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Revista de Súmulas
SUPERIOR
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA
VOLUME 45, ANO 9
NOVEMBRO 2017
Revista de Súmulas
SUPERIOR
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA
Superior Tribunal de Justiça
www.stj.jus.br, [email protected]
Gabinete do Ministro Diretor da Revista
Setor de Administração Federal Sul, Quadra 6, Lote 1,
Bloco C, 2º Andar, Sala C-240, Brasília-DF, 70095-900
Telefone (61) 3319-8055
Revista de Súmulas do Superior Tribunal de Justiça - V. 1 (nov. 2005) -. Brasília: STJ, 2005 -.
Periodicidade: Irregular.
Repositório Ofi cial de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Nome do editor varia: Superior Tribunal de Justiça / Editora Brasília Jurídica, 2005 a 2006,
Superior Tribunal de Justiça, 2009 -.
Disponível também em versão eletrônica a partir de 2009: https://ww2.stj.jus.br/web/
revista/eletronica/publicacao/?aplicacao=revista.sumulas
ISSN 2179-782X
1. Direito, Brasil. 2. Jurisprudência, periódico, Brasil. I. Brasil, Superior Tribunal de
Justiça (STJ). II. Título.
CDU 340.142(81)(05)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Gabinete do Ministro Diretor da Revista
Diretor
Ministro Luis Felipe Salomão
Chefe de Gabinete
Marluce Sampaio Duarte
Servidores
Gerson Prado da Silva
Hekelson Bitencourt Viana da Costa
Maria Angélica Neves Sant’Ana
Marilisa Gomes do Amaral
Técnica em Secretariado
Ruthe Wanessa Cardoso de Souza
Mensageiro
Francisco Rondinely Ferreira da Cruz
MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Diretor
Revista de Súmulas
SUPERIOR
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAPlenário
Ministra Laurita Hilário Vaz (Presidente)
Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins (Vice-Presidente)
Ministro Felix Fischer
Ministro Francisco Cândido de Melo Falcão Neto
Ministra Fátima Nancy Andrighi
Ministro João Otávio de Noronha (Corregedor Nacional de Justiça)
Ministra Maria Th ereza Rocha de Assis Moura (Diretora-Geral da ENFAM)
Ministro Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho
Ministro Jorge Mussi
Ministro Geraldo Og Nicéas Marques Fernandes
Ministro Luis Felipe Salomão (Diretor da Revista)
Ministro Mauro Luiz Campbell Marques
Ministro Benedito Gonçalves
Ministro Raul Araújo Filho (Corregedor-Geral da Justiça Federal)
Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino
Ministra Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues
Ministro Antonio Carlos Ferreira
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Ministro Sebastião Alves dos Reis Júnior
Ministro Marco Aurélio Gastaldi Buzzi
Ministro Marco Aurélio Bellizze Oliveira
Ministra Assusete Dumont Reis Magalhães
Ministro Sérgio Luíz Kukina
Ministro Paulo Dias de Moura Ribeiro
Ministra Regina Helena Costa
Ministro Rogerio Schietti Machado Cruz
Ministro Nefi Cordeiro
Ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca
Ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas
Ministro Antonio Saldanha Palheiro
Ministro Joel Ilan Paciornik
Resolução n. 19/1995-STJ, art. 3º.
RISTJ, arts. 21, III e VI; 22, § 1º, e 23.
SUMÁRIO
Súmulas
537 ...............................................................................................................................11
538 ...............................................................................................................................29
539 ...............................................................................................................................43
540 ...............................................................................................................................59
541 ...............................................................................................................................79
542 .............................................................................................................................151
543 .............................................................................................................................165
544 .............................................................................................................................181
545 .............................................................................................................................201
546 .............................................................................................................................213
547 .............................................................................................................................231
548 .............................................................................................................................261
549 .............................................................................................................................291
550 .............................................................................................................................319
551 .............................................................................................................................357
552 .............................................................................................................................383
553 .............................................................................................................................435
554 .............................................................................................................................459
555 .............................................................................................................................475
556 .............................................................................................................................491
557 .............................................................................................................................503
558 .............................................................................................................................517
559 .............................................................................................................................537
560 .............................................................................................................................551
561 .............................................................................................................................567
562 .............................................................................................................................585
Índice Analítico ................................................................................................................................................. 601
Índice Sistemático ........................................................................................................................................... 609
Siglas e Abreviaturas...................................................................................................................................... 615
Repositórios Autorizados e Credenciados pelo
Superior Tribunal de Justiça ....................................................................................................................... 621
Súmula n. 537
SÚMULA N. 537
Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a
denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e
solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à
vítima, nos limites contratados na apólice.
Referência:
CPC, arts. 70, III; 75, I, e 543-C.
Precedentes:
(*)REsp 925.130-SP (2ª S, 08.02.2012 – DJe 20.04.2012) –
acórdão publicado na íntegra
REsp 275.453-RS (3ª T, 22.02.2005 – DJ 11.04.2005)
REsp 686.762-RS (3ª T, 29.11.2006 – DJ 18.12.2006)
REsp 1.010.831-RN (4ª T, 28.04.2009 – DJe 22.06.2009)
REsp 670.998-RS (4ª T, 1º.10.2009 – DJe 16.11.2009)
REsp 886.084-MS (4ª T, 16.03.2010 – DJe 06.04.2010)
AgRg no REsp 792.753-RS (4ª T, 1º.06.2010 – DJe 29.06.2010)
REsp 943.440-SP (4ª T, 12.04.2011 – DJe 18.04.2011)
REsp 1.076.138-RJ (4ª T, 22.05.2012 – DJe 05.06.2012)
AgRg no AREsp 10.378-RS (4ª T, 06.11.2012 – DJe 20.11.2012)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 10.6.2015
DJe 15.6.2015
RECURSO ESPECIAL N. 925.130-SP (2007/0030484-4)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: Unibanco AIG Seguros S/A
Advogado: Antônio Penteado Mendonça e outro(s)
Recorrido: José Francisco Pereira Silva
Advogado: Manoel Fonseca Lago e outro(s)
Recorrido: Francelino Almeida Bueno e outro
Advogado: Josmar Nicolau e outro(s)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO
CPC. SEGURADORA LITISDENUNCIADA EM AÇÃO
DE REPARAÇÃO DE DANOS MOVIDA EM FACE DO
SEGURADO. CONDENAÇÃO DIRETA E SOLIDÁRIA.
POSSIBILIDADE.
1. Para fi ns do art. 543-C do CPC: Em ação de reparação de
danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada pode
ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a
indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.
2. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C do CPC, defi niu-se que, em ação de
reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora denunciada, a
ele litisconsorciada, pode ser condenada direta e solidariamente junto com este
a pagar a indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. Os
Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
16
Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Massami
Uyeda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Sustentaram, oralmente, os Drs. Sérgio Ruy Barroso de Mello, pela
interessada Itaú Seguros (Amicus Curiae) e Sérgio Bermudes, pela interessada
Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e de Capitalização -
FENASEG (Amicus Curiae).
Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 20.4.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. José Francisco Pereira Silva ajuizou
ação indenizatória em face de Francelino Almeida Bueno e Gláucia Aparecida
Bueno, noticiando que, no dia 28.7.1993, quando atravessava a Av. Marechal
Rondon, n. 50, na cidade de Campinas/SP, foi atingido pelo veículo Ford
Escort de propriedade do primeiro réu, conduzido pela segunda ré, em razão
do qual o autor teria sofrido danos que deixaram sequelas, impossibilitando-o
de exercer suas funções laborais. Pleiteou a condenação dos réus ao pagamento
de dois salários mínimos mensais, até seu reestabelecimento para o exercício da
profi ssão.
Os réus contestaram e denunciaram à lide a Nacional Cia. de Seguros
(antiga denominação de Unibanco AIG Seguros S/A), em razão de contrato
celebrado com a litisdenunciada, com o escopo de eventual pagamento da
cobertura para danos a terceiros (fl s. 50-51).
A seguradora apresentou defesa reiterando “todos os termos da contestação
oferecida pela Ré-Denunciante”, assegurando que sua responsabilidade, no caso
de procedência do pedido, restringir-se-ia ao limite do seguro contratado (fl s.
88-89).
O Juízo de Direito da 8ª Vara Cível da Comarca de Campinas/SP julgou
improcedentes o pedido autoral e a denunciação da lide (fl s. 206-208).
Em grau de apelação, todavia, a sentença foi reformada para que o
pedido autoral fosse julgado parcialmente procedente, tendo sido reconhecida
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 11-28, novembro 2017 17
culpa concorrente no acidente, condenando solidariamente a seguradora
litisdenunciada ao pagamento da indenização, até o limite do valor coberto pela
apólice.
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. - Acidente de trânsito. Atropelamento. - Culpa
concorrente. - Autor que atravessou e rua sem a cautela devida. Ré que conduzia
veículo em velocidade incompatível com a sinalização da via púbica onde ocorreu
o evento. Laudo pericial informando que o autor foi considerado benefi ciário de
auxílio acidente do trabalho no INSS com incapacidade laboral de 50%. - Pensão
mensal a ser paga ao autor de 1/4 de dois salários mínimos, correspondente
aos seus vencimentos na data do acidente, até que o mesmo complete 65 anos
como pedido. Constituição de capital (CPC, art. 602 e Parágrafos). - Indenizatória
parcialmente procedente.
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS. Denunciação da lide. Responsabilidade
civil. Acidente de trânsito. - Litisdenunciação não recusada pela seguradora
litisdenunciada. - Contestação da litisdenunciante encampada por esta.
Incidência do art. 75, I, do CPC. Caso em que cabe a seguradora litisdenunciada
fi car solidariamente condenada no valor da indenização devida pela segurada em
favor do autor, até o limite do valor coberto pela apólice.
- Recurso provido em parte. (fl s. 247-253)
Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fl s. 281-283).
Sobreveio recurso especial interposto por Nacional Cia. de Seguros
(Unibanco AIG Seguros S/A), apoiado nas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional, no qual se alega, além de dissídio, ofensa ao art. 896 do Código
Civil e arts. 70, inciso III, 75, inciso I, e 76, todos do Código de Processo Civil.
Alega a recorrente, em síntese, que a solidariedade não se presume e que,
possuindo responsabilidade de natureza contratual, em razão de pacto celebrado
com um dos réus da ação, descabe sua condenação ao pagamento da indenização
diretamente ao autor, o qual não mantém com a recorrente nenhuma relação
jurídica.
Sem contrarrazões, o especial foi admitido (fl s. 342-343).
Os réus, Francelino Almeida Bueno e Gláucia Aparecida Bueno, também
interpuseram recurso especial (fl s. 289-294), ao qual foi negado seguimento (fl s.
342-343), tendo a decisão denegatória transitado em julgado.
Verifi cando que há multiplicidade de recursos que ascendem a esta Corte,
a versar sobre a possibilidade de condenação solidária de seguradora que
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
18
foi litisdenunciada pelo segurado, causador de danos a terceiro, em ação de
indenização por este ajuizada, afetei o julgamento do presente recurso especial
a esta Segunda Seção, nos termos do art. 543-C do CPC e da Resolução n.
08/2008.
O Ministério Público Federal, mediante parecer elaborado pelo
Subprocurador-Geral da República João Pedro de Saboia Bandeira de Mello
Filho, opina no sentido de que “se a seguradora comparece a Juízo aceitando
a denunciação da lide feita pelo réu e contestando o pedido principal, assume
ela a condição de litisconsorte passiva, formal e materialmente, podendo, em
consequência, ser condenada, direta e solidariamente, com o réu” (fl s. 501-507).
A FENASEG - Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e
de Capitalização, como amicus curiae, opina pela impossibilidade de condenação
solidária da seguradora em hipóteses como a dos autos (fl s. 443-456).
O recorrente carreou também parecer jurídico subscrito pelo Professor
Sylvio Capanema de Souza, amparando a tese recursal (fl s. 511-597).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A controvérsia ora
analisada diz respeito à possibilidade de condenação direta e solidária da
Seguradora litisdenunciada, que interveio em ação ajuizada em desfavor do
segurado (denunciante), fi cando reconhecida a responsabilidade civil deste pelos
danos causados em razão de acidente de veículo automotor.
As soluções oferecidas pela doutrina e jurisprudência passam pelo exame
dos arts. 70, inciso III, e 75, inciso I, do CPC, e giram em torno, sobretudo,
da indagação quanto a posição processual assumida pelo denunciado na lide
principal.
Os mencionados artigos estão assim redigidos:
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
[...]
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação
regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 11-28, novembro 2017 19
Art. 75. Feita a denunciação pelo réu:
I - se o denunciado a aceitar e contestar o pedido, o processo prosseguirá
entre o autor, de um lado, e de outro, como litisconsortes, o denunciante e o
denunciado;
[...]
3. Malgrado a literalidade do inciso I, do art. 75, do CPC, apontar a
condição de litisconsorte para o denunciado que aceita a denunciação, e contesta
o pedido principal, a doutrina processualista se divide quanto à posição jurídica
do denunciado e, por consequência, quanto à possibilidade de condenação direta
para a satisfação do direito reclamado pelo autor, a variar conforme a posição
que assume.
A título de exemplos, Cássio Scarpinella Bueno acolhe entendimento
segundo o qual o litisdenunciado assume a posição de assistente simples do
denunciante, uma vez que somente em relação ao ré da demanda principal é que
se verifi ca a relação jurídica de direito material, e não com o adversário deste.
Nessa linha de raciocínio, em princípio não há falar em condenação solidária e
direta do denunciado para satisfazer a obrigação reconhecida do denunciante,
no caso, do segurado.
Confi ra-se o magistério do professor Scarpinella:
Destarte, o que deve ser posto em evidência para solucionar o impasse diz
respeito mais ao direito material do que ao plano processual. Deste prisma
de análise, é mais confortável sustentar que denunciante e denunciado não
têm qualquer vínculo jurídico de direito material em face do adversário do
denunciante e, ademais, nada pede para si e nada contra ele é pedido nesta
ação, a ‘ação principal’. Por implicação sistemática, o denunciado só pode ser
assistente simples do denunciante. Se não existe vínculo de direito material, disto
resulta a inviabilidade do binômio ‘condenação/execução direta’ (BUENO, Cássio
Scarpinella. Partes e terceiros no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 264).
Em posição intermediária é a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria
Nery, sustentando que a situação do litisdenunciado na lide principal é de
assistente simples, mas é possível a execução do título direcionada a ele, quando o
denunciante não possuir meios de suportar a obrigação, verbis:
Não é possível haver condenação solidária do denunciado e do denunciante em
face do adversário deste, já que não há relação jurídica entre eles. Nada obstante
não poder o juiz, tecnicamente, condenar o litisdenunciado solidariamente, a
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
20
sentença pode ser executada contra o litisdenunciado, por meio do cumprimento
da sentença (CPC 475-I et seq). Pode o ganhador da ação principal executar a
sentença diretamente contra o litisdenunciado, que perdeu a denunciação, caso
o devedor condenado na ação principal, e vencedor da denunciação, não tenha
condições de suportar a execução da ação principal. Ocorre sub-rogação do
credor da ação principal nos direitos do devedor, vencedor da denunciação (NERY
JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria. Código de processo civil comentado. 9 ed. São
Paulo: RT, 2006, p. 254).
Afi nado com essa posição, é o que preleciona Cândido Rangel Dinamarco,
para quem, ainda que se trate de assistente litisconsorcial, o denunciado continua
a ser assistente e nunca litisconsorte do denunciante, razão por que a sentença
dirigida às partes principais não pode atingi-lo.
Assim,
Como assistente - e ainda quando omisso no processo, sem participar - o
denunciado fi cará afi nal vinculado ao que se decidir quanto à causa pendente
entre o denunciante e seu adversário. Dados os limites do objeto do processo
colocado pela demanda inicial deste, o julgamento dessa causa não lhe dirá
respeito, diretamente (DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. 5
ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p 166).
Na mesma linha, em outra obra doutrinária, Dinamarco arremata:
A condenação disciplinada no art. 76 do CPC é imposta ao denunciado e
concedida exclusivamente em favor do denunciante. Não se admite a condenação
do denunciado em favor do autor da demanda principal, porque nenhuma
demanda moveu este àquele e sequer existia qualquer relação jurídica material
que os interligasse (o terceiro era parte ilegítima para a demanda proposta
pelo autor). Ainda que a condenação direta representasse vantagens, só por
disposição expressa de lei ela poderia ser admitida (DINAMARCO, Cândido Rangel.
Instituições de direito processual. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 409).
Há, em sentido diverso, doutrina de peso que aponta solução mais prática
e permissiva, de modo a franquear ao juízo sentenciante a possibilidade de
condenar direta e solidariamente o denunciado, sobretudo no caso de seguradora,
sem necessidade de o autor fi car a mercê da solvabilidade do réu-denunciante.
São as posições de Humberto Th eodoro Júnior e Athos Gusmão Carneiro.
Th eodoro Júnior - a par de franquear a via da execução direta da sentença
contra a denunciada, em havendo denunciação (Curso de direito processual civil.
46 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, vol. I, pp. 149-150) -, assume posição
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 11-28, novembro 2017 21
mais arrojada, no particular relativo ao contrato de seguro, asseverando uma
corresponsabilidade entre o segurado e a seguradora no que concerne aos danos
causados por aquele a terceiros. Em razão dessa obrigação conjunta e primária,
afi rma que não há mais, sobretudo depois da vigência do Código Civil de 2002 -
diploma que conferiu nova roupagem ao contrato de seguro de responsabilidade
civil -, um direito de regresso tradicionalmente reconhecido do segurado para
com a seguradora, não cabendo, nessa hipótese, a denunciação da lide, mas o
chamamento ao processo, verbis:
d) Outra grande inovação de direito material se deu em relação ao contrato
de seguro de responsabilidade civil, que o CC não trata como fonte de obrigação
de reembolso de indenização paga pelo segurado à vítima do dano, e sim como
garantia de tal pagamento, a ser efetuado diretamente pela seguradora (CC, art.
787).
e) Dessa remodelação do seguro decorre, em primeiro lugar, a ação direta do
ofendido contra a seguradora, para haver a indenização a que esta se obrigou;
e, em conseqüência desse vínculo estabelecido imediatamente entre a vítima
do dano e a seguradora, não há mais lugar para falar-se em direito regressivo,
nos moldes tradicionais, quando o segurado vem a ser demandado pela citada
indenização. O que o CC implantou foi, na realidade, uma coobrigação do
segurado e da seguradora perante a vítima do dano.
f ) Não havendo direito de regresso, o caso do seguro de responsabilidade
civil, quando a vítima do dano aciona o segurado, não mais se acomoda no
regime da denunciação da lide, já que esta fi gura interventiva se acha estruturada
especifi camente para veicular ação regressiva (CPC, art. 70, III).
g) Transformando o contrato de seguro de responsabilidade civil em
instrumento de garantia, dele decorre uma coobrigação em prol da vítima do
dano, de modo que esta pode demandar a indenização tanto do causador do
prejuízo como de sua seguradora. Se assim é, a fi gura de intervenção de terceiro
de que o segurado terá de se valer, quando acionado pelo ofendido, será o
chamamento ao processo. É esse o remédio interventivo, e não a denunciação da
lide, o próprio para inserir outros coobrigados no processo pendente instaurado
apenas contra um deles (CPC, art. 77) (THEODORO JUNIOR, Humberto. Novidades
no campo da intervenção de terceiros no processo civil: a denunciação da lide
per saltum (ação direta) e o chamamento ao processo da seguradora na ação de
responsabilidade civil. in. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, vol. 1
(jul./ago. 2004). Porto Alegre: Magister, 2004, p. 37).
A solução proposta por Athos Gusmão Carneiro é bastante conhecida por
esta Corte, que a acolheu em diversos precedentes, a qual franqueia ao autor-
vencedor a execução direta contra o denunciado, verbis:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
22
Nos casos de ação regressiva por responsabilidade civil (inclusive nas
demandas contra o Estado), igualmente consideramos possível ao autor
executar a sentença condenatória não só contra o réu denunciante como contra o
denunciado, seu litisconsorte por força da lei processual, isso naturalmente dentro
dos limites da condenação na demanda regressiva (CARNEIRO, Athos Gusmão.
Intervenção de terceiros. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 153).
4. É bem de ver que as posições doutrinárias dissonantes traduzem duas
tendências claras: a primeira, mais formalista, confere maior relevo à estrita
técnica processual e está alicerçada na análise científi ca acerca da natureza
jurídica da denunciação da lide; a segunda, mais permissiva, busca maior
praticidade às vias de satisfação da obrigação reconhecida na sentença, em mira
valores de outro jaez, como a efetividade da tutela judicial, economia processual
e duração razoável do processo.
Assim exposta a questão, rogando as vênias devidas, tenho que a
fl exibilização do sistema, de modo a permitir a condenação direta e solidária
da seguradora litisdenunciada, é a técnica que melhor se afi na com os atuais
contornos dos direitos processual e material civil brasileiros.
É de se ter em vista que o processo não é instrumento exclusivo de
satisfação de interesses privados, mas certamente possui escopo social e público.
Remonta à década de 60, por exemplo, a lúcida percepção de Galeno
Lacerda acerca da imorredoura antítese verifi cada no processo, entre a justiça
individual e a paz social gerada pelo término dos litígios.
“Processo é meio”, dizia Galeno, “meio de solução justa de um confl ito
individual de interesses e meio também, efi caz e pronto, de harmonia social”.
No distante ano de 1961, apregoava o renomado professor dos pampas
que o ponto de equilíbrio entre esses dois vieses do processo (individual/privado
e social/público) se hospedaria na capacidade de o sistema não hipertrofi ar,
nem a fi nalidade individual, nem a social do processo, mas que, no Brasil, o
traço marcante da cultura individualista do processo encontrava-se presente
(LACERDA, Galeno. Processo e cultura. Revista de direito processual civil,
volume 3 (janeiro a junho de 1961), ano II. São Paulo: Saraiva S.A. livreiros
editores, 1961, pp. 74-86).
Nesse sentido, confi ra-se a lição de Galeno Lacerda acerca dessa disfunção
do processo civil brasileiro, que, por vezes, privilegia exacerbadamente sua feição
individual, em detrimento do escopo social e público:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 11-28, novembro 2017 23
Esta deturpação do sentido da forma só pode servir aos fi ns de uma cultura
individualista. Se ela desserve aos ideais sociais de rápida solução do litígio, pela
variedade de recursos que oferece contra a decisão das múltiplas exceções de
nulidade, se contraria também a Justiça de mérito, só pode representar o papel
espúrio de defender o interesse da parte sem-razão, de se prestar aos fi ns da
chicana e da má-fé processual.
Lamentavelmente, também este traço marcante de individualismo se
apresenta no processo civil brasileiro. A reforma operada pelos Códigos Federais
de pouco ou nada adiantou, principalmente porque surgida uma cultura em que
a consideração dos valores sociais ainda está na infância (LACERDA, Galeno. Op.
cit. p. 84).
Na mesma linha, são as críticas mais atuais de José Carlos Barbosa Moreira,
nomeando de neoprivatismo essa pretensão de considerar o processo como “coisa
das partes”, de costas para sua relevante função social de colocar termo a pontos
de tensão existentes na sociedade.
Aduz Barbosa Moreira:
É duvidosa a designação que melhor convém ao pensamento criticado neste
trabalho. Visto que seus representantes aludem, com aspas manifestamente
depreciativas, a processo civil “social”, talvez se pudesse cogitar de designá-
la, com análogas aspas, como processo civil “anti-social”. Mas não desejamos
ferir, com tão antipático rótulo, as suscetibilidades de juristas ilustres, que nos
merecem todo o respeito.
Outra opção, menos áspera, pode basear-se na pecha, que se lança, de
exacerbação do elemento publicístico no processo civil. Pois bem: à orientação
contrária não cairá mal, nessa perspectiva, a denominação de privatismo.
Sejamos, porém, mais exatos: já que semelhante orientação nos remete à
mentalidade dominante em tempos idos - e infelizmente, ao que tudo indica,
reerguida da sepultura em que parecia jazer -, numa época em que o processo
civil era tido e havido como “coisa das partes” (Sache der Parteien, seguindo a
conhecida expressão alemã), tomamos a liberdade de chamar-lhe neoprivatismo,
na esperança de que isso não desagrade aos seus ardorosos propagandistas
(MOREIRA, José Carlos Barbosa. O neoprivatismo no processo civil. in. Teoria Geral
do Processo: panorama doutrinário. São Paulo: JusPodivm, 2010, p. 404).
Com amparo na função pública do processo, rejeitam-se tecnicismos
processuais, no mais das vezes servis exclusivamente a interesses privados postos
em juízo, em obséquio a propósito maior, que é a pacifi cação social, a efetividade
da tutela judicial prestada, a duração razoável do processo e, em hipóteses como
a tratada nos autos, a indenizabilidade plena do dano sofrido.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
24
5. No caso da controvérsia ora examinada, é de se ter em vista que, se é
verdade que a denunciação da lide busca solução mais expedita relativamente
à situação jurídica existente entre denunciante (segurado) e denunciado
(seguradora), dispensando ação regressiva autônoma, não é menos verdadeira a
afi rmação de que a fórmula que permite a condenação direta da litisdenunciada
possui os mesmos princípios inspiradores desse benfazejo instrumento
processual.
E ainda mais, com a vantagem de não se benefi ciar exclusivamente o
segurado, exatamente o causador do dano injusto, mas também o autor, a vítima
do dano causado injustamente pelo denunciante.
Essa solução satisfaz, a um só tempo, os anseios de um processo justo
e célere e o direito da parte contrária (seguradora) ao devido processo legal,
uma vez que, a par de conceder praticidade ao comando judicial, possibilita o
exercício do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela
inerentes.
Em uma palavra, realiza um processo judicial efetivo, que é “aquele que,
observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às
partes o resultado desejado pelo direito material” (BEDAQUE, José Roberto
dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ª ed. Malheiros Editores:
São Paulo, 2010, p. 49).
E, no caso, o exato resultado desejado pelo direito material não é outro
senão o de que a vítima de dano causado por acidente de veículo automotor seja
indenizada, efetiva e prontamente, e que a seguradora suporte, ao fi m e ao cabo,
esses prejuízos experimentados pelo terceiro, no limite dos valores contratados
pelo segurado, depois de reconhecida sua condição de causador do dano.
Caso contrário, é possível imaginar que o segurado obtivesse lucro com
o ilícito praticado, na medida em que poderia receber o valor do seguro de
responsabilidade civil, sem que automaticamente esse valor fosse repassado à
vítima.
Por outro lado, se a vítima for obrigada a litigar em execução exclusivamente
contra o segurado, nada poderá garantir o cumprimento da condenação, mesmo
que o segurado efetivamente recebesse o valor do seguro contra danos a terceiro.
6. Por esses motivos, e mais aqueles encartados nos precedentes desta
Corte, a jurisprudência remansosa das Turmas de Direito Privado deve ser
mantida, no sentido de que seguradora, aceitando a denunciação da lide
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 11-28, novembro 2017 25
realizada pelo segurado, inclusive contestando os pedidos do réu, assume
posição de litisconsorte passivo na demanda principal, podendo ser condenada
direta e solidariamente a pagar os prejuízos experimentados pelo adversário
do denunciante, nos limites contratados na apólice para a cobertura de danos
causados a terceiros.
Nesse sentido, confi ram-se os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. LITISDENUNCIAÇÃO. SEGURADORA.
CONDENAÇÃO E EXECUÇÃO DIRETA E SOLIDÁRIA. POSSIBILIDADE. FUNÇÃO
SOCIAL DO CONTRATO DE SEGURO. SÚMULA 83/STJ.
1. Comparecendo a seguradora em juízo, aceitando a denunciação da lide feita
pelo réu e contestando o pedido principal, assume a condição de litisconsorte
passiva.
2. Possibilidade de ser condenada e executada, direta e solidariamente, com o
réu.
3. Por se tratar de responsabilidade solidária, a sentença condenatória pode
ser executada contra qualquer um dos litisconsortes.
4. Concreção do princípio da função social do contrato de seguro, ampliando o
âmbito de efi cácia da relação contratual.
5. Precedentes específi cos da Terceira e da Quarta Turma do STJ.
6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 474.921/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 19/10/2010)
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DIRECIONADA A SEGURADORA DENUNCIADA
EM PROCESSO DE CONHECIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO.
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DECORRENTE DA RELAÇÃO PROCESSUAL ESTABELECIDA.
CAUSALIDADE RECONHECIDA.
1. Ao assumir a seguradora condição de litisconsorte com a denunciante no
processo de conhecimento, a obrigação decorrente da sentença condenatória
passa a ser solidária em relação ao segurado e à seguradora.
[...]
(REsp 886.084/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 16/03/2010, DJe 06/04/2010)
CIVIL E PROCESSUAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO. MORTE.
AÇÃO INDENIZATÓRIA PROMOVIDA CONTRA O CAUSADOR DO SINISTRO.
DENUNCIAÇÃO À LIDE DA SEGURADORA ACEITA E APRESENTADA CONTESTAÇÃO.
INTEGRAÇÃO AO PÓLO PASSIVO, EM LITISCONSÓRCIO COM O RÉU. EXCLUSÃO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
26
INDEVIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. SOLIDARIEDADE NA CONDENAÇÃO, ATÉ O
LIMITE DO CONTRATO DE SEGURO. CPC, ART. 75, I.
I. Promovida a ação contra o causador do acidente que, por sua vez, denuncia
à lide a seguradora, esta, uma vez aceitando a litisdenunciação e contestando o
pedido inicial se põe ao lado do réu, como litisconsorte passiva, nos termos do
art. 75, I, da lei adjetiva civil.
II. Reinclusão da seguradora na lide e, por conseguinte, na condenação, até o
limite do seguro contratado.
III. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 670.998/RS, Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 01/10/2009, DJe 16/11/2009)
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
MATERIAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE DA SEGURADORA. ACEITAÇÃO DA
DENUNCIAÇÃO E CONTESTAÇÃO DO MÉRITO. CONDENAÇÃO DIRETA E SOLIDÁRIA
DA SEGURADORA. CABIMENTO. PRECEDENTES.
Em demanda onde se busca a indenização de danos materiais, aceitando o
litisdenunciado a denunciação feita pelo réu, inclusive contestando o mérito
da causa, exsurge a fi gura do litisconsórcio anômalo, prosseguindo o processo
entre o autor de um lado e, de outro, como litisconsortes, o denunciado e o
denunciante, que poderão vir a ser condenados, direta e solidariamente, ao
pagamento da indenização. Esta, nos termos da jurisprudência uníssona deste
Tribunal, é a interpretação a ser dada ao preceito contido no artigo 75, inciso I, do
Código de Processo Civil.
Recurso especial provido.
(REsp 686.762/RS, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em
29/11/2006, DJ 18/12/2006, p. 368)
CIVIL E PROCESSUAL. SINISTRO. VEÍCULO AUTOMOTOR. AÇÃO DE REPARAÇÃO
DE DANOS MORAIS. DENUNCIAÇÃO DA LIDE FEITA PELO RÉU. ACEITAÇÃO.
CONTESTAÇÃO DO PEDIDO PRINCIPAL. CONDENAÇÃO DIRETA DA DENUNCIADA
(SEGURADORA) E SOLIDÁRIA COM O RÉU. POSSIBILIDADE.
1 - Se a seguradora comparece a Juízo aceitando a denunciação da lide feita
pelo réu e contestando o pedido principal, assume ela a condição de litisconsorte
passiva, formal e materialmente, podendo, em conseqüência, ser condenada,
direta e solidariamente, com o réu.
Precedentes do STJ.
[...]
(REsp 699.680/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA,
julgado em 29/06/2006, DJ 27/11/2006, p. 288)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 11-28, novembro 2017 27
CIVIL E PROCESSO CIVIL - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS - DENUNCIAÇÃO
DA LIDE - CONTESTAÇÃO - CONDENAÇÃO DIRETA DA LITISDENUNCIADA - CPC,
ART. 75, I - INTERPRETAÇÃO PRAGMÁTICA.
- A seguradora-litisdenunciada ao oferecer contestação, assume posição de
litisconsorte passiva do denunciante. Pode assim, ser condenada em conjunto
com este, à indenização por acidente de trânsito. Esta é a interpretação correta e
pragmática do Art. 75, I do CPC.
(REsp 275.453/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA
TURMA, julgado em 22/02/2005, DJ 11/04/2005, p. 288)
SEGURO. Acidente de veículo. Insolvência do causador do dano. Cobrança
contra sua seguradora. Legitimidade.
Insolvente o causador do dano, o crédito do lesado reconhecido em sentença
pode ser cobrado diretamente da sua seguradora, a quem fora denunciada a lide,
no limite do contrato. Não é requisito para a execução do contrato de seguro
para cobertura de danos resultantes de acidente de trânsito o prévio pagamento
por parte do segurado, quando ficar demonstrada essa impossibilidade pela
insolvência do devedor.
Recurso não conhecido.
(REsp 397.229/MG, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA,
julgado em 02/05/2002, DJ 12/08/2002, p. 220)
Verificam-se também diversas decisões monocráticas que caminham
no mesmo sentido: Ag 1.384.812/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, REsp
1.203.813/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, AREsp 25.571/RS, Min. Massami
Uyeda, dentre muitas outras.
6. Assim, o entendimento a ser fi rmado para efeitos do art. 543-C do
CPC, que ora encaminho, é o seguinte:
Em ação de reparação de danos movida em face do segurado, a Seguradora
denunciada pode ser condenada direta e solidariamente junto com este a pagar a
indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice.
7. No caso concreto, o acórdão recorrido aplicou com exatidão o
entendimento ora proposto, razão pela qual deve ser mantido.
8. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
28
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Sr. Presidente, o eminente
Relator mencionou, inclusive, precedente da minha relatoria, na mesma linha
da sua conclusão. Acompanho integralmente o voto do Sr. Ministro Relator,
louvando o trabalho de Sua Excelência.
Súmula n. 538
SÚMULA N. 538
As administradoras de consórcio têm liberdade para estabelecer a respectiva
taxa de administração, ainda que fi xada em percentual superior a dez por cento.
Referências:
CPC, art. 543-C.
Lei n. 8.177/1991, art. 33, parágrafo único.
Circular - BACEN n. 2.386/1993, art. 34.
Circular - BACEN n. 2.766/1997, art. 12, § 3º.
Precedentes:
EREsp 927.379-RS (2ª S, 12.11.2008 – DJe 19.12.2008)
EREsp 992.740-RS (2ª S, 09.06.2010 – DJe 15.06.2010)
(*)REsp 1.114.604-PR (2ª S, 13.06.2012 – DJe 20.06.2012)
(*)REsp 1.114.606-PR (2ª S, 13.06.2012 – DJe 20.06.2012) –
acórdão publicado na íntegra
Rcl 12.836-BA (2ª S, 09.10.2013 – DJe 16.10.2013)
AgRg no
AgRg no REsp 1.059.453-RS (3ª T, 28.04.2009 – DJe 12.05.2009)
AgRg nos
EDcl no REsp 1.145.248-RS (3ª T, 24.11.2009 – DJe 02.12.2009)
AgRg no REsp 1.029.099-RS (3ª T, 14.12.2010 – DJe 17.12.2010)
AgRg no REsp 1.187.148-RS (3ª T, 03.05.2011 – DJe 10.05.2011)
AgRg no REsp 1.115.354-RS (3ª T, 27.03.2012 – DJe 03.04.2012)
AgRg no REsp 1.115.965-RS (3ª T, 11.04.2013 – DJe 16.04.2013)
AgRg no AREsp 18.874-RS (3ª T, 16.05.2013 – DJe 23.05.2013)
AgRg no REsp 1.092.876-RS (4ª T, 03.03.2009 – DJe 16.03.2009)
AgRg no REsp 1.102.636-RS (4ª T, 19.11.2009 – DJe 14.12.2009)
REsp 796.842-RS (4ª T, 18.03.2010 – DJe 12.04.2010)
AgRg no REsp 1.188.974-RS (4ª T, 26.04.2011 – DJe 05.05.2011)
AgRg no REsp 1.145.921-RS (4ª T, 05.05.2011 – DJe 12.05.2011)
AgRg no REsp 1.097.237-RS (4ª T, 16.06.2011 – DJe 05.08.2011)
AgRg nos
EDcl no REsp 1.100.270-RS (4ª T, 04.10.2011 – DJe 13.10.2011)
AgRg no REsp 1.179.514-RS (4ª T, 20.10.2011 – DJe 26.10.2011)
AgRg no
AgRg no AREsp 100.871-SP (4ª T, 05.03.2013 – DJe 12.03.2013)
AgRg no REsp 1.105.493-RS (4ª T, 13.08.2013 – DJe 02.09.2013)
AgRg no AREsp 443.630-RS (4ª T, 10.06.2014 – DJe 24.06.2014)
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 10.6.2015
DJe 15.6.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.114.606-PR (2009/0069909-9)
Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva
Recorrente: Randon Administradora de Consorcios Ltda
Advogados: Flávio Lauri Becher Gil e outro(s)
Osmar Mendes Paixão Côrtes e outro(s)
Recorrido: TTL Transportes e Representações Ltda
Advogado: Jonas Adalberto Pereira e outro(s)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RITO DO ART. 543-C DO CPC.
CONSÓRCIO. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. FIXAÇÃO.
LIMITE SUPERIOR A 10% (DEZ POR CENTO). AUSÊNCIA
DE ILEGALIDADE E ABUSIVIDADE. LIVRE PACTUAÇÃO
PELAS ADMINISTRADORAS. POSSIBILIDADE.
1 - As administradoras de consórcio têm liberdade para fi xar
a respectiva taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei n.
8.177/91 e da Circular n. 2.766/97 do Banco Central, não havendo
que se falar em ilegalidade ou abusividade da taxa contratada superior a
10% (dez por cento), na linha dos precedentes desta Corte Superior de
Justiça (AgRg no REsp n. 1.115.354/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/3/2012, DJe 3/4/2012;
AgRg no REsp n. 1.179.514/RS, Rel. Ministro Antonio Carlos
Ferreira, Quarta Turma, julgado em 20/10/2011, DJe 26/10/2011;
AgRg no REsp n. 1.097.237/RS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta
Turma, julgado em 16/06/2011, DJe 5/8/2011; AgRg no REsp n.
1.187.148/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado
em 3/5/2011, DJe 10/5/2011; AgRg no REsp n. 1.029.099/RS, Rel.
Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 14/12/2010,
DJe 17/12/2010; EREsp n. 992.740/RS, Rel. Ministro Luis Felipe
Salomão, Segunda Seção, julgado em 9/6/2010, DJe 15/6/2010).
2 - O Decreto n. 70.951/72 foi derrogado pelas circulares
posteriormente editadas pelo BACEN, que emprestaram fi el execução
à Lei n. 8.177/91.
3 - Recurso especial provido.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
34
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide
a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do recurso especial e lhe dar
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, fi cou defi nido o seguinte:
1 - As administradoras de consórcio têm liberdade para fi xar a respectiva
taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei n. 8.177/91 e da Circular
n. 2.766/97 do Banco Central, não havendo que se falar em ilegalidade ou
abusividade da taxa contratada superior a 10% (dez por cento), na linha dos
precedentes desta Corte Superior de Justiça.
2 - O Decreto n. 70.951/72 foi derrogado pelas circulares posteriormente
editadas pelo BACEN, que emprestaram fi el execução à Lei n. 8.177/91. Os
Srs. Ministros Marco Buzzi, Nancy Andrighi, Massami Uyeda, Luis Felipe
Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti e
Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 13 de junho de 2012 (data do julgamento).
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Relator
DJe 20.6.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva: Trata-se de recurso especial
interposto por RANDON ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS
LTDA., com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional,
contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que, no julgamento
de apelação cível interposta pela ora recorrente, reformou sentença terminativa
em virtude do reconhecimento de carência de ação da autora, empresa
TRANSPORTE E REPRESENTAÇÕES LTDA. - T.T.L., afastando a
possibilidade da cobrança de taxa de administração em percentuais acima do
legal, nos termos da seguinte ementa:
“AÇÃO DE COBRANÇA - CONSÓRCIO - DESISTÊNCIA - INTERESSE DE AGIR
RECONHECIDO - DIREITO À RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - ENCARGOS
CONTRATUAIS - TAXA DE ADMINISTRAÇÃO - LIMITE 10% - DECRETO N. 70.941/1972
- DISPOSITIVO LEGAL EM VIGÊNCIA - APLICABILIDADE - REDUTOR CONTRATUAL -
PREJUÍZO - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - CORREÇÃO MONETÁRIA - MATÉRIA
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 29-41, novembro 2017 35
SUMULADA - JUROS DE MORA - INCIDÊNCIA APÓS O 31º DIA DA DATA DO
ENCERRAMENTO DO GRUPO - SUCUMBÊNCIA - INVERSÃO - PROVIMENTO DO
RECURSO” (fl . 253 e-STJ).
Nas razões do apelo nobre, sustenta a recorrente violação dos artigos 7º e
8º da Lei n. 5.768/71, 33 da Lei n. 8.177/91 e 39 do Decreto n. 70.951/72, bem
como dissídio jurisprudencial.
Para tanto, argumenta ser “equivocado o entendimento do julgador ao afi rmar
que o Banco Central do Brasil não pode deliberar acima dos permissivos legais,
porquanto tal incumbência lhe foi autorizada pelo art. 33, da Lei Federal n. 8.177 de
01.03.1991, que transferiu as atribuições previstas nos arts. 7º e 8º da Lei 5.768/71”
(fl . 292 - e-STJ).
Ainda de acordo com a recorrente, “as circulares editadas pelo BACEN
decorrem diretamente de atribuições conferidas por lei”, razão pela qual “sua
existência de determinações devem ser respeitadas como tais” (fl . 293 - e-STJ).
Ademais, entende “inaplicável o art. 42, do Decreto n. 70.951, de 09.8.1972,
vez que a partir de 30 de junho de 1992, com a edição da Circular n. 2.196, e,
posteriormente, em 03 de julho de 1997, com a Circular n. 2.766/97, ambas do
Banco Central do Brasil, o Governo, considerando que os percentuais permitidos eram
insufi cientes para a sobrevivência das administradoras não estabeleceu percentual
máximo para a cobrança de Taxa de Administração” (fl . 293 - e-STJ).
Aponta dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido e o Recurso
Especial n. 918.627/RS, paradigma cujo teor destoa do posicionamento exarado
pelo Tribunal local por admitir “a total liberdade das empresas administradoras de
consórcio para fi xação da taxa de administração” (fl . 300 - e-STJ).
Após as contrarrazões, o recurso especial (fls. 325-328 - e-STJ) foi
admitido na origem como representativo de controvérsia.
Diante da multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica tese de
direito, qual seja, a aplicação das disposições do Decreto n. 70.951/72 no tocante
ao limite do percentual da taxa de administração cobrado pelas administradoras
nos contratos de consórcio, tanto o julgamento do presente recurso especial,
como o do REsp n. 1.114.604/PR, anexo, foram afetados à Segunda Seção desta
Corte, cumprindo o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08.
Ofi ciados os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios, os Tribunais Regionais Federais e o Banco Central do Brasil, não
houve manifestação nos autos.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
36
O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges
de Andrada, opinou pelo provimento do recurso especial, nos termos da ementa
que ora se transcreve:
“DIREITO DO CONSUMIDOR - CONSÓRCIO - TAXA DE ADMINISTRAÇÃO.
- Consoante entendimento fi rmado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça, as administradoras de consórcio possuem liberdade para fi xar a respectiva
taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei 8.177/91 e da Circular 2.766/97
do BACEN.
- Parecer pelo conhecimento e provimento parcial do recurso especial” (fl . 358 -
e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (Relator): Conforme já relatado,
diante da multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica tese de
direito, qual seja, a imposição de limites de fi xação de taxa de administração às
administradoras de consórcio, tanto o julgamento do presente recurso especial
e como o do REsp n. 1.114.604, anexo, foram afetados à Segunda Seção desta
Corte, cumprindo o rito do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08.
Na origem, a ora recorrida - T.T.L. - TRANSPORTES E
REPRESENTAÇÕES LTDA. - propôs ação ordinária contra RANDON
CONSÓRCIOS S/C LTDA. com o fi m de requerer a condenação do Consórcio
à restituição dos valores pagos, com a incidência de juros, “declarando-se nula
toda e qualquer cláusula abusiva que venha a impedir o ressarcimento adequado e
legal” (fl . 25 e-STJ).
O Tribunal de origem afi rmou que “a taxa de administração estipulada no
contrato encontra-se fora dos parâmetros legais” (fl . 256 e-STJ).
Assim, para o Tribunal local, “o Decreto n. 70.951/72, ao tratar sobre
consórcios e outras formas de sociedades civis estabelece os limites de fi xação da taxa de
administração: ‘art. 42 - as despesas de administração cobradas pela sociedade de fi ns
exclusivamente civis não poderão ser superiores a doze por cento (12%) do valor do
bem, quando este for de preço até cinquenta (50) vezes o salário mínimo local, e a dez
por cento (10%) quando de preço superior a este limite” (fl . 257 - e-STJ).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 29-41, novembro 2017 37
Conheço do recurso especial e passo ao julgamento do mérito.
Antes de tudo, observe-se que a limitação anteriormente imposta às taxas
de administração havia sido fi xada por atos que já se encontram revogados. Por
isso, impõe-se breve digressão histórica:
1) A Lei n. 5.468/71, no caput e inciso I, e no art. 8º, caput e incisos I e
III, atribuía ao Ministério da Fazenda a competência para regulamentar as
atividades das administradoras de consórcio.
2) Com base na Lei n. 5.768/71, foi editado o Decreto n. 70.951/72, cujos
arts. 42 e 39 estabeleceram as seguintes diretrizes quanto à fi xação das despesas
de administração:
“Art. 42. As despesas de administração cobradas pela sociedade de fins
exclusivamente civis não poderão ser superiores a doze por cento (12%) do valor
do bem, quando este for de preço até cinquenta (50) vezes o salário-mínimo
local, e a dez por cento (10%) quando de preço superior esse limite.
§ 1º. As associações civis de fi ns não lucrativos e as sociedades mercantis, que
organizarem consórcio para aquisição de bens de seu comércio ou fabrico, somente
poderão cobrar as despesas de administração efetiva e comprovadamente realizadas
com a gestão do consórcio, no máximo até à metade das taxas estabelecidas neste
artigo.”
“Art. 39. O Ministério da Fazenda, visando adequar as operações de que trata o
artigo 31 às condições de mercado ou da política econômica fi nanceira, poderá fi xar
disposições diferentes das previstas neste Regulamento quanto a: limites de
prazo, de participantes, de capital social e de valores dos bens, direitos ou serviços;
normas e modalidades contratuais; percentagens máximas permitidas a título de
despesas administrativas; valores dos prêmios a distribuir.”
3) Com a edição da Lei n. 8.177/91, atribuiu-se a competência para
normatização das operações de consórcio ao Banco Central do Brasil - BACEN,
como se afere de seu art. 33:
“Art. 33. A partir de 1º de maio de 1991, são transferidas ao Banco Central
do Brasil as atribuições previstas nos arts. 7º e 8º da Lei n. 5.768, de 20 de dezembro
de 1971, no que se refere às operações conhecidas como consórcio, fundo mútuo
e outras formas associativas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de
qualquer natureza.
Parágrafo único. A fi scalização das operações mencionadas neste artigo, inclusive
a aplicação de penalidades, será exercida pelo Banco Central do Brasil.”
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
38
4) O BACEN, ao fazer jus ao Poder Regulamentar que lhe foi garantido
pela nova norma, editou duas circulares sobre o tema, quais sejam, as Circulares
n. 2.386/93 e n. 2.766/97, que não fixaram nenhum limite às taxas de
administração. Nesse sentido, cite-se o teor do art. 34 da Circular n. 2.766/97:
“Art. 34. A taxa de administração será fixada pela administradora no
contrato de adesão do consorciado, devendo ser fi xado mesmo percentual para
todos os participantes do grupo, sendo vedada sua alteração para maior durante o
prazo de duração do grupo.
§ 1º. As associações de fi ns não lucrativos somente poderão cobrar as despesas
efetivas e comprovadamente realizadas com a gestão do grupo.”
5) Em novembro de 2006, o BACEN expediu portaria na qual afi rma
expressamente que o art. 42 do Decreto n. 70.951/72 está derrogado em razão
da Lei n. 8.177/91.
No particular, o BACEN, ao exercer sua competência normativa decorrente
da Lei n. 8.177/91, diploma que lhe transferiu a incumbência de regulamentar
o regime relativo aos consórcios, editou circulares que autorizam a cobrança de
taxas de administração nos moldes atuais, impedindo a aplicação do Decreto n.
70.951/72, que perdeu efi cácia.
Consequentemente, a regulamentação da Lei n. 8.177/91 pelo BACEN
por meio da edição de circulares que dispuseram sobre as taxas de administração,
já não se vinculava, por óbvio, ao Decreto n. 70.951/72.
No caso, não há nenhuma abusividade do órgão regulador e fi scalizador
da atividade econômica, que é o Banco Central do Brasil, ao não reeditar
atos fi xando patamar máximo para as taxas de administração concernentes ao
consórcio.
Ao contrário.
Ressalte-se que a Circular n. 2.196/96 minorou os limites impostos aos
consórcios e foi revogada pela Circular n. 2.766/97. Esta última deixou de expedir
nova regulamentação sobre a limitação máxima concernentes aos percentuais relativos
à taxa de administração.
O Decreto n. 70.951/72 foi derrogado pelas circulares posteriormente
editadas pelo BACEN, que emprestam fi el execução à Lei n. 8.177/91.
A sistemática atual, a partir da análise das normas que regulamentam a Lei
n. 8.177/91 editadas pelo BACEN, afasta qualquer limite em relação às taxas de
administração, que poderão ser fi xadas livremente pelo próprio mercado.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 29-41, novembro 2017 39
É o que se extrai dos seguintes arestos:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
ART. 460 DO CPC. OBSERVÂNCIA DA PRETENSÃO RECURSAL. NEGATIVA DE AFRONTA.
CONSÓRCIO. BEM IMÓVEL. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. LIVRE PACTUAÇÃO. RECURSO
ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1 - A alegação de julgamento extra petita não merece ser acolhida quando a Corte
de origem, ao conhecer da questão, observou os estritos lindes do recurso, devendo
a pretensão ser extraída da interpretação lógico-sistemática da petição, a partir da
análise de todo o seu conteúdo.
2 - Este Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que as
administradoras de consórcio possuem liberdade para fixar a respectiva taxa de
administração, nos termos do art. 33 da Lei n. 8.177/91, do artigo 34 do regulamento
anexo à Circular n. 2.386/93 e do artigo 12, § 3º, do regulamento anexo à Circular n.
2.766/97, não sendo consideradas abusivas, por si só, as taxas fi xadas em percentual
superior a 10%. Precedentes.
3 - Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos.
4 - AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO” (AgRg no REsp n. 1.115.354/RS,
Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em
27/03/2012, DJe 03/04/2012).
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. CONSÓRCIO. BENS
MÓVEIS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. FIXAÇÃO. ADMINISTRADORAS. ANÁLISE DE
OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.
1. Conforme entendimento fi rmado pela Segunda Seção desta Corte Superior,
as administradoras de consórcio possuem liberdade para fi xar a respectiva taxa de
administração, nos termos do art. 33 da Lei n. 8.177/1991 e da Circular n. 2.766/1997
do BACEN, não sendo considerada ilegal ou abusiva a taxa fi xada em percentual
superior a 10% (dez por cento).
2. Descabe ao STJ examinar a suposta violação à matéria constitucional,
porquanto enfrentá-la significaria usurpar competência que, por expressa
determinação da CF, pertence ao STF.
Tema que deveria ter sido debatido pelo acórdão recorrido e não por decisão desta
Corte.
3. Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp n. 1.179.514/RS, Rel. Ministro
ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe
26/10/2011).
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONSÓRCIO. AÇÃO REVISIONAL.
TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. LIMITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
40
1. Consoante entendimento fi rmado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça, as administradoras de consórcio possuem liberdade para fi xar a respectiva
taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei 8.177/91 e da Circular 2.766/97
do BACEN, não sendo considerada ilegal ou abusiva a taxa fi xada em 13% (treze por
cento).
2. Agravo regimental não provido” (AgRg no REsp n. 1.097.237/RS, Rel. Ministro
RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 16/06/2011, DJe 05/08/2011).
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA.
CONSÓRCIO. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. LIMITAÇÃO. FIXAÇÃO. LIMITE SUPERIOR A
10% (DEZ POR CENTO). AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE E ABUSIVIDADE.
- Consoante entendimento fi rmado pela Corte Especial, as administradoras de
consórcio possuem liberdade para fixar a respectiva taxa de administração, nos
termos do art. 33 da Lei 8.177/91 e da Circular 2.766/97 do BACEN, não sendo
considerada ilegal ou abusiva a taxa fi xada em mais de 10% (dez por cento).
- Agravo no recurso especial não provido” (AgRg no REsp n. 1.187.148/RS, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe
10/05/2011).
“RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO
DE CONSÓRCIO. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. INADMISSIBILIDADE. TAXA DE
ADMINISTRAÇÃO. NÃO LIMITAÇÃO. MORA. CARACTERIZADA.
I.- ‘Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da
abusividade das cláusulas’ (Súmula 381/STJ).
II.- As administradoras de consórcio têm total liberdade para fi xar a respectiva
taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei n. 8.177/91 e da Circular n.
2.766/97 do Banco Central, não havendo que se falar em ilegalidade ou abusividade
da taxa contratada.
III.- No que diz respeito à mora do devedor, é assente na jurisprudência desta
Corte que a sua descaracterização dá-se no caso de cobrança de encargos ilegais no
período da normalidade, o que não se verifi ca no presente caso.
IV.- Agravo Regimental improvido” (AgRg no REsp n. 1.029.099/RS, Rel. Ministro
SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 17/12/2010).
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CONSÓRCIO DE BENS
MÓVEIS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE. LIVRE PACTUAÇÃO. AUSÊNCIA DE
ILEGALIDADE E ABUSIVIDADE.
1. Consoante entendimento firmado pela Corte Especial, as administradoras
de consórcio possuem liberdade para fixar a respectiva taxa de administração,
nos termos do art. 33 da Lei 8.177/91 e da Circular 2.766/97 do BACEN, não sendo
considerada ilegal ou abusiva a taxa fi xada em 13% (treze por cento).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 29-41, novembro 2017 41
2. Embargos de divergência acolhidos, com aplicação do direito à espécie” (EREsp
n. 992.740/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
09/06/2010, DJe 15/06/2010).
Percebe-se, portanto, que a matéria ora analisada encontra-se pacifi cada
nesta Corte Superior de Justiça, que adotou o entendimento de que as
administradoras de consórcio possuem total liberdade para fi xar a respectiva
taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei n. 8.177/91 e da Circular
n. 2.766/97 do BACEN, não sendo consideradas ilegais ou abusivas as taxas
fi xadas em percentual superior a 10% (dez por cento), conforme ocorre no
presente caso (em 14% - quatorze por cento).
JULGAMENTO PARA EFEITOS DO ART. 543-C DO CPC
Diante das razões supracitadas, fi xo as seguintes premissas para efeitos do
artigo 543-C do Código de Processo Civil:
1) As administradoras de consórcio têm liberdade para fi xar a respectiva
taxa de administração, nos termos do art. 33 da Lei n. 8.177/91 e da Circular
n. 2.766/97 do Banco Central, não havendo falar em ilegalidade ou abusividade
da taxa contratada pelas partes, na linha dos precedentes desta Corte Superior
de Justiça (AgRg no REsp n. 1.115.354/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 27/3/2012, DJe 3/4/2012; AgRg no
REsp n. 1.179.514/RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma,
julgado em 20/10/2011, DJe 26/10/2011; AgRg no REsp n. 1.097.237/RS, Rel.
Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16/6/2011, DJe 5/8/2011;
AgRg no REsp n. 1.187.148/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, julgado em 3/5/2011, DJe 10/5/2011; AgRg no REsp n. 1.029.099/
RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 14/12/2010,
DJe 17/12/2010; EREsp n. 992.740/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão,
Segunda Seção, julgado em 9/6/2010, DJe 15/6/2010).
2) O Decreto n. 70.951/72 foi derrogado pelas circulares posteriormente
editadas pelo BACEN, que emprestaram fi el execução à Lei n. 8.177/91.
Em vista de todo o exposto, conheço do recurso especial para dar-lhe
provimento.
É o voto.
Súmula n. 539
SÚMULA N. 539
É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual
em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n.
2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.
Referências:
CC/2002, art. 591.
CPC, art. 543-C.
MP n. 1.963-17/2000, art. 5º, atual.
MP n. 2.170-36/2001, art. 5º.
Decreto n. 22.626/1933, art. 4º.
Súmulas n. 121 e 596 do STF.
Precedentes:
EREsp 598.155-RS (2ª S, 22.06.2005 – DJ 31.08.2005)
AgRg nos EREsp 691.257-RS (2ª S, 14.06.2006 – DJ 29.06.2006)
AgRg nos EREsp 785.469-RS (2ª S, 27.09.2006 – DJ 09.11.2006)
AgRg na Pet 5.858-DF (2ª S, 10.10.2007 – DJ 22.10.2007)
AgRg nos EREsp 911.070-DF (2ª S, 26.03.2008 – DJe 1º.04.2008)
AgRg nos EREsp 930.544-DF (2ª S, 12.03.2008 – DJe 10.04.2008)
(*)REsp 1.112.879-PR (2ª S, 12.05.2010 – DJe 19.05.2010) –
acórdão publicado na íntegra
(*)REsp 1.112.880-PR (2ª S, 12.05.2010 – DJe 19.05.2010)
(*)REsp 973.827-RS (2ª S, 08.08.2012 – DJe 24.09.2012) –
acórdão publicado na íntegra na
Súmula 541
AgRg no REsp 1.274.202-RS (3ª T, 19.02.2013 – DJe 25.02.2013)
AgRg no REsp 1.360.972-RS (3ª T, 02.04.2013 – DJe 05.04.2013)
AgRg no AREsp 227.946-DF (3ª T, 11.06.2013 – DJe 18.06.2013)
AgRg no AREsp 74.052-RS (3ª T, 20.06.2013 – DJe 28.06.2013)
AgRg no AREsp 393.119-MS (3ª T, 08.04.2014 – DJe 15.04.2014)
AgRg no AREsp 575.614-MS (3ª T, 25.11.2014 – DJe 09.12.2014)
AgRg no REsp 1.321.170-RS (3ª T, 24.02.2015 – DJe 02.03.2015)
AgRg no REsp 1.196.403-RS (4ª T, 19.02.2013 – DJe 26.02.2013)
AgRg no AREsp 124.888-RS (4ª T, 19.03.2013 – DJe 25.03.2013)
AgRg no REsp 1.260.463-RS (4ª T, 11.06.2013 – DJe 14.06.2013)
AgRg no AREsp 420.441-MS (4ª T, 18.12.2014 – DJe 18.02.2015)
AgRg no
AgRg no AREsp 384.283-SC (4ª T, 10.02.2015 – DJe 19.02.2015)
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 10.6.2015
DJe 15.6.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.112.879-PR (2009/0015831-8)
Relatora: Ministra Nancy Andrighi
Recorrente: Unibanco União de Bancos Brasileiros S/A
Advogados: Jose Augusto Araujo de Noronha e outro(s)
Luciano Correa Gomes
Recorrido: Transportadora Nery Ltda
Advogado: Marcia Regina Frasson
EMENTA
BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL
DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE
DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS.
CONTRATO QUE NÃO PREVÊ O PERCENTUAL DE JUROS
REMUNERATÓRIOS A SER OBSERVADO.
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE
CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE.
ORIENTAÇÃO - JUROS REMUNERATÓRIOS
1 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital
é imediata, o montante dos juros remuneratórios praticados deve ser
consignado no respectivo instrumento. Ausente a f ixação da taxa no
contrato, o juiz deve limitar os juros à média de mercado nas operações da
espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa
para o cliente.
2 - Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se
for verifi cada abusividade nos juros remuneratórios praticados.
II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO
- Consignada, no acórdão recorrido, a abusividade na cobrança da
taxa de juros, impõe-se a adoção da taxa média de mercado, nos termos do
entendimento consolidado neste julgamento.
- Nos contratos de mútuo bancário, celebrados após a edição da MP n.
1.963-17/00 (reeditada sob o n. 2.170-36/01), admite-se a capitalização
mensal de juros, desde que expressamente pactuada.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
48
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
Ônus sucumbenciais redistribuídos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda
Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer parcialmente
do recurso e, nesta parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Senhora
Ministra Relatora. Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, consolidou-se o
entendimento de que:
1) Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é
imediata, deve ser consignado no respectivo instrumento o montante dos juros
remuneratórios praticados. Ausente a fi xação da taxa no contrato, deve o juiz
limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo
BACEN, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
2) Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se
verifi cada abusividade nos juros remuneratórios praticados. Os Srs. Ministros
João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti, Luis Felipe Salomão, Vasco Della
Giustina, Paulo Furtado, Honildo Amaral de Mello Castro e Aldir Passarinho
Junior votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de maio de 2010 (data do julgamento).
Ministro Massami Uyeda, Presidente
Ministra Nancy Andrighi, Relatora
DJe 19.5.2010
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi: Trata-se de recurso especial interposto
por Unibanco - União Brasileira de Bancos S.A., com fundamento nas alíneas
“a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/PR.
Ação: de revisão de contrato de cheque especial c/c repetição de indébito,
ajuizada pela TRANSPORTADORA NERY LTDA., em face do Unibanco.
Alegou que, no contrato fi rmado entre as partes, “o banco aplicou as denominadas
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 43-57, novembro 2017 49
‘TAXAS DE MERCADO’, ou seja, aplicou juros a seu ‘bel prazer’ – TAXA
FLUTUANTE’, conforme a variação de mercado e sem qualquer conhecimento ou
aprovação do cliente” (fl s. 03). Aduziu que é vedada a prática do anatocismo e que
os valores indevidamente pagos devem ser restituídos, de acordo com o art. 42,
parágrafo único, do CDC.
Ao final, requereu que fosse: (i) estipulada a aplicação de juros
remuneratórios de 6% (seis por cento) ao ano; (ii) excluída a capitalização
dos juros em qualquer periodicidade; e (iii) devolvida, em dobro, a quantia
indevidamente paga.
Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial,
para fi xar os juros moratórios e remuneratórios em 6% ao ano e impossibilitar a
incidência de capitalização de juros.
Acórdão: deu parcial provimento à apelação interposta pelo recorrente,
apenas para afastar a incidência do CDC ao contrato. Confi ra-se a ementa:
“CONTRATO BANCÁRIO. REVISIONAL. PESSOA JURÍDICA. INAPLICABILIDADE DO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO
DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. MP N. 2.170-36.
INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. “O princípio do pacta sunt servanda, ainda subsiste e é importante, mas deve
ser relativizado diante dos hodiernos princípios contidos na Carta Magna e no Código
Civil, visando ao interesse social e à proteção do cidadão contra as cláusulas abusivas
e excessivamente onerosas contidas nos contratos”.
2. “Deve a pessoa jurídica, com fi nalidade lucrativa, nos contratos fi rmados com os
bancos, fazer prova de ser destinatária fi nal do mútuo ou crédito bancário. Sem esta
prova, a aplicação consumerista é de toda inviável, pois a presunção é de que utilizou
o recurso em sua atividade produtiva, não podendo, assim, ser enquadrada como
consumidora”.
3. “O art. 131 do CPC consagra o princípio da persuasão racional, autorizando
o juiz, por força do seu convencimento e à luz dos fatos e do direito incidente sobre
o tema litigioso julgar antecipadamente a lide, razão porque eventual argüição de
nulidade do processo, por pretenso cerceamento de defesa implica na necessidade do
insurgente demonstrar quantum satis o prejuízo acarretado pela decisão acelerada
da lide. É que, em nosso sistema processual, não se decreta a invalidade de um ato, se
do vício que o macula não houver resultado prejuízo”.
4. “A falta de interposição de recurso contra o despacho do juiz que anuncia seu
propósito de proferir sentença imediata e, por isso, determina o cálculo e preparo das
custas, faz preclusão, de molde a impedir que qualquer das partes venha a alegar
cerceamento de defesa, pelo julgamento antecipado”.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
50
5. “O art. 5º da MP n. 2.170-36, só permite a capitalização dos juros, em período
inferior a um ano, nos contratos bancários celebrados após 31.03.2000, data em
que o dispositivo foi introduzido na MP n. 1.963-17, e, ainda, se houver previsão
contratual” (fl s. 630/631).
Embargos de declaração: interpostos pelo recorrente e pela recorrida, foram
rejeitados (fl s. 506/509).
Recurso Especial: interposto pelo Unibanco, alega-se violação:
I – do art. 4º, IX, da Lei 4.595/64 e dissídio jurisprudencial, pois os juros
remuneratórios devem ser limitados à taxa média de mercado, quando não há
prova da taxa de juros remuneratórios pactuada;
II – do art. 591 do CC/02 e dissídio jurisprudencial, porque é possível a
capitalização de juros.
Juízo Prévio de Admissibilidade: decorrido o prazo sem a apresentação das
contrarrazões ao recurso especial, foi este admitido na origem (fl s. 759/760).
Despacho de afetação (fls. 782/783): considerando a multiplicidade de
recursos com fundamento em idêntica questão de direito e o disposto no art. 2º,
§ 1º, da Resolução 08/STJ, afetei à 2ª Seção o julgamento do presente recurso
especial e do REsp 1.112.880/PR, para os efeitos do art. 543-C do CPC.
Determinei a expedição de ofícios ao Presidente do STJ, aos Presidentes
dos Tribunais Regionais Federais e aos Presidentes dos Tribunais de Justiça,
com cópia do acórdão recorrido e da petição de interposição do recurso especial,
comunicando a instauração do aludido procedimento, para que suspendam o
processamento dos recursos especiais que versem sobre a legalidade da cobrança
de juros remuneratórios devidos em contratos bancários, desde que não haja
prova da taxa pactuada ou a cláusula ajustada entre as partes não tenha indicado
o percentual a ser observado.
Manifestaram-se, nos termos do art. 3º, I, da Resolução 8/2008 do STJ,
a Defensoria Pública da União (fl s. 790/797), o BACEN (fl s. 799/811) e a
FEBRABAN (fl s. 813/870). O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
– IDEC -, entretanto, não se manifestou apesar de ter sido notifi cado (fl s. 901).
Parecer do Ministério Público Federal: por fi m, o Ministério Público Federal
opinou às fl s. 896/900 - em parecer da lavra do i. Subprocurador-Geral da
República Dr. Pedro Henrique Távora Niess - pela parcial procedência do
especial, para limitar aos juros remuneratórios à taxa média de mercado.
É o relatório.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 43-57, novembro 2017 51
VOTO
A Sra. Ministra Nancy Andrighi (Relatora):
DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO
A natureza do procedimento do art. 543-C do CPC visa unificar o
entendimento e orientar a solução de recursos repetitivos.
No despacho que instaurou o incidente do processo repetitivo, determinei
que fosse suspenso o processamento dos recursos especiais que “versem sobre a
legalidade da cobrança de juros remuneratórios devidos em contratos bancários, desde
que (i) não haja prova da taxa pactuada ou (ii) a cláusula ajustada entre as partes
não tenha indicado o percentual a ser observado.” (fl s. 636).
Quanto à possibilidade de capitalização mensal dos juros trazida no
especial, esse tema será apreciado apenas no exame do recurso representativo,
em face da afetação dos REsps 1.046.768/RS, 973.827/RS, 1.003.530/RS, para
os efeitos do art. 543-C do CPC.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
JUROS REMUNERATÓRIOS
No julgamento do Recurso Especial Repetitivo n. 1.061.530/RS, de minha
relatoria, 2ª Seção, DJe de 10/03/2009, adotaram-se as seguintes orientações
quanto aos juros remuneratórios:
a) as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros
remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/
STF;
b) a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só,
não indica abusividade;
c) são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo
bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) é admitida, em relações de consumo, a revisão das taxas de juros
remuneratórios em situações excepcionais, desde que a abusividade (capaz de
colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fi que
cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
52
Todavia, no referido julgamento, não foi abordada a legalidade da cobrança
de juros remuneratórios devidos em contratos bancários, quando não há prova
da taxa pactuada ou a cláusula ajustada entre as partes não tenha indicado o
percentual a ser observado. Dessarte, passa-se a analisar essa questão, nos termos
do art. 543-C do CPC.
JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE
CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE - ART. 543-C, § 7º, DO CPC
TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS
A 2ª Seção desta Corte pacifi cou o entendimento de que é nula a cláusula
contratual que prevê a incidência de juros remuneratórios, sem precisar a
respectiva taxa, visto que fi ca ao exclusivo arbítrio da instituição fi nanceira o
preenchimento de seu conteúdo. A fi xação dos juros, porém, não fi ca adstrita ao
limite de 12% ao ano, mas deve ser feita segundo à taxa média de mercado nas
operações da espécie.
A maioria dos Ministros que compõem esta 2ª Seção já teve a oportunidade
de apreciar o tema, conforme se verifi ca dos seguintes julgados:
APLICAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO
Relator Julgado Órgão
Aldir Passarinho Junior AgRg no REsp 1.068.221/PR – DJe 24/11/2008 4ª Turma
João Otávio de Noronha AgRg no REsp 1.003.938/RS – DJe 18/12/2008 4ª Turma
Luis Felipe Salomão AgRg no REsp 1.071.291/PR – DJe 23/03/2009 4ª Turma
Massami Uyeda REsp 1.039.878/RS – DJe 20/06/2008 3ª Turma
Nancy Andrighi AgRg no REsp 1.050.605/RS – DJe 05/08/2008 3ª Turma
Paulo Furtado AgRg no Ag 761.303/PR – DJe 04/08/2009 3ª Turma
Sidnei Beneti AgRg no REsp 1.015.238/RS – DJe 07/05/2008 3ª Turma
Vasco Della Giustina EDcl no Ag 841.712/PR – DJe 28/08/2009 3ª Turma
Fernando Gonçalves AgRg no REsp 1.043.101/RS – DJe 17/11/2008 4ª Turma
Traçando o histórico dos julgamentos promovidos pelo STJ sobre a
matéria, nota-se que o precedente uniformizador da jurisprudência é o REsp
715.894/PR, de minha relatoria, 2ª Seção, DJ de 19/03/2007, assim ementado:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 43-57, novembro 2017 53
“Direito bancário. Contrato de abertura de crédito em conta corrente. Juros
remuneratórios. Previsão em contrato sem a fixação do respectivo montante.
Abusividade, uma vez que o preenchimento do conteúdo da cláusula é deixado ao
arbítrio da instituição fi nanceira (cláusula potestativa pura). Limitação dos juros à
média de mercado (arts. 112 e 113 do CC/02). Art. 6º da LICC. Questão constitucional.
Honorários advocatícios. Ação condenatória. Estabelecimento em valor fixo.
Impossibilidade. Necessidade de observância da regra do art. 20, § 3º, do CPC.
- As instituições fi nanceiras não se sujeitam ao limite de 12% para a cobrança de
juros remuneratórios, na esteira da jurisprudência consolidada do STJ.
- Na hipótese de o contrato prever a incidência de juros remuneratórios, porém
sem lhe precisar o montante, está correta a decisão que considera nula tal cláusula
porque fi ca ao exclusivo arbítrio da instituição fi nanceira o preenchimento de seu
conteúdo. A fi xação dos juros, porém, não deve fi car adstrita ao limite de 12% ao
ano, mas deve ser feita segundo a média de mercado nas operações da espécie.
Preenchimento do conteúdo da cláusula de acordo com os usos e costumes, e com o
princípio da boa fé (arts. 112 e 133 do CC/02).
- A norma do art. 6º da LICC foi alçada a patamar constitucional, de modo que sua
violação não pode ser discutida em sede de recurso especial. Precedentes.
- Tratando-se de ação condenatória, os honorários advocatícios têm de ser fi xados
conforme os parâmetros estabelecidos no art. 20, § 3º do CPC. Merece reforma,
portanto, a decisão que os estabelece em valor fi xo. Precedentes.
Recursos especiais da autora e do réu conhecidos e parcialmente providos.”
Nesse precedente, declarou-se a nulidade da cláusula inserida em contrato
de abertura de crédito em conta corrente que previa a incidência de juros
remuneratórios sem defi nir a respectiva taxa, determinando-se a aplicação da
taxa média de mercado em operações da espécie.
- Da fi xação da taxa de juros remuneratórios.
A nulidade da cláusula em comento evidencia-se seja por abusividade (art.
51, X, do CDC) seja por ser potestativa (art. 122, do CC/02; 115 do CC/16).
Assim, têm-se apenas duas possibilidades: (i) a primeira, é a de simplesmente
extirpar a disposição do contrato, considerando não pactuados os juros
remuneratórios (arts. 168, parágrafo único e 169, do CC/02); (ii) a segunda,
seria a de estipular a taxa de juros a ser cobrada, segundo a intenção das partes,
para ajustar a disposição nula, nos termos do art. 170 do CC/02.
A primeira hipótese, de se considerar não pactuados os juros, não deve
prosperar, porque, mesmo quando não são previstos no contrato, a incidência
dos juros se presume nos empréstimos destinados a fi ns econômicos, nos termos
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
54
do art. 591 do CC/02, aplicável aos contratos fi rmados no período anterior à sua
vigência, no que diz respeito à regência dos respectivos efeitos, de acordo com
o art. 2.035 do CC/02 (REsp n. 691.738/SC). Conforme sustentei, juntamente
com o Ministro Sidnei Beneti e a Desembargadora Vera Andrighi, ao analisar
o art. 591 do CC/02 “nos mútuos contratados com fi ns econômicos, o mutuário recebe
o empréstimo, sob o compromisso de restituí-lo, juntamente com uma remuneração ao
mutuante, chamada de juros, prevalecendo tal regra mesmo naquelas hipóteses em que
as partes silenciaram sobre a retribuição ao empréstimo”. Vale dizer que “as partes
que queiram contratar gratuitamente mútuo com fi ns econômicos só poderão fazê-lo
se, por cláusula expressa, excluírem a incidência de juros”. (Comentários ao Novo
Código Civil, Vol. IX. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp 156-157).
Assim, o caminho é o da segunda hipótese, ou seja, deve-se preencher
a omissão do contrato, em relação aos juros que deixaram de ser previstos
na disposição reputada lacunosa. A partir daí, surgem dois desdobramentos
possíveis: a) perquirir se há previsão legal para o limite de juros, na espécie, ou
b) caso não haja esse limite legal, deve-se proceder à integração do contrato, de
acordo com a vontade presumida das partes.
Nos termos da jurisprudência do STJ, não há previsão legal que limite os
juros remuneratórios para as operações realizadas por instituições fi nanceiras.
Nesse sentido, entre outros, é o Recurso Especial Repetitivo n. 1.061.530/RS, de
minha relatoria, 2ª Seção, DJe de 10/03/2009.
Assim, ante a ausência de dispositivo legal indicativo dos juros aplicáveis,
torna-se necessário interpretar os negócios jurídicos, tendo em vista a intenção
das partes ao fi rmá-los, de acordo com o art. 112 do CC/02. Essa intenção, nos
termos do art. 113, deve ter em conta a boa-fé, os usos e os costumes do local da
celebração do contrato.
A jurisprudência do STJ tem utilizado para esse fi m a taxa média de
mercado. Essa taxa é adequada, porque é medida segundo as informações
prestadas por diversas instituições fi nanceiras e, por isso, representa o ponto de
equilíbrio nas forças do mercado. Além disso, traz embutida em si o custo médio
das instituições fi nanceiras e seu lucro médio, ou seja, um spread médio.
A adoção da taxa média de mercado ganhou força quando o Banco
Central do Brasil passou, em outubro de 1999, a divulgar as taxas médias,
ponderadas segundo o volume de crédito concedido, para os juros praticados
pelas instituições fi nanceiras nas operações de crédito realizadas com recursos
livres (conf. Circular n. 2.957, de 30.12.1999).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 43-57, novembro 2017 55
As informações divulgadas por aquela autarquia, as quais são acessíveis
a qualquer pessoa por meio da Internet (conforme http://www.bcb.gov.
br/?ecoimpom; ou http://www.bcb.gov.br/?TXCREDMES, acesso em
07.04.2010), são agrupadas de acordo com o tipo de encargo (prefi xado, pós-
fixado, taxas flutuantes e índices de preços), com a categoria do tomador
(pessoas físicas e jurídicas) e com a modalidade de empréstimo realizada (hot
money, desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro,
conta garantida, fi nanciamento imobiliário, aquisição de bens, ‘vendor’, cheque
especial, crédito pessoal, entre outros).
Dessarte, nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é
imediata, deve ser consignado no respectivo instrumento o montante dos juros
remuneratórios praticados. Ausente a fi xação da taxa no contrato, deve o juiz
limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo
Bacen. Esses são os usos e costumes, e é essa a solução que recomenda a boa-fé.
Ressalta-se que a taxa média somente não deverá prevalecer nas hipóteses
em que o efetivo índice praticado pelo banco se mostrar inferior a ela e, portanto,
mais vantajoso para o cliente.
É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em
que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida,
presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Dessa forma, nas
hipóteses em que não houver a divulgação pelo Bacen da taxa média relativa a
um contrato específi co, nada impede o juiz de acolher, com base em regras de
experiência, a média adotada pelo mercado em contratos similares.
CONSOLIDAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
Dessa forma, no que diz respeito aos juros remuneratórios, a 2ª Seção do
STJ consolida o entendimento de que:
a) nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é
imediata, deve ser consignado no respectivo instrumento o montante dos juros
remuneratórios praticados. Ausente a fi xação da taxa no contrato, deve o juiz
limitar os juros à média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo
Bacen, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
b) em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for
verifi cada abusividade nos juros remuneratórios praticados.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
56
JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO
I - Dos juros remuneratórios (violação do art. 4º, IX, da Lei 4.595/64, e
dissídio jurisprudencial).
Neste julgamento, trata-se de ação de revisão de cláusula contratual,
decorrente de contrato de cheque especial, que previu a incidência de juros
remuneratórios, sem precisar a respectiva taxa, na qual requer a declaração de
nulidade dessa cláusula.
O acórdão recorrido concluiu, mediante análise do substrato fático-
probatório do processo, que “inexistindo contrato, impossível a constatação do
percentual dos juros remuneratórios; impossível, inclusive a utilização da taxa média
de mercado. Diante dessa omissão, devem ser fi xados segundo prescreve o diploma legal
brasileiro” (fl s. 642). Por isso, limitou os juros remuneratórios em 6% ao ano, até
o advento do CC/02 e, a partir deste, em 12% ao ano.
A partir daí, extrai-se que não foi demonstrada a regularidade quanto ao
montante dos juros cobrados.
Assim, o reconhecimento da abusividade na cobrança dos juros conduz à
aplicação da taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen.
II – Da capitalização dos juros (violação do art. 591 do CC/02, e dissídio
jurisprudencial).
Nos termos da iterativa jurisprudência do STJ, é admitida a capitalização
de juros, inclusive em periodicidade inferior a anual, nos contratos de mútuo
bancário, desde que pactuada nos contratos bancários celebrados após 31 de
março de 2000. Nesse sentido: REsp 602.068/RS, Rel. Min. Antônio de Pádua
Ribeiro, 2ª Seção, DJ 21/03/2005; e AgRg no Ag 882.861/SP, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, 4ª Turma, DJ 11/02/2008.
A esse respeito, o acórdão recorrido reconheceu que houve capitalização de
juros e que o recorrente não juntou aos autos o contrato fi rmado entre as partes
(fl s. 645). Dessa forma, não demonstrada a expressa pactuação da capitalização
dos juros, é de afastar a sua incidência.
Ademais, a alegação do recorrente, de que não houve capitalização de
juros, não merece prosperar, pois alterar o decidido no acórdão impugnado exige
o reexame de fatos e provas, procedimento vedado em recurso especial pela
Súmula 7/STJ.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 43-57, novembro 2017 57
Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do Recurso
Especial e, nessa parte, DOU-LHE PROVIMENTO, para determinar a
incidência da taxa média de mercado aos juros remuneratórios.
Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das
custas processuais e dos honorários advocatícios, fi xados estes no valor de R$
2.000,00 (dois mil reais), que serão reciprocamente distribuídos e suportados
na proporção de 70% pelo recorrente e de 30% pela recorrida, e devidamente
compensados, conforme a Súmula 306/STJ.
Súmula n. 540
SÚMULA N. 540
Na ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor
escolher entre os foros do seu domicílio, do local do acidente ou ainda do
domicílio do réu.
Referência:
CPC, arts. 94, 100, parágrafo único, e 543-C.
Precedentes:
CC 106.676-RJ (2ª S, 14.10.2009 – DJe 05.11.2009)
CC 114.844-SP (2ª S, 13.04.2011 – DJe 03.05.2011)
CC 110.236-MS (2ª S, 25.05.2011 – DJe 02.06.2011)
(*)REsp 1.357.813-RJ (2ª S, 11.09.2013 – DJe 24.09.2013) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no REsp 1.195.128-RS (3ª T, 05.06.2012 – DJe 18.06.2012)
AgRg no REsp 1.240.981-RS (3ª T, 02.10.2012 – DJe 05.10.2012)
AgRg no AREsp 578.659-SP (3ª T, 25.11.2014 – DJe 04.12.2014)
REsp 1.059.330-RJ (4ª T, 11.11.2008 – DJe 15.12.2008)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 10.6.2015
DJe 15.6.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.357.813-RJ (2012/0262596-6)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: Marlene Felipe Madeira Gama
Advogados: Pedro Roberto das Graças Santos
Carla Moura Lobato Caldas Marins
Recorrido: Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S/A
Advogados: Sergio Bermudes
Luis Felipe Freire Lisboa
Danielle Kahn Silva
Shaiana Amorim da Cruz Rosa
Bruno Castelo Branco C. Pereira
Marcus Cosendey Perlingeiro
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO
CPC. AÇÃO DE COBRANÇA. ACIDENTE DE VEÍCULOS.
SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS
CAUSADOS POR VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIAS
TERRESTRES - DPVAT. DEMANDA DE NATUREZA
PESSOAL. FACULDADE DO AUTOR NA ESCOLHA
DO FORO PARA AJUIZAMENTO DA AÇÃO. FORO DO
DOMICÍLIO DO RÉU. ART. 94, CAPUT, DO CPC. LOCAL
DO ACIDENTE OU DE SEU DOMICÍLIO. ART. 100,
PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC.
1. Para fins do art. 543-C do CPC: Em ação de cobrança
objetivando indenização decorrente de Seguro Obrigatório de Danos
Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres -
DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre os seguintes foros
para ajuizamento da ação: o do local do acidente ou o do seu domicílio
(parágrafo único do art. 100 do Código de Processo Civil); bem como,
ainda, o do domicílio do réu (art. 94 do mesmo Diploma).
2. No caso concreto, recurso especial provido.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
64
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Segunda Seção
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial para
o fi m de declarar competente o Juízo de Direito da 52ª Vara Cível do Rio de
Janeiro-RJ, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Para os efeitos do art.
543-C, do CPC, foi fi xada a seguinte tese: Em ação de cobrança, objetivando
indenização decorrente de seguro obrigatório de danos pessoais causados por
veículos automotores de via terrestre - DPVAT, constitui faculdade do autor
escolher entre os seguintes foros para ajuizamento da ação: o do local do
acidente ou o do seu domicílio (parágrafo único do art. 100 do Código de
Processo Civil); bem como, ainda, o do domicílio do réu (art. 94 do mesmo
Diploma). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti,
Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy
Andrighi, João Otávio de Noronha e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo Filho.
Brasília (DF), 11 de setembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 24.9.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Marlene Felipe Madeira Gama
ajuizou ação de cobrança de indenização do Seguro Obrigatório de Danos
Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres - DPVAT em
face de Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S.A., em virtude
de acidente automobilístico que levou a óbito sua genitora (fl s. 24/29).
A ação foi ajuizada perante o Juízo de Direito da 52ª Vara Cível do Estado
do Rio de Janeiro, tendo a ré apresentado, além da contestação, exceção de
incompetência (fl s. 104/108), em que alega que a autora reside no Estado de
São Paulo e o suposto acidente também teria ocorrido naquele local. Assim, nos
termos do art. 100, parágrafo único, do Código de Processo Civil, a demanda
deveria ter sido proposta no Estado de São Paulo. Defende que, alternativamente,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 59-77, novembro 2017 65
seria aplicável o disposto no art. 100, inciso IV, alínea “d”, do CPC, o qual teria
o mesmo efeito prático, “na medida em que a competência seria declinada para a
Comarca de São Paulo, onde a obrigação deve ser cumprida”.
O Juízo de Direito da 52ª Vara Cível do Estado do Rio de Janeiro acolheu
a exceção de incompetência (fl s. 126/129).
Inconformada, a autora interpôs agravo de instrumento (fl s. 4/23) no
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, defendendo seu direito de
escolher onde proporia a ação.
O relator julgou monocraticamente o agravo e negou-lhe seguimento, nos
termos da seguinte ementa (fl s. 134/140):
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COM PEDIDO DE PAGAMENTO DE SEGURO
OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS CAUSADOS POR VEÍCULOS AUTOMOTORES
DE VIAS TERRESTRES (DPVAT). AUTORA DOMICILIADA EM OUTRO ESTADO,
ONDE OCORREU O FATO. AÇÃO AJUIZADA NO FORO DO DOMICÍLIO DO RÉU.
ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA
RELATIVA ATRAVÉS DE EXCEÇÃO, EM FAVOR DA COMARCA DE SÃO PAULO, LOCAL
DO ACIDENTE E DO DOMICÍLIO DA AUTORA. DECISÃO QUE DEVE SER MANTIDA,
EM RAZÃO DE POLÍTICA DE ADMINISTRAÇÃO JUDICIÁRIA, EVITANDO-SE O
DESVIO DA FINALIDADE DA LEI PROCESSUAL E A SOBRECARGA DESTE FORO. O
PAGAMENTO DO SEGURO DPVAT DECORRE DE OBRIGAÇÃO LEGAL (LEI 8441/92),
E NÃO POSSUI CARÁTER DE REPARAÇÃO DE DANO, DEVENDO A OBRIGAÇÃO SER
SATISFEITA NO DOMICÍLIO DO AUTOR. PREVALÊNCIA DO ART. 100, IV, ALÍNEA
“D”, DO CPC. JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DA CORTE SUPERIOR. RECURSO
A QUE SE NEGA SEGUIMENTO, COM AMPARO NO ARTIGO 557, DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL.
Em face da referida decisão, houve agravo interno assim ementado (fl s.
159/161):
AGRAVO INTERNO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. COBRANÇA DE
SEGURO OBRIGATÓRIO. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA CONFIRMADO. AUTOR
QUE RESIDE EM COMARCA E ESTADO DIVERSOS DESTE MUNICÍPIO. DECISÃO
MONOCRÁTICA NEGANDO SEGUIMENTO AO RECURSO. AGRAVO DO ARTIGO 557,
§ 1º, CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MANUTENÇÃO DO PROVIMENTO JUDICIAL
VERGASTADO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. Confi ra-se a ementa
(fl s. 175/178):
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
66
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. EFEITOS
INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. 1) Os embargos de declaração são instrumento
de integração do julgado, quer pela pouca inteligência de seu texto, quer
pela contradição em seus fundamentos, quer, ainda, por omissão em ponto
fundamental. Para admissão e provimento dos embargos de declaração é
indispensável que a peça processual apresente os requisitos legalmente exigidos
para a sua interposição, o que não ocorre no presente feito. 2) Não se prestam os
embargos de declaração à rediscussão de matéria já apreciada e julgada, sendo
certo que o julgador não está obrigado a dissertar sobre todos os dispositivos
legais invocados pelas partes. Embargos não providos.
Interpôs a autora recurso especial (fl s. 181/220), com fundamento no art.
105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, sustentando violação aos arts.
94, 100, parágrafo único e 112, do Código de Processo Civil.
Afirma que, nas ações de reparação de dano, o autor da ação tem as
seguintes alternativas: ou escolhe o foro geral do art. 94 do Código de Processo
Civil ou o foro do lugar do ato/fato; ou, ainda, se o dano for causado por
veículo, poderá propor a ação em seu próprio domicílio, nos termos do art. 100,
parágrafo único, do Codex.
Assim, defende que, independentemente de o local do fato ou da residência
da autora ser em Estado diverso, é possível o ajuizamento da ação no foro do
domicílio do réu.
Salienta que as regras de competência foram criadas para favorecer a vítima
do acidente, que poderá, assim, escolher onde quer propor a ação e que, diante
do permissivo legal, optou em ajuizar a demanda no foro do domicílio do réu.
Em contrarrazões (fl s. 248/254), defende a recorrida que não há razão
para que a recorrente tenha optado em propor a ação em local que não seja o de
sua residência ou onde ocorreu o acidente, defendendo a aplicação do art. 100,
inciso IV, alínea “d” e parágrafo único, do CPC.
Salienta que “tem havido uma quantidade brutal de ações distribuídas na
comarca do Rio de Janeiro, que têm como objeto o seguro DPVAT, sendo que
os autores residem nos mais distantes locais, e os acidentes também ocorridos
em local distinto, não fazendo sentido a ajuizamento nesta comarca”.
Por fi m, levanta a hipótese de que as ações podem estar sendo propostas na
Comarca do Rio de Janeiro em benefício dos advogados dos autores e aduz não
haver qualquer prejuízo para a recorrida no declínio da competência para o foro
onde ocorreu o acidente ou o de sua residência.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 59-77, novembro 2017 67
Admitido o apelo nobre (fls. 261/263), ele foi selecionado como
representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C, § 1º, do CPC (fl . 263).
Na forma do que preceitua o artigo 543-C do CPC, determinei a ciência e
facultei manifestação, no prazo de 15 (quinze) dias (art. 3º, I, da Resolução STJ
n. 08/2008), ao Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP.
Conforme certifi cado à fl . 295, o IBDP não se manifestou.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada,
opinou pelo conhecimento e “provimento do recurso especial, para fi xar-se a
tese de que o consumidor - enquanto autor - tem a plena faculdade de optar
pelo foro do seu domicílio, do local do fato ou do domicílio do réu ou o de
eleição para demandar o réu”, nos termos da seguinte ementa:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO
OBRIGATÓRIO.
- O contrato de seguro, não obstante se trate de DPVAT, é uma relação de
consumo, posto que toda relação securitária por disposição expressa de lei é
albergada pelo Código de Defesa do Consumidor.
- Na ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher
entre o foro do seu próprio domicílio, o do local do acidente ou, ainda, o do
domicílio do réu. Trata-se de uma competência territorial múltipla ad nutum do
consumidor-autor.
- Se o autor-consumidor, renunciando tacitamente a foro melhor, opta por
demandar o réu no foro do seu domicílio, esta opção é inafastável porque mais
benéfi ca à defesa e atende à regra geral do art. 94, do CPC.
- Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso especial.
A Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor - MPCON
pugnou pela sua admissão no feito na condição de amicus curiae e vista dos autos
pelo prazo de 15 (quinze) dias, com base nos arts. 543-C, § 4º, do CPC e 3º, I,
da Resolução STJ n. 8/2008 (fl s. 297/317).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. Inicialmente, aprecio o
requerimento da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor -
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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MPCON (fl s. 297/299) para sua admissão no feito como amicus curiae e pedido
de vista dos autos pelo prazo de 15 (quinze) dias, com base nos arts. 543-C, § 4º,
do CPC e 3º, I, da Resolução STJ n. 8/2008.
Os fundamentos invocados estão sintetizados no trecho abaixo transcrito:
A MPCON - Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor é
uma associação civil de âmbito nacional, multidisciplinar, sem fi ns lucrativos e
fi liação partidária, de caráter científi co e pedagógico, de duração indeterminada
e que congrega membros do Ministério Público Nacional e, conforme prescreve
o estatuto social no seu artigo 2º, alínea “a”, tem como objetivo “promover a
proteção dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos
consumidores, garantindo a sua defesa judicial e extrajudicial.” Logo, é legítima
sua intervenção como amicus curiae pois a relevância da matéria produz efeitos
de interesses difusos, coletivo em sentido estrito e individual homogêneo com
relevância e sem relevância social e, também, atinge a esfera jurídica de direitos
meramente individuais”.
Portanto, o interesse jurídico da MPCON no presente julgamento é
abstrato e não há relação direta com o objeto jurídico controvertido submetido
ao regime do art. 543-C do CPC, possuindo apenas interesse subjetivo no
resultado do julgamento.
Nesse sentido, confi ram-se os precedentes:
ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO. RESOLUÇÃO STJ 12/2009. TELEFONIA FIXA.
DECISÃO DE TURMA RECURSAL QUE JULGA ILEGAL A ASSINATURA BÁSICA.
AFRONTA À JURISPRUDÊNCIA DO STJ EVIDENCIADA. SÚMULA 356/STJ E RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA N. 1.068.944/PB (ART. 543-C DO
CPC).
[...].
2. Descabido o pedido de intervenção no processo, postulado pelo advogado
Márcio Adriano Caravina, na condição de amicus curiae, pois ele, diferentemente
de representar alguma instituição cuja fi nalidade esteja diretamente ligada ao
objeto discutido nestes autos, apenas possui interesse subjetivo no resultado do
julgamento, o que é insufi ciente para a habilitação no processo.
[...].
4. Pedido de ingresso no feito como amicus curiae indeferido, com
determinação de desentranhamento dos documentos juntados.
5. Reclamação procedente.
(Rcl 4.982/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 27/04/2011, DJe 04/05/2011)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 59-77, novembro 2017 69
TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO – EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE
ENERGIA ELÉTRICA – DECRETO-LEI 1.512/76 E LEGISLAÇÃO CORRELATA –
RECURSO ESPECIAL: JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE – INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE – PRESCRIÇÃO: PRAZO E TERMO A QUO –
CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS REMUNERATÓRIOS – JUROS MORATÓRIOS –
TAXA SELIC.
I. AMICUS CURIAE: As pessoas jurídicas contribuintes do empréstimo
compulsório, por não contarem com a necessária representatividade e por
possuírem interesse subjetivo no resultado do julgamento, não podem ser
admitidas como amicus curiae.
[...].
(REsp 1.003.955/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 12/08/2009, DJe 27/11/2009)
Ademais, a referida Associação é constituída por membros do Ministério
Público, tendo o referido órgão ministerial atuado regularmente nos autos e
emitido parecer conclusivo, juntado às fl s. 285/293.
Por fim, as questões jurídicas estabelecidas nos presentes autos estão
absolutamente maduras para o julgamento, mostrando-se desnecessários
esclarecimentos suplementares ao seu desate.
Ante o exposto, indefi ro a admissão da requerente na qualidade de amicus
curiae.
3. No mais, a controvérsia que ora se examina diz respeito à defi nição do
foro competente para processar e julgar ação de cobrança decorrente de Seguro
Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias
Terrestres - DPVAT.
3.1. A regra geral de competência territorial encontra-se insculpida no art.
94, caput, do Código de Processo Civil e indica o foro do domicílio do réu como
competente para as demandas que envolvam direito pessoal, quer de natureza
patrimonial ou extrapatrimonial, e para as que versem acerca de direito real
sobre bens móveis.
Confi ra-se o teor do dispositivo:
Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real
sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.
[...].
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
70
3.2. Nada obstante, o art. 100, excepcionando o dispositivo antes
mencionado, prescreve foros especiais em diversas situações; as quais, quando
confi guradas, possuem o condão de afastar o comando geral ou relegá-lo à
aplicação subsidiária.
Na hipótese, importa-nos o foro especial previsto no parágrafo único do
art. 100 do CPC, que assim dispõe:
Art. 100. É competente o foro:
[...].
Parágrafo único. Nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito
ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local
do fato.
Em princípio, a norma contida no artigo 100, parágrafo único, do Código
de Processo Civil revela elementos que permitem classifi cá-la como específi ca
em relação à do artigo 94 do mesmo diploma, o que, em um exame superfi cial,
desafi aria a solução da conhecida regra de hermenêutica encartada no princípio
da especialidade (lex specialis derrogat generalis).
4. A situação dos autos, contudo, não permite esse tipo de técnica
interpretativa.
Na hipótese, a regra específi ca, contida no artigo 100, parágrafo único, não
contrasta com a genérica, inserta no artigo 94.
Na verdade, ambas se completam.
Com efeito, a demanda objetivando o recebimento do seguro obrigatório
DPVAT é de natureza pessoal, implicando a competência do foro do domicílio
do réu (art. 94, caput do CPC).
Acerca dessa natureza pessoal do seguro obrigatório DPVAT, Rafael
Tárrega Martins registra:
Com o advento do diploma que ainda vige entre nós (Lei n. 6.194/74), a
natureza jurídica do seguro obrigatório transmudou-se, abandonando o
campo da responsabilidade civil e surgindo como um seguro eminentemente
de danos pessoais. Assim, característicos próprios foram a ele incorporados,
diferenciando-o, por conseguinte, de outras modalidades de seguro. Mister
destacarmos que essa mudança de postura no tocante à sua natureza fez com
qua a própria nomenclatura e ele atribuída sofresse alteração. Foi quando
passamos a descrevê-lo como Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados
por Veículos Automotores de Vias Terrestres - DPVAT, e não mais como seguro
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 59-77, novembro 2017 71
de responsabilidade civil dos proprietários de veículos automotores de vias
terrestres, denominação que antes possuía. (MARTINS, Rafael Tárrega. Seguro
DPVAT. Campinas, Editora LZN, 2007, p. 29/30).
Por outro lado, o art. 100, parágrafo único, do CPC dispõe que “nas ações
de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos será
competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato”.
Celso Agrícola Barbi tece oportunas considerações a respeito da aplicação
do art. 100, parágrafo único, do CPC:
O parágrafo único do art. 100 introduz importante novidade em nosso direito.
O aumento da rede de rodovias e sua interligação, ao lado da decadência das
ferrovias, trouxe considerável acréscimo no tráfego de automóveis, caminhões
e ônibus em todo o País, e, em consequência, aumento no número de acidentes
causados por eles.
Dada a grande extensão territorial do País, veículos pertencentes a pessoa
residente em um local causam dano em acidente ocorrido em outro, a centenas
ou milhares de quilômetros. A regra geral do foro do domicílio do réu não era
capaz de atender às necessidades surgidas dessa nova fonte de demandas,
porque a vítima tinha de ajuizar a ação em distantes comarcas, longe de seu
domicílio e do local do fato.
O Código atual veio atender aos reclamos gerais, considerando o foro do lugar
do acidente competente para a ação de reparação do dano causado por ele.
(BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. Vol. I. 13. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008. p. 351).
Nesse contexto, a regra prevista no art. 100, parágrafo único, do CPC cuida
de faculdade que visa a facilitar o acesso à justiça ao jurisdicionado, vítima do
acidente; não impedindo, contudo, que o benefi ciário da norma especial “abra
mão” desta prerrogativa, ajuizando a ação no foro domicílio do réu (art. 94 do
CPC).
Assim, trata-se de hipótese de competência concorrente.
Acerca da mencionada competência concorrente, Celso Agrícola Barbi
leciona:
A competência do foro do lugar do acidente, ou delito, para a ação de
reparação do dano por ele causado, não é exclusiva. O parágrafo em exame a
considera concorrente com a do foro do domicílio do autor, cabendo a este optar
por um desses dois foros.
Tratando-se de regra criada em favor da vítima do delito ou acidente, pode ela
abrir mão dessa prerrogativa e, se lhe convier, ajuizar a ação no foro do domicílio
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
72
do réu. Como se vê há, na realidade, três foros concorrentes, à escolha do autor:
o do lugar do fato, o do domicílio do autor e o do domicílio do réu. E o réu não
tem poder legal de se opor a essa escolha. (BARBI, Celso Agrícola. Comentários
ao código de processo civil. Vol. I. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 351-352).
Ou seja, como o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por
Veículos Automotores de Vias Terrestres - DPVAT ancora-se em fi nalidade
eminentemente social, qual seja, a de garantir, inequivocamente, que os danos
pessoais sofridos por vítimas de veículos automotores sejam compensados ao
menos parcialmente, torna-se imprescindível garantir à vítima do acidente
amplo acesso ao Poder Judiciário em busca do direito tutelado em lei.
Aqui, mais uma vez, trago as lições de Rafael Tárrega Martins:
Como bem ressaltado por Paulo Lucio Nogueira (NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Prática, processo e jurisprudência: seguro obrigatório. Curitiba: Juruá, 1978. 32 v. p.
28.), “trata-se de uma inovação salutar introduzida pela lei processual civil vigente,
pois sempre foi nosso entendimento de que a justiça deve favorecer a vítima e
difi cultar o crime; auxiliar o que necessita obter a prestação jurisdicional e criar
embaraços ao desonesto.”
Mais uma vez o espírito do legislador caminhou para a visão social do seguro
obrigatório. Em verdade o autor da demanda atinente ao DPVAT possui três
opções de foro competente: seu domicílio; o local do fato; e o domicílio do réu.
Nenhuma exceção de incompetência argüida pela seguradora poderá modifi car
esta disposição, nem mesmo aquelas prescritas no código processual civil
tratando das prerrogativas conferidas às pessoas jurídicas de serem acionadas
onde estiver sua sede ou fi lial em que exerça sua atividade principal. (MARTINS,
Rafael Tárrega. Seguro DPVAT. Campinas, Editora LZN, 2007, p. 90).
Ademais, em relação à possibilidade de o réu, quando demandado em seu
domicílio, propor incidente de exceção de incompetência, importante ressaltar
que Antônio Carlos Marcato entende que, em princípio, inexiste interesse do
réu em arguir a incompetência do juízo, pois ele próprio será benefi ciado pela
prorrogação da competência (MARCATO, Antônio Carlos, coordenador.
Código de processo civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 310);
entendimento esse também adotado por Celso Agrícola Barbi, no sentido
de que “o réu não tem poder legal de se opor a essa escolha” (BARBI, Celso
Agrícola. Comentários ao código de processo civil. Vol. I. 13. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008. p. 352).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery também seguem a
mesma linha. Confi ra-se:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 59-77, novembro 2017 73
19. Foros concorrentes. É do autor a opção pelo ajuizamento da ação no foro de
seu domicílio ou no foro do lugar do acidente. O réu não pode opor-se à opção do
autor. Este, entretanto, pode renunciar à prerrogativa de foro e ajuizar a ação no
domicílio do réu. Se isto ocorrer, ao réu é vedado arguir a incompetência relativa,
por falta de interesse processual, já que estaria sendo benefi ciado com a escolha
do autor pelo foro do domicílio dele, réu. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria
de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 11 ed.
rev., amp. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 372) - grifou-se.
Nesse diapasão, o réu não poderá opor-se à opção feita pelo autor da
demanda, por meio de exceção de incompetência, quando este último propuser a
ação em seu domicílio, por ausência de interesse de agir.
5. A jurisprudência deste Tribunal é tranquila a respeito do tema em
questão. Confiram-se diversos precedentes desta Corte Superior, que
demonstram a solidez do entendimento acerca dessa matéria:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DPVAT. AÇÃO DE COBRANÇA.
FORO. COMPETÊNCIA RELATIVA. LOCAL DO ACIDENTE. DOMICÍLIO DO AUTOR OU
DO RÉU. LIVRE ESCOLHA DO AUTOR DA AÇÃO. PRECEDENTES.
1. A Segunda Seção desta Corte fi rmou entendimento no sentido de que, na
ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre
o foro do seu próprio domicílio, o do local do acidente ou, ainda, o do domicílio
do réu.
2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1.240.981/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/2012, DJe 05/10/2012)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DPVAT. AÇÃO DE COBRANÇA.
FORO. COMPETÊNCIA RELATIVA. PRECEDENTES.
1. A Segunda Seção desta Corte fi rmou entendimento no sentido de que, na
ação de cobrança do seguro DPVAT, constitui faculdade do autor escolher entre
o foro do seu próprio domicílio, o do local do acidente ou, ainda, o do domicílio
do réu.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.195.128/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 18/06/2012)
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. ACIDENTE DE VEÍCULOS.
SEGURO OBRIGATÓRIO - DPVAT.
1. Constitui faculdade do autor escolher entre qualquer dos foros possíveis
para ajuizamento da ação decorrente de acidente de veículos: o do local do
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
74
acidente ou o do seu domicílio (parágrafo único do art. 100 do CPC); bem como,
ainda, o do domicílio do réu (art. 94 do CPC). Precedentes.
2. Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo suscitado.
(CC 114.844/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 13/04/2011, DJe 03/05/2011)
DPVAT. COBRANÇA. COMPETÊNCIA RELATIVA. SÚMULA 33/STJ.
1 - Na ação por danos decorrentes de acidente de trânsito, o autor tem a
faculdade de propor a ação no foro do seu próprio domicílio (regra geral do art.
94 do CPC), no foro do local do acidente ou, ainda, no foro do domicílio do réu
(art. 100, parágrafo único do CPC). Se pode o autor optar em propor a demanda
no foro que lhe é mais conveniente, a competência é relativa, não podendo ser
declinada de ofício, conforme a súmula 33/STJ.
2 - Confl ito conhecido para declarar competente o JUÍZO DE DIREITO DA 1ª
VARA CÍVEL DE MURIAÉ - MG, suscitado.
(CC 106.676/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 14/10/2009, DJe 05/11/2009)
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO ALVEJADO QUE, DE
OFÍCIO, DECLINA DA COMPETÊNCIA PARA COMARCA DIVERSA. IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA 33/STJ. DEMANDA DE NATUREZA PESSOAL. COMPETÊNCIA DO FORO
DO DOMICÍLIO DO RÉU. ART. 94, CAPUT, E ART. 100, PARÁGRAFO ÚNICO DO CPC.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA ANULAR O ACÓRDÃO RECORRIDO.
1. O foro competente para o ajuizamento da ação não é defi nido ao nuto do
julgador, mas sim em conformidade com as regras de fi xação e prorrogação de
competência entabuladas na Lei Instrumental.
2. “A incompetência relativa não pode ser declarada de ofi cio” (Súmula 33/STJ).
3. A demanda objetivando o recebimento do seguro DPVAT é de natureza
pessoal, implicando a competência do foro do domicílio do réu. Além disso, a
regra contida no art. 100 do CPC é mera faculdade que visa a facilitar o acesso à
Justiça.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1.059.330/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 11/11/2008, DJe 15/12/2008)
Verifi cam-se também diversas decisões monocráticas que caminham no
mesmo sentido: CC 125155/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, publicado em
15/8/2013; CC 129.208/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, publicado
em 12/8/2013; CC 126.621/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, publicado em
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 59-77, novembro 2017 75
1º/7/2013; CC 128.243/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, publicado
em 24/6/2013; CC 125.008/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
publicado em 8/3/2013; CC 125.634/SP Rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira,
publicado em 6/3/2013, dentre muitas outras.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges de Andrada
(fl s. 285/293), também opinou no sentido de fi xar-se a tese de que o autor
tem a plena faculdade de optar pelo foro do seu domicílio, do local do fato ou
do domicílio do réu ou o de eleição, para ajuizar a demanda. Segue trecho do
parecer nesse sentido:
[...] a jurisprudência é pacífi ca no sentido de que na ação de cobrança do
seguro DPVAT constitui faculdade do autor escolher entre o foro do seu próprio
domicílio, o do local do acidente (parágrafo único do art. 100 do CPC) ou, ainda, o
do domicílio do réu (art. 94 do CPC). Acerca do tema:
[...].
Sobre esse aspecto, cumpre asseverar que trata-se de uma competência
territorial múltipla ad nutum do autor, que tem a faculdade de escolha entre
diversos foros possíveis.
Ad argumentandum tantum, a regra geral para a fixação competência no
foro do domicílio do réu (art. 94, do CPC), quando escolhida pelo autor, se torna
inafastável e o réu jamais poderá se opor a isso, simplesmente porque sempre lhe
será mais benéfi co. Nas lições de PONTES DE MIRANDA (Comentários ao Código
de Processo Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, Tomo II, p. 245. Atualizador:
Ségio Bermudes):
Basta pensar-se em quanto seria difl cil atribuir-se ao foro do autor, sendo
muitas as pessoas que poderiam, em diferentes circunscrições, propor
ações contra o mesmo réu, para se compreender o acerto de ser o domicilio
do réu, e não o do autor, que determine a competência. Assim, ficam
centralizadas no foro do réu todas as demandas contra ele. Ai, por ser o
do seu domicilio, mais fácil é encontrá-lo. Aí estão os bens, que possui,
os informes sobre a sua vida de negócios, porque, segundo a defi nição
de direito material, o domicilio civil é o lugar onde ele estabelece a sua
residência com ânimo defi nitivo.
Por outro turno, o argumento do Tribunal a quo de que “o pagamento de
seguro DPVAT não tem caráter de reparação de dano, mas sim de obrigação
decorrente de lei, qual seja, a Lei 8.441/92, devendo prevalecer, assim, a regra
estampada no art. 100, IV alínea “d” do CPC” (fl s. 135-136e) não colhe por duas
razões, data venia.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
76
Em primeiro, a regra estampada no art. 100, do CPC trata de competência
territorial especial instituída, em regra, para benefi ciar a parte hipossufi ciente ou
vítima. Assim, por não ser absoluta, constituiu uma faculdade ao autor, que pode
renunciá-la expressa ou tacitamente. Ora, cui licet quod est plus, licet utique quod
est minus - quem pode o mais, pode o menos - pois a quem se concede o mais,
entende-se que lhe foi concedido o menos. A propósito:
Havemos de entender que o lugar em que tem de ser satisfeita
a obrigação é de grande relevância que a ação para exigência do
cumprimento da obrigação supõe existência e validade do negócio jurídico
de que se diz irradiar a obrigação. A solução mais adequada é a de se
considerarem competentes os dois foros: o do lugar em que teria de ser
cumprida a obrigação e o do domicílio do réu (art. 94 e §§ 1º, 2º, 3º e 4º).
Qualquer ação de reparação de dano pode ser proposta no foro do lugar
do ato ou do fato que lhe deu causa. Pegunta-se: pode ser proposta no foro
do domicílio do réu? Sim; o art. 94 permite-o em todas as espécies, pois que tal
propositura é, “em regra”, admitida.
[...].
Seja como for, a ação é proponível no lugar de onde veio a causa ou no
lugar em que o dano se causou. Mas isso não afasta a proponibilidade no
foro do domicílio do autor (art. 100, parágrafo único).
Ainda mais: não se exclua poder o lesado propor a ação no foro do domiclio
do réu. Escolhe ele entre os três foros, sem possível exceção de incompetência
oposta pelo réu. (MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo
Civil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, Tomo 11, pp. 208-281. Atualizador:
Ségio Bermudes - grifou-se).
Por fi m, o DPVAT, a par de seguro social, não deixa de ter natureza também
contratual, pois, não obstante seu caráter obrigatório e em que pese o conteúdo
de suas cláusulas ser amplamente regulado, ele é negócio jurídico que formaliza
uma troca econômica, em que os segurados mutuamente se caucionam contra
certos riscos, pagando um prêmio em busca da segurança própria e alheia.
Portanto, possui natureza reparatória ex lege privada de caráter social.
Em suma, diante da competência territorial múltipla estabelecida ad nutum
do autor-consumidor, tem-se uma opção dada ao autor-consumidor, que dela
poderá renunciar expressa ou tacitamente para, em benefício do réu, eleger a
regra geral, que é a do domicilio do demandado (art. 94, CPC).
6. Assim, o entendimento a ser fi rmado para efeitos do art. 543-C do
CPC, que ora encaminho, é o seguinte:
Em ação de cobrança, objetivando indenização decorrente de Seguro Obrigatório
de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres - DPVAT,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 59-77, novembro 2017 77
constitui faculdade do autor escolher entre os seguintes foros para ajuizamento da ação:
o do local do acidente ou o do seu domicílio (parágrafo único do art. 100 do CPC); bem
como, ainda, o do domicílio do réu (art. 94 do mesmo Diploma).
7. No caso concreto, o Tribunal a quo manteve a decisão do juiz de primeiro
grau que acolheu exceção para declinar de sua competência para umas das varas
cíveis da Comarca de São Paulo, local do domicílio da autora e local onde teria
ocorrido o acidente.
Assim, nota-se que o acórdão recorrido não aplicou o entendimento ora
proposto, razão pela qual deve ser reformado.
8. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para o fi m de
declarar competente o Juízo de Direito da 52ª Vara Cível do Estado do Rio de
Janeiro.
É como voto.
Súmula n. 541
SÚMULA N. 541
A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao
duodécuplo da mensal é sufi ciente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual
contratada.
Referências:
CC/2002, art. 591.
CPC, art. 543-C.
MP n. 1.963-17/2000, art. 5º, atual.
MP n. 2.170-36/2001, art. 5º.
Decreto n. 22.626/1933, art. 4º.
Súmulas n. 121 e 596 do STF.
Precedentes:
(*)REsp 973.827-RS (2ª S, 08.08.2012 – DJe 24.09.2012) –
acórdão publicado na íntegra
(*)REsp 1.251.331-RS (2ª S, 28.08.2013 – DJe 24.10.2013) –
acórdão publicado na íntegra na
Súmula 565
AgRg no AREsp 227.946-DF (3ª T, 11.06.2013 – DJe 18.06.2013)
AgRg no AREsp 581.366-MS (3ª T, 03.03.2015 – DJe 06.03.2015)
AgRg no REsp 1.196.403-RS (4ª T, 19.02.2013 – DJe 26.02.2013)
EDcl no
AgRg no REsp 1.260.463-RS (4ª T, 05.09.2013 – DJe 17.09.2013)
AgRg no AREsp 583.727-RS (4ª T, 24.02.2015 – DJe 03.03.2015)
AgRg no AREsp 591.460-RS (4ª T, 16.04.2015 – DJe 23.04.2015)
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 10.6.2015
DJe 15.6.2015
RECURSO ESPECIAL N. 973.827-RS (2007/0179072-3)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Relatora para o acórdão: Ministra Maria Isabel Gallotti
Recorrente: Banco Sudameris Brasil S/A
Advogado: Luiz Carlos Sturzenegger e outro(s)
Recorrido: João Felipe Zanella Felizardo
Advogado: Daniel Demartini
Interes.: Banco Central do Brasil - “Amicus Curiae”
Procurador: Procuradoria-Geral do Banco Central
Interes.: Federação Brasileira de Bancos FEBRABAN - “Amicus Curiae”
Advogado: Luiz Rodrigues Wambier e outro(s)
Interes.: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor IDEC - “Amicus Curiae”
Advogado: Maria Elisa Cesar Novais e outro(s)
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL
REPETITIVO. AÇÕES REVISIONAL E DE BUSCA
E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO.
CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA
DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DE
JUROS. JUROS COMPOSTOS. DECRETO 22.626/1933
MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. COMISSÃO DE
PERMANÊNCIA. MORA. CARACTERIZAÇÃO.
1. A capitalização de juros vedada pelo Decreto 22.626/1933 (Lei
de Usura) em intervalo inferior a um ano e permitida pela Medida
Provisória 2.170-36/2001, desde que expressamente pactuada, tem
por pressuposto a circunstância de os juros devidos e já vencidos
serem, periodicamente, incorporados ao valor principal. Os juros não
pagos são incorporados ao capital e sobre eles passam a incidir novos
juros.
2. Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática
fi nanceira, de “taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”,
métodos usados na formação da taxa de juros contratada, prévios ao
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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início do cumprimento do contrato. A mera circunstância de estar
pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros não implica capitalização
de juros, mas apenas processo de formação da taxa de juros pelo
método composto, o que não é proibido pelo Decreto 22.626/1933.
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:
- “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior
a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação
da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-
36/2001), desde que expressamente pactuada.”
- “A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual
deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato
bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é
sufi ciente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada”.
4. Segundo o entendimento pacifi cado na 2ª Seção, a comissão de
permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos
remuneratórios ou moratórios.
5. É lícita a cobrança dos encargos da mora quando caracterizado
o estado de inadimplência, que decorre da falta de demonstração da
abusividade das cláusulas contratuais questionadas.
6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
ACÓRDÃO
Retifi cada, por unanimidade, a proclamação ocorrida na sessão do dia
27/06/2012 para modifi cação do item 2 das teses fi xadas para os efeitos do
artigo 543, C, do CPC, passando o item 2 a ser o seguinte: “... 2) A capitalização
dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa
e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao
duodécuplo da mensal é sufi ciente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual
contratada.”
RETIFICADA, FICA A PROCLAMAÇÃO INTEGRAL DA
SEGUINTE FORMA:
Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Isabel
Gallotti divergindo do Sr. Ministro Relator e dando provimento ao recurso
especial em maior extensão, no que foi acompanhada pelos Srs. Ministros
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 85
Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi, a
Segunda Seção, por maioria, deu provimento ao recurso especial, em maior
extensão, vencidos os Srs. Ministros Relator, Paulo de Tarso Sanseverino e
Nancy Andrighi.
Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Para os efeitos do artigo 543, C, do CPC, foram fi xadas as seguintes teses:
1) É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um
ano em contratos celebrados após 31/3/2000, data da publicação da Medida
Provisória n. 1.963-17/2000, em vigor como MP n. 2.170-01, desde que
expressamente pactuada;
2) A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir
pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa
de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é sufi ciente para permitir a
cobrança da taxa efetiva anual contratada.
Impedido o Sr. Ministro Massami Uyeda.
Ausente, justifi cadamente, na assentada do dia 08/08/2012, a Sra. Ministra
Nancy Andrighi.
Brasília (DF), 08 de agosto de 2012 (data do julgamento).
Ministra Maria Isabel Gallotti, Relatora para acórdão
DJe 24.9.2012
VOTO VENCIDO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. João Felipe Zanella Felizardo
ajuizou ação revisional de contrato de fi nanciamento em face de Banco Sudameris
Brasil S/A buscando a declaração da nulidade de cláusulas supostamente
abusivas, referentes à taxa de juros remuneratórios, capitalização mensal de juros
e cumulação da correção monetária com a comissão de permanência. Na inicial,
o autor pleiteou a limitação da taxa de juros em 12% ao ano, o reconhecimento
da vedação do anatocismo e a declaração de impossibilidade de coexistência da
correção monetária com a comissão de permanência.
Foi indeferido o pedido de antecipação de tutela, efetuado com o intuito
de impedir o Banco de inscrever o nome do autor nos órgãos de restrição de
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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crédito, bem como para coibir o protesto das notas promissórias relativas ao
contrato objeto da demanda (fl . 23).
O agravo de instrumento interposto contra tal decisão foi provido “para
o fi m de conceder a medida acautelatória do direito do agravante e proibir o
agravado de incluir o nome deste em órgãos de proteção ao crédito, excluindo-o,
caso já efetivado o registro, e desde que deposite, mensalmente, na data do
vencimento de cada parcela, o valor que entende devido” (fl . 78).
Paralelamente a este feito, o Banco Sudameris Brasil S/A manejou ação
de busca e apreensão do veículo, objeto do contrato avençado entre as partes.
Na sequência, a instituição fi nanceira requereu a conversão do feito em ação de
depósito, o que foi deferido (fl . 75 dos autos em apenso).
O magistrado de primeiro grau apreciou os processos conjuntamente,
em razão da continência existente, julgando improcedentes os pedidos da ação
revisional e procedentes os da de depósito, “para condenar o réu, como devedor
fi duciário equiparado a depositário, a restituir ao autor o veículo descrito na
inicial, no prazo de vinte e quatro (24) horas, ou a importância equivalente em
dinheiro, sob pena de prisão como depositário infi el, nos termos dos artigos 901
e 904 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil” (fl . 92). Na ocasião, o
julgador ressalvou ao autor a utilização da faculdade estabelecida no art. 906 do
CPC e estipulou a verba sucumbencial em desfavor do consumidor, fi xando os
honorários advocatícios em R$ 900,00, considerando o disposto no art. 20, § 4º,
do CPC.
A apelação interposta foi provida, por maioria, em acórdão assim resumido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO
GARANTIDO POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO
NO TOCANTE À MANUTENÇÃO NA POSSE DO BEM OBJETO DO CONTRATO.
POSSIBILIDADE DE REVISÃO. INCIDÊNCIA DO CDC. JUROS REMUNERATÓRIOS.
CAPITALIZAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE
BUSCA E APREENSÃO. COMPENSAÇÃO.
Não merece acolhimento a preliminar de preclusão no tocante à posse do bem
objeto do contrato, pois o ajuizamento da ação revisional de contrato poderá
afastar a mora, eis que está em discussão o contrato celebrado entre as partes, no
qual também se fundamenta a Ação de Busca e Apreensão, convertida em Ação
de Depósito.
É certa a incidência do Código de Defesa do Consumidor em Contrato, como
prevê o seu art. 3º, § 2º, assim como do art. 166 do Código Civil, que autorizam a
sua revisão.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 87
Não merecem manutenção os juros remuneratórios pactuados em taxa
superior a 12% ao ano, conforme limitação constante no Decreto 22.626/33, no
CDC, e diante de ausência de prova de que o fi nanciador tenha autorização do
CMN para praticar taxas superiores.
Inexistindo previsão legal, é incabível a capitalização mensal de juros, em
contrato de fi nanciamento garantido por alienação fi duciária, devendo incidir a
anual, nos termos do art. 591 do Código Civil.
É impossível a cobrança de comissão de permanência, mesmo que não seja
de forma cumulada com correção monetária, de percentual superior à taxa
do contrato (Súmula 294 do STJ), assim como não é cabível a sua incidência
cumulada com juros moratórios e multa.
É possível a compensação de valores quando se trata de ação revisional,
depois de liquidada a sentença.
A exigência de encargos ilegais e/ou abusivos afasta a mora, cuja conseqüência
é a improcedência da Ação de Busca e Apreensão.
Preliminar desacolhida.
Apelação Cível provida, por maioria (fl . 140).
Os embargos de declaração opostos pelo banco réu foram rejeitados (fl s.
165).
Irresignada, a instituição fi nanceira apresentou embargos infringentes,
buscando a prevalência do voto vencido, no tocante à capitalização mensal dos
juros.
Por seu turno, o autor apresentou impugnação às fl s. 183-191.
Os infringentes não foram providos. O acórdão então proferido foi
sintetizado da seguinte forma:
EMBARGOS INFRINGENTES. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL DE
CONTRATO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS.
Proibida a capitalização dos juros em período inferior a um ano, no caso
concreto.
EMBARGOS INFRINGENTES DESPROVIDOS. UNÂNIME.
Diante disso, o Banco Sudameris Brasil S/A interpõe o presente recurso
especial fundado no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição da República.
De início, aponta, “por cautela”, negativa de vigência ao art. 535 do CPC,
para o caso de esta Corte entender que as questões atinentes à comissão de
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
88
permanência e aos juros remuneratórios no período da inadimplência (Súmula
296/STJ) não terem sido prequestionadas.
No tocante ao suposto excesso da taxa de juros remuneratórios, bem como
à necessidade de autorização do Conselho Monetário Nacional-CMN para
praticar taxas superiores a 12% ao ano, o recorrente alega que o acórdão ofendeu
o disposto no art. 4º, IX, da Lei n. 4.595/61, e emprestou interpretação diversa
da atribuída pela Súmula 596/STF, além de divergir do entendimento fi rmado
por esta Corte.
No que se refere à capitalização mensal de juros, a instituição fi nanceira
reputa contrariados os arts. 4º, VI e IX, da Lei n. 4.595/64 e 5º da MP n. 1.963-
17/2000 (sucessivamente reeditada até a MP n. 2.170-36/2001).
Assevera que “a Medida Provisória n. 1.963-17 (31.03.2000) que
expressamente autorizou, em seu artigo 5º, a cobrança de juros capitalizados
mensalmente pelas instituições fi nanceiras, passou a ser defi nitiva em nosso
ordenamento jurídico, consoante a emenda constitucional n. 32, de 11.09.2001,
onde todas as Medidas Provisórias que naquela data encontravam-se em vigor, e
aquelas antes reeditadas, passaram a ser defi nitivas (art. 2º)” (fl . 229).
Indica precedentes desta Corte a fi m de defender o entendimento segundo
o qual, nos contratos de mútuo bancário posteriores a 31 de março de 2000,
incide capitalização mensal, desde que pactuada.
Pondera que o fundamento do acórdão recorrido relativo à prevalência do
Código Civil sobre a Medida Provisória não prospera, pois ambas convivem
em harmonia na órbita jurídica, não havendo se falar em hierarquia inferior
desta em relação àquele. Salienta, mais, que sendo esta norma especial, deve
preponderar no que tange ao Codex civilista, de caráter geral.
Ressalta que o contrato objeto desta demanda foi fi rmado em 21 de julho
de 2003 e os juros foram estipulados em valores prefi xados, sendo de pleno
conhecimento do recorrido, pois calculado com base na taxa anual constante do
instrumento contratual.
Relativamente à comissão de permanência, argumenta que o acórdão, além
de dissentir da orientação deste Tribunal Superior, vulnerou o já mencionado
art. 4º da Lei n. 4.595/64 e a Resolução n. 1.129/86 do CMN. Cita, ainda, a
Súmula 294/STJ como reforço de fundamentação. Afi rma que esse encargo
apenas deve ser afastado quando for cumulado com correção monetária e com
juros remuneratórios, o que não seria o caso.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 89
Pondera que “caso prevaleça o afastamento da cobrança de comissão
de permanência, deve ser autorizada a incidência cumulada dos juros
remuneratórios e moratórios no período da anormalidade (inadimplência) mês,
considerando a diversidade de origem de ambos (natureza), tópico suscitado
inclusive em sede de embargos” (fl s. 238/239). Ampara-se na Súmula 296/STJ
como esteio a seus argumentos.
Insurge-se contra o afastamento da mora debendi até o trânsito em julgado
da decisão. Observa que todos os encargos contratuais são legítimos e pugna
pela aplicação do art. 397 do CC/2002. Por consequência, ataca a possibilidade
de repetição de indébito e pontua a necessidade de comprovação de que pagou
em erro, consoante o art. 877 do CC/2002.
Ao fi nal, sustenta que o julgamento de improcedência da ação de busca e
apreensão violou o art. 3º do Decreto-Lei n. 911/69, pois, embora caracterizadas
a inadimplência e a mora do devedor fi duciário, o acórdão vetou ao Banco
recorrente a possibilidade de reaver o veículo alienado. Colaciona julgado deste
Tribunal que divergiria do aresto impugnado, no particular.
Concomitantemente, foi interposto recurso extraordinário (fl s. 268-286).
Não foram apresentadas contrarrazões (fl . 288).
Admitidos ambos os recursos (fl s. 289/290), subiram os autos a esta Corte
e, diante da multiplicidade de recursos acerca do tema relacionado à possibilidade
de capitalização de juros mensais em contratos bancários, afetei o julgamento do
feito a esta e. Segunda Seção, procedendo-se de acordo com o art. 543-C do
CPC e com a Resolução n. 08/2008 do STJ (fl . 304).
Manifestaram-se como amici curiae o Banco Central do Brasil-Bacen, a
Federação Brasileira de Bancos-Febraban e o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor-IDEC.
Da manifestação do Bacen (fl s. 312-326):
A instituição fi nanceira reitera os termos do parecer apresentado nos
autos do REsp 1.046.768/RS, que, inicialmente, foi afetado para julgamento
no termos do art. 543-C do CPC, e depois desafetado, tendo em vista o RE
568.396/RS, então pendente de análise perante o Supremo Tribunal Federal.
Salienta que esse apelo extremo veio a ser arquivado, sem a apreciação da
matéria, em razão de homologação de acordo entre as partes, resultando, por
consequência, prejudicado o recurso.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
90
Destaca as seguintes conclusões provindas do aludido parecer:
“a) por ser defeso ao Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, fazer
o contraste de lei federal em face da Constituição, o julgamento sobre a capitalização
mensal de juros deve se ater à questão da vigência do art. 5º da Medida Provisória n.
2.170-36, de 2001;
b) embora o Código Civil tenha sido instituído por lei posterior à Medida Provisória
n. 2.170-36, de 2001, não há que se falar em derrogação da Medida Provisória, tendo
em vista o critério positivado na Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual ‘a
lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não
revoga nem modifi ca a lei anterior’;
c) a questão da invalidade da Medida Provisória n. 2.170-36, de 2001, em
face da Lei Complementar n. 95, de 1998, não pode ser examinada, por falta de
prequestionamento;
d) ainda que fosse analisada a questão retromencionada, seria forçosa a
conclusão pela incontrastabilidade da Medida Provisória frente a Lei Complementar,
por inexistir hierarquia entre ambas;
e) não só pelos aspectos jurídico-formais mencionados, mas também pela
compatibilidade material do art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 2001, com
os princípios e objetivos positivados no Código de Defesa do Consumidor, deve ser
rejeitada qualquer interpretação da lei que afaste a aplicação daquele dispositivo”
(fl s. 312/313).
Da manifestação da Febraban (fl s. 422-444):
A Federação salienta que apenas a questão referente à capitalização mensal
dos juros nos contratos bancários encontra-se submetida à análise sob os
auspícios do art. 543-C do CPC, pois as demais matérias já foram decididas em
julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.061.530/RS).
Discorre acerca do entendimento fi rmado nesse referido apelo quanto a
cada tema objeto deste recurso especial, e defende a constitucionalidade do art.
5º da MP 2.170-36/2001, porquanto, até o presente momento, não foi editada
regra que o revogasse, nem houve sua suspensão em decorrência da ADI n.
2.316/RS, haja vista o fato de que nem mesmo o julgamento da liminar nela
requerida foi concluído.
Entende que, por se tratar de regra especial, a medida provisória em
comento deve prevalecer em relação ao art. 4º do Decreto-Lei n. 22.626/33 (Lei
de Usura) e ao art. 591 do Código Civil/2002.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 91
Assevera que a capitalização mensal dos juros é importante para
o equilíbrio do Sistema Financeiro Nacional. Após realizar um escorço da
evolução normativa concernente à capitalização, observa que a cobrança dos
juros de tal forma se impõe, porque “todos os investimentos oferecidos ao
público pelos Bancos rendem juros capitalizados” (fl . 436).
Por fi m, sinaliza a existência de jurisprudência reiterada, nesta Corte, sobre
a legalidade da capitalização mensal em alusão, a partir da publicação da MP
1.963-17/2000.
Da manifestação do IDEC (fl s. 498-512):
O instituto propugna a inconstitucionalidade do art. 5º da MP 2.170-
36/2001, que versa a respeito da capitalização mensal de juros.
Destaca a inexistência de urgência ou relevância da matéria tratada na
norma em questão, a destoar do art. 62 da Constituição Federal. Reproduz
excertos doutrinários com o objetivo de trazer mais fundamentos no que tange
ao tema.
Obtempera que, além da inconstitucionalidade formal, verifica-se a
substancial, “revelada pelo abuso do poder regulador do Estado ao editar norma
de direito privado como se fosse de direito público” (fl . 503).
Aponta a existência de norma atual aplicável à espécie, qual seja, o art. 591
do CC/2002, que permite a capitalização anual.
Do parecer do Ministério Público Federal (fl s. 485-496):
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra o ilustre Subprocurador-
Geral da República Dr. Henrique Fagundes Filho, opinou pelo parcial
conhecimento do recurso especial com base na alínea “a” do inciso III do art. 105
da Constituição Federal e pelo não conhecimento do apelo fundado na alínea
“c” do mencionado permissivo constitucional, como revela a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO REVISIONAL. LIMITAÇÃO
DA COBRANÇA DE TAXA DE JUROS EM 12% AO ANO. INAPLICÁVEL ÀS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. POSSIBILIDADE.
COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. COBRANÇA NÃO CUMULÁVEL COM OUTROS
ENCARGOS MORATÓRIOS.
I - À míngua de omissão, obscuridade ou contradição, não há que se falar em
afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
92
II - O art. 4º, inciso IX, da Lei n. 4.595, de 1964, isentou as instituições fi nanceiras,
no concernente à limitação da taxa de juros, de se submeterem aos ditames da Lei
da Usura, podendo a taxa usurária ultrapassar a casa dos 12% ao ano.
III - Segundo reiterada jurisprudência desse Colendo Superior Tribunal de
Justiça, a capitalização mensal de juros em contratos fi rmados após a entrada
em vigor da Medida Provisória n. 1963-17, de 2000, modifi cada pela Medida
Provisória n. 2.170-36, de 2001, é lícita, desde que prevista contratualmente.
IV - Não comporta conhecimento o recurso que, com esteio na alínea “a” do
permissivo constitucional, não aponta especificamente os dispositivos legais
tidos por malferidos.
V - É incabível o recurso especial que se volta contra suposta violação a
dispositivo de Resolução do Banco Central, por não se enquadrar, essa, no conceito
de “lei federal”.
VI - Consoante a jurisprudência pacífica dessa Corte, mostra-se inviável a
convivência da comissão de permanência com os encargos moratórios.
VII - A cobrança abusiva durante o cumprimento de contrato descaracteriza a
mora do devedor e, por consequência, impossibilita a busca e apreensão do bem
dado em garantia de alienação fi duciária, consoante farta jurisprudência desse
Superior Tribunal de Justiça.
