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Revista Decisum

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A revista Decisium, do gabinete do conselheiro Antonio Carlos Doorgal de Andrada, é publicação singular e inédita no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.

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>> E

DITO

RIAL

A revista Decisium, do gabinete do conselheiro Antonio Carlos Doorgal de Andrada, é pu-

blicação singular e inédita no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Veiculando

decisões, pareceres e consultas mais significativas prolatadas pelo conselheiro no decorrer

do segundo semestre de 2006, a revista reúne também artigos de autoria de integrantes

do corpo técnico do gabinete e seleciona fatos sociais e institucionais relevantes. Decisium

reserva, ainda, o espaço “Mineiranças” para a divulgação artística e cultural mineira.

O principal escopo da iniciativa com o lançamento da revista é contribuir para o aprofunda-

mento das discussões de temas relacionados ao controle dos atos da Administração Pública,

especialmente aqueles que foram ou estão sendo objeto de análise pelo Tribunal de Contas.

A publicação de artigos, com abordagens mais amplas e variadas, busca estimular o esforço

pelo aperfeiçoamento e o interesse pela pesquisa, ampliando a temática abordada pela re-

vista, com matérias de interesse jurídico de forma geral.

Ademais, a revista Decisium colabora com a divulgação institucional do Tribunal de Contas,

não obstante estar focada apenas nas atividades do gabinete do conselheiro Andrada e de

seu corpo técnico. E tal iniciativa vai ao encontro do esforço comum pelo fortalecimento do

Estado de Direito Democrático, onde transparência e informação são requisitos indispensá-

veis ao exercício pleno da cidadania. É, assim, singela, mas significativa ação contributiva

para o alargamento dos canais dialógicos que devem sempre existir entre os órgãos de con-

trole do Estado e a sociedade.

Na medida em que a maturidade democrática avança sobre a sociedade brasileira, cresce a

importância do papel desenvolvido pelos órgãos de controle, pois quanto mais a democracia

se consolida entre nós, maior é a exigência de fiscalização e de transparência dos atos públi-

cos. O Tribunal de Contas assume, assim, cada vez mais, ao lado de outras Instituições afins,

função primordial no Estado Contemporâneo.

Nesse contexto, a revista Decisium representa gesto salutar, e surge para transitar em espaço

bastante amplo que ainda precisa ser melhor explorado não só pelos cidadãos e a sociedade

como um todo, mas pelas próprias instituições estatais.

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Notícias 07

21

51

57

Julgados

Mineiranças

Artigos

CONSULTA Nº 711.005

PROCESSO Nº 711021

22

25

32

36

45

Andrada é eleito conselheiro do TCE 07

15

16

Andrada faz abertura de seminário em Juiz de Fora

Conselheiro participa de seminário nacional em São Paulo

O Parlamento e o controle político da Administração Pública58

72

87

91

O pós-positivismo e o papel do juiz em um Estado Democrático de Direito

O vice-prefeito no processo eleitoral: uma visão atual

A natureza jurídica do parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas estaduais e admissibilidade de recurso

>> ÍN

DICE

PROCESSO Nº 709.101

RECURSO DE REVISÃO: Nº 666.571

PARECER DA LAVRA DO CONSE-

LHEIRO ANTÔNIO ANDRADA

Page 5: Revista Decisum

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7

>>

>> N

OTÍ

CIAS

Antônio Carlos Andrada, deputado e líder do PSDB na Assembléia mineira, foi eleito com 41 votos para

ocupar a vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado

Em disputa acirrada, a Assembléia Legislativa de

Minas elegeu, no dia 9 de março de 2005, o depu-

tado estadual Antônio Carlos Andrada (PSDB) para

o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do

Estado (TCE). Embora a votação tenha sido aperta-

da, Andrada foi eleito por 41 votos contra 35 ob-

tidos pelo deputado Sebastião Helvécio (PDT) e um

pelo funcionário da Assembléia Alexandre Bossi.

Os ventos sopravam a favor de Antônio Carlos An-

drada. A falta de um candidato natural – como foi

na eleição de Wanderley Ávila no ano passado -, a

condição de líder do PSDB e do bloco Parlamentar

Social Progressista (PSDB/PDT/PTB/PPS e PSB) e,

principalmente, seu ótimo trâmite com os colegas,

tanto do governo quanto da oposição, sinalizavam

para sua aceitação. “De uma certa maneira, a po-

sição de líder me dá mais oportunidades e maior

visibilidade, mas acredito que neste embate os de-

putados levaram em conta o relacionamento entre

colegas”, afi rma Andrada.

