma dessas fases. Por isso, a

classificação das faixas etárias não pode ser considerada regra.

Assim, cada estágio por qual a criança passa constitui-se em formas

particulares de equilíbrio, caracterizam-se por uma sucessão constante de

aquisições, sendo sua ordem cronológica bastante variável, pois esta

depende da experiência anterior do sujeito, do meio social, que pode

acelerar ou retardar o aparecimento de um estágio, e não somente da sua

maturação biológica.

As pesquisas realizadas por Emília Ferreiro indicam que cada sujeito, no

processo de construção da escrita, parece refazer o caminho percorrido pela

humanidade, qual seja: Pictográfica: forma de escrita mais antiga que

permitia representar só os objetos que podiam ser desenhados: desenho

do próprio objeto para representar a palavra solicitada. Ideográfica:

consistia no uso de um simples sinal ou marca para representar uma palavra

ou conceito: uso de símbolos diferentes para representar palavras

diferentes. Logográfica: escrita constituída por desenhos, referentes ao

nome dos objetos e não ao objeto em si.

Assim como as primeiras civilizações faziam inscrições na pedra e a

"escrita" representava o próprio objeto, para Ferreiro citada por Ribeiro

(2007), a criança associa o significante ao significado. Sendo assim,

considerando a escrita como sistema de representação, a autora observa

que [...] quando uma criança começa a escrever, produz traços visíveis

sobre o papel, e além disso, e fundamentalmente, põe em jogo suas

hipóteses acerca do significado mesmo da representação gráfica. (RIBEIRO,

2007, p. 40)

Na pesquisa realizada por Emília Ferreiro e Ana teberosky (1999) sobre a

aquisição do sistema de escrita, concluiu que havia níveis nesse

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38 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

desenvolvimento. Os níveis descritos pelas autoras são: pré-silábico,

silábico, silábico-alfabético e alfabético.

O nível Pré-silábico I, em m que a criança acredita que escrever é

reproduzir ou imitar os traços da escrita do adulto. Nesta etapa a criança

pode ter a intenção de produzir marcas diferenciando desenhos de letras ou

outros códigos, mas sua escrita ainda não pode funcionar como um veículo

informativo. E Pré-silábico II. Se a forma básica de escrita que a criança

tem contato for letra de imprensa, fará rabiscos separados, com linhas retas

e curvas; se for letra cursiva fará rabiscos ondulados.

No nível pré-silábico II a criança já usa letras ou criam pseudoletras, quando

ainda não dominam as letras convencionais do nosso alfabeto para

escreverem algo. A criança pensa que é possível ler nomes diferentes com

grafias iguais; Posteriormente a criança nega esta sua hipótese, porque

acredita que, para ler nomes diferentes, eles devem ser escritos com letras

diferentes.

Ainda de acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), a criança passa por uma

fase em que ocorre o que denomina eixo quantitativo da escrita. A criança,

de um modo geral, exige um mínimo de três letras para o escrito ser uma

palavra. As palavras como pé, sol, rua, lar e outras, segundo ela não

poderão ser lidas porque tem poucas letras. São rejeitadas, em função do

critério interno de quantidade. O adulto que, normalmente, lê artigos,

preposições, conjunções e outros, jamais suspeitariam desse critério que a

criança utiliza. Daí a ênfase de Emília Ferreiro no sentido de que o processo

de alfabetização tem que ser visto do ponto de vista de quem aprende

(aluno) e não daquele que ensina (professor). Segundo as autoras, a

criança pode vir a passar por momentos onde afirmam que para que se

possa ler ou escrever uma palavra, torna-se necessário, também, variedade

de caracteres gráficos. As palavras que possuem letras iguais são também

rejeitadas. A criança acredita que "não servem para ler". De acordo com

este critério de variedade, para possibilitar a leitura, é preciso haver letras

variadas nas palavras.

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39 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

Outro ponto a ressaltar, é que numa determinada fase, a criança não separa

letras de números. Costuma, às vezes, escrever colocando numerais junto

às letras, já que ambos envolvem linhas retas e curvas. A característica

observada é que a criança acredita que os nomes das pessoas, animais ou

objetos devem ter nomes grandes. Por conseguinte, as coisas pequenas

terão nomes pequenos. É o que chamamos de realismo nominal lógico.

Posteriormente as formas gráficas adquirem maior proximidade com as

letras convencionais. As crianças interagem com outros sistemas

notacionais, como por exemplo, os números fazendo distinção entre os

símbolos (letras) que são usadas na escrita de outras formas de produção

(desenhos, números, placas e outros)

No nível silábico, a criança começa a escrever como uma produção

controlada pela segmentação silábica da palavra. A escrita neste nível

constitui um grande avanço e se traduz num dos mais importantes e

esquemas construídos pela criança, durante o seu desenvolvimento. Pela

primeira vez, ela trabalha com a hipótese de que a escrita representada

partes sonoras da fala, porém uma particularidade: cada letra vale por uma

sílaba. Assim, utiliza tantas letras quanto forem as sílabas das palavras. Ao

trabalhar a escrita silábica, as exigências de variedade e de quantidade

mínima de caracteres que aparecem na escrita pré-silábica, podem

desaparecer momentaneamente.

Mas se a criança já tiver internalizado a hipótese silábica, a exigência na

variedade de caracteres reaparece, pois a criança não aceita que uma

palavra poderá ser lida com todas as letras iguais, e o problema se agrava

quando a palavra a ser escrita seja um monossílabo. A criança não aceita

que uma palavra com menos de três de letras possa ser lida, e então na

tentativa de que se possa ler o que ela escreveu, acrescenta-se letras ao

final da palavra. E a partir disso, surge um conflito cognitivo por causa da

exigência de quantidade mínima de caracteres e a criança tenta buscar

outra solução para o seu "problema".

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No nível Silábico Alfabético, a passagem da hipótese silábica para a

alfabética é um passo de extrema importância na evolução da leitura e da

escrita. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999) a criança abandona a

hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise, que vá

"mais além" da sílaba, pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência

mínima de caracteres e o conflito entre a variedade interna das letras.

A criança percebe a insuficiência de sua hipótese ao associar uma letra para

cada sílaba e passa a perceber a sílaba constituída com mais de uma letra.

Pode-se explicar a passagem do nível silábico para o silábico-alfabético,

quando a própria criança não consegue ler o que escreveu, pois faltam

elementos para que se faça a leitura, e quando os adultos não conseguem

ler o que a criança escreveu. Outro fator que também explica essa

passagem é impossibilidade de ler o que as pessoas alfabéticas escrevem,

pois as crianças acham que sempre está sobrando letras e então ela entra

em conflito, pois sabem que nos livros e nas escritas das pessoas

alfabetizadas, o que está escrito, está correto.

A fase final do processo de alfabetização de um indivíduo é marcada pelo

Nível Alfabético, segundo Ferreiro e Teberosky (1999). Nesse nível, pode-

se considerar que a criança venceu as barreiras do sistema de

representação da linguagem escrita. Ela já é capaz de fazer uma análise

sonora dos fonemas das palavras que escreve. Isso, porém não significa

que todas as dificuldades foram vencidas. A partir daí, surgirão os

problemas relativos à ortografia. Entretanto, trata-se de outro tipo de

dificuldade que não corresponde ao sistema de escrita que ela já venceu.

De acordo com a pesquisa realizada por Ferreiro e Teberosky (1999),

constatou-se que a apropriação do sistema de escrita passa pela

reconstrução deste objeto de conhecimento, onde o sujeito cria os

elementos e as relações que compõem este sistema de representação.

Nesta reconstrução, o sistema alfabético de escrita é uma das

representações da linguagem e não uma representação gráfica dos sons da

fala.

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Na concepção de Piaget (1973) além da equilibração, outros fatores são

responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo: a maturação, as experiências

com o objeto de conhecimento e a transmissão ou interação social. Em

outra perspectiva, a aprendizagem da leitura e da escrita se inicia na

educação infantil. “A instituição de Educação Infantil é um lugar onde

predomina o espontâneo e as brincadeiras prazerosas, ou seja, há uma

atmosfera não diretiva no trabalho pedagógico". (ARCE, 2010, p.21).

Vale ressaltar diante desse contexto, a importância de trabalhar de forma

lúdica com os pequeninos, uma vez que, proporciona uma aprendizagem

prazerosa por meio do brinquedo, das brincadeiras do faz de conta, do

desenho e dos jogos, favorecendo o desenvolvimento integral das crianças

pequenas. Portanto, todas essas práticas educativas desenvolvidas pelo

professor de educação infantil devem ser orientadas e direcionadas,

tornando assim, um trabalho voltado para o aprendizado do aluno e que

este seja capaz de desenvolver suas capacidades de imaginação e criação.

Trabalhar frequentemente atividades consideradas de natureza lúdica como

a repetição de parlendas, a brincadeira com frases e versos trava-línguas,

as cantigas de roda, a memorização de poemas, podem influenciar de forma

positiva para a compreensão do princípio alfabético. Para Soares (2009,

p.8) “jogos voltados para o desenvolvimento da consciência fonológica, se

realizados sistematicamente na educação infantil, criam condições propícias

e, inclusive, necessárias para a apropriação do sistema alfabético”.

A IMPORTÂNCIA DO DESENHO

Desenho, primeira manifestação da escrita humana. Continua sendo a

primeira forma de expressão usada pela criança.

Expressar-se através do desenho é colocar sua vida no papel, com toda a

emoção. Estar atento aos sinais emitidos por ela, de maneira especial ao

desenho, uma vez que este tem muito a dizer sobre quem o fez, sua

personalidade, seus sentimentos, suas dificuldades de aprendizado, dentre

outros. E pode ser um rico aliado na descoberta e tratamento de

dificuldades de aprendizagem, traumas...

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Através do desenho livre, a criança desenvolve noções de espaço, tempo

quantidade, sequência, apropriando-se do próprio conhecimento, que é

construído respeitando seu ritmo. Aprende também a função social da

escrita, pois sua comunicação, feita através do desenho pode ser

compreendida por outras pessoas antes que ela aprenda usar a escrita

convencional para se comunicar.

Chamat (2004, p. 112), nos fala um pouco mais o que é observado no

desenho:

O desenho é analisado levando-se em consideração tanto os

aspectos gráficos (traços, tamanho, posição na folha, detalhes)

quanto os vinculares com o conhecimento e com o “outro“ (aquele

que lhe passa conhecimento) que a cena transmite, Percebe-se

então, como o sujeito se coloca numa situação de aprendizagem e

como percebe a mesma. A estruturação e a sequência de

pensamento são elementos importantes na análise, bem como o

grafismo como um meio de detectar déficits de escrita e em que

momento do relato estes ocorrem.

Como afirma Piaget (1975), quando aprendemos algo novo temos que

recorrer ao conhecimento prévio, desde a primeira vez que temos contato

com lápis e papel e conseguimos coordenar os movimentos do braço e da

mão segurando o lápis e riscando o papel, mesmo que estes desenhos não

possam ser interpretados com significado pelo adulto ou mesmo que a

criança mude de ideia cada vez que perguntarmos o que ela desenhou.

O uso do desenho na psicopedagogia aproveita a forma da criança

expressar-se espontaneamente, satisfazendo seus desejos de

atividade lúdica. Sendo aconselhável usar com frequência o desenho

livre, deixar a criança a vontade para desenhar sobre o que ou quem

quiser, para somente em seguida indagá-la sobre o porquê? Como?

Onde? Quem? Dentre outros. É interessante também, para um

diagnóstico, solicitar que a criança conte uma história sobre o

desenho que fez. (WEISS, 2004, p. 121)

Compreendemos com essas palavras o quão é importante usar o desenho

como recurso no diagnóstico, unido à verbalização o psicopedagogo poderá

interpretar a produção do sujeito em questão.

CARACTERÍSTICAS DO DESENHO

Piaget (1948) diz que a representação é gerada pela função semiótica, a

qual possibilita à criança reconstruir em pensamento um objeto ausente por

meio de um símbolo ou signo. A representação é condição básica para o

pensamento existir, uma vez que, sem ela, não há pensamento, só

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inteligência puramente vivida como no nível sensório-motor. É através do

surgimento da função semiótica que a criança consegue evocar e

reconstruir em pensamento ações passadas e relacioná-las com as ações

atuais. Essa passagem é possível por interações da criança com o ato de

desenhar e com desenhos de outras pessoas.

Na garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é simplesmente

uma ação sobre uma superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos

visuais que essa ação produziu. No decorrer do tempo, as garatujas, que

refletiam o prolongamento de movimentos rítmicos de ir e vir transformam-

se em formas definidas que apresentam maior ordenação, e podem estar

se referindo a objetos naturais, objetos imaginários ou mesmo a outros

desenhos.

Na evolução da garatuja para o desenho de formas mais estruturadas, a

criança desenvolve a intenção de elaborar imagens no fazer artístico.

Começando com símbolos muito simples, ela passa a articulá-los no espaço

do papel, na areia, na parede ou em qualquer outra superfície.

Passa também a constatar a regularidade nos desenhos presentes no meio

ambiente e nos trabalhos aos quais ela tem acesso, incorporando esse

conhecimento em suas próprias produções. No início, a criança trabalha

sobre a hipótese de que o desenho serve para imprimir tudo o que ela sabe

sobre o mundo. No decorrer da simbolização, a criança incorpora

progressivamente regularidades ou códigos de representação das imagens

do entorno, passando a considerar a hipótese de que o desenho serve para

imprimir o que se vê.

É assim que, por meio do desenho, a criança cria e recria individualmente

formas expressivas, integrando percepção, imaginação, reflexão e

sensibilidade, que podem então ser apropriadas pelas leituras simbólicas de

outras crianças e adultos.

O desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade de

falar de registrar, marca o desenvolvimento da infância, porém em cada

estágio, o desenho assume um caráter próprio. Estes estágios definem

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maneiras de desenhar que são bastante similares em todas as crianças,

apesar das diferenças individuais de temperamento e sensibilidade. Esta

maneira de desenhar própria de cada idade varia, inclusive, muito pouco de

cultura para cultura.

Pillar (2006) afirma que a criança não nasce sabendo desenhar, que este

conhecimento é construído a partir da sua relação direta com o objeto,

assim são suas estruturas mentais é que definem as suas possibilidades

quanto a representação e interpretação do objeto. Assim a criança é o

sujeito de seu processo, ela aprende a desenhar a partir de sua interação

com o desenho. Vários teóricos seguem essa linha teórica quanto ao

desenho infantil, dentre eles Luquet(1969), Piaget (1948), Gardner(1999),

Méredieu (1995) dentre outros.

Luquet (1969) foi um dos primeiros teóricos a se interessar pelo desenho

infantil, analisando-o numa abordagem cognitiva. O autor buscou respostas

para questões relativas o quê e como a criança desenhava, assim como

suas intenções e interpretações. Aborda os 'erros' e 'imperfeições' do

desenho da criança que atribui a 'inabilidade' e 'falta de atenção', além de

afirmar que existe uma tendência natural e voluntária da criança para o

realismo.

Em Méredieu(1995), Luquet distingue quatro estágios do desenho infantil:

o Realismo fortuito: começa por volta dos 2 anos e põe fim ao período

chamado rabisco. A criança que começou por traçar signos sem desejo de

representação descobre por acaso uma analogia com um objeto e o seu

traçado passa a nomear seu desenho; Realismo fracassado: por volta dos

3 a 4 anos tendo descoberto a identidade forma-objeto, a criança procura

reproduzir esta forma. Surge então uma fase de aprendizagem pontuada

de fracassos e de sucessos parciais; Realismo intelectual: estendendo-se

dos 4 aos 10-12 anos, é o principal estágio e caracteriza-se pelo fato que a

criança desenha do objeto não aquilo que vê, mas aquilo que sabe.

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45 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

Enfim, aos quatro anos, a criança chega ao realismo visual cuja principal

manifestação é a submissão mais ou menos infeliz na execução à

perspectiva. (Luquet, 1969, p.212)

A análise dos estudos piagetianos mostram que o desenvolvimento do

desenho segue os mesmos estágios de Luquet (1969), no entanto são

analisados dentro da perspectiva das fases do desenvolvimento infantil da

representação. Piaget classifica as fases do desenho como:

• Garatuja: Faz parte da fase sensório motora (0 a 2 anos) e parte da

fase pré-operatória (2 a 7 anos). A criança demonstra extremo prazer nesta

fase. A figura humana é inexistente ou pode aparecer da maneira

imaginária. A cor tem um papel secundário, aparecendo o interesse pelo

contraste, mas não há intenção consciente. A fase da garatuja pode ser

dividida em outras duas partes:

• Desordenada: movimentos amplos e desordenados. Com relação a

expressão, vemos a imitação "eu imito, porém não represento". Ainda é um

exercício, simples riscos ainda desprovidos de controle motor, a criança

ignora os limites do papel e mexa todo o corpo para desenhar, avançando

os traçados pelas paredes e chão. As primeiras garatujas são linhas

longitudinais que, com o tempo, vão se tornando circulares e, por fim, se

fecham em formas independentes, que ficam soltas na página. No final

dessa fase, é possível que surjam os primeiros indícios de figuras humanas,

como cabeças com olhos.

• Ordenada: movimentos longitudinais e circulares; coordenação viso-

motora. A figura humana pode aparecer de maneira imaginária, pois aqui

existe a exploração do traçado; interesse pelas formas.

Nessa fase inicia-se o jogo simbólico: "eu represento sozinho". Ocorre a

mudança de movimentos; formas irreconhecíveis com significado; atribui

nomes, conta histórias. A figura humana pode aparecer de maneira

imaginária, aparecem sóis, radiais e mandalas.

Dentro da fase pré-operatória, aparece a descoberta da relação entre

desenho, pensamento e realidade. Quanto ao espaço, os desenhos são

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46 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

dispersos inicialmente, não relaciona entre si. Então aparecem as primeiras

relações espaciais, surgindo devido à vínculos emocionais. A figura humana

torna-se uma procura de um conceito que depende do seu conhecimento

ativo, inicia a mudança de símbolos. Quanto a utilização das cores, pode

usar, mas não há relação ainda com a realidade, dependerá do interesse

emocional. Dentro da expressão, o jogo simbólico aparece como: "nós

representamos juntos". Já conquistou a forma e seus desenhos têm a

intenção de reproduzir algo. Ela também respeita melhor os limites do

papel. Mas o grande salto é ser capaz de desenhar um ser humano

reconhecível, com pernas, braços, pescoço e tronco.

De acordo com Piaget (1948), no estágio pré-esquemático, que inicia-se

por volta dos quatro anos e se estende até os sete anos. Após esta fase a

criança com idade entre sete e nove anos entra no estágio esquemático, e

após os nove anos passa para o estágio do realismo nascente, vale ressaltar

que estes estágios compreendidos entre os sete e onze anos estão dentro

do período das operações concretas.

Estes estágios não são estáticos, imutáveis, existem crianças que pulam

alguns estágios de desenvolvimento e crianças que param de se

desenvolver devido a vários fatores que influenciam em sua vida, como

deficiências física ou mental, como família, situação social e econômica ou

distúrbios psicológicos.

Gardner(1999) faz uma abordagem cognitiva baseada em Piaget, e uma

análise afetiva, baseada em sistemas de simbolização. Este autor considera

que o desenvolvimento do desenho infantil, divide-se em quatro

movimentos. São movimentos que mantêm sua essência, sendo maleáveis

e modificando-se mediante as intervenções externas, ou seja, pelo meio

sociocultural, pela família e pelo educador. Há necessidade de que haja uma

compreensão desses quatro movimentos e de tudo que os envolvem porque

cada um tem sua beleza e significação. Estudá-los é estar se

fundamentando para poder fazer uma boa leitura da expressão artística da

criança.

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47 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

O desenho infantil evolui conforme o desenvolvimento da criança. Desta

forma, à medida que cresce, seu desenho tem mais perfeição, e

consequentemente, mais mensagens do consciente e inconsciente.

Bédard (2003) traduz alguns significados dos desenhos infantis, entre eles:

- Árvore: Refere-se ao físico, emocional e intelectual da criança. Quando o

tronco da arvore é alto e largo, revela que a criança tem muita força na

superação dos problemas. Quando o tronco for pequeno e estreito, revela

vulnerabilidade às complicações. Se houver excesso de folhas, a criança

tem grandes ocupações talvez em excesso. Se houver poucas folhas, e

galhos a criança está triste.

- Casa: Desenho de uma casa grande, demonstra grande emotividade, se

for uma casa pequenina, demonstra que é uma criança retraída.

- Barco: Desenhar barco significa que a criança adapta-se facilmente a

imprevistos. Barcos grandes, revela que ela não gosta de mudanças e

aprecia ter controle da situação, se for barco pequeno é sensível, e tem

grande intuição.

- Flores: desenhar flores significa que a criança é alegre e feliz.

Quanto mais o desenho infantil é sobrecarregado de figuras e traços

grosseiros, cores fortes e detalhes sombrios, demonstram o quando o

universo da criança está afetado, podendo muitas vezes significar uma

agressão, abuso, dentre outros.

Ao se analisar um desenho infantil, deve ser considerado as condições

biográficas e familiares, assim como a história pessoal, que servirá como

marco de referência.

Além disso, é necessário lembrar-se sempre que um desenho é uma

expressão de sentimentos e de desejos que vão ajudar, a saber, por

exemplo, como se sente a criança a respeito da sua família, sua escola, etc.

O desenho é a primeira porta na qual a criança abre o seu interior.

Existem algumas pistas que podem orientar os adultos a respeito do que

diz o desenho infantil segundo a especialista canadense, Nicole Bédard

(1998), entre elas:

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48 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

- Posição do desenho: Todo desenho na parte superior do papel, está

relacionado com a cabeça, o intelecto, a imaginação, a curiosidade e o

desejo de descobrir coisas novas. A parte inferior do papel nos informa

sobre as necessidades físicas e materiais que pode ter a criança. O lado

esquerdo indica pensamentos que giram em torno ao passado, enquanto o

lado direito, ao futuro. Se o desenho se situa no centro do papel, representa

o momento atual.

- Dimensões do desenho: Os desenhos com formas grandes mostram certa

segurança, enquanto os de formas pequenas, normalmente, está

relacionado à crianças que encontram pouco espaço para se expressar.

Podem também sugerir uma criança reflexiva, ou com falta de confiança.

- Traços do desenho: Os contínuos, sem interrupções, parecem denotar um

espírito dócil, enquanto o apagado ou falhado, pode revelar uma criança

um pouco insegura e impulsiva.

- A pressão do desenho: Uma boa pressão indica entusiasmo e vontade.

Quanto mais forte seja o desenho, mais agressividade existirá, enquanto as

mais superficiais demonstram falta de vontade ou fadiga física.

- As cores do desenho: O vermelho representa a vida, o ardor, o ativo; o

amarelo, a curiosidade e alegria de viver; o laranja, necessidade de contato

social e público, impaciência; o azul, a paz e a tranquilidade; o verde certa

maturidade, sensibilidade e intuição; o negro representa o inconsciente; o

marrom, a segurança e planejamento. É necessário acrescentar que o

desenho de uma só cor, pode denotar preguiça ou falta de motivação.

Quando a criança exprime em excesso: fala, irritação, choro excessivo,

vergonha, ansiedade, euforia, desenhos obscuros, dentre outros. É hora de

ajudá-la.

O grafismo na educação infantil tem a vantagem de ser de fácil

administração, pois não exige outros materiais além de papel e lápis, pode

ser usado em qualquer lugar e seu custo é baixo. É bem recebido pelas

crianças e às vezes com restrições por adolescentes e adultos. Sendo o

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49 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

grafismo uma ótima e eficaz maneira de conhecer um pouco de seu autor,

suas características e sentimentos.

Para o professor da educação infantil, detalhes da vida familiar, afetiva,

emocional, social e educacional da criança, tornando-se extremamente

importante nesse processo de descoberta das dificuldades, traumas ou

deficiências. Basta uma observação reflexiva e minuciosa do desenho e de

suas características, diálogo com a criança, com os pais, etc.

O DESENHO E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

A partir dos estudos realizados é possível dizer que existe uma estreita

relação entre a evolução da escrita e a do desenho. Para Ferreiro citada por

Ribeiro (2007) a aprendizagem da língua escrita á a construção de um

sistema de representação, assim como o desenho. A aprendizagem, nesse

enfoque, converte-se na apropriação de um novo objeto de conhecimento,

ou seja, em uma aprendizagem conceitual. [...] para conhecer os objetos,

é preciso agir sobre eles de maneira a decompô-los e a recompô-los.

(PIAGET, 1948, p.8)

[...] para que a criança se aproprie do sistema de representação da

escrita, ela terá que reconstruí-lo, diferenciando os elementos e as

relações próprias ao sistema, bem como a natureza do vínculo entre

o objeto de conhecimento e a sua representação. (PILLAR, 1996,

p.32)

No que diz respeito ao trabalho desenvolvido nas escolas em relação ao

desenho, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental, é certo

descaso com a disciplina que mais trabalha esse conteúdo a Artes como

parte integrante do currículo e da formação das crianças. Os professores,

em sua maioria, acreditam que o desenho nessa fase escolar não é

importante e por esse motivo não planejam o trabalho envolvendo a arte

em sala de aula. Mas o que foi observado durante o estudo sobre o desenho

infantil e suas contribuições no processo de alfabetização, é que a arte é

importante não só porque é uma forma de construir conhecimentos, é uma

atividade que envolve a inteligência, o pensamento, a cognição; mas

também que a arte influi na construção de conhecimentos, em especial em

relação à escrita.

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50 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

Luquet(1969) exemplifica como se dá o abandono da criança pela atividade

do desenho, conforme sua teoria, esse desinteresse é produzido na idade

em que a criança chega à concepção do realismo visual - com a sua

consequência fundamental: a perspectiva; os desenhos que executava

anteriormente de acordo com o realismo intelectual já não satisfazem o seu

espírito crítico desenvolvido, e sente-se incapaz de fazer desenhos como

quereria fazer. O autor afirma que o ensino do desenho deve visar não a

acelerar artificialmente a evolução espontânea do desenho, mas por a

criança em estado de desenhar convenientemente em realismo visual

quando tenha esta intenção. Isso deve ser feito mostrando-lhes objetos de

seu quotidiano e exercitando o desenho tanto quanto possível ao natural.

Para este autor, a principal atitude do educador deve ser a de "apagar-se",

deixar a criança use a sua criatividade, fazendo sempre com que estas

sugestões não soem como imposições deixando-a desenhar ao seu modo,

sem intervenções ou críticas. A princípio, para a criança, o desenho não

é um traçado executado para fazer uma imagem mas um traçado executado

simplesmente para fazer linhas. (Luquet, 1969 pg.145)

Dessa forma, possibilitar às crianças que desenhem, ao contrário de ser

perda de tempo, é propiciar-lhes representar graficamente as suas

experiências, ou seja, é construir representações de forma e espaço através

do desenho.

O desenho está também intimamente ligado com o desenvolvimento da

escrita. Parte atraente do universo adulto, dotada de prestigio por ser

"secreta", a escrita exerce uma verdadeira fascinação sobre a criança, e

isso bem antes de ela própria poder traçar verdadeiros signos. Muito cedo

ela tenta imitar a escrita dos adultos. Porém, mais tarde, quando ingressa

na escola verifica-se uma diminuição da produção gráfica, já que a escrita

(considerada mais importante) passa a ser concorrente do desenho.

No entanto, cabe ao professor estudar e conhecer as fases do desenho

infantil e qual a relação que elas têm com os níveis de desenvolvimento da

escrita, para que assim ele possa proporcionar aos alunos aulas que

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51 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

contribuíram tanto para o desenvolvimento artístico como o

desenvolvimento do processo de aquisição da escrita. É aconselhável, ao

professor, que ofereça às crianças o contato com diferentes tipos de

desenhos e obras de artes, que elas façam a leitura de suas produções e

escutem a de outros e também que sugira a criança desenhar a partir de

observações diversas (cenas, objetos, pessoas) para que possamos ajudá-

la a nutrisse de informações e enriquecer o seu grafismo. Assim elas

poderão reformular suas ideias e construir novos conhecimentos. Enfim, o

desenho infantil é um universo cheio de mundos a serem explorados.

O desenho está também intimamente ligado com o desenvolvimento da

escrita. Parte atraente do universo adulto, dotada de prestigio por ser

"secreta", a escrita exerce uma verdadeira fascinação sobre a criança, e

isso bem antes de ela própria poder traçar verdadeiros signos. Muito cedo

ela tenta imitar a escrita dos adultos. Porém, mais tarde, quando ingressa

na escola verifica-se uma diminuição da produção gráfica, já que a escrita

(considerada mais importante) passa a ser concorrente do desenho.

Como podemos perceber a linha de evolução é similar mudando com maior

ênfase o enfoque em alguns aspectos. O importante é respeitar os ritmos

de cada criança e permitir que ela possa desenhar livremente, sem

intervenção direta, explorando diversos materiais, suportes e situações.

LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O termo letramento é uma palavra nova em nosso país, pois até bem pouco

tempo, no início de 1980, não ouvíamos falar sobre o assunto. Foi mais ou

menos em 1986 que Mary Kato, em seu livro: “No mundo da escrita: uma

perspectiva psicolinguística”, da Editora Ática, escreve as primeiras

palavras referentes ao tema, tornando-se tema de discussão entre

pesquisadores e profissionais da Educação Infantil. Nesse sentido, podemos

compreender que na Educação Infantil deve-se preocupar com o

desenvolvimento da linguagem enquanto processo de interação, isto é, com

o processo denominado nos últimos tempos de letramento, termo que

Soares (2001, p. 24) define como:

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52 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

[...] letramento é que um indivíduo pode não saber ler e escrever,

isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo

a este adjetivo sentido vinculado a letramento). Assim, um adulto

pode ser analfabeto, porque marginalizado social e

economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a

escrita têm presença forte, se interessa em ouvir a leitura de jornais

feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para

ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva ( e é

significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas

próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou

indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa

forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas

sociais de leitura e de escrita [...]

Em outras palavras, o que a autora pontua é que letrado é o indivíduo que

passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais

de leitura e escrita, ou seja, é aquela pessoa que, além de saber ler e

escrever faz uso frequente e competente da leitura e da escrita.

Segundo o Referencial Curricular para a educação infantil nas sociedades

letradas, as crianças, desde os primeiros meses, estão em permanente

contato com a linguagem escrita. É por meio desse contato diversificado em

seu ambiente social que elas descobrem o aspecto funcional da

comunicação escrita, desenvolvendo interesse e curiosidade por essa

linguagem. Diante do ambiente de letramento em que vivem, as crianças

podem fazer, a partir de dois ou três anos de idade, uma série de perguntas,

como “O que está escrito aqui?”, ou “O que isto quer dizer?”, indicando sua

reflexão sobre a função e o significado da escrita, ao perceberem que ela

representa algo.

Nesse documento ainda é importante mencionar que, para aprender a

escrever a criança terá de lidar com dois processos de aprendizagem

paralelos: o da natureza do sistema de escrita da língua – o que a escrita

representa e como – e o das características da linguagem que se usa para

escrever. A aprendizagem da linguagem escrita está intrinsicamente

associada ao contato com textos diversos, para que as crianças possam

construir sua capacidade de ler, e às práticas de escrita, para que as

crianças possam desenvolver a capacidade de escrever autonomamente.

Constata-se, que, desde muito pequenas, as crianças podem usar o lápis

e o papel para fazer garatujas, imprimindo marcas, tentando imitar a escrita

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53 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

dos mais velhos, assim como se utilizam de livros para emitir sons e gestos

como se estivessem lendo. Partindo desse entendimento, o Referencial

Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI 1998, p.128) “ressalta

a importância do manuseio de materiais, de textos (livros, jornais, cartazes,

revistas, etc.) pelas crianças, uma vez que ao observar produções escritas

a criança, vai conhecendo de forma gradativa as características formais da

linguagem”.

Dessa forma, dispor livros para as crianças manusearem constitui práticas

que devem estar presentes desde os primeiros anos de vida, no qual as

crianças podem imitar uma variedade de gestos e ações que vão muito além

dos limites de suas próprias capacidades. Por meio da imitação, a criança

irá apropriar-se dos comportamentos leitores e significar a prática da

leitura, condição necessária para a aprendizagem.

Diante desse contexto, as crianças que convivem em um ambiente letrado,

onde suas famílias fazem uso dessas práticas sociais de leitura e escrita,

com certeza irá aprender com mais facilidade do que aquelas que vivem em

ambientes onde essas práticas não circulam.

O letramento tem um início muito cedo e é algo que não termina nunca,

ou seja, vivemos em um mundo letrado, onde temos acesso a muitas

informações, como revistas, livros, bulas de remédio, placas, etc. É

importante ter claro, que letrar é mais do que alfabetizar, porque conforme

Soares (2003) o letramento é a capacidade de entendimento que o sujeito

tem sobre o que vê, escuta e lê.

Soares (2009) ainda aponta que, a leitura frequente de histórias para

crianças é, sem dúvida, a principal e indispensável atividade de letramento

na educação infantil. Se adequadamente desenvolvida, essa atividade

conduz a criança, desde muito pequena, a conhecimentos e habilidades

fundamentais para a sua plena inserção no mundo da escrita.

Ao manusear os livros, as crianças podem mobilizar aquilo que aprenderam

ao ouvir histórias lidas pelo professor, imitando seus comportamentos

leitores. Na exploração desse objeto podem reproduzir gestos de folhear,

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54 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

apontar para as palavras e imagens, pronunciar palavras ao percorrerem o

texto com os olhos, significando simultaneamente a prática de leitura e o

objeto livro. O contato com textos e imagens, bem como a possibilidade de

manusear o livro, permite que aprendam, sobretudo, o uso e o significado

social do livro, distinguindo-o dos brinquedos e de outros objetos de seu

cotidiano.

Soares (2009) aponta que a leitura de histórias é uma atividade que

enriquece o vocabulário da criança e proporciona o desenvolvimento de

habilidades de compreensão de textos escritos, de inferência, de avaliação

e de estabelecimento de relações entre fatos. Tais habilidades serão

transferidas posteriormente para a leitura independente, quando a criança

se tornar apta a realizá-la.

De acordo com os pressupostos teóricos da concepção de letramento, a

criança, desde o momento que entra em contato com a linguagem, escrita

e oral, e percebe sua função, que é para a primeira, o registro da fala e,

para a segunda, ler o que está registrado, já está participando do processo

de letramento, diz Soares (2004). Assim, podemos afirmar que a criança

faz parte de um mundo letrado, mundo que, na verdade, já faz parte desde

o seu nascimento, pois desde este momento já interage com os signos,

figuras, letras, números e tudo que possa ter significado para a linguagem

escrita.

A criança que não é alfabetizada, mas está imersa de diversos materiais no

seu dia a dia, na família ou na escola, compreende as histórias contadas,

finge que está escrevendo, de certa forma essa criança não é alfabetizada,

mas, é letrada. Além dos textos literários, a autora destaca que é de suma

importância trabalhar outros tipos de textos, como os textos informativos,

textos injuntivos, textos publicitários, textos jornalísticos, histórias em

quadrinhos, etc. Introduzir desde cedo esses diversos gêneros textuais na

instituição de educação infantil, dar suporte para a criança identificar o

objetivo de cada gênero, o leitor a que se destina o modo específico de ler

cada gênero.

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55 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

Na Educação Infantil, é um dever trabalhar com a concepção de letramento

com as crianças, desde o momento que esta chega à instituição infantil,

estimulando-a a participar ativamente do processo de construção da leitura

e da escrita do seu mundo e não do mundo do educador ou dos autores de

cartilhas e livros didáticos. Fazer com que as crianças tenham liberdade de

expressão e que possam experimentar as múltiplas linguagens, como a

música, dança, artes, leituras de literatura infantil clássica e brasileira,

histórias em quadrinhos, jogos, brinquedos e brincadeiras, entre outras.

É de suma importância trabalhar as práticas da leitura e escrita, pois são à

base de qualquer processo de ensino aprendizagem da linguagem escrita.

Não é possível pensar sobre a escrita sem praticá-la. Não trabalhar essas

práticas significa ocultar esse assunto das crianças, já que é impossível

obter informações sobre a escrita fora dos atos sociais em que ela se

manifesta.

Para dar início ao processo de leitura e escrita, a criança precisa entender

que letras representam os sons das palavras faladas e que tenham

conhecimento de duas habilidades que são: o conhecimento alfabético e a

consciência fonológica. Essas duas habilidades são conhecidas como

preditores do sucesso na alfabetização, pois como está no Referencial

Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.122):

Para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um

conhecimento de natureza conceitual, precisa compreender não só

o que a escrita representa, mas também de que forma ela

representa graficamente a linguagem. Isso significa que a

alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades relacionadas

à percepção, memorização e treino de um conjunto de habilidades

sensório-motoras. É, antes, um processo no qual as crianças

precisam resolver problemas de natureza lógica até chegarem a

compreender de que forma a escrita alfabética em português

representa a linguagem, e assim poderem escrever e ler por si

mesmas.

Assim, para que as crianças se apropriem da linguagem escrita precisa

compreender o sistema de representação de códigos de ordem conceitual e

construírem conhecimento por meio de práticas que têm como ponto de

partida e de chegada o uso da linguagem e a participação nas diversas

práticas sociais de escrita.

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56 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

INTEGRANDO ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

A alfabetização e o letramento são componentes da introdução da criança

no mundo da escrita que devem ser trabalhadas de forma integrada. Dessa

forma, “Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis,

ao contrário, o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a

escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita” (SOARES,

1998, p. 47).

Dessa forma, é necessário compreender a diferença entre os dois conceitos

e que cada um possui suas peculiaridades, não devendo confundir a função

e o significado de cada um, no entanto, é de fundamental importância que

se realize uma alfabetização articulada com o letrar, pois é impossível na

sociedade atual em que vivemos permitir que nossos alunos sejamos

privados de conhecer o que é o letramento, e não existe maneira melhor

de apresentá-lo do que associado ao alfabetizar.

Assim, percebemos que existe uma diferença entre o alfabetizar e o letrar,

porém, embora sejam conceitos distintos, os dois precisam caminhar

juntos, para que haja um sucesso no trabalho de apropriação das

habilidades linguísticas na Educação Infantil (BRASIL, 1998).

A base será sempre o letramento, já que leitura e escrita são,

fundamentalmente, meios de comunicação e interação, enquanto a

alfabetização deve ser vista pela criança como instrumento para que possa

envolver-se nas práticas e usos da língua escrita. Assim, a história lida pode

gerar várias atividades de escrita, como pode provocar uma curiosidade que

leve à busca de informações em outras fontes; frases ou palavras da

história podem vir a ser objeto de atividades de alfabetização, poemas

podem levar à consciência de rimas e aliterações.

O essencial é que as crianças estejam imersas em um contexto letrado,

pois sabemos que o processo de alfabetização se desenvolve mais

facilmente quando as crianças chegam à escola tendo uma maior

familiaridade com a escrita, obtida em contextos nos quais ela circula com

usos e funções sociais. Tal como na vida cotidiana, a escola pode apresentar

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57 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

situações, contextos e materiais capazes de estimular o interesse e a

atenção dos alunos.

Por essa razão, um elemento importante do trabalho de alfabetização se

refere à qualidade e à diversidade do material que é disponibilizado no

contexto escolar, ou seja, na criação e manutenção, pelo professor, de um

ambiente alfabetizador. Metodologicamente, a criação desse ambiente se

concretiza na busca de levar as crianças em fase de alfabetização a usar a

língua escrita, mesmo antes de dominar as primeiras letras, organizando a

sala de aula com base nela.