VIII - Não havendo o devido cotejo analítico entre os precedentes paradigmas
e o vergastado, não há como se verifi car a existência de identidade fática entre os
acórdãos nem se comprovar a existência de dissídio a ensejar o recurso especial
pela alínea “c” do permissivo constitucional.
Parecer pelo parcial conhecimento do recurso especial com esteio no art. 105,
inciso III, alínea “a”, da Constituição, e pelo não conhecimento do apelo fundado
na alínea “c” desse mesmo dispositivo (fl s. 485/486).
Após as manifestações, o recorrente veio aos autos reiterar a possibilidade
de capitalização mensal (fl s. 525-544).
É o relatório.
2. Mister salientar, de início, que foram várias as questões suscitadas no
recurso especial. Contudo, apenas em relação à capitalização mensal de juros nos
contratos bancários será fi xada tese para os efeitos do art. 543-C do CPC, nos
exatos termos da decisão de afetação.
2.1. Também é importante destacar que o presente apelo não abrange os
contratos relativos ao Sistema Financeiro Habitacional, pois quanto a eles já
houve defi nição da matéria no julgamento do REsp 1.070.297/PR, de minha
relatoria, submetido ao rito dos recursos repetitivos, tendo o acórdão recebido
a seguinte ementa:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 93
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. TABELA
PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7. ART. 6º, ALÍNEA “E”, DA LEI
N. 4.380/64. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO.
1. Para efeito do art. 543-C:
1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é
vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia,
aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das
Súmulas 5 e 7.
1.2. O art. 6º, alínea “e”, da Lei n. 4.380/64, não estabelece limitação dos juros
remuneratórios.
2. Aplicação ao caso concreto:
2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido,
para afastar a limitação imposta pelo acórdão recorrido no tocante aos juros
remuneratórios (DJe 18/09/2009).
2.2. Cumpre mencionar, ainda, a inexistência de impedimento ao exame
da causa, em que pese a repercussão geral da matéria reconhecida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 592.377/RS, como já decidido no julgamento do
REsp 1.107.201/DF, analisado sob o prisma do art. 543-C do CPC e assim
sumariado, no que interessa:
RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. CADERNETAS DE POUPANÇA. PLANOS
ECONÔMICOS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. RECURSOS REPRESENTATIVOS DE
MACRO-LIDE MULTITUDINÁRIA EM AÇÕES INDIVIDUAIS MOVIDAS POR POUPADORES.
JULGAMENTO NOS TERMOS DO ART. 543-C, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
JULGAMENTO LIMITADO A MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL, INDEPENDENTEMENTE
DE JULGAMENTO DE TEMA CONSTITUCIONAL PELO C. STF. PRELIMINAR DE SUSPENSÃO
DO JULGAMENTO AFASTADA. CONSOLIDAÇÃO DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL
FIRMADA EM INÚMEROS PRECEDENTES DESTA CORTE. PLANOS ECONÔMICOS
BRESSER, VERÃO, COLLOR I E COLLOR II. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.
PRESCRIÇÃO. ÍNDICES DE CORREÇÃO.
I – Preliminar de suspensão do julgamento, para aguardo de julgamento de
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, afastada, visto tratar-se, no
caso, de julgamento de matéria infraconstitucional, preservada a competência do C.
STF para tema constitucional.
II – No julgamento de Recurso Repetitivo do tipo consolidador de
jurisprudência constante de numerosos precedentes estáveis e não de tipo
formador de nova jurisprudência, a orientação jurisprudencial já estabilizada
assume especial peso na orientação que se fi rma.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
94
III – Seis conclusões, destacadas como julgamentos em Recurso Repetitivo,
devem ser proclamadas para defi nição de controvérsia:
(...)
V – Recurso Especial da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL provido em parte, para
ressalva quanto ao Plano Collor I.
VI – Recurso Especial do BANCO ABN AMRO REAL S/A improvido (DJe
06/05/2011 - grifei).
3. Nesse passo, impende observar, quanto ao tema central do recurso, que
os juros remuneratórios cobrados nos contratos celebrados entre as instituições
fi nanceiras e o consumidor constituem a remuneração do capital emprestado.
Vale dizer, os juros representam o preço do dinheiro objeto do mútuo.
Nas palavras de Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo Mamoru
Nishiyama, os juros capitalizados são “juros devidos e já vencidos que,
periodicamente (v.g., mensal, semestral ou anualmente), se incorporam ao valor
principal” (in Contratos Bancários - Aspectos Jurídicos e Técnicos da Matemática
Financeira para Advogados, Editora Atlas S/A., São Paulo: 2007, p. 36).
No vetusto Código Comercial de 1850, o artigo 253 estabelecia que os
juros não poderiam ser capitalizados, salvo em periodicidade anual.
O Código Civil de 1916, em seu art. 1.262, autorizava, desde que
expressamente estabelecidos, os juros capitalizados.
Posteriormente, o Decreto n. 22.626/33 (Lei de Usura), em seu art. 4º,
passou a vedar a prática do anatocismo.
Diante dos inúmeros precedentes proferidos com base nessa norma, o
Supremo Tribunal Federal, na sessão plenária de 13/12/1963, editou a Súmula
121, que proibiu a capitalização em comento “ainda que expressamente
convencionada”.
Todavia, logo entraram em vigor normas específicas, relativas aos
contratos de crédito rural (Decreto-Lei n. 167/67), industrial (Decreto-Lei n.
413/69) e comercial (Lei n. 6.840/80), as quais permitem a pactuação de juros
capitalizados.
A fi m de uniformizar o entendimento sobre o tema, esta Corte Superior de
Justiça, na sessão de 27/10/1993, elaborou a Súmula 93, nos seguintes termos:
“A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o
pacto de capitalização de juros”.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 95
No ano 2000, em razão dos questionamentos crescentes acerca da
possibilidade de previsão de juros capitalizados nas operações de mútuo
praticadas por instituições fi nanceiras ou entidades a elas equiparadas, o então
Ministro da Fazenda Pedro Malan, apresentou a Exposição de Motivos n. 210/
MF propondo projeto de medida provisória relativa ao assunto, oportunidade
em que assim se pronunciou:
Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Surgem frequentemente, questionamentos sobre operações de mútuo,
principalmente quando praticadas por instituições fi nanceiras ou entidades a
elas equiparadas, em que se discutem o cabimento da cobrança de taxas de juros
pactuadas e a grande diferença existente entre as taxas primárias e as taxas de
juros cobradas dos tomadores de fi nanciamentos, chamada de spread.
É publica a intenção do Governo Federal de buscar diminuição do spread e sua
convergência com os padrões mundiais, de forma a incentivar o decréscimo do
valor total da taxa de juros suportada pelas pessoas físicas e jurídicas, criando-se,
assim, panorama mais propício ao desenvolvimento econômico do Brasil.
As operações praticadas no mercado financeiro devem seguir padrões
internacionalmente aplicados e aceitos. Como regra geral, no mercado fi nanceiro
mundial, a não-capitalização de juros tanto se mostra como exceção que deve ser
expressamente estipulada.
No Brasil, a legislação, em especial o art. 4º do Decreto n. 22.626, de 7 de abril
de 1933, veda tal prática. No entanto, ao captar recursos, as instituições nacionais
remuneram os aplicadores com juros capitalizados. Até mesmo os depósitos da
população para pequenos valores (v.g. caderneta de poupança) rendem juros
capitalizados.
Quanto à possibilidade, no País, de se cobrar juros de juros nas operações
praticadas no Mercado Financeiro, a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal
dispõe que “as disposições do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, não se aplicam
às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por
instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”.
À primeira vista, parece claro não se aplicar o art. 4º do Decreto n. 22.626/33
às instituições fi nanceiras ou entidades a elas equiparadas, quando as operações
forem típicas. No entanto, o próprio Supremo Tribunal Federal entendeu, na
Súmula 596, estar afastada no Sistema Financeiro apenas a incidência do art. 1º
do mencionado diploma legal, subsistindo a aplicação do art. 4º, que proíbe a
capitalização de juros em período inferior ao anual.
Note-se que, presentemente, já é mansa e pacífi ca a jurisprudência, inclusive
nos Tribunais Superiores, no sentido da não aplicação do art. 4º do Decreto n.
22.626, DE 1933 quando há previsão legal, tal como já ocorre desde a edição
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
96
do Decreto-Lei n. 167, de 14 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre a cédula de
crédito rural, seguido do Decreto-Lei n. 413, de 9 de janeiro de 1969, que trata
da cédula de crédito industrial, da Lei n. 6.840, de 3 de novembro de 1980, que
estabelece a cédula de crédito comercial e da Lei n. 8.929, de 22 de agosto de
1994, que dispõe sobre a cédula de produto rural. Mais recentemente, a Medida
Provisória n. 1.925-5, de 2 de março de 2000, permitiu a capitalização de juros nas
operações lastreadas na cédula de crédito bancário.
É importante considerar que, ante à restrição legal de capitalização de juros,
ocorre signifi cativo impacto nas taxas de juros efetivamente praticadas pelas
instituições financeiras, vez que os juros, por definição, espelham, além da
remuneração, o risco da operação. Dessa forma, o devedor pontual em seus
pagamentos está, pela via refl exa, fi nanciando aqueles que deixam de honrar
seus compromissos.
Destaque-se ainda que, sob o ponto de vista econômico, a capitalização
de juros apresenta-se benéfi ca ao devedor que, não podendo pagar ao credor
na data originalmente avençada pode renegociar sua dívida junto à mesma
instituição fi nanceira Proibida a capitalização, evidentemente, o montante de
juros devidos deverá ser imediatamente liquidado, o que força o devedor a
captar recursos junto a outra instituição para adimplir com a primeira. Tal situação
permite o chamado “anatocismo indireto”, prática possibilitada pela vigente
legislação. Desse modo, considerando a incerteza quanto à nova taxa de juros,
fi ca prejudicado o devedor no planejamento dos seus desembolsos, que de outra
forma já estariam previstos no contrato originário.
Pode-se, sem esforço, concluir que a lei vigente, ao invés de proteger o
devedor, acaba sendo-lhe prejudicial.
O panorama atual, como demonstrado, aumenta sobremodo o risco das
operações fi nanceiras, com refl exos expressivos no inadimplemento bancário, o
que resulta em impacto nas taxas de juros praticadas.
Com o objetivo de solucionar as questões acima apontadas, proponho projeto
de Medida Provisória, cujo art. 1º prevê a possibilidade de se capitalizar juros,
em periodicidade inferior à anual, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional,
ou seja, em operações típicas do mercado fi nanceiro praticadas por instituições
fi nanceiras ou a elas equiparadas.
Por sua vez, o parágrafo único do artigo mencionado torna obrigatória a
transparência do negócio em favor do devedor, de forma a assegurar a lisura
das operações minimizando signifi cativamente as difi culdades dos cidadãos na
compreensão dos cálculos aplicáveis aos contratos.
Desta forma, será possível adequar os níveis das taxas de juros praticadas
no mercado financeiro às necessidades do crescimento sustentado e do
desenvolvimento do País.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 97
Assim, demonstradas a urgência e a relevância da matéria, submeto à
consideração de Vossa Excelência projeto de Medida Provisória que dispõe sobre
a capitalização de juros no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
Desse modo, em 31/3/2000 foi publicada a MP 1.963-17, que, no art. 5º,
autorizou a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. Após algumas
reedições, entrou em vigor a MP 2.170-36/01 que manteve o mencionado
dispositivo legal, cuja redação é a seguinte:
Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema
Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade
inferior a um ano.
Parágrafo único. Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor,
a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo
credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de
fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e
despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela
correspondente a multas e demais penalidades contratuais.
Passados aproximadamente três anos, o novo Código Civil começou a
viger, trazendo o art. 591, assim redigido:
Destinando-se o mútuo a fi ns econômicos, presumem-se devidos juros, os
quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406,
permitida a capitalização anual.
3.1. Nesse passo, o Partido Liberal ajuizou, em 2000, ação direta de
inconstitucionalidade (ADI n. 2.316/DF), retorquindo a constitucionalidade do
art. 5º, caput e parágrafo único, da MP 2.170-36/01 e pleiteando, liminarmente,
sua suspensão.
A constitucionalidade ou não da referida medida provisória não será objeto
de análise neste apelo raro, pois cuida-se de matéria afeta ao Pretório Excelso.
Apenas a título de registro, em relação ao andamento do feito, constata-se
que, por ora, votaram favoravelmente à suspensão os ilustres Ministros Sydney
Sanches, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Ayres Britto. Por seu turno, votaram
contra a suspensão a eminente Ministra Cármen Lúcia e o saudoso Ministro
Menezes Direito.
Em linhas gerais, impende ressaltar que a apreciação da liminar na ADI
gira em torno da questão relativa ao requisito da urgência, para efeito da validade
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
98
da medida provisória editada sobre o assunto, consoante se percebe da leitura
dos votos produzidos até aqui.
Em 5/11/2008, o julgamento foi suspenso para ser retomado com quorum
completo.
Dessarte, a efi cácia do art. 5º da Medida Provisória em menção, até o
presente momento, não foi suspensa, pois, como dito, o julgamento da liminar
requerida na ADI n. 2.136/DF ainda não foi concluído.
Segundo Carlos Alberto Lúcio Bittencourt, “a lei, enquanto não declarada
inoperante, não se presume inválida: ela é válida, eficaz e obrigatória” (in
“O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das Leis”, 2ª ed., Brasília:
Ministério da Justiça, 1997. p. 96)
Quanto ao tema, mostra-se conveniente citar as seguintes passagens da
obra do renomado jurista Luís Roberto Barroso:
A presunção de constitucionalidade das leis encerra, naturalmente, uma
presunção iuris tantum, que pode ser infirmada pela declaração em sentido
contrário do órgão jurisdicional competente.
[...]
No Brasil, e de longa data, o princípio tem sido afi rmado, assim pela doutrina
como pela jurisprudência, que já assentou que a dúvida milita em favor da lei,
que a violação da Constituição há de ser manifesta e que a inconstitucionalidade
nunca se presume.
[...]
O princípio da presunção de constitucionalidade das leis, conquanto implícito
em todo sistema constitucional, ganhou um reforço no ordenamento brasileiro
atual, por força do disposto no art. 103, § 3º, que determina que, sempre que o
Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade em tese de norma legal
ou ato normativo, será citado o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou
texto impugnado. Instituiu-se, assim, um curador especial com o dever jurídico
de sustentar a constitucionalidade das leis impugnadas em ação direta. Note-se
que, como o sistema brasileiro admite a declaração de inconstitucionalidade em
sede de jurisdição concentrada, tanto de norma estadual quanto federal, caberá
ao Advogado-Geral da União defender a uma ou a outra, desde que ajuizada ação
perante o Supremo Tribunal.
[...]
Também reverencia o princípio da presunção de constitucionalidade das leis
o art. 97 da Constituição, que prevê que somente pelo voto da maioria absoluta
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 99
de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os
tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público.
[...]
O princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público,
notadamente das leis, é uma decorrência do princípio geral da separação dos
Poderes e funciona como fator de autolimitação da atividade do Judiciário,
que, em reverência à atuação dos demais Poderes, somente deve invalidar-lhes
os atos diante de casos de inconstitucionalidade fl agrante e incontestável (in
Interpretação e Aplicação da Constituição, 5ª ed, São Paulo: Saraiva: 2003, pp.
177-188)
Portanto, partindo do princípio segundo o qual, até que seja declarada a
inconstitucionalidade da norma presume-se a sua constitucionalidade, é razoável
entender que, apesar de não ter sido convertida em lei, a norma encontra-se em
vigor por força do art. 2º da Emenda Constitucional n. 32/2001.
A respeito do assunto, vale reproduzir o seguinte excerto do REsp
1.061.530/RS, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, da relatoria da ilustre
Min. Nancy Andrighi:
O princípio da imperatividade assegura a auto-executoriedade das normas
jurídicas, dispensando prévia declaração de constitucionalidade pelo Poder
Judiciário. Ainda que esta presunção seja iuris tantum, a norma só é extirpada
do ordenamento com o reconhecimento de sua inconstitucionalidade. E essa
questão, na hipótese específi ca do art. 5º da MP n. 1.963-17/00, ainda não foi
resolvida pelo STF, nem mesmo em sede liminar (DJe 10/03/2009).
Na ocasião, esse foi o fundamento utilizado para negar o pedido de
sobrestamento daquele feito até o julgamento defi nitivo da ADI n. 2.136/DF,
efetuado pelo Ministério Público Federal, também aplicável à hipótese em
exame.
3.2. Nessa esteira, mesmo após o advento da MP 2.170-36/2001, o
Superior Tribunal de Justiça, no início, relutou em modifi car a orientação até
então fi rmada em sua jurisprudência, como se observa nos precedentes a seguir:
COMERCIAL. CARTÃO DE CRÉDITO. ADMINISTRADORA. INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33).
NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 4.595/64. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO
POSTERIOR. SÚMULA N. 596-STF. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. VEDAÇÃO.
LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). INCIDÊNCIA. SÚMULA N. 121-STF.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
100
I. As administradoras de cartões de crédito inserem-se entre as instituições
fi nanceiras regidas pela Lei n. 4.595/64.
II. Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos
contratos de cartão de crédito.
III. Nesses mesmos contratos, ainda que expressamente acordada, é vedada
a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei,
hipótese diversa dos autos. Incidência do art. 4º do Decreto n. 22.626/33 e da
Súmula n. 121-STF (REsp 450.453/RS, Segunda Seção, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, julgado em 25/06/2003, DJ 25/02/2004)
AGRAVO CONTRA DECISÃO DO RELATOR EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS
À EXECUÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. TR. PRECEDENTES DO STJ.
Salvo expressa previsão em lei específi ca, como no caso das cédulas de créditos
rurais, industriais e comerciais, é vedada às instituições fi nanceiras a capitalização
mensal de juros (REsp’s n. 476.663/RS, 387.931/RS e 324.088/RS).
A TR pode ser usada na correção dos débitos quando pactuada, o que não é o
caso dos autos (REsp’s n. 485.859/RS, 507.882/RS e 437.198/RS).
Subsistentes os fundamentos do decisório agravado, nega-se provimento ao
agravo (AgRg no REsp 608.790/MT, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha,
julgado em 19/04/2005, DJ 19/09/2005).
AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE CRÉDITO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. TBF. IMPOSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.
TAXA MÉDIA DE MERCADO.
- É defesa a capitalização mensal ou semestral dos juros em contrato de
abertura de crédito em conta-corrente ou de mútuo (Art. 4º do Decreto 22.626/33),
inda que convencionada (REsp 292.893/Direito e REsp 440.091/Passarinho).
- A Taxa Básica Financeira (TBF) não pode ser utilizada como indexador de
correção monetária nos contratos bancários (Súm. 287).
- A comissão de permanência deve observar a taxa média dos juros de
mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil (AgRg no REsp 540.797/RS, Rel.
Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 20/09/2004, DJ 18/10/2004).
3.3. Todavia, em 22/9/2004, a Segunda Seção desta Corte alterou seu
entendimento, passando a admitir a capitalização mensal nos contratos
bancários fi rmados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória n.
1.963-17/00, desde que estipulada expressamente.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 101
Os acórdãos exarados na ocasião receberam as seguintes ementas:
Contratos bancários. Ação de revisão. Juros remuneratórios. Limite.
Capitalização mensal. Possibilidade. MP 2.170-36. Inaplicabilidade no caso
concreto. Compensação e repetição de indébitos. Possibilidade. CPC, art. 535.
Ofensa não caracterizada.
I A Segunda Seção desta Corte firmou entendimento, ao julgar os REsps
407.097-RS e 420.111-RS, que o fato de as taxas de juros excederem o limite de
12% ao ano não implica em abusividade, podendo esta ser apurada apenas, à
vista da prova, nas instâncias ordinárias.
II O artigo 5.º da Medida Provisória 2.170-36 permite a capitalização dos juros
remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários
celebrados após 31-03-2000, data em que o dispositivo foi introduzido na MP
1963-17. Contudo, no caso concreto, o contrato é anterior a tal data, razão por que
mantém-se afastada a capitalização mensal. Voto do Relator vencido quanto à
capitalização mensal após a vigência da última medida provisória citada.
III Entendidas como conseqüência lógica do pleito revisional, à vista da
vedação legal ao enriquecimento sem causa, não há obstáculos à eventual
compensação ou devolução de valor pago indevidamente.
IV Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp 602.068/RS,
Segunda Seção, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 21/03/2005 - grifei).
Contratos bancários. Ação de revisão. Juros remuneratórios. Limite.
Capitalização mensal. Possibilidade. MP 2.170-36. Inaplicabilidade no caso
concreto. Comissão de permanência. Ausência de potestividade. CPC, art. 535.
Ofensa não caracterizada.
I A Segunda Seção desta Corte firmou entendimento, ao julgar os REsps
407.097-RS e 420.111-RS, que o fato de as taxas de juros excederem o limite de
12% ao ano não implica em abusividade, podendo esta ser apurada apenas, à
vista da prova, nas instâncias ordinárias.
II Decidiu, ainda, ao julgar o REsp 374.356-RS, que a comissão de permanência,
observada a súmula n.º 30, cobrada pela taxa média de mercado, não é
potestativa.
III O artigo 5.º da Medida Provisória 2.170-36 permite a capitalização dos juros
remuneratórios, com periodicidade inferior a um ano, nos contratos bancários
celebrados após 31-03-2000, data em que o dispositivo foi introduzido na MP 1963-
17. Contudo, no caso concreto, não ficou evidenciado que o contrato é posterior
a tal data, razão por que mantém-se afastada a capitalização mensal. Voto do
Relator vencido quanto à capitalização mensal após a vigência da última medida
provisória citada.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
102
IV Recurso especial conhecido e parcialmente provido (REsp 603.643/RS,
Segunda Seção, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 21/03/2005 - grifei).
A partir de então, o posicionamento em destaque passou a ser adotado
pelos integrantes desta Corte, sendo, atualmente, uníssono, como se verifi ca nos
julgados a seguir transcritos:
SEGUNDA SEÇÃO:
BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS
DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS
REMUNERATÓRIOS. CONTRATO QUE NÃO PREVÊ O PERCENTUAL DE JUROS
REMUNERATÓRIOS A SER OBSERVADO.
I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A
MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO - JUROS REMUNERATÓRIOS
1 - Nos contratos de mútuo em que a disponibilização do capital é imediata, o
montante dos juros remuneratórios praticados deve ser consignado no respectivo
instrumento. Ausente a fi xação da taxa no contrato, o juiz deve limitar os juros à
média de mercado nas operações da espécie, divulgada pelo Bacen, salvo se a
taxa cobrada for mais vantajosa para o cliente.
2 - Em qualquer hipótese, é possível a correção para a taxa média se for
verifi cada abusividade nos juros remuneratórios praticados.
II - JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO
- Invertido, pelo Tribunal, o ônus da prova quanto à regular cobrança da taxa
de juros e consignada, no acórdão recorrido, a sua abusividade, impõe-se a
adoção da taxa média de mercado, nos termos do entendimento consolidado
neste julgamento.
- Nos contratos de mútuo bancário, celebrados após a edição da MP n. 1.963-
17/00 (reeditada sob o n. 2.170-36/01), admite-se a capitalização mensal de juros,
desde que expressamente pactuada.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido (REsp
1.112.880/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 19/5/2010 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - AGRAVO DE
INSTRUMENTO - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - MEDIDA PROVISÓRIA
2.170-36 - POSSIBILIDADE - ORIENTAÇÃO FIRMADA NA 2ª SEÇÃO - SÚMULA 168/
STJ - RECURSO IMPROVIDO (AgRg na Pet 4.991/DF, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe
22/5/2009 - grifei)
CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. MEDIDA PROVISÓRIA.
APLICABILIDADE.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 103
Nos contratos celebrados após a edição da Medida Provisória n. 1.963-17, de
2000, a capitalização mensal dos juros, se ajustada, é exigível. Quando aplica a lei,
o Superior Tribunal de Justiça como de resto, todo juiz e tribunal pressupõe a
respectiva constitucionalidade; aplicando a aludida Medida Provisória, no caso,
proclamou-lhe a constitucionalidade, decisão que só pode ser contrastada, em
recurso extraordinário, perante o Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental
não provido (AgRg nos EREsp 930.544/DF, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe 10/4/2008
- grifei)
PROCESSUAL CIVIL. PETIÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO DE
JUROS. POSSIBILIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N. 2.170-36/2001.INCIDÊNCIA.
SÚMULA 168/STJ.
1 - A Segunda Seção desta Corte pacifi cou o entendimento no sentido de que nos
contratos bancários celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva
publicação do art. 5º da MP n. 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o n. 2.170-
36/2001, é possível a capitalização mensal dos juros. Incidência da súmula 168/STJ.
2 - Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg na Pet 5.858/DF, Rel.
Min. Fernando Gonçalves, DJ 22/10/2007 - grifei)
QUARTA TURMA:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE
CONTRATO BANCÁRIO.
1. O agravante não impugnou os fundamentos da decisão ora agravada,
circunstância que obsta, por si só, a pretensão recursal, porquanto aplicável o
entendimento exarado na Súmula 182 do STJ, que dispõe: “É inviável o agravo
do art. 545 do Código de Processo Civil que deixa de atacar especifi camente os
fundamentos da decisão agravada.”
2. A capitalização mensal dos juros é admissível nos contratos bancários
celebrados a partir da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17 (31.3.00), desde
que pactuada.
3. As instâncias ordinárias não se manifestaram acerca da expressa pactuação
da capitalização mensal de juros, o que impossibilita a sua cobrança, já que, nesta
esfera recursal extraordinária, não é possível a verifi cação de tal requisito, sob pena
de afrontar o disposto nas súmulas n. 5 e 7/STJ.
4. O Tribunal de origem afastou a capitalização mensal de juros com base
na inconstitucionalidade da MP n. 2.170-63. O recurso especial não constitui
via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de caracterizar
usurpação da competência do STF.
5. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa (AgRg no REsp
1.076.452/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 24/08/2011- grifei)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
104
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO REVISIONAL
- CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE - CAPITALIZAÇÃO
MENSAL DOS JUROS - FALTA DE PREVISÃO NEGOCIAL AUTORIZANDO A PRÁTICA
RECONHECIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DA
MATÉRIA POR IMPORTAR NOVO ENFRENTAMENTO DO QUADRO FÁTICO DELINEADO
NA LIDE E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - INCIDÊNCIA DAS
SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ - RECURSO DESPROVIDO (AgRg no AREsp 11.483/RS, Rel.
Min. Marco Buzzi, DJe 29/11/2011 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REVISÃO
CONTRATUAL. POSSIBILIDADE. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. AUSÊNCIA DE
PACTUAÇÃO. SÚMULA 5/STJ.
1. A jurisprudência do STJ pacifi cou-se no sentido de que, aplicável o Código de
Defesa do Consumidor aos casos que envolvem relação de consumo, é permitida
a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, diante do fato de que o princípio
do pacta sunt servanda vem sofrendo mitigações, mormente ante os princípios
da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual.
2. A jurisprudência desta eg. Corte pacifi cou-se no sentido de que a cobrança da
capitalização mensal de juros é admitida nos contratos bancários celebrados a partir
da edição da Medida Provisória n. 1.963-17/2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001,
qual seja, 31/3/2000, desde que expressamente pactuada. Na hipótese em concreto,
não há pactuação expressa acerca do referido encargo, razão pela qual se aplica o
enunciado da Súmula 5/STJ.
3. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp 32.884/SC, Rel. Min. Raul
Araújo, DJe 1º/2/2012 - grifei)
CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO
DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE E RENEGOCIAÇÕES. LIMITAÇÃO
DA TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA.
IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM DEMAIS ENCARGOS. FALTA DE INTERESSE
PROCESSUAL. ALEGAÇÃO DOS RECORRENTES QUE REMONTAM O REEXAME
DE MATÉRIA CONTRATUAL E FÁTICA, RELATIVA À PREVISÃO CONTRATUAL DE
CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7 DO STJ.
DECISÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. A tese dos recorrentes é no sentido da ausência da previsão contratual de
capitalização mensal de juros, o que foi expressamente admitido nos autos, de modo
que a revisão do julgado impõe reexame do contrato e da matéria fática dos autos,
tarefa vedada pelo óbice dos enunciados sumulares 5 e 7 do STJ.
2. Segundo o entendimento pacifi cado na 2ª Seção (AgRg no REsp n. 706.368/
RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, unânime, DJU de 8.8.2005), a comissão de
permanência não pode ser cumulada com quaisquer outros encargos
remuneratórios ou moratórios.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 105
3. A jurisprudência desta Corte é pacífi ca no sentido de que, nos contratos
bancários, não se aplica a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao
ano, e de que não se pode aferir a exorbitância da taxa de juros apenas com base
na estabilidade econômica do país, sendo necessária a demonstração, no caso
concreto, de que a referida taxa diverge da média de mercado.
4. A capitalização mensal de juros somente é permitida em contratos bancários
celebrados posteriormente à edição da MP 1.963-17/2000, de 31/3/2000, e desde que
expressamente pactuada.
5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp 975.493/RS, Rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 28/2/2012 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. BANCÁRIO.
CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. AUSÊNCIA DE PRÉVIA PACTUAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. SÚMULA N. 83/STJ.
1. Nos contratos firmados por instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional, posteriormente à edição da MP 1.963-17/2000, de 31/03/2000, reeditada
sob o nº 2.170-36/2001, é admitida a capitalização mensal de juros, desde que
expressamente pactuada. Precedentes.
2. Aplica-se o verbete sumular n. 83 do STJ na hipótese em que o
posicionamento expresso pelo Tribunal recorrido se coaduna com a jurisprudência
desta Corte.
3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag 867.739/GO, Rel.
Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 4/8/2011 - grifei)
CONTRATO BANCÁRIO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. CONTRATOS
ANTERIORES À MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.963-17/2000. IMPOSSIBILIDADE
DE COBRANÇA. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N. 282/STF.
1. Nos contratos bancários fi rmados posteriormente à entrada em vigor da Medida
Provisória n. 1.963-17/2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é lícita a capitalização
mensal de juros, desde que expressamente prevista no ajuste.
2. Mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício
em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas em
recurso especial, se ausente o requisito do prequestionamento.
3. Agravo regimental provido para se conhecer parcialmente do recurso
especial e negar-lhe provimento (AgRg no Ag 1.090.095/SP, Rel. Min. João Otávio
de Noronha, DJe 19/8/2011 - grifei)
COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. PROPÓSITO
NITIDAMENTE INFRINGENTE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO
REVISIONAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE E
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
106
CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIA. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. TAXA
MÉDIA APURADA PELO BANCO CENTRAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS.
MP. 2.170-36. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. COMPENSAÇÃO. IMPROVIMENTO.
I. A 2ª Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 715.894/PR (Relatora Ministra
Nancy Andrighi, por maioria, julgado em 26.04.2006) entendeu que a ausência
do percentual contratado, contraposta pela inequívoca incidência de juros
remuneratórios no contrato, autoriza a aplicação da taxa média de mercado para
operações da espécie, à época da fi rmatura do ajuste.
II. Ao apreciar o REsp n. 602.068/RS, esta Corte fi rmou que nos contratos fi rmados
após 31.03.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17, revigorada
pela MP n. 2.170-36, em vigência graças ao art. 2º da Emenda Constitucional n.
32/2001, é admissível a capitalização dos juros em período inferior a um ano.
III. Quando ocorrer sucumbência parcial na ação, impõem-se a distribuição e
compensação de forma recíproca e proporcional dos honorários advocatícios, nos
termos do art. 21, caput, da lei processual.
IV. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, improvido este
(AgRg no REsp 1.105.641/PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 24/3/2011 -
grifei)
TERCEIRA TURMA:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR.
EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL. OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO.
INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS
JUROS. POSSIBILIDADE.
1.- Os Embargos de Declaração são corretamente rejeitados se não há omissão,
contradição ou obscuridade no acórdão embargado, tendo a lide sido dirimida
com a devida e sufi ciente fundamentação; apenas não se adotando a tese do
recorrente. 535
2.- É inadmissível o recurso especial quanto à questão que não foi apreciada
pelo Tribunal de origem.
3.- “Os embargos do devedor constituem um meio de impedir a execução, não
de pedir; não se prestam para a tutela de pedido estranho ao título executivo, tal
como a aplicação da penalidade do artigo 940 do Código Civil” (AgRg nos EDcl no
REsp 915.621, PR, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ, 20.09.2007).
4.- Permite-se a capitalização mensal dos juros nas cédulas de crédito rural,
comercial e industrial (Decreto-Lei n. 167/67 e Decreto-Lei n. 413/69), bem como
nas demais operações realizadas pelas instituições financeiras integrantes do
Sistema Financeiro Nacional, desde que celebradas a partir da publicação da Medida
Provisória n. 1.963-17 (31.3.00) e que pactuada.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 107
5.- Agravo Regimental improvido (AgRg no Ag 1.150.316/RJ, Rel. Min. Sidnei
Beneti, DJe 13/3/2012 - grifei)
BANCÁRIO E PROCESSO CIVIL. AGRAVO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
RECURSO ESPECIAL. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO DE
JUROS.
- É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações
excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade
(capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do
CDC) fi que cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em
concreto.
- É admissível a capitalização mensal dos juros nos contratos bancários celebrados
a partir da publicação da MP 1.963-17 (31.3.00), desde que seja pactuada.
- Agravo no agravo de instrumento não provido (AgRg no Ag 1.371.651/RS, Rel.
Min. Nancy Andrighi, DJe 25/8/2011 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - REVISIONAL
- JUROS REMUNERATÓRIOS - LIMITAÇÃO À TAXA MÉDIA DE MERCADO -
ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE
- CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - CONTRATOS FIRMADOS APÓS A EDIÇÃO
DA MP N. 1.963-17, DE 30 DE MARÇO DE 2000 (reeditada pela MP N. 2.170-36/2001)
- AUSÊNCIA DE PRÉVIA PACTUAÇÃO - COBRANÇA - IMPOSSIBILIDADE - MORA -
EXISTÊNCIA DE ENCARGOS ABUSIVOS NO PERÍODO DA NORMALIDADE -
DESCARACTERIZAÇÃO - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - PROVA DO PAGAMENTO EM
ERRO - DESNECESSIDADE - RECURSO IMPROVIDO (AgRg no Ag 1.327.327/SC, Rel.
Min. Massami Uyeda, DJe 10/11/2011 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. BANCÁRIO. AÇÃO
REVISIONAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE
PACTUAÇÃO EXPRESSA.
1. Cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal para os contratos
celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva publicação da MP
2.170-36/2001, desde que pactuada.
2. Não comprovação da pactuação no caso em tela, conforme consignado no
acórdão recorrido.
3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO (AgRg no Ag 1.327.358/RS, Rel. Min.
Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 29/2/2012 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL.
CONTRATO BANCÁRIO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. INOCORRÊNCIA. JUROS REMUNERATÓRIOS. TAXA MÉDIA DE MERCADO.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
108
ABUSIVIDADE. OBSERVÂNCIA DE UMA FAIXA RAZOÁVEL PARA VARIAÇÃO DOS
JUROS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME. SÚMULAS 5 E 7/
STJ.
1. Inocorrência de maltrato ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido,
ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao
julgamento da lide, não estando magistrado obrigado a rebater, um a um, os
argumentos deduzidos pelas partes.
2. Consoante firmado no voto condutor do REsp 1.061.530/RS, Rel. Min.
NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009,
o simples fato de a taxa de juros remuneratórios contratada superar o valor
médio do mercado não implica seja considerada abusiva, tendo em vista que a
adoção de um valor fi xo desnaturaria a taxa, que, por defi nição, é uma “média”,
exsurgindo, pois, a necessidade de admitir-se uma faixa razoável para a variação
dos juros.
3. O exame da existência ou não de ajuste para cobrança de capitalização dos
juros implicaria interpretação de cláusulas contratuais e revolvimento da matéria de
prova, procedimentos inadmissíveis no âmbito desta instância especial. Incidência
das Súmulas 05 e 07 desta Corte.
4. Decisão agravada mantida pelos seus próprios fundamentos (AgRg no Ag
1.354.547/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 16/3/2012 - grifei)
3.4. Ademais, este Tribunal Superior entende que, nos contratos bancários,
o art. 5º da MP 2.170-36/01 prevalece em relação ao art. 591 do CC/2002,
haja vista o caráter especial daquela norma, que especifi camente se refere às
“operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro
Nacional”, sendo esta de cunho geral.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO BANCÁRIO.
REVISÃO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. MORA ‘DEBENDI’
1 - Face o disposto na Lei 4.595/64, inaplicável a limitação dos juros
remuneratórios nos contratos celebrados com instituições integrantes do
Sistema Financeiro Nacional, (Súmula 596/STF), salvo nas hipóteses previstas em
legislação específi ca.
2 - É cabível a capitalização dos juros em periodicidade mensal para
os contratos celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva
publicação da MP 2.170-36/2001, desde que pactuada, o que ocorre in casu, não
se aplicando o artigo 591 do Código Civil (REsp 602.068/RS e REsp 890.460/RS).
3 - A confi rmação da validade das cláusulas contratuais impõe a caracterização
da mora do devedor.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 109
4 - AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO (AgRg no REsp
822.284/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 1º/7/2011 - grifei)
CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE
ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. ANUALIDADE. ART. 591 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002. INAPLICABILIDADE. ART. 5º DA MEDIDA PROVISÓRIA N.
1.963-17/2000 (2.170-36/2001). LEI ESPECIAL. PREPONDERÂNCIA.
I. Não é aplicável aos contratos de mútuo bancário a periodicidade da
capitalização prevista no art. 591 do novo Código Civil, prevalecente a regra especial
do art. 5º, caput, da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (2.170-36/2001), que admite
a incidência mensal.
II. Recurso especial conhecido e provido (REsp 890.460/RS, Rel. Min. Aldir
Passarinho Junior, DJ 18/02/2008 - grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - FINANCIAMENTO BANCÁRIO
- CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - DISCUSSÃO SOBRE EVENTUAL
INCONSTITUCIONALIDADE - IMPOSSIBILIDADE - COMPETÊNCIA DO STF -
CONTRATO POSTERIOR À EDIÇÃO DA MP 2.170-36 - PREVISÃO CONTRATUAL
DEMONSTRADA - QUESTÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DA SEGUNDA SEÇÃO DESTA
CORTE - ART. 591, CÓDIGO CIVIL/2002 - INAPLICABILIDADE - DECISÃO MANTIDA
EM TODOS OS SEUS TERMOS - INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS MANTIDA
- DESPROVIMENTO.
1 - Inicialmente, cumpre asseverar que, em sede de recurso especial, a
competência desta Corte Superior de Justiça limita-se à interpretação e
uniformização do Direito Infraconstitucional Federal, a teor do disposto no art.
105, III, da Carta Magna. Assim sendo, resta prejudicado o exame de eventual
inconstitucionalidade da Medida Provisória 1.963-17 (atualmente MP 2.170-36),
sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal.
2 - No âmbito infraconstitucional, a eg. Segunda Seção deste Tribunal Superior
já proclamou o entendimento de que, nos contratos fi rmados por instituições
integrantes do Sistema Financeiro Nacional, posteriormente à edição da MP
1.963-17/2000, de 31 de março de 2000 (atualmente reeditada sob o n. 2.170-
36/2001), admite-se a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente
pactuada, hipótese ocorrente in casu, conforme contrato juntado aos autos.
Precedente (REsp 603.643/RS).
3 - Quanto à alegada aplicação do art. 591, do Código Civil atual, esclareço tratar-
se de dispositivo de lei geral, que não alterou a MP 1.963-17/2000 (reeditada sob o n.
2.170-36/2001), específi ca sobre a matéria e, portanto, ainda prevalece.
4 - Não há que se falar em redistribuição do ônus sucumbencial, tendo em vista
que a decisão restou mantida em todos os seus termos. Irretocável a inversão nos
termos fi xados na decisão ora agravada.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
110
5 - Agravo Regimental desprovido (AgRg no REsp 714.510/RS, Rel. Min. Jorge
Scartezzini, DJU de 22/8/2005 - grifei)
3.5. De outra parte, tratando-se de contrato regido pelo Código de Defesa
do Consumidor-CDC (Súmula 297/STJ), é certo que suas cláusulas devem ser
claras e transparentes, possibilitando ao consumidor o pleno conhecimento das
obrigações assumidas.
A respeito do tema, oportuna a reprodução do art. 4º, I, do CDC, cujo teor
é o seguinte:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o
atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade,
saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua
qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo,
atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei n. 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
A vulnerabilidade inerente ao consumidor deve ser sopesada de modo a
evitar desequilíbrio nas relações de consumo.
A professora Cláudia Lima Marques esclarece que há três tipos de
vulnerabilidade: técnica, fática e jurídica. Ao discorrer sobre as duas últimas,
assinala:
A vulnerabilidade fática é aquela desproporção fática de forças, intelectuais e
econômicas, que caracteriza a relação de consumo. Já a vulnerabilidade jurídica
ou científi ca foi identifi cada e protegida pela corte suprema alemã, nos contratos
de empréstimo bancário e fi nanciamento, afi rmando que o consumidor não teria
sufi ciente “experiência ou conhecimento econômico, nem a possibilidade de recorrer
a um especialista”. É a falta de conhecimentos jurídicos específi cos, de conhecimentos
de contabilidade ou de economia. Esta vulnerabilidade, no sistema do CDC, é
presumida para o consumidor não-profi ssional e para o consumidor pessoa física. (...)
Considere-se, pois, a importância desta presunção de vulnerabilidade jurídica
do agente consumidor (não-profissional) como fonte irradiadora de deveres de
informação do fornecedor sobre o conteúdo do contrato, em face hoje da
complexidade da relação contratual conexa e dos seus múltiplos vínculos cativos
(por exemplo, vários contratos bancários em um formulário, vínculos com várias
pessoas jurídicas em um contrato de planos de saúde) e da redação clara deste
contrato, especialmente o massifi cado e de adesão (in Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor, Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin,
Bruno Miragem - 2ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 145 - grifei).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 111
Levando em consideração a vulnerabilidade do consumidor, o legislador
houve por bem estatuir a necessidade de informações adequadas e claras sobre
os produtos e serviços oferecidos. É o que se constata no inciso III do art. 6º do
CDC, ora transcrito:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[...]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços,
com especifi cação correta de quantidade, características, composição, qualidade
e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Ainda sobre a necessidade de clareza das disposições contratuais,
importante salientar o art. 46 do mesmo Codex, que estabelece:
Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento
prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo
a difi cultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Quanto ao trecho em relevo, Rizzato Nunes desenvolve o seguinte
pensamento, articulando com os arts. 30, 31 e 54 do CDC:
Quanto ao item b, diga-se que a avaliação da redação que dificulte a
compreensão do sentido e alcance da cláusula independe da verificação da
intenção do fornecedor. O pressuposto da clareza é absoluto, e não só decorre
do princípio da boa-fé objetiva com todos os seus refl exos como está atrelado ao
fenômeno da oferta, regulado nos arts. 30 e s., sendo que o art. 31 é taxativo ao
designar que qualquer informação (que compõe o contrato por força do art. 30) deve
ser correta, clara, precisa, ostensiva etc. E ainda que assim não fosse, para que não
reste qualquer dúvida, o § 3º do art. 54, que cuida do contrato de adesão, dispõe
no mesmo sentido, verbis:
“Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido
aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa
discutir ou modifi car substancialmente seu conteúdo (...).
§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos
claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não
será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo
consumidor” (in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed.,
São Paulo: Saraiva, 2011, p. 637 - grifei).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
112
As regras mencionadas servem de diretrizes para aferir a presença ou não
de pactuação expressa acerca da capitalização mensal, permitida, com já dito, nos
contratos bancários fi rmados após 31/3/2000.
Não se pode perder de vista a questão social advinda do fato de que, no
Brasil, o mercado de consumo é formado por elevado número de pessoas com
pouca instrução que, indubitavelmente, necessitam da estrita observância dos
preceptivos consumeristas por parte do fornecedor, na espécie, das instituições
fi nanceiras.
O eminente Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em sua obra
Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e a Defesa do Fornecedor,
ao dissertar sobre o dever de informação, asseverou, com propriedade:
Não bastam instruções em letras minúsculas ou em folhetos ilegíveis, devendo
as informações e advertências ser prestadas com clareza. No Brasil, como país
em vias de desenvolvimento, a necessidade de prestação de informações claras
pelos fornecedores assume um relevo especial, em face do grande número de
pessoas analfabetas ou com baixo nível de instrução que estão inseridas no
mercado de consumo. As informações devem ser prestadas em linguagem de
fácil compreensão, enfatizando-se, de forma especial, as advertências em torno
de situações de maior risco” (3ª ed, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 152)
Assim, releva notar que muitos dos recursos que ascendem a esta Corte
insurgem-se contra acórdãos que consideram presente a expressa pactuação de
capitalização mensal, quando constam do contrato as taxas mensal e anual de
juros, e esta é superior ao duodécuplo daquela.
A meu ver, o voto proferido no REsp 895.424/RS bem soluciona a questão:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE
JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO EXPRESSA. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 05 E 07
DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Nos termos da MP 2.170/01, é admissível a capitalização mensal de juros
quando expressamente pactuada, o que não ocorre nos autos.
2. Não é sufi ciente que a capitalização mensal de juros tenha sido pactuada,
sendo imprescindível que tenha sido de forma expressa, clara, de modo a garantir
que o contratante tenha a plena ciência dos encargos acordados; no caso, apenas
as taxas de juros mensal simples e anual estão, em tese, expressas no contrato,
mas não a capitalizada.
3. Revisão do conjunto probatório e de cláusulas contratuais inadmissíveis no
âmbito do recurso especial (Súmulas n. 5 e 7 do STJ).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 113
4. Agravo regimental improvido (Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ
20/8/2007).
Os fundamentos que serviram de espeque ao precedente destacado foram
os seguintes:
2. Compulsando-se estes autos, verifi ca-se que, de fato, não consta informação
na sentença, tampouco no acórdão, acerca da existência da pactuação expressa
da capitalização mensal.
Ressalte-se que para fins de incidência do que dispõe a MP n. 2.170/01,
conforme reiterado entendimento desta Corte Superior, não é sufi ciente que a
capitalização mensal de juros tenha sido pactuada, sendo imprescindível que
a pactuação tenha sido de forma expressa, clara, de modo a garantir que o
contratante tenha a plena ciência dos encargos contratados.
Nesse sentido:
“CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO REVISIONAL DE
CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE E MÚTUO.
CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO
EXPRESSA. SÚMULAS N. 5 E 7 STJ. INCIDÊNCIA. I. Admissível a capitalização
mensal de juros quando expressamente pactuada, o que não ocorre nos
autos, conforme cognição das instâncias ordinárias. II. Revisão do conjunto
probatório e de cláusulas contratuais inadmissíveis no âmbito do recurso
especial (Súmulas n. 5 e 7 do STJ). III. Agravo desprovido.” (AgRg no REsp
836.078/RS, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ 21.08.2006)
Dessarte, na espécie dos autos, o ora agravado terá que dividir a taxa de
juros anual por 12 meses, do resultado subtrair a taxa de juros mensal, para que,
enfi m, saiba exatamente qual é o percentual de juros capitalizados mensalmente.
Portanto, resta patente que apenas as taxas de juros mensal simples e anual estão,
em tese, expressas no contrato, mas não a capitalizada, conforme demonstrado.
Sendo assim, não merece prosperar a irresignação do agravante, pois
a impossibilidade de acolhimento do pedido, quanto à capitalização mensal
de juros, pautou-se na ausência de especificação no v. acórdão recorrido da
expressa pactuação do referido encargo, de forma que não é admissível na esfera
recursal extraordinária a análise do instrumento contratual para constatar a citada
pactuação, sob pena de afrontar o disposto no enunciado n. 5, da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça.
No mesmo sentido: EDcl no AgRg, no REsp 1.272.550/RS, DJe
16/4/2012; EDcl no AgRg 1.272.121/RS, DJe 16/4/2012; e EDcl no AgRg
1.271.613/RS, DJe 16/4/2012 (todos de minha relatoria).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
114
3.6. Ante o exposto, fi xo as seguintes teses para efeito do art. 543-C do CPC:
a) é permitida a capitalização mensal de juros nos contratos bancários
fi rmados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-
17/00, desde que expressamente pactuada.
b) a pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa,
portanto é necessário que o contrato seja transparente e claro o sufi ciente a
ponto de cumprir o dever de informação previsto no Código de Defesa do
Consumidor.
4. Análise das demais questões tratadas no recurso especial:
4.1. De início, quanto à alegada violação do art. 535 do CPC, verifi ca-se
que o Tribunal a quo dirimiu as questões pertinentes ao litígio de maneira clara
e fundamentada, afi gurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as
alegações expendidas pelas partes.
Com efeito, ao órgão julgador basta declinar as razões jurídicas que
embasaram a decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específi co a
determinados preceitos legais.
Além disso, não configura omissão a adoção de fundamento diverso
daquele perquirido pela parte.
4.2. Segundo a jurisprudência pacífi ca desta Corte, confi rmada, inclusive,
em apelo apreciado sob o enfoque do art. 543-C do CPC (REsp 1.061.530/RS,
Rel. Min. Nancy Andrighi), os juros remuneratórios cobrados pelas instituições
fi nanceiras não sofrem a limitação imposta pelo Decreto n. 22.626/33 (Lei de
Usura), a teor do disposto na Súmula 596/STF, de forma que a abusividade da
pactuação dos juros remuneratórios deve ser cabalmente demonstrada em cada
caso, com a comprovação do desequilíbrio contratual ou de lucros excessivos,
sendo insufi ciente o só fato de a estipulação ultrapassar 12% ao ano ou de haver
estabilidade infl acionária no período, o que não ocorreu no caso dos autos.
No mesmo sentido, vale destacar os seguintes julgados desta Corte:
AgRg no REsp 782.895/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJ de
1º/7/2008; AgRg no Ag 951.090/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, Quarta
Turma, DJ de 25/2/2008; AgRg no REsp 878.911/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia
Barbosa, Quarta Turma, DJ de 8/10/2007.
4.3. Consoante entendimento assente na Segunda Seção desta Corte
Superior, admite-se a comissão de permanência durante o período de
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 115
inadimplemento contratual, à taxa média dos juros de mercado, limitada ao
percentual fi xado no contrato (Súmula 294/STJ), desde que não cumulada com
a correção monetária (Súmula 30/STJ), com os juros remuneratórios (Súmula
296/STJ) e moratórios, nem com a multa contratual.
Dentre inúmeros, observem-se os seguintes julgados: AgRg no REsp
1.057.319/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ de 3/9/2008;
AgRg no REsp 929.544/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJ de
1º/7/2008; REsp 906.054/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
DJ de 10/3/2008; e AgRg no REsp 986.508/RS, Rel. Min. Ari Pargendler,
Terceira Turma, DJ de 5/8/2008.
Nessa esteira, há de mantida a incidência da comissão de permanência, e
afastada a cobrança de juros de mora e multa no período de inadimplência.
4.4. De acordo com a remansosa jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, a compensação de valores e a repetição de indébito são cabíveis sempre
que verifi cado o pagamento indevido, em repúdio ao enriquecimento ilícito de
quem o receber, independentemente da comprovação do erro.
Precedentes: AgRg no REsp 1.026.215/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,
Terceira Turma, DJ de 28/5/2008; AgRg no REsp 1.013.058/RS, Rel. Min.
Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJ de 11/4/2008; AgRg no Ag 953.299/RS, Rel.
Min. Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, DJ de 3/3/2008.
4.5. Quanto à capitalização, no caso em apreciação, embora o acórdão não
registre a data em que o contrato foi estipulado, ambas as partes concordam que
tal fato ocorreu no ano de 2003, ou seja, quando já em vigor a MP 2.170-36/01
(vide petição inicial e recurso especial). Sendo incontroverso esse ponto, mostra-
se permitida a capitalização mensal dos juros, se pactuada.
No que se refere à existência de expressa estipulação, o acórdão recorrido
entendeu que houve capitalização mensal simplesmente por ter sido fi xada a
taxa mensal de 3,16% e a taxa anual de 45,25664%.
Além disso, reputou vedada a aludida capitalização, com fundamento na
Lei de Usura, no art. 591 do CC/2002 e na inconstitucionalidade da MP 2.170-
36/2001.
Conforme os fundamentos desenvolvidos neste voto, embora seja
permitida a capitalização mensal, o contrato, posterior a 31/3/2000 deve trazer
expressamente consignadas as informações necessárias à compreensão da
existência de tal forma de incidência de juros.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
116
Porém, em razão do óbice das Súmulas 5 e 7 do STJ, não é possível efetuar
a interpretação das cláusulas contratuais nem revolver matéria fática, o que seria
necessário para aferir a observância das determinações do Código de Defesa do
Consumidor na espécie em exame.
5. No caso concreto, dou provimento parcial ao recurso especial para expungir
a limitação dos juros remuneratórios, bem como para manter a comissão de
permanência como prevista no contrato, afastando, contudo, a cobrança de juros
de mora e de multa contratual no período de inadimplência.
É como voto.
VOTO-VISTA
A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti: Trata-se, na origem, de ação ordinária
ajuizada por João Felipe Zanella Felizardo, em face do Banco Sudameris Brasil
S/A, por meio da qual pretende seja revisado contrato de fi nanciamento para
aquisição de veículo. Pelo empréstimo de R$ 7.076,02, comprometeu-se a
pagar 36 prestações mensais fi xas, no valor de R$ 331,83 cada, no período de
21.8.2003 a 21.7.2006.
Pagou apenas as duas primeiras prestações. Diante da inadimplência, o
Banco ajuizou, em abril de 2004, ação de busca e apreensão do veículo. Em
maio de 2004, o autor ingressou com a presente ação, na qual postula sejam
declaradas nulas cláusulas que entende abusivas, requerendo sejam limitados os
juros remuneratórios (contratados em 3,16% ao mês e 45,25% ao ano) a 12%
ao ano; seja vedada a capitalização mensal de juros e afi rmada a impossibilidade
de cumulação da correção monetária com a comissão de permanência. Como
consequência da revisão pretendida, pede seja determinada a “consignação das
(34) prestações restantes e que atualmente montam em R$ 199,72 (cento e
noventa e nove reais, setenta e dois centavos) cada uma, acrescidas ainda de
correção monetária e juros constitucionais de 1% ao mês (...)” (fl . 15).
A sentença julgou improcedente o pedido. Sobre a alegação de capitalização,
afi rmou o Juiz Oyama Assis Brasil de Moraes: “Destaco que não há que se falar
em capitalização de juros, pois o contrato em discussão prevê juros prefi xados
(...)” (fl . 86).
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da apelação,
quanto à capitalização, afi rmou que “o exame do contrato mostra que foram
pactuados juros de 3,16% ao mês e 45,25664% ao ano (fl . 16 dos autos da ação
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 117
de busca e apreensão convertida em depósito), o que demonstra a prática de
cobrança de juros sobre juros mensalmente.” De qualquer forma, considerou que
“mesmo que pactuada a capitalização mensal de juros, esta é inconcebível, eis
que o artigo 4º do Decreto n. 22.262/33 não foi revogado pela Lei 4.595/64”.
Quanto à MP 2.170/36, reputou-a inconstitucional (questão objeto de recurso
extraordinário). Considerou admissível a capitalização anual, com base no art.
591 do Código Civil de 2002 (fl s. 145-148).
O voto vencido, da lavra do Desembargador Carlos Alberto Etcheverry, na
mesma linha da sentença, assentou: “Contudo, trata-se, na espécie de contrato
com prestações de valor pré-fi xado, acrescidas de juros compostos, modalidade
de capitalização cujo afastamento não é viável, dado que empregada, no sistema
fi nanceiro tanto para a concessão de mútuos e fi nanciamentos, quanto para a
remuneração das diversas operações através das quais as instituições fi nanceiras
captam recursos no mercado. Precisamente por isso encontra permissivo em
nosso direito, conforme se depreende da leitura do art. 5º da Medida Provisória
n. 2.170-36. Nem haveria, de qualquer forma, sentido prático em proibir a
utilização de juros compostos exercido controle sobre sua eventual excessiva
onerosidade, como ocorre neste caso.” (fl . 151).
Em síntese, decidiu, por maioria, o acórdão: “inexistindo previsão legal,
é incabível a capitalização mensal de juros, em contrato de fi nanciamento
garantido por alienação fi duciária, devendo incidir a anual, nos termos do art.
591 do Código Civil”. Considerando a existência de encargos abusivos, foi
afastada a mora e decretada a improcedência da busca e apreensão.
O acórdão tomado do julgamento dos embargos infringentes, relator
o Desembargador Sejalmo Sebastião de Paula Nery, além de afirmar a
inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.170-36, considerou que, no
caso, seria vedada a cobrança da capitalização de juros por ausência de expressa
disposição contratual, dado que “a falta de indicação adequada e clara sobre a
incidência de capitalização de juros e, tampouco, especifi cação da periodicidade
em que é cobrada (mensal, semestral ou anual) viola o princípio da boa-fé
objetiva e do direito básico do consumidor à informação (inciso III do art. 6º do
CDC).” (fl s. 196-203).
O recurso especial (fl s. 208-244) sustenta, entre outros pontos, a legalidade
da pactuação de capitalização mensal de juros. Argumenta que “a vedação à
capitalização de juros sobre juros ... apenas prejudica a necessária transparência
que deve haver nos contratos fi nanceiros por forçar os bancos a embutir nas
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
118
taxas nominais de juros um adicional equivalente à capitalização”. Friza que,
no mercado fi nanceiro internacional, a não capitalização de juros mostra-se
como exceção que deve ser expressamente estipulada, por estranha à boa técnica
bancária e que, conforme a Exposição de Motivos da Medida Provisória n.
1963-17, ‘ao captar recursos as instituições nacionais remuneram os aplicadores
com juros capitalizados. Até mesmo os depósitos da população para pequenos
valores (v.g. caderneta de poupança) rendem juros capitalizados.” (...) Acrescenta
que, no caso, “mostra-se incabível o seu afastamento, haja vista que os juros
contratados foram em valores prefi xados, de pleno conhecimento do Recorrido,
pois calculados com base na taxa anual constante do contrato.”
Foi interposto, também, recurso extraordinário, sendo ambos admitidos.
Assim delimitada a controvérsia, passo a apreciar a questão referente à
capitalização de juros, a única a respeito da qual será estabelecida tese para os
efeitos do art. 543-C do CPC.
Acompanho o voto do relator, Ministro Luís Felipe Salomão, no que
toca à inexistência de impedimento ao exame do recurso especial, em que pese
a repercussão geral da matéria reconhecida pelo STF no julgamento do RE
592.377/RS, já que serão examinados no recurso especial apenas os aspectos
infraconstitucionais da causa.
Igualmente adiro ao seu entendimento no sentido da possibilidade de
“capitalização mensal nos contratos bancários fi rmados após 31.3.2000, data
da publicação da Medida Provisória 1.963-17/00, desde que expressamente.
pactuada”, primeira das teses assentadas para o efeito do art. 543-C do CPC
no item 3.6 do seu douto voto. Conforme exaustivamente demonstrado pelo
eminente relator, a jurisprudência de ambas as Turmas da 2ª Seção é unânime
quanto à prevalência do art. 5º da referida medida provisória em relação ao art.
591 do Código de 2002.
Neste ponto, assinalo que o art. 5º da Medida Provisória 1.963-17/00
tornou admissível nas operações realizadas pelas instituições integrantes do
Sistema Financeiro Nacional “a pactuação de capitalização de juros com
periodicidade inferior a um ano”; vale dizer, no contrato bancário poderá ser
pactuada a capitalização semestral, trimestral, mensal, diária, contínua etc. O
intervalo da capitalização deverá ser expressamente defi nido pelas partes do
contrato. Diversa é a disciplina legislativa dos contratos vinculados ao Sistema
Financeiro da Habitação, “a qual somente em recente alteração legislativa (Lei
11.977 de 7 de julho de 2009), previu o cômputo capitalizado de juros em
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 119
periodicidade mensal” (2ª Seção, Recurso Especial 1.070.297, submetido ao rito
do art. 543-C do CPC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, DJe 18/9/2009
e 2ª Seção, Recurso Especial 1.095.852-PR, DJe 19.3.2012, de minha relatoria,
no qual fi cou decidido, em esclarecimento ao acórdão do Recurso Especial
1.070.297, que a capitalização anual já era admitida, como regra geral que
independe de pactuação expressa, pelo Decreto 22.626/33, antes, portanto, da
Lei 11.977/2009).
Note-se que o art. 15-A da Lei 4.380/64, com a redação dada pela Lei
11.977/2009, dispõe ser “permitida a pactuação de capitalização de juros com
periodicidade mensal nas operações realizadas pelas instituições integrantes do
Sistema Financeiro da Habitação - SFH.”
Em síntese, desde 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória
1.963-17/00, admite-se, nos contratos bancários em geral, a pactuação de
capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano (a mensal, inclusive);
salvo nos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, em relação aos quais
até a edição da Lei 11.977/2009 somente era permitida a capitalização anual,
passando, a partir de então, a ser admitida apenas pactuação de capitalização de
juros com periodicidade mensal, excluída, portanto, a legalidade de pactuação
em intervalo diário ou contínuo.
II
O motivo de meu pedido de vista foi a tese assim sintetizada no item 3.6,
alínea b, do voto do relator: “a pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida
de forma expressa, portanto, é necessário que o contrato seja transparente e claro
o sufi ciente a ponto de cumprir o dever de informação previsto no Código de
Defesa do Consumidor.”
Não tenho dúvida alguma em aderir às premissas tão bem expostas pelo
relator, amparado na doutrina de Cláudia Lima Marques, Rizzato Nunes e Paulo
de Tarso Sanseverino, acerca da absoluta necessidade de que o contrato bancário
seja transparente, claro, redigido de forma que o consumidor, leigo, vulnerável
não apenas economicamente, mas sobretudo sem experiência e conhecimento
econômico, contábil, fi nanceiro, entenda, sem esforço ou difi culdade alguma,
o conteúdo, o valor e a extensão das obrigações assumidas. A pactuação de
capitalização de juros deve ser expressa. A taxa de juros deve estar claramente
defi nida no contrato. A periodicidade da capitalização também. Sobretudo, não
deve pairar dúvida alguma acerca do valor da dívida, dos prazos para pagamento
e dos encargos respectivos.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
120
O que se deve entender, todavia, por “capitalização de juros”, admitida pela
Lei de Usura (Decreto 22.626/33) apenas em intervalo anual; cuja pactuação
em periodicidade inferior a um ano passou a ser permitida pela MP 1.963-
17/00 (atual MP 2.170-36)?
Qual o conceito jurídico de capitalização de juros? Haveria identidade, no
sistema jurídico vigente, entre os termos “capitalização de juros”, “anatocismo”,
“juros compostos”?
A pactuação expressa de taxa efetiva em percentual superior ao da taxa
nominal signifi caria capitalização de juros vedada pela Lei de Usura, apenas
permitida mediante expressa pactuação a partir da entrada em vigor da MP
1.963-17/00 atual MP 2.170-36? Sendo este o conceito jurídico da capitalização,
seria sufi ciente, ao perfeito esclarecimento do devedor, e, portanto, à validade do
contrato, a menção expressa ao percentual da taxa mensal e anual, sendo esta
superior a doze vezes a mensal (4ª Turma, AgRg no REsp 1.231.210-RS, rel.
Ministro Raul Araújo, DJe 1º.8.2011, unânime; REsp 1.220.930, rel. Ministro
Massami Uyeda, decisão singular, DJe 9.2.2011; AgRg no REsp 809.882/RS, rel.
Ministro Aldir Passarinho, decisão singular, DJ 24.4.2006; 4ª Turma, AgRg no
REsp 735.711-RS, rel. Ministro Fernando Gonçalves, unânime, DJ 12.9.2005;
4ª Turma, AgRg no REsp 714.510-RS, rel. Ministro Jorge Scartezzini, unânime,
DJ 22.8.2005)? Ou, ao contrário, a pactuação expressa da taxa efetiva superior
ao duodécuplo da taxa mensal não seria sufi ciente para informar o devedor
a respeito da capitalização e, portanto, seria inválida a pactuação (4ª Turma,
AgRg no REsp 1.306.559-RS, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, unânime,
DJe 27.4.2012 e 3ª Turma, REsp 1.302.738-SC, rel. Ministra Nancy Andrighi,
unânime, DJe 10.5.2012)?
Verifi ca-se, portanto, que a unanimidade tão bem demonstrada pelo relator
no sentido da legalidade da pactuação expressa da capitalização mensal de juros
nos contratos bancários posteriores a 31.3.2000 não existe a propósito do que se
deva entender como adequada forma de pactuar a capitalização.
Para expor meu entendimento sobre a questão, começo por extrair do
sistema jurídico pátrio - mediante a análise não apenas da literalidade das leis,
mas sobretudo da respectiva interpretação consolidada pela jurisprudência deste
Tribunal - o conceito jurídico do que seja a capitalização de juros vedada em
intervalo inferior ao anual pela Lei de Usura e, atualmente, admitida pela MP
2.170-36, desde que expressamente pactuada.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 121
A propósito da importância do estabelecimento dos conceitos presentes
nas normas jurídicas, invoco a preciosa lição de San Tiago Dantas:
“Em primeiro lugar, submete as normas a um tratamento indutivo, para
evidenciar os princípios que nelas se acham inclusos. As normas jurídicas que a
primeira vista são desligadas entre si, desde que nós nos ponhamos a raciocinar
sobre elas, começam a evidenciar parentesco”.
...
“O segundo trabalho do dogmatista é fixar os conceitos com que são
construídas as normas. Toda a norma jurídica emprega idéias que são constantes
dentro do mesmo sistema de normas. Quando abrem uma lei que se promulga
e que contém uma frase dizendo “o dano será composto assim”; e depois outra
lei, nas compilações, diz: “no dano observar-se-á tal regra”, deverão saber se a
palavra dano signifi ca a mesma coisa nesta e na outra lei, se existe este conceito
técnico de dano na legislação e, se porventura a lei empregar a palavra noutro
sentido, precisar que numa lei é isto e na outra é diferente. É preciso construir os
conceitos”.
...
“O jurista, além de fi xar os conceitos de dogmática, tem de fi xar a terminologia”.
...
O Direito não dispensa grande estudo dos termos, porque um erro de termos
conduz a um erro de direito. A linguagem está para o jurista como o desenho
para o arquiteto. A única maneira de exprimir as categorias lógicas com que ele
trabalha é fi xar a terminologia, outra preocupação da dogmática.” (“Programa de
Direito Civil”, Teoria Geral, Forense, 3ª edição, 2001, p. 7-8).
Cumpre, portanto, defi nir o conceito de capitalização de juros no sistema
jurídico brasileiro.
O texto legal a ser tomado como ponto de partida para a análise do
signifi cado de “capitalização”, em nosso sistema jurídico, é o Decreto 22.626/33,
o qual assim dispõe:
“Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer
contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art.
1.062)”.
Art. 4º. É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a
acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a
ano.”
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
122
O Decreto 22.626/33, também conhecido como “Lei de Usura”,
estabeleceu, portanto, duas restrições à liberdade pactuar de taxa de juros: no art.
1º limitou o percentual ao máximo de 12% ao ano (dobro da taxa legal prevista
no Código de 1916) e, no art. 4º, proibiu a contagem de “juros dos juros”, salvo
a “acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a
ano”.
O limite previsto no art. 1º ainda está em vigor, não se aplicando, todavia,
às instituições fi nanceiras, conforme jurisprudência consolidada na Súmula
596 do STF, segundo a qual “as disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se
aplicam às taxas de juros e outros encargos cobrados nas operações realizadas
por instituições públicas ou privadas, que integrem o Sistema Financeiro
Nacional.” Também o STJ consolidou o entendimento de que “A estipulação de
juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”
(Súmula 382) e de que “são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos
de mútuo bancários as disposições do art. 591 c/c art. 406 do CC/02” (2ª Seção
do STJ no REsp 1.061.530, relatora Ministra Nancy Andrighi). Havendo abuso
na fi xação contratual das taxas de juros, deverá ser comprovado caso a caso, e
invalidado pelo Judiciário com base no Código de Defesa do Consumidor e no
princípio que veda o enriquecimento sem causa.
Vale dizer, para as instituições fi nanceiras, não há limite legal fi xo; a taxa
de juros passível de estipulação contratual legítima varia conforme a conjuntura
econômica, podendo ser invalidada pelo Judiciário em caso de comprovado
abuso.
A segunda ordem de restrição, contida no art. 4º (proibição da “contagem
de juros dos juros, salvo a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos
em conta corrente de ano a ano”), é a base legal da Súmula 121 do STF,
segundo a qual “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente
pactuada”. Esta restrição, até março do ano 2.000, aplicava-se, na linha da
pacífi ca jurisprudência, também às instituições fi nanceiras, salvo permissão legal
prevista em legislação especial, como ocorre com as cédulas de crédito rural,
industrial, comercial (Súmula 93/STJ). A partir da entrada em vigor da MP
1.963/00 (atual MP 2.170/01), passou a ser legalmente admitida a pactuação
expressa da capitalização de juros em intervalo inferior ao anual.
Vejamos o que se entende por capitalização de juros.
O Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva assim defi ne:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 123
“CAPITALIZAÇÃO. Segundo sua origem, tomado em acepção própria,
capitalização, seja no sentido jurídico, seja no sentido econômico, quer signifi car
a conversão dos rendimentos ou dos frutos de um capital, em capital, unindo-se
tais frutos ao principal, para se igualarem ou se acumularem a ele.
Desse modo, a capitalização mostra-se a gênese de novo capital, que se vem
anexar ou acumular ao primitivo, de onde se produziu, para aumentar a sua soma.
A capitalização ocorre segundo se ajustar, pois que, não havendo ajuste ou
convenção, em regra não se opera a capitalização, isto é, os juros ou as rendas não
se acumulam ao capital.
Capitalização. Em acepção especial também se chama de capitalização ao
cálculo do valor-capital de um bem produtivo, isto é, a estimação de sua valia ou
de seu preço (capital), tendo-se em conta as suas rendas já vencidas e que nele se
computam para efeito desta avaliação.”
(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edição, 1984, Volume I, p. 373).
O mesmo Vocabulário defi ne anatocismo como sinônimo de capitalização:
“ANATOCISMO. É vocábulo que nos vêm do latim anatocismus, de origem
grega, signifi cando usura, prêmio composto ou capitalizado.
Desse modo vem signifi car a contagem ou cobrança de juros sobre juros.
A cobrança ou exigência de juros sobre juros acumulados não é admitida,
desde que, resultante de contrato, não exista estipulação que a permita.
Quer isso dizer que a capitalização de juros, isto é, a incorporação dos juros
vencidos ao capital, e a cobrança de juros sobre o capital assim capitalizado,
somente tem apoio legal quando há estipulação que a autorize.
Desde que não haja esta estipulação, os juros não se capitalizam e, em
consequência, não renderão para o credor juros contados sobre eles, mesmo
vencidos e escriturados na conta do devedor.
Quando se trata, porém, de juros contados em conta corrente, o próprio
Direito Comercial (art. 253) permite a acumulação dos juros vencidos aos saldos
liquidados de ano a ano, e, em tal caso, se permite a contagem posterior dos juros
sobre os saldos então apurados.
O próprio Cód. Civil brasileiro, em seu art. 1.262, permitiu a capitalização.
Havendo convenção, embora o Código fale em capitalização anual, a contagem
dos juros sobre os juros acumulados pode ser permitida semestralmente.”
(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edição, 1984, Volume I, p. 151).
Nos verbetes “JUROS COMPOSTOS” e “JUROS ACUMULADOS”,
o Vocabulário de Plácido e Silva limita-se a fazer remissão ao verbete “JUROS
CAPITALIZADOS”, o qual tem o seguinte texto:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
124
“JUROS CAPITALIZADOS: Expressão usada na técnica do comércio para designar
os juros devidos e já vencidos que, periodicamente, se incorporam ao principal, isto
é, se unem ao capital representativo da dívida ou obrigação, para constituírem
um novo total.
São, assim, juros que se integraram no capital, perdendo sua primitiva
qualidade de frutos, para se apresentarem na soma do capital assim constituído.
E, neste caso, se capitalizáveis, em virtude de estipulação ou determinação
legal, passam como parcela do capital a produzir frutos, tal qual ele.
Dizem-se, também, juros compostos, em oposição aos que não se acumulam,
que se dizem juros simples.”
(Forense, Rio de Janeiro, 8ª edição, 1984, Volume III, p. 36).
O voto do Ministro Luís Felipe Salomão, valendo-se da doutrina de
Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo Mamoru Nishiyama, defi ne juros
capitalizados como “juros devidos e já vencidos que, periodicamente (v.g., mensal,
semestral ou anualmente), se incorporam ao valor principal (in Contratos
Bancários - Aspectos Jurídicos e Técnicos da Matemática Financeira para
Advogados, Editora Atlas S/A, São Paulo: 2007, p. 36).
De todas essas defi nições, extrai-se que a noção jurídica de “capitalização”,
de “anatocismo”, de “juros capitalizados”, de “juros compostos”, de juros
acumulados, tratados como sinônimos, está ligada à circunstância de serem os
juros vencidos e, portanto, devidos, que se incorporam periodicamente ao capital;
vale dizer, não é conceito matemático abstrato, divorciado do decurso do tempo
contratado para adimplemento da obrigação. O pressuposto da capitalização é
que, vencido o período ajustado (mensal, semestral, anual), os juros não pagos
sejam incorporados ao capital e sobre eles passem a incidir novos juros.
Por outro lado, há os conceitos abstratos, de matemática fi nanceira, de
“taxa de juros simples” e “taxa de juros compostos”. Dizem respeito ao processo
matemático de formação da taxa de juros cobrada. Com o uso desses métodos
calcula-se a equivalência das taxas de juros no tempo (taxas equivalentes). Quando a
taxa é apresentada em uma unidade de tempo diferente da unidade do período de
capitalização diz-se que a taxa é nominal; quando a unidade de tempo coincide
com a unidade do período de capitalização a taxa é a efetiva. Por exemplo, uma
taxa nominal 12% ao ano, sendo a capitalização dos juros feita mensalmente.
Neste caso, a taxa efetiva é de 1% ao mês, o que é equivalente a uma taxa efetiva
de 12,68% ao ano. Se a taxa for de 12% ao ano, com capitalização apenas anual,
a taxa de 12% será a taxa efetiva anual.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 125
Extraio de trabalho de autoria de Teotônio Costa Rezende publicado no
site da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (www.ufrrj.br/posgrad/
ppgem/03/64.pdf ) as seguintes noções: (1) em um prazo inferior ao período
de tempo da taxa (ex: período de 15 dias para uma taxa de juros mensal), o
montante dos juros calculados pela sistemática de juros simples é maior do
que o montante dos juros compostos. Este fato é resultante da transformação
da taxa para períodos menores por meio de taxas proporcionais; (2) no prazo
igual ao período da taxa (por exemplo taxa de juros mensal, com juros apurados
mensalmente) o montante dos juros calculados pela sistemática de juros simples
é igual ao dos juros compostos, não havendo distorções; (3) num prazo superior
ao período de tempo da taxa (por exemplo, período de 6 meses e taxa de juros
mensal), o montante dos juros calculados pela sistemática de juros simples é
menor do que o montante dos juros calculados no modelo de juros compostos.
A diferença é tanto maior, quanto for o período considerado. Essas assertivas
somente são válidas se os juros forem apurados a cada período, porém quitados
no fi nal do prazo.
Teotônio Costa Rezende também esclarece: “É comum recebermos
cálculos mirabolantes, onde se pretende demonstrar que uma taxa de juros
anual se multiplica várias vezes se a capitalização passar a ser mensal (por
exemplo: uma taxa de 12,0% a.a. passaria para 144% etc). Na verdade, o critério
de capitalização se apura através de exponenciação e não de multiplicação.
Se começarmos a simular taxas capitalizadas anualmente, semestralmente,
mensalmente, diariamente e continuamente, seremos surpreendidos pelos
resultados, uma vez que a diferença entre estas irá fi cando cada vez menor, até
atingir um limite”. E após descrever a fórmula matemática para a apuração
da taxa efetiva, esclarece que à medida que se aumenta o “n” (períodos de
capitalização) do divisor da taxa nominal, também se aumenta o “n” exponencial,
ou seja, o número a ser potencializado torna-se cada vez menor. E prossegue:
“A título de exemplo, veja o que acontece com a maior taxa nominal de juros
que praticamos no crédito imobiliário, ou seja, 12,0% a.a. Se capitalizada
semestralmente = 12,360% a.a; mensalmente, corresponde a 12,683% a.a.;
diariamente = 12,747% a.a e continuamente = 12,750% a.a. Nota-se que a
mudança de anual para semestral implicou em um acréscimo de 0,36 pontos
percentuais; de semestral para mensal de 0,32 pontos percentuais; de mensal
para diário de 0,06 pontos percentuais e de diário para contínuo praticamente
não existe diferença. Duas lições precisam ser extraídas destes comentários:
primeiro - o fato de as taxas serem capitalizadas não traz nenhuma mudança
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
126
astronômica entre taxa nominal e efetiva; segundo - à medida que se aumenta
os períodos de capitalização, reduz-se o impacto em termos de proporção do
crescimento da taxa efetiva.”
Em síntese, o processo composto de formação da taxa de juros é método abstrato
de matemática fi nanceira, utilizado para a própria formação da taxa de juros a
ser contratada, e, portanto, prévio ao início de cumprimento das obrigações
contratuais. A taxa nominal de juros, em período superior ao período de
capitalização (v.g., taxa anual, capitalizada mensalmente), equivale a uma taxa
efetiva mais alta. Pode o contrato informar a taxa anual nominal, esclarecendo
que ela (a taxa) será capitalizada mensalmente; ou optar por consignar a taxa
efetiva anual e a taxa mensal nominal a ela correspondente. Não haverá diferença
na onerosidade da taxa de juros e, portanto, no valor a ser pago pelo devedor.
Trata-se, portanto, apenas de diferentes formas de apresentação da mesma taxa
de juros, conforme o tempo de referência. Por ser método científi co, neutro,
abstrato, de matemática fi nanceira, não é afetado pela circunstância, inerente
à cada relação contratual, de haver ou não o pagamento tempestivo dos juros
vencidos.
Por outro lado, ao conceito de juros capitalizados (devidos e vencidos),
juros compostos (devidos e vencidos), capitalização ou anatocismo é inerente a
incorporação ao capital dos juros vencidos e não pagos, fazendo sobre eles
incidir novos juros. Não se trata, aqui, de método de matemática fi nanceira,
abstrato, prévio ao início da vigência da relação contratual, mas de vicissitude
intrínseca à concreta evolução da relação contratual. Conforme forem vencendo
os juros, haverá pagamento (aqui não ocorrerá capitalização); incorporação ao
capital ou ao saldo devedor (capitalização) ou cômputo dos juros vencidos e não
pagos em separado, a fi m de evitar a capitalização vedada em lei.
Postos estes conceitos, voltemos ao texto do Decreto 22.626/33. O referido
diploma legal veda a contagem de juros dos juros; mas estabelece que a proibição
não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta
corrente de ano a ano. A pacífi ca jurisprudência do STJ compreende que a
ressalva permite a capitalização anual como regra aplicável aos contratos de
mútuo em geral. Assim, não é proibido contar juros de juros em intervalo anual;
os juros vencidos e não pagos podem ser incorporados ao capital uma vez por
ano para sobre eles incidirem novos juros (Segunda Seção, EREsp 917.570/
PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 4.8.2008 e REsp 1.095.852-PR, de
minha relatoria, DJe 19.3.2012).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 127
O objetivo do art. 4º do Decreto 22.626/33, ao restringir a capitalização,
é evitar que a dívida aumente em proporções não antevistas pelo devedor em
difi culdades ao longo da relação contratual. Nada dispõe o art. 4º acerca do
processo de formação da taxa de juros, como a interpretação meramente literal
e isolada de sua primeira parte (é proibido contar juros de juros) poderia fazer
supor.
Quanto à taxa de juros, a limitação de percentual máximo (e não restrição
quanto ao método matemático de formação da taxa) está estabelecida no art. 1º
do mesmo decreto (12% ao ano) e não se aplica, como já exposto, às instituições
fi nanceiras.
Como já visto que a taxa nominal tem uma correspondente efetiva (sendo
esta superior se calculada em período maior do que o da taxa), e se não há
limite legal prefi xado para esta taxa efetiva (a qual somente será invalidada pelo
Judiciário se comprovadamente abusiva), não me parece coerente com o sistema
jurídico vigente, tal como compreendido pela pacífi ca jurisprudência do STJ e
do STF, extirpar do contrato a taxa efetiva expressamente contratada em nome
da vedação legal à capitalização de juros.
O coerente com o sistema será, data maxima venia, respeitar o contratado,
inclusive a taxa efetiva de juros, glosando-a apenas se demonstrado o abuso, nos
termos da pacífi ca jurisprudência assentada sob o rito dos recursos repetitivos.
Neste caso, o abuso consistirá no excesso da taxa de juros.
A mera circunstância de estar pactuada taxa efetiva e taxa nominal de juros
não implica, portanto, capitalização de juros, mas apenas processo de formação
da taxa de juros pelo método composto.
Seria incongruente com o sistema admitir, por exemplo, a legalidade da
contratação de taxa de juros calculada pelo método simples de 12% ao ano e não
admitir a legalidade da contratação de juros compostos em taxa mensal (expressa
no contrato) correspondente a uma taxa efetiva anual inferior (também expressa
no contrato).
Esclarecedor o exemplo imaginado pelo Professor José Dutra Vieira
Sobrinho:
“O exemplo a seguir evidencia o absurdo que representa a proibição de se
capitalizar juros. De acordo com o entendimento jurídico predominante, um
empréstimo poderia ser contratado a juros de 1% ao mês, pelo prazo de um ano,
desde que não capitalizado, o que totalizaria 12% no vencimento; entretanto,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
128
essa mesma operação não poderia ser contratada a juros compostos de 0,75%
ao mês pelo mesmo prazo, embora o total no vencimento, de 9,38%, seja menor
que o anterior” (extraído do trabalho “Confl itos Judiciais Envolvendo Conceitos
Básicos de Matemática Financeira”).
A coerência, parâmetro defi nidor de um sistema de normas como sistema
jurídico, é enfatizada por San Tiago Dantas:
“Finalmente, o trabalho de dogmática se conclui pela construção do sistema.
Evidenciar os princípios, induzir os conceitos, fi xar a terminologia e construir o
sistema de normas jurídicas, que formam a regulamentação da vida numa certa
sociedade, isto é um estudo de dogmática jurídica, que quer dizer que é sempre
possível construir, com qualquer das instituições e com as normas, um sistema
coerente, lógico, em que os institutos se acham evidentemente classifi cados, em
que o mais geral abrange o mais particular e em que, portanto, a inteligência
pode penetrar segundo um esquema lógico. Eis porque podemos fazer esta
afi rmação capital: nem todo corpo de normas é um sistema jurídico.
Se amanhã nos pusermos a legislar para pequena sociedade imaginária ou
construída por nós mesmos, e determinarmos normas como estas, “ninguém
pode matar”, todo mundo pode furtar”, “ninguém está obrigado a reparar o
prejuízo que causa”, “todo mundo está obrigado a compor o que tiver contratado”;
poderemos formar um corpo de leis e aplicá-las, mas ninguém pode construir
sobre este corpo de leis um sistema. Não se formará dogmática deste corpo de
normas, porque veremos que estas várias normas se contradizem, se repelem
entre si, e não podemos criar uma ciência jurídica sobre a base de fenômenos
desta maneira contraditórios (ob. citada, p. 8-9).
Assim, embora o método composto de formação da taxa de juros
seja comumente designado, em textos jurídicos e matemáticos, como
“juros compostos”, empregada esta expressão também como sinônimo de
“capitalização”, “juros capitalizados” e “anatocismo”, ao jurista, na construção
do direito civil, cabe defi nir a acepção em que o termo é usado na legislação, a
fi m de que os preceitos legais e respectivas interpretações jurisprudenciais não
entrem em contradição, tornando incoerente o sistema.
Tomando por base essas premissas, concluo que o Decreto 22.626/33 não
proíbe a técnica de formação de taxa de juros compostos (taxas capitalizadas),
a qual, repito, não se confunde com capitalização de juros em sentido estrito
(incorporação de juros devidos e vencidos ao capital, para efeito de incidência
de novos juros, prática vedada pelo art. 4º do citado Decreto, conhecida como
capitalização ou anatocismo).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 129
A restrição legal ao percentual da taxa de juros não é a vedação da técnica
de juros compostos (mediante a qual se calcula a equivalência das taxas de juros
no tempo, por meio da defi nição da taxa nominal contratada e da taxa efetiva
a ela correspondente), mas o estabelecimento do percentual máximo de juros
cuja cobrança é permitida pela legislação, vale dizer, como regra geral, o dobro
da taxa legal (Decreto 22.626/33, art. 1º) e, para as instituições fi nanceiras,
os parâmetros de mercado, segundo a regulamentação do Banco Central (Lei
4.595/64).
Dessa forma, se pactuados juros compostos, desde que a taxa efetiva
contratada não exceda o máximo permitido em lei (12%, sob a égide do Código
Civil de 1916, e, atualmente, a taxa legal prevista nos arts. 406 e 591 do Código
vigente, limites estes não aplicáveis às instituições fi nanceiras, cf. Súmulas
596 do STF e 382 do STJ e acórdão da 2ª Seção do STJ no REsp 1.061.530,
rel. Ministra Nancy Andrighi) não haverá ilegalidade na fórmula adotada no
contrato para o cálculo da taxa efetiva de juros embutidos nas prestações.
Este entendimento encontra apoio na doutrina de José Dutra Vieira
Sobrinho:
“1.4 – O que é anatocismo
De acordo com a ampla pesquisa que realizei, anatocismo nada tem a ver o
critério de formação dos juros a serem pagos (ou recebidos) numa determinada
data; ele consiste na cobrança de juros vencidos e não pagos, exatamente como
conceituado no Novo Dicionário Brasileiro. E como a legislação brasileira foi
inspirada nas leis dos países europeus como a França, Portugal, Alemanha, Itália,
Espanha e Holanda, entendo ser importante transcrever o conceito de anatocismo
contido nos códigos civis e comerciais de alguns desses países. Embora parte
dessas nações tenham promulgado seus códigos civis posteriormente ao ano
de 1850, a legislação vigente na época já contemplava aquele conceito. Assim,
no Código Civil português, a definição encontrada endossa plenamente o
nosso entendimento: “Art. 560 – Para que os juros vencidos produzam juros é
necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de
juros, a partir da notifi cação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros
vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização. Só podem
ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.”
No Código Civil italiano encontramos entendimento semelhante: “Art. 1.283
– Na falta de uso contrário, os juros vencidos só podem produzir juros do dia
do pedido judicial, ou por efeito de convenção posterior ao seu vencimento, e
sempre que trate de juros devidos pelo menos por 6 meses.” E no Código Civil
francês, conhecido também por Código de Napoleão, considerado pela maioria
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
130
dos grandes juristas como o pai de todos os códigos, o entendimento não é
diferente: “Art. 1.154 – Os juros vencidos dos capitais podem produzir juros, quer
por um pedido judicial, quer por uma convenção especial, contando que, seja
no pedido, seja na convenção, se trate de juros devidos, pelo menos por um ano
inteiro.
Com base nessas evidências podemos deduzir que o Art. 253 do nosso Código
Comercial editado em 1850, copiado literalmente no Art. 4º do Decreto 22.626 de
7 de abril de 1933, foi mal copiado ou mal traduzido. Esse artigo tem a seguinte
redação: “É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a
acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano
a ano.” Observa-se claramente que primeira frase deveria ser “É proibido contar
juros dos juros vencidos, ou ainda, “É proibido calcular juros sobre juros vencidos.
1.5 – Existência do anatocismo e a prática dos juros compostos
Entendido o anatocismo tal como foi caracterizado, ele somente existiria
se após o vencimento de uma operação o credor cobrasse juros sobre os juros
vencidos e não pagos. Vamos esclarecer melhor essa questão como exemplo
de um empréstimo de R$ 1.000,00 para ser quitado por R$ 1.225,00 no fi nal de
9 meses. O anatocismo somente ocorreria se após o vencimento, e num prazo
inferior a 12 meses, o credor cobrasse juros também sobre os juros de R$ 225,00.
É importante também observar a seguinte questão: o que muda para o
devedor ou credor saber, que no exemplo mencionado, a operação custa 2,5% ao
mês se calculada a juros simples ou 2,28% se calculada a juros compostos? Para
efeitos legais, os dados relevantes são o valor do empréstimo, o valor de resgate e
o vencimento; entendo que o critério utilizado para obtenção do valor dos juros é
absolutamente secundário!” (extraído do trabalho “Confl itos Judiciais Envolvendo
Conceitos Básicos de Matemática Financeira”).
No caso em exame, os juros contratados foram prefi xados no contrato,
no qual consta a taxa mensal nominal (3,16% ao mês) e a taxa anual efetiva
(45,25% ao ano). Não foi comprovada a abusividade, em termos de mercado,
da taxa efetiva de juros remuneratórios pactuada. O valor fi xo das 36 prestações
igualmente está expresso no contrato, não podendo o consumidor alegar surpresa
quanto aos valores fi xos, inalteráveis, das 36 prestações que se comprometeu
a pagar. Não está prevista a incidência de correção monetária. A expectativa
infl acionária já está embutida na taxa de juros. Após pagar duas prestações,
deixou de honrar suas obrigações e ajuizou ação postulando a redução da
prestação acordada em R$ 331,83 para R$ 199,80.
Na realidade, a intenção do autor/recorrido é reduzir drasticamente a taxa
efetiva de juros, usando como um de seus argumentos a confusão entre o conceito
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 131
legal de “capitalização de juros vencidos e devidos” e o “regime composto de
formação da taxa de juros”, ambos designados indistintamente na literatura
matemática e em diversos textos jurídicos, até mesmo nas informações prestadas
nestes autos pelo Banco Central, com o mesmo termo “juros compostos” ou
“juros capitalizados”.
Não poderia ser, com a devida vênia, mais clara e transparente a contratação
do que a forma como foi feita no caso concreto em exame: com a estipulação das
prestações em valores fi xos e iguais (36 prestações de R$ 331,83) e a menção à
taxa mensal e à correspondente taxa anual efetiva.
Nada acrescentaria à transparência do contrato, em benefício do
consumidor leigo, que constasse uma cláusula esclarecendo que as taxas mensal
e anual previstas no contrato foram obtidas mediante o método matemático de
juros compostos.
Sabedor da taxa mensal e da anual e do valor das 36 prestações fi xas, fácil
fi cou para o consumidor pesquisar, entre as instituições fi nanceiras, se alguma
concederia o mesmo fi nanciamento com uma taxa mensal ou anual inferior,
perfazendo as prestações fi xas um valor menor.
As informações prestadas pelo Banco Central enfatizam que se afastada
a legalidade/constitucionalidade da formação composta da taxa de juros
haverá “redução da transparência (...) dado que cada instituição fi nanceira
poderá apresentar diferentes taxas de juros simples para diferentes prazos, sem
que necessariamente seja possível padronizá-las e daí compará-las, caso as
instituições se especializem em operações com prazos diversos.” (e-STJ fl . 323).
Lê-se, ainda, nas informações do Banco Central (referindo-se, neste ponto,
à taxa estipulada sob o regime de juros compostos):
“Ademais, a capitalização de juros é capaz de gerar uma padronização na
forma de cômputo e, pela viabilidade do cotejo, fomentar a competição entre
as instituições fi nanceiras. Um ambiente mais competitivo é mais apto a gerar
reduções nas taxas de juros e nos spreads praticados. É o que concluiu a a
Consultoria da Diretoria de Política Econômica do Banco Central em estudo
elaborado a pedido desta Procuradoria-Geral para subsidiar esta manifestação da
Autarquia:
Um terceiro aspecto a ser considerado é a redução de transparência que a
decisão [pela inconstitucionalidade] proporcionará, dado que cada instituição
fi nanceira poderá apresentar diferentes taxas de juros simples para diferentes
prazos, sem que necessariamente seja possível padronizá-las, caso as instituições
se especializem em operações com prazos diversos.” (fl . e-STJ 323).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
132
(...)
“Caso seja declarada inconstitucional a medida provisória que permite a
capitalização, as instituições financeiras não se limitarão a conceder crédito
com as mesmas taxas atualmente praticadas. Certamente, irão praticar taxas
nominais equivalentes à taxa capitalizada. Assim, se notará um desestímulo
ao alongamento de prazos, pois, como mostra a referida nota técnica, sem a
capitalização, quanto maior o prazo, maior a taxa de juros nominais equivalentes,
a qual se apura de forma crescente. O tomador logo se sentirá desestimulado a
operar com prazos mais longos, na suposição, equivocada, de que os juros são
maiores e, assim, deixará de contratar em melhores condições”. (fl . e-STJ 325).
Por outro lado, se constasse do contrato em exame, além do valor das
prestações, da taxa mensal e da taxa anual efetiva, também cláusula estabelecendo
“os juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente”, ou “fi ca pactuada
a capitalização mensal de juros”, por exemplo, como passou a ser admitido pela
MP 2.170-36, a consequência para o devedor não seria a mera validação da
taxa de juros efetiva expressa no contrato e embutida nas prestações fi xas. Tal
pactuação signifi caria que, não paga determinada prestação, sobre o valor total
dela (no qual estão incluídos os juros remuneratórios contratados) incidiriam
novos juros remuneratórios a cada mês, ou seja, haveria precisamente a incidência
de juros sobre juros vencidos e não pagos incorporados ao capital (capitalização
ou anatocismo), prática esta vedada pela Lei de Usura em intervalo inferior
a um ano e atualmente permitida apenas em face de prévia, expressa e clara
previsão contratual.
Esta prática - capitalização de juros vencidos e não pagos - acabou admitida
em nosso sistema jurídico, como regra nas operações bancárias, pela vigente MP
2.170-36, editada, como se verifi ca das informações do Banco Central, com o
intuito de resolver a incerteza jurídica sobre a legalidade do sistema de juros
compostos, comumente tratado como sinônimo de “capitalização de juros”,
da qual se valiam maus pagadores, gerando o aumento do risco e, portanto, o
aumento do spread e das taxas de juros, em prejuízo de todo o sistema fi nanceiro.
A consequência do texto da medida provisória foi permitir, como regra
geral para o sistema bancário, não apenas o regime matemático de juros
compostos, mas o anatocismo propriamente dito, o qual também tem sua
justifi cativa econômica, assim posta nas informações do Banco Central (fl . 325):
“Acrescente-se, ainda, que a capitalização de juros desestimula as instituições
fi nanceiras a renegociarem os contratos com periodicidade mensal, situação em
que, ao fi nal do mês, o valor emprestado, acrescidos dos juros correspondentes,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 133
deve ser quitado. Tal situação enseja o chamado ‘anatocismo indireto’, bem mais
oneroso para o devedor, que seria obrigado a captar recursos em outra instituição
fi nanceira para adimplir a primeira operação. Desse modo, sob o ponto de vista
econômico, a capitalização de juros, tal como prevista pela medida provisória
impugnada, apresenta-se muito mais benéfi ca ao tomador, atendendo assim aos
interesses da coletividade (cf. itens 8 e 9 da Exposição de Motivos 210/MF, de 24
de março de 2000). Eis a razão pela qual a medida provisória deve ser mantida.”
Conclui-se, portanto, que a capitalização de juros vedada pela Lei de
Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP 2.170-36, diz respeito às
vicissitudes concretamente ocorridas ao longo da evolução do contrato. Se os
juros pactuados vencerem e não forem pagos, haverá capitalização (anatocismo,
cobrança de juros capitalizados, de juros acumulados, de juros compostos) se
estes juros vencidos e não pagos forem incorporados ao capital para sobre eles
fazer incidir novos juros.
Não se cogita de capitalização, na acepção legal, diante da mera fórmula
matemática de cálculo dos juros. Igualmente, não haverá capitalização ilegal, se
todas as prestações forem pagas no vencimento. Neste caso, poderá haver taxa de
juros exorbitante, abusiva, calculada pelo método simples ou composto, passível
de revisão pelo Poder Judiciário, mas não capitalização de juros.
Pode haver capitalização na evolução da dívida de contrato em que
pactuado o regime de juros simples ou o regime de juros compostos. Isso poderá
ocorrer, entre outras situações, em caso de inadimplência do mutuário, quando
os juros vencidos e não pagos, calculados de forma simples ou composta, forem
incorporados ao capital (saldo devedor) sobre o qual incidirão novos juros.
Com base nas premissas expostas acima e na fundamentação anexa, passo a
sintetizar a conclusão do voto.
Acompanho o voto do relator quanto à primeira das teses postas em seu douto
voto. Penso, todavia, que a redação do enunciado para os efeitos do art. 543-C
do CPC deve espelhar-se no texto legal que a embasa, motivo pelo qual sugiro
a seguinte redação: “É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior
a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida
Provisória n. 1.963-17/00 (em vigor como MP 2.170-01), desde que expressamente
pactuada.”
Em divergência parcial, penso, data vênia, que não confi gura a capitalização
vedada pela Lei de Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP 2.170-01,
a previsão expressa no contrato de taxa de juros efetiva superior à nominal
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
134
(sistema de juros compostos, utilizado para calcular a equivalência de taxas de
juro no tempo). Caso, todavia, prevaleça o entendimento de que a mera previsão
contratual de taxa de juros efetiva superior à nominal implica a capitalização
a que se refere a legislação, adiro ao entendimento no sentido da validade da
estipulação, perfeitamente compreensível ao consumidor, notadamente em casos
como o presente de juros prefi xados e prestações idênticas, invariáveis.
A segunda tese que proponho para os efeitos do art. 543-C é, portanto, “A
pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa e clara. A previsão
no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é
sufi ciente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.”
Anoto que, no presente caso, a pretensão deduzida na inicial foi a
de reduzir o próprio valor das 36 prestações acordadas, cuja evolução está
demonstrada no anexo a este voto, ou seja voltou-se o devedor contra a taxa
de juros compostos, especifi cada no contrato e embutida nas prestações fi xas.
Este foi também o fundamento exclusivo do acórdão para reputar presente a
capitalização ilegal de juros. Não demonstrada a abusividade em termos de
mercado, conforme acentuado no voto do Relator, deve ser mantida a taxa
efetiva de juros remuneratórios contratada.
No caso concreto, divergindo parcialmente do relator, voto pela legalidade
do regime de juros compostos adotado expressamente no contrato como
método de cálculo das prestações. Mantenho, portanto, as taxas mensal e
anual contratadas. Não havendo ilegalidade na fase de normalidade contratual,
restabeleço os efeitos da mora.
Acompanho o relator quando à comissão de permanência, cuja cobrança
na fase de inadimplemento não pode ser acumulada com juros remuneratórios,
juros moratórios e multa contratual.
No caso concreto, em síntese, dou provimento ao recurso especial em maior
extensão, restabelecendo os ônus da sucumbência fi xados na sentença, porque
mínima a sucumbência do banco recorrente.
É como voto.
FUNDAMENTAÇÃO ANEXA AO VOTO DO RESP 973.827 - TABELA
PRICE
As prestações sucessivas dos diferentes métodos de amortização abrangem
uma parcela de juros (calculados sobre o saldo devedor atualizado, a qual se
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 135
destina a quitar os juros do período) e outra de amortização, de forma que,
quitada a última delas, o saldo devedor seja igualado a zero.
No caso da Tabela Price, o valor da parcela de juros vai decrescendo, na
medida em que o da parcela de amortização vai crescendo, até fi ndar o prazo do
contrato e o saldo devedor, mantendo-se as prestações mensais durante todo o
contrato no mesmo valor (SOUZA LIMA, Roberto Arruda e NISHIYAMA,
Adolfo Mamoru, “Contratos Bancários - Aspectos Jurídicos e Técnicos da
Matemática Financeira para Advogados”, Editora Atlas S/A, São Paulo: 2007,
p. 140-141; SACAVONE, Luiz Antônio Junior, “Juros no Direito Brasileiro”,
RT, 2007, p. 195; DEL MAR, Carlos Pinto, Aspectos Jurídicos da Tabela Price,
Editora Jurídica Brasileira, 2001, p. 23; RIZZARDO, Arnaldo, “Contratos
de Crédito Bancário”, RT, 9ª edição, p. 143 e PENKUHN, Adolfo Mark,
“A legalidade da Tabela Price, Revista de Direito Bancário do Mercado de
Capitais e da Arbitragem, p. 284). Isso em um ambiente sem infl ação ou caso
a expectativa de infl ação já esteja embutida na taxa de juros, como ocorre no
caso em exame. De igual modo, ocorrerá a quitação da dívida no fi nal do prazo
contratual se o saldo devedor e as prestações forem reajustados pelo mesmo
índice.
O entendimento esposado pelo acórdão recorrido, no sentido de que
dívidas decorrentes contratos em que estabelecida taxa de juros pelo método
composto são ilegais, alcançaria, pelos mesmos fundamentos, os principais
sistemas de amortização adotados internacionalmente e também no Brasil, a
saber, Tabela Price, SACRE (Sistema de Amortização Real Crescente), SAC
(Sistema de Amortização Constante) e SAM (Sistema de Amortização Misto).
Assim, os incontáveis contratos de mútuo e fi nanciamentos contratados
diariamente (antes e depois da MP 2.170-01), por instituições fi nanceiras
e estabelecimentos comerciais diversos, de pequeno ou grande porte, para
as mais diversas fi nalidades do setor produtivo, de longo e de curto prazo,
estariam destinados à invalidade, alterando-se as bases em que celebrados
os contratos, com prejuízo para o contratante de boa-fé, pequeno ou grande
comerciante ou instituição fi nanceira, para planos de aplicação de recursos em
cadernetas de poupança, fundos de investimentos, fundos de previdência, títulos
de capitalização e FGTS, em que a remuneração dos investidores também é
calculada por meio de juros compostos.
No sistema fi nanceiro, em que cada mutuário ou investidor tem contrato
com data-base para o débito ou crédito de juros diversa, sendo o fl uxo de
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
136
recursos (empréstimos e pagamentos, créditos e débitos) diário, a técnica de juros
compostos permite a avaliação consistente de ativos e passivos das instituições e
a comparação entre as taxas de juros praticadas em cada segmento do mercado.
Exemplo elucidativo da amortização de dívida por meio da Tabela Price é
dado por Obed de Faria Junior:
“Assuma você, leitor, que existam economias suas amealhadas com seu
trabalho e das quais você não necessita utilizar-se neste momento e que, seu
vizinho, amigo de longa data, em face de necessidades inesperadas, lhe venha
solicitar um empréstimo de R$ 1.000,00 para ser pago daqui um ano.
Para efeito de simplifi cação é de todo aconselhável que desconsideremos
os efeitos infl acionários porque isto implicaria em utilizar critérios, fórmulas e
cálculos que fugiriam do ânimo de apresentar uma demonstração simplista. (...)
Pois bem, caro leitor, é bastante razoável crer que você não seja um usurário e,
menos ainda, que tente levar vantagens indevidas sobre alguém - que dirá de um
amigo seu de longa data. Contudo, suas economias compõem seu patrimônio e
decorrem do fruto de seu trabalho, razão porque é natural que se estipule alguma
remuneração sobre o empréstimo pretendido.
Portanto, seu senso de justiça indica que a cobrança de juros de 1% (um por
cento) ao mês são módicos, justos e, até onde dita o senso comum no Brasil,
absolutamente legais. Seu vizinho amigo, mutuário nessa relação, concorda
com tais encargos e sugere pagar tudo ao fi nal de um ano, isto é: R$ 1.120,00.
Assim, ele lhe estaria reembolsando o principal de R$ 1.000,00 mais juros de 12%
relativos ao ano em que o capital fi caria emprestado.
Nada impediria que tal ajuste fosse feito nessas bases, entretanto, tanto você
quanto seu amigo têm plena ciência que esse tipo de negócio não é usual.
Afi nal, todas as dividas e obrigações assumidas pelo brasileiro médio - como
você e seu vizinho - são contratadas para serem saldadas em prestações mensais.
Ainda, é lógico acreditar, inclusive, que tais economias estivessem devidamente
aplicadas num Fundo de Investimentos ou Caderneta de Poupança que geram
rendimentos, no mínimo, uma vez por mês. Assim, sua contraproposta é de que
seu vizinho faça amortizações mensais desse empréstimo, de forma que, ao fi nal,
daqui um ano, toda a dívida esteja paga.
O negócio está evoluindo bem e seu amigo concorda com a estipulação de
pagamentos mensais. Assim, ele lhe propõe que, a cada mês e durante doze
meses, pagaria R$ 10,00 (dez reais), que representam exatamente 1% do valor do
empréstimo e, no último vencimento, daqui um ano, saldaria também o principal.
Isso equivaleria aos mesmos R$ 1.120,00, porém, pagos de uma forma mais
razoável, como se a todo mês ele “renovasse” o empréstimo.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 137
Apesar de seu inegável senso de justiça, você entende que mais justo é que
sejam pagos, a cada mês, não só os juros, mas também parcelas do principal
emprestado, o que seu vizinho aceita meio a contragosto, pois afi nal ele precisa
do dinheiro.
Então, você sugere a seu amigo dividir o valor total em doze vezes, isto é R$
1.120,00: 12 meses, o que implicaria em pagamentos mensais de R$ 93,33. Ou
seja, 12 parcelas de 83,33 que representariam os R$ 1.000,00 do empréstimo, mais
12 parcelas de R$ 10,00, que equivaleriam a 1% ao mês sobre o valor emprestado.
Seu vizinho coça a cabeça e, constrangido, lhe informa que tal forma não seria
correta, porque se ele estaria pagando, a cada mês, parte do empréstimo, não
seria justo que pagasse o mesmo valor de juros todo mês sobre o montante total.
A partir disso, ele sugere as 12 parcelas do principal, no caso, R$ 83,33 a cada
mês e, no fi nal os juros sobre elas. Você, obviamente, diz que em princípio isso
seria bom, contudo, não saberia dizer qual o valor dos juros ao fi nal de um ano.
Seu amigo, mais que depressa, toma papel e caneta e faz a seguinte conta:
Hoje, você me empresta 1.000,00
Devolvo daqui 1 mês -83,33 1% -0,83
Devolvo daqui 2 meses -83,33 2% -1,67
Devolvo daqui 3 meses -83,33 3% -2,50
Devolvo daqui 4 meses -83,33 4% -3,33
Devolvo daqui 5 meses -83,33 5% -4,17
Devolvo daqui 6 meses -83,33 6% -5,00
Devolvo daqui 7 meses -83,33 7% -5,83
Devolvo daqui 8 meses -83,33 8% -6,67
Devolvo daqui 9 meses -83,33 9% -7,50
Devolvo daqui 10 meses -83,33 10% -8,33
Devolvo daqui 11 meses -83,33 11% -9,17
Devolvo daqui 12 meses -83,33 12% -10,00
Total da devolução daqui a 1 ano -1.000,00
Pago os juros daqui 12 meses? -65,00
Você olha bem para o cálculo de seu vizinho e, mesmo assim, acha que não
fi cou bom, porque vocês já haviam concordado que ele iria pagar, todo mês,
tanto os juros como parte do empréstimo. O único problema seria que sua conta
de R$ 93,33 todo mês estava errada.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
138
Então, você começa a refazer a conta, considerando que devam ser pagos,
todos os meses, juros e parcelas do valor do empréstimo:
Empréstimo hoje 1.000,00
Juros de 1% 10,00
Pagto. dos juros daqui 1 mês -10,00
Pagto. parte do empréstimo daqui 1 mês -83,33 -93,33 1º Pagto.
Saldo 916,67
Juros de 1% 9,17
Pagto. dos juros daqui 2 meses -9,17
Pagto. parte do empréstimo daqui 2 meses -83,33 -92,50 2º Pagto.
Saldo 833,34
Juros de 1% 8,33
Pagto. dos juros daqui a 3 meses -8,33
Pagto. parte do empréstimo daqui 3 meses -83,33 -91,66 3º Pagto.
Saldo 750,01
Juros de 1% ...
Seu vizinho interrompe seu cálculo e diz que os valores mensais de juros que
você está calculando são iguais aos que ele havia calculado, só que “de trás para
frente”. Portanto, seguindo tal raciocínio, os valores das parcelas que você estaria
calculando seriam:
Hoje, você me empresta 1.000,00
Devolvo daqui 1 mês -83,33 -10,00 -93,33
Devolvo daqui 2 meses -83,33 -9,17 -92,50
Devolvo daqui 3 meses -83,33 -8,33 -91,66
Devolvo daqui 4 meses -83,33 -7,50 -90,83
Devolvo daqui 5 meses -83,33 -6,67 -90,00
Devolvo daqui 6 meses -83,33 -5,83 -89,16
Devolvo daqui 7 meses -83,33 -5,00 -88,33
Devolvo daqui 8 meses -83,33 -4,17 -87,50
Devolvo daqui 9 meses -83,33 -3,33 -86,67
Devolvo daqui 10 meses -83,33 -2,50 -85,84
Devolvo daqui 11 meses -83,33 -1,67 -85,01
Devolvo daqui 12 meses -83,33 -0,83 -84,17
Total da devolução daqui a 1 ano -1.000,00 -65,00 -1.065,00
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 139
Então os amigos parecem ter chegado a um consenso, pois desta forma, você
receberia todos os meses os juros e parcelas proporcionais do empréstimo e seu
vizinho desembolsaria, ao fi nal, os mesmos R$ 65,00 de juros calculados por ele
próprio.
Contudo, apesar da concordância, ambos entendem que melhor seria se todas
as parcelas tivessem o mesmo valor todos os meses, para facilitar o controle dos
pagamentos e recebimentos.
Nesse ponto, você e seu amigo começam a confabular para encontrar uma
solução que seja adequada. No verso daquele papel relacionam as contas que
fi zeram até então:
Todo o empréstimo daqui um ano 1.000,00
+ Juros sobre tudo daqui um ano 120,00
Total 1.120,00
Todo o empréstimo daqui um ano 1.000,00
+ 12 parcelas de juros de R$ 10,00 120,00
Total 1.120,00
Tudo dividido em 12 x R$ 93,33 1.120,00
(esse está errado)
O empréstimo em 12 x R$ 83,33 1.000,00
+ Juros sobre tudo daqui um ano 65,00
Total 1.065,00
Tudo em 12 parcelas de valores diferentes
(93,33;92,50; ...) 1.065,00
Você e seu vizinho já estão quase fechando o negócio, porém, não chegam a
um valor que seja idêntico todos os meses e que satisfaça o interesse de ambos.
Seu vizinho, entretanto, vai buscar em casa um velho livro de matemática
fi nanceira que ele utilizou no “colegial” e que possui várias tabelas no apêndice.
Lá, você localiza uma tal de “Tabela Price” onde identifi ca:
(...)
Diante disso, seu amigo faz o novo cálculo:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
140
Valor do empréstimo = R$1.000,00
Taxa de juros = 12% a.a.
Número de prestações = 12
Fator da TP = 0,088849
Valor da prestação:
R$1.000,00 x 0,088849 = R$ 88,85
Tudo dividido em 12 x R$ 88,85 = 1.066,20
Você não fi ca muito convencido e questiona seu amigo porque o resultado,
afi nal, não seria muito mais do que o R$ 83,33 por mês que, inclusive com os juros,
haviam totalizado R$ 1.065,00 no outro cálculo anterior. Ele, entretanto, diz que
o cálculo com o qual vocês concordaram também alcançava a cifra total de R$
1.065,00 e dessa forma, também não chegaria aos R$ 1,120,00 daquela conta que
você mesmo havia reconhecido que estava errada.
Diante disso - e pondo um ponto fi nal nas tratativas - os valores das prestações
e do total de pagamentos foram aceitos como corretos por ambos, porque se
situaram num nível intermediário e aparentemente razoável. Assim, o negócio
foi fechado nessa forma: você entregou os R$ 1.000,00 a seu amigo e ele se
comprometeu a pagar 12 prestações mensais de R$ 88,85.
Entretanto, dias depois, após ter pego o dinheiro e utilizado para o que
necessitava, seu amigo retornou até sua casa e lhe disse que não iria mais pagar
os R$ 88,85 por mês, porque ele leu em algum lugar que a Tabela Price seria
ilegal e que você estaria abusando da situação de necessidade em que ele se
encontrava.
E você, que sempre agiu dentro da maior honestidade, fi cou espantado com a
reação de seu amigo, que lhe pediu um favor, concordou com todas as condições
no momento de tomar o empréstimo e, depois, veio alegando que não iria pagar
o combinado porque teria sido enganado.
Por certo, uma amizade de longo tempo vale mais que R$ 1.000,00. Entretanto,
o que é certo é certo! Perguntou você a seu amigo qual a alternativa que ele
encontrava para o pagamento da dívida. Ele, cheio de brios, invocou parâmetros
mais justos como são utilizados por povos mais adiantados do que o brasileiro.
Assim, sugeriu que fossem buscadas na “Internet” fórmulas de cálculo dentro de
parâmetros americanos ou europeus.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 141
Assim, foram ambos a frente do computador e lá, após pesquisarem alguns
dicionários virtuais, descobriram os seguintes termos em outros idiomas para
fazer uma busca:
“Loan payment calculator” - em inglês
“Calcul dámortissement fi nancier” - em francês
“Calcolo rata di mutuo” - em italiano
“Calculadora de prestamo” - em espanhol; e
“Anleihe kalkulation” - em alemão.
A tela multicolorida do computador começou a retornar páginas que
continham calculadoras virtuais de fi nanciamentos e empréstimos, tanto nos
Estados Unidos da América como na Europa. Obviamente, foram inseridas as
informações dos empréstimos combinado, para aferir-se o resultado. O que se
descobriu, ao fi nal de tal busca, foi que:
- em outros países, assim como no Brasil, é perfeitamente possível ajustar
amortizações parciais ou liquidação antecipada de mútuos o que, em si, reduz o
valor das parcelas e dos juros pagos;
- as taxas de juros praticadas em economias mais sólidas que a do Brasil são
inferiores do que as que aqui se praticam; e
- quando o interesse do mutuário é pagar prestações de valor igual durante
todo o período de empréstimo, sem nenhuma amortização parcial, o resultado
da conta é absolutamente igual ao do cálculo feito com base na Tabela Price.” (“Da
inocorrência do anatocismo na Tabela Price: uma análise técnico-jurídica”, texto
extraído do Jus Navegandi)
No caso concreto em exame no REsp 973.827-RS, o valor do fi nanciamento
foi de R$ 7.076,02 (R$ 6.980,00 mais R$ 96,02 do IOF), com taxa mensal de
3,16000% e taxa anual efetiva de 45,25664% expressamente consignadas no
contrato (conforme consta do acórdão recorrido). O pagamento foi acordado
em 36 prestações fi xas e iguais (fato incontroverso afi rmado na inicial e na
contestação), estabelecidas no contrato no valor de R$ 331,83, o que indica
que o método de amortização adotado foi a Tabela Price, cuja característica
é, precisamente, possibilitar o pagamento de prestações iguais de amortização
e juros, fi cando quitada a dívida com o pagamento da última prestação. O
esquema abaixo simula a evolução das prestações, mês a mês, em situação de
adimplemento contratual:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
142
DataNum.
PrestaçãoJuros Amortização Prestação Saldo Devedor
21-jul-03 - - - - 7.076,02
21-ago-03 1 223,60 108,29 331,89 6.967,73
21-set-03 2 220,18 111,71 331,89 6.856,02
21-out-03 3 216,65 115,24 331,89 6.740,78
21-nov-03 4 213,01 118,88 331,89 6.621,89
21-dez-03 5 209,25 122,64 331,89 6.499,25
21-jan-04 6 205,38 126,52 331,89 6.372,73
21-fev-04 7 201,38 130,51 331,89 6.242,22
21-mar-04 8 197,25 134,64 331,89 6.107,58
21-abr-04 9 193,00 138,89 331,89 5.968,69
21-mai-04 10 188,61 143,28 331,89 5.825,41
21-jun-04 11 184,08 147,81 331,89 5.677,60
21-jul-04 12 179,41 152,48 331,89 5.525,12
21-ago-04 13 174,59 157,30 331,89 5.367,82
21-set-04 14 169,62 162,27 331,89 5.205,55
21-out-04 15 164,50 167,40 331,89 5.038,15
21-nov-04 16 159,21 172,69 331,89 4.865,46
21-dez-04 17 153,75 178,14 331,89 4.687,32
21-jan-05 18 148,12 183,77 331,89 4.503,55
21-fev-05 19 142,31 189,58 331,89 4.313,97
21-mar-05 20 136,32 195,57 331,89 4.118,40
21-abr-05 21 130,14 201,75 331,89 3.916,64
21-mai-05 22 123,77 208,13 331,89 3.708,52
21-jun-05 23 117,19 214,70 331,89 3.493,81
21-jul-05 24 110,40 221,49 331,89 3.272,33
21-ago-05 25 103,41 228,49 331,89 3.043,84
21-set-05 26 96,19 235,71 331,89 2.808,13
21-out-05 27 88,74 243,16 331,89 2.564,98
21-nov-05 28 81,05 250,84 331,89 2.314,14
21-dez-05 29 73,13 258,77 331,89 2.055,37
21-jan-06 30 64,95 266,94 331,89 1.788,43
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 143
21-fev-06 31 56,51 275,38 331,89 1.513,05
21-mar-06 32 47,81 284,08 331,89 1.228,97
21-abr-06 33 38,84 293,06 331,89 935,91
21-mai-06 34 29,57 302,32 331,89 633,60
21-jun-06 35 20,02 311,87 331,89 321,73
21-jul-06 36 10,17 321,73 331,89 0,00
Verifica-se, do esquema acima, que os juros sempre incidem sobre o
saldo devedor do mês anterior, não havendo incorporação de juros ao capital.
Por exemplo: ao fi nal do primeiro mês, sobre o valor inicial de R$ 7.076,02 x
3,16% a.m, temos juros de R$ 223,60. Como a prestação foi de R$ 331,89, a
diferença, R$ 108,29 foi amortizada na dívida, resultando em saldo devedor de
R$ 6.967,73. Ao fi nal do 2º mês, sobre o capital (saldo devedor do mês anterior),
R$ 6.967,73, incidiram juros de 3,16% a.m no valor de R$ 220,18, sendo
amortizado o valor de R$ 111,71. Novamente os juros incidiram apenas sobre
o capital e, assim, sucessivamente, o valor da quota de juros foi decrescendo e o
da amortização aumentando, até que, na 36ª prestação (R$ 10,17 de juros e R$
321,73 de amortização, perfazendo a prestação fi xa de R$ 331,89), foi quitada
integralmente a dívida.
A capitalização de juros somente ocorrerá, no caso concreto em exame,
em face do inadimplemento do devedor, se o credor fi zer incidir novos juros
remuneratórios sobre o valor dos juros vencidos e não pagos (embutidos estes
nas prestações não pagas no vencimento).
Diversamente, em contratos de longa duração, em que as prestações são
contratualmente sujeitas a índice de correção diferente do índice adotado
para a correção monetária do saldo devedor, como é o caso dos contratos de
fi nanciamento habitacional celebrados no âmbito do sistema fi nanceiro da
habitação, é frequente a situação em que o valor da prestação mensal deixa, ao
longo do contrato, de ser sufi ciente para o pagamento dos juros do período.
Acontecerá, então, a capitalização vedada pela Lei de Usura, a qual somente
passou a ser admitida, no SFH, com a entrada em vigor da Lei 11.977/2009. O
anatocismo é, todavia, consequência não da fórmula matemática da Tabela Price,
utilizada para o cálculo da prestação inicial do contrato, mas do descompasso
entre os índices de correção das prestações (salário do mutuário) e do saldo
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
144
devedor (TR), no curso da evolução do contrato. Neste caso, a solução que vem
sendo preconizada pela jurisprudência, inclusive do STJ, é a contagem dos juros
vencidos em conta separada, sobre a qual incide apenas a correção monetária (cf,
entre outros, AgRg no REsp 954113 / RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA,
1ª Turma, pub. DJe 22/09/2008).
Neste ponto, registro que trabalhos de autoria do já citado Teotonio Costa
Rezende dão conta da ampla utilização da Tabela Price nos sistemas jurídicos de
diversos países (Estados Unidos, Canadá, França, Espanha, Portugal, México,
Uruguai, Argentina, Chile, Colômbia), com destaque para o caso da Colômbia,
onde o Poder Judiciário proibiu a capitalização de juros em qualquer período,
quando se trata de crédito imobiliário, porém adotou a Tabela Price (com o
nome de Sistema de Amortización Gradual ou Sistema de Cuota Constante)
como sistema-padrão exatamente por considerar que tal sistema de amortização
não contempla capitalização de juros (“Sistemas de amortização e retorno do
capital” e “Lei de Usura, Tabela Price e capitalização de juros”, publicados na
Revista do Sistema Financeiro Imobiliário, n. 32 e 33, nov. 2010 e abr. 2011,
respectivamente).
Por fi m, lembro o esforço de Roberto Arruda de Souza Lima e Adolfo
Mamoru Nishiyama, após ressaltar o amplo emprego do Sistema Francês
de Amortização no Brasil, tanto por instituições fi nanceiras (empréstimos
e fi nanciamentos), quanto no comércio (vendas parceladas), ao justifi car a
procura por um sistema de amortização não concebido mediante o uso de juros
compostos, em substituição à Tabela Price, cuja legalidade no sistema jurídico
pátrio é questionada:
“Não se trata de buscar redução nas taxas de juros, pois os juros são
determinados pelo mercado. Uma metodologia com juros simples implicaria ou
na alteração das taxas pactuadas (para fi carem equivalentes às taxas compostas)
ou no processo de embutir juros ao preço. Em ambos, o resultado fi nanceiro é o
mesmo, mas com grande diferença de ser estritamente legal (SCAVONE-JÚNIOR,
1999).
(...)
Não é uma tarefa fácil obter uma fórmula que, dado o valor de principal (P),
juros (i) e o número de prestações (n), resulte em:
- Prestações (PMT) iguais (de valores constantes);
- a soma do valor presente, calculado pelo método dos juros simples, de todas as
prestações (PMT), seja igual ao principal (P).” (ob. citada, p. 141-152)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 145
E, após elaborar cálculos complexos, propõe uma fórmula acoplada a uma
tabela, ressalvando:
“A utilização da tabela possui limitações, sendo a mais evidente a
impossibilidade de prever todas as possíveis combinações de taxas de juros e
número de prestações. E, nesse caso, a solução é realizar o cálculo para o caso
específi co, ou utilizar uma aproximação do valor correto da prestação.” (ob. citada,
p. 152)
Não me parece, data maxima vênia, favorável aos direitos do consumidor,
ao princípio da transparência e à segurança jurídica, proscrever a Tabela Price,
método amplamente adotado, há séculos, no mercado brasileiro e mundial,
substituindo-a por fórmula desconhecida, insatisfatória, conforme reconhecido
pelos esforçados autores que a conceberam, em nome de interpretação
meramente literal e assistemática da Lei de Usura.
VOTO-VOGAL
O Sr. Ministro Raul Araújo: Sr. Presidente, no caso, noto que o próprio
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, examinando o contrato, considerou
sufi ciente a menção às taxas, porque diz: “O exame do contrato mostra que foram
pactuados juros de 3,16% a.m. e de 45,25664% a.a., o que demonstra a prática de
cobrança de juros sobre juros mensalmente.”
Quer dizer, o Tribunal também entendeu que não há difi culdade alguma
em, fazendo-se o comparativo entre taxa mensal e taxa anual, constatar-se a
existência de juros compostos.
Agora, o que esse voto denso, técnico, científi co da Sra. Ministra Isabel
Gallotti traz de fundamental é que nos convida a encerrarmos o erro defi nitivo
que cometemos, que é um erro conceitual, de denominar de capitalização o que
não é; o que é, na verdade, apenas juros compostos.
Os juros compostos estão previstos em todos os contratos bancários,
sabemos. E o que é capitalização, que sempre tratamos como se fosse o mesmo
que juros compostos? Capitalização é: “Em face da ausência de pagamento,
a incidência de novos juros, juros novos, sobre aqueles juros já computados
em razão da pactuação dos juros compostos.” Isso é que é capitalização,
cientifi camente, um conceito primoroso que nos traz, amparada em doutrina
fundamental, a eminente Ministra Isabel Gallotti.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
146
Sr. Presidente, para mim, é sufi ciente.
Estou aderindo ao brilhante, judicioso e científico voto da eminente
Ministra Isabel Gallotti, com a devida vênia do eminente Relator, Ministro Luis
Felipe Salomão.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Sr. Presidente, com a vênia
da Sra. Ministra Isabel Gallotti, acompanho o voto do Sr. Ministro Luis Felipe
Salomão, Relator.
VOTO
O Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira: Sr. Presidente, com a devida vênia
do Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, estou aderindo à proposta da Sra.
Ministra ISABEL GALLOTTI.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Buzzi: Acompanho a Sra. Ministra Isabel Gallotti.
Ministro Marco Buzzi
Ministro
Presidente o Sr. Ministro Sidnei Beneti
Relator o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão
Segunda Seção - Sessão de Julgamento 27/06/2012
RATIFICAÇÃO DE VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. A eminente Ministra Isabel
Gallotti inaugurou a divergência acerca da matéria trazida ao exame da Segunda
Seção, sob o regime dos recursos repetitivos, ínsito no art. 543-C do Código de
Processo Civil, relativa à capitalização mensal de juros nos contratos bancários e
sua pactuação expressa.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 147
2. No tocante à forma de convenção, a ilustre colega consignou:
Em divergência parcial, penso, data vênia, que não confi gura a capitalização
vedada pela Lei de Usura e permitida, desde que pactuada, pela MP 2.170-01,
a previsão expressa no contrato de taxa de juros efetiva superior à nominal
(sistema de juros compostos, utilizado para calcular a equivalência de taxas de
juro no tempo). Caso, todavia, prevaleça o entendimento de que a mera previsão
contratual de taxa de juros efetiva superior à nominal implica a capitalização
a que se refere a legislação, adiro ao entendimento do Ministro Raul Araújo no
sentido da validade da estipulação, perfeitamente compreensível ao consumidor,
notadamente em casos como o presente de juros prefi xados e prestações idênticas,
invariáveis (fl . 22).
Em contrapartida, alguns trechos do voto divergem do ponto em que
acompanha o entendimento do Ministro Raul (que considera presente a
expressa pactuação de capitalização mensal, quando constam do contrato as
taxas mensal e anual de juros, e esta é superior ao duodécuplo daquela). São eles:
Neste ponto, assinalo que o art. 5º da Medida Provisória 1.963-17/00 tornou
admissível nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema
Financeiro Nacional “a pactuação de capitalização de juros com periodicidade
inferior a um ano”; vale dizer, no contrato bancário poderá ser pactuada a
capitalização semestral, trimestral, mensal, diária, contínua, etc. O intervalo da
capitalização deverá ser expressamente defi nido pelas partes do contrato (fl . 4).
[...]
O meu pedido de vista foi a tese assim sintetizada no item 3.6, alínea b, do voto
do relator ‘a pactuação mensal dos juros deve vir estabelecida de forma expressa,
portanto, é necessário que o contrato seja transparente e claro o suficiente
a ponto de cumprir o dever de informação previsto no Código de Defesa do
Consumidor’
Não tenho dúvida alguma em aderir às premissas tão bem expostas pelo
relator, amparado na doutrina de Cláudia Lima Marques, Rizzato Nunes e Paulo
de Tarso Sanseverino, acerca da absoluta necessidade de que o contrato bancário
seja transparente, claro, redigido de forma que o consumidor, leigo, vulnerável
não apenas economicamente, mas sobretudo sem experiência e conhecimento
econômico, contábil, fi nanceiro, entenda, sem esforço ou difi culdade alguma,
o conteúdo, o valor e a extensão das obrigações assumidas. A pactuação de
capitalização de juros deve ser expressa. A taxa de juros deve estar claramente
defi nida no contrato. A periodicidade da capitalização também. Sobretudo, não deve
pairar dúvida alguma acerca do valor da dívida, dos prazos para pagamento e dos
encargos respectivos (fl s. 4/5).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
148
Contudo, em sentido oposto a essa última assertiva, salienta em outro
excerto:
Pode o contrato informar a taxa anual nominal, esclarecendo que ela (a taxa)
será capitalizada mensalmente; ou optar por consignar a taxa efetiva anual e a taxa
mensal nominal a ela correspondente (fl . 13).
Mais adiante, em contraste com o posicionamento acima (e na trilha
dos entendimentos destacados anteriormente a este último trecho transcrito),
pondera:
Por outro lado, se constasse do contrato em exame, além do valor das prestações,
da taxa mensal e da taxa anual efetiva, também cláusula estabelecendo “os
juros vencidos e devidos serão capitalizados mensalmente”, ou ‘fica pactuada a
capitalização mensal de juros’, por exemplo, como passou a ser admitido pela
MP 2.170-36, a consequência para o devedor não seria a mera validação da
taxa de juros efetiva expressa no contrato e embutida nas prestações fi xas. Tal
pactuação signifi caria que, não paga determinada prestação, sobre o valor total dela
(no qual estão incluídos os juros remuneratórios contratados) incidiriam novos juros
remuneratórios a cada mês, ou seja, haveria precisamente a incidência de juros sobre
juros vencidos e não pagos incorporados ao capital (capitalização ou anatocismo),
prática esta vedada pela Lei de Usura em intervalo inferior a um ano e atualmente
permitida apenas em face de prévia, expressa e clara previsão contratual (fl . 20).
Portanto, no que se refere à pactuação expressa da capitalização mensal,
o voto, com a mais respeitável vênia, não me parece coeso, pois em seu bojo
apresenta dissonâncias.
3. A respeito do assunto, reitero o entendimento de que as cláusulas do
contrato fi rmado entre as partes (regido pelo Código de Defesa do Consumidor-
CDC) devem ser claras e transparentes, de modo a possibilitar ao consumidor
pleno conhecimento das obrigações assumidas.
As regras do mencionado codex servem de diretrizes para se aferir a
presença ou não de pactuação expressa acerca da capitalização mensal, permitida
nos contratos bancários fi rmados após 31/3/2000.
A meu sentir, a mera existência de discriminação da taxa mensal e da
taxa anual de juros, sendo esta superior ao duodécuplo daquela, não confi gura
estipulação expressa de capitalização mensal, pois há ausência da clareza e
transparência indispensáveis à compreensão do consumidor hipossufi ciente,
parte vulnerável na relação jurídica.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 79-149, novembro 2017 149
4. Há de se ressaltar, ainda, que, em recente julgamento realizado
pela Terceira Turma desta Corte, no REsp 1.302.738/SC, sufragou-se, por
unanimidade, o entendimento de que a especifi cação, no contrato bancário, da
taxa mensal de juros e da taxa anual de juros, não confi gura informação capaz
de, por si só, representar pactuação expressa de capitalização mensal de juros. O
acórdão então elaborado recebeu a seguinte ementa:
CIVIL. BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL.
CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. CONTRATAÇÃO EXPRESSA. NECESSIDADE DE
PREVISÃO. DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA.
1. A contratação expressa da capitalização de juros deve ser clara, precisa e
ostensiva, não podendo ser deduzida da mera divergência entre a taxa de juros anual
e o duodécuplo da taxa de juros mensal.
2. Reconhecida a abusividade dos encargos exigidos no período de
normalidade contratual, descaracteriza-se a mora.
3. Recurso especial não provido (Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
3/5/2012, DJe de 10/5/2012 - grifos nossos).
5. Essas são as considerações que reputo importante relevar e que me
levam a manter o voto já apresentado.
6. Ante o exposto, ratifico o voto anteriormente proferido, em sua
integralidade.
Súmula n. 542
SÚMULA N. 542
A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência
doméstica contra a mulher é pública incondicionada.
Referência:
Lei n. 11.340/2006.
Precedentes:
HC 242.458-DF (5ª T, 11.09.2012 – DJe 19.09.2012)
AgRg no AREsp 40.934-DF (5ª T, 13.11.2012 – DJe 23.11.2012)
AgRg no REsp 1.339.695-GO (5ª T, 05.02.2013 – DJe 15.02.2013)
AgRg no HC 201.307-AL (5ª T, 05.09.2013 – DJe 10.09.2013)
RHC 45.444-MG (5ª T, 08.05.2014 – DJe 20.05.2014)
AgRg no REsp 1.333.935-MS (6ª T, 04.06.2013 – DJe 20.06.2013)
AgRg no REsp 1.406.625-RJ (6ª T, 10.12.2013 – DJe 17.12.2013)
AgRg no REsp 1.358.215-MG (6ª T, 04.09.2014 – DJe 19.09.2014)
RHC 42.228-SP (6ª T, 09.09.2014 – DJe 24.09.2014) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no REsp 1.442.015-MG (6ª T, 20.11.2014 – DJe 12.12.2014)
Terceira Seção, em 26.8.2015
DJe 31.8.2015
RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 42.228-SP (2013/0366065-9)
Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura
Recorrente: Edilton Gabriel dos Santos
Advogados: Francisco de Paula Bernardes Júnior
Victoria Pereira da Silva de Almeida Braga
Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo
EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO
EM HABEAS CORPUS. POSSE IRREGULAR DE ARMA
DE FOGO DE USO PERMITIDO. LESÃO CORPORAL E
AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI MARIA DA
PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. ADI
N. 4424/DF. EFEITOS EX TUNC. NÃO PROVIMENTO.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.424/
DF, em 09/02/2012, conferiu interpretação conforme à Constituição
ao art. 41 da Lei 11.340/06, para assentar a natureza incondicionada
da ação penal em caso de crime de lesão corporal praticado mediante
violência doméstica e familiar contra a mulher.