Andrada ocupa a vaga que foi aberta com a morte

do ex-deputado José Ferraz, no ano de 2004, e pas-

sa a ser o conselheiro mais novo da história do TCE.

O cargo é vitalício, tendo o conselheiro as prerro-

gativas de desembargador. Aos 44 anos, deputado

estadual no segundo mandato, diz não temer dis-

putas políticas, pois foi nascido e criado entre elas

em Barbacena. “Vou levar toda essa experiência

para o Tribunal.”

Relator da Comissão Especial criada pela Assem-

bléia Legislativa em 2003 para analisar a situação

do Tribunal de Contas, Andrada fez sua campanha

de conselheiro com propostas de modernização do

TCE, reafi rmadas tão logo foi anunciado o resulta-

do de sua eleição. “Entendo que o Estado brasileiro,

e aí com atenção especial aos tribunais de contas,

precisa se aparelhar melhor, se modernizar, para

combater os que agem à margem da lei, cada vez

mais aparelhados com equipamentos de alta tec-

nologia em informática e que mobilizam e movi-

mentam dinheiro público”, explica.

Andrada é eleitoconselheiro do TCE

O Conselheiro Antônio Carlos Andrada ladeado pela sua esposa Paula, sua mãe Amália, seus filhos e irmãos.

>>

Fonte: jornal O Tempo - Simara - 10/3/2005

<<

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Constitui para mim grande honra integrar esta

Egrégia Corte de Contas como seu conselheiro. Esta

Casa é produto da evolução pública e cívica, pre-

sentes, sobretudo, entre nós mineiros, amantes da

Democracia e da Liberdade.

Embora a história do controle no Brasil remonte ao

período colonial, a idéia de um Tribunal de Contas

data de 1826, quando Caldeira Brandt, Visconde

de Barbacena, e José Inácio Borges propõem sua

criação no Senado do Império. Mas é com a ini-

ciativa de Rui Barbosa, então ministro da Fazenda,

que o Tribunal de Contas da União é criado através

do Decreto 966-A, em 1890, para ser acolhido no

ano seguinte pela primeira Constituição Federal da

República. A partir daí, a história do controle da

Administração Pública no Brasil percorre longa tra-

jetória, repleta de percalços, avanços e recuos, até

os dias atuais.

Criado pela Constituição Mineira de 1935 e extinto

em 1939 pelo Estado Novo, o Tribunal de Contas

de Minas Gerais ressurge como produto da rede-

mocratização de 1946, para ser disciplinado pela

Constituição Mineira de 1947. Desde então, o nos-

so Tribunal de Contas vem mantendo presença

marcante na vida pública mineira, para alcançar,

com a Constituição Federal de 1988 e a Mineira

de 1987, patamar ainda mais elevado face às suas

novas atribuições.

O papel a ser desempenhado pelos Tribunais de

Contas, em face desta situação, se agiganta dian-

te do clamor popular por um controle efetivo, efi -

ciente e imparcial que contribua para uma boa ad-

ministração, promotora de ações que reduzam as

desigualdades sociais, ofertando a todos educação

e saúde de qualidade, serviços públicos efi cientes e

crescimento econômico que se traduza em aumen-

to da renda da população.

Minhas senhoras, meus senhores, e meus eminen-

tes companheiros de trabalho no Tribunal de Con-

tas do Estado de Minas Gerais:

Perdoem-me se inicio minha alocução sobre tema

tão bem conhecido por todos. Mas nunca é demais

revisar conceitos sobre controle externo da Admi-

nistração Pública, sobretudo agora que o requisito

da “transparência” é lembrado à exaustão por to-

dos os setores da vida nacional.

Fiel às minhas raízes familiares, era natural que me

voltasse, ao me formar como Bacharel em Direito,

para a Administração Pública e para as lides políti-

cas. Assim, elegi-me vereador à Câmara Municipal

de Barbacena, em 1989. Ali forjei as primeiras lições

e compreensões acerca das atividades públicas, e

aprendi que a representação local é extremamente

autêntica e rica em ensinamentos. Meu passo se-

guinte foi o Executivo Municipal, quando à frente

da Prefeitura de Barbacena pude promover ampla

reforma administrativa e dinâmica gestão gover-

namental. Pude conhecer as agruras dos dirigentes

municipais brasileiros, sempre diante de problemas

sociais maiores que os instrumentos e os recursos

disponíveis, numa luta diária para decidir e priori-

zar questões, muitas vezes em detrimento de ou-

Pronunciamento do conselheiro Antônio Carlos Andrada

Pronunciamento do conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada por ocasião de homenagem da

Corte de Contas de Minas Gerais pela sua investidura no cargo em 22 de março de 2006.