Conceitualmente, a defesa da criação do ambiente alfabetizador estaria

baseada na constatação de que saber para que a escrita sirva e saber como

é usada em práticas sociais, auxiliariam a criança em sua alfabetização, por

dar significado e função ao processo de ensino-aprendizagem da língua

escrita e por criar a necessidade de se alfabetizar, favorecendo, assim, a

exploração, pela criança, do funcionamento da língua escrita.

Para Ana Teberosky (2003), um ambiente alfabetizador “é aquele em que

há uma cultura letrada, com livros, textos - digitais ou em papel – um

mundo de escritos que circulam socialmente. A comunidade que usa a todo

o momento esses escritos, que faz circular ideias que eles contêm, é

chamada alfabetizadora”. Permitindo desta maneira, a inserção da língua

escrita no cotidiano do alfabetizando, sejam por meio de revistas, jornais,

gibis, cartazes, das palavras na lousa, ou de situações cotidianas, como

outdoors, letreiro de ônibus ou metrô, caixas eletrônicos etc.

Constata-se a partir desse contexto que as crianças constroem

conhecimentos sobre a escrita muito antes do que se supunha e de que

elaboram hipóteses originais na tentativa de compreendê-la amplia as

possibilidades de a instituição de educação infantil enriquecer e dar

continuidade a esse processo. Essa concepção supera a ideia de que é

necessário, em determinada idade, instituir classes de alfabetização para

ensinar a ler e escrever. Aprender a ler e a escrever fazem parte de um

processo ligado à participação em práticas sociais de leitura e escrita.

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58 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudemos perceber como esse processo acontece no âmbito educacional, à

importância de inserir as crianças dessa faixa etária nas práticas sociais de

leitura e escrita e a possibilidade de uma construção de conhecimentos

antes de entrar no ensino fundamental. São grandes os avanços das

crianças no processo de aprendizagem quando inseridas desde cedo as

práticas de alfabetizar e letrar no contexto escolar.

O processo de aprendizagem nessa etapa da Educação Básica se amplia, na

medida em que são trabalhados, de modo intencional, os processos de

produção e leitura de textos.

Ao mesmo tempo em que constroem o sistema alfabético de escrita, as

crianças vão se apropriando dos aspectos gráficos dessa linguagem, isto é,

das letras, do uso de maiúsculas e minúsculas, da pontuação, da

segmentação e da orientação da escrita. O planejar as práticas em sala de

aula, utilizam a ludicidade como estratégias para um bom desenvolvimento

na aprendizagem dos alunos, já que o ato de educar é uma prática

transformadora, carregada de intencionalidade, onde todos os sujeitos

envolvidos neste processo, alunos e educadores, são sujeitos históricos, isto

é, são responsáveis pela construção histórica da sociedade da qual fazem

parte.

Podemos afirmar que a criança é um ser social, sujeito atuante nas diversas

práticas sociais, e que é preciso conhecer seus modos de produção e

expressão, para planejar situações capazes de desafiá-las, ajudando-as a

avançar nas suas aprendizagens e no seu desenvolvimento de suas

capacidades.

Nesse processo, o professor tem um papel fundamental, ele deve se

responsabilizar por propiciar bons contextos de mediação e ter competência

de criar condições para que as aprendizagens ocorram, considerando e

respeitando o ritmo de aprendizagem de cada criança, pois é ele quem

planeja as melhores atividades, aproveita as diversas situações do cotidiano

e potencializa as interações.

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59 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

Refletir sobre a possibilidade de uma iniciação à língua escrita adequada às

características da Educação Infantil implica em garantir às crianças o acesso

à herança cultural da escrita, responsável por mudanças fundamentais na

história dos homens e no próprio modo de pensar. Implica ainda incluir

todas as crianças no contexto da cultura escrita, acolher suas diferentes

práticas sociais e o sentido que elas podem construir.

É, portanto, desafio da Educação Infantil democratizar o acesso às práticas

sociais da leitura e da escrita presentes na cultura letrada, disponibilizando

as crianças os conhecimentos e as experiências necessárias para pensar

sobre sua própria língua. No Brasil, em especial, essa defesa é ainda mais

necessária, dado que, para a grande maioria das crianças, é na escola que

se encontra a única oportunidade de obter informações que desde sempre

circulam entre as famílias mais escolarizadas.

O contato com a leitura e a escrita, entretanto, não garante que todas as

crianças leiam e escrevam autonomamente aos cinco anos. Tampouco isso

é objetivo desse segmento, o que não impede que isso ocorra muitas vezes.

O que importa é garantir à criança a oportunidade de pensar sobre o

assunto, de ter ideias próprias sobre como se lê e como se escreve e testar

suas hipóteses.

Pode-se dizer que há duas esferas de conhecimento em jogo na

aprendizagem da escrita. O primeiro deles e o mais importante é o

funcionamento da linguagem escrita. Saber como se expressa por escrito,

transitando com propriedade nos diferentes contextos de comunicação, do

oral e informal para o formal e escrito, é um conhecimento fundamental

que pode ser construído desde a educação Infantil. Além disso, as crianças

também podem pensar sobre como se escreve, quais são as regras que

regem o funcionamento desse sistema e que permite a elas desvendar o

mistério, a magia da escrita, a razão pela qual qualquer pessoa pode

pronunciar as mesmas palavras por meio do mesmo conjunto de letras,

como enfatizou Emília Ferreiro (2006).

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60 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan

Ao ler e escrever por conta própria em contextos socialmente reais de

escrita, as crianças podem aprender as diferentes funções que a escrita

assume no mundo: informar, educar, divertir etc. Reconhecer o papel

simbólico da escrita na cultura, suas funções e os valores que os adultos

atribuem a ela são algumas das aprendizagens possíveis. Dessa forma, o

processo de aprendizagem dessa linguagem pelas crianças nessa etapa da

Educação Básica se amplia, na medida em que são trabalhados, de modo

intencional, os processos de produção e de leitura de textos.

Portanto, os professores possuem um conhecimento sobre os conceitos de

alfabetização e letramento e ressaltaram a importância de trabalhar esses

conceitos de forma integrada, pois ambos devem estar presentes nas

instituições de educação infantil como práticas sociais reais, de forma

significativa e criativa, mediando às múltiplas relações que são

estabelecidas com e entre as crianças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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pedagógico com crianças de 4 a 6 anos”. In: ARCE, A.; MARTINS, L. M. (Orgs.). Quem tem medo de ensinar na educação infantil? :em defesa

do ato de ensinar. 2ªedição. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010.

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Maria Paula Ferreira Antunes.

AA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA NNOO EESSPPAAÇÇOO EESSCCOOLLAARR EE NNAA FFOORRMMAAÇÇÃÃOO DDOO DDIISSCCEENNTTEE

Antunes, Maria Paula Ferreira3

RESUMO

O presente artigo postula sobre a importância da gestão

democrática no ambiente escolar. Pois envolvendo a participação de todos

pode-se garantir uma educação de qualidade e cada um pode desempenhar

seu papel de forma adequada, sem excesso de trabalho ou

responsabilidade. Pois tanto a escola, quanto a família possuem papéis

importantes na formação crítica do indivíduo, podendo comprometer a

qualidade quando uma parte omite a responsabilidade que tem na formação

do discente. Desde professores, pais, gestores e o governo quando unem

para a melhoria da gestão do espaço escolar, pode-se afirmar que é

garantido o direito educacional da criança que precisa de uma formação de

qualidade para viver bem na sociedade em que está inserida. Salienta-se

que a participação de todos é de extrema importância no espaço

educacional, caso não haja esse engajamento o processo de ensino e

aprendizagem pode perder a eficácia e também deixar de cumprir seu papel

social.

Palavras chave: Gestão democrática, Comunidade Escolar, Família,

Professores.

INTRODUÇÃO

A gestão democrática visa melhorar o espaço escolar propiciando um

ambiente de ensino adequado e familiar para a formação do discente de

maneira crítica tornando-o capaz de inferir os conhecimentos adquiridos na

escola para resolver situações problemas na vida em sociedade.

A escola é uma instituição formada por muitos membros, são eles alunos,

professores, gestores, funcionários e também a comunidade escolar (esta

tem um papel importantíssimo na formação do indivíduo, a família). Dentro

do âmbito escolar é necessária uma unidade para que, de fato haja um

3 Aluna do Curso de Direito Educacional - [email protected]

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ensino-aprendizagem adequado e eficaz na formação de cidadãos críticos.

E para que ocorra esta formação e aquisição de conhecimento, a

responsabilidade é apenas dos professores? Qual a importância da família

na formação dos alunos? Os gestores podem contribuir de que forma na

relação professor-aluno e também escola-família ou vice versa? Quais os

direitos dos profissionais da educação e os deveres em relação à formação

social do aluno? O que garante o Direito Educacional para a prática

pedagógica? São perguntas que inquietam o subconsciente dos envolvidos

na prática educacional. Como poderão agir os dirigentes para proporcionar

um ensino comprometido com a realidade social, mediante aos descasos

por parte de um governo omisso, descomprometido e muitas vezes

indiferente ao processo ensino-aprendizagem.

A família tem um papel importante na formação do indivíduo, antes de

serem alunos são filhos, portanto devem participar ativamente na

comunidade escolar. Sem a participação da comunidade, a escola torna-se

“depósito de crianças” que ficam sob a responsabilidade de professores

subvalorizados e desgastados emocionalmente, no qual perdem o foco da

sua função de ministrar aulas com intuito de oferecer um conhecimento

crítico e erudito, exercendo apenas a função de “babá” de crianças e

adolescentes para que os pais possam trabalhar sossegados. A gestão

pedagógica deve estar atenta para que a realidade acima citada, não

aconteça em meio às tempestades, ela possa velejar tranquilamente, para

que a educação não seja naufragada e que a escola não seja lugar de

expiação para alunos e professores e sim um lugar de conhecer e pôr em

prática todas as aquisições cognitivas.

Os objetivos deste trabalho são de comprometer os membros da

instituição escolar (alunos, professores, gestores e pais e/ou responsáveis

pelos discentes) na formação crítica de cidadãos voltados para a construção

de uma sociedade mais justa e ativa no papel da cidadania. Assim também

de conhecer a realidade sobre o atual ambiente escolar e a formação

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cognitiva do cidadão; como também de estabelecer quais os verdadeiros

valores quanto ao papel dos educadores (pais, gestores e professores);

Esse trabalho bibliográfico busca ressaltar como têm sido a formação dos

indivíduos e como deve ser de acordo com a ética profissional e social e

definir o papel dos gestores pedagógicos na construção de uma escola

formativa e comprometida com a formação crítica do educando.

OO EESSPPAAÇÇOO EEDDUUCCAACCIIOONNAALL EE OO PPAAPPEELL DDAA FFAAMMÍÍLLIIAA

A palavra educação origina-se do termo em latim “educatione” que segundo

o Mini Aurélio: dicionário da língua portuguesa traz as seguintes definições:

1. Ato ou efeito de educar (-se). 2. Processo de desenvolvimento da

capacidade física, intelectual e moral do ser humano. 3. Civilidade,

polidez. 4. Nível de ensino. [V. educação básica e educação

superior.] 5. Tipo de ensino. [Pl.;ções.] Educação básica. A que se

constitui pela educação infantil, pelo ensino fundamental e pelo

ensino médio. Educação especial. A oferecida a educandos

portadores de necessidades especiais (q.v.). Educação infantil.

Primeira etapa da educação básica. [Visa ao desenvolvimento da

criança de 0 a 6 anos.] Educação superior. A que se destina à

formação de diplomados nas diferentes áreas de conhecimento.

[Abrange graduação, pós-graduação e extensão.] (HOLANDA, 2010.

p. 271)

Além das definições acima, a educação envolve muito mais conceitos no

que se refere à formação do ser humano. Tavares (2012) corrobora com a

afirmação abaixo.

A educação é um processo de construção do indivíduo, baseado na

atuação da escola e da família. É oportuno lembrar que a escola tem

feito um esforço hercúleo para tentar substituir a ausência da

família, e isso tem causado um desequilíbrio nesse processo de

ensino e aprendizagem, pois o educando perde-se no ócio e na falta

de disciplina, situações que poderiam ser mais trabalhadas pela

família. (TAVARES, 2012. p. 13)

Desta forma fica claro que a educação não está vinculada somente a

instituição de ensino, mas ao convívio familiar, como diz o ditado popular

“educação vem do berço”. Não há como dissociar a educação formal

(institucionalizada) da informal (familiar), pois ambas são de extrema

importância na formação cidadão, social, cognitiva do educando. Para

Tavares (2012) p. 13 “a família tem o seu papel ímpar na formação do

caráter do educando, pois a educação é também um processo social”. É

óbvio que se a família não fizer seu papel, o reflexo será negativo na escola,

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pois sem a formação de caráter e personalidade o aluno não terá

comprometimento com a formação cognitiva e social oferecida na escola.

A família e a escola são instituições que caminham juntas com o mesmo

objetivo, porém, a primeira nos últimos anos tem transferido suas

responsabilidades para a escola, que não está preparada para acolher este

indivíduo para depois devolvê-lo a sociedade.

A educação não tem o intuito de resolver todos os males sociais,

mas, com certeza, dará suporte para que sejam pelo menos

minimizados. Para isso, conta com a escola e a família para que

ambas norteiem o educando a mudanças de atitude,

comportamento e aquisição de conhecimento para que, dessa

forma, sejam protagonistas em vez de coadjuvantes.

A escola e família devem auxiliar o aluno a se tornar um ser social,

isto é, um cidadão, tirando-o da alienação em que vive. Mas, para

isso, precisam somar esforços, cada uma cumprindo o seu papel,

convergindo para uma educação de qualidade que faça deste aluno

um protagonista. Não podemos ver a escola como um depósito de

crianças, mas sim como um lugar que ocorrerá a aprendizagem para

a vida consciente e ativa. Esta escola precisará contar com a família

para reforçar esse conhecimento e o desenvolvimento afetivo do

educando, pois é na família que a educação tem início. (TAVARES,

2012. p. 13 e 14)

A definição da educação e do papel da sociedade, de modo particular a

família, na formação do cidadão está assegurado nas diretrizes e bases da

educação nacional:

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se

desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,

nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e

organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º

Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,

predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho

e à prática social. (CARNEIRO, 2007, p.31)

O ensino não é apenas oferecido com intuito de aumentar os índices de

pessoas escolarizadas, mas tem um objetivo muito maior, porém é uma

verdade muito convergente na atualidade. A educação é citada em muitos

discursos políticos, promessas acerca da melhoria desta ao longo da história

e pouco se tem visto na prática. Mas o que vale e deve ser focado e

reivindicado é o que confere na Constituição Federal nos artigos referentes

à educação.

Art.205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da

família, será promovida e incentivada com a colaboração da

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sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho. (www.dji.com.br/constituição_federal/cf205a214.htm)

p.1 acessado em 28/10/2017 às 15h 40min.

Como se observa, a educação é, conforme a constituição, direito de todos

os indivíduos e dever do Estado e da família garanti-la, para que esta se dê

de forma plena, eficaz e com objetivo de formar o ser humano para além

dos espaços da escola e do lar. Segundo Tavares (2012, p.23 apud Delors,

2001, p. 111) afirma que “a família constitui o primeiro lugar de toda e

qualquer educação e assegura, por isso, a ligação entre o afetivo e o

cognitivo, assim como a transmissão de valores e normas”. O autor ressalta

ainda que cabe à família zelar pela educação dos filhos.

O comportamento da família em relação à formação do filho determinará

como será a vida escolar desta criança e de que forma ela vai estar

comprometida com o estudo, mas para isso a família deve exercer bem seu

papel.

É imprescindível que as crianças para se tornarem cidadãos

instruídos, precisam de uma boa formação escolar. Isso é possível

quando se encontram com professores desejosos de transmitir o

que sabem para, assim, desenvolver no aluno um desejo de saber,

o que é lido como curiosidade e investigação para aprender. A escola

representa um lugar de emancipação da criança a respeito de seu

grupo familiar, onde a criança vai poder estar e falar com outros

além de seus pais. Sendo um campo onde ela estabelece outros

laços que lhe possibilitam receber recursos que poderá utilizar no

futuro: com outros semelhantes, na escolha de profissão, etc. Dito

isso, fica claro que a escola propicia a socialização da criança, mas,

é a família e sua função um dos maiores responsáveis pela educação

e desenvolvimento dos filhos. Até para que a Educação pedagógica

possa ser efetivada, para que ela tenha eficácia, depende da

estrutura familiar do aluno. Quando a família valoriza os estudos -

a aprendizagem - estimula no filho o mesmo. O interesse dos pais

no que seus filhos produziram, aprenderam, faz com que eles

(filhos) sintam-se valorizados em relação ao que fizeram. (DANTAS,

http://escutaanalitica.com.br/?p=346).

Conforme Dantas retrata, fica claro que a participação da família é

fundamental no processo ensino e aprendizagem, pois dentro do lar a

criança recebe estímulos, afeto, atenção e formação da personalidade.

Para Chalita (2008) postula que a família deve construir um ambiente

participativo por meio da presença, o modelo e principalmente o diálogo.

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Este, portanto, é fundamental na prática para conter a violência, imuniza o

filho de conselhos que favorece o enfretamento pacífico.

É evidente que o papel da família é mais do que importante e sim

fundamental na formação do sujeito, mas um papel não só de cuidar e

prover de bens e comodidade, ou seja, vai muito além da esfera material.

Um ambiente participativo tem grandes chances de propiciar o

equilíbrio: é um espaço capaz de encorajar e favorecer o

desenvolvimento e a manifestação de diferentes talentos

habilidades. A melhor maneira de promover a participação é

envolver efetivamente os filhos na dinâmica familiar com divisão de

tarefas e responsabilidades, esbanjando afeto e amor. No lar

participativo, os filhos exercitam a liberdade, a autonomia, a

escolha, a participação nas conversas e nas tomadas de decisão,

obviamente de acordo com a maturidade de cada um. Está mais

comprovado que, quando mais as relações familiares são adequadas

à participação e à convivência, as chances de os filhos terem um

bom convívio social fora da casa são maiores. É preciso, portanto,

que cada família encontre o equilíbrio entre estabelecer regras

progressivas e compartilhadas e compreender as dificuldades

enfrentadas pelos filhos. Regras sem compreensão tornam o

ambiente autoritário e repressivo. Compreensão sem regras molda

um ambiente permissivo. (CHALITA, 2008,

HTTP://sagradomarilia.com.br/arqdownloads/opapeldafamilia.pdf)

acessado em 27/10/2017 às 10h21min.

Chalita (2008) corrobora com as afirmações acima mostrando que no

ambiente familiar deve haver um ambiente participativo não muito

repressivo e nem permissivo, este lugar deve ser equilibrado para que o

indivíduo consiga manifestar seus talentos e habilidades na vida social.

Detectando o comportamento emocional da criança na escola, a mesma

deve agir de forma imprescindível na averiguação dos fatores que a leva a

mostrar com as palavras o que tem expressado pelos atos.

O PAPEL DO PROFESSOR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA

Conforme o mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa, 2010 p. 614 é

“aquele que ensina uma ciência, arte, técnica; mestre”, ou seja, o professor

contribui para a formação cognitiva, e vão mais além, contribuem com a

formação crítica do cidadão. Para Tavares (2012 p. 121) “ser professor é

exercer uma profissão que merece um estudo sério, uma formação, visto

que ela é a base da construção de um país e de verdadeiros profissionais”

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que terão sucesso na vida devida as premissas desempenhadas por um

docente.

O professor tem de desempenhar um papel muito além do exigido pela sua

função, cabe a ele muitas tarefas, porém sem prestígio algum.

O professor é um profissional que se dedica tanto ou muito mais que

outros profissionais de status elevado (engenheiro, arquiteto,

médico, advogado etc.), mas, qualquer pessoa, como os “amigos da

escola”, voluntários, além de profissionais que se adentram na seara

de ensinar, o que desvaloriza a profissão, mostrando para alguns

néscios que, para ser professor, basta querer ensinar. (TAVARES,

2012, p. 121/122).

Ainda há a visão de que ser professor é sacerdócio, missão, vocação.

Entende-se que todos os que possuem uma habilidade e a exerce

profissionalmente tem vocação para tal. Mas, no magistério, o sacerdócio é

comparado ao sacerdote de religiões.

O sacerdócio, para as religiões, é algo sagrado, é como se a pessoa

fosse escolhida por Deus para dar continuidade à sua obra e que,

na maioria das vezes, não precisaria de uma remuneração, visto

que, para muitos, o dom que recebemos de Deus deveremos doá-lo

ao nosso próximo sem nada cobrar, e o professor, como qualquer

outro profissional, precisa cobrar por seu trabalho e por sua

cumplicidade com o desenvolvimento do cidadão e crescimento da

nação, visto que ele é um ser humano como outro qualquer e precisa

de dinheiro para o seu sustento. (TAVARES, 2012, p. 122).

Tavares (2012) corrobora que o professor tem uma função específica e não

a ideia de sacerdócio.

O professor tem a função de educar, palavra que apresenta vários

significados, sendo um deles o de salvaguardar e explorar (fazer

frutificar) o potencial de cada indivíduo. O ato de educar deve ter

como base algumas aprendizagens fundamentais que, ao longo da

vida, serão de algum modo para cada indivíduo os pilares do

conhecimento, fazendo com que ele busque cada vez mais sua

emancipação e humanize-se continuamente em sua vida, além de

se fazer protagonista de seu contexto, sendo a diferença para sua

nação. Logo, cabe-nos interrogar o seguinte: Que profissional

contribui para o crescimento autossustentável de uma nação, para

sua valorização como ser, para uma melhor qualidade de vida, para

uma criticidade a ponto de este saber o que é ou não é melhor para

si mesmo? É claro que algumas profissões podem até contribuir,

mas essas que podem vir a contribuir passaram por mãos hábeis de

verdadeiros educadores, profissionais da educação que não veem

sua profissão como um sacerdócio. (TAVARES, 2012, p.124).

Assim fica óbvia a verdadeira função profissional do educador, além desse

equívoco com relação ao profissional e ao profeta da educação, há também

a confusão estabelecida hoje, professor acaba sendo pai e mãe, sua função

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está delimitada na sociedade, ou seja, pais designam a educação dos filhos

para esses profissionais.

Para Tavares (2012) essa atribuição de valores como substituir os papéis

dos pais, é tida como um pecado grave, uma mudança que gera muitos

erros dentro do magistério.

Obviamente, os educadores tentaram substituir a família omissa,

mas pecaram em muitos quesitos, e um deles foi o fator tempo para

se criarem vínculos afetivos com os educandos, visto que não é essa

a função do educador; age erroneamente quem assim pensa. É

sabido que temos de oferecer o melhor aos nossos educandos, como

atenção, carinho, respeito, dignidade, ética e bons exemplos, mas

não esse lado afetivo que o fará substituir a mãe ou o pai pelos

professores, que são as principais bases de uma família comum.

(TAVARES, 2012, p.25).

Com tais evidencias é percebido que o professor tem que exercer a arte de

educar, tirando o aluno da situação de coadjuvante para ser protagonista

da sua formação cognitiva e social. O professor lançará as sementes, mas

quem deverá cultivar e fazer dar bons frutos, será o educando, somando

valores trazidos de casa com a aprendizagem escolar. Mas para isso é

necessário equacionar os equívocos com relação aos papéis desses pilares

da educação, aluno e professor. Compete ao gestor pedagógico uma firme

postura e orientar para que a escola tome um rumo certo na sua função.

OO PPAAPPEELL PPOOLLÍÍTTIICCOO NNAA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA

A educação é direito de todos os cidadãos, que de acordo com Carneiro

(2007) p.89 “A educação básica tem por finalidades desenvolver o

educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício

da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho em estudos

posteriores”.

Mas para que haja essa formação é necessário incentivo governamental,

em se tratando de escolas públicas, que agrega maior parte dos estudantes

brasileiros.

Os incentivos deveriam começar pelo reconhecimento do papel profissional,

que de acordo com Tavares (2012)

“Os professores são os profissionais que têm a função de socializar

o educando em sua totalidade como ser humano, além de prepara-

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lo para uma vida digna e essencialmente prática, tornando-o um

protagonista de seu contexto”. (TAVARES, 2012, p. 126)

Para que esses profissionais possam exercer bem sua função pedagógica é

preciso que sejam reconhecidos como profissionais como todos os outros,

mas infelizmente não é isso que acontece. Segundo Tavares (2012), numa

cidade do interior de São Paulo, um político teve a ousadia de dizer que

“professores são inúteis”. Sendo um representante do governo, cujo ensino

é outorgado pelo Ministério da Educação, jamais poderia ter dito tamanha

bobagem. Assim, Tavares corrobora com as seguintes afirmações:

“A mora e a ética simplesmente não são aplicadas ou não existem

na consciência das pessoas com esse tipo de caráter, pois esse

mesmo representante do povo aprovou um aumento em seu salário

dobrando-o de cinco mil para dez mil reais, isso tudo tirado dos

cofres públicos que deveria ser mais bem ministrado para melhorar

a qualidade de vida dos eleitores dessa cidade”. (TAVARES, 2012,

p. 128).

É possível enxergar uma contradição por parte deste político que não pensa

no bem comum, e sim no seu bem estar, pois o mesmo para estar

exercendo a função legislativa numa Câmara de Vereadores passou por

uma escola, e fica a dúvida, será que ele recebeu uma formação cidadã

crítica eficaz?

Sem dúvida, para Tavares (2012) o que era pra ser uma exceção virou

regra, grande parte dos políticos roubam a motivação dos professores em

tornar seus alunos em cidadãos críticos. Pois hoje, os sistemas exigem que

os resultados sejam manipulados, para ter bons gráficos e ótimos

resultados de acordo com pesquisas.

Confirma-se aqui que a contribuição dos políticos para a educação e para a

formação de seres pensantes é nula, pois para eles quanto menos

entendimento possuírem os cidadãos, mais fácil será manipulá-los para que

os elejam nas urnas.

A política segundo o mini Aurélio da língua portuguesa (2010) p. 256 traz o

seguinte significado: “arte e ciência de bem governar, de cuidar dos

negócios públicos”. Pois bem, cuidar não é de qualquer forma, mas sim ter

zelo por algo, demonstrar preocupação e interesse em bem servir.

Infelizmente não é o que se têm visto em relação à Educação no Brasil, os

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olhos dos representantes políticos têm se distanciado muito do ideal para

as escolas (alunos, profissionais da educação, comunidade escolar, etc.).

É de responsabilidade das políticas públicas investir na carreira profissional

tanto na formação quanto no exercício do magistério.

Art. 61 A formação de profissionais da educação, de modo a atender

aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as

características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá

como fundamentos: I. a associação entre teorias e práticas,

inclusive mediante a capacitação em serviço; II. aproveitamento da

formação e experiências anteriores em instituições de ensino e

outras atividades. (CARNEIRO, 2007, P.164).

Carneiro (2007) corrobora que a formação não se deve somente nos

espaços acadêmicos, mas deve estender-se dentro do espaço de trabalho,

na dimensão não-formal ou extraescolar. Pois, investindo no educador,

haverá resultados satisfatórios na formação dos educandos.

A formação do professor constitui aspecto angular da educação

básica. O ideal é que se tenham docentes com formação avançada

para atuar num nível de educação onde são definidos os valores e

as condições básicas para o aluno aprender o conhecimento mínimo

e laborar a visão estratégica imprescindível a empreender o mundo,

intervir na realidade e agir como sujeito crítico. (CARNEIRO, 2007,

p. 165).

Assim, para obtenção de um ensino e aprendizagem para a formação do

cidadão crítico, a responsabilidade não é só do educador, mas as ações

governamentais devem ter toda uma preocupação em oferecer condições

básicas para que isso ocorra, isto é, a educação deve ser expandida e

transformadora da realidade.

Observa-se que, para um grande número de políticos, a coletividade se

resume a um pequeno conjunto de pessoas que usa de um poder para

pregar a ideologia, convencendo a massa alienada por meio de falseamento

da realidade, utilizando de um dos recursos que é a núncio-política.

(TAVARES, 2012, p. 54).

Tavares (2012) apud Gallo (2003) postula que a minoria terá sucesso

enquanto houver a existência de pessoas alienadas e que nunca será

compatível com a educação emancipadora pregada por Paulo Freire.

[...] a educação deve ser desinibidora e não restritiva. É necessário

darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos.

Caso contrário, domesticamos, o que significa a negação da

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educação. Um educador que restringe os educandos a um plano

pessoal impede-os de criar. Muitos acham que o aluno deve repetir

o que o professor diz na classe. Isso significa tomar o sujeito como

instrumento. (TAVARES, 2012 p. 55 apud FREIRE, 1979, p. 72).

A escola deve cumprir sua missão política que é a de transformar o cidadão,

fazendo com que ele adquira plena consciência crítica da sociedade em que

vive e seja capaz de resolver todos as situações problemas pessoais ou

coletivas que vier a encontrar no decorrer da vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As instituições de ensino ainda são muito tímidas quando se trata de

educação emancipadora, pois segundo Tavares (2012) ainda impera um

sistema que proíbe e invalida um saber crítico, os educadores são

manipulados há oferecer um ensino convencional e institucionalizado.

As instituições oferecem uma educação assistencialista e não libertadora, o

que nos fere como cidadãos e rouba nossa dignidade, causando um

estrabismo, não concebido como o desvio dos olhos, mas como uma

metáfora para mostrar a maneira errada de ver as coisas, de julgar e

racionar. (TAVARES, 2012, p. 107).

Para realizar essa mudança, o educador precisa acreditar no seu potencial,

mesmo com tantas evidências políticas contra essa ideologia, mesmo

estando trabalhando completamente desmotivado por conta dos baixos

salários, pela falta de formação, pela cobrança de falsos resultados nas

provas avaliativas aplicadas pelo sistema, dentre outras frustrações.

É preciso devolver ao educando autonomia e segurança para agir, para que

saiba reivindicar seus direitos, que tenha uma formação condizente com

sua necessidade, próxima da realidade que vive e que corresponda aos seus

anseios. E a partir daí ter um senso crítico das mais diversas áreas do

conhecimento.

[...] o letramento faz o educando estar preparado para qualquer tipo

de avaliação que exija um reconhecimento, uma compreensão ou

uma aplicação, fazendo com que possa desenvolver conceitos,

analisar, relacionar, aplicar esses conceitos, transferir

aprendizagem e criar, por si só, novos conceitos. Feito isso, o aluno

terá desenvolvido em si uma racionalização e terá segurança,

podendo discernir com clareza, objetividade e com embasamento

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científico sobre diversos temas. (TAVARES, 2012, p.109 apud

BAKHTIN, 2003).

Além de uma atuação enérgica dos educadores, faz-se necessário o apoio

pedagógico escolar, a gestão escolar deve empenhar-se para conseguir

equacionar os problemas que impedem a formação crítica do aluno. O ideal

é que todos almejem o senso crítico, que a busca por recursos tais como

material didático, profissionais qualificados e bem remunerados, e sem

problemas políticos.

O ideal é de que todos voltem os olhares para os alunos, não olhem apenas

como seres a serem manipulados por um sistema, mas um olhar de “pai” e

“mãe” que preza pela vida dos seus filhos, que deseja o melhor, que o

proteja e acima de tudo, ensine-o a se proteger e se garantir numa vida

social próspera e eficaz.

Para Tavares (2012) a mudança deve iniciar na sala aula

A sala de aula deve deixar de ser um local onde o professor é o único

sabedor e, sim, passar a ser um local de troca de informações e

conhecimentos. Deverá ser um local de troca de informações e

conhecimentos. Deverá ser um local de reflexões, críticas e

descobertas, elevando cada vez mais o lado cognitivo do educando,

fazendo-o respeitar as opiniões, analisar toda e qualquer

possibilidade. As atividades deverão ser voltadas para a resolução

de problemas reais, além de estarem centradas nos projetos que a

própria escola criou com a comunidade escolar. (TAVARES, 2012, p.

112/113).

É papel dos professores incentivar os alunos a uma educação continuada

priorizando a formação crítica e ativa do cidadão. Esse processo inicia-se

desde a educação infantil.

Ele acompanhará o desenvolvimento cognitivo na infância, o

desenvolvimento social e da personalidade de seus educandos, a

sua consciência e percepção, as aprendizagens, motivações,

emoções, individualidades e os comportamentos social e afetivo,

fazendo com que consigam um desenvolvimento integral, tendo

como base a Psicologia da aprendizagem e também a Psicologia

social. (TAVARES, 2012, p.142).

Contudo, os educadores durante o processo de ensino e aprendizagem

devem ministrar conteúdos significativos para os discentes, que

contemplam a realidade e não uma ideologia fantasiosa.

Outro ponto importante é o projeto pedagógico que contemple todo o

processo de ensino aprendizagem, inclusive os métodos e recursos

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utilizados para a formação crítica do aluno, é essencial que tenha uma

equipe gestora qualificada. Pois diante da realidade educacional,

professores desmotivados e alunos oriundos de realidades sub-humanas,

carentes material e afetivamente, os gestores devem ser o alicerce para

promover a reintegração das funções de alunos e professores para uma

realidade transformadora.

A gestão escolar deve ser vista como a pedra fundamental para que

a escola ofereça à sua comunidade uma escola que atenda às

exigências do dia-a-dia. É sua função melhorar a compreensão da

realidade social de maneira inclusiva, democrática e participativa,

resgatando a ética e o civismo – por muitos ignorados – e promover

a apreensão de competências e habilidades na comunidade de

maneira que os cidadãos possam atuar como agentes de

transformação social. (TAVARES, 2012, p.113).

Segundo Tavares (2012) a gestão escolar necessita da participação de

todos os envolvidos, ou seja, professores, alunos, funcionários e de toda a

comunidade escolar. O autor postula ainda que a comunidade deve ser

“cidadã e proativa” onde há a interação e comprometimento de todos os

evolvidos.

O gestor que exerce uma liderança consegue trabalhar sem grandes

complicações a motivação de seus educadores, e, dessa maneira,

faz com que persigam determinada meta ou objetivo com

determinação para que a escola busque a excelência em relação ao

processo ensino-aprendizagem e que essa excelência seja o cerne

para os educandos se tornarem cidadãos críticos e protagonistas de

sua história. (TAVARES, 2012, p. 117).

Uma gestão pedagógica democrática deve traçar objetivos, a partir da

realidade que se encontra para onde se pretende chegar. Essa característica

deve ser construída em comum acordo obedecendo aos regimentos

escolares, projetos pedagógicos e leis que compreendem a necessidade dos

educandos.

O gestor deve ser um líder nato, não basta gostar de gerenciar ou dirigir

uma escola, deve ser uma pessoa destemida e comprometida com a

educação, ter boa postura e ser capaz de se comunicar com seus liderados.

O gestor não deve ter medo de assumir riscos, pois o próprio

planejamento lhe oferecerá planos de contingência, e ele estará

lidando com pessoas totalmente comprometidas com o planejado;

deverá ser um bom comunicador, e para que se faça a comunicação

devem entender a mensagem e interagir, além de trabalhar de

maneira democrática, incentivando e ouvindo os envolvidos no

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processo ensino-aprendizagem. Isso irá desenvolver no gestou uma

competência ainda maior em gerir relacionamentos, pois ele terá de

estabelecer contatos verticais e horizontais, mantendo relações

complexas para que seu planejamento seja aplicável. (TAVARES,

2012, p. 115).

Para Tavares (2012) os professores de outrora eram detentores do

conhecimento e não eram questionados pelos educandos, porque sempre

foram referência do saber. Hoje esse quadro mudou, ou melhor, a sociedade

é outra, segundo o autor vivemos na sociedade do conhecimento.

Nesta sociedade, a busca do conhecimento passa a ser uma

constante na vida de todos, fazendo com que nos tornemos

polivalentes e empreendedores, tornando-nos cidadãos críticos e

competitivos, proporcionando, assim, profícuas sinergias entre

educadores e educandos. A informação é acessível a todos sem

hierarquia que impeça a sua interpretação, e, com isso, o professor

que antes era o seu detentor, passa a trabalhar agora como

mediador e incentivador de seus educandos na aquisição de seus

próprios conhecimentos. (TAVARES, 2012, p.144).

Tavares (2012) postula ainda que a escola não acompanha a evolução da

sociedade do conhecimento, onde jovens dominam a tecnologia, porém não

sabem filtrar informações relevantes das supérfluas, e onde profissionais

apresentam dificuldades nas novas técnicas e obedecem a um sistema

falho. Portanto, a gestão escolar, deve mediar essa inversão, fazendo com

que seus profissionais busquem se aperfeiçoar e também consigam motivá-

los a inovação de suas estratégias e métodos de ensino.

A escola como pôde ser observada é um lugar de grandes transformações,

tanto do sistema quanto do indivíduo. Com a democratização do

conhecimento, o educador não é mais o detentor do saber, mas deve

contribuir com a formação cognitiva do sujeito para que este possa

gradativamente aplicá-lo dentro das suas competências e habilidades.

O educador deve conduzir o aluno a ser o protagonista da sua

aprendizagem, o discente deve participar da aula proativamente, mesmo

encontrando barreiras sociais e emocionais, a escola deve ser acolhedora.

Ressalta-se que professores não são pais, mas devem ter afeto, demonstrar

atenção e preocupação com a formação dos alunos, pois estarão cumprindo

seu papel social, e também fazendo valer sua formação de educador.

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Embora o descaso a esses profissionais ainda é muito exacerbado, a

esperança deve tomar conta dos educadores, acreditar na melhora do ser

humano, porque se investir no aluno hoje, poderá mudar os que ocupam

lugares indevidos na política. Pois de bons cidadãos críticos que precisa a

sociedade, e o melhor caminho e tirar o sujeito da inércia para que de fato

se torne um cidadão comprometido com a sociedade.

Para que se consiga uma boa qualidade do ensino, também é preciso trazer

as famílias para a escola, pois a participação da comunidade é fundamental,

somente ela poderá ajudar a escola traçar objetivos, que equacionem os

problemas sociais vividos ao redor da escola. Será com a ajuda de pais e

responsáveis que a escola poderá, em longo prazo, abranger toda a

comunidade com um projeto pedagógico eficaz e que contribuir com a

formação do indivíduo, ou seja, o ensino terá fundamento na realidade do

aluno, o que o motivará a frequentá-la com mais amor e empenho.

Compreende-se também a importância dos gestores pedagógicos que têm

papéis importantes dentro da instituição de ensino, pode-se dizer que são

elos entre os membros que compõem a unidade de ensino como corrobora

Tavares.

O gestor deverá estar imbuído de humildade e, por natureza,

inclinado a tratar com isonomia as pessoas, tanto educadores

quanto serviçais, além de ser consciente e honesto consigo mesmo,

sabendo de suas falhas e esforço para melhorar como profissional

e, também, como pessoa. Deve ser um profissional proativo, pois

se sentirá incomodado com a inércia e com a situação da sua

comunidade, fazendo de tudo para mudar a realidade para melhor,

pois não aceitará de forma passiva qualquer imposição que lhe seja

passada. Os gestores são profissionais que necessitam ter também

uma boa escuta para que façam sempre o melhor para a

comunidade e saibam gerir ideias e adequá-las à realidade de seus

alunos. (TAVARES, 2012, p.116).