2. Não tendo o Excelso Pretório realizado a modulação dos
efeitos daquele julgamento, nos termos do art. 27 da Lei n. 9.868/1999,
aplica-se ao caso a regra segundo a qual a decisão, além de ter efi cácia
erga omnes, tem efeitos retroativos (ex tunc), aplicando-se aos casos
ocorridos anteriormente ao à prolação do referido aresto.
3. Recurso ordinário a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Sexta
Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente),
Rogerio Schietti Cruz e Nefi Cordeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
156
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Marilza Maynard
(Desembargadora Convocada do TJ/SE).
Brasília (DF), 09 de setembro de 2014 (data do julgamento).
Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora
DJe 24.9.2014
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura: Trata-se de recurso
ordinário em habeas corpus interposto por EDILTON GABRIEL DOS
SANTOS, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC
n. 0016152-75.2013.8.26.0000).
Consta dos autos que o recorrente foi denunciado pela prática dos crimes
tipifi cados no art. 129, § 9º, e art. 147, c.c. art. 61, II, alínea f, do Código Penal,
contra sua companheira, em concurso material com o art. 12 da Lei 10.826/03.
Inconformada, a defesa impetrou prévio writ perante o Tribunal de origem,
que denegou a ordem, verbis:
EDILTON GABRIEL DOS SANTOS foi autuado em flagrante e denunciado
por infração aos delitos supra referidos, pois, em 15.10.2011, teria ofendido a
integridade corporal e a saúde de sua companheira, Soraia Maria dos Santos,
causando-lhe lesões corporais. Ainda, porque a teria ameaçado, por palavras e
gestos, de causar-lhe mal injusto e grave. Também, porque possuía e mantinha
sob sua guarda, dentro de sua residência, um revólver Taurus, calibre 38, de
uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou
regulamentar (fl s. 15/17).
Pretende a impetração o trancamento da ação penal quanto aos crimes de
lesão corporal e ameaça.
A ordem não pode ser concedida.
Inicialmente, cumpre esclarecer que esta relatoria tinha entendimento no
sentido de que, em casos de lesão corporal leve, praticada no âmbito das relações
domésticas, a ação penal seria pública condicionada, pois o artigo 16, da Lei n.
11.340/06, ao prever que a retratação à representação só pode ser feita em Juízo,
demonstrou que a necessidade de representação da ofendida para a ação penal
foi mantida, incluindo o disposto no artigo 88, da Lei n. 9.099/95, uma vez que
não estabeleceu qualquer exceção.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 151-163, novembro 2017 157
Além disso, considerava-se o aspecto social da exigência da representação
da ofendida, que permite à vítima exercer a faculdade de não dar continuidade
à persecução criminal que apenas viria a conturbar ainda mais o ambiente
doméstico e atrapalhar eventual reconciliação.
Contudo, o julgamento da ADI 4.424/DF, em 9.2.2012, assentou “a natureza
incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a
extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico”, passando a
orientar decisões nesse sentido das Nossas Cortes Superiores.
Ao decidir a Reclamação n. 15.309/SP, a ilustre Ministra Rosa Weber consignou
que “a propositura da ação penal por crime de lesão corporal no ambiente
doméstico não está condicionada à representação da vitima, nem a posterior
retratação tem qualquer efeito processual”. E prosseguiu, afi rmando que “não
tem lugar o argumento de que a decisão do Supremo não poderia retroagir
para atingir a retratação ou os crimes praticados anteriormente. O Supremo é
interprete da lei, e não legislador. O julgado acima referido apenas revelou o
melhor Direito aplicável, sem inovar na esfera normativa’7.
Assim, o posicionamento desta Relatoria foi revisto para adequar-se à
orientação do Colendo Supremo Tribunal Federal.
Dessa forma, tratando-se de ação penal pública incondicionada, não há que se
falar em trancamento do processo em tela quanto aos crimes de lesão corporal e
ameaça descritos na denúncia.
E, no caso ora em análise, verifi ca-se que, na data dos fatos, a ofendida ofertou
representação perante a autoridade policial (fls. 22). Concluído e relatado o
inquérito policial em 21.10.2011 (fls. 47/48), a denúncia foi oferecida em
28.10.2011 (fl s. 51). Em 3.11.2011, a peça inicial foi recebida (fl s. 52), mesma data
em que a defesa despachou petição requerendo a reconsideração da decisão
que converteu a prisão em fl agrante em preventiva, com concessão da liberdade
provisória (fl s. 53), que foi instruída com a retratação da vítima, também datada
de 3.11.2011.
Diante de tal quadro, ainda que se entendesse tratar-se de ação penal
pública condicionada à representação, que poderia ser retratada até a data do
recebimento da denúncia, verifi ca-se que este não foi o caso, tendo em vista que
a retratação e a decisão que recebeu a peça inicial ocorreram na mesma data, não
tendo aquela precedido esta como afi rmado pela combativa defesa.
E, diante de tal quadro, não há vício decorrente da não designação da
audiência prevista no artigo 16 da Lei 11.340/06, eis que não teria qualquer efeito
a retratação eventualmente ofertada em tal ato.
Não há que se falar também em inaplicabilidade dos efeitos do julgamento
da ADI 4.424/DF ao caso em tela, pois, como já visto e afi rmado em decisões do
Colendo Supremo Tribunal Federal, tal julgamento não se tratou de inovação
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
158
legislativa, impossível de retroagir em prejuízo do acusado, mas somente de
interpretação das normas já existentes na data dos fatos ora em análise.
Neste contexto, não há que se falar em trancamento da ação penal.
Ante o exposto, denega-se a ordem pleiteada. (fl s. 245-256).
Daí o presente recurso, no qual a defesa sustenta a inaplicabilidade dos
efeitos da ADI 4.424/DF, cuja publicação ocorreu em data posterior aos fatos
em apreço.
Informa que “a retratação da ofendida, protocolizada no dia 03.11.11,
contendo a petição de juntada despacho proferido pelo magistrado de primeiro
grau, foi realizada anteriormente ao recebimento da denúncia, que ocorreu cinco
dias após, em 08.11.11 (fl . 263).
Assevera que “com arrimo em jurisprudência desse Colendo Superior
Tribunal de Justiça e sólida doutrina colacionada, a decisão do Pretório Excelso,
nos autos da ADI-4.424/DF, não deve estender seus efeitos ao caso em tela,
devendo a respectiva ação penal em curso contra o Paciente ser parcialmente
trancada, eis que ausente condição essencial de procedibilidade” (fl . 273).
Requer o trancamento parcial da Ação Penal n. 271.01.2011.010062-0 em
trâmite na Primeira Vara Criminal de Itapevi/SP.
O Ministério Público Federal apresentou parecer, fl s. 290-292, da lavra do
Subprocurador-Geral da República Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos,
opinando pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): O Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da ADI 4.424/DF, em 09/02/2012, conferiu
interpretação conforme à Constituição ao art. 41 da Lei 11.340/06, para assentar
a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal
praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher.
Confira-se, por oportuno, trecho do informativo n. 654 do STF, que
noticiou a referida decisão:
Em seguida, o Plenário, por maioria, julgou procedente ação direta, proposta
pelo Procurador Geral da República, para atribuir interpretação conforme a
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 151-163, novembro 2017 159
Constituição aos artigos 12, I; 16 e 41, todos da Lei 11.340/2006, e assentar a natureza
incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, praticado
mediante violência doméstica e familiar contra a mulher. Preliminarmente, afastou-
se alegação do Senado da República segundo a qual a ação direta seria imprópria,
visto que a Constituição não versaria a natureza da ação penal – se pública
incondicionada ou pública subordinada à representação da vítima. Haveria,
conforme sustentado, violência refl exa, uma vez que a disciplina do tema estaria
em normas infraconstitucionais. O Colegiado explicitou que a Constituição seria
dotada de princípios implícitos e explícitos, e que caberia à Suprema Corte defi nir
se a previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra
a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas
as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação.
Salientou-se a evocação do princípio explícito da dignidade humana, bem como
do art. 226, § 8º, da CF. Frisou-se a grande repercussão do questionamento, no
sentido de defi nir se haveria mecanismos capazes de inibir e coibir a violência
no âmbito das relações familiares, no que a atuação estatal submeter-se-ia à
vontade da vítima. No mérito, evidenciou-se que os dados estatísticos no tocante
à violência doméstica seriam alarmantes, visto que, na maioria dos casos em
que perpetrada lesão corporal de natureza leve, a mulher acabaria por não
representar ou por afastar a representação anteriormente formalizada. A respeito,
o Min. Ricardo Lewandowski advertiu que o fato ocorreria, estatisticamente, por
vício de vontade da parte dela. Apontou-se que o agente, por sua vez, passaria
a reiterar seu comportamento ou a agir de forma mais agressiva. Afi rmou-se
que, sob o ponto de vista feminino, a ameaça e as agressões físicas surgiriam,
na maioria dos casos, em ambiente doméstico. Seriam eventos decorrentes de
dinâmicas privadas, o que aprofundaria o problema, já que acirraria a situação de
invisibilidade social. Registrou-se a necessidade de intervenção estatal acerca do
problema, baseada na dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), na igualdade
(CF, art. 5º, I) e na vedação a qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI). Reputou-se que a legislação ordinária
protetiva estaria em sintonia com a Convenção sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Violência contra a Mulher e com a Convenção de Belém do Pará.
Sob o ângulo constitucional, ressaltou-se o dever do Estado de assegurar a
assistência à família e de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de
suas relações. Não seria razoável ou proporcional, assim, deixar a atuação estatal
a critério da vítima. A proteção à mulher esvaziar-se-ia, portanto, no que admitido
que, verifi cada a agressão com lesão corporal leve, pudesse ela, depois de acionada
a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência especifi camente designada
com essa fi nalidade, fazendo-o antes de recebida a denúncia. Dessumiu-se que
deixar a mulher – autora da representação – decidir sobre o início da persecução
penal signifi caria desconsiderar a assimetria de poder decorrente de relações
histórico-culturais, bem como outros fatores, tudo a contribuir para a diminuição
de sua proteção e a prorrogar o quadro de violência, discriminação e ofensa à
dignidade humana. Implicaria relevar os graves impactos emocionais impostos
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
160
à vítima, impedindo-a de romper com o estado de submissão. Entendeu-se não
ser aplicável aos crimes glosados pela lei discutida o que disposto na Lei 9.099/95,
de maneira que, em se tratando de lesões corporais, mesmo que de natureza leve
ou culposa, praticadas contra a mulher em âmbito doméstico, a ação penal cabível
seria pública incondicionada. Acentuou-se, entretanto, permanecer a necessidade
de representação para crimes dispostos em leis diversas da 9.099/95, como o de
ameaça e os cometidos contra a dignidade sexual. Consignou-se que o Tribunal,
ao julgar o HC 106.212/MS (DJe de 13.6.2011), declarara, em processo subjetivo,
a constitucionalidade do art. 41 da Lei 11.340/2006, no que afastaria a aplicação
da Lei dos Juizados Especiais relativamente aos crimes cometidos com violência
doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista. Vencido
o Min. Cezar Peluso, Presidente. Aduzia que o legislador não poderia ter sido
leviano ao estabelecer o caráter condicionado da ação penal. Afirmava que
eventual existência de vício de vontade da mulher ofendida, ao proceder à
retratação, não poderia ser tida como regra. Alertava para a possibilidade de
intimidação da mulher em levar a notícia-crime, por saber que não poderia infl uir
no andamento da ação penal, assim como para a excepcionalidade de os crimes
serem noticiados por terceiros. Assinalava que a mera incondicionalidade da ação
penal não constituiria impedimento à violência familiar, entretanto acirraria a
possibilidade dessa violência, por meio de atitudes de represália contra a mulher.
Asseverava, por fi m, que a decisão do Tribunal estaria concentrada na situação
da mulher – merecedora de proteção por parte do ordenamento jurídico –, mas
se deveria compatibilizar esse valor com a manutenção da situação familiar, a
envolver outros entes.
Diante do entendimento esposado pelo Pretório Excelso, este Superior
Tribunal de Justiça, com a ressalva do meu entendimento acerca do tema,
passou a decidir no mesmo sentido, reconhecendo a natureza incondicionada
da ação penal em caso de crime de lesão corporal, praticado mediante violência
doméstica e familiar contra a mulher. A título de ilustração:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO.
COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO.
MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O STF.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LESÕES CORPORAIS LEVES.
RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RETRATAÇÃO DA VÍTIMA. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO
PÚBLICA INCONDICIONADA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE QUE,
EVENTUALMENTE, PUDESSE ENSEJAR A CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Excelso Supremo Tribunal Federal, em recentes pronunciamentos, aponta
para uma retomada do curso regular do processo penal, ao inadmitir o habeas
corpus substitutivo do recurso ordinário.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 151-163, novembro 2017 161
Precedentes: HC 109.956/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro Marco Aurélio,
julgado em 07/08/2012, acórdão pendente de publicação; HC 104.045/RJ,
Primeira Turma, Rel. Ministra Rosa Weber, julgado em 28/08/2012, acórdão
pendente de publicação. Decisões monocráticas dos ministros Luiz Fux e Dias
Toff oli, respectivamente, nos autos do HC 114.550/AC (DJe de 27/08/2012) e HC
114.924/RJ (DJe de 27/08/2012).
2. Sem embargo, mostra-se precisa a ponderação lançada pelo Ministro Marco
Aurélio, no sentido de que, “no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da
substituição do recurso constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente,
ante a possibilidade de vir-se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício.”
3. O Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 4.424/DF, reconheceu a
natureza incondicionada da ação penal na hipótese de crime de lesão corporal
praticada mediante violência doméstica e familiar contra a mulher, superando,
assim, entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Assim, conclui-se pela
inaplicabilidade, na espécie, do art. 16, da Lei n. 11.340/06.
4. Ausência de ilegalidade fl agrante que, eventualmente, ensejasse a concessão
da ordem de ofício.
5. Habeas corpus não conhecido.
(HC 242.458/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
11/09/2012, DJe 19/09/2012)
HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LEI MARIA DA PENHA. NATUREZA
DA AÇÃO PENAL. REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. DESNECESSIDADE. AÇÃO PÚBLICA
INCONDICIONADA.
1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 4.424/DF, de relatoria do Ministro
Marco Aurélio, modificou entendimento majoritário do STJ, reconhecendo a
natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal,
praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher.
2. Na hipótese, condenado o paciente nas sanções o art. 129, § 9º, do Código
Penal, defendia-se que a representação da ofendida é condição de procedibilidade
para a ação penal. Diante do acolhimento da orientação da Suprema Corte, o
pedido não prospera.
3. Ordem denegada. (STJ, HC 222.528/SE, Rel. Min. OG FERNANDES, SEXTA
TURMA, DJe de 11/04/2012).
No entender do recorrente, o acórdão proferido pelo Excelso Pretório no
julgamento da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade, deve ter efeitos
ex nunc. Ocorre, porém, que, não tendo a Suprema Corte realizado a modulação
dos efeitos daquele julgamento, nos termos do art. 27 da Lei n. 9.868/1999,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
162
aplica-se ao caso a regra segundo a qual a decisão, além de ter efi cácia erga omnes,
tem efeitos retroativos (ex tunc), aplicando-se aos casos ocorridos anteriormente
ao à prolação do referido aresto.
Nessa linha de raciocínio, segue julgado desta Corte Superior de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE LESÃO CORPORAL
COMETIDO NO ÂMBITO DOMÉSTICO. LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA
INCONDICIONADA. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO PELO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. ADI n. 4.424/DF. RECURSO IMPROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento proferido na Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 4.424/DF, fi rmou o entendimento no sentido
da desnecessidade de representação da vítima nos crimes de lesão corporal
praticados contra a mulher no âmbito familiar, por se tratar de ação penal pública
incondicionada.
2. De regra, a declaração de inconstitucionalidade possui eficácia ex tunc.
Eventual restrição há de ser expressa, nos termos do art. 27 da Lei n. 9.868/1999,
que permite ao Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, os efeitos da decisão. Todavia, no caso, não há notícia de modulação dos
efeitos da decisão proferida, motivo pelo qual inexiste ilegalidade a ser reparada
no acórdão impugnado.
3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento. (RHC
33.881/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em
23/10/2012, DJe 30/10/2012)
De mais a mais, impende destacar trecho do acórdão impugnado, no
qual a Corte local salienta que a denúncia foi recebida na mesma data em que
apresentada a retratação da vítima, informação que se confi rma pela análise dos
documentos encartados às fl s. 53 (recebimento da denúncia) e 62 (retratação da
vítima):
E, no caso ora em análise, verifi ca-se que, na data dos fatos, a ofendida ofertou
representação perante a autoridade policial (fls. 22). Concluído e relatado o
inquérito policial em 21.10.2011 (fls. 47/48), a denúncia foi oferecida em
28.10.2011 (fl s. 51). Em 3.11.2011, a peça inicial foi recebida (fl s. 52), mesma data
em que a defesa despachou petição requerendo a reconsideração da decisão
que converteu a prisão em fl agrante em preventiva, com concessão da liberdade
provisória (fl s. 53), que foi instruída com a retratação da vítima, também datada
de 3.11.2011 (fl s. 61)
Diante de tal quadro, ainda que se entendesse tratar-se de ação penal
pública condicionada à representação, que poderia ser retratada até a data do
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 151-163, novembro 2017 163
recebimento da denúncia, verifi ca-se que este não foi o caso, tendo em vista que
a retratação e a decisão que recebeu a peça inicial ocorreram na mesma data, não
tendo aquela precedido esta como afi rmado pela combativa defesa. (fl . 253).
Dessarte, notabiliza-se que não há como trancar a ação penal, tendo em
vista o crime de ameaça e, tampouco, diante do crime de lesão corporal.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.
É como voto.
Súmula n. 543
SÚMULA N. 543
Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de
imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata
restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em
caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente,
caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
Referências:
CC/2002, art. 122.
CDC, art. 51, II e IV.
CPC, art. 543-C.
Precedentes:
(*)REsp 1.300.418-SC (2ª S, 13.11.2013 – DJe 10.12.2013) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no REsp 1.219.345-SC (3ª T, 15.02.2011 – DJe 28.02.2011)
AgRg no REsp 677.177-PR (3ª T, 1º.03.2011 – DJe 16.03.2011)
RCDESP no
AREsp 208.018-SP (3ª T, 16.10.2012 – DJe 05.11.2012)
AgRg no Ag 866.542-SC (3ª T, 04.12.2012 – DJe 11.12.2012)
AgRg no REsp 1.249.786-SC (3ª T, 02.05.2013 – DJe 09.05.2013)
AgRg no REsp 1.207.682-SC (3ª T, 11.06.2013 – DJe 21.06.2013)
EDcl no
AgRg no REsp 1.349.081-AL (3ª T, 03.06.2014 – DJe 09.06.2014)
AgRg no AREsp 525.955-SC (3ª T, 05.08.2014 – DJe 04.09.2014)
REsp 877.980-SC (4ª T, 03.08.2010 – DJe 12.08.2010)
AgRg no REsp 1.238.007-SC (4ª T, 15.12.2011 – DJe 1º.02.2012)
AgRg no REsp 997.956-SC (4ª T, 26.06.2012 – DJe 02.08.2012)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 26.8.2015
DJe 31.8.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.300.418-SC (2012/0000392-9)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: APL Incorporações e Construções Ltda
Advogado: Hercílio Emerich Lentz e outro(s)
Recorrido: Clóvis Paulo Ceccato e outro
Advogado: Anésio Knoth e outro(s)
Interes.: Defensoria Pública da União - “Amicus Curiae”
Interes.: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor IDEC - “Amicus
Curiae”
Interes.: Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor -
MPCON - “Amicus Curiae”
Advogado: Leandro Silva e outro(s)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO
CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA DE IMÓVEL.
DESFAZIMENTO. DEVOLUÇÃO DE PARTE DO VALOR
PAGO. MOMENTO.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: em contratos submetidos
ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual
que determina a restituição dos valores devidos somente ao término
da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato
de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer
contratantes. Em tais avenças, deve ocorrer a imediata restituição das
parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de
culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente,
caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
2. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Segunda Seção
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
170
notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso
especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Para os efeitos do artigo
543-C, do CPC, foi fi xada a seguinte tese: É abusiva a cláusula contratual
que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra
ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contato de promessa de
compra e venda de imóvel, por culpa de qualquer dos contratantes. Assim, em
tais avenças submetidas às regras do Código de Defesa do Consumidor, deve
ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador -
integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor,
ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem dar causa ao desfazimento.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio
Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy Andrighi, João
Otávio de Noronha e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo.
Brasília (DF), 13 de novembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 10.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Clóvis Paulo Ceccato e Andrea
Benevides Silva ajuizaram ação em face de APL - Incorporações e Construções
Ltda., objetivando rescisão de contrato de promessa de compra e venda de
unidade habitacional, cumulada com pedido de restituição das parcelas pagas
- deduzidos os valores aportados a título de arras -, bem como a declaração
de nulidade de cláusula que previa a devolução do que foi pago, em caso de
rescisão, somente após o efetivo término da obra. O preço estipulado foi de R$
41.160,00, e, após uma repactuação, afi rma que pagou o total de R$ 23.972,68.
O Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca da Capital/SC julgou
parcialmente procedentes os pedidos, deduzindo do valor a ser restituído apenas
o que foi pago a título de arras (fl s. 98-105).
Em grau de apelação, pretendeu a construtora ré a manutenção da cláusula
contratual que determinava a restituição das parcelas pagas somente ao término
do empreendimento (fl s. 109-115).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 165-180, novembro 2017 171
O TJSC negou provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença
nos termos da seguinte ementa:
AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM NULIDADE DE CLÁUSULA
E DEVOLUÇÃO IMEDIATA DAS PARCELAS ADIMPLIDAS. PREVISÃO CONTRATUAL
DE RESTITUIÇÃO SOMENTE AO FINAL DA CONSTRUÇÃO. ABUSIVIDADE DA
CLÁUSULA. A RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA IMPLICA NA
DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS EFETIVAMENTE ADIMPLIDAS. INTERPRETAÇÃO
CONFORME O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REEMBOLSO QUE SE IMPÕE
COMO FORMA DE REESTABELECER (SIC) O EQUILÍBRIO JURÍDICO-PATRIMONIAL
ENTRE AS PARTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (fl . 136).
Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional, no qual se sustenta, além de dissídio, ofensa ao art. 53 do Código
de Defesa do Consumidor.
Insurge-se a recorrente contra acórdão que determinou a restituição
imediata e em parcela única dos valores pagos pelo promitente comprador, em
razão de desistência/inadimplemento de contrato de promessa de compra e
venda de imóvel.
Entende inexistir ilegalidade na cláusula que prevê, para a hipótese de
rescisão contratual, que as parcelas pagas pelo promitente comprador lhes sejam
restituídas somente ao término da obra.
Contra-arrazoado (fl s. 189-193), o especial foi admitido (fl . 195).
Ascendendo os autos a esta Corte, verifi quei haver multiplicidade de
recursos a versar o tema tratado nos autos, alusivo à forma de devolução dos
valores devidos ao promitente comprador (se imediatamente, somente ao
término da obra ou, ainda, de forma parcelada) em razão da rescisão do contrato
de promessa de compra e venda de imóvel.
Por isso, afetei o julgamento do presente recurso especial à eg. Segunda
Seção, nos termos do art. 543-C do CPC, bem como da Resolução n. 8/2008.
O Ministério Público Federal, entendendo tratar-se de discussão acerca de
questões meramente patrimoniais e direitos disponíveis, deixou de apresentar
parecer (fl . 211).
A Defensoria Pública da União (DPU) pleiteou seu ingresso como amicus
curiae, pedido deferido à fl . 215. Opinou pelo “reconhecimento jurisprudencial
da efetiva possibilidade de imediata restituição ao devedor inadimplente das
parcelas quitadas à data da resolução contratual, monetariamente atualizadas,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
172
descontados os custos gerados ao credor/incorporador, desde que devidamente
comprovados e estipulados de forma explícita, prévia e razoável no contrato” (fl .
230).
Na assentada do dia 8/5/2013, o zeloso membro do Ministério Público
Federal presente na sessão, Dr. Washington Bolivar de Brito Junior, em
questão de ordem, pleiteou o encaminhamento dos autos diretamente ao seu
gabinete para manifestação, nos termos do art. 543-C, § 5º, do CPC, tendo o
requerimento sido atendido pela Seção.
Em seguida, o Ministério Público Federal ofertou parecer assim ementado:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. DIREITO DO
CONSUMIDOR. CLÁUSULA ABUSIVA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. NEGATIVA DE
RESTITUIÇÃO IMEDIATA DE VALORES PAGOS PELOS PROMITENTES COMPRADORES
À INCORPORADORA.
1. Preliminar de questão de ordem. Imprescindibilidade de manifestação
do Ministério Público Federal sobre o mérito do recurso especial repetitivo,
dada a abrangência de seus efeitos e a circunstância de versar sobre direito do
consumidor. Art. 543-C, § 5º, do CPC, arts. 3º, II, e 4º, parágrafo único da Res. 8/08-
STJ, a par do art. 82, III, in fi ne, do CPC, c. c. o art. 5º, § 1º da Lei n. 7.341/85 e art. 5º,
XXXII, da CRFB.
2. Mérito. Rescisão de contrato de promessa de compra e venda de
empreendimento Imobiliário pelos promitentes compradores. Cláusula prevendo
a restituição dos valores somente após a conclusão da obra. Condição abusiva,
declarada nula de pleno direito. Art. 51, II, IV e XV, do CDC. Desvantagem excessiva
em prejuízo dos consumidores e enriquecimento ilícito da construtora, que,
além de já haver retido o sinal (arras), poderá recolocar o imóvel à disposição do
mercado imobiliário, de modo a capitalizar-se durante a construção. Precedentes.
PARECER PELO CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL
(fl . 234).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A questão tratada
nos autos transcende o interesse individual das partes, revelando-se com
feição multitudinária, de acentuada relevância jurídica e econômica e com
potencialidade de repetição em diversos outros litígios a envolver consumidor e
construtora de imóveis.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 165-180, novembro 2017 173
Cuida-se de saber se, rescindido o contrato de promessa de compra e venda
de imóvel, celebrado diretamente com a construtora/incorporadora, as parcelas
pagas devem ser restituídas de imediato, proclamando-se a nulidade da cláusula
que determina a devolução somente ao término da obra.
Vale dizer, a celeuma cinge-se apenas ao momento em que os valores
devem ser restituídos, tendo ambas as partes, no caso em exame, concordado
com o quantum a ser retido pela construtora.
3. É de longa data a jurisprudência fi rme da Casa sobre o tema.
3.1. Com efeito, a despeito da inexistência literal de disposição que
imponha a devolução imediata do que é devido pelo promitente vendedor de
imóvel, inegável que o Código de Defesa do Consumidor optou por fórmulas
abertas para a nunciação das chamadas “práticas abusivas” e “cláusulas abusivas”,
lançando mão de um rol meramente exemplifi cativo para descrevê-las.
Daí a menção não exauriente contida nos arts. 39 e 51:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas [...];
[...]
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que [...].
Nessa linha, a jurisprudência da Casa vem proclamando, reiteradamente,
ser abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do
Consumidor, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de
promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das parcelas pagas somente
ao término da obra, haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais,
revender o imóvel a terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os valores
retidos - além da própria valorização do imóvel, como normalmente acontece.
Se bem analisada, a cláusula que posterga para o término efetivo da obra a
devolução do que é devido pelo construtor parece abusiva mesmo no âmbito do
direito comum, porquanto desde o Código Civil de 1916 - e que foi reafi rmado
pelo Código Civil de 2002 - são ilícitas as cláusulas puramente potestativas,
assim entendidas aquelas que sujeitam a pactuação “ao puro arbítrio de uma das
partes” (art. 122 do CC/2002 e art. 115 do CC/1916).
De fato, se for mantida hígida a mencionada cláusula, o direito ao
recebimento do que é devido ao consumidor fi ca submetido ao puro arbítrio do
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
174
fornecedor, uma vez que a conclusão da obra é providência que cabe a este com
exclusividade, podendo, inclusive, nem acontecer ou acontecer a destempo.
Nesse caso, o comportamento do fornecedor revela, a meu juízo, evidente
potestatividade, considerado abusivo tanto pelo CDC (art. 51, IX) quanto
pelo Código Civil (art. 122) (por todos, NERY JÚNIOR, Nelson. In. Código
brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 598).
3.2. A jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Privado não vacila
nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE COMPRA
E VENDA. RESCISÃO. MOMENTO DE DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. DECISÃO
MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é fi rme no sentido de que
há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que obriga o
consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver seu dinheiro,
pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem assegurar, ao mesmo
tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali investido.
[...]
(AgRg no Ag 866.542/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 11/12/2012)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RESCISÃO
CONTRATUAL - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - PRESTAÇÃO PAGAS - DEVOLUÇÃO
APÓS O TÉRMINO DA OBRA - ABUSIVIDADE - ACÓRDÃO RECORRIDO EM
HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE - LUCROS CESSANTES - NÃO
COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO - RECONHECIMENTO - IMPOSSIBILIDADE DE
REEXAME DE PROVAS - INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DESTA CORTE - RECURSO
IMPROVIDO.
(AgRg no REsp 1.238.099/SC, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 26/04/2011, DJe 11/05/2011)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE
NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL - RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS
SOMENTE APÓS A CONCLUSÃO DAS OBRAS - ABUSIVIDADE CONFIGURADA -
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83.
I - Há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que
obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver seu
dinheiro, pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem assegurar, ao
mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali investido.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 165-180, novembro 2017 175
[...]
(AgRg no REsp 1.219.345/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 15/02/2011, DJe 28/02/2011)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE COMPRA
E VENDA. RESCISÃO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO
AGRAVADA.
[...]
3. Há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que
obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver seu
dinheiro, pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem assegurar, ao
mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali investido
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 856.283/SC, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em
02/02/2010, DJe 25/02/2010)
Consumidor. Recurso especial. Rescisão de contrato de compromisso de
compra e venda de imóvel. Incorporadora que se utiliza de sistema de ‘auto-
fi nanciamento’. Devolução das parcelas pagas pelo promitente-comprador, já
descontado o valor das arras, apenas após o término de toda a construção.
Aplicação dos princípios consumeristas à relação jurídica. Irrelevância do veto ao
§ 1º do art. 53 do CDC. Análise prévia do contrato-padrão pelo Ministério Público.
Irrelevância.
[...]
- Apesar do veto ao § 1º do art. 53 do CDC, o teor de tal dispositivo pode ser
depurado a partir dos princípios gerais do direito positivo brasileiro e do CDC.
Precedente: EREsp n. 59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro.
- Há enriquecimento ilícito da incorporadora na aplicação de cláusula que
obriga o consumidor a esperar pelo término completo das obras para reaver seu
dinheiro, pois aquela poderá revender imediatamente o imóvel sem assegurar, ao
mesmo tempo, a fruição pelo consumidor do dinheiro ali investido.
[...]
(REsp 633.793/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 07/06/2005, DJ 27/06/2005, p. 378)
Transcrevo parte dos judiciosos fundamentos expostos no precedente
acima citado, de relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi,:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
176
Sobre o tema, afirma Nelson Nery Júnior que “O CDC enumerou uma série
de cláusulas consideradas abusivas, dando-lhes o regime da nulidade de pleno
direito (art. 51). Esse rol não é exaustivo, podendo o juiz, diante das circunstâncias
do caso concreto, entender ser abusiva e, portanto, nula, determinada cláusula
contratual. Está para tanto autorizado pelo caput do art. 51 do CDC, que diz serem
nulas, ‘entre outras’, as cláusulas que menciona. Ademais, o inc. XV do referido artigo
contém norma de encerramento, que dá possibilidade ao juiz de considerar abusiva
a cláusula que ‘esteja em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor’.
Em resumo, os casos de cláusulas abusivas são enunciados pelo art. 51 do CDC em
numerus apertus e não em numerus clausus” (“Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto”. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 7ª edição, 2001, pág. 463).
A manutenção da cláusula contratual em análise gerará enriquecimento
indevido à recorrente. Conquanto tenha este por linha de defesa a necessidade
de respeito ao auto-fi nanciamento dos imóveis populares construídos, o fato é
que tal disposição obriga o consumidor a esperar pelo término completo das
obras de todo o conjunto habitacional, mas nada diz a respeito da possibilidade
de revenda do mesmo imóvel a terceiro pela incorporadora, que passaria, assim,
a obter um duplo fi nanciamento para a construção com lastro na mesma unidade
residencial.
Com a rescisão contratual, necessário é o retorno ao ‘status quo ante’ para as
duas partes em iguais condições; não é possível autorizar-se que a incorporadora
possa imediatamente dispor do imóvel sem reconhecer, quanto à fruição dos
dinheiros empregados, o mesmo direito ao recorrido.
No âmbito da Quarta Turma, a questão também está pacifi cada:
CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO
CONTRATUAL. CULPA DA CONSTRUTORA. CLÁUSULA A PREVER A RESTITUIÇÃO
DAS PARCELAS PAGAS SOMENTE AO TÉRMINO DA OBRA. ABUSIVIDADE. ARRAS.
OMISSÃO DO ACÓRDÃO ACERCA DA SUA NATUREZA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO.
SÚMULA 356/STF.
1. É abusiva, por ofensa ao art. 51, incisos II e IV, do Código de Defesa do
Consumidor, a cláusula contratual que determina, em caso de rescisão de
promessa de compra e venda de imóvel, por culpa exclusiva da construtora/
incorporadora, a restituição das parcelas pagas somente ao término da obra,
haja vista que poderá o promitente vendedor, uma vez mais, revender o imóvel a
terceiros e, a um só tempo, auferir vantagem com os valores retidos, além do que
a conclusão da obra atrasada, por óbvio, pode não ocorrer.
2. O acórdão recorrido, muito embora faça alusão ao contrato, não deixa
explicitado se as arras têm natureza confi rmatória ou penitencial, tampouco o
recorrente opôs embargos de declaração para aclarar tal ponto. Com efeito, não
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 165-180, novembro 2017 177
sanada a omissão do acórdão acerca da natureza das arras, se confi rmatórias ou
penitenciais, o recurso especial esbarra na Súmula 356/STF.
3. Recurso especial improvido.
(REsp 877.980/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 03/08/2010, DJe 12/08/2010)
Após esse precedente, de minha relatoria, seguiram-se diversos outros
proferidos em sede de agravo regimental, todos com a composição atual deste
órgão julgador. Confi ram-se, entre outros, os seguintes: AgRg no REsp 997.956/
SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado
em 26/06/2012; AgRg no REsp 1.238.007/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/12/2011; AgRg no REsp
935.443/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 15/12/2011.
Em sede de decisão monocrática, colho o REsp n. 1.025.091, de relatoria
do em. Ministro Marco Buzzi, e o REsp 1.249.786, relator em. Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino.
Há diversos outros precedentes que também consideram abusiva a
devolução do valor pago pelo comprador de forma apenas parcelada:
PROCESSO CIVIL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO EM AGRAVO. PRETENSÃO
RECEBIDA COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DE IMÓVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS.
RAZOABILIDADE NA DETERMINAÇÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM DE RETENÇÃO
DE 20% A TÍTULO DE DESPESAS ADMINISTRATIVAS. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS
PAGAS DE FORMA PARCELADA. ABUSIVIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.
FALTA DE COTEJO ANALÍTICO. SIMPLES TRANSCRIÇÃO DAS EMENTAS. DECISÃO
AGRAVADA MANTIDA.
[...]
3.- Esta Corte já decidiu que é abusiva a disposição contratual que estabelece,
em caso de resolução do contrato de compromisso de compra e venda de imóvel,
a restituição dos valores pagos de forma parcelada, devendo ocorrer a devolução
imediatamente e de uma única vez.
[...]
5.- Agravo Regimental a que se nega provimento.
(RCDESP no AREsp 208.018/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 16/10/2012, DJe 05/11/2012)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
178
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
IMÓVEL. RESOLUÇÃO DO CONTRATO. DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES ADIMPLIDAS
DE FORMA IMEDIATA E EM PARCELA ÚNICA.
1 - Abusiva a disposição contratual estabelecendo, em caso de resolução do
contrato de promessa de compra e venda de imóvel, a restituição das prestações
pagas de forma parcelada.
2 - Com a resolução, retornam as partes contratantes à situação jurídica anterior
(“status quo ante”), impondo-se ao comprador o dever de devolver o imóvel e ao
vendedor o de ressarcir as prestações até então adimplidas, descontada a multa
pelo inadimplemento contratual.
3 - Precedentes específi cos desta Corte.
4 - AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONHECER DO RECURSO ESPECIAL E
LHE DAR PROVIMENTO.
(AgRg no REsp 677.177/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2011, DJe 16/03/2011)
Confiram-se, também, as seguintes decisões monocráticas: REsp n.
1.062.452/RS, rel. Ministro Marco Buzzi; AREsp n. 229.075/SP, rel. Ministro
Sidnei Beneti; EDcl no AREsp n. 21.710/GO, rel. Ministro Ricardo Villas
Bôas Cueva; REsp n. 1.179.049/DF, rel. Ministro Antônio Carlos Ferreira.
4. Importante ressaltar que esse entendimento - segundo o qual os valores
devidos pela construtora ao consumidor devem ser restituídos imediatamente
à resolução do contrato - aplica-se independentemente se quem deu causa à
resolução foi o comprador ou o vendedor.
É antiga a jurisprudência da Segunda Seção no sentido de que o promitente
comprador de imóvel pode pedir a resolução do contrato sob alegação de
insuportabilidade da prestação devida:
PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESILIÇÃO. DENÚNCIA PELO
COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE NO
PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. RESTITUIÇÃO.
- O compromissário comprador que deixa de cumprir o contrato em face da
insuportabilidade da obrigação assumida tem o direito de promover ação a fi m
de receber a restituição das importâncias pagas.
Embargos de divergência conhecidos e recebidos, em parte.
(EREsp. 59.870/SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 10/04/2002, DJ 09/12/2002, p. 281)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 165-180, novembro 2017 179
Na verdade, a questão relativa à culpa pelo desfazimento da pactuação
resolve-se na calibragem do valor a ser restituído ao comprador e não pela forma
ou prazo de devolução.
É assente o entendimento de que a resolução do contrato de promessa de
compra e venda de imóvel por culpa (ou por pedido imotivado) do consumidor
gera o direito de retenção, pelo fornecedor, de parte do valor pago, isso para
recompor eventuais perdas e custos inerentes ao empreendimento, sem prejuízo
de outros valores decorrentes, por exemplo, da prévia ocupação do imóvel pelo
consumidor.
No mencionado precedente da Segunda Seção (EREsp. 59.870/SP)
adotou-se como parâmetro razoável - mas não peremptório - para a retenção o
percentual de 25% sobre as parcelas pagas pelo consumidor, entendimento que
vem sendo replicado cotidianamente por esta Corte: EAg 1.138.183/PE, Rel.
Ministro SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012;
AgRg no REsp 927.433/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,
QUARTA TURMA, julgado em 14/02/2012; REsp 838.516/RS, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/05/2011;
AgRg no Ag 1.010.279/MG, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES,
QUARTA TURMA, julgado em 12/05/2009.
Portanto, a consequência jurídica para a resolução do contrato por culpa
do promitente comprador é a perda parcial das parcelas pagas em benefício do
construtor/vendedor, devendo o saldo, todavia, ser restituído imediatamente à
resolução da avença.
Em sentido oposto, na hipótese de o construtor/vendedor der causa à
resolução do contrato, por óbvio a restituição das parcelas pagas deve ocorrer
em sua integralidade, nos termos da torrencial jurisprudência da Casa: AgRg
nos EAg 616.048/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 24/05/2006; REsp 644.984/RJ, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2005, DJ 05/09/2005;
EDcl no REsp 620.257/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 18/09/2008; AgRg no Ag 830.546/RJ, Rel. Ministro
ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em
14/08/2007.
5. Assim, encaminho o seguinte entendimento para efeitos do art. 543-C
do CPC:
Em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a
cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
180
da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de
compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. Em tais avenças,
deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador
- integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou
parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
6. Diante do exposto, e analisando o caso concreto, que foi bem solucionado
pelo Tribunal a quo, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
Súmula n. 544
SÚMULA N. 544
É válida a utilização de tabela do Conselho Nacional de Seguros Privados
para estabelecer a proporcionalidade da indenização do seguro DPVAT ao grau
de invalidez também na hipótese de sinistro anterior a 16/12/2008, data da
entrada em vigor da Medida Provisória n. 451/2008.
Referências:
CPC, art. 543-C.
Lei n. 6.194/1974, arts. 3º, 5º, § 5º, e 12.
Lei n. 8.441/1992.
Lei n. 11.482/2007, art. 8º.
Lei n. 11.945/2009, arts. 31 e 32.
MP n. 340/2006, art. 8º.
MP n. 451/2008, arts. 20 e 21.
Súmula n. 474-STJ.
Precedentes:
Rcl 10.093-MA (2ª S, 12.12.2012 – DJe 1º.02.2013)
(*)REsp 1.246.432-RS (2ª S, 22.05.2013 – DJe 27.05.2013) –
acórdão publicado na íntegra
(*)REsp 1.303.038-RS (2ª S, 12.03.2014 – DJe 19.03.2014)
REsp 1.101.572-RS (3ª T, 16.11.2010 – DJe 25.11.2010)
AgRg no AREsp 154.113-GO (3ª T, 15.05.2012 – DJe 30.05.2012)
AgRg no AREsp 260.365-SP (3ª T, 05.02.2013 – DJe 26.02.2013)
AgRg no AREsp 20.628-MT (4ª T, 17.11.2011 – DJe 24.11.2011)
EDcl no AREsp 445.966-SC (4ª T, 27.03.2014 – DJe 09.04.2014)
AgRg no REsp 1.317.744-SP (4ª T, 22.05.2014 – DJe 30.05.2014)
AgRg no AREsp 473.711-MS (4ª T, 05.06.2014 – DJe 27.06.2014)
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 26.8.2015
DJe 31.8.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.246.432-RS (2011/0067553-9)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S/A
Advogados: Sergio Bermudes e outro(s)
Virgínia Matte Chaves e outro(s)
Recorrido: Jeny Eracy Seibel
Advogado: Greice Chisini Siqueira Fleck e outro(s)
Interes.: Banco Santander S/A
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. JULGAMENTO
NOS MOLDES DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL. DPVAT. SEGURO OBRIGATÓRIO. INVALIDEZ
PARCIAL. INDENIZAÇÃO A SER FIXADA DE ACORDO COM A
PROPORCIONALIDADE DA INVALIDEZ. SÚMULA N. 474/STJ.
1. Para efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil: A
indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial permanente do
benefi ciário, será paga de forma proporcional ao grau da invalidez (Súmula
n. 474/STJ).
2. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso especial, determinando o envio dos
autos ao Tribunal de origem para que fi xe a indenização proporcionalmente ao
grau de invalidez verifi cado, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, foi fi xada a seguinte tese: A
indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial permanente do
benefi ciário, será paga de forma proporcional ao grau da invalidez (Súmula n.
474/STJ). Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
186
Ricardo Villas Bôas Cueva, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e
Raul Araújo Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Marco
Buzzi.
Consignada a presença do Dr. Sergio Bermudes, pela recorrente Seguradora
Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S/A, dispensada a sustentação oral.
Brasília (DF), 22 de maio de 2013 (data do julgamento).
Ministro Sidnei Beneti, Presidente
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator
DJe 27.5.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial
interposto pela SEGURADORA LÍDER DOS CONSÓRCIOS DPVAT
S.A., com fundamento no artigo 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal,
contra acórdão proferido pela Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul no curso da ação de cobrança de indenização
securitária que lhe moveu JENY ERACY SEIBEL.
O acórdão recorrido recebeu a seguinte ementa (fl s. 153/169):
Apelação cível. Seguros. DPVAT. Invalidez permanente oriunda de acidente de
trânsito. Pagamento parcial. Necessidade de complementação do valor devido.
Inteligência do art. 3º, inciso II, da Lei 6.194/74, que prevê o pagamento de até
R$13.500,00 em caso de invalidez permanente, não havendo diferença se a moléstia
foi parcial ou total. Correção monetária. Termo inicial. Data do pagamento parcial.
Verba honorária minorada. Incidência da multa prevista no art. 475-J do Código de
Processo Civil. Descabimento. Necessidade de limitação. Precedente do STJ e da Corte.
Apelo parcialmente provido, vencido o vogal que provia em maior extensão.
Nas suas razões, o recorrente sustentou violação ao artigo 3º, II, da Lei
n. 6.194/74, com a redação dada pela Lei n. 11.482/2007, pois não observado
pelo Tribunal a quo o caráter proporcional e progressivo para o pagamento
da indenização do seguro DPVAT nos casos em que constatada invalidez
permanente parcial, ocasionada por acidente automobilístico.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 181-199, novembro 2017 187
Aponta, ainda, divergência jurisprudencial, lastreada em acórdão proferido
pela Quarta Turma desta Corte quando do julgamento do REsp n. 1.119.614/
RS, da relatoria do eminente Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJe 31/08/2009,
bem como em julgado oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Contrarrazões não apresentadas, conforme certidão de fl . 210.
Admitido o recurso especial na origem (fl s. 212/214), subiram os autos à
esta Corte Superior, e, verifi cando a multiplicidade de recursos com fundamento
em mesma questão de direito, afetei o julgamento do presente recurso à
Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em conformidade
com o disposto nos artigos 534-C do Código de Processo Civil e 2º, caput, da
Resolução n. 08/STJ, de 07/08/2008.
O Ministério Público Federal, em parecer de fl s. 229/233, opinou pelo
provimento do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes Colegas.
A controvérsia posta em debate cinge-se à verifi cação da possibilidade
do pagamento proporcional da indenização do seguro obrigatório DPVAT, de
acordo com o grau de invalidez permanente parcial do benefi ciário.
À vista da multiplicidade de recursos especiais que tratam desta mesma
questão, afetei o julgamento do presente recurso especial a esta Segunda Seção
para ser julgado como representativo da controvérsia, na forma do artigo 543-C
do Código de Processo Civil.
Saliento que a matéria é deveras conhecida nesta Corte, tendo sido
amplamente analisada pelos membros da Terceira e Quarta Turmas ao longo
dos anos, bem como mais recentemente no âmbito desta Egrégia Segunda
Seção mediante reclamações que aqui aportam com base na Resolução n.
12/2009 do STJ, inclusive com a edição do enunciado sumular n. 474/STJ.
Passo à análise da tese.
(I) CABIMENTO DO PAGAMENTO PROPORCIONAL DA
INDENIZAÇÃO DO SEGURO DPVAT
A orientação jurisprudencial desta Corte, cristalizada no enunciado da
Súmula n. 474/STJ, editada em 19/06/2012 por esta Egrégia Segunda Seção,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
188
consolidou-se no sentido de que “a indenização do seguro DPVAT, em caso
de invalidez parcial do benefi ciário, será paga de forma proporcional ao grau da
invalidez.
Nos precedentes que deram origem à referida Súmula, ponderou-se que
para a interpretação do art. 3º, “b”, da Lei 6.194/74, que dispõe sobre o seguro
obrigatório DPVAT, deve-se considerar a partícula “até” constante da sua
redação originária e que se manteve, inclusive, após as modifi cações introduzidas
pelas Leis n. 8.441/1992 e 11.482/2007.
Confi ra-se o teor do referido artigo:
Art. 3º. Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2º desta
Lei compreendem as indenizações por morte, invalidez permanente e despesas de
assistência médica e suplementares, nos valores que seguem, por pessoa vitimada:
a) - 40 (quarenta) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País - no caso
de morte;
b) - Até 40 (quarenta vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País -
no caso de invalidez permanente;
c) Até 8 (oito) vezes o valor do maior salário-mínimo vigente no País - como
reembolso à vítima - no caso de despesas com assistência médica e suplementares
devidamente comprovadas.
Como se observa, a expressão “até” está a fi xar, na estrutura semântica do
enunciado da alínea “b”, um teto máximo do valor da indenização a ser pago em
caso de invalidez permanente, dentro do qual poderá variar gradativamente, de
acordo com o grau de incapacidade da vítima.
Não se trata, pois, de um valor fi xo a ser pago indistintamente a todos os
graus de incapacidade parcial permanente.
Com efeito, conforme esclarecido pela eminente Ministra Nancy Andrighi
em voto condutor do acórdão proferido quando do julgamento do REsp
1.101572/RS, Terceira Turma, DJe 25/11/2010, “[...] se por um lado a norma
estabelece, de maneira fi xa, que a indenização será paga em determinado montante
para a hipótese de morte (art. 3º, alínea “a”) e, por outro, determina que o valor a ser
pago para a invalidez permanente será até esse montante (art. 3º, alínea “b”), não é
razoável pensar que qualquer incapacidade, ainda que parcial, dê lugar à indenização
no patamar máximo”.
No mencionado precedente, decidiu-se, ainda, ser válida a utilização da
tabela elaborada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP para
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 181-199, novembro 2017 189
redução proporcional da indenização a ser paga por força do seguro obrigatório
DPCAT em situações de invalidez parcial permanente.
Confi ra-se:
O recorrente argumenta que, ao estabelecer uma tabela contendo diferentes
limites de pagamento de indenizações nas hipóteses de invalidez permanente total
ou parcial, o Conselho Nacional de Seguros Privados teria descumprido os limites da
Lei, que não comportaria essa limitação. Contudo, não se pode falar de violação da
norma legal. O que o CNSP fez foi apenas regular, dentro dos limites da Lei, os valores
a serem pagos para diferentes espécies de sinistros.
Acresça-se, de outro lado, à tese da possibilidade de pagamento gradativo
da indenização do seguro DPVAT, que a interpretação a ser feita do art. 3º, “b”,
da Lei 6.194/74 também não pode olvidar os demais dispositivos daquele édito
legislativo, especialmente ao § 5º do art. 5º, que, desde a sua inclusão pela Lei
8.441/92, rezava:
§ 5º O instituto médico legal da jurisdição do acidente também quantificará
as lesões físicas ou psíquicas permanentes para fins de seguro previsto nesta lei,
em laudo complementar, no prazo médio de noventa dias do evento, de acordo
com os percentuais da tabela das condições gerais de seguro de acidente
suplementada, nas restrições e omissões desta, pela tabela de acidentes do trabalho
e da classifi cação internacional das doenças.”
Confi ra-se, quanto ao ponto, as conclusões do eminente Ministro Aldir
Passarinho Junior, exaradas por ocasião do julgamento do REsp 1.119.614/RS,
Quarta Turma, DJe 31/08/2009:
[...] sobre a tese da possibilidade de cobertura parcial do DPVAT, proporcionalmente
ao grau de invalidez, ela se me afi gura correta, considerando que § 5º do art. 5º da Lei
6.194/1974, com a nova redação dada pela Lei 8.441/1992, que disciplina tal espécie
de seguro, dispõe que:
(...)
Com efeito, não haveria sentido útil na letra da lei sobre a indicação da
quantifi cação das lesões e percentuais da tabela para fi ns do DPVAT, se este seguro
houvesse, sempre, de ser pago pelo valor integral, independentemente da extensão
da lesão e de grau de invalidez.
Também nesse sentido, as ponderações feitas pelo eminente Ministro Luis
Felipe Salomão, constantes do voto condutor do acórdão proferido quando do
julgamento do REsp 1.250.017/RS, Quarta Turma, DJe 7/6/2011:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
190
Com efeito, de acordo com a redação vigente à época dos fatos, art. 3º, II, da Lei
n.º 6.194/74 (determinada pela Lei 11.482/2007), em caso de invalidez permanente, o
valor da indenização, a título de seguro obrigatório - DPVAT, será de até R$13.500,00.
A utilização, pelo legislador, do termo ‘até’ no referido inciso corrobora o
entendimento sobre a necessidade de se aferir o grau de invalidez, ante o sentido de
gradação em direção ao valor máximo, que traz ínsito a referida expressão, e ante o
entendimento de que a lei não contém palavras inúteis.
Ademais, o art. 5º, § 5º, da Lei 6.194/74, com a redação dada pela Lei 8.441/1992,
que disciplina tal espécie de seguro, dispõe que:
‘O instituto médico legal da jurisdição do acidente também quantifi cará as
lesões físicas ou psíquicas permanentes para fi ns de seguro previsto nesta lei,
em laudo complementar, no prazo médio de noventa dias do evento, de acordo
com os percentuais da tabela das condições gerais de seguro de acidente
suplementada, nas restrições e omissões desta, pela tabela de acidentes do
trabalho e da classifi cação internacional das doenças’.
A necessidade de quantifi cação das lesões pelo Instituto Médico Legal da jurisdição
do acidente ou da residência da vítima foi mantida, inclusive, na nova redação dada
ao referido § 5º, pela redação dada pela Lei 11.945/2009, nos seguintes termos:
‘§ 5º O Instituto Médico Legal da jurisdição do acidente ou da residência da
vítima deverá fornecer, no prazo de até 90 (noventa) dias, laudo à vítima com
a verifi cação da existência e quantifi cação das lesões permanentes, totais ou
parciais.’
Nessa linha de intelecção, não haveria sentido útil a letra da lei indicar a
quantifi cação das lesões e percentuais da tabela para fi ns de DPVAT, se este seguro
houvesse, sempre, de ser pago pelo valor integral, independentemente da extensão
da lesão e do grau de invalidez causado pelo acidente.
A intenção do legislador ao utilizar a expressão invalidez permanente, para efeito
de indenização pelo valor máximo foi abranger aqueles casos em que a lesão sofrida
pelo acidentado seja expressiva a ponto de torná-lo incapaz para o trabalho, não
sendo sufi ciente para caracterizá-la a ocorrência de lesão que, embora permanente,
não o impossibilite de exercer atividade laboral.
Anoto, por fi m, que a Presidência da República, por intermédio da MP n.
451/08, e o próprio legislador federal pela LF n. 11.945/09, fi zeram alterar o
art. 3º do referido édito, mais bem explicitando a razão pela qual a LF n. 6.194/74
sempre referiu-se à indenização pela incapacidade permanente de até 40 salários
mínimos (quantum alterado nos idos de 2006 pela MP n. 340, convertida na LF
n. 11.482/07, para até R$ 13.500,00).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 181-199, novembro 2017 191
Assim restou redigido o § 1º do referido dispositivo, a disciplinar a
invalidez permanente parcial completa e incompleta:
§ 1º. No caso da cobertura de que trata o inciso II do caput deste artigo, deverão
ser enquadradas na tabela anexa a esta Lei as lesões diretamente decorrentes de
acidente e que não sejam suscetíveis de amenização proporcionada por qualquer
medida terapêutica, classifi cando-se a invalidez permanente como total ou parcial,
subdividindo-se a invalidez permanente parcial em completa e incompleta, conforme
a extensão das perdas anatômicas ou funcionais, observado o disposto abaixo:
(Incluído pela Lei n. 11.945, de 2009).
I - quando se tratar de invalidez permanente parcial completa, a perda anatômica
ou funcional será diretamente enquadrada em um dos segmentos orgânicos
ou corporais previstos na tabela anexa, correspondendo a indenização ao valor
resultante da aplicação do percentual ali estabelecido ao valor máximo da cobertura;
e (Incluído pela Lei n. 11.945, de 2009).
II - quando se tratar de invalidez permanente parcial incompleta, será efetuado
o enquadramento da perda anatômica ou funcional na forma prevista no inciso I
deste parágrafo, procedendo-se, em seguida, à redução proporcional da indenização
que corresponderá a 75% (setenta e cinco por cento) para as perdas de repercussão
intensa, 50% (cinquenta por cento) para as de média repercussão, 25% (vinte e cinco
por cento) para as de leve repercussão, adotando-se ainda o percentual de 10% (dez
por cento), nos casos de sequelas residuais. (Incluído pela Lei n. 11.945, de 2009).
Com essas considerações, confi ram-se diversos precedentes desta Corte,
que demonstram a solidez do entendimento acerca do tema:
DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE. PERÍCIA MÉDICA. APURAÇÃO DO GRAU DA
LESÃO SOFRIDA. PAGAMENTO PROPORCIONAL DO SEGURO. PRECEDENTES.
I.- Em caso de invalidez parcial, o pagamento do seguro DPVAT deve observar a
respectiva proporcionalidade. Precedentes.
II.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag 1.341.965/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJe
10/11/2010);
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MANTIDA.
SEGURO DPVAT. INVALIDEZ PARCIAL PERMANENTE. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO
PROPORCIONAL. OBSERVÂNCIA DO ART. 3º, II DA LEI 6.194/74. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 83 DO STJ.
1- O art. 3º, II, da Lei 6.194/74 (redação determinada pela Lei 11.482/2007) não
estabelece, para hipóteses de invalidez permanente, um valor de indenização fi xo
mas determina um teto que limita o valor da indenização.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
192
2. Em caso de invalidez parcial, o pagamento do seguro DPVAT deve observar a
respectiva proporcionalidade. Precedentes.
3. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do
Tribunal se fi rmou no mesmo sentido da decisão recorrida” Súmula 83 do STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 8.515/MS, Rel. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
DJe 01/07/2011)
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE PARCIAL.
PAGAMENTO PROPORCIONAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. Em situações de invalidez parcial, é correta a utilização de tabela para redução
proporcional da indenização a ser paga por seguro DPVAT. Precedente.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 1.368.795/MT, Rel. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
DJe 18/04/2011);
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO OBRIGATÓRIO
(DPVAT). INVALIDEZ PERMANENTE PARCIAL. PAGAMENTO PROPORCIONAL DO
SEGURO. POSSIBILIDADE. TABELA PARA CÁLCULO DE INVALIDEZ. INDENIZAÇÃO
LEGAL. VALOR QUANTIFICADO EM SALÁRIOS MÍNIMOS. LEI N. 6.194/1974, ART. 5º, §
1º. DATA DE APURAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO A QUO. EVENTO DANOSO.
IMPROVIMENTO.
I. Em caso de invalidez parcial, o pagamento do seguro DPVAT deve, por igual,
observar a respectiva proporcionalidade. Precedentes do STJ.
II. A indenização decorrente do seguro obrigatório (DPVAT) deve ser apurada com
base no valor do salário mínimo vigente na data do evento danoso, monetariamente
atualizado até o efetivo pagamento.
III. Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EDcl no REsp 1.215.796/SP, Rel. MIN. ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, DJe 15/04/2011);
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO OBRIGATÓRIO -
DPVAT. INVALIDEZ. CÁLCULO PROPORCIONAL.
1 - Consolidou-se a jurisprudência do STJ no sentido da validade da utilização de
tabela para o cálculo proporcional da indenização de seguro obrigatório segundo o
grau de invalidez. Precedentes.
2 - Agravo regimental a que se nega provimento.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 181-199, novembro 2017 193
(AgRg no Ag 1.360.777/PR, Rel MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe
29/04/2011);
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
VIOLAÇÃO DO ART. 458, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-
FÉ. AFASTAMENTO. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL. POSSIBILIDADE.
(...)
- Em caso de invalidez parcial, o pagamento do seguro DPVAT deve observar a
respectiva proporcionalidade.
- Agravo não provido.
(AgRg no AREsp 14.312/SC, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira
Turma, DJe 23/11/2011);
AGRAVO REGIMENTAL. SEGURO DPVAT. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO
OCORRÊNCIA. INVALIDEZ PERMANENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. Considera-se improcedente a arguição de ofensa do art. 535, II, do CPC quando
o Tribunal a quo pronuncia-se, de forma motivada e suficiente, sobre os pontos
relevantes e necessários ao deslinde da controvérsia.
2. A indenização securitária do DPVAT decorrente de invalidez permanente deve
corresponder a até R$ 13.500,00.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1.365.610/MT, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
Quarta Turma, DJe 11/04/2011);
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO. RECURSO ESPECIAL. DPVAT.
SEGURO OBRIGATÓRIO. INVALIDEZ PERMANENTE. PERÍCIA MÉDICA. APURAÇÃO DO
GRAU DA LESÃO SOFRIDA. PAGAMENTO PROPORCIONAL DO SEGURO. PRECEDENTES.
DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
1.- Inexiste omissão ou ausência de fundamentação, não constando do acórdão
embargado os defeitos previstos no artigo 535 do Código de Processo Civil, quando
a decisão embargada tão-só mantém tese diferente da pretendida pela parte
recorrente.
2.- Ao determinar que o pagamento do seguro DPVAT deve corresponder ao grau
da invalidez permanente apurada, o Tribunal a quo decidiu em conformidade com o
entendimento desta Corte sobre a matéria, incidindo, à espécie, o teor da Súmula 83
deste Superior Tribunal de Justiça.
3.- Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 134.916/GO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, DJe 11/05/2012);
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
194
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ARTIGO 544 DO CPC). DECISÃO
MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO
ESPECIAL. INSURGÊNCIA DO AUTOR.
1. Aferição do grau de invalidez permanente para fi xação da indenização referente
ao seguro DPVAT. Da leitura conjugada dos artigos 3º e 5º da Lei 6.194/74, infere-se
que o legislador estabeleceu apenas o limite máximo do valor da indenização por
invalidez permanente, correspondente a 40 salários mínimos, na legislação anterior, e
até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), na redação dada pela Lei 11.482/2007,
o que justifica a necessidade de que as lesões sejam quantificadas pelo instituto
médico legal competente, para que se possa apurar o grau de incapacidade do
segurado, fi xando-se, em razão da extensão das lesões por ele sofridas, a respectiva
compensação indenizatória. Precedentes do STJ.
2. No julgamento do REsp 1.101.572/RS, Relatora Min. NANCY ANDRIGHI, DJe
25.11.10, declarou-se a validade da utilização da tabela elaborada pelo Conselho
Nacional de Seguros Privados - CNSP, para redução proporcional da indenização a ser
paga por força do seguro obrigatório DPVAT, em situações de invalidez proporcional,
tal como no presente caso.
3. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa.
(AgRg no AREsp 132.494/GO, Relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma,
DJe 26/06/2012);
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DPVAT. AÇÃO
DE COBRANÇA. DPVAT. INVALIDEZ PARCIAL. INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL.
PRECEDENTES.
1. Esta Corte já consolidou o entendimento de que, em caso de invalidez
parcial, o pagamento do seguro DPVAT deve, por igual, observar a respectiva
proporcionalidade.
2. A extensão da lesão e o grau de invalidez devem ser determinados pelo Tribunal
local.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 148.287/GO, Relator Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
DJe 25/05/2012);
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DPVAT. INVALIDEZ PERMANENTE PARCIAL.
PAGAMENTO PROPORCIONAL. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. Em situações de invalidez parcial, é correta a utilização de tabela para redução
proporcional da indenização a ser paga por seguro DPVAT. Interpretação do art. 3º,
“b”, da Lei 6.194/74. Precedentes.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 181-199, novembro 2017 195
(AgRg no REsp 1.298.551/MS, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta
Turma, DJe 06/03/2012);
CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SEGURO DPVAT. INVALIDEZ
PERMANENTE. NECESSIDADE DE PERÍCIA PARA AVALIAR A EXTENSÃO DA LESÃO.
PAGAMENTO PROPORCIONAL AO GRAU DA LESÃO. SÚM. 474 DO STJ.
1. “A indenização do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial do benefi ciário,
será paga de forma proporcional ao grau da invalidez”. Súmula n. 474 do STJ.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1.254.462, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe
03/10/2012);
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - DPVAT - NEGATIVA DE
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - NÃO-OCORRÊNCIA - INVALIDEZ PARCIAL - PAGAMENTO
PROPORCIONAL DO SEGURO - POSSIBILIDADE - ACÓRDÃO RECORRIDO EM
HARMONIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 1.345.899/MT, Relator Ministro MASSAMI UIEDA, DJe 02/10/2012);
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL RECEBIDOS
COMO AGRAVO REGIMENTAL. SEGURO OBRIGATÓRIO DE VEÍCULO. DISSÍDIO
PRETORIANO. AUSÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DA DIVERGÊNCIA. DPVAT.
INVALIDEZ PARCIAL. PAGAMENTO PROPORCIONAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido
caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade e
da economia processual.
2. O pretendido dissídio pretoriano não foi analiticamente demonstrado, deixando
descumprido o comando disposto nos arts. 541, parágrafo único, do Código de
Processo Civil e 255, § 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Com
efeito, para a caracterização da sugerida divergência jurisprudencial, não basta a
simples transcrição de ementas e trechos dos acórdãos paradigmas, sem o confronto
com excertos do acórdão recorrido, sob pena de não serem atendidos, como na
hipótese, os requisitos previstos nos mencionados dispositivos.
3. A fixação da indenização a partir do grau de invalidez encontra-seem
conformidade com o entendimento pacifi cado nesta eg. Corte de Justiça no sentido
de que “é válida a utilização de tabela para redução proporcional da indenização a
ser paga por seguro DPVAT, em situações de invalidez parcial” (REsp 1.101.572/RS,
Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 16.11.2010).
4. Agravo regimental desprovido.
(EDcl no AREsp 66309/SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, DJe
01/08/2012).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
196
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO OBRIGATÓRIO.
DPVAT. PAGAMENTO PROPORCIONAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. ENUNCIADO N.
83 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. A c. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, as matérias que lhe
foram submetidas, motivo pelo qual o acórdão recorrido não padece de omissão,
contradição ou obscuridade. Não se vislumbra, portanto, a afronta ao art. 535 do
Código de Processo Civil.
2. A fixação da indenização a partir do grau de invalidez encontra-se em
conformidade com o entendimento pacifi cado nesta eg. Corte de Justiça no sentido
de que “é válida a utilização de tabela para redução proporcional da indenização a
ser paga por seguro DPVAT, em situações de invalidez parcial” (REsp 1.101.572/RS, 3ª
Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de 16.11.2010).
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 1.355.341/MT, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, DJe
01/02/2012);
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DPVAT. SEGURO OBRIGATÓRIO.
INVALIDEZ PARCIAL. INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL. REFORMA DO ACÓRDÃO.
I. Em caso de invalidez parcial, o pagamento do seguro DPVAT deve observar a
respectiva proporcionalidade.
2. O acórdão recorrido que, mesmo comprovando a incapacidade parcial,
determina a plena indenização sem observância dos critérios de proporcionalidade
destoa da jurisprudência deste Superior Tribunal, merecendo, por isso, reforma.
3. A conseqüência jurídica que a invalidez parcial acarreta na indenização do
seguro obrigatório, DPVAT, é de extração precípua desta Corte, não importando
infração ao teor da Sumula n. 07/STJ.
4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no Ag 1.383.417/MS, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
DJe 19/03/2012);
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO (ARTIGO 544 DO CPC). DECISÃO MONOCRÁTICA
QUE MANTEVE A INADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL, ANTE A INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 83/STJ.
1. Violação do artigo 535 do CPC não confi gurada. Acórdão local que enfrentou
todos os aspectos essenciais à lide.
2. Aferição do grau de invalidez permanente para fi xação da indenização referente
ao seguro DPVAT. Da leitura conjugada dos artigos 3º e 5º da Lei 6.194/74, infere-se
que o legislador estabeleceu apenas o limite máximo do valor da indenização por
invalidez permanente, correspondente a 40 salários mínimos, na legislação anterior, e
até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), na redação dada pela Lei 11.482/2007,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 181-199, novembro 2017 197
o que justifica a necessidade de que as lesões sejam quantificadas pelo instituto
médico legal competente, para que se possa apurar o grau de incapacidade do
segurado, fi xando-se, em razão da extensão das lesões por ele sofridas, a respectiva
compensação indenizatória. Precedentes do STJ.
3. Agravo regimental desprovido, com aplicação de multa.
(AgRg no AREsp 119.835/MT, Relator Ministro MARCO BUZZI, DJe 18/06/2012);
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE COBRANÇA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. VALOR DA INDENIZAÇÃO
DEVE GUARDAR PROPORCIONALIDADE COM A EXTENSÃO DA LESÃO E O GRAU DE
INVALIDEZ. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE MANIFESTOU ENTENDIMENTO DIVERGENTE
DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. REFORMA. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/
STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. O valor da indenização do seguro obrigatório DPVAT deve guardar
proporcionalidade com a extensão da lesão e o grau de invalidez.
2. A reforma do acórdão recorrido, que se fundamentou em premissa contrária
ao entendimento pacífi co da jurisprudência desta Corte, não confi gura violação da
Súmula n. 7/STJ.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 59.619/MS, Relator Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA,
Quarta Turma, DJe 19/10/2012);
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DPVAT. SEGURO
OBRIGATÓRIO. INVALIDEZ PARCIAL. INDENIZAÇÃO PROPORCIONAL À LESÃO.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NEGATIVA DE PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO INTEGRAL
PELA SEGURADORA. ENTENDIMENTO EM CONSONÂNCIA COM A SÚMULA 474/STJ.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no AREsp 39.864/SC, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
Terceira Turma, DJe 26/02/2013).
Em reforço, veja-se a ementa do acórdão proferido recentemente pela
Segunda Seção, da relatoria do eminente Ministro Antônio Carlos Ferreira,
proferido na ocasião do julgamento da Reclamação 10.093/MA, ajuizada com
base na Resolução n. 12/2009 do STJ:
CIVIL. RECLAMAÇÃO. DECISÃO DE TURMA RECURSAL DE JUIZADOS ESPECIAIS
ESTADUAIS. RESOLUÇÃO N. 12 DO STJ. ACÓRDÃO RECLAMADO EM CONFRONTO
COM ENTENDIMENTO SUMULADO DESTA CORTE. SÚMULA N. 474/STJ. VALOR DA
INDENIZAÇÃO DO SEGURO OBRIGATÓRIO DPVAT. PROPORCIONALIDADE COM
EXTENSÃO E GRAU DE LESÃO.PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
198
1. A jurisprudência desta Corte pacifi cou o seguinte entendimento: “A indenização
do seguro DPVAT, em caso de invalidez parcial do benefi ciário, será paga de forma
proporcional ao grau da invalidez” (Súmula n. 474/STJ).
2. A extensão da lesão e o grau de invalidez devem ser determinados na origem, à
luz das provas produzidas nos correspondentes autos. Todavia, a fi xação no patamar
máximo previsto não pode ser fundamentado exclusivamente na circunstância
de existir prova do acidente e de ser permanente a invalidez parcial. É necessário
observar a respectiva proporcionalidade da indenização conforme preceitua o
verbete 474 da Súmula do STJ.
3. No caso concreto, o acórdão reclamado divergiu da jurisprudência sumulada
desta Corte, pois entendeu que a legislação vigente não permite o pagamento da
indenização proporcional à diminuição da capacidade do segurado, e determinou
o pagamento do seguro pelo valor máximo (quarenta salários mínimos), sob o
argumento de existir prova do acidente e do dano permanente.
4. Ademais, esta Corte entende ser “válida a utilização de tabela para redução
proporcional da indenização a ser paga por seguro DPVAT, em situações de invalidez
parcial” (REsp 1.101.572/RS, Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe de
16.11.2010).
4. Reclamação procedente.
(Rcl 10.093/MA, Relator Ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, Segunda Seção,
DJe 01/02/2013).
Colaciono, ainda, as decisões unipessoais a seguir: Rcl 12.296, Relator
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJ 25/04/2013; Rcl 12.297,
Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 24/04/2013; Rcl
5.363, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 06/11/2012; Rcl 5.411,
Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJ 19/02/2013.
Inconteste, destarte, o consenso nessa Corte Superior acerca da legalidade
da fixação proporcional da indenização pelo seguro DPVAT nos casos de
invalidez parcial permanente.
Assim, para efeitos do artigo 543-C, do Código de Processo Civil,
encaminha-se a seguinte tese: A indenização do seguro DPVAT, em caso de
invalidez parcial permanente do benefi ciário, será paga de forma proporcional ao
grau da invalidez (Súmula n. 474/STJ).
(II) APLICAÇÃO AO CASO CONCRETO
No caso dos autos, Tribunal a quo determinou a plena indenização do
seguro DPVAT, sem observância dos critérios de proporcionalidade.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 181-199, novembro 2017 199
Confi ra-se excerto da fundamentação do acórdão recorrido (fl s. 153/169),
verbis:
Cumpre destacar, para análise da presente questão, que o sinistro ocorreu em
29.04.2008, ou seja, sob a égide da Lei n. 11.482/07. Assim está previsto no art. 3º,
inciso II, da Lei 6.194/74
(...)
Referido dispositivo legal prevê o pagamento de até R$13.500,00 em caso de
invalidez permanente, não havendo diferença se a moléstia foi parcial ou total,
devendo a parte autora, por isso, receber o valor máximo requerido.
(destaquei)
Destoa, pois, o acórdão recorrido da orientação jurisprudencial consolidada
por esta Corte, devendo, consequentemente, ser provido o recurso especial.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, determinando o envio dos
autos ao Tribunal de origem para que fi xe a indenização proporcionalmente ao grau
de invalidez verifi cado.
Publicado o Acórdão, expeçam-se ofícios, transmitindo cópia do presente
julgamento a todos os E. Presidentes dos Tribunais de Justiça e Tribunais
Regionais Federais, para que se proceda nos termos do 543-C, §§ 7º, I e II, e
8º, do Código de Processo Civil, com a redação da Lei n. 11.672, de 8/05/2008.
É o voto.
Súmula n. 545
SÚMULA N. 545
Quando a confi ssão for utilizada para a formação do convencimento do
julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.
Referência:
CP, art. 65, III, d.
Precedentes:
AgRg no Ag 1.242.578-SP (5ª T, 06.11.2012 – DJe 14.11.2012)
AgRg no HC 201.797-SP (5ª T, 16.12.2014 – DJe 02.02.2015)
HC 318.184-RJ (5ª T, 26.05.2015 – DJe 02.06.2015)
HC 314.944-SP (5ª T, 02.06.2015 – DJe 09.06.2015) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no REsp 1.412.043-MG (6ª T, 10.03.2015 – DJe 19.03.2015)
HC 284.766-RJ (6ª T, 14.04.2015 – DJe 22.04.2015)
HC 310.569-SP (6ª T, 14.04.2015 – DJe 24.04.2015)
HC 316.798-SP (6ª T, 07.05.2015 – DJe 15.05.2015)
AgRg no REsp 1.269.574-SP (6ª T, 26.05.2015 – DJe 02.06.2015)
Terceira Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
HABEAS CORPUS N. 314.944-SP (2015/0015918-5)
Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca
Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Advogado: Joao Ricardo Meira Amaral
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Ricardo Expedito Garcia da Silva
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO
ORDINÁRIO. ROUBO MAJORADO. CONDENAÇÃO.
CONFISSÃO PARCIAL. ATENUAÇÃO DA PENA.
POSSIBILIDADE. COMPENSAÇÃO COM A AGRAVANTE
DA REINCIDÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a
Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização
crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua
admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via
recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de
ofício, nos casos de fl agrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou
preservar a utilidade e a efi cácia do mandamus, que é o instrumento
constitucional mais importante de proteção à liberdade individual
do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a
celeridade que o seu julgamento requer.
2. A confi ssão do acusado, mesmo que parcial, deve ser reconhecida
como atenuante da pena, quando utilizada pelo magistrado para
fi rmar o seu convencimento, em conjunto com outros meios de prova.
3. No presente caso, as transcrições não deixam dúvida que a
confi ssão do paciente, feita em juízo, mesmo que parcial, somada à prova
oral produzida nos autos, foi determinante para o reconhecimento da
autoria e consequente condenação.
4. A Terceira Seção desta Corte, no julgamento dos Embargos
de Divergência EREsp n. 1.154.752/RS, reconheceu ser possível a
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
206
compensação entre a atenuante da confi ssão espontânea e a agravante
da reincidência, por serem igualmente preponderantes.
5. Na espécie, o paciente ostenta apenas uma condenação
anterior, com trânsito em julgado, não havendo, assim, impedimentos
a compensação integral entre as duas circunstâncias.
6. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para
reconhecer a atenuante da confi ssão espontânea, realizar a compensação
com a agravante da reincidência e reduzir a pena a 5 (cinco) anos e 4
(quatro) meses de reclusão e pagamento de 13 (treze) dias-multa, nos
autos da ação penal originária n. 0070692-20.2013.8.26.0050, da 30ª
Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder “Habeas Corpus” de
ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Newton
Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC), Leopoldo de Arruda Raposo
(Desembargador convocado do TJ/PE), Felix Fischer e Gurgel de Faria votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 02 de junho de 2015 (data do julgamento).
Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Relator
DJe 9.6.2015
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca: Trata-se de habeas corpus
impetrado em favor de RICARDO EXPEDIDO GARCIA DA SILVA em
face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Consta dos autos que o paciente foi condenado, em primeira instância,
pela prática da conduta descrita no art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal, à pena
de 6 (seis) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, no regime inicial
fechado, porque (e-STJ fl . 10):
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 201-211, novembro 2017 207
[...] em 09 de agosto de 2013, por volta de 12h45, na esquina das ruas “dos
Gusmões” com “Cruz Rio Branco”, nesta Capital, agindo previamente acordado com
indivíduos não identifi cados e mediante grave ameaça exercida com emprego de
arma branca, teria subtraído bens pertencentes a S.N.M.
Diz a inicial que a vítima saiu do banco e caminhava pelo local quando foi cercada
por cerca de seis indivíduos, sendo que um deles portava uma faca. Eles anunciaram
o assalto e subtraíram a carteira e um conjunto de lâmpadas do ofendido. Porém,
Policiais Militares apareceram e os roubadores empreenderam fuga, sendo o réu
detido, com ele sendo apreendida a faca utilizada no crime e um cartão bancário
subtraído do ofendido.
A defesa recorreu da sentença postulando a absolvição. Contudo, o
Tribunal revisor, em julgamento realizado no dia 6/11/2014, negou provimento
ao recurso, mantendo, na íntegra, a condenação.
A Defensoria Pública alega, na presente oportunidade, que a confi ssão
do réu, embora parcial, foi utilizada como meio para chegar à autoria delitiva,
devendo incidir, no caso, a atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal.
Afi rma, ainda, que o paciente ostenta apenas uma condenação anterior, razão
pela qual faz jus à compensação integral com a agravante da reincidência.
Diante disso, pede compensação entre as duas circunstâncias avaliadas na
segunda fase da dosimetria e a consequente readequação da pena.
Sem pedido liminar.
As informações foram dispensadas e o Ministério Público Federal
manifestou-se pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da
ordem, de ofício (e-STJ fl s. 48/50).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca (Relator): O Supremo Tribunal
Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de
Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a
restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação
pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de
ofício, nos casos de fl agrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar
a utilidade e a efi cácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
208
importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato
ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confi ram-se os seguintes julgados, exemplifi cativos dessa
nova orientação das Cortes Superiores do País:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.
NÃO CABIMENTO. ROUBO EM CONCURSO DE PESSOAS E COM EMPREGO DE ARMA
DE FOGO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA
DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. SEGREGAÇÃO
CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
PERICULOSIDADE CONCRETA DO PACIENTE. MODUS OPERANDI. HABEAS CORPUS
NÃO CONHECIDO.
I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de
não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de
cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de
11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toff oli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/
SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção
desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar
a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.:
HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/
MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP,
Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma,
Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).
II - Portanto, não se admite mais, perfi lhando esse entendimento, a utilização
de - substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não
conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verifi car confi gurada fl agrante
ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a
concessão da ordem de ofício.
(...). Habeas corpus não conhecido. (HC 320.818/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER,
Quinta Turma, julgado em 21/05/2015, DJe 27/05/2015)
EMENTA HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. 1. O habeas corpus tem uma rica história,
constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode
ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena
de restar descaracterizado como remédio heroico. Contra a denegação de habeas
corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso,
o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República,
a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 201-211, novembro 2017 209
recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional. Igualmente, contra
o improvimento de recurso ordinário contra a denegação do habeas corpus pelo
Superior Tribunal de Justiça, não cabe novo writ ao Supremo Tribunal Federal, o
que implicaria retorno à fase anterior. Precedente da Primeira Turma desta Suprema
Corte. [...]. (STF, HC n. 113.890, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, jul. em
03/12/2013, DJ 28/02/2014)
Assim, em princípio, incabível o presente habeas corpus substitutivo de
recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao
exame da insurgência, para verifi car a existência de eventual constrangimento
ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Busca-se, em síntese, neste habeas corpus, a redução da pena pela aplicação
da atenuante da confi ssão espontânea, bem ainda, a compensação integral com a
agravante da reincidência.
Com razão o parecer ministerial.
Segundo consta da sentença, “O acusado, ao ser ouvido em juízo, alegando
ter agido sozinho, admitiu a autoria do roubo, explicando que, com uma faca,
abordou a vítima e anunciou o ‘assalto’, mas viu-se impedido de prosseguir com a
subtração devido à interferência da polícia militar (fl s. 75)”. Na seqüência, conclui:
“Diante da confi ssão judicial de rigor a condenação do réu, pois, como bem é
sabido, a admissão de culpa é prova incontestável de autoria, somente devendo
ser afastada quando por ela se vislumbra algum interesse escuso do confi tente, o
que não se percebe no caso sub judice”. Mais adiante, reafi rma: “Portanto, somada
à confi ssão judicial, há nos autos a segura prova oral produzida que, com a segurança
indispensável, bem explicou como tudo aconteceu, tornando de rigor a condenação do
réu” (e-STJ fl . 12).
Contudo, no procedimento de individualização da pena, o juiz sentenciante
deixou de aplicar a atenuante da confi ssão pelos seguintes motivos (e-STJ fl . 13):
Não ficou caracterizada a atenuante da confissão, pois, embora o réu tenha
admitido a autoria do roubo, mentiu sobre a participação de outras pessoas no
momento do crime.
Consoante já decidido, “A confissão espontânea só tem força de atenuante
obrigatória quando se dá de forma completa quanto à imputação do delito. In
casu, isso não ocorreu, eis que os pacientes admitiram apenas em parte a acusação.
Ordem denegada” (STJ 5.ª T. HC 16.006 Rel. José Arnaldo da Fonseca j. 21.06.2001 DJU
03.09.2001, p. 233).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
210
O Tribunal revisor, por sua vez, rejeitou as alegações da defesa, consignando:
“Não há falar em incidência da atenuante da confi ssão espontânea, pois não
houve confi ssão plena, já que o acusado tentou arrefecer sua responsabilidade ao
negar a atuação em conluio com outros agentes” (e-STJ fl . 27).
Ocorre que a confi ssão, mesmo que parcial, deve ser reconhecida como
atenuante da pena, quando utilizada pelo magistrado para firmar o seu
convencimento, em conjunto com outros meios de prova.
A propósito, confi ram-se os seguinte precedentes:
[...]. - A confi ssão parcial do réu utilizada como elemento de convicção para a
condenação deve ser considerada atenuante (art. 65, III, “d”, do Código Penal -
CP) e compensada com a agravante da reincidência (art. 61, I, do CP). [...]. (HC n.
276.166/SP, Relator Ministro ERICSON MARANHO (Desembargador Convocado do
TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 7/4/2015, DJe 17/4/2015).
[...] 2. A jurisprudência desta Corte de Justiça firmou o entendimento de
que servindo a confi ssão do réu, seja ela integral ou parcial, para embasar
o decreto condenatório, é de rigor a aplicação da atenuante prevista no art.
65, III, d, do CP. [...]. (HC n. 278.192/SP, Relator Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta
Turma, julgado em 22/5/2014, DJe 27/5/2014).
No presente caso, as transcrições não deixam dúvida de que a confi ssão
do paciente feita em juízo, mesmo que parcial, somada à prova oral produzida
nos autos, foi determinante para o reconhecimento da autoria e consequente
condenação, estando caracterizado o constrangimento ilegal.
Quanto à compensação entre as duas circunstâncias judiciais, avaliadas
no segundo estágio da dosimetria, cumpre asseverar que a Terceira Seção desta
Corte, no julgamento dos Embargos de Divergência EREsp n. 1.154.752/
RS, reconheceu ser possível a compensação entre a atenuante da confi ssão
espontânea e a agravante da reincidência, por serem igualmente preponderantes.
Confi ra-se a ementa do julgado:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. NOTÓRIO
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. MITIGAÇÃO DOS REQUISITOS FORMAIS DE
ADMISSIBILIDADE. ROUBO. CÁLCULO DA PENA. COMPENSAÇÃO DA REINCIDÊNCIA
COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA.
1. Quando se trata de notório dissídio jurisprudencial, a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça diz que devem ser mitigados os requisitos formais de
admissibilidade concernentes aos embargos de divergência. Precedentes.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 201-211, novembro 2017 211
2. É possível, na segunda fase do cálculo da pena, a compensação da
agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por
serem igualmente preponderantes, de acordo com o art. 67 do Código Penal.
3. Embargos de divergência acolhidos para restabelecer, no ponto, o acórdão
proferido pelo Tribunal local.
(EREsp n. 1.154.752/RS, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira
Seção, julgado em 23/5/2012, DJe 4/9/2012).
Na espécie, o paciente ostenta apenas uma condenação defi nitiva anterior,
não havendo, assim, impedimentos à compensação integral entre a atenuante da
confi ssão espontânea e a agravante da reincidência.
Passo à revisão da pena.
Na primeira fase, mantenho a pena-base no patamar mínimo legal, como
foi estabelecida pelas instâncias ordinárias, em 4 (quatro) anos de reclusão
e pagamento de 10 (dez) dias-multa. No segundo estágio, permanece a
exasperação de 8 (oito) meses sobre a pena inicial, em razão da agravante da
reincidência. Todavia, reconheço a atenuante inserta no art. 65, III, d, do Código
Penal (confi ssão espontânea), promovo a compensação integral e reduzo a pena
ao patamar inicial de 4 (quatro) anos e 10 (dez) dias-multa. Na última fase,
mantenho o aumento de 1/3 (um terço) em razão das duas majorantes do crime
de roubo (emprego de arma e concurso de agentes) e fi xo a pena em 5 (cinco)
anos e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 13 (treze) dias-multa.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Contudo, acolho o
parecer ministerial e concedo a ordem, de ofício, para reconhecer a atenuante da
confi ssão espontânea, realizar a compensação com a agravante da reincidência
e reduzir a pena a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e pagamento
de 13 (treze) dias-multa, nos autos da ação penal originária n. 0070692-
20.2013.8.26.0050, da 30ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São
Paulo/SP.
É o voto.
Súmula n. 546
SÚMULA N. 546
A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso
é fi rmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento
público, não importando a qualifi cação do órgão expedidor.
Referências:
CF/1988, art. 109, IV.
CP, art. 304.
Precedentes:
CC 61.273-RS (3ª S, 27.06.2007 – DJ 06.08.2007)
CC 78.382-BA (3ª S, 22.08.2007 – DJ 17.09.2007)
CC 99.105-RS (3ª S, 16.02.2009 – DJe 27.02.2009)
CC 111.349-RS (3ª S, 22.09.2010 – DJe 20.10.2010)
CC 112.984-SE (3ª S, 26.10.2011 – DJe 07.12.2011)
CC 123.745-PR (3ª S, 12.09.2012 – DJe 24.09.2012)
CC 131.113-MG (3ª S, 11.12.2013 – DJe 17.12.2013)
CC 115.285-ES (3ª S, 13.08.2014 – DJe 09.09.2014) – acórdão
publicado na íntegra
HC 195.037-AM (5ª T, 02.08.2011 – DJe 17.08.2011)
Terceira Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 115.285-ES (2010/0227262-5)
Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze
Relator para o acórdão: Ministro Moura Ribeiro
Suscitante: Juízo Federal da 2ª Vara de Cachoeiro de Itapemirim - SJ/ES
Suscitado: Juízo de Direito de Atilio Vivacqua - ES
Interes.: Justiça Pública
EMENTA
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - JUSTIÇA
FEDERAL E JUSTIÇA ESTADUAL - USO DE DOCUMENTO
FALSO - CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO -
APRESENTAÇÃO À AGENTE DA POLICIA RODOVIÁRIA
FEDERAL - LESÃO A BEM JURÍDICO TUTELADO PELA
UNIÃO - PRECEDENTES - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL.
1.- O uso de Carteira Nacional de Habilitação falsa perante autoridade
da Polícia Rodoviária Federal lesa serviço da União. Precedentes.
2.- É irrelevante para determinar a competência do Juízo no crime
de uso de documento falso a qualifi cação do órgão expedidor do documento
público pois o critério a ser utilizado se defi ne em razão da entidade ou do
órgão ao qual ele foi apresentado, porquanto são estes que efetivamente
sofrem os prejuízos em seus bens e serviços.
3.- Competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da
Constituição Federal.
4.- Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª
Vara Criminal de Cachoeiro de Itapemirim SJ/ES, o suscitante.
ACÓRDÃO
Retomado o julgamento, após o voto-vista divergente do Sr. Ministro
Moura Ribeiro, conhecendo do confl ito e declarando competente Suscitante,
o Juízo Federal da 2ª Vara de Cachoeiro de Itapemirim - SJ/ES, no que foi
acompanhado pela Sra. Ministra Regina Helena Costa e pelos Srs. Ministros
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
218
Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro, Marilza Maynard (Desembargadora
Convocada do TJ/SE), Maria Th ereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior,
vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Senhores Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal
de Justiça, por maioria, em conhecer do confl ito e declarou competente o
Suscitante, o Juízo Federal da 2ª Vara de Cachoeiro de Itapemirim - SJ/ES, nos
termos do voto do Sr. Ministro Moura Ribeiro, que lavrará o acórdão.
Vencido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator), que conhecia
do confl ito e declarava competente o Suscitado, Juízo de Direito de Atílio
Vivacqua - ES.
Votaram com o Sr. Ministro Moura Ribeiro (Relator para acórdão) a Sra.
Ministra Regina Helena Costa e os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Nefi
Cordeiro, Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), Maria
Th ereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior.
A Sra. Ministra Regina Helena Costa declarou-se apta a votar.
Vencido o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator).
Não participou do julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Brasília (DF), 13 de agosto de 2014 (data do julgamento).
Ministro Moura Ribeiro, Relator
DJe 9.9.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de confl ito negativo
de competência entre o Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de Cachoeiro de
Itapemirim SJ/ES – suscitante – e o Juízo de Direito de Atílio Vivácqua/ES –
suscitado.
Consta dos autos que foi instaurado inquérito policial para apurar a
suposta prática do crime de uso de documento público falso, em virtude de o
indiciado, ao ser abordado, ter apresentado Carteira Nacional de Habilitação
falsifi cada à Polícia Rodoviária Federal.
O Ministério Público do Espírito Santo, ao se manifestar, concluiu, à fl .
216, que a competência era da Justiça Federal, haja vista o documento falso ter
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 213-230, novembro 2017 219
sido apresentado a servidor público federal, no desempenho de suas funções.
Considerou, dessa forma, que o delito lesou serviço da União, em virtude das
atribuições conferidas à Polícia Rodoviária Federal.
O Juízo Estadual, acolhendo o parecer do Ministério Público, declinou da
competência para a Justiça Federal, à fl . 41. O Ministério Público Federal, por
seu turno, apresentou denúncia, às fl s. 5/6, contra Cícero Pereira de Oliveira,
pela suposta prática da conduta descrita no art. 304 c/c o art. 297, ambos do
Código Penal (fl s. 5/6), e a denúncia foi recebida à fl . 49.
Contudo, concluída a instrução processual, o Juízo Federal converteu o
feito em diligência, suscitando o presente confl ito de competência, nos seguintes
termos (fl s. 257/259):
Não obstante o MPF tenha também entendido que a Justiça Federal era
competente para processar e julgar a presente ação penal, analisando os autos,
entendo que não compete à Justiça Federal processar e julgar a presente ação
penal. De fato, muito embora na doutrina e jurisprudência existam 4 correntes
acerca do concurso entre os crimes de falsidade e o posterior uso, fi lio-me ao
entendimento de que o crime de falsidade absorve o crime de uso, sendo que
este constitui mero exaurimento do crime de falsificação, sendo post factum
impunível. Nesse sentido trago à baila, o entendimento recente do STF, proferido
no julgamento do RE 446.938/PR, onde se decidiu que, nos casos de crime de
falsifi cação de documento público e de uso de documento falso, “Pouco importa,
na espécie, o fato de o documento alterado ter sido utilizado junto à administração
pública municipal. O que interessa é tratar-se, no caso, como já consignado, de
serviço prestado por autarquia federal, de adulteração de documento por esta
expedido”, passando a transcrever o referido acórdão: (...). Dessa forma, in casu,
considerando que a Carteira de Habilitação foi expedida pelo DETRAN do Estado
do Rio de Janeiro, pouco importa se a mesma foi apresentada a um Policial
Rodoviário Federal, o que interessa é que os serviços de uma autarquia Estadual
é que foram lesados, afastando, assim, a competência da Justiça Federal para
processar e julgar o feito. Nesse sentido: (...). In casu, o denunciado falsifi cou uma
Carteira de Habilitação falsa, expedida, em tese, pelo DETRAN/RJ, e a apresentou a
um Policial Rodoviário Federal. Assim, conforme acima explicitado, a competência
para processar e julgar o feito será da Justiça Estadual, ainda que a exibição do
referido documento tenha ocorrido perante uma autoridade federal. ISSO POSTO,
declino da competência e suscito o confl ito negativo para processar e julgar o
feito, com fulcro nos artigos 113, 114, f. 115, III, e 116, § 1º, do CPP.
Por fi m, manifestou-se o Ministério Público Federal, às fl s. 275/279, pela
competência do Juízo Federal:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
220
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO.
CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO APRESENTADA PARA AGENTES DA
POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL DURANTE PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO
EM RODOVIA FEDERAL. JUÍZO SUSCITANTE QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA
POR ENTENDER QUE O CRIME DE USO SERIA ABSORVIDO PELO DE FALSO.
IMPROCEDÊNCIA. RÉU QUE, TANTO NA FASE INQUISITORIAL QUANTO EM JUÍZO,
CONFESSOU QUE COMPROU O DOCUMENTO CONTRAFEITO. ADEMAIS, PARA A
DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA, É IRRELEVANTE A QUALIDADE DO ÓRGÃO QUE
SERIA O HABILITADO PARA EXPEDIR O DOCUMENTO QUE FORA FALSIFICADO.
OFENSA A SERVIÇO E INTERESSES DA UNIÃO. PRECEDENTES. PARECER NO
SENTIDO DE QUE SE DECLARE COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE.
É o relatório.
VOTO VENCIDO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): De início, conheço do
confl ito, uma vez que os Juízos que suscitam a incompetência estão vinculados
a Tribunais diversos, sujeitando-se, portanto, à jurisdição desta Corte, a teor do
disposto no art. 105, inciso I, alínea d, da Constituição Federal.
No mérito, entendo que assiste razão ao Juízo suscitante.
Imperativo destacar, inicialmente, que a conduta atribuída ao denunciado
é de uso de documento público falso e não de falsifi cação de documento. Com
efeito, consta dos autos que a Carteira Nacional de Habilitação foi adquirida de
terceiro pelo valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), portanto, não há indícios de
sua participação na contrafação (fl . 196). Dessa forma, mostra-se despicienda a
discussão sobre eventual existência de fato anterior ou posterior impunível.
Embora prevaleça o entendimento no sentido de que aquele que falsifi ca
e usa o documento responde apenas pelo crime de falsifi cação, imperioso que
ambas as condutas estejam devidamente delineadas. Contudo, no caso dos autos,
mesmo após a instrução processual, vislumbra-se apenas a prática do crime de
uso de documento falso, razão pela qual a competência deve ser analisada sob
esta perspectiva.
Não desconheço a jurisprudência da Corte, no sentido de que o uso de
Carteira Nacional de Habilitação falsa perante autoridade da Polícia Rodoviária
Federal é considerado crime de competência da Justiça Federal, porquanto
caracterizada a lesão a serviço da União. Contudo, a meu ver, mostra-se
necessária uma maior refl exão sobre o tema.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 213-230, novembro 2017 221
De fato, o crime de uso de documento falso é norma penal em branco, a
qual remete aos arts. 297 a 302 do Código Penal para completar sua tipicidade.
Assim, é possível concluir, num primeiro momento, que o crime de falso e de
uso guardam íntima relação, objetivando ambos os tipos penais a tutela da fé
pública atribuída ao documento falsifi cado e/ou utilizado. Destaco que a fé
pública é a “confi ança estabelecida pela sociedade em certos símbolos ou signos,
que, com o decurso do tempo, ganham determinada signifi cação, muitas das
vezes impostas pelo Estado”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito
penal. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 1.012).
A propósito, trago lição de Rogério Greco:
O delito de uso de documento falso encontra-se tipifi cado no art. 304 do
Código Penal. Cuida-se, in casu, de norma penal em branco (ou primariamente
remetida), haja vista que, para que o artigo em exame possa ser entendido e
aplicado, será necessário que o intérprete se dirija aos arts. 297 a 302 do Código
Penal. (...). A fé pública é o bem juridicamente protegido pelo tipo penal.
(GRECO, Rogério. Curso de direito Penal. Parte especial, volume IV. 10. ed. Niterói/
RJ: Impetus, 2014, p. 331/332).
Elucida, ainda, a doutrina que o sujeito passivo primário tanto no falso
quanto no uso é o Estado - lesado na sua fé pública. E, em ambos os casos, o
sujeito passivo secundário é a pessoa, física ou jurídica, que pode vir a sofrer
prejuízo em razão do falso ou do uso. Tutela-se a fé pública documental não mais
apenas pela falsidade propriamente dita, mas também pelo uso de documento
sabidamente falso - fé pública relacionada à circulação e à confi abilidade dos
documentos.
Portanto, não visualizo coerência em determinar-se a competência para
julgar a falsifi cação do documento em razão do órgão expedidor e, inversamente,
a competência para julgar o uso do mesmo documento em virtude da pessoa a
quem a contrafação é apresentada. A meu ver, a competência tanto para julgar
o falso quanto o uso deve ser a mesma, porquanto o bem jurídico tutelado em
ambos os crimes é a fé pública, a qual é vulnerada, em primeiro lugar, diante da
menor credibilidade gerada ao órgão expedidor do documento contrafeito.
Ademais, nos dois delitos, a pessoa eventualmente enganada com o falso é
apenas a vítima secundária, razão pela qual a competência não deve ser fi rmada
apenas sob esse aspecto. Reitero que o bem jurídico tutelado é a fé pública, que
emana do órgão expedidor do documento e não da pessoa a quem o documento
é apresentado. De fato, a apresentação de carteira de habilitação falsa à Polícia
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
222
Rodoviária Federal não ofende a fé pública daquele órgão, mas sim do Detran,
órgão estadual, que é a vítima primária da contrafação. Dessa forma, tenho
difi culdades em reconhecer a competência da Justiça Federal no caso dos autos.
Considerar que a competência para julgar o uso de documento falso se
fi rma em virtude da pessoa a quem é apresentada a contrafação - ora o particular,
ora o Detran, ora a Polícia Militar, ora a Polícia Rodoviária Federal, seria o
mesmo que afi rmar que o bem jurídico tutelado é difuso, o que não encontra
respaldo no tipo penal em apreço. Reitero que a tutela penal incide sobre a fé
pública, ou seja, sobre a confi ança que o órgão emissor do documento ostenta, a
qual é afetada pelo falso e pelo seu uso. Tem-se, portanto, lesão a bens, interesses
e serviços do órgão expedidor, razão pela qual a competência para julgar o falso
e o uso deve guardar relação com a instituição cuja fé pública foi vulnerada.
A propósito, confi ra-se julgado do Supremo Tribunal Federal noticiado no
informativo n. 541 daquela Corte:
Falsidade: Documento Federal e Competência
Compete à Justiça Federal processar e julgar ação penal relativa a crime de
falsifi cação de documento público e de uso de documento falso (CP, artigos 297
e 304, respectivamente), quando a falsifi cação incide sobre documentos federais.
Com base nessa orientação, a Turma proveu recurso extraordinário para assentar
a competência da Justiça Federal para julgar os delitos cometidos pelo recorrido,
consubstanciados na adulteração de Certidão Negativa de Débito emitida
pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, apresentada, perante órgão
da Administração Pública municipal, com o objetivo de viabilizar participação
em procedimento licitatório. Enfatizou-se que pouco importaria, na espécie, o
fato de o documento alterado ter sido utilizado junto à Administração Pública
municipal, haja vista tratar-se de serviço prestado por autarquia federal (CF,
art. 109, IV). Assim, aduziu-se que, se não fosse percebida a falsifi cação, haveria
prejuízo considerada a situação jurídica do contribuinte, revelando-o quite com o
fi sco federal, muito embora, se procedente a imputação, a realidade se mostrasse
diversa. Precedente citado: RE 411.690/PR (DJU de 3.9.2004). RE 446.938/PR, rel.
Min. Marco Aurélio, 7.4.2009.
No mesmo sentido, tem-se também o seguinte julgado desta Corte:
PENAL - CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO - FALSIFICAÇÃO -
COMPETÊNCIA. - APESAR DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO SER UM
DOCUMENTO DE VALIDADE EM TODO O TERRITÓRIO NACIONAL, E EXPEDIDA
POR REPARTIÇÃO ESTADUAL, LOGO, SUA FALSIFICAÇÃO E USO, NÃO SE
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 213-230, novembro 2017 223
CONSTITUI CRIME DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. - PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS. (CC 1.274/SP, Relator o Ministro Cid Flaquer Scartezzini, DJ
20/08/1990).
Note-se que o precedente desta Corte é antigo, o que denota já ter
prevalecido o entendimento ora defendido. Outrossim, ao analisar os julgados
mais antigos, é possível verifi car que a alteração jurisprudencial ocorreu em
virtude das especifi dades de cada caso. De fato, os primeiros precedentes que
passaram a excepcionar a competência fi rmada em razão do órgão expedidor
do documento falso utilizado - cuja fé pública foi vulnerada -, avaliaram que o
documento falso foi utilizado com o fi m de obter vantagem ilícita que geraria
prejuízo à União. Portanto, o que alterou a competência para apurar o crime de
uso de documento falso não foi a pessoa, em si, a quem se apresentou o falso,
mas antes a efetiva possibilidade de violação a bens, serviços ou interesses da
União.
A propósito:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. FALSIFICAÇÃO DE
ASSINATURA. USO EM PROCESSO TRABALHISTA. ANALOGIA COM A SÚMULA
165/STJ. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA FEDERAL. Inquérito com vistas a
apurar possível delito do art. 297 do Código Penal, que teria sido praticado para
utilização do respectivo documento em processo trabalhista, deve ser processado
e apurado junto ao juízo federal. Aplicação, por analogia, da Súmula 165/STJ.
Precedentes. Confl ito conhecido, declarando-se a competência do Juízo Federal
da 10ª Vara do Estado de Pernambuco. (CC 28.683/PE, Relator o Ministro José
Arnaldo da Fonseca, DJ 18/06/2001)
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO.
CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO – CNH. CERTIFICADO DE REGISTRO E
LICENCIAMENTO DE VEÍCULO – CRLV. USO PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL.
PREJUÍZO A SERVIÇO DA UNIÃO CONFIGURADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL. 1. Os crimes de uso de documento falso foram praticados no intuito
de obter liberdade provisória e restituição de veículo automotor, tendo em vista
a prisão em fl agrante do acusado e a apreensão de seus bens, por imputada
prática de crime de moeda falsa, de competência da Justiça Federal. 2. No caso,
embora se trate de crime contra a fé pública, que revela, em princípio, interesse
genérico e indireto da União, tal foi cometido especifi camente em detrimento de
serviço público federal, na espécie, diretamente contra órgão da Justiça Federal.
3. Confl ito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de
Santo Ângelo – SJ/RS, ora suscitante. (CC 61.273/RS, Relator o Ministro Arnaldo
Esteves Lima, DJ 06/08/2007).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
224
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO.
DOCUMENTO ÚNICO DE TRÂNSITO – DUT. IPVA E SEGURO OBRIGATÓRIO. USO
PERANTE A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREJUÍZO A SERVIÇO DA UNIÃO
CONFIGURADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O crime de uso de
documento falso foi praticado no intuito de burlar a fi scalização realizada pelos
agentes da Polícia Rodoviária Federal, que constitui serviço da União. 2. Além
disso, parte dos prêmios do seguro obrigatório é destinada ao SUS e ao Denatran,
revelando o interesse da União na arrecadação. 3. Confl ito conhecido para declarar
a competência do Juízo Federal da Vara Criminal da Subseção Judiciária de Passo
Fundo/RS, suscitante. (CC 41.195/RS, Relator o Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ
22/06/2005).
Nos dois primeiros precedentes, observa-se que eventual decisão da Justiça
Federal e da Justiça Trabalhista, baseada em documento falso, repercutiria sobre
a União, que poderia vir a ser questionada sobre eventuais direitos indenizatórios
da pessoa prejudicada. Igualmente, no terceiro julgado, a apresentação de
documento falso para deixar de recolher o IPVA e o Seguro Obrigatório, refl ete
interesse da União, em razão de parte dos prêmios do seguro obrigatório ser
destinada ao SUS – Sistema Único de Saúde e ao Denatran.
Assim, é possível aferir que a competência, nesses casos, foi defi nida em
razão do fi m visado com a apresentação do documento falso, ou seja, o uso
não se exauriu nele mesmo. Dessarte, vislumbrando-se prejuízo direto, e não
meramente refl exo, aos bens, serviços e interesses da União, tem-se justifi cada a
competência da Justiça Federal, portanto, não em razão da qualidade da pessoa a
quem é apresentado o documento falso, mas sim em virtude de o uso desbordar
do seu fi m primeiro, atingindo, dessa forma, bem jurídico diverso.
Conforme elucida Aury Lopes Júnior, “somente o interesse federal
decorrente de lei ou diretamente revelado quando da prática do crime (a partir da
efetiva lesão ao bem jurídico tutelado), justifi ca a incidência da Justiça Federal”.
(LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. V. I.
2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 412).
No mesmo sentido:
PROCESSO PENAL – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – JUSTIÇA
FEDERAL E JUSTIÇA ESTADUAL – INQUÉRITO POLICIAL – USO DE DOCUMENTO
FALSO (CIC) – CRIME COMETIDO CONTRA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA
(BANCO DO BRASIL) – AUSÊNCIA DE OFENSA A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES
DA UNIÃO, SUAS AUTARQUIAS OU EMPRESAS PÚBLICAS – SÚMULA 42/STJ -
COMPETÊNCIA ESTADUAL. 1 – Por se tratar de Inquérito Policial instaurado em
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 213-230, novembro 2017 225
decorrência do uso de documento falso (CIC), com a fi nalidade de se obter cartão
magnético e efetuar saque em conta-corrente recém aberta no Banco do Brasil,
inocorre efetivo prejuízo a bens, serviços ou interesses da União. Há, no caso concreto,
suposto delito cometido em detrimento de Sociedade de Economia Mista,
sendo aplicável à espécie, portanto, a Súmula 42 desta Corte. 2 – Precedentes
(CC n. 21.891/PB e 39.868/BA). 3 – Confl ito conhecido e provido para declarar
competente o D. Juízo de Direito da 2ª Vara de Araruama/RJ, ora suscitado. (CC
27.515/RJ, Relator o Ministro Jorge Scartezzini, DJ 1º/7/2004).
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS DE
ARRECADAÇÃO ESTADUAL – GARE. PREJUÍZO À ORDEM DOS ADVOGADOS DO
BRASIL. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL SUSCITADA. I.
Evidenciado que a fraude perpetrada não causou prejuízo à União, uma vez que a
hipótese trata de falsifi cação de documentos de arrecadação estadual, uma relativa
às custas judiciais, cujo valor recolhido vai para os cofres da Fazenda Estadual, e
outra relativa à taxa da OAB, cujo valor recolhido vai para a Carteira da Previdência
dos Advogados de São Paulo, administrada pelo IPESP - Instituto de Previdência do
Estado de São Paulo, fi rma-se a competência da justiça estadual para o processo e
julgamento do feito. II. Confl ito conhecido para declarar a competência do Juízo
de Direito da 1ª Vara de Ourinhos/SP, o Suscitado. (CC 45.786/SP, Relator o Ministro
Gilson Dipp, DJ de 10.11.2004).
CRIMINAL. RESP. USO DE DOCUMENTO FALSO. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PROVA
PERICIAL. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA. FACULDADE DO JUIZ. CERCEAMENTO DE
DEFESA. INOCORRÊNCIA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. INOCORRÊNCIA. RECURSO
DESPROVIDO. I - Hipótese em que o réu apresentou, na fase de habilitação de
procedimento licitatório realizado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina,
certidão negativa de débitos estaduais falsa. II - Havendo potencial lesão a bens,
serviços ou interesses da União, neste caso, ao Tribunal Regional Eleitoral de Santa
Catarina, competente é a Justiça Federal para o julgamento do feito. III - Inexiste
cerceamento de defesa, pelo indeferimento de perícia postulada, pois o julgador
pode indeferir, de maneira fundamentada, aquelas que considere protelatórias
ou desnecessárias. IV - Se a inautenticidade da certidão foi comprovada somente
após oitiva de testemunhas, bem como pela averiguação da situação da empresa
perante o fi sco estadual, incabível a alegação de que se tratava de falsifi cação
grosseira e incapaz de ludibriar terceiros.
V - Recurso desprovido.” (REsp 508.476/SC, Relator o Ministro Gilson Dipp, DJ
de 16.11.2004).
Dessa forma, é possível concluir que a competência para processar e
julgar o crime de uso de documento falso se altera - para deixar de ser fi rmada
em função do órgão cuja fé pública foi vulnerada -, quando sua utilização
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
226
visa alcançar fi m diverso, não se exaurindo a falsidade nela mesma. Referido
entendimento, com as devidas adaptações, possui inclusive respaldo no verbete
sumular n. 17 desta Corte, que disciplina que “quando o falso se exaure no
estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.
Portanto, constatando-se que a Carteira Nacional de Habilitação falsifi cada
- documento expedido pelo Departamento de Trânsito de cada estado da
Federação -, foi utilizada com o fi m de burlar as leis de trânsito, ou seja, teve sua
utilidade exaurida no próprio uso, independentemente do órgão fi scalizador que
fez a abordagem e a constatação da falsidade, não verifi co interesse da União a
justifi car a competência da Justiça Federal.
Ante o exposto, conheço do confl ito para declarar competente o Juízo de
Direito de Atílio Vivácqua/ES, o suscitado.
É como voto.
VOTO-VENCEDOR
O Sr. Ministro Moura Ribeiro: Trata-se de confl ito negativo de competência
entre Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de Cachoeiro de Itapemirim SJ/ES -
suscitante - e o Juízo de Direito de Atílio Vivácqua/ES - suscitado.
Em seu voto, o eminente relator Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE sob o fundamento de não ter verifi cado interesse da União a
justifi car a competência da Justiça Federal uma vez que o bem jurídico atingido
com a prática do delito foi a fé-pública do Estado emissor do documento
falso e não a qualifi cação do órgão ou entidade perante a qual foi apresentado
mencionado documento falso.
Após tal voto, pedi vista para melhor pensar sobre o caso.
Rendendo minhas homenagens ao Excelentíssimo Senhor Ministro
MARCO AURÉLIO BELLIZZE e reconhecendo a profundidade jurídica
do voto que lançou no presente caso assim como seu entendimento, com
ousadia, dele divirjo porque ao meu sentir, sendo esta Corte um Tribunal de
precedentes, devem eles ser respeitados. E, no particular, a jurisprudência daqui
segue no sentido de que o foro competente para o processamento e julgamento
da presente ação deve ser o da Justiça Federal da Comarca de Cachoeiro de
Itapemirim SJ/ES.
Da análise dos autos e do voto do eminente Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE se percebe que foi instaurado inquérito policial para apuração de
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 213-230, novembro 2017 227
suposta prática do crime de uso de documento público falso por ter o indiciado
apresentado Carteira Nacional de Habilitação falsifi cada a Policial Rodoviário
Federal.
Ao acolher o parecer do Ministério Público do Estado do Espírito Santo,
o Juízo Estadual declinou de sua competência por entender que o caso seria de
competência da Justiça Federal uma vez que o delito lesou serviço da União em
virtude das atribuições conferidas à Polícia Rodoviária Federal.
Encaminhado os autos à Justiça Federal, o Ministério Público Federal
ofereceu denúncia e após concluída a instrução processual, o feito foi convertido
em diligência ocasião em que foi suscitado o presente confl ito de competência.
Como dito, a jurisprudência desta Corte é clara no sentido de que o uso de
Carteira Nacional de Habilitação falsa perante autoridade da Polícia Rodoviária
Federal é considerado crime de competência da Justiça Federal porquanto
caracterizada a lesão a serviço da União.
A corroborar com o acima exposto, esta Corte também consolidou o
entendimento segundo o qual é irrelevante para determinar a competência do
Juízo no crime de uso de documento falso a qualifi cação do órgão expedidor do
documento público pois o critério a ser utilizado se defi ne em razão da entidade
ou do órgão ao qual ele foi apresentado, porquanto são estes que efetivamente
sofrem os prejuízos em seus bens e serviços.
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. JUSTIÇA
ESTADUAL. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO FALSA APRESENTADA À
POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. LESÃO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA UNIÃO.
PRECEDENTES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Apresentar carteira nacional de habilitação falsa à autoridade da
Polícia Rodoviária Federal constitui lesão a bem jurídico tutelado pela União.
Precedentes.
2. Neste caso, a carteira nacional de habilitação falsa foi apresentada a policiais
rodoviários federais, em abordagem de rotina.
3. Reconhecimento de competência da Justiça federal, nos termos do art.
109, IV, da Constituição Federal.
4. Confl ito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 2ª Vara de Juiz
de Fora - SJ/MG, ora suscitado.
(CC 131.113/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Terceira Seção, julgado
em 11/12/2013, DJe 17/12/2013)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
228
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIMES
DE FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO. AUSÊNCIA DE LESÃO A
BEM, SERVIÇO OU INTERESSE DA UNIÃO. CONCURSO ENTRE A JURISDIÇÃO COMUM E
A MILITAR. UNIDADE DE JULGAMENTO. RESSALVA. ART. 79, I, DO CPP. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA ESTADUAL.
(...)
IV. Consoante a jurisprudência, “a qualificação do órgão expedidor do
documento público é irrelevante para determinar a competência do Juízo
no crime de uso de documento falso, pois o critério a ser utilizado para
tanto defi ne-se em razão da entidade ou do órgão ao qual foi apresentada,
porquanto são estes quem efetivamente sofrem os prejuízos em seus bens ou
serviços” (STJ, CC 99.105/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, DJe
de 27/02/2009).
V. Confl ito conhecido, para declarar competente o Juízo de Direito da Comarca de
Navegantes/SC, o suscitado.
(CC 108.024/SC, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Terceira Seção, julgado
em 13/11/2013, DJe 11/12/2013)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. RECEPTAÇÃO DOLOSA E USO DE
DOCUMENTO FALSO PERANTE AGENTE DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. ROUBO
DO VEÍCULO CONDUZIDO PELO RÉU E FURTO DA CRLV POR ELE APRESENTADA.
CRIMES QUE NÃO FORAM OBJETO DA DENÚNCIA. DECISÃO PROFERIDA PELO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO QUE DECLAROU INEXISTENTE O FALSO
DOCUMENTAL. SUBSISTÊNCIA DO CRIME DE RECEPTAÇÃO DOLOSA. INEXISTÊNCIA
DE CONEXÃO QUE PORVENTURA PUDESSE ENSEJAR A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
FEDERAL. ART. 70 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (LUGAR DA INFRAÇÃO).
CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA
VARA CRIMINAL DA COMARCA DE GUARAÍ/TO.
(...)
3. Em princípio, o uso de documento falso perante agente da Polícia
Rodoviária Federal, por afetar serviço da União (art. 109, inciso IV, da
Constituição Federal), tornaria competente o Juízo Federal de Palmas/TO.
Precedentes. Não obstante, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, usurpando
a competência originária do Juízo processante, pôs fim precoce à discussão ao
deliberar, em decisão transitada em julgado, que não restou confi gurado na espécie o
crime de uso de documento falso.
(...)
5. Confl ito de competência conhecido para, na linha da argumentação do Juízo
Suscitante e do parecer ministerial, declarar competente o Juízo de Direito da Vara
Criminal de Guaraí/TO.
(CC 127.411/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Terceira Seção, julgado em
11/09/2013, DJe 17/09/2013)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 213-230, novembro 2017 229
RECURSO EM HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO. PASSAPORTE.
COMPETÊNCIA. CRIME PRATICADO EM DETRIMENTO DO CONTROLE DE FRONTEIRAS.
SERVIÇO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ART. 109, IV, DA CF.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Compete à União executar os serviços de polícia de fronteiras, nos termos
do art. 21, XXII, da Constituição Federal.
2. Uma vez verificado que o suposto delito de uso de documento falso
(passaporte) foi praticado em detrimento de serviço prestado pela Polícia
Federal, relativo ao controle de fronteiras, resta inequívoco o interesse da
União em sua apuração.
3. Recurso em habeas corpus improvido.
(RHC 31.039/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em
21/02/2013, DJe 01/03/2013)
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PROCESSO PENAL. CRIMES PREVISTOS
NOS ARTS. 33 E 34, AMBOS DA LEI N. 11.343/2006; 12 DA LEI N. 10.826/2003; E 307, C.C.
OS ARTS. 304 E 297, DO CÓDIGO PENAL. USO DE CARTEIRA DE HABILITAÇÃO FALSA
PERANTE AUTORIDADE DA POLÍCIA FEDERAL. PREJUÍZO A SERVIÇO OU INTERESSE DA
UNIÃO. DELITOS CONEXOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 122 DO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. A teor do entendimento fi rmado na Terceira Seção desta Corte, o uso de
Carteira Nacional de Habilitação falsa perante Autoridade da Polícia Federal
deve ser apurado perante a Justiça Federal. Precedentes.
2. Constatando-se a existência de conexão, tendo em vista as circunstâncias que
envolveram a prática, em tese, dos delitos, aplica-se o disposto no verbete sumular n.
122 desta Corte Superior. Precedentes.
3. Conflito conhecido para declarar competente o JUÍZO DA VARA FEDERAL E
JUIZADO ESPECIAL DE PARANAGUÁ - SJ/PR, ora Suscitante.
(CC 123.745/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Terceira Seção, julgado em
12/09/2012, DJe 24/09/2012)
Assim, porque a apresentação do documento falso perante Policial
Rodoviário Federal lesou serviço de fi scalização da União, incide ao caso o art.
109, IV, da CF.
Não podemos esquecer, ainda, que por constituir infração de trânsito
dirigir veículo sem possuir Carteira Nacional de Habilitação ou Permissão para
dirigir (art. 162, I, da Lei 9.503/97 - CTB) e tal ato ter sido constatado por
Agente da Polícia Rodoviária Federal, em rodovia de sua jurisdição, será do
interesse deste órgão a autuação do infrator, até porque o valor da multa será
revertido aos seus cofres.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
230
Nestas condições, pelo meu voto, pedindo vênia ao Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, ouso dele divergir para conhecer do confl ito e declarar
competente o JUÍZO FEDERAL DA 2ª VARA DE CACHOEIRO DE
ITAPEMIRIM - SJ/ES, o suscitante.
É o meu voto.
VOTO
O Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz: Sr. Presidente, também peço vênia
para acompanhar a divergência. Achei bem plausíveis as razões trazidas pelo
eminente Ministro Marco Aurélio Bellizze, mas, em reforço ao que também
acrescentou a Sra. Ministra Regina Helena Costa, lembro-me do crime de
homicídio que, quando cometido contra servidor público federal, em razão
da função de servidor público federal, reclama a competência do júri federal.
Então, bem ou mal, o legislador entende que, a depender da pessoa afetada
imediatamente pela prática delitiva, a competência pode, sim, deslocar-se da
Justiça Estadual para a Federal, como é o caso versado nestes autos.
Peço vênia ao Sr. Ministro Relator para acompanhar a divergência.
Conheço do confl ito para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª
Vara de Cachoeiro de Itapemirim - SJ/ES, o suscitante.
Súmula n. 547
SÚMULA N. 547
Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a título de
participação fi nanceira do consumidor no custeio de construção de rede elétrica,
o prazo prescricional é de vinte anos na vigência do Código Civil de 1916. Na
vigência do Código Civil de 2002, o prazo é de cinco anos se houver previsão
contratual de ressarcimento e de três anos na ausência de cláusula nesse sentido,
observada a regra de transição disciplinada em seu art. 2.028.
Referências:
CC/1916, arts. 177, revogado.
CC/2002, arts. 206, § 3º, IV, § 5º, I e 2.028.
CPC, art. 543-C.
Precedentes:
(*)REsp 1.063.661-RS (2ª S, 24.02.2010 – DJe 08.03.2010) –
acórdão publicado na íntegra
(*)REsp 1.249.321-RS (2ª S, 10.04.2013 – DJe 16.04.2013) –
acórdão publicado na íntegra
EDcl no AREsp 84.300-RS (3ª T, 18.03.2014 – DJe 25.03.2014)
REsp 1.380.603-MS (3ª T, 06.05.2014 – DJe 02.06.2014)
AgRg nos
EDcl no AREsp 338.189-MS (3ª T, 12.08.2014 – DJe 19.08.2014)
AgRg no AREsp 312.226-MS (3ª T, 24.02.2015 – DJe 04.03.2015)
EDcl no AREsp 257.065-RS (4ª T, 11.03.2014 – DJe 18.03.2014)
AgRg no AREsp 249.544-RS (4ª T, 18.03.2014 – DJe 25.03.2014)
EDcl no AREsp 451.099-RS (4ª T, 18.03.2014 – DJe 31.03.2014)
AgRg no AREsp 268.357-MS (4ª T, 26.08.2014 – DJe 09.09.2014)
AgRg no REsp 1.285.996-RS (4ª T, 24.02.2015 – DJe 23.03.2015)
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.249.321-RS (2011/0086178-2)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica CEEED RS
Advogado: Simone Rodrigues Ferreira e outro(s)
Recorrido: Valdelirio Pereira da Silva
Advogado: Regis Roberto da Silva e outro(s)
Interes.: Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL - “Amicus Curiae”
Repr. por: Procuradoria-Geral Federal
EMENTA
FINANCIAMENTO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO
RURAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO
DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CUSTEIO
DE OBRA DE EXTENSÃO DE REDE ELÉTRICA PELO
CONSUMIDOR. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES
APORTADOS. PRESCRIÇÃO.
Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1. Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores
pagos a título de participação fi nanceira do consumidor no custeio
de construção de rede elétrica, a prescrição deve ser analisada,
separadamente, a partir de duas situações: (i) pedido relativo a valores
cujo ressarcimento estava previsto em instrumento contratual e
que ocorreria após o transcurso de certo prazo a contar do término
da obra (pacto geralmente denominado de “CONVÊNIO DE
DEVOLUÇÃO”); (ii) pedido relativo a valores para cujo ressarcimento
não havia previsão contratual (pactuação prevista em instrumento, em
regra, nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”).
1.2.) No primeiro caso (i), “prescreve em 20 (vinte) anos, na
vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do
Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados
para a construção de rede de eletrifi cação rural, [...] respeitada a regra
de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002” (REsp
1.063.661/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010);
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
236
1.3.) No segundo caso (ii), a pretensão prescreve em 20 (vinte)
anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 3 (três) anos, na
vigência do Código Civil de 2002, por se tratar de demanda fundada
em enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, inciso IV), observada,
igualmente, a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil
de 2002.
2. No caso concreto, para o pedido de ressarcimento dos valores
previstos no CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO, o prazo prescricional
fi ndaria em 11 de janeiro de 2008 (cinco anos, a contar da vigência
do novo Código). Por outro lado, para o pedido de ressarcimento
dos valores previstos no TERMO DE CONTRIBUIÇÃO, o prazo
prescricional fi ndaria em 11 de janeiro de 2006 (três anos, a contar
da vigência do novo Código). Tendo o autor ajuizado a ação em 15
de janeiro de 2009, a totalidade de sua pretensão está alcançada pela
prescrição.
3. Recurso especial a que se dá provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Segunda Seção
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial para
extinguir o feito com julgamento do mérito, reconhecendo a prescrição, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C, do CPC, foram fi xadas as seguintes teses:
1. Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a
título de participação fi nanceira do consumidor no custeio de construção de
rede elétrica, a prescrição deve ser analisada, separadamente, a partir de duas
situações: (i) pedido relativo a valores cujo ressarcimento estava previsto em
instrumento contratual e que ocorreria após o transcurso de certo prazo a
contar do término da obra (pacto geralmente denominado de “CONVÊNIO
DE DEVOLUÇÃO”); (ii) pedido relativo a valores para cujo ressarcimento
não havia previsão contratual (pactuação prevista em instrumento, em regra,
nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”).
1.2.) No primeiro caso (i), “prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do
Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 237
2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede
de eletrifi cação rural, [...] respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028
do Código Civil de 2002” (REsp 1.063.661/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 24/02/2010);
1.3.) No segundo caso (ii), a pretensão prescreve em 20 (vinte) anos, na
vigência do Código Civil de 1916, e em 3 (três) anos, na vigência do Código
Civil de 2002, por se tratar de demanda fundada em enriquecimento sem causa
(art. 206, § 3º, inciso IV), observada, igualmente, a regra de transição prevista no
art. 2.028 do Código Civil de 2002. Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Paulo
de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo
Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy Andrighi e João Otávio de Noronha
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 10 de abril de 2013 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 16.4.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Valdelirio Pereira da Silva ajuizou
ação de rito ordinário em face da Companhia Estadual de Distribuição de
Energia Elétrica - CEEE-D, objetivando o ressarcimento de valores pagos para
fi nanciamento de construção de rede de eletrifi cação rural.
Sustenta que, em junho de 1993, efetuou o pagamento de Cr$
100.000.000,00 (cem milhões de cruzeiros), e que em dezembro de 1.999
pagou mais R$ 1.058,00 (mil e cinquenta e oito reais), não tendo sido restituído
nenhum valor.
Noticia o autor ter celebrado instrumento contratual nominado de
“CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, no qual havia previsão de que o aporte
fi nanceiro seria restituído “não antes de 4 anos pelo valor histórico”, a contar
da conclusão da obra; e outro instrumento nominado de “TERMO DE
CONTRIBUIÇÃO”, no qual havia previsão expressa de que o aporte ocorreria
sob a forma de contribuição do consumidor, “não lhe cabendo qualquer espécie
de reembolso em momento algum, conforme disposição legal vigente”.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
238
Discorreu o autor acerca da incompatibilidade da pactuação com o
Código de Defesa do Consumidor, com o Decreto n. 41.019/57 e com a Lei n.
10.438/02.
Assim, pleiteou o autor que fossem declaradas “nulas e abusivas as cláusulas
contratuais que impunham a contribuição do consumidor no pagamento da
rede elétrica, sem a possibilidade de restituição dos valores investidos ou que
retire desta restituição o pagamento de correção monetária”, para condenar
a Companhia ré ao pagamento de R$ 11.658,00 (onze mil e seiscentos e
cinquenta e oito reais), corrigidos e acrescidos de juros legais (fl . 32).
O Juízo de Direito da 4ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto
Alegre/RS julgou parcialmente procedente o pedido deduzido pelo autor (fl s.
161-166).
Em grau de apelação, a sentença foi mantida, com correção de erro material
quanto à moeda vigente à época, nos termos da seguinte ementa:
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE COBRANÇA DE VALORES
INVESTIDOS PARA A CONSTRUÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL.
1. Prescrição inocorrente. Ação de direito pessoal. Existência concomitante
de termo de contribuição e convênio de devolução. Incidência, no caso, do prazo
prescricional decenal, previsto no art. 205 do Código Civil vigente, considerando a
regra de transição do art. 2.028 do mesmo diploma legal.
2. Estando comprovado o aporte financeiro realizado pelo autor para a
construção das obras de eletrifi cação rural, é devida a restituição dos valores
investidos, na medida em que a obra foi incorporada ao patrimônio da prestadora
do serviço.
3. Correção, de ofício, de erro material da sentença atinente à moeda ao tempo
da contratação.
PREFACIAL REJEITADA. APELAÇÃO IMPROVIDA. ERRO MATERIAL DA SENTENÇA
CORRIGIDO DE OFÍCIO. (fl . 215)
Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fl s. 236-242).
Sobreveio recurso especial apoiado nas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional, no qual se alega, além de dissídio, ofensa ao art. 177 do Código
Civil de 1916, arts. 2.028 e 206, § 5º, do Código Civil de 2002 - a despeito de
haver rápida menção a outros dispositivos de lei.
Sustenta a recorrente que a pretensão dos autores está fulminada pela
prescrição, em consonância com julgamento da Segunda Seção proferido em
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 239
sede de recurso especial representativo de controvérsia (REsp 1.063.661/RS,
Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
24/02/2010).
O recurso especial foi admitido na origem (fl s. 264-270).
Verifi cando ser repetitivo o tema central versado nos autos, alusivo à
prescrição da pretensão ao ressarcimento de valores investidos em expansão
de rede de eletrifi cação, afetei o julgamento do presente recurso especial à e.
Segunda Seção, nos termos do art. 543-C do CPC, bem como da Resolução n.
08/2008 (fl s. 280-281).
A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL veio aos autos
informando não ter interesse em ingressar no feito como amicus curiae, mas, como
contribuição ao desate do litígio, abraçou a tese segundo a qual, nos termos do
art. 140, § 2º, do Decreto n. 41.019/57, “somente a parcela de responsabilidade
da distribuidora (encargo de responsabilidade da distribuidora), eventualmente
antecipada pelo consumidor para antecipação do prazo de atendimento, deveria
ser restituída pela distribuidora” (fl . 290).
A ANEEL noticia também que, atualmente, sob a égide da Lei n.
10.438/2002, ainda há previsão desse mecanismo de participação fi nanceira do
consumidor no custeio de rede elétrica, sendo regulamentado o procedimento
pela Resolução Normativa/ANEEL n. 414/2010, arts. 36 e seguintes, e n.
223/2003, art. 18-B.
Por isso, conclui a ANEEL, “seja à época discutida na demanda, amparada
pelo Decreto 41.019/1957 seja atualmente, a restituição deve ser realizada apenas
da parcela de responsabilidade da concessionária eventualmente antecipada pelo
consumidor, tudo de acordo com a regulamentação da ANEEL, no exercício de
sua competência” (fl . 290).
O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo ilustre
Subprocurador-Geral da República Pedro Henrique Távora Niess, opina pelo
conhecimento parcial do recurso e, na extensão, pelo seu não provimento (fl s.
292-301).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A matéria alusiva à
prescrição da pretensão ao ressarcimento de valores investidos em expansão
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
240
de rede de eletrifi cação já foi apreciada em sede de recurso especial repetitivo,
de minha relatoria, chegando a Segunda Seção ao seguinte entendimento:
“prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5
(cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos
valores aportados para a construção de rede de eletrifi cação rural, posteriormente
incorporada ao patrimônio da CEEE/RGE, respeitada a regra de transição
prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002”.
O suporte fático do precedente acima mencionado dizia respeito a contrato
fi rmado entre os autores e a RGE, tendo a concessionária se obrigado a restituir
ao consumidor, após o decurso do prazo de quatro anos, as quantias investidas
pelo seu valor histórico. Daí por que se aplicou o art. 206, § 5º, inciso I, do
Código Civil de 2002, já que a pretensão deduzida era de “cobrança de dívidas
líquidas constantes de instrumento público ou particular”.
Porém, têm aportado a esta Corte controvérsias com outros contornos
fáticos e jurídicos, envolvendo contratos nos quais há vedação expressa à
restituição de valores (comumente designados “Termo de Contribuição”).
Por ocasião do despacho de afetação, vislumbrei que, em princípio, não se
trata de pretensão a cobrança de “dívidas líquidas constantes de instrumento
público ou particular”. Nesses casos, tem se questionado a legalidade da vedação
contratual à restituição dos valores aportados no custeio da rede elétrica - tema
discutido no julgamento anterior, do REsp n. 1.243.646/PR.
Por isso, afi gurou-se-me conveniente a rediscussão da matéria, com re
afi rmação e atualização do entendimento sufragado no REsp 1.063.661/RS,
julgado pelo rito do art. 543-C, CPC.
3. Nesse passo, absolutamente acertada a jurisprudência tranquila que
antecedeu o mencionado precedente, entendendo incidir o prazo prescricional
aplicável àquelas hipóteses de “dívidas líquidas constantes de instrumento
público ou particular” (art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002).
Na verdade, tal entendimento foi antecedido por precedente desta Segunda
Seção, de relatoria Ministro João Otávio de Noronha, em cujo voto condutor
fi cou assentado que:
Em caso como tais, que envolvem dívidas líquidas documentadas, em que a
obrigação é certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto, o Novo
Código Civil estabeleceu especifi camente que a prescrição aplicável à pretensão
do respectivo titular ocorre no prazo de cinco anos, a partir do vencimento
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 241
da obrigação, consoante prevê o artigo 206, § 5º, inciso I. (REsp 1.053.007/RS,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27.05.2009)
A ementa desse julgado é a seguinte:
AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REDE DE ENERGIA
ELÉTRICA. FINANCIAMENTO E ADIANTAMENTO DE OBRAS DE ELETRIFICAÇÃO.
INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO TRIENAL OU DECENAL DO ARTIGO 205 DO
NOVO CÓDIGO CIVIL CORRESPONDENTE AO ARTIGO 177 DO CÓDIGO CIVIL DE
1916. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ARTIGO 206, § 5º, INCISO I.
1. O prazo prescricional das ações de cobrança de dívida líquida constante
em instrumento público ou particular de natureza pessoal é qüinqüenal,
enquadrando-se na regra específi ca do inciso I, parágrafo 5º, do artigo 206 do
Novo Código Civil.
2. Recurso especial não-conhecido.
(REsp 1.053.007/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 09/12/2009)
Outros casos, todavia, em que a moldura fática e a causa de pedir se
diferenciam, a solução, a meu juízo, não pode ser a mesma.
Nos presentes autos - assim como em outros oriundos de diversas Unidades
da Federação -, não há pura e simplesmente um instrumento contratual a prever
dívida líquida a ser paga pela concessionária em determinado prazo.
A exemplo dos processos oriundos do Paraná - o que ficou claro no
julgamento anterior, do REsp n. 1.243.646/PR -, a pactuação era total ou
parcialmente em sentido inverso, constando que a concessionária não restituiria
o valor pago pelo consumidor em nenhuma hipótese.
A situação fática de processos oriundos do Rio Grande do Sul, como
no caso em exame, revela a existência de dois instrumentos contratuais: um
“CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, no qual havia previsão de que o aporte
fi nanceiro seria restituído “não antes de 4 anos pelo valor histórico”, a contar
da conclusão da obra; e outro instrumento nominado de “TERMO DE
CONTRIBUIÇÃO”, no qual havia previsão expressa de que o aporte ocorreria
sob a forma de contribuição do consumidor, “não lhe cabendo qualquer espécie
de reembolso em momento algum, conforme disposição legal vigente”.
Com efeito, o prazo de prescrição aplicável a situações como a presente
deve ser aferido a partir dessas duas realidades distintas, não me parecendo
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
242
possível a aplicação homogênea a toda controvérsia do lapso prescricional
previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002, que diz respeito a
dívidas líquidas.
Entendo que à pretensão de ressarcimento do valor previsto no chamado
“CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, aplica-se o entendimento fi rmado no
REsp n. 1.063.661/RS, devendo manter-se inalterada a jurisprudência fi rmada
em recurso especial repetitivo.
4. Porém, a solução, a meu juízo, deve ser outra no particular relativo à
restituição dos valores previstos no “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”, como
a seguir descrito.
A moldura fática soberanamente traçada nos presentes autos - e que
normalmente se repete em diversos outros processos - é a de que o consumidor
se insurge contra a legalidade da cláusula contratual que prevê a não devolução
dos valores aportados por ele para o fi nanciamento de rede elétrica, seja vedando
expressamente, seja afi rmando que a participação fi nanceira do consumidor dar-
se-ia a título de “contribuição”.
Nesses casos, inexistindo dívida reconhecida contratualmente pela
concessionária, acoimam-se as mencionas pactuações com a pecha da
invalidade/abusividade, pretendendo-se, a partir do reconhecimento do vício, o
ressarcimento dos valores anteriormente pagos.
O sistema civil brasileiro de 1916, como é amplamente sabido, não tratou
com muito esmero os institutos da prescrição e da decadência, atribuindo prazos
ditos prescricionais a direitos potestativos, sujeitos evidentemente a decadência.
Colhem-se como exemplos dessa erronia o pedido de anulação de
casamento (art. 178, § 1º e § 4º, II, § 5º, I e II), a ação para se contestar a
paternidade de fi lho (art. 178, § 3º), a ação para revogar doação (art. 178, § 6º,
I), ação do adotado para se desligar da adoção (art. 178, § 6º, XIII), ação para
anulação de contratos em razão de vício de vontade (art. 178, § 9º, inciso V).
Quanto à prescrição, desde o diploma revogado, o legislador optou por
prever um prazo geral (art. 177) e situações discriminadas sujeitas a prazos
especiais (art. 178), sem exclusão de outros prazos conferidos por leis específi cas.
Grosso modo, esse método foi transferido para o Código Civil de 2002,
que também prevê um prazo geral (art. 205), e prazos específi cos (art. 206) de
prescrição.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 243
Essa sistemática, por si só, possui a virtualidade de apanhar, ordinariamente,
todas as pretensões de direito subjetivo e lhes conferir um prazo de perecimento:
se a pretensão não se enquadra nos prazos prescricionais específi cos, sujeitar-
se-á, certamente, ao prazo geral.
No Código Civil de 1916 - embora baralhando conceitos - os prazos de
prescrição e decadência estavam previstos nos arts. 177 a 179.
A partir da leitura e conjugação dos artigos acima transcritos, percebe-se
que a situação tratada nos autos não se ajusta a nenhum prazo específi co de
prescrição, incidindo, assim, a regra geral para as ações pessoais, prevista no art.
177 do Código Civil.
Tal conclusão é a mesma adotada no precedente firmado no recurso
repetitivo já mencionado (REsp 1.063.661/RS).
Isso porque, na vigência do Diploma revogado, a separação entre ações
pessoais e reais era a regra geral de defi nição de prazos prescricionais, quando a
situação controvertida não se enquadrava nos prazos específi cos.
Assim, tanto o pedido de restituição dos valores previstos no chamado
“CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”, quanto o de restituição do valor
subjacente ao “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”, enquadram-se ambos no
que o Código Civil anterior denominava ações pessoais, estando ambos sujeitos
ao prazo vintenário de prescrição.
Contudo, na vigência do Código Civil de 2002, a situação é outra, uma
vez que se abandonou o critério das ações “pessoais” ou “reais” como elemento
defi nidor de prazos gerais de prescrição. Agora, há um prazo geral de dez
anos, previsto no art. 205, aplicável sempre quando não incidir um dos prazos
específi cos listados pelo art. 206.
Confi ra-se:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fi xado
prazo menor.
Art. 206. Prescreve:
§ 1º Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a
consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos
alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele,
contado o prazo:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
244
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data
em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro
prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais,
árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para
a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da
assembléia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os
liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação
da sociedade.
§ 2º Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da
data em que se vencerem.
§ 3º Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou
vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações
acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou
sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé,
correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou
do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade
anônima;
b) para os administradores, ou fi scais, da apresentação, aos sócios, do balanço
referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou
assembléia geral que dela deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembléia semestral posterior à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do
vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do benefi ciário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado,
no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 245
§ 4º Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da
aprovação das contas.
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento
público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais,
curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos
serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.
Destarte, no particular relativo ao “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”,
não incide o prazo de cinco anos previsto no art. 206, § 5º, inciso I, porque de
“dívidas líquidas” não se trata.
Importante ressaltar, nesse momento, que no julgamento anterior (REsp
n. 1.243.646/PR), no ponto alusivo a eventuais ilegalidades em contratos desse
jaez, fi cou excluída a possibilidade de infringência ao Código de Defesa do
Consumidor pela cláusula que afasta a restituição dos valores, não se havendo
falar por isso em nulidades absolutas, como as previstas no art. 51 daquele
mencionado diploma.
Em verdade, de tudo que se afi rmou no julgamento precedente (REsp
n. 1.243.646/PR), o único pleito remanescente e possível (após o resultado
de mérito daquele julgamento) é na hipótese de o consumidor alegar e provar
a inadequação do contrato à legislação regente à época, qual seja, Decreto n.
41.019/57, com as alterações trazidas pelo Decreto n. 83.269/79 e Decreto
n. 98.335/89, assim também a normatização baixada pelo Departamento
Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, que defi nia os encargos de
responsabilidade da concessionária e do consumidor, relativos a pedidos de
extensão de redes de eletrifi cação, com base na natureza de cada obra.
Com efeito, haveria ilegalidade na retenção dos valores pagos pelo
consumidor se os mencionados aportes fossem, na verdade, de responsabilidade
da concessionária, tendo esta se apropriado de quantia de terceiro que, a rigor,
deveria ter sido desembolsada por ela própria.
Em suma, haveria ilegalidade se o consumidor tivesse arcado com parte
(ou totalidade) da obra que cabia à concessionária.
Assim, a meu juízo, incide o prazo de três anos previsto no art. 206, § 3º,
inciso IV, para a “pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa”, no
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
246
que concerne à restituição de valores contidos em instrumentos contratuais que
vedava a devolução (como os chamados TERMOS DE CONTRIBUIÇÃO).
Deveras, o novo regramento consignou prazo prescricional específi co para
a pretensão em análise, que envolve ressarcimento de valores cujo pagamento -
como se alega - tenha sido indevido.
Vale dizer, o novo Código limitou o lapso de tempo em que se permite ao
prejudicado o ajuizamento da actio de in rem verso.
A solução da controvérsia revelada nos autos perpassa o conceito e a
abrangência do instituto do enriquecimento sem causa, com base no qual deve-
se aferir o âmbito de aplicação dos dispositivos legais acima referidos.
Caio Mario de Silva Pereira assim conceitua o instituto:
Toda aquisição patrimonial deve decorrer de uma causa, ainda que seja ela
apenas um ato de apropriação por parte do agente, ou um ato de liberalidade de
uma parte em favor da outra. Ninguém enriquece do nada.
O sistema jurídico não admite, assim, que alguém obtenha um proveito econômico
às custas de outrem, sem que esse proveito decorra de uma causa juridicamente
reconhecida. A causa para todo e qualquer enriquecimento não só deve existir
originariamente, como também deve subsistir, já que o desaparecimento
superveniente da causa do enriquecimento de uma pessoa, às custas de
outra, também repugna ao sistema (Código Civil, art. 885). Esse é o espírito do
denominado princípio do enriquecimento sem causa, disciplinado pela primeira
vez de forma expressa no Código Civil de 2002. (Instituições de Direito Civil,
volume III,).
Prosseguindo, leciona que:
Para que o enriquecimento sem causa se confi gure, é preciso que o proveito
obtido por sua atividade ou por sua causa tenha sido ilegitimamente apropriado
pelo beneficiado, sem que o lesado possa por qualquer outro meio obter o
benefício dela decorrente.
Na mesma linha, obtempera Humberto Th eodoro Júnior:
O enriquecimento, sem justa causa, é fonte da obrigação de restituir tudo o
que o benefi ciário lucrou à custa do empobrecimento de outrem (art. 884).
A ação para recuperar a perda sofrida nasce para o prejudicado no
momento em que o benefi ciário absorve em seu patrimônio o bem a que não
tinha direito. Ao mesmo tempo que sofre o prejuízo, adquire o prejudicado o
direito ao ressarcimento, acompanhado da imediata pretensão. Tudo se passa
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 247
simultaneamente. Por isso, do próprio fato do enriquecimento sem causa começa
a correr a prescrição da pretensão de recuperá-lo. A situação é a mesma do ato
ilícito: o responsável se coloca em mora desde o momento em que o praticou
(art. 398) (THEODORO JÚNIOR, Humerto. Comentários ao código civil, volume 3. t.2.
Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, p 327).
Anardo Rizzardo, por sua vez, traz alguns exemplos em que a prescrição
alusiva à ação de enriquecimento sem causa incidiria:
Inúmeras as situações que comportam o ressarcimento, sendo o elemento
confi gurativo o proveito resultante a uma das partes de uma relação contratual
ou extracontratual. Assim, a falta de pagamento da dívida no momento oportuno,
o investimento de capital recebido sem a retribuição pelo tempo em que fi cou a
parte usufruindo do mesmo capital, o acréscimo feito em uma obra a pedido do
contratante, o empréstimo de um instrumento que trouxe vantagens à pessoa,
a utilização de uma área de terras no cultivo econômico, a permanência em um
imóvel além do prazo combinado, o pagamento do preço inferior ao vigente no
mercado, são alguns exemplos (RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. p.
617).
Há também precedentes nesta Corte a abraçar essa tese:
CONSUMIDOR E PROCESSUAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COBRANÇA
INDEVIDA DE VALORES. INCIDÊNCIA DAS NORMAS RELATIVAS À PRESCRIÇÃO
INSCULPIDAS NO CÓDIGO CIVIL. PRAZO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO TRIENAL.
PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
1. O diploma civil brasileiro divide os prazos prescricionais em duas espécies. O
prazo geral decenal, previsto no art. 205, destina-se às ações de caráter ordinário,
quando a lei não houver fi xado prazo menor. Os prazos especiais, por sua vez,
dirigem-se a direitos expressamente mencionados, podendo ser anuais, bienais,
trienais, quadrienais e quinquenais, conforme as disposições contidas nos
parágrafos do art. 206.
2. A discussão acerca da cobrança de valores indevidos por parte do fornecedor
se insere no âmbito de aplicação do art. 206, § 3º, IV, que prevê a prescrição trienal
para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa. Havendo regra
específi ca, não há que se falar na aplicação do prazo geral decenal previsto do art.
205 do CDC. Precedente.
3. A incidência da regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC tem como
requisito essencial a formulação de pedido de reparação de danos causados por
fato do produto ou do serviço, o que não ocorreu na espécie.
4. O pedido de repetição de cobrança excessiva que teve início ainda sob
a égide do CC/16 exige um exame de direito intertemporal, a fi m de aferir a
incidência ou não da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC/02.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
248
5. De acordo com esse dispositivo, dois requisitos cumulativos devem estar
presentes para viabilizar a incidência do prazo prescricional do CC/16: i) o prazo
da lei anterior deve ter sido reduzido pelo CC/02; e ii) mais da metade do prazo
estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido no momento em que o
CC/02 entrou em vigor, em 11 de janeiro de 2003.
6. Considerando que não houve impugnação do dies a quo do prazo
prescricional definido pelo Tribunal de Oirgem - data da colação de grau do
recorrente, momento no qual ocorreu o término da prestação de serviço
educacional -, e que, na espécie, quando o CC/02 entrou em vigor não havia
transcorrido mais da metade do prazo prescricional previsto na lei antiga, incide
o prazo prescricional trienal do CC/02, motivo pelo qual o acórdão recorrido não
merece reforma.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1.238.737/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 08/11/2011, DJe 17/11/2011)
PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO.
RECOMPOSIÇÃO DE PREÇOS. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO.
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ART. 206, § 3º,
IV, DO CÓDIGO CIVIL. PLEITO EFETUADO APÓS A CONCLUSÃO DA OBRA.
RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Pessoa jurídica vencedora de licitação propôs ação de recomposição de
preços contra sociedade de economia mista. Alega que houve uma signifi cativa
elevação do dólar, que ocasionou exorbitante aumento nos preços dos
insumos básicos, materiais e equipamentos empregados na realização da obra,
comprometendo a equação econômica ajustada no momento da contratação.
Discute-se, no apelo especial, se a prescrição na hipótese é regida pelo prazo
geral de dez anos, previsto no art. 205, do Código Civil, ou se deve ser aplicado o
de três anos, contido no art. 206, § 3º, IV, daquele mesmo diploma.
2. O recurso não merece ser conhecido pela alegativa de dissídio
jurisprudencial, uma vez que o recorrente não realizou o necessário cotejo
analítico entre os arestos confrontados, deixando de demonstrar a existência de
similitude fática entre eles. Dessarte, descumpriu-se o disposto nos artigos 541,
parágrafo único, do CPC, e 255 do Regimento Interno do Superior Tribunal de
Justiça. Precedentes.
3. De acordo com o entendimento pacifi cado no STJ, as ações movidas contra
as sociedades de economia mista não se sujeitam ao prazo prescricional previsto
no Decreto-Lei 20.910/32, porquanto possuem personalidade jurídica de direito
privado, estando submetidas às normas do Código Civil.
4. O art. 206, § 3º, IV, do Código Civil de 2002 estipula o prazo prescricional de
três anos para as ações de ressarcimento por enriquecimento sem causa.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 249
5. A situação narrada nos autos se amolda ao disposto no art. 206, § 3º, IV, do CC.
O pleito para recomposição de preços foi realizado após a entrega da obra, isto é,
quando já exaurido o objeto contratual. Dessa feita, não se trata de simples anulação
ou revisão de cláusulas contratuais, mas de verdadeiro pedido de ressarcimento
formulado perante a Administração Pública, a qual se benefi ciou do desequilíbrio
econômico-fi nanceiro do contrato.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1.145.416/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado
em 01/03/2011, DJe 17/03/2011)
5. Assim, diante das questões jurídicas subjacentes ao caso concreto,
encaminho os seguintes entendimentos para efeitos do art. 543-C do CPC:
5.1. Nas ações em que se pleiteia o ressarcimento dos valores pagos a
título de participação fi nanceira do consumidor no custeio de construção de
rede elétrica, a prescrição deve ser analisada, separadamente, a partir de duas
situações: (i) pedido relativo a valores cujo ressarcimento estava previsto em
instrumento contratual e que ocorreria após o transcurso de certo prazo a contar
do término da obra (pactuação prevista em instrumento geralmente nominado
de “CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO”); (ii) pedido relativo a valores para cujo
ressarcimento não havia previsão contratual (pactuação prevista em instrumento
geralmente nominado de “TERMO DE CONTRIBUIÇÃO”.
5.2. No primeiro caso (i), “prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do
Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de
2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção de rede
de eletrifi cação rural, [...] respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028
do Código Civil de 2002” (REsp 1.063.661/RS, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 24/02/2010);
5.3. No segundo caso (ii), a pretensão prescreve em 20 (vinte) anos, na
vigência do Código Civil de 1916, e em 3 (três) anos, na vigência do Código
Civil de 2002, por se tratar de demanda fundada em enriquecimento sem causa
(art. 206, § 3º, inciso IV), observada, igualmente, a regra de transição prevista no
art. 2.028 do Código Civil de 2002.
6. No caso concreto, o acórdão recorrido firmou a premissa fática
de ter havido o desembolso de CR$ 50.427,14, a título de TERMO DE
CONTRIBUIÇÃO, e de CR$ 8.218,32, como CONVÊNIO DE
DEVOLUÇÃO.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
250
Por outro lado, a despeito de constar na inicial alegação de aporte fi nanceiro
no ano de 1999, o acórdão recorrido entendeu que o desembolso dos valores
ocorreu em 17 de agosto de 1993 (fl . 220).
Assim, aplicando-se o prazo vintenário para ambos os aportes, verifi ca-se
que, por ocasião da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11 de janeiro
de 2003), não havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional antigo,
fazendo incidir os novos prazos, nos termos da regra de transição prevista no art.
2.028.
Destarte, para o pedido de ressarcimento dos valores previstos no
CONVÊNIO DE DEVOLUÇÃO, o prazo prescricional fi ndaria em 11 de
janeiro de 2008 (cinco anos, a contar da vigência do novo Código); para o pedido
de ressarcimento dos valores previstos no TERMO DE CONTRIBUIÇÃO, o
prazo prescricional fi ndaria em 11 de janeiro de 2006 (três anos, a contar da
vigência do novo Código).
O autor ajuizou a ação em 15 de janeiro de 2009, por isso a totalidade de
sua pretensão está mesmo alcançada pela prescrição.
7. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para extinguir o
feito com julgamento de mérito (art. 269, inciso IV, do CPC), reconhecendo a
prescrição.
A cargo do autor, custas processuais e honorários advocatícios, estes ora
fi xados em R$ 1.000,00 (mil reais), observados os benefícios da Lei n. 1.060/50.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 1.063.661-RS (2008/0122820-1)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: Lautemir Pereira da Rocha e outro
Advogado: Diogo Ortigara Girardi e outro(s)
Recorrido: Rio Grande Energia S/A e outro
Advogado: Giovanni Burtet e outro(s)
Recorrido: Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica CEEED
Advogado: Dario Jr da Motta Germano e outro(s)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 251
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. REDE DE
ELETRIFICAÇÃO RURAL. COBRANÇA DOS VALORES
APORTADOS. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA, NA VIGÊNCIA
DO CC/16, E QUINQUENAL, NA VIGÊNCIA DO CC/02,
RESPEITADA A REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028/
CC02.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: prescreve em 20 (vinte)
anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos,
na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança
dos valores aportados para a construção de rede de eletrificação
rural, posteriormente incorporada ao patrimônio da CEEE/RGE,
respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil
de 2002.
2. Recurso especial provido para afastar a prescrição decretada e
determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo.
ACÓRDÃO
A Seção, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe deu provimento,
para afastar a prescrição decretada e determinar o retorno dos autos ao
Tribunal “a quo”, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), Paulo Furtado
(Desembargador convocado do TJ/BA), Honildo Amaral de Mello Castro
(Desembargador convocado do TJ/AP), Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho
Junior, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Sidnei Beneti votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Sustentou oralmente a Dra. Isabela Braga Pompilio, pela recorrida: Rio
Grande Energia S/A
Brasília (DF), 24 de fevereiro de 2010 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 8.3.2010
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
252
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Lautemir Pereira da Rocha e
Hermes Menezes Fagundes ajuizaram ação de cobrança em face de RGE -
Rio Grande Energia - e CEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica
-, visando restituição de valores despendidos para construção de rede de
eletrifi cação rural. Informaram que, após concluída a obra, esta foi incorporada
ao patrimônio da RGE, ocasião em que foi fi rmado contrato entre os autores e a
RGE, em que esta se obrigou a restituir, após o decurso do prazo de quatro anos,
as quantias investidas pelo seu valor histórico. Diante da inércia dos réus em
cumprir o contrato, requereram os autores a restituição dos valores, corrigidos
monetariamente pelo IGPM.
O Juízo de Direito da 2ª Vara Cível da comarca de “Frederico Westphalen”,
reconhecendo a prescrição trienal, julgou extinto o processo, com resolução de
mérito, nos termos do artigo 269, IV, do Código de Processo Civil.
Em grau de apelação, a sentença foi mantida, por maioria de votos, pela
Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul,
por acórdão assim ementado:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. REDE DE ELETRIFICAÇÃO RURAL.
PRESCRIÇÃO.
1. Investimento, pelo usuário, em rede de eletrifi cação rural. O termo inicial da
prescrição, no caso concreto, é a partir de quatro anos da data da conclusão da
obra, momento em que a dívida se tornou exigível. No caso, iniciou-se o prazo de
prescrição em 16.10.2001, que, segundo a regra do artigo 177 do CC/1916, que
tratava das ações pessoais, era de vinte anos.
2. Regra de transição do art. 2.028 CC/2002. Diante disso, considerando que
não havia transcorrido mais de metade do prazo vintenário quando da entrada
em vigor do CC/2002, aplica-se, o prazo estabelecido pela lei nova, cujo termo
inicial, por óbvio, é a data de sua entrada em vigor (11.01.2003).
3. Trata-se da hipótese do artigo 206, § 3º, IV, do CC/2002, qual seja, pretensão
de ressarcimento de enriquecimento sem causa, com prazo de três anos.
Com efeito, busca a parte demandante o ressarcimento do valor investido na
implementação de rede de eletrificação em área rural, acrescidos de juros e
correção monetária, sob pena de enriquecimento sem causa da concessionária de
serviço público, que, além de não ter despendido valores na construção da rede,
acrescentou-a a seu patrimônio.
4. Destarte, sendo o prazo de três anos e tendo iniciado em 11.01.2003 – data
da entrada em vigor do Código Civil de 2002 -, encontrou seu termo fi nal em
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 253
11.01.2006. Daí que a presente demanda, aforada em 18.01.2007, estava prescrita
desde 11.01.2006.
APELO IMPROVIDO. POR MAIORIA. (fl s. 228).”
Sobreveio, assim, recurso especial, fundado na alínea “a” do permissivo
constitucional, no qual se alega ofensa aos artigos 205 e 206, § 3º, IV, do Código
Civil, ao argumento de que incide na hipótese a prescrição decenal, ao invés da
trienal, como entendeu o acórdão recorrido.
Diante da notória multiplicidade de recursos a versar matéria idêntica,
afetei o julgamento do presente a esta E. Segunda Seção, nos termos do art.
543-C do CPC (fl . 272).
Agacir Antônio Zotti e outras dezesseis pessoas, que são partes nas Rcl.
n. 3.683 e outras, que tramitam no âmbito desta Segunda Seção, apresentaram
manifestação, arguindo interesse no feito, nos termos do art. 543-C do CPC e
art. 3º, inciso I, da Resolução n. 08/2008 do STJ. (fl s. 313/337)
O Ministério Público Federal, mediante parecer subscrito pelo ilustre
Subprocurador-Geral da República Antônio Carlos Pessoa Lins, opina pela
incidência do prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 206, § 5º, inciso
I, do Código Civil, e, no caso concreto, pelo não-conhecimento do recurso, por
incidência da Súmula n. 207/STJ, diante da não-manifestação de embargos
infringentes na origem. (fl s. 376/384)
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. Primeiramente, a
preliminar arguida pelo Ministério Público Federal, segundo a qual o recurso
especial encontraria óbice na Súmula n. 207/STJ, data venia, não procede.
Nos termos do art. 530 do CPC, com redação conferida pela Lei n.
10.352, de 2001, “cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime
houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado
procedente ação rescisória” (grifo nosso).
Ocorre que no caso ora examinado, muito embora o julgamento em grau
de apelação tenha se dado por maioria de votos, a sentença foi mantida, razão
pela qual se mostravam mesmo incabíveis os embargos infringentes. Nesse
sentido: REsp 696.343/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 05/12/2006, DJ 12/02/2007 p. 258.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
254
Preliminar rejeitada.
3. A hipótese dos autos diz respeito ao prazo prescricional aplicável à
pretensão de restituição dos valores antecipados pelos autores às sociedades
recorridas para construção de redes elétricas em área rural.
O Juízo de primeiro grau acolheu a incidência do prazo prescricional
previsto no artigo 206, § 3º, IV, do Código Civil, em entendimento ratifi cado
pelo Tribunal de origem, ao argumento de que “a pretensão está fundamentada
essencialmente no enriquecimento sem causa das rés, pois, ao não restituir
os valores pagos pelos autores, cumprindo com sua obrigação contratual,
locupletaram-se ilicitamente à expensas daqueles.”
3.1. Esta Corte já apreciou controvérsia surgida quando ainda vigente o
Código Civil de 1.916, assentando a incidência da prescrição vintenária.
Confi ram-se precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL. CEEE. EXTENSÃO DE REDE ELÉTRICA. FINANCIAMENTO
PELO CONSUMIDOR. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. A prescrição qüinqüenal não atinge as sociedades de economia mista
concessionárias de serviço público. A prescrição, in casu, é vintenária.
2. Constitui disposição leonina a cláusula de contrato de adesão que dispõe
sobre a restituição, sem correção monetária, do valor fi nanciado para construção
de rede de eletrifi cação rural. Ademais, a correção monetária não é um plus, mas
mero fator de atualização do valor da moeda.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 548.036/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA,
julgado em 12.12.2005, DJ 27.03.2006 p. 277).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO.
CONSTRUÇÃO DE REDE ELÉTRICA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESCRIÇÃO
VINTENÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. SIGNATÁRIA DO PACTO. REVISÃO. REEXAME
DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. VIOLAÇÃO
AO ATO JURÍDICO PERFEITO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
I. É vintenário o prazo prescricional para as ações movidas contra a sociedade
de economia mista, concessionária de serviço público.
Precedentes.
II. A decisão agravada, ao reconhecer a legitimidade da CEEE, o fez com base
nos elementos de convicção dos autos. A análise da irresignação demandaria
reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado em
recurso especial, nos termos da Súmula 07/STJ.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 255
III. O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto
do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência
inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial,
impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Não
examinada a matéria objeto do especial pela instância a quo, mesmo com a
oposição dos embargos de declaração, incide o enunciado 211 da Súmula do
Superior Tribunal de Justiça.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 1.013.437/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 07.08.2008, DJe 28.08.2008)
3.2. Na vigência do atual Código, o caso subsume-se ao art. 206, § 5º,
inciso I, que prevê prazo quinquenal e está assim redigido:
Art. 206. Prescreve:
(...)
§ 5º Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento
público ou particular;
Esse tem sido o entendimento desta E. Segunda Seção - com a ressalva do
meu ponto de vista fi rmado em voto-vista proferido no REsp 1.053.007/RS -
conforme se dessume do excerto do voto proferido pelo e. Ministro João Otávio
de Noronha, no acórdão paradigma sobre o tema:
“Em caso como tais, que envolvem dívidas líquidas documentadas, em que a
obrigação é certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto, o Novo
Código Civil estabeleceu especifi camente que a prescrição aplicável à pretensão
do respectivo titular ocorre no prazo de cinco anos, a partir do vencimento
da obrigação, consoante prevê o artigo 206, § 5º, inciso I.” (REsp 1.053.007/RS,
SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27.05.2009)
A ementa desse julgado é a seguinte:
AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REDE DE ENERGIA
ELÉTRICA. FINANCIAMENTO E ADIANTAMENTO DE OBRAS DE ELETRIFICAÇÃO.
INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO TRIENAL OU DECENAL DO ARTIGO 205 DO
NOVO CÓDIGO CIVIL CORRESPONDENTE AO ARTIGO 177 DO CÓDIGO CIVIL DE
1916. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. ARTIGO 206, § 5º, INCISO I.
1. O prazo prescricional das ações de cobrança de dívida líquida constante
em instrumento público ou particular de natureza pessoal é qüinqüenal,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
256
enquadrando-se na regra específi ca do inciso I, parágrafo 5º, do artigo 206 do
Novo Código Civil.
2. Recurso especial não-conhecido.
(REsp 1.053.007/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 09/12/2009)
E nessa toada vem seguindo o entendimento das turmas integrantes da
Segunda Seção, conforme se comprova dos inúmeros precedentes:
CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDE
DE ENERGIA ELÉTRICA. FINANCIAMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA. LEGITIMIDADE
PASSIVA. CISÃO. CLÁUSULAS. REVOLVIMENTO. SÚMULA N. 5/STJ. PRESCRIÇÃO.
VINTENÁRIA. ARTIGO 177, DO CC/1916. QUINQUENAL NA VIGÊNCIA DO ART. 206,
§ 5º, I, DO CC/2002.
(...)
II. Acerca da prescrição durante a incidência do Código Civil de 1916, pacifi cou-
se no STJ a orientação no sentido de ser aplicável o prazo prescricional vintenário
nas hipóteses de ações pessoais movidas contra sociedades de economia mista
concessionárias de serviço público (AgRg no Ag 500.695/RS, 3ª Turma, Rel. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito, DJU de 3.5.2004; AgRg no Ag 545.205/RS, 4ª
Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU de 29.3.2004 e AgRg no Ag 476.643/
RS, 3ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU de 15.12.2003). Já na vigência do
Código Civil de 2002, esta Corte considerou quinquenal o prazo para a ação
de cobrança em debate, com fundamento no art. 206, § 5º, I (2ª Seção, REsp n.
1.053.007-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 12.08.2009).
III. Agravo desprovido.
(AgRg no Ag 1.120.842/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 23/11/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO.
CONSTRUÇÃO DE REDE ELÉTRICA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA.
PRESCRIÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. REVISÃO. REEXAME DE PROVAS E
CLÁUSULAS CONTRATUAIS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. DECISÃO
AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO.
I. É vintenário o prazo prescricional para as ações movidas contra a sociedade
de economia mista, concessionária de serviço público, na vigência do CC/1916.
Precedentes. Com o advento do CC/2002, o prazo prescricional aplicável ao caso
é de cinco anos.
(...)
(AgRg no Ag 1.158.381/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 25/08/2009, DJe 11/09/2009)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 257
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INSTALAÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO
RURAL. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESCRIÇÃO. TRANSIÇÃO DO ART.
2.028 do CC. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS NS. 5 E 7/STJ. REVISÃO DE PROVAS
E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. RECURSO MANIFESTAMENTE
IMPROCEDENTE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 557 § 2º, CPC.
(...)
2. Nas dívidas líquidas documentadas, em que a obrigação é certa quanto
à existência e determinada quanto ao objeto, o Novo Código Civil estabeleceu
especificamente que a prescrição aplicável à pretensão do respectivo titular
ocorre no prazo de cinco anos, a partir do vencimento da obrigação, consoante
prevê o artigo 206, § 5º, inciso I, atendida a regra de transição do art. 2.028 do
atual Codex.
(...)
(AgRg no Ag 1.102.335/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA
TURMA, julgado em 06/08/2009, DJe 17/08/2009)
AGRAVO REGIMENTAL. (...)
O PRAZO PRESCRICIONAL PARA A RESTITUIÇÃO DE VALORES DESEMBOLSADO
PARA FINANCIAMENTO DE REDE DE ENERGIA ELÉTRICA, NA INCIDÊNCIA DO
CÓDIGO CIVIL DE 1916, É O VINTENÁRIO, E, NA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, É O
QÜINQÜENAL. AGRAVO IMPROVIDO.
(AgRg no Ag 949.811/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 17/11/2009, DJe 30/11/2009)
CIVIL. OBRIGAÇÕES. ESPÉCIES DE CONTRATOS. TURMA RECURSAL DE JUIZADO
ESPECIAL CÍVEL. RECLAMAÇÃO. CABIMENTO.
(...)
2. O entendimento adotado no Juizado Especial diverge da pacífi ca orientação
desta Eg. Corte de Justiça ao reconhecer que o prazo prescricional é de cinco
anos, como reconhecido em julgamento proferido pela Segunda Seção em
12.08.09, no REsp 1.053.007/RS, pacifi cando o entendimento de que nas ações
de cobrança objetivando a devolução de valores empregados na realização de
obras de expansão de rede de energia elétrica em área rural, por sua natureza
de obrigação contratual de empréstimo, ajustado em instrumento fi rmado pelas
partes, em que o prazo prescricional é de 05 (cinco) anos.
(...)
(Rcl 3.692/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
14/10/2009, DJe 03/11/2009)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
258
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMPANHIA ESTADUAL
DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE. IMPLEMENTAÇÃO DE REDE DE ELETRIFICAÇÃO
RURAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 05/STJ. PRESCRIÇÃO. PRAZO VINTENÁRIO.
INCIDÊNCIA DO CC/1916. OBSERVÂNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO DO ART. 2.028
DO CC/2002.
(...)
2. Quanto à prescrição, esta Corte Superior de Justiça assentou o entendimento
de que, nas ações de natureza pessoal propostas contra sociedade de economia
mista concessionária de serviço público, o prazo prescricional, na vigência do
Código Civil de 1916, era vintenário (art. 177 do CC/1916).
3. Com a entrada em vigor do Novo Codex, este Sodalício passou a entender
que o pactuado entre os litigantes (fi nanciamento da construção de rede elétrica)
seria uma obrigação contratual de empréstimo e, portanto, aplicável o lapso
quinquenal previsto no art. 206, § 5º, I, do CC/2002.
(...)
(AgRg no Ag 1.130.775/RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em
03/12/2009, DJe 02/02/2010)
4. Nesse passo, diante da jurisprudência tranquila fi rmada no âmbito
desta Seção de Direito Privado, a tese a ser fi rmada, para efeitos do art. 543-C
do CPC é a seguinte: prescreve em 20 (vinte) anos, na vigência do Código Civil
de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do Código Civil de 2002, a pretensão
de cobrança dos valores aportados para a construção de rede de eletrifi cação rural,
posteriormente incorporada ao patrimônio da CEEE/RGE, respeitada a regra de
transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.
5. No caso concreto, o Tribunal a quo reconheceu a prescrição por entender
aplicável à espécie o prazo trienal previsto no art. 206, § 3º, inciso IV, do CC/02,
contado este a partir da entrada em vigor do atual Diploma Civil (11.01.2003),
porquanto não escoado mais da metade do prazo antigo, nos termos do art.
2.028/CC.
Não obstante, tendo sido a ação ajuizada em 18.01.2007, é de ser afastada a
prescrição, porquanto aplicável o prazo quinquenal previsto art. 206, § 5º, inciso
I, contado a partir de 11.01.2003.
6. Diante do exposto, para efeitos do art. 543-C do CPC: prescreve em 20
(vinte) anos, na vigência do Código Civil de 1916, e em 5 (cinco) anos, na vigência do
Código Civil de 2002, a pretensão de cobrança dos valores aportados para a construção
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 231-259, novembro 2017 259
de rede de eletrifi cação rural, posteriormente incorporada ao patrimônio da CEEE/
RGE, respeitada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002.
No caso concreto, dou provimento ao recurso especial para, afastando a
prescrição decretada, determinar o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que
prossiga no julgamento das demais questões.
É como voto.
Súmula n. 548
SÚMULA N. 548
Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor
no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e
efetivo pagamento do débito.
Referências:
CDC, arts. 43, § 3º, e 73.
CPC, art. 543-C.
Precedentes:
(*)REsp 1.424.792-BA (2ª S, 10.09.2014 – DJe 24.09.2014) –
acórdão publicado na íntegra
REsp 292.045-RJ (3ª T, 27.08.2001 – DJ 08.10.2001)
AgRg no Ag 1.094.459-SP (3ª T, 19.05.2009 – DJe 1º.06.2009)
REsp 1.149.998-RS (3ª T, 07.08.2012 – DJe 15.08.2012)
AgRg no AREsp 230.431-RS (3ª T, 27.08.2013 – DJe 02.09.2013)
AgRg no REsp 1.047.121-RJ (3ª T, 25.06.2013 – DJe 03.02.2014)
REsp 994.638-AM (4ª T, 21.02.2008 – DJe 17.03.2008)
AgRg no Ag 1.285.971-SP (4ª T, 13.09.2011 – DJe 16.09.2011)
AgRg no Ag 1.373.920-SP (4ª T, 22.05.2012 – DJe 28.05.2012)
AgRg no AREsp 307.336-RS (4ª T, 22.10.2013 – DJe 25.11.2013)
AgRg no AREsp 415.022-SC (4ª T, 08.04.2014 – DJe 25.04.2014)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.424.792-BA (2013/0407532-6)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: TIM Nordeste S/A
Advogado: Humberto Graziano Valverde e outro(s)
Recorrido: Claudionor Mota Santos
Advogado: Maria Fátima Almeida de Queiroz e outro(s)
Interes.: Defensoria Pública da União - “Amicus Curiae”
Advogado: Defensoria Pública da União
Interes.: Federação Brasileira de Bancos FEBRABAN - “Amicus Curiae”
Advogados: Heloísa Scarpelli
Antonio Carlos de Toledo Negrao
Interes.: Confederacao Nacional do Comercio de Bens, Servicos e Turismo
- CNC - “Amicus Curiae”
Advogados: Dolimar Toledo Pimentel
Cácito Augusto Freitas Esteves
EMENTA
INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR EM
CADASTRO DE INADIMPLENTES. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. QUITAÇÃO DA
DÍVIDA. SOLICITAÇÃO DE RETIFICAÇÃO DO REGISTRO
ARQUIVADO EM BANCO DE DADOS DE ÓRGÃO
DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. INCUMBÊNCIA DO
CREDOR. PRAZO. À MÍNGUA DE DISCIPLINA LEGAL,
SERÁ SEMPRE RAZOÁVEL SE EFETUADO NO PRAZO
DE 5 (CINCO) DIAS ÚTEIS, A CONTAR DO DIA ÚTIL
SUBSEQUENTE À QUITAÇÃO DO DÉBITO.
1. Para fi ns do art. 543-C do Código de Processo Civil: “Diante
das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, mesmo
havendo regular inscrição do nome do devedor em cadastro de órgão
de proteção ao crédito, após o integral pagamento da dívida, incumbe
ao credor requerer a exclusão do registro desabonador, no prazo
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
266
de 5 (cinco) dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à
completa disponibilização do numerário necessário à quitação do
débito vencido”.
2. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, foi
aprovada a seguinte tese: “Diante das regras previstas no Código de Defesa
do Consumidor, mesmo havendo regular inscrição do nome do devedor em
cadastro de órgão de proteção ao crédito, após o integral pagamento da dívida,
incumbe ao credor requerer a exclusão do registro desabonador, no prazo de 5
dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à completa disponibilização
do numerário necessário à quitação do débito vencido”. Os Srs. Ministros Paulo
de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo
Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João
Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo.
Brasília (DF), 10 de setembro de 2014 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 24.9.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Claudionor Mota Santos ajuizou
“ação por dano moral” em face de Maxitel S.A., atualmente TIM Nordeste S.A.
Narra que rescindiu o contrato referente à linha de telefone celular de que era
titular. Expõe que, todavia, no mês seguinte - ocasião em que tentou efetuar
compra em uma loja de departamentos -, “foi surpreendido com a recusa de
seu cheque, sob a alegação de que seu nome constava do rol de devedores,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 267
lançado no Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) pela empresa demandada”.
Afi rma que imediatamente se dirigiu ao estabelecimento da ré, ocasião em que
foi informado que seu nome havia sido inscrito nos registro da instituição de
proteção ao crédito, por haver um saldo residual, que não havia sido quitado.
Informa que, na mesma ocasião, pagou todo o débito remanescente, “em
contrapartida, a funcionária que o atendeu comprometeu-se a providenciar
a baixa de seu nome no cadastro restritivo”, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.
Assegura que, não obstante o informado, seu nome permanecia constando nos
registros desabonadores. Aduz que se sentiu humilhado e que a negligência da
ré lhe ocasionou danos morais.
O Juízo da Primeira Vara de Defesa do Consumidor da Comarca de
Salvador julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para
condenar a ré ao pagamento da quantia equivalente a 40 salários mínimos, a
título de reparação por danos morais.
Interpôs a ré apelação para o Tribunal de Justiça da Bahia, que negou
provimento ao recurso.
A decisão tem a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. MANUTENÇÃO INDEVIDA EM
INSTITUIÇÕES RESTRITIVAS DE CRÉDITO APÓS A QUITAÇÃO DO DÉBITO.
OCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS. ABALO À HONRA E A REPUTAÇÃO.
PRECEDENTES DO STJ. INDENIZAÇÃO DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO
RAZOÁVEL. APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
Verifi ca-se dos autos que efetivamente o Apelado teve i seu nome negativado
no SPC em decorrência de um saldo residual com a empresa Ré, tendo sido
quitado em 11/12/1999. Embora efetuado o pagamento, não fora dado baixa na
negativação até 06/07/2000, o que embasa o alegado dano moral causado ao
Apelado.
Não se olvida na hipótese dos autos a regularidade da inscrição do nome
do Apelado no órgão de proteção ao crédito, todavia, injustificável a sua
permanência após a liquidação do débito, gerando o dever de indenizar como
tem decidido o Superior Tribunal de Justiça.
O direito à indenização por danos morais em caso de manutenção indevida da
inscrição em instituições restritivas de crédito, é presumido, independe da prova
objetiva no que concerne ao abalo á honra e a reputação do lesado, fazendo-se
desnecessária, pois a prova do prejuízo, que, repita-se, é presumido, uma vez que
o dano moral decorre da própria manutenção indevida do nome do autor no
cadastro da inadimplentes.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
268
Havendo nexo de causalidade entre o ato ilícito (manutenção indevida) e o
prejuízo moral sofrido pelo autor, inafastável a condenação do seu causador.
Quanto aos critérios para estabelecer o quantum, em processo indenizatório
por danos morais, o julgador deve pautar-se num juízo de razoabilidade entre o
fato e o dano, bem como, na situação social das partes, de forma que uma parte
seja compensada pela dor moral que sofreu, e a outra seja educada para evitar a
reincidência do ato indevido.
Diante disso, considero razoável o quantum determinado na sentença pelo
a quo no valor de R$ 18.600,00 (Dezoito mil e seiscentos reais) equivalente a 40
salários mínimos, valor sufi ciente para que não fi que impune o causador do dano
alicerçando-se no caráter punitivo para que este sofra uma reprimenda pelo ato
ilícito praticado, e para compensar o Apelado na recomposição do mal sofrido e
da dor moral suportada.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
Interpôs a ré recurso especial com fundamento no artigo 105, inciso III,
alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, sustentando divergência jurisprudencial
e violação aos arts. 188, 884, 927 e 944 do CC, 333 do CPC e 1º da Lei n.
6.205/1975.
Alega a recorrente que não houve culpa, pois agiu em exercício regular de
direito. Afi rma que a inclusão dos dados do consumidor inadimplente é o único
meio de que dispõe para reaver a contraprestação pelo serviço prestado.
Argumenta que o valor arbitrado pela Corte local - correspondente a 40
salários mínimos -, a título de compensação por danos morais, é exorbitante.
Sustenta que o recorrido não demonstrou ter sofrido dano e a
responsabilidade pela sua ocorrência, não sendo sufi ciente simplesmente alegar
os fatos, devendo o juiz certifi car a veracidade das afi rmações.
Pondera que é vedada a vinculação do salário mínimo a qualquer fi nalidade,
por isso não poderia ser condenada tomando-se por base a quantifi cação em
salários mínimos.
Em contrarrazões ao recurso especial, afi rma o recorrido que a prestação
jurisdicional contemplou “todas as nuances do caso”, inclusive no tocante ao
valor da condenação arbitrado, que é inferior ao teto dos juizados especiais,
ostentando o recurso caráter procrastinatório.
O recurso especial foi admitido. Verifi cando a multiplicidade de recursos
a versarem sobre a mesma controvérsia, submeti o feito à apreciação da egrégia
Segunda Seção, na forma do que preceitua o artigo 543-C do CPC. Com isso,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 269
determinei a ciência e facultei a manifestação no prazo de 15 (quinze) dias (art.
3º, I, da Resolução n. 8/2008) ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
- Idec, à Federação Brasileira de Bancos - Febraban, à Confederação Nacional
do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC e à Defensoria Pública da
União.
A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo -
CNC, como amicus curiae, opina no seguinte sentido, in verbis:
[...] diante da inexistência de lei específi ca sobre a hipótese, em nosso modesto
entender, há de ser solucionada com a aplicação, por integração analógica, das
disposições do artigo 26 da Lei n. 9.492/97, que regulamenta a baixa do registro
de impontualidade nos cartórios de protestos de títulos de crédito, uma vez que
ambos, o protesto ou a negativação, possuem a mesma natureza e fi nalidade, ou
seja, evidenciam a mora e servem como instrumento para induzir o adimplemento
do crédito. Sobre a aplicação da analogia, a cátedra de Carlos Maximiliano:
[...]
Fixada a norma a ser aplicada à controvérsia, verifica-se que o referido
dispositivo normativo é claro em atribuir a qualquer “interessado” o cancelamento
do registro de protesto, de forma que possuir “interesse”, que no conceito de
Carnellutti é a “posição favorável à satisfação de uma necessidade” é requisito
básico ex vi lege para ter legitimidade de agir. Diz o caput do artigo 26 da Lei n.
9.492/97, verbis:
[...]
Ocorre que os credores, após o recebimento de seus créditos, não possuem
qualquer interesse, seja jurídico ou econômico no cancelamento do registro de
protesto realizado, ato cuja efi cácia para os credores se exauriu com o pagamento do
crédito, e como tal, não lhes traz qualquer efeito jurídico.
Assim, nos parece restar claro que para os credores há interesse jurídico
e econômico na efetivação do registro de protesto, instrumento hábil para a
cobrança de seus créditos, mas não há qualquer interesse no respectivo
cancelamento, ato cujos efeitos jurídicos só interessam aos devedores ou a
terceiros eventualmente interessados, tais como seus herdeiros, cônjuges, sócios
e etc., que são os legitimados a que se refere o caput do artigo 26 da Lei n.
9.492/97.
A Defensoria Pública da União, como amicus curiae, opina no seguinte
sentido, in verbis:
Em debate, neste processo afetado como paradigma na sistemática dos
Recursos Repetitivos, encontra-se a necessidade em se defi nir a responsabilidade
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
270
pela retifi cação das informações, relativas ao consumidor, constantes dos bancos
de dados de proteção ao crédito, após o devido pagamento pelo devedor.
Cabe destacar, inicialmente, que o mercado impõe verdadeira restrição ao
consumo, mediante prévia consulta à situação do devedor, limitando o crédito
somente aos consumidores que não possuem restrições no banco de dados de
proteção ao consumo.
Tal mecanismo se converteria, de fato, em célebre instituto para agilizar as
transações de mercado, não fosse a possibilidade de inscrição ou manutenção
indevida do devedor em tais sistemas, em sério detrimento à sua imagem e sua
honra.
Mostra-se, assim, imprescindível que tais registros expressem a real situação
creditícia do consumidor, não se admitindo quaisquer incorreções na base de
dados e informações de forma a promover injustiças quando da avaliação do
perfi l do consumidor cadastrado.
[...]
Resta clara a importância do estabelecimento de critérios e parâmetros para a
gestão dos registros de dados dos consumidores relativos à proteção ao crédito.
O próprio legislador, reconhecendo a relevância no que diz respeito à
fi dedignidade das informações dos bancos de dados, estabeleceu que fossem
atendidos determinados aspectos, de forma a não prejudicar os consumidores,
nos termos do art. 43, § 10’ do Código de Defesa do Consumidor:
[...]
Além de exercer o papel de informar os emprestadores acerca de quem já se
encontraria inadimplente com outras instituições ou fornecedores, os registros
negativos têm a função e forçar os devedores a manterem-se adimplentes.
[...]
Apesar de ainda não contar com lei específica, o tema encontra devido
respaldo em nosso Código de Defesa do Consumidor, gozando, ainda, do amparo
em dispositivos da Constituição Federal. No Código Civil, constam dispositivos
que subsidiam a defi nição da responsabilidade dos entes envolvidos na inclusão/
retifi cação das informações e na manutenção do banco de dados.
Trata-se, assim, da utilização do importante conceito chamado “diálogo das
fontes”, defendido por Eric Jayme, da Universidade de Heidelberg, quando ocorre
o desejável entrelaçamento e complementariedade entre as normas de regência,
sobrevindas em tempos diversos.
O texto da nossa Carta Magna protege os conceitos relacionados aos direitos
à imagem e à honra, assegurando, inclusive, o direito à indenização pelo dano
material ou moral.
Assim, no que se refere à inclusão ou manutenção indevida em bancos
de dados de proteção ao crédito, não há como negar a ameaça ao direito à
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 271
privacidade e à honra, visto que a disponibilização de dados e informações,
incorretas, dos devedores
[...]
Resta, assim, necessário que se imponha rigor quanto à decisões proferidas
pelo Poder Judiciário acerca da correção das informações dos devedores nos
bancos de dados de proteção ao crédito, a ser efetuada pelo credor ou pelo órgão
gestor da base de dados.
A Federação Brasileira de Bancos - Febraban, como amicus curiae, opina no
seguinte sentido, in verbis:
O tema já está pacifi cado nesse C. STJ quanto à responsabilidade do credor
pela baixa da restrição, na hipótese do devedor quitar seu débito após a inclusão
regular de seu nome nos cadastros restritivos de crédito. Ainda de acordo com
a tese consolidada, o termo a quo do prazo de 5 (cinco) dias, previsto no art. 43,
§ 3º, do CDC, para que o credor providencie esta baixa, é a data do ingresso do
numerário à esfera de disponibilidade do credor.
[...]
Desta forma, intimada a se manifestar, na qualidade de amicus curiae, a
FEBRABAN posiciona-se pela fi xação da tese repetitiva no sentido da jurisprudência
pacifi cada deste C. STJ, assentando ser do credor a responsabilidade pela baixa
da restrição quanto ao débito que deu origem à regular inscrição já tiver sido
regularmente quitado pelo devedor. Baixa esta que deverá ocorrer no prazo de 5
(cinco) dias (art. 43, § 3º, do CDC) a contar da data em que o numerário ingressou
na esfera de disponibilidade do credor.
Opina o Ministério Público Federal no seguinte sentido, in verbis:
Não merece prosperar a irresignação no tocante à alegação de violação ao art.
333, I do CPC e art. 188, I do CC, uma vez que competia à recorrente a retirada do
nome do recorrido do cadastro de proteção ao crédito após a regularização do
débito por parte do consumidor, consoante precedente do próprio STJ:
[...]
Demais disso, também não há que se falar em violação aos arts. 884, 927 e
944, § único do CC, e divergência jurisprudencial, não constituindo a condenação
em enriquecimento sem causa do recorrido, na medida em que os parâmetros
utilizados para a fixação do montante indenizatório foram adequados, não
confi gurando valor ínfi mo ou exorbitante (de sorte a atrair a necessidade de
eventual revisão).
[...]
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
272
Quanto à alegada violação ao art. 1° da Lei n. 6.205 de 1975, razão não assiste
à recorrente. De fato pela letra da lei e jurisprudência do STJ a utilização do salário
mínimo como parâmetro para a fi xação de valores indenizatórios não é possível.
No entanto, verifi ca-se do teor do acórdão impugnado (fl s. 183/188) que o
valor da indenização foi fi xado em moeda corrente (R$ 18.600,00).
Incensuráveis, portanto, os acórdãos recorridos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. A principal questão
controvertida consiste em saber se, em havendo regular inscrição do nome do
devedor em cadastro de órgão de proteção ao crédito, a quem incumbe excluir o
apontamento efetuado após a quitação do débito.
No caso, consta da moldura fática apurada pelas instâncias ordinárias que,
muito embora a recorrente tenha procedido à regular inscrição do nome do
autor da ação em órgão do sistema de proteção, após mais de 6 meses da efetiva
quitação do débito, ainda constava os dados do ora recorrido nos registros
desabonadores.
2.1. Não se pode menosprezar, à luz da realidade econômica e social,
a relevância dos cadastros de inadimplentes, que, a par de servir como um
legítimo instrumento de que se vale o credor para compelir o devedor a adimplir
a obrigação, propicia, de modo refl exo, dinamização das relações econômicas
e que um número maior de consumidores - que não estão em situação de
inadimplência - tenha acesso ao crédito, pois torna prescindível “o conhecimento
pessoal entre quem dá e quem recebe o crédito” (TOMAZETTE, Marlon.
Tílulos de crédito. São Paulo: Atlas, 2009. v. 2, p. 161).
Igualmente, propicia que terceiros de boa-fé se previnam de devedores
contumazes que constam nos registros dos sistemas de proteção ao crédito,
assim como não assumam riscos negociais que não estavam dispostos a incorrer.
Dessarte, o artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor
esclarece os objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo,
que busca compatibilizar a proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico, viabilizando os princípios nos quais se funda a
ordem econômica, resguardando o equilíbrio e a boa-fé.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 273
Nesse passo, leciona Sergio Cavalieri Filho que o contrato só cumpre a
sua função social com o adimplemento das obrigações convencionais, meio
pelo qual é obtida a circulação de riquezas e mantém-se a economia girando
(CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 3 ed. São
Paulo: Atlas, 2011, p. 115).
A doutrina anota:
Não existe concessão de crédito (pagamento parcelado do preço, pagamento
por cheque, fi nanciamento) sem que se tenham informações do consumidor de
modo a avaliar os riscos de futura inadimplência. Sob esta idéia, os bancos de
dados de proteção ao crédito surgiram no Brasil na década de 50 como resposta a
um sensível aumento das vendas a crédito.
[...]
Embora existam algumas variações entre as fontes - origem dos dados
coletados - e espécie de informações tratadas, pode-se afi rmar que a principal
fonte das informações que circulam nas entidades de proteção ao crédito são os
próprios fornecedores (comerciantes), que alimentam, diariamente, com milhares
de registros as bases de dados das entidades de proteção ao crédito.
[...]
O primeiro e mais evidente sinal de importância, tanto para o consumidor como
para o mercado, das atividades desenvolvidas pelos bancos de dados de proteção
ao crédito vem do próprio Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), o qual,
em lugar de proibir, aceita e disciplina os arquivos de consumo. Se relevantes não
fossem as atividades, em vez de reguladas pelo CDC, estariam simplesmente vedadas,
incluídas no rol das práticas abusivas indicados pelo art. 39 do CDC.
Essa importância está diretamente associada ao crédito como instrumento de
circulação de riquezas (bens e serviços). Afi nal, não se concede crédito a ninguém se
não houver um mínimo de conhecimento a respeito do tomador de empréstimo,
de modo a avaliar os riscos de inadimplência. Em razão do anonimato da atual
sociedade de massa, as entidades de proteção ao crédito exercem o papel de
mitigar a ausência de conhecimento entre fornecedor e consumidor, permitindo,
de modo ágil, a concessão de crédito ao adquirente fi nal de produtos e serviços.
Além de diminuir o desconhecimento em relação ao consumidor e permitir
maior agilidade na concessão de empréstimos, a importância dos bancos de
dados de proteção ao crédito está, inexoravelmente, vinculada ao valor que o
crédito possui para todo o sistema econômico, especialmente para aqueles fundados
na livre iniciativa, como é o caso brasileiro (art. 170, caput, da CF).
A relevância do crédito, para todos os agentes da atividade econômica
(indústria, agricultura, comércio etc.) e para o consumidor fi nal, é fácil de ser
percebida. Em regra, o início de qualquer atividade econômica depende da
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
274
obtenção de crédito. O investimento, a ampliação da empresa, a modernização de
seus recursos dependem também da obtenção de crédito.
[...]
De outro lado, muitos consumidores só podem adquirir uma grande variedade de
bens e serviços essenciais a uma existência digna em razão do parcelamento do preço
ou de seu pagamento futuro.
Justamente pelas razões apontadas é que tanto a jurisprudência como a
doutrina reconhecem e afirmam a relevância do papel desempenhado no
mercado pelos bancos de dados de proteção ao crédito. (BENJAMIN, Antônio
Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito
do consumidor. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 243-247)
2.2. Dessarte, os sistemas de proteção ao crédito são uma inexorável
realidade em nível mundial. No Brasil, o Código de Defesa Consumidor, em
normas de caráter cogente, disciplina essas atividades, estabelecendo o art. 43,
§ 4º, do mencionado Diploma que os bancos de dados e cadastros relativos a
consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados
entidades de caráter público.
Por isso mesmo, data venia, inadequada a tese suscitada, como amicus
curiae, pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo
- CNC, acerca da possibilidade de aplicação, por analogia, das disposições do
artigo 26 da Lei n. 9.492/1997, que disciplina o cancelamento do protesto.
O próprio artigo 2º da Lei de Protestos estabelece que os serviços
concernentes ao protesto fi cam sujeitos ao regime próprio, estabelecido na
referida Lei.
Com efeito, na consagrada doutrina de Carlos Maximiliano, as disposições
excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, mas
reduz-se à hipótese expressa, por isso, ainda que se paire dúvida - o que não é o
caso -, deve-se seguir a regra geral:
272 - As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou
considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito
comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam
expressamente.
[...]
286 - Parece oportuna a generalização da regra exposta acerca de determinadas
espécies de preceitos, esclarecer como se entende e aplica uma norma excepcional.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 275
É de Direito estrito; reduz-se à hipótese expressa: na dúvida, segue-se a regra geral. Eis
porque se diz que a exceção confi rma a regra nos casos não excetuados.
287 - O processo de exegese das leis de tal natureza é sintetizado na parêmia
célebre, que seria imprudência eliminar sem maior exame - ‘interpretam-se
restritamente as disposições derrogatórias do Direito comum’. Não há efeito sem
causa: a predileção tradicional pelos brocardos provém da manifesta utilidade dos
mesmos. Constituem sínteses esclarecedoras, admiráveis súmulas de doutrinas
consolidadas. Os males que lhes atribuem são os de todas as regras concisas:
decorrem não do uso, e sim do abuso dos dizeres lacônicos. O exagero encontra-
se antes na defi ciência de cultura ou no temperamento do aplicador do que
no âmago do apotegma. Bem compreendido este, conciliados os seus termos
e a evolução do Direito, a letra antiga e as idéias modernas, ressaltará ainda a
vantagem atual desses comprimidos de idéias jurídicas, auxiliares da memória,
amparos do hermeneuta, fanais do julgador vacilante em um labirinto de regras
positivas.
Quanta dúvida resolve, num relâmpago, aquela síntese expressiva - interpretam-
se restritivamente as disposições derrogatórias do Direito comum!
Responde, em sentido negativo, à primeira interrogação: o Direito Excepcional
comporta o recurso à analogia? Ainda enfrenta, e com vantagem, a segunda: é
ele compatível com a exegese extensiva? Neste último caso, persiste o adágio
em amparar a recusa; acompanham-no reputados mestres; outros divergem,
porém mais na aparência do que na realidade: esboçam um sim acompanhado
de reservas que o aproximam do não. Quando se pronunciam pelo efeito
extensivo, fazem-no com o intuito de excluir o restritivo, tomado este na acepção
tradicional. Timbram em evitar que se aplique menos do que a norma admite; porém
não pretendem o oposto - ir além do que o texto prescreve. O seu intento é tirar da
regra tudo o que na mesma se contém, nem mais, nem menos. Essa interpretação
bastante se aproxima da que os clássicos apelidavam declarativa; denomina-se
estrita: busca o sentido exato; não dilata, nem restringe.
Com as reservas expostas, a parêmia terá sempre cabimento e utilidade. Se fora
lícito retocar a forma tradicional, substituir-se-ia apenas o advérbio: ao invés de
restritiva, estritamente. Se prevalecer o escrúpulo em emendar adágios, de leve
sequer, bastará que se entenda a letra de outrora de acordo com as idéias de
hoje: o brocardo sintetiza o dever de aplicar o conceito excepcional só à espécie
que ele exprime, nada acrescido, nem suprimido ao que a norma encerra, observada
a mesma, portanto, em toda a sua plenitude. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica
e aplicação do direito. 20 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011, p. 69, 184, 191
e 192)
Essa dualidade de tratamento entre o protesto e o cadastro restritivo de
crédito é bem explicitada no seguinte precedente de relatoria do Ministro Aldir
Passarinho Junior:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
276
I. O protesto do título constitui medida necessária à cobrança judicial da dívida
representada pela cártula, de sorte que exercitado regularmente tal direito pelo
credor, cabe ao devedor, e não àquele, após o pagamento, providenciar a baixa
respectiva.
Precedentes do STJ.
II. De outro lado, a responsabilidade pela baixa do nome do devedor no banco
de dados após a quitação pertence ao credor, porém somente quando tenha sido
dele a iniciativa da inscrição.
[...]
(REsp 880.199/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA,
julgado em 25/09/2007, DJ 12/11/2007, p. 228 RDDP vol. 58, p. 98 RT vol. 870, p.
194)
Como consignado pelo Ministro Aldir Passarinho Junior no REsp
994.638/AM, é bem de ver que “a negativação funciona, essencialmente, como
meio de coação”.
Nessa linha de intelecção, não se ignora que os sistemas de proteção ao
crédito - como o SPC, em que fora incluído o nome do recorrido na respectiva
base de dados - também se valem da coleta espontânea de informação em banco
de dado público, pertencente ao cartório de protesto para “negativar” o nome dos
devedores, mas é uma consequência refl exa, pois o protesto contempla espectro
mais amplo de efeitos bastante relevantes para o credor, pois, v.g., faz prova
da falta de pagamento, devolução ou aceite do título, é necessário ao pedido
de falência por impontualidade injustifi cada, comprova a mora em contrato
de alienação fi duciária em garantia e, na vigência do CC/2002 (art. 202, III),
interrompe a prescrição para a execução cambial, tanto no que diz respeito ao
devedor principal quanto a coobrigados.
Outrossim, é bem de ver que o protesto é instrumento que tem o condão
legal de, ordinariamente, propiciar a solução de litígios, pois, a teor do art. 19 da
Lei n. 9.492/1997, cabe também ao tabelião o recebimento do crédito devido,
acrescido dos emolumentos e demais despesas, sendo igualmente dever do
delegatário do serviço público dar a respectiva quitação.
Ademais, o art. 2º do mesmo Diploma esclarece que os serviços
concernentes ao protesto são garantidores da autenticidade, segurança e efi cácia
dos atos jurídicos.
Como não se trata de situação em que exista lacuna na legislação, nos
termos dos artigos 126 do Código de Processo Civil e 4º da Lei de Introdução
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 277
às Normas do Direito Brasileiro, não está o magistrado autorizado a solucionar
o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
3. A jurisprudência consolidada do STJ perfi lha o entendimento de que,
quando se trata de inscrição em bancos de dados restritivos de crédito (Serasa,
SPC, dentre outros), tem-se entendido ser do credor, e não do devedor, o ônus
da baixa da indicação do nome do consumidor, em virtude do que dispõe o art.
43, § 3º, combinado com o art. 73, ambos do CDC.
A propósito, este último, pertencente às diposições penais, tipifi ca como
crime a não correção imediata de informações inexatas acerca de consumidores
constantes em bancos de dados.
Os mencionados artigos estão assim redigidos:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às
informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de
consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
[...]
§ 3º O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e
cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo
de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das
informações incorretas.
Art. 73. Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor
constante de cadastro, banco de dados, fi chas ou registros que sabe ou deveria
saber ser inexata:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.
As normas previstas no CDC, as quais, por expressa disposição legal,
são “de ordem pública e interesse social”, conferem densidade normativa e
efi cácia ao desígnio constitucional de erigir a defesa do consumidor a direito
fundamental da pessoa (art. 5º, inciso XXXII, CF/1988).
No caso, o consumidor pode “exigir” a “imediata correção” de informações
inexatas - não cabendo a ele, portanto, proceder a tal correção (art. 43, § 3º)
-, constituindo crime “deixar de corrigir imediatamente informação sobre
consumidor constante de cadastro, banco de dados, fi chas ou registros que sabe
ou deveria saber ser inexata” (art. 73).
A ratio da norma prevista no § 3º do art. 43 funda-se no direito do
consumidor a informações precisas a seu respeito constantes em “cadastros,
fi chas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados” (art. 43).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
278
A propósito, confi ra-se o magistério de Antônio Herman V. Benjamin
acerca da amplitude da norma em exame:
Em estrito rigor terminológico, a expressão arquivo de consumo é gênero
do qual fazem parte duas grandes famílias de registro: o bancos de dados e os
cadastros de consumidores, denominação dobrada utilizada pela Seção VI, do
Capítulo V (“Das Práticas Comerciais”), do CDC, que alguns preferem chamar,
simplesmente, de “cadastros de inadimplentes”.
Conforme já referiu o min. Dias Trindade, o art. 43 protege o consumidor
em relação a “informações que existam sobre ele em ‘cadastros, fi chas, registros
e dados pessoais e de consumo arquivados’, o que encerra uma abrangência
da maior amplitude, sendo de dizer que tais informações poderão encontrar-se
registradas de outras quaisquer maneiras, além das indicadas, que não constitui
enumeração fechada, como é óbvio”.
No mesmo sentido, confi rma Fábio Ulhoa Coelho que a disciplina do CDC
“se aplica a qualquer armazenamento de informações, informatizado ou não,
precário ou altamente organizado. O pequeno fornecedor que mantém uma
agenda com dados de sua clientela deve, tanto quanto o grande empresário,
observar o conjunto de regras defi nidas em defesa do consumidor (BENJAMIN,
Atonio Herman V. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover [et al.]. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2007, p. 431).
Também colho, como reforço de argumentação, a doutrina consumerista
acerca do art. 73 do CDC:
A infração penal capitulada pelo art. 73 do CDC reflete a importância do
atributo da veracidade das informações (art. 43, § 1º) que circulam tanto
em bancos de dados como nos cadastros de consumo. Cuida-se de atributo
fundamental. A informação falsa ou inexata simplesmente enseja tratamento
discriminatório do consumidor e não serve, nos casos dos serviços de proteção ao
crédito, para avaliar corretamente a solvência da pessoa interessada na obtenção
do crédito.
Atendidos os pressupostos indicados pelo art. 43 do CDC, admite-
se o tratamento (coleta, armazenamento e, em alguns casos, veiculação) de
informações pessoais de consumidores. Um desses pressupostos é justamente
a veracidade da informação. É bastante corriqueira a mudança da qualidade da
informação de verdadeira para falsa. O principal exemplo nesta área decorre, sem
dúvida, do pagamento de dívidas inscritas em bancos de dados de proteção ao
crédito e a posterior manutenção do registro negativo do consumidor. (BESSA,
Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. Antônio Herman V. Benjamin
[et al.]. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 373).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 279
O entendimento, pacífi co na jurisprudência do STJ, de caber ao credor
a baixa da anotação em cadastros de restrição ao crédito é encontrado, dentre
muitos outros, nos seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE
CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NO SERASA. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
MANUTENÇÃO DO NOME NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. ÔNUS DO BANCO
(CREDOR) EM CANCELAR O REGISTRO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais,
apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro
indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo
sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido.
Agravo Regimental improvido
(AgRg no Ag 1.094.459/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)
CIVIL. PROCESSUAL. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. INSCRIÇÃO NO SPC. MANUTENÇÃO DO NOME DA DEVEDORA POR
LONGO PERÍODO APÓS A QUITAÇÃO DA DÍVIDA. DANO MORAL CARACTERIZADO.
PARÂMETRO. CDC, ART. 73.
[...]
II. Cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de
proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido
o pagamento da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o
cancelamento do registro negativo do devedor, sob pena de gerarem, por
omissão, lesão moral passível de indenização.
III. Ressarcimento, contudo, reduzido em valor proporcional ao dano, evitando
enriquecimento sem causa.
IV. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
(REsp 511.921/MT, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA,
julgado em 09/03/2004, DJ 12/04/2004, p. 213)
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO NO SERASA. MANUTENÇÃO INDEVIDA.
A inscrição em cadastro de inadimplentes, caso mantida por período razoável
após a quitação do débito, gera direito à reparação por dano moral. Precedentes
do STJ.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 899.883/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado
em 27/03/2007, DJ 28/05/2007, p. 367)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
280
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. DECISÃO QUE OBSTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
RESSARCIMENTO DE DANO MORAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO.
CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. ATRASO DE PAGAMENTO DE
SALÁRIOS. REGISTRO INDEVIDO DO NOME DA DEVEDORA EM CADASTRO DE
INADIMPLENTES. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA. MANUTENÇÃO
DO NOME APÓS O PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. ABUSO CONFIGURADO.
INDENIZAÇÃO DEVIDA. CULPA E NEXO CAUSAL. VERIFICAÇÃO. SÚMULA 7 DO
STJ. VALOR. FIXAÇÃO EM NÍVEL ABUSIVO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PARA
CASOS SEMELHANTES. RAZOABILIDADE. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE.
I. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”
(Súmula 7 do STJ).
II. Constitui obrigação do credor providenciar, perante o órgão cadastral de
dados, a baixa do nome do devedor, após a quitação da dívida que motivou a
inscrição, sob pena de, assim não procedendo em tempo razoável, responder pelo
ato moralmente lesivo, indenizando o prejudicado pelos danos morais causados.
III. Entendido pelo tribunal a quo que o banco agravado teve responsabilidade
na confi guração do dano indenizável, tal circunstância fática não tem como ser
reavaliada em sede de recurso especial, ao teor da Súmula 7 do STJ.
IV. Ressarcimento que deve ser proporcional à lesão, evitando enriquecimento
sem causa.
V. Recurso especial parcialmente provido para redução do valor indenizatório.
VI. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 1.278.506/PE, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA
TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 28/10/2010)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE
CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO NO SERASA. CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO.
MANUTENÇÃO DO NOME NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. ÔNUS DO BANCO
(CREDOR) EM CANCELAR O REGISTRO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais,
apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro
indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo
sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido.
Agravo Regimental improvido
(AgRg no Ag 1.094.459/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 19/05/2009, DJe 01/06/2009)
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PROTESTO
INDEVIDO DE TÍTULO QUITADO. DEVER DE INDENIZAR VERIFICADO NAS
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 281
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA
DESTA CORTE. REDUÇÃO DO VALOR. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA
PROPORCIONALIDADE. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NA EXTENSÃO,
PROVIDO.
1. O Tribunal a quo, ao reconhecer o dever de indenizar, confi rmou a conduta
ilícita do ora agravante e fi xou o respectivo valor a título de indenização por
danos morais, procedendo com amparo nos elementos de convicção trazidos aos
autos. Incidência do enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
2. É fi rme o entendimento deste Sodalício no sentido de que “cabe às entidades
credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção ao crédito mantê-
los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento da dívida, devem
providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do registro negativo do
devedor, sob pena de gerarem por omissão, lesão moral, passível de indenização”
(REsp 473.970/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 09.10.2006; REsp 299.456/SE,
Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ. 02.06.2003; REsp 437.234/PB, Rel. Min.
NANCY ANDRIGHI, DJ 29.09.2003; REsp 292.045/RJ, Rel. Min. CARLOS ALBERTO
MENEZES DIREITO, DJ 08.10.2001).
3. O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça é fi rme no sentido de
que evidente exagero ou manifesta irrisão na fi xação, pelas instâncias ordinárias,
viola os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo possível, assim,
a revisão da aludida quantifi cação.
4. Recurso conhecido em parte e, na extensão, provido.
(REsp 879.475/TO, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA,
julgado em 15/05/2007, DJ 04/06/2007, p. 371)
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO NO SERASA. MANUTENÇÃO INDEVIDA.
A inscrição em cadastro de inadimplentes, caso mantida por período razoável
após a quitação do débito, gera direito à reparação por dano moral. Precedentes
do STJ.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 899.883/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado
em 27/03/2007, DJ 28/05/2007, p. 367)
Dano moral. Cadastro negativo. Art. 73 do Código de Defesa do Consumidor.
1. Não tem força a argumentação que pretende impor ao devedor que
quita a sua dívida o dever de solicitar seja cancelado o cadastro negativo. O
dispositivo do Código de Defesa do Consumidor confi gura como prática infrativa
“Deixar de corrigir imediatamente informação sobre o consumidor constante
de cadastro, banco de dados, fi chas ou registros que sabe ou deveria saber ser
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
282
inexata”. Quitada a dívida, sabe o credor que não mais é exata a anotação que
providenciou, cabendo-lhe, imediatamente, cancelá-la.
2. A intervenção da Corte só tem cabimento para controlar o valor do dano
quando abusivo, exagerado, em desacordo com a realidade dos autos, o que não
ocorre no presente feito.
3. Não é protelatório o recurso de embargos quando tem o claro fito do
prequestionamento (Súmula n. 98 da Corte).
4. Recurso especial conhecido e provido, em parte.
(REsp 292.045/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 27/08/2001, DJ 08/10/2001, p. 213)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. MANUTENÇÃO DO NOME EM CADASTROS DE
INADIMPLENTES. OBRIGAÇÃO QUITADA. CANCELAMENTO DO REGISTRO
APÓS MAIS DE 30 DIAS DA QUITAÇÃO. APLICAÇÃO DO ART. 43, § 3º, DO CPC.
PRECEDENTES. DANOS MORAIS DEVIDOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO.
NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no AREsp 230.431/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 02/09/2013)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ARTIGO 544 DO CPC) - DEMANDA
POSTULANDO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS DECORRENTES DA
INDEVIDA INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NO CADASTRO
DE INADIMPLENTES APÓS A QUITAÇÃO DA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA.
INSURGÊNCIA DA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO.
1. A inscrição/manutenção indevida do nome do consumidor em cadastro de
inadimplentes constitui ato ilícito passível de indenização a título de dano moral.
Caracterização de dano in re ipsa. Precedentes. Aplicação da Súmula 83/STJ.
2. Pretensão voltada à redução da quantia fixada na Corte Estadual para
reparação do dano moral sofrido pelo consumidor (RS 10.000,00).
Inviabilidade de revisão pelo STJ, por não confi gurar condenação exorbitante.
Revela-se razoável o valor do dano moral fi xado em até 50 (cinquenta) salários
mínimos para os casos de inscrição inadvertida em cadastros de inadimplentes,
devolução indevida de cheques, protesto incabível e outras situações
assemelhadas.
3. O óbice insculpido na Súmula 83 do STJ não se restringe aos recursos
especiais interpostos com amparo na alínea “c” do permissivo constitucional,
sendo também aplicável aos reclamos fundados na alínea “a”, uma vez que a
expressão “divergência”, referida no citado verbete sumular, relaciona-se com a
interpretação de norma infraconstitucional.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 283
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp 322.079/PE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA,
julgado em 15/08/2013, DJe 28/08/2013)
4. Como fi ca claro da leitura das ementas dos precedentes citados, é nítido
que a jurisprudência do STJ tem sufragado três linhas de entendimento que,
a bem da verdade, não são antagônicas, e podem ser harmonizadas, sobretudo
porque diretamente relacionadas ao momento adequado no qual o credor deve
providenciar a baixa da negativação.
Nessa linha, foi realizado por esta Corte o estudo comparativo de
jurisprudência n. 105, publicado em 26 de setembro de 2012, que bem aborda as
diversas nuances, que, segundo entendo, podem ser harmonizadas.
Consoante esse estudo, que espelha os precedentes acima citados, os três
entendimentos são os seguintes, in verbis:
Entendimento 1: quitada a dívida, o credor providenciará a exclusão do nome
do devedor do cadastro de proteção ao crédito no prazo de cinco dias, contados
da data em que houver o pagamento efetivo.
Entendimento 2: quitada a dívida, o credor providenciará a exclusão do nome
do devedor do cadastro de proteção ao crédito de imediato.
Entendimento 3: quitada a dívida, o credor providenciará a exclusão do nome
do devedor do cadastro de proteção ao crédito em breve ou razoável espaço de
tempo.
Os entendimentos sufragados impõem ao credor, após a quitação da
dívida, providenciar a exclusão do nome do outrora devedor do cadastro de
órgão de proteção ao crédito.
À míngua de expressa disposição legal regulamentando o prazo para que
seja providenciada a supressão do nome do devedor do cadastro de inadimplentes
de entidade do sistema do proteção ao crédito, em decisão unânime e pioneira no
âmbito desta Corte perfi lhando o entendimento de número 1, a Terceira Turma,
em precedente da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, REsp 1.149.998/
RS, valendo-se da analogia - “conferindo maior certeza e segurança às relações
jurídicas derivadas da inclusão do nome de consumidores em cadastros de
proteção ao crédito” -, decidiu que, quitada a dívida pelo devedor, a exclusão do
seu nome deverá ser requerida pelo credor no prazo de 5 dias, contados da data
em que houver o pagamento efetivo, sendo certo que as quitações realizadas
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
284
mediante cheque, boleto bancário, transferência interbancária ou outro meio
sujeito a confi rmação dependerão do efetivo ingresso do numerário na esfera de
disponibilidade do credor.
A decisão tem a seguinte ementa:
CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. QUITAÇÃO
DA DÍVIDA. CANCELAMENTO DO REGISTRO. OBRIGAÇÃO DO CREDOR. PRAZO.
NEGLIGÊNCIA. DANO MORAL. PRESUNÇÃO.
1. Cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de
proteção ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o
pagamento da dívida, devem providenciar o cancelamento do registro negativo
do devedor. Precedentes.
2. Quitada a dívida pelo devedor, a exclusão do seu nome deverá ser requerida
pelo credor no prazo de 05 dias, contados da data em que houver o pagamento
efetivo, sendo certo que as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário,
transferência interbancária ou outro meio sujeito a confi rmação, dependerão do
efetivo ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.
3. Nada impede que as partes, atentas às peculiaridades de cada caso, estipulem
prazo diverso do ora estabelecido, desde que não se configure uma prorrogação
abusiva desse termo pelo fornecedor em detrimento do consumidor, sobretudo em se
tratando de contratos de adesão.
4. A inércia do credor em promover a atualização dos dados cadastrais,
apontando o pagamento, e consequentemente, o cancelamento do registro
indevido, gera o dever de indenizar, independentemente da prova do abalo
sofrido pelo autor, sob forma de dano presumido. Precedentes.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1.149.998/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 07/08/2012, DJe 15/08/2012)
Nesse mencionado precedente, Sua Excelência dispôs:
(i) Do responsável pela baixa.
Conforme já decidiu esta Turma, “a melhor interpretação do preceito contido
no § 3º do art. 43 do CDC constituí a de que, uma vez regularizada a situação de
inadimplência do consumidor, deverão ser imediatamente corrigidos os dados
constantes nos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de ofensa à própria
finalidade destas instituições, já que não se prestam a fornecer informações
inverídicas a quem delas necessite” (REsp 255.269/PR, 3ª Turma, Rel. Min.
Waldemar Zveiter, DJ de 16.04.2001).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 285
No julgamento do REsp 292.045/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes
Direito, DJ de 08.10.2001, esta Corte enfrentou expressamente o fundamento do
acórdão recorrido, assentando que “não tem força a argumentação que pretende
impor ao devedor que quita a sua dívida o dever de solicitar seja cancelado o
cadastro negativo (...). Quitada a dívida, sabe o credor que não mais é exata a
anotação que providenciou, cabendo-lhe, imediatamente, cancelá-la”.
Eu mesma já tive a oportunidade de relatar processo sobre o tema, tendo me
alinhado ao entendimento supra, afi rmando que “cumpre ao credor providenciar
o cancelamento da anotação negativa do nome do devedor em cadastro de
proteção ao crédito, quando quitada a dívida” (REsp 437.234/PB, 3ª Turma, DJ de
29.09.2003).
Também a 4ª Turma já se manifestou sobre essa questão, tendo decidido que
“cabe às entidades credoras que fazem uso dos serviços de cadastro de proteção
ao crédito mantê-los atualizados, de sorte que uma vez recebido o pagamento
da dívida, devem providenciar, em breve espaço de tempo, o cancelamento do
registro negativo do devedor, sob pena de gerarem, por omissão, lesão moral
passível de indenização” (REsp 299.456/SE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe
de 02.06.2003. No mesmo sentido: REsp 473.970/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge
Scartezzini, DJ de 09.10.2006).
Como se vê, constitui entendimento pacífi co nas Turmas que compõem a 2ª
Seção que incumbe à credora, após a quitação da dívida, o dever de providenciar
a retirada do nome do devedor dos cadastros de inadimplentes.
Induvidoso, portanto, que cabia à GVT ter procedido à baixa do nome do
recorrente nos registros do SPC.
(ii) Do prazo para se proceder à baixa.
Nesse aspecto, assume relevo a questão atinente ao prazo de que dispõe o
credor para adotar essa medida.
Embora seja possível identifi car precedentes desta Corte que abordam o tema
– alguns inclusive mencionados acima – nenhum deles estipula de forma concreta
qual seria esse termo, limitando-se a consignar vagamente que a providência há
de ser tomada “imediatamente” ou “em breve espaço de tempo”.
Imperioso, pois, que se defi na esse termo de maneira clara e objetiva, conferindo
maior certeza e segurança às relações jurídicas derivadas da inclusão do nome de
consumidores em cadastros de proteção ao crédito.
A estipulação vem em benefício não apenas do consumidor, que terá base
concreta para cobrar de forma legítima e efetiva a exclusão do seu nome dos referidos
cadastros, mas também do fornecedor, que poderá adequar seus procedimentos
internos de modo a viabilizar o cumprimento desse prazo.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
286
A solução, a meu ver, extrai-se, por analogia, do próprio art. 43, § 3º, do CDC, o
qual estabelece que “o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados
e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de
cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações
incorretas”.
Na hipótese de quitação da dívida pelo consumidor, vejo implícita a sua
expectativa de ver cancelado o registro negativo, bem como a ciência do credor,
após a confirmação do pagamento, de que deverá providenciar a respectiva
baixa, pois a anotação não mais refl ete a realidade.
Dessa forma, é razoável que o prazo de 05 dias do art. 43, § 3º, do CDC,
norteie também a retirada do nome do consumidor, pelo credor, dos cadastros
de proteção ao crédito, na hipótese de quitação da dívida. Evidentemente, o dies
a quo desse prazo será a data em que houver o pagamento efetivo, sendo certo
que as quitações realizadas mediante cheque, boleto bancário, transferência
interbancária ou outro meio sujeito a confirmação, dependerão do efetivo
ingresso do numerário na esfera de disponibilidade do credor.
Por outro lado, nada impede que as partes, atentas às peculiaridades de cada
caso, estipulem prazo diverso do ora estabelecido, desde que não se confi gure
uma prorrogação abusiva desse termo pelo fornecedor em detrimento do
consumidor, sobretudo em se tratando de contratos de adesão.
Na espécie, depreende-se dos autos que, transcorridos 12 dias da efetiva
quitação do débito, o nome do recorrente permanecia negativado, tanto que
este teve rejeitado pedido de obtenção de cartão de crédito junto a instituição
fi nanceira, justamente por seu nome constar dos registros do SPC.
Assim, verifica-se que, não obstante devidamente quitada a dívida pelo
recorrente, a GVT descumpriu o prazo considerado razoável – de 05 dias – para
exclusão do nome do devedor dos cadastros de proteção ao crédito.
De fato, é bem de ver que esse mencionado precedente admite exceções,
mas observa ser necessário, por razões de segurança jurídica, e também para
melhor resguardo aos interesses dos credores e devedores, a defi nição de um
parâmetro objetivo.
No caso, como não existe regramento legal específico, e os prazos
abrangendo situações específicas não estão devidamente amadurecidos/
discutidos na jurisprudência do STJ, entendo também, tal qual a Ministra
Nancy Andrighi, ser necessário o estabelecimento de um norte objetivo, que
também extraio do mesmo dispositivo (art. 43, § 3º, do CDC).
A respeito do art. 43, § 3º, do CDC, anota a doutrina especializada:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 287
Em relação ao prazo para a retifi cação, o § 3º do art. 43 do CDC determina
que o consumidor pode exigir a imediata correção da informação. O tipo penal,
descrito no art. 73, utiliza-se do advérbio imediatamente: a infração se caracteriza
ao de “deixar de corrigir imediatamente” informações incorretas. Tudo está a
demonstrar a especial importância do atributo da veracidade dos dados.
A correção imediata não quer signifi car que o arquivo de consumo não possa
dispor de período de tempo para investigar os fatos referentes à impugnação
apresentada pelo consumidor. O objetivo legal foi que, ao final das diligências
realizadas pela entidade arquivista, haja a imediata correção das informações ou
indeferimento da pretensão do consumidor.
O prazo máximo para que a entidade de proteção ao crédito conclua as
investigações oriundas do exercício do direito de retifi cação é de 10 dias, por
aplicação do § 1º do art. 4º da Lei 9.507/97 (Lei do Habeas Data).
Se a entidade de proteção ao crédito, ao fi nal das diligências de investigação,
acatar a impugnação do consumidor, corrigindo a informação, deverá, no prazo de
5 dias úteis, comunicar a alteração a terceiros que tenham recebido as informações
incorretas. (BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA,
Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2009, p. 267)
Ora, se até para os órgãos de sistema de proteção ao crédito, que exercem
a atividade de arquivamento de dados profi ssionalmente, o CDC considera
razoável o prazo de 5 dias úteis para, após a investigação dos fatos referentes à
impugnação apresentada pelo consumidor, comunicar a retifi cação a terceiros
que deles recebeu informações incorretas, evidentemente, esse mesmo prazo
sempre vai ser considerado razoável também para aquele que promove, em
exercício regular de direito, a verídica inclusão de dado de devedor em cadastro
de órgão de proteção ao crédito, para requerer a exclusão do nome do outrora
inadimplente do cadastro desabonador.
Igualmente, poderá haver situações em que, v.g., o pagamento do débito
foi efetuado sem que tenha sido dada a adequada e oportuna ciência ao credor
ou que, em vista das características peculiares da relação obrigacional, em
virtude do próprio inadimplemento, seja extremamente complexo aferir se
realmente houve a efetiva quitação da dívida - tudo a demonstrar a necessidade
do prudente exame do magistrado, que, na lacuna da lei, e em vista da ampla
possibilidade de variações fáticas e de nuances que se divisa, no meu entender,
não deve fi car vinculado a uma solução específi ca a abranger indistintamente
todos os casos.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
288
Por isso, à míngua de disciplina legal, acredito que essa solução tenha o
mérito de harmonizar as correntes jurisprudenciais constatadas no âmbito do
STJ e servir como parâmetro objetivo, notadamente para caracterizar a breve
supressão do nome do outrora devedor dos cadastros desabonadores.
5. De outra parte, consoante observado pelo Ministério Público Federal, o
valor arbitrado a título de compensação por danos morais foi fi xado em moeda
corrente, na quantia de R$ 18.600,00 (dezoito mil e seiscentos reais).
Com efeito, o que lei veda é a vinculação da compensação por danos
morais ou indenização ao salário mínimo como critério de correção monetária.
Confi ra-se:
RECURSO ESPECIAL. CURSO SUPERIOR DE FARMÁCIA. FALTA DE
RECONHECIMENTO PELO MEC. INDEFERIMENTO DA INSCRIÇÃO PELO CONSELHO
PROFISSIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO.
EXCLUDENTE DA CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. DESCABIMENTO NA ESPÉCIE.
LUCROS CESSANTES. EFETIVA DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. AUSÊNCIA.
AFASTAMENTO. DANO MORAL. FIXAÇÃO EM SALÁRIOS MÍNIMOS. POSSIBILIDADE.
MONTANTE. REDUÇÃO.
[...]
6. Inexiste veto à fi xação de indenização com base no salário mínimo. O que se
proibe é sua vinculação como critério de correção monetária. Precedentes.
[...]
8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1.232.773/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA
TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 03/04/2014)
Ademais, o montante não se mostra passível de revisão na via excepcional,
pois, consoante a fi rme jurisprudência do STJ, em sede de recurso especial, só
cabe revisão se for ínfi mo ou exorbitante:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO
REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL
- AÇÃO CONDENATÓRIA (INDENIZATÓRIA) - INSCRIÇÃO INDEVIDA - DECISÃO
MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL TÃO-SOMENTE
PARA AFASTAR A UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO COMO FATOR DE INDEXAÇÃO
DA VERBA COMPENSATÓRIA/INDENIZATÓRIA. INSURGÊNCIA DA RÉ.
1. Nos termos da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça,
a revisão de indenização por danos morais só é possível, em sede de recurso
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 261-290, novembro 2017 289
especial, quando o valor fixado nas instâncias ordinárias for exorbitante ou
ínfi mo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
2. Esta Corte já assentou o entendimento de ser razoável a condenação em
valor equivalente a até 50 (cinquenta) salários mínimos por indenização por
dano moral decorrente de inscrição indevida em órgãos de proteção ao crédito.
Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 1.320.810/SP, Rel. Ministro MARCO
BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 15/08/2014)
6. Quanto à demonstração do dano, como bem observado pelo Tribunal de
origem, a inscrição/manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de
inadimplente enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado à própria
existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos.
Note-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E
DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO
INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART.
543-C DO CPC (RESP 1.199.782/PR, DJe DE 12/09/2011). INSCRIÇÃO INDEVIDA
EM CADASTRO DE DEVEDORES INADIMPLENTES. DANO IN RE IPSA. QUANTUM
INDENIZATÓRIO. REVISÃO. ALEGAÇÃO DE VALOR EXCESSIVO. QUANTIA FIXADA
QUE NÃO SE REVELA EXORBITANTE. REVISÃO QUE DEMANDARIA REEXAME
FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ.
[...]
2. A inscrição/manutenção indevida do nome do devedor no cadastro de
inadimplente enseja o dano moral in re ipsa, ou seja, dano vinculado a própria
existência do fato ilícito, cujos resultados são presumidos.
[...]
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 456.673/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 13/05/2014, DJe 21/05/2014)
7. Assim, a tese a ser fi rmada para efeitos do art. 543-C do Código de
Processo Civil, que ora encaminho, é a seguinte:
“Diante das regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, mesmo
havendo regular inscrição do nome do devedor em cadastro de órgão de proteção
ao crédito, após o integral pagamento da dívida, incumbe ao credor requerer a
exclusão do registro desabonador, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, a contar
do primeiro dia útil subsequente à completa disponibilização do numerário
necessário à quitação do débito vencido”.
8. No caso concreto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto.
Súmula n. 549
SÚMULA N. 549
É válida a penhora de bem de família pertencente a fi ador de contrato de
locação.
Referências:
CPC, art. 543-C.
Lei n. 8.009/1990, art. 3º, VII.
Precedentes:
(*)REsp 1.363.368-MS (2ª S, 12.11.2014 – DJe 21.11.2014) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no REsp 1.088.962-DF (3ª T, 15.06.2010 – DJe 30.06.2010)
AgRg no AREsp 160.852-SP (3ª T, 21.08.2012 – DJe 28.08.2012)
AgRg no AREsp 624.111-SP (3ª T, 10.03.2015 – DJe 18.03.2015)
AgRg no Ag 1.181.586-PR (4ª T, 05.04.2011 – DJe 12.04.2011)
AgRg no AREsp 31.070-SP (4ª T, 18.10.2011 – DJe 25.10.2011)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.363.368-MS (2013/0011463-3)
Relator: Ministro Luis Felipe Salomão
Recorrente: Afonso Ramão Rodrigues - Espólio
Repr. por: Katia Carneiro Rodrigues Fujii - Inventariante
Advogado: Maurício Rodrigues Camuci e outro(s)
Recorrido: Marco Antônio da Silveira Agostini
Advogados: Alessandre Vieira
Silvia Cristina Vieira
Interes.: Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis - ABADI
Advogados: Rafael de Assis Horn
Hélio de Melo Mosimann
Fábio Kunz da Silveira e outro(s)
EMENTA
PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART.
543-C DO CPC. EXECUÇÃO. LEI N. 8.009/1990. ALEGAÇÃO
DE BEM DE FAMÍLIA. FIADOR EM CONTRATO DE
LOCAÇÃO. PENHORABILIDADE DO IMÓVEL.
1. Para fi ns do art. 543-C do CPC: “É legítima a penhora de
apontado bem de família pertencente a fi ador de contrato de locação,
ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990”.
2. No caso concreto, recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento para fi rmar
a legitimidade da penhora realizada sobre o bem de família da recorrida, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os fi ns do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, foi defi nida a
seguinte tese: “É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
296
fi ador de contrato de locação, ante o que dispõe o artigo 3º, inciso VII, da Lei
n. 8.009/1990”. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel
Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi,
Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e João Otávio de Noronha votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2014 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão, Relator
DJe 21.11.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Espólio de Afonso Ramão
Rodrigues ajuizou ação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios referente
ao imóvel situado na Rua Melvin Jones, n. 693, Centro, em Dourados/MS.
O Juízo da 5ª Vara Cível da Comarca de Dourados/MS julgou procedente
o pedido para declarar rescindido o contrato de locação, decretar o despejo e
condenar todos os réus, solidariamente, ao pagamento dos aluguéis e encargos
da locação vencidos e os vincendos até a data da desocupação do imóvel (fl s.
152/157).
A mencionada sentença transitou em julgado e a autora, então, iniciou
o cumprimento de sentença (fl s. 24/63), tendo sido penhorados imóveis dos
executados/fi adores Cassiano Maciel, Jaci Batista Moreira Maciel e Marco
Antônio da Silveira Agostini.
Irresignados, os executados/fiadores apresentaram exceção de pré-
executividade, ocasião em que o Juízo (fl s. 159/163): a) não conheceu das
exceções de pré-executividade quanto à validade de cláusulas do contrato
que deu origem à execução da sentença; b) não conheceu da exceção de pré-
executividade quanto à matéria que demanda dilação probatória (arguição de
pagamento de aluguéis sem recibo); c) conheceu da exceção de pré-executividade
quanto à apontada inconstitucionalidade do art. 3º da Lei n. 8.009/1990, mas
rejeitou a alegação de impenhorabilidade do bem de família ante precedentes
judiciais e d) conheceu da exceção de pré-executividade quanto ao alegado
excesso de execução, mas rejeitou a arguição de excesso de execução.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 297
Em face da mencionada decisão, o ora recorrido interpôs agravo de
instrumento, provido parcialmente pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso do Sul “para o fi m de tornar insubsistente a penhora que recai sobre
o imóvel objeto da matrícula n. 65.824, Livro 02, do Cartório de Registro de
Imóveis da Comarca de Dourados/MS”.
O acórdão recorrido está assim ementado (fl s. 170/177):
AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE -
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - COBRANÇA DE ALUGUERES E ENCARGOS
LOCATÍCIOS - BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR - IMPENHORABILIDADE - EXCEÇÃO
PREVISTA NO ART. 3º, VII, DA LEI N. 8.009/90 - CONFLITO COM O DIREITO À
MORADIA - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE - EXCESSO DE EXECUÇÃO -
MATÉRIA QUE DEMANDA DILAÇÃO PROBATÓRIA - QUESTÃO A SER DISCUTIDA EM
SEDE DE IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - RECURSO CONHECIDO
E PARCIALMENTE PROVIDO.
I. O Estado-Juiz, mediante a presidência do processo executivo, não pode ser
conivente com a tentativa de despojar o fi ador e sua família do refúgio de sua
residência para, mediante expropriação forçada, converter o bem de família em
pecúnia, a fi m de satisfazer o crédito do locador frente ao afi ançado.
II. Tal proceder, antes de demonstrar o completo esvaziamento do princípio
da solidariedade e a absoluta indiferença com a dignidadedo garantidor e sua
família, refl ete a sobreposição de um direito disponível - crédito - sobre um direito
fundamental - moradia.
III. A pretensão de expropriação do imóvel residencial do fi ador ganha maiores
contornos de inadmissibilidade quando, em comparação com o direito posto ao
devedor principal, percebe-se que a garantia negada ao garantidor é amplamente
assegurada ao afi ançado.
IV. A exceção de pré-executividade é cabível apenas para discutir questões
de ordem pública, que podem ser conhecidas de ofício pelo Juízo, tais como
os pressupostos processuais e condições da ação, além dos casos de evidente
ausência de responsabilidade obrigacional do devedor ou de iliquidez do título.
V. Inadmissível o acolhimento da exceção de pré-executividade no que diz
com questões próprias de impugnação ao cumprimento de sentença, como o
excesso de execução.
Sobreveio recurso especial (fls. 260/277) amparado na alínea “c” do
permissivo constitucional, no qual se alega dissídio jurisprudencial com acórdãos
do Superior Tribunal de Justiça e também do Supremo Tribunal Federal.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
298
O recorrente vale-se da tese de interpretação divergente acerca do artigo
3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990, sustentando, em breve síntese, que o
mencionado dispositivo não afronta a Constituição Federal, estando por esta
recepcionado.
Enfatiza que “se no acórdão recorrido o entendimento é de que o inciso
VII do artigo 3º da Lei n. 8.009/90, introduzido pela Lei n. 8.245/91, afronta
o direito social à moradia e aos princípios da dignidade da pessoa humana
e da igualdade material estampados na Constituição Federal pelo artigo 6º
da Emenda Constitucional n. 26/2000, as decisões paradigmas comprovam
justamente o oposto, ou seja, de que a exceção do aludido normativo não desafi a
preceito constitucional algum, mesmo após a edição da emenda citada, donde há
legalidade da exceção da impenhorabilidade quando se tratar de fi ança prestada
em contrato de locação”.
Ressalta que o precedente do STJ utilizado pelo Tribunal de origem no
acórdão recorrido já está superado pelo entendimento atual desta Corte de
Justiça.
O recorrido apresentou contrarrazões ao recurso especial (fl s. 354/368),
sublinhando que o acórdão estadual está de acordo com os princípios do “Novo
Código Civil”, em que a dignidade da pessoa humana alterou a sistemática da
teoria contratual. Destaca que admitir a penhora de imóvel residencial dado em
garantia em contrato de locação fere os princípios da eticidade, socialidade e
operabilidade.
Invoca o Enunciado 23 do CJF e assevera que o direito à moradia limita a
autonomia privada.
Argumenta que nem todos têm pleno conhecimento da lei e aduz não ser
razoável que uma pessoa tenha seu único imóvel penhorado para incentivar o
mercado locatício.
Aduz que, atualmente, o mercado imobiliário utiliza outro mecanismo
para assegurar o cumprimento dos contratos, tais como o seguro fi ança. Adverte
que a sociedade e o direito devem proteger o direito à moradia e valores
extrapatrimoniais, como a dignidade da pessoa humana.
Em sede de juízo de admissibilidade, o Tribunal de origem admitiu o
recurso especial interposto (fl s. 398/400).
Posteriormente, verificando a multiplicidade de recursos a versarem
sobre a mesma controvérsia, submeti o feito ao rito do artigo 543-C do CPC,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 299
determinando a ciência e facultando manifestação, no prazo de 15 (quinze) dias
(art. 3º, I, da Resolução n. 8/2008), à Associação Brasileira das Administradoras
de Imóveis - Abadi e ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
(fl s. 408/409).
Às fls. 417/469, a Abadi apresentou manifestação pugnando pelo
provimento do apelo especial. Justifi cou seu pedido argumentando que “há
muito tempo esse Colendo STJ adotou o entendimento fi rmado pelo E. STF,
que reputou constitucional a exceção prevista no inciso VII do art. 3º da Lei
8.009/90, permitindo a penhora do único imóvel do fi ador para pagamento
de dívida oriunda de contrato de locação”. Observa que o entendimento do
acórdão recorrido traz evidentes riscos ao mercado de locações, malferindo o
próprio direito à moradia. Conclui dizendo que o referido entendimento, caso
prevaleça, “benefi ciará número muitíssimo menor de pessoas, em comparação
com o contingente que, direta ou indiretamente, será afetado negativamente”.
Por sua vez, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
apresentou ofício (fl . 508) no qual informa que não se manifestará por não ser
notório o interesse da Instituição, devendo o tema fi car reservado ao campo da
disputa civilista.
Às fl s. 475/507, 513/545 e 546/574 foram juntadas manifestações do
Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de
Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais em todo o Estado
do Rio de Janeiro -Secovi/RJ, Associação Gaúcha de Advogados do Direito
Imobiliário Empresarial - Agadie e Associação das Administradoras de Bens
Imóveis e Condomínios de São Paulo - AABIC, em que solicitaram o ingresso
no feito na qualidade de amicus curiae.
No despacho proferido à fl . 580, admiti as manifestações; todavia, indeferi
o ingresso de novos amicus curiae.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre
Subprocurador-Geral da República Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, opinou
pelo provimento do recurso nos termos da seguinte ementa (fl s. 575/578):
DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO. POSSIBILIDADE DE PENHORABILIDADE DO BEM
DE FAMÍLIA DO FIADOR CONFORME PRESCREVE O ART. 3º, VII DA LEI 8.009/90.
PRECEDENTES DO STJ. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO.
É o relatório.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
300
VOTO
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão (Relator): 2. De início, consigne-
se que o recurso foi interposto unicamente com fundamento na alínea “c”
do permissivo constitucional, ou seja, alega-se divergência jurisprudencial na
interpretação do art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990.
No caso, a posição adotada pelo Tribunal recorrido - não admitindo
a penhora de imóvel do fi ador, sob o fundamento de se tratar de bem de
família - apresenta dissídio notório com o posicionamento fi rmado por este
Tribunal Superior, no julgamento dos seguintes precedentes indicados pelo ora
recorrente: a) AgRg no REsp n. 959.759/SC, de relatoria do Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho; b) AgRg no REsp n. 1.049.425/RJ, de relatoria do Ministro
Hamilton Carvalhido; c) AgRg no REsp n. 1.002.833/MG, de relatoria do
Ministro Paulo Gallotti e d) REsp n. 965.257/SP, de relatoria do Ministro
Arnaldo Esteves Lima, nos quais foi reconhecida a possibilidade de penhora do
bem de família do fi ador em contrato de locação.
Em assim sendo, há precedentes da Corte admitindo o dissídio para efeito
de conhecimento do especial:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS. AGRAVO REGIMENTAL.
PREVIDÊNCIA PRIVADA. ABONO ÚNICO. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.
PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR - PAT. COMPLEMENTAÇÃO DE
APOSENTADORIA INDEVIDA.DISSÍDIO REQUISITOS. MITIGAÇÃO.
1. Tratando-se de dissídio notório com a jurisprudência fi rmada no âmbito do
próprio Superior Tribunal de Justiça, mitigam-se os requisitos de admissibilidade para
o conhecimento do recurso especial pela divergência.
2. O abono único, parcela concedida a título indenizatório aos empregados
em atividade mediante convenção coletiva de trabalho, não se incorpora aos
proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de
previdência privada. Precedentes da 2ª Seção REsp 1.281.690/RS submetido ao
rito dos recursos repetitivos (CPC, art. 543-C).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega
provimento.
(EDcl no AREsp 375.443/ES, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 14/08/2014)
DIREITO BANCÁRIO. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE
CONTRATO BANCÁRIO. DISSÍDIO NOTÓRIO. CARACTERIZAÇÃO. MITIGAÇÃO DOS
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTAÇÃO.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 301
SUFICIENTE. PREQUESTIONAMENTO. SATISFAÇÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
INAPLICABILIDADE.
1. É possível a mitigação dos requisitos formais de admissibilidade do recurso
especial diante da constatação de divergência jurisprudencial notória.
2. Recurso especial que foi sufi cientemente fundamentado e que não encontra
óbice nas Súmulas 282, 283 e 284 do STF, 5 e 7 do STJ.
3. Agravo não provido.
(AgRg no REsp 1.433.342/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 27/05/2014, DJe 05/06/2014)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.
DIREITO CIVIL E DIREITO AMBIENTAL. CONSTRUÇÃO DE USINA HIDRELÉTRICA.
REDUÇÃO DA PRODUÇÃO PESQUEIRA. SÚMULA N. 7/STJ. NÃO CABIMENTO.
DISSÍDIO NOTÓRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO INCONTESTE. NEXO
CAUSAL. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO.
PRECEDENTES.
1. Não há falar, na espécie, no óbice contido na Súmula n. 7/STJ, haja vista que
os fatos já restaram delimitados nas instâncias ordinárias, devendo ser revista
nesta instância somente a interpretação dada ao direito para a resolução da
controvérsia. Precedentes.
2. Tratando-se de dissídio notório, admite-se, excepcionalmente, a mitigação
dos requisitos exigidos para a interposição do recurso pela alínea “c” “quando os
elementos contidos no recurso são suficientes para se concluir que os julgados
confrontados conferiram tratamento jurídico distinto à similar situação fática” (AgRg
nos EAg 1.328.641/RJ, Rel. Min. Castro Meira, DJe 14/10/11).
[...]
(AgRg no AREsp 206.748/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 27/02/2013)
3. No mais, cinge-se a controvérsia a discutir a possibilidade de penhora do
apontado bem de família de fi ador em contrato de locação.
Cumpre, de início, transcrever o inciso VII do artigo 3º da Lei n.
8.009/1990, inserido pelo artigo 82 da Lei n. 8.245/1991:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução
civil, fi scal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(...)
VII - por obrigação decorrente de fi ança concedida em contrato de locação.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
302
A decisão do magistrado de piso, na parte que interessa, assim dispôs (fl .
161):
Quanto a alegação de impenhorabilidade do bem do fi ador dado em garantia
do contrato de locação, o STF já declarou a constitucionalidade do art. 3º da
Lei 8009, como se observa da ementa do voto da ministra Ellen Gracie, na
Repercussão Geral em Recurso Extraordinário (RE) n. 612.360/SP, advindo da
discussão do RE n. 407.688, in verbis:
[...].
Esse, também, é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
[...].
Ante o exposto:
[...].
c) conheço da exceção de pre-executividade quanto a alegada
inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 8.009/90, mas rejeito a alegação dos
excipientes de impenhorabilidade do bem de família dos fiadores, ante os
precedentes do E. TJMS e do STJ e STF; e,
[...].
O acórdão recorrido, por seu turno, consignou:
Da impenhorabilidade do bem de família do fi ador
De início, cumpre relatar que a questão acerca da impenhorabilidade do bem
de família é de ordem pública, podendo ser apreciada a qualquer tempo e em
qualquer grau de jurisdição.
No caso, como relatado, pretende o agravante, a despeito das razões
estampadas na decisão hostilizada, o reconhecimento da inconstitucionalidade
do art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90, tudo para anular a penhora realizada sobre o
imóvel de residência do fi ador.
Tenho que a pretensão merece acolhida, pelos motivos que passo a expor.
Em função da dignidade da pessoa humana e atento às condições mínimas
que devem cercar a vida em sociedade, o legislador ordinário estabeleceu
algumas hipóteses em que o bem destinado à moradia do devedor e sua família,
embora inicialmente disponível, traspassa à categoria de direito indisponível.
Nesta toada, a Lei n. 8.009/90 esculpiu o direito de impenhorabilidade do bem
de família, ao gizar, in verbis:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 303
fi scal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou
pelos pais ou fi lhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o
qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer
natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profi ssional, ou
móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”
Assim, não se há de autorizar a penhora e, consequentemente, a expropriação
daquele imóvel que se destina a acolher a entidade familiar do devedor.
Não obstante a elogiável previsão legal supramencionada, o mesmo diploma
tratou de excepcionar algumas hipóteses em que não se poderia alegar a
impenhorabilidade do imóvel residencial, ao prescrever em seu art. 3º:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de
execução civil, fi scal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo
se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das
respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à
construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos
constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e
contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia
real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de
sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento
de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de
locação.”
No caso vertente, a pretensão resistida está a tratar da hipótese prevista
no inciso VII, a qual não seria possível reconhecer a impenhorabilidade do
imóvel residencial dos devedores que, na condição de fi adores, se obrigaram ao
pagamento de eventual dívida advinda de contrato de locação.
Em observância desta exceção legal, tem prevalecido nos tribunais que, em se
tratando de obrigação decorrente de fi ança concedida em contrato de locação,
deve-se afastar a impenhorabilidade dos bens de família prevista pelo art. 1º da
Lei n. 8.009/90.
Evidentemente que este entendimento mostra-se equivocado
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
304
É que a Emenda Constitucional n. 26, de 14 de fevereiro de 2000, incluiu a
moradia entre os direitos sociais previstos no art. 6º da CF/88, que constituem
normas de ordem públicas.
Ao assim proceder, o constituinte derivado reformador reforçou na
Constituição um direito manifestamente fundamental para manter a dignidade
do homem: a moradia.
Sobre a condição de efi cácia deste direito social, célebres são as lições de José
Afonso da Silva, para quem:
“Esse é daqueles direitos que têm duas faces: uma negativa e uma positiva.
A primeira significa que o cidadão não pode ser privado de uma moradia
nem impedido de conseguir uma, no que importa a abstenção do Estado e
de terceiros. A segunda, que é a nota principal do direito à moradia, como
dos demais direitos sociais, consiste no direito de obter uma moradia digna
e adequada, revelando-se como um direito positivo de caráter prestacional,
porque legitima a pretensão do seu titular à realização do direito por via de
ação positiva do Estado. É nessa ação positiva que se encontra a condição de
efi cácia do direito à moradia. E ela está prevista em vários dispositivos de nossa
Constituição, entre os quais se destaca o art. 3º, que defi ne como objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade justa
e solidária, erradicar a marginalização – e não há marginalização maior do
que não se ter um teto para si e para a família – e promover o bem de todos,
o que pressupõe, no mínimo, ter onde morar dignamente.” [1] Grifei
Se o cidadão não pode ser privado de uma moradia, o que reclama a abstenção
do Estado e de terceiros, afi gura-me evidente que o Estado-Juiz, mediante a
presidência de um procedimento executivo (cumprimento de sentença) não
pode ser conivente com a tentativa de despojar o fi ador e sua família do refúgio
de sua residência para, mediante expropriação forçada, converter o bem de
família em pecúnia, a fi m de satisfazer o crédito do locador frente ao afi ançado.
Tal proceder, antes de demonstrar o completo esvaziamento do princípio
da solidariedade e a absoluta indiferença com a dignidade do garantidor e sua
família, refl ete a sobreposição de um direito disponível – crédito – sobre um
direito fundamental – moradia.
Com a devida vênia de eventual entendimento contrário, resta claro que
as exceções previstas no art. 3º da Lei n. 8.009/90 não podem ser tidas como
inabaláveis, sob pena de subjugar, em alguns casos, o caráter social que detém o
bem de família.
A propósito do tema, o STJ já ementou:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. LOCAÇÃO.
FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. ART. 3º, VII, DA LEI N.
8.009/90. NÃO RECEPÇÃO.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 305
Com respaldo em recente julgado proferido pelo Pretório Excelso, é
impenhorável bem de família pertencente a fi ador em contrato de locação,
porquanto o art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90 não foi recepcionado pelo art. 6º da
Constituição Federal (redação dada pela Emenda Constitucional n. 26/2000).
Recurso desprovido.” (STJ, 5ª Turma, REsp n. 699.837/RS, Relator: Ministro
Félix Fischer, data do julgamento: 2/8/2005).
A pretensão de expropriação do imóvel residencial do fi ador ganha maiores
contornos de inadmissibilidade quando, em comparação com o direito posto ao
devedor principal, percebe-se que a garantia negada ao garantidor é amplamente
assegurada ao afi ançado.
Ora, evidentemente que o consentimento desta circunstância acabaria por
afrontar o princípio constitucional da igualdade, porquanto estar-se-ia ofertando
ao credor o bem residencial daquele que prestou obrigação acessória e, por
outro lado, deixando incólume de qualquer constrição o imóvel de residência
do contratante, que se obrigou diretamente pelo adimplemento do obrigação
principal.
Assim, tenho que não andou bem o Juízo singular ao não afastar, no caso, a
exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei n. 8.009/90, a fi m de assegurar ao fi ador seu
direito indisponível de habitação na residência familiar.
Corroborando tal entendimento, cumpre-me colacionar precedente desta 3ª
Turma Cível que, em caso análogo, referendou a impenhorabilidade do imóvel
residencial do fi ador. Confi ra-se:
[...].
Por isso, visando dar efetividade ao direito social à moradia e aos princípios
da dignidade da pessoa humana e da igualdade material, entendo que deve ser
declarada a impenhorabilidade do bem de família no caso em tela.
4. É bem verdade que o direito à moradia foi citado inicialmente na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948 pela
Assembleia Geral da ONU, tendo o Brasil como um dos seus signatários.
A Declaração estabelece que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida
capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, moradia, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (artigo
25, § 1º).
O principal instrumento legal internacional que trata do direito à moradia,
ratifi cado pelo Brasil e por mais 138 países, é o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos e Sociais e Culturais - Pidesc, adotado pela ONU em 1966.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
306
O artigo 11, § 1º, do Pidesc dispõe que os Estados partes reconhecem o
direito de toda pessoa à moradia adequada e comprometem-se a adotar medidas
apropriadas para assegurar a consecução desse direito.
Faz-se mister ressaltar, segundo o entendimento do Supremo Tribunal
Federal (entre outros, o RE 349.703/RS, julgado pelo Tribunal Pleno em
3/12/2008), que tratado internacional que versa sobre direitos humanos assume
status de norma supralegal, situando-se abaixo da Constituição, porém acima
da legislação ordinária, de modo que o ordenamento jurídico interno deve
contemplar formas para implementação dos seus mandamentos.
Nessa senda, a Constituição da República, em seu artigo 6º, encartou
a moradia no bojo dos direitos sociais, alçando-a à qualidade de direito
fundamental, já que se trata de capítulo inserido no título II da Carta Magna,
intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. - grifou-se.
O constituinte originário exteriorizou a preocupação com a proteção
desse direito fundamental à dignidade da pessoa humana em diversos outros
dispositivos, tais como o artigo 23, IX, no qual estabelece como dever do Estado,
nas suas três esferas, a promoção de programas de construção de moradias e
melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, bem assim o artigo
7º, IV, em que o direito à moradia é visto como necessidade básica dos direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais, que deve ser atendida pelo salário mínimo.
Não se olvida que, anteriormente à Constituição de 1988, o Código
Civil de 1916 tenha disciplinado o bem de família. No entanto, seu extremo
formalismo relegou o instituto à vala da aplicação raríssima, não atendendo
satisfatoriamente, portanto, aos princípios da dignidade da pessoa humana e da
proteção à moradia e à família, preconizados na nova Carta.
Nesse contexto, para atender a diretriz do Tratado e da Constituição,
exsurge a Lei n. 8.009/1990, cujo art. 1º estabelece:
Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é
impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fi scal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou
fi lhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas
nesta lei.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 307
O mencionado diploma institui a proteção legal do bem de família como
instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da entidade familiar e,
portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida
digna.
É o que se verifi ca, no tocante ao bem de família, em diversos precedentes
jurisprudenciais desta Corte Superior que entenderam pela extensão dessa
proteção à morada do devedor solteiro, das separadas e viúvas (Súm. 364 do
STJ); que mantiveram o resguardo do imóvel locado a terceiro quando os
aluguéis eram destinados à residência da entidade familiar (REsp 1.005.546/
SP, Terceira Turma, Rel. para acórdão Min. Nancy Andrighi, DJe 03/02/2011;
REsp 315.979/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
15/03/2004); que não admitiram a renúncia da proteção legal por parte de seu
titular (REsp 507.686/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma,
DJ 22/03/2004; REsp 223.419/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Quarta
Turma, DJ 17/12/1999; REsp 875.687/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão,
Quarta Turma, DJe 22/8/2011); ou, ainda, que limitaram a excepcionalidade da
regra que autoriza a penhora de bem de família dado em garantia tão somente
nas hipóteses em que a dívida seja constituída em favor da entidade familiar (e
não em favor de terceiros) (AgRg no AREsp 98.992/SC, Rel. Min. Maria Isabel
Gallotti, Quarta Turma, DJe 06/03/2014; AgRg no AREsp 48975/MG, Rel.
Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 25/10/2013; REsp 988.915/SP, Rel.
Min. Raul Araújo, Quarta Turma, DJe 08/06/2012; AgRg no Ag 1.067.040/
PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 28/11/2008 AgRg no Ag
921.299/SE, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 28/11/2008).
Assim, a teor do artigo 1º da Lei n. 8.009/1990, o bem imóvel destinado
à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida
contraída pelos cônjuges, pais ou fi lhos que sejam seus proprietários e nele
residam, salvo nas hipóteses previstas no artigo 3º da aludida norma.
Nessa linha, o acima mencionado dispositivo excetua, em seu inciso VII,
tido por ofendido, a obrigação decorrente de fi ança concedida em contrato
de locação, isto é, autoriza a constrição de imóvel de propriedade do fi ador de
contrato locatício, considerado bem de família.
Infere-se, pois, que a legislação pátria, a par de estabelecer como regra a
impossibilidade de impor a penhora sobre bem imóvel destinado à moradia do
indivíduo e de sua família, excetuou a hipótese do fi ador em contrato de locação,
permitindo que tal gravame seja lançado sobre o referido imóvel.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
308
Convém ressaltar, para logo, que a norma em testilha estabelece,
expressamente, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de
família, o que impede sua aplicação mediante interpretação extensiva. Confi ra:
AgRg no AREsp 537.034/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA
TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 01/10/2014; REsp 1.115.265/RS, Rel.
Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012,
DJe 10/05/2012).
5. Não se pode deixar de destacar a divergência existente em sede
doutrinária acerca do tema em discussão.
De um lado, autores como José Rogério Cruz e Tucci, Carlyle Popp, dentre
outros, entendem que o bem de família do fi ador não pode ser penhorado para
satisfação de débito em contrato de locação. Por outro lado e em conformidade
com a pacífi ca jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça e também
do Supremo Tribunal Federal, doutrinadores como Álvaro Villaça Azevedo,
Alessandro Segalla e Araken de Assis defendem ser legítima a penhora sobre
bem de família de fi ador em contrato de locação, a teor do inciso VII do artigo
3º da Lei n. 8.009/1990, acrescentado pelo artigo 82 da Lei n. 8.245/1991,
inclusive para os pactos anteriores à vigência deste diploma legal.
Contudo, como antes afirmado, a jurisprudência da Suprema Corte
fi rmou-se no sentido da constitucionalidade do dispositivo impugnado. De
fato, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 407.688, em 8/2/2006, assentou a
constitucionalidade do artigo 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990, com a redação
dada pela Lei n. 8.245/1991, em face do artigo 6º da Constituição Federal, que
consagra o direito à moradia a partir da edição da Emenda Constitucional n.
26/2000.
O aludido julgado possui a seguinte ementa:
“FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução.
Responsabilidade solidária pelos débitos do afi ançado. Penhora de seu imóvel
residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de
moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei n.
8.009/90, com a redação da Lei n. 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido.
Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato
de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 23 de março de 1990,
com a redação da Lei n. 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º
da Constituição da República.” (RE 407.688, Rel. Min. CEZAR PELUSO, TRIBUNAL
PLENO, DJ 06.10.2006).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 309
Posteriormente, em 13/8/2010, o Supremo Tribunal Federal declarou a
constitucionalidade do art. 3º da Lei 8.009/1990, na Repercussão Geral em
Recurso Extraordinário (RE) n. 612.360/SP, advindo da discussão do RE n.
407.688. Confi ra-se a ementa do julgado, que teve como relatora a eminente
Ministra Ellen Gracie:
CONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR.
RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA
DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 612.360 RG, Relatora Min. ELLEN GRACIE, TRIBUNAL
PLENO, julgado em 13.08.2010, DJe 03.09.2010).
Nas razões de decidir do Recurso Extraordinário n. 407.688, asseverou o
eminente Ministro Cezar Peluso:
[...].
Não me parece sólida a alegação de que a penhora do bem de família do
recorrente violaria o disposto no art. 6º da Constituição da República, que,
por força da redação introduzida pela EC n. 26, de 15 de fevereiro de 2000,
não teria recebido a norma do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 29.03.1990, a
qual, com a redação da Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991, abriu exceção à
impenhorabilidade do bem de família.
A regra constitucional enuncia direito social, que, não obstante suscetível de
qualifi car-se como direito subjetivo, enquanto compõe o espaço existencial da
pessoa humana, “independentemente da sua justiciabilidade e exeqüibilidade
imediatas”, sua dimensão objetiva supõe provisão legal de prestações aos cidadãos,
donde entrar na classe dos chamados “direitos a prestações, dependentes da
actividade mediadora dos poderes públicos”.
Isto signifi ca que, em teoria, são várias, se não ilimitadas, as modalidades ou
formas pelas quais o Estado pode, defi nindo-lhe o objeto ou o conteúdo das
prestações possíveis, concretizar condições materiais de exercício do direito social
à moradia. Ao propósito dos direitos sociais dessa estirpe, nota a doutrina:
[...].
Daí se vê logo que não repugna à ordem constitucional que o direito social de
moradia - o qual, é bom observar, se não confunde, necessariamente, com o direito
à propriedade imobiliária ou direito de ser proprietário de imóvel - pode,
sem prejuízo de doutras alternativas conformadoras, reputar-se, em certo sentido,
implementado por norma jurídica que estimule ou favoreça o incremento da oferta
de imóveis para fins de locação habitacional, mediante previsão de reforço das
garantias contratuais dos locadores.
A vigente Constituição portuguesa é, aliás, ilustrativa ao propósito, ao dispor,
no n. 2 do art. 65º:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
310
“2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
(...).
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral,
e o acesso à habitação própria ou arrendada” (Grifei).
A respeito, não precisaria advertir que um dos fatores mais agudos de retração
e de difi culdades de acesso do mercado de locação predial está, por parte dos
candidatos a locatários, na falta absoluta, na insufi ciência ou na onerosidade de
garantias contratuais licitamente exigíveis pelos proprietários ou possuidores
de imóveis de aluguel. Nem, tampouco, que acudir a essa distorção, facilitando
celebração dos contratos e com isso realizando, num dos seus múltiplos modos
de positivação e de realização histórica, o direito social de moradia, é a própria
ratio legis da exceção prevista no art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 1990. São coisas
óbvias e intuitivas.
Daí, só poder conceber-se acertada, em certo limite, a postura de quem vê,
na penhorabilidade de imóvel do fi ador, regra hostil ao art. 6º da Constituição
da República, em “havendo outros meios de assegurar o pagamento do débito”,
porque essa constitui a única hipótese em que, perdendo, diante de particular
circunstância do caso, a função prática de servir à prestação de garantia exclusiva
das obrigações do locatário e, como tal, de condição necessária da locação, a
aplicação da regra contradiria o propósito e o alcance normativo. Aí, não incidiria,
não porque, na sua generalidade e efi cácia, seja desconforme com a Constituição,
senão porque o fato (fattispecie concreta) é que se lhe não aperfeiçoaria ao
modelo normativo (fattispecie abstrata).
[...].
Nem parece, por fi m, curial invocar-se de ofício o princípio isonômico, assim
porque se patenteia diversidade de situações factuais e de vocações normativas -
a expropriabilidade do bem do fi ador tende, posto que por via oblíqua, também
a proteger o direito social de moradia, protegendo direito inerente à condição de
locador, não um qualquer direito de crédito -, como porque, como bem observou
José Eduardo Faria, “os direitos sociais não confi guram um direito de igualdade,
baseado em regras de julgamento que implicam um tratamento uniforme; são,
isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito
discriminatório com propósitos compensatórios”.
Não admira, portanto, que, no registro e na modelação concreta do mesmo
direito social, se preordene a norma subalterna a tutelar, mediante estímulo do
acesso à habitação arrendada - para usar os termos da Constituição lusitada -, o
direito de moradia de uma classe ampla de pessoas (interessadas na locação), em
dano de outra de menor espectro (a dos fi adores proprietários de um só imóvel,
enquanto bem de família, os quais não são obrigados a prestar fi ança). Castrar
essa técnica legislativa, que não pré-exclui ações estatais concorrentes doutra
ordem, romperia equilíbrio do mercado, despertando exigência sistemática de
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 311
garantias mais custosas para as locações residenciais, com consequente desfalque
no campo de abrangência do próprio direito constitucional à moradia.
O Ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, acompanhando o relator, fez
importantes considerações em seu voto acerca do “confronto” entre o direito à
moradia e o direito à liberdade:
[...] aparentemente, a questão posta nos presentes autos centra-se no embate
entre dois direitos fundamentais: de um lado, o direito à moradia (art. 6º da
Constituição Federal), que é direito social constitucionalmente assegurado e, em
princípio, exige uma prestação do Estado; de outro, o direito à liberdade, em sua
mais pura expressão, ou seja, a da autonomia da vontade, exteriorizada, no caso
concreto, na faculdade que tem cada um de obrigar-se contratualmente e, por
consequência, de suportar os ônus dessa livre manifestação de vontade.
Ambos os direitos merecem igual tutela em nossa Constituição, de modo que é
tarefa complexa estabelecer os parâmetros e limites de sua aplicação, em especial
neste tema da penhorabilidade do bem de família do fi ador nos contratos de locação.
[...].
A norma é muito clara: o fi ador que oferece o único imóvel de sua propriedade
para garantir contrato de locação de terceiro pode ter o bem penhorado em caso de
descumprimento da obrigação principal pelo locatário. Sustenta-se que essa penhora
seria contrária ao disposto na Constituição federal, sobretudo após a Emenda
Constitucional 26, que incluiu o direito à moradia no rol dos direitos sociais descritos
no art. 6º da Constituição.
Entendo, porém, que esse não deve ser o desenlace da questão. Como todos
sabemos, os direitos fundamentais não têm caráter absoluto. Em determinadas
situações, nada impede que um direito fundamental ceda o passo em prol da
afi rmação de outro, também em jogo numa relação jurídica concreta.
É precisamente o que está em jogo no presente caso. A decisão de prestar fi ança,
como já disse, é expressão da liberdade, do direito à livre contratação. Ao fazer uso
dessa franquia constitucional, o cidadão, por livre e espontânea vontade, põe em
risco a incolumidade de um direito fundamental social que lhe é assegurado na
Constituição. E o faz, repito, por vontade própria.
Por via de consequência, entendo que não há incompatibilidade entre o art.
3º, VII, da Lei 8.009/1990, inserido pela Lei 8.245/1991, que prevê a possibilidade
de penhora do bem de família em caso de fi ança em contrato de locação, e a
Constituição federal.
6. No mesmo diapasão, a jurisprudência desta Corte Superior é tranquila,
estando há muito superado o precedente do STJ invocado no acórdão recorrido.
Confi ram-se:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
312
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO.
EXECUÇÃO. IMÓVEL DO FIADOR. PENHORA. POSSIBILIDADE. FIANÇA. VALIDADE.
REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS.
1. O Superior Tribunal de Justiça, na linha do decidido pelo Supremo Tribunal
Federal, tem entendimento fi rmado no sentido da legitimidade da penhora sobre
bem de família pertencente a fi ador de contrato de locação.
2. O contrato de fiança deve sempre ser interpretado restritivamente e
nenhum dos cônjuges pode prestar fi ança sem a anuência do outro, exceto no
regime matrimonial de separação patrimonial absoluta (arts. 819 e 1.647 do CC).
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.347.068/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 09/09/2014, DJe 15/09/2014)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LOCAÇÃO
DE IMÓVEL. FIADOR. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE. ART. 3º, VII, DA
LEI N. 8.009/1990. PRECEDENTES. STJ E STF.
1. É fi rme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que,
em virtude da obrigação decorrente de contrato de locação, é possível a penhora
do bem destinado à moradia do fi ador, conforme prevê o inciso VII do art. 3º da
Lei n. 8.009/90, acrescentado pela Lei n. 8.245/1991.
2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 407.688, entendeu que
a penhorabilidade do bem de família do fi ador do contrato de locação, objeto
do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da
Lei n. 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da
República.
3. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no RMS 24.658/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado
em 03/06/2014, DJe 20/06/2014)
AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - EXECUÇÃO -
RECONHECIMENTO DO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - INCIDÊNCIA
DA SÚMULA 7/STJ - PENHORA DO BEM IMÓVEL DO FIADOR - POSSIBILIDADE
- ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA
CORTE - RECURSO IMPROVIDO.
(AgRg no AREsp 151.216/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA,
julgado em 26/06/2012, DJe 02/08/2012)
AGRAVO REGIMENTAL. LOCAÇÃO. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA
ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. LOCAÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. FIADOR.
PENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 313
1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os
fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do
provimento ao agravo regimental.
2. A jurisprudência desta Corte é clara, no sentido de que, é possível a penhora do
bem de família de fi ador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da
vigência da Lei 8.245/91, que alterou o art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.009/90. Precedentes.
3. À luz do enunciado sumular 211/STJ, é inadmissível o recurso especial que
demande a apreciação de matéria sobre a qual não tenha se pronunciado a Corte
de origem, apesar de opostos embargos de declaração.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 771.700/RJ, Rel. Ministro
VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA
TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 26/03/2012)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FIANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. AUSÊNCIA
DE OUTORGA UXÓRIA. IRRELEVÂNCIA NO CASO, EM FACE DE A GARANTIA TER
BENEFICIADO O CASAL. DISSIDÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONHECIDA.
SÚMULA 83/STJ. NULIDADE DO ACÓRDÃO NÃO CONFIGURADA.
1. Não ocorre contrariedade ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o
Tribunal de origem decide, fundamentadamente, todas as questões postas ao seu
exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária ao interesse
da parte e inexistência de prestação jurisdicional.
2. Peculiaridades do caso concreto que afastam o entendimento da Súmula
332/STJ. Além de o recorrente ter conhecimento da garantia, obteve proveito
da locação, utilizando-se do imóvel para administrar a sua própria empresa.
Incidência da Súmula 7/STJ.
3. A orientação predominante nesta Corte é no sentido de que a impenhorabilidade
prevista na Lei n. 8.009/90 não se estende ao imóvel do fi ador, em razão da obrigação
decorrente de pacto locatício.
4. Nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ 1º e 2º, do
RISTJ, é atribuição do recorrente demonstrar a dissidência, mencionando as
circunstâncias que identifi quem ou assemelhem os casos confrontados. Dissídio
de que não se conhece por aplicação da Súmula 83/STJ.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1.061.373/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA,
julgado em 07/02/2012, DJe 27/02/2012)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENHORABILIDADE
DE BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO
AGRAVADA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
314
1. O agravante não rebate especificamente os fundamentos da decisão
agravada, quais sejam: incidência da Súmula 83/STJ, circunstância que obsta, por
si só, a pretensão recursal, pois à falta de contrariedade, permanecem incólumes
os motivos expendidos pela decisão recorrida. Incidência do entendimento
expendido na Súmula 182/STJ.
2. Conforme entendimento pacifi cado nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal,
é válida a penhora sobre bem de família do fi ador de contrato de locação. Aplicação
do art. 3º, VII da Lei 8.009/90.
2. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa.
(AgRg no AREsp 31.070/SP, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em
18/10/2011, DJe 25/10/2011)
P R O C E S S UA L C I V I L . R E C U R S O E S P E C I A L . N E C E S S I DA D E D E
PREQUESTIONAMENTO (SÚMULA 282/STF). CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA
ANTERIOR À LEI N. 8.245/1991. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. POSSIBILIDADE
(PRECEDENTES).
1. Os temas a serem debatidos no especial dependem do necessário
prequestionamento na origem (Súmula 282/STF).
2. A possibilidade de penhora do bem de família, nos casos de fi ança em contrato
de locação, com cláusula de responsabilidade até a entrega das chaves, aplica-se
também aos casos de fi ança anterior à Lei n. 8.245/1991.
3. Agravo interno ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 853.038/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 18/05/2011)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA DE BEM PERTENCENTE A FIADOR DE
CONTRATO DE LOCAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. É legítima a penhora sobre bem de família pertencente a fi ador de contrato de
locação. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no Ag 1.181.586/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA
TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 12/04/2011)
LOCAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. DÍVIDA DE FIADOR EM CONTRATO LOCATÍCIO.