22/3/06

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tros encaminhamentos não menos importantes.

No biênio 1997/98, atuei como assessor especial

do então governador Eduardo Azeredo, desenvol-

vendo diversos trabalhos, dos quais destaco os que

promovi junto ao Fundo Penitenciário do Estado e

na implantação, em nossos municípios, do Código

Brasileiro de Trânsito. O ano de 1999 assinala meu

ingresso no Parlamento Mineiro. Naquela legislatu-

ra, ocupei a vice-presidência da Comissão de Edu-

cação, Cultura, Ciência e Tecnologia e tive a honra

de ser escolhido líder da bancada do meu partido e

da oposição. Em 2002, reeleito deputado estadual,

fui honrado novamente com a escolha para lide-

rar a bancada, função que acumulei com a de líder

do Bloco Parlamentar de sustentação do governo.

Membro da Comissão de Fiscalização Financeira e

Orçamentária, fui relator-geral do Orçamento do

Estado para o exercício de 2005, quando Minas Ge-

rais atingiu o equilíbrio de suas contas, o chamado

“défi cit zero”. No dia 9 de março de 2005, fui es-

colhido pelo plenário do Parlamento Mineiro para

integrar este Tribunal de Contas, na vaga aberta

com o falecimento do sau-

doso Conselheiro José Ferraz.

Dou começo a esta jornada em

posição de humildade, aquela

humildade que não é sinôni-

mo de subserviência, mas do

desejo de aprender mais para

poder ajudar mais. Esta tem

sido, aliás, a postura por mim

adotada em todas as etapas da

minha vida pública.

Durante minha permanência

na Assembléia Legislativa, tive oportunidade de

atuar como relator da Comissão Especial instituída

para analisar a atuação deste Egrégio Tribunal. Pro-

movemos, à época, um trabalho construtivo, que

produziu efeitos positivos na instrumentação jurí-

dica e administrativa desta Casa, como a aprovação

da Emenda à Constituição do Estado n. 69/2004,

que criou o Ministério Público Especial, conforme

decisão do Supremo Tribunal Federal, e a que fi -

xou o número de auditores a serem nomeados após

aprovação em concurso público. Foram momen-

tos em que pude debruçar-me sobre a questão do

controle da Administração Pública, sedimentando

a visão que já tinha dos órgãos estatais no setor.

Tudo isso me serve de subsídio para o balizamen-

to do trabalho que aqui inicio. É claro, ao lado da

rica experiência diária que terei na convivência

com meus colegas conselheiros, com o qualifi ca-

do quadro técnico de servidores da Casa e o in-

dispensável aprendizado das salas de aula – é que,

recentemente, retomei os bancos universitários de

pós-graduação na área da Administração Pública e

das Instituições Políticas.

A Constituição Federal de 1988

concedeu aos Tribunais de

Contas dos estados um status

privilegiado como órgão autô-

nomo e auxiliar do Poder Le-

gislativo, na importantíssima

missão de controlar e fi scalizar

as contas dos administradores

públicos. De fato, o artigo 71

da nossa Carta Política dá ao

Poder Legislativo a titularidade

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do controle externo e nomeia as Cortes de Con-

tas como auxiliares necessárias a essa atividade.

Foi ainda mais longe a nossa Constituição Federal

ao tratar dos Tribunais de Contas, discorrendo, em

seu texto, uma série de atribuições outras como a

de “julgar as contas dos administradores e demais

responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos

da administração direta e indireta”. Assim, além

do auxílio ao Poder Legislativo, têm os Tribunais

de Contas vasta competência exclusiva por força

de normas constitucionais. Os Tribunais de Contas

são, assim, a primeira e a última palavra – ao mes-

mo tempo – para todas

essas contas que não se-

jam apresentadas como

próprias dos chefes dos

Poderes Executivos nas

esferas federal, estadual

e municipal. O poder ju-

dicante aí se estende de forma ampla sobre milha-

res de administradores públicos pelo Brasil afora.