Sumariamente, a formação do cidadão crítico é baseada numa educação

comprometida, não sob a responsabilidade de um ser ou uma pequena

parte da sociedade, mas de todos os membros que a envolvem. É preciso

acreditar que a educação abre as portas para o futuro, para uma sociedade

igualitária e humana, não a vemos como a redentora da humanidade, mas

como corredentora.

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Maria Paula Ferreira Antunes.

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Maria Paula Ferreira Antunes.

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79 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130

Mel Pessoa Saad

MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO

BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Mel Pessoa Saad4

RESUMO

A educação bilíngue de prestígio, no Brasil, tem sido uma tendência crescente,

desde o início dos anos 2000. Da mesma forma, o número de escolas bilíngues

aumenta significativamente a cada ano, bem como a quantidade de pais que

buscam, para seus filhos, uma educação de qualidade aliada à aquisição de um

segundo idioma.

O presente artigo pretende discutir conceitos relacionados à constituição da

linguagem, ao bilinguismo e à educação bilíngue, tendo como foco os possíveis

desdobramentos deste tipo de educação, quando o aprendiz o inicia no Ensino

Fundamental. Para isso, foi feita uma revisão bibliográfica e foram discutidos três

casos de alunos que ingressaram em uma escola bilíngue, após a Educação

Infantil.

É possível compreender que, quando a educação bilíngue tem início no Ensino

Fundamental, podem ocorrer alterações mais ou menos significativas no

desempenho e/ou comportamento do aluno. Se estas mudanças estiverem

relacionadas apenas à novidade da língua, a tendência é que a criança – cada uma

a seu tempo – se adapte ao novo e, ao adquirir um repertório que a possibilite

acompanhar as aulas satisfatoriamente na sua L2, seu funcionamento volte ao

normal, acrescido das muitas vantagens que uma segunda língua traz, como por

exemplo, desenvolvimento de habilidades linguísticas e metalinguísticas, aumento

do pensamento criativo, da flexibilidade e da atenção seletiva.

Palavras-chave: Bilinguismo. Educação bilíngue. Aquisição. Língua. Linguagem.

4 Graduada em Psicologia pela PUC-SP. Especializada em Psicanálise da Criança, pelo Instituto SEDES

SAPIENTIAE e em Clínica Psicanalítica no Campo dos Distúrbios da Audição, Voz e Linguagem, pela DERDIC.

Atua há dez anos como professora de inglês do Ensino Fundamental I, em escola bilíngue.

E-mail: [email protected]

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80 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130

Mel Pessoa Saad

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem havido um considerável crescimento na demanda

por escolas bilíngues no Brasil. Todavia, não há números oficiais destas

escolas e tampouco legislação específica sobre seu funcionamento. Ainda

assim, está claro que a busca por uma educação bilíngue vem ocorrendo de

forma cada vez mais ampla, a partir do início deste século.

Há quase 30 anos, com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim,

houve uma consolidação da globalização. A partir desse momento, o mundo

vem vivenciando tanto o acesso instantâneo a qualquer parte do globo, por

meio das redes de comunicação, quanto o “encurtamento” das distâncias,

já que os sistemas de transportes conseguem alcançar lugares longínquos

em pouquíssimo tempo.

Esta rápida e crescente integração das diferentes áreas do planeta trouxe

consigo a necessidade de aprendermos outra(s) língua(s), de forma a

estarmos genuína e consistentemente conectados ao que acontece a nossa

volta, isto é, com naturalidade e domínio.

Assim, ao contrário daqueles que, nos anos 1990 e início dos 2000,

procuravam cursos de idiomas para “terem uma noção” ou saberem “se

virar” em outra língua, atualmente, busca-se algo além: o domínio de um

segundo idioma. Dessa maneira, para muitos pais de hoje – aqueles que

vivem esta realidade globalizada5 e têm condições financeiras –, é de

extrema importância que seus filhos tenham uma educação escolar de

ótima qualidade associada à aprendizagem consistente de uma segunda

língua, a fim de que adquiram a mesma fluência e a propriedade que têm

em seu primeiro idioma. Segundo Geiger-Jaillet (2014), “O novo paradigma

é ‘aprender uma língua estrangeira, aprender em língua estrangeira’. Por

5 É sabido que todos estão inseridos no contexto da globalização, mesmo que indiretamente. A

referência aqui é, todavia, àqueles que experienciam a necessidade de comunicação e interação mais constantes

com outros idiomas, países e/ou culturas.

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81 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130

Mel Pessoa Saad

isso, é preciso utilizar as línguas para aprender e aprender utilizando as

línguas” (p. 3).

Alguns pais, no entanto, sentem esta necessidade de uma educação

bilíngue de prestígio6 para seus filhos, em um momento posterior à

Educação Infantil. Com isso, aquele processo “natural” de aquisição, no qual

o aluno aprende a língua quase sem perceber, por meio de brincadeiras e

muitas atividades corporais, passa a ser mais formal. No Ensino

Fundamental7, utiliza-se majoritariamente a comunicação verbal e

requisita-se do educando uma atitude mais ativa.

A inserção tardia8 da criança em uma educação bilíngue pode trazer alguns

percalços, tendo em vista que ela deverá se comunicar metade do tempo

neste outro idioma ainda desconhecido. Muitos pais preocupam-se ao

perceberem mudanças no desenvolvimento e/ou comportamento dos filhos

que se retraem, se angustiam ou choram frente ao desafio de uma escola

diferente com uma língua nova.

Portanto, o objetivo do presente artigo é investigar 1) se há alguma

alteração significativa no comportamento e/ou desempenho do aluno,

quando a educação bilíngue tem início no Ensino Fundamental; 2) o tempo

que o aprendiz leva para acompanhar satisfatoriamente as aulas em sua

língua-alvo; 3) os prováveis desdobramentos de uma educação bilíngue.

Estas questões são propostas com o intuito de se compreender melhor as

dificuldades pelas quais crianças recém-chegadas na educação bilíngue

vivenciam e as possíveis vantagens de se persistir neste caminho.

6 A educação bilíngue de prestígio trabalha com o bilinguismo de elite – explicado, posteriormente, no

corpo do trabalho.

7 O Ensino Fundamental é uma das etapas da educação básica no Brasil e tem início por volta dos seis

anos de idade, quando a criança é alfabetizada.

8 O termo tardio é aqui utilizado para indicar que ocorreu depois da Educação Infantil, isto é, posterior

à primeira infância. A denominação bilinguismo tardio tem relação com este termo e se coloca em oposição ao

bilinguismo precoce. Ambos estão vinculados ao momento de aquisição de L2, já que quanto antes a criança é

exposta a um segundo idioma, maior é sua vantagem no desenvolvimento da língua, pois não há um enfoque de

instrução, isto é, o aprendizado não é via regras ainda (Marcelino, 2009).

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Mel Pessoa Saad

Para tanto, serão discutidos os seguintes temas: Desenvolvimento da

Linguagem; Aquisição da Língua Materna e de Outra(s) Língua(s);

Bilinguismo; Educação Bilíngue; Bilinguismo e seus Desdobramentos;

Habilidades Linguísticas e Metalinguísticas; Criatividade e Bilinguismo.

Posteriormente, serão analisados três casos vivenciados em uma escola

bilíngue, à luz dos referenciais teóricos expostos.

DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

A construção e o desenvolvimento da linguagem sempre foram amplamente

discutidos e teorizados, tendo em vista que remontam à filogenia e à ontogenia da

nossa espécie. Por ser algo tão importante para se refletir e entender melhor o

porquê e como se dão alguns dos processos mentais do ser humano, diversas

áreas do conhecimento ocupam-se desta questão. De acordo com Petter,

professora de Linguística da USP,

linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir,

desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como

a pintura, a música e a dança. Já a língua é um conjunto organizado

de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. Ela

surge em sociedade, e todos os grupos humanos desenvolvem

sistemas com esse fim.

Bronckart, no Dicionário de Psicologia (1998), acrescenta – sobre

linguagem – que essa capacidade da espécie humana de aprender e utilizar

um ou vários sistemas de signos verbais possibilita dois pontos: a

comunicação com seus semelhantes e a representação de mundo para si

mesmo. Este autor também pontua que o termo fala “designa os

comportamentos concretos do emprego da língua por um indivíduo” (p.

467).

Vigotski (2008), por sua vez, observa que “[...] a linguagem não depende

da natureza do material que utiliza. [...] Não importa qual o meio, mas sim

o uso funcional dos signos” (p. 47, grifo do autor). Ele lembra que “na

linguagem dos povos primitivos, os gestos têm um papel importante e são

usados juntamente com o som” (Ibidem. p. 47, grifo nosso), sem, todavia,

depender necessariamente dele.

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Mel Pessoa Saad

Partindo deste princípio, é possível refletir sobre o tipo de linguagem

utilizada pela criança. Quando a observamos, “fica bastante claro que não

é somente a palavra mamã que significa, digamos, ‘Mamãe, me põe na

cadeira’, mas o comportamento todo da criança naquele momento (seus

movimentos em direção à cadeira, tentando agarrar-se a ela etc.)”

(VIGOTSKI, 2008, p. 37, grifo do autor). Este autor diz ainda que, nesta

ocasião, a tradução para a palavra mamã só pode ser feita a partir dos

gestos que a acompanham – são os gestos que se constituem, neste

começo de vida, como linguagem.

No início de seu desenvolvimento, o indivíduo não tem, então, consciência

do que fala, ou melhor, dos sons que emite – mesmo que estes tenham

algum significado para aqueles que os ouvem.

“O fato mais importante revelado pelo estudo genético do pensamento e da

fala é que a relação entre ambos passa por várias mudanças. O progresso

da fala não é paralelo ao progresso do pensamento” (Ibidem. p. 41).

Todavia, “a fala não pode ser ‘descoberta’ sem o pensamento” (Ibidem. p.

54, grifo nosso). Ainda segundo Vigotski, pensamento e fala são produtos

do desenvolvimento da consciência humana que, “ao longo da evolução de

ambos, estabelecem entre si uma interdependência contínua e sistemática

que se modifica e se desenvolve” (JOBIN e SOUZA, 2012, p. 127).

Franchi (1992) postula que:

[...] antes de ser para a comunicação, a linguagem é para a elaboração; e antes de ser

mensagem, a linguagem é construção do pensamento; e antes de ser veículo de

sentimentos, ideias, emoções, aspirações, a linguagem é um processo criador em que

organizamos e damos forma às nossas experiências. (p. 25)

Inicialmente, o pensamento do bebê evolui sem a linguagem e seus

balbucios e choros – apesar de serem entendidos como uma forma de

comunicação – tampouco estão relacionados à evolução do pensamento.

Contudo, Hamers e Blanc (2000) colocam que “Through interactions with

others he will develop a prelinguistic readiness for meaning, i.e. a context

sensitivity which will enable him to make the linguistic forms present in the

environment his own” (p. 17, grifo nosso).

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Considera-se, com isso, que a função social da fala mostra-se existente,

antes mesmo da criança completar seu primeiro ano de vida. De acordo

com pesquisas descritas por Vigotski (2008), este pequeno ser, já nos

primeiros meses, reage à voz humana de diversas maneiras – com risadas,

sons inarticulados, movimentos etc. –, a fim de atrair a atenção do outro e

comunicar-lhe suas sensações de prazer e desprazer (JOBIN e SOUZA,

2012; VIGOTSKI, 2008). Nestes primeiros meses de vida, a criança

(...) possui um pensamento pré-linguístico e uma linguagem pré-

intelectual. O momento crucial ocorre por volta dos dois anos,

quando as curvas do pensamento pré-linguístico e da linguagem

pré-intelectual se encontram e se juntam, iniciando um novo tipo de

organização do pensamento e da linguagem. Nesse momento o

pensamento torna-se verbal e a fala, racional. A criança descobre,

ainda que difusamente, que cada coisa tem seu nome e a fala

começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam a ser

verbalizados (JOBIN e SOUZA, 2012, p. 128, grifo nosso).

A partir da breve descrição acima sobre o desenvolvimento da linguagem,

não há dúvidas de que, para Vigotski, “a fala, as condições de comunicação

e as estruturas sociais estão indissoluvelmente ligadas” (Ibidem. p. 111).

Hamers e Blanc (2000) também sustentam que a linguagem só se

desenvolve com a interação social: “[…] the original input for language

development comes from the child’s social environment, via the social

networks and the significant interactions with others” (p. 20). Sendo assim,

entendemos que

é no fluxo da interação verbal que a palavra se concretiza como

signo ideológico, que se transforma e ganha diferentes significados,

de acordo com o contexto em que ela surge. Constituído pelo

fenômeno da integração social, o diálogo se revela como forma de

ligação entre a linguagem e a vida (JOBIN e SOUZA, 2012, p. 120,

grifo nosso).

Isto é, pensamento e fala unem-se e transformam-se mutuamente, com o

intercâmbio social e, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, os

significados contidos nestes dois continuam a serem transformados (Costa,

2013).

Tanto Piaget quanto Maturana concordam com Vigotski que é na interação

com o outro que se dá a possibilidade de desenvolvimento da linguagem.

Estes autores, entretanto, discordam quanto ao que possibilita o

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surgimento da linguagem no ser humano. Isso se deve ao que cada um

privilegia ao desenvolver suas respectivas teorias.

Piaget privilegia a maturação biológica, afirmando que os fatores internos

preponderam sobre os externos e que o desenvolvimento humano segue

uma sequência fixa e universal de estágios. Ele postula que a inteligência,

o pensamento e a linguagem estão intrincados como pilares do

desenvolvimento – sendo a inteligência a responsável por articular os outros

dois.

Para Maturana e Vigotski, a noção de linguagem é construída nas relações

com o ambiente e com o outro. Dessa maneira, o desenvolvimento de cada

indivíduo variará de acordo com as mudanças do ambiente.

Enquanto Vigotski diz que a cultura molda as funções psicológicas das

pessoas, ao longo do tempo, através das interações do indivíduo com o

ambiente social, Maturana foca no fato destas relações serem imbuídas de

emoção e considera que os pilares da linhagem humana atual (nos aspectos

filogenético e ontogenético) são: o modo de vida, a linguagem e a emoção,

além da racionalidade que, segundo ele, não pode existir separadamente

da linguagem e da emoção (COSTAS et al., 2002).

Então, o sujeito dotado de linguagem vai, na interação verbal com o outro,

distinguindo e organizando seu pensar e, a partir disso, percebendo que

precisa de mais palavras para expressar o que quer comunicar. Assim,

pensamento e linguagem, ao se articularem, constroem-se mutuamente,

complexificando-se. Por esse motivo, Maturana considera tanto o modo de

vida quanto a linguagem como estruturalmente plásticos e autopoiéticos9

(Ibidem).

Mantendo em mente esta plasticidade linguística, trataremos, a seguir, da

aquisição da língua materna e de outras línguas.

9 Autopoiese é a capacidade de seres vivos produzirem a si próprios, de acordo com o que Mengal

descreve no Dicionário de Psicologia (1998), “remete à ideia de um organismo concebido como um sistema

fechado, que constrói, de maneira autônoma, suas representações perceptivas e cognitivas [...]” (p. 103).

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AQUISIÇÃO DA LÍNGUA MATERNA (L110)

No que se refere à língua oral, é sabido que, antes mesmo de aprendê-la,

a criança foi envolvida por seus sons. Dormiu embalada por canções e ouviu

conversas que não fazia ideia do que significavam. Aos poucos, ainda sem

perceber, foram-se formando imagens agradáveis ou não, relacionadas à

melodia que ouvia, transmitidas pelas vozes de seus cuidadores e daqueles

que a cercavam. Lentamente, ela apreendeu conceitos trazidos por estes

sons e imagens e, com isso, atribuiu significados a eles. A voz e as palavras

de sua mãe e/ou de seus cuidadores foram trazendo sentido e sentimentos

ao que era ouvido – e, futuramente, falado.

Assim, ainda sem se dar conta, essa criança passou a dominar um sistema

de regras – que lhe possibilitou entender palavras e frases – e de valores –

que proveu de sentido e afetividade sua língua materna (GRUPPI, 2010).

“Internalisation processes of meaning, of language forms and of language

values will serve as building blocks for his own language representations

and processing mechanisms at the linguistic, at the cognitive and at the

social psychological level” (HAMERS; BLANC, 2000, p. 20, grifo nosso).

Esses valores linguísticos internalizados permitem que esta criança

manifeste e construa um saber com a própria língua. Por conseguinte, “a

língua materna não se separará jamais dessa sedimentação afetiva para se

tornar, simplesmente um instrumento de designação objetiva das coisas do

mundo” (GRUPPI, 2010, p. 13).

É, então, nestes primórdios da vida, que se dá o início de uma longa história

entre a língua e o indivíduo, de como ela o afeta e o transforma em sujeito.

Logo, a maneira que se dá a entrada deste indivíduo na língua é peça chave

para dizer como sua relação com a mesma se desenvolverá.

Igualmente, para Maturana, “[...] a linguagem não seria independente,

estaria atrelada à emoção, constituindo com a participação desta o

10 L1 é cronologicamente a primeira língua aprendida, é aquela que se domina melhor e que se utiliza

com mais frequência.

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conversar, que estaria presente em toda realização humana [...]” (COSTAS

et al., 2002, p. 75, grifo nosso). Este conversar, por sua vez, contem uma

rede de conversações que incluem tanto as que estão acontecendo no

momento, como as que já ocorreram no passado e deixaram marca. Assim,

a língua vai fazendo sentido no decorrer de seu uso, a partir do que o sujeito

vai experienciando na sua interação com ela.

Nesta mesma perspectiva, Jobin e Souza (2012) diz que “a infância se

constitui num experimentum linguae [...]”, já que é

[...] o momento em que a linguagem humana emerge como

significação, pois é na fala da criança que acontece a passagem do

signo linguístico para a ordem do sentido [...] É nesse sentido que

uma tal concepção de infância não é algo que possa ser

compreendido antes da linguagem ou independentemente dela, pois

é na linguagem e pela linguagem que o homem constitui a cultura

e a si próprio. (p. 151, grifo nosso).

Dessa forma, é na utilização da língua que esta vai se aprimorando e que o

sujeito vai se constituindo. Marcelino (2009) assinala que

uma premissa importante no processo de aquisição de L1 é que a

criança, exposta a dados linguísticos primários, não necessita de

exposição ordenada e específica de todas as estruturas que a língua

pode apresentar (p. 16).

Ou seja, a construção da língua materna não acontece de forma organizada

e didática. Ao contrário, como foi mencionado anteriormente, o indivíduo

vai internalizando as regras de sua primeira língua naturalmente, sem

perceber.

Sendo assim, após o que foi desenvolvido até aqui, faz-se pertinente

entender alguns pontos sobre a aquisição de outras línguas.

AQUISIÇÃO DE OUTRAS LÍNGUAS (L211)

De acordo com a escola Construtivista, a aprendizagem só é possível a

partir da ação do aprendiz, isto é, de seu papel como construtor do próprio

saber. Para isso, é necessário que ele filtre e organize as novas

experiências, a fim de que se acomodem ao “acervo de coisas conhecidas”.

Quando há alguma incompatibilidade entre as novas vivências e os

11 L2 é uma (ou mais) língua(s) aprendida(s) após a língua materna (L1).

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conhecimentos preexistentes, o sujeito reestrutura o que sabe para

incorporar essa nova informação. Por conseguinte, cada indivíduo

construirá sua própria realidade, mesmo que passe por experiências iguais

a de outros (MARQUES, 2011). “Portanto, o conhecimento é uma

construção mental e está sujeito a constantes reavaliações e reconstruções

na medida em que acomodamos as novas informações e experiências às já

existentes no nosso acervo de conhecimentos” (Ibidem. p. 34).

Neste sentido, ao entrar em contato com uma segunda língua, cada

aprendiz terá ações e reações diferentes, levando-se em conta sua história

com sua língua materna, como e em que momento de sua vida esta L2 lhe

é apresentada, entre muitos outros pontos. Todavia, não importa quando

isso acontece, segundo Gruppi (2010), “o sujeito, constituído enquanto tal,

pelo acesso à linguagem, quando toma a palavra em uma língua estrangeira

vivencia algum estranhamento” (p. 14).

Mesmo que a aquisição de uma segunda língua ocorra em idade precoce,

ela se desenvolve de forma diferente à da língua materna.

Independentemente da idade em que esta outra língua é aprendida, “é

exigida uma grande flexibilidade psíquica, entre um trabalho de análise e

de memorização das estruturas linguísticas [...] Ele perturba, questiona e

modifica tudo o que já foi anteriormente aprendido, despertando as mais

diversas reações” (Ibidem. p. 43-44).

Marcelino (2009) menciona que uma possibilidade bastante plausível é que

“[...] as estruturas [da língua] são aprendidas individualmente e cada uma

a seu tempo em L2, diferentemente do que ocorre em L1, onde há

instantaneidade” (p. 17).

Não obstante, este autor ressalta que

assim como na aquisição da L1, as crianças se deparam com uma

tarefa similar à tarefa que têm ao desenvolver sua L1: a necessidade

de chegar a um sistema gramatical a partir do input de uma língua

L. Sendo assim, os aprendizes têm diante de si, ao menos

potencialmente, o mesmo problema lógico da aquisição: como se

chega a um sistema linguístico complexo e completo a partir de

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dados caóticos, fragmentados e elípticos? (MARCELINO, 2009, p.

13).

Sabe-se, então, que L1 e L2 desenvolvem-se de formas diferentes, mas

tem-se claro que ambas as línguas colocam o aprendiz às voltas com o

mesmo problema lógico: o de compreender e falar a partir da internalização

de regras, significados e sentidos de dados que chegam de forma

desordenada, confusa e fragmentada. Assim, se ambas as línguas

compartilham o mesmo problema quanto à internalização das regras, L2

pode se pautar em algum tipo de conhecimento da gramática de L1, a fim

de desenvolver um conhecimento acerca de sua própria gramática, não

sendo possível, no entanto, apoiar-se totalmente nesta, para se

compreender o novo sistema linguístico, já que são línguas diferentes

(Ibidem).

Marques (2011) reforça esta ideia do indivíduo utilizar L1 auxiliando na

construção de L2:

[...] a nossa aprendizagem é facilitada sempre que conseguimos

estabelecer relações de coordenação entre os esquemas de

conhecimento que já possuímos em novos vínculos e relações a cada

nova aprendizagem conquistada. E quanto mais relevante, mais

significativo for o que aprendemos, mais fácil será promover a

transferência dessas experiências. Construímos algo novo sobre

algo que já existe, se ele nos for significativo.Porém, precisamos

estar atentos porque certos conhecimentos, quando transferidos

para a outra língua, podem atrapalhar e precisamos ter o cuidado

de descobrir quais são os que podem interferir no desenvolvimento

da comunicação oral (p. 139, grifo nosso).

Diversas escolas bilíngues, todavia, supõem que, ao exporem seus alunos

à segunda língua, a aquisição dar-se-á naturalmente, como acontece com

a língua materna. Entretanto, mesmo quando esta exposição à L2 acontece

na Educação Infantil, as necessidades para sua aquisição são diferentes, de

acordo com Marcelino (2009), fazendo-se

[...] necessário que a criança seja exposta a todas as gamas de

propriedades presentes na língua conforme a língua-alvo12 prevê. E

isso pode ser feito por um professor (nativo ou não) que desenvolva

seu trabalho de ensino amparado e observante dos conteúdos

linguísticos que oferecem à criança o input para que a possibilidade

12 Língua-alvo é aquela que o aprendiz busca dominar.

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de um desenvolvimento de uma gramática completa e complexa

exista. (p. 18-19).

Posto isso, está claro que é necessário ter alguns cuidados para que o input

oferecido aos alunos seja ótimo, a fim de que eles desenvolvam uma L2 de

forma adequada – com uma gramática completa e complexa, como dito

acima.

Ao mesmo tempo, Marques (2011) assinala que se deve ter em mente “[...]

a habilidade produtiva oral como um processo comunicativo, e

decorrentemente criativo, e não somente como uma prática de estruturas

gramaticais” (p. 152).

Dessa maneira, quanto mais cedo o aprendiz entra em contato com sua

língua-alvo, teoricamente, mais fluida e criativa é sua construção e

interação com a mesma, já que sua aprendizagem não ocorre de forma

racionalizada. Nas palavras de Marcelino (2009),

A criança exposta desde cedo à L2 deveria ter a vantagem da

exposição à língua, sem o enfoque de instrução e evidência

negativa. É em um contexto assim que as propriedades da língua se

desenvolvem, pois não há o aprendizado via regras [conscientes]

ainda, mas apenas o desenvolvimento linguístico da L2 da criança

(p. 18, grifo nosso).

Ainda neste sentido, é válido ter em mente que “se as dimensões

relacionadas à motivação, aos sentimentos e às representações sociais

desempenham um papel na apropriação da linguagem (L1), isso também

ocorre na aprendizagem de uma segunda língua ou de línguas estrangeiras”

(GEIGER-JAILLET, 2014, p. 1). De acordo com Hamers e Blanc (2000), “[…]

the acquisition of a second language is not only a function of the teaching

method, but is also mediated by, for example, attitudes in the community

and by individual motivation” (p. 13). Ou seja, como dito anteriormente, o

social tem grande influência no interesse do aprendiz e esta valorização ou

não da língua é um dos fatores que acarreta uma maior ou menor motivação

do sujeito para adquiri-la.

Assim, se quanto mais entusiasmado e envolvido estiver o aluno, maior

será sua facilidade para assimilar esta nova língua, é interessante que a

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inserção de L2 possa ocorrer da forma mais agradável e natural possível,

por brincadeiras, músicas e histórias, em um contexto de descontração, no

qual o idioma trabalhado “[...] é um veículo, o meio através do qual a

criança também se desenvolve, adquire e constrói conhecimento e interage

e age sobre o meio” (MARCELINO, 2009, p. 10).

Gruppi (2010) afirma que “quando o aprendizado de um novo idioma se dá

de maneira contextualizada, a criança poderá falá-lo de maneira autêntica,

tornando-se assim um falante nativo da língua” (p. 42). Isto é, mesmo que

o início da aprendizagem de uma L2 seja após a Educação Infantil, se existe

o uso contextualizado da língua e a necessidade real de interação, e se é

uma comunicação legítima, que exige certa competência linguística, haverá

sentido e, consequentemente, a aquisição deste idioma ocorrerá de forma

consistente. De acordo com o Princípio Comunicativo 2, descrito por

Marques (2011),

a aquisição da linguagem acontece mais facilmente quando o

aprendiz está tentando se comunicar, quer explicando o que tem em

mente, quer negociando o significado de suas elocuções nas

interações com os outros participantes. Ele ‘aprende a se comunicar,

comunicando-se’. A meta primordial da abordagem comunicativa

(como o nome diz) está no processo comunicativo, sendo a

linguagem o veículo dessa comunicação, não somente seu objeto de

estudo [...] (p. 50)

Esta mesma autora afirma que o ser humano tem disponibilidade para

crescer e sede de expandir seu mundo, constantemente. Contudo, o

caminho deste conhecimento precisa fazer sentido para o aprendiz e, como

já mencionado, ele deve ser ativo na construção de sua aprendizagem.

Nascemos com uma predisposição para aprender. Temos uma

curiosidade inata de querer conhecer o mundo; por isso, somos

motivados a procurar saciar nossa sede de saber e necessitamos

estar disponíveis, abertos a percorrer os novos caminhos. Porém,

esses caminhos precisam ser ‘significativos’, precisam fazer sentido

para nós. E, para não nos sentirmos sobrepujados, esses novos

conhecimentos devem ser construídos sobre conhecimentos

adquiridos anteriormente. Só aprendemos se formos ativos, se

descobrimos por nós mesmos, se experimentamos e tantas outras

formas de aprendizado (Ibidem. p. 43-44, grifo nosso).

Desse modo, aprender uma ou mais línguas pode vir como algo muito

pertinente por dois motivos: 1) o sujeito amplia sua visão de mundo, ao

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conhecer outros idiomas e 2) conhecimento gera (e facilita) mais

conhecimento.

1) O sujeito amplia sua visão de mundo: Conhecer um outro idioma faz

com que novas formas de comunicação sejam construídas, não só no que

se refere a gramáticas com estruturas diferentes, mas também a visões

culturais distintas, por isso possibilitar a interação com pessoas de diversos

países.

Em outras palavras, falar duas línguas significa ter acesso a dois

códigos linguísticos e, portanto, ter duas vezes mais oportunidades

de interagir com pessoas diferentes no mundo. [...] a literatura tem

demonstrado, ainda, benefícios linguísticos e metalinguísticos que

vão além dos ganhos sociais, uma vez que a experiência bilíngue

pode vir a modificar a forma como as pessoas veem e compreendem

o mundo (BRENTANO; FINGER, 2010, p. 121-122, grifo nosso).

Logo, “o ensino da segunda língua tem como objetivo ampliar a visão de

mundo do mundo, tornando-se cidadão mais consciente quando de sua

atuação na sociedade” (BLOS, 2008, p. 3).

Neste sentido, Marcelino (2009) sugere que “a escola bilíngue deveria ser

a nova concepção de escola, a partir de um mundo mais globalizado, o lugar

onde a troca de conhecimento e rompimento de fronteiras ocorre”. O que,

segundo ele, “[...] por si só, justifica a necessidade de uma outra língua

como veículo de instrução” (p. 11).

2) Conhecimento gera (e facilita) mais conhecimento: como foi visto

previamente, se L1 contribui, de alguma forma, para aquisição de uma

segunda língua, quando o processo de aprender uma terceira língua está

em pauta, este é, teoricamente, ainda mais simples, pois há “a possibilidade

de transferir os métodos de aprendizagem da experiência anterior para a

nova” (BLOS, 2008, p. 10), tornando esta mais fácil, rápida e efetiva.

Somando-se a isso, Brentano e Finger (2010) argumentam que indivíduos

bilíngues desenvolvem maiores habilidades linguísticas e consciência

metalinguística, além de terem um desenvolvimento precoce de

determinados processos cognitivos.

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Assim, “o aprendizado de uma nova língua facilita o aprendizado de

outras novas línguas e a compreensão de línguas que carregam uma lógica

diferente” (ZIMMER; BECKER, 2015, p. 4). Um aluno que está aprendendo

um terceiro ou quarto idioma, por exemplo, pode, portanto, transpor, ainda

mais facilmente, seu conhecimento prévio em relação ao funcionamento de

um currículo bilíngue, a fim de buscar soluções para suas dificuldades e

dúvidas (BLOS, 2008).

Com base nestes argumentos sobre os benefícios da aquisição de

outras línguas, questiona-se: onde se encontra o bilinguismo?

BILINGUISMO

Diversos autores expõem suas definições, muitas vezes bem distintas,

sobre bilinguismo e o que é ser bilíngue. Do mesmo modo, os dicionários

apresentam diferentes explicações acerca destes termos, demonstrando

que eles exprimem uma noção ampla e difícil de conceituar.

Bilíngue pode denotar desde um indivíduo fluente em duas línguas –

segundo o dicionário online Oxford –, até simplesmente, como definido no

dicionário Aurélio (1999), “indivíduo, ou comunidade, que faz uso regular

de duas línguas (p. 300).

Para Hamers e Blanc (2000), “In the popular view, being bilingual equals

being able to speak two languages perfectly” (p. 6, grifo nosso). Marcelino

(2009) concorda com estes autores, articulando que

embora Grosjean (1982) aponte que tanto para monolíngues como

para bilíngues a fluência em duas línguas seja o fator mais

importante na descrição de um indivíduo bilíngue, tal fato não

parece ser consenso no contexto brasileiro, em que a maior parte

dos bilíngues e monolíngues acreditam que ‘ser bilíngue’ está

associado a crescer falando duas línguas, ou ser falante nativo de

duas línguas. (p. 3)

Bloomfield (1935) conceitua bilinguismo como “the native-like control of

two languages” (apud HAMERS; BLANC, 2000, p. 6). De forma oposta a

esta definição, Macnamara (1967) propõe que para ser considerado

bilíngue, o sujeito deve possuir uma competência mínima em, pelo menos,

uma das quatro habilidades linguísticas – falar, ouvir, ler e escrever –, em

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94 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130

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uma língua diferente de sua língua materna (apud Ibidem). Entre estes dois

extremos, Hamers e Blanc (2000) citam ainda Titone (1972), para quem o

bilinguismo é “[...] the individual’s capacity to speak a second language

while following the concepts and structures of that language rather than

paraphrasing his or her mother tongue” (p. 6-7).

Independente da perspectiva escolhida, Grosjean (1985) chama a

atenção para o fato de que um sujeito bilíngue é mais do que a soma de

dois monolíngues, já que o primeiro desenvolve comportamentos

linguísticos específicos, a partir das duas línguas adquiridas (apud Ibidem).

Marcelino (2009), por sua vez, aponta que “à primeira vista,

parece não haver diferença entre ‘crescer falando duas línguas’, ‘ser nativo

em duas línguas’ e ‘ter fluência em duas línguas’. Mas é possível se chegar

ao nível de fluência em duas línguas sem os requerimentos das duas

primeiras descrições.” (p. 3). Sendo assim, surgem algumas questões: este

indivíduo que adquiriu fluência em duas línguas, sem haver crescido

falando-as ou sem ser nativo em ambas, pode ser considerado bilíngue?

Mesmo se apresentar um sotaque estrangeiro? Pode-se considerar bilíngue

aquele que acompanhou alguns anos de curso de determinado idioma, sem

nunca tê-lo usado para se comunicar, de fato? (HAMERS; BLANC, 2000).

Estas perguntas suscitam considerações acerca do que deve ser levado em

conta para denominar um indivíduo bilíngue e, consequentemente,

mostram que não há um consenso sobre o que é o bilinguismo. Contudo,

sua presença é indiscutível e, com isso, a necessidade de povos em

administrar duas (ou mais) línguas.

Machado (2010) argumenta que “encontrar uma única definição para

bilinguismo é tentar transformar um assunto complexo em algo simplista”

(p. 14-15).

Logo, Marcelino (2009) sugere que “a melhor caracterização de um bilíngue

deve ser em um continuum, ao invés de se pensar em classificações

definitivas do tipo ‘é bilíngue’, ‘não é bilíngue’” (p. 4). Ele prossegue dizendo

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95 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130

Mel Pessoa Saad

que “poderíamos então, pensar em um continuum que iria de ‘controle

nativo’ a ‘controle mínimo de uma das quatro habilidades linguísticas’”

(Ibidem. p. 5). Para este autor, todos os tipos de bilíngues podem ser

classificados com base em uma distinção pautada no momento da aquisição

das línguas: aquisição simultânea e aquisição consecutiva. Somente após

esta classificação, seriam feitas as categorizações baseadas na presença,

ausência e amplitude das competências (leitura, escrita, compreensão, fala)

de cada sujeito.

Sendo assim, este autor propõe uma reflexão, a partir do contexto

brasileiro, resumida no quadro abaixo (MARCELINO, 2009, p. 5-6):

Tipos de bilíngues pautado

no momento da aquisição Definição

Bilíngues simultâneos

Aqueles que crescem em

contato com duas línguas desde a

primeira infância.

Comumente estão inseridos

em contextos onde a língua de

instrução é a L2, seja em casa, seja

em escolas internacionais.

Por esta exposição acontecer

desde muito cedo, provavelmente

tornar-se-ão falantes nativos em duas

línguas.

Bilíngues consecutivos

Aqueles que aprendem a L2

em um momento posterior ao de L1,

geralmente, em institutos de idiomas.

Há grandes variações na

proficiência destes indivíduos.

Bilíngues consecutivos de

infância

Aqueles que desenvolvem a L2

num momento posterior ao de L1.

Todavia, isto acontece em um

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96 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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contexto onde a L2 é utilizada como

meio de comunicação e de obtenção

de conhecimento (não apenas de

estudo em si), normalmente, escolas

bilíngues.

Estes indivíduos terão algum

nível de proficiência nas quatro

habilidades, podendo apresentar

maior ou menor destaque em uma ou

outra, dependendo de diversos fatores

pessoais.

Igualmente, Hamers e Blanc (2000), mesmo após uma vasta revisão

bibliográfica sobre o tema, apontam que nenhuma das definições

encontradas é satisfatória, pois não levam em conta a

multidimensionalidade deste fenômeno. Estes autores mostram, então, que

diversos fatores permeiam sua natureza, tais como: o momento em que as

línguas são adquiridas, as representações sociais e o status que o bilíngue

incute nelas, sua competência em relação às mesmas, em que contexto as

utiliza, entre outros.

A língua está, assim, necessariamente associada ao contexto em que é

utilizada, vivenciada e adquirida, já que nenhuma língua pode ser produzida

num vazio13. Deve-se considerar, portanto, quem está falando, para quem,

sobre o que e em quais circunstâncias. (GRUPPI, 2010). Nas palavras de

Hamers e Blanc (2000):

In our view, language behaviour does not and cannot exist outside

the functions it serves. By this we mean that language is in the first

place a tool developed and used to serve a number of functions,

13 Lembrando que a língua precisa do outro para se desenvolver e se constituir: “[…] language

development is rooted in the social interactions with the significant others […]” (HAMERS; BLANC, 2000, p.

17)

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97 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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both social and psychological, which can be classified in two main

categories: communicative and cognitive […]. When language is

processed by an individual it is always intermingled with cognitive

and affective processes. (p.8)

Isto é, qualquer que seja a língua adquirida e utilizada, deve-se levar em

conta que ela serve a funções comunicativas e cognitivas e é determinada

por processos cognitivos e afetivos.

Esta dimensão afetiva do desenvolvimento linguístico, por sua vez,

possibilita diferenças na valorização de cada língua.

All societies value language as a tool of communication and of

cognition; however, they tend to valorise certain functions more

than others […]. If different varieties of language, e.g. accents, are

present in the society, one variety may be valued to the detriment

of others. A similar situation obtains in the case of multilingual

societies. One or more languages will be highly valued, while others

will be devalorised. (Ibidem. p. 12-13).

Megale (2005) resume um pouco do que foi trabalhado por Hamers e Blanc

(2000) sobre o que concebem como princípios básicos de comportamento

linguístico:

a constante interação de dinamismos sociais e individuais da língua,

os complexos processos entre as formas de comportamento

linguístico e as funções em que são utilizados, a interação recíproca

entre língua e cultura [...] e consequentemente a língua e a

valorização que é central para toda esta dinâmica de interação. (p.

7).

Seria interessante, então, que ao classificar indivíduos como bilíngues ou

monolíngues, fossem especificados os quesitos observados, a fim de

facilitar a compreensão do ponto (ou pontos) que está (estão) sendo

analisado(s) sobre o sujeito em questão.

Assim, abaixo, são destacados e descritos brevemente alguns tipos de

bilinguismo, pertinentes ao tema do presente artigo (GRUPPI, 2010;

HAMERS; BLANC, 2000; MACHADO, 2010; MEGALE, 2005):

Denominaç

ão Definição

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98 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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Mel Pessoa Saad

Momen

to da

Aquisição

Bilinguismo

precoce ou infantil

Ambas as línguas são

adquiridas de forma simultânea, desde

a primeira infância.

Bilinguismo

tardio

A aquisição de L2 é posterior à

de L1.

Status

da Língua

Bilinguismo

aditivo

Adquire-se a segunda língua,

sem perda ou prejuízo da primeira, já

que ambas as línguas são

suficientemente valorizadas.

Bilinguismo

subtrativo

Há perda ou prejuízo da língua

materna durante a aquisição da

segunda língua, por haver uma

desvalorização de L1 frente à L2, no

ambiente infantil.