PENHORA. ALEGADA AFRONTA AO ART. 535 DO DIPLOMA PROCESSUAL. NÃO
OCORRÊNCIA. SUPOSTA AFRONTA AO ART. 463 DO CODEX PROCESSUAL.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INDIVISIBILIDADE DO BEM IMÓVEL
DADO EM GARANTIA. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE 50% DA FRAÇÃO IDEAL.
ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. ASSINATURA DO CONTRATO APÓS A VIGÊNCIA
DA LEI N. 8.245/91. ADMISSIBILIDADE DE PENHORA.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 315
1. O acórdão hostilizado solucionou todas as questões de maneira clara e
coerente, apresentando as razões que fi rmaram o seu convencimento.
2. A matéria tratada no art. 463, incisos I e II, Código de Processo Civil não
restou debatida pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição dos embargos
declaratórios, razão pela qual incide, na espécie, o óbice da Súmula n. 211 deste
Tribunal.
3. Com o advento da Lei n. 8.245/91 – que introduziu uma nova hipótese de
exclusão da impenhorabilidade do bem de família – restou autorizada a penhora
do bem destinado à moradia do fi ador, em razão da obrigação decorrente de pacto
locatício, aplicando-se também aos contratos firmados antes da sua vigência.
Precedentes.
4. O entendimento pacifico desta Corte é no sentido de que é possível a
penhora de fração ideal de imóvel. Precedentes.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no REsp 911.321/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA
TURMA, julgado em 05/10/2010, DJe 25/10/2010)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO.
EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE IMÓVEL DO FIADOR. POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO
DO 3º, VII, DA LEI 8.009/90. RECURSO IMPROVIDO.
I - Este Superior Tribunal de Justiça, na linha do entendimento do Supremo
Tribunal Federal, fi rmou jurisprudência no sentido da possibilidade de se penhorar,
em contrato de locação, o bem de família do fi ador, ante o que dispõe o art. 3º, VII da
Lei 8.009/90.
II - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 1.088.962/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 15/06/2010, DJe 30/06/2010)
DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. RECURSO ESPECIAL.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. FUNDAMENTO
INATACADO. SÚMULA 283/STF. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA. PENHORABILIDADE.
PRECEDENTES DO STF E DO STJ. RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM
PARA EXAME DAS DEMAIS QUESTÕES PENDENTES DE JULGAMENTO. RECURSO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que
implícito, da matéria infraconstitucional. Súmulas 282 e 356/STF.
2. É inadmissível Recurso Especial quando a decisão recorrida assenta em mais
de um fundamento sufi ciente e o recurso não abrange todos eles. Incidência, por
analogia, da Súmula 283/STF.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
316
3. “É válida a penhora do bem destinado à família do fiador em razão da
obrigação decorrente de pacto locatício, aplicando-se, também, aos contratos
fi rmados antes da sua vigência” (AgRg no REsp 876.938/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ,
Quinta Turma, DJe 3/11/08).
4. Superada a questão prejudicial acolhida no acórdão recorrido, devem
os autos retornar ao Tribunal de origem para que sejam resolvidas as demais
questões suscitadas no recurso de apelação e pendentes de julgamento.
Precedente do STJ.
5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para determinar o
retorno dos autos ao Tribunal de origem.
(REsp 1.110.453/RN, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA,
julgado em 18/02/2010, DJe 15/03/2010)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL E PROCESSO
CIVIL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ART.
247 DO CPC E ART. 5º DA LEI N. 9.278/96 AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 211/STJ. LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMÍLIA DO
FIADOR. PENHORABILIDADE. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO-
COMPROVADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O juiz não está obrigado a rebater, pormenorizadamente, todas as questões
trazidas pela parte, citando os dispositivos legais que esta entende pertinentes
para a resolução da controvérsia. Desse modo, inviável a pretensão de ofensa ao
art. 535, II, do CPC se o Tribunal valeu-se de razões sufi cientes para o deslinde do
litígio.
2. Os embargos de declaração interpostos após a formação do acórdão, com
o escopo de prequestionar tema não veiculado anteriormente no processo,
não caracterizam prequestionamento, mas pós-questionamento. Incidência da
Súmula n. 211 do STJ.
3. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 407.688, assentou que “a
penhorabilidade do bem de família do fi ador do contrato de locação, objeto do art.
3º, inc. VII, da Lei n. 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei n. 8.245, de
15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República”.
4. Não prospera o recurso quanto à alínea “c” do permissivo constitucional, pois
é discrepante a moldura fática do acórdão recorrido e dos acórdãos paradigmas.
5. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 705.169/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2009, DJe 21/09/2009)
PROCESSUAL CIVIL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL ALEGADO. AUSÊNCIA DE
FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 291-318, novembro 2017 317
Não se conhece do recurso pela alínea c do permissivo constitucional em
virtude da ausência de fundamentação. Incidência, na espécie, do óbice constante
da Súmula n. 284/STF.
LOCAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PENHORA SOBRE BEM DE FAMÍLIA DE
FIADOR. POSSIBILIDADE. LEI N. 8.009/90, ARTIGO 1º, INCISO VII. LOCAÇÃO DE
ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. LEI DO INQUILINATO. APLICAÇÃO.
1. A teor do artigo 1º da Lei n. 8.009/1990, o bem imóvel destinado à moradia
da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos
cônjuges, pais ou fi lhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas
hipóteses previstas no artigo 3º da aludida norma.
2. Ainda que a relação entre lojista e empreendedor de shopping center
seja atípica, a Lei do Inquilinato preceitua que devem prevalecer as condições
livremente pactuadas no respectivo contrato e as disposições procedimentais
nela previstas. Precedente da Terceira Seção.
3. Recurso especial não provido.
(REsp 1.107.241/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
19/08/2009, DJe 14/09/2009)
PROCESSUAL CIVIL. FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. NECESSIDADE DE
COMPROVAÇÃO DE SER O FILHO DOS FIADORES POSSUIDOR DO BEM DE FAMÍLIA,
PARA SE DEFINIR A APLICAÇÃO DO ART. 3º, VII DA LEI 8.009/90, ACRESCIDO
PELA LEI 8.245/91, QUE EXCEPCIONA A IMPENHORABILIDADE DE TAL BEM.
CERCEAMENTO DE DEFESA DECORRENTE DA NÃO PRODUÇÃO DE PROVAS.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é assente que resta confi gurado o cerceamento
de defesa quando o Juiz, indeferindo a produção de provas requeridas, julga
antecipadamente a lide, considerando improcedente a pretensão veiculada
justamente porque a parte não comprovou as suas alegações.
2. Caracteriza-se infringente do direito à defesa a não produção de provas
quanto ao fato da posse, pelos fiadores, de bem que reputam excluído da
possibilidade de penhora, quando essa situação se mostra relevante para se
afastar a constrictibilidade, em face de se tratar de contrato locatício assinado e
renovado antes da alteração legislativa imposta na Lei 8.009/90 pela Lei 8.245/91.
3. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no Ag 956.535/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA
TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 16/02/2009)
Trago, também, inúmeras decisões monocráticas dos ministros da
Segunda Seção, envolvendo a questão ora em exame, sempre entendendo ser
possível a penhora do bem de família do fi ador em contrato de locação, senão
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
318
vejamos: AREsp 91.208/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, DJe 20/10/2014; AREsp 121.176/SP, Rel. Ministro
ANTÔNIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, DJe 06/10/2014;
REsp 1.364.512/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA,
DJe 03/10/2014; REsp 1.336.791/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS
BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 02/09/2014; Ag 1.383.594/
RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 01/08/2014;
AREsp 493.103/SP, Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA, DJe 11/04/2014; AREsp 245.165/SP, Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, DJe 30/04/2014; AREsp 169.803/SP, Ministro PAULO
DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, Dje 15/10/2013.
7. Assim, o entendimento a ser fi rmado para efeitos do art. 543-C do
CPC, que ora encaminho, é o seguinte:
É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a f iador de
contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, inciso VII, da Lei n. 8.009/1990.
8. No caso concreto, o aresto atacado, ao ter por inválida a penhora sobre
bem de família de fi ador de pacto locatício, contrariou o aludido inciso VII do
art. 3º da Lei n. 8.099/1990, introduzido pelo art. 82 da Lei n. 8.245/1991,
bem como divergiu do entendimento ora proposto e já pacifi cado nesta Corte
Superior de Justiça e também do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual
deve ser reformado.
9. Ante o exposto, conheço do presente recurso especial e dou-lhe
provimento para fi rmar a legitimidade da penhora realizada sobre o bem de
família do recorrido.
É como voto.
Súmula n. 550
SÚMULA N. 550
A utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco
que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor,
que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais
valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo.
Referências:
CC/2002, art. 187.
CDC, art. 43.
CPC, art. 543-C.
Lei n. 12.414/2011, arts. 3º, § 3º, I e II, 5º, IV, 7º, I e 16.
Precedentes:
(*)REsp 1.419.697-RS (2ª S, 12.11.2014 – DJe 17.11.2014) –
acórdão publicado na íntegra
(*)REsp 1.457.199-RS (2ª S, 12.11.2014 – DJe 17.12.2014)
AgRg no AREsp 318.684-RS (3ª T, 02.12.2014 – DJe 11.12.2014)
REsp 1.268.478-RS (4ª T, 18.12.2014 – DJe 03.02.2015)
EDcl no REsp 1.419.691-RS (4ª T, 18.12.2014 – DJe 03.02.2015)
EDcl no REsp 1.395.509-RS (4ª T, 18.12.2014 – DJe 06.02.2015)
(*) Recursos repetitivos.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.419.697-RS (2013/0386285-0)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Boa Vista Serviços S/A
Advogados: Flávio Pereira Lima e outro(s)
Gianmarco Costabeber e outro(s)
Recorrido: Anderson Guilherme Prado Soares
Advogados: Lisandro Gularte Moraes e outro(s)
Deivti Dimitrios Porto dos Santos
Fabiano Garcia Severgnini
Ivi Andréia Porto dos Santos
Interes.: Banco Central do Brasil - BACEN - “Amicus Curiae”
Advogado: Procuradoria-Geral do Banco Central
Interes.: Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas - “Amicus Curiae”
Advogados: Leandro Alvarenga Miranda e outro(s)
Nival Martins da Silva Júnior
Interes.: Serasa S/A - “Amicus Curiae”
Advogados: André Luiz Souza da Silveira
Sérgio Bermudes e outro(s)
Fabiano de Castro Robalinho Cavalcanti
Interes.: Federação Brasileira de Bancos FEBRABAN - “Amicus Curiae”
Advogado: Antonio Carlos de Toledo Negrao e outro(s)
Interes.: IDV - Instituto para Desenvolvimento do Varejo - “Amicus Curiae”
Advogado: Ariel Rocha Zvoziak
EMENTA
RE C U R S O ES PE C I A L REPRES EN TA T I VO D E
CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). TEMA 710/STJ.
DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE CRÉDITO.
SISTEMA “CREDIT SCORING”. COMPATIBILIDADE COM O
DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
324
I – TESES:
1) O sistema “credit scoring” é um método desenvolvido para avaliação
do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando
diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor
avaliado (nota do risco de crédito).
2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e
pelo art. 7º, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo).
3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites
estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da
privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme
previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011.
4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado,
devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes
dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações
pessoais valoradas.
5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit
scoring”, confi gurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC),
pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço,
do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da
Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de
utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei
n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de
crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.
II – CASO CONCRETO:
1) Não conhecimento do agravo regimental e dos embargos declaratórios
interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de
controvérsia;
2) Inocorrência de violação ao art. 535, II, do CPC.
3) Não reconhecimento de ofensa ao art. 267, VI, e ao art. 333, II, do
CPC.
4) Acolhimento da alegação de inocorrência de dano moral “in re ipsa”.
5) Não reconhecimento pelas instâncias ordinárias da comprovação
de recusa efetiva do crédito ao consumidor recorrido, não sendo possível
afi rmar a ocorrência de dano moral na espécie.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 325
6) Demanda indenizatória improcedente.
III – NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL
E DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS, E RECURSO
ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
dar parcial provimento ao recurso especial para julgar improcedente a demanda
indenizatória, e não conhecer do agravo regimental e dos embargos declaratórios
interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de
controvérsia, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos do artigo 543-C do Código de Processo Civil foram
definidas as seguintes teses: “1) O sistema “credit scoring” é um método
desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de
modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma
pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito). 2) Essa prática
comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei
n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). 3) Na avaliação do risco de crédito,
devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do
consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência
nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011. 4)
Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem
ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos
dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais
valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit
scoring”, confi gurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode
ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do
responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n.
12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de
informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011),
bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de
dados incorretos ou desatualizados”.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
326
Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo
Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, João
Otávio de Noronha e Raul Araújo votaram com o Sr. Ministro Relator.
Consignadas as presenças dos Drs. Flávio Pereira Lima, pela recorrente
Boa Vista Serviços S/A; Leonardo Borchardt, pelo recorrido Anderson
Guilherme Prado Soares; Erasto Villa Verde de Carvalho Filho, pelo amicus
curiae Banco Central do Brasil S/A; Leandro Alvarenga Miranda, pelo amicus
curiae Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e Sergio Bermudes, pelo
amicus curiae SERASA S/A.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2014 (data de julgamento).
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator
DJe 17.11.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial
afetado ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil para a consolidação
do entendimento desta Corte sobre a “a natureza dos sistemas de scoring (SCPC
SCORE CRÉDITO) e a possibilidade de violação a princípios e regras do
Código de Defesa do Consumidor capaz de gerar indenização por dano moral”.
No caso dos autos, BOA VISTA SERVIÇOS S/A insurge-se contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul, assim
ementado:
AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL. APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL.
AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA
POR DANO MORAL. SCPC SCORE CRÉDITO. ILEGALIDADE DO SERVIÇO. DIREITO À
INFORMAÇÃO. VIOLAÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO NA SENTENÇA. É abusiva a
prática comercial de utilizar dados negativos dos consumidores, para lhe alcançar
uma pontuação, de forma a verificar a probabilidade de inadimplemento. Sem
dúvidas, este sistema não é um mero serviço ou ferramenta de apoio e proteção
aos fornecedores, como quer fazer crer a demandada, mas uma forma de burlar
direitos fundamentais, afrontando toda a sistemática protetiva do consumidor,
que inegavelmente se sobrepõe à proteção do crédito. Reconhecer a ilicitude deste
serviço não signifi ca uma forma de proteção aos mal pagadores. Estes já contam
com seu nome inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, cujos dados podem ser
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 327
utilizados livremente pelas empresas. O que não é possível é a utilização de registros
pessoais dos consumidores, para formar um novo sistema de probabilidade de
inadimplemento, sem informar claramente aos interessados e a toda sociedade
quais são exatamente as variáveis utilizadas e as razões pelas quais uma pessoa é
classifi cada como com “alta probabilidade de inadimplência” e outra com “baixa
probabilidade de inadimplência”. A falta de transparência e de clareza desta
“ferramenta” é incompatível com os mais comezinhos direitos do consumidor. Na
forma com que é utilizado o sistema, certamente gera os danos morais alegados na
inicial, pois o consumidor que necessita do crédito, negado em face de sua pontuação,
fi ca sem saber as razões pelas quais é considerado propenso ao inadimplemento,
restando frustrada legítima expectativa de ter acesso aos seus dados e a explicações
sobre a negativa do crédito. AGRAVO DESPROVIDO. (fl . 202)
No recurso especial, interposto com fundamento na alínea a do permissivo
constitucional, a recorrente apontou violação aos seguintes dispositivos:
(I) art. 535, II, do CPC, porquanto o acórdão recorrido teria deixado de
enfrentar pontos omissos relevantes para o deslinde da causa;
(II) art. 267, VI, do CPC, pois a recorrente seria parte ilegítima para
fi gurar no polo passivo da demanda, visto que (i) não possui qualquer ingerência
sobre a tomada de decisões nos estabelecimentos comerciais para os quais presta
serviços consultivos, não tendo infl uência sobre a concessão ou não de crédito
por determinadas empresas; (ii) o seu serviço consiste em compilar dados
cadastrais disponibilizados publicamente com cadastros de inadimplência para
que o comerciante decida se concede ou não crédito ao consumidor;
(III) art. 333, II, do CPC, pois (i) restou comprovado que não é
responsável pela negativação do crédito do consumidor, mas sim, o concedente
do crédito, destinatário dos seus serviços; (ii) o SCPC SCORE CRÉDITO
não possui qualquer relação com o cadastro positivo (consagrado pela Lei
12.414/2001), visto que não utiliza informações positivas dos consumidores;
(iii) adota parâmetros similares aos de seguradoras de veículos, fornecendo
dados estatísticos, baseados em critérios objetivos e de ciência de todos os
envolvidos; (iv) não é possível falar na ocorrência de dano “in re ipsa”.
Foram apresentadas contrarrazões às fl s. 261/271.
FERNANDO KLEBER DO CARMO interpôs agravo regimental a
fl s. 612/636 contra a decisão que ampliou a suspensão para todas as ações em
trâmite e que ainda não tenham recebido solução defi nitiva sobre tema objeto
do presente recurso.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
328
Na decisão de fls. 1.027/1.028, determinei a realização de audiência
pública, na data de 25/08/2014, com vistas a municiar a Corte com informações
indispensáveis ao deslinde da controvérsia.
A fl s. 1.132/1.134, proferi decisão tornando pública a lista de habilitados a
participar da audiência pública.
Indeferi o pedido de ingresso, na qualidade de amici curiae, do IBDConb
(fl s. 1.140/1.141) e da União (fl s. 1.187/1.188), em razão do momento processual
em que se encontrava o presente feito.
Não conheci, ainda, do agravo regimental interposto pelo IBDConb (fl s.
1.187/1.188)
A União apresentou embargos de declaração (fl s. 1.246/1.250), aduzindo
razões para o deferimento do seu ingresso na qualidade de amicus curiae, bem
como omissão da decisão com relação ao não cabimento de agravo regimental
contra a decisão que indefere o pedido de habilitação.
Foi realizada audiência pública, conforme notas taquigráficas de fls.
246/388, do expediente avulso.
Os habilitados juntaram documentos às fl s. 73/244 do expediente avulso.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso
especial da CDL e pelo provimento dos demais recursos especiais.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes colegas.
Consigno, inicialmente, que este é um daqueles processos em cujo julgamento
parte-se praticamente do “zero”, pois não tinha uma noção clara acerca do que
seria o chamado “credit scoring”, ou simplesmente “credscore”.
Após a afetação do primeiro recurso especial, em face da provocação
feita pelo NURER (Núcleo de Recursos Repetitivos e Repercussão Geral) do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, informando a existência de cerca de
oitenta mil recursos a respeito desse tema, passei a receber advogados das partes
interessadas em meu gabinete.
Nessas audiências, constatei que havia uma grande celeuma acerca da
própria natureza do sistema “score” e do regime jurídico aplicável por se tratar
de um tema novo no cenário jurídico.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 329
Por isso, após determinar a subida de um segundo recurso especial (ação
coletiva de consumo movida pelo Ministério Público) sobre o mesmo tema,
decidi realizar a audiência pública no mês de agosto, cujas notas taquigráfi cas
foram anexadas aos autos eletrônicos.
Ressalto que a audiência pública foi extremamente importante na formação
do meu convencimento acerca das principais questões controvertidas a serem
dirimidas para solução da controvérsia posta no presente processo.
Nesse ponto, os meus agradecimentos a todos os participantes da audiência
pública e a todas as pessoas que colaboraram para a sua realização, especialmente
aos colegas e aos servidores desta Casa.
Passo ao exame, preliminarmente, das questões incidentais suscitadas no
curso da tramitação do presente recurso representantivo de controvérsia, tendo
optado por fazê-lo na data de hoje juntamente com o próprio recurso para
agilizar o seu julgamento.
Após, analisarei a questão central controvertida devolvida ao conhecimento
deste colegiado pelo recurso especial representantivo de controvérsia e,
posteriormente, será examinado individualmente o recurso especial interposto.
a) Agravo regimental interposto por Fernando Kleber do Carmo:
Inicio pelo agravo regimental interposto por Fernando Kleber do Carmo
(fl s. 612/636), o qual não é parte no presente processo e se irresigna contra a
decisão que ampliou a suspensão para todas as ações em trâmite e que ainda não
tenham recebido solução defi nitiva sobre tema objeto do presente recurso.
Não conheço do agravo regimental por se tratar de recurso interposto por
terceiro que não é parte no presente processo.
Ademais, ainda que fosse admitido, com o julgamento do presente caso
como recurso representativo de controvérsia, seguindo o rito do art. 543-C, o
agravo perde o seu objeto.
b) Embargos de declaração interpostos pela União (fl s. 1.246/1.250):
Quanto aos embargos declaratórios opostos pela União, tenho que não
devem ser conhecidos.
Com efeito, a União tomou conhecimento da afetação do presente recurso
em março de 2014, conforme determinado no despacho de fl . 806.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
330
Posteriormente, houve ampla divulgação da realização da audiência
pública, nos termos da decisão de fl s. 1.027/1.028, com prazo para habilitação
até o dia 05/08/2014.
Somente em 20/08/2014, a União apresentou pedido de ingresso no feito,
na qualidade de amicus curiae.
Portanto, entendi que, neste momento processual, não era hipótese de
deferir o pedido, e nem admitir eventual recurso da decisão que o indeferiu.
c) Pedido de desentranhamento de documentos:
Com relação ao pedido da recorrente (fls. 1.251/1.252) de
desentranhamento das petições da União e do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor Bancário - IBDConB, em razão do indeferimento do pedido de
ingresso como amici curiae, indefi ro o pedido.
As manifestações escritas fi cam anexadas aos autos como contribuição para
o exame pelo colegiado da temática controvertida.
d) Exame da controvérsia
O objeto central dos dois recursos especiais representativos de controvérsia
situa-se na avaliação da licitude do chamado “credit scoring” como sistema de
avaliação do risco de concessão de crédito.
Essa análise será desenvolvida nos seguintes tópicos:
a) conceito de “credit scoring”;
b) avaliação do risco de crédito nos contratos em geral;
c) regulamentação dos arquivos de consumo pelo CDC;
d) a Lei do Cadastro Positivo (Lei n. 12.414/2011);
e) licitude do sistema “credit scoring”;
f ) limites: privacidade e transparência;
g) dano moral.
1) Conceito de “credit scoring”
O chamado “credit scoring”, ou simplesmente “credscore”, é um sistema de
pontuação do risco de concessão de crédito a determinado consumidor.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 331
Trata-se de um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão
de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis
de decisão, com atribuição de uma nota ao consumidor avaliado conforme a
natureza da operação a ser realizada.
Aproveitando-se da facilidade contemporânea de acesso aos bancos de
dados disponíveis no mercado via “internet”, algumas empresas desenvolveram
fórmulas matemáticas para avaliação do risco de crédito, a partir de modelos
estatísticos, considerando diversas variáveis de decisão, atribuindo uma nota ao
consumidor.
As “variáveis de decisão” são fatores que a experiência empresarial denotou
como relevantes para avaliação do risco de retorno do crédito concedido. Cada
uma dessas variáveis recebe uma determinada pontuação, atribuída a partir de
cálculos estatísticos, formando a nota fi nal.
Consideram-se informações acerca do adimplemento das obrigações
(histórico de crédito), assim como dados pessoais do consumidor avaliado
(idade, sexo, estado civil, profi ssão, renda, número de dependentes, endereço).
Por exemplo, no presente processo (Recurso Especial n. 1.419.697/RS), foi
realizada a análise do risco de crédito da parte autora, ora recorrida (fl . 21).
Esclareceu-se, inicialmente, a metodologia de cálculo do “SCPC Score
Crédito”, dizendo-se o seguinte:
O SCPC Score Crédito agrupa os consumidores em faixas de risco, tendo como
parâmetro o comportamento médio esperado em termos de inadimplência baseado
no histórico de informações de mercado compartilhadas em nossas bases. A
pontuação do Score varia de 0 a 1.000 e indica menor risco para a concessão de
crédito a medida que se aproxima de 1.000.
Em seguida, atribuiu-se ao consumidor uma pontuação de 553, prestando-
se, ainda, informações de que não constaria nenhum registro de débito, protesto,
cheque ou ação civil para o documento avaliado.
A polêmica central do presente processo, devolvida ao conhecimento desta
Corte, situa-se exatamente na verifi cação da licitude desse método de avaliação
do risco de crédito.
2) Avaliação do risco de crédito nos contratos em geral
Relembre-se que, até hoje, antes da celebração dos contratos tradicionais
(v.g. compra e venda de um imóvel), em um período pré-contratual, é realizada
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
332
pelos interessados uma avaliação recíproca da idoneidade da outra parte e de sua
capacidade fi nanceira de honrar o negócio jurídico a ser celebrado.
Essa avaliação do risco de celebração do contrato envolve um conhecimento
da pessoa do outro contratante, do objeto do contrato e do próprio conteúdo do
contrato a ser celebrado, fazendo-se, assim, uma análise recíproca do risco do
negócio a ser celebrado (risco do crédito).
Nos contratos de consumo, realizados em uma sociedade marcada pela
massifi cação e pelo anonimato, os métodos tradicionais de avaliação do crédito
passaram a se mostrar inadequados.
Recorde-se que, antes da disseminação da internet como sistema de
comunicação, previamente à celebração de um contrato de compra e venda
de um eletrodoméstico em uma loja, era preenchida uma fi cha cadastral com
pedido de concessão de crédito, com a indicação das informações comerciais do
interessado para avaliação de seu risco de crédito diretamente pelo lojista.
Essa fi cha cadastral era arquivada pela própria empresa, formando o seu
cadastro de clientes.
No comércio, passou a ser sentida a necessidade de um maior dinamismo
na troca dessas informações arquivadas nos cadastros de cada lojista.
Em 1955, surge, em Porto Alegre, organizado pela Câmara de Dirigentes
Lojistas (CDL), o primeiro banco de dados para integração dessas informações,
sendo denominado de Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) do Brasil.
Posteriormente, foram criados em outros Municípios brasileiros, atingindo-se o
expressivo número de 1.600 CDLs instaladas em todo o Brasil.
Com a facilidade de conexão pela internet, formou-se o SPC-Brasil, em
2002, administrando um imenso banco de dados com alguns milhões de registros,
transformando-se em Rede Nacional de Informações Comerciais (RENIC).
No setor privado, algumas empresas passaram a explorar economicamente
o serviço de proteção ao crédito, com destaque para a Serasa Experian, com
cerca de 50 anos de atuação no mercado brasileiro.
No setor público, o Banco Central do Brasil possui bancos de dados de
proteção ao crédito, incluindo o CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques), o
CADIN (Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidade Federais
não Quitados) e o CRC (Cadastro de Risco de Crédito). Enquanto os dois
primeiros cadastros trabalham com informações negativas, o último atua
também como um cadastro positivo de crédito.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 333
Em função disso, em 1990, quando elaborado o Código de Defesa e
Proteção do Consumidor (CDC), uma das preocupações foi com o controle dos
arquivos de consumo.
3) Regulamentação dos arquivos de consumo pelo CDC
Os cadastros de devedores e os bancos de dados de proteção ao crédito,
como modalidades de arquivos de consumo, receberam uma atenção especial do
legislador do CDC, tendo sido devidamente regulamentados pelo art. 43 da Lei
8.078/90 (CDC), nos seguintes termos:
Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às
informações existentes em cadastros, fi chas, registros e dados pessoais e de consumo
arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§ 1º Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros,
verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações
negativas referentes a período superior a cinco anos.
§ 2º A abertura de cadastro, fi cha, registro e dados pessoais e de consumo deverá
ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§ 3º O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros,
poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias
úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§ 4º Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de
proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§ 5º Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor,
não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer
informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos
fornecedores.
Ressalte-se que o CDC não restringiu sua regulamentação aos cadastros
ou bancos de dados de informações negativas (arquivos negativos), embora
tenham-se tornado os mais comuns no mercado até poucos anos atrás (SPC,
Serasa etc.).
A regulamentação legal englobou, como modalidades de arquivos de
consumo, os cadastros de devedores e os bancos de dados de proteção ao crédito,
apesar de prestarem serviços diferentes, conforme lembra Herman Benjamin, ao
fazer a seguinte distinção:
Partilhando afi nidades com os bancos de dados, os cadastros de consumidores
deles se apartam em pelo menos três pontos.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
334
Primeiro, a permanência das informações é acessória, já que o registro não é um
fi m em si mesmo, estando a manutenção dos dados vinculada ao interesse comercial
atual ou futuro, mas sempre direto e particularizado, do arquivista em relação ao
cliente cadastrado.
Segundo, tampouco funcionam os cadastros pigmentados pela aleatoriedade
na coleta das informações. Exatamente porque o universo subjetivo que move o
arquivista coincide com aquele da sua própria atuação empresarial (arquivista
e fornecedor não são agentes econômicos diversos, confundindo-se na mesma
pessoa), os ‘cadastráveis’ tendem a ser delimitados, isto é, normalmente associados
a um grupo pequeno de consumidores, efetivos ou potenciais. Em oposição à prática
dos bancos de dados, é comum, uma vez que o consumidor deixe de transacionar
com a empresa, a exclusão de seu nome do cadastro mantido.
Por derradeiro, os cadastros orientam-se pela transmissibilidade intrínseca ou
interna, circulando e benefi ciando somente ou preponderantemente o arquivista,
que, como há pouco notamos, não é um terceiro, mas o fornecedor mesmo, sujeito de
direito de relação jurídica de consumo. (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos
et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do
Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007, p. 432).
O microssistema brasileiro de proteção do consumidor inseriu-se na
preocupação mundial com a proteção da privacidade do consumidor ensejada
pelo desenvolvimento da informática, embora, no início da década de noventa, a
internet ainda fosse incipiente no Brasil.
Herman Benjamin, um dos autores do Anteprojeto do CDC na Comissão
presidida pela Professora Ada Pellegrini Grinover, lembra que uma das fontes
de inspiração foi a Fair Credit Reporting Act (1970), dos Estados Unidos,
cuja exposição de motivos consignava que “os serviços de proteção ao crédito
vem assumindo papel vital no reunir e avaliar o crédito de consumidores e
outras informações sobre eles”, mas concluindo no sentido de que “há uma
necessidade de assegurar que esses serviços de proteção ao crédito exercitem
suas graves responsabilidades com equidade, imparcialidade e respeito pelo
direito à privacidade do consumidor” (BENJAMIN, Antônio Herman de
Vasconcellos et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos
Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 328).
Com efeito, a Fair Credit Reporting Act (1970) passou a regular a atuação
dos chamados credit bureaus, que estavam no mercado norte-americano desde
o fi nal do Século XIX, atendendo a inúmeras reclamações acerca dos excessos
cometidos na coleta dos dados: informações excessivamente subjetivas (v.g.
estilo de vida), incompletas, inexatas e, até mesmo, obtidas de forma ilícita.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 335
Essa lei sofreu modifi cações em 1996 pela Consumer Reporting Reform Act
e, em 2003, pela Fair and Accurate Credit Transactions Act.
Na Europa, após anos de debates, foi editada pela União Européia a
Diretiva 46/95, de 24/10/1995, estatuindo o modelo europeu de proteção dos
dados pessoais e consagrando a proteção de dados pessoais como integrante dos
direitos fundamentais do cidadão.
A característica do sistema europeu, a partir da edição da Diretiva 46/95,
é uma regulamentação sistematizada e coordenada, disciplinando os mais
variados bancos de dados públicos e privados, inclusive os referentes à proteção
ao crédito. Além de uma autoridade autônoma, vinculada a União Européia,
com poderes de fiscalização e sanção, cada Estado-membro deve também
possuir autoridades responsáveis pela fi scalização dos bancos de dados em geral.
Embora os sistemas europeu e norte-americano sejam diferentes,
apresentam pontos em comum, lembrados por Leonardo Roscoe Bessa
(“Cadastro Positivo: comentários à Lei 12.414/2011. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2011, p. 59):
Apesar dessas diferenças estruturais, é possível identifi car parâmetros de consenso
na defi nição de alguns direitos e limites no tratamento de dados pessoais. Ambos os
modelos estabelecem o direito de acesso às informações pessoais, a possibilidade de
se exigir retifi cação dos dados inexatos, a ideia de que os dados devem ser colhidos e
utilizados para fi nalidades legítimas e previamente identifi cadas, a exigência de que
os dados devem ser verdadeiros, atualizados, objetivos, relevantes, não excessivos.
Acrescentem-se, ainda, o princípio de que o tratamento de dados devem observar
limites temporais, bem como o princípio da segurança, vale dizer, devem ser adotadas
medidas de segurança para impedir o acesso não autorizado aos dados.
...
Sem opção explícita por qualquer modelo, os parâmetros indicados foram
absorvidos pelo legislador brasileiro, ao menos no que concerne ao tratamento de
informações pelos bancos de dados de proteção ao crédito, cuja regulamentação se
dá a partir de diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e a Lei
12.414/2011.
Esse é o contexto em que deve ser situada a regulamentação procedida, em
1990, pelo CDC e, em 2011, pela Lei n. 12.414/2011, denominada de lei do
cadastro positivo.
Ressalte-se que o CDC, em seu art. 43, bem como a lei do cadastro
positivo não proíbem os arquivos de consumo (cadastros e bancos de dados),
estabelecendo apenas normas para o seu controle.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
336
Aliás, os bancos de dados e os cadastros negativos receberam pleno
reconhecimento pela jurisprudência do STJ, desde o seu início, merecendo
lembrança a referência feita pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior no
julgamento do Recurso Especial n. 22.337/RS, “É evidente o benefício que dele
decorre em favor da agilidade e da segurança das operações comerciais, assim
como não se pode negar ao vendedor o direito de informar-se sobre o crédito do
seu cliente na praça, e de repartir com os demais os dados de que dele dispõe”.
(p. 25)
Naturalmente, conferindo-se efetividade ao CDC, consolidou-se a
jurisprudência do STJ no sentido da necessidade do controle, inclusive com a
edição de várias súmulas acerca do tema, relembrando-se exemplifi cativamente
alguns enunciados sumulares:
Súmula 323/STJ: A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços
de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da
prescrição da execução.
Súmula 359/STJ: Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito
a notifi cação do devedor antes de proceder à inscrição.
Súmula 385/STJ: Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não
cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado
o direito ao cancelamento.
Nos últimos anos, esses cadastros de registros de informações negativas
passaram a ser questionados pelo mercado de consumo, pois, sinalizando apenas
o mau pagador, não valorizam o bom consumidor, que cumpre corretamente as
suas obrigações.
Assim, após vários anos de discussão, foi editada a Lei n. 12.414/2011,
conhecida por lei do cadastro positivo.
4) A Lei do Cadastro Positivo (Lei n. 12.414/2011)
A Lei n. 12.414/2011 foi antecedida da Medida Provisória n. 518,
de 30/12/2010, sendo denominada de lei do cadastro positivo por estatuir
normas voltadas à “disciplina e consulta a bancos de dados com informações de
adimplemento, de pessoas naturais ou de pessoas jurídicas, para a formação de
histórico de crédito”.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 337
Na exposição de motivos da Medida Provisória, explicitou-se as seguintes
razões para a sua edição:
2. Inicialmente, deve-se destacar que a formação do histórico de crédito de pessoas
naturais e jurídicas permite o recebimento e o manuseio pelos bancos de dados não
somente de informações de inadimplemento, hoje já permitido e disciplinado pelo
Código de Defesa do Consumidor, mas também de adimplemento (informações
“positivas”), que não apresentava um marco legal claro para sua utilização. Com a
coleta e disseminação de informações sobre adimplemento, as pessoas poderão se
benefi ciar do registro de pagamentos em dia de suas obrigações, de modo a permitir
a construção de seu histórico de crédito. Dessa forma, o mercado de crédito e de
varejo poderá diferenciar de forma mais efi ciente os bons e os maus pagadores, com
a consequente redução do risco de crédito por operação, que permitirá a redução dos
custos vinculados à expansão do crédito de uma forma geral.
3. Importa destacar, que a criação do histórico de crédito será particularmente
benéfi ca para os bons pagadores de baixa renda, que em geral são percebidos pelo
mercado como de alto risco, e, por isso, pagam as mais altas taxas de juros.
4. Ao disciplinar a formação do histórico de crédito, esta medida provisória
estabeleceu regras claras sobre as garantias e os direitos dos cidadãos em relação às
suas informações pessoais, de modo a permitir a adequada proteção da privacidade
do cidadão e possibilitar o tratamento de dados pessoais sob um patamar de licitude
e boa-fé. Os dados pessoais merecem uma tutela importante pelo ordenamento
jurídico, pois eles representam a própria pessoa e o seu tratamento influencia
diretamente a sua vida, modelando e vinculando a sua privacidade e também as
suas oportunidades, escolhas e possibilidades. A sua utilização, portanto, deve ter
como fundamento a autodeterminação de cada pessoa em relação à utilização de
suas próprias informações, permitindo que o cidadão possa escolher livremente a sua
entrada no cadastro, bem como o seu cancelamento.
5. Quanto aos dispositivos desta medida provisória, deve-se destacar que o art.
1º define o escopo da medida e esclarece que os bancos de dados instituídos ou
mantidos por pessoas jurídicas de direito público interno, como é o caso do Sistema
de Informações de Crédito - SCR, do Banco Central do Brasil - BCB, serão regidos por
legislação específi ca.
6. O art. 2º conceitua os diversos elos que proporcionarão a construção dos bancos
de dados com informações de adimplemento, delineia o entendimento sobre o que
seria anotação e estabelece a amplitude das informações que poderiam vir a compor
o histórico de crédito.
7. Com vistas a eliminar dúvidas quanto à legalidade do fornecimento
de informação para composição dos bancos de dados com informações de
adimplemento, o caput do art. 3º e o § 2º do art. 4º autorizam, respectivamente,
os bancos de dados a armazenarem tais informações e as fontes a fornecê-las,
desde que respeitadas as condições estabelecidas nesta medida provisória e na sua
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
338
regulamentação. Já o caput do art. 4º condiciona a abertura do cadastro à prévia
autorização do potencial cadastrado.
8. Buscando resguardar a privacidade do cadastrado e o uso indevido das
informações, o § 1º do art. 3º estipula que as informações armazenadas devem
ser objetivas, claras, verdadeiras e de fácil compreensão, e devem se restringir
àquelas que sejam entendidas como necessárias para avaliar a situação econômica
do cadastrado. Neste mesmo entendimento, o § 3º do art. 3º disciplina que as
informações tidas como excessivas ou sensíveis estão proibidas de serem anotadas.
9. O § 1º do art. 4º disciplina que, após a abertura do cadastro, a anotação de
informação de adimplemento em bancos de dados independe de autorização e de
comunicação ao cadastrado. Destaca-se que este é um ponto de grande importância
para a viabilidade da construção dos bancos de dados com histórico de crédito, pois
a exigência de autorização ou de comunicação para todas as anotações implicaria
assunção de custos operacionais e de logística elevados por parte das empresas
formadoras dos bancos de dados.
10. O art. 5º explicita ao cadastrado os seus direitos, como o de:
(i) obter o cancelamento do cadastro quando solicitado;
(ii) acessar gratuitamente, a qualquer tempo, às informações sobre ele existentes
nos bancos de dados, inclusive o seu histórico, cabendo ao gestor destes manter
sistemas seguros, por meio eletrônico ou telefone, de consulta para informar a
existência ou não de cadastro de informação de adimplemento de um respectivo
cadastrado aos consulentes;
(iii) solicitar impugnação de qualquer informação sobre ele erroneamente anotada
em banco de dados e ter sua imediata correção ou cancelamento e comunicação aos
bancos de dados para os quais houve compartilhamento da informação;
(iv) conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise de
risco, resguardado o segredo empresarial;
(v) ser informado previamente sobre o armazenamento, a identidade do gestor do
banco de dados, o objetivo do tratamento dos dados pessoais e os destinatários dos
dados em caso de compartilhamento;
(vi) solicitar a revisão de decisão realizada exclusivamente por meios
automatizados; e
(vii) ter os seus dados pessoais utilizados somente de acordo com a fi nalidade para
a qual eles foram coletados.
11. Reforçando as garantias dadas ao cadastrado, o art. 6º estabelece obrigações
aos gestores dos bancos de dados no fornecimento de informações àquele, com
destaque para a cópia de texto contendo sumário dos seus direitos, defi nidos em lei
ou em normas infralegais pertinentes à sua relação com bancos de dados, bem como
a lista dos órgãos governamentais aos quais poderá ele recorrer, caso considere que
esses direitos foram infringidos.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 339
12. O art. 7º disciplina que as informações constantes do banco de dados somente
poderão ser utilizadas para realização de análise de risco de crédito do cadastrado e
para subsidiar a concessão de crédito, a realização de venda a prazo ou outras
transações comerciais e empresariais que impliquem risco fi nanceiro ao consulente.
Tais restrições asseguram a não utilização das informações para realização de
outros fi ns que não os disciplinados na norma, como, por exemplo, telemarketing.
13. Para estimular a disseminação e a maior disponibilização de informações no
conjunto de banco de dados, o art. 8º permite, desde que expressamente autorizado
pelo cadastrado, o compartilhamento e a troca de informações entre os mesmos,
bem como atribui a devida responsabilidade aos gestores dos bancos de dados,
sejam eles quem anotou originalmente a informação ou não.
14. Para evitar danos à competição no sistema de bancos de dados, o art. 9º veda
a exigência de exclusividade no fornecimento de informações ao banco de dados
por uma determinada fonte.
15. O art. 10 permite a inclusão de informação sobre o cumprimento das
obrigações financeiras relativas aos serviços de prestação continuada de água,
esgoto, eletricidade, gás e telecomunicações, vedando-se, entretanto, a anotação de
informação de serviço de telefonia móvel. Importa destacar que a possibilidade de
registro de tais informações é de suma importância para as pessoas de menor poder
aquisitivo, que têm enorme difi culdade de acesso a linhas de crédito, seja pela falta
de comprovação de renda regular, seja pela inexistência de bens para oferecimento
como garantia. A exclusão das informações sobre telefonia móvel se deve a dois
fatores: em primeiro lugar, a relação entre os consumidores e as operadoras é
muito instável, havendo comumente a troca de operadora, o que será reforçado
com o advento da portabilidade do número; em segundo lugar, a grande maioria
dos consumidores se utiliza da modalidade pré-paga, que para fi ns de formação
do histórico de crédito não tem nenhuma utilidade, pois trata-se de uma compra a
vista.
16. Dado o volume de informações já detidas pelas instituições financeiras e
a importância destas para a construção dos bancos de dados, estipula-se no art.
11 que as mesmas devem fornecer aos bancos de dados indicados as informações
relativas ao seu cliente, quando por ele solicitado. Desta forma, respeita-se o sigilo
bancário das informações, que só podem ser repassada com autorização do titular
das mesmas, e assegura-se a possibilidade de acesso dos bancos de dados a um
amplo conjunto de dados já constituído e de grande qualidade.
17. Face a necessidade de maior detalhamento dos temas disciplinados
nesta medida provisória, o art. 12 atribui ao Poder Executivo competência para
regulamentá-la, em especial quanto ao uso, guarda, escopo e compartilhamento
das informações recebidas por bancos de dados, e quanto ao disposto no art. 5º.
18. O art. 13 estipula o prazo de quinze anos para manutenção de informações
de adimplemento em banco de dados, o art. 14 disciplina o conjunto de bancos de
dados que pode ser acessado pelos consulentes e o art. 15 dispõe que o banco de
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
340
dados, a fonte e o consulente são responsáveis objetiva e solidariamente pelos danos
materiais e morais que causarem ao cadastrado.
19. Por fim, o art. 16 esclarece que nas situações em que o cadastrado for
consumidor, caracterizado conforme o Código de Defesa do Consumidor, aplicam-
se as sanções e penas previstas no Código e abre-se a possibilidade de os órgãos de
proteção e defesa do consumidor criados pela União, pelos Estados, pelo Distrito
Federal e pelos Municípios, aplicarem medidas corretivas para determinar a
obrigação de fazer aos bancos de dados.
20. Em suma, com este conjunto de medidas, espera-se dotar o País de um
arcabouço legal que incentive a troca lícita de informações pertinentes ao crédito
e as transações comerciais, reduzindo o problema da assimetria de informações e
proporcionando novos meios para redução das taxas de juros e para ampliação das
relações comerciais, com a adequada proteção da privacidade das pessoas.
Esses são os motivos, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, pelos quais
submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de medida
provisória.
Fica claro, assim, que uma das principais preocupações da Lei n.
12.414/2011 é a tutela do consumidor em vários aspectos relevantes, inclusive a
proteção da sua honra e privacidade.
O mercado adaptou-se ao novo estatuto legal, servindo de exemplo a
“Central de Risco do Banco Central”, que passou a se denominar “Sistema de
Informações de Crédito do Banco Central” (SCR).
Nesse contexto normativo, deve ser avaliada a licitude do sistema “credit
scoring”.
5) Licitude do sistema “credit scoring” e seus limites
A avaliação da licitude do sistema “credit scoring” deve partir da premissa
de que não se trata de um cadastro ou banco de dados de consumidores, mas
de uma metodologia de cálculo do risco de crédito, utilizando-se de modelos
estatísticos e dos dados existentes no mercado acessíveis via “internet”.
Constitui, em síntese, uma fórmula matemática ou uma ferramenta
estatística para avaliação do risco de concessão do crédito.
Sua origem é um trabalho elaborado por David Durand, em 1941,
denominado “Risk Elements in Consumer Installment Financing”, em que
foi desenvolvida a técnica estatística de análise discriminante para distinguir os
bons e os maus empréstimos, atribuindo-se pesos diferentes para cada uma das
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 341
variáveis escolhidas para execução do seu método, que foi denominado “credit
scoring” (AMORIM NETO, Antônio Alves, e CARMONA, Charles Ulisses
de Montreuil. Modelagem do risco de crédito: um estudo do segmento de pessoas físicas
em um banco de varejo. Programa de Pós-Graduação da UFPE. REAd, ed. 40,
vol. 10, n. 4, jul-ago 2004, p. 4).
A partir da década de sessenta, esse sistema de pontuação de crédito passou
a ser amplamente utilizado nos EUA nas operações de crédito ao consumidor,
especialmente nas concessões de cartão de crédito.
No Brasil, a preocupação com a administração do risco de crédito
incrementa-se após 1994, em face do controle da infl ação ensejado pelo Plano
Real e da ampliação do crédito concedido para pessoas físicas.
A Lei n. 12.414/2011 faz menção expressa aos sistemas de análise do risco
de crédito em pelo menos dois momentos:
Art. 5º - São direitos do consumidor cadastrado:
...
IV - conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise do
risco de crédito, resguardado o segredo empresarial”).
Art. 7º - As informações disponibilizadas nos bancos de dados somente poderão
ser utilizadas para:
I - realização de análise de risco de crédito do cadastrado;
Assim, essa nova prática comercial é lícita, mas deve respeito aos princípios
basilares do sistema jurídico brasileiro de proteção do consumidor, desenvolvido
no sentido da tutela da privacidade e da exigência da máxima transparência nas
relações negociais, partindo do Código Civil, passando pelo CDC e chegando-
se a Lei n. 12.414/2011.
6) Privacidade:
No aspecto relativo à privacidade, devem ser respeitados os direitos
fundamentais previstos no art. 5º, X, da Constituição Federal (“X – são invioláveis
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
de indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação”), com
especial destaque para os direitos de personalidade regulamentados pelo Código
Civil de 2002 (artigos 11 a 21), estatuindo-se o seguinte:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
342
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade
são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação
voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade,
e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do
interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato
contrário a esta norma.
Adriano de Cupis, em sua obra clássica denominada “Os Direitos
da Personalidade”, anota que “a personalidade, se não se identifi ca com os
direitos e com as obrigações jurídicas, constitui precondição deles, ou seja, o
seu fundamento e pressuposto”, acrescendo que os direitos da personalidade
são aqueles destinados a dar conteúdo à personalidade humana, como a vida, a
integridade física, a liberdade, a honra, a vida privada (DE CUPIS, Adriano. Os
Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 200, pp. 21 e 23).
Por serem direitos inerentes à própria personalidade, apresentam como
características a instransmissibilidade, a indisponibilidade e a irrenunciabilidade,
consoante expresso no art. 11 do CC/2002. Constituem “direitos essenciais”,
sem os quais a personalidade restaria uma suscetibilidade completamente
irrealizada e sem os quais os demais direitos subjetivos perderiam interesse
para o indivíduo, tendo sido qualifi cados como direitos inatos ou naturais pela
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.
Modernamente, os direitos da personalidade passaram a ser regulados,
de forma crescente, pelas principais codifi cações civis europeias, com destaque
para os Códigos Civis da Alemanha (§ 12), Itália (arts. 5º a 10) e Portugal,
sendo que o CC português de 1966, em seus artigos 70 a 81, conferiu-lhes uma
ampla proteção, iniciando-se por uma cláusula geral de tutela dos direitos da
personalidade, verbis:
Art. 70º (tutela geral da personalidade): “1. A lei protege os indíviduos contra
qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. 2.
Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada
ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso,
com o fi m de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já
cometida.”
Não tendo sido sufi ciente essa regulamentação no seio das codifi cações
civis para a sua efetiva proteção, como evidenciaram as atrocidades cometidas
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 343
ao longo da Segunda Guerra Mundial, foram elevados para o patamar
constitucional, passando a ser arrolados entre os direitos fundamentais nas
principais constituições contemporâneas, com especial destaque para Itália
(1947) e Alemanha (1949), que abrem suas cartas constitucionais com a
exigência de respeito à dignidade da pessoa.
Paulo Luiz Netto Lôbo (“Danos morais e direito da personalidade”.
Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro: Padma, v. 2, n. 6, abr./jun.
2001) anota que não devem ser confundidos direitos fundamentais e direitos
da personalidade, pois nem todos os direitos fundamentais são direitos da
personalidade, como ocorre com as garantias constitucionais, que não são inatas
à pessoa, mas conquistas externas (p. 85).
Capelo de Sousa (CAPELO DE SOUSA, Rabindrath V. A. O Direito
Geral de Personalidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2011, p. 581), analisando
os direitos de personalidade e os direitos fundamentais, observa que:
“A afinidade emerge da parcial sobreposição ao nível da pessoa humana de
dois planos jurídico-gnoseológicos: o do direito civil, onde se fundam os direitos da
personalidade, e o do direito constitucional, donde irradiam os direitos fundamentais”.
E, após distingui-los, conclui:
“Logo se concluirá que, embora muitos e diversos direitos de personalidade sejam
também direitos fundamentais, nem todos os direitos de personalidade constituem
direitos fundamentais e, ao invés, nem todos os direitos fundamentais são direitos de
personalidade.”
No Brasil, a proteção da honra e da privacidade constituem tanto direitos
fundamentais contemplados no art. 5º, X, da Constituição Federal, como
direitos da personalidade, regulados pelos artigos 11 a 21 do Código Civil.
A preocupação com a proteção da privacidade começa nos EUA o fi nal do
Século XIX, obtendo uma sistematização na Alemanha ao longo do Século XX.
Em 1890, em Boston, Warren e Brandeis passam a discutir the right to
be let alone (o direito de ser deixado só ou em paz), em seu artigo Th e Right to
Privacy (WEINGARTNER NETO, Jaime. Honra, privacidade e Liberdade de
Imprensa: uma pauta de justifi cação penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2002, p. 69.)
A motivação foram os mexericos da imprensa acerca do salão de festas da
esposa de Samuel Warren, elegante dama da sociedade, fi lha de senador e esposa
de advogado renomado. Em 1902, a Corte local rejeitou, por maioria de quatro
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
344
votos a três, a alegação de violação à intimidade. Os fundamentos essenciais para
o reconhecimento da privacy são a I Amendment (liberdade de expressão e de
imprensa), IV Amendment (proteção das pessoas, domicilio e correspondência
contra não razoáveis buscas e intervenções) e VI Amendment (devido processo
legal).
Apesar da derrota judicial, a tese teve boa recepção pela opinião pública
americana e a privacy foi acolhida, posteriormente, pelo Restatment (First) of
Torts, em 1939, elaborado pelo American Law Institute (Seção 867 – direito à
vida privada).
Na Alemanha, a jurisprudência, especialmente do Tribunal Constitucional
Federal, ao longo do Século XX, a partir da Lei Fundamental de Bonn (art. 2.1),
desenvolveu a noção de privacidade e intimidade como uma faceta do direito
geral de personalidade, tendo como seu fundamento último a própria dignidade
da pessoa humana.
Protege-se a liberdade “que assiste a cada pessoa de decidir quem e em que
termos pode tomar conhecimento e ter acesso a espaços, eventos ou vivências
pertinentes à respectiva área de reserva” (ANDRADE, Manoel da Costa.
Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma perspectiva jurídico-criminal.
Coimbra: Coimbra Editora, 1996).
Tradicionalmente, na jurisprudência alemã, a proteção da vida privada
era analisada na perspectiva de três graus ou esferas distintas: intimidade,
privacidade e publicidade.
A publicidade é a área de atuação pública de cada pessoa, exposta ao
interesse público em geral, e que, consequentemente, apresenta livre atuação
pelos meios de comunicação em geral.
A privacidade é uma esfera intermediária, cuja proteção é inversamente
proporcional ao estatuto social da pessoa; assim, quanto mais pública a pessoa,
menor o grau de proteção.
A intimidade é o último e inviolável reduto da liberdade pessoal, que não
pode ser devassada por mais pública que seja a pessoa.
Esses graus de proteção da vida privada serviram de referência para a
doutrina e para a jurisprudência alemã estabelecerem os limites da liberdade de
imprensa, embora recentemente esses conceitos tenham sido revisitados.
Note-se que honra e privacidade, abrangendo esta a vida privada e a
intimidade, são bens jurídicos distintos (ANDRADE, Manoel da Costa.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 345
Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: uma perspectiva jurídico-criminal.
Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 105).
Nas ofensas contra a honra, há a imputação de fatos inverídicos ou não
verdadeiros contra a pessoa ofendida (calunia, difamação, injuria).
Nas ofensas contra a privacidade ou a intimidade, os fatos revelados ou
devassados são verdadeiros, mas invadem indevidamente uma esfera protegida
do indivíduo.
7) Transparência e boa-fé na prestação de informações:
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 4º, ao traçar os princípios
reitores da política nacional das relações de consumo, faz expressa referência à
transparência (“caput”) e à boa-fé (inciso III), que são complementares entre si.
O princípio da transparência busca estabelecer, na lição de Cláudia Lima
Marques, “uma relação contratual mais sincera e menos danosa entre consumidor
e fornecedor”. E complementa: “Transparência signifi ca informação clara e
correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser fi rmado, signifi ca
lealdade a respeito das relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase
pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo” (MARQUES,
Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1999, p. 286).
Lembra Cláudia Lima Marques que transparência “não deixa de ser um
refl exo da boa-fé exigida aos agentes contratuais (op. cit., p. 343).
O princípio da boa-fé objetiva, devidamente positivado tanto no CDC (art.
4º, III, e art. 51, IV), como no Código Civil de 2002 (artigos 113, 187 e 422),
constitui um modelo de conduta social ou um padrão ético de comportamento,
que impõe, concretamente, a todo o cidadão que, na sua vida de relação, atue
com honestidade, lealdade e probidade.
Não deve ser confundido com a boa-fé subjetiva (guten Glauben), que é o
estado de consciência ou a crença do sujeito de estar agindo em conformidade
com as normas do ordenamento jurídico (v.g. posse de boa-fé, adquirente de
boa-fé, cônjuge de boa-fé no casamento nulo).
O princípio da boa-fé objetiva (Treu und Glauben) foi consagrado pelo §
242 do BGB, estabelecendo simplesmente o seguinte:
§ 242. O devedor deve cumprir a prestação tal como exige a boa-fé e os costumes
do tráfego social.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
346
A partir dessa cláusula geral de boa-fé, a doutrina alemã desvendou esse
novo princípio do sistema de direito privado.
A boa-fé objetiva (Treu und Glauben) apresenta-se, em particular, como
um modelo ideal de conduta, que se exige de todos os integrantes da relação
obrigacional (devedor e credor) na busca do correto adimplemento da obrigação,
que é a sua fi nalidade.
Almeida Costa, após afi rmar que a boa-fé objetiva constitui um standard
de conduta ou um padrão ético-jurídico, esclarece que ela estabelece que “os
membros de uma comunidade jurídica devem agir de acordo com a boa-
fé, consubstanciando uma exigência de adotarem uma linha de correção e
probidade, tanto na constituição das relações entre eles como no desempenho
das relações constituídas. E com o duplo sentido dos direitos e dos deveres em
que as relações jurídicas se analisam: importa que sejam aqueles exercidos e
estes cumpridos de boa-fé. Mais ainda: tanto sob o ângulo positivo de se agir
com lealdade, como sob o ângulo negativo de não se agir com deslealdade”
(ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das Obrigações. Coimbra: Almedina,
2009, p. 113 e segs.).
A inexistência, no Código Civil brasileiro de 1916, de cláusula geral
semelhante ao § 242 do BGB ou a do art. 227, n. 1, do Código Civil português
não impediu que a boa-fé passasse a ser reconhecida em nosso sistema jurídico
por constituir um dos princípios fundamentais do sistema de direito privado.
A jurisprudência já vinha utilizando o princípio da boa-fé objetiva para
solução de casos concretos.
A partir do CDC, esse obstáculo foi superado, pois a boa-fé foi consagrada
como um dos princípios fundamentais das relações de consumo (art. 4º, III) e
como cláusula geral para controle das cláusulas abusivas (art. 51, IV).
Assim, a partir de 1990, o princípio da boa-fé foi expressamente positivado
no sistema de direito privado brasileiro, podendo ser aplicado, com fundamento
no art. 4º da LICC, a todos os demais setores.
No Código Civil de 2002, o princípio da boa-fé objetiva foi expressamente
contemplado, inserindo-se como expressão, conforme Miguel Reale, de sua
diretriz ética. Exatamente a exigência ética fez com que, por meio de um
modelo aberto, fosse entregue à hermenêutica declarar o signifi cado concreto da
boa-fé, cujos ditames devem ser seguidos desde a estipulação de um contrato até
o término de sua execução.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 347
Na relação obrigacional, a boa-fé exerce múltiplas funções, desde a fase
anterior à formação do vínculo, passando pela sua execução, até a fase posterior
ao adimplemento da obrigação: interpretação das regras pactuadas (função
interpretativa), criação de novas normas de conduta (função integrativa) e
limitação dos direitos subjetivos (função de controle contra o abuso de direito).
Em sua função interpretativa, prevista no art. 113 do Código Civil
brasileiro de 2002, a boa-fé auxilia no processo de interpretação das cláusulas
contratuais. Colabora, dessa forma, para uma análise objetiva das normas
estipuladas no pacto.
Na sua função de controle, limita o exercício dos direitos subjetivos,
estabelecendo para o credor, ao exercer o seu direito, o dever de ater-se aos
limites traçados pela boa-fé, sob pena de uma atuação antijurídica, consoante
previsto pelo art. 187 do Código Civil brasileiro de 2002.
Evita-se, assim, o abuso de direito em todas as fases da relação jurídica
obrigacional, orientando a sua exigibilidade (pretensão) ou o seu exercício
coativo (ação).
Desenvolveram-se fórmulas, sintetizadas em brocardos latinos, que
indicam tratamentos típicos de exercícios inadmissíveis de direitos subjetivos,
como a supressio (o não-exercício de um direito durante longo tempo poderá
ensejar a sua extinção), a tuo quoque (aquele que infringiu uma regra de conduta
não pode postular que se recrimine em outrem o mesmo comportamento) e a
venire contra factum proprium (exercício de uma posição jurídica em contradição
com o comportamento anterior do exercente).
A função integrativa da boa-fé, tendo por fonte o art. 422 do Código Civil
brasileiro de 2002, permite a identifi cação concreta, em face das peculiaridades
próprias de cada relação obrigacional, de novos deveres, além daqueles que
nascem diretamente da vontade das partes.
Ao lado dos deveres primários da prestação, surgem os deveres secundários
ou acidentais da prestação e, até mesmo, deveres laterais ou acessórios de
conduta. Enquanto os deveres secundários vinculam-se ao correto cumprimento
dos deveres principais (v.g. dever de conservação da coisa até a tradição), os
deveres acessórios ligam-se diretamente ao correto processamento da relação
obrigacional (v. g. deveres de cooperação, de informação, de sigilo, de cuidado).
O dever de informação constitui consectário da função integrativa da boa-
fé objetiva, tendo assumido cada vez maior importância em nossa sociedade de
consumo massifi cada.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
348
A impessoalização das relações de consumo, envolvendo, de um lado, um
fornecedor profi ssional e, de outro lado, um consumidor anônimo, exigem o
máximo de transparência, sinceridade e lealdade entre as partes.
Assim, a informação constitui um direito básico do consumidor, que tem
sua matriz no princípio da boa-fé objetiva.
O marketing agressivo e impessoal é utilizado apenas como elemento
de persuasão do consumidor à aquisição de determinado produto ou serviço.
Ressaltam-se os seus aspectos positivos, relacionados à sua utilidade e conforto,
esquecendo-se o fornecedor de efetivamente informar os consumidores acerca
da sua correta utilização e dos riscos por eles ensejados pelos produtos e serviços
ofertados. Freqüentemente, o consumidor deixa de ser alertado para os perigos
oferecidos pelo produto adquirido.
Por isso, a Carta de Proteção do Consumidor, elaborada pelo Conselho da
Comunidade Européia, em 17/05/1973, elencou a informação como um dos
direitos básicos do consumidor.
Em 16/04/1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas expediu a
Resolução n. 30/248, que, entre as diretivas para proteção ao consumidor,
estabelece a necessidade de amplo acesso a informação
Em 1990, o CDC, seguindo a mesma linha, elencou, entre os direitos
básicos do consumidor, “a informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especifi cação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art.
6º, III).
No Brasil, como país em vias de desenvolvimento, a necessidade de
prestação de informações claras pelos fornecedores assume um relevo especial,
em face do grande número de pessoas analfabetas ou com baixo nível de
instrução inseridas no mercado de consumo.
As informações devem ser prestadas em linguagem de fácil compreensão,
enfatizando-se, de forma especial, as advertências em torno de situações de
maior risco.
A legislação do consumidor, acompanhando a tendência moderna do
direito privado, acolheu amplamente o dever de informação do fornecedor em
vários momentos (art. 4º, IV, art. 6º, III, art. 8º, art. 12, art. 14, art. 18, art. 20, art.
31, art. 43, art. 46).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 349
Enfi m, o consumidor deve ser informado clara e objetivamente acerca de
todos os aspectos atinentes à relação contratual desde o período pré-negocial,
incluindo dever de máxima transparência dos arquivos de consumo.
8) Privacidade e transparência nos arquivos de consumo
O CDC e a Lei n. 12.414/2011 tiveram clara preocupação em proteger a
privacidade do consumidor e assegurar o máximo de transparência nos arquivos
de consumo em geral.
O CDC, em seu art. 43, ao regular os arquivos de consumo, deixou
expresso:
a) direito de acesso do consumidor às informações existentes sobre ele
nesses cadastros e bancos de dados, além das respectivas fontes;
b) dever de clareza dos arquivos;
c) direito de retifi cação de informações incorretas;
d) fi xação de uma vida útil para essas informações (cinco anos).
Na mesma linha, a lei do cadastro positivo regulamentou a matéria,
merecendo lembrança os principais deveres textualmente estabelecidos na Lei n.
12.414/2011, em seu art. 3º, verbis:
Art. 3º Os bancos de dados poderão conter informações de adimplemento do
cadastrado, para a formação do histórico de crédito, nas condições estabelecidas
nesta Lei.
§ 1º Para a formação do banco de dados, somente poderão ser armazenadas
informações objetivas, claras, verdadeiras e de fácil compreensão, que sejam
necessárias para avaliar a situação econômica do cadastrado.
§ 2º Para os fi ns do disposto no § 1º, consideram-se informações:
I - objetivas: aquelas descritivas dos fatos e que não envolvam juízo de valor;
II - claras: aquelas que possibilitem o imediato entendimento do cadastrado
independentemente de remissão a anexos, fórmulas, siglas, símbolos, termos técnicos
ou nomenclatura específi ca;
III - verdadeiras: aquelas exatas, completas e sujeitas à comprovação nos termos
desta Lei; e
IV - de fácil compreensão: aquelas em sentido comum que assegurem ao
cadastrado o pleno conhecimento do conteúdo, do sentido e do alcance dos dados
sobre ele anotados.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
350
§ 3º Ficam proibidas as anotações de:
I - informações excessivas, assim consideradas aquelas que não estiverem
vinculadas à análise de risco de crédito ao consumidor; e
II - informações sensíveis, assim consideradas aquelas pertinentes à origem
social e étnica, à saúde, à informação genética, à orientação sexual e às convicções
políticas, religiosas e fi losófi cas.
Essas limitações previstas na lei do cadastro positivo podem ser sintetizadas
em cinco deveres a serem cumpridos pelo fornecedor do serviço:
a) dever de veracidade;
b) dever de clareza;
c) dever de objetividade;
d) vedação de informações excessivas;
e) vedação de informações sensíveis.
Merecem especial destaque as informações proibidas, que são as
qualifi cadas como excessivas e sensíveis.
Leonardo Roscoe Bessa explica a vedação às informações excessivas nos
seguintes termos (op. cit. P. 93/94):
A Lei 12.414/2011 veda o tratamento de informações excessivas. Se pode ser
verdadeiro que, sob a ótica econômica, quanto mais informações melhor
pe a avaliação de crédito (more is better), para o direito, para proteção jurídica
da privacidade, é fundamental restringir, tanto no tempo, como na qualidade e
quantidade, as informações que circulam pelos bancos de dados de proteção ao
crédito.
A primeira forma de limitar a qualidade da informação que circula em arquivos de
consumo é exigir que ela esteja vinculada ao propósito específi co do banco de dados.
Os dados coletados devem ser visivelmente úteis para os objetivos específi cos do
arquivo. Se não atenderem a esse pressuposto, a coleta e o tratamento da informação
devem ser considerados ilegais, ilegítimos e ofensivos à privacidade (art. 5º, X, da CF).
A redação do inc. I do § 3º atende justamente a essa preocupação, pois consideram-
se informações excessivas “aquelas que não estiverem vinculadas à análise de risco de
crédito ao consumidor”.
Antes mesmo da edição da Lei 12.414/2011, era possível sustentar, em razão
do núcleo essencial do direito à privacidade (art. 5º, X, da CF), que o tratamento de
informações excessivas ou desvinculadas das fi nalidades específi cas dos arquivos de
consumo seria inconstitucional. O dispositivo comentado positiva tal entendimento.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 351
De fato, para conferir signifi cado mínimo à inviolabilidade da privacidade, prevista
tanto na Constituição Federal (art. 5º, X) como no Código Civil (art. 21), há que ser
estabelecidas restrições positivas. Não se cuida de desconsiderar a possibilidade de
restrição ou conformação de direito fundamental, mas do cuidado em preservar o
núcleo essencial do direito. É imprescindível, no âmbito da moderna concepção de
proteção de dados, limitar tanto o conteúdo como a quantidade de informação que é
tratada pelas entidades de proteção ao crédito.
A vedação de utilização de dados sensíveis busca evitar a utilização
discriminatória da informação, conforme claramente defi nido pelo legislador
como aqueles “pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à informação
genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e fi losófi cas.”
Desse modo, no sistema jurídico brasileiro, encontram-se devidamente
regulados tanto o dever de respeito à privacidade do consumidor (v.g.
informações excessivas e sensíveis), como o dever de transparência nessas
relações com o mercado de consumo (v.g. deveres de clareza, objetividade e
veracidade).
Além disso, devem ser respeitadas as limitações temporais para as
informações a serem consideradas, estabelecidas pelo CDC e pela Lei n.
12.414/2011, que são de cinco anos para os registros negativos (CDC) e de
quinze anos para o histórico de crédito (Lei n. 12.414/2011, art. 14).
No caso específi co do “credit scoring”, devem ser fornecidas ao consumidor
informações claras, precisas e pormenorizadas acerca dos dados considerados
e as respectivas fontes para atribuição da nota (histórico de crédito), como
expressamente previsto no CDC e na Lei n. 12.414/2011.
O fato de se tratar de uma metodologia de cálculo do risco de concessão
de crédito, a partir de modelos estatísticos, que busca informações em cadastros
e bancos de dados disponíveis no mercado digital, não afasta o dever de
cumprimento desses deveres básicos, devendo-se apenas ressalvar dois aspectos:
De um lado, a metodologia em si de cálculo da nota de risco de crédito
(“credit scoring”) constitui segredo da atividade empresarial, cujas fórmulas
matemáticas e modelos estatísticos naturalmente não precisam ser divulgadas
(art. 5º, IV, da Lei 12.414/2011: ...”resguardado o segredo empresarial”).
De outro lado, não se pode exigir o prévio e expresso consentimento do
consumidor avaliado, pois não constitui um cadastro ou banco de dados, mas
um modelo estatístico.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
352
Com isso, não se aplica a exigência de obtenção de consentimento prévio e
expresso do consumidor consultado (art. 4º).
Isso não libera, porém, o cumprimento dos demais deveres estabelecidos
pelo CDC e pela lei do cadastro positivo, inclusive a indicação das fontes dos
dados considerados na avaliação estatística, como, aliás, está expresso no art. 5º,
IV, da própria Lei n. 12.414/2011 (“São direitos do consumidor cadastrado ...
conhecer os principais elementos e critérios considerados para a análise do risco
de crédito, resguardado o segredo empresarial”).
Assim, essas informações, quando solicitadas, devem ser prestadas ao
consumidor avaliado, com a indicação clara e precisa dos bancos de dados
utilizados (histórico de crédito), para que ele possa exercer um controle acerca
da veracidade dos dados existentes sobre a sua pessoa, inclusive para poder
retifi cá-los ou melhorar a sua performance no mercado.
Devem ser prestadas também as informações pessoais do consumidor
avaliado que foram consideradas para que ele possa exercer o seu direito
de controle acercas das informações excessivas ou sensíveis, que foram
expressamente vedadas pelo art. 3º, § 3º, I e II, da própria Lei n. 12.414/2011.
Não podem ser valoradas pelo fornecedor do serviço de “credit scoring”
informações sensíveis, como as relativas à cor, à opção sexual ou à orientação
religiosa do consumidor avaliado, ou excessivas, como as referentes a gostos
pessoais, clube de futebol de que é torcedor etc.
Caracterizado abuso de direito pela utilização de informações sensíveis,
excessivas, incorretas ou desatualizadas, a responsabilidade civil pelos danos
materiais e morais causados ao consumidor consultado será objetiva e solidária
do fornecedor do serviço de “credit scoring”, do responsável pelo banco de
dados, da fonte e do consulente (art. 2º da Lei do Cadastro Positivo), nos termos
do art. 16 da Lei n. 12.414/2011, verbis:
Art. 16. O banco de dados, a fonte e o consulente são responsáveis objetiva e
solidariamente pelos danos materiais e morais que causarem ao cadastrado.
Enfi m, devem ser respeitados os limites traçados pela legislação brasileira,
especialmente pelo CDC e pela Lei n. 12.414/2011, no sentido da proteção da
privacidade do consumidor consultado e da máxima transparência na avaliação
do risco de crédito, sob pena de caracterização de abuso de direito com eventual
ocorrência de danos morais.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 353
9) Dano moral
A última questão a ser enfrentada diz com o reconhecimento da ocorrência
de dano moral nos casos de excesso na utilização do sistema.
Não há dúvida que o desrespeito à regulamentação legal do sistema “credit
scoring”, por constituir abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode
ensejar a ocorrência de danos morais.
A simples circunstância, porém, de se atribuir uma nota insatisfatória
a uma pessoa não acarreta, por si só, um dano moral, devendo-se apenas
oportunizar ao consumidor informações claras acerca dos dados utilizados nesse
cálculo estatístico.
Entretanto, se a nota atribuída ao risco de crédito decorrer da consideração
de informações excessivas ou sensíveis, violando sua honra e privacidade, haverá
dano moral “in re ipsa”.
No mais, para a caracterização de um dano extrapatrimonial, há necessidade
de comprovação de uma efetiva recusa de crédito, com base em uma nota de
crédito baixa por ter sido fundada em dados incorretos ou desatualizados.
10) Teses sugeridas:
1) O sistema “credit scoring” é um método desenvolvido para avaliação do risco
de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas
variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco
de crédito).
2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I,
da Lei n. 12.414/2011 (Lei do Cadastro Positivo).
3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos
pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da
máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n.
12.414/2011.
4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem
ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados
considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas.
5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema “credit scoring”,
configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar
a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável
pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
354
ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou
sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada
recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.
11) Análise do Recurso Especial n. 1.419.697-RS:
No recurso especial interposto pelo Banco Boa Vista, com fundamento
na alínea a do permissivo constitucional, a recorrente apontou violação aos
seguintes dispositivos legais:
(I) art. 535, II, do CPC, porquanto o acórdão recorrido teria deixado de
enfrentar pontos omissos relevantes para o deslinde da causa;
(II) art. 267, VI, do CPC, pois a recorrente seria parte ilegítima para
fi gurar no polo passivo da demanda, visto que (i) não possui qualquer ingerência
sobre a tomada de decisões nos estabelecimentos comerciais para os quais presta
serviços consultivos, não tendo infl uência sobre a concessão ou não de crédito
por determinadas empresas; (ii) o seu serviço consiste em compilar dados
cadastrais disponibilizados publicamente com cadastros de inadimplência para
que o comerciante decida se concede ou não crédito ao consumidor;
(III) art. 333, II, do CPC, pois (i) restou comprovado que não é
responsável pela negativação do crédito do consumidor, mas sim, o concedente
do crédito, destinatário dos seus serviços; (ii) o SCPC SCORE CRÉDITO
não possui qualquer relação com o cadastro positivo (consagrado pela Lei
12.414/2001), visto que não utiliza informações positivas dos consumidores;
(iii) adota parâmetros similares aos de seguradoras de veículos, fornecendo
dados estatísticos, baseados em critérios objetivos e de ciência de todos os
envolvidos; (iv) não é possível falar na ocorrência de dano “in re ipsa”.
Passo ao exame do próprio recurso especial, iniciando pela análise da
preliminar de ofensa ao art. 535 do CPC, que, adianto, não merece acolhida.
Com efeito, apresenta-se defi ciente a fundamentação do recurso especial
na parte em que alega ofensa ao art. 535 do CPC se faz de forma genérica,
não havendo a demonstração clara dos pontos do acórdão que se apresentam
omissos, contraditórios ou obscuros.
Aplica-se, assim, o óbice da Súmula 284/STF.
Nesse sentido, merecem lembrança os seguintes precedentes do STJ: AgRg
no Ag 1.130.264/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 319-355, novembro 2017 355
Convocado do TJ/RS), DJe de 01/07/2011; REsp 1.253.231/SC, 2ª Turma, Rel.
Min. Castro Meira, DJe de 03/11/2011; REsp 1.268.469/SP, 2ª Turma, Rel.
Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 27/02/2012; e REsp 1.190.865/MG,
3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 01/03/2012.
Rejeita-se, assim, a preliminar de violação ao art. 535 do CPC.
Passo ao exame do mérito.
Não merecem acolhida as alegações de ofensa ao art. 267, VI, e 333, II, do
CPC, em face das conclusões estabelecidas na primeira parte do voto acerca da
natureza do sistema “scoring”.
Merece acolhida a alegação de inocorrência de dano “in re ipsa” se não
houver prova da negativação do crédito do consumidor consultado, conforme já
aludido na primeira parte do voto, no sentido de que “o desrespeito aos limites
legais na utilização do sistema “credit scoring”, confi gurando abuso no exercício
desse direito (art. 187 do CC), ... pode ensejar a ocorrência de danos morais nas
hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e
II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de recusa indevida de crédito
pelo uso de dados incorretos ou desatualizados.”
No caso, não tendo sido afi rmada pelas instâncias ordinárias a comprovação
de recusa efetiva do crédito ao consumidor recorrido, não é possível o
reconhecimento da ocorrência de dano moral.
Assim, deve-se reconhecer a violação pelo acórdão recorrido, nesse tópico,
do disposto no art. 333, II, do CPC, provendo-se o recurso especial para
julgar improcedente a demanda indenizatória, com inversão dos encargos
sucumbenciais, ressalvada a concessão na origem do benefício da assistência
judiciária gratuita.
12) Conclusão
Ante o exposto, após não conhecer do agravo regimental e dos embargos
declaratórios interpostos no curso do processamento do presente recurso
representativo de controvérsia, voto no sentido do parcial provimento do recurso
especial para julgar improcedente a demanda indenizatória, com inversão dos
encargos sucumbenciais, ressalvada a concessão na origem do benefício da
assistência judiciária gratuita.
É o voto.
Súmula n. 551
SÚMULA N. 551
Nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia,
admite-se a condenação ao pagamento de dividendos e juros sobre capital
próprio independentemente de pedido expresso. No entanto, somente quando
previstos no título executivo, poderão ser objeto de cumprimento de sentença.
Referências:
CPC, art. 543-C.
Lei n. 9.249/1995, art. 9º.
Deliberação CVM n. 207/1996, revogada.
Deliberação CVM n. 683/2012.
Precedentes:
(*)REsp 1.373.438-RS (2ª S, 11.06.2014 – DJe 17.06.2014) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no REsp 1.302.238-RS (3ª T, 11.11.2014 – DJe 18.11.2014)
AgRg no AREsp 312.475-RS (3ª T, 20.11.2014 – DJe 26.11.2014)
AgRg no AREsp 585.114-RS (3ª T, 24.02.2015 – DJe 10.03.2015)
AgRg no AREsp 391.208-RS (3ª T, 12.05.2015 – DJe 21.05.2015)
AgRg no REsp 1.340.053-RS (4ª T, 26.08.2014 – DJe 08.09.2014)
AgRg no AREsp 581.165-RS (4ª T, 18.11.2014 – DJe 25.11.2014)
(*) Recurso repetitivo.
Segunda Seção, em 14.10.2015
DJe 19.10.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.373.438-RS (2013/0067213-8)
Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino
Recorrente: Brasil Telecom S/A
Advogados: João Paulo Ibanez Leal
Angela Ibanez Leal
Martha Ibanez Leal
Lauro Saraiva Teixeira Junior e outro(s)
Recorrido: Germano Sonaglio
Advogados: Mauricio Dal Agnol
Rodrigo Tonial e outro(s)
Interes.: Comissão de Valores Mobiliários - CVM - “Amicus Curiae”
Repr. por : Procuradoria-Geral Federal
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPRESEN TAT IVO DA
CONTROVÉRSIA. EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL.
TELEFONIA. COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES. JUROS SOBRE
CAPITAL PRÓPRIO. CUMULAÇÃO COM DIVIDENDOS.
CABIMENTO. PEDIDO IMPLÍCITO. DECORRÊNCIA LÓGICA
DO PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES. INCLUSÃO
NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA SEM PREVISÃO NO
TÍTULO EXECUTIVO. OFENSA À COISA JULGADA.
1. Para fi ns do art. 543-C do CPC:
1.1. Cabimento da cumulação de dividendos e juros sobre capital
próprio.
1.2. Nas demandas por complementação de ações de empresas de
telefonia, admite-se a condenação ao pagamento de dividendos e juros sobre
capital próprio independentemente de pedido expresso.
1.3. Descabimento da inclusão dos dividendos ou dos juros sobre capital
próprio no cumprimento da sentença condenatória à complementação de
ações sem expressa previsão no título executivo.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
362
2. Caso concreto:
2.1. Inviabilidade de se alterar, na fase de cumprimento de sentença,
o valor patrimonial da ação defi nido expressamente no título executivo, sob
pena de ofensa à coisa julgada.
2.2. Descabimento da inclusão dos juros sobre capital próprio no
cumprimento de sentença sem previsão expressa no título executivo.
2.3. Incidência do óbice da Súmula 211/STJ no que tange à alegação
relativa ao termo ‘ad quem’ dos dividendos.
2.4. “Não são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da
impugnação ao cumprimento de sentença”.
2.5. “Apenas no caso de acolhimento da impugnação, ainda que
parcial, serão arbitrados honorários em benefício do executado, com base no
art. 20, § 4º, do CPC” (REsp 1.134.186/RS, rito do art. 543-C).
3. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
parcial provimento ao recurso para decotar do cumprimento de sentença os juros
sobre capital próprio, bem como para excluir a condenação da ora recorrente ao
pagamento de honorários advocatícios na impugnação ao cumprimento de
sentença, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os efeitos dos artigo 543, C, do Código de Processo Civil, foram
defi nidas as seguintes teses: i.1. Cabimento da cumulação de dividendos e
juros sobre capital próprio. i.2. Nas demandas por complementação de ações
de empresas de telefonia, admite-se a condenação ao pagamento de dividendos
e juros sobre capital próprio independentemente de pedido expresso. i.3.
Descabimento da inclusão dos dividendos ou dos juros sobre capital próprio
no cumprimento da sentença condenatória à complementação de ações sem
expressa previsão no título executivo. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti,
Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Nancy
Andrighi, João Otávio de Noronha, Sidnei Beneti e Raul Araújo votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 11 de junho de 2014 (data de julgamento).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 363
Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator
DJe 17.6.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: Trata-se de recurso especial
afetado ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil para a consolidação
do entendimento desta Corte sobre as seguintes questões jurídicas:
(i) possibilidade de cumulação de dividendos e juros sobre capital próprio;
(ii) possibilidade de inclusão de juros sobre capital próprio nos cálculos
exequendos sem previsão no título executivo judicial.
No caso dos autos, BRASIL TELECOM S/A insurge-se contra acórdão
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assim sintetizado em sua ementa:
AGRAVO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO
MEDIANTE DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO ACIONÁRIA.
CONDENAÇÃO A SUBSCREVER NÚMERO COMPLEMENTAR DE AÇÕES. FIXAÇÃO
EXPRESSA, NA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, DO VALOR PATRIMONIAL A SER
ADOTADO. MODIFICAÇÃO QUE ATENTARIA CONTRA A COISA JULGADA. ARTS. 467,
CPC, E 5º, XXXVI, CF. PAGAMENTO DE DIVIDENDOS E juros SOBRE CAPITAL PRÓPRIO.
CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. Reconhecido o direito à complementação de
ações, responde a ré pelo pagamento dos rendimentos correspondentes às ações
subscritas a menor. Precedentes. Juros sobre capital próprio são rubrica que integra os
dividendos. COBRANÇA DE juros SOBRE juros NÃO VERIFICADA. NÃO SE VISLUMBRA
QUALQUER IRREGULARIDADE QUE DIGA RESPEITO À PRÁTICA DE ANATOCISMO.
Honorários advocatícios. Consoante a nova sistemática do CPC, prevista no art. 475-J,
e seus parágrafos, o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, deverá ser
intimado na pessoa de seu advogado para efetuar o pagamento no prazo de 15 dias.
DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. NEGADO PROVIMENTO. (fl .
434)
Em suas razões, a parte recorrente alegou violação, dentre outros, aos arts.
467, 468 e 471 Código de Processo Civil e ao art. 9º, § 7º, da Lei 9.249/95, sob
os argumentos de excesso de execução e de impossibilidade de cumulação de
dividendos e juros sobre capital próprio.
Contrarrazões às fl s. 274/280.
O Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento do
recurso especial, para que: “(i) o VPA seja apurado com base no balancete do mês
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
364
da integralização; (ii) seja fi xado como termo fi nal para cálculo de dividendos a
data da sua conversão em pecúnia e (iii) seja excluída a condenação em honorários
advocatícios em sede de impugnação de sentença” (fl . 574). Quanto aos juros sobre
capital próprio, opinou pela possibilidade de cumulação com os dividendos e
pela possibilidade de inclusão nos cálculos exequendos, tendo em vista que “a
fundamentação [do título executivo] deixou evidente a intenção de incluir tais juros”
(fl . 572).
Por iniciativa deste relator, facultou-se à Comissão de Valores Mobiliários
- CVM e ao Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI a
oportunidade de se manifestarem nos presentes autos, no prazo de 15 dias.
A Comissão de Valores Mobiliários - CVM requereu o ingresso no feito
como amicus curiae e apresentou manifestação escrita (fl s. 594/619), opinando
pela possibilidade de cumulação de dividendos com juros sobre capital próprio,
mediante a imputação do valor dos juros ao valor dos dividendos.
O Departamento de Registro Empresarial e Integração - DREI, por sua
vez, manifestou não ter interesse no feito.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Relator): Eminentes colegas,
inicio analisando a natureza dos juros sobre capital próprio - JCP.
Os JCP encontram-se atualmente previstos na Lei 9.249/95, que “altera a
legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social
sobre o lucro líquido, e dá outras providências”, nos seguintes termos, litteris:
Art. 9º - A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real,
os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a
título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio
líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de juros de Longo Prazo - TJLP.
§ 1º. O efetivo pagamento ou crédito dos juros fi ca condicionado à existência de
lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas
de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem
pagos ou creditados. (Redação dada pela Lei n. 9.430, de 1996)
§ 2º. Os juros fi carão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota
de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao benefi ciário.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 365
§ 3º. O imposto retido na fonte será considerado:
I - antecipação do devido na declaração de rendimentos, no caso de benefi ciário
pessoa jurídica tributada com base no lucro real;
II - tributação defi nitiva, no caso de benefi ciário pessoa física ou pessoa jurídica
não tributada com base no lucro real, inclusive isenta, ressalvado o disposto no § 4º;
§ 4º. (Revogado pela Lei n. 9.430, de 1996)
§ 5º. No caso de benefi ciário sociedade civil de prestação de serviços, submetida ao
regime de tributação de que trata o art. 1º do Decreto-Lei n. 2.397, de 21 de dezembro
de 1987, o imposto poderá ser compensado com o retido por ocasião do pagamento
dos rendimentos aos sócios benefi ciários.
§ 6º. No caso de benefi ciário pessoa jurídica tributada com base no lucro real, o
imposto de que trata o § 2º poderá ainda ser compensado com o retido por ocasião
do pagamento ou crédito de juros, a título de remuneração de capital próprio, a seu
titular, sócios ou acionistas.
§ 7º. O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de
remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendos de que
trata o art. 202 da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, sem prejuízo do disposto
no § 2º.
§ 8º. Para os fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, não será
considerado o valor de reserva de reavaliação de bens ou direitos da pessoa jurídica,
exceto se esta for adicionada na determinação da base de cálculo do imposto de
renda e da contribuição social sobre o lucro líquido. (Vide Medida Provisória n. 627,
de 2013) (Vigência)
§ 9º. (Revogado pela Lei n. 9.430, de 1996).
§ 10. (Revogado pela Lei n. 9.430, de 1996).
§ 11. (Vide Medida Provisória n. 627, de 2013).
A primeira questão que emerge desse dispositivo legal diz com a natureza
jurídica dos juros sobre capital próprio - JCP.
O nome de “juros” e a referência à Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP
sugere que estaríamos diante de uma modalidade de juros compensatórios,
devidos como remuneração pela indisponibilidade do capital investido pelos
acionistas na companhia.
Porém, a condicionante da existência de lucro (§ 1º, supra) é incompatível
com a noção de juros, fazendo-se supor que o JCP constituem, na verdade,
parcela do lucro distribuído aos acionistas (a par dos dividendos), tendo como
fundamento o êxito econômico companhia, não a indisponibilidade do capital
investido.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
366
A natureza dos JCP tem consequências relevantes do ponto de vista
tributário e societário.
Do ponto de vista tributário, se os JCP são considerados juros, a
contabilidade registrará a saída como despesa da companhia, reduzindo o lucro
real, que é a base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e
da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL (no caso de companhias
de grande porte, para as quais não se admite a tributação pelo lucro presumido).
Ao contrário, se os JCP forem considerados parcela do lucro a ser
distribuída aos acionistas, entrarão na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Do ponto de vista societário, as diferenças também são evidentes.
Se os JCP têm natureza de juros e, consequentemente, de despesa da
companhia, eles não entram na base de cálculo dos dividendos obrigatórios, pois
estes, em regra, são calculados sobre o lucro líquido (cf. art. 202, inciso I, da Lei
6.404/76).
O resultado é uma diminuição da parcela obrigatória dos dividendos.
Diversamente, tendo natureza de lucro, os JCP são computados na base de
cálculo dos dividendos obrigatórios.
Daí a importância de se defi nir, como premissa desse voto, a natureza
jurídica dos JCP.
No âmbito do direito societário, encontram-se duas linhas de entendimento
acerca da natureza jurídica dos JCP.
De um lado, alguns autores sustentam serem os JCP remuneração pela
indisponibilidade do capital (como os juros compensatórios).
A propósito, transcreve-se a doutrina de Fábio Ulhôa Coelho, litteris:
Os juros sobre o capital, com certeza, são um tipo de remuneração dos acionistas,
feita em razão do investimento que eles realizam na atividade empresarial explorada
pela companhia pagadora; mas uma remuneração de natureza diferente da dos
dividendos. Em outros termos, o acionista, ao subscrever ou adquirir a ação, realiza
na empresa explorada pela sociedade um investimento, e o faz, por evidente,
visando a adequada remuneração aos recursos empregados. Tradicionalmente, essa
remuneração foi defi nida como a participação nos lucros gerados pela exploração
da atividade, mediante o recebimento dos dividendos correspondentes. Após a
disseminação do pagamento dos juros sobre o capital, contudo, a remuneração dos
sócios da sociedade anônima, em razão do investimento, deve ser classifi cada em
duas espécies. Uma delas continua sendo a participação nos lucros da companhia, e
a outra é o pagamento dos juros.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 367
No plano conceitual, cada espécie remunera o investimento por motivos próprios.
Enquanto os juros remuneram o investidor pela indisponibilidade dos recursos,
os dividendos remuneram-nos pelo particular sucesso do empreendimento social.
O acionista, ao subscrever ações, emprega dinheiro diretamente na companhia,
pagando-lhe o preço de emissão, nas condições do boletim de subscrição. Ao adquirir
ações, por outro lado, emprega também dinheiro na companhia, mas de forma - por
assim dizer - indireta, na medida em que, desembolsando o valor de negociação
ao alienante da participação societária, assume a titularidade dos recursos sociais
correspondentes. De um modo ou de outro, o dinheiro empregado no investimento
fi ca temporariamente indisponível, no sentido de que o acionista não pode, enquanto
for o titular da ação subscrita ou adquirida, fazer outro uso dele. A limitação dos juros
sobre o capital à TJLP, estabelecida pelo legislador tributário (Lei n. 9.249/95, art. 92,
caput), estabelece uma equivalência genérica entre essa espécie de remuneração
do acionista e a que ele, normalmente, encontraria no mercado, caso destinasse os
mesmos recursos a investimento diverso. Os dividendos representam, por sua vez, a
remuneração proporcionada ao investimento, pelo sucesso da empresa explorada
pela companhia. Se a sociedade anônima, em determinado exercício, paga juros
no limite legal da TJLP, e ainda delibera a distribuição de dividendos, os acionistas
podem distinguir, com clareza, a parcela da remuneração de seu capital, que seria
também obtida, em média, noutros investimentos oferecidos no mercado (juros), da
parcela gerada de modo particular pela concreta alternativa de investimento por eles
adotada (dividendos).
(Curso de direito comercial, vol. 2: direito de empresa. 15ª. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011, p. 355)
Nessa linha de entendimento, confi ram-se os seguintes julgados desta
Corte Superior:
MANDADO DE SEGURANÇA. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO DISTRIBUÍDOS AOS
SÓCIOS/ACIONISTAS. INCIDÊNCIA DE PIS E COFINS. NATUREZA DE DIVIDENDOS.
IMPOSSIBILIDADE. ISENÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ART. 111 DO CTN. OMISSÃO
QUANTO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO.
...........................................................................
II - Discute-se, nos presentes autos, a incidência na base de cálculo do PIS e da
COFINS dos juros sobre capital próprio (JCP), com base no Decreto n. 5.164/2004,
o qual reduziu a zero a alíquota das referidas contribuições, excluindo as receitas
decorrentes dos JCP e de operações de ‘hedge’.
III - Os juros sobre capital próprio não possuem natureza de lucro ou
dividendo, mas de receita fi nanceira.
IV - De acordo com a Lei n. 9.249/95, apresentam-se os juros sobre capital próprio
como uma faculdade à pessoa jurídica, que pode fazer valer de seu creditamento
sem que ocorra o efetivo pagamento de maneira imediata, aproveitando-se da
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
368
capitalização durante esse tempo. Além do mais, ao contrário dos dividendos, os
JCP dizem respeito ao patrimônio líqüido da empresa, o que permite que sejam
creditados de acordo com os lucros e reservas acumulados.
V - As normas instituidoras de isenção (art. 111 do CTN), por preverem exceções
ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra de hermenêutica
que determina a interpretação restritiva, dada à sua natureza. Não prevista,
expressamente, a hipótese de exclusão dos juros de capital próprio da base de cálculo
do PIS e da COFINS, pelas Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003, incabível fazê-lo por
analogia.
VI - Recurso especial improvido.
(REsp 921.269/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, DJ
14/06/2007, sem grifos no original)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA
QUANTO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO EMBARGADA. RECEBIMENTO COMO
AGRAVO REGIMENTAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL.
CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. DIFERENCIAL ACIONÁRIO. BRASIL
TELECOM. DIVIDENDOS E JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. NATUREZA JURÍDICA
DISTINTA. OFENSA AOS ARTS. 128 E 460 DO CPC. JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. OCORRÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA.
RECURSO MANIFESTAMENTE INFUNDADO E PROCRASTINATÓRIO. APLICAÇÃO DE
MULTA. ART. 557, § 2º, CPC.
...........................................................................
2. Os dividendos decorrem do desempenho fi nanceiro da empresa, ou seja, do lucro
apurado pela empresa no período de um ano, remunerando o investidor pelo sucesso
do empreendimento social. Os juros sobre capital próprio, por sua vez, têm
origem nos lucros apresentados nos anos anteriores e que fi caram retidos na
sociedade e tem por fi nalidade remunerar o investidor pela indisponibilidade
do capital aplicado na companhia. Possuem ditas verbas natureza jurídica
distinta. Precedentes.
3. Os pedidos, no direito processual, devem ser interpretados estritamente, não
podendo ser alargados para incluir, na condenação, aquilo que não foi seu objeto
e não discutido no processo, sob pena de infringência ao princípio processual da
congruência.
4. Sob esse ângulo, a condenação ao pagamento dos juros sobre capital próprio
demanda pedido expresso na petição inicial da ação de complementação acionária,
sem o qual a decisão que os concede incorre em julgamento extra petita. Precedente
da 2ª Seção.
5. O recurso mostra-se manifestamente infundado, a ensejar a aplicação da multa
prevista no artigo 557, § 2º, do CPC.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 369
6. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega
provimento, com aplicação de multa.
(EDcl no AREsp 207.825/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, DJe 12/11/2012, sem grifos no original)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUROS SOBRE CAPITAL
PRÓPRIO E DIVIDENDOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE. NATUREZAS DISTINTAS.
ENUNCIADO N. 83/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Possibilidade de cumulação de dividendos com juros sobre capital próprio, por
possuírem naturezas jurídicas distintas. Enunciado n. 83/STJ.
2. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no Ag 1.362.396/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, DJe 16/03/2012)
Em sentido contrário, considerando que os JCP possuem natureza de lucro
a ser distribuído aos acionistas (tal qual os dividendos), merece referência a
doutrina de Rubens Requião, verbis:
A instituição de tais juros incidentes sobre capital próprio soa estranho, se
considerarmos as peculiaridades do direito societário e os conceitos, já clássicos,
sobre a natureza jurídica do sócio e de seus aportes para a formação do capital social,
e dos direitos derivados da participação na sociedade.
Ora, sabemos que o acionista, ou mesmo o sócio da sociedade, tem situação
peculiar, que não se confunde com a do titular de obrigações comuns, líquidas
e certas ou não, como a do mutuante ou credor por indenização por ato ilícito,
por exemplo. Seu estado de sócio, de acionista, lhe dá uma série de direitos e de
obrigações, tais como o de participar dos lucros sociais, do acervo da companhia, em
caso de liquidação, e de fi scalizar os negócios sociais, de preferência na subscrição de
ações e outros títulos emitidos pela sociedade anônima, e retirar-se da sociedade nos
casos previstos. Dentre as obrigações sobrelevam as de contribuir para a formação do
capital da sociedade, na forma ajustada, e de ser leal com a sociedade. No item 226
‘supra’, foi estudada a natureza jurídica da contribuição do sócio para a sociedade,
com exame de várias opiniões, para, no fi nal, ser transcrita a síntese de J. X. Carvalho
de Mendonça, para quem o ‘status’ de sócio se desdobra em duas partes, uma de
cunho patrimonial e outra de aspecto pessoal. O direito patrimonial do sócio consiste
em perceber o de lucros durante a existência social, e em participar da partilha da
massa residual, depois de liquidada a sociedade. Disse J. X. Carvalho de Mendonça:
“esse direito de crédito é, como se vê, ‘condicionado’, podendo ser exercido somente
sobre os lucros líquidos ... Os sócios, sob qualquer pretexto, não concorrem com os
credores da sociedade; têm um direito de subordinado inteiramente à liquidação
social, de modo que poderá ser igual a zero, ou ainda descer abaixo de zero ... “.
Acrescente-se ainda, que os lucros verifi cados são da sociedade, e poderão ser ou não
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
370
distribuídos conforme decidir, na normalidade dos casos, a maioria do capital social,
ressalvada a obrigação de distribuir dividendos mínimos, na sociedade anônima.
O juros, por outro lado, em seu conceito clássico, é havido como fruto civil e é um
pagamento que se faz pela utilização de capital alheio, com ou sem concordância
do titular deste. Os juros compensatórios são devidos como compensação pelo uso
do capital de outrem; os juros moratórios são devidos pela mora, pelo atraso em
devolver o capital ao titular.
Já foi visto, no n. 226 ‘supra’, que, em virtude da plena autonomia patrimonial
da pessoa jurídica, quando o sócio confere ao capital os seus cabedais, seja em
dinheiro ou em bens (móveis ou imóveis e até incorpóreos), procede à transferência
da respectiva propriedade. Iniludivelmente, a propriedade, mobiliária ou imobiliária,
sai do patrimônio do sócio e se transfere para o da sociedade, na quase totalidade
dos casos.
Assim, como explicar, juridicamente, o pagamento de juros pela sociedade, com
base em bens ou valores dos quais ela é proprietária, sendo certo que a conferência de
tais bens pelo acionista decorre de ato lícito, voluntário, translativo de propriedade,
e que não está tisnado de qualquer ilicitude praticada pela companhia? juros,
propriamente ditos, não são, como é perceptível. Será um encargo, autorizado pelo
legislador, mas duplamente eventual, pois depende da existência de lucros e da
disposição da empresa em pagá-los? E como podem ser imputados no valor do
dividendo obrigatório, um espírito mais objetivo poderá equipará-los, simplesmente,
aos próprios dividendos...
Apesar da perplexidade causada pelos juros para remuneração de capital próprio,
sem dúvida que representam um estímulo, um incentivo à remuneração (em sentido
leigo) do acionista ou sócio, com a possibilidade de seu montante ser abatido como
despesa, o que não acontece com o dividendo. Com a vantagem complementar, para
o Fisco, que tributa na fonte o seu pagamento. Resta aguardar o amadurecimento
do instituto, e, especialmente, sua resistência ao próximo aperto do caixa da União...
(Curso de Direito Comercial, 2º volume, 30ª ed., atualizado por Rubens
Edmundo Requião. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 325/326)
Acrescente-se que a legislação já prevê um valor mobiliário específi co que
pode ser emitido pela companhia para captar investimentos a juros, que é a
debênture, prevista nos arts. 52/74 da Lei 6.404/76.
Na linha desse entendimento doutrinário, a Comissão de Valores
Mobiliários - CVM emitiu as as Deliberações n. 207/96 e 683/12.
Consta nessa última deliberação que “o tratamento contábil dado aos JCP
deve, por analogia, seguir o tratamento dado ao dividendo obrigatório”, evidenciando
a natureza de lucro, não de juros.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 371
Além dessas duas linhas opostas de entendimento, existe uma terceira
corrente, propondo uma cisão no conceito de JCP, de modo que ele possa
apresentar, do ponto de vista tributário, caráter de juros, e, do ponto de vista
societário, caráter de lucro a ser distribuído.
No parecer acostado aos presentes autos, a CVM, por meio de sua
Procuradoria Federal Especializada, parece ter esposado esse entendimento,
conforme se depreende do trecho abaixo transcrito:
“[...] os juros sobre capital próprio assemelham-se aos dividendos, para alguns fi ns
de aplicação do direito societário, embora revistam-se de algumas peculiaridades
decorrentes de seu tratamento tributário e de sua natureza de remuneração de
capital” (fl . 599).
No mesmo sentido, merece referência judicioso voto do Min. MASSAMI
UYEDA, proferido na Terceira Turma desta Corte Superior, sintetizado nos
termos da seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL - CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA EM PLANO
DE EXPANSÃO DE REDE DE TELEFONIA - AÇÃO DE COMPLEMENTAÇÃO DE AÇÕES
- BRASIL TELECOM S/A - LEGITIMIDADE PASSIVA - PRECEDENTES - PRESCRIÇÃO
- APLICAÇÃO DA REGRA PREVISTA NO CÓDIGO CIVIL - DIVIDENDOS - PRESCRIÇÃO -
NÃO-OCORRÊNCIA - DIVIDENDOS E JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO - COEXISTÊNCIA
- POSSIBILIDADE - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
.........................................................................
III - Os dividendos possuem natureza acessória à obrigação principal, qual seja,
a indenização/subscrição das ações decorrentes de contrato de telefonia. Portanto,
não há falar em prescrição dos dividendos sem o prévio reconhecimento do direito à
subscrição das ações;
IV - O art. 202 da Lei n. Lei n. 6.404/76, ao delimitar os dividendos obrigatórios,
tanto na primeira parte de seu caput do artigo, como em seu § 1º, conferiu,
inequivocamente, ampla liberdade ao Estatuto da Companhia para estabelecer,
como dividendos dos acionistas, seja a parcela dos lucros, em cada exercício, seja
o percentual do capital social, sejam outros critérios para determiná-los, desde que
sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao
arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria;
V - O Estatuto da Companhia é soberano quanto à definição dos dividendos
obrigatórios, podendo, por hipótese, assentar que os juros sobre capital próprio
sejam abatidos dos dividendos - em valores líquidos (desde que este abatimento
não represente uma percepção a menor dos dividendos reputados obrigatórios).
Tal situação, é certo, sequer é discutida nos presentes autos. Contudo, é de se deixar
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
372
assente inexistir óbice que estas remunerações coexistam, se assim previsto no
Estatuto, caso dos autos, nos termos assentados pelas Instâncias ordinárias;
VI - Ainda que se entenda que os juros sobre capital próprio não possuam
a natureza de dividendos, nos termos decididos por esta a. Corte, já que estes
incidem, em regra, sobre o lucro apresentado no exercício pela companhia, é
certo que aqueles, sob a ótica do acionista, também são, incontroversamente,
espécies do gênero remuneração dos acionistas;
VII - Delimitada a natureza jurídica dos juros sobre capital próprio, sob o enfoque
do acionista (espécie de remuneração dos acionistas), no que importa à presente
controvérsia, caso seja a ele conferido a distribuição de juros sobre capital próprio
pela Companhia, por expressa disposição estatutária, tal fato em nada deve intervir
na correta distribuição dos dividendos obrigatórios;
VIII - Nessa linha de raciocínio, os contornos gizados pela referida lei tributária
n. 9.249/95 (no caso dos autos, ressalte-se, sequer prequestionada) aos juros sobre
capital próprio (reputando-os como sendo despesas a serem abatidas, para, ao fi nal,
chegar-se ao resultado fi nal do exercício), de forma alguma interferem, para fi ns
societários, nos direitos dos acionistas reconhecidos no Estatuto;
IX - Em arremate, havendo expressa previsão estatutária dos juros sobre capital
próprio, nos termos consignados pelo Tribunal de origem, possível a coexistência
destes e dos dividendos obrigatórios.
X - Recurso Especial improvido.
(REsp 1.112.717/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado
em 03/11/2009, DJe 11/12/2009)
Do inteiro teor do voto, cumpre transcrever o seguinte excerto:
Assim, delimitada a natureza jurídica dos juros sobre capital próprio, sob o
enfoque do acionista (espécie de remuneração dos acionistas), no que importa à
presente controvérsia, caso seja a ele conferida a distribuição de juros sobre capital
próprio pela Companhia, por expressa disposição estatutária, tal fato em nada deve
intervir na correta distribuição dos dividendos obrigatórios.
Nessa linha de raciocínio, os contornos gizados pela referida lei tributária n.
9.249/95 (no caso dos autos, ressalte-se, sequer prequestionada) aos juros sobre
capital próprio (reputando-os como sendo despesas a serem abatidas, para, ao fi nal,
chegar-se ao resultado fi nal do exercício), de forma alguma interferem, para fi ns
societários, nos direitos dos acionistas reconhecidos no Estatuto.
Vale dizer, não é porque determinada lei tributária elege determinado fato
gerador como tributável que a remuneração do acionista, por meio dos juros sobre
capital próprio (previsto no estatuto), pode, por via refl exa, prejudicar o recebimento
dos dividendos obrigatórios, outra forma de remuneração do acionista (de
destinação legal).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 373
Aliás, em interpretação consentânea com sua fi nalidade de fi scalizar o mercado
mobiliário, a CVM editou a Deliberação n. 207/96, que disciplinou que os juros sobre
capital próprio, sob o enfoque do acionista, consubstanciam forma de participação
do acionista no resultado, de forma a preservar os direitos destes e evitar distorções
na distribuição dos lucros do exercício (que, como é de sabença, possui destinações
forçadas, como por ex, dividendos e reserva de capital).
Tem-se que tal interpretação, voltada para os fins societários, não padece de
qualquer ilegalidade, na medida em que a referida lei n. 9.249/95, com abrangência
exclusivamente tributária, não tem o condão de alterar a participação societária
dos acionistas nos termos preconizados no Estatuto da Companhia. (com grifos no
original)
A cisão do conceito de JCP, como proposta pelo Min. MASSAMI
UYEDA, é, a meu juízo, a melhor solução para o problema da natureza dos JCP,
pois não é possível conciliar numa mesma natureza características incompatíveis
entre si.
Efetivamente, como bem destacou Requião (supra), a obrigação de pagar
juros é uma obrigação certa, que independe do sucesso econômico do devedor,
ao passo que a obrigação de distribuir lucro é uma obrigação aleatória, sujeita ao
risco do empreendimento, que é da essência do direito societário, não havendo
como conciliar essas duas características.
Por exemplo, se a companhia passar por um longo período defi citário, isso
não a dispensará de pagar juros, quer os de mora, quer os compensatórios, mas
estará dispensada de pagar JCP (cf. art. 9º, § 1º, da Lei 9.249/95).
Desse modo, optando-se por um conceito único de JCP, sacrifi cam-se,
necessariamente, ou os propósitos tributários da Lei 9.249/95, ou os princípios
societários, protegidos pelas Deliberações CVM n. 207/96 e 683/12.
A melhor solução, portanto, é a cisão dos efeitos produzidos pelo instituto
jurídico para efeitos tributários e para efeitos societários.
Mas, como pode um ente ter, ao mesmo tempo, duas naturezas opostas?
Na verdade, ontologicamente, os JCP são parcela do lucro a ser distribuído
aos acionistas.
Apenas por fi cção jurídica, a lei tributária passou a considerar que os JCP
tem natureza de juros.
Ressalte-se que o Direito Tributário não é avesso a fi cções jurídicas, que
alteram a natureza de institutos jurídicos.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
374
Defi nida essa natureza ambivalente dos JCP, passa-se à análise das questões
afetadas ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil.
A controvérsia referente à possibilidade de inclusão dos JCP nos cálculos
exequendos, suscita uma questão anterior, referente à possibilidade de inclusão
dos JCP na condenação, sem que haja pedido expresso na inicial.
Relativamente aos dividendos, esta Corte Superior defi niu, pelo rito do art.
543-C do Código de Processo Civil, que os dividendos podem ser incluídos na
condenação, independentemente de pedido expresso.
Eis a ementa do acórdão, paradigma da tese:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. BRASIL TELECOM. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO
FINANCEIRA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DIVIDENDOS.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
...........................................................................
1.3. É devida indenização a título de dividendos ao adquirente de linha telefônica
como decorrência lógica da procedência do pedido de complementação das ações da
CRT/Celular CRT, a contar do ano da integralização do capital.
2. No caso concreto, recurso especial que se nega provimento.
(REsp 1.034.255/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO,
julgado em 28/04/2010, DJe 11/05/2010)
Porém, quanto aos JCP, esta Corte Superior decidiu pela necessidade de
pedido expresso, conforme se verifi ca no seguinte precedente:
RECURSO ESPECIAL. BRASIL TELECOM. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. PEDIDO
INEXISTENTE NO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO. PAGAMENTO
ESPONTÂNEO PELA EMPRESA, QUE NÃO GERA AUTOMATICIDADE DE MAIOR DIRETO.
JULGAMENTO EXTRA-PETITA. PARCELA EXCLUÍDA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART.
535 DO CPC.
1. Os pedidos se interpretam estritamente, de modo que, tendo a parte, por sua
vontade, pago extra-judicialmente o que entendeu acessório, não há como, sem
pedido processual expresso na petição inicial, condená-la, em processo judicial, a
realizar esse pagamento em Juízo, sob pena de haver julgamento extra-petita.
2. Confi gura julgamento extra-petita a inclusão de parcela referente a juros sobre
capital próprio na condenação, sem que houvesse pedido nesse sentido, devendo,
portanto, dessa condenação, ser excluída essa verba.
3. A jurisprudência deste Tribunal é pacífi ca ao proclamar que, se os fundamento
adotados pelo Acórdão recorrido bastam para motivar a conclusão, o julgador não
está obrigado a rebater, um a um, os argumento da parte.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 375
4. Recurso Especial provido.
(REsp 1.171.095/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministro
SIDNEI BENETI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 03/12/2010)
É certo que o Direito Processual Civil tem aversão aos pedidos implícitos,
pois eles geram surpresa para a contraparte, sacrifi cando dois pilares do processo
civil, que são os princípios do contraditório e da ampla defesa.
No Código de Processo Civil vigente, encontram-se poucas hipóteses de
pedidos implícitos, como a correção monetária (Lei 6.899/81), os juros (art.
293), os honorários advocatícios (art. 20, caput) e as prestações que se vencerem
no curso da demanda (art. 290), não havendo nenhuma previsão que possa
abarcar a inclusão dos dividendos ou dos JCP como pedido implícito.
Essa preocupação foi externada pelo Ministro SIDNEI BENETI, no
julgamento do precedente supracitado, nos seguintes termos, verbis:
2.- A verba, etiologicamente fundada no Direito Societário, denomina-se juros,
nome idêntico aos juros, frutos do capital.
Mas, embora com o mesmo nome de juros, diferenciam-se, os juros sobre capital
próprio, dos juros legais, decorrentes da mora, que são acessórios da condenação ao
pagamento.
Para os juros de mora, verba acessória à condenação, há dispositivo processual
específi co, determinando-lhes a inclusão no pedido, ainda que deste não constantes,
por omissão da petição inicial, vindo, a necessidade de inclusão, exatamente em
decorrência da natureza jurídica de juros legais (CPC, art. 293, parte fi nal).
Para os juros sobre capital próprio, verba fundada, repita-se, no Direito Societário
e decorrente da própria voluntariedade das deliberações societárias, não há norma
idêntica, que lhes determine a inclusão no pedido que os omite.
3.- Por outro lado, os pedidos no direito processual se interpretam estritamente,
não sendo possível alargá-los, (CPC, art. 293, citado, primeira parte) para que se
inclua na condenação aquilo que não foi objeto do pedido, não se tendo permitido à
parte contrária a discussão de matéria não pedida.
Haveria inobservância do contraditório, e do princípio da adstrição, que não vejo
como superar.
4.- A parte, quando ajuíza, formula pedidos certos.
Ainda que possa ela eventualmente, entender que, pela relação de direito material,
teria algum outro direito pleiteável cumulativamente, pode ela deixar de pleitear
esse outro direito e, ao omiti-lo, pondera ela os riscos do ajuizamento, avaliando
até onde pode ela ir com aquela outra pretensão ou não, bem como sopesa todas
as vicissitudes de ganhar ou de não ganhar todas as pretensões possíveis, de modo
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
376
que, voluntariamente, por opção própria, arca com as conseqüências da decisão de
ajuizar ação relativamente a alguns pedidos, que teriam sido possíveis, mas que não
podem, por inexistentes no pedido, ser incluídos “de ofício”, pelo Juízo.
Assim, ainda que porventura se entendesse que algo fosse acessório na obrigação
de direito material, é possível que a parte não o peça em juízo, exatamente porque
não quer colocar a matéria no pedido.
Se ela não a inseriu no pedido, a parte contrária não pôde se defender de pretensão
a essa possível verba.
Dessa maneira não vejo como, realmente, inserir, em um pedido, aquilo que
não foi solicitado, reafi rmando que a parte contrária seria tomada de surpresa na
concessão de algo que realmente não foi pedido pelo autor na petição inicial.
5.- Volto à regra de que os pedidos se interpretam estritamente.
Se a empresa, na sua voluntariedade particular, porventura paga aquilo que
entende que é acessório, por espontaneidade dela pode fazê-lo, mas se não paga e a
parte contrária vem a juízo e não o pede, penso que, em juízo, não se pode substituir
a vontade da empresa, que não o pagou espontaneamente, mediante a oblíqua
interpretação como se fosse um possível acessório - que, segundo penso, não o é na
acepção societária.
Não se pode substituir, repito, essa vontade, digamos, de liberalidade, na
interpretação do que fosse acessório para a empresa. Mesmo que ela estivesse
pagando para os acionistas que não entraram em juízo, não vejo como, em juízo, vir a
compeli-la a pagar a quem em Juízo não pediu.
Se alguém realmente sustenta ter direito os juros sobre capital próprio, que os
peça, especifi camente, para que haja a discussão em contraditório a respeito dessa
matéria, observados, é claro, os prazos prescricionais.
Porém, uma vez aberta exceção à regra processual para se admitir os
dividendos como pedido implícito, não há justificativa para se adotar
entendimento diverso quanto JCP, pois essas verbas têm a mesma natureza para
o direito societário, como fundamentado no início deste voto.
É certo que, embora tenham a mesma natureza, os JCP não são idênticos
aos dividendos.
As diferenças, porém, entre os dois institutos não justifi cam um tratamento
diverso no que tange aos pedidos no processo.
A preocupação com o contraditório, embora extremamente relevante, fi ca
atenuada no caso das demandas de massa, pois tanto os dividendos quanto os
JCP são devidos de maneira uniforme para todos os acionistas, de modo que as
possibilidades de defesa são as mesmas para os milhares de processos em que se
discute a complementação de ações de empresas de telefonia.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 377
Propõe-se, portanto, para manter coerência com a tese fi rmada no REsp
1.034.255/RS (supracitado), a consolidação do seguinte entendimento, para fi ns
do art. 543-C do CPC:
Nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia,
admite-se a condenação ao pagamento de dividendos e juros sobre capital
próprio independentemente de pedido expresso.
Resolvida a questão do pedido implícito, a outra controvérsia diz respeito
à possibilidade de condenação implícita ao pagamento dos JCP, ou seja
condenação não prevista no título executivo.
Essa questão é mais delicada do que a anterior por envolver o princípio da
imutabilidade da coisa julgada, que tem sede constitucional.
Por essa razão, a jurisprudência desta Corte Superior tem sido unânime
em vedar a possibilidade de execução, quer dos dividendos, quer dos JCP, sem
previsão expressa no título executivo.
Ilustrativamente, confi ram-se os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BRASIL TELECOM.
INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. COMPLEMENTAÇÃO ACIONÁRIA. IMPUGNAÇÃO
AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIVIDENDOS REFERENTES ÀS AÇÕES DA CRT
PARTICIPAÇÕES S/A. DETERMINAÇÃO DE PAGAMENTO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO.
EXCESSO DE EXECUÇÃO. EXISTÊNCIA. RECURSO MANIFESTAMENTE INFUNDADO E
PROCRASTINATÓRIO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 557, § 2º, CPC.
1. Os valores referentes aos dividendos sobre as ações da CRT Participações S/A
não podem ser concedidos em sede de cumprimento de sentença sem que conste, no
título executivo judicial, conteúdo condenatório alusivo à referida verba. Na hipótese,
impõe-se sua exclusão em obediência ao instituto da coisa julgada material.
2. O recurso revela-se manifestamente infundado e procrastinatório, devendo ser
aplicada a multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC.
3. Agravo regimental não provido, com aplicação de multa.
(AgRg nos EDcl no AREsp 106.937/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 10/09/2012)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. BRASIL TELECOM. CONTRATO
DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. JUROS SOBRE
CAPITAL PRÓPRIO. ALTERAÇÃO DOS CÁLCULOS DEFINIDOS NO TÍTULO EXECUTIVO
TRANSITADO EM JULGADO. DESCABIMENTO. COISA JULGADA. INAPLICABILIDADE DA
SÚMULA 371/STJ.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
378
1. A alteração dos parâmetros para apuração do montante devido defi nidos no
título judicial executivo transitado em julgado confi gura ofensa ao instituto da coisa
julgada, não importando se houve ulterior modificação no entendimento do STJ
quanto a questões já decididas na fase de conhecimento.
2. Depende de condenação expressa no título executivo judicial a execução do
valor referente aos juros sobre capital próprio decorrentes de ações oriundas de
contrato de participação fi nanceira para aquisição de linha telefônica.
3. Não sendo demonstrada com clareza e precisão a necessidade de reforma
da decisão, aplica-se, por analogia, a Súmula n. 284/STF: “É inadmissível o recurso
extraordinário, quando a defi ciência na sua fundamentação não permitir a exata
compreensão da controvérsia”.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.261.874/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 05/03/2014)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO
REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO TÍTULO EXEQUENDO. EXCLUSÃO DESSA RUBRICA, SOB
PENA DE VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. ART. 469, I, DO CPC. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental em face do nítido
caráter infringente das razões recursais. Aplicação dos princípios da fungibilidade
recursal e da economia processual.
...............................................................................
3. Não sendo os juros sobre capital próprio contemplados no título executivo,
em que pese tratar-se de rubrica acessória, não cabe sua inserção em sede de
cumprimento de sentença, em obediência à coisa julgada.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(EDcl no REsp 1.357.474/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA,
julgado em 20/02/2014, DJe 25/03/2014)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL.
BRASIL TELECOM. CARÁTER INFRINGENTE DOS ACLARATÓRIOS. PRINCÍPIO
DA FUNGIBILIDADE. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INCLUSÃO DE DIVIDENDOS.
DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA FIDELIDADE AO TÍTULO.
...........................................................................
2. Limitação do cumprimento ou liquidação de sentença ao exato comando
expresso no título executivo (princípio da fi delidade ao título).
3. Descabimento da inclusão de dividendos na fase de cumprimento de sentença
sem amparo no título executivo.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 379
4. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL E
DESPROVIDO.
(EDcl no REsp 1.157.728/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 13/08/2012)
Na esteira desses julgados, propõe-se a consolidação da tese nos seguintes
termos:
Descabimento da inclusão dos dividendos ou dos juros sobre capital próprio
no cumprimento da sentença condenatória à complementação de ações sem
expressa previsão no título executivo.
Por fi m, a tese referente à possibilidade de cumulação de dividendos e JCP
possui jurisprudência unânime nesta Corte Superior, no sentido de se admitir a
cumulação, conforme exemplifi cam os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. COMPLEMENTAÇÃO ACIONÁRIA.
JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO. ALEGAÇÃO DE JULGAMENTO EXTRA PETITA
E VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. INOVAÇÃO RECURSAL. CUMULAÇÃO COM
DIVIDENDOS. PRECEDENTES.
1. Configura inovação recursal a tentativa de discutir, em sede de agravo
regimental, questões que não foram objeto do recurso especial.
2. Havendo expressa previsão estatutária dos juros sobre capital próprio,
nos termos consignados pelo Tribunal de origem, possível a coexistência destes
e dos dividendos obrigatórios. X - Recurso Especial improvido. (REsp 1.112.717/
RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/11/2009, DJe
11/12/2009) 3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1.166.142/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA,
julgado em 18/12/2012, DJe 07/02/2013)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATO DE
PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. BRASIL TELECOM. VALOR PATRIMONIAL DA AÇÃO.
LEGITIMIDADE PASSIVA. PRESCRIÇÃO. DIVIDENDOS. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO.
COISA JULGADA.
1. O STJ, interpretando o artigo 202 da Lei n. 6.404/76, entende que, havendo
previsão estatutária, é possível o pagamento cumulado dos juros sobre capital
próprio com dividendos, pois ambos decorrem do direito à subscrição de ações,
devendo ser pagos nas mesmas condições e exercícios a que têm direito os acionistas.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 1.168.343/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA,
TERCEIRA TURMA, julgado em 06/06/2013, DJe 18/06/2013)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
380
Efetivamente, a cumulação de dividendos e JCP não confi gura bis in idem,
pois os dois institutos embora tenham a natureza jurídica semelhante do ponto
de vista societário, não são idênticos, incidindo cada uma sobre parcelas distintas
dos lucros a serem distribuídos aos acionistas.
Também não se vislumbra, na cumulação, possibilidade de ofensa ao
princípio da intangibilidade do capital social, pois a própria Lei 9.249/95 (art.
9º, § 1º) condicionou o pagamento à existência de lucros equivalentes ao dobro
dos JCP a serem pagos.
Desse modo, propõe-se a consolidação da última tese nos seguintes termos:
Cabimento da cumulação de dividendos e juros sobre capital próprio.
Defi nidas as teses a serem consolidadas pelo rito do art. 543-C do CPC,
passa-se ao exame do caso concreto.
No que tange ao valor patrimonial da ação, descabida a sua alteração
na fase de cumprimento de sentença, pois o dispositivo do título executivo
(transcrito nas razões do apelo nobre) não só defi niu o VPA a ser utilizado
como também já calculou o número de ações devidas com base nesse VPA, no
caso, 25.203 da CRT/Cel (cf. fl . 479).
Relativamente aos dividendos e aos juros sobre capital próprio, assiste
razão à recorrente, pois o título executivo somente contém condenação ao
pagamento dos dividendos, nada dispondo sobre os juros sobre capital próprio,
sendo de rigor o decote dessa parcela, em respeito à coisa julgada.
Excluídos os JCP, resta prejudicada a alegação referente à impossibilidade
de cumulação desta parcela com os dividendos.
Quanto ao limite fi nal para recebimento dos dividendos, a matéria não
foi debatida no acórdão recorrido e, a despeito da oposição de embargos de
declaração na origem, não houve alegação de negativa de prestação jurisdicional
quanto a esse ponto específi co, fazendo incidir o óbice da Súmula 211/STJ,
abaixo transcrita:
Súmula 211/STJ - Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito
da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal “a quo”.
Por fi m, quanto aos honorários advocatícios, esta Corte Superior pacifi cou,
sob o rito do art. 543-C do CPC, o entendimento de que não é cabível
novo arbitramento de honorários em favor do exequente na impugnação ao
cumprimento de sentença.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 357-382, novembro 2017 381
A propósito, transcreve-se o acórdão paradigma da tese:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Para efeitos do art. 543-C do CPC:
1.1. São cabíveis honorários advocatícios em fase de cumprimento de sentença,
haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário a
que alude o art. 475-J do CPC, que somente se inicia após a intimação do advogado,
com a baixa dos autos e a aposição do “cumpra-se” (REsp n. 940.274/MS).
1.2. Não são cabíveis honorários advocatícios pela rejeição da impugnação ao
cumprimento de sentença.
1.3. Apenas no caso de acolhimento da impugnação, ainda que parcial, serão
arbitrados honorários em benefício do executado, com base no art. 20, § 4º, do CPC.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1.134.186/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL,
julgado em 01/08/2011, DJe 21/10/2011)
No caso dos autos, o Tribunal a quo manteve a condenação da ora recorrente
ao pagamento de honorários também pela impugnação ao cumprimento de
sentença, sendo necessário reformar o acórdão para excluir esses honorários
e condenar a parte exequente (ora recorrida) ao pagamento de honorários
em razão da procedência da impugnação no que tange aos juros sobre capital
próprio.
Destarte, o recurso especial merece ser provido, em parte.
Ante o exposto, voto nos seguintes termos:
(i) Para os fi ns do art. 543-C do Código de Processo Civil:
i.1. Cabimento da cumulação de dividendos e juros sobre capital próprio.
i.2. Nas demandas por complementação de ações de empresas de telefonia,
admite-se a condenação ao pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio
independentemente de pedido expresso.
i.3. Descabimento da inclusão dos dividendos ou dos juros sobre capital próprio no cumprimento da sentença condenatória à complementação de ações sem
expressa previsão no título executivo.
(ii) Caso concreto: dou parcial provimento ao recurso especial para decotar
do cumprimento de sentença os juros sobre capital próprio, bem como para
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
382
excluir a condenação da ora recorrente ao pagamento de honorários advocatícios
na impugnação ao cumprimento de sentença.
Condeno a ora recorrida (impugnada) ao pagamento de honorários
advocatícios em favor da parte ora recorrente (impugnante) no percentual de
30% dos honorários arbitrados na execução, admitida a compensação.
Custas e demais despesas da impugnação distribuídas em 70% pela ora
recorrente e 30% pela ora recorrida.
É o voto.
Súmula n. 552
SÚMULA N. 552
O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com
defi ciência para o fi m de disputar as vagas reservadas em concursos públicos.
Referências:
CF/1988, art. 37, VIII.
Lei n. 7.853/1989.
Decreto n. 3.298/1999, arts. 3º, I, e 4º, II.
Decreto n. 5.296/2004, art. 70.
Precedentes:
MS 18.966-DF (CE, 02.10.2013 – DJe 20.03.2014) –
acórdão publicado na íntegra
REsp 1.307.814-AL (1ª S, 11.02.2014 – DJe 31.03.2014)
RMS 36.081-PE (1ª S, 28.05.2014 – DJe 23.09.2014)
AgRg no REsp 1.374.669-RJ (1ª T, 08.05.2014 – DJe 19.05.2014)
AgRg no REsp 1.379.284-SE (1ª T, 18.11.2014 – DJe 26.11.2014)
AgRg no
AgRg no REsp 1.390.124-RS (2ª T, 25.03.2014 – DJe 31.03.2014)
AgRg no
AgRg no AREsp 364.588-PE (2ª T, 03.04.2014 – DJe 14.04.2014)
AgRg no AREsp 510.378-PE (2ª T, 05.08.2014 – DJe 13.08.2014)
AgRg no RMS 43.230-SP (2ª T, 23.10.2014 – DJe 27.11.2014)
Corte Especial, em 4.11.2015
DJe 9.11.2015
MANDADO DE SEGURANÇA N. 18.966-DF (2012/0162583-4)
Relator: Ministro Castro Meira
Relator para o acórdão: Ministro Humberto Martins
Impetrante: Marcella Maria Cintra Leal de Souza
Advogada: Marcella Maria Cintra Leal de Souza (em causa própria)
Impetrado: Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça
Impetrado: Diretor Geral do Centro de Seleção e de Promoção de Eventos
da Universidade de Brasília - CESPE - UNB
Interes.: União
EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO
PÚBLICO. CONCEITO DE DEFICIENTE AUDITIVO.
DECRETO 3.298/99 ALTERADO PELO DECRETO
5.296/2004. APLICAÇÃO AO EDITAL COM AMPARO
NORMATIVO. JURIDICIDADE. PRECEDENTE DO STF.
DIVERGÊNCIA FÁTICA QUE DEMANDARIA DILAÇÃO
PROBATÓRIA. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE DIREITO
LÍQUIDO E CERTO.
1. Cuida-se de writ of mandamus impetrado contra o Ministro
Presidente do Superior Tribunal de Justiça e o Diretor Geral do
Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE
- UnB), no qual candidata em concurso público, portadora de surdez
unilateral, alega que deveria ser enquadrada na qualidade de defi ciente
físico, por interpretação sistemática dos arts. 3º e 4º do Decreto
n. 3.298/99 em cotejo com a Constituição Federal e convenções
internacionais.
2. O Decreto n. 5.296/2004 alterou a redação do art. 4º, II, do
Decreto n. 3.298/99 e excluiu da qualifi cação “defi ciência auditiva” os
portadores de surdez unilateral; a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal frisou a validade da referida alteração normativa. Precedente:
AgRg no MS 29.910, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma,
Processo Eletrônico, divulgado no DJe 146 em 29.7.2011 e publicado
em 1º.8.2011.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
388
3. A junta médica tão somente emitiu laudo técnico em sintonia
com as previsões do Edital 1 – STJ, de 8.2.2012, cujo teor meramente
remete ao Decreto n. 3.298/99 e suas alterações, que foi o parâmetro do
ato reputado coator, em verdade praticado sob o pálio da juridicidade
estrita.
4. Para apreciar qualquer argumento no sentido de que
haveria alguma incapacidade diversa da impetrante em prol de a
alocar na qualidade de defi ciente auditiva seria imperioso realizar
contraditório e dilação probatória, providências vedadas em sede de
rito mandamental. Precedente específi co: AgRg na AO 1.622/BA,
Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 21.6.2011,
publicado no DJe – 125 em 1º.7.2011 e no Ement. vol. 2555-01,
p. 1. No mesmo sentido: AgRg no RMS 33.928/SC, Rel. Ministro
Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 27.10.2011.
Segurança denegada.
ACÓRDÃO
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro João Otávio
de Noronha acompanhando a divergência e o voto do Sr. Ministro Raul Araújo,
no mesmo sentido, a Corte Especial, por maioria, denegou a ordem. Lavrará o
acórdão o Sr. Ministro Humberto Martins.
Votaram com o Sr. Ministro Humberto Martins os Srs. Ministros Herman
Benjamin, Sidnei Beneti, Mauro Campbell Marques, João Otávio de Noronha
e Raul Araújo. Vencidos os Srs. Ministros Relator, Arnaldo Esteves Lima, Luis
Felipe Salomão e Laurita Vaz.
Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Gilson Dipp, Nancy
Andrighi, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Sebastião Reis Júnior.
Impedidos os Srs. Ministros Ari Pargendler e Felix Fischer.
Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Arnaldo
Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Sidnei Beneti, Luis Felipe
Salomão, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves.
Convocados os Srs. Ministros Raul Araújo e Sebastião Reis Júnior.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Eliana Calmon.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 389
Brasília (DF), 02 de outubro de 2013 (data do julgamento).
Ministra Eliana Calmon, Presidente
Ministro Humberto Martins, Relator
DJe 20.3.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Castro Meira: O mandado de segurança foi impetrado por
Marcella Maria Cintra Leal de Souza, em favor próprio, contra ato do Ministro
Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Diretor-Geral do Centro de
Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília-Cespe/UnB por
ter-lhe sido negada a qualifi cação como defi ciente física no concurso público,
deste ano, para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva no cargo
de analista judiciário do quadro de pessoal desta Corte.
Afi rma ser defi ciente física descrita por “perda auditiva neurosensorial
de grau profundo no ouvido esquerdo - anacusia”, ou seja, surdez unilateral
(CID H90.5), de etiologia indeterminada, comprovada por três laudos médicos
particulares.
Alega que se candidatou no último concurso público para a vaga de
analista judiciário do Superior Tribunal de Justiça e foi classifi cada em todas as
etapas do certame, mas o laudo da Junta Médica responsável pela realização da
perícia, malgrado tenha reconhecido a anacusia no ouvido esquerdo, concluiu
que ela não era defi ciente física, nos termos do art. 4º, II, do Decreto 3.298/99.
O recurso interposto contra a perícia médica foi indeferido, sob o fundamento
de que o decreto que rege o concurso restringe o conceito de defi ciência à perda
auditiva bilateral.
Sustenta a possibilidade de portadores de surdez unilateral e irreversível
concorrerem às vagas reservadas a defi cientes físicos em concurso públicos, nos
termos da defi nição de defi ciência extraída do art. 3º, I e II, do mesmo Decreto
3.298/99.
Argumenta que “o objetivo da Lei é permitir que pessoas com defi ciência
sua participação em igualdade de condições com aquele que não possui qualquer
limitação, sendo certo que o fato de o indivíduo ser pessoa com surdez unilateral
não o torna pleno e total gozo de seus sentidos, sendo forçosa a prestação
jurisdicional positiva” (e-STJ fl . 6 - sic).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
390
Cita acórdãos das Cortes Regionais e deste Tribunal e faz menção a
julgado do Superior Tribunal Militar no qual foi determinada a sua nomeação
e posse em concurso público lá realizado, nas vagas reservadas aos defi cientes
físicos.
Pleiteia, ao final, seja concedida a segurança para declarará-la como
candidata apta a concorrer às vagas destinadas aos portadores de defi ciência,
bem como seja nomeada e empossada no cargo respectivo, observado o número
de vagas e a ordem de aprovação.
O pedido de gratuidade da justiça foi deferido (e-STJ fl . 118).
Liminar indeferida (e-STJ fl . 123).