Não sendo poder constituído, são os Tribunais de

Contas órgãos autônomos inseridos no âmbito do

Poder Legislativo, por vinculação. Estão os Tribu-

nais de Contas para o Legislativo, como os Minis-

térios Públicos federal e estaduais estão para o Po-

der Judiciário. São órgãos vinculados, mas não por

subordinação. Aliás, o eminente jurista e professor

Diogo de Figueiredo Moreira Neto destaca “a ex-

trema modernidade com que se apresenta o fenô-

meno dos órgãos constitucionalmente autônomos”

no ordenamento jurídico brasileiro. Ele remonta às

lições de Montesquieu para quem a concentração

do poder é perigosa ao lembrar que “o telos da se-

paração dos poderes”, a sua fi nalidade e “o motivo

pela qual ela existe é a liberdade. Ela existe para

assegurar a liberdade”. E um dos desdobramentos

da liberdade na vida democrática, como evolução

do direito político nos séculos XIX e XX, é o plura-

lismo, que também alterou a fi sionomia dos esta-

dos. Nessa linha de raciocínio, o Estado, que na sua

origem era o centro absoluto da vida pública, deixa

de sê-lo com o passar dos tempos para assumir a

posição de referência, num mundo cada vez mais

complexo, compartimentalizado e globalizado. Um

mundo novo, onde a economia ultrapassa as fron-

teiras estatais com um

capitalismo voraz, tecno-

lógico e informático de

dimensões planetárias e

a sociedade ocupa papel

de crescente poder atra-

vés de movimentos civis

e populares de massa, da mídia e de organizações

não-governamentais, nacionais e internacionais,

diluindo sobremaneira o poder antes concentrado

nos estados. É nesse contexto, nos ensina o profes-

sor Diogo de Figueiredo, que surge o Estado plura-

lista, com vários “centros de poder difusos”, para a

“afi rmação do pluralismo político como resposta ao

pluralismo social”.

Esse pluralismo sociopolítico que vivenciamos ex-

prime um direito fundamental que precisa ser ga-

rantido pelo Estado. Dessa forma, impõe-se ao Es-

tado Contemporâneo reorganizar-se para além da

concepção clássica da Separação dos Poderes, bus-

cando avançar e evoluir com a adoção de meca-

nismos novos que auxiliem os poderes tradicionais

“... além do auxílio ao Poder

Legislativo, têm os Tribunais

de Contas vasta competência

exclusiva por força de normas

constitucionais.”

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a cumprirem suas funções. É nesse contexto que

surgem os órgãos constitucionalmente autônomos,

que resultam da necessidade de maior distribuição

de poder na Administração Pública para fazer face

às novas demandas do Estado, diante dos novos

imperativos da sociedade atual, onde a preocupa-

ção com a liberdade e os direitos fundamentais não

pode ser esquecida.

Mas com o amadurecimento da sociedade, também

o conceito de Democracia evoluiu, passando a exi-

gir dos estados instrumentos mais bem elaborados

e efi cientes para a participação popular, não apenas

de escolha eleitoral, mas também as de infl uência

nas ações governamentais

e execução das políticas

públicas e, principalmen-

te, no seu controle. O re-

nomado professor francês

Jean Rivero, ao abordar o assunto, oportunamente,

sentenciou: “a Democracia consiste não somente

em escolher quem nos deve governar, mas escolher

como queremos ser governados”. Essa visão atua-

líssima de Democracia dá aos Tribunais de Contas,

ao lado de outras instituições afi ns, papel funda-

mental, porque como órgão técnico de controle

externo é importante e indispensável instrumento

de que deve se valer a sociedade na obtenção de

dados, parâmetros e indicadores para uma avalia-

ção isenta dos governos e a formação madura, com

informação segura, de uma opinião pública côns-

cia de seus direitos e apta a participar de todo o

processo público-administrativo. Mas é igualmente

importante destacar que não se deve confundir a

função de controle externo, de fi scalização, com o

poder governativo, de iniciativa e de gestão. Paro-

diando o eminente ministro Carlos Ayres de Brito,

do Supremo Tribunal Federal, em recente palestra,

cabe afi rmar que o Judiciário, o Ministério Público

e os Tribunais de Contas têm algo em comum: eles

podem impedir o desgoverno, mas eles não gover-

nam, propriamente.