Compe

tência

Linguística

Bilinguismo

balanceado ou

equilibrado

A proficiência é relativamente

equivalente nas duas línguas.

Bilinguismo

dominante

Há grande assimetria quanto à

proficiência, em uma das línguas.

Bilinguismo

ativo

Há proficiência tanto na

compreensão como na expressão de

ambas as línguas.

Bilinguismo

passivo

Em uma das línguas, o

indivíduo tem competência apenas no

nível da compreensão.

Bilinguismo

funcional ou técnico

As competências ficam restritas

à funcionalidade de atividades sociais

e/ou profissionais.

Circuns

tância de

Bilinguismo

circunstancial

O indivíduo se torna bilíngue

por conta de uma circunstância, sem

que ele tenha uma escolha sobre isso.

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99 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130

Mel Pessoa Saad

Aprendizage

m da Língua

Ex.: filho de pais de nacionalidades

diferentes.

Bilinguismo

eletivo

Há uma escolha do indivíduo

(ou de seus pais), para que ele se torne

bilíngue. Ex.: estudar um idioma ou

estudar em uma escola bilíngue.

Presen

ça da L2 no

ambiente

social do

aprendiz

Bilinguismo

endógeno

Presença da L2 no ambiente

social do aprendiz (ex.: em casa, na

vizinhança, etc.).

Bilinguismo

exógeno

Ausência da L2 no ambiente

social do aprendiz (fala-se somente

onde a língua está sendo aprendida).

Desse modo, considerando o que foi exposto sobre os diferentes tipos de

bilinguismo, é interessante entender o que é e como pode acontecer a

educação bilíngue.

EDUCAÇÃO BILÍNGUE

Atualmente, no contexto mundial, há mais indivíduos bilíngues do que

monolíngues (BLOS, 2011; CAVALCANTI, 1999). Todavia, curiosamente, de

acordo com Romaine (1995 apud CAVALCANTI, 1999), a norma é

representada pelo monolinguismo, sendo este que serve como base para

os estudos linguísticos.

Igualmente, ainda hoje, há o mito do monolinguismo no Brasil. Isto se deve

ao fato dos contextos de minorias linguísticas14 serem ignorados em

detrimento das ditas línguas de prestígio15 (Ibidem). Todavia, o termo

educação bilíngue é usado para se referir tanto a aprendizes de grupos

minoritários – minorias linguísticas – como àqueles do grupo dominante –

aprendizes de línguas de prestígio. Quando se trata deste último grupo,

14 Nações indígenas, comunidades imigrantes, comunidades de surdos etc.

15 As línguas de prestígio são aquelas valorizadas em relação ao português.

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100 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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convencionou-se chamar bilinguismo de elite (BAKER, 2001 apud

MACHADO, 2010; MEGALE, 2005).

Ao contrário do que alguns acreditam, a educação bilíngue não precisa

acontecer na escola. Machado (2010) reitera que é possível promovê-la em

outros contextos, como o âmbito familiar, no caso de pais ou parentes de

nacionalidades diferentes, ou ainda aqueles que tentam manter suas raízes

culturais em casa, utilizando sua língua materna e/ou de origem de seus

ascendentes – neste caso, o bilinguismo em questão seria o chamado

bilinguismo circunstancial16. Entretanto, o foco deste artigo é na educação

bilíngue promovida por escolas bilíngues de prestígio.

Assim, tendo em mente o que foi abordado até agora, o presente trabalho

discute as interferências de um bilinguismo de elite, aditivo e eletivo. Ou

seja, aqui são articuladas questões que envolvem uma segunda língua que

possui certo status social, mas não anula a primeira, a qual se optou por

aprender.

Megale (2005) descreve este tipo de educação bilíngue como “[...] uma

educação quase sempre de caráter elitista visando o aprendizado de um

novo idioma, o conhecimento de outras culturas e a habilitação para

completar os estudos no exterior” (p. 9-10).

Desta forma, este idioma chega para acrescentar à vida do indivíduo que o

aprende, e não para substituir uma língua ou cultura que este já possui. Por

tal motivo, Mejía (2002 apud GRUPPI, 2010) chama a atenção para a

estreita relação existente entre o bilinguismo de elite e o bilinguismo

aditivo. “Portanto, ao considerar a possibilidade de uma criança vir a

estudar em uma escola bilíngue, deveríamos fazer com que ela aprendesse

as duas línguas (língua materna e língua alvo), de maneira igual,

possibilitando-a se tornar proficiente em ambas as línguas” (GRUPPI, 2010,

p. 26). Hamers e Blanc (2000) também reiteram a importância de ambas

16 Como explicado anteriormente, no quadro sobre tipos de bilinguismo, é aquele que o indivíduo não

faz uma escolha consciente de se tornar bilíngue, mas as circunstâncias da vida o levam a isso.

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as línguas serem igualmente valorizadas, na experiência bilíngue. Megale

(2005) complementa esta ideia dizendo:

Como isto será realizado, deve ser estudado por aqueles que

planejam a educação bilíngue. Uma outra questão que deve ser

levada em consideração ao se planejar a educação bilíngue é a

definição dos objetivos, de acordo com o programa que será

seguido, e como estes serão alcançados (p. 11).

Principalmente pelo fato – apontado por Blos (2011) – de que a educação

bilíngue é um fenômeno complexo e ainda novo no panorama educacional

brasileiro, sendo necessário levar em consideração o contexto no qual está

inserido, já que não há um modelo pronto a ser seguido.

Marcelino (2009) também salienta a relevância de se conceber um

planejamento adequado para que a educação bilíngue se desenvolva da

melhor forma possível. Contudo, chama a atenção para o fato de que a

variável mais importante para o resultado ótimo desta equação é o aprendiz

como agente de seu desenvolvimento:

Aponto a importância de se considerar os contextos ‘favoráveis’,

uma vez que o contexto, a exposição, o ‘plano inicial’ e o

conhecimento sobre como a aquisição acontece constituem e

descrevem condições ideais para o desenvolvimento linguístico; no

entanto, temos que considerar que somente a criança, o aprendiz é

o agente de seu aprendizado e desenvolvimento, pois uma série de

fatores entra em jogo na constituição de um indivíduo bilíngue (p.

6).

Outro ponto bastante relevante para entender onde, com quem e que

assuntos as crianças bilíngues falam a língua A ou a língua B são os

domínios associados a essas línguas.

O indivíduo costuma ter uma língua preferencial de expressão, para cada

domínio (SPOLSKY, 1998 apud MARCELINO, 2009). Hamers e Blanc (2000)

explicam que isso se deve ao fato de que

Language behaviour is linked to the market not only by its conditions

of application (language use) but also by its conditions of acquisition

(language acquisition/learning). The different language varieties

and their values are learned in particular markets, first in the family,

then at school, and so on, that is in the individual’s social network,

where different functions and forms of language are transmitted and

valorised (p. 21).

Assim, mesmo que haja um esforço para que ambas as línguas tenham o

mesmo valor, o bilíngue as separa e as utiliza de acordo com seus

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respectivos domínios e sua preferência. LA e LB se complementam e o

falante, naturalmente, faz uso daquela com a qual se sente mais à vontade

para discorrer sobre determinado assunto, com determinada pessoa ou em

determinado lugar. Por isso, como já dito, um indivíduo bilíngue não pode

ser compreendido apenas como a soma de dois monolíngues e, da mesma

maneira,

pais e cuidadores não devem esperar que a criança demonstre seu

conhecimento da língua falada na escola em casa, uma vez que essa

nova língua pode estar atrelada ao domínio da escola. Além disso,

a criança comumente estabelece uma relação de ‘referência’ entre

a língua e os falantes, e sabe, desde cedo, qual língua utiliza em

casa com os pais (onde desenvolve um domínio) e qual língua utiliza

na escola (MARCELINO, 2009, p. 9).

Este ponto é de extrema relevância para que se compreenda um pouco do mundo

da criança bilíngue e como ela lida com os diferentes domínios. Ainda que não use

aquele idioma em casa, não significa que não o saiba e não o utilize em outros

lugares.

EDUCAÇÃO BILÍNGUE NA ESCOLA17

A partir do início do século XXI, junto com a expansão das conexões entre

culturas, países e povos, as notícias passaram a ter instantaneidade e a

rapidez dos meios de transporte “encurtou” as distâncias. O mundo tornou-

se “menor” e, com isso, cresceu a demanda de se saber outra(s) língua(s)

de forma a compreender e ser compreendido consistentemente, dominando

a informação recebida e articulando com propriedade a comunicação.

Entendeu-se que, para isso, seria preciso mais do que algumas aulas

semanais de um segundo idioma. Começou a haver, então, mudanças na

oferta de como aprender genuinamente uma segunda língua. Para tal,

incorporou-se à escola regular esta nova necessidade, ampliando a

existência de escolas bilíngues.

Apesar do crescente número dessas escolas, o conceito de escola bilíngue

tem sido utilizado sem qualquer especificidade no que se refere à sua

qualificação. Isto é, ainda não há uma legislação específica para delimitar o

17 Como foi apontado anteriormente, o presente artigo refere-se ao bilinguismo de elite. Portanto, aqui

será focado o trabalho com línguas de prestígio, mais especificamente, a língua inglesa.

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que uma escola bilíngue deve proporcionar e/ou conter para, assim, ser

nomeada. Sabe-se, no entanto, que é necessário que duas línguas sejam

utilizadas como meio de instrução, para que se denomine educação bilíngue

(GRUPPI, 2010; MACHADO, 2010). “Do ponto de vista legal as escolas

bilíngues são como qualquer outra escola. Precisam seguir os Parâmetros

Curriculares e todas as leis educacionais” (MOURA apud MACHADO, 2010,

p. 18). Além disso, “[...] para uma escola ser bilíngue não basta ministrar

aulas de língua estrangeira, é muito mais. A escola deve ser o lugar onde

se falam duas línguas, vivenciadas nas diferentes atividades escolares [...],

de no mínimo duas horas diárias” (Parecer de Lei da Câmara Rio de Janeiro,

2007 apud Ibidem. p. 19). Sendo assim, “o ensino das línguas vivas na

escola tenta tirar partido de um processo natural de apropriação de uma

língua com o objetivo de otimizar esse processo pelo ensino escolar”

(GEIGER-JAILLET, 2014, p. 2).

A escola bilíngue é, então, aquela onde as matérias do currículo são também

ensinadas na segunda língua, ou seja, o idioma aprendido é utilizado como

meio de comunicação e não apenas como uma disciplina curricular isolada

(GRUPPI, 2010; MACHADO, 2010).

Todavia, Marcelino (2009) chama a atenção para o fato de que isso não

garante que o ensino dessa segunda língua será de qualidade, isto é, que a

criança será exposta à gama necessária de estruturas linguísticas da língua

alvo, ou ainda que o input oferecido será adequado, a fim de que ela consiga

desenvolver uma gramática completa e complexa referente à sua L2. Ele

reforça a importância do planejamento linguístico acompanhar o

planejamento escolar de conteúdos, dizendo que “o contexto linguístico

ideal para o desenvolvimento da língua, em uma instituição bilíngue, é tão

importante quanto todo o planejamento pedagógico de uma escola, assim

como uma variável é importante para a equação como um todo”

(MARCELINO, 2009, p. 19).

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Este planejamento deve, portanto, ocorrer não apenas para as aulas, mas

para o modo como a escola funciona e vivencia as duas línguas, visto que

o aprendiz está inserido num contexto que

[...] é constituído [majoritariamente] de brasileiros, e, portanto,

menos favorável para o uso da L2 todo o tempo, especialmente em

momentos de interação entre as crianças e pré-adolescentes. Se os

membros da comunidade linguística ‘escola’ utilizarem a língua para

comunicação, a naturalidade e a cultura de se utilizar a língua

aumentam, bem como a exposição à língua pela criança/pré-

adolescente, aumentando a possibilidade de ganhos na aquisição

(MARCELINO, 2009, p. 6-7).

Há ainda muitos outros pontos que podem interferir no desenvolvimento do

aprendiz. Marcelino (2009) afirma que “o bilíngue formado em escolas

bilíngues brasileiras terá algum nível de proficiência nas quatro habilidades

necessariamente, podendo se sobressair mais ou menos em uma habilidade

ou em outra, dependendo de aptidão, interesse e identificação [...]” (p. 5),

além de questões como a existência ou não de contato deste indivíduo com

a língua-alvo em outros contextos que não a escola, o quanto ela é

estimulada e valorizada pelas pessoas próximas, seu envolvimento para

adquirir esta nova língua e o momento em que a aquisição deste segundo

idioma tem início – se será configurado um bilinguismo precoce ou um

bilinguismo tardio.

Entende-se, com isso, que cada um se desenvolverá em um ritmo,

apresentando maior ou menor facilidade para as diferentes competências.

Assim, vale lembrar que “[...] os contextos multilíngues, e por extensão,

multiculturais, no Brasil não são minoritários e devem fazer parte da

educação de professores. [...] Exceção seria encontrar uma sala de aula

com ‘falantes nativos ideais’ dentro de uma ‘comunidade de fala

homogênea’” (CAVALCANTI, 1999, p. 407-408, grifo nosso).

Apesar de Cavalcanti (1999) se referir, no trecho acima, a minorias

linguísticas, é possível pensar que isso se aplica a escolas bilíngues do grupo

dominante também, já que encontramos aprendizes de diferentes culturas

e nacionalidades e, sem dúvida, com diferentes níveis de proficiência na

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fala, compreensão, escrita e leitura. Dessa forma, não basta ter um bom

currículo a ser seguido, se aqueles que são responsáveis por colocá-lo em

prática não estiverem aptos a trabalhar com essa heterogeneidade. Isso

significa que, para o sucesso de qualquer escola, é imperativo que os

professores sejam capacitados, a fim de terem recursos para lidarem da

melhor forma com a realidade que vivenciam.

Neste contexto de preparar professores para o novo conceito de escola,

Benson (2007) discorre sobre a importância da autonomia no processo de

ensino-aprendizagem de línguas e na consequente necessidade de

desconstrução da sala de aula tradicional.

The deconstruction of conventional language learning classrooms

and courses in many parts of the world is thus a third context for

growing interest in autonomy in recent years. Indeed, the tendency

has been towards a blurring of the distinction between ‘classroom’

and ‘out-of-class’ applications, leading to new and often complex

understandings of the role of autonomy in language teaching and

learning (p. 22, grifo nosso).

Em seu artigo, Benson (2007) expõe que a autonomia tem tido um papel

importante no trabalho com a motivação do aprendiz em seu processo de

aquisição de L2. Abaixo, ele discorre sobre quem introduziu essas ideias e

o que é enfatizado no trabalho desses autores:

The idea of autonomy has been introduced into L2 motivation

studies mainly through Deci & Ryan’s (2000) self-determination

theory. Their work emphasizes both the power of ‘intrinsic

motivation’ (understood as ‘the vitality, spontaneity, genuineness,

and curiosity that is intrinsic to people’s nature’) and the importance

of a ‘sense of personal autonomy’ (understood as a feeling that ‘their

behaviour is truly chosen by them rather than imposed by some

external source’). (Ibidem. p. 29).

Desse modo, quando ao aprendiz é atribuído um novo papel, o professor

deve também rever sua atuação e postura. Marques (2011) compartilha

sua reflexão sobre o assunto:

Nosso papel [como professor] tem mudado no decorrer dos tempos,

de ‘conhecedores’ simples e puramente que ‘derramavam’ os

conteúdos nos recipientes vazios (a mente dos alunos), passamos a

ter papéis mais complexos como de mediadores, facilitadores,

capacitadores, entre muitos outros (MARQUES, 2011, p. 42).

Posto isso, Marcelino (2009) descreve o que a escola bilíngue ideal deveria

conter e acrescentar à vida do aprendiz. Ele articula que

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A escola bilíngue deveria ser concebida, idealmente, como um novo

lugar de estudos e de formação, uma evolução, um conceito novo

de escola. [...] A escola bilíngue seria idealmente uma escola com

uma visão de preparação do indivíduo para o mundo, o que de forma

alguma poderia deixar de fora uma língua internacional, com

funções e abrangências indiscutíveis como o inglês. A escola bilíngue

ofereceria, assim, o ‘par de olhos do outro’, aumentando o campo

de visão do indivíduo em desenvolvimento. Acredito também que a

escola bilíngue, vista como o desenvolvimento natural das escolas

modernas, deve encontrar o caminho do meio, abrangendo tanto os

conteúdos escolares de forma adequada quanto a formação do

indivíduo como cidadão (p. 19, grifo nosso).

Neste sentido, esta escola atual tem como objetivo preparar seus alunos

para serem agentes de suas respectivas histórias, começando a praticar a

autonomia dentro da sala de aula, a fim de expandirem suas ações para o

mundo.

Viewed as an educational goal, learner autonomy implies a

particular kind of socialization involving the development of

attributes and values that will permit individuals to play active,

participatory roles in a democratic society. In a second sense, this

ideal society also serves as a metaphor for the autonomous

classroom or school (BENSON, 2007, p. 31, grifo nosso).

Tudo isso demonstra quantas mudanças aconteceram na escola do século

XXI, junto com a chegada da educação bilíngue. “O aprendizado passou a

ser visto como um processo construtivo, no qual os alunos constroem o seu

próprio conhecimento. Portanto, cada aprendiz cria uma estrutura cognitiva

única, diferente de todos os outros e completa de associações pessoais”

(MENDONÇA; FLEITH, 2005, p. 61). O professor, por sua vez, passa a agir

como um mediador, um facilitador da aprendizagem; suas aulas não são

“dadas” e sim construídas a partir das necessidades, curiosidades e

intervenções de seus alunos (MARQUES, 2011). Da mesma maneira, a sala

de aula torna-se um espaço de domínio de quem ensina e de quem aprende,

pensado para despertar o interesse, possibilitar as atividades de ensino-

aprendizagem e atender às necessidades de todos, permitindo que o aluno

troque experiências, explore e utilize os recursos a sua volta com

propriedade e autonomia.

Somente considerando todas essas variáveis, a aprendizagem pode ser

prazerosa e genuína. Como profere Paulo Freire (1996), “não há docência

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sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças

que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem

ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (p. 25).

Portanto, professor e aluno precisam “jogar” juntos.

Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente

crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o

empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito

em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou

professora deve deflagrar. Isso não tem nada que ver com a

transferência de conteúdo e fala da dificuldade mas, ao mesmo

tempo, da boniteza da docência e da discência (FREIRE, 1996, p.

134, grifo do autor).

Com base no que foi visto até aqui, é perceptível que há muitas questões

envolvidas na educação bilíngue. Ainda assim, é restrito o conhecimento

que se tem sobre o bilinguismo hoje. Todavia, somente através de um

entendimento mais consistente sobre seu desenvolvimento, sua história e

as questões psíquicas, cognitivas, econômicas e sociais, bem como sobre a

extensão das mudanças educacionais envolvidas, será possível ter maior

clareza sobre as várias possibilidades existentes em relação à educação

bilíngue e a seus inúmeros desdobramentos (MEGALE, 2005). Para isso, são

desenvolvidos trabalhos teóricos e práticos, envolvendo diversos

elementos, questionamentos e suposições acerca do bilinguismo e de suas

consequências para os indivíduos bilíngues.

BILINGUISMO E SEUS DESDOBRAMENTOS

As pesquisas envolvendo bilíngues foram apresentando mudanças, no

decorrer dos anos, de uma visão predominantemente negativa, para uma

visão mais positiva, no que se refere aos efeitos gerados pelo bilinguismo –

tanto em termos de habilidades sociais, quanto cognitivas dos indivíduos

(CHIN; WIGGLESWORTH, 2007 apud BRENTANO; FINGER, 2010).

Segundo Blos (2011), “Hoje começam a surgir as primeiras pesquisas que

visam observar o que vem acontecendo na prática para tentar apontar quais

as reais consequências do bilinguismo em aspectos cognitivos e no

desempenho acadêmico das crianças nessas condições” (p. 6).

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Apesar de, como foi dito anteriormente, o que se conhece sobre os

desdobramentos do bilinguismo ser restrito, são diversos os autores que

discorrem sobre as inegáveis vantagens de ser bilíngue. Estas vantagens

aparecem nos âmbitos cultural, comunicativo e cognitivo, possibilitando ao

indivíduo estabelecer vínculos com diferentes comunidades linguísticas, por

meio de conversas, desenhos, filmes, gibis e livros – sem que haja

necessidade de tradução – (WEI, 2000 apud MARCELINO, 2009), além de

favorecer seu desenvolvimento intelectual (MENDONÇA; FLEITH, 2005). De

acordo com Marcelino (2009),

a sensibilidade linguística de indivíduos bilíngues parece ser um

diferencial. [...] O bilíngue se torna mais atento, paciente e sensível

a diferentes situações linguísticas do que os monolíngues. As

vantagens culturais trazidas pelo bilinguismo não são dissociáveis

das comunicativas, uma vez que mais sensível às questões

linguísticas, o bilíngue também se torna mais sensível às questões

culturais atreladas às diferentes línguas que fala, já que o uso de

uma outra língua possibilita uma visão diferenciada e penetração

mais eficiente na cultura do outro (p. 11).

Há ainda as vantagens cognitivas de ser bilíngue. Wei (2000 apud Ibidem)

afirma que pesquisas recentes mostraram que indivíduos bilíngues são

capazes de ampliar significados, associações e imagens, demonstrando

maior consciência linguística, fluência, flexibilidade e criatividade no pensar,

bem como maior sensibilidade na comunicação. Zimmer e Becker (2015)

enumeram autores que discorrem sobre outros efeitos positivos do

bilinguismo, como o retardo de aparecimento de sintomas de demência em

idosos, inibição da atenção a informações irrelevantes (BRENTANO;

FONTES, 2011), aumento da neuroplasticidade e do potencial criativo.

Brentano e Fontes (2011), após realizarem uma pesquisa envolvendo

crianças bilíngues provenientes do contexto educacional, comprovam que

As crianças que são expostas à segunda língua em contexto escolar,

até hoje não investigadas nas pesquisas, parecem ter desenvolvido

mecanismos cognitivos de forma muito intensa nessa exposição

diária a segunda língua. Apesar de não terem a segunda língua como

uma língua de uso na comunidade nem na família, o uso diário dessa

língua, ainda que só no ambiente escolar, parece conferir vantagens

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em relação ao desenvolvimento das funções executivas18 (p. 35,

grifo nosso).

Pode-se dizer que esses benefícios estão ligados à ampliação que o acesso

a dois códigos linguísticos e a diferentes sistemas de pensamento cultural

proporciona, já que falar duas línguas implica em poder interagir com

pessoas de diferentes culturas que possuem formas de se expressar,

crenças e costumes distintos (BRENTANO; FINGER, 2010; ZIMMER;

BECKER, 2015). Portanto, a experiência bilíngue possibilita ver o mundo de

uma outra perspectiva, trazendo maior flexibilidade e sensibilidade àquele

que a vivencia.

HABILIDADES LINGUÍSTICAS E METALINGUÍSTICAS

Atualmente, diversos estudos desenvolvidos comprovaram benefícios

metalinguísticos para crianças bilíngues. Estas investigações “[...] indicam

que o uso diário de duas ou mais línguas leva a um desenvolvimento

precoce de certos processos cognitivos pelas crianças, como a atenção

seletiva, além de evidências que o bilinguismo traz vantagens

metalinguísticas” (BRENTANO; FINGER, 2010, p. 122). Blos (2011) enuncia

que “parece plausível acreditar que ter dois sistemas linguísticos diferentes

chame a atenção das crianças para as características sistemáticas da

língua” (p. 3).

Brentano e Finger (2010) expõem que não há clareza entre os autores

acerca da definição de “consciência metalinguística”, ou sequer o motivo

pelo qual seu desenvolvimento é importante. Sabe-se, porém, que o

conhecimento metalinguístico está relacionado com algo maior do que o

simples conhecimento das regras gramaticais. Ele compreende a estrutura

abstrata da linguagem, sendo necessário, para isso, que o indivíduo se

distancie da língua, a fim de refletir sobre a mesma.

Em resumo, a consciência metalinguística é amplamente vista como

a habilidade de analisar a língua de forma mais intensa, de se focar

18 “As funções executivas são importantes para o gerenciamento do comportamento humano. São elas

que permitem não só o planejamento de ações e a tomada de decisões, mas, principalmente, o convívio em

sociedade. As funções executivas são requisitadas sempre que são necessários planos de ação ou quando uma

sequência apropriada de respostas precisa ser selecionada e organizada” (BRENTANO; FONTES, 2011, p. 21).

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em diferentes níveis da estrutura linguística, tais como palavras,

fonemas e sintaxe para compreender as propriedades da língua

(CHIN e WIGGLESWORTH, 2007 apud Ibidem. p. 125).

Pergunta-se, com isso, se qualquer bilíngue apresenta vantagens

cognitivas, independente de quando ou onde – no âmbito familiar ou em

um contexto formal de ensino – começou a adquirir L2. Em sua pesquisa a

respeito das habilidades linguísticas e metalinguísticas em bilíngues,

Brentano e Finger (2010) comprovam que os resultados obtidos

[...] corroboram a ideia de que a consciência metalinguística e a

atenção seletiva, que são habilidades comprovadamente mais

desenvolvidas nos sujeitos provenientes de famílias e/ou

comunidades bilíngues, também se aplicam às crianças que estão

utilizando dois códigos linguísticos para construir seu conhecimento,

ou seja, crianças em contexto de escolarização bilíngue. [...] o uso

diário de duas ou mais línguas traz benefícios para o falante e leva

ao desenvolvimento precoce de certos processos cognitivos. Da

mesma forma, reforçam os dados de Yelland e colegas (1993) que

afirmam que crianças com limitada exposição à segunda língua

também se beneficiam do desenvolvimento da consciência

metalinguística (Ibidem. p. 140).

Todavia, Cummins (1976 apud Ibidem) cria uma hipótese – que denominou

Threshold Hypothesis – a fim de explicar algumas inconstâncias nos

resultados das pesquisas relacionadas a bilíngues e aspectos de seu

desenvolvimento cognitivo. Este autor afirma que o indivíduo precisa

possuir um nível mínimo de proficiência na segunda língua, tanto para evitar

desvantagens cognitivas, quanto para que os benefícios neste âmbito de

desenvolvimento possam aparecer.

Yelland e colegas (1983), entretanto, enfatizam que mesmo

partindo do pressuposto de que o acesso antecipado às questões

metalinguísticas não é determinado pela variável

competência/proficiência na L2, o nível de competência pode

determinar e possivelmente aumentar os benefícios ou até mesmo

a velocidade com que esses benefícios são adquiridos pelo falante

(Ibidem. p. 124).

Sendo assim, a partir dos resultados das pesquisas desenvolvidas e das

hipóteses de diferentes autores, é possível responder à questão feita acima:

crianças que estão em um contexto de escolarização bilíngue também se

favorecem do desenvolvimento precoce de determinados processos

cognitivos e da consciência metalinguística, pelo fato de lidarem com dois

códigos linguísticos.

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111 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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CRIATIVIDADE E BILINGUISMO

Lévy-Leboyer descreve criatividade como

Aptidão complexa, distinta da inteligência e do

funcionamento cognitivo, e que seria função da fluidez das ideias,

do raciocínio indutivo, de certas qualidades perceptivas e da

personalidade, como também da inteligência divergente, na medida

em que ela favorece a diversidade das soluções e dos produtos. Os

indivíduos criativos dão prova de imaginação, de espírito de

invenção e de originalidade. O processo criativo é favorecido por

uma atitude positiva ante ideias novas e inesperadas [...]

(DICIONÁRIO DE PSICOLOGIA, 1998, p. 200-201).

Vários autores têm discorrido sobre o aumento do potencial criativo em bilíngues.

Mendonça e Fleith (2005) citam diversos deles que afirmam que “[...] o

aprendizado de uma segunda língua estimula o desenvolvimento da criatividade,

tanto verbal quanto figurativa” (p. 66). Na pesquisa desenvolvida por estas duas

autoras, “[...] os alunos bilíngues apresentaram desempenho superior aos

monolíngues em todas as medidas de criatividade verbal e nos testes de

inteligência.”. (MENDONÇA; FLEITH, 2005, p. 64)

Segundo Zimmer e Alves (2014 apud ZIMMER; BECKER, 2015), a criatividade em

bilíngues está relacionada a dois processos mentais: a troca de código linguístico

(code-switching) e a troca de estrutura mental, que o conhecimento de mais de

uma língua propicia (frame-switching). “Nesse [último] processo, o falante bilíngue

circula não só entre os diferentes sistemas linguísticos, mas também entre os

diferentes modos de pensar embutidos na cultura de cada língua” (ZIMMER;

BECKER, 2015, p. 10).

A fim de pormenorizar o frame-switching e seus efeitos, Zimmer e Becker (2015)

buscam respaldo nas pesquisas e explanações de Kharkhurin (2010) e elucidam

que o “o ato de transitar entre sistemas político-culturais diversos pode aumentar

a flexibilidade e ampliar a compreensão das ambiguidades encontradas em

diferentes sistemas” (p. 8). Poder tolerar esta ambiguidade político-cultural, bem

como uma ambiguidade linguística, repleta de palavras ambivalentes, “[...] pode

facilitar a habilidade de manter um conjunto de possíveis soluções abertas o

suficiente para gerar uma ideia criativa” (Ibidem. p. 8).

Dessa forma, a tolerância a diversidades ideológicas, conceituais e linguísticas e a

possibilidade de trânsito entre elas permitem que haja um enriquecimento do

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sujeito e de sua flexibilidade e criatividade para ver as situações da vida e agir

frente a elas.

CASOS VIVENCIADOS

Serão relatados casos de três crianças19 que vivenciaram a entrada em uma escola

bilíngue, no Ensino Fundamental. Esta escola se fundamenta nos pressupostos da

teoria Sócio Construtivista, isto é, entende-se que a aprendizagem e o

desenvolvimento do indivíduo são produtos da interação social, e que o espaço da

escola, aberto ao diálogo e às trocas de experiências, propiciam transformações,

a fim de que o aluno possa desenvolver seu potencial. O aluno, por sua vez, é visto

como alguém que já vem com uma “bagagem de vida”, e o professor precisa saber

acessar seu conhecimento prévio, para fazer do aprendizado de novos conteúdos

um processo interessante e significativo, estimulando e autorizando cada um a ser

agente da própria aprendizagem.

Para isso, as salas de aula são organizadas de forma a viabilizar a autonomia dos

alunos: as carteiras são organizadas em grupos de quatro – para que haja

interação e discussão sobre atividades, entre as crianças –, os materiais (livros,

cadernos, manipulativos, gráficos, etc.) estão disponíveis e ao alcance de todos,

entre outras condições.

As aulas acontecem metade em Português (a primeira língua desses três alunos)

e a outra metade, com outra professora, em Inglês (língua com a qual apenas um

deles teve algum contato anterior à entrada nesta escola). As aulas em inglês

(English Language and Arts, Math e Science) ocorrem 100% neste idioma.

Todavia, no primeiro mês de aula, a professora acompanha os alunos novos, de

forma mais particular, utilizando-se de muitos gestos, desenhos, figuras e, em

alguns momentos raros, um pouco de português para explicar o que está

acontecendo e o que deve ser feito. Tudo isso é esclarecido aos alunos, no início

do ano escolar.

Das três crianças, duas entraram nesta escola no Year 3 (3o ano) e uma delas, no

Year 1 (1o ano). Quando os eventos relatados ocorreram, as três estavam no Year

3 – não necessariamente de forma concomitante.

19 Os nomes e outras questões que pudessem identificar estes alunos foram alterados, afim de resguardar

suas respectivas identidades. Sendo mantidos e descritos apenas dados necessários para compreensão e análise dos

casos.

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CARLOS HENRIQUE – INGRESSO NESTA ESCOLA E INÍCIO DE SUA

EDUCAÇÃO BILÍNGUE: YEAR 1

Iniciou o Year 3 de forma bem tímida, pouco participativo e com apenas um

amigo próximo. Demonstrava inveja dos colegas que tinham sucesso em

atividades ou brincadeiras. Agredia física ou verbalmente outros alunos,

jogando peças de lego e fazendo ameaças de “dedurá-los” – sem

embasamento – para a coordenação ou para outros colegas.

Manifestava ter a atenção reduzida durante as rodas de leitura e discussões

e copiava de outros colegas as atividades que lhe eram designadas, após a

conversa e explicação em grupo. Quando lhe era oferecido auxílio, dizia não

ser necessário e se recusava a cooperar com as perguntas da professora,

para ajudá-lo.

Seu desempenho nas matérias em Português também evidenciava

dificuldades de compreensão e desinteresse, apesar de não ser tão

complicado.

Os pais de Caíque foram convocados para algumas reuniões. Todavia, eles

acabavam por desmarcá-las, em cima da hora, aparecendo para conversar

com as professoras, em momentos inadequados, como durante a aula.

No segundo semestre, quando depois da terceira ou quarta tentativa a

reunião marcada ocorreu, foram delineados alguns objetivos para Caíque e

combinadas algumas ações sobre como as professoras e os pais

procederiam dali por diante. Além disso, as professoras ficaram cientes de

que seu irmão mais novo – também matriculado nesta escola – vinha

apresentando dificuldades escolares ainda maiores e comportamento

extremamente agressivo com colegas e professores.

Deste dia ao fim do ano letivo, Carlos Henrique passou a demonstrar tímidas

– porém inegáveis – mudanças, como por exemplo, foi apresentando um

pouco mais de foco nas explicações e leituras e, em alguns momentos,

tentava participar com alguma palavra, realizar a leitura compartilhada ou

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resolver uma conta na lousa. Começou a se esforçar para falar algumas

frases simples, em inglês, e tornou-se mais agradável com as outras

crianças – as agressões físicas cessaram e, aparentemente, as verbais

também. Caíque passou a requisitar ajuda, em determinados momentos,

demonstrando que conseguia compreender o geral do que lhe era pedido e

produzir alguma resposta simples, relacionada ao que havia sido

perguntado.

Foi perceptível que este aluno precisava de uma atenção maior da família.

E, apesar de estar na escola há dois anos, ainda tinha certa resistência e,

por conseguinte, dificuldade de se comunicar e de realizar atividades em

inglês.

MÁRIO AUGUSTO – INGRESSO NESTA ESCOLA E INÍCIO DE SUA

EDUCAÇÃO BILÍNGUE: YEAR 3

Mário Augusto demonstrou certa resistência nas primeiras semanas de aula.

Havia situações, em classe, em que ficava muito nervoso, chorando ou

gritando de forma descontrolada, quando não compreendia alguma coisa.

Em relação aos colegas, mantinha-se no seu canto, sem nunca parecer

estabelecer uma amizade próxima.

A professora das matérias em Português relatava uma certa dificuldade de

Mário em compreender enunciados – fosse em língua portuguesa,

geografia, história, ciências ou matemática –, bem como em realizar

determinadas atividades – principalmente em matemática.

Apesar de uma certa resistência inicial, Mário sempre se mostrava

interessado nas leituras e procurava fazer o que conseguia das atividades.

Depois das primeiras semanas, passou a requisitar e aceitar ajuda, quando

necessário. Com isso, em pouco mais de dois meses, ele já produzia frases

simples e compreendia grande parte do que era trabalhado em aula.

Nos meses seguintes, Mário foi desenvolvendo uma relação de proximidade

e confiança com a professora de inglês, procurando sempre chegar cedo na

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sala, além de lhe presentear com desenhos e bilhetes em inglês,

diariamente.

Ao final do ano, era notável o empenho e esforço que Mário Augusto

dispendia para acompanhar o que era trabalhado em aula, além de

demonstrar mais tranquilidade para se expressar em momentos que não

compreendia algo. Em inglês, inclusive, ele passou a produzir frases e

textos, apresentando uma habilidade gramatical e de estrutura da língua

que a maioria dos alunos – alguns há mais de cinco anos nesta escola –

ainda não atingira. Seu comportamento social permaneceu mais ou menos

o mesmo. Ele era convidado e frequentava as festas das outras crianças,

mas não estabeleceu laços de amizade com nenhum colega. E, depois de

muito trabalho visando aprimorar sua compreensão de texto, foi obtido

algum êxito neste sentido – tanto em sua língua materna, quanto em sua

segunda língua.

PIETRA – INGRESSO NESTA ESCOLA: YEAR 3 – HAVIA ESTUDADO

UM ANO DE INGLÊS, ANTERIORMENTE, NUM MÉTODO QUE

ENVOLVIA BRINCADEIRAS E O USO DOS DOIS IDIOMAS.

Pietra faltou a primeira semana de aula, por questões pessoais. Em seu

primeiro dia na escola, chegou um pouco nervosa, mas bastante curiosa.

Foi-se mostrando interessada e participativa, mesmo sem saber como

poderia se comunicar neste segundo idioma. No início, sua compreensão

era bem precária, assim como sua produção oral e escrita – apesar de ter

alguma noção básica do inglês –, o que a deixava apreensiva quanto às

notas que viriam – segundo sua mãe, ela sempre se envolvera nas

atividades e tirara notas bem altas. Dessa maneira, continuava atenta às

explicações, na maior parte do tempo, e quando não compreendia algo,

perguntava timidamente para um colega ou para a professora.

De acordo com a outra professora, Pietra era igualmente participativa e

interessada, nas aulas em português, mas um pouco tímida, inicialmente.

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Ela rapidamente estabeleceu bom relacionamento com todos da sala.

Mostrando-se tranquila e, em alguns momentos de trabalho em grupo, um

pouco autoritária. Todavia, conquistou amigos próximos e sua relação

mostrava-se saudável.

Em dois meses, esta aluna apresentou seu primeiro trabalho, oralmente,

para todos na classe – atividade que acontece mensalmente, a partir do

segundo mês de aula e deve ser preparada em casa, com a ajuda dos pais.

Apesar do nervosismo, Pietra demonstrou propriedade e compreensão do

que fizera, utilizando unicamente o inglês, de forma bastante inteligível.

Ao final do ano, esta aluna participava ainda mais das aulas, leituras e

discussões, emitindo ideias e opiniões e demonstrando haver aprimorado

grandemente, tanto compreensão como produção – oral e escrita. Ela

evidenciava estar à vontade com a língua, utilizando unicamente o inglês

para se comunicar, mesmo quando não sabia dizer algo – neste caso,

explicava o que gostaria de dizer com suas palavras e gestos, até se fazer

entender por seu interlocutor.

ANÁLISE

Na escola onde os casos relatados foram vivenciados, parte-se de um modo

de pensar Sócio Construtivista, ou seja, a aprendizagem acontece através

da experiência e com base no que o aluno traz de conhecimento prévio. O

ambiente é propício e todos são estimulados a participarem, buscando

perguntas e respostas. O professor atua como mediador e o aluno como

agente do próprio aprendizado, transformando o que ouve e vivencia para

caber no seu “acervo de coisas conhecidas”. Sendo assim, ainda que a

informação seja a mesma para todos, cada criança constrói o próprio

entendimento da realidade, a partir de suas experiências de vida

(MARQUES, 2011).

A organização da sala de aula – carteiras em grupos e materiais disponíveis

a todos – reafirma a importância da ajuda e da troca de ideias entre os

aprendizes. Desse modo, os alunos antigos podem auxiliar os recém-

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chegados a compreenderem e utilizarem estratégias, sentidos e artifícios

para ingressarem na comunidade. Neste contexto de sala de aula, todos

ensinam e todos aprendem, os processos são colaborativos, a experiência

individual está ligada à social e isto é estimulado pelo ambiente e pelo

professor (BLOS, 2008).