A União requereu seu ingresso no feito, nos termos do art. 7º, inciso II, da
Lei 12.016/09, pleito deferido à e-STJ fl . 230.
As autoridades apontadas como coatoras apresentaram as informações
(e-STJ fl s. 142-189 e 191-210), oportunidade em que o Diretor-Geral do
Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília
sustentou a impossibilidade jurídica do pedido, por ser vedado o ingresso no
mérito do ato administrativo, e a necessidade de citação dos litisconsortes
passivos necessários para que esses candidatos defendam seus interesses. No
mérito, defendeu a legalidade do ato, asseverando que a impetrante não foi
considerada portadora de defi ciência, porque possui apenas perda auditiva
unilateral, não se enquadrando no Decreto 3.298/99, alterado pelo Decreto
5.296/04, que regem o edital. Discorre sobre a possível ofensa ao princípio da
isonomia em caso de provimento jurisdicional.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Subprocuradora-
Geral da República Dra. Maria Caetana Cintra Santos, opinou pela concessão
da segurança (e-STJ fl s. 225-228).
É o relatório.
VOTO
EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO.
INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. NÃO
OCORRÊNCIA. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO
PASSIVO. DESNECESSIDADE. VAGAS DESTINADAS
AOS DEFICIENTES FÍSICOS. CANDIDATA PORTADORA
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 391
DE GRAVE PERDA AUDITIVA UNILATERAL.
INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 3º E 4º DO DECRETO N.
3.298/99. DECRETO 6.949/09. DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
PARECER PELA CONCESSÃO DA ORDEM. SEGURANÇA
CONCEDIDA.
1. Em se tratando de concurso público, cabe ao Poder Judiciário
o exame da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos
praticados na realização do certame. Outrossim, não há a formação de
litisconsórcio passivo necessário, visto que os candidatos detêm apenas
expectativa de direito à nomeação. Preliminares rejeitadas.
2. A jurisprudência majoritária desta Corte Superior de Justiça
assegura a reserva de vagas destinadas aos portadores de defi ciência a
candidatos acometidos de perda auditiva, bilateral ou unilateral, tendo
em vista que o art. 4º, II, do Decreto 3.298/99, que defi ne as hipóteses
de defi ciência auditiva, deve ser interpretado em consonância com o
art. 3º do mesmo diploma legal.
3. Afi gura-se irrazoável entender que uma grave perda auditiva
unitaleral não qualifique seu portador como deficiente, sendo
a defi ciência defi nida como toda perda ou anormalidade de uma
estrutura ou função psicológica, fi siológica ou anatômica que gere
incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão
considerado normal para o ser humano (art. 3º, I), somado ao fato de
que a própria norma refere-se à perda auditiva parcial (art. 4º, II).
4. O Governo brasileiro ratifi cou e, por meio do Decreto 6.949/09,
promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Defi ciência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York,
em 30 de março de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional com a
autoridade de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF/88), cujo
propósito e defi nição de pessoa com defi ciência estão estabelecidos
no Artigo 1 da Convenção: “O propósito da presente Convenção é
promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas
com defi ciência e promover o respeito pela sua dignidade inerente.
Pessoas com defi ciência são aquelas que têm impedimentos de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
392
plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as
demais pessoas”.
5. Parecer do Ministério Público Federal pela concessão da
ordem.
6. Segurança concedida.
O Sr. Ministro Castro Meira (Relator): Inicialmente, reconheço a
competência da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça para conhecer e
julgar o presente writ, por desafi ar ato da Presidência deste Tribunal, autoridade
responsável pela publicação do edital do concurso público respectivo e que
defendeu a legalidade da exclusão havida.
Determina a Constituição Federal:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
........................................................................................................
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de
Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio
Tribunal;
Passo seguinte, de impossibilidade jurídica do pedido não há que se falar,
porquanto, em se tratando de concurso público, cabe ao Poder Judiciário o
exame da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na
realização do certame, sendo vedada tão só a incursão no mérito administrativo,
a exemplo dos critérios de formulação de questões, de correção de provas, e
atribuição de notas aos candidatos, salvo nos casos fl agrantes de violação à
razoabilidade.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO PÚBLICO. SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. VALORAÇÃO DA
PROVA DE TÍTULOS. DIMINUIÇÃO DA NOTA PELA COMISSÃO ORGANIZADORA.
CRITÉRIO DE CORREÇÃO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. REFORMATIO IN PEJUS.
AUSÊNCIA. AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO. ADI N. 3.522-3, STF. LEI 11.183/98.
EXCLUSÃO TOTAL DOS PONTOS CORRESPONDENTES À ATUAÇÃO, COMO
PREPOSTO, EM SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. ATRIBUIÇÃO DE PONTOS AOS QUE
EXERCERAM ADVOCACIA, MAGISTRATURA E PROMOTORIA. FINALIDADE DOS
TÍTULOS. VIOLAÇÃO.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 393
1. No mandamus, o impetrante insurge-se contra decisão da Comissão
Permanente dos Concursos de Ingresso e Remoção para os Serviços Notariais e de
Registro, que procedeu à reavaliação dos títulos apresentados pelo impetrante na
3ª fase do certame, reduzindo a pontuação obtida anteriormente.
2. Os critérios de correção de provas, atribuição de notas e avaliação de
títulos adotados pela Comissão de Concursos, em regra, não podem ser revistos
pelo Judiciário, cuja competência se restringe ao exame da legalidade, ou seja,
à observância dos elementos objetivos contemplados no edital e na lei que
regem o certame. A justiça ou injustiça da decisão da Comissão Permanente de
Concursos é matéria de mérito do ato administrativo, sujeita à discricionariedade
técnica da autoridade administrativa. Precedentes.
3. Neste caso, os critérios adotados pela comissão examinadora para
interpretar o que está consignado nos itens 5 (magistério em disciplina jurídica
vinculada ao exercício da fundação notarial) e 6 (publicação de livros e artigos em
revista jurídica sobre temas diretamente relacionados com a função) da tabela de
títulos do Edital n. 02/2004, aplicados objetivamente a todos os candidatos do
concurso público, em obediência à razoabilidade e à proporcionalidade, não são
passíveis de reapreciação judicial.
4. Não houve violação da norma contemplada no art. 31 do regulamento do
concurso, Ato n. 002/99, do Conselho da Magistratura e, consequentemente,
ao princípio da reformatio in pejus, pois o novo enquadramento dos pontos
não fora realizado na fase recursal. Com a retificação do procedimento
utilizado anteriormente, passou-se a apreciar, originariamente, todos os títulos
apresentados, atribuindo-se, segundo critérios objetivamente definidos, a
correspondente pontuação aos mesmos. Assim, a diminuição dos pontos
inicialmente conferidos ao impetrante decorreu do regular exercício da autotutela
pela Administração Pública. Incidência da Súmula 473/STF. (RMS 22141/RS, Rel.
Min. Humberto Martins, DJe 18.09.2008).
5. Outrossim, no que concerne à exclusão total dos pontos concedidos pela
atuação como preposto em serventia notarial, para que se observe a fi nalidade da
prova de títulos e o edital do certame – sem se afastar do que foi consignado pelo
STF no julgamento da ADI 3.522-3 –, deve-se atribuir ao impetrante a pontuação
por haver comprovado o exercício da aludida atividade, nos termos regrados no
item 2 da tabela de títulos, limitando-a, contudo, ao valor máximo conferido ao
exercício da advocacia, da magistratura e da promotoria.
6. Com efeito, a exclusão total dos pontos daqueles que possuem experiência
na atividade notarial, ao mesmo tempo em que é atribuído valor à atuação
do candidato em funções totalmente distintas (promotor, procurador, juiz, por
exemplo), contraria inequivocamente a fi nalidade da exigência de títulos, qual
seja: demonstrar que o candidato reúne atributos e conhecimentos técnicos que
o coloca, ainda que em tese, numa posição de maior capacidade para o exercício
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
394
das atividades em relação a seus concorrentes. Apreciando situação similar, a
contrario sensu, confi ram-se os precedentes desta Corte e do STF: RMS 24.509/RS,
Rel. Min. Castro Meira e Rcl 4.426/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJU 08.06.09).
7. Recurso ordinário em mandado de segurança provido em parte (RMS 23.878/
RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe
08/03/2010).
Ademais, é dispensável a citação dos outros candidatos aprovados
no concurso público, a título de litisconsórcio passivo necessário, visto que
eles detêm apenas expectativa de direito à nomeação, a teor dos seguintes
precedentes:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.
INEXISTÊNCIA. ARTS. 3º E 41 DA LEI 8.666/93. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 182/STJ.
AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. “É Dispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário entre os
candidatos aprovados em concurso público, uma vez que possuem apenas
expectativa de direito a nomeação” (AgRg no AREsp 20.530/PI, Rel. Min. TEORI
ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJe 13/10/11).
........................................................................................................
4. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp 89.428/BA, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/05/2012, DJe
23/05/2012);
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. PETROBRÁS.
EXCLUSÃO DE CANDIDATO DO CERTAME. MANDADO DE SEGURANÇA.
CABIMENTO. ATO DE AUTORIDADE. FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO
NECESSÁRIO. DESNECESSIDADE. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE
SUPERIOR NESSES SENTIDOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CARACTERIZADA.
1. Esta Corte Superior possui jurisprudência no sentido de que atos praticados
por sociedade de economia mista no âmbito de concurso público de seleção
de pessoal são atos de autoridade para fins de impetração de mandado de
segurança. Precedentes.
2. Também pacificou-se no Superior Tribunal de Justiça a orientação pela
desnecessidade de citação dos candidatos aprovados e dos demais inscritos
no concurso público, a título de litisconsórcio necessário, em demanda cuja
pretensão se limita a discutir ato de exclusão de certo candidato do certame, por
gozarem tais candidatos de mera expectativa de direito. Precedentes.
........................................................................................................
6. Recurso especial não provido, com aplicação de multa por litigância de
má-fé na razão de 1% sobre o valor atualizado da causa (REsp 1.298.074/SP,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 395
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
12/04/2012, DJe 17/04/2012).
Rejeitadas as preliminares, passo ao exame do mérito.
É incontroverso que a impetrante sofre de perda auditiva unilateral, como
faz prova os laudos particulares trazidos aos autos, verbis:
Declaro para os devidos fi ns que a paciente acima não apresenta alterações
ao exame otorrinolaringológico. Apresenta à audiometria tonal perda auditiva
neurossensorial de grau profundo (anacusia) no ouvido esquerdo, de etiologia
indeterminada (congênita?). Ausência de emissões otoacústicas nas frequências
de 2, 3, 4, 6 e 8 Khz à E, presentes em todas as frequências à D. CID: H90.5 (e-STJ
fl . 18);
Examinei nesta data a Srta. Marcella Maria Cintra Leal de Souza, RG n. 2.161.860
SSPDF. É portadora de surdez profunda no ouvido esquerdo, de natureza neuro-
sensorial - CID H 90.4. Não é possível identifi car a causa (e-STJ fl . 20);
A Srta. Marcella Maria Cintra Leal de Souza, RG 2161860 SSP-DF foi submetida a
exame otorrinolaringológico sob meus cuidados profi ssionais nesta data de hoje,
de onde foi possível concluir que o caso se trata de defi ciência auditiva unilateral
à esquerda de grau profundo e irreversível de causa desconhecida, conforme
audiograma anexo; portanto já que a orelha contra-lateral não apresentar
qualquer alteração, confi gura-se portanto um caso de ouvido único normal à
direita. CID: H90.5 (e-STJ fl . 23).
A própria Junta Médica examinadora reconheceu a perda auditiva, pelo
que se depreende da negativa ao recurso da candidata:
De acordo com o Decreto n. 3.298/99, atualizado pelo Decreto n. 5.296/2004,
que rege o Edital n. 01 do STJ, de 08/02/2012, sobre defi ciência auditiva: “perda
bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por
audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz e 3.000Hz”. Portanto, se a candidata
apresenta perda auditiva unilateral não pode ser clinicamente enquadrada como
pessoa com defi ciência nos termos do Edital.
Isso estabelecido, a redação original do Decreto n. 3.298/99, que
regulamenta a lei sobre Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora
de Defi ciência (Lei 7.853/89), assim dispunha:
Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fi siológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho
de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
396
II - defi ciência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um
período de tempo sufi ciente para não permitir recuperação ou ter probabilidade
de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de
integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou
recursos especiais para que a pessoa portadora de defi ciência possa receber ou
transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho
de função ou atividade a ser exercida.
Art. 4º É considerada pessoa portadora de defi ciência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
I - defi ciência física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do
corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-
se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia,
tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou
ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou
adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam difi culdades
para o desempenho de funções;
II - deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas
sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:
a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve;
b) de 41 a 55 db – surdez moderada;
c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;
d) de 71 a 90 db – surdez severa;
e) acima de 91 db – surdez profunda; e
f) anacusia;
III - defi ciência visual – acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor
olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º (tabela de Snellen),
ou ocorrência simultânea de ambas as situações;
........................................................................................................
Com a alteração dada pelo Decreto 5.296/04, o art. 4º passou a vigorar
com os seguintes esclarecimentos:
I - defi ciência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do
corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-
se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia,
tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação
ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade
congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam
difi culdades para o desempenho de funções;
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 397
II - defi ciência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis
(dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e
3.000Hz;
III - defi ciência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que
0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que signifi ca
acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os
casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for
igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições
anteriores;
........................................................................................................
Em face da alteração que se imprimiu no inciso II do art. 4º do Decreto
3.298/99, a impetrante não foi considerada portadora de defi ciência, fi cando
privada do direito de concorrer às vagas destinadas a esses candidatos.
Ocorre que a jurisprudência das Turmas da Primiera e da Terceira Seção
assegura a reserva de vagas destinadas aos portadores de defi ciência a candidatos
acometidos de perda auditiva, bilateral ou unilateral, tendo em vista que o art.
4º, II, do Decreto 3.298/99, que defi ne as hipóteses de defi ciência auditiva, deve
ser interpretado em consonância com o art. 3º do mesmo diploma legal.
Nesse sentido, vale conferir:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. DECRETO N.
3.298/1999. REDAÇÃO DO DECRETO N. 5.296/2004. DEFICIENTE AUDITIVO
UNILATERAL. POSSE. POSSIBILIDADE. OFENSA À CLÁUSULA DE RESERVA DE
PLENÁRIO. INEXISTÊNCIA. APRECIAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO (AgRg no RMS
35.111/RJ, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, SEGUNDA TURMA, julgado em
02/08/2012, DJe 15/08/2012);
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
DECRETO N. 3.298/99. REDAÇÃO DO DECRETO N. 5.296/04. DEFICIÊNCIA AUDITIVA
UNILATERAL. RESERVA DE VAGA AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS
CONCEDIDA. POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, em concursos
públicos, é prescrita pelo art. 37, VIII, da CF/88, regulamentado pela Lei n. 7.853/89
e, esta, pelos Decretos 3.298/99 e 5.296/04.
2. Os exames periciais demonstraram que o recorrente possui total ausência
de resposta auditiva no ouvido esquerdo, com audição normal no outro.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
398
3. Com efeito, a surdez unilateral não obsta o reconhecimento do caráter
de portador de necessidades especiais, uma vez que o art. 4º, II, do Decreto
3.298/99, que defi ne as hipóteses de defi ciência auditiva, deve ser interpretado
em consonância com o art. 3º do mesmo diploma legal, de modo a não excluir os
portadores de surdez unilateral da disputa às vagas destinadas aos portadores de
defi ciência física. Precedentes.
4. Recurso não provido (AgRg no AREsp 22.688/PE, Rel. Ministro ARNALDO
ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 02/05/2012);
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. POSSE DE
DEFICIENTE AUDITIVO UNILATERAL. POSSIBILIDADE.
1. Hipótese em que o Tribunal de origem, embora reconheça a surdez
unilateral, julgou improcedente o mandamus, considerando que a impetrante
não se enquadra no conceito de defi ciente físico preconizado pelo art. 4º do
Decreto 3.298/1999, com redação dada pelo Decreto 5.296/2004 (vigente ao
tempo do edital).
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça fi rmou-se no sentido de que,
no concurso público, é assegurada a reserva de vagas destinadas aos portadores
de necessidades especiais acometidos de perda auditiva, seja ela unilateral ou
bilateral.
3. Reexaminando os documentos anexos à exordial, depreende-se que,
segundo o laudo médico emitido, a candidata tem malformação congênita
(defi ciência física) na orelha e perda auditiva no ouvido direito, o que caracteriza a
certeza e a liquidez do direito ora vindicado, na espécie.
4. Agravo Regimental não provido (AgRg no RMS 34.436/PE, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/05/2012, DJe 22/05/2012);
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. POSSE DE
DEFICIENTE AUDITIVO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. SUPOSTA OFENSA AO
DECRETO N. 3.298/99, À LEI N. 7.893/89 E AO ART. 5º DA LEI N. 8.112/90. NÃO
OCORRÊNCIA.
1. Nos termos dos arts. 3º, inciso I, e 4º do Decreto n. 3.298/99, que
regulamentou a Lei n. 7.893/89, e do art. 5º da Lei n. 8.112/90, é assegurada, no
certame público, a reserva de vagas destinadas aos portadores de defi ciência
auditiva unilateral. Precedentes.
2. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp 1.150.154/DF, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 28/06/2011);
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - CANDIDATO PORTADOR
DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA - RESERVA DE VAGA NEGADA PELA ADMINISTRAÇÃO
DEVIDO À COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL - MATÉRIA DE
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 399
DIREITO - POSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DO WRIT - APLICAÇÃO ERRÔNEA DA
RESOLUÇÃO N. 17/2003 DO CONADE - LEI N. 7.853/89 - DECRETOS N. 3.298/99 e
5.296/2004 - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - RECURSO PROVIDO.
1. A matéria de que trata os autos, qual seja, saber se a surdez unilateral vem
a caracterizar defi ciência física ou não, é matéria de direito, que não exige dilação
probatória, podendo, por conseguinte, ser objeto de mandado de segurança.
2. A reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais, em concursos
públicos, é prescrita pelo art. 37, VIII, CR/88, regulamentado pela Lei n. 7.853/89 e,
esta, pelos Decretos n. 3.298/99 e 5.296/2004.
3. Os exames periciais realizados pela Administração demonstraram que o
Recorrente possui, no ouvido esquerdo, defi ciência auditiva superior à média
fi xada pelo art. 4º, I, do Decreto n. 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto n.
5.296/2004. Desnecessidade de a defi ciência auditiva ser bilateral, podendo ser,
segundo as disposições normativas, apenas, parcial.
4. Inaplicabilidade da Resolução n. 17/2003 do CONADE, por ser norma de
natureza infra-legal e de hierarquia inferior à Lei n. 7.853/89, bem como aos
Decretos n. 3.298/99 e 5.296/2004.
5. Recurso ordinário provido (RMS 20.865/ES, Rel. Ministro PAULO MEDINA,
SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2006, DJ 30/10/2006, p. 418).
Nessa esteira ainda as recentes decisões monocráticas: RMS 24.445/RS,
Rel. Min. Og Fernandes, DJ 29.6.12; AREsp 182.895/RJ, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, DJ 19.6.12; RMS 36.081/PE, Rel. Min. Herman Benjamin,
DJ 19.3.12; RMS 34.436/PE, Rel. Min. Herman Benjamim, DJ 6.3.12; AREsp
23.614/DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ 15.12.11.
Lembro, ainda, que tal orientação vem sendo sufragada pelo colendo
Tribunal Superior do Trabalho, como se pode verifi car no teor da seguinte
ementa:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA INSCRITA COMO
PORTADORA DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ENQUADRAMENTO COMO PNE NEGADO
PELA COMISSÃO CENTRAL DO CONCURSO. DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL.
ARTIGOS 3º E 4º DO DECRETO 3.298/1999. A interpretação dos arts. 3º e 4º do
Decreto 3.298/1999 (com a redação dada pelo Decreto 5.296/2004) em harmonia
com os dispositivos da Constituição da República, mormente com os seus arts.
1º, incs. II e III, e 3º, inc. IV, os quais evidenciam que, mediante as denominadas
ações afi rmativas, sejam efetivadas as políticas públicas de apoio, promoção e
integração dos portadores de necessidades especiais, leva à conclusão de que a
defi ciência auditiva unilateral é sufi ciente para assegurar o direito do candidato
concorrer a uma das vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
400
a que aludem os arts. 37, inc. VIII, da Constituição da República e 5º, § 2º, da Lei
8.112/1990, não se exigindo que a defi ciência auditiva seja bilateral. INDENIZAÇÃO
POR DANOS MATERIAIS CORRESPONDENTE AO MONTANTE DOS VENCIMENTOS
RELATIVOS AO PERÍODO DA DATA DE EVENTUAL POSSE DE OUTRO CANDITADO NA
VAGA RESERVADA AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS ATÉ A DATA DA
POSSE DA IMPETRANTE. “Concessão de mandado de segurança não produz efeitos
patrimoniais em relação ao período pretérito, os quais devem ser reclamados
administrativamente ou pela via judicial própria” (Súmula 271 do Supremo
Tribunal Federal). Outrossim, o deferimento do pedido resultaria em sentença
condicional, o que é vedado pelo parágrafo único do art. 460 do CPC.
Recurso Ordinário a que se dá parcial provimento. (RR 11800-35.2011.5.21.000,
Rel. Ministro João Batista Brito Pereira, DJe de 15.10.12)
Outra não foi a cota exarada pela Subprocuradora-Geral da República
Dra. Maria Caetana Cintra Santos, assim sumariada:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA PORTADORA
DE GRAVE PERDA AUDITIVA UNILATERAL. DIREITO DE CONCORRER ÀS VAGAS
DESTINADAS AOS DEFICIENTES FÍSICOS. INTERPRETAÇÃO CONCOMITANTE DOS
ARTIGOS 3º E 4º, II, DO DECRETO N. 3.298/99. PRECEDENTES.
Parecer pela concessão da segurança.
Não desconheço que esta Corte Superior de Justiça também registra
entendimento em sentido contrário, considerando que a perda auditiva
unilateral, por si só, não é condição apta a qualifi car o candidato a concorrer às
vagas destinadas aos portadores de defi ciência (REsp 1.307.814/AL, Rel. Min.
Francisco Falcão, DJ 23.4.12, com referência a julgado do Pretório Excelso: MS
29.910-AgR, do qual relator o Ministro Gilmar Mendes).
No entanto, na linha da jurisprudência majoritária e nos termos do parecer
ministerial, não me afi gura razoável entender que o indivíduo portador de grave
perda auditiva unitaleral não seja qualifi cado como portador de defi ciência,
defi nida esta como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fi siológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho
de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (art. 3º,
I), somado ao fato de que a própria norma refere-se à perda auditiva parcial (art.
4º, II).
Aliás, a Exposição de Motivos do Decreto 5.296/2004, que veio
regulamentar as Leis 10.048/00 – que concede prioridade de atendimento
às pessoas que especifica – e 10.098/00 – que estabelece normas gerais e
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 401
critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
defi ciência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências – não justifi ca
a modifi cação estampada. Ao revés, é nítido o intuito do normativo, como
não poderia deixar de ser, de ampliação e resguardo dos direitos desse grupo
específi co de pessoas, permitindo-lhes benefi ciar de bens e serviços disponíveis
aos que não apresentam defi ciência qualquer. Para melhor ilustração, extraio os
fragmentos abaixo:
5. A proposta de Decreto de regulamentação trazida à consideração de Vossa
Excelência procurou, exaustivamente, atender à demanda e aos direitos das
pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidade reduzida, as quais, em
2000, segundo o IBGE, representavam vinte e quatro e meio milhões de cidadãos
e cidadãs, acrescidos das gestantes e das pessoas com crianças de colo e também
as pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos.
6. Portanto, este decreto regulamenta a legislação federal que garante
autonomia, segurança e qualidade de vida para quase quarenta milhões de
brasileiros. De fato, a eliminação das barreiras para a inclusão social ira benefi ciar
um número cada vez mais crescente na população, em razão do novo perfil
demográfi co e das projeções de incremento dos grupos de pessoas idosas, com
grande possibilidade de apresentarem mobilidade reduzida ou limitação de
atividades em decorrência de perdas sensoriais e motoras.
7. A regulamentação das leis federais de acessibilidade representa o passo
decisivo para a cidadania das crianças, jovens e adultos com defi ciência. Havendo
transporte acessível, ambiente livre de barreiras, tecnologia empregada para
incluir as pessoas com defi ciência auditiva, visual e mental e o aperfeiçoamento e
a oferta de ajuda técnicas, será realmente possível fazer com que a escola, a saúde,
o trabalho, o lazer, o turismo e o acesso à cultura sejam elementos presentes na
vida das pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidade reduzida.
........................................................................................................
10. Se as pesquisas especializadas internacionais já classifi cam o Brasil entre
os cinco países mais inclusivos das Américas em razão de nosso arcabouço legal,
este Decreto, convém frisar, corresponde à oportunidade de concretizarmos a
inclusão de um segmento ainda marginalizado, sem possibilidade de benefi ciar-
se dos bens e serviços disponíveis para aqueles que não apresentam defi ciência.
Acesso para as pessoas portadoras de defi ciência física, mental, sensorial ou para
quem tem mobilidade reduzida signifi ca a garantia de seus direitos e o exercício
da cidadania.
Por essas e outras signifi cativas razões, o Governo brasileiro ratifi cou e,
por meio do Decreto 6.949/09, promulgou a Convenção Internacional sobre
os Direitos das Pessoas com Defi ciência e seu Protocolo Facultativo, assinados
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
402
em Nova York, em 30 de março de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional
com a autoridade de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF/88), cujo
propósito e defi nição de pessoa com defi ciência estão estabelecidos no Artigo 1
da Convenção, verbis:
O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o
exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais por todas as pessoas com defi ciência e promover o respeito pela
sua dignidade inerente.
Pessoas com defi ciência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo
de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdades de condições com as demais pessoas.
Ante o exposto, concedo a segurança, de forma a autorizar que a impetrante
concorra nas vagas destinadas aos defi cientes físicos no concurso pleiteado, devendo ser
observada, para a nomeação e posse, a ordem de classifi cação.
É como voto.
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Sra. Presidente, realmente a matéria
não é tão tranquila, visto que a defi ciência auditiva referida no decreto aduz
perda bilateral, parcial ou total. A matriz de tudo isso está na Constituição,
na qual procurou, em muitas hipóteses, trazer a possibilidade de inclusão dos
defi cientes no mercado de trabalho, sobretudo no serviço público.
Uma pessoa que tenha perda auditiva total, mesmo sendo de um ouvido,
não tem a mesma condição que aqueles com a audição normal. Por isso mesmo,
penso que está em consonância com o objetivo da própria Constituição lhe
assegurar o direito de concorrer nas vagas destinadas a defi cientes, conforme
vários precedentes a respeito. Inclusive, como lembrou a ilustre Procuradora,
essa questão não é tão diferente da visão monocular, que o Tribunal editou uma
súmula a respeito, assegurando o direito àqueles que têm visão monocular de
concorrerem como defi cientes nos concursos, dentro das vagas reservadas para
tal fi nalidade.
Penso que essa interpretação, com a devida vênia, pois sei que a questão é
polêmica, é a que está mais de acordo com o propósito da própria Constituição
Federal a respeito, no seu art. 37, VIII.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 403
Peço vênia e acompanho o eminente Relator, no sentido de conceder a
segurança.
É o voto.
VOTO-VENCEDOR
O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de mandado de segurança
impetrado por MARCELLA MARIA CINTRA LEAL DE SOUZA contra
ato do Presidente do STJ e do Diretor-Geral do CESPE – UnB referente
ao concurso para o provimento de cargo de analista judiciário no Tribunal. A
impetrante alega que deve ser alocada na lista de defi ciente, porquanto possui
surdez auditiva unilateral. O laudo da junta médica do referido concurso
descaracterizou a situação da candidata como de defi ciência, conforme se infere
do laudo de perícia médica (fl . 72, e-STJ):
“(...) CONCLUSÃO
CANDIDATO É DEFICIENTE? NÃO
Observações: Audição normal à direita. Nas e enquadra no Decreto 3.298/99.”
Contra o resultado da perícia interpôs recurso administrativo (fl s. 75-80,
e-STJ). O recurso foi indeferido (fl . 93, e-STJ):
“No recurso em questão foi constatado que:
De acordo com o Decreto n. 3.298/99, atualizado pelo Decreto n. 5.296/2004, que
rege o Edital n. 01 do STJ, de 08/12/2012, sobre defi ciência auditiva: ‘perda bilateral,
parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma
nas freqüências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000 Hz’. Portanto, se a candidata
apresenta perda auditiva unilateral não pode ser clinicamente enquadrada como
pessoa com defi ciências nos termos do Edital.
Ante o exposto, o recurso de Vossa Senhoria foi indeferido.
JUNTA MÉDICA”
Com a publicação do Edital n. 08-STJ, de 19.7.2012, obteve, em defi nitivo,
a negativa de provimento do recurso e a desclassifi cação no concurso (fl s. 82-91,
e-STJ).
Na sua petição inicial (fl s. 1-11, e-STJ), sustenta que, nos termos de
definição que postula amparada no art. 3º, incisos I e II, do Decreto n.
3.298/1999, a surdez lateral de grau profundo – anacusia (CID H90.5) – deve
ser considerada como defi ciência, apta a permitir sua participação em lista
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
404
específi ca no certame em questão, para o cargo público. Junta precedentes
de TRFs e do STJ, bem como julgado do STM no qual sua tese teria sido
contemplada, com nomeação e posse naquele órgão. Pediu liminar.
Foi deferida gratuidade de justiça (fl . 118, e-STJ).
O Ministro Castro Meira, relator, indeferiu o pedido de liminar (fl . 123,
e-STJ).
A União pediu seu ingresso no feito (fl . 136, e-STJ).
O Diretor-Geral do CESPE/UnB ofertou informações (fl s. 142-189,
e-STJ). Argumenta que o pedido jurídico seria impossível, uma vez que seria
vedado ao Poder Judiciário adentrar no cerne do mérito administrativo. Alega
que todos os demais candidatos na lista de defi cientes deveriam ser chamados à
lide na condição de litisconsortes passivos necessários. No mérito, postula que o
Edital deve ser cumprido à risca e que o art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99, na
redação dada pelo Decreto n. 5.296/2004, é claro ao afi rmar que a defi ciência
auditiva somente seria caracterizada como perda bilateral da audição. Por fi m,
indica que a concessão da ordem violaria o princípio da isonomia ao privilegiar
a impetrante em detrimento dos demais candidatos. Juntou documentação (fl s.
150-189, e-STJ).
O Presidente do Superior Tribunal de Justiça juntou informações (fl s.
191-210, e-STJ). Foi juntada documentação na qual consta que o edital está
amparado no art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99, na redação dada pelo Decreto
n. 5.296/2004 e que a junta médica meramente constatou tecnicamente a
inexistência de surdez bilateral, ensejando a desclassifi cação da impetrante (fl s.
194-196, e-STJ).
O Parquet federal solicitou o envio dos autos (fl s. 214-223, e-STJ).
Foi ofertado opinativo pelo Ministério Público Federal em prol da
concessão da ordem, cuja ementa abaixo transcrevo (fl . 225, e-STJ):
“MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA PORTADORA DE
GRAVE PERDA AUDITIVA UNILATERAL. DIREITO DE CONCORRER ÀS VAGAS DESTINADAS
AOS DEFICIENTES FÍSICOS. INTERPRETAÇÃO CONCOMITANTE DOS ARTIGOS 3º E 4º, II
DO DECRETO N. 3.298/99. PRECEDENTES. Parecer pela concessão da ordem.”
O Ministro Castro Meira deferiu o ingresso da União na lide (fl . 230,
e-STJ).
Em brilhante voto, o eminente Ministro Castro Meira cita precedentes
do STJ no sentido postulado pela impetrante, bem como descreve que o
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 405
Decreto n. 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto n. 5.296/2004 ampara
a interpretação de que a candidata deveria ser alocada na lista classifi catória de
defi cientes. No entender do relator, os arts. 3º e 4º, II, do decreto precisariam
ser lidos em interpretação sistemática, com a legislação pátria, a Constituição
Federal e regramentos internacionais, o que, portanto, se sobreporia ao
entendimento da junta médica e à disposição do edital, que, meramente,
transcreve a nova redação do art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99.
Todavia, ousei divergir, com base em precedente do Supremo Tribunal
Federal, por três argumentos: nova redação do Decreto n. 3.298/99; estrito
cumprimento do edital, que reproduz o decreto; e em razão de entender que
haveria necessidade de dilação probatória.
O Ministro Luis Felipe Salomão pediu vista dos autos e proferiu o seu
voto no sentido de acompanhar o relator. Assinalou correção na indicação
das autoridades coatoras. Rejeitou as preliminares de impossibilidade jurídica
do pedido, bem como de necessidade nos litisconsortes passivos. No mérito,
sustentou a necessidade de uma leitura ampla do conceito de defi ciência, com
destaque para uma leitura que ultrapassasse a literalidade em prol do reconhecer
de política inclusiva do defi ciente.
O Ministro João Otávio de Noronha pediu vista dos autos. Proferiu voto
para acompanhar a divergência, uma vez que considerou que o advento da
nova redação do art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99 fi xou conceito jurídico mais
restrito de defi ciente auditivo e, assim, não seria possível enquadrar pessoa com
surdez unilateral em tal qualidade jurídica. Frisa o MS 29.910/DF, julgado pelo
Supremo Tribunal Federal.
É, no essencial, o relatório.
Deve ser denegada a ordem.
Inicialmente, cabe frisar a ausência de divergência em relação ao rejeitar
das preliminares. Desse modo, acolho a fundamentação para tanto, trazida pelo
relator, Ministro Castro Meira. Transcrevo:
“Inicialmente, reconheço a competência da Corte Especial do Superior Tribunal
de Justiça para conhecer e julgar o presente writ, por desafi ar ato da Presidência
deste Tribunal, autoridade responsável pela publicação do edital do concurso público
respectivo e que defendeu a legalidade da exclusão havida.
Determina a Constituição Federal:
‘Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar,
originariamente:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
406
(...)
b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de
Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do
próprio Tribunal;’
Passo seguinte, de impossibilidade jurídica do pedido não há que se falar,
porquanto, em se tratando de concurso público, cabe ao Poder Judiciário o exame
da legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização
do certame, sendo vedada tão só a incursão no mérito administrativo, a exemplo dos
critérios de formulação de questões, de correção de provas, e atribuição de notas aos
candidatos, salvo nos casos fl agrantes de violação à razoabilidade.
Nesse sentido: ‘(...)’ (RMS 23.878/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma,
julgado em 23/02/2010, DJe 08/03/2010).
Ademais, é dispensável a citação dos outros candidatos aprovados no concurso
público, a título de litisconsórcio passivo necessário, visto que eles detêm apenas
expectativa de direito à nomeação, a teor dos seguintes precedentes:
‘ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO
PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. ARTS. 3º E 41 DA LEI 8.666/93.
PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ.
FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 182/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. “É Dispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário entre os
candidatos aprovados em concurso público, uma vez que possuem apenas
expectativa de direito a nomeação” (AgRg no AREsp 20.530/PI, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 13/10/11).
(...)
4. Agravo regimental não provido’
(AgRg no AREsp 89.428/BA, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira
Turma, julgado em 17/05/2012, DJe 23/05/2012);
(...)
Rejeitadas as preliminares, passo ao exame do mérito.”
Também rejeito as preliminares, nos mesmos termos do relator.
Passo ao mérito.
Está muito clara a questão sob exame no âmbito da Corte Especial do STJ.
Como se infere do relatório, a impetrante foi desclassifi cada, uma vez
que a junta médica não a considerou como enquadrada nos termos do art. 4º,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 407
II, do Decreto n. 3.298/99, com a redação dada pelo Decreto n. 5.296/2004.
Transcrevo:
“Art. 4º É considerada pessoa portadora de defi ciência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
(...)
II - defi ciência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis
(dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e
3.000Hz;”
O Edital n. 1 – STJ, de 8.2.2012, assim dispunha sobre o tema (fl s. 28-30,
e-STJ):
“5 DAS VAGAS DESTINADAS AOS CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA
5.1 Das vagas destinadas a cada cargo / área / especialidade / ramo e das que
vierem a ser criadas durante o prazo de validade do concurso, 5% serão providas na
forma do § 2º do artigo 5º da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e do Decreto no
3.298, de 20 de dezembro de 1999, e suas alterações.
(...)
5.6 DA PERÍCIA MÉDICA
5.6.1 Os candidatos que se declararem com deficiência, se não eliminados no
concurso, serão convocados para se submeter à perícia médica ofi cial promovida
por equipe multiprofi ssional de responsabilidade do CESPE/UnB, formada por seis
profi ssionais, que verifi cará sobre a sua qualifi cação como defi ciente, nos termos do
artigo 43 do Decreto n. 3.298/99 e suas alterações e da Súmula 377 do STJ.
(...)
5.6.5 Perderá o direito de concorrer às vagas reservadas as pessoas com defi ciência
o candidato que, por ocasião da perícia médica, não apresentar laudo médico
(original ou copia autenticada em cartório) ou que apresentar laudo que não tenha
sido emitido nos últimos doze meses, bem como que não for qualifi cado na perícia
médica como pessoa com defi ciência ou, ainda, que não comparecer à perícia.
5.6.6 O candidato que não for considerado pessoa com deficiência na perícia
médica, caso seja aprovado no concurso, fi gurará na lista de classifi cação geral por
cargo / área / especialidade / ramo.
5.6.7 O candidato que, no ato da inscrição, se declarar pessoa com defi ciência,
se for qualifi cado na perícia médica e não for eliminado do concurso, terá seu nome
publicado em lista a parte e fi gurará também na lista de classifi cação geral por cargo/
área/especialidade/ramo.”
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
408
A polêmica se instalou, uma vez que o redação do Decreto n. 3.298/99 foi
alterada pelo Decreto n. 5.296/2004. A redação anterior abarcava a pretensão da
impetrante de ser qualifi cada como defi ciente:
“Art. 4º É considerada pessoa portadora de defi ciência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
(...)
II - deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas
sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:
a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve;
b) de 41 a 55 db – surdez moderada;
c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;
d) de 71 a 90 db – surdez severa;
e) acima de 91 db – surdez profunda; e
f) anacusia;”
Bem aclarada a questão, trago três argumentos, relacionados com
precedente do Supremo Tribunal Federal: nova redação do Decreto n. 3.298/99;
estrito cumprimento do edital, que reproduz o Decreto; e necessidade de dilação
probatória.
Cito o acórdão de relatoria do Min. Gilmar Mendes:
“Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Concurso público. Decreto
3.298/99 prevê apenas a surdez bilateral como deficiência auditiva. Candidato
pretende que surdez unilateral seja reconhecida como condição apta a qualifi cá-lo
de portador de deficiência. 3. Necessidade de dilação probatória. 4. Ausência de
argumentos sufi cientes para infi rmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que
se nega provimento.”
(AgRg no MS 29.910, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em
21.6.2011, Processo Eletrônico, divulgado no DJe 146 em 29.7.2011 e publicado
em 1º.8.2011.)
O primeiro argumento seria reconhecer que o Decreto n. 3.298/99 foi
alterado pelo Decreto n. 5.296/2004 para restringir o conceito de defi ciente
auditivo. Desta forma, não é possível menosprezar o fato normativo para realizar
interpretação sistemática que objetive negar a alteração do art. 3º, II. No cerne, a
nova redação excluiu do enquadramento de defi ciente as pessoas portadoras de
surdez unilateral. Cito trecho do acórdão do Pretório Excelso:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 409
“O Decreto 3.298/99, que regulamenta a Lei 7.853/1989, ao dispor sobre a Política
Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Defi ciência, qualifi cou como
defi ciência auditiva a ‘perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis
(dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e
3.000Hz’.
Logo, por si só, a perda auditiva unilateral não é condição apta a qualifi car o
candidato a concorrer às vagas destinadas aos portadores de defi ciência.”
O segundo argumento é que o edital estritamente incorporou a nova
redação do decreto, restringindo o conceito de defi ciência auditiva. A junta
médica tão somente emitiu laudo técnico em sintonia com as previsões do Edital
1 – STJ, de 8.2.2012, cujo teor meramente remete ao Decreto n. 3.298/99 e suas
alterações, que foi o parâmetro do ato reputado coator, em verdade praticado sob
o pálio da juridicidade estrita.
E, por fim, o terceiro argumento é que a divergência exige a dilação
probatória, pois se está atacando o entendimento fundado em laudos, lastreados
em exames médicos, como bem indicou o precedente do STF acima transcrito,
além de outro que trago:
“Agravo regimental em ação originária. Mandado de segurança. 2. Concurso
público. 3. Equipe multiprofissional do CESPE entendeu que a candidata não é
portadora de defi ciência. 4. Agravante sustenta ser portadora de defi ciência auditiva,
conforme laudos médicos juntados aos autos. 5. Necessidade de dilação probatória.
6. Ausência de argumentos sufi cientes para infi rmar a decisão agravada. 7. Agravo
regimental a que se nega provimento.”
(AgRg na AO 1.622/BA, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado
em 21.6.2011, publicado no DJe-125 em 1º.7.2011 e no Ement. vol. 2555-01, p. 1.)
No mesmo sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. CONCURSO PÚBLICO.
DIVERGÊNCIA ENTRE LAUDOS MÉDICOS DA JUNTA OFICIAL E OS TRAZIDOS PELO
PARTICULAR. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. EXTINÇÃO NA ORIGEM SEM APRECIAÇÃO DO
MÉRITO. PRECEDENTES DO STJ. POSSIBILIDADE DA VIA ORDINÁRIA, ART. 19, DA LEI N.
12.016/2009.
1. Na origem, cuida-se de impetração contra ato administrativo que tornou sem
efeito a nomeação de candidata aprovada com base no entendimento fi rmado por
junta médica. A impetrante argumenta que, apesar de ter sido considerada inapta,
sua doença tem características que tornam incerto o prognóstico.
2. O acórdão recorrido considerou a via mandamental inadequada, já que seria
impossível visualizar de plano que o laudo da junta médica seria nulo, em cotejo com
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
410
as informações médicas de fonte particular. Assim, com base nos dados carreados
aos autos, acordou que qualquer deliberação exigiria a realização de perícias e de
contraditório.
3. “A legitimidade do mérito do ato administrativo só pode ser afastada
judicialmente mediante a realização de perícia médica, a fi m de que se apure, com
a certeza técnica recomendável, se é o laudo médico da Administração ou o laudo
médico do particular que está em dissonância com a realidade. Ocorre que é vedada
a dilação probatória em mandado de segurança” (RMS 32.164/BA, Rel. Min. Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 12.11.2010).
4. Precedentes no mesmo sentido: MS 15.141/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido,
Corte Especial, DJe 24.5.2011; RMS 31.996/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques,
Segunda Turma, DJe 31.3.2011; AgRg no RMS 31.552/GO, Rel. Celso Limongi
(Desembargador convocado do TJ/SP), Sexta Turma, DJe 13.9.2010; e AgRg no RMS
28.071/PE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 28.9.2009.
5. “A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o
mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os
respectivos efeitos patrimoniais” (art. 19, da Lei n. 12.016/2009).
Agravo regimental improvido.”
(AgRg no RMS 33.928/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma,
julgado em 20.10.2011, DJe 27.10.2011.)
Ante o exposto, peço todas as vênias ao eminente Ministro Relator – e aos
pares que o acompanharam – para divergir do voto, denegando a segurança.
É como penso. É como voto.
VOTO-VOGAL
O Sr. Ministro Herman Benjamin: Eminente Presidenta, eminente
Relator, inicialmente, queria felicitar o voto brilhante do Relator. E trago, aqui,
duas observações, na linha dos argumentos já apresentados pelo eminente
Ministro Humberto Martins.
O texto original do decreto afi rmava o seguinte: defi ciência auditiva. Perda
parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras. Repito, perda parcial ou
total das possibilidades auditivas sonoras.
Em 2004 – e imagino que exatamente para evitar este debate que estamos
tendo hoje aqui -, o decreto foi alterado, e a defi nição de defi ciência auditiva
passou a ser perda bilateral, parcial ou total.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 411
O primeiro argumento, com as homenagens de praxe ao eminente Relator,
para se chegar a um entendimento diverso daquele de S. Exa., é indagar: para
que mudou o legislador o texto, ao acrescentar a palavra, o vocábulo “bilateral”,
que inexistia no decreto anterior? Então, o primeiro argumento é de natureza
hermenêutica, linguística, de interpretação literal.
Mas creio que há um argumento mais poderoso, que é o exame da ratio
da legislação. A legislação está posta, a começar pelo texto constitucional,
para proteger os hipervulneráveis. Quem tem disacusia unilateral – e veja que
pode ser parcial –, a se interpretar os fatos à luz da redação anterior, não está
concorrendo com os sãos, estará tirando a vaga de quem é absolutamente
hipervulnerável, que tem disacusia (seja parcial ou total, seja dupla ou bilateral).
Então, não pensemos que estará concorrendo com os que não contam com essa
defi ciência física, mas que estará subtraindo a vaga dos que mais precisam. Esse
foi o espírito, a ratio mesma do legislador constitucional e infraconstitucional.
Por isso, pedindo mil vênias ao eminente Relator e também ao queridíssimo
Colega, e não menos brilhante, Sr. Ministro Arnaldo Esteves, acompanho a
divergência.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Luis Felipe Salomão: 1. Cuida-se de mandado de segurança
impetrado por Marcella Maria Cintra Leal de Souza contra ato do Ministro
Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Diretor-Geral do Centro de
Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UNB)
por lhe ter sido negada a qualifi cação como defi ciente física no concurso público
para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva no cargo de analista
judiciário do quadro de pessoal do Superior Tribunal de Justiça.
A impetrante alega ser portadora de defi ciência física descrita por “perda
auditiva neurosensorial de grau profundo no ouvido esquerdo - anacusia”, isto
é, surdez unilateral (CID H90.S), de etiologia indeterminada, razão por que se
inscreveu no certame dentro do número de vagas previstas para os defi cientes
físicos.
Relata que foi classifi cada para o cargo pretendido, tendo sido convocada
para comparecer à perícia médica no Hospital Universitário de Brasília (HUB),
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
412
apresentando, naquela oportunidade, 3 (três) laudos médicos particulares
(enviados ao Cespe no momento da inscrição), bem como um exame
denominado “audiometria”.
A Junta Médica responsável pela perícia, mesmo reconhecendo a anacusia
no ouvido esquerdo da candidata, chegou à conclusão de que a candidata não
se enquadra nas hipóteses tipifi cadas pelo Decreto n. 3.298/99, tendo mantido
o referido posicionamento após a interposição de recurso administrativo, por
entender que o decreto que regulamenta a matéria restringe o conceito de
defi ciência à perda auditiva bilateral.
Defende a possibilidade de os portadores de surdez unilateral concorrerem
às vagas reservadas a defi cientes físicos em concurso públicos, porquanto “a
imprestabilidade desse órgão insere-se na conceituação exposta nos incisos I e II do art.
3º do Decreto”.
Segundo a impetrante, o decreto é ilegal na parte em que restringe a surdez
unilateral, pois contraria a própria lei que lhe serve de fundamento de validade,
não podendo restringir, onde a lei ampliou.
Pondera que a pessoa sem audição, ainda que de um ouvido, é defi ciente
e não pode disputar a mesma vaga com aquele que possui plena capacidade
auditiva, sob pena de afronta à Constituição e à lei.
Argumenta que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífi ca
em assegurar a reserva de vagas destinadas aos portadores de necessidades
especiais acometidos de perda auditiva, seja ela unilateral ou bilateral, tendo
a impetrante, inclusive, obtido pleito favorável em Mandado de Segurança
perante o Superior Tribunal Militar, no cargo de analista judiciário para aquele
mesmo órgão.
O Diretor-Geral do Centro de Seleções e de Promoção de Eventos da
Universidade de Brasília (Cespe/UNB) prestou informações às fl s. 142/189.
Na oportunidade, arguiu a impossibilidade jurídica do pedido, sob a
alegação de que a pretensão seria de reexaminar os critérios do edital do concurso
no ponto referente à perícia médica, o que não seria possível, porquanto descabe
ao Poder Judiciário adentrar no mérito exclusivamente administrativo.
Sustentou, ainda, a necessidade de citação de “todos os candidatos que se
inscreveram para concorrer às vagas para o cargo de Analista Judiciário - Área:
Judiciária, destinada aos portadores de defi ciência, sob pena de nulidade” (fl . 145).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 413
No mérito, observou que a Administração Pública agiu em conformidade
com os princípios da moralidade e da legalidade, respeitando a Constituição
Federal e toda a legislação aplicável ao caso, máxime o inciso II do art. 4º do
Decreto n. 3.298/99. Ao fi nal, salientou que o acolhimento da irresignação
acarretará ofensa ao art. 37, I e II, da Carta Maior, pois desrespeitará o princípio
da isonomia.
Por seu turno, o Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça
pronunciou-se às fl s. 191/210, juntando documentos, dentre os quais ofício
do Diretor-Geral do Cespe/UNB dirigido à Coordenadoria de Provimento e
Informações Funcionais do Superior Tribunal de Justiça, no qual são reiterado
os argumentos desenvolvidos na manifestação de fl s. 142/189.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da eminente
Subprocuradora-Geral da República Dra. Maria Caetana Cintra Santos, opinou
pela concessão da segurança, em parecer assim resumido:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATA PORTADORA
DE GRAVE PERDA AUDITIVA UNILATERAL. DIREITO DE CONCORRER ÀS VAGAS
DESTINADAS AOS DEFICIENTES FÍSICOS. INTERPRETAÇÃO CONCOMITANTE DOS
ARTIGOS 3º E 4º, II, DO DECRETO N. 3.298/99. PRECEDENTES.
Parecer pela concessão da segurança (fl s. 225-228).
O Ministro Castro Meira, relator, votou pela concessão da ordem, com
base nos seguintes fundamentos:
i) Por se tratar de concurso público, cabe ao Poder Judiciário o exame da
legalidade das normas instituídas no edital e dos atos praticados na realização do
certame;
ii) não há falar em formação de litisconsórcio passivo necessário, uma vez que
os candidatos detêm apenas expectativa de direito à nomeação;
iii) Em sua maioria, a jurisprudência do STJ assegura a reserva de vagas
destinadas aos portadores de deficiência a candidatos acometidos de perda
auditiva, bilateral ou unilateral, haja vista que o art. 4º, LI, do Decreto 3.298/99
(que define as hipóteses de deficiência auditiva) deve ser interpretado em
consonância com o art. 3º do mesmo diploma legal;
iv) Mostra-se irrazoável o entendimento de que uma grave perda auditiva
unitaleral não qualifique seu portador como deficiente, tendo em vista que
a defi ciência é defi nida como toda perda ou anormalidade de uma estrutura
ou função psicológica, fi siológica ou anatômica que gere incapacidade para o
desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
414
humano (art. 3º, I), somado ao fato de que a própria norma refere-se à perda
auditiva parcial (art. 4º, LI);
v) o Governo brasileiro ratifi cou, por meio do Decreto 6.949/09, a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, aprovada pelo Congresso Nacional com a autoridade de emenda
constitucional (art. 5º, § 3º, da CF/88), que promove, protege e assegura o exercício
pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por
todas as pessoas com defi ciência.
O Ministro Arnaldo Esteves acompanhou o relator, por entender que a
pessoa com perda unilateral da audição não tem as mesmas condições daqueles
com audição normal, sendo, inclusive, semelhante à questão da visão monocular
sumulada por esta Corte de Justiça.
Inaugurando a divergência, o Ministro Humberto Martins, com base
na jurisprudência do STF, divergiu do referido entendimento, uma vez que o
Decreto n. 3.298/99 foi alterado para restringir o conceito de defi ciente auditivo,
tendo o edital do concurso apenas incorporado a nova redação do decreto. Além
disso, também considerou inviável o mandamus porque seria necessário dilação
probatória.
Os Ministros Sidnei Beneti e Herman Benjamin acompanharam a
divergência, tendo este último fundamentado seu voto com argumento de
natureza hemenêutica-linguística, de interpretação literal, qual seja, o de que o
vocábulo “bilateral” teria sido colocado pelo legislador justamente para defi nir
o que realmente é considerado defi ciência auditiva para a Administração. Além
disso, o voto divergente fundou-se na ratio da legislação, asseverando que ela
está posta para proteger os hipervulneráveis, sendo que os defi cientes auditivos
unilaterais não estão concorrendo com os sãos, mas sim com aqueles que mais
precisam, com aqueles que realmente são absolutamente defi cientes de acordo
com a norma.
Diante disso, pedi vista dos autos para melhor exame da matéria.
É o relatório.
2. De início, verifi ca-se que o mandamus desafi a ato do Presidente do
Superior Tribunal de Justiça, autoridade responsável pela publicação do Edital
n. 1/STJ, de 8 de Fevereiro de 2012 (concurso público para provimento de
vagas e formação de cadastro de reserva nos cargos de analista judiciário e
de técnico judiciário do quadro de pessoal do Superior Tribunal de Justiça) e
pelo Edital n. 7/STJ, de 22 de Junho de 2012 (o qual homologou o resultado
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 415
provisório na perícia médica dos candidatos que se declararam com defi ciência,
excluindo a impetrante).
Nos dizeres de Cassio Scarpinella Bueno, “para a identificação da
autoridade coatora em mandado de segurança, a despeito da aparente alternativa
que se extrai da redação do § 3º do art. 6º da Lei n. 12.016/2009, mister que ela
tenha poder decisório ou deliberativo sobre a prática do ato ou a abstenção de
praticá-lo. O mero executor material do ato, que apenas cumpre as ordens que
lhe são dadas, não lhe cabendo questioná-las, não pode ser entendido como
autoridade coatora”. (BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de
segurança. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 48).
Nesse sentido, confi ram-se os precedentes a seguir:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO
FAZENDÁRIA - ESAF. DIRETOR-GERAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA.
MINISTRO DE ESTADO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. SUPOSTA ILEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM. DEFICIÊNCIA SANÁVEL. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO.
CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO. CONVOCAÇÃO NÃO EFETUADA
DEVIDO A FALHA NO ENDEREÇAMENTO DO TELEGRAMA. ERRO ATRIBUÍDO
EXCLUSIVAMENTE À ADMINISTRAÇÃO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDO.
SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. Autoridade coatora, para fins de mandado de segurança, é aquela que
pratica, ordena ou omite a prática do ato impugnado e tem poderes para refazê-
lo. No caso, o Diretor-Geral da Escola de Administração Fazendária - ESAF deve
ser excluído da lide, por ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que o ato tido
por ilegal não foi por ele praticado nem pode ser por ele reparado, uma vez que a
convocação dos candidatos classifi cados é, nos termos do edital, de competência
do Ministério da Ciência e Tecnologia.
2. Aplica-se a teoria da encampação quando a autoridade apontada como
coatora, ao prestar suas informações, não se limita a alegar sua ilegitimidade, mas
defende o mérito do ato impugnado, requerendo a denegação da segurança,
assumindo a legitimatio ad causam passiva.
In casu, tenho como legitimado para fi gurar no pólo passivo do mandamus o
Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia.
3. Na hipótese, o candidato foi aprovado e classifi cado dentro das vagas, não
sendo nomeado por falha no endereçamento do telegrama, erro cometido única
e exclusivamente pela Administração. Direito líquido e certo reconhecido.
4. Segurança concedida (MS 9.933/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Terceira
Seção, DJ 6/3/2006 - grifo nosso)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
416
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO
FORA DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DO CERTAME. ALEGAÇÃO DE
DECADÊNCIA NÃO PREQUESTIONADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 211/STJ,
POR ANALOGIA. LITISCONSÓRCIO. INOCORRÊNCIA. AUTORIDADE COATORA.
LEGITIMIDADE. APROVAÇÃO FORA DAS VAGAS. NOMEAÇÕES PRECÁRIAS.
EXPECTATIVA DE DIREITO CONVOLADA EM DIREITO SUBJETIVO NA ESPÉCIE.
1. Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado pelos recorridos
contra ato do Secretário de Cultura do Distrito Federal para provimento nos
cargos de Músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional. Os recorridos foram
aprovados nas 4º e 5º colocações em um concurso realizado para preenchimento
de duas vagas. No entanto, alegam que participam de todos os concertos
realizados pela referida orquestra desde 2008, por meio de contratação precária,
efetuada durante o prazo de validade do concurso. Dessa forma, entendem
como líquido e certo o direito à nomeação e posse para o cargo (especialidade
violoncelo). O Tribunal de origem acolheu, em liminar e também depois,
defi nitivamente, o pedido feito pelos ora recorridos.
2. Em primeiro lugar, em relação à alegada ocorrência do prazo decadencial
para a impetração do mandamus, ausente o requisito indispensável do
prequestionamento. Incidência da Súmula n. 211/STJ, por analogia.
3. Em segundo lugar, é firme no STJ o entendimento de que não há
litisconsórcio passivo necessário entre todos os candidatos aprovados em
concurso público. Precedentes.
4. Em terceiro lugar, a autoridade coatora, para fins de impetração de
mandado de segurança, é aquela que pratica ou ordena, de forma concreta e
específi ca, o ato ilegal, ou, ainda, aquela que detém competência para corrigir a
suposta ilegalidade. Inteligência do art. 6º, § 3º, da Lei n. 12.016/2009. Segundo
explanação do acórdão a quo, o Secretário de Cultura do Distrito Federal no uso
de suas atribuições tornou pública a realização do concurso aqui tratado.
5. Em quarto lugar, esta Corte Superior, inclusive em precedentes da minha
relatoria (RMS 34.095/BA), já entendeu pela inexistência de direito adquirido
dos candidatos aprovados em relação a eventuais novas vagas que surgirem no
prazo de validade do certame, caracterizando a investidura ato discricionário
da Administração Pública. Todavia, em recente julgamento (Inf. STF 622/2011
- RE 581.113/SC, Rel. Min. Dias Toff oli), o Supremo Tribunal Federal proclamou
entendimento diametralmente oposto. O Superior Tribunal de Justiça o
acompanhou na nova orientação (Inf. STJ 488/2011 - RMS 31.847/RS, de minha
relatoria).
6. No caso dos autos, é incontroverso nos autos que, durante o prazo de
validade do concurso público, foram realizadas contratações temporárias pela
Administração.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 417
7. Assim, a discricionariedade da Administração Pública deve ser afastada
para reconhecer direito líquido e certo da impetrante para integrar os cargos de
Músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional.
8. Recurso especial não provido (REsp 1.199.702/DF, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, DJe 14/2/2012)
Portanto, dúvidas não restam quanto à adequação da indicação das
autoridades coatoras no caso concreto e, por consequência, quanto à competência
da Corte Especial para processar e julgar o writ, haja vista o disposto no art.
105, I, alínea b, da Constituição da República e no art. 11 do RISTJ.
3. A alegada impossibilidade jurídica do pedido não prospera, pois a
pretensão passa ao largo da análise do mérito administrativo, apenas requerendo
a verifi cação da legalidade das normas e dos atos praticados no certame, em
especial das regras estabelecidas pelo Decreto n. 3.298/99 e suas alterações.
Raquel Melo Urbano de Carvalho, ao discorrer a respeito do controle
judicial dos atos vinculados, assim se pronunciou:
Incumbe ao Judiciário manter o administrador dentro dos limites da
juridicidade delineada no sistema normativo. Assim sendo, pode controlar todos
os aspectos do ato vinculado, cujos elementos e pressupostos encontram-se
fi xados na lei, sendo identifi cáveis mediante atividade interpretativa levada a
efeito diante da realidade em questão.
Quando, ao realizar o controle de legalidade em sentido amplo, o Judiciário
deparar-se com ato vinculado viciado, deve fazer incidir a conseqüência que o
ordenamento impõe, mesmo que isto implique sua extinção: “O Poder Judiciário,
no exercício de sua competência constitucional (Carta Magna, art. 5º, XXXV), ao
invalidar o ato administrativo inconstitucional ou ilegal, não invade a esfera de
competência do Poder Executivo, inexistindo violação ao disposto no artigo 2º da
Constituição.”
Com efeito, se o Judiciário, a o analisar os elementos (conteúdo e forma) e
pressupostos (motivo, sujeito e fi nalidade) de um ato administrativo vinculado
submetido ao seu controle, verifi ca a presença de um defeito insanável como, p.
ex., desvio de poder ou ilicitude do conteúdo por desconformidade com regra
constitucional, cabe-lhe invalidar o ato nulo, restaurando a juridicidade violada
no sistema.
A vinculação em alguns desses aspectos pode decorrer da força coercitiva
de princípios implícitos do ordenamento e não necessariamente de uma
específi ca regra legal. É irrelevante a origem da vinculação. Se o elemento ou o
pressuposto é identifi cável diretamente do ordenamento mediante atividade
hermenêutica ao fi nal da qual há uma só alternativa possível, tem-se o aspecto
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
418
vinculado e o Judiciário pode livremente controlá-lo. Quando todos os
elementos e pressupostos são vinculados, porquanto determinados de modo
específi co pela ordem jurídica (seja por seus princípios, seja por regras legais,
seja após detalhamento por atos regulatórios e regulamentares), tem-se o ato
administrativo vinculado e o Judiciario pode aferir sem restrições a legalidade de
todos os seus aspectos.
Certo é que, se todos os elementos e pressupostos do ato resultam diretamente
do sistema, mediante atividade interpretativa, é irrestrito o controle judicial,
pois não há espaço algum reservado apenas à conveniência administrativa.
Como se trata de questão de juridicidade, não há impedimentos ao controle,
pelo Judiciário, da observância dos critérios necessários à regularidade do ato
administrativo: sujeito capaz e competente; conteúdo lícito, determinado e
possível; forma escrita e formalidades exigidas por lei, motivo verdadeiro e
proporcional com o comando administrativo; finalidade pública e específica
decorrente do próprio ato (DE CARVALHO, Raquel Melo Urbano. Curso de direito
administrativo - parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração, 2ª
ed., Editora Podivm, Bahia: 2009, págs. 601/602).
Acerca do tema, colhe-se, dentre inúmeros, o seguinte julgado:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO E
PROCESSO CIVIL. DISPOSITIVO INDICADO COMO VIOLADO NÃO SUSTENTA A TESE
RECURSAL. CANDIDATO APROVADO FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO
NO EDITAL. PARTICIPAÇÃO NA FASE SUBSEQUENTE. IMPOSSIBILIDADE. MERA
EXPECTATIVA DE DIREITO. BANCA EXAMINADORA. QUESTÕES. REVISÃO JUDICIAL
INCABÍVEL.
1. Se o dispositivo legal tido por violado não é capaz de sustentar a tese
recursal, revela-se inviável o recurso especial pela alínea “a” do permissivo
constitucional.
2. Os candidatos aprovados em determinada fase do concurso e que não se
classifi caram dentro do número de vagas previsto no edital têm mera expectativa
de direito de participarem da etapa subsequente.
3. De acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, ao Poder
Judiciário é permitido tão somente o exame da legalidade do concurso público,
sendo vedado apreciar os critérios utilizados pela banca examinadora, sob pena
de substitui-la no exame do mérito do ato administrativo praticado.
4. Agravo regimental improvido (AgRg no Ag 1.278.000/RJ, Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, DJe 5/10/2011)
A par disso, a jurisprudência desta Corte considera dispensável a sugerida
necessidade de formação de litisconsórcio passivo, com a conseqüente citação
dos demais candidatos aprovados.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 419
Nessa senda, convém destacar os precedentes que se seguem:
PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA.
CONCURSO PÚBLICO. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF. SOCIEDADE
DE ECONOMIA MISTA. (PETROBRAS) ATO DE AUTORIDADE E NÃO ATO DE
MERA GESTÃO. CABIMENTO DO WRIT. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.
DESNECESSIDADE. CANDIDATO APROVADO QUE POSSUI FORMAÇÃO SUPERIOR À
EXIGIDA NO EDITAL. ELIMINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO A
PERMANECER NO CERTAME RECONHECIDO.
1. As questões de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício em
qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas em
recurso especial, se ausente o requisito do prequestionamento. Precedentes.
2. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que os atos praticados
por dirigentes de sociedades de economia mista para fi ns de contratação de
pessoal não podem ser considerados como atos de mera gestão, razão pela qual
os dirigentes de tais sociedades estão legitimados a fi gurar como autoridade
coatora na ação mandamental (AgRg no Ag 1.113.000/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi,
Quinta Turma, julgado em 18.8.2011, DJe 2.9.2011; AgRg no Ag 1.402.890/RN, Rel.
Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 9.8.2011, DJe 16.8.2011).
3. Dispensável a formação do litisconsórcio passivo necessário entre os
candidatos aprovados em concurso público, uma vez que possuem apenas
expectativa de direito a nomeação. (AgRg no AREsp 20.530/PI, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 6.10.2011, DJe 13.10.2011).
4. Há direito líquido e certo de permanência no certame se o candidato detém
qualifi cação superior à exigida no edital do concurso público. (Precedente: AgRg
no Ag 1.402.890/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em
9.8.2011, DJe 16.8.2011; REsp 1.071.424/RN, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda
Turma, julgado em 20.8.2009, DJe 8.9.2009.)
Agravo regimental improvido (AgRg no AgRg no REsp 1.270.179/AM, Rel. Min.
Humberto Martins, DJe 03/02/2012)
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS COM MANIFESTO
DESEJO DE OBTER A ALTERAÇÃO DO JULGADO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO
PÚBLICO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. FORMAÇÃO. CITAÇÃO DOS
DEMAIS CANDIDATOS APROVADOS. DESNECESSIDADE.
1. Admitem-se como agravo regimental os embargos de declaração opostos
em face de decisão monocrática, ante o caráter infringente que se pretende, em
nome dos princípios da economia processual e da fungibilidade. Precedentes.
2. O litisconsórcio passivo necessário dos aprovados em concurso público
cuja nulidade pode ser decretada em sede de ação civil pública não se impõe,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
420
porquanto eventual procedência da demanda não é sufi ciente, por si só, para
demonstrar a comunhão de interesses entre todos os inscritos no certame, pois os
eventuais aprovados possuem mera expectativa de direito. Precedentes.
3. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.164.151/SC, Rel. Min. Jorge
Mussi, DJe 11/11/2011)
Por conseguinte, rejeito as preliminares e passo a examinar o mérito.
4. Durante um longo período na história da humanidade, a pessoa com
defi ciência (física, mental ou sensorial) foi alvo de preconceito e comiseração,
sendo por muitos tratada como ser socialmente inútil e dispensável para o
cotidiano produtivo.
Com o passar do tempo, o pensamento em relação às pessoas portadoras
de defi ciência foi se modifi cando; em grande parte, graças aos movimentos
sociais em favor da dignidade humana.
Impende reproduzir excerto de interessante artigo extraído da Revista
de Direito Social, o qual faz um escorço histórico bastante abrangente sobre o
assunto:
No âmbito das pessoas com defi ciência, tais pessoas receberam tratamento
que foi da exclusão social total ao atual patamar da proposta de inclusão,
passando por períodos de institucionalização (quase sempre por toda a vida) e
de integração (a defi ciência é tida como um problema da própria pessoa que a
possua e por isso cabe unicamente a ela capacitar-se para viver em sociedade).
O pós-II Guerra aqui também foi um marco, especialmente pela legião de
mutilados que ela produziu. Com a era da produção industrial e do consumo,
as pessoas com defi ciência conviveram com as concepções de pessoas “úteis”
e “inúteis” e com as idéias de habilitação/reabilitação, de paciente/doente, de
incapaz e dependente de cuidados de terceiros (como é comum a uma pessoa
“doente”).
A partir dos anos 80 há um avanço qualitativo no trato internacional deste
tema, especialmente pelas Nações Unidas e suas agências, a Organização
Internacional do Trabalho e a Organização Mundial de Saúde, despertando as
pessoas com defi ciência para uma reivindicação mais vigorosa de seu papel de
cidadão, em igualdade de condições com seus pares.
Lembra MARIA DE LOURDES CANZIANI que dentre os principais documentos
internacionais produzidos a partir de encontros, eventos de pessoas com
defi ciência e de organismos nacionais e internacionais de defesa desse segmento
e que têm orientado as políticas públicas brasileiras nesta área, podem ser citados
a Declaração dos Direitos do Impedido - 1975; a Carta dos anos 80; o Programa
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 421
de Ação das Nações Unidas de 1982; as Normas Internacionais do Trabalho
sobre a Readaptação Profi ssional - 1984; a Declaração de Cartagena das Índias
sobre as Políticas Integrais para as pessoas portadoras de defi ciência, na região
Ibero-Americana - 1992; a Declaração de Manágua - 1993; a Primeira Conferência
Internacional de Ministros responsáveis pela atenção de pessoas portadoras de
defi ciência - 1992; Normas Uniformes sobre a Igualdade de Oportunidades para
as pessoas portadoras de defi ciência (ONU - 1993); a Declaração de Salamanca
e Marco das Ações sobre Necessidades Educativas Especiais. Mais recentemente,
citamos a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Defi ciência (Convenção da
Guatemala - 1999).
No Brasil, o marco está fi ncado na Constituição Federal de 1988, seguindo-
se a Lei Federal n. 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras
de defi ciência, sua integração social, defi ne crimes e dá outras providências, e
também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
DINAURA GODINHO PIMENTEL GOMES, em recente obra sobre o tema da
dignidade humana no contexto do direito do trabalho, traz boa abordagem
do sentido de dignidade, sob as luzes kantianas, verbis: “É nesse contexto que,
em seu verbete sobre dignidade, ABBAGNANO faz direta referência ao aludido
fi lósofo [KANT], para com ele compartilhar o conceito do princípio da dignidade
humana, destacando que ‘a exigência enunciada por KANT como segunda
fórmula do imperativo categórico: ‘Age de forma que trates a humanidade, tanto
na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre também como um
fi m e nunca unicamente como meio’. Esse imperativo estabelece na verdade que
todo homem, aliás, todo ser racional, como fi m em si mesmo, possui um valor
não relativo, como, p. ex., um preço, entretanto intrínseco, isto é, a dignidade’. O
que tem um preço pode ser substituído por alguma coisa equivalente; o que é
superior a todo preço, e, portanto, não permite nenhuma equivalência, tem uma
dignidade. Substancialmente, a dignidade de um ser racional consiste no fato
de que ela ‘não obedece a nenhuma lei que não seja instituída por ele mesmo’. A
moralidade, como condição dessa autonomia legislativa, é, portanto, a condição
da dignidade do homem; moralidade e humanidade são as únicas coisas que não
têm preço...” (RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes in Revista de Direito Social - “Direitos
Humanos e a Dignidade da Pessoa com Defi ciência” - Ano VI - Jan./Mar 2006 - n.
21 - págs. 89-92)
No censo realizado em 2010, o IBGE registrou um total de 45.606.048 de
pessoas portadoras de defi ciência, o que representava, à época, cerca de 23,9%
da população brasileira (190.755.799). O questionário envolvia as pessoas
com defi ciência mental/intelectual e, ainda, visual, auditiva e motora, essas
três últimas divididas nas seguintes classifi cações: “Não consegue de modo
algum”, “Grande dificuldade”, “Alguma dificuldade” (elementos extraídos
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
422
da tabela n. 1.3.1 do Censo 2010 - in ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_
Demografi co_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Defi ciencia/tab1_3.pdf )
Com base nesses dados, constata-se que há um signifi cativo número de
pessoas com defi ciência no Brasil, o que requer maior empenho do Estado e da
sociedade para o implemento das normas inclusivas.
5. Atento à tendência internacional e à pungente necessidade de positivar
a dignidade da pessoa com defi ciência criando regras de inserção social, o
constituinte brasileiro reservou, o inciso VIII do art. 37 da Carta Magna para
tratar da questão ora em análise, consoante se infere a seguir:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios
de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efi ciência e, também,
ao seguinte:
(...)
VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas
portadoras de defi ciência e defi nirá os critérios de sua admissão;
No tocante ao preceito em relevo, calha expor o seguinte fragmento da
obra de Paulo Napoleão Nogueira da Silva:
Em outros dispositivos (artigos 7º, XXXI, 24, XIV, 203, IV e V, 227, § 1º, II, e 244)
o constituinte já manifestara sua salutar preocupação em relação aos defi cientes
físicos; aqui, remete à lei ordinária a fi xação da participação destes nos cargos
e empregos públicos. No entanto, em face da exata aplicação do princípio da
igualdade (art. 5º, caput, e I) tal disposição pode suscitar indagações quanto à
aplicabilidade da desigualação ínsita à igualdade.
Com efeito, o princípio da igualdade não contempla tal exceção; mas, não há
dúvida acerca de que, como pessoas humanas, e capacitados os defi cientes físicos
devem ter - em face dos direitos humanos, artigos 1º, III, 3º, IV, 4º, II - igualdade
de oportunidades. Não se trata, aqui, de cogitar que a deficiência crie uma
desigualdade ‘positiva’, que benefi cie os seus portadores; mas, de uma proteção
constitucional e legal a compensar os insondáveis desígnios da própria natureza
(DA SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. Breves comentários à Constituição Federal,
Vol. I, Ed. Forense, Rio de Janeiro: 2002, pág. 437).
No âmbito infraconstitucional, em 1989, entrou em vigor a Lei n. 7.853/89,
que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de defi ciência, sua integração
social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora
de Defi ciência-Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 423
difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, defi ne crimes,
e dá outras providências.
Dessa norma, mostra-se oportuno transcrever os dispositivos a seguir:
Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercício dos
direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de defi ciências, e sua efetiva
integração social, nos termos desta Lei.
§ 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores
básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito
à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição
ou justifi cados pelos princípios gerais de direito.
§ 2º As normas desta Lei visam garantir às pessoas portadoras de defi ciência as
ações governamentais necessárias ao seu cumprimento e das demais disposições
constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminações e
os preconceitos de qualquer espécie, e entendida a matéria como obrigação
nacional a cargo do Poder Público e da sociedade.
Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras
de defi ciência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos
à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à
infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis,
propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Parágrafo único. Para o fi m estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e
entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua
competência e fi nalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritário e
adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:
I - na área da educação:
(...)
II - na área da saúde:
(...)
III - na área da formação profi ssional e do trabalho:
a) o apoio governamental à formação profissional, e a garantia de acesso
aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação
profi ssional;
b) o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de
empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de
defi ciência que não tenham acesso aos empregos comuns;
c) a promoção de ações efi cazes que propiciem a inserção, nos setores públicos
e privado, de pessoas portadoras de defi ciência;
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
424
d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado
de trabalho, em favor das pessoas portadoras de defi ciência, nas entidades da
Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de
ofi cinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das
pessoas portadoras de defi ciência;
IV - na área de recursos humanos:
(...)
V - na área das edifi cações:
(...)
Para regulamentar essa lei, sobreveio o Decreto n. 3.298/1999, que em seu
art. 3º, preconiza:
3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:
I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fi siológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de
atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; (grifou-se).
II - defi ciência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um
período de tempo sufi ciente para não permitir recuperação ou ter probabilidade
de que se altere, apesar de novos tratamentos; e
III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de
integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou
recursos especiais para que a pessoa portadora de defi ciência possa receber ou
transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho
de função ou atividade a ser exercida.
Já o art. 4º dessa mesma norma, em sua redação original, dispunha:
Art. 4º É considerada pessoa portadora de defi ciência a que se enquadra nas
seguintes categorias:
I - defi ciência física – (...)
II - deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidades auditivas
sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:
a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve:
b) de 41 a 55 db – surdez moderada;
c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;
d) de 71 a 90 db – surdez severa;
e) acima de 91 db – surdez profunda; e
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 425
f ) anacusia; (grifou-se).
III - defi ciência visual – (...)
I - defi ciência física – (...)
Nada obstante, o Decreto n. 5.296/2004 (que regulamenta a Lei n.
10.048/2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifi ca, e
a Lei n. 10.098/2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para
a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de defi ciência ou com
mobilidade reduzida, e dá outras providências), em seu art. 70, alterou o teor do
art. 4º em realce, o qual passou a apresentar a seguinte redação:
Art. 4º [...]
I - defi ciência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do
corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-
se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia,
tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação
ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade
congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam
difi culdades para o desempenho de funções;
II - defi ciência auditiva - perda bilateral, pa rcial ou total, de quarenta e um decibéis
(dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e
3.000Hz;
III - defi ciência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que
0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que signifi ca
acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os
casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for
igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições
anteriores;
IV - [...].
No caso concreto, as provas pré-con stituídas juntadas aos autos atestam
que a impetrante sofre de anacusia, consistente na perda unilateral profunda da
audição.
Esse fato é incontroverso, como pontuou com propriedade o eminente
Relator, que, inclusive, reproduziu excertos dos laudos periciais, bem como
da resposta negativa efetuada pela Junta Médica examinadora ao recurso
administrativo manejado pela candidata, cujo teor, no ponto em que interessa,
vale aqui rememorar:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
426
No recurso em questão foi constatado que:
De acordo com o Decreto n. 3.298/99, atualizado pelo Decreto n. 5.296/2004,
que rege o Edital n. 01 do STJ, de 08/02/2012, sobre defi ciência auditiva: “perda
bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por
audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz”. Portanto,
se a candidata apresenta perda auditiva unilateral não pode ser clinicamente
enquadrada como pessoa com defi ciência nos termos do Edital.
Ante o exposto, o recurso de Vossa Senhoria foi indeferido
Conforme se constata, a justificativa para negar a pretensão foi o
entendimento de que, de acordo com o Decreto em referência, as pessoas com
perda unilateral de audição não devem ser consideradas defi cientes auditivas.
A controvérsia travada na espécie, portanto, diz respeito à exegese a ser
conferida ao art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99, com a redação que lhe foi dada
pelo Decreto n. 5.296/04.
Insta interpretá-lo de modo a respeitar as normas atinentes ao assunto,
bem como aos princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e
proporcionalidade.
Como consignou o eminente Ministro Relator, a Exposição de Motivos
do Decreto n. 5.296/04, demonstra, na realidade, a intenção de abranger os
portadores de defi ciência, de modo a eliminar as barreiras existentes e inseri-los
no contexto social, não havendo justifi cativa que motive o discrimen ocorrido.
É o que se depreende de todo o seu conteúdo, que culmina com o seguinte
desfecho, bastante elucidativo quanto à fi nalidade da norma:
10. Se as pesquisas especializadas internacionais já classifi cam o Brasil entre
os cinco países mais inclusivos das Américas em razão de nosso arcabouço legal,
este Decreto, convém frisar, corresponde à oportunidade de concretizarmos a
inclusão de um segmento ainda marginalizado, sem possibilidade de benefi ciar-se
dos bens e serviços disponíveis para aqueles que não apresentam defi ciência. Acesso
para as pessoas portadoras de defi ciência física, mental, sensorial ou para quem tem
mobilidade reduzida signifi ca a garantia de seus direitos e o exercício da cidadania.
11. Estou convicto, Senhor Presidente, que o Decreto ora submetido ao
julgamento de Vossa Excelência, se aprovado, nos termos do art. 84, IV, da
Constituição da República Federal do Brasil, será um instrumento com capacidade
de dar resposta contundente à inclusão social e à construção de um país de todos
(grifou-se)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 427
Assim, não reputo razoável compreender que, ao propor a modifi cação da
redação do inciso II do art. 4º do Decreto n. 3.298/99, o Secretário Especial dos
Direitos Humanos pretendeu restringir o conceito de defi ciente auditivo.
Contribuindo para o alcance da exegese da norma em análise, considero
de suma importância destacar o fato de que o Congresso Nacional editou o
Decreto n. 6.949/2009, o qual promulgou a Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Defi ciência e seu Protocolo Facultativo, assinados em
Nova York em 30 de março de 2007 (aprovada por meio do Decreto Legislativo
n. 186/2008), que passou a ostentar status de Emenda Constitucional, nos moldes
do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal.
Essa norma, na letra “e” de seu Preâmbulo, assinala:
Reconhecendo que a defi ciência é um conceito em evolução e que a defi ciência
resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às
atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas
pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas
(grifo nosso).
Além disso, urge ressaltar que o propósito da citada norma de cunho
constitucional vem estipulado na primeira parte do Artigo 1, nos seguintes
termos: “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos
os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com
defi ciência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”.
Por sua vez, a segunda parte do mencionado preceito normativo defi ne as
pessoas com defi ciência, como se verifi ca a seguir:
“são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições
com as demais pessoas”.
Por tudo quanto exposto, com a devida vênia ao entendimento da
divergência, para mim não há como interpretar isoladamente, de maneira literal,
o art. 4º, II, do Decreto n. 3.298/99, com a redação conferida pelo Decreto n.
5.296/04.
A meu ver, a fi m de se alcançar o objetivo da norma, faz-se necessária a
interpretação sistemática do preceptivo legal em alusão, haja vista o teor do
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
428
art. 3º do mesmo Decreto, bem como os princípios norteadores da isonomia e
razoabilidade.
5. A jurisprudência desta Corte evidencia essa orientação.
Com efeito, além dos vários arestos referidos no voto do eminente Relator,
adicione-se o recente julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO PORTADOR
DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL. RESERVA DE VAGA. POSSIBILIDADE.
DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. SURDEZ AFERIDA POR JUNTA
MÉDICA.
1. A solução da controvérsia não exige dilação probatória, pois não se discute
o grau de defi ciência do recorrente, que já foi aferido por junta médica, mas,
sim, determinar se a surdez unilateral confi gura defi ciência física, para fi ns de
aplicação da legislação protetiva.
2. Nos termos da Lei n. 7.853/1989, regulamentada pelos Decretos nos
3.298/1999 e 5.296/2004, toda perda de audição, ainda que unilateral ou parcial,
de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ,
1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz, caracteriza defi ciência auditiva.
3. O laudo médico oficial confirmou que o candidato possui “deficiência
acústica unipolar” no ouvido esquerdo, o que se revela suficiente para a
caracterização da defi ciência, porquanto a bilateralidade da perda auditiva não é
legalmente exigida nessa seara.
4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça fi rmou entendimento de que a
pessoa que apresenta surdez unilateral tem direito a vaga reservada a portadores de
defi ciência. A propósito: AgRg no AREsp 22.688/PE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES
LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/4/2012, DJe 2/5/2012; AgRg no RMS 34.436/
PE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/5/2012, DJe
22/5/2012; AgRg no REsp 1.150.154/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 21/6/2011, DJe 28/6/2011; RMS 20.865/ES, Rel. Ministro PAULO MEDINA,
SEXTA TURMA, julgado em 3/8/2006, DJ 30/10/2006.
5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no RMS 24.445/RS, Rel.
Min. Og Fernandes, DJe 17/10/2012)
Ademais, inúmeras são as decisões unipessoais nesse mesmo sentido, o
que denota a pacifi cidade sobre o tema até hoje. Vejam-se à guisa de exemplo:
REsp 1.172.010/PR, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira (Desembargadora
convocada do TJ/PE), DJe 06/11/2012; AREsp 27.458/DF, Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho, DJe 26/10/2011; AREsp 5.159/PE, Ministro Herman
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 429
Benjamin, DJe de 9/8/2011; AG 1.192.480/DF, Ministro Jorge Mussi, DJe de
8/10/2009.
Sempre fui defensor da manutenção da jurisprudência consolidada,
mormente quando fulcrada em fundamentos contundentes e em conformidade
com os princípios constitucionais e com as normas infraconstitucionais. O
Superior, tal como estabelecido pela Carta Constitucional, é o farol que emana
a luz da segurança jurídica. A alteração brusca da orientação consolidada não
contribui, com o devido respeito, para que o Tribunal cumpra com sua missão
constitucional.
Cabe, ainda, salientar os precedentes oriundos de outros Tribunais
Superiores quanto à matéria:
Tribunal Superior do Trabalho:
CONCURSO PÚBLICO PARA SERVIDOR. PERDA AUDITIVA SUPERIOR A 41 dB EM
UM DOS OUVIDOS. ENQUADRAMENTO COMO DEFICIENTE PARA CONCORRER A
VAGA DESTINADA AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS.
O art. 4º do Decreto n. 3.298/99, que enumera as deficiências hábeis a
autorizar que o candidato em concurso público concorra às vagas reservadas aos
portadores de necessidades especiais, exige perda auditiva bilateral superior a 41
dB, não permitindo em sua literalidade enquadrar como defi ciente o impetrante,
portador de perda auditiva bilateral de 46,5 dB na orelha direita e 30 dB na orelha
esquerda. Contudo, o rol de defi ciências previsto no dispositivo regulamentar
em foco não é exaustivo, demandando leitura à luz do conceito de defi ciência
oferecido pelo art. 1º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, norma trazida para a ordem jurídica interna com status de
Emenda Constitucional, nos termos do art. 5º, § 3º, da CF. Nesse contexto,
considerando que a perda auditiva de que é portador o impetrante foge do
padrão de normalidade física, trazendo-lhe limitações sensoriais que impedem a
sua convivência em pé de igualdade com as demais pessoas, impõe-se reconhecer
a sua condição de defi ciente físico, tendo direito líquido e certo à reserva de vagas
prevista nos arts. 37, VIII, da CF e 5º, § 2º, da Lei n. 8.112/90. Precedentes deste
Órgão Especial e do Superior Tribunal de Justiça. Remessa necessária e recurso
ordinário conhecidos e não providos. (ReeNec e RO - 29400-69.2011.5.21.0000, Rel.
Min. Dora Maria da Costa, Órgão Especial, DEJT 15/10/2012)
Superior Tribunal Militar:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PORTADORA
DE DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL. LAUDO COMPROBATÓRIO. NÃO
RECONHECIMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
430
NOMEAÇÃO E POSSE. A legitimidade do Presidente do Superior Tribunal Militar,
apontada como autoridade coatora, ficou sobejamente demonstrada pelos
atos que lhe foram atribuídos, encontrando respaldo nas disposições ínsitas no
art. 124, parágrafo único, da Constituição Federal, c/c o art. 21, inciso VI, da Lei
Complementar n. 35/1979, art. 1º da Lei n. 12.016/2009, art. 6º, inciso I, alínea “d”,
da Lei n. 8.457/1992 e art. 4º, inciso I, alínea “c”, do Regimento Interno do STM.
A Impetrante é portadora de deficiência auditiva unilateral, situação jurídica
reconhecida em laudo médico e por Junta Médica constituída pela Comissão do
Concurso. O enquadramento de pessoa portadora de defi ciência com suporte
no Decreto n. 3.298/1999 é adequado e há jurisprudência do colendo Superior
Tribunal de Justiça acerca da desnecessidade de a defi ciência auditiva ser bilateral,
podendo ser, segundo as disposições normativas, apenas parcial (AgRg no REsp
1.150.154/DF, QUINTA TURMA; e RMS 20.865/ES, SEXTA TURMA). PRELIMINAR DE
INCOMPETÊNCIA REJEITADA. DECISÃO MAJORITÁRIA. SEGURANÇA CONCEDIDA.
DECISÃO MAJORITÁRIA (MS n. 0000079-06.2011.7.00.0000, Rel. Min. Cleonilson
Nicácio Silva, DJe 23/2/2012)
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO NÃO
RECONHECIDO COMO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA EMBORA COMPROVADA A
SUA DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL. PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA E
DE NÃO CONHECIMENTO REJEITADAS, AMBAS FUNDADAS NA ILEGITIMIDADE
PASSIVA AD CAUSAM DA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. MATÉRIA
DE DIREITO QUE NÃO COMPORTA DILAÇÃO PROBATÓRIA, CONFIGURANDO
VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE, TENDO EM VISTA
QUE A DEFICIÊNCIA AUDITIVA UNILATERAL ENQUADRA-SE NAS DISPOSIÇÕES DO
DECRETO N. 3.298/1999. I - Rejeitam-se as preliminares de incompetência e de
não conhecimento arguidas, respectivamente, pela autoridade apontada como
coatora e pela União, na qualidade de Litisconsorte, bem assim pela Procuradoria-
Geral da Justiça Militar, ambas fundadas na mesma tese, ou seja, na ilegitimidade
da autoridade coatora para figurar no presente mandamus. A legitimidade
do Presidente do Superior Tribunal Militar, como autoridade apontada como
coatora, fi cou sobejamente demonstrada pelos atos que lhe foram atribuídos,
encontrando respaldo nas disposições ínsitas no art. 124, parágrafo único, da
Constituição Federal, c/c o art. 21, inciso VI, da Lei Complementar n. 35/1979,
art. 1º da Lei n. 12.016/2009, art. 6º, inciso I, alínea “d”, da Lei n. 8.457/1992 e
art. 4º, inciso I, alínea “c”, do Regimento Interno do STM. II - O Impetrante é
portador de defi ciência auditiva unilateral, situação jurídica também reconhecida
inclusive pela Junta Médica constituída pela Comissão do Concurso. III - No que
diz respeito ao enquadramento de pessoa portadora de defi ciência com suporte
no Decreto n. 3.298/1999, é fi rme a jurisprudência do colendo Superior Tribunal
de Justiça acerca da desnecessidade de a deficiência auditiva ser bilateral,
podendo ser, segundo as disposições normativas, apenas parcial (AgRg no REsp
1.150.154/DF, QUINTA TURMA; e RMS 20.865/ES, SEXTA TURMA). Preliminar de
não conhecimento rejeitada. Decisão unânime. Preliminar de incompetência
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 431
rejeitada. Decisão majoritária. Segurança concedida. Decisão majoritária (MS n.
0000071-29.2011.7.00.0000, Rel. Min. José Coêlho Ferreira, DJe 27/10/2011)
7. Nessa ordem de idéias, peço vênia à divergência para acompanhar o voto
do eminente Ministro Relator, concedendo a segurança.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro João Otávio de Noronha: Trata-se, em brevíssima síntese,
de saber se a pessoa com surdez unilateral ostenta condição de deficiente
físico em concurso público para provimento de vagas e formação de cadastro
de reserva no cargo de analista judiciário do quadro de pessoal do Superior
Tribunal de Justiça.
A polêmica decorre do fato de a nova redação do art. 4º, inciso II, do
Decreto n. 3.298/1999, dada pelo Decreto n. 5.296/2004, defi nir a defi ciência
auditiva como “perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB)
ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e
3.000Hz” (não há grifos no original).
A favor da tese da requerente, concedendo a ordem, votaram os Ministros
Castro Meira, relator, Arnaldo Esteves, Luis Felipe Salomão e Laurita Vaz;
contra, votaram os Ministros Humberto Martins, Sidnei Benetti, Herman
Benjamin e Mauro Campbell Marques.
Da mesma forma como ressaltado pelo Ministro Luis Felipe Salomão,
também sou ferrenho defensor da jurisprudência consolidada deste Superior
Tribunal de Justiça. Considero essa a melhor maneira de atribuir segurança às
relações jurídicas e de nortear as decisões das instâncias ordinárias.
No entanto, se ocorrem alterações legislativas a respeito das matérias cuja
jurisprudência se fi rmou em determinado sentido, é indispensável que volvamos
os olhos para o novo texto legal e, sempre que necessário, façamos também a
adaptação das nossas decisões.
Acredito ser essa a hipótese que ora se examina.
Com efeito, entendo que a nova redação dada ao art. 4º, inciso II, do
Decreto n. 3.289/1999 pelo Decreto n. 5.296/2004 teve, sim, o propósito
de imprimir nova defi nição ao conceito de defi ciência auditiva para os fi ns
previstos na legislação protetiva das pessoas com defi ciência.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
432
Basta verifi car que o novo texto legal só considera defi ciente auditivo
aquele que tenha perda de quarenta e um decibéis ou mais, deixando fora da
classifi cação as pessoas com surdez leve (de 25 a 40 decibéis) arroladas no texto
anterior.
É evidente que a lei não alterou o fato de essas pessoas continuarem a ter a
defi ciência, mas alterou o direito que antes elas tinham em razão da defi ciência.
O mesmo ocorre quando o dispositivo atual, de forma expressa, passa
a exigir para a obtenção da proteção legal que a perda auditiva seja bilateral,
tornando claro, portanto, aquilo que no texto anterior só se alcançou por meio
da interpretação dos tribunais. Não consigo admitir outro entendimento, a
menos que se declare a inconstitucionalidade da norma.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgReg em Mandado de
Segurança n. 29.910-DF, sendo relator o Ministro Gilmar Mendes, cujo acórdão
foi publicado em 1.8.2011, foi taxativo em afi rmar que “o Decreto 3.298/99,
que regulamenta a Lei 7.853/1989, ao dispor sobre a Política Nacional para
a Integração da Pessoa Portadora de Defi ciência, qualifi cou como defi ciência
auditiva a ‘perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais,
aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz’.
Logo, por si só, a perda auditiva unilateral não é condição apta a qualifi car o
candidato a concorrer às vagas destinadas aos portadores de defi ciência”.
Considero legítimo que as autoridades incumbidas de estabelecer as
políticas públicas de inclusão possam, eventualmente, tendo em vista as novas
tecnologias e avanços da medicina ou outros fatores sócio-econômicos, alterar
determinados critérios definidores do conceito de deficiência para fins de
proteção legal, até mesmo para tornar viável e efi caz a implementação dessas
políticas.
Bem por isso, estou de pleno acordo com o Ministro Herman Benjamin
quando Sua Excelência sugere que a lei brasileira pretende, de fato, proteger
os mais vulneráveis entre os vulneráveis, sob pena de fi carem os primeiros em
desvantagem cada vez maior.
Com essas considerações, peço vênia ao eminente relator e aos demais
ministros que o acompanharam para seguir a divergência e denegar a ordem.
É como voto.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 383-433, novembro 2017 433
VOTO-VOGAL
O Sr. Ministro Raul Araújo: Sra. Ministra Presidente, também entendo
que a ampliação do conceito de defi ciência prejudica os mais vulneráveis, como
disse o nobre Sr. Ministro Herman Benjamim.
Por isso, denego a ordem no mandado de segurança, acompanhando a
divergência, com a vênia do eminente Relator e dos ilustres Ministros que o
acompanharam.
Súmula n. 553
SÚMULA N. 553
Nos casos de empréstimo compulsório sobre o consumo de energia
elétrica, é competente a Justiça estadual para o julgamento de demanda proposta
exclusivamente contra a Eletrobrás. Requerida a intervenção da União no feito
após a prolação de sentença pelo juízo estadual, os autos devem ser remetidos
ao Tribunal Regional Federal competente para o julgamento da apelação se
deferida a intervenção.
Referências:
CPC, arts. 50 e 543-C.
Lei n. 9.469/1997, art. 5º, caput e parágrafo único.
Precedentes:
(*)REsp 1.111.159-RJ (1ª S, 11.11.2009 – DJe 19.11.2009) –
acórdão publicado na íntegra
(*)EDcl no REsp 1.111.159-RJ (1ª S, 24.03.2010 – DJe 09.04.2010) –
acórdão publicado na íntegra
EDcl no
AgRg no CC 89.783-RS (1ª S, 09.06.2010 – DJe 18.06.2010)
AgRg no REsp 1.090.784-DF (1ª T, 11.04.2013 – DJe 19.04.2013)
AgRg no Ag 1.291.829-MG (2ª T, 05.08.2010 – DJe 17.08.2010)
REsp 1.207.261-RS (2ª T, 21.10.2010 – DJe 05.11.2010)
AgRg no Ag 1.357.673-RS (2ª T, 22.02.2011 – DJe 04.03.2011)
REsp 1.205.884-RS (2ª T, 26.04.2011 – DJe 10.05.2011)
REsp 1.232.990-RS (2ª T, 26.04.2011 – DJe 10.05.2011)
AgRg nos
EDcl no REsp 1.195.727-RJ (2ª T, 23.04.2013 – DJe 02.05.2013)
(*) Recursos repetitivos.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.111.159-RJ (2009/0014741-3)
Relator: Ministro Benedito Gonçalves
Recorrente: Açoforja Indústria de Forjados S/A
Advogado: Vladimir Mucury Cardoso e outro(s)
Recorrido: Centrais Elétricas Brasileiras S/A ELETROBRÁS
Advogado: Carlos Eduardo de Oliveira da Silva
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535
DO CPC. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. DISCUSSÃO
RELATIVA AO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE O
CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO PROPOSTA
APENAS CONTRA A ELETROBRÁS. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESTADUAL. PEDIDO DE INTERVENÇÃO NO
FEITO FORMULADO PELA UNIÃO APÓS A PROLAÇÃO
DA SENTENÇA. ART. 5º, DA LEI 9.469/97 E 50, DO CPC.
DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA O
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL PARA APRECIAÇÃO
DO PEDIDO DE INTERVENÇÃO E JULGAMENTO DOS
RECURSOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO
SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ARTIGO 543-C
DO CPC.
1. Demanda envolvendo questões referentes ao empréstimo
compulsório sobre energia elétrica proposta unicamente contra a
Eletrobrás, perante a justiça estadual. Na hipótese, a União requereu o
ingresso no feito, com fundamento nos artigos 5º, da Lei 9.469/97 e
50, do CPC, após a prolação da sentença pela justiça estadual.
2. No que se refere à competência para dirimir questões referentes
ao empréstimo compulsório sobre energia elétrica, a jurisprudência
desta Corte se fi rmou no sentido que a competência da justiça federal
é defi nida em razão das partes litigantes e não da matéria em discussão,
de sorte que, sendo a demanda proposta unicamente em desfavor da
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
440
Eletrobrás, a competência para sua apreciação é da justiça estadual, ao
passo que, ingressando a União no feito, a competência passa a ser da
justiça federal, por força do que determina o artigo 109, inciso I, da
Constituição Federal.
3. O pedido de intervenção da União realizado após a prolação
da sentença enseja tão somente o deslocamento do processo para
o Tribunal Regional Federal, para que examine o requerimento de
ingresso na lide e prossiga (se for o caso) seu julgamento, sem a
automática anulação da sentença proferida pelo juízo estadual.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia,
submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
5. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a
manutenção da sentença de primeiro grau e a remessa dos autos para
o competente TRF, a fi m de que se proceda à apreciação do pedido
de intervenção da União e, se aceito, se realize o julgamento das
apelações.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Luiz Fux,
Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins e Mauro Campbell Marques
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justifi cadamente, os Srs. Ministros Eliana Calmon e Herman
Benjamin.
Brasília (DF), 11 de novembro de 2009 (data do julgamento).
Ministro Benedito Gonçalves, Relator
DJe 19.11.2009
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Cuida-se de recurso especial
interposto por Açoforja Indústria de Forjados S/A, com fundamento nas alíneas
SÚMULAS - PRECEDENTES
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“a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdãos proferidos pelo Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro. O acórdão julgador da apelação foi assim ementado
(fl . 1.050):
Ação Ordinária, ajuizada por Açoforja Indústria de Forjados S/A. em face de
Centrais Elétricas Brasileiras SIA. visando recebimento de diferenças relativas ao
cômputo da correção monetária no pagamento do empréstimo compulsório
instituído pela União Federal, através da Lei 4.152/62, em favor da Eletrobrás.
Intervenção da União Federal no feito, como assistente, alegando que tem
interesse jurídico em que o deslinde da causa seja favorável a Eletrobrás,
alegando que esta quando recebeu empréstimo compulsório da empresa autora,
agiu em nome da União Federal, por delegação. Indiscutível a competência da
Justiça Federal, à luz do disposto no art. 50 do CPC, art. 5º, caput e parágrafo
único da Lei 9.469/97 e art. 109, I da Constituição Federal. Precedentes do STJ
no sentido de que quando a Eletrobrás recebeu empréstimo compulsório, o fez
na qualidade de delegada da União Federal, sendo competente para apreciar e
julgar as causas em que a União tiver interesse, que é o caso dos autos, a Justiça
Federal. Por isso, ANULA-SE A SENTENÇA E DECLINA-SE DA COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESTADUAL EM FAVOR DA JUSTIÇA FEDERAL.
Por seu turno, o acórdão que, por determinação do STJ, apreciou os
embargos declaratórios foi sintetizado pela ementa a seguir transcrita (fl . 1.207):
Embargos de Declaração. Ação de procedimento comum e rito ordinário
versando sobre o recebimento de diferenças relativas ao cômputo da correção
monetária no empréstimo compulsório instituído em favor da Eletrobrás, através
da Lei 4.152/62. Acórdão atacado por Recurso Especial. Parcial provimento ao
Agravo Interno, sendo determinado o retorno dos autos ao Tribunal de origem
para que haja manifestação a respeito dos pontos ventilados nos Embargos
de Declaração ofertados por Açoforja Industria de Forjados S/A. Alegação de
omissão a respeito da tese de que o assistente assume o processo no estado
em que se encontra e de que não houve intimação para manifestação sobre o
pedido de intervenção da União Federal. Manifestação expressa da União Federal
quanto ao seu interesse no feito, culminando pela declaração de nulidade da
sentença com a remessa dos autos a Justiça Federal, competente para apreciar
e decidir a causa. Assistência que será decidida pela Justiça Federal. Intimação
da parte contraria que se mostra desnecessária, haja vista que a declaração
de incompetência da Justiça Estadual teve por base preceito constitucional
(art. 109, I da CF). Ademais, a autora acompanhou todos os atos processuais,
manifestando-se inclusive sobre o pedido da União Federal (fl s. 1.013/1.018).
Diante de tudo o que foi exposto, NEGA-SE PROVIMENTO AOS EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
442
Em suas razões, a recorrente alega, inicialmente, ofensa ao artigo 535 do
Código de Processo Civil, ao argumento de que o acórdão recorrido foi omisso
e contraditório.
Aponta ainda violação ao artigo 50, parágrafo único, do CPC, bem como
ao artigo 5º, da Lei 9.469/97.
Sustenta que, tendo a União manifestado seu interesse na lide apenas após
a prolação da sentença e a interposição dos recursos de apelação, não podia o
acórdão recorrido anular a sentença proferida pela justiça estadual, já que o juízo
prolator, à época, era competente para apreciar o feito.
Destaca que o artigo 5º da Lei 9.469/97 não colide com a regra do
CPC, tanto que “prevê, em caso de intervenção da União, o deslocamento de
competência, não a incompetência retroativa da justiça comum” (fl . 1.225).
Alega ainda que a União se limitou a manifestar seu interesse, sem
demonstrá-lo efetivamente, o que, inclusive, impediria o deslocamento da
competência para a justiça federal, tendo em vista a necessidade de justifi cativa
da intervenção da União no feito, ainda que baseada na Lei 9.769/97.
Por fi m, aponta divergência entre o entendimento do Tribunal de origem
e a jurisprudência desta Corte, apontando como paradigma o Recurso Especial
n. 547.781-RJ, de relatoria do Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, publicado no
DJ do dia 30.08.2004, no qual se decidiu que a justiça estadual é competente
para apreciação de demandas em que se discute o empréstimo compulsório
sobre energia elétrica, mas a União não é demandada.
Requer o provimento do recurso especial para que não se desloque a
competência para julgamento do feito para a justiça federal, uma vez que o
interesse da União, ainda que fundamentado no artigo 5º da Lei 9.469/97, não
houve comprovação de tal interesse.
Alternativamente, requer, caso se entenda pelo deslocamento da
competência, requer seja restabelecida a sentença, revogando-se sua anulação
pelo Tribunal de origem, em razão da intervenção da União ter sido realizada
em momento posterior à sua prolação.
Contrarrazões às fl s. 1.305-1.313.
Às fl . 1.316-1.319, o recurso especial foi admitido como representativo de
controvérsia pelo Tribunal de origem.
Em face da distribuição dos autos à minha relatoria, confi rmei a submissão
do tema ao regime dos denominados “recursos repetitivos”, bem como a
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 435-457, novembro 2017 443
afetação da demanda à Primeira Seção do STJ, nos termos da Resolução/STJ
n. 8/2008 (fl . 1.323).
Às fl s. 1.327-1.332, o Ministério Público, por meio de parecer da lavra do
ilustre Subprocurador-geral da República Flávio Giron, opinou pelo provimento
do recurso especial, no sentido de manter-se a sentença de primeiro grau e
determinar-se a remessa dos autos ao TRF para que se proceda à apreciação do
pedido de intervenção da União e, se aceito, ao julgamento das apelações.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Preenchidos os requisitos de
admissibilidade, conheço do recurso especial.
Inicialmente, não assiste razão à recorrente quanto à alegação de
contrariedade ao artigo 535 do CPC, porquanto o Tribunal a quo decidiu a
controvérsia de acordo com a matéria posta nos autos, ainda que de forma
contrária à pretensão da ora recorrente, não incorrendo, pois, em omissão.
É pacífi co o entendimento desta Corte segundo o qual o órgão julgador
não está obrigado a se manifestar exaustivamente sobre todos os artigos de lei
apontados pela parte, desde que, como ocorreu na espécie, tenha decidido a
questão de forma clara e fundamentada.
Nesse sentido, à guisa de exemplo, confi ra-se:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE
SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AJUDA DE CUSTO PARA
DESLOCAMENTO NOTURNO. INCIDÊNCIA. NATUREZA SALARIAL. VIOLAÇÃO AO
ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. [...] 8. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC,
quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e sufi ciente sobre a
questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um
a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados
tenham sido sufi cientes para embasar a decisão. 9. Recurso especial desprovido
(REsp 753.552/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18/9/2007,
DJ 22/10/2007 p. 19).
Quanto ao mais, nos termos relatados, a controvérsia dos autos reside na
discussão a respeito da necessidade ou não de anulação da sentença proferida
pela justiça estadual, nas demandas em que se discute o empréstimo compulsório
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
444
sobre energia elétrica, propostas apenas em face da Eletrobrás, nas quais a União
requer sua intervenção apenas após a prolação da sentença.
Na hipótese vertente, o feito no qual se debatem questões referentes ao
empréstimo compulsório sobre energia elétrica foi ajuizado apenas contra as
Centrais Elétricas Brasileiras - Eletrobrás, perante a justiça do estado do Rio de
Janeiro, que, em 21 de julho de 2005, proferiu sentença julgando parcialmente
procedente o pedido (fl s. 836-840).
Apenas após a prolação da mencionada sentença, a União, com fundamento
no artigo 50 do CPC e no artigo 5º da Lei 9.469/97, requereu seu ingresso no
feito, bem como a remessa dos autos à justiça federal, nos termos da Súmula
150/STJ (fl s. 860-862).
Ao apreciar o mencionado pedido, o Tribunal a quo reconheceu
a competência da justiça federal para apreciar o feito, anulando a sentença
proferida pelo juízo singular, por força do pedido de ingresso da União na
demanda.
Feito o necessário retrospecto, para melhor delimitar a controvérsia,
examina-se o mérito recursal.
No que se refere à competência para dirimir questões referentes ao
empréstimo compulsório sobre energia elétrica, a jurisprudência desta Corte se
fi rmou no sentido que a competência da justiça federal é defi nida em razão das
partes litigantes e não da matéria em discussão.
Dessa forma, em se tratando de feitos nos quais se discutem questões
acerca do empréstimo compulsório sobre energia elétrica:
(i) sendo a demanda proposta unicamente em desfavor da Eletrobrás, a
competência para sua apreciação é da justiça estadual; e
(ii) ingressando a União no feito, mediante demonstração de legítimo
interesse, a competência passa a ser da justiça federal, por força do que determina
o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal.
A esse respeito, colaciono os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE
DEBÊNTURES CONTRA A ELETROBRÁS. INTERESSE JURÍDICO DA UNIÃO AFASTADO
PELO JUÍZO FEDERAL. SÚMULA 150/STJ. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 517 E 556 DO
STF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO-PROVIDO.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 435-457, novembro 2017 445
1. Agravo regimental contra decisão que declarou a competência da Justiça
estadual para processar ação ordinária ajuizada em desfavor da Eletrobrás,
pela qual se objetiva a restituição de debêntures mediante conversão em ação
preferenciais.
2. A competência da Justiça Federal é fixada em razão da pessoa, sendo
que “compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico
que justifi que a presença, no processo, da União suas autarquias ou empresas
públicas” (Súmula 150/STJ).
3. Hipótese em que, embora a União tenha manifestado interesse de participar
no processo na condição de assistente da Eletrobrás, motivando, inclusive, a
remessa dos autos da Justiça estadual para a Justiça Federal, esta declarou a
inexistência de interesse do ente público a justifi car a sua presença na demanda,
indispensável à incidência do art. 109, I, da Constituição Federal.
4. Não compete ao STJ decidir sobre a legitimidade das partes em sede de
confl ito de competência. Precedentes.
5. Agravo regimental não-provido (AgRg no AgRg no CC 92.409/RJ, Rel.
Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/02/2009, DJe
05/03/2009).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA ESTADUAL E FEDERAL. CORREÇÃO MONETÁRIA
PARA RESGATE DE EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA.
COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL.
1. A demanda movida em face da Eletrobrás visando recebimento de
consectários do empréstimo compulsório instituído sobre energia elétrica
encerra, em princípio, demanda de natureza cível, endereçada contra Pessoa
Jurídica de Direito Privado corporifi cada em Sociedade de Economia Mista sem a
prerrogativa do juízo privilegiado extensiva à União concedente.
2. A Primeira Seção, assentou que a competência da Justiça Federal, é defi nida
ratione personae, sendo irrelevante a natureza da controvérsia posta à apreciação.
3. Deveras, o fato de a União ser considerada solidariamente responsável pela
devolução na forma da Lei n. 4.156/62, enseja a que a demanda também seja
proposta contra ela, ab origine, ou que a mesma seja chamada ao processo na
forma do art. 77 do CPC, o que, deslocaria a competência para a Justiça Federal.
4. Entretanto, elegendo o autor apenas um dos devedores solidários para
a demanda o qual não goza de prerrogativa de juízo, torna-se imutável a
competência ratione personae.
5. Outrossim, a possibilidade de escolha de um dos devedores solidários
afasta a fi gura do litisconsórcio compulsório ou necessário por notória antinomia
ontológica, porquanto, o que é facultativo não pode ser obrigatório.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
446
6. Nada obstante, a parte para exigir na execução a responsabilidade
patrimonial da União deve fazê-la integrar o processo antecedente de
conhecimento, o que inocorreu, in casu.
7. Consectariamente, não há deslocamento de competência por interesse
em potência da União, senão quando a mesma integra a relação processual
como autora, ré, assistente, ou terceiro interveniente, consoante, aliás, restou
sumulado pelo STF, nos verbetes n. 517 e 556 (Súmula 517 do STF: “As sociedades
de economia mista só têm foro na Justiça Federal quando a União intervém como
assistente ou opoente.”; Súmula 556 do STF: “É competente a Justiça comum para
julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista.”)
8. Ademais, na forma do verbete sumular n. 60, do extinto TRF “Compete à
Justiça Federal decidir da admissibilidade de mandado de segurança impetrado
contra atos de dirigentes de pessoas privadas, ao argumento de estarem agindo
por delegação do poder público federal.”. A Sociedade de Economia Mista que
age por delegação só goza de foro privilegiado quando atua com ius imperii
coibido por mandado de segurança, na forma do art. 109, da Constituição Federal.
9. Precedentes: REsp 763.605/MG; Rel. Min. LUIZ FUX; DJ 07.08.2006; CC
83.401/SP; DJ 29.08.2007; AgRg no CC 52.525/RS; DJ 04.06.2007; CC 45.856/RS; DJ
27.03.2006.
10. Agravo regimental desprovido (AgRg no CC 83.169/RJ, Rel. Ministro LUIZ
FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/03/2008, DJe 31/03/2008).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETÊNCIA. DEBÊNTURES. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA
ELÉTRICA. AÇÃO AJUIZADA CONTRA A ELETROBRÁS. AUSÊNCIA DOS ENTES
ELENCADOS NO ART. 109, I, DA CF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. O Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a competência
da Justiça Federal, prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, é fi xada, em
regra, em razão da pessoa (competência ratione personae), levando-se em conta
não a natureza da lide, mas, sim, a identidade das partes na relação processual.
2. Hipótese em que a ação foi ajuizada por consumidor tão-somente contra
a Eletrobrás. Muito embora se discuta a cobrança de valores relativos ao
Empréstimo Compulsório sobre energia elétrica, não se verifi ca a presença de
ente federal na lide, razão pela qual não há como afastar a competência da Justiça
Estadual para processar e julgar a demanda.
3. Consoante a Súmula 150 do STJ, “compete à Justiça Federal decidir sobre a
existência de interesse jurídico que justifi que a presença, no processo, da União,
suas autarquias ou empresas públicas.”
4. Conheceu-se do confl ito para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª
Vara Cível do Foro Regional de Sarandi – Porto Alegre/RS, suscitado.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 435-457, novembro 2017 447
5. Agravo Regimental não provido (AgRg no CC 92.312/RS, Rel. Ministro
HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/11/2008, DJe 05/03/2009).
No caso concreto, verifi ca-se que houve manifestação da União no sentido
de ingressar no feito na qualidade de assistente da Eletrobrás, motivo pelo
qual não restam dúvidas acerca da necessidade de deslocamento do feito para
a justiça federal, para que seja analisado o próprio pedido de intervenção da
União.
É o que se extrai da Súmula 150/STJ, cujo teor transcrevo, verbis: “Compete
à justiça federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifi que a
presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.
Destaco que a hipótese vertente traz a peculiaridade de o pedido de
intervenção da União foi ter sido efetuado apenas após a prolação da sentença,
motivo pelo qual o juízo de origem entendeu pela necessidade de anulação de
tal ato decisório, ao determinar a remessa dos autos à justiça federal.
Entretanto, quanto ao tema, na esteira do que já foi exposto, a jurisprudência
dessa Corte se pacifi cou no sentido de que o pedido de intervenção da União do
feito realizado após a prolação da sentença enseja tão somente o deslocamento
do processo para o Tribunal Regional Federal, para que examine o requerimento
de ingresso na lide e prossiga (se for o caso) seu julgamento, sem a automática
anulação da sentença proferida pelo juízo estadual.
Isso porque, à época da da prolação da sentença, a justiça estadual,
efetivamente, era competente para a apreciação da demanda, em razão da não
participação da União no feito.
Dessa forma, ingressando a União no feito, na qualidade de assistente,
após a prolação da sentença, o que ocorre não é a declaração da incompetência
absoluta da justiça estadual, mas o deslocamento da competência para a justiça
federal, não sendo necessária a anulação dos atos decisórios praticados pelo
juízo anteriormente competente.
A esse respeito, confi ram-se os seguintes precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DA UNIÃO APÓS O JULGAMENTO
EM 1º GRAU DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. APELAÇÃO. COMPETÊNCIA DO TRF.
1. Tendo a União requerido a intervenção na demanda somente após o
julgamento de primeiro grau da Justiça Estadual, compete ao Tribunal Regional
Federal a apreciação do respectivo pedido, bem assim, se aceito, o julgamento
das apelações interpostas.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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2. Recurso especial provido (REsp 1041279/RJ, Rel. Ministro TEORI ALBINO
ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/08/2008, DJe 27/08/2008).
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO DE VALORES RELATIVOS
AO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE O CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA.
AÇÃO PROPOSTA CONTRA A CELPE E A ELETROBRÁS. PEDIDO DE INTERVENÇÃO
NO FEITO FORMULADO PELA UNIÃO, COM FUNDAMENTO NO ART. 5º, CAPUT
E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.469/97. ART. 109, I, DA CF. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL.
1. Demanda na qual se discute a possibilidade de compensação de valores
relativos ao empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica,
proposta somente contra a COMPANHIA ENERGÉTICA DE PERNAMBUCO - CELPE
- e as CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A - ELETROBRÁS -, não havendo,
inicialmente, a presença de nenhum dos entes elencados no art. 109, I, da
Constituição Federal, que atrairiam a competência da Justiça Federal.
2. A União responde solidariamente pelo valor nominal dos títulos relativos
ao empréstimo compulsório, nos termos do art. 4º, § 3º, da Lei 4.156/62. A parte
autora, no entanto, pode eleger apenas um dos devedores solidários para fi gurar
no pólo passivo da demanda. No caso, elegeu a CELPE e a ELETROBRÁS, situação
em que a Justiça Estadual seria competente para a apreciação da causa.
3. Hipótese, no entanto, em que a União, com fundamento no art. 5º, caput e
parágrafo único, da Lei 9.469/97, manifestou expressamente o seu interesse na
demanda, requerendo a sua intervenção no feito e o conseqüente deslocamento
da competência para a Justiça Federal.
4. Diante desse contexto, não restava nenhuma outra alternativa ao magistrado
de primeiro grau de jurisdição senão deferir o pedido de intervenção formulado
pela União, integrando-a à lide, com a conseqüente remessa dos autos à Justiça
Federal.
5. Recurso especial provido, para determinar a inclusão da União na lide, na
condição de assistente da ELETROBRÁS, conforme requerido, declarando-se
competente, em conseqüência, a Justiça Federal para apreciar a demanda.
(REsp 1.052.625/PE, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 21/08/2008, DJe 10/09/2008
CONFLITO DE COMPETÊNCIA – PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PROFERIDA PELA JUSTIÇA ESTADUAL – ART. 575, II, DO CPC – INTERVENÇÃO DA
UNIÃO NO FEITO – DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA FEDERAL.
1. Estatui o art. 575, II, do CPC que a competência para conhecer de execução
fundada em título judicial é do Juízo que decidiu a causa no primeiro grau de
jurisdição.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 435-457, novembro 2017 449
2. Todavia, depreende-se que a intervenção da União no feito executivo, como
sucessora processual da extinta RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A), enseja o
deslocamento da competência para a Justiça Federal (art. 109, I, da Constituição
da República).
3. Confl ito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 3ª Vara e
Juizado Especial Previdenciário de Santo Ângelo - SJ/RS, o suscitante (CC 54.762/
RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/03/2007, DJ
09/04/2007 p. 219)
Processo Civil. Competência. Agravo em confl ito negativo. Ação proposta e
sentença proferida no âmbito da Justiça Comum Estadual. Cessão de direitos.
Caixa Econômica Federal. Recurso de apelação. Justiça Federal.
- A cessão de direitos à Caixa Econômica Federal, com a sua conseqüente
intervenção após a prolação da sentença e antes do julgamento do recurso
de apelação, desloca a competência para a Justiça Federal, que, se admitir a
intervenção, poderá julgar o mérito do recurso, conforme o entendimento
fi rmado na 2ª Seção do STJ.
Agravo no conflito de competência não provido (AgRg no CC 38.531/RS,
Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2003, DJ
15/03/2004 p. 148).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INTERVENÇÃO DA CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL APÓS O JULGAMENTO EM 1º GRAU DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL.
APELAÇÃO. COMPETÊNCIA DO TRF.
1. Intervindo no feito a Caixa Econômica Federal, empresa pública federal, após
o julgamento de primeiro grau da justiça comum estadual, compete ao Tribunal
Regional Federal o respectivo julgamento da apelação interposta.
2. Confl ito conhecido, declarado competente o Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, o suscitante (CC 38.790/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS,
Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
27/08/2003, DJ 10/11/2003 p. 149).
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, para determinar
a manutenção da sentença de primeiro grau e a remessa dos autos para o
competente TRF, a fi m de que se proceda à apreciação do pedido de intervenção
da União e, se aceito, se realize o julgamento das apelações.
É como voto.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
450
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL N. 1.111.159-
RJ (2009/0014741-3)
Relator: Ministro Benedito Gonçalves
Embargante: Açoforja Indústria de Forjados S/A
Advogado: Vladimir Mucury Cardoso e outro(s)
Embargado: Centrais Elétricas Brasileiras S/A ELETROBRÁS
Advogado: Carlos Eduardo de Oliveira da Silva
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO
ESPECIAL. DISCUSSÃO RELATIVA AO EMPRÉSTIMO
COMPULSÓRIO SOBRE O CONSUMO DE ENERGIA
ELÉTRICA. AÇÃO PROPOSTA APENAS CONTRA A
ELETROBRÁS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
PEDIDO DE INTERVENÇÃO NO FEITO FORMULADO
PELA UNIÃO APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. ART.
5º, DA LEI 9.469/97 E 50, DO CPC. DESLOCAMENTO DA
COMPETÊNCIA PARA O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
PARA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE INTERVENÇÃO
E JULGAMENTO DOS RECURSOS. OMISSÃO E
CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA
INTERNA DO STJ. OMISSÃO RECONHECIDA.
1. Os embargos de declaração são cabíveis quando o provimento
jurisdicional padecer de omissão, contradição ou obscuridade nos
ditames do art. 535, I e II, do CPC, bem como para sanar a ocorrência
de erro material.
2. A parte embargante aduz que não houve manifestação acerca
da competência interna para julgamento do apelo especial, que deveria
ter sido apreciado pela Corte Especial, na medida em que trata de
matéria de cunho eminentemente processual e, portanto, de interesse
de todos os órgãos fracionários do STJ. Aponta ainda omissão quanto
aos efeitos da intervenção especial do art. 5º da Lei n. 9.469/97, no
que se refere à competência, bem como contradição por força da
SÚMULAS - PRECEDENTES
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aplicação da Súmula n.º 150 do STJ, apesar de se tratar de pedido de
intervenção baseado apenas em interesse econômico.
3. No caso dos autos, a controvérsia apreciada não é afeta a todos
os órgãos fracionários do STJ, uma vez que discute a necessidade de
deslocamento da competência da justiça estadual para a justiça federal
tão somente nas hipóteses de demandas que tratam de questões referentes ao
empréstimo compulsório sobre energia elétrica, nas quais a União manifeste
interesse. Dessa forma, verifi ca-se que a discussão aparentemente de
índole processual está estritamente ligada à questão de fundo tratada
nos autos (empréstimo compulsório sobre energia elétrica), motivo
pelo qual cabe à Primeira Seção do STJ sua apreciação, consoante
dispõe o inciso IX, do § 1º do artigo 9º do Regimento Interno da
Corte.
4. No que tange aos demais vícios apontados, o acórdão embargado
externou entendimento de que, nos termos da jurisprudência dessa
Corte, a realização de pedido de intervenção feito pela União nas
demandas referentes ao empréstimo compulsório sobre energia
elétrica, após a prolação da sentença enseja apenas o deslocamento
do processo para o Tribunal Regional Federal, de sorte que é esta
a esfera competente para o exame a respeito da existência, ou não,
de interesse que justifi que tal intervenção. Daí porque se manteve
a sentença proferida pelo juízo estadual em momento anterior ao
pedido de ingresso da União no feito. Da mesma forma, não há
como se reconhecer a alegada contradição uma vez que não se discute
nesses autos se há ou não interesse jurídico da União no feito, mas tão
somente se se a apreciação de tal questão é de competência da justiça
federal.
5. Verifi ca-se que, nesses pontos, a pretensão da embargante é
meramente infringente, sendo incabível nesta sede, ante à fi nalidade
estritamente integrativa dos embargos declaratórios.
6. Embargos de declaração rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
452
unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Luiz
Fux, Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell
Marques votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.
Brasília (DF), 24 de março de 2010 (data do julgamento).
Ministro Benedito Gonçalves, Relator
DJe 9.4.2010
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves: Trata-se de embargos declaratórios
opostos por Açoforja indústria de forjados S/A contra acórdão da lavra da
Primeira Seção que, sob o regime previsto no artigo 543-C do CPC, deu parcial
provimento ao recurso especial. Eis a ementa do acórdão embargado (fl . 1.347):
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO
AO ARTIGO 535 DO CPC. VÍCIOS NÃO CONFIGURADOS. DISCUSSÃO RELATIVA
AO EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE O CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA.
AÇÃO PROPOSTA APENAS CONTRA A ELETROBRÁS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
ESTADUAL. PEDIDO DE INTERVENÇÃO NO FEITO FORMULADO PELA UNIÃO
APÓS A PROLAÇÃO DA SENTENÇA. ART. 5º, DA LEI 9.469/97 E 50, DO CPC.
DESLOCAMENTO DA COMPETÊNCIA PARA O TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL PARA
APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE INTERVENÇÃO E JULGAMENTO DOS RECURSOS.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO
ARTIGO 543-C DO CPC.
1. Demanda envolvendo questões referentes ao empréstimo compulsório
sobre energia elétrica proposta unicamente contra a Eletrobrás, perante a justiça
estadual. Na hipótese, a União requereu o ingresso no feito, com fundamento nos
artigos 5º, da Lei 9.469/97 e 50, do CPC, após a prolação da sentença pela justiça
estadual.
2. No que se refere à competência para dirimir questões referentes ao
empréstimo compulsório sobre energia elétrica, a jurisprudência desta Corte
se fi rmou no sentido que a competência da justiça federal é defi nida em razão
das partes litigantes e não da matéria em discussão, de sorte que, sendo a
demanda proposta unicamente em desfavor da Eletrobrás, a competência para
sua apreciação é da justiça estadual, ao passo que, ingressando a União no feito,
a competência passa a ser da justiça federal, por força do que determina o artigo
109, inciso I, da Constituição Federal.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 435-457, novembro 2017 453
3. O pedido de intervenção da União realizado após a prolação da sentença
enseja tão somente o deslocamento do processo para o Tribunal Regional Federal,
para que examine o requerimento de ingresso na lide e prossiga (se for o caso) seu
julgamento, sem a automática anulação da sentença proferida pelo juízo estadual.
4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, submetido
ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução 8/STJ.
5. Recurso especial parcialmente provido, para determinar a manutenção da
sentença de primeiro grau e a remessa dos autos para o competente TRF, a fi m de
que se proceda à apreciação do pedido de intervenção da União e, se aceito, se
realize o julgamento das apelações.
Em suas razões, a embargante sustenta, primeiramente, que o acórdão
embargado foi omisso quanto à competência para julgamento do apelo especial.
Argumenta que, por se tratar de matéria de cunho eminentemente processual e,
portanto, interessar a todos os órgão julgadores desta Corte, a competência para
o julgamento do recurso especial seria da Corte Especial.
Afi rma que tal questão, no entanto, deixou de ser abordada pelo acórdão
embargado, motivo pelo qual se justifi ca a oposição dos declaratórios. Requer o
acolhimento dos declaratórios, para que seja anulado o julgamento e remetidos
os autos para apreciação da Corte Especial.
A embargante aponta ainda omissão quanto “aos efeitos da intervenção
especial do art. 5º da Lei n. 9.469/97, no que se refere à competência” (fl . 1.368),
argumentando que, segundo a jurisprudência do STJ, a intervenção especial não
desloca a competência para o julgamento da causa, motivo pelo qual requer o
acolhimento dos declaratórios com efeitos modifi cativos para que não seja o feito
deslocado para a justiça federal e continue tramitando perante a justiça estadual.
Afi rma também ser o acórdão embargado contraditório, na medida em que
“aplica à hipótese dos autos a Súmula n. 150 do STJ, que, por sua vez refere-se
a ‘interesse jurídico’, ao passo que o interesse da União no feito não é jurídico
- mas meramente econômico, já que se fundamenta no referido art. 5º da Lei
9.469/97 [...]” (fl . 1.360).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Benedito Gonçalves (Relator): Como cediço, os embargos
de declaração são cabíveis quando o provimento jurisdicional padece de omissão,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
454
contradição ou obscuridade nos ditames do art. 535, I e II, do CPC, bem como
para sanar a ocorrência de erro material, vícios esses inexistentes na espécie.
Não obstante, a fim de dirimir quaisquer dúvidas sobre o que foi
efetivamente decidido pelo colegiado e prevenir o manejo de novos aclaratórios,
passo a tecer as seguintes considerações.
Conforme relatado, o embargante sustenta que o acórdão impugnado está
eivado de omissões e contradições.
Nesse sentido, aduz que não houve manifestação acerca da competência
interna para julgamento do apelo especial, que deveria ter sido apreciado pela
Corte Especial, na medida em que trata de matéria de cunho eminentemente
processual e, portanto, de interesse de todos os órgãos fracionários do STJ.
Efetivamente, de acordo com o artigo 2º da Resolução n. 8/STJ, de 7 de
agosto de 2008, tratando o recurso especial de matéria cuja competência seja
de mais de uma Seção desta Corte, seu julgamento deve ser submetido à Corte
Especial. Tal deslocamento da competência ocorre, mormente, por uma questão
de política judiciária, no intuito de facilitar a uniformização dos entendimentos
diversos eventualmente existentes sobre questões que interessam a todas as
esferas de julgamento desta Corte.
Ocorre que, no caso dos autos, a controvérsia apreciada não é afeta a
todos os órgãos fracionários do STJ, uma vez que discute a necessidade de
deslocamento da competência da justiça estadual para a justiça federal tão
somente nas hipóteses de demandas que tratam de questões referentes ao empréstimo
compulsório sobre energia elétrica, nas quais a União manifeste interesse.
Nesse sentido, verifica-se que a discussão aparentemente de índole
processual está estritamente ligada à questão de fundo tratada nos autos
(empréstimo compulsório sobre energia elétrica), motivo pelo qual cabe à
Primeira Seção do STJ sua apreciação, consoante dispõe o inciso IX, do § 1º do
artigo 9º do Regimento Interno da Corte.
Ademais, justifica-se a manutenção da competência para julgamento
da demanda no âmbito da Primeira Seção, também por uma questão de
política judiciária, mormente por ser este órgão fracionário grande conhecedor
do mérito da demanda, já tendo julgado milhares de processos envolvendo
discussões acerca do empréstimo compulsório sobre energia elétrica, e inclusive
uniformizado inúmeras questões controvertidas, também sob o pálio das
determinações do artigo 543-C do CPC.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 435-457, novembro 2017 455
Dessa forma, nada mais lógico que a manutenção do julgamento da
presente demanda, cuja discussão processual está intrinsecamente ligada às
questões meritórias acerca do empréstimo compulsório sobre energia elétrica, na
esfera de competência da Primeira Seção.
No mais, afi rma a embargante que o acórdão impugnado é também omisso
quanto “aos efeitos da intervenção especial do art. 5º da Lei n. 9.469/97, no que
se refere à competência” (fl . 1.368), argumentando que, segundo a jurisprudência
do STJ, a intervenção especial não desloca a competência para o julgamento da
causa, motivo pelo qual entende que o feito não deve ser deslocado para a justiça
federal, mas sim continuar tramitando perante a justiça estadual.
Afi rma também ser o acórdão embargado contraditório, na medida em que
“aplica à hipótese dos autos a Súmula n. 150 do STJ, que, por sua vez refere-se
a ‘interesse jurídico’, ao passo que o interesse da União no feito não é jurídico
- mas meramente econômico, já que se fundamenta no referido art. 5º da Lei
9.469/97 [...]” (fl . 1.360).
Entretanto, quanto a estes aspectos, o acórdão embargado foi claro ao
decidir que (fl s. 1.340-1.344):
Quanto ao mais, nos termos relatados, a controvérsia dos autos reside na
discussão a respeito da necessidade ou não de anulação da sentença proferida
pela justiça estadual, nas demandas em que se discute o empréstimo compulsório
sobre energia elétrica, propostas apenas em face da Eletrobrás, nas quais a União
requer sua intervenção apenas após a prolação da sentença.
Na hipótese vertente, o feito no qual se debatem questões referentes ao
empréstimo compulsório sobre energia elétrica foi ajuizado apenas contra as
Centrais Elétricas Brasileiras - Eletrobrás, perante a justiça do estado do Rio de
Janeiro, que, em 21 de julho de 2005, proferiu sentença julgando parcialmente
procedente o pedido (fl s. 836-840).
Apenas após a prolação da mencionada sentença, a União, com fundamento
no artigo 50 do CPC e no artigo 5º da Lei 9.469/97, requereu seu ingresso no feito,
bem como a remessa dos autos à justiça federal, nos termos da Súmula 150/STJ
(fl s. 860-862).
Ao apreciar o mencionado pedido, o Tribunal a quo reconheceu a competência
da justiça federal para apreciar o feito, anulando a sentença proferida pelo juízo
singular, por força do pedido de ingresso da União na demanda.
Feito o necessário retrospecto, para melhor delimitar a controvérsia, examina-
se o mérito recursal.
No que se refere à competência para dirimir questões referentes ao
empréstimo compulsório sobre energia elétrica, a jurisprudência desta Corte se
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
456
fi rmou no sentido que a competência da justiça federal é defi nida em razão das
partes litigantes e não da matéria em discussão.
Dessa forma, em se tratando de feitos nos quais se discutem questões acerca
do empréstimo compulsório sobre energia elétrica:
(i) sendo a demanda proposta unicamente em desfavor da Eletrobrás, a
competência para sua apreciação é da justiça estadual; e
(ii) ingressando a União no feito, mediante demonstração de legítimo interesse,
a competência passa a ser da justiça federal, por força do que determina o artigo
109, inciso I, da Constituição Federal.
[...]
No caso concreto, verifi ca-se que houve manifestação da União no sentido de
ingressar no feito na qualidade de assistente da Eletrobrás, motivo pelo qual não
restam dúvidas acerca da necessidade de deslocamento do feito para a justiça
federal, para que seja analisado o próprio pedido de intervenção da União.
É o que se extrai da Súmula 150/STJ, cujo teor transcrevo, verbis: “Compete
à justiça federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifi que a
presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas”.
Destaco que a hipótese vertente traz a peculiaridade de o pedido de
intervenção da União foi ter sido efetuado apenas após a prolação da sentença,
motivo pelo qual o juízo de origem entendeu pela necessidade de anulação de tal
ato decisório, ao determinar a remessa dos autos à justiça federal.