Este modo de conduzir o trabalho pode ser conhecido como aprendizagem

mediada (BLOS, 2008), teoria sociointeracional (MACHADO, 2010), ou

princípio da mediação do outro (MARQUES, 2011). Ele se constitui na

interação com alguém “mais capaz”, para que o indivíduo que necessita

deste auxílio aprenda com o outro e construa algo próprio e significativo

para si.

Quando o foco é na aprendizagem mediada, Oxford (2000 apud BLOS,

2008) diz que o principal objetivo não é autonomia, mas participação.

Contudo, autonomia também é um objetivo educacional que provoca um

tipo particular de socialização que inclui o desenvolvimento de atributos e

valores que irão permitir aos indivíduos atuarem de forma participativa e

ativa na sociedade democrática (BENSON, 2007).

Benson (2007) afirma que a motivação precede a autonomia. Assim,

aprendizes que se mostram interessados e envolvidos nas atividades,

tornam-se, mais facilmente, agentes na construção do próprio

conhecimento.

A curiosidade e a capacidade de perguntar são, para Paulo Freire (1996),

fundamentais nesse processo de construção de conhecimento:

A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o

exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de ‘tomar distância’

do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de ‘cercar’ o

objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de

comparar, de perguntar (FREIRE, 1996, p. 95, grifo do autor).

Pietra é um exemplo de aluna que começou em uma nova escola munida

de curiosidade e interesse. Quando não entendia algo, buscava respostas a

sua volta, relendo o texto, olhando figuras ou, timidamente, perguntando a

algum colega ou à professora questões específicas ou ainda pedindo para

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que repetissem a instrução. Em pouco tempo (menos de três meses), sua

compreensão passou a ser satisfatória para que acompanhasse as aulas e,

com isso, sua participação pode evoluir consistentemente.

Este exemplo deixa claro que a participação e a autonomia geram um “ciclo

virtuoso”, ou seja, o empenho traz bons resultados e estes conferem ao

indivíduo maior autoconfiança, que, por sua vez, incentiva-o a continuar se

arriscando a produzir suas hipóteses e compartilhá-las (MARQUES, 2011).

Assim, são oferecidas diversas estratégias aos alunos, de forma a se

tornarem ativos em seus processos de aquisição de linguagem. Blos (2008)

relata que

[...] as estratégias contribuem para a competência comunicativa;

são orientadas por um problema, no caso a interação na sala de aula

nos momentos de aula em língua inglesa; envolvem muitos aspectos

do aprendiz, não somente o cognitivo e, no caso, a questão do

relacionamento com o grupo e aceitação está muito presente no que

o aluno tenta buscar [...]; são influenciáveis por uma variedade de

fatores, nesse caso estando o emocional fortemente presente,

devido à relação com a nova língua dentro do novo contexto (p. 10-

11, grifo nosso).

O novo aprendiz, portanto, não quer destoar do grupo e, ao mesmo tempo,

ainda não consegue fazer parte dele completamente. Frente a esse desafio,

cada um desenvolve diferentes estratégias e reações; “[...] as estratégias

do aluno não têm o objetivo do aprendizado da língua por si só. É antes

uma busca pela participação na comunidade da sala de aula. Essa é a

motivação maior e as estratégias nascem daí [...]” (Ibidem. p. 11). Jobin e

Souza (2012) reitera o valor do social, expondo que o indivíduo necessita

desta realidade para ser compreendido.

Neste sentido, entende-se que o envolvimento social é extremamente

benéfico, pois mobiliza o sujeito a querer se comunicar e interagir com o

outro, esforçando-se para se adequar ao grupo e às suas condições, no

caso, à aquisição de L2. Para isso, os novos alunos observam seus colegas

que os auxiliam de várias maneiras, dentre elas, inteirando-os das

estratégias que podem facilitar seu envolvimento nas aulas.

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119 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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Mel Pessoa Saad

Como relatado, foi perceptível que Mário Augusto e Pietra se empenharam

para manter a atenção nas explicações e leituras. Depois das primeiras

semanas, ambos se utilizaram da ajuda de outros “mais competentes” –

fosse a professora ou algum colega –, sempre que necessário. E, após

alguns meses, esses alunos adquiriram maior autonomia para se

comunicarem e, consequentemente, maior autoconfiança para continuarem

participando.

Mário Augusto parou de chorar e de se descontrolar, conseguindo organizar-

se para dizer o que não compreendia e em que precisava de ajuda. Ele

também estabeleceu uma relação de proximidade e confiança com sua

professora de inglês, o que talvez tenha contribuído para despertar seu

interesse pelo idioma e, consequentemente, seu envolvimento com o

mesmo. Pietra desenvolveu laços de amizade com diversos colegas e sua

postura conquistou respeito e admiração da classe. Estes dois alunos

passaram a experienciar as aulas de forma prazerosa e criativa.

Carlos Henrique, por sua vez, apresentava grande dificuldade para lidar

tanto com os colegas – agredindo-os de várias formas – quanto com a

língua-alvo – não demonstrando interesse e não participando das

atividades. Isto não significa que o social não tivesse relevância na situação

de Caíque. Pelo contrário, tal fato evidencia o quanto querer estar inserido

em um grupo – e tomar atitudes condizentes com tal desejo – poderia ter

beneficiado, mais rapidamente, o desempenho do novo aprendiz, neste

caso.

Paulo Freire (1996) reflete sobre o fato de que “[...] aprender é uma

aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que

meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir,

constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura

do espírito” (p. 77, grifos do autor). No entanto, nem todos vivenciam o

aprender desta forma. Isto pode ocorrer por dois motivos: pelo modo como

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120 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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Mel Pessoa Saad

ele é vivido e visto pela família, amigos e pessoas próximas do aprendiz

e/ou pela maneira como sua escola trabalha o ensino-aprendizagem.

Nos casos aqui descritos, não se sabe qual relação cada criança e sua

respectiva família havia estabelecido com as línguas (L1 e L2) e com a

aprendizagem, em geral. Para isso, seria necessária uma investigação que

envolvesse a percepção dos pais sobre o assunto. Entretanto, pode-se

refletir acerca dos desdobramentos desta relação, a partir do que foi dito

sobre o interesse e a curiosidade expressos por Pietra, desde o início do

ano; sobre o interesse acompanhado de certa resistência que Mário Augusto

apresentou – quando começou nesta escola e, aos poucos foi se tornando

menos resistente e mais participativo – e sobre o aparente desinteresse e

resistência manifestados por Carlos Henrique, até praticamente o fim de

seu terceiro ano na mesma escola. Isso porque, de acordo com Hamers e

Blanc (2000),

As a child’s environment attaches certain values to language, the

child, taking his environment as a model, internalises those values

important for the significant others, for his social networks and for

his community. Those valorised aspects of language are those that

enable the child to build up the social psychological mechanisms

relevant to his language development; it is those very aspects that

determine the evaluative dimension of language, the child’s own

affective relation to his language (HAMERS; BLANC, 2000, p. 18).

Em outras palavras, a afetividade que a criança estabelece com a língua e

a aprendizagem é internalizada a partir dos modelos que ela percebe e

experimenta em seu ambiente. Dessa forma, não é possível, à escola,

controlar o valor que as pessoas significativas e a comunidade do indivíduo

dão a essas questões. É também inegável que elas têm grande peso no

modo como ele vivenciará a educação e o aprender.

Entretanto, “a escola pode e deve ser um dos espaços que tem a

possibilidade de promover a autonomia do indivíduo” (BLOS, 2008, p. 2).

É, então, fundamental pensarem-se os valores que devem ser estimulados

no contexto educacional, para assim, preparar o aluno adequadamente,

respeitando suas particularidades como sujeito e suas necessidades, a

partir do meio social em que está inserido.

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121 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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Portanto, nossas aulas devem ser centradas nos alunos e, pra tal,

devemos criar um ambiente acolhedor, no qual possam florir sua

autoestima e sua confiança – o que acontece quando promovemos

interação, cooperação e colaboração nas tarefas – e no qual eles

possam assumir riscos para enfrentar novos desafios e sair à

‘procura’ de respostas. Nesse ambiente, nosso papel também é de

‘desconstruir’, ‘abalar’ as ‘velhas estruturas’, os ‘velhos’ esquemas

de conhecimento, criando nos alunos a necessidade, a motivação e

o interesse para que eles mesmos procurem as respostas,

‘Causando sede’ de saber (SANTOS, 2008 apud MARQUES, 2011, p.

42-43).

Pode-se supor que o ambiente desta escola é propício para os aspectos

citados acima, pois, independente de como os alunos chegaram, cada um

no seu ritmo e a seu tempo, tornaram-se mais ativos e participativos,

enquanto aprendizes.

O intrigante é que, por vezes, esse ingresso e adaptação ao novo

currículo e às peculiaridades trazidas pelo uso da língua inglesa não

causam tamanho estranhamento para as crianças, que acabam indo

em busca de estratégias que irão suprir suas dificuldades. Esse

processo de nivelamento, para algumas crianças, ocorre

rapidamente [...] (BLOS, 2008, p. 2-3).

Tanto Pietra como Mário Augusto, em pouco tempo, conseguiram se

adaptar às peculiaridades que a comunicação em uma outra língua requisita

e adquirir uma compreensão e capacidade de expressão satisfatórias para

acompanharem as aulas. Carlos Henrique, todavia, precisou de quase três

anos para encontrar esta mesma condição. Geiger-Jaillet (2014) afirma que

“(...) a imersão parcial ou total, isto é, o tempo de exposição semanal à

língua-alvo, não é por si só garantia de sucesso” (p. 3). Ela esclarece que

Quanto mais somos motivados, mais rápido vamos, tendo em vista

que, se as etapas de aquisição de uma língua são globalmente as

mesmas para os aprendizes, a rapidez de apropriação difere

bastante de acordo com os indivíduos, sua motivação, sua

capacidade de discernimento e de memorização (GEIGER-JAILLET,

2014, p.1).

Não há dúvidas de que a motivação de cada um desses aprendizes foi

distinta, tendo em vista que são indivíduos únicos, com histórias de vida

específicas e famílias diferentes. O modo como cada um desenvolveu sua

língua materna, o valor que a família atribui à língua-alvo e à escola, os

artifícios que cada criança encontra para chamar a atenção dos pais, entre

muitas outras questões, influenciam a vida educacional delas, o tempo –

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três semanas, três meses ou três anos – que cada uma leva para

compreender e começar a produzir satisfatoriamente na L2.

Machado (2010) sustenta que “[...] não podemos mensurar a capacidade

de aprender de ninguém, principalmente, levando em consideração que

somos dotados de diferentes tipos de inteligência sendo que algumas mais

desenvolvidas que outras” (p. 31). Tanto a teoria cognitivista, como a teoria

das inteligências múltiplas entendem que as pessoas aprendem de formas

diferentes e, para isso, precisam criar estratégias próprias. Tendo em mente

que nenhum aluno é igual, compreende-se que, como foi dito acima, cada

um tem seu ritmo e interesse na aprendizagem, sem contar as diferentes

estratégias utilizadas, o que permite que o processo de aprendizagem

ganhe ainda mais significado e eficácia (MACHADO, 2010). Isto é, como

dito por Marcelino (2009),

Por mais que a equação seja perfeita, ao se colocar a variável mais

importante (o aprendiz), os resultados podem variar

substancialmente. Não há como se garantir que em contexto X, com

exposição Y o indivíduo se tornará bilíngue tipo W. Podemos apenas

oferecer a equação, inserir a variável e esperar pelos melhores

resultados (MARCELINO, 2009, p. 6).

Vale pensar, então, como cada um dos aprendizes se portou frente ao

desafio de L2: Pietra mostrou-se interessada e participativa, desde o início.

Mesmo iniciando o ano com dificuldade para se expressar – por motivos

óbvios, já que não tinha repertório para tal –, seu esforço e atenção

resultaram em rápido desenvolvimento e grande facilidade, antes de

completar três meses de aula.

Carlos Henrique já estava há dois anos nesta escola bilíngue e apresentava

grande resistência e dificuldade, como dito anteriormente, tanto no

contexto de sala de aula – de língua inglesa, principalmente –, quanto no

quesito de sociabilidade – agredia física e verbalmente os colegas e tinha

relação de amizade com apenas um aluno.

Mário Augusto, inicialmente, demonstrou resistência em relação à língua,

às aulas e a fazer amigos. Ele também apresentava dificuldades na

compreensão de textos e enunciados –mesmo em sua língua materna.

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A partir do que foi relatado, é interessante considerar ainda que, muitas

vezes, a dificuldade percebida na aquisição da segunda língua e dos

conteúdos ensinados por meio dela pode estar mais relacionada a uma

limitação pedagógica do sujeito, do que a uma dificuldade específica

causada por esta nova língua. Marcelino (2009) explica que

[...] todo aprendiz é passível de possíveis limitações de

desenvolvimento, como dificuldades em lidar com o currículo

escolar. Dificuldades com linguagem, alfabetização, ou mesmo de

personalidade podem emergir como resultado de fatores alheios ao

fato de a criança estar em um contexto de educação bilíngue, posto

que tais dificuldades também se encontram em contextos

monolíngues. Somente uma avaliação criteriosa feita por

profissionais adequados pode definir a origem precisa dos

impedimentos encontrados pelas crianças no seu processo de

desenvolvimento. Possíveis atribuições das dificuldades ao contexto

bilíngue, sem uma devida avaliação, são, a priori, infundadas e

precipitadas (p. 12, grifo nosso).

Os aprendizes aqui descritos apresentaram diferentes intensidades de

dificuldades ao se depararem com uma educação bilíngue. Contudo, não

significa que essas complicações se deram por conta da aquisição de L2.

Para Carlos Henrique, talvez, muito mais do que uma dificuldade decorrente

do idioma, o que causou sua alteração de comportamento pode ter sido

uma necessidade de atenção dos pais, já que seu irmão mais novo vinha

sendo o centro dela por apresentar problemas na escola. Dessa forma,

quando seus pais se disponibilizaram a ouvir e falar sobre o filho mais velho,

ele começou a demonstrar mudanças em seu desempenho social e

pedagógico.

No caso de Mário Augusto, pode-se supor que sua resistência tenha ocorrido

devido ao novo contexto que foi inserido: escola, colegas, ambiente e

idioma novos. Contudo, após pouco tempo, seu desempenho foi se

modificando e Mário começou a demonstrar mais flexibilidade e

participação.

É possível pensar que algumas maneiras de funcionar – como sua relação

social com outras crianças e dificuldades na interpretação de textos – já

eram suas e não estavam relacionadas à nova língua, tendo em vista que,

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mesmo depois de adquirir maior confiança e capacidade comunicativa em

sua L2, ele continuou apresentando-as.

No caso de Pietra, considera-se que, no início do ano, foi necessário que ela

percebesse o ambiente e adquirisse algum repertório no novo idioma, antes

de ser capaz de compartilhar suas reflexões, como aparentemente o fazia,

em sua língua materna. Isto não deveria se configurar como uma “trava”

ou alteração significativa em seu desempenho ou comportamento, apenas

uma adequação ao novo, antes que a aluna tivesse o arcabouço necessário

para prosseguir com seu modo de agir na escola. Tal fato pode ser

comprovado porque, muito rapidamente, seu esforço e participação eram

notáveis e sua nova classe a respeitava e admirava, atenta a suas

colocações e perguntas.

Através desta análise, torna-se perceptível que crianças que iniciam

a educação bilíngue no Ensino Fundamental podem apresentar alterações

em seus desempenhos e/ou comportamentos escolares. No entanto, são

alterações provisórias e nem sempre significativas, que geralmente estão

mais relacionadas à nova situação de vida do aluno (escola, colegas, regras,

língua etc.) do que à nova língua em si.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste artigo foi pensar sobre o que acontece ao aluno que inicia

sua educação bilíngue no Ensino Fundamental, isto é, após a primeira

infância. Para isso, foram discutidos conceitos relacionados à constituição

da linguagem, ao bilinguismo e à educação bilíngue, assim como os

possíveis desdobramentos deste tipo de educação. Foram ainda analisados

três casos de alunos que ingressaram em uma escola bilíngue, depois da

Educação Infantil.

A partir disso, compreendeu-se que, quando a educação bilíngue de

prestígio tem início no Ensino Fundamental, podem ocorrer alterações mais

ou menos significativas no desempenho e/ou comportamento dos alunos.

Enquanto alguns se retraem e “travam”, demonstrando resistência e

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dificuldade para lidarem com uma nova situação, outros, mesmo frente ao

desafio de uma nova língua, tentam acompanhar e prestar atenção nas

aulas e atividades, apenas passando por um período de menor participação,

por ainda não possuírem repertório suficiente para se comunicarem.

Crianças da Educação Infantil, naturalmente, utilizam muitos outros meios,

além do verbal, para se fazerem entender e para compreenderem o que

lhes é requisitado, tornando o processo de aquisição de uma segunda língua

mais fluido e divertido. Em contrapartida, os alunos do Ensino Fundamental

comunicam-se, na maior parte das vezes, verbalmente. Nesta etapa da

educação, as regras da classe são compreendidas mais rapidamente, por

meio da palavra e da observação dos colegas mais antigos. A necessidade

que o aluno novo sente de pertencer ao grupo faz com que ele busque

estratégias que lhe possibilitem se adequar às demandas daquele ambiente,

no caso, a aquisição da língua-alvo, para viabilizar a comunicação com seus

colegas.

Desse modo, até que encontre um meio de se adaptar, seu desempenho

e/ou comportamento sofrem algumas alterações. Essas alterações, mesmo

que significativas, não têm um tempo exato para se manterem, já que cada

aprendiz é único. No entanto, se a questão for só a novidade da língua, a

tendência é que o indivíduo se adapte ao novo e, ao adquirir um repertório

que o permita acompanhar as aulas satisfatoriamente, vá voltando a

apresentar o mesmo funcionamento anterior, acrescido dos benefícios da

nova língua.

Outro quesito que varia de acordo com cada sujeito é o tempo que ele leva

para acompanhar satisfatoriamente as aulas na sua L2. Esta variação tem

influência de diversos fatores, como características pessoais do aluno, seu

interesse pelo idioma e envolvimento com o mesmo, o valor que ele e sua

família/amigos conferem à língua e sua exposição a ela em outro(s)

contexto(s).

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Marcelino (2009) observa que “somente a criança é o sujeito de sua própria

aprendizagem e desenvolvimento” (p. 20). Professores e cuidadores

procuram elaborar uma equação aparentemente ideal para o progresso do

indivíduo em questão, oferecendo condições ótimas para seu

desenvolvimento. Contudo, o produto desta será alheio à vontade dos

mesmos, cabendo a eles observar os caminhos que a criança utilizará para

atingir seus próprios resultados e auxiliá-la, quando possível.

Segundo Grosjean (2010 apud ZIMMER; BECKER, 2015), o sujeito pode se

tornar bilíngue em qualquer momento de sua vida, apesar de ser

incontestável a existência de uma maior plasticidade na primeira infância.

Este autor também chama a atenção para o fato de que ter ou não sotaque

não tornará este indivíduo mais ou menos bilíngue.

Assim, uma vez adquirida a segunda língua, os desdobramentos

provenientes de uma educação escolar bilíngue são inúmeros. Segundo

pesquisas recentes, tais consequências acarretam muitos benefícios, depois

que o aprendiz atinge um certo nível de proficiência no seu segundo idioma

(CUMMINS, 1976 apud BRENTANO; FINGER, 2010). Além disso, há

evidências de que o bilíngue resultante de um contexto escolar terá tantas

vantagens quanto aqueles oriundos de famílias e/ou comunidades bilíngues

(BRENTANO; FINGER, 2010).

No presente artigo, foram citados diversos autores que discorrem sobre

suas descobertas acerca das consequências positivas do bilinguismo – Blos

(2011); Brentano e Finger (2010); Brentano e Fontes (2011); Marcelino

(2009); Mendonça e Fleith (2005); Wei (2000); Zimmer e Becker (2015),

entre outros. Algumas vantagens constatadas são: o maior

desenvolvimento das habilidades linguísticas e metalinguísticas, o aumento

da possibilidade de estabelecer vínculos com diferentes comunidades

linguísticas, da flexibilidade de pensamento, da sensibilidade comunicativa,

da atenção seletiva, da neuroplasticidade e do potencial criativo.

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127 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO

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Espera-se que este artigo contribua para que interessados na

educação bilíngue de prestígio compreendam um pouco mais sobre suas

influências, seu funcionamento e seus desdobramentos, bem como estimule

novos estudos acerca deste tema, tendo em vista que o Brasil ainda está

se aprimorando acerca destas questões.

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131 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148

Pinto, Michele Bertoli Cunha

BRINQUEDOTECA Pinto, Michele Bertoli Cunha20

RESUMO

A brinquedoteca é um espaço que permite a prática pedagógica tendo como

base uma metodologia lúdica, onde os jogos, os brinquedos e as

brincadeiras podem ser considerados instrumentos de intervenção durante

o processo de ensino-aprendizagem da criança. O objetivo de se ter uma

brinquedoteca é ensinar diferentes conteúdos por meio de jogos e

brincadeiras, favorecendo o desenvolvimento dos alunos. Assim, a proposta

desse artigo é mostrar a importância de uma brinquedoteca durante a

educação infantil e apresentar orientações de como jogos e brinquedos

podem ser dispostos dentro de um espaço como esse.

Palavras-chave: Brinquedoteca; Jogos; Criança; Brincadeiras

INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo apontar a contribuição da brinquedoteca NA

educação infantil sob um olhar pedagógico e a importância do processo de

aprendizagem da criança de forma lúdica e também apontar maneiras de

como os jogos e brinquedos podem ser expostos nesse espaço.

Para que se atinja o objetivo proposto achou-se adequado um breve relato

sobre a psicopedagogia e a ludopsicopedagogia para que fique claro o quão

importante é trabalhar com o lúdico na educação infantil.

A metodologia utilizada foi de cunho bibliográfico, e para facilitar o

entendimento o artigo está dividido em quatro capítulos.

No segundo capítulo inicia-se com o conceito de psicopedagogia e

ludopsicopedagogia, que é o tema central desse artigo, como surgiu, qual

o seu objetivo e sua trajetória no Brasil. No terceiro capítulo serão

apresentados os conceitos de jogos, brinquedos e brincadeiras bem como a

definição de brinquedoteca, sua importância durante a educação infantil e

20 Aluna do Curso de Ludopsicopedagogia. [email protected]

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132 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148

Pinto, Michele Bertoli Cunha

sugestões de organização da disposição dos jogos e brinquedos dentro

desses espaços através de algumas classificações.

No quarto e último capítulo serão feitas as considerações finais e no final

desse artigo será possível verificar a bibliografia utilizada para a elaboração

deste.

PSICOPEDAGOGIA

“Psicopedagogia é a área do conhecimento que estuda como as

pessoas constroem o conhecimento. Em outras palavras, busca

decifrar como ocorre o processo de construção do conhecimento nos

indivíduos. Assim, ela se propõe a: identificar os pontos que

possam, porventura, estar travando essa aprendizagem; atuar de

maneira preventiva para evitá-los e, ainda, propiciar estratégias e

ferramentas que possibilitem facilitar esse aprendizado.”. (CENTRO

PSICOPEDAGÓGICO APOIO)

Ou seja, a psicopedagogia surge com o objetivo de identificar o porquê da

dificuldade de aprendizagem do sujeito podendo ser preventiva ou como

tratamento / terapêutico através de técnicas e estratégias traçadas que

visem facilitar o aprendizado.

A união Psicologia-Psicanálise-Pedagogia surgiu com a intenção de conhecer

a criança e seu meio podendo assim compreender o problema e determinar

uma ação reeducadora. No início a preocupação era apenas diferenciar os

que não aprendiam, apesar de serem inteligentes, daqueles que

apresentavam alguma deficiência mental, física ou sensorial.

(PSICOPEDAGOGIA BRASIL).

A linha preventiva considera como objeto de estudo da psicopedagogia o

ser humano em desenvolvimento enquanto ainda é possível educá-lo, seus

processos de desenvolvimento e as possíveis alterações desses processos.

Já o enfoque terapêutico considera o objeto de estudo a identificação,

análise, elaboração de uma metodologia de diagnóstico e tratamento das

dificuldades de aprendizagem.

Entre os diversos conceitos de psicopedagogia encontra-se o de Bossa

(2000) que afirma que não se deve limitar o campo de visão sobre esse

assunto, mas sim, focar em vários diagnósticos até que se chegue a uma

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133 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148

Pinto, Michele Bertoli Cunha

solução do caso em questão e, principalmente, deixar que a família participe

pois, o apoio dela ajudará no tratamento.

Assim, a psicopedagogia se propõe a trazer uma solução para as

dificuldades de aprendizagem através de estratégias e com técnicas de

trabalho que podem ser desenvolvidas individualmente ou em grupo, para

trazer a tona a vontade de aprender, de maneira que se identifique os

fatores que venham contribuir ou não para a processo de ensino-

aprendizagem.

A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL

No Brasil a psicopedagogia surgiu no final da década de 70, com o principal

objetivo de identificar porque muitos não aprendiam. Esse movimento aqui

teve forte influência da Argentina devido à proximidade geográfica e ao

acesso fácil à literatura.

Quando chegou ao Brasil, as dificuldades de aprendizagem estavam

associadas a uma disfunção neurológica determinada disfunção cerebral

mínima (DCM) que servia para camuflar problemas sociopedagógicos.

(BOSSA, 2000, p. 48)

Aqui ela surgiu junto com a criação da Escola Guatemala, no Rio de Janeiro,

na década de 80. Esta escola iniciou um trabalho na ação preventiva junto

ao professor. Porém, já na década de 60, a Psicopedagogia já se estrutura

(PORTAL DA EDUCAÇÃO)

Em 1970, surgiram os primeiros cursos de especialização em

psicopedagogia no Brasil idealizados para complementar a formação dos

psicólogos e educadores que buscavam solucionar determinados

problemas. Estes foram estruturados baseados em conhecimentos

científicos dentro de um determinado contexto histórico, entretanto, antes

desses cursos, já existiam grupos de profissionais que atuavam com o

problema de aprendizado tentando organizar núcleos de estudos e

aprofundamentos, como por exemplo o professor Júlio Bernaldo de Quirós,

médico e professor de Buenos Aires, dedicou aos estudos de leitura escrita

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134 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148

Pinto, Michele Bertoli Cunha

durante muitos anos e realizou pesquisas na Argentina e publicou-os nas

décadas de 50 e 60 e essas foram baseadas em sua experiência.

Dentro os traços da Psicopedagogia no Brasil destacam-se:

❖ Desmembramento das faculdades de educação em faculdade de

Pedagogia e Psicologia;

❖ Demanda por profissionais mais qualificados;

❖ Profissionais que trabalhavam com crianças com problemas de

aprendizagem buscam um aprofundamento maior;

❖ Pesquisas na Argentina e a vinda ao Brasil do Professor Quirós

❖ Influência de trabalhos de outros países através de uma bibliografia

consistente.

❖ Criam-se os primeiros cursos com enfoque psicopedagógico no início

da década de 70 na PUC/São Paulo

❖ Cria-se em 1979, em São Paulo, no Instituto Sedes Sapientiae, o

primeiro curso regular de Psicopedagogia.

❖ A partir da década de 80 surgem os cursos de especialização Lato

Sensu em Psicopedagogia, a princípio em São Paulo e, posteriormente,

em outras instituições e regiões do Brasil. (PORTAL DA EDUCAÇÃO)

A LUDOPSICOPEDAGOGIA

“Brincar também serve como linguagem para a criança – um

simbolismo que substitui as palavras. A criança experiência na vida

muita coisa que ainda é incapaz de expressar verbalmente, e deste

modo utiliza a brincadeira para formular e assimilar aquilo que

experiência. Eu me utilizo do brincar de situações em terapia da

mesma maneira que poderia usar uma estória, um desenho, uma

cena na mesa de areia, um teatro de bonecas, ou uma

improvisação.” (OAKLANDER, 1980, p. 184)

Quando uma criança brinca acontece o processo de se aproximar do

material, do que ela pode escolher e do que pode evitar, surgem as

dificuldades de ultrapassar etapas, a organização, o padrão adotado, o

modo como brinca e o que isso mostra sobre a sua vida. Durante um

tratamento com psicopedagogo, as crianças são levadas ao consultório para

brincarem livremente, de acordo com suas necessidades, e lá podem

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

demonstrar seus conflitos e se desenvolver através da interpretação do

conteúdo dos seus jogos e brincadeiras: a ludopsicopedagogia.

O brincar das crianças, em qualquer situação, é muito proveitoso para

outros propósitos além do processo direto de terapia, ele ajuda a promover

a afinidade necessária entre o psicopedagogo e/ou professor e a criança e,

o medo e as resistências iniciais são reduzidos quando a criança entra em

um ambiente cheio de brinquedos, pois é um lugar familiar e aconchegante.

Enquanto a criança utiliza o brinquedo como instrumento o profissional

consegue compreender seus sentimentos e preocupações, brincando elas

se comunicam e expõem seus sentimentos, e o profissional volta sua

atenção para os motivos subjacentes do comportamento da criança,

durante as atividades lúdicas.

“Brincar pode ser um bom instrumento de diagnóstico. Brincando

com a criança, podemos observar muita coisa a respeito da

maturidade, Inteligência, imaginação e criatividade, organização

cognitiva, orientação de realidade, estilo, campo de atenção,

capacidade de resolução de problemas, habilidades de contato,

entre outras nuanças.” (OAKLANDER, 1980, p.189)

A análise infantil explora o mundo dos sentimentos e impulsos inconscientes

como origem de todas as ações e reações observadas nos pequenos

aprendizes. A eficiência do tratamento decorre do fato de que ao brincar as

crianças expressam sentimentos de ambição, desejo, amor, crueldade,

ódio, necessidade de dominar e destruir.

“[...] Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um “eu’

fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as

maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo,

aquisições que, no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real

e moralidade.” (VYGOTSKY, 1996, p. 114)

Como dito anteriormente, a ludopsicopedagogia consiste na análise da

criança através do ato de brincar. É durante esse comportamento prazeroso

que ela desloca para o exterior seus medos, ansiedades e problemas

internos, dominando-os ou não pela ação. Por meio da atividade lúdica, ela

manifesta seus conflitos e, desse modo, pode-se reconstruir o passado

assim como, no adulto, se consegue por meio da palavra, através do lúdico

é possível identificar suas dificuldades, seus medos e emoções, e nada mais

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

adequado que um espaço adequado, personalizado para desenvolver tal

atividade: a brinquedoteca.

JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Para Friedmann (1996) não existe uma teoria completa sobre o jogo,

existem várias teorias e é um tema muito complexo uma vez que cada,

educador possui uma maneira diferente de agir quando se trata desse

assunto. Porém, frisa que ao se utilizar o jogo na educação infantil faz-se

necessário destacar sua qualidade tendo em seus desdobramentos para o

processo de ensino e aprendizagem.

“Há jogo a partir do momento em que a criança aprende a designar

algo como jogo; ela não chega a isso sozinha. Ter consciência de

jogar resulta de uma aprendizagem linguística advinda dos

contextos da criança desde as primeiras semanas de sua

existência.” (BROUGÈRE, 1998, p. 18)

O jogo pode ser visto como ferramenta ideal de aprendizagem à medida

que propõe estímulo de acordo com o interesse do aluno, desenvolvendo

níveis diferentes de sua experiência pessoal e social, ajudando-o com novas

descobertas, desenvolvendo e enriquecendo sua personalidade. Também

pode ser utilizado com instrumento pedagógico que levará o professor a

condição de condutor, estimulador e avaliador da aprendizagem.

Por exemplo, o jogo espontâneo por ser livre permite que as crianças se

expressem através da sua vontade de brincar, são facilitadores da

autonomia, criatividade, experimentação, pesquisa e aprendizagens

significativas.

Já o jogo tradicional tem como características as regras, são os jogos

dirigidos, que “tem como objetivo desequilibrar (sentido piagetiano) as

estruturas mentais das crianças, no intuito de promover avanços no seu

desenvolvimento” (FRIEDMANN, 1996, p. 72).

O jogo permite o desenvolvimento de diversas capacidades sociais,

motrizes, cognitivas, expressivas, afetivas, filosóficas etc. Permite também,

de forma muito objetiva, agir sobre as deformações da conduta social.

“(...) o termo brinquedo será entendido sempre como objeto,

suporte da brincadeira, como descrição de uma conduta

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

estruturada, com regras e jogo infantil para designar tanto o objeto

e as regras do jogo da criança.” (KISHIMOTO, 1998, p.7)

O brinquedo como suporte da brincadeira permite à criança criar, imaginar

e representar a realidade e as experiências por ela adquiridas, através dele

a criança cria uma situação imaginária desta forma, o brinquedo

proporciona a criação por parte da criança, sendo fruto da sua imaginação.

Para Vygotsky (1998) o brinquedo exerce papel fundamental no

desenvolvimento infantil, especialmente na idade pré-escolar, embora não

considere o brinquedo como o único aspecto predominante na infância,

afirma que é ele quem proporciona o maior avanço na capacidade cognitiva

da criança. É por meio do brinquedo que a criança passa a perceber o

mundo real, domina conhecimentos, se relaciona e se integra

culturalmente.

O brinquedo auxilia nas mudanças durante o processo de desenvolvimento

da criança quando de suas necessidades e aptidões. A criança, com o

brinquedo, pode colocar hipóteses, desafios, além de construir relações com

outras crianças, com o meio que está localizado, com as regras e limites

impostos pelos adultos. É com o brinquedo que a criança aprende a lidar

com seu mundo, dando características à realidade da maneira que julgar

melhor.

“A brincadeira cria para as crianças uma "zona de desenvolvimento

proximal" que não é outra coisa senão a distância entre o nível atual

de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver

independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento

potencial, determinado através da resolução de um problema sob a

orientação de um adulto ou com a colaboração de um companheiro

mais capaz”. (VYGOTSKY, 1989, apud WAJSKOP, 2000, p. 35).

Na educação infantil é o lúdico é valorizado, e isso torna possível utilizar a

brincadeira e o jogo como elemento estratégico para desenvolver ensino e

aprendizagem. É através da brincadeira que a criança interage, comunica-

se com os demais participantes daquele meio, seja em casa e/ou na escola.

Nesse período a brincadeira é caracterizada como brinquedo educativo,

brincadeira tradicional, brincadeira de faz de conta e a brincadeira de

construção.

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

Os brinquedos educativos / ou brinquedos pedagógicos são vistos como as

principais ferramentas do educador no ensino infantil, e tem a finalidade de

desenvolver os aspectos cognitivo, afetivo, social, lógico e racional das

crianças. É entendido como recurso que ensina, desenvolve e educa de

forma prazerosa; este se materializa no quebra-cabeça destinado a ensinar

formas e cores, nos brinquedos de tabuleiros onde prevalece a

compreensão dos números e operações matemáticas, nos brinquedos de

encaixe que trabalham noções de sequências, de tamanho, de forma.

As brincadeiras tradicionais são manifestadas sem domínio de regras, é uma

brincadeira livre onde a criança brinca de acordo com sua vontade. São

exemplos de brincadeiras tradicionais: as cantigas de roda, pique-esconde,

pega-pega, a amarelinha, pular corda, entre outros. Mas, infelizmente,

atualmente as brincadeiras tradicionais estão caindo no esquecimento

graças ao avanço tecnológico que permite acesso às brincadeiras

eletrônicas.

A brincadeira de faz de conta permite que a criança use imaginação, busque

ideias e crie seu próprio mundo. No faz de conta ela estabelece uma

interação e mantém contato mais próximo com outras crianças.

Já na brincadeira de construção, a criança recombina elementos perceptuais

e emocionais, cria novos papéis para si e reorganiza cenas ambientais,

criando espaço para a fantasia, ajudando a relacionar as coisas que as

norteiam. Este tipo de brincadeira faz com que a criança construa a sua

própria realidade, e perceba a possibilidade de mudança da sociedade, na

qual ela faz parte.

Através da brincadeira a criança constrói saber cognitivo através da

motivação que esta proporciona, além de possibilitar o aperfeiçoamento do

seu raciocínio com o passar do tempo.

“A brinquedoteca é sempre um lugar prazeroso, onde os jogos,

brinquedos e brincadeiras fazem a magia do ambiente. Todas elas

têm como objetivo comum o desenvolvimento das atividades lúdicas

e a valorização do ato de brincar, independente do tipo de

brinquedoteca e do lugar onde está instalada, sejam num bairro,

numa escola, no hospital, numa clínica ou numa universidade. Cada

um destes ambientes tem sua função definida e usam os jogos e

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139 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148

Pinto, Michele Bertoli Cunha

brinquedos como estratégias para atingir seus fins, portanto cada

brinquedoteca apresenta o perfil da comunidade que lhe dá origem.”

(SANTOS, 1997, p. 97)

De acordo com Cunha (1992) a brinquedoteca é um local planejado para

incentivar a criança a brincar lhe proporcionando acesso a jogos e

brincadeiras diferenciadas além do que estimula também a curiosidade,

criatividade e o seu desenvolvimento cognitivo. Ela deve ser vista como um

espaço que enriquecerá as atividades lúdicas da criança através do contato

com os brinquedos.

A brinquedoteca aparece como uma maneira de utilizar o lúdico como fonte

de aprendizagem através de ambientes com cores, formas, desenhos,

objetos, que ao entrar em contato as crianças soltem sua a imaginação e

sentam-se livres para se expressarem.

Dentre os objetivos de uma brinquedoteca temos:

❖ Valorizar o brinquedo e as atividades lúdicas e

criativas, possibilitar o acesso à variedade de brinquedos.

❖ Desenvolver hábitos de responsabilidade e trabalho.

❖ Dar condições para que as crianças brinquem

espontaneamente.

❖ Despertar o interesse por uma nova forma de

animação cultural que pode diminuir a distância entre as gerações.

❖ Criar um espaço de convivência que propicie

interações espontâneas e desprovidas de preconceitos.

❖ Provocar um tipo de relacionamento que respeite as

preferências das crianças e assegure seus direitos. (CUNHA, 1992, p.37)

“A brinquedoteca poderá funcionar, assim, como um lugar em que

pais e filhos se relacionem melhor e desfaçam dúvidas quanto a

compra deste ou daquele brinquedo. Assim, dando à criança a

liberdade para explorar diversos tipos de brinquedos, estaremos

proporcionando o desenvolvimento de sua habilidade de reconhecer

objetos e ações, de distingui-los entre si, de tomar consciência de

suas similaridades e diferenças e, finalmente, de abstrair, classificar

e simbolizar. E tudo isso virá, naturalmente, de uma rica e ativa vida

de brincadeiras.” (BONTEMPO, 1992, p. 81) De acordo com Bontempo (1992) a brinquedoteca também colabora muito

com a educação infantil junto à família por propiciar aos pais momentos de

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

brincadeiras com os filhos, o que na maioria das vezes não acontece em

casa, e isso fortalece os laços familiares e os pais passam a conhecer melhor

as preferências de seus filhos.

Pode-se também considerar a brinquedoteca como um espaço criado para

as crianças dos dias de hoje que, por conta do progresso da sociedade,

perderam o espaço e o tempo para brincar, e também como uma maneira

de priorizar a valores perdidos.

CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS EM UMA BRINQUEDOTECA

Cunha (2001) sugere organizar uma brinquedoteca no formato de Centro de

recurso pedagógico e de Laboratório de Pesquisa em situações de aprendizagem

a partir da utilização de jogos, brinquedos e brincadeiras. Dentro deste formato

existem algumas maneiras de se classificar os jogos e brinquedos de acordo com

o objetivo que se deseja alcançar.

Dentre as maneiras de se classificar os jogos dentro de uma brinquedoteca temos

a classificação psicológica e a classificação pedagógica.

CLASSIFICAÇÃO PSICOLÓGICA

Os jogos de classificação psicológica fundamentam-se no desenvolvimento

da criança e estabelece uma hierarquia em função do desenvolvimento de

sua inteligência.

São eles: Jogos Motores (funcionais ou de exercício); Jogos Simbólicos

(representação ou pré-operatórios); Jogos Operatórios (regras).

Piaget psicólogo e filósofo suíço, é conhecido por seu trabalho pioneiro no

campo da inteligência infantil, ele organizou o desenvolvimento cognitivo

dividindo-o em quatro estágios: maturação, experiência física e lógico-

matemática, transmissão social e o processo de equilibrarão, sendo o último

o mais importante. Cada etapa de desenvolvimento está relacionada a um

tipo de atividade lúdica e que acontece do mesmo jeito para todos os

indivíduos. (PORTAL DA EDUCAÇÃO)

Para ele até os dois anos de idade as principais brincadeiras das crianças

são os gestos, sons, sinais e os exercícios de repetição. Estas são as

maneiras de linguagem da criança se comunicar com seu mundo exterior.

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

Nessa fase do desenvolvimento a criança constrói imagens de objetos e se

torna capaz de representá-los mesmo que estes não estejam presentes. Em

seguida ocorre a transição dos jogos simbólicos para os de construção, que

se inicia a partir dos quatro anos de idade e vai até os sete,

aproximadamente.

Também identifica três grandes tipos de estruturas mentais que surgem

sucessivamente na evolução do brincar infantil e classifica-os como: jogos

de exercício, jogos símbolos e jogos de regra.

Friedmann (1996) destaca que os jogos de exercícios são os primeiros a

surgirem na vida da criança e são motivados pelo prazer de manipular as

peças e pelas descobertas de habilidades através do movimento. Eles

caracterizam a etapa que vai do nascimento ao aparecimento da linguagem,

surge primeiro como forma de exercício simples onde sua finalidade é o

prazer do funcionamento. Possuem como características a repetição de

gestos e os movimentos simples.

O jogo simbólico aparece entre 2-6 anos. Sua função é satisfazer o eu por

meio de uma transformação do real em função dos desejos assimilando a

realidade. Nesses jogos a criança tende a reproduzir as relações que

predominam em seu ambiente e assimilar dessa maneira a realidade e um

jeito de se auto expressar. Esses jogos de faz de conta possibilitam à criança

a realização de sonhos e fantasias, revela conflitos, medos e angústias,

aliviando tensões e frustrações. (FRIEDMANN, 1996, p.56)

Ao assimilar o mundo como consegue ou como deseja a criança torna-se

produtora de linguagens criadoras de convenções, enquanto representa ela

transforma a realidade de acordo com suas necessidades naquele

momento.

No decorrer do desenvolvimento, aparece o terceiro tipo de jogo que é o

jogo com regras, ele aparece primeiro entre os quatro e sete anos e depois

entre os sete e onze

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

anos. Nesse jogo existe a necessidade de interação entre as crianças e é

preciso que entendimento e comprometimento de ambas às partes para a

execução jogo. Nos jogos de regras o valor lúdico continua tendo uma

importância fundamental e introduz a criança à competição.

Cada estágio se caracteriza pelo surgimento de estruturas originais

diferentes dos estágios anteriores. Porém, durante os estágios o que é

essencial dentro dessas construções sucessivas, permanece como

subestruturas, sobre quais as novas características se constroem. A ação

humana consiste em um processo contínuo que se orienta para o equilíbrio

e é nesse processo que Piaget destaca a importância do jogo. Para ele o

jogo tem uma finalidade em si mesmo, é espontâneo, dá prazer, apresenta

falta de organização e envolve motivação intensa. (ANDRADE, Cyrce; DIAS,

Maria Célia, et al. Brincar: o brinquedo e a brincadeira na infância.

São Paulo: CENPEC, 2011, p.29)

O desenvolvimento se segue conforme os períodos e etapas vivenciados

desde o nascimento e, se passa para a próxima etapa através da evolução

adquirida pela criança de um estágio para outro, esses períodos estão

relacionados entre si, e a faixa etária para cada um deles são idades médias

ondes as crianças demonstram características referentes a esses períodos.

Cada etapa se relaciona com determinado tipo de atividade lúdica que

acontece do mesmo jeito para todos os indivíduos.

CLASSIFICAÇÃO PEDAGÓGICA

Os jogos de Classificação Pedagógica baseiam-se na utilização do jogo /

brinquedo / material pedagógico como procedimento de intervenção

pedagógica segundo os diferentes aspectos e opções dos métodos

educativos.

Kamii e DeVries (1991) afirmam que, a organização dos jogos pode ajudar

o professor a desenvolver uma consciência crítica a respeito de sua

utilização, podendo assim selecionar, modificar e criar novos jogos. Dentro

do contexto de ensino e aprendizagem os jogos assumem funções que

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143 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148

Pinto, Michele Bertoli Cunha

podem apresentar objetivos diferenciados e, essas funções serão

determinadas de acordo com cada objetivo de cada atividade.

A classificação do jogo, brinquedo ou material didático está diretamente

relacionada ao assunto, tema, conteúdo ou habilidade e capacidade a ser

desenvolvida como por exemplo:

1. Desenvolvimento Corporal (aspecto motor): o objetivo da utilização

é o desenvolvimento da capacidade físico motora;

2. Desenvolvimento Intelectual (aspecto cognitivo): o objetivo da

utilização dos jogos é o desenvolvimento das capacidades intelectivas,

estruturas mentais e raciocínio lógico;

3. Desenvolvimento Afetivo e Social: o objetivo da utilização dos jogos

é o desenvolvimento da afetividade e da socialização.

Pode-se também classificar os jogos da brinquedoteca por tipo, ou seja,

classificá-los pela e função e objetivo de cada jogo ou brinquedo.

Araújo (2003) cita que as categorias em que se dividem os tipos de jogos

estão vinculadas a seus conteúdos, ao contexto em que são praticados, aos

objetivos mais gerais que o professor pretende alcançar, aos aspectos

caracterizados como objetivos específicos a serem atingidos por meio de

determinado tipo de jogo. Também pode-se utilizar como fator para

classificar os jogos em tipos diferentes o nível de desenvolvimento da

criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A brinquedoteca precisa ser vista com olhar pedagógico, algo que diferencie

de uma sala de aula, que chame a atenção das crianças e que as deixem a

vontade para se expor. É preciso disponibilizar um grande acervo de jogos

e brincadeiras fundamentais para o desenvolvimento das crianças, a qual

deverá ter a mediação de um profissional qualificado, que goste de

trabalhar neste ramo, seja criativo, dinâmico e carismático

Ela aparece com o objetivo de retomar a importância do brincar,

entendendo que a brincadeira, o jogo, é a melhor maneira de ensinar uma

criança, inserindo os conteúdos necessários para o desenvolvimento

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Pinto, Michele Bertoli Cunha

cognitivo dos alunos través de algo que lhes dê prazer fazendo com que as

crianças passem a gostar dos conteúdos.

Esse artigo foi desenvolvido com o objetivo de mostrar o papel de uma

brinquedoteca na educação infantil e de maneira resumida apresentar o

conceito de brinquedoteca, sua importância e as possibilidades de

disposição dos jogos e brinquedos dentro dela.

A brinquedoteca é um ótimo recurso que os educadores podem ter em mãos

para trabalhar com as crianças da educação infantil de forma lúdica e

concreta uma vez que o brincar aparece como elemento principal para a

aprendizagem.

A psicopedagogia busca através da psicologia, psicanálise, psicolinguística,

neurologia, psicomotricidade, fonoaudiologia, psiquiatria, entre outros,

entender como se dá o processo de aprendizagem nos indivíduos. Ela

nasceu com o objetivo de trabalhar na área clínica e se ampliou para a

escolar.

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146

A ARTE DE EDUCAR NA GRÉCIA ANTIGA E SUA

IMPORTÂNCIA PARA A ATUALIDADE

Sidinei Aparecido Oliveira Vieira21

RESUMO

Este artigo tem por objetivo refletir sobre a influência da filosofia grega na

educação antiga e moderna e como a força de suas ideias reflete nelas,

percebendo os muitos pontos em comum entre elas. Foram utilizados livros

e artigos para a criação de uma pesquisa qualitativa de revisão bibliográfica.

Os resultados obtidos foram que as bases da filosofia grega, isto é, seu

pensamento e suas propostas práticas para a educação não podem ser

desprezadas mesmo na realidade atual e devem servir sempre como

referência para a busca por soluções aos desafios que a sociedade vem

trazendo.

Palavras-chave: História da educação. Filosofia da educação. Influência

grega antiga.

IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

Por que estudar algo tão distante no tempo, como a educação e filosofia

grega, é relevante hoje em dia? O que perdurou ao longo das eras deve,

pois, ter algum valor ou alguma verdade profunda que tenha sido capaz de

mantê-lo ao longo das eras e ser confirmado nas salas de aula mesmo em

pleno século XXI. Por isso, será que alguns dos problemas vividos em sala

de aula hoje podem buscar remédio nas antigas escolas gregas?

Diante disso, o objetivo a que se refere este artigo é revisitar a educação

na Grécia antiga para poder compreender melhor os tempos atuais. Por

meio das antigas, mas ainda atuais concepções de educação, analisar seus

propósitos e procedimentos, isto é, como aplicavam os antigos gregos seus

ideais filosóficos na educação dos jovens e para que e porque isso era

considerado necessário.

21 Graduado em Gestão da Tecnologia da Informação, pós-graduado em Educação a Distância, aluno de graduação

em pedagogia.

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Desse modo, a necessidade que justifica essa análise comparativa entre

passado e presente se impõe desde o momento em que muito foi tentado

e nem sempre os resultados foram satisfatórios ao se tratar de seres

humanos em formação participantes de um ambiente considerado hostil e

desinteressante a eles como uma sala de aula. Portanto, é importante rever

a contribuição filosófica grega que sempre serviu como parâmetro para

balizar o comportamento do professor, da escola e do aluno numa tentativa

de obter alguma luz.

Impõe-se ainda a invasão tecnológica que transformou os costumes da

sociedade e tornou-a mais dependente de aparatos tecnológicos, mas que

não foi capaz de modificar o comportamento dela em sua essência, apenas

acentuando suas características preocupantes há milênios conhecidas e seu

excessos que tanto prejudicam qualquer sociedade, seja antiga ou moderna

etc. Sem esquecer das imposições sociais e governamentais naquilo deve

ou não ser ensinado independente de atender os anseios humanos por

felicidade, liberdade e realização.

Tendo esse problemático panorama em consideração é que este artigo

procura fazer algumas comparações entre passado e presente, afim de

verificar a atualidade de pensamentos filosóficos tão antigos.

Primeiro fala-se sobre a sociedade grega, sua formação e características

ligadas a educação. Em seguida, elencam-se alguns princípios filosóficos

que vieram a nortear as práticas escolares da época. A terceira parte trata

dos valores ensinados e a quarta das práticas adotadas. Tudo isso em

comparação com a atual visão e procedimentos escolares.

PPAANNOORRAAMMAA GGEERRAALL DDAA SSOOCCIIEEDDAADDEE GGRREEGGAA

Apesar da estratificação da sociedade grega entre homens livre, escravos,

mulheres e estrangeiros, ela conseguiu dar início ao processo de cidadania.

Até pouco tempo atrás no século XX a mulher nem podia votar, e agora já

adentrado o século XIX, apesar de certas distorções sociais pode-se dizer

que os passos dados pelos gregos foram por aqui aperfeiçoados.

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No período de seu apogeu, a sociedade grega se centrava na polis – núcleo

urbano onde surgiram grandes avanços na política e filosofia. De acordo

com Funari (2001, p. 25):

A cidade — polis, em grego — é um pequeno estado soberano que

compreende uma cidade e o campo ao redor e, eventualmente,

alguns povoados urbanos secundários. A cidade se define, de fato,

pelo povo — demos — que a compõe: uma coletividade de

indivíduos submetidos aos mesmos costumes fundamentais e

unidos por um culto comum às mesmas divindades protetoras. Devido às condições do solo pouco útil para a agricultura, acabaram por se

tornar um povo que se espalhou em diversas colônias ao redor do Mar

Mediterrâneo. Isso criou um comércio entre as colônias e os povos vizinhos

gerando um grande dinamismo na sociedade grega, portanto obrigando-a

a criar inovações que reverberam até nossos dias.

Dentre essas criações, está a democracia. Ela surge diante de uma

necessidade social ligada ao aumento da população das cidades e também

do aumento das riquezas gerando a concentração de renda para as poucas

famílias dominantes e o aumento da pobreza da classe que não detinha o

poder levando a conflitos sociais que tiveram por consequência mudar as

relações e condições sociais e de distribuição de poder entre os cidadãos,

exercendo então as primeiras atividades políticas na história da

humanidade. Sobre isso, descreve Funari que:

Sólon conferiu mais poderes à assembleia popular dos cidadãos(Eclésia) e vinculou

os direitos políticos às fortunas e não mais aos privilégios de sangue ou às ligações

familiares. Se, por um lado, somente os cidadãos mais ricos podiam se tornar arcontes,

por outro, todos os cidadãos passaram a ter direito de participar da Eclésia (2001, p.

33).

Ainda o mesmo autor diz que [...]os cargos políticos ligados à redação das

leis e sua aplicação tornaram-se legalmente acessíveis tanto aos cidadãos

ricos como aos pobres, e as palavras justiça e liberdade passaram a ser

referenciais importantes no imaginário ateniense (FUNARI, 2001, p. 35).

Logo os gregos perceberam que sem uma boa educação, esse sistema

inovador não teria chances de prosperar (CUNHA e PACHECO, 2009 apud

SILVA e FRANÇA, 2011, p 4). Porque, não seria possível elaborar propostas

de lei e melhorias para a cidade nem votar de forma consciente, muito

menos ser capaz de expor e debater as ideias em praça pública sem uma

educação adequada a esta realidade.

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Assim, essa educação tinha por meta criar cidadãos com capacidades de

resolver assuntos pertinentes a questões políticas. “A educação ateniense

não tinha por objetivo ensinar ofícios, ou seja, trabalhos braçais, uma vez

que esses eram reservados aos não-cidadãos (escravos, estrangeiros), mas

sim treinara liberdade e a nobreza, que deveria ser exercida em sua

plenitude” (MARTINS, 2010 apud SILVA e FRANÇA, 2011, p 8). Ao contrário,

pois, dos dias de hoje onde a tecnologia e o mercado a criação de homens

máquina e não de seres críticos da realidade.

Outra característica importantíssima é a valorização do idoso e seu cabedal

de experiências. Afirmam Silva e França que “[...] conhecimento dos

clássicos, somado com discussões que envolviam pensamento crítico,

criativo e valorização da experiência dos anciãos” (2011, p. 8) eram

imprescindíveis nas decisões políticas. Porém, hoje tudo que é velho é

desmerecido e desvalorizado em função da febre frenéticas por novidades

tecnológicas22 mas não para o bem-estar das pessoas, mas sim para o bem-

estar das empresas, logo, criando uma sociedade sem passado e

consequentemente sem base para o presente muito menos para o futuro.

Diante desta situação, os gregos sentiram que a educação era fator

determinante. A busca por um homem integral, total, pleno em suas

capacidades físicas e psíquicas está definida pela palavra virtude poderia,

segundo eles, ser obtida através da educação. Logo, a virtude devia ser a

meta a ser atingida para que a sociedade funcionasse bem, e que através

dela, a cidade fosse capaz tanto de se defender contra os inimigos como

produzir riquezas (PEREIRA, 20??, p. 4).

Nessa concepção, a mesma autora se refere ao conceito de bom e mal

segundo a ótica grega. Essa noção moral devia ser ensinada aos jovens

desde tenra idade.

Platão aporta com uma regulamentação de conduta à qual todo homem,

desde criança, deve ser submetido, a fim de que treine seu sentimento a

22 A palavra tecnologia vem do termo teknon em grego que quer dizer filho (ISIDRO PEREIRA, 1998,

p. 568). Vivemos, pois, numa sociedade que descarta o velho e torna velho muito rapidamente as coisas para

substitui-las por coisas mais novas ainda.

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amar o que é bom e a odiar o que é mau, antes mesmo de que a razão

desperte. Entendemos como um treinamento para a formação da virtude.

Desta maneira, quando a razão despertar e discernir o que é o bom e o mal,

seu sentimento atuará docilmente, e sua alma não enfrentará discórdia

entre suas distintas partes, mas integração (PEREIRA, 20??, p. 8).

De fato, pois, digna de nota é a percepção grega sobre e educação e sobre

a concepção do que deveria ser a sociedade perfeita construída pelo homem

perfeito. Tal concepção pode ser criticada nos dias atuais por causa de sua

idealização que pode, às vezes, não se alinhar à realidade e a natureza

humana de acordo com outras escolas da filosofia da educação. De qualquer

modo, assim destaca Pereira:

E assim, explica que não é a formação técnica que constitui a verdadeira educação, e

conceitua esta como o “treinamento desde a infância na virtude, o que torna o

indivíduo entusiasticamente desejoso de se converter em um cidadão perfeito, o qual

possui a compreensão tanto de governar como de ser governado com justiça [...]”

(PLATÃO, 2002,p.94, apud PEREIRA, 20??, p. 09).

No entanto, na obra A Cidade Antiga, Coulanges fala sobre a condição da

sociedade grega no seguinte parágrafo:

O Estado considerava o corpo e a alma de cada cidadão como propriedade sua; por

isso queria moldar esse corpo e essa alma de modo a tirar o melhor partido. Ensinava-

lhe ginástica, porque o corpo do homem era uma arma para a cidade, e era necessário

que essa arma fosse tão forte e dócil quanto possível. Ensinava-lhe também cânticos

religiosos, hinos, danças sagradas, porque esse conhecimento era necessário para a

boa execução dos sacrifícios e festas da cidade (1961,p. 200).

Dessa forma, conclui Fustel que a sociedade grega não era livre o que esse

ideário cultural e ser humano total visava unicamente atender as

necessidades da polis. Vale lembrar também que assim como hoje em dia,

a educação de qualidade é privilégio da classe mais favorecida e que os

escravos, mulheres e estrangeiros não poderiam usufruir desses direitos,

assim, guardada as devidas mudanças sociais, o poder de decisão, o acesso

da alta cultura, e o usufruto dos benefícios culturais e materiais continua

na mão de poucos – em termos práticos muito pouco mudou, apenas

mudando os nomes das personagens.

Finalmente, apesar do altíssimo ideal grego do homem perfeito, a educação

dada pelo estado sempre teve um caráter pragmático e com foco em

atender determinados objetivos em cada época. No tempo dos gregos o

objetivo era a administração da cidade, contudo, nos tempos de hoje visa-

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se a eficiência do mercado. Porém, não se pode negar a importância

atemporal da busca pelo desenvolvimento humano em sua integralidade

iniciada pelos gregos.

AA FFIILLOOSSOOFFIIAA NNAA SSOOCCIIEEDDAADDEE GGRREEGGAA

Graças ao desenvolvimento da cidade, da cultura e da riqueza adquirida

pelos gregos a filosofia pode florescer e dar frutos que se tornaram

fundamentais para o pensamento e as práticas educativas gregas. A visão

humanística, o questionamento constante da realidade, a preocupação do

homem consigo mesmo e com os demais e a natureza, transformaram a

sociedade antiga ecoando com força até a atualidade.

A filosofia grega possui várias vertentes, das quais a mais conhecida e

influente é a clássica, onde se encontram três grandes pensadores:

Sócrates, Platão e Aristóteles. Segundo Nigel (2011, p. 8):

[...], Sócrates foi um excelente dialogador, Platão foium escritor fenomenal e

Aristóteles interessava-se por todas as coisas. Sócrates e Platãoacreditavam que o

mundo que vemos era um pálido reflexo da verdadeira realidade, que só poderia ser

alcançada por meio do pensamento filosófico abstrato; Aristóteles, em contrapartida,

era fascinado pelos detalhes de tudo que o cercava.

Eles são importantes para o mundo moderno, já que fizeram parte do

período áureo da cultura grega antiga – uma das bases para a forma

ocidental de ver o mundo. Determinaram os caminhos da educação - seus

conceitos e formas de aplicação, e a razão de sua existência além da

importância social e pessoal. Por fim, os ideais ainda propalados são o fruto

destes pensadores antigos.

Sócrates criou o método filosófico conhecido como maiêutica23 que através

de um diálogo de indagações e respostas o indivíduo inquirido chegava a

uma conclusão sobre determinado assunto. Sócrates foi condenado à morte

por isso, pois questionar pode ser uma arma contra o status quo.

Já Platão discípulo direto de Sócrates, segundo Leonhardt (2009, p. 44) é

definido a seguir:

Platão defende o conhecimento; contra a licenciosidade dos costumes, opõe a

educação. E Platão confia na razão, desconfia dos sentidos e esclarece o processo de

conhecimento. É possível apresentar as várias concepções de Platão interpretando o

significado dos mitos relatados em vários de seus textos.

23 Maiêutica quer dizer em grego parto de recém nascidos, Sócrates usava este termo para parir ideias

filho (ISIDRO PEREIRA, 1998, p. 568).

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Confirma assim, a autora, que Platão via a necessidade de educar de forma

a combater os vícios e maus exemplos vistos em sua época para que a

sociedade pudesse florescer. E ainda segundo Leonhardt (2009, p. 45):

Para Platão são três os níveis do conhecimento: a ignorância, a opinião e a ciência. A

ignorância é a falta de conhecimento, é a negação do saber. A opinião é o

conhecimento das coisas mutáveis que existem no mundo sensível e a ciência é a

verdadeira sabedoria, o conhecimento das coisas imutáveis.

Outra contribuição deste mestre que chego foi a Alegoria da Caverna. Mito

que evoca a necessidade humana de ir além das aparências das coisas e

situações através do conhecimento e assim tornando-se possível atingir um

nível mais alto de consciência sobre a realidade e ir na direção da realização

do homem pleno.

Nesse sentido, Aristóteles explorava essa mesma natureza dos homens e

das coisas sendo por isso considerado um dos precursores da ciência

moderna, tendo como uma grande preocupação a questão sobre a felicidade

e também ao conceito de virtude. Segundo Nigel (2011, p. 10):

A abordagem de Aristóteles à ética não tem um interesse apenas histórico. Muitos

filósofos modernos acreditam que ele estava certo quanto à importância de

desenvolver as virtudes e que sua visão do que é a felicidade era precisa e inspiradora.

Eles acreditam que, em vez de procurar aumentar nossos prazeres na vida, deveríamos

tentar nos tornar pessoas melhores e fazer a coisa certa. Isso é o que faz a vida

caminhar bem.

Portanto, questão atualíssima é a felicidade. Porque, já em tempos tão

remotos estava entre os assuntos mais destacados desses filósofos. A

felicidade da polis, a felicidade do cidadão, como era idealizada e como

poderia ser alcançada e a quem se destinava eram temas que foram

discutidos e desenvolvidos por eles.

Ainda Nigel (2011, p 11) afirma que:

[...] Aristóteles estava interessado apenas no desenvolvimento pessoal do indivíduo.

Mas ele não estava. Os seres humanos são animais políticos, argumentava ele.

Precisamos conseguir viver com os outros e precisamos de um sistema de justiça para

lidarmos com o lado mais obscuro da nossa natureza. A eudaimoniasó pode ser

alcançada em relação à vida em sociedade. Nós vivemos juntos, e precisamos

encontrar nossa felicidade interagindo bem com aqueles que nos cercam, em um

estado político bem ordenado.

Do ponto de vista do período helênico os princípios pelos quais Isócrates se

bateu a vida inteira foram os que afinal plasmaram o fundamento ideológico

da paideia helénica: que a educação deve sempre visar a recta conduta e

prestar sempre os melhores serviços à comunidade (ALEXANDRE JÚNIOR

1995, p. 490).

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Logo, observa-se que havia uma grande preocupação com a ética, e ela

devia ser ensinada nas escolas. O mesmo autor diz que Alexandre

Magno[...] mais sonhava era com um mundo iluminado pelo esplendor da

cultura grega, afirmando-se assim como um dos primeiros grandes

universalistas que a história contempla (ALEXANDRE JÚNIOR 1995, p. 490).

Graças a influência da educação que Alexandre teve junto a Aristóteles, o

ideal platônico do rei filósofo foi ao menos esboçada neste conquistador.

Alexandre Júnior enfatiza também que:

No seu projeto de uma educação verdadeiramente integral e completa, as escolas

helenísticas investiam acima de tudo na formação moral dos seus alunos, desde o

berço até ao clímax da sua carreira escolar. Esse é que era para eles o real fundamento

de uma pedagogia de sucesso (ALEXANDRE JÚNIOR 1995, p. 490).

Assim, fica muito claro que, na visão sábia dos antigos, é fundamental

ensinar moral e ética. Estes conceitos já deviam ser bem ensinados desde

muito cedo para que se fixa na mente daqueles quer seriam os futuros

chefes das cidades.

Então, a educação serve a sociedade ao aplicar tais conceitos filosóficos

visto que procuram melhorar o ser humano. Aqui está a função da educação

– formar o homem de acordo com as necessidades e anseios da sociedade,

assim a filosofia orienta a educação e esta põe em prática os meios para o

desenvolvimento do homem, eis, pois, a missão e sentido da existência da

educação.

GGRRÉÉCCIIAA AANNTTIIGGAA EE AA EEXXPPAANNSSÃÃOO HHEELLÊÊNNIICCAA

Berço da civilização ocidental, a Grécia tem grande influência sobre a

atualidade. Os filósofos pensaram a educação grega e estabeleceram

modelos, conceitos e práticas que são adotadas, mesmo que com

adaptações, nas escolas ocidentais em todos os níveis de educação,

determinaram o sentido de educar e para que educar, definiram os

procedimentos a serem adotados no dia a dia escolar. Portanto, criaram

uma metodologia capaz de atender as necessidades da sociedade grega.

Como sociedade inovadora em muitos aspectos, a Grécia teve grande

contribuição dos filósofos clássicos. Na Republica de Platão, Sócrates

discorre longamente sobre educação usando de sua análise do que é bom

e do que é mal para as crianças, isto é, como devem agir os agentes

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educadores na criança para obter dela o melhor e desenvolvê-la com

objetivo a servir a sociedade grega (PLATÃO, 2014).

Além dessa visão socrática, pode-se dizer que a educação no mundo grego

é dividida em duas vertentes: a ateniense, e a espartana. Segundo Arantes

(20??, p. 02):

Na concepção espartana o homem deveria ser antes de mais nada, o resultado do

cultivo permanente do corpo. Deveria ser forte, desenvolvido e eficaz em todas as

suas ações. O processo de educação formal em Esparta era totalmente definido pelo

Estado. Esta soberania era exercida tanto nas crianças quanto nos adultos.

E sobre a educação ateniense a mesma autora diz:

Para os atenienses, a virtude mais importante era a liberdade; a educação formal não

era dirigida pelo Estado. Exigia-se apenas que os filhos recebessem, da família,

orientação elementar. Embora não houvesse ação direta, as escolas eram

supervisionadas pelos os magistrados que vigiavam a sua ordem e organização. As

escolas eram particulares e seus professores pagos pelas famílias dos estudantes. A

escolarização elementar, ao que tudo indica, tinha caráter democrático; a disciplina,

entretanto, era muito rígida e o aluno recebia punição severa quando se cometia

pequenas faltas (20??, p. 05).

Diante desta oposição de valores formou-se a educação helenística - outra

grande contribuição da Grécia. Com Alexandre Magno o mundo grego se

expande e se torna internacional, levando para os mais distantes rincões

do mundo antigo a cultura grega universalizando-a.

Essa política expansionista trouxe benefícios para a educação dos

habitantes do mundo helênico. Pois, segundo Henri Marrou (Arantes, 20??,

p.491):

[...] as crianças livres do espaço helénico frequentavam pelo menos

a escola primária. E tão rapidamente essas escolas se implantaram

em todo o espaço do mundo helenístico, que até no Egipto era

possível encontrá-las nos mais recônditos centros rurais.

Desse modo, a cultura grega e sua posterior expansão são fundamentais

para o mundo atual servindo como modelo. A democratização da educação

de hoje teve por base a democratização da educação entreos povos

conquistados por Alexandre Magno.

OOSS VVAALLOORREESS EENNSSIINNAADDOOSS NNAASS EESSCCOOLLAASS GGRREEGGAASS

O homem livre das cidades gregas tinhas obrigações a cumprir que exigiam

dele um cabedal de conhecimentos e práticas que foram desenvolvidos

pelos filósofos e educadores daquele tempo. Assim, a ética (a mente

saudável) e a estética (o corpo saudável) eram trabalhadas desde tenra

idade.

Alexandre Junior (1995, p.491) destaca estes princípios quando diz que:

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De acordo com o ideal pedagógico de Platão, a educação escolar deveria ser universal,

pública e destinar-se a formar o carácter do indivíduo de harmonia com os valores

tradicionais e ideais da cidade.

Concebeu por isso um modelo de educação dividido em duas etapas fundamentais: a

primeira, consagrada à apropriação das virtudes morais básicas, por meio do exercício

e da habituação mimética; a segunda, dedicada à aquisição das chamadas virtudes

superiores da justiça e da sabedoria, mediante uma radical conversão da vida dos

sentidos à dos valores ideais.

Vale ressaltar que Platão percebia a necessidade de que todos os homens

livres tivessem a oportunidade de receber a educação. Também notava ele

duas partes integrantes do ser humano: o físico e o espírito e procurava

determinar meios de desenvolver ambas, pois elas deveriam funcionar

adequadamente para atender as necessidades das cidades gregas.

Ainda o mesmo autor reforça essa concepção holística grega da formação

do homem tanto moral quando física (ALEXANDRE JÚNIOR, 1995, p. 492):

No seu projecto de uma educação verdadeiramente integral e completa, as escolas

helenísticas investiam acima de tudo na formação moral dos seus alunos, desde o

berço até ao clímax da sua carreira escolar. Esse é que era para eles o real fundamento

de uma pedagogia de sucesso.

Vê-se, pois, a grande importância do comportamento ético e o anseio pelo

belo tão presentes no ideário grego de civilização. Evidentemente, estavam

eles não só preocupados com a beleza e a saúde dos corpos, mas também

com a eficiência na administração da pólis. Por isso, ter saúde ajuda tanto

na guerra quanto na burocracia estatal.

A influência grega se estendeu até Roma. Além do aspecto moral e ético

vistos como necessários à educação grega, também haviam outro como a

natureza do comportamento humano:

Marco Fábio Quintiliano foi o maior pedagogo romano. A sua pedagogia

reconhecia a importância do estudo psicológico do aluno, por isso enfatizava o valor

humanístico e espiritual da educação, atribuindo requinte aoensino das letras e

reconhecendo o valor do educador (PALMA FILHO, 20??, p 01).

Além disso, havia, também, o senso de vida metafísica. O homem antigo

acreditava que atuavam junto a ele entidades não visíveis além das visíveis.

Por isso que sua visão de educação ultrapassava a saúde física e a mera

instrução moral e técnica (ALEXANDRE JÚNIOR, 1995, p. 492).

PPRRÁÁTTIICCAASS EEDDUUCCAACCIIOONNAAIISS GGRREEGGAASS

Além das concepções filosóficas sobre educação, os gregos elaboraram suas

práticas educativas objetivando, como dito acima, o homem total, corpo e

alma, inteligência e ação. Entendiam, pois, que se o corpo não estivesse

em condições, a mente estaria comprometida.

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Sendo assim, desde muito cedo, os alunos passavam por uma série de

atividades e de acordo com Alexandre Júnior (1995, p. 492):

[...] os alunos eram orientados tanto na defesa e refutação de teses, como na elaboração

amplificada de temas ou ditos e feitos de figuras célebres da sua história. Exercícios

estes que obedeciam a normas estritamente formais, mas ao mesmo tempo os

estimulavam a cultivar a estrutura lógica do seu pensamento, a força persuasiva dos

seus argumentos, e os valores dominantes da sua cultura.

Bem diferente dos dias atuais, havia o constante exercício do pensamento.

O desenvolvimento da capacidade de pensar, elaborar e defender ideias era

praticada nas escolas buscando formar o homem capaz de tomar decisões

e conceber meios para enfrentar os desafios políticos que surgiam.

Ao estabelecer um paralelo entra a nossa civilização atual e a grega antiga

é visto que perdemos a noção daquelas coisas que seriam essenciais

enquanto elemento curricular como justiça, prudência, temperança, etc.

Pois, hoje estão mais preocupados em formar técnicos que pessoas

(ALEXANDRE JÚNIOR, 1995, p. 497) a fim de controlar as máquinas que

produzem os bens de consumo.

Em síntese, os gregos pensavam a educação “como a formação da alma”

(ARANTES, 20??, p. 01). Grande sabedoria pode ser retirada dessa lição, já

que naquela época houve grande florescimento cultural e humanístico,

coisas de que carece a sociedade robotizada dos tempos atuais onde a

cultura está em franca de cadência e os valores que sustentam a sociedade

praticamente não existem mais.

No tocante a práticas educativas com as crianças, Sócrates em A República

defende que quando, portanto, as crianças principiam por brincar

honestamente, adquirem, através da música, a boa ordem e, [...], ela

acompanha-os para toda a parte, e com seu crescimento, endireita qualquer

coisa que anteriormente tenha decaído na cidade (PLATÃO, 2004, p. 118).

E incrivelmente atual é a fala deste filósofo quando trata sobre como deve

ser o estilo de aula para as crianças: “[...] não eduques as crianças no

estudo pela violência, mas a brincar, a fim de ficares mais habilitado a

descobrir as tendências naturais de cada um” (PLATÃO, 2004, p. 234).

Definitivamente, de grande capacidade de observação da alma humana, ele

já sabia os caminhos a trilhar na educação.

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Por outro lado, nos dias atuais - tempos de cuidados com o bem-estar

emocional e predominância da alta tecnologia no dia-a-dia, deve-se

considerar o quanto podem afetar a dinâmica da aula e o desempenho dos

alunos se forem usadas violências. E, é notável constatar como é pertinente

a reflexão de Sócrates sobre como o professor deve se comportar com os

alunos e como deve pensar a aula de modo que ela seja mais produtiva e

agradável a ele e aos alunos, evitando assim imposições de conduta e falta

de respeito a pessoa humana em sala de aula e os prejuízos psicológicos

decorrentes do uso de violências em sala.

Ainda com relação a didática antiga, Sócrates defende que a música e

atividade física devem ser usadas nas fases iniciais. Isso é corroborado por

autores atuais como Piaget ao estudar as fases de desenvolvimento da

criança, sendo a fase motora uma fase que exige atividades físicas para o

seu pleno desenvolvimento e a música como meio de desenvolver a

capacidade de concentração e disciplina de forma lúdica com cantos e

danças.

Com base nessas ideias, concorda Arantes (20??, p. 07):

A educação opressiva que traz sensação de medo não é recomendada. Deve-se educar

a criança na alegria, pois ela oferece as bases para a harmonia e pleno equilíbrio do

caráter. Sobre as atividades recomendadas por Platão para as crianças de 03 a 06 anos,

encontram-se os jogos.

Em outro trecho, muito consciente da natureza humana e da situação

sempre delicada em que se encontra o professor, Sócrates (PLATÃO, 2004,

p. 260) diz:

[...] o professor teme e lisonjeia os discípulos, e estes têm os mestres em pouca

consideração; outro tanto se passa com os preceptores. No conjunto, os jovens imitam

os velhos, e competem com eles em palavras e em ações; ao passo que os anciãos

condescendem com os novos, enchem-se de vivacidade e espírito, a imitar os jovens,

a fim de não parecerem aborrecidos e autoritários.

Por fim, a educação integral grega, que se reflete nos dias atuais, ao menos

idealisticamente, devido a sua validade e comprovação de eficácia. Intuíram

os antigos que o ser humano tem necessidades física e mentais afim de se

realizar no mundo das ideias e no mundo das coisas objetivas, ficando clara

a sua contribuição ainda para os dias de hoje.

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CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS

Ao realizar este artigo constatou-se que a sociedade atual é vítima de sua

insistência em desvalorizar o antigo e supervalorizar o novo, que nem

sempre trouxe bons resultados. A sociedade hodierna, em constante crise,

parece nunca encontrar um ponto de equilíbrio para criar uma perspectiva

histórica e poder refletir sobre os rumos e as consequências de suas

concepções e práticas em geral.

Interessante notar que o ser humano não mudou, isso fica claro ao se ler

trechos de mais de dois mil anos tratando da educação, como vistos acima.

Seu comportamento é o mesmo, há séculos, apesar de atualmente viver

em um mundo cercado por avanços na área de tecnologia, que só fez

evidenciar ainda mais as características humanas.

Evidentemente, não se pode negar, principalmente, a presença da

tecnologia da informação nos dias de hoje. Principalmente os celulares, que

por sua mobilidade, pode acompanhar os jovens na escola, e colocar a

escola e os professores em uma competição desafiadora para ver quem é

mais capaz de seduzir os alunos e ganhar sua atenção.

Porém, o desafio maior, ainda são as relações humanas. Determinar o papel

de cada um de acordo com princípios de respeito e cordialidade, considerar

a pessoa humana como portadora de saberes e merecedora de atenção

adequada e acolhedora. Estas coisas foram aconselhadas pelos antigos

filósofos, porém parece que foram ignoradas ou esquecidas pelos

professores atuais.

Ficou claro também que nem sempre a sociedade procura pelo melhor para

seus os cidadãos, mas sim instrui naquilo que convém para atender seus

propósitos sejam eles belicosos ou econômicos.

Assim, se a educação oferecida possa parece ser boa em dados momento,

independente disso, ela sempre é pensada visando atingir algum objetivo

que pode não ter nada tem a ver com o educar de forma plena em ou com

o desenvolvimento e felicidade dos indivíduos.

Fato também é que muitas práticas antigas continuam consagradas mesmo

que entendidas de forma diferente. Um exemplo é o entendimento e uso da

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ginástica e da música, reconhecidas atualmente pelo papel eficaz na

educação, mas diferentes dos antigos, não se considera que o excesso ou

a falta de uma delas possa comprometer o caráter de uma pessoa como se

pensava antigamente, pois o bom senso diz que não se pode abandonar

uma em detrimento da outra muito menos abusar delas.

Por fim, não se pode ignorar a grandeza do passado grego e que a

civilização ocidental é sua herdeira e continuadora, embora em constante

crise e em fase de degradação. Tudo, porém, em função de interesses

outros, alheios a educação, além de e um total processo de amnésia

coletiva.

Se não se pode mais adotar os modelos de educação grega em sua íntegra

que ao menos se reconheça sua referência como base para se desenvolver

metodologias que possam melhorar e minorar os males de que a atual

civilização padece, porque uma sociedade sem passado não pode ter uma

identidade e não poderá existir no futuro.