Entretanto, quanto ao tema, na esteira do que já foi exposto, a jurisprudência
dessa Corte se pacifi cou no sentido de que o pedido de intervenção da União do
feito realizado após a prolação da sentença enseja tão somente o deslocamento
do processo para o Tribunal Regional Federal, para que examine o requerimento
de ingresso na lide e prossiga (se for o caso) seu julgamento, sem a automática
anulação da sentença proferida pelo juízo estadual.
Isso porque, à época da da prolação da sentença, a justiça estadual,
efetivamente, era competente para a apreciação da demanda, em razão da não
participação da União no feito.
Dessa forma, ingressando a União no feito, na qualidade de assistente, após
a prolação da sentença, o que ocorre não é a declaração da incompetência
absoluta da justiça estadual, mas o deslocamento da competência para a justiça
federal, não sendo necessária a anulação dos atos decisórios praticados pelo juízo
anteriormente competente.
[...]
Dessa forma, não se confi guram os vícios apontados pela embargante,
porquanto o acórdão embargado externou entendimento de que, nos termos
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 435-457, novembro 2017 457
da jurisprudência dessa Corte, a realização de pedido de intervenção feito pela
União após a prolação da sentença enseja apenas o deslocamento do processo
para o Tribunal Regional Federal, de sorte que é esta a esfera competente para o
exame a respeito da existência ou não de interesse que justifi que tal intervenção.
Daí porque se manteve a sentença proferida pelo juízo estadual em momento
anterior ao pedido de ingresso da União no feito.
Da mesma forma, não há como se reconhecer a alegada contradição uma
vez que não se discute nesses autos se há ou não interesse jurídico da União
no feito, mas tão somente se decidiu que a apreciação de tal questão é de
competência da justiça federal.
Constata-se, portanto, que a insurgência do embargante, quanto a estes
pontos, não diz respeito a eventual vício de integração do acórdão impugnado,
mas à interpretação que lhe foi desfavorável, motivação essa que não se enquadra
nas hipóteses de cabimento dos aclaratórios.
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.
É como voto.
Súmula n. 554
SÚMULA N. 554
Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora
abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas
moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da
sucessão.
Referências:
CPC, art. 543-C.
CTN, arts. 113, § 1º, 129, 132, 133 e 139.
Precedentes:
(*)REsp 923.012-MG (1ª S, 09.06.2010 – DJe 24.06.2010) –
acórdão publicado na íntegra
(*)EDcl no REsp 923.012-MG (1ª S, 10.04.2013 – DJe 24.04.2013)
REsp 544.265-CE (1ª T, 16.11.2004 – DJ 21.02.2005)
REsp 745.007-SP (1ª T, 19.05.2005 – DJ 27.06.2005)
REsp 554.377-SC (1ª T, 04.10.2005 – DJ 19.12.2005)
REsp 1.085.071-SP (1ª T, 21.05.2009 – DJe 08.06.2009)
REsp 959.389-RS (2ª T, 07.05.2009 – DJe 21.05.2009)
AgRg no REsp 1.056.302-SC (2ª T, 23.04.2009 – DJe 13.05.2009)
REsp 1.220.651-GO (2ª T, 05.04.2011 – DJe 29.04.2011)
AgRg no REsp 1.321.958-RS (2ª T, 04.10.2012 – DJe 16.10.2012)
(*) Recursos repetitivos.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 923.012-MG (2007/0031498-0)
Relator: Ministro Luiz Fux
Recorrente: Companhia Muller de Bebidas
Advogado: Fernando Loeser e outro(s)
Recorrido: Estado de Minas Gerais
Procurador: Maurício Bhering Andrade e outro(s)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART.
543-C, DO CPC. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÃO.
SUCESSÃO DE EMPRESAS. ICMS. BASE DE CÁLCULO.
VALOR DA OPERAÇÃO MERCANTIL. INCLUSÃO DE
MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO. DESCONTOS
INCONDICIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. LC N. 87/96.
MATÉRIA DECIDIDA PELA 1ª SEÇÃO, NO RESP 1.111.156/
SP, SOB O REGIME DO ART. 543-C DO CPC.
1. A responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos
tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas,
que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do
patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato gerador tenha
ocorrido até a data da sucessão. (Precedentes: REsp 1.085.071/SP,
Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 21/05/2009, DJe 08/06/2009; REsp 959.389/RS, Rel.
Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado
em 07/05/2009, DJe 21/05/2009; AgRg no REsp 1.056.302/SC,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 13/05/2009; REsp 3.097/RS,
Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 24/10/1990, DJ 19/11/1990)
2. “(...) A hipótese de sucessão empresarial (fusão, cisão, incorporação),
assim como nos casos de aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento
comercial e, principalmente, nas confi gurações de sucessão por transformação
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
464
do tipo societário (sociedade anônima transformando-se em sociedade por
cotas de responsabilidade limitada, v.g.), em verdade, não encarta sucessão
real, mas apenas legal. O sujeito passivo é a pessoa jurídica que continua total
ou parcialmente a existir juridicamente sob outra “roupagem institucional”.
Portanto, a multa fi scal não se transfere, simplesmente continua a integrar
o passivo da empresa que é: a) fusionada; b) incorporada; c) dividida pela
cisão; d) adquirida; e) transformada. (Sacha Calmon Navarro Coêlho,
in Curso de Direito Tributário Brasileiro, Ed. Forense, 9ª ed., p. 701)
3. A base de cálculo possível do ICMS nas operações mercantis, à luz do texto constitucional, é o valor da operação mercantil efetivamente realizada ou, consoante o artigo 13, inciso I, da Lei Complementar n. 87/96, “o valor de que decorrer a saída da mercadoria”.
4. Desta sorte, afi gura-se inconteste que o ICMS descaracteriza-se acaso integrarem sua base de cálculo elementos estranhos à operação mercantil realizada, como, por exemplo, o valor intrínseco dos bens entregues por fabricante à empresa atacadista, a título de bonifi cação, ou seja, sem a efetiva cobrança de um preço sobre os mesmos.
5. A Primeira Seção deste Tribunal Superior pacificou o
entendimento acerca da matéria, por ocasião do julgamento do REsp
1.111.156/SP, sob o regime do art. 543-C, do CPC, cujo acórdão
restou assim ementado:
TRIBUTÁRIO – ICMS – MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO – ESPÉCIE
DE DESCONTO INCONDICIONAL – INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL –
ART. 13 DA LC 87/96 – NÃO-INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO.
1. A matéria controvertida, examinada sob o rito do art. 543-C do Código
de Processo Civil, restringe-se tão-somente à incidência do ICMS nas operações
que envolvem mercadorias dadas em bonificação ou com descontos
incondicionais; não envolve incidência de IPI ou operação realizada pela
sistemática da substituição tributária.
2. A bonifi cação é uma modalidade de desconto que consiste na entrega de
uma maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução
do valor da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é benefi ciado
com a redução do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique
redução do preço do negócio.
3. A literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 87/96 é suficiente
para concluir que a base de cálculo do ICMS nas operações mercantis é
aquela efetivamente realizada, não se incluindo os “descontos concedidos
incondicionais”.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 459-474, novembro 2017 465
4. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífi ca no sentido de que o valor
das mercadorias dadas a título de bonifi cação não integra a base de cálculo do
ICMS.
5. Precedentes: AgRg no REsp 1.073.076/RS, Rel. Min. Humberto Martins,
Segunda Turma, julgado em 25.11.2008, DJe 17.12.2008; AgRg no AgRg nos
EDcl no REsp 935.462/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe
8.5.2008; REsp 975.373/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em
15.5.2008, DJe 16.6.2008; EDcl no REsp 1.085.542/SP, Rel. Min. Denise Arruda,
Primeira Turma, julgado em 24.3.2009, DJe 29.4.2009.
Recurso especial provido para reconhecer a não-incidência do ICMS sobre
as vendas realizadas em bonifi cação. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-
C do Código de Processo Civil e da Resolução 8/2008 do Superior Tribunal
de Justiça. (REsp 1.111.156/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 14/10/2009, DJe 22/10/2009)
6. Não obstante, restou consignada, na instância ordinária, a
ausência de comprovação acerca da incondicionalidade dos descontos,
consoante dessume-se do seguinte excerto do voto condutor do aresto
recorrido.
7. Destarte, infi rmar a decisão recorrida implica o revolvimento
fático-probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, em
face do Enunciado Sumular 07 do STJ.
8. A ausência de provas acerca da incondicionalidade dos
descontos concedidos pela empresa recorrente prejudica a análise da
controvérsia sob o enfoque da alínea “b” do permissivo constitucional.
9. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do
art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Seção
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira,
Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito
Gonçalves, Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro
Relator.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
466
Brasília (DF), 09 de junho de 2010 (data do julgamento).
Ministro Luiz Fux, Relator
DJe 24.6.2010
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de recurso especial interposto por
COMPANHIA MULLER DE BEBIDAS, sucessora por incorporação
de Indústrias Müller de Bebidas Ltda., com fulcro nas alíneas “a”, “b” e “c”,
do permissivo constitucional, contra acórdão prolatado pelo TJ/MG, assim
ementado:
Apelação. Ação ordinária. Pretensão de não incluir na base de cálculo do ICMS
os valores dados em bonificação. Não comprovado que as bonificações foram
incondicionais, devem ser incluídos os respectivos valores na base de cálculo.
Impõe-se à sucessora a obrigação de pagar as multas impostas à antecessora. Ação
improcedente. Sentença mantida.
Noticiam os autos que Companhia Müller de Bebidas Ltda ajuizou ação,
com pedido de antecipação de tutela, objetivando o reconhecimento do direito
de não ter que incluir, na base de cálculo do ICMS, as bonifi cações concedidas
a seus clientes, visto que não compõem o real valor da operação mercantil.
Alternativamente, pleiteou a declaração de inexistência de relação jurídica que a
obrigue a pagar a multa relativa ao não recolhimento do ICMS sobre operações
relativas à circulação econômica de mercadorias. Por fi m, quanto à suposta
impropriedade da multa, sustentou que a interpretação dada ao art. 132, do
CNT, pela Autora, fere a sistemática do Código, que, em seu art. 129, prevê que
os sucessores são responsáveis, também, pelos créditos tributários oriundos de
obrigações surgidas em data anterior aos atos da incorporação.
O Juízo monocrático julgou improcedente o pedido formulado na
inicial, ao fundamento de que a legislação estadual, no tocante à inclusão de
descontos concedidos sob condição na base de cálculo do imposto, nada teria
de inconstitucional, bem assim que ao Autor incumbia a prova quanto ao fato
constitutivo do seu direito, qual seja, prova de que as bonifi cações concedidas
seriam incondicionais, o que não foi feito. No que tange à impossibilidade de
cobrança da multa sucessora, entendeu que a interpretação dada pela Autora
não estaria correta, sendo que a melhor doutrina tem entendido que a sucessora
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 459-474, novembro 2017 467
tem responsabilidade por todas as obrigações referentes ao período anterior à
sucessão por incorporação.
O Tribunal estadual, nos termos da ementa retrotranscrita, negou
provimento às apelações.
Foram opostos embargos declaratórios, que restaram rejeitados.
Nas razões recursais, alegou-se violação dos arts. 12 e 13 da LC 87/96,
porquanto os valores não recebidos efetivamente pela recorrente, como são
os descontos incondicionais, não podem integrar a base de cálculo do tributo,
porquanto não correspondem ao preço praticado na operação mercantil. Nesse
ponto, mostra-se ilegal a legislação estadual que prevê contrariamente ao
disposto na LC 87/96, havendo confl ito entre as referidas leis. Outrossim,
alegou que o Tribunal não atentou para as provas produzidas nos autos quanto
ao fato de que as bonifi cações concedidas não se subordinam a qualquer evento
futuro ou incerto. Aventou dissídio jurisprudencial com arestos deste Tribunal
Superior. Alternativamente, postulou pela exclusão das multas punitivas
aplicadas à empresa incorporada, porquanto a empresa sucessora apenas deve
responder pelos tributos da sucedida, consoante precedentes jurisprudenciais
trazidos à colação para fundamentar o dissídio alegado.
Não foram apresentadas contra-razões ao apelo, que recebeu crivo negativo
de admissibilidade na instância de origem, subindo a esta Corte por força do
provimento do agravo de instrumento.
Parecer do Ministério Público às fl s. 1.029/1.036, opinando pelo parcial
conhecimento e desprovimento do recurso, nos seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 543-C, DO CPC. RESOLUÇÃO Nº 08/2008-STJ.
TRIBUTÁRIO. EMPRESA SUCESSORA. RESPONSABILIDADE PELOS TRIBUTOS DEVIDOS
PELA SUCEDIDA. EXTENSÃO ÀS MULTAS. OBRIGAÇÕES QUE INTEGRAM O PASSIVO
ARTS. 132 E 133 DO CTN. PELO PARCIAL CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO
RECURSO.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): O presente recurso versa dois pontos
basilares, quais sejam: a) a impossibilidade de os valores dados a título de
bonifi cação integrarem a base de cálculo do ICMS devido pela empresa e; b) a
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
468
questão da sucessão da empresa extinta e a transmissão de obrigações e haveres
tributários à empresa que a incorporou.
Preliminarmente, a primeira questão não pode ser conhecida, em face do
Enunciado Sumular 07 do STJ, senão vejamos.
A Primeira Seção deste Tribunal Superior pacifi cou o entendimento acerca
da matéria, por ocasião do julgamento do REsp 1.111.156/SP, sob o regime do
art. 543-C, do CPC, cujo acórdão restou assim ementado:
TRIBUTÁRIO – ICMS – MERCADORIAS DADAS EM BONIFICAÇÃO – ESPÉCIE DE
DESCONTO INCONDICIONAL – INEXISTÊNCIA DE OPERAÇÃO MERCANTIL – ART. 13 DA
LC 87/96 – NÃO-INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO TRIBUTO.
1. A matéria controvertida, examinada sob o rito do art. 543-C do Código de
Processo Civil, restringe-se tão-somente à incidência do ICMS nas operações que
envolvem mercadorias dadas em bonifi cação ou com descontos incondicionais; não
envolve incidência de IPI ou operação realizada pela sistemática da substituição
tributária.
2. A bonifi cação é uma modalidade de desconto que consiste na entrega de uma
maior quantidade de produto vendido em vez de conceder uma redução do valor
da venda. Dessa forma, o provador das mercadorias é benefi ciado com a redução
do preço médio de cada produto, mas sem que isso implique redução do preço do
negócio.
3. A literalidade do art. 13 da Lei Complementar n. 87/96 é sufi ciente para concluir
que a base de cálculo do ICMS nas operações mercantis é aquela efetivamente
realizada, não se incluindo os “descontos concedidos incondicionais”.
4. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífi ca no sentido de que o valor das
mercadorias dadas a título de bonifi cação não integra a base de cálculo do ICMS.
5. Precedentes: AgRg no REsp 1.073.076/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda
Turma, julgado em 25.11.2008, DJe 17.12.2008; AgRg no AgRg nos EDcl no REsp
935.462/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 8.5.2008; REsp 975.373/
MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 15.5.2008, DJe 16.6.2008; EDcl no
REsp 1.085.542/SP, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 24.3.2009,
DJe 29.4.2009.
Recurso especial provido para reconhecer a não-incidência do ICMS sobre as
vendas realizadas em bonifi cação. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código
de Processo Civil e da Resolução 8/2008 do Superior Tribunal de Justiça.
(REsp 1.111.156/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado
em 14/10/2009, DJe 22/10/2009)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 459-474, novembro 2017 469
Não obstante, restou consignada, na instância ordinária, a ausência de
comprovação acerca da incondicionalidade dos descontos, consoante dessume-
se do seguinte excerto do voto condutor do aresto recorrido, in verbis:
“A Lei Complementar 87/96, apesar de não contemplar expressamente a
bonifi cação concedida, engloba a mesma na expressão “descontos concedidos sob
condição”, como se observa no art. 13, § 1º, II, “a”.
De acordo com a lei, portanto, somente as bonifi cações incondicionais estão
livres de integrar a base de cálculo do imposto. Ocorre, entretanto, que não se pode
afi rmar com certeza que as bonifi cações concedidas pela empresa Apelante
foram dadas de forma incondicional, ou seja, sem vinculação a qualquer tipo
de condição. Nada na documentação trazida pela Apelante, efetivamente,
demonstra o suposto caráter de incondicionalidade destes benefícios.
O ônus de comprovar o alegado - ou seja, de demonstrar que as bonifi cações de
que se trata foram concedidas de forma incondicional - era da empresa Apelante, a
teor do artigo 333 do CPC, que obriga à comprovação, pelo Autor, do fato constitutivo
de seu direito. Além disso, é seguro dizer que a praxe comercial no Brasil é a concessão
de benefícios condicionados, e não incondicionais. Quase sempre, as bonifi cações
fi cam atreladas ao alcance de metas de compras e/ou vendas predeterminadas, não
se podendo afi rmar, destarte, que, à falta de demonstração satisfatória do alegado
caráter de incondicionalidade, este poderia ser presumido, para que a pretensão da
Apelante lograsse sucesso.”
Destarte, infirmar a decisão recorrida implica o revolvimento fático-
probatório dos autos, inviável em sede de recurso especial, em face do Enunciado
Sumular 07 do STJ.
Com efeito, a ausência de provas acerca da incondicionalidade dos
descontos concedidos pela empresa recorrente prejudica a análise da controvérsia
sob o enfoque da alínea “b” do permissivo constitucional.
No tocante ao segundo ponto suscitado, qual seja, a responsabilidade da
sucessora- empresa incorporadora - pela multa aplicada à empresa incorporada,
impõe-se o conhecimento do recurso, ante o preenchimento dos requisitos de
admissibilidade recursal.
Deveras, a questão não é nova nesta Corte Superior, consoante dessume-se
dos seguintes precedentes:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL EM EMBARGOS À EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE
TRIBUTÁRIA DO SUCESSOR EMPRESARIAL POR INFRAÇÕES DO SUCEDIDO. ARTIGO
133 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. PRECEDENTES.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
470
1. Em interpretação ao disposto no art. 133 do CTN, o STJ tem entendido que
a responsabilidade tributária dos sucessores estende-se às multas impostas ao
sucedido, sejam de natureza moratória ou punitiva, pois integram o patrimônio
jurídico-material da sociedade empresarial sucedida.
2. “Os arts. 132 e 133, do CTN, impõem ao sucessor a responsabilidade integral,
tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de
caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao
patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer
hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se
fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do
não-pagamento do tributo na época do vencimento” (REsp n. 592.007/RS, Rel. Min.
José Delgado, DJ de 22/3/2004).
2. Recurso especial provido.
(REsp 1.085.071/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 21/05/2009, DJe 08/06/2009)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 159 DO CC DE 1916. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. MULTA TRIBUTÁRIA. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO
ACESSÓRIA. SUCESSÃO EMPRESARIAL. OBRIGAÇÃO ANTERIOR E LANÇAMENTO
POSTERIOR. RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE SUCESSORA.
1. Não se conhece do recurso especial se a matéria suscitada não foi
objeto de análise pelo Tribunal de origem, em virtude da falta do requisito do
prequestionamento. Súmulas 282 e 356/STF.
2. A responsabilidade tributária não está limitada aos tributos devidos pelos
sucedidos, mas abrange as multas, moratórias ou de outra espécie, que, por
representarem penalidade pecuniária, acompanham o passivo do patrimônio
adquirido pelo sucessor.
3. Segundo dispõe o artigo 113, § 3º, do CTN, o descumprimento de obrigação
acessória faz surgir, imediatamente, nova obrigação consistente no pagamento
da multa tributária. A responsabilidade do sucessor abrange, nos termos do artigo
129 do CTN, os créditos defi nitivamente constituídos, em curso de constituição ou
“constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações
tributárias surgidas até a referida data”, que é o caso dos autos.
4. Recurso especial conhecido em parte e não provido.
(REsp 959.389/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em
07/05/2009, DJe 21/05/2009)
EXECUÇÃO FISCAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA
DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282 DO STF. SUCESSÃO DE EMPRESAS
RECONHECIDA PELA CORTE A QUO. REEXAME. SÚMULA 7 DO STJ. MULTA.
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA SUCESSORA.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 459-474, novembro 2017 471
(...)
3. Quanto à multa, tem-se que os encargos incidentes sobre o tributo (multa, juros,
etc.) integram o passivo patrimonial da empresa sucedida, razão pela qual por eles
responde a sucessora. Precedente: (REsp 1.017.186/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA,
SEGUNDA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 27/03/2008)
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1056302/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 13/05/2009)
TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. SUCESSÃO. AQUISIÇÃO DE FUNDO
DE COMÉRCIO OU DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. ART. 133 CTN. TRANSFERÊNCIA
DE MULTA.
1. A responsabilidade tributária dos sucessores de pessoa natural ou jurídica (CTN,
art. 133) estende-se às multas devidas pelo sucedido, sejam elas de caráter moratório
ou punitivo. Precedentes.
2. Recurso especial provido.
(REsp 544.265/CE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 16/11/2004, DJ 21/02/2005 p. 110)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OMISSÃO,
OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU FALTA DE MOTIVAÇÃO NO ACÓRDÃO A QUO.
EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA INCORPORADORA. SUCESSÃO. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA DO SUCESSOR. MULTA. ARTS. 132 E 133 DO CTN. PRECEDENTES.
(...)
3. Os arts. 132 e 133 do CTN impõem ao sucessor a responsabilidade integral,
tanto pelos eventuais tributos devidos quanto pela multa decorrente, seja ela de
caráter moratório ou punitivo. A multa aplicada antes da sucessão se incorpora ao
patrimônio do contribuinte, podendo ser exigida do sucessor, sendo que, em qualquer
hipótese, o sucedido permanece como responsável. É devida, pois, a multa, sem se
fazer distinção se é de caráter moratório ou punitivo; é ela imposição decorrente do
não-pagamento do tributo na época do vencimento.
4. Na expressão “créditos tributários” estão incluídas as multas moratórias. A
empresa, quando chamada na qualidade de sucessora tributária, é responsável pelo
tributo declarado pela sucedida e não pago no vencimento, incluindo-se o valor da
multa moratória.
5. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas desta Corte Superior e do colendo STF.
6. Recurso especial provido.
(REsp 745.007/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
19/05/2005, DJ 27/06/2005 p. 299)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
472
EXECUÇÃO FISCAL - MULTA MORATORIA - RESPONSABILIDADE DO SUCESSOR. O
SUCESSOR TRIBUTARIO E RESPONSAVEL PELA MULTA MORATORIA, APLICADA ANTES
DA SUCESSÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(REsp 3.097/RS, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
24/10/1990, DJ 19/11/1990 p. 13.245)
Com efeito, não é outra a conclusão que desponta de uma interpretação
conjunta dos dispositivos legais pertinentes, sitos na Seção II, do Código
Tributário Nacional, que versa a Responsabilidade dos Sucessores, in verbis:
“Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários
definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela
referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a
obrigações tributárias surgidas até a referida data.”
“Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação
ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à
data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou
incorporadas.”
“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra,
por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou
profi ssional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social
ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou
estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou
atividade;
II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar
dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em
outro ramo de comércio, indústria ou profi ssão.”
Deveras, conquanto os arts. 132 e 133 do CTN refi ram-se tão-somente aos
tributos devidos pelos sucedidos, se interpretados tais dispositivos conjuntamente
com o art. 129, chega-se à conclusão de que a regra naqueles insculpida aplica-
se também aos créditos tributários defi nitivamente constituídos ou em curso de
constituição.
Nesse segmento, tem-se que os “créditos tributários” mencionados no
aludido art. 129, na ótica do legislador, compreendem não apenas aqueles
decorrentes de tributos, mas também os oriundos de penalidades pecuniárias,
consoante dessume-se do art. 113, § 1º, do Codex Tributário, litteris:
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 459-474, novembro 2017 473
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto
o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória decorrente da legislação tributária e tem por objeto as
prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da
fi scalização dos tributos.
§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em
obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.”
Nesse sentido, Sacha Calmon Navarro leciona que, in verbis:
“(...) Na hipótese de sucessão empresarial (fusão, cisão, incorporação), assim
como nos casos de aquisição de fundo de comércio ou estabelecimento comercial e,
principalmente, nas confi gurações de sucessão por transformação do tipo societário
(sociedade anônima transformando-se em sociedade por cotas de responsabilidade
limitada, v.g.), entendemos que não há cogitar do assunto. Nas hipóteses ora
versadas, em verdade, inexiste sucessão real, mas apenas legal. O sujeito passivo é a
pessoa jurídica que continua total ou parcialmente a existir juridicamente sob outra
“roupagem institucional”. Portanto, a multa fi scal não se transfere, simplesmente
continua a integrar o passivo da empresa que é: a) fusionada; b) incorporada;
c) dividida pela cisão; d) adquirida; e) transformada. Assim, se o crédito
correspondente à multa fi scal já está constituído, formalizado, à data da sucessão,
o “sucessor” - um sub-rogado nos débitos e créditos (ativo e passivo) das sociedades
adquiridas, divididas, incorporadas, fusionadas ou transformadas - naturalmente
absorve o passivo fi scal existente, inclusive as multas. Aqui comparece ainda uma
razão de política fi scal. Se as multas não fossem transferíveis em casos que tais, seria
muito fácil apagar multas pelo simples subterfúgio da alteração do tipo societário.
Num passe de mágica, pela utilização das “formas” de Direito societário, seriam
elididas as sanções fi scais garantidoras do cumprimento dos deveres tributários, o
principal e os instrumentais. Ora, o Direito Tributário, na espécie, encontra escora no
axioma societas distat a singulis, preferindo-o ao “formalismo jurídico”. Importa-lhe
mais conferir o ativo e o passivo da pessoa sucedida para verifi car se entre as contas
de débito existem multas fi scais passíveis de serem assumidas pelos “sucessores”.
Torna-se imprescindível, todavia, fi xar um ponto: a multa tranferível é só aquela
que integra o passivo da pessoa jurídica no momento da sucessão empresarial
ou está em discussão (suspensa). Insistimos em que nossas razões são axiológicas.
É dizer, fundam-se em valores que julgamos superiores aos do Fisco em tema de
penalidades. Nada têm a ver com as teorias objetivistas ou subjetivistas do ilícito
fi scal.
Não faz sentido apurar-se uma infração ocorrida no pretérito e imputá-la a uma
nova pessoa jurídica formal e institucionalmente diversa da que praticou a infração
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
474
sob a direção de outras pessoas naturais. Essa regra só não deve prevalecer nas
hipóteses de sucessão por alteração do tipo societário (aqui muda apenas a “roupa”
societal). Afi nal, para ocorrer a sucessão empresarial, os Fiscos são consultados, e saõ
exigidas dezenas de certidões negativas.” (in Curso de Direito Tributário Brasileiro,
Ed. Forense, 9ª ed., p. 701)
Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
Porquanto tratar-se de recurso representativo da controvérsia, sujeito ao
procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após
a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros
dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como
aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fi ns de cumprimento do disposto no
parágrafo 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5º, II, e 6º, da
Resolução 08/2008).
É o voto.
Súmula n. 555
SÚMULA N. 555
Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal
para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do
art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o
dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa.
Referências:
CPC, art. 543-C.
CTN, art. 173, I.
Precedentes:
(*)REsp 973.733-SC (1ª S, 12.08.2009 – DJe 18.09.2009) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg nos EREsp 1.199.262-MG (1ª S, 26.10.2011 – DJe 07.11.2011)
AgRg no REsp 1.074.191-MG (1ª T, 02.03.2010 – DJe 16.03.2010)
AgRg no Ag 1.241.890-RS (1ª T, 1º.09.2011 – DJe 09.09.2011)
AgRg no Ag 1.407.622-PR (1ª T, 20.09.2011 – DJe 26.09.2011)
AgRg no REsp 1.235.573-RS (1ª T, 22.11.2011 – DJe 06.12.2011)
AgRg no AREsp 102.378-PR (1ª T, 18.09.2012 – DJe 24.09.2012)
AgRg no REsp 1.218.460-SC (1ª T, 20.08.2013 – DJe 06.09.2013)
REsp 1.090.021-PE (2ª T, 20.04.2010 – DJe 05.05.2010)
REsp 1.154.592-PR (2ª T, 20.05.2010 – DJe 02.06.2010)
REsp 1.015.907-RS (2ª T, 10.08.2010 – DJe 10.09.2010)
REsp 985.301-SC (2ª T, 19.08.2010 – DJe 1º.09.2010)
AgRg no Ag 1.394.456-SC (2ª T, 22.05.2012 – DJe 02.08.2012)
AgRg no REsp 1.277.854-PR (2ª T, 12.06.2012 – DJe 18.06.2012)
AgRg no AREsp 20.880-PE (2ª T, 02.10.2012 – DJe 10.10.2012)
REsp 1.344.130-AL (2ª T, 18.10.2012 – DJe 05.11.2012)
AgRg no AREsp 246.013-SE (2ª T, 07.03.2013 – DJe 14.03.2013)
AgRg no AREsp 260.213-PE (2ª T, 16.04.2013 – DJe 25.04.2013)
AgRg no AREsp 252.942-PE (2ª T, 06.06.2013 – DJe 12.06.2013)
AgRg no AREsp 296.623-SP (2ª T, 18.02.2014 – DJe 12.03.2014)
AgRg no REsp 1.486.511-PR (2ª T, 16.12.2014 – DJe 03.02.2015)
AgRg no AREsp 616.398-RS (2ª T, 03.02.2015 – DJe 09.02.2015)
(*) Recurso repetitivo.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 973.733-SC (2007/0176994-0)
Relator: Ministro Luiz Fux
Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Repr. por: Procuradoria-Geral Federal
Procurador: Marina Câmara Albuquerque e outro(s)
Recorrido: Estado de Santa Catarina
Procurador: Carlos Alberto Prestes e outro(s)
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO
543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A
LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO
ANTECIPADO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO
CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL.
ARTIGO 173, I, DO CTN. APLICAÇÃO CUMULATIVA DOS
PRAZOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 150, § 4º, e 173, do CTN.
IMPOSSIBILIDADE.
1. O prazo decadencial qüinqüenal para o Fisco constituir o
crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia
do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido
efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da
exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem
a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo
declaração prévia do débito (Precedentes da Primeira Seção: REsp
766.050/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 28.11.2007, DJ
25.02.2008; AgRg nos EREsp 216.758/SP, Rel. Ministro Teori Albino
Zavascki, julgado em 22.03.2006, DJ 10.04.2006; e EREsp 276.142/
SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 13.12.2004, DJ 28.02.2005).
2. É que a decadência ou caducidade, no âmbito do Direito
Tributário, importa no perecimento do direito potestativo de o Fisco
constituir o crédito tributário pelo lançamento, e, consoante doutrina
abalizada, encontra-se regulada por cinco regras jurídicas gerais e
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
480
abstratas, entre as quais fi gura a regra da decadência do direito de
lançar nos casos de tributos sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos
casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que
o contribuinte não efetua o pagamento antecipado (Eurico Marcos
Diniz de Santi, “Decadência e Prescrição no Direito Tributário”, 3ª
ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 163/210).
3. O dies a quo do prazo qüinqüenal da aludida regra decadencial
rege-se pelo disposto no artigo 173, I, do CTN, sendo certo que o
“primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia
ter sido efetuado” corresponde, iniludivelmente, ao primeiro dia do
exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, ainda que se trate
de tributos sujeitos a lançamento por homologação, revelando-se
inadmissível a aplicação cumulativa/concorrente dos prazos previstos
nos artigos 150, § 4º, e 173, do Codex Tributário, ante a confi guração
de desarrazoado prazo decadencial decenal (Alberto Xavier, “Do
Lançamento no Direito Tributário Brasileiro”, 3ª ed., Ed. Forense, Rio
de Janeiro, 2005, págs. 91/104; Luciano Amaro, “Direito Tributário
Brasileiro”, 10ª ed., Ed. Saraiva, 2004, págs. 396/400; e Eurico Marcos
Diniz de Santi, “Decadência e Prescrição no Direito Tributário”, 3ª
ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 183/199).
5. In casu, consoante assente na origem: (i) cuida-se de tributo
sujeito a lançamento por homologação; (ii) a obrigação ex lege de
pagamento antecipado das contribuições previdenciárias não restou
adimplida pelo contribuinte, no que concerne aos fatos imponíveis
ocorridos no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1994; e (iii) a
constituição dos créditos tributários respectivos deu-se em 26.03.2001.
6. Destarte, revelam-se caducos os créditos tributários executados,
tendo em vista o decurso do prazo decadencial qüinqüenal para que o
Fisco efetuasse o lançamento de ofício substitutivo.
7. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do
artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Seção
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 475-490, novembro 2017 481
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira,
Denise Arruda, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell
Marques, Benedito Gonçalves, Eliana Calmon e Francisco Falcão votaram com
o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 12 de agosto de 2009 (data do julgamento).
Ministro Luiz Fux, Relator
DJe 18.9.2009
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de recurso especial interposto pelo
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, com fulcro nas alíneas
“a” e “c”, do permissivo constitucional, no intuito de ver reformado acórdão
proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cuja ementa restou
assim transcrita:
“EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. LEGITIMIDADE RECURSAL. CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
1. Consoante já decidiu esta Corte e o STJ, o advogado não tem legitimidade para
recorrer no processo de conhecimento quanto aos honorários advocatícios. Assim,
correta a interposição do recurso pela empresa embargante.
2. Corte já reconheceu a inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91.
3. As normas dos artigos 150, § 4º e 173 do CTN não são de aplicação cumulativa
ou concorrente.
4. Decorridos mais de cinco anos entre a data do fato gerador mais recente e a
notifi cação fi scal, impõe-se o reconhecimento da decadência.
5. Honorários advocatícios majorados para 10% do valor atribuído à causa, em
consonância com o disposto no art. 20, § 4º, do CPC e com os precedentes desta
Turma.”
Noticiam os autos que o ESTADO DE SANTA CATARINA ofereceu
embargos à execução fiscal intentada pelo INSTITUTO NACIONAL
DO SEGURO SOCIAL - INSS, que objetiva a cobrança de contribuições
previdenciárias. Na inicial, o embargante, ora recorrido, aduziu a nulidade
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
482
da CDA (por ausência dos requisitos legais), o cerceamento de defesa
(considerando que a notifi cação fi scal não apresentou os nomes dos servidores
sobre cujas remunerações estão sendo exigidas as contribuições previdenciárias),
bem como a decadência dos créditos executados.
Sobreveio sentença que julgou extinto o processo, por força do artigo
269, IV, do CPC, reconhecendo a decadência dos créditos executados. O Juízo
Singular, afastando o prazo decadencial decenal previsto no artigo 45, da Lei
8.212/91, considerou cabível a aplicação do prazo qüinqüenal previsto no artigo
173, do CTN. Na oportunidade, restou assente que:
“Na hipótese dos autos, o fato gerador mais remoto ocorreu em janeiro de 1991 e
o mais recente em dezembro de 1994, iniciando-se o prazo decadencial no primeiro
dia do exercício seguinte, ou seja, em 01/01/1992 e 01/01/1995, respectivamente.
Considerando que o lançamento se deu em 26/03/2001 e a inscrição foi efetuada
em 03/09/2003, constato que se passaram mais de cinco anos dos fatos geradores
compreendidos entre os anos de 1991 a 1994, confi gurando a decadência alegada.”
Em sede de apelação, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso
do INSS e à remessa ofi cial e deu provimento ao recurso do Estado de Santa
Catarina, nos termos da ementa anteriormente reproduzida.
Opostos embargos de declaração pelo INSS, acolhidos para
determinar a juntada de cópia da argüição de inconstitucionalidade no AI n.
2000.04.01.092228-3, cuja ementa transcreve-se:
“ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - CAPUT DO ART. 45, DA LEI 8.212/91.
É inconstitucional o caput do artigo 45, da Lei n. 8.212/91 que prevê o prazo de
10 anos para que a Seguridade Social apure e constitua seus créditos, por invadir
área reservada à lei complementar, vulnerando, dessa forma, o art. 146, III, b, da
Constituição Federal.”
Nas razões do especial, sustenta a autarquia previdenciária que o acórdão
hostilizado incorreu em violação dos artigos 150, § 4º, e 173, I, do CTN, uma
vez que:
“Nos termos do art. 150, § 4º, do CTN, o prazo para a homologação do
lançamento é de 5 (cinco) anos. Assim, como o prazo para a constituição do crédito
tributário se inicia no primeiro dia seguinte àquele em que o lançamento poderia
ter sido efetuado, o prazo de decadência, nos tributos sujeitos a lançamento por
homologação, inexistente o pagamento, é de 10 (dez) anos, e não de 5 (cinco), como
equivocadamente concluiu o Tribunal a quo.”
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 475-490, novembro 2017 483
Traz ainda aresto do STJ para confronto, no sentido de que:
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO
POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ART. 150, § 4º E 173, I, AMBOS
DO CTN.
1. No lançamento por homologação, o contribuinte, ou o responsável tributário,
deve realizar o pagamento antecipado do tributo, antes de qualquer procedimento
administrativo, fi cando a extinção do crédito condicionada à futura homologação
expressa ou tácita pela autoridade fiscal competente. Havendo pagamento
antecipado, o fisco dispõe do prazo decadencial de cinco anos, a contar do fato
gerador, para homologar o que foi pago ou lançar a diferença acaso existente (art.
150, § 4º do CTN).
2. Se não houve pagamento antecipado pelo contribuinte, não há o que
homologar nem se pode falar em lançamento por homologação. Surge a fi gura do
lançamento direto substitutivo, previsto no art. 149, V do CTN, cujo prazo decadencial
rege-se pela regra geral do art. 173, I do CTN.
3. Com o encerramento do prazo para homologação (art. 150, § 4º do CTN),
inicia-se a contagem do prazo previsto no art. 173, I do CTN. Inexistindo pagamento
antecipado, conclui-se ter o Fisco o prazo de 10 anos, após a ocorrência do fato
gerador, para constituir o crédito tributário.
4. Em síntese, o prazo decadencial para a Fazenda Pública constituir o crédito
tributário será: a) de cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele
em que o lançamento poderia ser efetuado, se o tributo sujeitar-se a lançamento
direto ou por declaração (regra geral do art. 173, I do CTN); b) de cinco anos a contar
da ocorrência do fato gerador no caso de lançamento por homologação em que há
pagamento antecipado pelo contribuinte (aplicação do art. 150, § 4º do CTN) e c) de
dez anos a contar do fato gerador nos casos de lançamento por homologação sem
que nenhum pagamento tenha sido realizado pelo sujeito passivo, oportunidade
em que surgirá a figura do lançamento direto substitutivo do lançamento por
homologação (aplicação cumulativa do art. 150, § 4º com o art. 173, I, ambos do CTN).
5. Precedentes da Primeira Seção e das duas Turmas de Direito Público.
6. Embargos de divergência providos.” (EREsp 466.779/PR, Rel. Ministro Castro
Meira, Primeira Seção, julgado em 08.06.2005, DJ 01.08.2005)
Às fls. 174/190, consta recurso extraordinário interposto pelo INSS,
admitido na origem.
O prazo para oferecimento de contra-razões ao recurso especial decorreu
in albis.
O recurso especial recebeu crivo positivo de admissibilidade na instância
ordinária.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
484
Em 18.05.2009, o recurso especial foi submetido ao regime previsto no
artigo 543-C, do CPC (recurso representativo de controvérsia), tendo sido
afetado à Primeira Seção.
O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do recurso
especial ou, no mérito, pelo seu desprovimento, nos termos da seguinte ementa:
“Processual Civil e Tributário. Embargos à Execução Fiscal. Contribuição
previdenciária. Recurso especial. Tributo sujeito a lançamento por homologação.
Ausência de pagamento antecipado. Direito à constituição do crédito. Prazo
decadencial. Qüinqüenal. Termo inicial. Primeiro dia do exercício fi nanceiro seguinte
àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Artigo 173, inciso I, do CTN.
Precedentes do STJ. Parecer pelo não conhecimento do recurso ou, no mérito, pelo seu
desprovimento.”
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Preliminarmente, impõe-se o
conhecimento do apelo, porquanto prequestionada a matéria federal ventilada.
A insurgência especial cinge-se à decadência do direito de o Fisco
constituir o crédito tributário atinente à contribuições previdenciárias cujos
fatos imponíveis ocorreram no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1994.
Deveras, a decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário,
importa no perecimento do direito potestativo de o Fisco constituir o crédito
tributário pelo lançamento, e, consoante doutrina abalizada, encontra-se
regulada por cinco regras jurídicas gerais e abstratas, entre as quais fi gura a regra
da decadência do direito de lançar nos casos de tributos sujeitos ao lançamento
de ofício, ou nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em
que o contribuinte não efetua o pagamento antecipado (Eurico Marcos Diniz
de Santi, “Decadência e Prescrição no Direito Tributário”, 3ª ed., Max Limonad,
São Paulo, 2004, págs. 163/210).
O dies a quo do prazo qüinqüenal da aludida regra decadencial rege-se pelo
disposto no artigo 173, I, do CTN, verbis:
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se
após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter
sido efetuado;
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 475-490, novembro 2017 485
II - da data em que se tornar defi nitiva a decisão que houver anulado, por vício
formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se defi nitivamente
com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada
a constituição do crédito tributário pela notifi cação, ao sujeito passivo, de qualquer
medida preparatória indispensável ao lançamento.”
Assim é que o prazo decadencial qüinqüenal para o Fisco constituir o
crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício
seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em
que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito
da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou
simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito.
No mesmo diapasão, destacam-se as ementas dos seguintes julgados
oriundos da Primeira Seção:
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. ALEGADA NULIDADE DO AUTO DE
INFRAÇÃO. VALIDADE DA CDA. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA
- ISS. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE NA LISTA DE
SERVIÇOS ANEXA AO DECRETO-LEI N. 406/68. ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE.
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
FAZENDA PÚBLICA VENCIDA. FIXAÇÃO. OBSERVAÇÃO AOS LIMITES DO § 3º DO
ART. 20 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 07 DO STJ. DECADÊNCIA
DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. INOCORRÊNCIA.
ARTIGO 173, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN.
(...)
8. O Código Tributário Nacional, ao dispor sobre a decadência, causa extintiva do
crédito tributário, assim estabelece em seu artigo 173:
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário
extingue-se após 5 (cinco) anos, contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento
poderia ter sido efetuado;
II - da data em que se tornar defi nitiva a decisão que houver anulado, por
vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se
defi nitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em
que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notifi cação, ao
sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
486
9. A decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário, importa no
perecimento do direito potestativo de o Fisco constituir o crédito tributário pelo
lançamento, e, consoante doutrina abalizada, encontra-se regulada por cinco
regras jurídicas gerais e abstratas, quais sejam: (i) regra da decadência do direito
de lançar nos casos de tributos sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos casos dos
tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que o contribuinte não efetua
o pagamento antecipado; (ii) regra da decadência do direito de lançar nos casos em
que notifi cado o contribuinte de medida preparatória do lançamento, em se tratando
de tributos sujeitos a lançamento de ofício ou de tributos sujeitos a lançamento por
homologação em que inocorre o pagamento antecipado; (iii) regra da decadência
do direito de lançar nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação
em que há parcial pagamento da exação devida; (iv) regra da decadência do direito
de lançar em que o pagamento antecipado se dá com fraude, dolo ou simulação,
ocorrendo notifi cação do contribuinte acerca de medida preparatória; e (v) regra
da decadência do direito de lançar perante anulação do lançamento anterior (In:
Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed.,
Max Limonad, págs. 163/210).
10. Nada obstante, as aludidas regras decadenciais apresentam prazo qüinqüenal
com dies a quo diversos.
11. Assim, conta-se do “do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o
lançamento poderia ter sido efetuado” (artigo 173, I, do CTN), o prazo qüinqüenal
para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício), quando não prevê
a lei o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o
mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte,
bem como inexistindo notifi cação de qualquer medida preparatória por parte do
Fisco. No particular, cumpre enfatizar que “o primeiro dia do exercício seguinte àquele
em que o lançamento poderia ter sido efetuado” corresponde, iniludivelmente, ao
primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, sendo inadmissível
a aplicação cumulativa dos prazos previstos nos artigos 150, § 4º, e 173, do CTN, em
se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação, a fi m de confi gurar
desarrazoado prazo decadencial decenal.
12. Por seu turno, nos casos em que inexiste dever de pagamento antecipado
(tributos sujeitos a lançamento de ofício) ou quando, existindo a aludida obrigação
(tributos sujeitos a lançamento por homologação), há omissão do contribuinte na
antecipação do pagamento, desde que inocorrentes quaisquer ilícitos (fraude, dolo
ou simulação), tendo sido, contudo, notifi cado de medida preparatória indispensável
ao lançamento, fl uindo o termo inicial do prazo decadencial da aludida notifi cação
(artigo 173, parágrafo único, do CTN), independentemente de ter sido a mesma
realizada antes ou depois de iniciado o prazo do inciso I, do artigo 173, do CTN.
13. Por outro lado, a decadência do direito de lançar do Fisco, em se tratando
de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento
antecipado inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha incorrido
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 475-490, novembro 2017 487
em fraude, dolo ou simulação, nem sido notifi cado pelo Fisco de quaisquer medidas
preparatórias, obedece a regra prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 150, do
Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fi xar prazo a homologação, será ele de
cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: “Neste caso, concorre a contagem
do prazo para o Fisco homologar expressamente o pagamento antecipado,
concomitantemente, com o prazo para o Fisco, no caso de não homologação,
empreender o correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo fi nal
desse período, consolidam-se simultaneamente a homologação tácita, a perda do
direito de homologar expressamente e, conseqüentemente, a impossibilidade jurídica
de lançar de ofício” (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos
Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad, pág. 170).
14. A notificação do ilícito tributário, medida indispensável para justificar a
realização do ulterior lançamento, afi gura-se como dies a quo do prazo decadencial
qüinqüenal, em havendo pagamento antecipado efetuado com fraude, dolo ou
simulação, regra que confi gura ampliação do lapso decadencial, in casu, reiniciado.
Entrementes, “transcorridos cinco anos sem que a autoridade administrativa se
pronuncie, produzindo a indigitada notifi cação formalizadora do ilícito, operar-se-á
ao mesmo tempo a decadência do direito de lançar de ofício, a decadência do direito
de constituir juridicamente o dolo, fraude ou simulação para os efeitos do art. 173,
parágrafo único, do CTN e a extinção do crédito tributário em razão da homologação
tácita do pagamento antecipado” (Eurico Marcos Diniz de Santi, in obra citada, pág.
171).
15. Por fi m, o artigo 173, II, do CTN, cuida da regra de decadência do direito de a
Fazenda Pública constituir o crédito tributário quando sobrevém decisão defi nitiva,
judicial ou administrativa, que anula o lançamento anteriormente efetuado, em
virtude da verifi cação de vício formal. Neste caso, o marco decadencial inicia-se da
data em que se tornar defi nitiva a aludida decisão anulatória.
16. In casu: (a) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação; (b) a
obrigação ex lege de pagamento antecipado do ISSQN pelo contribuinte não restou
adimplida, no que concerne aos fatos geradores ocorridos no período de dezembro
de 1993 a outubro de 1998, consoante apurado pela Fazenda Pública Municipal em
sede de procedimento administrativo fi scal; (c) a notifi cação do sujeito passivo da
lavratura do Termo de Início da Ação Fiscal, medida preparatória indispensável ao
lançamento direto substitutivo, deu-se em 27.11.1998; (d) a instituição fi nanceira
não efetuou o recolhimento por considerar intributáveis, pelo ISSQN, as atividades
apontadas pelo Fisco; e (e) a constituição do crédito tributário pertinente ocorreu em
01.09.1999.
17. Desta sorte, a regra decadencial aplicável ao caso concreto é a prevista no artigo
173, parágrafo único, do Codex Tributário, contando-se o prazo da data da notifi cação
de medida preparatória indispensável ao lançamento, o que sucedeu em 27.11.1998
(antes do transcurso de cinco anos da ocorrência dos fatos imponíveis apurados),
donde se dessume a higidez dos créditos tributários constituídos em 01.09.1999.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
488
18. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido.” (REsp 766.050/PR, Rel.
Ministro Luiz Fux, julgado em 28.11.2007, DJ 25.02.2008)
“TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR
HOMOLOGAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. TERMO
INICIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 173, I, E 150, § 4º, DO CTN.
1. O prazo decadencial para efetuar o lançamento do tributo é, em regra, o do
art. 173, I, do CTN, segundo o qual “o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito
tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício
seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”.
2. Todavia, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação — que,
segundo o art. 150 do CTN, “ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua
ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da
autoridade administrativa” e “opera-se pelo ato em que a referida autoridade,
tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente
a homologa” -, há regra específi ca. Relativamente a eles, ocorrendo o pagamento
antecipado por parte do contribuinte, o prazo decadencial para o lançamento de
eventuais diferenças é de cinco anos a contar do fato gerador, conforme estabelece o
§ 4º do art. 150 do CTN. Precedentes jurisprudenciais.
3. No caso concreto, o débito é referente à contribuição previdenciária, tributo
sujeito a lançamento por homologação, e não houve qualquer antecipação de
pagamento. É aplicável, portanto, conforme a orientação acima indicada, a regra do
art. 173, I, do CTN.
4. Agravo regimental a que se dá parcial provimento.” (AgRg nos EREsp 216.758/
SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 22.03.2006, DJ 10.04.2006)
“TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR
HOMOLOGAÇÃO. TERMO INICIAL.
1. O crédito tributário constitui-se, defi nitivamente, em cinco anos, porquanto
mesmo que o contribuinte exerça o pagamento antecipado ou a declaração de
débito, a Fazenda dispõe de um quinquênio para o lançamento, que pode se iniciar,
sponte sua, na forma do art. 173, I, mas que de toda sorte deve estar ultimado no
quinquênio do art. 150, § 4º.
2. A partir do referido momento, inicia-se o prazo prescricional de cinco anos para
a exigibilidade em juízo da exação, implicando na tese uniforme dos cinco anos,
acrescidos de mais cinco anos, a regular a decadência na constituição do crédito
tributário e a prescrição quanto à sua exigibilidade judicial.
3. Inexiste, assim, antinomia entre as normas do art. 173 e 150, § 4º do Código
Tributário Nacional.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 475-490, novembro 2017 489
4. Deveras, é assente na doutrina:
“a aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173, o que conduz a
adicionar o prazo do artigo 173 - cinco anos a contar do exercício seguinte
àquele em que o lançamento poderia ter sido praticado - com o prazo do artigo
150, § 4º - que defi ne o prazo em que o lançamento poderia ter sido praticado
como de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador. Desta
adição resulta que o dies a quo do prazo do artigo 173 é, nesta interpretação, o
primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do artigo 150,
§ 4º.
A solução é deplorável do ponto de vista dos direitos do cidadão porque
mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos, arraigado na tradição
jurídica brasileira como o limite tolerável da insegurança jurídica.
Ela é também juridicamente insustentável, pois as normas dos artigos
150, § 4º e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são
reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da
respectiva aplicação: o art. 150, § 4º aplica-se exclusivamente aos tributos ‘cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem
prévio exame da autoridade administrativa’; o art. 173, ao revés, aplica-se aos
tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento.
(...)
A ilogicidade da tese jurisprudencial no sentido da aplicação concorrente
dos artigos 150, § 4º e 173 resulta ainda evidente da circunstância de o § 4º
do art. 150 determinar que considera-se ‘defi nitivamente extinto o crédito’ no
término do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador. Qual
seria pois o sentido de acrescer a este prazo um novo prazo de decadência do
direito de lançar quando o lançamento já não poderá ser efetuado em razão
de já se encontrar ‘defi nitivamente extinto o crédito’? Verifi cada a morte do
crédito no fi nal do primeiro quinquênio, só por milagre poderia ocorrer sua
ressurreição no segundo.” (Alberto Xavier, Do Lançamento. Teoria Geral do Ato,
do Procedimento e do Processo Tributário, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, 2ª
Edição, p. 92 a 94).
5. Na hipótese, considerando-se a fluência do prazo decadencial a partir de
01.01.1991, não há como afastar-se a decadência decretada, já que a inscrição da
dívida se deu em 15.02.1996.
6. Embargos de Divergência rejeitados.” (EREsp 276.142/SP, Rel. Ministro Luiz Fux,
julgado em 13.12.2004, DJ 28.02.2005)
Outrossim, impende assinalar que o “primeiro dia do exercício seguinte àquele
em que o lançamento poderia ter sido efetuado” corresponde, iniludivelmente,
ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, ainda
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
490
que se trate de tributos sujeitos a lançamento por homologação, revelando-se
inadmissível a aplicação cumulativa/concorrente dos prazos previstos nos artigos
150, § 4º, e 173, do Codex Tributário, ante a confi guração de desarrazoado
prazo decadencial decenal (Alberto Xavier, “Do Lançamento no Direito
Tributário Brasileiro”, 3ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, págs. 91/104;
Luciano Amaro, “Direito Tributário Brasileiro”, 10ª ed., Ed. Saraiva, 2004, págs.
396/400; e Eurico Marcos Diniz de Santi, “Decadência e Prescrição no Direito
Tributário”, 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 183/199).
In casu, consoante assente na origem: (i) cuida-se de tributo sujeito a
lançamento por homologação; (ii) a obrigação ex lege de pagamento antecipado
das contribuições previdenciárias não restou adimplida pelo contribuinte, no
que concerne aos fatos imponíveis ocorridos no período de janeiro de 1991 a
dezembro de 1994; e (iii) a constituição dos créditos tributários respectivos deu-
se em 26.03.2001.
Destarte, revelam-se caducos os créditos tributários executados, tendo em
vista o decurso do prazo decadencial qüinqüenal para que o Fisco efetuasse o
lançamento de ofício substitutivo.
Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO
ESPECIAL.
Porquanto tratar-se de recurso representativo da controvérsia, sujeito ao
procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após
a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros
dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como
aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fi ns de cumprimento do disposto no
parágrafo 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5º, II, e 6º, da
Resolução 08/2008).
Súmula n. 556
SÚMULA N. 556
É indevida a incidência de imposto de renda sobre o valor da
complementação de aposentadoria pago por entidade de previdência privada
e em relação ao resgate de contribuições recolhidas para referidas entidades
patrocinadoras no período de 1º/1/1989 a 31/12/1995, em razão da isenção
concedida pelo art. 6º, VII, b, da Lei n. 7.713/1988, na redação anterior à que
lhe foi dada pela Lei n. 9.250/1995.
Referências:
CPC, art. 543-C.
CTN, art. 43.
Lei n. 7.713/1988, art. 6º, VII, b, na redação anterior à
Lei n. 9.250/1995, arts. 32 e 33.
Precedentes:
(*)REsp 1.012.903-RJ (1ª S, 08.10.2008 – DJe 13.10.2008)
(*)REsp 760.246-PR (1ª S, 10.12.2008 – DJe 19.12.2008) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg nos EREsp 983.617-DF (1ª S, 16.02.2009 – DJe 23.03.2009)
AgRg nos EREsp 984.518-DF (1ª S, 25.03.2009 – DJe 20.04.2009)
EAg 941.186-DF (1ª S, 13.05.2009 – DJe 25.05.2009)
Pet 3.363-RS (1ª S, 26.08.2009 – DJe 04.09.2009)
EREsp 1.022.315-DF (1ª S, 25.11.2009 – DJe 14.12.2009)
REsp 1.086.492-PR (1ª S, 13.10.2010 – DJe 26.10.2010)
AgRg no Ag 1.082.829-SP (1ª T, 24.03.2009 – DJe 1º.04.2009)
AgRg no AREsp 475.818-DF (1ª T, 07.04.2015 – DJe 13.04.2015)
AgRg no AREsp 202.075-CE (2ª T, 11.09.2012 – DJe 18.09.2012)
REsp 1.346.457-RS (2ª T, 18.12.2012 – DJe 08.02.2013)
REsp 1.278.598-SC (2ª T, 05.02.2013 – DJe 14.02.2013)
AgRg no REsp 1.337.770-CE (2ª T, 04.06.2013 – DJe 10.06.2013)
AgRg no REsp 1.247.388-DF (2ª T, 22.10.2013 – DJe 29.10.2013)
REsp 1.306.333-CE (2ª T, 07.08.2014 – DJe 19.08.2014)
AgRg nos
EDcl no AREsp 203.640-CE (2ª T, 21.10.2014 – DJe 27.11.2014)
(*) Recursos repetitivos.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 760.246-PR (2005/0100784-8)
Relator: Ministro Teori Albino Zavascki
Recorrente: Cláudio Massaru Shigueoka
Advogado: Luiz Murilo Klein
Recorrido: Fazenda Nacional
Procuradores: Luís Alberto Saavedra e outro(s)
Claudio Xavier Seefelder Filho
EMENTA
TRIBUTÁRIO. LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL DE
ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.
RATEIO DO PATRIMÔNIO. INCIDÊNCIA DE IMPOSTO
DE RENDA.
1. Pacifi cou-se a jurisprudência da 1ª Seção do STJ no sentido de
que, por força da isenção concedida pelo art. 6º, VII, b, da Lei 7.713/88,
na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei 9.250/95, é indevida
a cobrança de imposto de renda sobre o valor da complementação
de aposentadoria e o do resgate de contribuições correspondentes
a recolhimentos para entidade de previdência privada ocorridos
no período de 1º.01.1989 a 31.12.1995 (EREsp 643.691/DF, DJ
20.03.2006; EREsp 662.414/SC, DJ 13.08.2007; EREsp 500.148/
SE, DJ 01.10.2007; EREsp 501.163/SC, DJe 07.04.2008).
2. A quantia que couber por rateio a cada participante, superior
ao valor das respectivas contribuições, constitui acréscimo patrimonial
(CTN, art. 43) e, como tal, atrai a incidência de imposto de renda.
Precedentes (AgRg nos EREsp 433.937/AL, Min. José Delgado,
Primeira Seção, DJe 19/05/2008; AgRg nos EREsp 530.883/MG,
Min. Humberto Martins, Primeira Seção, DJ 16/10/2006).
3. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art.
543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
496
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Denise Arruda, Humberto Martins,
Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon e Francisco
Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.
Brasília (DF), 10 de dezembro de 2008 (data do julgamento).
Ministro Teori Albino Zavascki, Relator
DJe 19.12.2008
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki: Trata-se de recurso especial
interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional em
face de acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, em mandado de
segurança objetivando o reconhecimento da inexigibilidade do imposto de renda
sobre os valores recebidos pelo impetrante em razão de rateio do patrimônio de
entidade fechada de previdência privada em liquidação extrajudicial, deu parcial
provimento à apelação do ora recorrente — reformando, portanto, a sentença de
improcedência —, restando assim ementado:
“TRIBUTÁRIO. RESGATE DO PATRIMÔNIO DO FUNDO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.
LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. IRRF SOBRE CONTRIBUIÇÕES DOS PARTICIPANTES. LEI
N. 7.713/88. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA NO RESGATE. LEI N. 9.250/95.
MP N. 1.459/96.
1. A extinção da entidade de previdência obriga o participante a optar entre a
restituição do quinhão que lhe cabe no rateio do patrimônio ou a transferência para
outro plano de previdência complementar.
2. No resgate do valor total do fundo de pensão, decorrente da liquidação da
entidade, somente não incide imposto de renda sobre a parcela representativa e
proporcional ao montante das contribuições vertidas pelo contribuinte pessoa física
até a cessação do repasse das prestações ao fundo se na vigência da Lei n. 7.713/88.
3. Apelação parcialmente provida.” (fl s. 104).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 491-502, novembro 2017 497
No recurso especial, o recorrente aponta, além de divergência
jurisprudencial, negativa de vigência aos seguintes dispositivos: (a) art. 43
do CTN, pois (I) há que se afastar a tributação das quantias liberadas em
decorrência do rateio do patrimônio líquido do PARSE, em liquidação
extrajudicial e (II) “as importâncias disponibilizadas através do rateio do
patrimônio do (...) PARSE, ‘em liquidação extrajudicial’, somente poderão ser
tributadas se, efetivamente, constituírem o fato gerador do Imposto de Renda”
(fl s. 143) e (b) art. 6º, caput e VIII, da Lei 7.713/88, já que “na hipótese de rateio
do patrimônio líquido, por dissolução do fundo mútuo, apura-se o valor de cada
cotista e, simplesmente, entrega-se aos respectivos donos aquilo que já lhes
pertencia, sem que isso importe em qualquer acréscimo patrimonial” (fl s. 146).
Registra que (a) os valores disponibilizados pelo PARSE, “em liquidação, não
se referem ao resgate de suas contribuições - já resgatadas anteriormente - nem,
tampouco, constituem benefícios pagos por entidade de previdência privada,
mas simplesmente, ao rateio parcial do patrimônio daquele Instituto” (fl s. 137)
e (b) todas as contribuições vertidas são anteriores à Lei 9.250/95. Aduz que há
dissenso pretoriano a ser dirimido, trazendo como paradigmas julgados do STJ.
Requer, ao fi nal, que o impetrado se abstenha de exigir o imposto de renda e que
sejam liberados os valores depositados à ordem do Juízo, nos termos e para os
fi ns do art. 151, II, do CTN.
Em contra-razões, a recorrida anota que não restou realizado o cotejo
analítico necessário à demonstração do dissídio aludido e pugna pela inadmissão
do apelo especial em apreço ou pelo improvimento.
Submetido o recurso à sistemática do art. 543-C do CPC (fl. 178),
manifestou-se o Ministério Público Federal por seu não conhecimento (fl s.
194/201).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Teori Albino Zavascki (Relator): 1. Em caso análogo,
proferi voto nos autos do EREsp 380.011/RS, acolhido por unanimidade pela
Primeira Seção desta Corte (DJ de 02/05/2005), cujos fundamentos, por serem
adequados à hipótese dos autos, transcrevo:
“2. Importa determinar o regime de tributação do Imposto de Renda sobre os
valores percebidos pelos participantes dos planos de benefícios, em virtude da
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
498
liquidação extrajudicial de entidade de previdência privada fechada, atualmente
regulada pelos artigos 47 a 53 da Lei Complementar n. 109, de 29 de maio de 2001,
e antes submetida à disciplina dos arts. 63 a 74 da Lei 6.435/77. Para esse efeito, é
indispensável distinguir (a) o crédito correspondente ao valor da contribuição que
cada participante aportou à entidade em liquidação e (b) o crédito que exceder
ao referido valor. No que se refere ao primeiro, a quantia rateada ao participante
constitui forma de resgate de contribuições e como tal deve ser tratada juridicamente.
É diferente o tratamento jurídico no que se refere a eventuais rateios para pagamento
de outros créditos.
3. Relativamente à incidência do Imposto de Renda nos casos de resgate das
contribuições à entidade de previdência privada, ou de fruição do benefício, proferi
voto nos autos do REsp 585.093/BA (1ª Turma, D.J. de 30/08/2004), cujos termos
reproduzo por serem aplicáveis ao caso:
‘3. No mais, a complementação de aposentadoria e o resgate das
contribuições recolhidas para entidade de previdência privada no período de
1º.01.1989 a 31.12.1995 não constituíam renda tributável pelo IRPF, por força
da isenção concedida pelo art. 6º, VII, b, da Lei 7.713/88, na redação anterior à
que lhe foi dada pela Lei 9.250/95:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos
percebidos por pessoas físicas:
(omissis)
VII - os benefícios recebidos de entidades de previdência privada:
(omissis)
b) relativamente ao valor correspondente às contribuições cujo ônus
tenha sido do participante, desde que os rendimentos e ganhos de
capital produzidos pelo patrimônio da entidade tenham sido tributados
na fonte;
(omissis)
Com a edição da Lei 9.250/95, alterou-se a sistemática de incidência do IRPF,
passando as contribuições recolhidas a partir de 1º.01.1996 a ser tributadas no
momento do recebimento do benefício ou do resgate das contribuições, por
força do disposto no art. 33 da citada Lei, abaixo reproduzido:
Art. 33. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e
na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de entidade de
previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao
resgate de contribuições.
Visando a evitar o bis in idem, a Medida Provisória 1.943-52, de 21.05.1996
(reeditada sob o n. 2.159-70), determinou a exclusão da base de cálculo
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 491-502, novembro 2017 499
do imposto de renda do ‘valor do resgate de contribuições de previdência
privada, cujo ônus tenha sido da pessoa física, recebido por ocasião de seu
desligamento do plano de benefícios da entidade, que corresponder às
parcelas de contribuições efetuadas no período de 1º de janeiro de 1989 a 31 de
dezembro de 1995’ (art. 8º).
Da mesma forma, a jurisprudência do STJ (REsp n. 591.240/BA, Segunda
Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 21.06.2004; AgREsp n. 612.042/DF, Primeira
Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 14.06.2004) vem reconhecendo que também
os benefícios pagos pelas entidades de previdência privada estariam
sendo duplamente tributados pelo IRPF. Os valores recebidos a título de
complementação de aposentadoria são formados por recursos vertidos pelos
beneficiários – as contribuições – e por verbas empregadas pela entidade
patrocinadora. Sendo indefinido no tempo o valor futuro do benefício que
será pago, é, conseqüentemente, insuscetível de defi nição a proporção que
em relação a ele representam as contribuições recolhidas no passado, antes
referidas. É inviável, assim, identifi car, em cada parcela do benefício recebido,
os valores correspondentes à contribuição do segurado e aos aportes da
entidade patrocinadora.
No entanto, não se pode negar o fato de que as contribuições vertidas pelos
benefi ciários no período de vigência da Lei 7.713/88 – as quais, em alguma
proporção, integram o benefício devido – já foram tributadas pelo IRPF. Assim,
sob pena de incorrer-se em bis in idem, merece ser atendido o pedido de
declaração de inexigibilidade do referido imposto – mas apenas na proporção
do que foi pago a esse título por força da norma em questão. Em outros termos:
o imposto de renda incidente sobre os benefícios recebidos a partir de janeiro
de 1996 é indevido e deve ser repetido somente até o limite do que foi recolhido
pelo benefi ciário sob a égide da Lei 7.713/88’.
4. Por outro lado, o patrimônio das entidades fechadas de previdência privada
não é formado somente por contribuições de seus participantes, mas também por
quantias recolhidas pelo patrocinador/instituidor e por resultados superavitários
de suas operações. Assim, em caso de liquidação da entidade é possível que
o valor do rateio para os participantes seja superior às reservas constituídas por
suas contribuições. Ora, a parte que exceder ao total das contribuições constitui
acréscimo patrimonial, tal como conceituado pelo art. 43, II, do CTN, estando sujeito,
conseqüentemente, à incidência do imposto de renda. Sobre o tema, reporto-me ao
precedente julgado pela 2ª Turma (REsp 531.308/PR, DJ de 01.02.2005), relatora a
Ministra Eliana Calmon, em cujo voto fi cou assentado:
‘O art. 6º da Lei 7.713/88 permite que sejam excluídos da incidência do
Imposto de Renda os benefícios recebidos de entidades de previdência privada,
seja em decorrência de morte ou invalidez, seja em razão de ganhos de capital
produzidos pelo patrimônio da entidade – quando tributados esses ganhos na
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
500
fonte. Entretanto, nestes autos, temos para exame a questão da incidência do
imposto sobre os valores recebidos pelos participantes assistidos pelo PARSE
– INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL DO BANCO DE DESENVOLVIMENTO
DO PARANÁ em razão de sua liquidação extrajudicial. Com a extinção da
entidade, levou-se a rateio seu patrimônio, sem se questionar se tal patrimônio
era formado tão-somente de recursos próprios dos associados. Pleiteou-
se, no mandamus, não só a não-incidência do Imposto de Renda sobre as
parcelas devolvidas em restituição, como também a não-incidência sobre o
quinhão apurado na liquidação extrajudicial. Entendo que a incidência do
art. 43 do CTN ao caso concreto é clara, porque tudo o que for rateado e que
exceda as contribuições dos associados pode ser classifi cado como aquisição
da disponibilidade econômica. Em entendimento pretérito, manifestado no
julgamento do EREsp 76.499/CE, da Primeira Seção, relatado pelo Ministro
Humberto Gomes de Barros, o STJ decidiu a questão à luz da Lei 9.250/95,
concluindo pela não-incidência do imposto de renda sobre o total do rateio,
verbis:
‘TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - DISSOLUÇÃO DE ENTIDADE DE
PREVIDÊNCIA PRIVADA - RATEIO DO PATRIMÔNIO ENTRE QUOTISTAS -
NÃO INCIDÊNCIA.
- A entrega aos quotistas do valor de cada quinhão, apurado na
liquidação de fundo mútuo de previdência privada, não acarreta
acréscimo patrimonial. Por isto, não constitui fato gerador de imposto
de renda’.
(EREsp 76.499/CE, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Seção, por
maioria, julgado em 14/5/1997, DJ 23/6/1997)
Além dessa, foram julgadas na Turma questões idênticas sem que se fi zesse
distinção quanto à parte correspondente às contribuições dos associados
já tributadas na fonte durante a vigência da Lei 7.713/8. Nessa condução
anterior, estão os julgados no REsp 412.304/RS (Relator Ministro José Delgado,
1ª Turma, unânime, julgado em 15/8/2002, DJ 23/9/2002) e REsp 413.291/RS
(Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, unânime, julgado em 13/8/2002,
DJ 9/9/2002), que examinaram a querela apenas à luz do art. 43 do CTN, sem,
contudo, fazer o cotejo com o art. 6º da referida norma. Esse entendimento
que isentava da cobrança do imposto todo o quinhão recebido pelo associado
mereceu reforma por esta Turma, tendo em vista que é preciso enfocar a
situação de um patrimônio em liquidação de forma maleável, sem critérios
rígidos que pudessem levar, até mesmo, à circunstância absurda de virem a ser
rateadas verbas públicas, pois não se ignora que são constantemente injetados
nas entidades de previdência privada generosos subsídios das entidades
estatais que as mantêm. Já nessa nova linha de raciocínio, decidiu esta
Turma ao julgar o REsp 603.636/AL, em que também fi gurava como Relatora.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 491-502, novembro 2017 501
Com essas considerações, dou parcial provimento ao recurso especial para
excluir da incidência do imposto de renda somente a parte correspondente às
contribuições dos associados que já tenham sido tributadas na fonte durante a
vigência da Lei 7.713/88’.
5. Assim, sobre o montante restituído aos autores a título de rateio da entidade
de previdência privada, deve incidir o imposto de renda: (a) na parte que,
porventura, exceder ao valor total das contribuições realizadas pelo participante,
atualizadas monetariamente; e (b) na parcela relativa às contribuições (atualizadas
monetariamente) do participante no período anterior a 1º/01/1989 e posterior
1º/01/1996. Desse modo, incidirá o referido imposto sobre todos os valores que não
corresponderem às contribuições do participante realizadas no período de vigência
da Lei 7.713/88.”
2. Esse entendimento foi reiterado por diversas vezes na Primeira Seção:
“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
IMPOSTO DE RENDA. LIQUIDAÇÃO DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA.
RATEIO. NÃO-INCIDÊNCIA APENAS SOBRE A DEVOLUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES
RECOLHIDAS NA VIGÊNCIA DA LEI N. 7.713/88.
1. O posicionamento hodierno desta Corte Superior sobre a matéria
controvertida é no sentido de que na liquidação e no rateio de entidade de
previdência privada não incide o imposto de renda tão-somente sobre a
devolução das contribuições recolhidas durante a vigência da Lei 7.713/88,
estando sujeitas à incidência da exação aquelas efetuadas sob a égide da Lei
9.250/95. Aresto embargado em consonância com esse entendimento.
2. Deve ser mantida a decisão agravada que negou seguimento aos embargos
de divergência que apontavam como dissidentes paradigmas com similar
conclusão jurídica que a do aresto embargado.
3. Agravo regimental não-provido. (AgRg nos EREsp 433.937/AL, Min. José
Delgado, Primeira Seção, DJe 19/05/2008)”
“TRIBUTÁRIO - LIQUIDAÇÃO DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA - RATEIO
DE PATRIMÔNIO - INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.
1. É pacífico o entendimento nesta Corte no sentido de que o fato de os
associados receberem as verbas representativas das cotas a que tinham direito
por motivo de liqüidação da entidade de previdência privada não dá ensejo
à incidência do imposto de renda sobre as parcelas relativas às contribuições,
efetuadas pelos próprios participantes e que já tiverem sido objeto de incidência
da exação no período de vigência da Lei n. 7.713/88 (de 1º.1.1989 a 31.12.1995).
2. A Lei n. 7.713/88 concedia isenção em relação aos resgates e recebimentos
da complementação de aposentadoria pelas entidades de previdência privada,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
502
contudo, com a edição da Lei n. 9.250/95 modifi cou-se essa sistemática, para fazer
incidir imposto de renda nas contribuições recolhidas a partir de janeiro de 1996,
a ser tributado no momento do recebimento do benefício.
Agravo regimental improvido. (AgRg nos EREsp 530.883/MG, Min. Humberto
Martins, Primeira Seção, DJ 16/10/2006)”
3. Pelas razões expostas, nego provimento ao recurso.
4. Considerando tratar-se de recurso submetido ao regime do art. 543-
C, determina-se a expedição de ofício, com cópia do acórdão, devidamente
publicado:
(a) aos Tribunais Regionais Federais (art. 6º da Resolução STJ 08/08), para
cumprimento do § 7º do art. 543-C do CPC;
(b) à Presidência do STJ, para os fi ns previstos no art. 5º, II da Resolução
STJ 08/08. É o voto.
Súmula n. 557
SÚMULA N. 557
A renda mensal inicial (RMI) alusiva ao benefício de aposentadoria por
invalidez precedido de auxílio-doença será apurada na forma do art. 36, § 7º, do
Decreto n. 3.048/1999, observando-se, porém, os critérios previstos no art. 29,
§ 5º, da Lei n. 8.213/1991, quando intercalados períodos de afastamento e de
atividade laboral.
Referências:
CPC, art. 543-C.
Lei n. 8.213/1991, art. 29, § 5º.
Dec. n. 3.048/1999, art. 36, § 7º.
Precedentes:
(*)REsp 1.410.433-MG (1ª S, 11.12.2013 – DJe 18.12.2013) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no AREsp 202.776-MG (1ª T, 11.12.2012 – DJe 04.02.2013)
REsp 1.338.239-MS (2ª T, 11.12.2012 – DJe 19.12.2012)
AgRg nos EDcl no
AgRg no REsp 1.372.501-MG (2ª T, 06.06.2013 – DJe 14.06.2013)
AgRg no AREsp 420.804-PR (2ª T, 10.12.2013 – DJe 16.12.2013)
(*) Recurso repetitivo.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.410.433-MG (2013/0345225-1)
Relator: Ministro Arnaldo Esteves Lima
Recorrente: João Pedro Garcia
Advogado: Sérgio Botrel Vilela
Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
Advogado: Procuradoria-Geral Federal - PGF
EMENTA
P R EV I D EN C I Á R I O. R E C U R S O E S P E C I A L
R E P R E S E N TAT I V O D A C O N T R O V É R S I A .
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE
TRANSFORMAÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REVISÃO DA
RMI. ART. 29, II E § 5º, DA LEI 8.213/91 ALTERADO PELA LEI
9.876/99. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA APURAÇÃO
DO VALOR INICIAL DOS BENEFÍCIOS. EXIGÊNCIA DE
SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO INTERCALADOS COM
PERÍODOS DE AFASTAMENTO POR INCAPACIDADE.
RECURSO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal são unânimes em reconhecer a legalidade da apuração
da renda mensal inicial – RMI dos benefícios de aposentadoria por
invalidez oriundos de auxílio-doença.
2. Nos termos do disposto nos arts. 29, II e § 5º, e 55, II, da Lei
8.213/91, o cômputo dos salários-de-benefício como salários-de-
contribuição somente será admissível se, no período básico de cálculo
– PBC, houver afastamento intercalado com atividade laborativa, em
que há recolhimento da contribuição previdenciária.
3. A aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de
auxílio-doença, sem retorno do segurado ao trabalho, será apurada
na forma estabelecida no art. 36, § 7º, do Decreto 3.048/99, segundo
o qual a renda mensal inicial - RMI da aposentadoria por invalidez
oriunda de transformação de auxílio-doença será de cem por cento do
salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
508
inicial do auxílio-doença, reajustado pelos mesmos índices de correção
dos benefícios em geral.
4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito ao regime do art.
543-C do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Og
Fernandes, Mauro Campbell Marques, Sérgio Kukina, Ari Pargendler e Eliana
Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin e,
ocasionalmente, o Sr. Ministro Benedito Gonçalves.
Compareceu à sessão, a Dra. Thirzzia Guimarães de Carvalho, pelo
recorrido.
Brasília (DF), 11 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Relator
DJe 18.12.2013
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima: Trata-se de recurso especial
manifestado por JOÃO PEDRO GARCIA com base no art. 105, III, “a” e “c”,
da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região assim ementado (fl . 151e):
PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ
RESULTANTE DE BENEFÍCIO ANTERIOR DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÁLCULO DA RMI.
ARTIGOS 61 E 44 DA LEI 8.213/91. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NA APURAÇÃO
DO VALOR INICIAL DOS BENEFÍCIOS.
1. Não há que se falar em nulidade da sentença, por cerceamento de defesa,
em face da prolação da sentença sem que fosse dada oportunidade ao réu de
apresentar suas razões fi nais, quando a questão em debate é unicamente de
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 503-515, novembro 2017 509
direito e viabiliza o julgamento antecipado da lide, na forma do art. 333, I, do CPC.
Preliminar rejeitada.
2. O autor é titular do benefício de aposentadoria por invalidez, concedido em
01/12/99, o qual é resultante da transformação do benefício anterior de auxílio-
doença que ele vinha percebendo, concedido em 27/09/99, em cujo cálculo
da renda mensal inicial foram consideradas as disposições da Lei 8.213/91, na
redação em vigor nas datas de concessão dos respectivos benefícios.
3. A Carta de Concessão/Memória de Cálculo revela que a renda mensal inicial
do benefício de auxílio-doença do autor foi calculada tomando por base a média
aritmética dos últimos 36 (trinta e seis) salários-de-contribuição anteriores ao
afastamento da atividade, em conformidade com o art. 29 da Lei 8.213/91, em sua
redação original, resultando no salário-de-benefício de R$ 512,92 (quinhentos e
doze reais e noventa e dois centavos), sobre o qual incidiu o coefi ciente de cálculo
de 91% (noventa e um por cento) previsto no art. 61 da Lei 8.213/91.
4. A Carta de Concessão/Memória de cálculo da aposentadoria por invalidez
do autor demonstra que a sua RMI foi fi xada com base no salário-de-benefício
do anterior de auxílio-doença, devidamente atualizado, com a elevação do
coefi ciente de cálculo para o percentual de 100% (cem por cento), conforme
previsto na legislação de regência.
5. A regra de cálculo estabelecida no art. 29, § 5º, da Lei 8.213/91, somente
se aplica se o segurado tiver períodos intercalados de gozo de auxílio-doença
com períodos posteriores de atividade laborativa, com o recolhimento das
contribuições correspondentes, antes da concessão da aposentadoria por
invalidez, consoante jurisprudência do e. STJ.
6. A prova dos autos revela que não houve ilegalidade na apuração da RMI dos
benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez do autor, uma vez
que foram observadas as disposições da legislação então em vigor.
7. Apelação e remessa ofi cial, tida por interposta, providas.
Em suas razões de mérito, o recorrente aponta negativa de vigência ao art.
29, II e § 5º, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.876/99, na medida
em que o Tribunal Regional reformou a sentença para julgar improcedente
a pretensão de revisar sua aposentadoria por invalidez com base nas média
aritmética dos maiores salários-de-contribuição.
Aponta, ainda, dissídio jurisprudencial, no qual afi rma ser equivocada
a interpretação adotada pela Corte de origem, pois a lei não faz exceção na
apuração da renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez que advém da
conversão de auxílio-doença.
Dessa forma, aduz, quando a aposentadoria por invalidez é precedida de
auxílio-doença, a lei de regência determina um novo cálculo, segundo o qual
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
510
devem ser computados, como salário-de-contribuição, os salários-de-benefício
que serviram de base para o auxílio-doença.
Contrarrazões às fl s. 177/184e.
Em juízo de admissibilidade, o Vice-Presidente do Tribunal de origem,
após determinar o sobrestamento do presente feito para aguardar o julgamento
do REsp 1.114.562/MG (fl. 186e), reviu sua decisão, tendo em vista o
cancelamento da afetação do referido recurso em 19/3/12 pelo eminente Min.
JORGE MUSSI.
Dessa forma, em substituição, encaminhou a esta Corte o presente recurso
especial, tendo em vista a multiplicidade de feitos com fundamento na mesma
questão de direito, na forma do § 1º do art. 543-C, com a redação determinada
pela Lei 11.672/08, e no art. 1º da Resolução 8/08 do Superior Tribunal de
Justiça (fl s. 190/192e). Em decisão de fl s. 201/202e, admiti o presente recurso
pelo rito dos recursos repetitivos a fi m de analisar a controvérsia.
O Ministério Público, por meio de parecer exarado pela Subprocuradora-
Geral da República DARCY SANTANA VITOBELLO, opinou pelo
conhecimento parcial do recurso e, nessa extensão, pelo não provimento, em
parecer assim ementado (fl . 208e):
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO-DOENÇA. CÁLCULO
DA RENDA MENSAL INICIAL - RMI. DISSÍDIO PRETORIANO. FALTA DE COTEJO
ANALÍTICO. AUSÊNCIA DE PERÍODO INTERCALADO DE CONTRIBUIÇÃO. ART.
29, § 5º, DA LEI 8.213/91. NÃO INCLUSÃO DO SALÁRIO-DE-BENEFÍCIO. PELO
CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO E, NESSA EXTENSÃO, PELO NÃO
PROVIMENTO.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Arnaldo Esteves Lima (Relator): A irresignação não
merece acolhimento.
Trata-se de ação previdenciária, na qual o segurado, aposentado por
invalidez, postula a revisão de seu benefício a fi m de que seja recalculado
com base nos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a oitenta por
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 503-515, novembro 2017 511
cento de todo o período contributivo, de acordo com o art. 29, II e § 5º, da
Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 9.876/99, do seguinte teor (grifos
nossos):
Art. 29. O salário-de-benefício consiste:
[...]
II - para os benefícios de que tratam as alíneas a, d, e e h do inciso I do art. 18,
na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes
a oitenta por cento de todo o período contributivo. (Incluído pela Lei n. 9.876, de
26.11.99)
[...]
§ 5º Se, no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios
por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário-de-
contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da
renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral,
não podendo ser inferior ao valor de 1 (um) salário mínimo.
Em primeiro grau, o pedido inicial foi julgado parcialmente procedente a
fi m de determinar a revisão do salário-de-benefício de acordo com as alterações
introduzidas pela Lei 9.876/99.
Em sede de apelação, contudo, o TRF da 1ª Região reformou a sentença,
por consignar que não houve ilegalidade na apuração do primitivo benefício
de auxílio-doença do autor. E, como a aposentadoria foi resultante da
transformação do benefício anterior, sem retorno do segurado às atividades, não
houve salário-de-contribuição no período. Por conseguinte, não seria aplicável,
na espécie, a regra de cálculo prevista no § 5º do art. 29 da Lei de Benefícios.
Diante desse contexto fático, observo que a jurisprudência desta Corte tem
se fi rmado no mesmo sentido adotado pelo Tribunal de origem.
Ora, a lei previdenciária dispõe que, na apuração do valor correspondente
ao auxílio-doença, o benefício consistirá numa renda mensal correspondente
a 91% (noventa e um por cento) do salário-de-benefício (art. 61). Outrossim,
a aposentadoria por invalidez, inclusive a decorrente de acidente do trabalho,
consistirá numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do
salário-de-benefício (art. 44).
A teor do disposto no art. 55, caput e II, da Lei 8.213/91, o tempo de
serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, o qual admite,
inclusive, aquele tempo intercalado em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria
por invalidez.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
512
No entanto, o Decreto 3.048/99, que regulamenta a Lei de Benefícios, ao
disciplinar a Renda Mensal do Benefício, estabelece no art. 36, § 7º, que a renda
mensal inicial - RMI da aposentadoria por invalidez oriunda de transformação
de auxílio-doença será acrescido de 9% (nove por cento), chegando a 100% (cem
por cento) do salário-de-benefício apurado no cálculo do benefício original
(auxílio-doença), verbis:
§ 7º A renda mensal inicial da aposentadoria por invalidez concedida por
transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que
serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio-doença, reajustado
pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral (grifo nosso)
No caso concreto, narram os autos que o recorrente obteve auxílio-doença
em 29/7/99, sem retorno ao trabalho, o que lhe gerou a transformação do
benefício em aposentadoria por invalidez em 1º/12/99 (fl s. 17/19e). Ou seja, não
houve afastamento intercalado com períodos de contribuição, motivo pelo qual
descabe aplicar o § 5º do art. 29 da Lei 8.213/91 no cálculo de seu benefício.
De outra parte, conforme aduziu o Tribunal Regional, a apuração da RMI
do auxílio-doença observou a legislação de regência, segundo a qual o salário-
de-benefício consistia na média aritmética simples de todos os últimos salários-
de-contribuição dos meses imediatamente anteriores ao do afastamento da
atividade ou da data da entrada do requerimento, até o máximo de 36 (trinta e
seis), apurados em período não superior a 48 (quarenta e oito) meses.
Em resumo, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, quanto
à forma de cálculo da aposentadoria por invalidez oriunda da conversão do
auxílio-doença, somente admite o cômputo dos salários-de-benefício como
salários-de-contribuição, nos termos do art. 29, II e § 5º, da Lei 8.213/91,
com a redação dada pela Lei 9.876/99, se, no período básico de cálculo, houver
contribuições intercaladas com os afastamentos ocorridos por motivo de
incapacidade, o que, in casu, não ocorreu.
Cito, ilustrativamente:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFICIÁRIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ,
ORIGINADA DE AUXÍLIO-DOENÇA. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 29, § 5º, DA LEI
N. 8.213/91. REVISÃO DE BENEFÍCIO. SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO. INCLUSÃO DO
IRSM DE FEVEREIRO DE 1994. PERCENTUAL DE 39,67%. APLICÁVEL.
1. Verifi ca-se que o acórdão embargado deixou claro que na atualização dos
salários-de-contribuição de benefi cio concedido após março de 1994, ou seja,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 503-515, novembro 2017 513
no mesmo período alegado em recurso especial, deve ser incluído o IRSM de
fevereiro do mesmo ano, no percentual de 39,67%, antes da conversão em URV,
sob pena de violação do art. 21, § 1º, da Lei 8.880/94. Assim, neste aspecto, não
merece reparos o acórdão embargado.
2. Com relação ao artigo 29, § 5º da Lei 8.213/91, o acórdão embargado foi claro
ao afi rmar sua inaplicabilidade para o caso dos autos, em que não houve períodos
intercalados entre afastamento da atividade e retorno ao trabalho durante o período
básico de cálculo, nos exatos termos da pretensão recursal. Logo, o recurso especial
merece parcial provimento, a fi m de reconhecer a não aplicação do artigo 29, § 5º da
Lei 8.213/91 à hipótese dos autos.
Embargos de declaração acolhidos em parte, com efeitos infringentes, para
conhecer do recurso especial e dar-lhe parcial provimento. (EDcl no AgRg no
REsp 1.372.501/MG, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 9/10/13,
grifos nossos)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO VALOR DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA.
RENDA MENSAL INICIAL. CORREÇÃO DO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. IRSM
DE FEVEREIRO DE 1994. ÍNDICE DE 39,67%. SEGURADO BENEFICIÁRIO DE
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, ORIGINADA DE AUXÍLIO-DOENÇA E A ELE
IMEDIATAMENTE SUBSEQÜENTE.
1. De acordo com a redação original do art. 29 da Lei 8.213/91, vigente na
data da concessão do benefício, o salário-de-benefício do auxílio-doença será
calculado utilizando-se a média aritmética simples dos últimos salários-de-
contribuição anteriores ao afastamento da atividade ou da data da entrada do
requerimento.
2. Na hipótese dos autos, o afastamento da atividade pelo segurado ocorreu
quando da concessão do auxílio-doença, motivo pelo qual a Renda Mensal Inicial
da aposentadoria por invalidez será calculada com base no salário-de-benefício
do auxílio-doença, que, por sua vez, é calculado utilizando-se os salários-de-
contribuição anteriores ao seu recebimento.
3. Incide, nesse caso, o art. 36, § 7º do Decreto 3.048/99, que determina que o
salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez será de 100% do valor do salário-
de-benefício do auxílio-doença anteriormente recebido, reajustado pelos índices de
correção dos benefícios previdenciários.
4. Cumpre esclarecer que, nos termos do art. 55, II da Lei 8.213/91, somente
se admite a contagem do tempo de gozo de benefício por incapacidade quando
intercalado com período de atividade e, portanto, contributivo. Assim, nessa
situação, haveria possibilidade de se efetuar novo cálculo para o benefício de
aposentadoria por invalidez, incidindo o disposto no art. 29, § 5º da Lei 8.213/91,
que determina que os salários-de-benefícios pagos a título de auxílio-doença
sejam considerados como salário-de-contribuição, para defi nir o valor da Renda
Mensal Inicial da aposentadoria.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
514
5. A jurisprudência do STJ já pacifi cou o entendimento de que na atualização
dos salários-de-contribuição dos benefícios em manutenção é aplicável a variação
integral do IRSM nos meses de janeiro e fevereiro de 1994, no percentual de
39,67% (art. 21, § 1º da Lei 8.880/94) (EREsp. 226.777/SC, 3S, Rel. Min. HAMILTON
CARVALHIDO, DJU 26.03.2001).
6. No caso, tendo o auxílio-doença sido concedido em 10.04.1992, foram
utilizados para o cálculo do salário-de-benefício os salários-de-contribuição
anteriores a essa data, o que, por óbvio, não abrangeu a competência de fevereiro
de 1994 no período básico do cálculo, motivo pelo qual o segurado não faz jus à
pleiteada revisão prevista na MP 201/2004.
7. Dessa forma, merece reforma o acórdão recorrido que, considerando que a
aposentadoria por invalidez acidentária foi concedida em 17.05.1994, determinou
a correção monetária do salário-de-contribuição do mês de fevereiro de 1994
pelo IRSM integral, no percentual de 39,67%.
8. Recurso Especial do INSS provido. (REsp 1.016.678/RS, Rel. Min. NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, DJe 26/5/08, grifos nossos)
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. SIMILITUDE FÁTICA.
INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE TRATA DA HIPÓTESE DE APLICAÇÃO
DO IRSM DE FEVEREIRO DE 1994. ACÓRDÃO PARADIGMA QUE TRATA
DA APLICABILIDADE DO ART. 58 DO ADCT. CÁLCULO DA RENDA INICIAL DE
BENEFÍCIO APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDO DE AUXÍLIO-DOENÇA.
AUSÊNCIA DE ATIVIDADE LABORATIVA DURANTE O PERÍODO DE AFASTAMENTO.
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO ART. 29, § 5º DA LEI 8.213/91. RENDA
MENSAL DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ CALCULADA DE ACORDO COM
O DISPOSTO NO ART. 37, § 7º DO DECRETO 3.048/99. AGRAVO REGIMENTAL AO
QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. Tratando o acórdão recorrido da hipótese de aplicação do art. 58 do ADCT e
o acórdão paradigma, da aplicação do IRSM de fevereiro de 1994, não há falar em
similitude fática entre os julgados.
2. Inexistindo similitude fática entre os julgados apontados como divergentes,
inviável o conhecimento dos embargos de divergência.
3. No caso de benefício de aposentadoria por invalidez precedido de auxílio-
doença, a renda mensal inicial será calculada de acordo com o disposto no art. 36, §
7º do Decreto 3.048/99. Somente quando o período de afastamento for intercalado
com períodos de atividade laborativa, será possível a aplicação do art. 29, § 5º da Lei
8.213/91. Precedentes.
4. Agravo regimental ao qual se nega provimento. (AgRg nos EREsp 909.274/
MG, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (Des. Conv. TJ/PE), Terceira Seção,
DJe 19/6/13, grifos nossos)
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 503-515, novembro 2017 515
O mesmo entendimento já foi assentado pelo Plenário do Supremo
Tribunal Federal como se vê do seguinte aresto, proferido com repercussão geral:
Ementa: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL. CARÁTER CONTRIBUTIVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-
DOENÇA. COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. LIMITES.
1. O caráter contributivo do regime geral da previdência social (caput do art.
201 da CF) a princípio impede a contagem de tempo fi cto de contribuição.
2. O § 5º do art. 29 da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social
– LBPS) é exceção razoável à regra proibitiva de tempo de contribuição fi cto com
apoio no inciso II do art. 55 da mesma Lei. E é aplicável somente às situações em
que a aposentadoria por invalidez seja precedida do recebimento de auxílio-doença
durante período de afastamento intercalado com atividade laborativa, em que
há recolhimento da contribuição previdenciária. Entendimento, esse, que não foi
modifi cado pela Lei n. 9.876/99.
3. O § 7º do art. 36 do Decreto n. 3.048/1999 não ultrapassou os limites da
competência regulamentar porque apenas explicitou a adequada interpretação do
inciso II e do § 5º do art. 29 em combinação com o inciso II do art. 55 e com os arts. 44
e 61, todos da Lei n. 8.213/1991.
4. A extensão de efeitos fi nanceiros de lei nova a benefício previdenciário
anterior à respectiva vigência ofende tanto o inciso XXXVI do art. 5º quanto o § 5º
do art. 195 da Constituição Federal. Precedentes: REs 416.827 e 415.454, ambos da
relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
5. Recurso extraordinário com repercussão geral a que se dá provimento.
(RE 583.834, Rel. Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, DJe de 13/2/12, publicado
14/2/12, grifos nossos)
Assim, a aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-
doença, sem retorno do segurado ao trabalho, será apurada na forma estabelecida
no art. 36, § 7º, do Decreto 3.048/99, segundo o qual a renda mensal inicial
- RMI da aposentadoria por invalidez oriunda de transformação de auxílio-
doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para
o cálculo da renda mensal inicial do auxílio-doença, reajustado pelos mesmos
índices de correção dos benefícios em geral.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É como voto. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de
Processo Civil.
Súmula n. 558
SÚMULA N. 558
Em ações de execução fi scal, a petição inicial não pode ser indeferida sob o
argumento da falta de indicação do CPF e/ou RG ou CNPJ da parte executada.
Referências:
CPC, art. 282, II, e 543-C.
Lei n. 6.830/1980, art. 6º.
Lei n. 11.419/2006, art. 15.
Precedentes:
(*)REsp 1.450.819-AM (1ª S, 12.11.2014 – DJe 12.12.2014) – acórdão
publicado na íntegra
(*)REsp 1.455.091-AM (1ª S, 12.11.2014 – DJe 02.02.2015)
(*) Recursos repetitivos.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.450.819-AM (2014/0093756-1)
Relator: Ministro Sérgio Kukina
Recorrente: Município de Manaus
Procurador: Deniel Rodrigo Benevides de Queiroz e outro(s)
Recorrido: José Ribeiro de Souza
Advogado: Sem representação nos autos
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO
ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS REPETITIVOS
(ART. 543-C DO CPC). DISSÍDIO PRETORIANO NÃO
CARACTERIZADO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL DECLARATÓRIA NÃO EVIDENCIADA.
INCOMPETÊNCIA DO STJ PARA REVISÃO DE MATÉRIA
CONSTITUCIONAL NA VIA RECURSAL ESPECIAL.
EXECUÇÃO FISCAL. EXIGÊNCIA DE INDICAÇÃO
DO CPF/RG DO EXECUTADO NA PETIÇÃO INICIAL.
DESNECESSIDADE. REQUISITOS NÃO PREVISTOS NA
LEI N. 6.830/80 (LEI DE EXECUÇÃO FISCAL). PREVISÃO
EXISTENTE NA LEI N. 11.419/06 (LEI DE INFORMATIZAÇÃO
DO PROCESSO JUDICIAL). PREVALÊNCIA DA LEI
ESPECIAL (LEI N. 6.830/80). NOME E ENDEREÇO DO
EXECUTADO SUFICIENTES À REALIZAÇÃO DO ATO
CITATÓRIO. FIXAÇÃO DA TESE, EM REPETITIVO, DA
DISPENSABILIDADE DA INDICAÇÃO DO CPF E/OU RG DO
DEVEDOR (PESSOA FÍSICA) NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO
FISCAL. RECURSO DO FISCO PROVIDO.
1. Conhece-se do especial apenas pelo autorizativo da letra “a”,
vez que a invocada divergência jurisprudencial não restou evidenciada.
Não se presta o especial, ademais, para revisar alegado maltrato a
regramento constitucional.
2. O tribunal de origem prestou a jurisdição de forma completa,
não se descortinando, por isso, a aventada ofensa ao art. 535 do CPC.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
522
3. Nas instâncias ordinárias, decidiu-se pelo indeferimento da
petição inicial de ação de execução fi scal movida pelo município de
Manaus-AM, sob o argumento da falta de indicação, pelo exequente,
do número do CPF da pessoa física executada.
4. Tal exigência, contudo, não se acha prevista na legislação
especial que rege o procedimento executivo fi scal, a saber, a Lei n.
6.830/80, cujo art. 6º, ao elencar os requisitos da petição inicial, não
prevê o fornecimento do CPF da parte executada, providência, diga-
se, também não contemplada no art. 282, II, do CPC.
5. A previsão de que a petição inicial de qualquer ação judicial
contenha o CPF ou o CNPJ do réu encontra suporte, unicamente,
no art. 15 da Lei n. 11.419/06, que disciplina a informatização dos
processos judiciais, cuidando-se, nessa perspectiva, de norma de
caráter geral.
6. Portanto, e sem que se esteja a questionar a utilidade da
indicação do CPF da pessoa física executada já na peça inaugural, certo
é que não se pode cogitar de seu indeferimento com base em exigência
não consignada na legislação específi ca (Lei n. 6.830/80-LEF), tanto
mais quando o nome e endereço da parte executada, trazidos com a
inicial, possibilitem, em tese, a efetivação do ato citatório.
7. Em caso assemelhado, também decidido em sede de repetitivo,
a 1ª Seção do STJ concluiu por afastar a exigência de que a exordial da
execução se fi zesse acompanhar, também, da planilha discriminativa
de cálculos, isto porque “A petição inicial da execução fi scal apresenta seus
requisitos essenciais próprios e especiais que não podem ser exacerbados a
pretexto da aplicação do Código de Processo Civil, o qual, por conviver com
a lex specialis, somente se aplica subsidiariamente” (REsp 1.138.202/ES,
Rel. Min. Luiz Fux, DJe 01/02/2010).
8. Outrossim, a existência de atos normativos do Conselho
Nacional de Justiça (Resoluções 46/07 e 121/10) e de verbete do
Tribunal local (Súmula 02/TJAM), prevendo a indicação do CPF/
CNPJ dos litigantes já no pórtico das ações em geral, não se prestam,
só por si, a legitimar o indeferimento da petição inicial em ações de
execução fi scal, sem prejuízo da vinda desses dados cadastrais em
momento posterior.
9. Tese fi xada para os fi ns do art. 543-C do CPC: “Em ações de
execução fi scal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 517-536, novembro 2017 523
de indicação do CPF e/ou RG da parte executada (pessoa física), visto
tratar-se de requisito não previsto no art. 6º da Lei n. 6.830/80 (LEF),
cujo diploma, por sua especialidade, ostenta primazia sobre a legislação de
cunho geral, como ocorre frente à exigência contida no art. 15 da Lei n.
11.419/06”.
10. Recurso especial do fi sco municipal parcialmente conhecido
e, nessa extensão, provido para, no caso concreto, determinar-se o
regular prosseguimento da execução fi scal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencido o Sr.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, conhecer parcialmente do recurso
especial e, nessa extensão, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. As Sras. Ministras Regina Helena Costa, Marga Tessler
( Juíza Federal convocada do TRF 4ª Região) e os Srs. Ministros Og Fernandes,
Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Assusete Magalhães votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin.
Sustentou, oralmente, o Dr. Ivson Coelho e Silva, pelo recorrente.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2014 (data do julgamento).
Ministro Sérgio Kukina, Relator
DJe 12.12.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Sérgio Kukina: Trata-se de recurso especial manejado pelo
Município de Manaus com fundamento no art. 105, III, a e c, da CF, contra
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Amazonas, assim
ementado (fl . 29):
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO FISCAL. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA.
AUSÊNCIA DE QUALIFICAÇÃO DO EXECUTADO NA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA.
POSSIBILIDADE DE EMENDA. EXTINÇÃO MANTIDA.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Embora a petição inicial das ações de execução fi scal não precise observar todos
os requisitos elencados no art. 282 do Código de Processo Civil, é imprescindível que
haja a correta qualifi cação do executado, a fi m de que se possa atribuir os efeitos da
sentença à pessoa certa e determinada.
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
Recurso conhecido, mas não provido.
Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados, nos termos do acórdão
de fl s. 57/62. Nessa ocasião, consignou-se que, “de acordo com o entendimento
sedimentado no Pleno deste Egrégio Tribunal de Justiça no Incidente de Uniformização
de Jurisprudência 0001166-31.2013, a indicação do CNPJ da empresa ou do CPF e
RG do demandado, constituem informações primordiais que devem constar do texto
da petição inicial, sob pena de indeferimento, consoante inteligência do art. 15 da Lei
11.419/2006, do art. 6º, § 1º, da Resolução n. 46/2007 - CNJ e do art. 4º, inciso III,
da Resolução 121/2010-CNJ” (fl . 60).
Em suas razões recursais, a parte recorrente aponta violação dos arts. 282,
II, 284 e 535 do CPC; 2º, § 5º, 6º, § 1º, e 40 da Lei 6.830/80. Sustenta que: (I)
o acórdão recorrido foi omisso, pois, mesmo após a oposição dos embargos de
declaração, não houve manifestação sobre as alegações postas; (II) a exigência de
fornecimento do RG ou CPF do executado não encontra amparo legal, uma vez
que “na legislação aplicável às execuções fi scais, não se vislumbra qualquer exigência
quanto à indicação do número do RG, CPF ou CNPJ do devedor como requisito da
petição inicial” e “nem mesmo no Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente
à espécie, encontra-se qualquer exigência quanto à indicação do número do RG,
CPF e CNPJ do réu como requisito da petição inicial” (fl . 76). Afi rma, ainda, a
inaplicabilidade do art. 15 da Lei 11.419/2006 ao presente caso, porque referido
diploma legal não criou um requisito processual para a formulação da petição
inicial, mas apenas estabeleceu uma orientação procedimental voltada para
facilitar a identifi cação das partes. Assevera a existência de lei específi ca regendo
a matéria e que somente a Lei 6.830/80 pode trazer os requisitos formais para
a composição da petição do feito fi scal (fl . 88). Alega que, nos termos do art. 40
da Lei 6.830/80 e da Súmula 314/STJ, a não localização do devedor ou de bens
penhoráveis impõe a suspensão do processo e não o indeferimento da petição
inicial.
Não houve contrarrazões.
Conforme decisão de admissibilidade de fl s. 105/108, o recurso especial foi
remetido a este STJ como representativo de controvérsia repetitiva.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 517-536, novembro 2017 525
Considerando a multiplicidade de recursos a respeito da questão discutida
no presente apelo - defi nir se o magistrado a quo, com base no art. 15 da Lei
11.419/2006, pode exigir, para o recebimento da petição inicial da execução fi scal,
a indicação do RG (Registro Geral) ou do CPF (Cadastro de Pessoas Físicas),
tratando-se o executado de pessoa física -, tendo sido informado pelo Tribunal
Estadual a existência de pelo menos dois mil processos, o recurso especial foi
por mim submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, consoante decisão
monocrática de fl s. 150/152.
O Ministério Público Federal ofertou o parecer de lavra do Subprocurador-
Geral da República José Bonifácio Borges de Andrada de fl s. 156/160, que
recebeu a seguinte ementa:
DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PETIÇÃO INICIAL
INDEFERIDA. AUSÊNCIA DA INDICAÇÃO DO CPF E DO RG DO EXECUTADO. EXIGÊNCIA
NÃO PREVISTA EM LEI. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º DA LEI N. 6.830/80 E ART. 282 DO CPC.
- “Petição inicial da execução fi scal apresenta seus requisitos essenciais próprios
e especiais que não podem ser exacerbados a pretexto da aplicação do Código
de Processo Civil, o qual, por conviver com a lex specialis, somente se aplica
subsidiariamente” (REsp 1.138.202/ES, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 9/12/2009, DJe 1º/2/2010).
- Parecer pelo conhecimento e provimento do recurso especial, fi xando-se a tese
da não obrigatoriedade da indicação do RG ou CPF para o recebimento da petição
inicial de execução fi scal endereçada contra pessoa física.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sérgio Kukina (Relator): O especial comporta trânsito
unicamente pela franquia da letra “a”, eis que devidamente prequestionados
os regramentos federais relativos à controvérsia veiculada na súplica. Pelo
permissivo da letra “c”, verifi ca-se que, embora realizado o cotejo, os trechos do
acórdão recorrido não correspondem ao teor das decisões proferidas pela Corte
amazonense. Por fi m, descabe ao STJ pronunciar-se acerca da alegada violação
ao art. 5º, XXXV, da CF, sob pena de usurpar, no ponto, a competência recursal
extraordinária do STF.
Passa-se, pois, ao exame da questão passível de enfrentamento na via
recursal especial.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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De início, constata-se que o tribunal de origem prestou a jurisdição de
forma completa, não se descortinando, por isso, a proalada ofensa ao art. 535 do
CPC.
Quanto à questão de fundo, tira-se dos autos que, nos termos da petição
inicial de fl . 1, o município de Manaus (recorrente) propôs ação de execução
fi scal de IPTU em face de José Ribeiro de Souza (recorrido), instruindo a
exordial com a certidão de dívida ativa de fl . 2.
Tendo por insufi ciente a qualifi cação da parte executada, a juíza da causa
determinou a intimação do exequente para que emendasse a inicial, “indicando
o CPF, CNPJ, RG ou o endereço do (a) Executado (a), sob pena de indeferimento,
nos termos do parágrafo único do art. 284 do CPC” (cf. despacho de fl . 3), em
que pese, vale registrar, contivesse a inicial o endereço do devedor, qual seja,
exatamente aquele em que situado o imóvel gerador do tributo reclamado pelo
fi sco manauara.
Atendendo, então, ao aludido despacho, a Municipalidade compareceu ao
feito (fl . 6), sustentando a desnecessidade da “indicação de qualquer outro elemento
identifi cador do Executado que já não conste na inicial e na própria CDA, conforme
pode ser constatado da análise do artigo 282 e incisos, do CPC, c/c artigo 2º, § 5º,
inciso I, da Lei Federal 6.830/80, e ainda o artigo 202, do CTN, em confronto com
as peças dos autos”, tendo, na ocasião, postulado a citação do executado por via
postal.
Passo seguinte, pela sentença de fl s. 7/8, a mesma magistrada indeferiu a
petição inicial, com fulcro no art. 284, parágrafo único do CPC, forte em que
os dados não apresentados pelo exequente “tratam-se, em verdade, de informações
imprescindíveis ao regular andamento dos executivos f iscais de sorte a facilitar
a localização do devedor e de bens passíveis de penhora”, tendo, em acréscimo,
destacado que “a falta destes dados inviabiliza as penhoras Bacen-Jud, e inserção
em qualquer cadastro de devedores, onde tais informações são essenciais. Também
são fundamentais para prevenir quanto à homônimos, já que muitas pessoas acabam
sendo prejudicadas, sendo alvo de execução de forma desnecessária, em virtude de
equívoco perpetrado pelo Ente Municipal, o que lhes exige providências muitas das
vezes prolongadas para solucionar tal impasse”, tendo, inclusive, mencionado
que a exigência por ela feita encontraria respaldo na jurisprudência e em
previsão normativa existente no art. 1º da Resolução n. 42/2006, da egrégia
Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Amazonas.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 517-536, novembro 2017 527
Inconformado, apelou o município de Manaus (fl s. 17/22), insistindo na
desnecessidade das informações adicionais requisitadas pelo juízo de primeiro
grau.
Pelo acórdão de fl s. 29/32, o Tribunal estadual, partindo da premissa de
ser “indispensável que haja informações que permitam a individualização correta
do executado, a fi m de que se possa atribuir os efeitos do provimento jurisdicional à
pessoa certa e determinada”, acabou por concluir que “no caso em análise, a Certidão
de Dívida Ativa descreve apenas o nome e o endereço do contribuinte, não fazendo
qualquer menção ao cadastro de pessoa física CPF e registro geral - RG, informações
aptas a individualizar a pessoa executada”, daí porque chancelou o acerto do
indeferimento da petição inicial.
Em complemento, respondendo aos embargos de declaração opostos
às fl s. 45/54 pelo exequente, o Colegiado local, por meio do acórdão de fl s.
57/61, embora rejeitando o recurso integrativo, fez assinalar que “a indicação
do CNPJ da empresa ou do CPF e RG do demandado, constituem informações
primordiais que devem constar do texto da petição inicial, sob pena de indeferimento,
consoante inteligência do art. 15 da Lei 11.419/2006, do art. 6º, § 1º, da Resolução
n. 46/2007 - CNJ e do art. 4º, inciso III, da Resolução 121/2010-CNJ”, afora que
tal providência também constaria da Súmula nº 02/TJAM.
Cinge-se, pois, a quaestio juris em defi nir sobre a obrigatoriedade ou não
de que, já no nascedouro da ação de execução fi scal, o credor indique também o
RG e o CPF da parte executada, em se tratando de pessoa física.
Data venia do contrário entendimento externado no aresto recorrido, não
se vislumbra possa o executivo fi scal ter seu curso obstado pela ausência de
indicação do mencionados dados cadastrais do devedor (RG/CPF).
Ao comentar o requisito do art. 282, II, do CPC, atinente à qualifi cação
das partes, pondera Cassio Scarpinella que: “o que a lei busca, no particular, é a
identifi cação, a mais próxima possível, de quem pede a prestação jurisdicional e em
face de quem esta tutela é pedida” (in Curso sistematizado de direito processual civil.
vol. 2, tomo I. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 70).
É louvável que assim seja e, certamente, terá sido esse o salutar propósito
do legislador que, no corpo do diploma em que disciplinou a informatização do
processo judicial (Lei n. 11.419/2006), fez inserir no capítulo das disposições
gerais e finais o art. 15, cuja cabeça contém a seguinte redação: “Salvo
impossibilidade que comprometa o acesso à justiça, a parte deverá informar, ao
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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distribuir a petição inicial de qualquer ação judicial, o número no cadastro de pessoas
físicas ou jurídicas, conforme o caso, perante a Secretaria da Receita Federal”.
Embora tal dispositivo seja lacunoso, é intuitivo crer que a indicação de
CPF e/ou CNPJ diga respeito tanto ao autor quanto ao réu, constituindo-se tais
dados em informações que, certamente, terão por escopo prioritário alimentar e
refi nar o sistema eletrônico de dados processuais, de cujo tema vem se ocupando,
já há algum tempo, o Conselho Nacional da Justiça (nesse sentido, por exemplo,
suas Resoluções 46/2007 e 121/2010).
Acerca dessa inovação legislativa, explicam Luiz Rodrigues Wambier e
Eduardo Talamini que “é ônus do autor, ainda, sempre que possível, indicar na
petição inicial o número das partes, conforme o caso, no cadastro de pessoas físicas ou
jurídicas da receita federal (CPF e CNPJ). A providência, imposta pelo art. 15 da
Lei 11.419/2006, presta-se a facilitar a identifi cação de ações anteriores idênticas ou
semelhantes entre as mesmas partes. Não se trata de um ônus inafastável, conforme
se extrai da parte inicial da disposição ora referida. Se o autor não estiver inscrito no
cadastro da receita federal ou ignorar, em um caso justifi cável, o número de inscrição
do adversário, fi cará dispensado de proceder a tal indicação” (in Curso avançado de
processo civil. 13. ed. São Paulo: RT, 2013, vol. 1, p. 353).
No caso presente, a parte recorrente realça que “o juízo da Vara da Dívida
Ativa Municipal intimou o Município de Manaus para emendar a inicial e fornecer
esse dado em cerca de mais de 50.000 (cinqüenta mil) execuções fi scais eletrônicas (...),
providência impossível de ser cumprida no exíguo prazo fi xado, em milhares de feitos
judiciais eletrônicos, cuja intimação é feita em bloco, máxime quando não se dispõe
dessa informação no cadastro de contribuintes” (fl . 90).
Não há negar, pois, a relevância e a pertinência do argumento assim
exposto pelo Fisco, a justifi car o afastamento da determinação judicial posta no
despacho ordenatório da emenda da inicial.
A qualifi cação das partes, é certo, deve ser a mais completa possível, mas a
pronta falta de maiores dados, desde que não impeça a mínima identifi cação do
polo demandado, não deve se prestar a inibir a admissibilidade da ação. Como
obtemperam Arruda Alvim, Araken de Assis e Eduardo Arruda Alvim, “caso
seja inviável a atribuição da qualifi cação completa das partes, desde que seja possível
a individuação das mesmas, deve ser admitida a petição inicial” (in Comentários ao
Código de Processo Civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, nota 3 ao art. 282, p.
572). Nessa mesma linha de compreensão, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 517-536, novembro 2017 529
Mitidiero assentam que “eventual ignorância do demandante quanto a um ou
alguns dos elementos exigidos para identifi cação do demandado não constituem, por si
só, motivo para emenda da petição inicial. O que releva para individualização do réu
é a sua citabilidade” (in Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 4. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, nota 3 ao art. 282, p. 290-1).
Na espécie em exame, está-se frente a ação de execução fi scal para cobrança
de IPTU, em que o nome do devedor e seu domicílio fi scal, apontados na
respectiva CDA, revelam-se sufi cientes, num primeiro instante, para que se
defl agre a postulada citação postal.
Oportuno destacar, ainda com relação aos requisitos da petição inicial,
que a lei de regência da execução fi scal foi ainda mais restritiva, erigindo como
requisitos da exordial apenas a indicação do juízo ao qual é dirigida, o pedido e o
requerimento para citação, verbis:
Art. 6º - A petição inicial indicará apenas:
I - o Juiz a quem é dirigida;
II - o pedido; e
III - o requerimento para a citação.
§ 1º - A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará
parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º - A petição inicial e a Certidão de Dívida Ativa poderão constituir um único
documento, preparado inclusive por processo eletrônico.
§ 3º - A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na
petição inicial.
§ 4º - O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos
legais.
A respeito do tema, Claudio Carneiro B. P. Coelho esclarece que “O artigo
6º deve prevalecer sobre a regra contida no artigo 282, do CPC. Isto porque a LEF
é uma lei especial que deve prevalecer sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex
generalis)” (A Lei de Execução Fiscal (6.830/80) comentada por artigos. in:
Informativo Advocacia Dinâmica, Boletim Semanal n. 01, jan/2007, p. 446).
Nessa mesma linha de entendimento, José da Silva Pacheco, ao comentar
o citado dispositivo da Lei 6.830/80, afi rma que “O art. 6º constitui exceção à
regra geral do art. 282 do CPC. A petição inicial é simplifi cada, tendo como elementos
indispensáveis apenas o pedido, a menção ao juízo e o requerimento para a citação.”
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(Comentários à Lei de Execução Fiscal: (Lei 6.830, de 22-9-1980). 11. ed. São
Paulo: Saraiva, 2008, p. 126).
Cumpre lembrar, outrossim, que, em situação assemelhada a dos presentes
autos, em que se estava a exigir do fi sco que aparelhasse a exordial da execução
com o respectivo demonstrativo de débito (planilha discriminativa de cálculos),
a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, pela técnica do recurso repetitivo -
art. 543-C do CPC, deixou delineado que os requisitos exigíveis em relação à
petição inicial da execução fi scal só podem ser aqueles previstos em sua lei de
regência, a saber, a Lei n. 6.830/80. Confi ra-se a ementa do julgado, verbis:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-
C, DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA.
REQUISITOS DE CERTEZA E LIQUIDEZ. APRESENTAÇÃO DE DEMONSTRATIVOS DO
DÉBITO. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. A petição inicial da execução fiscal apresenta seus requisitos essenciais
próprios e especiais que não podem ser exacerbados a pretexto da aplicação do
Código de Processo Civil, o qual, por conviver com a lex specialis, somente se aplica
subsidiariamente.
2. Os referidos requisitos encontram-se enumerados no art. 6º, da Lei 6.830/80,
in verbis: “Art. 6º A petição inicial indicará apenas: I – o juiz a quem é dirigida; II – o
pedido; e III – o requerimento para a citação.
§ 1º A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará
parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º A petição inicial e a Certidão da Dívida Ativa poderão constituir um único
documento, preparado inclusive por processo eletrônico.”
3. Consequentemente, é desnecessária a apresentação do demonstrativo de
cálculo, em execução fi scal, uma vez que a Lei n. 6.830/80 dispõe, expressamente,
sobre os requisitos essenciais para a instrução da petição inicial e não elenca o
demonstrativo de débito entre eles. Inaplicável à espécie o art. 614, II, do CPC.
(Precedentes: AgRg no REsp 1.049.622/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 31/08/2009; REsp 1.065.622/SC,
Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe
23/04/2009; REsp 781.487/SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 11/09/2008; REsp 762.748/SC, PRIMEIRA TURMA,
Relator Min. LUIZ FUX, DJ 12.04.2007; REsp n. 384.324/RS, SEGUNDA TURMA, Rel.
Min JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJU de 29/03/2006; REsp n. 693.649/PR, Segunda
Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 21/11/2005)
4. A própria Certidão da Dívida Ativa, que embasa a execução, já discrimina
a composição do débito, porquanto todos os elementos que compõem a dívida
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 517-536, novembro 2017 531
estão arrolados no título executivo - que goza de presunção de liquidez e certeza
-, consoante dessume-se das normas emanadas dos §§ 5º e 6º, do art. 2º, da Lei n.
6.830/80, litteris: “Art. 2º (...) (...) § 5º - O Termo da Inscrição de Dívida Ativa deverá
conter: I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o
domicílio ou residência de um e de outros;
II – o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os
juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária,
bem como o respectivo momento legal e o termo inicial para o cálculo;
V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver
apurado o valor da dívida.
§ 6º - A Certidão da Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de
Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.”
5. In casu, conquanto o voto da Relatora tenha consagrado a tese perfi lhada por
esta Corte Superior, o voto vencedor, ora recorrido, exigiu a juntada aos autos de
planilha discriminativa de cálculos, razão pela qual merece ser reformado.
6. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem, embora sucintamente,
pronuncia-se de forma clara e sufi ciente sobre a questão posta nos autos. Ademais,
o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela
parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido sufi cientes para embasar a
decisão.
7. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e
da Resolução STJ 08/2008.
(REsp 1.138.202/ES, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
09/12/2009, DJe 01/02/2010)
Em tal perspectiva, força é reconhecer que, por seu caráter geral, o art. 15
da Lei n. 11.419/2006, no que impõe à parte o dever de informar, ao distribuir
a petição inicial de qualquer ação judicial, o CPF ou CNPJ de pessoas físicas e
jurídicas, encerra comando que cede frente aos enxutos requisitos contidos na
legislação de regência da execução fi scal (Lei n. 6.830/80), notadamente em seu
artigo 6º. Conquanto o questionado fornecimento do CPF ou CNPJ não chegue
a revelar incompatibilidade maior com o procedimento fi scal em juízo, a falta de
apresentação desses dados pelo fi sco, por não se erigir em requisito expressamente
reclamado na lei especial de regência, não poderá obstruir o curso da execução,
sem prejuízo de que tais dados possam aportar ao feito em momento ulterior.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
532
Nesse sentido, aliás, a Resolução n. 46/2007 do CNJ (que cria as tabelas
processuais unifi cadas do Pode Judiciário), em seu art. 6º, § 1º, prevê que o
cadastramento das partes nos processos possa ser feito mesmo quando ausente o
CPF ou CNPJ. Leia-se dito regramento:
Art. 6º O cadastramento de partes no processo deverá ser realizado,
prioritariamente, pelo nome ou razão social constante do cadastro de pessoas físicas
ou jurídicas perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, mediante alimentação
automática, observados os convênios e condições tecnológicas disponíveis.
§ 1º Na impossibilidade de cumprimento da previsão do caput, deverão ser
cadastrados o nome ou razão social informada na petição inicial, vedado o uso de
abreviaturas, e outros dados necessários à precisa identifi cação das partes (RG, título
de eleitor, nome da mãe etc.), sem prejuízo de posterior adequação à denominação
à denominação constante do cadastro de pessoas físicas ou jurídicas perante a
Secretaria da Receita Federal do Brasil (CPF/CNJ).
Por outro viés, e mais em caráter ilustrativo, o município recorrente aponta
interessante detalhe, ao observar que o órgão legiferante responsável pela
confecção da Lei n. 11.419/2006, embora conclamando ao fornecimento do
CPF/CNPJ dos litigantes quando da propositura de ações judiciais em geral
(art. 15), optou por não guindar tal providência ao nível de requisito da petição
inicial (fl . 88), tanto que o art. 20 do diploma legal em apreço promoveu diversas
alterações/adaptações no corpo do Código de Processo Civil, em ordem a
compatibilizá-lo com as inovações advindas da tecnologia digital (assim se
constata em relação à nova redação dada aos arts. 38, 154, 164, 169, 202, 221,
365, 399, 417, 457 e 556, todos do CPC), sem, no entanto, efetuar qualquer
retoque no art. 282, que trata, exatamente, dos requisitos da petição inicial,
autorizando, com isso, a ilação de que, nesse âmbito, continuam a prevalecer os
tradicionais elementos informadores da peça inaugural da lide.
Já finalizando, sabe-se que o projeto do novo Código de Processo
Civil, inicialmente materializado no PLS 166/2010, foi alvo de substanciais
modifi cações quando submetido à Câmara dos Deputados, cuja última versão,
condensada no PL 8.046/2010 (que novamente tornará ao Senado), ao dispor
sobre os requisitos da petição inicial, fez incorporar a exigência de que a
qualificação das partes venha acompanhada da indicação do CPF/CNPJ.
Confi ra-se, a tanto, o teor de seu art. 320:
Art. 320. A petição inicial indicará:
I - o juízo a que é dirigida;
SÚMULAS - PRECEDENTES
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II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profi ssão,
o número no cadastro de pessoas físicas ou no cadastro nacional de pessoas jurídicas,
o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido com as suas especifi cações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de
mediação;
§ 1º Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na
petição inicial, requerer ao órgão jurisdicional diligências necessárias a sua obtenção.
§ 2º A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a
que se refere o inciso II, for possível a citação do réu.
§ 3º A petição inicial não será indeferida, pelo não atendimento ao disposto
no inciso II deste artigo, se a obtenção de tais informações tornar impossível ou
excessivamente oneroso o acesso à justiça.
Percebe-se, no entanto, que o dispositivo assim projetado, embora
contemple adicionais exigências concernentes à qualifi cação das partes, ressalva
a possibilidade de a inicial vir a ser recebida mesmo à falta de alguma das
informações mas desde que, ainda assim, resulte possível a citação do réu. Atento
a essa peculiaridade, Cassio Scarpinella Bueno assinala que “os parágrafos do
Projeto da Câmara regulamentam as exigências feitas pelo inciso II criando condições
para que elas sejam obtidas por intermédio da atuação jurisdicional e, de forma mais
ampla, recusando que a falta delas possa ser compreendida como obstáculo para o acesso
à Justiça” (in Projetos de novo Código de Processo Civil comparados e anotados -
Senado Federal PLS n. 166/2000 e Câmara dos Deputados PL n. 8.046/2010. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 170).
Logo, bem se evidencia que até mesmo a legislação projetada trata
do tema com a devida e necessária fl exibilidade, por isso que, salvo melhor
juízo, transparece excessivamente rigorosa, e mesmo contra legem, a prescrição
encartada na Súmula 02/TJAM (citada no acórdão estadual dos declaratórios
- fl . 61), no passo em que impõe ao autor da execução fi scal o dever de indicar,
já na petição inicial, o CPF e/ou CNPJ do devedor, sob pena de extinção do
processo.
Assim, e em harmonia com o alentado parecer do Ministério Público
Federal, proponho a seguinte tese, para os fi ns do art. 543-C do CPC: “Em
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
534
ações de execução fi scal, descabe indeferir a petição inicial sob o argumento da falta
de indicação do CPF e/ou RG da parte executada, visto tratar-se de requisito não
previsto no art. 6º da Lei n. 6.830/80 (LEF), cujo diploma, por sua especialidade,
ostenta primazia sobre a legislação de cunho geral, como ocorre em relação à exigência
contida no art. 15 da Lei n. 11.419/06”.
Ante o exposto, conhecendo do especial apenas pelo permissivo da letra
“a”, tenho que o preclaro Tribunal de origem, ao confirmar a sentença de
indeferimento da execução fi scal, não emprestou adequada exegese aos arts.
282 e 284 do CPC, 6º da Lei n. 6.830/80 (LEF) e 15 da Lei n. 11.419/2006,
merecendo, por isso, reforma os acórdãos impugnados, em ordem a que,
no caso concreto, a execução fi scal proposta pelo município recorrente tenha
regular seguimento, com a citação da parte executada, independentemente da
apresentação do número do CPF do devedor.
É como voto.
VOTO VENCIDO
O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Senhor Presidente, este
julgamento poderia passar in albis, como se diz, se não fosse a advertência das
Ministras MARGA BARTH TESSLER e REGINA HELENA COSTA nos
lembrando que, na Justiça Federal, os processos que não contêm o CPF da parte
promovida não são sequer distribuídos. Há, inclusive, uma antiga Resolução do
Conselho da Justiça Federal que ainda cheguei a aplicá-la quando era Juiz da
8ª Vara do Ceará. Devemos distinguir a imposição dessa exigência na inicial
da imposição da mesma exigência na CDA. Nas CDAs, tal exigência não está
prevista no art. 212 do CTN, que é realmente a norma suprema de regência da
espécie.
2. Senhor Presidente, se V. Exa. considerar que a inscrição em dívida ativa
e a expedição de CDAs já acarretam, por si sós, restrições cadastrais, restrições
à livre disposição dos bens, até se pressupõe que se trata de fraude quando
alguém, que tenha dívida inscrita, aliena parte do seu patrimônio, penso que
essa exigência é de todo razoável e salutar, inclusive para evitar os casos de
homonímia e também para possibilitar a constrição fi nanceira via BACEN
JUD. O BACEN JUD opera pelo CPF, e não pelo nome da pessoa.
3. Além do mais, há a Súmula 2 do Tribunal do Estado do Amazonas,
informada aqui pelo eminente Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 517-536, novembro 2017 535
que é a demonstração da realidade que não há a Súmula 1. Já começa pela
Súmula 2, não baixaram a Súmula 1 - talvez só queiram baixar números pares;
suponho que seja isso.
4. Não vejo que tal exigência seja irrazoável, seja desassisada, seja sem
fundamento ou sem razão. Acho muito prudente até que se faça essa exigência
não só para celerizar o processo, mas para proteger quem tem o mesmo nome
do executado, e não é o obrigado. V. Exa. não incorreria nessa situação, pois seu
nome é singular, é único. No meu caso, por exemplo, nunca ocorreu de alguém
ter o meu mesmo nome.
5. Ministro SÉRGIO KUKINA, tenho a impressão de que essa exigência
é rigorosamente razoável e prudente. V. Exa. anotou aqui no item 2. Então,
por que vamos revogar a Súmula 2, do TJ do Amazonas, em uma situação que
reconhecemos que, além de ser prudente, é efi ciente e protege quem não é o
devedor, mas que tem o mesmo nome de quem está fi gurando na execução?
Imagine o rol de contrariedades, difi culdades e percalços que terá, por exemplo,
uma pessoa com o nome de José Pereira de Oliveira. Quantas pessoas há com
esse nome? No Ceará, há centenas. Imaginem que só um é o devedor, e o que o
distinguirá, às vezes, é o nome da mãe, mas praticamente é o CPF para efeito do
BACEN JUD. O que interessa é o BACEN JUD na execução fi scal.
6. Penso, Senhor Presidente, com a devida vênia, que devia ser mantida essa
exigência, pela sua carga de efeitos salutares. Eu poderia desfi lar muitas outras
consequências positivas, mas não o farei. Apenas peço vênia ao Ministro Relator
para desprover o Recurso do Fisco do Município de Manaus por me parecer
uma medida rigorosamente compatível com o sistema de execução fi scal - e
digo isso inspirado pelas palavras das Ministras MARGA BARTH TESSLER
e REGINA HELENA COSTA, que são duas excelentes Magistradas, com
longa experiência, principalmente da Justiça Federal, assim também como
eu, o Ministro BENEDITO GONÇALVES e a Ministra ASSUSETE
MAGALHÃES.
7. Sabemos ser essa uma exigência antiga da Justiça Federal; por essa razão,
ou seja, para evitar que um indivíduo que é homônimo termine sofrendo algum
tipo de constrangimento ou de restrição cadastral, ou creditícia, e também para
viabilizar o tal BACEN JUD.
8. Pelos motivos expostos, penso ser prudente manter a Súmula 2 ou, pelo
menos, não vejo a ilegalidade a ponto de ser desfeita, ainda mais sendo uma
Súmula do Tribunal. Vamos cassar uma Súmula do Tribunal que é prudente?
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
536
Peço vênia para discordar respeitosamente do ilustre Ministro Relator e negar
provimento ao Recurso Especial.
VOTO
A Sra. Ministra Assusete Magalhães: Sr. Presidente, sem dúvida, a
exigência é salutar, mas não se pode deixar de reconhecer que ela não encontra
suporte na lei.
Diante disso, peço vênia à divergência e acompanho o Relator, sem prejuízo,
como se esclareceu, de a Fazenda, que é a maior interessada na recuperação do
crédito, trazer esses elementos, que permitirão afastar, não só a homonímia,
como também tornar efetiva a execução, com a constrição de bens do devedor.
Súmula n. 559
SÚMULA N. 559
Em ações de execução fi scal, é desnecessária a instrução da petição inicial
com o demonstrativo de cálculo do débito, por tratar-se de requisito não
previsto no art. 6º da Lei n. 6.830/1980.
Referências:
CPC, arts. 614, II, e 543-C.
Lei n. 6.830/1980, art. 6º.
Precedentes:
(*)REsp 1.138.202-ES (1ª S, 09.12.2009 – DJe 1º.02.2010) –
acórdão publicado na íntegra
(*)REsp 1.450.819-AM (1ª S, 12.11.2014 – DJe 12.12.2014) –
acórdão publicado na íntegra na
Súmula 558
(*)REsp 1.455.091-AM (1ª S, 12.11.2014 – DJe 02.02.2015)
AgRg no REsp 909.963-RS (1ª T, 08.06.2010 – DJe 24.06.2010)
AgRg nos
EDcl no REsp 1.167.745-SC (1ª T, 17.05.2011 – DJe 24.05.2011)
AgRg no AREsp 23.739-SC (1ª T, 1º.12.2011 – DJe 10.02.2012)
AgRg no REsp 1.213.672-PE (1ª T, 09.10.2012 – DJe 16.10.2012)
AgRg no Ag 1.392.508-SC (2ª T, 13.09.2011 – DJe 27.09.2011)
AgRg no AREsp 10.906-SC (2ª T, 19.06.2012 – DJe 03.08.2012)
AgRg no
AgRg no AREsp 235.651-MG (2ª T, 26.08.2014 – DJe 25.09.2014)
(*) Recursos repetitivos.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.138.202-ES (2009/0084713-9)
Relator: Ministro Luiz Fux
Recorrente: Fazenda Nacional
Procurador: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: VOL Vitória Off shore Logistics S/A
Advogado: Sem representação nos autos
EMENTA
T R I B U TÁ R I O . R E C U R S O E S P E C I A L
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO
CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO
DE DÍVIDA ATIVA - CDA. REQUISITOS DE CERTEZA E
LIQUIDEZ. APRESENTAÇÃO DE DEMONSTRATIVOS DO
DÉBITO. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II,
DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. A petição inicial da execução fi scal apresenta seus requisitos
essenciais próprios e especiais que não podem ser exacerbados a
pretexto da aplicação do Código de Processo Civil, o qual, por conviver
com a lex specialis, somente se aplica subsidiariamente.
2. Os referidos requisitos encontram-se enumerados no art. 6º,
da Lei 6.830/80, in verbis:
“Art. 6º A petição inicial indicará apenas:
I – o juiz a quem é dirigida;
II – o pedido; e
III – o requerimento para a citação.
§ 1º A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela
fará parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º A petição inicial e a Certidão da Dívida Ativa poderão constituir um
único documento, preparado inclusive por processo eletrônico.”
3. Conseqüentemente, é desnecessária a apresentação do
demonstrativo de cálculo, em execução fi scal, uma vez que a Lei n.