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REFERÊNCIAS

ALEXANDRE JÚNIOR, Manuel. Paradigmas da educação na antiguidade

greco-romana. Lisboa, [s.n.]1995.

ARANTES, Ana Cristina. A cultura e a educação grega.São Paulo: [s.n.], 20??.

COULANGES, DenyFustel de. A cidade antiga. São Paulo : EDAMERIS,1961.

FRANÇA, M. L.; SILVA, A. M. M. O ideal ateniense de educação:

possibilidades da constituição de uma cidadania. Curitiba: Educere, 2001.

FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Ed. Contexto, 2001.

ISIDRO PEREIRA, S. J. Dicionário grego-português e português e grego.

Braga: Libraria Apostolado da Imprensa, 1998.

LENHARDT, Ruth Rieth. Noções de história do pensamento filosófico: antiguidade e idade média.Guarapava: Ed. da Unicentro, 2009.

PALMA FILHO, J. C. A educação através dos tempos. São Paulo: Univesp, 20??.

NIGEL, Warburton. Uma breve história da filosofia. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011.

PEREIRA, B. Q. A educação segundo Platão: uma discussão sobre

processos de ensinar e aprender a virtude. Santos: [s.n], 20??.

PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2004.

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161 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189

Talita Moreira Barreiras Melo

A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL Talita Moreira Barreiras Melo24

RESUMO

Hoje em dia é discutido muito a questão do brincar e sua importância no

desenvolvimento da criança na educação infantil, como também o

brinquedo e brincadeiras. Muitos pesquisadores querem saber á função que

o ato de brincar exerce sobre o desenvolvimento infantil, como também

quais são os motivos que levam as crianças a brincarem e no que a

brincadeira influência na aprendizagem da criança. E o porquê o ato de

brincar como uma finalidade pedagógica mostra que o educador infantil tem

de criar e proporcionar oportunidades em que a criança brinque, pois, o

brincar é parte integrante do desenvolvimento físico, cognitivo, mental e

social da criança, sendo que é assim que ela aprende a ser adulta.

Palavras-chave: Importância, Brincar, Educação Infantil, Brincadeira,

Brinquedo, Conhecimento.

INTRODUÇÃO

O interesse em abordar esse tema surgiu ao observar que o brincar está

muito presente na educação infantil. Dessa forma, compreender o que é

brincar, como se brincar em sala de aula e o porquê do brincar é

fundamental para o pedagogo. O brincar é considerado imprescindível e

necessário para que a criança cresça saudável e inserida em um mundo de

fantasias, desejos e liberdade. No momento que a criança brinca ela começa

a entender como as coisas funcionam que existem limites estabelecidos,

regras a serem respeitadas e também aprendem a conviver com os amigos.

Assim, o brincar na educação infantil é essencial, principalmente quando

nos referimos ao desenvolvimento cognitivo, pois, proporciona a criança,

24 Aluna do Curso de Licenciatura em Pedagogia – [email protected]

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162 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189

Talita Moreira Barreiras Melo

criatividade, desenvolver suas potencialidades, tanto no âmbito físico,

emocional e social.

Neste contexto, entende-se que o brincar na educação infantil é uma prática

que envolve a decisão e a escolha de forma intencional e percebe-se,

contudo, que há uma necessidade inerente à criança de um brincar mais

dirigido voltado para a aprendizagem. Por essa razão é vital entender,

compreender a importância deste brincar direcionado. No momento que o

professor reconhece a importância e o devido respeito às potencialidades

da criança precisa de incentivo para trabalhar em sala de aula com domínio

do propósito que pretende para que a ação da criança aconteça de forma

eficiente e torne-se capaz de transformar uma simples brincadeira em

oportunidades e conhecimentos do mundo que a cerca.

As pesquisas e estudos efetivados deixam algumas indagações para o

pedagogo, visto que no passado o brincar era tido apenas como uma forma

de fuga ou distração, não conferindo o caráter educativo sem fundamento

na aprendizagem, ou seja, o brincar era apenas um passatempo onde a

criança brincava por brincar, não era levado em consideração que esse

brincar poderia ser usado para desenvolver o aspecto cognitivo da criança.

Hoje, no entanto, isso tem mudado principalmente para aquelas instituições

de ensino cujo brincar tem foco principal o aprender e ensinar.

Não bastasse esse brincar vai desde a sua prática livre até uma atividade

dirigida com regras e normas. E é nesse contexto da educação infantil, onde

as crianças brincam na maior parte do tempo, que será formulada as

seguintes questões desse estudo: Qual a importância do brincar na

educação infantil e suas contribuições para o desenvolvimento cognitivo da

criança.

Desta forma, o foco desse trabalho cientifico pauta-se o ato de brincar na

educação infantil, dando ênfase aos jogos e brincadeiras como instrumentos

de aprendizagem e adotando o pedagogo como profissional que merece ser

respeitado quando em atividade. A partir da compreensão aperfeiçoando

a prática profissional.

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Talita Moreira Barreiras Melo

Logo os objetivos gerais deste artigo direcionam-se na análise da

importância do brincar na aprendizagem da educação infantil e sua

verificação no aspecto cognitivo da criança. A partir do objetivo geral,

surgem os seguintes objetivos específicos:

• conhecer a definição do que é o brincar na educação infantil;

• compreender a importância dos jogos e brincadeiras no

desenvolvimento cognitivo;

• entender qual a importância da atividade dirigida para a

aprendizagem.

Neste sentido, os capítulos a seguir trazem os conceitos e definições que

sustentam teoricamente e praticamente estes objetivos.

Não bastasse a metodologia deste trabalho será baseado em estudos

teóricos, pesquisas e obras literárias publicadas, com o propósito de ampliar

o conhecimento sobre o assunto, os objetivos, os materiais, também será

adotada uma metodologia visando aprofundamento do estudo.

A HISTÓRIA DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS

Até meados do século XVIII, o brincar era uma atividade compartilhada

pelos adultos e crianças. Não havia separação por grupo de idade ou

espaços. Crianças e adultos brincavam ao mesmo tempo e no mesmo lugar.

Este tempo antecede ao surgimento da escola tal como a conhecemos hoje.

Nessa época as crianças eram vistas como adultos em miniatura. Os

brinquedos eram jogos tradicionais carregados de misticismos,

religiosidades e fantasia.

Cada brinquedo trazia sua significação particular. Estes não eram invenções

de fabricantes especializados no assunto. Nasceram nas oficinas de

madeiras, funilarias e etc.

É por volta do século XVIII que começa a surgir os primórdios de uma

fabricação especializada. Assim é que tanto a venda como a distribuição de

brinquedos não era função de comerciantes especializados.

A beleza e o estilo contido nos brinquedos mais antigos da época, era devido

as circunstâncias nas quais eles foram produzidos, produto secundário das

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fábricas artesanal as quais só podiam produzir o objeto de sua competência,

isto é aqueles autorizados pelo estatuto das corporativas.

Com o aparecimento de uma fabricação mais especializada dos brinquedos

as indústrias começaram a chocar-se contra as restrições das corporativas

as quais impediam o marceneiro e outros artesões de pintarem eles próprios

os seus produtos.

Assim é que para produzir um brinquedo de materiais diversos, várias

indústrias deveriam dividir entre si os trabalhos por mais simples que eles

fossem. Isto causava um encarecimento da mercadoria (brinquedo).

Como consequência à venda ou a distribuição de brinquedos não era função

de comerciantes especializados, ou seja, o marceneiro vendia brinquedos

de madeira, o funileiro vendia soldadinho de chumbo, o fabricante de velas

vendia bonecas de cera e etc.

Isto, porém, não ocorria com o comércio intermediário, pois este fazia às

vezes de grande distribuidor.

Com o avanço da reforma, muitos artistas que até então só produziam

peças para a igreja, passam a produzir peças menores para decoração das

casas, em vista da demanda que uma extraordinária difusão de peças

minúsculas as quais alegravam as crianças nas suas estantes de brinquedos

e os adultos em suas salas de “arte e maravilha”.

Na segunda metade do século XIX, os pequeninos objetos denominados

brinquedos tornaram-se maiores e aos poucos vão perdendo essa

característica minúscula discreta e agradável. Então uma emancipação do

brinquedo começa a se impor e à medida que a industrialização surge como

estranhos às crianças e os pais no dizer de BEIJAMIN (1984) “(...) o

brinquedo sempre foi e sempre será um objeto pelo adulto para a criança”.

Hoje a produção do brinquedo está atrelada ao modo de produção

capitalista. Ele não é feito para durar muito. São praticamente descartáveis,

pois precisam ser logo substituídos por outros, mais modernos e mais

sofisticados com mais tecnologias. Há uma troca rápida dos brinquedos. É

como se fosse moda. A mídia é a mola propulsora para: troca-troca de

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brinquedos. Os filhos, estimulados pelas propagandas televisivas, os seus

desejos. A “adultização” da infância também tem interferido na fabricação

dos brinquedos, muitos particularmente, os brinquedos para meninas. Os

bebês deram lugar as Barbies, as panelinhas deram lugar aos acessórios de

beleza, etc. Há uma mudança cultural no brincar, nas brincadeiras e nos

brinquedos.

O processo de desenvolvimento da criança de 7 a 10 anos em relação ao

desenvolvimento cognitivo nota-se a existência de estágios ou períodos

sensíveis (ou de prontidão) são os períodos ou estágios em que as crianças

ao serem estimuladas passam a aprender comportamentos mais

complexos. Portanto, faz-se necessário que façamos a correspondência

adequada entre as tarefas de aprendizagem ao nível de desenvolvimento

em que a criança está.

Verifica-se que precisamos não apenas saber que ensino escolher, como

ensinar, mas, sobretudo, quando ela está pronta para aprender as várias

tarefas intelectuais do processo ensino-aprendizagem. Nesta

contextualização MAUÉS (2000) segue citando que: “É através do brincar

que a criança representa a realidade à sua volta, e com isso vai construindo

seus próprios valores, ideias e conceitos.”

Haja visto que, se entendermos como o desenvolvimento cognitivo se

processa, poderemos evitar dois incidentes: ensinar a criança antes que

esteja pronta para aprender e perder uma oportunidade preciosa por

ensiná-la muito tempo após o momento adequado.

É neste sentido que, para compreendermos este processo, analisaremos

duas teorias: a teoria de PIAGET e a teoria de BRUNER ambas citadas por

BARROS (1995).

A TEORIA DE JEAN PIAGET

Jean Piaget foi um psicólogo suíço, falecido em 1980. É conhecido

mundialmente por suas obras e centenas de artigos publicados,

reverenciando a análise a evolução do pensamento infantil.

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Talita Moreira Barreiras Melo

Por mais de quarenta anos, realizou pesquisas com crianças, visando

conhecer melhor a evolução do pensamento até a adolescência, para que

houvesse o aperfeiçoamento dos métodos educacionais. Com isso PIAGET

(1975) propõe que o desenvolvimento cognitivo se realiza em estágios.

Portanto, isso significa que a natureza e a caracterização da inteligência

mudam com o passar do tempo.

Para PIAGET apud BARROS (1995), os estágios e períodos do

desenvolvimento caracterizam as diferentes formas do indivíduo de

interagir com a realidade, de organizar seus conhecimentos visando sua

adaptação. Com isso é que o indivíduo desde criança vai construindo seu

desenvolvimento mental, levando em consideração o ponto de vista motor,

intelectual e afetivo.

PIAGET apud BARROS (1995) identificou quatro períodos principais do

desenvolvimento: sensório motor (0 a 2 anos); pré-operacional (2 a 6

anos); operações concretas (7 a 11 anos) e operações formais (12 anos em

diante). A inteligência sensório-motora, que vai do nascimento até aos 18

meses de idade, a criança analisa o ambiente e age sobre ele, contudo faz-

se necessário ressaltar que o bebê receba a estimulação visual, auditiva e

tátil, tendo uma variedade de objetos para manipular, de possibilidades

para se movimentar.

A inteligência intuitiva ou pré-operacional, acontece dos 2 aos 6 anos de

idade, em relação à inteligência anterior, é o desenvolvimento da

capacidade simbólica, onde a criança começa a usar símbolos mentais

(imagens ou palavras), que representam objetos que não estão presentes.

É neste período que acontece a explosão linguística, desenvolvendo seu

vocabulário.

Nas operações concretas, que acontece dos 7 aos 11 anos, a criança usa a

lógica e raciocínio, mas somente os aplica na manipulação de objetos

concretos. É preciso que se faça a relação entre objetos para estimular o

pensamento.

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Já nas operações formais, após os 12 anos o pensamento já não depende

da manipulação de objetos concretos. As operações lógicas realizam-se

entre as ideias expressas em palavras ou símbolos, sem necessidade da

manipulação da realidade.

O pensamento formal é capaz de deduzir as conclusões de hipótese e não

somente através de observação real.

Entretanto, o período a qual daremos maior enfoque, é o pré-operatório,

que dura dos dois aos seis anos aproximadamente. Nesse período, ocorre

o desenvolvimento da capacidade simbólica, que permite a criança ter uma

representação mental dos objetos e das coisas do ambiente.

Nesta fase, as crianças apresentam as seguintes características:

egocentrismo, ou seja, tudo está centrado em sua pessoa, são incapazes

de aceitar o ponto de vista de outra pessoa, quando diferentes ao delas;

centralização, percebe apenas um dos aspectos de um objeto ou

acontecimento, ou seja, focaliza apenas uma dimensão do estímulo,

centralizando-se nela e sendo incapaz de levar em conta mais de uma

dimensão ao mesmo tempo; animismo, as crianças supõem que os objetos

são vivos e capazes de sentir.

Percebe-se, portanto que é nessa faixa etária que a criança começa

sociabilizar- se. Ao final deste período, começa a representação mental, a

formação de agrupamentos de ações interiorizadas, coordenadas entre si e

reversíveis. Neste momento acontece a passagem do egocentrismo para a

da organização.

Nessa fase, a criança dos dois aos três anos brinca com bonecos de pano

ou de borracha, objetos grandes e leves; jogos de encaixe e brinquedos da

fase anterior. Dos três aos quatro anos, brinca de correr, escorregar, puxar

e lançar.

Neste sentido WALLON (1986), afirma que: “Brincar de andar, de pular,

brincar de subir e descer, de pôr e tirar, de empilhar derrubar, de fazer e

desfazer, de criar e destruir”. Educar neste momento é sinônimo de

preparar o espaço adequado, o espaço brincado, isto é, explorável.

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Talita Moreira Barreiras Melo

Neste momento, são levados em consideração todos os itens acima citados

onde podemos observar o desenvolvimento físico, mental e sócio-

emocional da criança, através de jogos e brincadeiras. Pois eles ajudam a

desenvolver a confiança, a autonomia e a iniciativa.

A TEORIA DE JEROME BRUNER

Jerome Bruner, psicólogo americano contemporâneo, fundou na

universidade de Harvard, o Centro de Estudos Cognitivos. Em 1960 publicou

O Processo da Educação, no qual expôs sua teoria da instrução, explicando

que: “Qualquer assunto pode ser ensinado eficazmente, de alguma forma

intelectualmente honesta, a qualquer criança em qualquer estágio de

desenvolvimento”.

BRUNER apud BARROS (1995) propõe em sua teoria explicar como a

criança, em diferentes etapas de sua existência, tende a representar o

mundo com o qual interage. Contudo acredita que haja três níveis de

representação cognitiva do mundo: enativa, icônica e simbólica.

a) Representação enativa (Ativa)

A criança neste nível representa o mundo pelas suas ações, ou seja, se

perguntarmos onde fica algum lugar, com certeza ela não saberá responder,

o seu reflexo será levar-nos ao lugar perguntando, pois não conseguirá

representar o caminho através de desenhos ou indicar verbalmente.

O autor ressalta que crianças muito novas comunicam-se melhor com o

mundo por meio de ação, elas entendem e assimilam melhor as mensagens

expressas sob a forma de movimentos. Assim como é uma aula sobre

animais, possivelmente a professora ensinará que o coelho salta, saltando;

a cobra rasteja, rastejando ou o cachorro late, latindo, o gato mia, miando

e assim sucessivamente.

PIAGET apud BARROS (1995) ressalta este momento, dando exemplo de

Jaqueline (1 ano e 11 meses), ao voltar de uma viagem, contou ao pai:

”Robert chora, patos nadam no lago, foram embora”.

Portanto, o autor nos coloca que os contos infantis, neste nível, são bem

mais apreciados e compreendidos sob forma de dramatizações,

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apresentações em fantoches, do que por meio de figuras estáticas ou

narração verbal.

Outra observação a ser feita por BRUNER apud BARROS (1995) neste nível,

é sobre a recompensa, ou seja, se um adulto quiser elogiar comportamento

de uma criança bem pequena, o melhor a ser feito é acariciar- lhe a cabeça,

bater palmas do que dizer palavras de elogio.

b) Representação icônica

Neste nível a criança já possui a imagem dos objetos, sem que se precise

manipulá-lo, ou representá-lo como acontece no nível anterior. As crianças

já conseguem desenhar uma figura de um objeto, sem que se precise

representar a ação que ele representa. O professor já consegue passar

mensagens através de diagramas ou ilustrações, já que as crianças

apreciam bastante. BRUNER apud BARROS (1997) enfatiza dizendo: ”As

crianças já podem desenhar a figura de um garfo, por exemplo, sem

representar o ato de comer”.

c) Representação simbólica

Neste nível a criança representa o mundo através de símbolos, sem

necessidade do uso de ação ou imagens, estando apta a traduzir suas

experiências em linguagem e a receber mensagens verbais do adulto.

BRUNER apud BARROS (1995) também ressalta a importância do ambiente

para o desenvolvimento intelectual do ser humano. O ambiente pode

determinar algumas diferenças em relação à idade dos diversos estágios

em que a criança irá passar. Portanto é neste ponto que a teoria de BRUNER

se assemelha com a de PIAGET. BRUNER apud BARROS (1995) diz que:

“O desenvolvimento intelectual do ser humano resulta, em grande parte,

da estimulação ambiental. O ambiente no qual as crianças vivem podem

determinar os graus de diferenças em relação à idade em que passam pelos

diversos estágios”.

BARROS (1995) enfatiza que uma variedade de estímulos e mudanças no

ambiente é necessário para um desenvolvimento cognitivo adequado. Deste

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Talita Moreira Barreiras Melo

modo, verifica-se que a criança desde cedo, deve ser exposta a estímulos

variados, causando-lhe um desejo enorme de aprender.

Conclui-se, portanto que, tanto PIAGET como BRUNER dão importância, à

curiosidade das crianças, e isso deve ser aproveitado em seu processo

ensino aprendizagem.

DEFINIÇÃO DO BRINCAR E SUA IMPORTÂNCIA PARA A EDUCAÇÃO

INFANTIL

Os termos têm significados semelhantes no dicionário. O brinquedo é o

objeto da brincadeira, o que a criança utiliza para brincar, geralmente criado

pelos adultos, mas podendo também ser produzidos pela própria criança.

Muitas vezes alguns objetos do cotidiano são utilizados pela criança como

brinquedo para suporte da brincadeira. O que faz sentido como brinquedo

é a função lúdica que a criança atribui ao objeto na hora de brincar.

É denominado jogo situações de disputa, onde existem regras e estratégias,

podendo ser usado como material pedagógico em sala de aula. A

denominação varia também a partir do contexto utilizado, conforme cita

KISHIMOTO (1994).

Desta forma é atribuído ao jogo uma grande variedade de significados.

“Dentro da variedade de significados, são as semelhanças, que permitem

classificar jogos faz-de-conta, de construção, de regras, de palavras,

políticos e inúmeros outros, na grande família denominada jogos.”

KISHIMOTO (1994).

O jogo tem como características básicas aspectos sociais, predominado o

caráter de prazer, mas também há situações de desprazer. Pode ser regido

de regras explícitas ou ocultas, quando é voluntário a criança entra no

mundo imaginário. Para a criança o jogo é jogo quando feito por prazer, por

livre e espontânea vontade, o desprazer surge quando se torna uma

obrigação o ato de jogar, assim a criança apenas cumpre o que o adulto

pede, em sala de aula pode ser denominado como um trabalho.

Conforme estudos de GARVEY (1977); KING (1979); RUBIN E OUTROS

(1983); SMITH E VOLLSTEDT (1985) e KISHIMOTO (1994), o jogo se

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distingue da seguinte maneira: não-literalidade; efeito positivo;

flexibilidade; prioridade do processo de brincar. Nestes aspectos as crianças

predominam a realidade interna sobre a externa, brincam por prazer,

satisfação, tornam-nas mais flexíveis na busca de novas alternativa de

ação.

O jogo auxilia o professor quando aplicado adequadamente dentro de um

contexto já explorado ou que se irá explorar futuramente, assim torna-se

um grande aliado ou instrumento educativo. Através dos jogos as crianças

podem realizar comparações entre o abstrato e o concreto, aprendendo de

forma significativa e prazerosa, desde que se respeite a característica lúdica

dos jogos.

Nos dias atuais a mídia desempenha um papel considerável na sociedade,

tanto entre os adultos, quanto entre as crianças. A cultura atual absorveu

a mídia, principalmente a televisão. A televisão transformou a vida e a

cultura da criança, as referências de que ela dispõe. Ela influenciou,

particularmente, sua cultura lúdica.

É certo que, atualmente, nossa cultura lúdica está muito orientada para a

manipulação de objetos, sem dúvida, isso é uma dimensão essencial. Como

consequência ela evolui, em parte, sob o impulso de novos brinquedos.

Novas manipulações (inclusive jogos eletrônicos e de videogame), novas

estruturas de brincadeiras, ou desenvolvimento de algumas em danos de

outras, novas representações: o brinquedo contribui para o

desenvolvimento da cultura lúdica. Porém se insere na brincadeira através

de uma apropriação, ou seja, deixa-se envolver pela cultura lúdica

disponível, usando práticas de brincadeiras anteriores.

Essa cultura lúdica está imersa na cultura geral à qual a criança pertence.

Ela retira elementos repertórios de imagens que representa a sociedade no

seu conjunto, é preciso que se pense na importância da imitação na

brincadeira. A cultura lúdica incorpora, também, elementos presentes na

televisão, fornecedora generosa de imagens variadas. Existem variadas

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contribuições da televisão para as brincadeiras infantis, para a cultura lúdica

atual.

A televisão fornece diversos conteúdos para brincadeira da criança. Elas se

transformam através das brincadeiras, em personagens visto na televisão.

Contudo, não basta que as imagens sejam apresentadas na televisão,

mesmo que elas agradem, para gerar brincadeiras, é preciso que elas

possam ser integradas ao universo lúdico da criança.

Na realidade, a televisão influencia as brincadeiras na medida em que as

crianças podem se apoderar dos temas propostos no quadro de estruturas

das brincadeiras usuais.

A televisão não se limita a propor novos conteúdos para as estruturas das

brincadeiras. Através da cobertura que dá ao esporte, por exemplo, ela

promove também, estruturas lúdicas que as crianças podem retomar,

adaptando-as às condições específicas de um pátio de recreação ou da rua.

As crianças não recebem os conteúdos da televisão passivamente, mas

reativa-os e se apropriam deles através de suas brincadeiras, de maneira

idêntica à apropriação dos papéis sociais e familiares nas brincadeiras de

imitação. O grande valor da televisão para a infância é oferecer as crianças

que pertencem à ambientes diferentes uma linguagem comum, referências

únicas.

O desenvolvimento recente do brinquedo reforça a importância da televisão

na brincadeira. Inúmeros fabricantes produzem brinquedos que

representam os personagens dos desenhos animados, influenciando a

venda dos brinquedos, como “jogada comercial” dos fabricantes, mas

também permite à criança passar de uma relação passiva com a televisão

para uma relação ativa de manipulação e, eventualmente de (re) criação.

O investimento das crianças na brincadeira está diretamente ligado ao

conhecimento que elas têm do personagem pela televisão, e isso parece

permitir as professoras fazerem as representações da televisão entrarem

na classe. Ao permitir, como na brincadeira coletiva, uma carga emocional,

essa situação dá à criança uma oportunidade de estabelecer um

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distanciamento em relação aos personagens e às situações que ela pode

dominar, representar, controlar, mais do que com elas se identificar.

A brincadeira pode ser alimentada e influenciada pela televisão, pois a

brincadeira não nasce do nada, mas daquilo com que a criança é

confrontada. Em parte a brincadeira das crianças está ligada aos objetos

lúdicos que ela dispõe.

O que ocorre hoje nos países que aceitam a publicidade de brinquedos mais

vendidos é os de campanha publicitária.

A partir destas campanhas as crianças imaginam situações lúdicas e

brincadeiras com o objeto promovido, é influenciada pela imagem recebida

e seu uso.

Para que se considere o devido papel da televisão é necessário abstrair-se

dessa influência direta.

A publicidade de brinquedos evolui muito ao longo dos anos, hoje o

brinquedo está cada vez mais ligado a uma história, é personalizado,

principalmente e/ou geralmente através de um desenho animado.

Tanto o brinquedo quanto a televisão podem ser vistos pela criança como

um grande conteúdo que recheia suas brincadeiras. Da mesma forma que

os conteúdos televisivos, ou modismos regem a vida dos brinquedos.

O valor da brincadeira é muito discutido nos meios educacionais. Nos dias

de hoje é atribuído tão facilmente um valor positivo à brincadeira infantil.

Isso está relacionado à sua história, existindo duas origens: ideológica e

científica.

Falando da origem ideológica, houve uma mudança no início do século XIX,

sobre a concepção da criança e, consequentemente da brincadeira.

Foi a exaltação da naturalidade em oposição ao racionalismo que colocou a

brincadeira no centro da educação da criança pequena. Tornar a brincadeira

um suporte pedagógico é seguir a natureza.

A literatura consagrada à brincadeira das crianças levanta muitas vezes

dúvidas relacionadas aos fatores positivos da brincadeira, mas a não

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visibilidade do ganho não significa que prove sua inexistência, também não

podendo ressaltar a evidência.

Assim, encontra-se de um lado uma brincadeira que respeita as dificuldades

de uma aprendizagem definida socialmente, de outro lado a brincadeira com

valor do mito de uma natureza boa.

O professor deverá saber o valor da brincadeira além de palavras favoráveis

ou mitos, sabendo suas possibilidades.

A brincadeira é um processo de aprendizagem cultural e social e não um

comportamento natural e inato da criança.

Não tem-se a certeza que a criança vá atingir todos os resultados

planejados e esperados pelo professor, pois o universo é cheio de

incertezas, onde se trabalha com probabilidades. Por isso, que o professor

deve analisar seus objetivos, propondo materiais que aperfeiçoem as

chances de preencher tais objetivos.

É necessário levar em consideração o que a criança dispõe previamente de

potencial de brincadeiras. Isto é o ponto de partida. A brincadeira, sem

dúvida, traz mais àqueles que têm mais, o que não é uma razão para que

dela se privem quem têm menos, pelo contrário.

Brincar é uma atividade livre que estimula a criança ao desenvolvimento

social, intelectual, psicomotor, afetivo-emocional.

A brincadeira em forma de jogo ajuda a criança a ser menos egocêntrica,

proporcionando-lhe viver momentos de colaboração, competição e também

de oposição. O jogo ensina a criança conhecer regras respeitando o

companheiro e aumenta os seus contatos sociais.

O brincar pode proporcionar a elaboração de algumas estruturas:

ordenação, classificação, estruturação do tempo e espaço, primeiros

elementos de lógicas através da resolução de problemas simples. O brincar

ajuda a criança a se comunicar e expressar através da compreensão e

explicação das regras, que muitas vezes elas mesmas estabelecem

contestado e/ou comentando as frases da brincadeira. A criança se apropria

do conhecimento coletivo quando toma iniciativa, levanta e defende sua

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opinião, observa, fala, ouve, critica, sugere, pensa e se faz compreender

pelo grupo.

A brincadeira espontânea contribui para a construção do conhecimento da

criança, pois brincando a criança desenvolve habilidade de velocidade,

agilidade, equilíbrio, força, flexibilidade, ritmo, atenção e coordenação. Ela

é um instrumento básico da vida psíquica da criança. É necessidade

instintiva para o aperfeiçoamento físico, mental e social dela levando-a a

tomar contato com o seu ambiente, reagindo e se adaptando a ele.

A criança acaba por promover os valores de conservação, já que os adultos

com os quais a criança interage, em muitas ocasiões ressaltam a

importância de se cuidar bem dos brinquedos para que eles não quebrem.

No “faz-de-conta” em muitas ocasiões o lixo ganha vida e é transformado

em brinquedos que os pequenos utilizam como objetos domésticos e obra

de arte.

Sem se sentir culpado por passar tempo observando o que está

acontecendo em sala de aula, o professor intervém no brincar a fim de

estimular a atividade mental, social e psicomotora das crianças.

É importante que o educador infantil aproveite o máximo o momento em

que as crianças estão brincando, assim pode avaliar e registrar os

conhecimentos que elas vão produzindo enquanto brincam.

Para que o professor assuma o brincar como primordial no trabalho junto

às crianças de zero a seis anos de idade, é necessário que a equipe seja

ousada, corajosa, mas, é preciso também que a equipe pedagógica aceite

e abrace essa ideia.

Segundo PIAGET (1973), a criança aprende a partir de um construir e

reconstruir suas hipóteses sobre a realidade que a cerca.

A criança se desenvolve num processo de equilíbrios e desequilíbrios. Ou

seja, os obstáculos que a criança encontra lhe proporcionam a evolução do

seu pensamento. Ela se desequilibra quando alguém ou algo se apresenta

como desafio que se confronta com a certeza que ela já possui, gerando um

conflito.

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Para PIAGET (1978), cada ato de inteligência é definido pelo equilíbrio entre

duas tendências: a assimilação e a acomodação. Na assimilação, o sujeito

incorpora eventos, objetos ou situações dentro de formas de pensamento

que constituem as estruturas mentais reorganizam-se para incorporar

novos aspectos do ambiente externo. Durante o ato de inteligência, o

sujeito adapta-se às exigências do ambiente externo, enquanto ao mesmo

tempo, mantém sua estrutura mental intacta. O brincar neste caso, é

identificado pela primazia da assimilação sobre a acomodação.

Na teoria piagetiana encontra-se uma classificação de jogos e brincadeiras

baseadas na evolução das estruturas mentais caracterizadas por três

formas básicas de atividades lúdicas de acordo com a etapa do

desenvolvimento: os jogos de exercícios, os jogos simbólicos e os jogos de

regras.

PIAGET (1978) classificou os jogos do seguinte modo:

• Jogo de Exercício - inicia-se durante os primeiros meses de existência:

a criança repete movimentos por puro prazer, sem qualquer finalidade.

• Jogo Simbólico - inicia-se durante o segundo ano de vida, implica na

representação de um objeto, de um conflito, de um desejo que não foi

realizado. É o jogo do faz-de-conta.

• Jogo com Regras – Inicia-se dos quatro aos sete anos de idade e

subsiste na idade adulta, desenvolvendo-se mesmo durante toda a vida

(jogo social, esporte, jogo de cartas, etc.). As regras indicam que as coisas

não estão prontas, acabadas, mas devem ser descobertas e os obstáculos

vencidos, e isso estimula a investigação, a análise e o estabelecimento de

relações.

O jogo de exercício, que aparece durante os primeiros meses de vida,

envolve a repetição de sequências já estabelecidas de ações e

manipulações, não com propósitos práticos ou instrumentais, mas por mero

prazer derivado por atividades motoras. Por volta de um ano de idade tais

exercícios práticos tornam-se menos numerosos e diminuem uma

importância. Eles começam a se transformar em outras formas:

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1. A criança passa a fazer repetições e combinações de ações e de

manipulações: Depois define metas para si e os jogos de exercícios são

transformados em construções.

2. Os jogos de exercícios adquirem regras explícitas e, então,

transforma-se em jogos de regras.

Os jogos simbólicos surgem durante o segundo ano de vida com o

aparecimento da representação e da linguagem. De acordo com PIAGET

(1978), a brincadeira de faz-de-conta é inicialmente uma atividade solitária,

envolvendo o uso de símbolos: brincadeiras sociodramáticas, usando

símbolos coletivos não aparecem senão no terceiro ano de vida. No modelo

piagetiano, o faz-de-conta precoce envolve elementos cujas combinações

variam com tempo:

1. Comportamento descontextualizado, como dormir, comer;

2. Realizações com outros, como dar de comer ou fazer dormir o urso;

3. Uso de objetos substitutos, como blocos no lugar de bonecas e;

4. Combinações sequenciais imitando ações desenvolvem o faz de conta.

Com o aparecimento do jogo simbólico a criança ultrapassa a simples

satisfação da manipulação. Ela vai assimilar a realidade externa ao seu eu,

fazendo distorções ou transposições. Da mesma forma, o jogo simbólico é

usado para encontrar satisfação fantasiosa por meio de compensação,

superação de conflitos, preenchimento de desejos. Quanto mais avança em

idade mais caminha para a realidade.

PIAGET (1973) observou as crianças em seus jogos de amarelinha e bolas

de gude e pode perceber como se processa a noção de regras nas diversas

etapas do desenvolvimento das crianças. Inicialmente a anomia (ausência

de regras) está presente nas crianças. As crianças até mais ou menos cinco

anos de idades não seguem regras coletivas. Elas se interessam por jogar

bola de gude, amarelinha, mas para satisfazer suas fantasias simbólicas do

que para participarem de uma atividade coletiva.

PIAGET (1978) assegura que o desenvolvimento do jogo de exercícios

progride de processos puramente individuais e símbolos privados que

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deveriam da estrutura mental da criança e que por ela podem ser

explicados. Assim, o jogo de faz-de-conta leva a criança a rever sua

experiência passada para satisfação do ego mais do que subordinação à

realidade.

Para VYGOTISKY (1994) o indivíduo se faz humano apropriando-se da

humanidade historicamente produzida e com ela interagindo

dialeticamente. Para ele o processo de aprendizagem antecede a entrada

da criança na escola permitindo-lhe pelas mediações interiorizar o “mundo”

e contribuir para seu próprio desenvolvimento.

VYGOTISKY (1994) vê a brincadeira como a criação de uma zona de

desenvolvimento proximal na criança, pois, no brinquedo ela comporta-se

de forma mais avançada do que nas atividades da vida real e também

aprende a separar objeto de significado.

O brinquedo provê uma situação de transição entre a ação da criança com

objetivos concretos e suas ações com significados.

Ele discorre principalmente acerca de brincadeiras imaginárias (faz de

conta) casinha – escolinha – motorista – etc., pois nestas situações, o

brinquedo é também uma atividade regida por regras e são justamente

essas regras que fazem com que a criança se comporte de forma mais

avançadas do que aquela habitual da sua idade.

O que na vida real é natural e passa despercebida, na brincadeira torna-se

regra e contribui para que a criança entenda o universo particular dos

papéis que desempenha.

Quando VYGOTISKY (1994) discute o papel do brinquedo, privilegia

especificamente a brincadeira do “faz de conta”, como brincar de casinha,

escolinha, brincar com a vassoura como se fosse um cavalo. Considera que

numa brincadeira imaginária como a brincadeira de “faz de conta”, a criança

é levada a agir no mundo imaginário em que a situação é definida pelo

significado estabelecido pela brincadeira e não pelos elementos reais

concretamente presentes.

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VYGOTISKY (1994) entende que quando a criança está brincando está se

apropriando daquela cultura.

Tanto VYGOTISKY (1994) quanto PIAGET (1973), na brincadeira, aspectos

importantíssimos no processo de desenvolvimento da criança, ambos

fundamentados em suas próprias teorias; VYGOTISKY (1994) de uma forma

cultural e PIAGET (1973) de uma forma cognitiva.

JOGOS E BRINCADEIRAS: ALGUNS PRESSUPOSTOS, CONCEITOS E

FORMAS DE INTERVENÇÃO

Ainda há uma dúvida entre jogo e material pedagógico entre profissionais

da educação. O que existe é a facilitação que a manipulação de objetos

concretos pode levar a aquisição dos conceitos abordados em sala de aula.

Assim, como os jogos existem diversas técnicas concretas para se ensinar

ou facilitar o conteúdo, exemplo disso são os blocos lógicos com formas

geométricas, material Cuisenaire para facilitar a compreensão dos números,

jogos de encaixe que facilitam o desenvolvimento da atenção, entre outros.

Os jogos e brinquedos além de proporcionarem prazer a criança também

são grandes aliados na atuação do professor, pois aplicados de forma

corretas ajudam a construir conceitos e noções.

A diferença entre brinquedo e material pedagógico está na forma em que

se aplica, quando um objeto é utilizado como material pedagógico perde a

sua função lúdica.

Muitas vezes as escolas privilegiam a formação acadêmica da criança e

marginaliza o lúdico, entendendo-se que a escola não é espaço para brincar,

mas sim para aprender. Quando um jogo é aplicado no intuito pedagógico

tende-se a se traçar primeiramente objetivos, portanto o jogo acaba por

não ter a sua característica de ação livre, passando a ser chamado de jogo

educativo.

O jogo educativo teve início na história Ocidental, à partir do século XVI por

Rabecq- Maillard e 1987 por Brougère, quando essa idéia penetrou na

escola maternal francesa, mas os primeiros estudos foram situados na

Roma e Grécia antigas.

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Platão em (1948), já enfatizava a importância do jogo, assim como

Aristóteles que sugeria a inserção de jogos para educação das crianças,

como forma de preparo para a vida adulta.

A partir do século XVII o jogo é expandido para o contexto didático e

educativo. Através das obras de Comenius e Locke em 1657 que os jogos

são destinados ao ensino das disciplinas da área didática.

O início do século XIX ao término da Revolução Francesa surgem as novas

técnicas pedagógicas. O jogo é entendido como ato livre e infantil, onde as

crianças manipulam os objetos onde ao mesmo tempo em que aprendem e

constroem noções, brincam.

Com a expansão das ideias de ensino os jogos são inseridos no campo da

educação para facilitar o desenvolvimento das técnica educativas, são

estimuladas pelo crescimento da educação infantil.

Para melhor entender:

O QUE É UM JOGO

• sentido cultural = competição

• sentido educacional = divertimento, brincadeira, passatempo

• objetivo: estimular o crescimento e aprendizagens

• representam: relação interpessoal entre dois ou mais sujeitos,

realizadas dentro de determinadas regras.

JOGO COMPETITIVO OU COOPERATIVO

• jogo : competitivo e cooperativo

• as regras do jogo que definem seu caráter (competitivo ou

cooperativo)

• professor – responsável por imprimir caráter às regras

• planejamento reflexivo do professor.

OBJETIVO DO JOGO

• objetivo : desenvolvimento cognitivo e estimular as relações

interpessoais

• jogo = ferramenta pedagógica

• quem poderá fazer do jogo esse instrumento será sempre o professor.

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ONDE FREUD, VYGOTSKY E PIAGET SE ENCONTRAM: A

IMPORTÂNCIA DO BRINCAR

• Piaget – Vygotsky – Freud – o brinquedo dá prazer à criança, liberta-

a de frustrações, canaliza sua energia, da motivo a sua ação, explora sua

criatividade e imaginação

• atenção aos diferentes estágios do desenvolvimento mental infantil

• adequação de brinquedos – explorar áreas e inteligências

diferenciadas.