6.830/80 dispõe, expressamente, sobre os requisitos essenciais para a
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
542
instrução da petição inicial e não elenca o demonstrativo de débito entre
eles. Inaplicável à espécie o art. 614, II, do CPC. (Precedentes: AgRg
no REsp 1.049.622/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 31/08/2009;
REsp 1.065.622/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 24/03/2009, DJe 23/04/2009; REsp 781.487/
SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 11/09/2008; REsp 762.748/
SC, PRIMEIRA TURMA, Relator Min. LUIZ FUX, DJ 12.04.2007;
REsp 384.324/RS, SEGUNDA TURMA, Rel. Min JOÃO OTÁVIO
DE NORONHA, DJU de 29/03/2006; REsp 693.649/PR, Segunda
Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 21/11/2005)
4. A própria Certidão da Dívida Ativa, que embasa a execução, já
discrimina a composição do débito, porquanto todos os elementos que
compõem a dívida estão arrolados no título executivo - que goza de
presunção de liquidez e certeza -, consoante dessume-se das normas
emanadas dos §§ 5º e 6º, do art. 2º, da Lei n. 6.830/80, litteris:
“Art. 2º (...)
(...)
§ 5º - O Termo da Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o
domicílio ou residência de um e de outros;
II – o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de
calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização
monetária, bem como o respectivo momento legal e o termo inicial para o
cálculo;
V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles
estiver apurado o valor da dívida.
§ 6º - A Certidão da Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de
Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.”
5. In casu, conquanto o voto da Relatora tenha consagrado a tese
perfi lhada por esta Corte Superior, o voto vencedor, ora recorrido,
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 537-549, novembro 2017 543
exigiu a juntada aos autos de planilha discriminativa de cálculos, razão
pela qual merece ser reformado.
6. O art. 535 do CPC resta incólume se o Tribunal de origem,
embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e sufi ciente sobre
a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado
a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que
os fundamentos utilizados tenham sido sufi cientes para embasar a
decisão.
7. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do
art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Seção
do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Denise
Arruda, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques,
Benedito Gonçalves, Hamilton Carvalhido e Eliana Calmon votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília (DF), 09 de dezembro de 2009 (data do julgamento).
Ministro Luiz Fux, Relator
DJe 1º.2.2010
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Luiz Fux: Trata-se de recurso especial interposto pela
FAZENDA NACIONAL, contra acórdão prolatado pelo TRF da 2ª Região,
assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APURAÇÃO DE
DIFERENÇA DO VALOR DA INICIAL E DA CDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
Assiste razão ao Juízo a quo ao determinar ao exeqüente que aponte os acréscimos
e atualização monetária decorrente da fl uência de lapso temporal entre a data da
expedição da CDA e a propositura da execução fi scal, com o fi to de possibilitar de
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
544
plano a correta identifi cação do valor da causa, bem como para assegurar a plena
garantia do exercício do direito de defesa pelo executado.
Agravo não provido.
Noticiam os autos que a União Federal interpôs agravo de instrumento em
face de decisão que, em sede de execução fi scal, determinou a emenda da inicial,
para que fosse compatibilizado o valor constante na exordial com os valores
constantes da CDA e do discriminativo de débitos que a acompanhava, em
consonância com o art. 614, I e II do CPC e art. 6º, § 4º, da LEF, sob pena de
indeferimento, no prazo de 10 (dez) dias.
O Agravo restou desprovido, por maioria, nos termos da ementa
retrotranscrita.
Foram opostos embargos declaratórios, com vistas a suprir a omissão
relativa à não aplicação dos arts. 2º, § 5º e 6º, § 4º, da Lei 6.830/80, destacando a
ausência de necessidade de emenda da petição inicial, haja vista sua completude,
nos termos dos dispositivos mencionados, sendo indevida qualquer outra
exigência.
Os embargos restaram rejeitados.
Nas razões recursais, a Fazenda Nacional alegou violação dos arts. 535
do CPC; 2º, § 5º e 6º, ambos da Lei 6.830/80, ao argumento de que a petição
inicial do executivo fi scal estaria perfeita, à luz dos mandamentos insculpidos na
LEF, razão pela qual seria ilegítima a exigência judicial.
Não foi aberto prazo para oferecimento das contra-razões, em virtude da
inexistência de relação processual regularmente estabelecida.
Parecer do Ministério Público às fl s. 123/126, opinando pelo provimento
do recurso especial, ao argumento de que a jurisprudência pacífi ca do STJ acolhe
a tese defendida pela recorrente, no sentido de ser desnecessária a apresentação
do demonstrativo de débito fi scal.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Luiz Fux (Relator): Preliminarmente, impõe-se o
conhecimento do presente apelo, porquanto devidamente prequestionada a
matéria federal suscitada.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 537-549, novembro 2017 545
Com efeito, não assiste razão à recorrente no que tange à violação ao artigo
535 do CPC, vez que o Tribunal, embora sucintamente, pronunciou-se de
forma clara e sufi ciente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado
não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde
que os fundamentos utilizados tenham sido sufi cientes para embasar a decisão.
A controvérsia cinge-se aos pressupostos dos títulos de dívida ativa, cujo
perfi l é detalhado na Lei n. 6.830/80.
Como de sabença, a Lei n. 6.830/80, que rege o procedimento executório
fiscal, prevê, em seu art. 6º, os requisitos necessários à instrução do feito,
aplicando-se, apenas subsidiariamente as disposições insertas no Código de
Processo Civil. O referido dispositivo legal assim dispõe, in verbis:
“Art. 6º A petição inicial indicará apenas:
I – o juiz a quem é dirigida;
II – o pedido; e
III – o requerimento para a citação.
§ 1º A petição inicial será instruída com a Certidão da Dívida Ativa, que dela fará
parte integrante, como se estivesse transcrita.
§ 2º A petição inicial e a Certidão da Dívida Ativa poderão constituir um único
documento, preparado inclusive por processo eletrônico.
§ 3º. A produção de provas pela Fazenda Pública independe de requerimento na
petição inicial.
§ 4º. O valor da causa será o da dívida constante da certidão, com os encargos
legais.”
Destarte, dispondo a lei específica expressamente quais os requisitos
necessários para a instrução da petição inicial do procedimento executório
fi scal, revela-se inaplicável o art. 614, II, do CPC, eis que inexistente qualquer
lacuna na LEF que demande a aplicação subsidiária do regramento processual
ordinário.
Outrossim, a própria Certidão da Dívida Ativa, que embasa a execução,
já discrimina a composição do débito, porquanto todos os elementos que
compõem a dívida estão arrolados no título executivo - que goza de presunção
de liquidez e certeza -, consoante dessume-se das normas emanadas dos §§ 5º e
6º, do art. 2º, da Lei n. 6.830/80, litteris:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
546
“Art. 2º (...)
(...)
§ 5º - O Termo da Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio
ou residência de um e de outros;
II – o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os
juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária,
bem como o respectivo momento legal e o termo inicial para o cálculo;
V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver
apurado o valor da dívida.
§ 6º - A Certidão da Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de
Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.”
“Na execução fi scal, é desnecessária a apresentação de memória discriminada dos
créditos executados, pois todos os elementos que compõem a dívida estão arrolados
no título executivo.
Neste mesmo sentido encontra-se sedimentada a jurisprudência desta
Corte, consoante se depreende dos recentes julgados:
TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE
DEMONSTRATIVO DO DÉBITO – LEI N. 6.830/80 – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL –
INCIDÊNCIA – NOTA FISCAL OU FATURA – EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO –
RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS – TAXA SELIC – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES.
1. “Na execução fi scal, é desnecessária a apresentação de memória discriminada
dos créditos executados, pois todos os elementos que compõem a dívida estão
arrolados no título executivo. Precedentes.” (REsp 1.077.874/SC, Rel. Min. Eliana
Calmon, DJe 18.2.2009).
2. A Primeira Seção, em 11.3.2009, ao apreciar o REsp 1.036.375-SP, Rel. Min.
Luiz Fux, recurso submetido ao regime do art. 543-C do CPC e art. 6º da Resolução
n. 8/2008-STJ, assentou que a Lei n. 9.711/1998, que alterou o art. 31 da Lei n.
8.212/1991, não criou nova contribuição sobre o faturamento, nem alterou a alíquota
ou a base de cálculo da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, mas
somente fi xou um novo sistema de arrecadação, a fi m de responsabilizar as empresas
tomadoras de serviço pela forma de substituição tributária.
Agravo regimental improvido.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 537-549, novembro 2017 547
(AgRg no REsp 1.049.622/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 31/08/2009)
PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – APLICABILIDADE
DOS ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DESTA CORTE – DEMONSTRATIVO DO DÉBITO –
ART. 614, II, DO CPC: INAPLICABILIDADE.
1. Descabe a esta Corte analisar ofensa a lei federal quando depender do reexame
do contexto fático-probatório e de revisão de cláusulas contratuais. Aplicação dos
enunciados 5 e 7 da Súmula do STJ.
2. A execução fiscal rege-se por lei específica (Lei 6.830/80), aplicando-se
subsidiariamente o regramento processual ordinário apenas em caso de lacuna
legislativa.
3. Em execução fi scal é desnecessária a apresentação de demonstrativo de débito,
nos termos do art. 614 do CPC, sendo sufi ciente para instrução do processo executivo
a juntada da Certidão de Dívida Ativa - CDA, que goza de presunção de certeza e
liquidez.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(REsp 1.065.622/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em
24/03/2009, DJe 23/04/2009)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. EXECUÇÃO DE PENALIDADE FISCAL.
REGULARIDADE DA CDA ANTE A INDICAÇÃO DO NÚMERO DO PROCESSO
ADMINISTRATIVO QUE RESULTOU NO AUTO DE INFRAÇÃO. DESNECESSIDADE DE
JUNTADA DE DEMONSTRATIVO DO CÁLCULO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE
CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO.
(REsp 781.487/SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 04/09/2008, DJe 11/09/2008)
(...)EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA.
REQUISITOS DE CERTEZA E LIQUIDEZ. AFERIÇÃO. SÚMULA 07/STJ. APRESENTAÇÃO
DE DEMONSTRATIVOS DO DÉBITO. DESNECESSIDADE. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. JUROS
MORATÓRIOS. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. LEGALIDADE.
(omissis)
4. É legítima a utilização da taxa SELIC como índice de correção monetária e de
juros de mora, na atualização dos débitos tributários pagos em atraso, diante da
existência de lei estadual que determina a adoção dos mesmos critérios adotados na
correção dos débitos fi scais federais (Precedentes: EREsp n. 623.822/PR, Rel. Min. Teori
Albino Zavascki, DJ de 12/09/2005; REsp n. 616.141/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ de
05/09/2005; REsp n. 688.044/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 28/02/2005; e REsp n.
577.637/MG, Rel. Min. José Delgado, DJ de 14/06/2004)
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
548
5. (...)
7. A jurisprudência da Primeira Seção, não obstante majoritária, é no sentido
de que são devidos juros da taxa SELIC em compensação de tributos e mutatis
mutandis, nos cálculos dos débitos dos contribuintes para com a Fazenda Pública
Estadual (Lei Estadual-SC n. 10.297/96). 8. Isto porque, raciocínio diverso importaria
tratamento anti-isonômico, porquanto a Fazenda restaria obrigada a reembolsar os
contribuintes por esta taxa Selic, ao passo que, no desembolso os cidadãos exonerar-
se-iam desse critério, gerando desequilíbrio nas receitas fazendárias.
(...)
10. A petição inicial da execução fi scal apresenta seus requisitos essenciais
próprios e especiais que não podem ser exacerbados a pretexto da aplicação
do Código de Processo Civil, o qual, por conviver com a lex specialis, somente se
aplica subsidiariamente. Conseqüentemente, é desnecessária a apresentação
do demonstrativo de cálculo, em execução fi scal, uma vez que a Lei n. 6.830/80
dispõe, expressamente, sobre os requisitos essenciais para a instrução da
petição inicial e não elenca o demonstrativo de débito entre eles. Inaplicável o à
espécie o art. 614, II, do CPC. (...)
12. A aferição da eventual necessidade de prova pericial nessa instância
excepcional encontra óbice no enunciado sumular n. 07 desta Corte Superior
(Precedentes: (REsp n. 431.058/MA, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de
23/10/2006; e REsp n. 870.895/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJU de 19/10/2006).
13. A verificação da validade da execução fiscal, aferindo-se a presença dos
requisitos de certeza e liquidez da Certidão de Dívida Ativa que a instrui, demanda
indispensável reexame das circunstâncias fáticas da causa, o que é vedado em sede
de recurso especial, ante o disposto na Súmula n. 07, do STJ (Precedentes: REsp n.
639.433/SE, deste Relator, DJU de 06/03/2006; e REsp n. 341.620/MG, Rel. Min. João
Otávio de Noronha, DJU de 25/04/2006).
14. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
(REsp 762.748/SC, Primeira Turma, Relator Min. Luiz Fux, DJ 12.04.2007).
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. REEXAME
DE PROVA. CDA. DEMONSTRATIVO DE CÁLCULO. DESNECESSIDADE. CERTEZA E
LIQUIDEZ. SÚMULA N. 7/STJ. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO-COMPROVADO.
1. Inviabiliza-se o conhecimento de recurso especial quando, para a verifi cação de
cerceamento de defesa, haja necessidade de se reexaminar provas apresentadas pelo
recorrente. Súmula n. 7/STJ.
2. É desnecessária a apresentação do demonstrativo de cálculo, em execução
fiscal, uma vez que a Lei n. 6.830/80 dispõe, expressamente, sobre os requisitos
essenciais para a instrução da petição inicial e não elenca o demonstrativo de débito
entre eles. Inaplicável à espécie o art. 614, II, do CPC.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 537-549, novembro 2017 549
(omissis)
6. Recurso especial não-provido.” (REsp n. 384.324/RS, Segunda Turma, Rel. Min
João Otávio de Noronha, DJU de 29/03/2006)
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REQUISITOS DA CDA.
DEMONSTRATIVO DE CÁLCULO. DESNECESSIDADE. TAXA SELIC,
1. Em execução fi scal é desnecessária a apresentação de demonstrativo de débito,
nos termos do art. 614 do CPC, sendo sufi ciente a juntada da Certidão de Dívida Ativa
- CDA, que observe o disposto no art. 2º da Lei n. 6.830/80.
2. É devida a Taxa Selic nos cálculos dos débitos dos contribuintes para com a
Fazenda Pública Federal.
3. Em se tratando de tributo lançado por homologação, ocorrendo a declaração
do contribuinte e na falta de pagamento da exação no vencimento, fica elidida
a necessidade da constituição formal do débito pelo Fisco quanto aos valores
declarados.
4. A declaração do contribuinte ‘constitui’ o crédito tributário relativo ao montante
informado e torna dispensável o lançamento.
5. Recurso especial improvido.” (REsp n. 693.649/PR, Segunda Turma, Rel. Min.
Castro Meira, DJU de 21/11/2005)
Ex positis, DOU PROVIMENTO ao recurso especial.
Porquanto tratar-se de recurso representativo da controvérsia, sujeito ao
procedimento do art. 543-C do Código de Processo Civil, determino, após
a publicação do acórdão, a comunicação à Presidência do STJ, aos Ministros
dessa Colenda Primeira Seção, aos Tribunais Regionais Federais, bem como
aos Tribunais de Justiça dos Estados, com fi ns de cumprimento do disposto no
parágrafo 7º do artigo 543-C do Código de Processo Civil (arts. 5º, II, e 6º, da
Resolução 08/2008).
É o voto.
Súmula n. 560
SÚMULA N. 560
A decretação da indisponibilidade de bens e direitos, na forma do art.
185-A do CTN, pressupõe o exaurimento das diligências na busca por bens
penhoráveis, o qual fi ca caracterizado quando infrutíferos o pedido de constrição
sobre ativos financeiros e a expedição de ofícios aos registros públicos do
domicílio do executado, ao Denatran ou Detran.
Referências:
CPC, art. 543-C.
CTN, art. 185-A.
Precedentes:
AgRg no Ag 1.429.330-BA (1ª S, 22.08.2012 – DJe 03.09.2012)
(*)REsp 1.377.507-SP (1ª S, 26.11.2014 – DJe 02.12.2014) –
acórdão publicado na íntegra
AgRg no REsp 1.202.428-BA (1ª T, 04.04.2013 – DJe 10.04.2013)
AgRg no REsp 1.341.860-SC (1ª T, 04.06.2013 – DJe 24.06.2013)
AgRg no REsp 1.409.433-PE (1ª T, 03.12.2013 – DJe 18.12.2013)
AgRg no AREsp 485.378-BA (1ª T, 12.05.2015 – DJe 19.05.2015)
AgRg no AREsp 413.209-BA (2ª T, 19.11.2013 – DJe 29.11.2013)
AgRg no AREsp 343.969-RS (2ª T, 26.11.2013 – DJe 03.12.2013)
REsp 1.479.979-RS (2ª T, 03.02.2015 – DJe 11.02.2015)
AgRg no AREsp 631.815-MG (2ª T, 07.05.2015 – DJe 13.05.2015)
(*) Recurso repetitivo.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.377.507-SP (2013/0118318-6)
Relator: Ministro Og Fernandes
Recorrente: Fazenda Nacional
Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Recorrido: Acemil Eletricidade Ltda e outro
Advogados: José Pereira do Nascimento
Paulo Sergio do Nascimento e outro(s)
EMENTA
T R I B U TÁ R I O . R E C U R S O E S P E C I A L
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO
CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. EXECUÇÃO FISCAL.
ART. 185-A DO CTN. INDISPONIBILIDADE DE BENS
E DIREITOS DO DEVEDOR. ANÁLISE RAZOÁVEL DO
ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO
DE BENS DO DEVEDOR. NECESSIDADE.
1. Para efeitos de aplicação do disposto no art. 543-C do CPC,
e levando em consideração o entendimento consolidado por esta
Corte Superior de Justiça, fi rma-se compreensão no sentido de que
a indisponibilidade de bens e direitos autorizada pelo art. 185-A do
CTN depende da observância dos seguintes requisitos: (i) citação do
devedor tributário; (ii) inexistência de pagamento ou apresentação
de bens à penhora no prazo legal; e (iii) a não localização de bens
penhoráveis após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda,
caracterizado quando houver nos autos (a) pedido de acionamento
do Bacen Jud e consequente determinação pelo magistrado e (b) a
expedição de ofícios aos registros públicos do domicílio do executado
e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito - DENATRAN
ou DETRAN.
2. O bloqueio universal de bens e de direitos previsto no art. 185-
A do CTN não se confunde com a penhora de dinheiro aplicado em
instituições fi nanceiras, por meio do Sistema BacenJud, disciplinada
no art. 655-A do CPC.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
556
3. As disposições do art. 185-A do CTN abrangerão todo e
qualquer bem ou direito do devedor, observado como limite o valor
do crédito tributário, e dependerão do preenchimento dos seguintes
requisitos: (i) citação do executado; (ii) inexistência de pagamento ou
de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fi m, (iii) não
forem encontrados bens penhoráveis.
4. A aplicação da referida prerrogativa da Fazenda Pública
pressupõe a comprovação de que, em relação ao último requisito,
houve o esgotamento das diligências para localização de bens do
devedor.
5. Resta saber, apenas, se as diligências realizadas pela exequente
e infrutíferas para o que se destinavam podem ser consideradas
sufi cientes a permitir que se afi rme, com segurança, que não foram
encontrados bens penhoráveis, e, por consequência, determinar a
indisponibilidade de bens.
6. O deslinde de controvérsias idênticas à dos autos exige do
magistrado ponderação a respeito das diligências levadas a efeito pelo
exequente, para saber se elas correspondem, razoavelmente, a todas
aquelas que poderiam ser realizadas antes da constrição consistente na
indisponibilidade de bens.
7. A análise razoável dos instrumentos que se encontram à
disposição da Fazenda permite concluir que houve o esgotamento
das diligências quando demonstradas as seguintes medidas: (i)
acionamento do Bacen Jud; e (ii) expedição de ofícios aos registros
públicos do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou
Estadual de Trânsito - DENATRAN ou DETRAN.
8. No caso concreto, o Tribunal de origem não apreciou a
demanda à luz da tese repetitiva, exigindo-se, portanto, o retorno dos
autos à origem para, diante dos fatos que lhe forem demonstrados,
aplicar a orientação jurisprudencial que este Tribunal Superior adota
neste recurso.
9. Recurso especial a que se dá provimento para anular o acórdão
impugnado, no sentido de que outro seja proferido em seu lugar,
observando as orientações delineadas na presente decisão.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 551-565, novembro 2017 557
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves,
Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Herman Benjamin e
Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Marga Tessler ( Juíza Federal
convocada do TRF 4ª Região).
Compareceu à sessão, a Dra. Flavia Palmeira de Moura Coelho, pela
Fazenda Nacional.
Brasília (DF), 26 de novembro de 2014 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Presidente
Ministro Og Fernandes, Relator
DJe 2.12.2014
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial interposto pela
Fazenda Nacional, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional,
contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região assim
ementado (e-STJ, fl s. 268/269):
PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGO
557 DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. DECRETAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS
DO EXECUTADO. ARTIGO 185-A DO CTN. AUSÊNCIA DE ESGOTAMENTO DE
DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. MEDIDA QUE
DEVE SER APLICADA SOMENTE EM CASOS EXCEPCIONAIS.
1. Para que se adote a medida excepcional e extrema de decretação da
indisponibilidade dos bens e direitos dos executados, devem ser observados
requisitos exigidos pela jurisprudência.
2. Da análise dos documentos acostados aos autos, extrai-se que não houve,
nos autos subjacentes, esgotamento das diligências para localização de bens
passíveis de penhora, especialmente com relação aos co-executados (sócios).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
558
3. Portanto, ao menos por ora, a situação que se apresenta não se enquadra na
hipótese excepcional justifi cadora da decretação de indisponibilidade de bens.
4. Agravo legal a que se nega provimento.
Os embargos de declaração opostos na sequência (e-STJ, fl s. 273/280)
foram rejeitados, nos termos da decisão de e-STJ, fl s. 282/288, cuja ementa
segue abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. IRREGULARIDADE FORMAL NÃO APONTADA. INEXISTÊNCIA
DE OMISSÃO, DÚVIDA OU CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. Os embargos declaratórios não se destinam a veicular mero inconformismo
com o julgado, revolvendo questões já adequadamente apreciadas.
2. O órgão julgador não precisa pronunciar-se sobre cada alegação lançada
no recurso, sobretudo quando os fundamentos do decisum são de tal modo
abrangentes que se tornam desnecessárias outras considerações.
3. No tocante ao pretendido prequestionamento, o entendimento do STJ é no
sentido de seu cabimento na hipótese de haver necessidade de o tema objeto do
recurso ser examinado pela decisão atacada, o que foi observado por ocasião do
julgamento, razão pela qual tal pretensão também não é acolhida.
4. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados.
Alega a recorrente, nas razões do especial, violação do art. 185-A do
CTN, ao fundamento de que, mesmo diante diante dos requisitos previstos
nesse dispositivo (quais sejam, citação do devedor, ausência de pagamento, não
apresentação de bens à penhora e infrutífera localização de bens penhoráveis),
as instâncias ordinárias negaram pedido formulado pela Fazenda para bloquear
bens e direitos do devedor para fi ns indisponibilidade.
Sem contrarrazões, conforme certidão de e-STJ, fl . 304.
O recurso especial foi admitido na origem como representativo da
controvérsia (e-STJ, fl s. 306/309).
Em decisão de e-STJ, fl . 321, admitiu-se o processamento do feito como
representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC e Resolução
STJ n. 08/2008.
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal apresentou parecer
da lavra do Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 551-565, novembro 2017 559
Filho, opinando pelo “conhecimento e provimento do recurso especial” (e-STJ,
fl s. 327/336).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Na origem, o Instituto Nacional
do Seguro Social - INSS ajuizou a Ação de Execução Fiscal n. 4.849/08
contra a ACEMIL Eletricidade Ltda., com vistas à satisfação dos créditos
tributários constantes das CDAs n. 35.479.586-4; 35.479.587-2; 35.479.592-
9; 35.534.148-4, no valor de R$ 346.982,12 (trezentos e quarenta e seis mil
novecentos e oitenta e dois reais e doze centavos).
Tendo em vista a informação de que foi decretada a falência da empresa
executada, o Juízo de primeiro grau deferiu pedido formulado pela parte
exequente para incluir os sócios Celso Luiz Piva e Milton Amaro Marcelino no
polo passivo da execução (e-STJ, fl . 120).
O executado Celso Luiz Piva opôs exceção de pré-executividade, que fi cou
indeferida nos termos das decisões de e-STJ, fl s. 173, 189/196 e 199/206.
Em seguida, a parte exequente requereu a indisponibilidade dos bens dos
executados, até o limite do débito, acrescido de custas processuais e demais
encargos legais, atualizados monetariamente, com fundamento no art. 185-A
(e-STJ, fl s. 214/216), o que foi indeferido tanto pelo Juízo de primeira instância
(e-STJ, fl . 214) como pelo TRF da 3ª Região (e-STJ, fl s. 247/250 e 264/269),
este último sob os seguintes fundamentos:
(i) para que se adote a medida excepcional e extrema de decretação da
indisponibilidade dos bens e direitos dos executados, devem ser observados os
requisitos exigidos pela jurisprudência; e
(ii) da análise dos documentos acostados aos autos, extrai-se que não
houve, nos autos subjacentes, esgotamento das diligências para localização de
bens passíveis de penhora, especialmente com relação aos coexecutados (sócios).
Sustenta a recorrente ter realizado as diligências que estavam ao seu
alcance, sendo elas, contudo, infrutíferas. E que, por essa razão, entende ser
caso do bloqueio cautelar de bens previsto no art. 185-A do CTN, ante a não
localização de bens passíveis de penhora.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
560
Dito isso, passa-se à análise da tese repetitiva e, na sequência, à aplicação
do resultado ao caso concreto.
Busca-se, nos presentes autos, interpretar a legislação federal nos termos
em que foi prequestionada nas instâncias ordinárias com as seguintes fi nalidades:
(i) saber se, para que o juiz determine a indisponibilidade dos bens e direitos do
devedor, na forma do art. 185-A do CTN, faz-se necessária a comprovação do
exaurimento dos meios disponíveis para localização de bens penhoráveis por
parte do credor; e (ii) defi nir quais diligências devem ser razoavelmente exigidas
da Fazenda para que se considerem esgotados os meios de busca de bens.
Registre-se, de logo, que não se trata, simplesmente, da penhora on-line,
mas de pretensão voltada ao bloqueio de bens a fi m de lhes tornar indisponíveis,
nos termos do art. 185-A do CTN.
Naqueles casos (penhora on-line), esta Corte Superior já fi rmou orientação,
sob o rito do art. 543-C do CPC, no sentido de que, “após o advento da Lei n.
11.382/2006, o Juiz, ao decidir acerca da realização da penhora on-line, não pode
mais exigir a prova, por parte do credor, de exaurimento de vias extrajudiciais na
busca de bens a serem penhorados” (REsp 1.112.943/MA, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Corte Especial, DJe 23/11/2010).
Feita essa consideração, tem-se que a solução da controvérsia perpassa,
primeiramente, pela análise do caput do art. 185-A do CTN, nos termos
seguintes:
Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não
pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados
bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos,
comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e
entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao
registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário
e do mercado de capitais, a fi m de que, no âmbito de suas atribuições, façam
cumprir a ordem judicial. (Incluído pela Lcp n. 118, de 2005)
Antes de adentrar nos requisitos desse artigo, importante deixar claro que
ele foi inserido no CTN em capítulo que estabelece garantias e privilégios do
crédito tributário, ou seja, medidas que, por razões de interesse público, buscam
aumentar a probabilidade de pagamento pelo devedor (CARVALHO, Paulo de
Barros. Curso de direito tributário. - 23. ed. - São Paulo: Saraiva, 2011, p. 645;
CARNEIRO, Cláudio. Curso de direito tributário e fi nanceiro. - 4. ed. - São
Paulo: Saraiva, 212, p. 757).
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 551-565, novembro 2017 561
A leitura do dispositivo, portanto, deve ser realizada sob essa perspectiva,
sob pena de impossibilitar a real intenção do legislador complementar, qual seja,
aumentar as chances de satisfação do crédito tributário.
Quanto aos requisitos, infere-se do art. 185-A do CTN que a ordem
judicial para a decretação da indisponibilidade de bens e direitos do devedor
fi cou condicionada aos seguintes: (i) citação do executado; (ii) inexistência de
pagamento ou de oferecimento de bens à penhora no prazo legal; e, por fi m, (iii)
não forem encontrados bens penhoráveis.
Nesse sentido, o seguinte precedente desta Corte:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.
INDISPONIBILIDADE PATRIMONIAL. ART. 185-A DO CTN. IMPOSSIBILIDADE,
DIANTE DA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO CONTRIBUINTE/DEVEDOR. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Para se decretar a indisponibilidade de bens prevista no art. 185-A do CTN,
esta Corte já orientou que é indispensável que (a) o devedor tributário seja
devidamente citado; (b) não pague o tributo, nem apresente bens a penhora;
e (c) o esgotamento das diligências promovidas com a fi nalidade de encontrar
patrimônio que possa ser judicialmente constrito, o que não se verifi ca no caso
concreto, já que o contribuinte não foi sequer citado. Precedente: AgRg no AG
1.164.948/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 2/2/2011.
2. Não há, nas razões recursais da recorrente, qualquer argumento relevante a
justifi car a medida extrema requerida com fundamento no art. 798 do CPC, visto
que a exequente não aponta em qualquer atitude do contribuinte o intuito de
causar ao direito da Fazenda Pública lesão grave e de difícil reparação.
3. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1.409.433/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 3/12/2013, DJe 18/12/2013)
Ainda sobre o tema, especifi camente em relação ao último requisito - não
localização bens penhoráveis - a orientação das Turmas que integram a Primeira
Seção deste Tribunal Superior fi rmou-se no sentido de que o credor deve
comprovar o esgotamento das diligências aptas à localização dos bens do devedor,
quando pretender a indisponibilidade de bens e direitos. Confi ra-se:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - ART. 535 DO CPC -
INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO - BLOQUEIO DE BENS - ART. 185-A DO CTN - NÃO
ESGOTAMENTO DAS DILIGÊNCIAS - DIVERGÊNCIA FÁTICA ENTRE O ACÓRDÃO
RECORRIDO E A INSURGÊNCIA RECURSAL - SÚMULA 7/STJ.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
562
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma sufi cientemente
fundamentada, não estando a Corte de origem obrigada a emitir juízo de valor
expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.
2. Esta Corte firmou o entendimento de que a determinação de
indisponibilidade de bens e direitos prevista no art. 185-A do CTN pressupõe que
o exequente comprove o esgotamento de diligências para a localização de bens
do devedor.
3. O Tribunal de origem, com base no arcabouço probatório, concluiu que a
exequente não esgotou todas as diligências aptas a possibilitar o bloqueio de
bens do devedor. Rever essa afi rmação implica adentrar em matéria fática, vedada
pela Súmula 7 do STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 343.969/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA,
julgado em 26/11/2013, DJe 3/12/2013)
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. INDISPONIBILIDADE DE
BENS. ART. 185-A DO CTN. ESGOTAMENTO DOS MEIOS NECESSÁRIOS PARA BUSCA
DE BENS PENHORÁVEIS. NECESSIDADE.
1. “O bloqueio universal de bens e de direitos, previsto no art. 185-A do CTN,
não se confunde com a penhora de dinheiro aplicado em instituições fi nanceiras,
por meio do Sistema BacenJud, disciplinada no art. 655-A do CPC (redação
conferida pela Lei n. 11.382/2006). Aquele bloqueio incide na hipótese em que
‘o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à
penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis’, e abrangerá
todo e qualquer bem ou direito do devedor, observado como limite o valor do
crédito tributário, se verifi cado o concurso dos requisitos previstos no art. 185-A
do CTN. Consoante a jurisprudência do STJ, a aplicação da referida prerrogativa da
Fazenda Pública pressupõe a comprovação do esgotamento das diligências para
localização de bens do devedor” (AgRg no REsp 1.356.796/RS, Rel. Ministro Mauro
Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 7.3.2013, DJe de 13/3/2013).
2. Na via especial, não cabe a análise de tese recursal que demande a revisão
dos elementos fático-probatórios insertos nos autos.
Inteligência da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 421.994/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA,
julgado em 26/11/2013, DJe 6/12/2013)
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ART. 185-A DO CTN. NECESSIDADE
DE COMPROVAÇÃO DE ESGOTAMENTO DAS DILIGÊNCIAS DESTINADAS À
LOCALIZAÇÃO DE BENS.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 551-565, novembro 2017 563
1. A jurisprudência desta Corte é fi rme quanto à necessidade de comprovação
do esgotamento de diligências para localização de bens do devedor, a fi m de que
se possa determinar a indisponibilidade de bens e direitos prevista no art. 185-A
do CTN, o que impede o conhecimento da insurgência também pelo dissídio
pretoriano invocado. Precedentes: AgRg no REsp 1.341.860/SC, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 24/06/2013 e AgRg no REsp
1.328.132/PR, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe
21/02/2013.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 428.902/BA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 21/11/2013, DJe 28/11/2013)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL.
ART. 185-A DO CTN. INDISPONIBILIDADE DE BENS E DIREITOS DO DEVEDOR.
ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS DO DEVEDOR.
NECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. “A jurisprudência desta Corte é fi rme quanto à necessidade de comprovação
do esgotamento de diligências para localização de bens do devedor, a fi m de que
se possa determinar a indisponibilidade de bens e direitos prevista no art. 185-A
do CTN” (AgRg no REsp 1.202.428/BA, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma,
DJe 10/4/13).
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.341.860/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 4/6/2013, DJe 24/6/2013)
Falta saber, apenas, se as diligências realizadas pela exequente, e infrutíferas
para o que se destinavam, podem ser consideradas sufi cientes a permitir que
se afi rme, com segurança, que não foram encontrados bens penhoráveis, e, por
consequência, determinar a indisponibilidade de bens.
Para tanto, exige-se do magistrado ponderação a respeito das diligências
levadas a efeito pela exequente, para saber se elas correspondem, razoavelmente,
a todas aquelas que poderiam ser realizadas extrajudicialmente antes da
constrição consistente na indisponibilidade de bens requerida no âmbito do
Poder Judiciário.
Assim, cabe a este Tribunal Superior, no exercício da interpretação da
legislação federal que lhe compete, delimitar o que seria razoável exigir do credor,
a título de diligências, para fi ns de atendimento ao pedido de indisponibilidade
de bens fundado no art. 185-A do CTN.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
564
Importante considerar, contudo, o que se disse acima a respeito desse
dispositivo, no sentido de que o legislador complementar o inseriu no CTN
com a seguinte fi nalidade: aumentar a probabilidade de satisfação do crédito
tributário.
Sob essa ótica, tem-se que a análise dos meios que possibilitam a
identifi cação de bens em nome do devedor e que se encontram à disposição da
Fazenda permite concluir que o acionamento do Bacen Jud e a expedição de
ofícios aos registros públicos de bens no cartório do domicílio do executado são
medidas extrajudiciais razoáveis a se exigir do Fisco, quando este pretender a
indisponibilidade de bens do devedor.
Essa, inclusive, é a orientação constante de preciso voto sobre o tema,
da lavra do Ministro Herman Benjamim, nos termos seguintes (AgRg no Ag
1.429.330/BA, Rel. Ministro Herman Benjamim, Primeira Seção, julgado em
22/8/2012, DJe 3/9/2012):
Entende-se como “esgotamento de diligências” o uso dos meios ordinários que
possibilitam a localização de bens e direitos de titularidade da parte executada.
Por exemplo, o acionamento do sistema Bacen Jud e a expedição de ofícios aos
registros públicos de bens para que informem se há patrimônio em nome do
devedor.
Por outro lado, não se pode exigir que a Fazenda Pública expeça ofícios a
todos os registros de imóveis do País. A razoabilidade impõe que tal medida seja
adotada no cartório do domicílio do executado.
Além dessas medidas, tem-se ainda por razoável, ao meu sentir, a
exigência de prévia expedição de ofício ao Departamento de Trânsito Nacional
ou Estadual (DENATRAN ou DETRAN), pois se houver um veículo na
titularidade do executado - na época em que se vive, inimaginável que alguém
não tenha um veículo automotor -, facilmente se identifi cará por intermédio do
RENAVAN (Registro Nacional de Veículos Automotores).
Assim, com base na jurisprudência deste Tribunal Superior e na
fundamentação supramencionada, fi rma-se orientação, para fi ns do art. 543-C
do CPC e da Resolução 8/STJ, no sentido de que a indisponibilidade de bens
e direitos autorizada pelo art. 185-A do CTN depende da observância dos
seguintes requisitos: (i) citação do devedor; (ii) inexistência de pagamento ou
apresentação de bens à penhora; e (iii) a não localização de bens penhoráveis
após esgotamento das diligências realizadas pela Fazenda, caracterizado quando
houver nos autos (a) pedido de acionamento do Bacen Jud e consequente
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 551-565, novembro 2017 565
determinação pelo magistrado e (b) a expedição de ofícios aos registros públicos
do domicílio do executado e ao Departamento Nacional ou Estadual de Trânsito
- DENATRAN ou DETRAN.
Passa-se, portanto, à análise do caso concreto, à luz da orientação
supramencionada.
Verifi ca-se dos autos que o executado foi devidamente citado e que não
houve pagamento ou apresentação de bens à penhora.
No que se refere ao terceiro requisito - não localização de bens penhoráveis
-, o Tribunal de origem resumiu-se a dizer que, “da análise dos documentos
acostados aos autos, extrai-se que não houve, nos autos subjacentes, esgotamento
das diligências para localização de bens passíveis de penhora, especialmente
com relação aos coexecutados (sócios)” (e-STJ, fl. 266). Constata-se desse
fundamento, contudo, a inexistência de qualquer indicação a respeito das
medidas já realizadas pela Fazenda Nacional, nem daquelas que a Corte a quo
entenderia como sufi cientes para caracterizar o esgotamento das diligências e,
por consequência, determinar a indisponibilidade de bens.
Desse modo, considerando que o Tribunal de origem apreciou a demanda
sem explicitar quais diligências teriam sido realizadas e quais entenderia serem
necessárias, este Tribunal Superior encontra-se impossibilitado de aplicar a tese
que ora se fi rma, razão pela qual o retorno dos autos à origem é medida que se
impõe, para que a instância ordinária reaprecie a controvérsia, mas agora com
suporte na orientação estabelecida neste recurso especial.
Registre-se, por oportuno, não ser o caso de aplicação da Súmula 7 deste
Tribunal, uma vez que os fatos submetidos à apreciação nas instâncias ordinárias
foram julgados com base em premissas diversas daquelas que ora se estabelecem
neste julgado.
Adotem-se as providências relativas à Resolução 8/2008 do STJ, inclusive
a comunicação aos Presidentes de todos os TRFs.
Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão
impugnado, para que outro seja proferido em seu lugar, observando as orientações
delineadas no presente voto.
É como voto.
Súmula n. 561
SÚMULA N. 561
Os Conselhos Regionais de Farmácia possuem atribuição para fi scalizar e
autuar as farmácias e drogarias quanto ao cumprimento da exigência de manter
profi ssional legalmente habilitado (farmacêutico) durante todo o período de
funcionamento dos respectivos estabelecimentos.
Referências:
CPC, art. 543-C.
Lei n. 3.820/1960, arts. 10, c, e 24, parágrafo único.
Lei n. 5.991/1973, art. 15.
Precedentes:
EREsp 414.961-PR (1ª S, 12.11.2003 – DJ 15.12.2003)
EREsp 380.254-PR (1ª S, 08.06.2005 – DJ 08.08.2005)
(*)REsp 1.382.751-MG (1ª S, 12.11.2014 – DJe 02.02.2015)
– acórdão publicado na íntegra
REsp 316.718-PR (1ª T, 12.06.2001 – DJ 03.09.2001)
REsp 379.628-PR (1ª T, 28.05.2002 – DJ 12.08.2002)
AgRg no REsp 952.006-SP (1ª T, 25.09.2007 – DJ 22.10.2007)
REsp 962.861-SC (1ª T, 07.08.2008 – DJe 20.08.2008)
AgRg no REsp 975.172-SP (1ª T, 25.11.2008 – DJe 17.12.2008)
REsp 491.137-RS (2ª T, 22.04.2003 – DJ 26.05.2003)
REsp 672.095-PR (2ª T, 04.11.2004 – DJ 18.04.2005)
REsp 571.713-PR (2ª T, 17.10.2006 – DJ 06.12.2006)
AgRg no Ag 821.490-SP (2ª T, 12.06.2007 – DJe 30.09.2008)
REsp 929.565-SP (2ª T, 1º.04.2008 – DJe 11.04.2008)
AgRg no REsp 1.008.547-MG (2ª T, 02.04.2009 – DJe 27.04.2009)
(*) Recurso repetitivo.
Primeira Seção, em 9.12.2015
DJe 15.12.2015
RECURSO ESPECIAL N. 1.382.751-MG (2013/0144457-6)
Relator: Ministro Og Fernandes
Recorrente: Conselho Regional de Farmacia do Estado de Minas Gerais - CRF/MG
Advogados: Dilson Araújo de Souza e outro(s)
Helida Marques Abreu
Barbara Vieira da Silveira
Recorrido: Drogaria Ferreira e Lima Ltda
Advogados: Rosemeire Pereira da Silva e outro(s)
Sonia Maria Fernandes Damásio
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART.
543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ N. 8/2008. DROGARIAS
E FARMÁCIAS. EXIGÊNCIA DA PRESENÇA DE
PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO DURANTE
O PERÍODO INTEGRAL DE FUNCIONAMENTO DO
RESPECTIVO ESTABELECIMENTO. FISCALIZAÇÃO E
AUTUAÇÃO. CONSELHOS REGIONAIS DE FARMÁCIA.
COMPETÊNCIA.
1. Para efeitos de aplicação do disposto no art. 543-C do CPC,
e levando em consideração o entendimento há muito consolidado
por esta Corte Superior de Justiça, fi rma-se compreensão no sentido
de que os Conselhos Regionais de Farmácia possuem competência
para fi scalização e autuação das farmácias e drogarias, quanto ao
cumprimento da exigência de manterem profissional legalmente
habilitado (farmacêutico) durante todo o período de funcionamento
dos respectivos estabelecimentos, sob pena de incorrerem em infração
passível de multa. Inteligência do art. 24 da Lei n. 3.820/60, c/c o art.
15 da Lei n. 5.991/73.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem deixou de apreciar as
razões levadas à sua consideração pelo apelante, atinentes à validade
das CDAs acostadas aos autos, cabendo àquele Tribunal enfrentar
tais questões.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
572
3. Recurso especial a que se dá provimento, para reformar o
acórdão e, nessa extensão, reconhecer e declarar a competência dos
Conselhos Regionais de Farmácia para fi scalizar e autuar farmácias
e drogarias, no que tange à presença de farmacêutico responsável,
durante todo o período de funcionamento do estabelecimento
comercial, determinando, na hipótese, o retorno dos autos à Corte de
origem para que prossiga no julgamento da causa, sobretudo no que
diz respeito à regularidade das CDAs acostadas aos autos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito
Gonçalves, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa, Marga
Tessler ( Juíza Federal convocada do TRF 4ª Região) e Napoleão Nunes Maia
Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Herman Benjamin.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2014 (data do julgamento).
Ministro Humberto Martins, Presidente
Ministro Og Fernandes, Relator
DJe 2.2.2015
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial interposto pelo
Conselho Regional de Farmácia do Estado de Minas Gerais - CRF/MG, com
base na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo
Tribunal Regional Federal - 1ª Região, assim ementado (e-STJ, fl . 563):
ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. PODER DE POLÍCIA.
AUSÊNCIA DE RESPONSÁVEL TÉCNICO. INCOMPETÊNCIA.
I. Aos Conselhos Regionais de Farmácia compete apenas a fiscalização do
exercício da profi ssão de farmacêutico, o que envolve tanto a verifi cação dos
requisitos de inscrição como o controle da efetiva atividade profi ssional.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 567-584, novembro 2017 573
II. Compete aos órgãos sanitários, em caráter exclusivo, estabelecer os critérios
para licenciamento dos estabelecimentos destinados ao comércio de drogas e
medicamentos, conforme o disposto nos arts. 15, § 3º, 21 e 30 da Lei n. 5.991/1973.
III. À míngua de recurso contra a sentença, na parte em que manteve algumas
das multas aplicadas, deve ela ser mantida, em razão do non reformatio in pejus.
IV. Apelação do Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais a que se nega
provimento.
Nas razões recursais, sustenta o recorrente contrariedade ao disposto nos
arts. 15 da Lei 5.991/73; 10 e 24 da Lei 3.820/60; e 27, caput, e § 3º, do Decreto
Federal n. 74.170/1974, salientando, em suma, que os Conselhos Regionais de
Farmácia possuem competência para fi scalizar o cumprimento da obrigação
de manter profi ssional técnico em período integral imposta às farmácias e
drogarias, bem como para sancionar os estabelecimentos, caso não observem a
aludida exigência.
Alega, inicialmente, que a fi scalização da atividade farmacêutica compete
aos referidos Conselhos, e que esta não se limita ao profi ssional, estendendo-
se, também, ao exercício da atividade farmacêutica pelos estabelecimentos, nos
termos do art. 10 da Lei n. 3.820/60.
Aduz ser claro o teor do art. 15 da Lei n. 5.991/73 quanto à necessidade de
prestação da assistência farmacêutica em farmácias e drogarias durante todo o
horário de funcionamento desses estabelecimentos.
Acrescenta que, segundo a dicção do art. 24 da Lei n. 3.820/60,
a comprovação da efetiva assistência farmacêutica deve ser feita perante o
respectivo Conselho, ao qual compete, em caso de descumprimento de tal
obrigação, a imposição da multa prevista no parágrafo único do mencionado
dispositivo legal.
Requer, ao fi nal, o provimento do presente recurso, a fi m de que o acórdão
regional seja reformado.
Sem contrarrazões nos autos (e-STJ, fl . 590).
O recurso especial foi admitido na origem e encaminhado a este Superior
Tribunal como representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C do
CPC.
Verifi cada a multiplicidade de recursos sobre o tema, o recurso foi admitido,
nesta Corte de Justiça, nos termos do já citado art. 543-C do CPC, assim
também da Resolução n. 8/STJ.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
574
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal emitiu parecer, de
acordo com a seguinte ementa (e-STJ, fl s. 618/623):
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO REPETITIVO. CONSELHOS REGIONAIS DE
FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. FARMÁCIAS E DROGARIAS.
1 - Controvérsia jurídica de recurso representativo (CPC, art. 543-C): Legalidade
ou não da fi scalização do exercício da profi ssão de farmacêutico pelos Conselhos
Regionais de Farmácia, no que se refere à obrigatoriedade da presença do
farmacêutico, durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento
comercial.
2 - A competência dos órgãos de vigilância sanitária recai sobre tudo que se
referir à localização e ao funcionamento do estabelecimento, já a competência
dos Conselhos de Farmácia, segundo a Lei n. 3.820/1960, consiste na fi scalização
da atividade do profi ssional farmacêutico e o exercício da profi ssão. Assim, é legal
a fi scalização da presença do farmacêutico responsável, durante todo o período
de funcionamento do estabelecimento comercial, pelos Conselhos de Farmácia.
3 - Parecer (a) é pela aplicação aos casos repetitivos do seguinte preceito: é
legal a fi scalização e autuação dos Conselhos Profi ssionais de Farmácia, no que
se refere à presença do farmacêutico responsável, durante todo o período de
funcionamento do estabelecimento comercial; (b) é pelo conhecimento parcial
do recurso especial, para, nessa extensão, dar provimento.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Sr. Presidente, conforme relatado,
o tema que se pretende pacificar, por meio do julgamento deste recurso
representativo de controvérsia, diz respeito à competência dos Conselhos
Regionais de Farmácia para a aplicação de multas às empresas do ramo
farmacêutico que descumprirem a obrigação legal de manterem profi ssionais
habilitados durante todo o horário de funcionamento dos estabelecimentos.
Importa ressaltar, inicialmente, que, malgrado não haja no acórdão
recorrido menção expressa aos dispositivos apontados como violados no presente
recurso especial, é certo que a tese trazida a debate foi enfrentada diretamente
pela Corte de origem, não havendo que se cogitar, portanto, de ausência de
prequestionamento.
A propósito, trago os seguintes precedentes:
TRIBUTÁRIO - RECURSO ESPECIAL - ART. 535 DO CPC - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO
- COISA JULGADA - INEXISTÊNCIA - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO - ICMS -
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 567-584, novembro 2017 575
DIREITO CUJA NATUREZA É DE CRÉDITO FISCAL - TRANSFERÊNCIA A TERCEIROS
- POSSIBILIDADE - IMPEDIMENTO LEGAL INEXISTENTE.
1. Não viola o art. 535, do CPC, o acórdão que decide de forma sufi cientemente
fundamentada, não estando a Corte de origem obrigada a emitir juízo de valor
expresso a respeito de todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes.
2. Nos termos da jurisprudência reiterada desta Corte Superior, o
prequestionamento não exige a expressa menção dos dispositivos tidos por violados,
bastando que a matéria por eles versada tenha sido discutida pelo Tribunal de
origem, hipótese ocorrente nos autos consoante se verifi ca do acórdão recorrido.
3. Inexistência de afronta à coisa julgada, uma vez que a pretensão veiculada
no pedido da recorrida não possui identidade com aquela constante da ação cujo
trânsito em julgado já se materializou.
4. A pretexto de afastar suposta interpretação extensiva, o Tribunal de origem
aplicou o art. 111, II, do CTN a situação em que esse comando normativo não
incide, uma vez que não se está diante de isenção, mas de mero crédito fi scal.
5. No caso concreto, o direito ao benefício fi scal previsto em lei - que por
oposição do Fisco estadual foi reconhecido e quantifi cado somente em juízo, e
após o prazo legal de fruição - deixou de possuir natureza isentiva ou de incentivo
tributário, transmudando-se em simples crédito escritural de natureza fi scal, cuja
transferência não encontra impedimento legal.
6. A LC 87/96 estabeleceu no art. 25 duas hipóteses de transferência de crédito
acumulado do ICMS. No § 1º, os créditos oriundos de operações de exploração de
matéria-prima ou produtos industrializados, como previsto no art. 3º inciso II. No
§ 2º, delegou ao legislador estadual a escolha das hipóteses, quando pretendesse
o contribuinte transferir o seu crédito a terceiro. No caso dos autos, está-se diante
da segunda hipótese.
7. Conforme constatado pelo Tribunal de origem, “em momento algum prevê a
citada lei a possibilidade de transferência da bonifi cação em espécie por via dela
concedida, a terceiros”. Não se verifi ca, também, a indicação de hipóteses para sua
ocorrência.
8. No entanto, não se pode concluir que, pelas simples ausência de hipóteses
e requisitos para a transferência de crédito tributário ou inexistência de proibição
expressa neste neste sentido, referida transferência torna-se impossibilitada.
Isto porque a regra é que os créditos, sejam eles tributários ou não, podem ser
transferidos a terceiros. Precedente (REsp 1.119.558/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX,
Rel. p/ Acórdão Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
9/5/2012, DJe 1º/8/2012).
9. Recurso especial provido.
(REsp 1.215.574/ES, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado
em 10/12/2013, DJe 18/12/2013) - grifos acrescidos
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
576
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO INEXISTENTE. REDISCUSSÃO DA
MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. IMPOSTO DE
RENDA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS. ANO-BASE 1989.
CORREÇÃO MONETÁRIA. OTN/BTNF. ÍNDICE OFICIAL.
1. Os embargos declaratórios somente são cabíveis para modifi car o julgado
que se apresentar omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar
possível erro material existente na decisão, o que não ocorreu no presente caso.
2. Nos termos da jurisprudência do STJ, o prequestionamento não exige a expressa
menção dos dispositivos violados; basta que a matéria por eles versada tenha sido
discutida pelo Tribunal de origem.
3. Não se aplica no presente caso a Súmula 126 do STJ, porquanto o acórdão
regional fundamentou-se somente em matéria infraconstitucional, baseando sua
decisão em diversos precedentes do STJ.
4. A Primeira Seção do STJ, no julgamento do AgRg nos EREsp 962.670/SP,
rel. Min. Herman Benjamin, DJe 6.9.2011, pacifi cou o entendimento no sentido
de que as demonstrações fi nanceiras ano-base de 1989 devem ser corrigidas
pelos critérios das Leis n. 7.730/89 e 7.799/89, ou seja, pelo BTNF, para fi ns de
defi nição da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. Embargos
de declaração rejeitados.
(EDcl no REsp 1.131.762/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA
TURMA, julgado em 4/9/2012, DJe 14/9/2012) - grifos acrescidos
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ICMS.
COMPENSAÇÃO ENTRE PRECATÓRIO E DÉBITO TRIBUTÁRIO ESTADUAL.
INADMISSIBILIDADE. NECESSIDADE DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL AUTORIZATIVA.
PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. AGRAVO REGIMENTAL DO CONTRIBUINTE
DESPROVIDO.
1. Inicialmente, esta Corte admite o prequestionamento implícito, desde que a
matéria federal invocada tenha sido debatida nas instâncias ordinárias, mesmo que
não haja indicação expressa dos dispositivos legais tidos por violados.
2. No mérito, as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte têm o
entendimento pacífi co de que a compensação de débitos fi scais com precatórios
vencidos e não pagos está sujeita à existência de legislação estadual autorizativa,
inexistente no caso concreto.
3. Precedentes: AgRg no Ag 1.352.105/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL
MARQUES, DJe 08.02.2011; RMS 27.982/MS, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJe
04.02.2010; AgRg no AREsp. 58.476/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe
15.12.2011.
4. Não há que se falar que a matéria ora em discussão possui índole
constitucional, pois a controvérsia foi solucionada a partir da interpretação da
legislação infraconstitucional, qual seja, o art. 170 do CTN, que disciplina a matéria.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 567-584, novembro 2017 577
5. Agravo Regimental do contribuinte desprovido.
(AgRg no AgRg no AgRg no REsp 1.270.792/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 4/9/2012, DJe 2/10/2012) -
grifos acrescidos
Sobre a questão de mérito, assim dispõem os arts. 10, alínea “c”, e 24 da Lei
n. 3.820, de 11 de novembro de 1960:
Art. 10. - As atribuições dos Conselhos Regionais são as seguintes:
(...)
c) fi scalizar o exercício da profi ssão, impedindo e punindo as infrações à lei,
bem como enviando às autoridades competentes relatórios documentados sobre
os fatos que apurarem e cuja solução não seja de sua alçada; (...).
Art. 24. - As empresas e estabelecimentos que exploram serviços para os quais
são necessárias atividades de profi ssional farmacêutico deverão provar perante os
Conselhos Federal e Regionais que essas atividades são exercidas por profi ssional
habilitado e registrado.
Parágrafo único - Aos infratores deste artigo será aplicada pelo respectivo
Conselho Regional a multa de Cr$500,00 (quinhentos cruzeiros) a Cr$5.000,00
(cinco mil cruzeiros).
Por sua vez, o art. 15 da Lei n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973, o
qual regulamenta o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos,
insumos farmacêuticos e correlatos e dá outras providências, tem o seguinte
teor:
Art. 15. A farmácia e a drogaria terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico
responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei.
§ 1º A presença do técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de
funcionamento do estabelecimento.
§ 2º Os estabelecimentos de que trata este artigo poderão manter técnico
responsável substituto, para os casos de impedimento ou ausência do titular.
§ 3º Em razão do interesse público, caracterizada a necessidade da existência
de farmácia ou drogaria, e na falta do farmacêutico, o órgão sanitário de
fi scalização local licenciará os estabelecimentos sob a responsabilidade técnica
de prático de farmácia, oficial de farmácia ou outro, igualmente inscrito no
Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei. - grifos acrescidos
Como é possível verifi car, a interpretação dos dispositivos legais atinentes
à matéria em apreço conduz ao entendimento de que os Conselhos Regionais
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
578
de Farmácia são competentes para promover a fi scalização das farmácias e
drogarias em relação à permanência de profi ssionais legalmente habilitados
durante o período integral de funcionamento das empresas farmacêuticas.
Já a atuação da Vigilância Sanitária, observa-se que ela está circunscrita
ao licenciamento do estabelecimento e à sua fi scalização, no que tange ao
cumprimento de padrões sanitários relativos ao comércio exercido, convivendo,
portanto, com as atribuições a cargo dos Conselhos.
É o que se depreende, claramente, do disposto no art. 21 da Lei n. 5.991/73,
in verbis:
Art. 21 - O comércio, a dispensação, a representação ou distribuição e a
importação ou exportação de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e
correlatos será exercido somente por empresas e estabelecimentos licenciados
pelo órgão sanitário competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios,
em conformidade com a legislação supletiva a ser baixada pelos mesmos,
respeitadas as disposições desta Lei.
Mister destacar, ainda, que a Colenda Primeira Seção desta Corte de Justiça,
no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial 380.254/
PR, já se manifestou sobre o tema em debate, decidindo, na oportunidade, em
idêntica direção, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - CONSELHO REGIONAL
DE FARMÁCIA - COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAÇÃO E APLICAÇÃO DE MULTA
AOS ESTABELECIMENTOS FARMACÊUTICOS - DESCUMPRIMENTO DO ART. 15
DA LEI 5.991/73 - NECESSÁRIA A PERMANÊNCIA DE PROFISSIONAL HABILITADO
DURANTE TODO O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DOS ESTABELECIMENTOS -
PROVIMENTO DOS EMBARGOS.
1. Uma das atribuições legalmente estabelecidas aos Conselhos Regionais
de Farmácia é a fi scalização do exercício da profi ssão, impedindo e punindo as
infrações da lei.
2. A exegese dos dispositivos das Leis 3.820/60 e 5.991/73 conduz ao entendimento
de que os Conselhos profi ssionais em questão são competentes para promover a
fi scalização das farmácias e drogarias em relação ao descumprimento do art. 15 da
Lei 5.991/73, que determina a obrigatória permanência de profi ssional legalmente
habilitado durante o período integral de funcionamento das empresas farmacêuticas.
3. Na linha de orientação desta Corte Superior, as atribuições dos órgãos de
fi scalização sanitária, previstas pela Lei 5.991/73, não excluem a competência dos
Conselhos Regionais de Farmácia de zelar pelo cumprimento do art. 15 do referido
diploma legal, fi scalizando e autuando os estabelecimentos infratores.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 567-584, novembro 2017 579
4. Precedentes desta Primeira Seção e de ambas as Turmas que a compõem.
5. Embargos de divergência acolhido.
(EREsp 380.254/PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Seção, DJ 8/8/2005) -
grifos acrescidos
No mesmo caminho, diversos são os precedentes encontrados no âmbito
desse Tribunal, confi ram-se:
ADMINISTRATIVO. REGISTRO PROFISSIONAL. ARTIGO 535, II, CPC. ALEGADA
VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DROGARIAS E FARMÁCIAS. TÉCNICO EM HORÁRIO
DE FUNCIONAMENTO. OBRIGATORIEDADE. COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO E
PUNIÇÃO DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA.
1. No tocante à alegada violação do disposto no artigo 535, II, do CPC, o
recurso não merece provimento. Os órgãos julgadores não estão obrigados a
examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo
judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente
fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição
da República vigente.
Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. A Lei n. 5.991/73 impõe obrigação administrativa às drogarias e farmácias
no sentido de que o técnico responsável pelo estabelecimento deve estar,
obrigatoriamente, presente durante todo o horário de funcionamento do
estabelecimento. Portanto, é disposição legal expressa a obrigatoriedade de presença
do técnico responsável durante todo o horário de funcionamento da farmácia ou
drogaria. Precedentes.
3. A Lei n. 5.991/73 impõe obrigação administrativa às drogarias e farmácias no
sentido de que “terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito
no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei” (art. 15), e que “a presença do
técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento
do estabelecimento”. (§ 1º). Cabe ao Conselho Regional de Farmácia promover a
fi scalização e punição devidas.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1.085.436/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 7/12/2010, DJe 3/2/2011) - grifos acrescidos
ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE TÉCNICA POR DUAS DROGARIAS -
INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL - RESPONSÁVEL SUBSTITUTO - OMISSÃO
- APLICAÇÃO PRÁTICA - COMPETÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO E PUNIÇÃO DO
CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA.
1. Requereu o ora embargante, nas razões do agravo regimental, que, caso
fosse deferida a acumulação da responsabilidade técnica, o que, de fato, ocorreu,
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
580
caberia à agravada, ora embargada, a indicação de um responsável técnico
substituto, nos moldes dos §§ 1º e 2º do art. 15 da Lei n. 5.991/73.
2. A matéria articulada no recurso especial restringe-se à possibilidade
de acumulação de responsabilidade técnica de duas drogarias pelo mesmo
profi ssional, questão totalmente resolvida por esta Corte.
3. A jurisprudência é clara no sentido de que “o farmacêutico pode acumular
a responsabilidade técnica por unidade farmacêutica e por unidade de
drogaria, bem como a responsabilidade por duas drogarias, espécies do gênero
“farmácia”. Precedentes: REsp 1.008.577/MG, DJ 16/04/2008; REsp 968.778/MG,
DJ 07.02.2008.” (AgRg no REsp 1.031.008/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma,
julgado em 18.11.2008, DJe 17.12.2008).
4. Reconhecida a possibilidade de acumulação da responsabilidade técnica,
tal como foi apresentada no recurso especial, não cabe a esta Corte defi nir a
aplicação prática disso, acerca da necessidade de responsável técnico substituto.
5. A Lei n. 5.991/73 impõe obrigação administrativa às drogarias e farmácias no
sentido de que “terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito
no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei” (art. 15), e que “a presença do
técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento
do estabelecimento”. (§ 1º). Cabe ao Conselho Regional de Farmácia promover a
fi scalização e punição devidas.
Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes, para suprir a
omissão apontada quanto à questão trazida no agravo regimental referente à
necessidade de responsável técnico substituto.
(EDcl no AgRg no REsp 1.008.960/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, julgado em 24/3/2009, DJe 23/4/2009) - grifos acrescidos
ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. FISCALIZAÇÃO.
EXIGÊNCIA DE PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO, NO ESTABELECIMENTO,
DURANTE TODO O PERÍODO DE FUNCIONAMENTO. MULTA. VALOR. INDEXAÇÃO.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
1. O Conselho Regional de Farmácia é o órgão competente para fi scalização das
farmácias e drogarias quanto à verifi cação da manutenção, durante todo o período
de funcionamento dos estabelecimentos, de profi ssional legalmente habilitado, sob
pena de incorrerem em infração passível de multa, consoante dispõe o art. 24, da Lei
n. 3.820/60 c/c art. 15, da Lei n. 5.991/73.
2. O órgão de vigilância sanitária tem como atribuição licenciar e fi scalizar
as condições de funcionamento das drogarias e farmácias, no que se refere a
observância dos padrões sanitários relativos ao comércio exercido, notadamente,
o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos
farmacêuticos e correlatos.
Precedentes: REsp 929.565/SP, DJe 11/04/2008; REsp n. 776.682/SC, DJ de
14.11.2005; REsp n. 776.669/PR, DJ de 07.11.2005; REsp n. 610.514/PR, DJ de
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 567-584, novembro 2017 581
02/08/2004; AgRg no REsp 952.006/SP, Rel. DJ 22/10/2007; AgRg no Ag 812.286/
SP, DJ 19/12/2007; AgRg no Ag 813.122/SP, DJ 07/03/2007; REsp 860.724/SP, DJ
01/03/2007; AgRg no Ag 805.918/SP, DJ 01/12/2006.
3. É cediço nesta Corte que: “Sendo as multas sanções pecuniárias, a vedação
contida na Lei n. 6.205/75, de considerar ‘valores monetários em salários mínimos’,
não as atingiu. Somente o Decreto-Lei n. 2.351/78 submeteu as penalidades
estabelecidas em lei à vinculação ao salário mínimo de referência, situação que
permaneceu até a edição da Lei n. 7.789/89, que extinguiu o salário mínimo de
referência, voltando à antiga denominação, ou seja, pelo art. 1º, da Lei n. 5.724/71,
que anteriormente tinha dado nova redação ao parágrafo único, do art. 24, da
Lei n. 3.820/60 (...) Inocorrência de ilegalidade nas multas aplicadas, visto que
não ultrapassam o limite legal estabelecido pelo art. 1º, da Lei n. 5.724/71 (...)
O Colendo Supremo Tribunal Federal, mesmo apreciando demandas penais,
pronunciou-se sobre a matéria jurídica de fundo aqui discutida (aplicação de
multa com sanção pecuniária e não como valor monetário) (REsp 316.718/PR, Rel.
Min. José Delgado, DJ de 03.09.2001)
4. Agravo Regimental desprovido.
(AgRg no REsp 975.172/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado
em 25/11/2008, DJe 17/12/2008)
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DROGARIAS E FARMÁCIAS.
FISCALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO.
COMPETÊNCIA. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA.
I - Esta Corte firmou entendimento no sentido de que “o Conselho Regional
de Farmácia é o órgão competente para fiscalização das farmácias e drogarias,
quanto à verifi cação de possuírem, durante todo o período de funcionamento dos
estabelecimentos, profi ssional legalmente habilitado, sob pena de incorrerem em
infração passível de multa, de acordo com o art. 24, da Lei n. 3.820/60 c/c art. 15, da
Lei n. 5.991/73.”
II - Precedentes: REsp n. 776.682/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 14.11.2005;
REsp n. 776.669/PR, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 07.11.2005; EREsp n.
380.254/PR, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 08.08.2005; REsp n. 610.514/PR, Rel.
Min. LUIZ FUX, DJ de 02/08/2004.
III - Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 952.006/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 25/9/2007, DJ 22/10/2007) - grifos acrescidos
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.
CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAÇÃO E
APLICAÇÃO DE MULTA AOS ESTABELECIMENTOS FARMACÊUTICOS. FALTA
DE RESPONSÁVEL TÉCNICO DURANTE O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO.
DESCUMPRIMENTO DO ART. 15, DA LEI 5.991/73. PRECEDENTES.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
582
1. “A exegese dos dispositivos das Leis 3.820/60 e 5.991/73 conduz ao
entendimento de que os Conselhos profi ssionais em questão são competentes para
promover a fi scalização das farmácias e drogarias em relação ao descumprimento
do art. 15 da Lei 5.991/73, que determina a obrigatória permanência de profi ssional
legalmente habilitado durante o período integral de funcionamento das empresas
farmacêuticas.” (EREsp 380.254/PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Seção, DJ
08/08/2005).
2. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no Ag 821.490/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 12/6/2007, DJe 30/9/2008) - grifos acrescidos
PROCESSUAL CIVIL. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. COMPETÊNCIA PARA
FISCALIZAÇÃO. PROFISSIONAL LEGALMENTE HABILITADO. PRECEDENTES DO STJ.
1. Consoante jurisprudência pacífica desta corte, o Conselho Regional de
Farmácia é o órgão competente para fiscalização das farmácias e drogarias,
quanto à verificação de manterem, durante todo o período de funcionamento
dos estabelecimentos, profi ssional legalmente habilitado. O órgão de vigilância
sanitária, por sua vez, tem como atribuição licenciar e fi scalizar as condições de
funcionamento das drogarias e farmácias, no que se refere à observância dos
padrões sanitários relativos ao comércio exercido, notadamente, o controle
sanitário da venda de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.
Precedentes: REsp 726.378/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de
02.05.2005; EREsp 414.961/PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, DJ de 15/12/2003; REsp
491.137/RS, Rel. Min. Franciulli Neto, 2ª Turma, DJ de 26/05/2003.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no Ag 808.966/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 15/3/2007, DJ 29/3/2007) - grifos acrescidos
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DROGARIAS E FARMÁCIAS.
FISCALIZAÇÃO. COMPETÊNCIA DO CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA.
RESPONSÁVEL TÉCNICO EM HORÁRIO INTEGRAL. APLICAÇÃO DE MULTA.
1. O acórdão a quo reconheceu a incompetência do recorrente para fi scalizar
e aplicar penalidades a estabelecimento farmacêutico, quanto à presença de
profi ssional habilitado.
2. O Conselho Regional de Farmácia tem competência para promover a
fi scalização e punição devidas, uma vez que o art. 24 da Lei n. 3.820/60, que cria
os Conselhos Federal e Regionais de Farmácia, é claro ao estatuir que farmácias
e drogarias devem provar, perante os Conselhos, ter profissionais habilitados e
registrados para o exercício de atividades para as quais são necessários, cabendo a
aplicação de multa aos infratores pelo Conselho respectivo.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 567-584, novembro 2017 583
3. As penalidades aplicadas têm amparo no art. 10, “c”, da Lei n. 3.820/60, que dá
poderes aos Conselhos Regionais para fi scalizar o exercício da profi ssão e punir as
infrações.
4. A Lei n. 5.991/73 impõe obrigação administrativa às drogarias e farmácias
no sentido de que “terão, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável,
inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei” (art. 15), e que “a
presença do técnico responsável será obrigatória durante todo o horário de
funcionamento do estabelecimento” (§ 1º).
5. Ausência de ilegalidade nas multas aplicadas.
6. Recurso provido.
(REsp 860.724/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em
13/2/2007, DJ 1º/3/2007)
Logo, para efeitos do art. 543-C do CPC, fi rma-se a tese no sentido de
ser legal a fi scalização e atuação dos Conselhos Profi ssionais de Farmácia, no
que se refere à presença do farmacêutico responsável durante todo o período de
funcionamento do estabelecimento comercial, nos termos dos arts. 24 da Lei n.
3.820/60 e 15 da Lei n. 5.991/73.
Passo à análise do caso concreto.
No caso, cuida-se, na origem, de embargos à execução fi scal movido pela
Drogaria Ferreira e Lima Ltda. contra o Conselho Regional de Farmácia.
A teor da sentença, o juiz acolheu em parte o pedido, declarando nulas
algumas das CDAs juntadas aos autos, por supostamente não preencherem
os requisitos de validade, e determinando o prosseguimento da execução em
relação a outra.
Em sede de apelação, o Conselho de Farmácia arguiu a validade das
demais CDAs acostadas aos autos.
O Tribunal de origem, contudo, ao julgar o recurso de apelação, limitou-
se a afi rmar que o Conselho Regional de Farmácia não tinha competência
para fi scalizar os estabelecimentos comerciais, motivo pelo qual não deveriam
subsistir nenhuma das autuações objeto de questionamento, mantida a sentença
apenas por vedação de reformatio in pejus.
Assim, a Corte local deixou de apreciar as razões levadas à sua consideração
pelo apelante, atinentes à validade das CDAs acostadas aos autos, cabendo
àquele Tribunal enfrentar tais questões, uma vez fi rmada, por meio da presente
via, a competência do referido Conselho para fi scalizar e autuar, em caso de
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
584
irregularidade na manutenção de profi ssional farmacêutico durante período
integral, drogarias e farmácias.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, a fi m de reformar o
acórdão e, nessa extensão, reconhecer e declarar a competência dos Conselhos
Regionais de Farmácia para fi scalizar e autuar farmácias e drogarias, no que
tange à presença do farmacêutico responsável, durante todo o período de
funcionamento do estabelecimento comercial, determinando, em consequência,
o retorno dos presentes autos à instância de origem para que prossiga no
julgamento da causa, sobretudo no que diz respeito à regularidade das CDAs
acostadas aos autos.
Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ
n. 8/2008.
É como voto.
Súmula n. 562
SÚMULA N. 562
É possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o
condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa,
ainda que extramuros.
Referências:
CPC, art. 543-C.
LEP, art. 126.
Precedentes:
(*)REsp 1.381.315-RJ (3ª S, 13.05.2015 – DJe 19.05.2015) – acórdão
publicado na íntegra
HC 184.501-RJ (5ª T, 27.03.2012 – DJe 25.05.2012)
HC 239.498-RJ (5ª T, 22.10.2013 – DJe 05.11.2013)
HC 206.313-RJ (5ª T, 05.12.2013 – DJe 11.12.2013)
HC 205.592-RJ (6ª T, 19.02.2013 – DJe 27.02.2013)
HC 219.772-RJ (6ª T, 15.08.2013 – DJe 26.08.2013)
(*) Recurso repetitivo.
Terceira Seção, em 24.2.2016
DJe 29.2.2016
RECURSO ESPECIAL N. 1.381.315-RJ (2013/0148762-1)
Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz
Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
Recorrido: José Jerônimo Alves Ferreira
Advogado: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro
Interes.: Defensoria Pública da União - “Amicus Curiae”
Advogado: Defensoria Pública da União
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O
RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.
EXECUÇÃO PENAL. APENADO EM REGIME
SEMIABERTO. REALIZAÇÃO DE TRABALHO FORA DO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL. REMIÇÃO DE PARTE
DA PENA. POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Recurso Especial processado sob o regime previsto no art.
543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008
do STJ. TESE: É possível a remição de parte do tempo de execução da
pena quando o condenado, em regime fechado ou semiaberto, desempenha
atividade laborativa extramuros.
2. O art. 126 da Lei de Execução Penal não fez nenhuma
distinção ou referência, para fi ns de remição de parte do tempo de
execução da pena, quanto ao local em que deve ser desempenhada
a atividade laborativa, de modo que se mostra indiferente o fato de
o trabalho ser exercido dentro ou fora do ambiente carcerário. Na
verdade, a lei exige apenas que o condenado esteja cumprindo a pena
em regime fechado ou semiaberto.
3. Se o condenado que cumpre pena em regime aberto ou
semiaberto pode remir parte da reprimenda pela frequência a curso
de ensino regular ou de educação profi ssional, não há razões para não
considerar o trabalho extramuros de quem cumpre pena em regime
semiaberto, como fator de contagem do tempo para fi ns de remição.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
590
4. Em homenagem, sobretudo, ao princípio da legalidade, não
cabe restringir a futura concessão de remição da pena somente àqueles
que prestam serviço nas dependências do estabelecimento prisional,
tampouco deixar de recompensar o apenado que, cumprindo a pena no
regime semiaberto, exerça atividade laborativa, ainda que extramuros.
5. A inteligência da Lei de Execução Penal direciona-se a
premiar o apenado que demonstra esforço em se ressocializar e que
busca, na atividade laboral, um incentivo maior à reintegração social
(“a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença
ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica
integração social do condenado e do internado” - art. 1º).
6. A ausência de distinção pela lei, para fi ns de remição, quanto
à espécie ou ao local em que o trabalho é realizado, espelha a própria
função ressocializadora da pena, inserindo o condenado no mercado
de trabalho e no próprio meio social, minimizando suas chances de
recidiva delitiva.
7. Ausentes, por defi ciência estrutural ou funcional do Sistema
Penitenciário, as condições que permitam a oferta de trabalho digno
para todos os apenados aptos à atividade laborativa, não se há de impor
ao condenado que exerce trabalho extramuros os ônus decorrentes
dessa inefi ciência.
8. A supervisão direta do próprio trabalho deve fi car a cargo do
patrão do apenado, cumprindo à administração carcerária a supervisão
sobre a regularidade do trabalho.
9. Uma vez que o Juízo das Execuções Criminais concedeu ao
recorrido a possibilidade de realização de trabalho extramuros, mostra-
se, no mínimo, contraditório o Estado-Juiz permitir a realização dessa
atividade fora do estabelecimento prisional, com vistas à ressocialização
do apenado, e, ao mesmo tempo, ilidir o benefício da remição.
10. Recurso especial representativo da controvérsia não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Seção, por unanimidade, negar provimento ao recurso
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 585-600, novembro 2017 591
especial representativo da controvérsia, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Gurgel de Faria, Newton Trisotto
(Desembargador convocado do TJ/SC), Ericson Maranho (Desembargador
convocado do TJ/SP), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado
do TJ/PE), Felix Fischer, Maria Th ereza de Assis Moura e Sebastião Reis Júnior
votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge
Mussi. A Dra. Th aís dos Santos Lima, Defensora Pública do Estado do Rio de
Janeiro, sustentou oralmente pela parte Recorrida. O Dr. Felipe Dezorzi Borges
sustentou oralmente pela Defensoria Pública da União - “Amicus Curiae”.
Brasília (DF), 13 de maio de 2015 (data do julgamento).
Ministro Rogerio Schietti Cruz, Relator
DJe 19.5.2015
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz: O MINISTÉRIO PÚBLICO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO interpõe recurso especial, com fundamento no
art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC n. 0009562-14.2012.8.19.0000).
Depreende-se dos autos que, em 21/8/2007, o Juiz da Vara das Execuções
Criminais deferiu a progressão do ora recorrido para o regime semiaberto e,
posteriormente, em 26/12/2007, concedeu a possibilidade de realização de
trabalho extramuros (fl . 42). Em 13/5/2010, o Magistrado indeferiu o pedido de
remição de parte da pena formulado em favor do recorrido, pelo desempenho de
trabalho externo.
A defesa, então, ingressou com o remédio constitucional no Tribunal de
origem, cuja ordem foi concedida, “desconstituindo-se a decisão impugnada para
que outra seja proferida, superado o óbice da impossibilidade de deferimento
da remição pelo trabalho externo” (fl . 60). Contra esse acórdão, foram opostos
embargos de declaração, os quais foram rejeitados.
O recorrente alega negativa de vigência aos arts. 126 e 129 da Lei de
Execução Penal, sob o fundamento de que “apenas o trabalho acompanhado
e fi scalizado pela autoridade administrativa da Unidade Prisional, ou seja, o
trabalho interno, pode ensejar a remição da pena” (fl . 105).
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
592
Argumenta que, “se é certo que o art. 126 da Lei de Execução Penal
estabelece a remição da pena para os condenados em regime fechado ou
semiaberto, não se pode ignorar que os apenados em regime semiaberto podem
usufruir de trabalho extramuros, na forma do art. 122, III da Lei n. 7.210/84.
Daí decorre que, nos estabelecimentos prisionais de regime semiaberto, alguns
apenados exercem trabalho interno, dentro do estabelecimento prisional, e
outros, trabalho externo, no meio livre” (fl s. 109-110).
Nesse sentido, considera que, “se houvesse a possibilidade de se remir a
pena, no regime semiaberto, do apenado benefi ciado com trabalho extramuros,
a situação de vantagem deste para aquele que trabalha internamente seria
desproporcional” (fl . 110).
Ainda, defende que, caso fosse possível aceitar a remição da pena no
regime mais rigoroso (semiaberto, com trabalho externo), o benefício também
deveria ser admitido no regime menos gravoso (o aberto), o que não é permitido
pelo nosso ordenamento jurídico. E salienta: “O fundamento desta restrição
reside na circunstância de que os apenados em regime aberto devem se submeter
ao cumprimento de papéis sociais e às expectativas do regime que lhes concede
a liberdade de trabalho contratual” (fl . 110).
Pondera que “Quem encaminhou a planilha de dias trabalhados pelo
Recorrido não foi a administração carcerária, como claramente exige o artigo
129, da Lei n. 7.210/84” (fl . 112). Nesse ponto, alega que o desempenho de
trabalho, para fi ns de remição, está atrelado à modalidade interna, porque essa,
sim, é passível de fi scalização pela administração carcerária.
Requer o provimento do recurso, para que “seja restabelecido o
cumprimento da lei de execução penal, cassando-se o douto acórdão proferido
pela Egrégia Quinta Câmara Criminal do Rio de Janeiro, restabelecendo-se a
decisão do juízo da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro que indeferiu a
remição da pena para os trabalhos realizados externamente” (fl . 122).
Contrarrazões às fl s. 130-136.
O Tribunal de origem, durante o juízo prévio de admissibilidade, admitiu
o recurso como representativo da controvérsia, nos moldes do art. 543-C, § 1º,
do Código de Processo Civil, e determinou a suspensão dos demais recursos
especiais, nos quais a controvérsia esteja estabelecida, até o pronunciamento
defi nitivo deste Superior Tribunal acerca da matéria.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 585-600, novembro 2017 593
Por meio da decisão de fl s. 180-181, determinei que este recurso fosse
processado como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C do
Código de Processo Civil e da Resolução n. 8/2008 deste Superior Tribunal.
Feitas as comunicações de praxe, o Ministério Público Federal, em
parecer de lavra do Subprocurador-Geral da República Moacir Mendes Sousa,
manifestou-se pelo não provimento do recurso (fl . 267):
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC.
EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DA PENA EM RAZÃO DO EXERCÍCIO DE TRABALHO
EXTRAMUROS DESVINCULADA DA ADMINISTRAÇÃO CARCERÁRIA. NEGATIVA DE
VIGÊNCIA DOS ARTIGOS 126 E 129, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA.
A lei não exigiu para concessão do benefício da remição a vigilância direta da
atividade exercida pelo apenado. Não tendo o legislador restringido a concessão
do benefício da remição apenas aos condenados que realizam trabalho nas
dependências do estabelecimento prisional, não pode o Julgador fazê-lo.
Isso porque estaria o Magistrado invadindo a esfera de atuação do legislador,
impondo requisitos onde a lei não o fez.
A comprovação do efetivo trabalho e sua mensuração temporal, para fi ns de
remição, pode ser feita através de documentação idônea, a exemplo do controle
do horário de saída e chegada do apenado ao estabelecimento prisional, bem
como de diligências determinadas pelo Juízo da Execução, que certamente
podem comprovar a quantifi cação temporal.
Parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso especial.
VOTO
O Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator):
I. Contextualização
A controvérsia a ser dirimida neste recurso especial admitido como
representativo diz respeito à possibilidade de remição de parte do tempo de
execução da pena pelo desempenho de trabalho externo prestado por apenado
em regime semiaberto.
Consta dos autos que o recorrido possui duas cartas de execução em
trâmite no Juízo da Vara das Execuções Criminais, cujas penas, unifi cadas,
totalizam pouco mais de 35 anos de reclusão. Em 21/8/2007, o Juiz da Vara
das Execuções Criminais deferiu a progressão do ora recorrido para o regime
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
594
semiaberto e, posteriormente, em 26/12/2007, concedeu a possibilidade de
realização de trabalho extramuros (fl . 42).
Em 13/5/2010, o Magistrado de primeiro grau indeferiu o pedido de
remição de parte da pena formulado em favor do recorrido, pelo desempenho de
trabalho externo. A decisão fi cou assim fundamentada (fl . 11):
A remição é uma recompensa àqueles que procedem corretamente e uma
forma de abreviar o tempo de condenação, e só se aplica ao trabalho interno
supervisionado pela autoridade administrativa, a quem compete a distribuição
das tarefas, segundo a aptidão do condenado.
Assim. o entendimento esposado por este juízo é no sentido de ser incabível a
remição de pena por atividade laboral extramuros, desvinculada da administração
carcerária, assim, em benefício exclusivo do apenado. o único senhor da atividade
empreendida.
Por tais razões, INDEFIRO a remição das planilhas de fl s. 437/459.
A defesa, então, ingressou com remédio constitucional no Tribunal de
origem, cuja ordem foi concedida, pelos fundamentos abaixo aduzidos (fl s. 57-
60):
O instituto da remição tem amparo nos artigos 126 a 130 da LEP.
O artigo 126 consagra que o apenado que cumpre pena em regime fechado
ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena;
tal norma não condicionou a natureza do trabalho, ou seja, trabalho interno ou
externo, para efeito de concessão do benefício da remição.
A prestação de trabalho externo, segundo o artigo 37 da LEP, tem como
requisitos: a aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo
de 1/6 (um sexto) da pena.
São poucos os programas da iniciativa privada e até mesmo estatais destinados
à reabilitação profi ssional de apenados e ex-apenados.
Aqueles que com muito esforço conseguem uma oportunidade de trabalho
dentro ou fora do sistema carcerário são exceções; sem dúvida os apenados
dependem da ajuda de amigos, parentes e das poucas pessoas que acreditam na
ressocialização dos egressos do sistema penal.
O sistema carcerário brasileiro, que se encontra num estado caótico, não
teria condições de oferecer trabalho digno a todos os apenados que tivessem
condições de trabalhar internamente ou estudar, para remir parte do seu tempo
de pena.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 585-600, novembro 2017 595
Também nos parece ser contraditório o Estado Juiz deferir o trabalho
extramuros, visando a ressocialização do apenado, e não aceitar tal trabalho para
fi ns de remição.
No caso ora em análise, o trabalho exercido pelo paciente em uma
oficina mecânica, legalmente estabelecida, deveria ser supervisionado pela
Administração Pública. Se esta não verifi ca o trabalho do apenado, não pode ele
sofrer as consequências da omissão da Administração.
Verifica-se também que o parágrafo 6º do artigo 126 da LEP, introduzido
pela Lei 12.433/11, dispõe que aquele que cumpre pena em regime aberto ou
semiaberto pode remir a sua pena pela frequência em curso de ensino regular
ou de educação profi ssional. Mais um motivo para ser considerado o trabalho
extramuros como fator de contagem do tempo para o fi m de remição, pois, se o
estudo fora do estabelecimento prisional pode ser considerado, por quê não o
trabalho?
‘Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou
semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de
execução da pena.
§ 6º O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e
o que usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso
de ensino regular ou de educação profi ssional, parte do tempo de execução
da pena ou do período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1º
deste artigo.’
A jurisprudência deste Tribunal não hesita em reconhecer o trabalho externo
para efeito de remição:
[...]
Por tais fundamentos, entendo que a ordem deva ser concedida,
desconstituindo-se a decisão impugnada para que outra seja proferida, superado
o óbice da impossibilidade de deferimento da remição pelo trabalho externo.
É como voto.
II. A Lei de Execução Penal
Segundo o art. 126, caput, da Lei de Execução Penal, “O condenado que
cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou
por estudo, parte do tempo de execução da pena.”
Ainda, dispõe o § 6º do referido dispositivo legal que:
§ 6º O condenado que cumpre pena em regime aberto ou semiaberto e o que
usufrui liberdade condicional poderão remir, pela frequência a curso de ensino
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
596
regular ou de educação profi ssional, parte do tempo de execução da pena ou do
período de prova, observado o disposto no inciso I do § 1º deste artigo.
Dos dispositivos anteriormente transcritos, constato que o art. 126 da
Lei de Execução Penal não fez nenhuma distinção ou referência, para fi ns de
remição de parte do tempo de execução da pena, quanto ao local em que deve
ser desempenhada a atividade laborativa, de modo que entendo indiferente o fato
de o trabalho ser exercido dentro ou fora do ambiente carcerário. Na verdade, a lei
exige apenas que o condenado esteja cumprindo a pena em regime fechado ou
semiaberto.
Nesse sentido, menciono o seguinte julgado da Quinta Turma desta Corte
Superior de Justiça:
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA. REMIÇÃO. REGIME SEMIABERTO.
TRABALHO EXTRAMUROS. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
EVIDENCIADO.
1. A Lei de Execução Penal autoriza a remição do remanescente da pena
aos reeducandos em regime fechado ou semiaberto, não sendo facultada a
concessão do benefício apenas se ela estiver sendo cumprida em regime aberto.
2. O art. 126 da Lei n. 7.210/84 não faz nenhuma distinção quanto à natureza
do trabalho ou quanto ao local de seu exercício, sendo, portanto, indiferente para o
alcance do benefício da remição se o trabalho é prestado em ambiente externo ou
dentro do estabelecimento prisional.
3. Ordem parcialmente concedida, de ofício, para determinar ao Juízo das
Execuções Criminais que reaprecie o pedido de remição da pena, afastando
o entendimento de que não é possível, no regime semiaberto, o resgate pelo
trabalho realizado fora do estabelecimento prisional.
(HC n. 206.313/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, 5ª T., DJ 11/12/2013)
Esse também é o entendimento da Sexta Turma deste Superior Tribunal:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE
RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) REMISSÃO. REGIME
SEMI-ABERTO. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE. ILEGALIDADE MANIFESTA.
(3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...]
3. Hipótese em que há fl agrante ilegalidade a ser reconhecida. O artigo 126
da Lei de Execuções apenas exige que o condenado esteja cumprindo a pena em
regime fechado ou semiaberto, mas não determina o local em que o apenado
deverá exercer a atividade laborativa.
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 585-600, novembro 2017 597
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, afastado
o entendimento de que não se aplica a remição ao trabalho realizado fora do
estabelecimento prisional, determinar que o juízo da execução reaprecie o pedido
do paciente de remição da pena, ajuizado enquanto ele se encontrava no regime
semiaberto (execução 2205/11785-8).
(HC n. 219.772/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe
26/8/2013)
HABEAS CORPUS. CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. TRABALHO EXTERNO.
REMIÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE.
[...]
3. A única imposição contida no art. 126 da Lei de Execuções, para a concessão
da remição, é a de que o condenado cumpra pena em regime fechado ou
semiaberto, nada explicitando acerca do local desse trabalho. Logo, possível a
remição da pena naqueles casos em que o preso trabalha fora do estabelecimento
prisional. Precedentes.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para possibilitar a
remição da pena.
(HC n. 205.592/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, 6ª T., DJe 27/2/2013)
Ademais, se o condenado que cumpre pena em regime aberto ou
semiaberto pode remir parte da reprimenda pela frequência a curso de ensino
regular ou de educação profi ssional, não vejo razões para não considerar o
trabalho extramuros de quem cumpre pena em regime semiaberto como fator
de contagem do tempo para fi ns de remição.
Ainda, destaco que o art. 36 da Lei de Execução Penal somente prescreve
a exigência de que o trabalho externo seja exercido por meio de “serviço ou
obras públicas realizadas por órgãos da Administração Direta ou Indireta, ou
entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra a fuga e em favor da
disciplina”.
Dessa forma, considero que, em homenagem, sobretudo, ao princípio
da legalidade, não se pode restringir a futura concessão de remição da pena
somente àqueles que prestam serviço nas dependências do estabelecimento
prisional, tampouco deixar de recompensar o apenado que esteja cumprindo a
pena no regime semiaberto e exerça atividade laborativa, ainda que extramuros.
Aliás, ressalto que a realização de trabalho externo, uma vez comprovada,
poderá servir, também, como pressuposto para a própria concessão futura da
remição da pena.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
598
Na verdade, a inteligência da Lei de Execução Penal direciona-se a premiar
o apenado que demonstra esforço em se ressocializar e que busca, na atividade
laboral, um incentivo maior à reintegração social (“a execução penal tem por
objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” -
art. 1º).
A ausência de distinção pela lei, para fi ns de remição, quanto à espécie ou
ao local em que o trabalho é realizado, espelha a própria função ressocializadora
da pena, inserindo o condenado no mercado de trabalho e no próprio meio social
e reduzindo suas chances de retorno às atividades ilícitas. Ainda, consoante já
decidiu este Superior Tribunal, permite “a verifi cação da disciplina e do senso de
responsabilidade do apenado no cumprimento da pena” (HC n. 184.501/RJ, Rel.
Ministro Marco Aurélio Bellizze, 5ª T., DJe 25/5/2012).
Aliás, em sua Exposição de Motivos, a Lei de Execução Penal trouxe
a fundamentação para a incorporação do instituto da remição da pena ao
ordenamento jurídico, nos seguintes termos:
132. A remição é uma nova proposta ao sistema e tem, entre outros méritos, o
de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação. Três dias de trabalho
correspondem a um dia de resgate. O tempo remido será computado para a
concessão do livramento condicional e do indulto, que a exemplo da remição
constituem hipóteses práticas de sentença indeterminada como fenômeno que
abranda os rigores da prefi xação invariável, contrária aos objetivos da Política
Criminal e da reversão pessoal do delinquente.
III. O instituto da remição
Faço lembrar que a remição é um instituto da execução penal que estimula
o próprio apenado a buscar atividades laborativas lícitas e educacionais durante
o seu período de encarceramento, não apenas para reduzir parte de sua expiação,
mas também para minimizar os efeitos da ociosidade na vida carcerária e, por
conseguinte, trazer maior disciplina ao ambiente prisional. Portanto, o art. 126
da Lei de Execução Penal deve ser interpretado de acordo com a concepção
teleológica do instituto da remição.
Ainda, destaco que, por vezes, o apenado não dispõe de estruturas laborais
dentro do estabelecimento prisional, somente conseguindo trabalhar em lugar
fora da unidade carcerária. Essa situação também foi constatada pela Corte
estadual, ao salientar que (fl . 58):
SÚMULAS - PRECEDENTES
RSSTJ, a. 9, (45): 585-600, novembro 2017 599
O sistema carcerário brasileiro, que se encontra num estado caótico, não
teria condições de oferecer trabalho digno a todos os apenados que tivessem
condições de trabalhar internamente ou estudar, para remir parte do seu tempo
de pena.
Ausentes, por defi ciência estrutural ou funcional do Sistema Penitenciário,
as condições que permitam a oferta de trabalho digno para todos os apenados
aptos à atividade laborativa, não se há de impor ao condenado que exerce
trabalho extramuros os ônus decorrentes dessa inefi ciência.
Pondero que a supervisão direta do próprio trabalho, como tanto enfatizou
o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em suas razões recursais,
deve fi car a cargo do patrão do apenado, cumprindo à administração carcerária a
supervisão sobre a regularidade do trabalho. Acrescento que a frequência a curso
de ensino regular ou de educação profi ssional, que também não se submete a
essa supervisão direta trazida pelo recorrente, é aceito para fi ns de remição de
parte do tempo de execução da pena.
Por fi m, saliento mais uma vez que, autorizado ao trabalho extramuros
pelo Juízo das Execuções Criminais (fl . 42), o recorrido desempenhou suas
atividades em uma ofi cina mecânica, legalmente estabelecida. Portanto, mostra-
se, no mínimo, contraditório o Estado-Juiz permitir a realização dessa atividade
fora do estabelecimento prisional, com vistas à ressocialização do apenado, e, ao
mesmo tempo, ilidir o benefício da remição
IV. Conclusão
Ante tais considerações, entendo que não há motivos para negar ao
recorrido a possibilidade de remição de parte da pena pela realização, durante o
regime semiaberto, de trabalho externo.
Por conseguinte, a tese jurídica fi xada, para os fi ns previstos no art. 543-C
do Código de Processo Civil, é a seguinte:
É possível a remição de parte do tempo de execução da pena quando o condenado,
em regime fechado ou semiaberto, desempenha atividade laborativa, ainda que
extramuros.
V. Dispositivo
À vista do exposto, nego provimento ao recurso especial.
Por se tratar de recurso representativo da controvérsia, determino o envio
de cópia do inteiro teor deste acórdão, após a devida publicação, à Presidência
deste Superior Tribunal, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e
do Distrito Federal e dos Territórios, bem como aos Presidentes dos Tribunais
Regionais Federais, para o cumprimento do disposto no art. 543-C, § 7º, do
Código de Processo Civil e no art. 5º da Resolução n. 8/2008 deste Superior
Tribunal.
Índice Analítico
A
Ação de cobrança do seguro DPVAT - Escolha de foro. Súmula n. 540-STJ. RSSTJ
45/59.
Ação de reparação de danos - Seguradora denunciada. Súmula n. 537-STJ. RSSTJ
45/11.
Ação penal pública incondicionada - Crime de lesão corporal resultante de violência
doméstica contra a mulher. Súmula n. 542-STJ. RSSTJ 45/151.
Administradora de consórcio - Taxa de administração. Súmula n. 538-STJ. RSSTJ
45/29.
Aposentadoria por invalidez precedido de auxílio-doença - Renda Mensal Inicial
(RMI). Súmula n. 557-STJ. RSSTJ 45/503.
C
Cadastro de inadimplentes - Exclusão do registro da dívida em nome do devedor .
Súmula n. 548-STJ. RSSTJ 45/261.
Capitalização de juros - Contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema
Financeiro Nacional. Súmula n. 539-STJ. RSSTJ 45/43.
CDC, art. 43 - Lei n. 12.414/2011, arts. 3º, § 3º, I e II; 5º, IV; 7º, I, e 16 - Utilização de
escore de crédito. Súmula n. 550-STJ. RSSTJ 45/319.
Competência - Crime de uso de documento falso. Súmula n. 546-STJ. RSSTJ 45/213.
Competência - Empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica.
Súmula n. 553-STJ. RSSTJ 45/435.
ÍNDICE ANALÍTICO
604
Complementação de ações de empresas de telefonia - Lei n. 9.249/1995, art. 9º. Súmula n. 551-STJ. RSSTJ 45/357.
Concurso público - Vagas reservadas. Súmula n. 552-STJ. RSSTJ 45/383.
Confi ssão - CP, art. 65, III, d - Formação do convencimento do julgador. Súmula n. 545-STJ. RSSTJ 45/201.
Conselhos Regionais de Farmácia - Lei n. 3.820/1960, arts. 10, c, e 24, parágrafo único. Súmula n. 561-STJ. RSSTJ 45/567.
Contrato bancário - Taxa de juros. Súmula n. 541-STJ. RSSTJ 45/79.
Contrato de locação - Penhora de bem de família pertencente a fi ador. Súmula n. 549-STJ. RSSTJ 45/291.
Contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional - Capitalização de juros. Súmula n. 539-STJ. RSSTJ 45/43.
CP, art. 65, III, d - Confi ssão - Formação do convencimento do julgador. Súmula n. 545-STJ. RSSTJ 45/201.
Crédito tributário - Constituição - Prazo decadencial quinquenal. Súmula n. 555-STJ. RSSTJ 45/475.
Crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher - Ação penal pública incondicionada. Súmula n. 542-STJ. RSSTJ 45/151.
Crime de uso de documento falso - Competência. Súmula n. 546-STJ. RSSTJ 45/213.
CTN, art. 185-A - Decretação da indisponibilidade de bens e direitos. Súmula n. 560-STJ. RSSTJ 45/551.
Custeio de construção de rede elétrica - Participação fi nanceira do consumidor - Prazo prescricional. Súmula n. 547-STJ. RSSTJ 45/231.
D
Decretação da indisponibilidade de bens e direitos - CTN, art. 185-A. Súmula n.
560-STJ. RSSTJ 45/551.
E
Empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica - Competência.
Súmula n. 553-STJ. RSSTJ 45/435.
Escolha de foro - Ação de cobrança do seguro DPVAT. Súmula n. 540-STJ. RSSTJ
45/59.
Exclusão do registro da dívida em nome do devedor - Cadastro de inadimplentes.
Súmula n. 548-STJ. RSSTJ 45/261.
ÍNDICE ANALÍTICO
RSSTJ, a. 9, (45): 601-608, novembro 2017 605
Execução fi scal - Petição inicial. Súmula n. 558-STJ. RSSTJ 45/517.
Execução fi scal - Petição inicial - Instrução. Súmula n. 559-STJ. RSSTJ 45/537.
F
Formação do convencimento do julgador - Confi ssão - CP, art. 65, III, d. Súmula n.
545-STJ. RSSTJ 45/201.
I
Imposto de Renda (IR) - Não incidência - Valor da complementação de aposentadoria pago por entidade de previdência privada. Súmula n. 556-STJ. RSSTJ 45/491.
Indenização do seguro DPVAT - Proporcionalidade ao grau de invalidez - Tabela do Conselho Nacional de Seguros Privados. Súmula n. 544-STJ. RSSTJ 45/181.
L
Lei n. 3.820/1960, arts. 10, c, e 24, parágrafo único - Conselhos Regionais de Farmácia. Súmula n. 561-STJ. RSSTJ 45/567.
Lei n. 9.249/1995, art. 9º - Complementação de ações de empresas de telefonia. Súmula n. 551-STJ. RSSTJ 45/357.
Lei n. 12.414/2011, arts. 3º, § 3º, I e II; 5º, IV; 7º, I, e 16 - CDC, art. 43 - Utilização de escore de crédito. Súmula n. 550-STJ. RSSTJ 45/319.
LEP, art. 126 - Remição de parte do tempo de execução da pena. Súmula n. 562-STJ. RSSTJ 45/585.
P
Participação fi nanceira do consumidor - Custeio de construção de rede elétrica - Prazo prescricional. Súmula n. 547-STJ. RSSTJ 45/231.
Penhora de bem de família pertencente a fi ador - Contrato de locação. Súmula n. 549-STJ. RSSTJ 45/291.
Petição inicial - Execução fi scal. Súmula n. 558-STJ. RSSTJ 45/517.
Petição inicial - Instrução - Execução fi scal. Súmula n. 559-STJ. RSSTJ 45/537.
Prazo decadencial quinquenal - Crédito tributário - Constituição. Súmula n. 555-STJ. RSSTJ 45/475.
Prazo prescricional - Custeio de construção de rede elétrica - Participação fi nanceira
do consumidor. Súmula n. 547-STJ. RSSTJ 45/231.
ÍNDICE ANALÍTICO
606
R
Remição de parte do tempo de execução da pena - LEP, art. 126. Súmula n. 562-STJ.
RSSTJ 45/585.
Renda Mensal Inicial (RMI) - Aposentadoria por invalidez precedido de auxílio-
doença. Súmula n. 557-STJ. RSSTJ 45/503.
Resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel - Restituição das
parcelas pagas. Súmula n. 543-STJ. RSSTJ 45/165.
Responsabilidade tributária da sucessora - Sucessão empresarial. Súmula n. 554-STJ.
RSSTJ 45/459.
Restituição das parcelas pagas - Resolução de contrato de promessa de compra e
venda de imóvel. Súmula n. 543-STJ. RSSTJ 45/165.
S
Seguradora denunciada - Ação de reparação de danos. Súmula n. 537-STJ. RSSTJ
45/11.
Sucessão empresarial - Responsabilidade tributária da sucessora. Súmula n. 554-STJ.
RSSTJ 45/459.
Súmula n. 537-STJ - Ação de reparação de danos - Seguradora denunciada. RSSTJ
45/11.
Súmula n. 538-STJ - Administradora de consórcio - Taxa de administração. RSSTJ
45/29.
Súmula n. 539-STJ - Capitalização de juros - Contratos celebrados com instituições
integrantes do Sistema Financeiro Nacional. RSSTJ 45/43.
Súmula n. 540-STJ - Ação de cobrança do seguro DPVAT - Escolha de foro. RSSTJ
45/59.
Súmula n. 541-STJ - Contrato bancário - Taxa de juros. RSSTJ 45/79.
Súmula n. 542-STJ - Ação penal pública incondicionada - Crime de lesão corporal
resultante de violência doméstica contra a mulher. RSSTJ 45/151.
Súmula n. 543-STJ - Resolução de contrato de promessa de compra e venda de
imóvel - Restituição das parcelas pagas. RSSTJ 45/165.
Súmula n. 544-STJ - Indenização do seguro DPVAT - Proporcionalidade ao grau de
invalidez - Tabela do Conselho Nacional de Seguros Privados. RSSTJ 45/181.
Súmula n. 545-STJ - Confi ssão - CP, art. 65, III, d - Formação do convencimento do
julgador. RSSTJ 45/201.
ÍNDICE ANALÍTICO
RSSTJ, a. 9, (45): 601-608, novembro 2017 607
Súmula n. 546-STJ - Competência - Crime de uso de documento falso. RSSTJ 45/213.
Súmula n. 547-STJ - Custeio de construção de rede elétrica - Participação fi nanceira do consumidor - Prazo prescricional. RSSTJ 45/231.
Súmula n. 548-STJ - Cadastro de inadimplentes - Exclusão do registro da dívida em nome do devedor . RSSTJ 45/261.
Súmula n. 549-STJ - Contrato de locação - Penhora de bem de família pertencente a fi ador. RSSTJ 45/291.
Súmula n. 550-STJ - CDC, art. 43 - Lei n. 12.414/2011, arts. 3º, § 3º, I e II; 5º, IV; 7º, I, e 16 - Utilização de escore de crédito. RSSTJ 45/319.
Súmula n. 551-STJ - Complementação de ações de empresas de telefonia - Lei n. 9.249/1995, art. 9º. RSSTJ 45/357.
Súmula n. 552-STJ - Concurso público - Vagas reservadas. RSSTJ 45/383.
Súmula n. 553-STJ - Competência - Empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica. RSSTJ 45/435.
Súmula n. 554-STJ - Responsabilidade tributária da sucessora - Sucessão empresarial. RSSTJ 45/459.
Súmula n. 555-STJ - Crédito tributário - Constituição - Prazo decadencial quinquenal. RSSTJ 45/475.
Súmula n. 556-STJ - Imposto de Renda (IR) - Não incidência - Valor da complementação de aposentadoria pago por entidade de previdência privada. RSSTJ 45/491.
Súmula n. 557-STJ - Aposentadoria por invalidez precedido de auxílio-doença - Renda Mensal Inicial (RMI). RSSTJ 45/503.
Súmula n. 558-STJ - Execução fi scal - Petição inicial. RSSTJ 45/517.
Súmula n. 559-STJ - Execução fi scal - Petição inicial - Instrução. RSSTJ 45/537.
Súmula n. 560-STJ - CTN, art. 185-A - Decretação da indisponibilidade de bens e direitos. RSSTJ 45/551.
Súmula n. 561-STJ - Conselhos Regionais de Farmácia - Lei n. 3.820/1960, arts. 10, c, e 24, parágrafo único. RSSTJ 45/567.
Súmula n. 562-STJ - LEP, art. 126 - Remição de parte do tempo de execução da pena. RSSTJ 45/585.
T
Tabela do Conselho Nacional de Seguros Privados - Indenização do seguro DPVAT -
Proporcionalidade ao grau de invalidez. Súmula n. 544-STJ. RSSTJ 45/181.
ÍNDICE ANALÍTICO
608
Taxa de administração - Administradora de consórcio. Súmula n. 538-STJ. RSSTJ
45/29.
Taxa de juros - Contrato bancário. Súmula n. 541-STJ. RSSTJ 45/79.
U
Utilização de escore de crédito - CDC, art. 43 - Lei n. 12.414/2011, arts. 3º, § 3º, I e
II; 5º, IV; 7º, I, e 16. Súmula n. 550-STJ. RSSTJ 45/319.
V
Vagas reservadas - Concurso público. Súmula n. 552-STJ. RSSTJ 45/383.
Valor da complementação de aposentadoria pago por entidade de previdência privada -
Imposto de Renda (IR) - Não incidência. Súmula n. 556-STJ. RSSTJ 45/491.
Índice Sistemático
SÚMULA N. 537
REsp 925.130-SP .................. Rel. Min. Luis Felipe Salomão ................ RSSTJ 45/15
SÚMULA N. 538
REsp 1.114.606-PR ............... Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva ....... RSSTJ 45/33
SÚMULA N. 539
REsp 1.112.879-PR ............... Rel. Min. Nancy Andrighi ....................... RSSTJ 45/47
SÚMULA N. 540
REsp 1.357.813-RJ ................ Rel. Min. Luis Felipe Salomão ................ RSSTJ 45/63
SÚMULA N. 541
REsp 973.827-RS .................. Rel. Min. Maria Isabel Gallotti ................ RSSTJ 45/83
SÚMULA N. 542
RHC 42.228-SP ..................... Rel. Min. Maria Th ereza de Assis Moura RSSTJ 45/155
SÚMULA N. 543
REsp 1.300.418-SC ............... Rel. Min. Luis Felipe Salomão ............... RSSTJ 45/169
SÚMULA N. 544
REsp 1.246.432-RS ............... Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino .... RSSTJ 45/185
ÍNDICE SISTEMÁTICO
612
SÚMULA N. 545
HC 314.944-SP ..................... Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca ... RSSTJ 45/205
SÚMULA N. 546
CC 115.285-ES...................... Rel. Min. Moura Ribeiro ........................ RSSTJ 45/217
SÚMULA N. 547
REsp 1.249.321-RS ............... Rel. Min. Luis Felipe Salomão ............... RSSTJ 45/235
REsp 1.063.661-RS ............... Rel. Min. Luis Felipe Salomão ............... RSSTJ 45/250
SÚMULA N. 548
REsp 1.424.792-BA ............... Rel. Min. Luis Felipe Salomão ............... RSSTJ 45/265
SÚMULA N. 549
REsp 1.363.368-MS .............. Rel. Min. Luis Felipe Salomão ............... RSSTJ 45/295
SÚMULA N. 550
REsp 1.419.697-RS ............... Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino .... RSSTJ 45/323
SÚMULA N. 551
REsp 1.373.438-RS ............... Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino .... RSSTJ 45/361
SÚMULA N. 552
MS 18.966-DF....................... Rel. Min. Humberto Martins ................. RSSTJ 45/387
SÚMULA N. 553
REsp 1.111.159-RJ ................ Rel. Min. Benedito Gonçalves ................ RSSTJ 45/439
EDcl noREsp 1.111.159-RJ ................ Rel. Min. Benedito Gonçalves ................ RSSTJ 45/450
SÚMULA N. 554
REsp 923.012-MG ................ Rel. Min. Luiz Fux ................................. RSSTJ 45/463
SÚMULA N. 555
REsp 973.733-SC .................. Rel. Min. Luiz Fux ................................. RSSTJ 45/479
SÚMULA N. 556
REsp 760.246-PR .................. Rel. Min. Teori Albino Zavascki ............ RSSTJ 45/495
ÍNDICE SISTEMÁTICO
RSSTJ, a. 11, (45): 609-613, novembro 2017 613
SÚMULA N. 557
REsp 1.410.433-MG ............. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima ............ RSSTJ 45/507
SÚMULA N. 558
REsp 1.450.819-AM.............. Rel. Min. Sérgio Kukina ......................... RSSTJ 45/521
SÚMULA N. 559
REsp 1.138.202-ES................ Rel. Min. Luiz Fux ................................. RSSTJ 45/541
SÚMULA N. 560
REsp 1.377.507-SP ................ Rel. Min. Og Fernandes ......................... RSSTJ 45/555
SÚMULA N. 561
REsp 1.382.751-MG ............. Rel. Min. Og Fernandes ......................... RSSTJ 45/571
SÚMULA N. 562
REsp 1.381.315-RJ ................ Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz ............. RSSTJ 45/589
Siglas e Abreviaturas
AC Apelação Cível
Adm Administrativo
Ag Agravo de Instrumento
AgRg Agravo Regimental
AI Argüição de Inconstitucionalidade
ANA Agência Nacional de Águas
Anatel Agência Nacional de Telecomunicações
Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica
APn Ação Penal
AR Ação Rescisória
CAt Confl ito de Atribuições
CC Código Civil
CC Confl ito de Competência
CCm Código Comercial
Cm Comercial
CNE Conselho Nacional de Educação
Com Comunicação
CP Código Penal
CPC Código de Processo Civil
CDC Código de Proteção e Defesa do Consumidor
CPP Código de Processo Penal
CR Carta Rogatória
CRI Carta Rogatória Impugnada
Ct Constitucional
CTB Código de Trânsito Brasileiro
CTN Código Tributário Nacional
Cv Civil
D Decreto
DL Decreto-Lei
SIGLAS E ABREVIATURAS
618
DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
E Ementário da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
EAC Embargos Infringentes em Apelação Cível
EAR Embargos Infringentes em Ação Rescisória
EAg Embargos de Divergência no Agravo
EC Emenda Constitucional
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
EDcl Embargos de Declaração
EJSTJ Ementário da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
El Eleitoral
EREsp Embargos de Divergência em Recurso Especial
ERMS Embargos Infringentes no Recurso em Mandado de
Segurança
ExImp Exceção de Impedimento
ExSusp Exceção de Suspeição
ExVerd Exceção da Verdade
ExecAR Execução em Ação Rescisória
ExecMC Execução em Medida Cautelar
ExecMS Execução em Mandado de Segurança
HC Habeas Corpus
HD Habeas Data
HSE Homologação de Sentença Estrangeira
IDC Incidente de Deslocamento de Competência
IExec Incidente de Execução
IF Intervenção Federal
IJ Interpelação Judicial
Inq Inquérito
IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores
IUJ Incidente de Uniformização de Jurisprudência
LC Lei Complementar
SIGLAS E ABREVIATURAS
RSSTJ, a. 9, (45): 615-620, novembro 2017 619
LCP Lei das Contravenções Penais
Loman Lei Orgânica da Magistratura
LONMP Lei Orgânica Nacional do Ministério Público
MC Medida Cautelar
MC Ministério das Comunicações
MI Mandado de Injunção
MS Mandado de Segurança
NC Notícia-Crime
PA Processo Administrativo
Pet Petição
PExt Pedido de Extensão
Pn Penal
Prc Precatório
PrCv Processual Civil
PrPn Processual Penal
Pv Previdenciário
QO Questão de Ordem
R Revista do Superior Tribunal de Justiça
Rcl Reclamação
RD Reconsideração de Despacho
RE Recurso Extraordinário
REsp Recurso Especial
RHC Recurso em Habeas Corpus
RHD Recurso em Habeas Data
RMI Recurso em Mandado de Injunção
RMS Recurso em Mandado de Segurança
RO Recurso Ordinário
Rp Representação
RSTJ Revista do Superior Tribunal de Justiça
RvCr Revisão Criminal
SIGLAS E ABREVIATURAS
620
S Súmula
SAF Secretaria de Administração Federal
Sd Sindicância
SEC Sentença Estrangeira Contestada
SF Senado Federal
SL Suspensão de Liminar
SLS Suspensão de Liminar e de Sentença
SS Suspensão de Segurança
STA Suspensão de Tutela Antecipada
Tr Trabalho
Trbt Tributário
Repositórios Autorizados e Credenciados pelo
Superior Tribunal de Justiça
REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
01. Lex - Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - editada pela Lex Editora
S.A. - Portaria n. 1 de 19.08.1985 - DJ 21.08.1985 - Registro revalidado - Edital de
20.10.1989 - DJ 24.10.1989 - Registro cancelado - Portaria n. 2 de 11.12.2012 - DJe
13.12.2012.
02. Revista de Direito Administrativo - editada pela Editora Renovar Ltda. - Portaria
n. 2 de 19.08.1985 - DJ 21.08.1985 - Registro cancelado - Portaria n. 1 de 05.09.2007
- DJ 19.09.2007.
03. Revista LTr - Legislação do Trabalho - editada pela LTr Editora Ltda. - Portaria n.
5 de 26.08.1985 - DJ 28.08.1985 - Registro revalidado - Edital de 20.10.1989 - DJ
24.10.1989 - Registro alterado - Portaria n. 5 de 22.11.2011 - DJe de 23.11.2011.
04. Jurisprudência Brasileira Cível e Comércio - editada pela Juruá Editora Ltda. -
Portaria n. 6 de 09.09.1985 - DJ 12.09.1985 - Registro cancelado - Portaria n. 1 de
09.02.2006 - DJ 15.02.2006.
05. Julgados dos Tribunais Superiores - editada pela Editora Jurid Vellenich Ltda. -
Portaria n. 7 de 06.11.1987 - DJ 10.11.1987 - Registro cancelado - Portaria n. 2 de
06.03.2001 - DJ 09.03.2001.
06. Revista de Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios - Portaria n. 1 de 29.11.1989 - DJ 1º.12.1989 - Registro alterado/retifi cado
- Portaria n. 3 de 19.06.2002 - DJ de 25.06.2002.
07. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - Portaria n.
1 de 08.02.1990 - DJ 12.02.1990 - Registro alterado - Portaria n. 3 de 19.03.2010 - DJe
22.03.2010.
08. Revista Jurídica Mineira - Portaria n. 3 de 02.04.1990 - DJ 04.04.1990 - Registro
cancelado - Portaria n. 4 de 13.05.1999 - DJ 04.06.1999.
09. Revista Jurídica - de responsabilidade da IOB Informações Objetivas Publicações
Jurídicas Ltda. (anteriormente editada pela Notadez Informações Ltda.) - Portaria n. 4
de 02.04.1990 - DJ 04.04.1990.
10. Julgados do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul - Portaria n. 5 de 02.05.1990
- DJ 09.05.1990 - Registro cancelado - Portaria n. 8 de 16.11.2000 - DJ 24.11.2000.
11. Revista de Processo - editada pela Editora Revista dos Tribunais Ltda. - Portaria n.
6 de 31.05.1990 - DJ 06.06.1990.
REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO STJ
624
12. Revista de Direito Civil - editada pela Editora Revista dos Tribunais Ltda. - Portaria
n. 7 de 31.05.1990 - DJ 06.06.1990 - Registro cancelado - Portaria n. 4 de 06.06.2000
- DJ 09.06.2000.
13. Revista dos Tribunais - editada pela Editora Revista dos Tribunais Ltda. - Portaria n.
8 de 31.05.1990 - DJ 06.06.1990.
14. Revista de Direito Público - editada pela Editora Revista dos Tribunais Ltda. -
Portaria n. 9 de 31.05.1990 - DJ 06.06.1990 - Registro cancelado - Portaria n. 5 de
11.06.2001 - DJ 19.06.2001.
15. Revista Ciência Jurídica - editada pela Editora Ciência Jurídica Ltda. - Portaria n. 10
de 21.08.1990 - DJ 24.08.1990 - Registro cancelado - Portaria n. 2 de 04.07.2003 - DJ
14.07.2003.
16. Revista Jurisprudência Mineira - editada pelo Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais - Portaria n. 12 de 10.09.1990 - DJ 12.09.1990.
17. Revista de Julgados do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais - Portaria n.
13 de 17.12.1990 - DJ 19.12.1990 - Registro cancelado - Portaria n. 10 de 08.10.2007
- DJ 18.10.2007.
18. Jurisprudência Catarinense - editada pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina -
Portaria n. 1 de 22.05.1991 - DJ 27.05.1991.
19. Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária - editada pela IOB Informações
Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 3 de 16.09.1991 - DJ 20.09.1991 -
Registro retifi cado - Portaria n. 9 de 22.11.2006 - DJ 11.12.2006 - Registro retifi cado
e ratifi cado - Portaria n. 8 de 25.10.2010 - DJe 28.10.2010.
20. Lex - Jurisprudência dos Tribunais de Alçada Civil de São Paulo - editada pela Lex
Editora S.A. - Portaria n. 1 de 10.03.1992 - DJ 13.03.1992 - Registro cancelado -
Portaria n. 6 de 08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
21. Jurisprudência do Tribunal de Justiça - editada pela Lex Editora S.A. - Portaria n. 2
de 10.03.1992 - DJ 13.03.1992 - Registro retifi cado - Portaria n. 9 de 16.11.2000 - DJ
24.11.2000 - Registro cancelado - Portaria n. 4 de 29.10.2013 - DJe de 05.11.2013.
22. Lex - Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - editada pela Lex Editora S.A.
- Portaria n. 3 de 10.03.1992 - DJ 13.03.1992 - Registro cancelado - Portaria n. 3 de
11.12.2012 - DJe 13.12.2012.
23. Revista de Previdência Social - editada pela LTr Editora Ltda. - Portaria n. 4 de
20.04.1992 - DJ 24.04.1992.
24. Revista Forense - editada pela Editora Forense - Portaria n. 5 de 22.06.1992 - DJ
06.07.1992 - Registro cancelado - Portaria n. 8 de 22.11.2011 - DJe de 23.11.2011.
REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO STJ
RSSTJ, a. 9, (45): 621-629, novembro 2017 625
25. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados - editada pela Editora Jurid
Vellenich Ltda. - Portaria n. 6 de 06.11.1992 - DJ 10.11.1992 - Registro cancelado -
Portaria n. 3 de 04.07.2003 - DJ 14.07.2003.
26. Série - Jurisprudência ADCOAS - editada pela Editora Esplanada Ltda. - Portaria
n. 1 de 18.02.1993 - DJ 25.02.1993 - Registro cancelado - Portaria n. 2 de 23.08.2004
- DJ 26.08.2004.
27. Revista Ata - Arquivos dos Tribunais de Alçada do Estado do Rio de Janeiro -
Portaria n. 2 de 11.02.1994 - DJ 18.02.1994 - Registro cancelado - Portaria n. 3 de
04.05.1999 - DJ 18.05.1999.
28. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - editada pela Livraria do
Advogado Ltda. - Portaria n. 3 de 02.03.1994 - DJ 07.03.1994.
29. Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Portaria n. 4
de 15.06.1994 - DJ 17.06.1994.
30. Genesis - Revista de Direito do Trabalho - editada pela Genesis Editora - Portaria
n. 5 de 14.09.1994 - DJ 16.09.1994 - Registro cancelado - Portaria n. 4 de 08.10.2007
- DJ 18.10.2007.
31. Decisório Trabalhista - editada pela Editora Decisório Trabalhista Ltda. - Portaria
n. 6 de 02.12.1994 - DJ 06.12.1994 - Registro cancelado - Portaria n. 2 de 28.06.2013
- DJe 1º.07.2013.
32. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São
Paulo - Portaria n. 1 de 18.12.1995 - DJ 20.12.1995 - Registro cancelado - Portaria n.
5 de 08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
33. Revista do Tribunal Regional Federal da 3ª Região - editada pelo Tribunal Regional
Federal da 3ª Região - Portaria n. 1 de 11.04.1996 - DJ 22.04.1996 - Registro
cancelado - Portaria n. 6 de 18.06.2010 - DJe 22.06.2010.
34. Lex - Jurisprudência do Tribunal Federal de Recursos - editada pela Lex Editora
S.A. - Portaria n. 2 de 29.04.1996 - DJ 02.05.1996 - Registro cancelado - Portaria n. 11
de 08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
35. Revista de Direito Renovar - editada pela Editora Renovar Ltda. - Portaria n. 3 de
12.08.1996 - DJ 15.08.1996. - Registro cancelado - Portaria n. 1 de 1º.06.2017 - DJe
07.06.2017.
36. Revista Dialética de Direito Tributário - editada pela Editora Oliveira Rocha
Comércio e Serviços Ltda. - Portaria n. 1 de 16.06.1997 - DJ 23.06.1997 - Registro
cancelado - Portaria n. 1 de 20.04.2016 - DJe 03.05.2016.
37. Revista do Ministério Público - Portaria n. 1 de 26.10.1998 - DJ 05.11.1998 -
Registro retifi cado - Portaria n. 9 de 14.06.1999 - DJ 22.06.1999.
REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO STJ
626
38. Revista Jurídica Consulex - editada pela Editora Consulex Ltda. - Portaria n. 1
de 04.02.1999 - DJ 23.02.1999 - Republicada em 25.02.1999 - Registro cancelado -
Portaria n. 1 de 06.03.2001 - DJ 09.03.2001.
39. Genesis - Revista de Direito Processual Civil - editada pela Genesis Editora -
Portaria n. 2 de 12.04.1999 - DJ 15.04.1999 - Registro cancelado - Portaria n. 3 de
08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
40. Jurisprudência Brasileira Criminal - editada pela Juruá Editora Ltda. - Portaria n. 6
de 14.06.1999 - DJ 22.06.1999 - Registro cancelado - Portaria n. 2 de 09.02.2006 - DJ
15.02.2006.
41. Jurisprudência Brasileira Trabalhista - editada pela Juruá Editora Ltda. - Portaria n. 7
de 14.06.1999 - DJ 22.06.1999 - Registro cancelado - Portaria n. 3 de 09.02.2006 - DJ
15.02.2006.
42. Revista de Estudos Tributários - editada pela marca SÍNTESE, de responsabilidade
da IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 8 de 14.06.1999
- DJ 22.06.1999.
43. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - editada pela Editora Brasília
Jurídica Ltda. - Portaria n. 10 de 29.06.1999 - DJ 05.07.1999 - Registro cancelado -
Portaria n. 1 de 23.08.2004 - DJ 26.08.2004.
44. Revista Interesse Público - editada pela Editora Fórum Ltda. - Portaria n. 1 de
14.03.2000 - DJ 21.03.2000.
45. Revista SÍNTESE Direito Civil e Processual Civil - editada pela IOB Informações
Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 2 de 14.03.2000 - DJ 21.03.2000 -
Registro retifi cado - Portaria n. 9 de 22.11.2006 - DJ 11.12.2006 - Registro retifi cado
e ratifi cado - Portaria n. 8 de 25.10.2010 - DJe 28.10.2010.
46. Revista SÍNTESE Direito de Família - editada pela IOB Informações Objetivas
Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 3 de 29.03.2000 - DJ 03.04.2000 - Registro
retifi cado - Portaria n. 2 de 14.09.2009 - DJe 15.09.2009 - Registro retifi cado e
ratifi cado - Portaria n. 8 de 25.10.2010 - DJe 28.10.2010.
47. Revista ADCOAS Previdenciária - editada pela Editora Esplanada Ltda. -
ADCOAS - Portaria n. 5 de 21.06.2000 - DJ 27.06.2000 - Registro cancelado -
Portaria n. 8 de 08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
48. Revista ADCOAS Trabalhista - editada pela Editora Esplanada Ltda. - ADCOAS
- Portaria n. 6 de 21.06.2000 - DJ 27.06.2000 - Registro cancelado - Portaria n. 7 de
08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
49. Revista de Jurisprudência ADCOAS - editada pela Editora Esplanada Ltda.
- ADCOAS - Portaria n. 7 de 21.06.2000 - DJ 27.06.2000 - Registro cancelado -
Portaria n. 9 de 08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO STJ
RSSTJ, a. 9, (45): 621-629, novembro 2017 627
50. Revista SÍNTESE Direito Penal e Processual Penal - editada pela IOB Informações
Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 4 de 06.03.2001 - DJ 09.03.2001 -
Registro retifi cado - Portaria n. 9 de 22.11.2006 - DJ 11.12.2006 - Registro retifi cado
e ratifi cado - Portaria n. 8 de 25.10.2010 - DJe 28.10.2010.
51. Revista Tributária e de Finanças Públicas - editada pela Editora Revista dos
Tribunais - Portaria n. 6 de 11.06.2001 - DJ 19.06.2001.
52. Revista Nacional de Direito e Jurisprudência - editada pela Nacional de Direito
Livraria Editora Ltda. - Portaria n. 1 de 08.04.2002 - DJ 02.05.2002 - Republicada em
19.04.2002 - Registro cancelado - Portaria n. 1 de 31.07.2009 - DJe 05.08.2009.
53. Revista do Tribunal Regional Federal da 5ª Região - editada pelo Tribunal Regional
Federal da 5ª Região - Portaria n. 2 de 23.04.2002 - DJ 02.05.2002 - Registro
cancelado - Portaria n. 5 de 09.04.2010 - DJe 18.04.2010.
54. Revista Dialética de Direito Processual - editada pela Editora Oliveira Rocha
Comércio e Serviços Ltda. - Portaria n. 1 de 30.06.2003 - DJ 07.07.2003 - Registro
cancelado - Portaria n. 2 de 20.04.2016 - DJe 03.05.2016.
55. Revista Juris Plenum - editada pela Editora Plenum Ltda. - Portaria n. 1 de
23.05.2005 - DJ 30.05.2005 - Registro alterado - Portaria n. 5 de 28.11.2013 - DJe
29.11.2013.
56. Revista Bonijuris - versão impressa - co-editada pelo Instituto de Pesquisas
Jurídicas Bonijuris, Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), Associação dos
Magistrados Catarinense (AMC) e Associação dos Magistrados do Trabalho IX e XII
(Amatra) - Portaria n. 2 de 18.10.2005 - DJ 27.10.2005.
57. Revista Juris Plenum Trabalhista e Previdenciária - editada pela Editora Plenum
Ltda. - Portaria n. 3 de 16.12.2005 - DJ 08.02.2006 - Registro cancelado - Portaria n.
9 de 12.12.2011 - DJe 14.12.2011.
58. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal - editada pela Editora Magister
Ltda. - Portaria n. 4 de 02.08.2006 - DJ 09.08.2006.
59. CD-ROM - Jur Magister - editado pela Editora Magister Ltda. - Portaria n. 5 de
09.08.2006 - DJ 15.08.2006 - Registro cancelado - Portaria n. 6 de 11.12.2013 - DJe
12.12.2013.
60. DVD - Magister - editado pela Editora Magister Ltda. - Portaria n. 6 de 09.08.2006
- DJ 15.08.2006.
61. Revista Previdenciária e Trabalhista Gazetajuris - editada pela Editora Portal
Jurídico Ltda. - Portaria n. 7 de 09.08.2006 - DJ 15.08.2006 - Registro cancelado -
Portaria n. 2 de 08.10.2007 - DJ 18.10.2007.
REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO STJ
628
62. CD-ROM - Gazetajuris - editado pela Editora Portal Jurídico Ltda. - Portaria n.
8 de 02.10.2006 - DJ 04.10.2006 - Registro cancelado - Portaria n. 6 de 12.11.2008 -
DJe 17.11.2008.
63. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil - editada pela Editora Magister
Ltda. - Portaria n. 1 de 1º.02.2008 - DJ 11.02.2008.
64. Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas - editada pela Editora
Magister Ltda. - Portaria n. 2 de 1º.02.2008 - DJ 11.02.2008.
65. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões - editada pela Editora
Magister Ltda. - Portaria n. 4 de 10.10.2008 - DJe 15.10.2008 - Registro cancelado -
Portaria n. 2 de 27.11.2014 - DJe 03.12.2014.
66. Revista de Direito Tributário da Associação Paulista de Estudos Tributários -
editada pela MP Editora Ltda. - Portaria n. 5 de 30.10.2008 - DJe 07.11.2008. Registro
cancelado - Portaria n. 2 de 1º.09.2017 - DJe 04.09.2017.
67. Portal da Rede Mundial de Computadores “editoramagister.com” - editado pela
Editora Magister Ltda. - Portaria n. 7 de 15.12.2008 - DJe 17.12.2008.
68. “Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul”
(versão eletrônica) - Portal da Rede Mundial de Computadores - endereço eletrônico:
https://www.tjrs.jus.br/site/publicacoes/revista_da_jurisprudencia/ - editada pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Grande do Sul - Portaria n. 1 de 19.02.2010 -
DJe 24.02.2010 - Registro retifi cado e ratifi cado - Portaria n. 4 de 19.03.2010 - DJe
22.03.2010.
69. Portal da Rede Mundial de Computadores - “jurisprudência-online” - editada pela
Associação dos Advogados de São Paulo - Portaria n. 2 de 19.02.2010 - DJe 24.02.2010.
70. Revista do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (versão eletrônica) - Portal da
Rede Mundial de Computadores - endereço eletrônico: https://www.trf5.jus.br/revista_
jurisprudencia/ - editado pelo Tribunal Federal Regional da 5ª Região - Portaria n. 5 de
09.04.2010 - DJe 13.04.2010.
71. DVD ROM Datadez - de responsabilidade da IOB Informações Objetivas
Publicações Jurídicas Ltda. (anteriormente editado pela Notadez Informações Ltda.) -
Portaria n. 7 de 10.09.2010 - DJe 14.09.2010 - Registro cancelado - Portaria n. 6 de
22.11.2011 - DJe 23.11.2011.
72. Portal da Rede Mundial de Computadores - “Plenum On-line” - endereço “www.
plenum.com.br” - editado pela Plenum Editora Ltda. - Portaria n. 1 de 31.01.2011 - DJe
02.02.2011.
REPOSITÓRIOS AUTORIZADOS E CREDENCIADOS PELO STJ
RSSTJ, a. 9, (45): 621-629, novembro 2017 629
73. DVD-ROM - Juris Síntese DVD - editado pela marca “Síntese”, de propriedade da
IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 2 de 31.01.2011 -
DJe 02.02.2011.
74. Portal da Rede Mundial de Computadores - “JURIS SÍNTESE ONLINE” -
endereço eletrônico: https://online.sintese.com/ - produto digital da marca Síntese, de
propriedade da IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 3
de 29.04.2011 - DJe 03.05.2011.
75. Portal da Rede Mundial de Computadores - “SINTESENET” - endereço eletrônico:
https://online.sintese.com/ - produto digital da marca Síntese, de propriedade da IOB
Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda. - Portaria n. 4 de 29.04.2011 - DJe
03.05.2011.
76. DVD-ROM Juris Plenum Ouro - de responsabilidade da Editora Plenum Ltda. -
Portaria n. 7 de 22.11.2011 - DJe 23.11.2011.
77. CD-ROM “JURID - Biblioteca Jurídica Digital”, versão “Jurid Premium” - de
propriedade da JURID Publicações Eletrônicas Ltda. - Portaria n. 1 de 07.05.2012 - DJe
09.05.2012 - Registro cancelado - Portaria n. 1 de 19.11.2014 - DJe 19.11.2014.
78. Portal da Rede Mundial de Computadores - endereço eletrônico: https://coad.
com.br/juridico - produto “COAD/ADV/CT - Advocacia Dinâmica e Consultoria
Trabalhista”, de propriedade da Atualização Profi ssional COAD Ltda. - Portaria n. 1 de
28.02.2013 - DJe 04.03.2013 - Registro cancelado - Portaria n. 3 de 03.10.2013 - DJe
de 07.10.2013.
79. Revista “Jurisprudência Catarinense” (versão eletrônica) - Portal da Rede Mundial
de Computadores - endereço eletrônico: https://busca.tjsc.jus.br/revistajc/ - editada pelo
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - Portaria n. 1 de 06.04.2015 - DJe 08.04.2015.
80. Página em Portal da Rede Mundial de Computadores - de propriedade do Instituto
Brasileiro de Direito de Família - endereço eletrônico: https://www.ibdfam.org.br.
Portaria n. 3 de 27.09.2016 - DJe 04.10.2016.
81. Revista Bahia Forense - Editada pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia -
Portaria n. 3 de 13.09.2017 - DJe 14.09.2017.
Projeto gráfi coCoordenadoria de Multimeios - STJ
EditoraçãoGabinete do Ministro Diretor da Revista - STJ
ImpressãoCapa: Gráfi ca do Conselho da Justiça Federal - CJFMiolo: Seção de Reprografi a e Encadernação - STJ