A NATUREZA DO JOGO

• jogos de acordo com a idade biológica: associação entre jogo e

maturação

• classificação dos jogos:

✓ funcionais

✓ receptivos

✓ Piaget

✓ construtivos

✓ com regras

PAPEL DO PROFESSOR

Auxiliar a criança a construir sua historicidade, seu pensamento lógico,

ampliar suas linguagens, pensar, liberta-se de estereótipos, fazer amigos,

desenvolver a capacidade de associação e aprimorar seu domínio motor.

OS JOGOS E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

• jogos = experiência = aprendizagem significativa

• ineficácia do jogo pelo jogo

• eficácia do jogo seguido de debate e reflexão sobre as regras, sobre

o que é, e o que não é aceitável para as pessoas com as quis se está

interagindo

• boa escola = mais daquela que possui quantidade enorme de

caríssimos brinquedos ou jogos ditos e educativos

• boa escola = aquela que dispõe de uma equipe de educadores que

saiba como utilizar a reflexão que o jogo desperta. Saibam fazer de simples

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objetivos naturais uma oportunidade de descoberta e exploração

imaginativa.

COMO A CRIANÇA PENSA DO 0 AOS 2 ANOS

• 0 a 2 anos – da intuição a mente impressionantemente concreta

• desenvolvimento dos fatores essenciais para a criança chegar ao

estágio seguinte: maturação – interação social – equilibração.

COMO A CRIANÇA PENSA DOS 2 AOS 7 ANOS

• 2 aos 7 anos – estágio pré- operacional

• evolução dos 2 aos 7 anos: percepção – egocentrismo – generalização

– controle participativo – animismo – centralização – raciocínio e

concentração transdutiva.

• percepção = crença no que vê mais da lógica

• egocentrismo = não aceita o ponto de vista do outro

• supergeneralização = dificuldade em diferenciar itens de uma mesma

classe

• controle participativo = percebe-se com poderes de mudar o

ambiente

• animismo = assume posições externas, internalizando-as

• centralização = julga as coisas pelo o que parece ser mais da lógica

adulta

• raciocínio e concentração transdutiva = pensamento prático, raciocina

ponto a ponto para explicar as coisas do mundo.

O PERIGO DA INVENÇÃO DOS JOGOS

• valorização da criatividade do mestre

• adotar estratégias de ensino consagradas e experimentadas, para

estimular inteligências, acordar capacidades e abrir competências

• sala de aula como espaço real: Não há nessa realidade momento para

se trocar a lucidez do que é comprovadamente valioso, pela aventura

prosaica do que se acredita interessante

• cuidado com modismos.

OUTROS JOGOS PARA MÚLTIPLAS COMPETÊNCIAS

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• enfatiza a importância do educador infantil estar sempre munido com

diversificado catálogos de jogos, organizando seu emprego seguindo

critérios definidos no planejamento pedagógico

• reforça a importância da classificação dos jogos, dividindo – os em

áreas do saber

• apresenta possibilidade de dividi-los segundos campos de

aprendizagens

• em contra partida a essência do jogo vale bem mais pelos objetivos

que propõe que pela natureza de suas regras

• importância de flexibilidade no catalogo apresentado.

O jogo educativo nasce como forma de mistura de jogo e ensino, como um

recurso de ensino para o professor. Para o professor o jogo tem um objetivo

didático, mas a criança em si não tem essa noção apenas brinca pelo ato

de prazer.

O jogo educativo tem duas funções denominadas: função lúdica, onde o que

propicia é o prazer e a diversão e a função educativa, onde o jogo

complementa o saber e o conhecimento. Estas duas funções é o que leva

equilíbrio ao jogo educativo, não sendo apenas uma função de prazer ou

aprendizado, mas os dois atos numa só situação.

Quando se aplica um jogo, o professor tem um ou mais objetivos educativos

e a criança tem o objetivo de brincar, portanto aprende no ato da

brincadeira. Para o professor, é uma aplicação de material pedagógico, para

a criança é um jogo, um brinquedo.

Para Campagne (1989) apud Kishimoto (1994), existem critérios para a

escolha adequada dos brinquedos no uso escolar: O valor experimental –

permitir a exploração e a manipulação, o valor da estruturação – dar

suporte à construção da personalidade infantil, o valor de relação – colocar

a criança em contato com seus pares e adultos, com objetos e com o

ambiente em geral para propiciar o estabelecimento de relações, o valor

lúdico – avaliar se os objetos possuem as qualidades que estimulam o

aparecimento da ação lúdica.

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Na consideração destes critérios tende-se a relevar também a idade,

preferências e capacidades de cada criança, considerando-se também que

o jogo é uma aquisição social.

O professor deve ter a função participativa nas brincadeiras, estimulando e

orientando as crianças sobre os jogos aplicados. Deve oferecer também

subsídios para a diversificação de utilização dos jogos.

O jogo educativo tem um grande aspecto positivo no fato de que a criança

não se sente constrangida quando erra, podendo tentar outras vezes até

chegar ao acerto.

O jogo se torna educativo, dependendo da intenção que se é aplicado, um

professor pode propor um jogo às crianças apenas por recreação e/ou

passatempo, assim esta aplicação refere-se apenas de uma simples

brincadeira, mas quando o professor tem a intenção educativa dentro de

um contexto previamente explorado ou que ainda se pretende explorar o

jogo toma caráter educativo, desde que também respeite o caráter lúdico.

Dentre os vários jogos educativos utilizados destacam-se na educação

infantil os jogos tradicionais infantis, jogos de construção, jogos de regra e

os de faz-de-conta.

Os jogos tradicionais infantis são de criadores desconhecidos, sabe-se

apenas que são práticas abandonadas por adultos. Estes jogos são

transmitidos de geração para geração, através de conhecimentos empíricos

e a partir da cultura e o meio social inserido. São jogos livres, espontâneos,

onde se brinca apenas pelo prazer de fazê-lo.

Os jogos tradicionais devem ser utilizados na educação, pelo fato de ser um

bem cultural e social, podem renovar a prática pedagógica infantil,

preservar a identidade cultural da criança, possibilitar o contato físico e

social, entre outros.

Hoje nos centros urbanos não existem muitos locais apropriados para que

as crianças em sua vida social possam colocar em prática estes jogos

tradicionais, sendo assim muitas vezes esta cultura acaba por muitos sendo

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Talita Moreira Barreiras Melo

desconhecidas ou esquecidas, portanto a educação infantil deve iniciar um

movimento destes jogos tradicionais.

Os jogos de construção leva à criança ao manuseio de peças de encaixar,

montar, etc., assim, a criança tem a oportunidade de construir e destruir

expressando a sua imaginação.

São jogos que auxiliam a criança na sua experiência sensorial, estimulando

a criatividade e desenvolvendo habilidades. Estes jogos são geralmente

indicados para crianças à partir de 3 anos, pois nesta idade ela já começa

a amadurecer para a construção de algo ou reprodução de modelos.

ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL: PROPOSTA DE UMA

IMPLANTAÇÃO DE BRINQUEDOTECA

Requisitos para a implantação de uma brinquedoteca.

O primeiro passo para a implantação de uma brinquedoteca é definir quais

serão seus objetivos e o público a ser atingido. Em função disso será

possível definir as atividades a serem realizadas, o local de instalação, suas

normas de funcionamento, o acervo a ser adquirido, o perfil dos

profissionais e o treinamento que receberão.

É imprescindível realizar uma pesquisa sobre as condições de vida e os

hábitos de brincar das crianças com as quais se pretende trabalhar para

nortear o planejamento da implantação e a definição das atividades.

Aprofundando-se as pesquisas, pode-se fazer um levantamento das

tradições culturais locais, relacionadas à atividade de brincar.

A prefeitura não precisa, necessariamente, operar todas as brinquedotecas

que pretenda instalar no município. É possível instalar brinquedotecas em

entidades que normalmente realizam algum tipo de atendimento à

população infantil (creches, escolas, postos de saúde e hospitais).

Através de um Programa de Brinquedotecas, a prefeitura pode orientar a

instalação, adquirir brinquedos, ceder funcionários ou treinar os

trabalhadores das entidades. Além destas atividades de suporte, ela deve

se organizar para fornecer orientação e supervisão da operação da

brinquedoteca, depois de instalada. Indo além, mesmo as brinquedotecas

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Talita Moreira Barreiras Melo

de caráter totalmente privado podem receber orientação e supervisão dos

órgãos municipais de educação ou das equipes das brinquedotecas

municipais.

Não se deve dispensar a presença de profissionais especializados para a

operação da brinquedoteca. A prefeitura pode contratar funcionários para

sua operação ou treinar pessoal já disponível, como professores e agentes

de educação infantil.

Recursos necessários para se montar uma brinquedoteca.

A implantação de uma brinquedoteca é possível com pequenos

investimentos que variam em função do tamanho do seu acervo e das

instalações. Além do espaço para as brincadeiras, deve haver espaço para

sanitários, depósitos e administração. O espaço para as crianças pode ser

composto de várias salas ou de um único salão, dividido em vários

ambientes ou "cantos" para atividades diferentes, através de tapetes, tipos

de piso, divisórias ou pela disposição da mobília e dos brinquedos.

A montagem da brinquedoteca pode ser realizada com apoio de entidades

filantrópicas e de empresas. Este apoio pode se estender não só à doação

de brinquedos e equipamentos, mas também ao empréstimo de instalações

e orientação na implantação do projeto e no treinamento de funcionários.

Uma vez instalada, a brinquedoteca não apresenta custos elevados de

operação. O principal item normalmente é o custo de pessoal. É preciso

reserva de recursos para material de escritório, limpeza, energia elétrica,

água e também para assepsia e reforma de brinquedos.

A seguir alguns exemplos de cantos de brinquedoteca.

• CANTO DA MAQUIAGEM

Neste canto as crianças poderão fazer maquiagem, se fantasiar, pintando

seu rosto como desejar se colorindo ou então pintar os coleguinhas.

Deve ter diversos tipos de maquiagem infantil, sempre com o cuidado de

verificar a validade e se o produto é antialérgico, tais como: pentes,

grampos, presilhas, batom, brilho, estrelinhas de decalque, rabos postiços,

cremes e outros.

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Também podem brincar de salão de beleza, se preparar para festinhas do

“canto do faz-de-conta”, receber clientes para um penteado, enfim o que a

imaginação e criatividade ocuparem de ‘lugar comum’.

• CANTO DO FAZ DE CONTA

Este é um canto com brinquedos diversos, carrinhos, cozinhas, aviões,

estradas, bonecas, bercinho, caminhas, enfim de preferência deve-se ter

uma miniatura do que existe no dia-a-dia dos adultos, principalmente

referentes a ações profissionais.

Nas suas brincadeiras de faz-de-conta, a criança gosta de tomar para si as

ações profissionais dos pais ou de pessoas que ela admira, e assim vão

brincando de piloto e passageiros, motoristas, fazendeiros, dona-de-casa,

e tantos outros.

Tomando o cuidado para que os brinquedos não tenham pontas

pontiagudas, não soltem tintas, sejam adequados à idade, pode-se ter uma

variedade deles, pois a criança gosta de variar no seu mundo do faz-de-

conta.

• CANTO DO JOGO

Os jogos garantem a diversão da garotada, especialmente após os seis anos

quando eles começam a se interessar mais por regras e a formar suas

"turmas". Aí, a brincadeira fica ainda mais gostosa.

Neste canto deve-se reunir todos os tipos de jogos possíveis, para que a

criança possa descobrir qual deles irá escolher. Os jogos devem estar

coerentes com a idade das crianças.

Deve-se ter o cuidado com jogos de peças pequenas, orientando as crianças

a não colocarem na boca. Outro cuidado é o de ensiná-las a recolher todas

as peças após brincar, pois assim estarão sendo treinadas quanto à

organização e proteção de seus objetos.

• CANTO DA HISTÓRIA

Neste canto devem ser organizados vários tipos de livros, livretos, filmes,

dvd’s, cd’s, telas, teatrinho de papelão, cenários, enfim tudo o que possa

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ser utilizado para contar histórias, ler, assistir, manusear, interpretar são

os verbos mais usados neste canto.

Por outro lado, deve ser um local agradável que atraia as crianças,

organizado e ao mesmo tempo confortável, para que ela possa ter prazer

em ouvir, ver ou mesmo interpretar uma historinha.

Existem muitos contos, lendas e fábulas que são muito antigos, mas se

mantêm vivos através dos tempos porque são passados de geração em

geração, graças ao costume popular de contar histórias em voz alta. Eles

refletem a vida e os hábitos dos diferentes povos a que pertencem.

Outra alternativa para este canto é colocá-lo na biblioteca, num espaço

especial, que não atrapalhe a leitura, mas que como numa simbiose, as

crianças possam relacionar a leitura com a história e esta com diversão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se após ler este material que o trabalho trouxe contribuições sobre

o brincar, sobre os teóricos que justificam a importância primordial de

buscar, produzir conhecimento acerca do brincar e da brincadeira. E os

jogos por sua vez são recursos de suma importância, mas, que pela

relevância e amplitude do tema não houve tempo de aprofundar sobre essa

temática. Assim sendo, o papel do professor nesse processo é de

reconhecer e estimular mais esse comportamento, bem como propiciar um

ambiente em que o brincar ocorra de forma agradável e prazerosa à criança.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. T. P. O Brincar na Educação Infantil. Natal (RN), 2005. Disponível em: <http://efartigos.atspace.org/escolar/artigo39.html/>

Acesso em: 04 set. 2017.

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2006.

BARROS, Célia S. Guimarães. Pautas de Psicologia do Desenvolvimento. 9ª ed. São Paulo: Ed. Ática,1995.

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Talita Moreira Barreiras Melo

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Cortez, 1997.

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brincar-na-educacao-infantil/11903/ Acesso em: 04 set. 2017.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. São Paulo:

Livraria Pioneira Editora, 1994.

KISHIMOTO, T. M. Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação. São Paulo: Cortez, 2009.

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2000, caderno Muller. P 01.

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WALLOW, Henri. Origem do caráter na criança. São Paulo. Ed. Ática, 1986.

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COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

TATIANE DE JESUS SANTOS25

RESUMO

O uso da música como instrumento de auxílio ao desenvolvimento infantil e

ferramenta pedagógica é fato comprovado. Já existe legislação específica sobre

o assunto o que torna indispensável discutir sobre uma aplicação mais efetiva da

musicalização pensando na criança durante a educação infantil. O objetivo desse

artigo é apresentar opções de se trabalhar a música durante o período da

educação infantil e apontar alguns benefícios que ela proporciona ao

desenvolvimento da criança.

Palavras-chave: Música; Musicalização; Crianças; Desenvolvimento

INTRODUÇÃO

A educação infantil tem aberto espaço para o ensino da música através da

musicalização como instrumento de auxílio ao desenvolvimento da criança, e,

tem se tornado assunto relevante para os dias atuais inclusive com legislação

cobrando seu ensino. A música permite que a criança se conheça melhor,

obtenha maior habilidade e expressões corporais, apoiado na socialização e

interação com o seu grupo.

Apresentar algo à criança que a faça se descobrir através do som, permitir que

ouça sua própria voz e fazê-la cantar a ajudarão em seu desenvolvimento pois,

o canto a encaminha para a fantasia e imaginação aflorando sua criatividade e

percepção.

O objetivo desse artigo é apresentar as diversas maneiras que a musicalização,

durante a educação infantil, pode vir a ajudar no desenvolvimento físico e

psicológico da criança..

Para a concretização deste trabalho de pós-graduação, identificou-se que a

pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica foi a que melhor se adequou como apoio

25 Aluna do curso de Pós-Graduação do curso de Musicalização Infantil. Turma de 2017. E-mail:

[email protected]

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TATIANE DE JESUS SANTOS

à investigação da importância da musicalização infantil, para tanto, buscou-se

apoio nas literaturas através de levantamento bibliográfico em livros, revistas,

artigos em sites, recortes e diversos textos. Também foi feita pesquisa de campo

através de vivência com crianças com idade entre quatro e cinco anos, e

principalmente através de recursos materiais como construção e apreciação de

alguns instrumentos musicais

A MÚSICA

De acordo com os documentos do Referencial Curricular para a Educação Infantil

(RCNEI):

“A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de

expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio

da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A

música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações:

festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas

etc. (BRASIL, 1998, p. 45).

Pode-se observar que a música está presente em diversos acontecimentos,

existem músicas infantis, músicas religiosas, músicas para dançar, música

instrumental, vocal, erudita e popular, músicas cívicas. Ao se comparar dois tipos

de música diferentes, constata-se que existe uma grande mudança no que diz

respeito a organização do material sonoro, na variação dos instrumentos

musicais presentes, na forma e no material como são construídos esses

instrumentos. Se analisarmos somente à utilização da voz no canto,

constataremos alterações de timbre e também e de como ela é empregada em

músicas distintas.

De acordo com Jeandot (1997) a música é universal, entretanto, o jeito de tocar,

de organizar os sons, de cantar, de determinar as notas básicas e seus intervalos

variam da tradição de cada cultura. Sendo assim, a música pode ser entendida,

interpretada e até realizada de maneiras diferentes.

A música obteve tamanha importância na educação, que há alguns anos tornou-

se obrigatório seu ensino na educação infantil, através da Lei nº 11.769, de 18

de agosto de 2008, onde ficou estabelecido que os sistemas de ensino passariam

a ter 3 (três) anos letivos para se adaptarem as exigências estabelecidas. Antes,

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TATIANE DE JESUS SANTOS

seu ensino não era obrigatório, apenas integrava o Referencial Curricular

Nacional para Educação Infantil (RCNEI).

A musicalização apresenta-se como auxílio na busca de condições para uma

percepção musical, seu objetivo não é avaliar a capacidade do aluno nem sua

sensibilidade musical mas sim ajudar na construção do conhecimento e

colaboração para o aprendizado da cidadania.

“O modo como as crianças percebem, aprendem e se relacionam com os

sons, no tempo e espaço revelam o modo como percebem, aprendem e se

relacionam com o mundo quê vem explorando e descobrindo a cada dia.”

(BRITO, 2003, p. 41)

Segundo Bréscia (2003), os antropólogos dizem que as primeiras músicas eram

usadas em rituais de nascimento, morte, cura de doenças e fertilidade. Na

Grécia, era compromisso das escolas o ensino da música, e estas até já possuíam

orquestras. “Pitágoras demonstrou que a sequência correta de sons, se tocada

musicalmente num instrumento, pode mudar padrões de comportamento e

acelerar o processo de cura” (BRÉSCIA, 2003, p.30).

Pitágoras de Samos era um filósofo grego da antiguidade que já defendia a ideia

de que determinados acordes musicais e dependendo da música tocada,

ocorriam certas reações no organismo humano.

A música estava presente em todas as manifestações sociais e pessoais e já

existia bem antes da descoberta do fogo, onde o ser humano se comunicava por

meio de gestos e sons.

A linguagem musical precede a fala, é comum ver os pais embalarem seus filhos

ao som de vocalizes ou canções de ninar. Assim sendo, a musicalização inicia

instintivamente, e é estimulada por meio de músicas, conversas com o bebê ou

com um fundo musical no quarto da criança.

A criança começa a perceber a música a partir de seu ambiente e da relação que

mantém com as pessoas que convive. Inicialmente é na barriga da mãe, ouvindo

as batidas do seu coração, que a criança percebe a música. Afinal, o que move

o bebê é a necessidade de comunicação. No caso, a música aparece como um

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TATIANE DE JESUS SANTOS

elo dessa comunicação, seja ao ouvir os sons internos de sua mãe, seja ao ouvir

sua fala ou pessoas que conversem com ele. (CUNHA, 2009, p.70).

Independente do seu papel na sociedade, a música exerce forte atração sobre os

seres humanos, fazendo mesmo que de forma inconsciente que se relacionem

com ela, muitas vezes quando a ouvimos começamos a nos familiarizar,

movimentando o corpo ou cantarolando pequenas partes da melodia. As crianças

quando brincam ou interagem com o universo sonoro, acabam descobrindo

mesmo que de maneira simples, formas diferentes de se fazer música.

A MÚSICA E A CRIANÇA

A música é uma arte devendo unir-se originalmente às emoções e, sua função

na educação infantil é o de adequar um tempo de prazer ao escutar, cantar, tocar

ou inventar sons e ritmos.

Através desse trajeto ela envolve a criança como um todo, influindo, de modo

favorável, nos diversos aspectos de sua personalidade provocando várias

emoções, possibilitando tensões, inspirando ideias e imagens, estimulando

percepções, ativando movimentos físicos e beneficiando as relações

interindividuais. (BORGES, 1994, p.100)

A criança, por meio da brincadeira, relaciona-se com o mundo que

descobre a cada dia e é dessa forma que faz música: brincando. Sempre

receptiva e curiosa, ela, pesquisa materiais sonoros, inventa melodias e

ouve com prazer a música de diferentes povos e lugares. (JOLY, 2003, p.

116).

Através das brincadeiras de explorar como brincar com os objetos sonoros que

estão ao seu alcance, experimentar as possibilidades da sua voz e imitar o que

ouve, a criança começa a categorizar e a dar significado aos sons que antes

estavam isolados, agrupando-os de forma que comecem a fazer sentido para ela.

Pensando na importância que essa experiência pode proporcionar para a criança

Maffioletti (2007) escreve que: “É isso que fará dela um ser humano capaz de

compreender os sons de sua cultura”. Por meio desse contato o ser humano

passa a desenvolver uma identidade com a música que está a sua volta.

É possível detectar que mesmo reforçando a importância desse contato com um

determinado padrão, o ensino de música nas escolas pode também contribuir

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TATIANE DE JESUS SANTOS

para que esse processo ocorra. Dessa forma torna-se importante para a criança

começar a se relacionar com a música desde cedo, pois é na infância que ela

constrói os saberes que utilizará para o resto de sua vida.

A música vem sendo um exemplo de atividade expressiva, a criança aprende

com encanto, amplia o interesse e a motivação. O modo como as crianças

percebem, aprendem e se relacionam com os sons, no tempo-espaço revelam o

modo como percebem, aprendem e se relacionam com o mundo quê vem

explorando e descobrindo a cada dia (BRITO, 2003, p. 41).

“Através da música, as crianças aprendem a conhecer-se a si próprias, aos

outros e à vida. E, o que é mais importante, através da música as crianças

são mais capazes de desenvolver e sustentar a sua imaginação e

criatividade ousada. Dado que não se passa um dia sem que, duma forma

ou doutra, as crianças não ouçam ou participem em [sic] música, é-lhes

vantajoso que a compreendam. Apenas então poderão aprender a

apreciar, ouvir e participar na música que acham ser boa, e é através

dessa percepção que a vida ganha mais sentido.” (GORDON, 2000, p. 6).

É importante que a criança consiga compreender a música, assim, ela poderá

estabelecer vínculos com os gêneros e estilos que mais tenham significado para

ela.

Porém, de acordo com CUNHA (2009) é fundamental que o professor tenha

paixão de ensinar e aprender. O ambiente onde o processo de musicalização

acontece é de suma importância, faz-se necessário ter um lugar destinado à

música onde as crianças possam se reunir e conservar objetos sonoros e músicas

para repartir com toda a turma.

Escutar música, aprender um novo canto, participar de brincadeira de roda,

realizar brinquedos rítmicos, são atividades que despertam, estimulam e

aumentam a vontade por todas as atividades que abrangem músicas, cantada

ou escutada, além de propiciar a vivência de elementos estruturais dessa

linguagem. A criança receptiva e curiosa busca por materiais sonoros, descobre

instrumentos, inventa melodias e ouve com prazer a música de todos os povos.

A maioria das músicas passa para as crianças boas mensagens, mesmo que

essas mensagens não façam parte de sua realidade, pois as crianças em sua

inocência se envolvem no encanto de cantar, ouvir e acompanhar.

A MÚSICA NA ESCOLA

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TATIANE DE JESUS SANTOS

Como afirma Hentschke “[...] têm pessoas com maior ou menor predisposição

para aprendizagem de música, porém todos são aptos a aprender e se expressar

por meio da linguagem musical.” O dia a dia nas escolas infantis é repleto de

atividades musicais, onde determinadas músicas são tão populares que já fazem

parte do repertório comum das escolas, uma prática tão importante que não

pode ficar de fora do contexto da aprendizagem e do desenvolvimento da criança.

Verifica-se no RCNEI vol. 3 (1998) que para a criança a vivência musical pode

proporcionar a integração de experiências que passam pela prática e pela

percepção, como por exemplo: aprender, ouvir e cantar uma canção, realizar

jogos de mão ou brincar de roda. Assim, pelo desenvolvimento e compreensão

dessas atividades, as crianças atingem patamares cada vez mais sofisticados,

uma vez que começam a dominar tais conteúdos o que permitem a elas uma

transformação e uma recriação dos mesmos. Os RCNEI destacam ainda uma

parte importante no processo, aliando a essa prática o movimento corporal:

“O gesto e o movimento corporal estão ligados e conectados ao trabalho

musical. Implica tanto em gesto como em movimento, porque o som é,

também, gesto e movimento vibratório, e o corpo traduz em movimento

os diferentes sons que percebe. Os movimentos de flexão, balanceio,

torção, estiramento etc., e os de locomoção como andar, saltar, correr,

saltitar, galopar etc., estabelecem relações diretas com os diferentes

gestos sonoros.” (BRASIL, 1998, p. 61).

Logo, o corpo torna-se um aliado no processo de ensino aprendizagem musical,

proporcionando por meio dos diferentes movimentos oportunidades para o

aprendizado. Por meio desse recurso pode-se desenvolver atividades que

envolvam a percepção e interiorização do ritmo, intensidade e altura, trabalhar

com a forma musical e também desenvolver a expressividade das crianças.

Outra maneira de trabalhar o ensino musical com as crianças, proposta pelo

RCNEI, é a apreciação musical. De acordo com Brasil (1998), o trabalho com

apreciação musical poderá proporcionar a ampliação e o enriquecimento de

saberes relacionados à produção da área, além de ampliar o repertório das

crianças. Por meio da escuta e de conversas podem ser trabalhados aspectos

referentes à diversidade de instrumentos musicais existentes e suas maneiras de

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TATIANE DE JESUS SANTOS

produção de som e também as diferentes possibilidades de combiná-los

resultando em diversas formações instrumentais.

Outro ponto que pode ser desenvolvido está ligado à diversidade de estilos e

gêneros musicais existentes no mundo. Dessa maneira o aluno passa a ter

contato com obras não só de seu país, mas também de outras localidades o que

pode resultar com que o mesmo consiga fazer comparações entre produções de

diferentes épocas e lugares. Como resultado dessa comparação o mesmo pode

verificar como cada grupo social constrói sua música e identifica diferenças entre

os instrumentos utilizados, a organização do som, a forma musical entre outros.

É possível observar que existem inúmeras maneiras de se utilizar a música, o

que leva-se a conclusão de que a prática musical é apenas uma possibilidade

dentre várias. Por meio da música pode-se expressar ideias e sentimentos,

compreender valores e significados culturais presentes na sociedade ou no grupo

onde ela foi criada.

O ensino de música nas escolas de Educação Infantil, pode contribuir não só para

a formação musical dos alunos, mas principalmente como uma ferramenta

eficiente de transformação social, onde o ambiente de ensino e aprendizagem

pode proporcionar o respeito, a amizade, a cooperação e a reflexão tão

importantes e necessárias para a formação humana. Dessa forma, é interessante

que ela esteja presente no ambiente escolar.

Hentschke (1995) destaca algumas razões que justificam a presença da

educação musical nas escolas:

“Entre elas, estão proporcionar à criança: o desenvolvimento das suas

habilidades estéticas e artísticas, o desenvolvimento da imaginação e do

potencial criativo, um sentido histórico da nossa herança cultural, meios

de transcender o universo musical de seu meio social e cultural, o

desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor, o desenvolvimento da

comunicação não-verbal.” (apud JOLY, 2003, p. 117).

Constata-se que os conteúdos musicais devem ser desenvolvidos nas aulas de

música para crianças, mas outras habilidades como a socialização, a afetividade,

a criatividade, a imaginação, a comunicação entre outros, também serão

trabalhadas simultaneamente.

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197 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205

TATIANE DE JESUS SANTOS

Na escola, o ensino musical não tem a intenção de formar o músico profissional,

assim como o ensino das ciências não visa à formação de cientistas. Para

algumas educadoras musicais as funções da música no contexto escolar são:

"[...] auxiliar crianças, adolescentes e jovens no processo de apropriação,

transmissão e criação de práticas músico culturais como parte da

construção de sua cidadania. O objetivo primeiro da educação musical é

facilitar o acesso à multiplicidade de manifestações musicais da nossa

cultura, bem como possibilitar a compreensão de manifestações musicais

de culturas mais distantes. Além disso, o trabalho com música envolve a

construção de identidades culturais de nossas crianças, adolescentes e

jovens e o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Nesse sentido,

é importante que a educação musical escolar, seja ela ministrada pelo

professor unidocente ou pelo professor de artes e/ou música, tenha como

propósito expandir o universo musical do aluno, isto é, proporcionar-lhe a

vivência de manifestações musicais de diversos grupos sociais e culturais

e de diferentes gêneros musicais dentro da nossa própria cultura." FONTE:

(HENTSCHKE E DEL BEN, 2003 p. 181).

Ao elaborar sua proposta o professor deve atentar-se para colocar os alunos em

contato com vários estilos e gêneros, proporcionando a diversidade e expandindo

o universo musical dos mesmos. Assim, ele fortalecerá os traços culturais já

existentes e também poderá fazer com que as crianças conheçam e aprendam a

respeitar os gostos e cultura de outras pessoas.

“A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos,

assim como a promoção de integração e comunicação social, conferem

caráter significativo à linguagem musical. É uma das formas importantes

de expressão humana, o que por si só justifica sua presença no contexto

da educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente.”

(BRASIL, 1998, p. 45).

Verifica-se que todas essas características que a linguagem musical pode

proporcionar através da aula de música justificam a sua presença na educação

infantil. Para Guilherme (2006) isso deve-se ao fato de que: “A música é um dos

estímulos mais potentes para ativar os circuitos do cérebro na infância. Os

estudos atuais apontam que a janela de oportunidade musical, ou a inteligência

musical, abre-se aos 3 anos e começa a se fechar aos 10 anos”(2006, p. 158).

Sendo assim sendo, essa faixa etária torna-se o momento ideal para que ocorram

os primeiros estudos musicais por meio do processo de musicalização com as

crianças.

TRABALHANDO A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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198 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205

TATIANE DE JESUS SANTOS

A educação infantil tem como objetivo o desenvolvimento da criança nos

aspectos cognitivos, linguísticos, psicomotores e socioafetivos ao mesmo tempo

que garante a aquisição de novos conhecimentos.

A música traz a liberdade de expressão e amplia o espaço para a criatividade por

isso, pode ser utilizada como recurso pedagógico / educativo nas escolas. É

importante que a criança tenha o hábito de se expressar musicalmente desde

seus primeiros anos para que a música passe a ser algo permanente de sua vida.

Uma das maneiras de atingir o aluno através da música é a atividade musical

lúdica, porque através do jogo sempre existe o desafio, não se sabe onde ele

acontecerá e nem quando, sempre será uma novidade, e novidades atraem a

atenção da criança.

As atividades musicais que se pretende desenvolver devem ser incluídas no

planejamento diário do professor para facilitar a lembrança das atividades que

se deseja aplicar, os objetivos de cada uma delas e os recursos materiais que

serão utilizados para que estes possam estar à mão facilitando assim o alcance

de resultados.

“Um bom começo para uma boa aula de música é o planejamento prévio.

Este planejamento pode solucionar e prever questões como utilização do

espaço físico, material necessário, tempo utilizado para as atividades. Para

isso, o educador deve utilizar uma ferramenta fundamental: o plano de

aula.” (SERRALVA, 2012, p. 3)

Para uma boa execução do plano de aula também é necessário conhecer a

realidade da escola onde atua, assim, poderá ser definição detalhes como

utilização ou não de instrumentos musicais para acompanhamento, se há espaço

disponível para a aula como uma sala de música ou se a sala de aula é normal.

Na escola onde foram feitas as observações para o presente artigo não tinha sala

de música, assim, as atividades realizadas como meio de pesquisa para esse

trabalho foram feitas na sala de aula.

ATIVIDADES MUSICAIS

TIPOS DE ATIVIDADES

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Ao trabalharmos a música na Educação Infantil proporcionamos às crianças a

descoberta de diferentes sons iniciando, assim, o seu processo de musicalização.

Através dessa descoberta elas terão várias reações, pois a música está em

diferentes culturas e pode ser utilizada no desenvolvimento motor, linguístico e

afetivo de todos os indivíduos envolvidos no processo educativo.

A aula de música para criança deverá conter atividades que envolvam a

apreciação musical e que desenvolva a percepção e a musicalidade podendo ser

divididas entre músicas, jogos e brincadeiras. Através do lúdico a criança

conhecerá o mundo musical e através de brincadeiras poderá aprender as noções

de grave e agudo (propriedades do som), forte e fraco (intensidade) e timbre,

que é a característica única de cada som. Serralva (2012), diz que as atividades

podem ser divididas em duas classes: de Registro e Livre.

As atividades de registro são aquelas que após contada uma história, por

exemplo, é solicitado que a criança faça um desenho em folhas brancas ou essas

folhas já vêm com alguma atividade / exercício que remete ao tema apresentado

durante a aula.

Já as atividades livres, atualmente as mais utilizadas, são aquelas que se utilizam

de histórias, cantigas de rodas e brincadeiras. Dentro dessa categoria as

atividades podem ser: Histórias; Cirandas; Brincadeiras ou relaxamento.

As histórias podem ser a partir da leitura de livros, cds, dvds ou contadas pelo

professor, porém não devem ser longas pois a criança se cansa facilmente e sua

atenção pode ser desviada. As histórias deverão conter os elementos musicais

que poderão ser expressados através do uso da voz ou manuseio de

instrumentos musicais.

São muitos os tipos de histórias com possibilidade de ser sonorizadas que podem

fazer parte de uma aula como, por exemplo, em duas das histórias mais

conhecidas:

Chapeuzinho Vermelho:

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Ao chegar na parte em que a menina vai para a casa da avó ela vai cantando

pelo caminho, nesse momento, pode-se convidar as crianças para cantar e de

posse de algum instrumento fazer o acompanhamento.

OS 3 PORQUINHOS:

No momento em que o lobo chega à casa e bate na porta é possível fazer a batida

na janela, ou na própria porta, nesse momento o educador estará se utilizando

da chamada sonoplastia, quando os sons produzidos têm o intuito de dar maior

expressividade e estimular a imaginação das crianças.

“Sonorizar histórias se constitui em tornar sonoro um enredo, ou partes

dele, em fazer soar uma trama, seja por meio da voz ou de objetos e

instrumentos. Nesse tornar sonoro, a utilização de sons ou de melodias

passa a fazer parte da narrativa.” (REYS, 2011)

Nas cirandas pode-se utilizar as cantigas de roda já tão conhecidas e as músicas

atuais de repertório infantil como as do grupo Palavra Cantada, Galinha

Pintadinha entre outros que possuem ideias para se trabalhar elementos sonoros,

noção de espaço e socialização.

Já as brincadeiras que serão sugeridas pelo professor podem ser der escuta e

exploração de materiais como: escutar o ruído num passeio pela área externa da

escola / creche; escutar um ritmo e expressar-se com os pés e com as mãos;

exploração de diferentes fontes sonoras como sons do corpo, sons de chocalhos

e tambores (que podem ser produzidos através de sucatas).

As crianças precisam ter experiências concretas com objeto que emitem

sons, instrumentos musicais ou outros e formar um vocabulário específico

para se referir a eventos sonoros. O manuseio de objetos sonoros cria

situações em que será possível agrupar ou separar os sons, classificar e

seriar. [...] As crianças desenvolvem formas de trabalhar com os sons que

permitirão organizar suas ações e realizar atividades expressivas com

esses materiais. Agindo assim, as crianças aprendem a fazer parcerias,

criam e reproduzem pequenas combinações, que são esboços das regras

que regem os sons de sua cultura (MAFFIOLETTI, 2001, p. 130-131). DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS

Não são todas escolas / creches que tem o privilégio de ter em seu espaço uma

sala de música com diversidade de instrumentos musicais para que as crianças

possam explorar e conhecer seus sons, porém, existe a possibilidade de levar os

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instrumentos até os pequenos através de sua confecção a partir de materiais de

sucatas.

Abaixo serão apresentados alguns instrumentos que foram confeccionados a

partir desses elementos durante uma aula de musicalização e também por

educadores de um centro de educação infantil da cidade de Vinhedo – SP.

Figura 1: Chocalhos feitos com garrafinhas pet

Fonte: confeccionados por educadores do CEI Marquês de Rabicó – Vinhedo/SP

A figura 1 ilustra um modelo de chocalho que pode ser apresentado às crianças

a partir de 1 ano de idade dado a facilidade de manuseio. O processo para

confeccioná-lo é simples, basta adquiri garrafas pet pequenas, colocar arroz /

feijão / pedrinhas / areia, enfeitá-las como preferir e utilizar.

Esse instrumento quando apresentado para as crianças do Berçário II da creche

Marquês de Rabicó, em Vinhedo, fez muito sucesso. Quando chamadas para

acompanhar músicas conhecidas as crianças ficaram muito entusiasmadas.

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Figura 2: Mensageiro do vento feito com fitas e chaves

Fonte:

Elaborado por

alunas do

curso de

Musicalização

Infantil

A figura acima

representa o

mensageiro do

vento e pode

ser utilizada

em contações de histórias com sonorização. Para confeccioná-lo é necessário um

pequeno cesto, fitas coloridas e chaves velhas.

Figura 3: Beliscofone

Fonte: Elaborado por alunas do curso de Musicalização Infantil

O beliscofone, como o próprio nome sugere, de ser tocado através de beliscões

que serão dados na parte superior. Ele também pode ser feito em tamanho

menor com os materiais abaixo:

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40 cm de cano grosso de PVC,

Fita-crepe e 1 bexiga (se possível, mais resistente)

Como fazer: corte o bico da bexiga fora e encaixe a outra parte na boca do

cano, esticando bem; grude a borda da bexiga no cano com a fita-crepe.

Como tocar: puxe e solte a bexiga dando beliscões

Figura 4: Beliscofone menor

Fonte: www.educaja.com.br

As figuras acima são apenas pequenos exemplos de que com pouco recurso e

muita vontade é possível transformar sucata em material a ser utilizado durante

o processo de musicalização infantil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 55) a musicalização deve proporcionar

na criança a capacidade de ouvir, perceber e discriminar eventos sonoros, fontes

sonoras e produções musicais e também de brincar com a música, imitar,

inventar e reproduzir criações musicais.

O conhecimento musical possibilitará a criança um olhar sensível e crítico aos

diversos ritmos, sons, letras, pois a linguagem musical é um processo de

construção e não um momento pronto ou acabado. A música inserida no contexto

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escolar traz alegria, descontração, amplia os laços e torna a aprendizagem

prazerosa, especialmente quando a criança tem o contato direto e pode

manusear diferentes objetos que lembre os sons de diferentes instrumentos

musicais.

É importante considerar que as atividades musicais permitem que as crianças

passem a conhecer seu corpo, sua voz, desenvolvam a comunicação com as

demais crianças, amplie outras habilidades para além daquelas que ela já

reconhece que possui e brinque com as palavras.

Para que esse método seja utilizado de maneira a trazer contribuições à educação

também é necessário que o educador busque conhecimentos, cursos /

especializações para conseguir desenvolver um trabalho de qualidade fazendo

também com que a música seja utilizada como ferramenta pedagógica.

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