Observa-se de forma incontestável que os Tribunais

de Contas encontram-se em posição de destaque

no ordenamento jurídico brasileiro, com funções

constitucionalmente bem delineadas. Recorro no-

vamente aos ensinamentos do ministro Carlos

Ayres de Brito. São palavras dele: “A Constituição

avocou normativamente

a matéria, chamou para

si o encargo de traçar o

perfi l praticamente aca-

bado dos Tribunais de

Contas (...)”. Conclui ele, daí, que os Tribunais de

Contas não precisam da lei para existir. A norma

constitucional, ao tratar dos Tribunais de Contas,

tem efi cácia plena, aplicabilidade imediata. No di-

zer do referido ministro, “não há hiato, não há abis-

mo, não há espaço vago passível de preenchimento

por lei” quando se trata da sua existência. No pla-

no federal, o paradigma do Tribunal de Contas da

União é o Superior Tribunal de Justiça e no plano

estadual são os Tribunais de Justiça dos Estados. Os

Tribunais de Contas têm competências para baixar

regimentos internos e dispor sobre as atribuições

de seus órgãos, observadas as garantias processuais

das partes.

Verifi camos, portanto, que aos Tribunais de Contas

são dadas amplas garantias constitucionais para o

“Essa visão atualíssima de Democracia dá

aos Tribunais de Contas, ao lado de outras

instituições afins, papel fundamental...”

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desempenho de função cada vez mais necessária ao

Estado Contemporâneo e valorizada de forma cres-

cente pela sociedade. É imperativo, por isso, que os

Tribunais busquem o aperfeiçoamento constante

de suas ações – tanto no plano organizacional in-

terno, de aprimoramento material, técnico e ope-

racional dos seus órgãos, quanto da qualidade das

suas decisões como desdobramento de sua fi nali-

dade maior, o controle, em todas as suas modali-

dades – para que ele cumpra à altura as suas fun-

ções e corresponda às expectativas da sociedade na

ânsia legítima por maior transparência do Estado

e de seus respectivos atos. Ao lado do Ministério

Público, especialmente,

os Tribunais de Contas

cumprem funções espe-

cífi cas e fundamentais à

existência do Estado de

Direito Democrático, representando a vertente téc-

nico-estatal – mas autônoma – do controle exter-

no da Administração Pública, que tem em primeira

instância a sua titularidade no cidadão brasileiro, a

quem devemos sempre prestar as contas das coisas

públicas, e perante o qual devemos reiterar nossos

respeitos aos direitos e prerrogativas que lhe ga-

rante a Lei Maior.

Bem, senhoras e senhores, vou terminar meu pro-

nunciamento – que receio já se alonga além da pa-

ciência dos que me ouvem – com algumas palavras

de agradecimentos.

Em primeiro lugar, deixo aqui minha manifestação

de reconhecimento à Assembléia Legislativa do Es-

tado de Minas Gerais e a meus companheiros depu-

tados, pela frutuosa convivência e pela indicação

para esta Corte de Contas. Ao eminente governador

Aécio Neves, minha saudação respeitosa e minha

reafi rmação de estima e admiração. Ao povo mi-

neiro, que por diversas vezes confi ou-me manda-

tos de representação popular, a gratidão de quem

se afasta das lides partidárias e políticas, mas que

permanece na vida pública, servindo ao público. Ao

Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – na

pessoa de seu presidente, conselheiros e funcioná-

rios – o meu muito obrigado pela simpática acolhi-

da. Ao conselheiro Wanderley Ávila, orador que me

antecedeu, meus agradecimentos pelas palavras

carinhosas que sei serem fruto da nossa amizade,

construída sobretudo nos ambientes parlamentares.

Tenho plena convicção

de que aqui, como ocor-

reu na Assembléia Mi-

neira, seus passos serão

sempre boas referências

para os meus. Aos meus pais – Amália e Bonifácio

Andrada -, a meus irmãos, tios, cunhadas, sobri-

nhos e demais familiares, minha manifestação de

afeto imorredouro. A minha esposa Paula e a meus

fi lhos, Maria Carolina, Bonifácio José, Antônio Car-

los, Martim Francisco e José Bonifácio, meu carinho

e desvelo, nesta hora em que compartilham comigo

o início de nova caminhada. Agradeço a Deus pe-

las oportunidades que me vem proporcionando, e

peço que suas bênçãos continuem a iluminar todos

quantos labutam na área pública, na hercúlea ta-

refa de conduzir as cidadãs e os cidadãos na edifi -

cação do bem comum e da paz social.

Muito obrigado.

“É imperativo, por isso, que os Tribunais

busquem o aperfeiçoamento constante

de suas ações.”

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13

O conselheiro Antônio Carlos Andrada discursa em sua posse>>

O conselheiro empossado Antônio Carlos Andrada e o presidente do TCE, Eduardo Carone Costa

>>

Page 13: Revista Decisum

14

No dia 10 de novembro, Adr iene Barbosa

tomou posse como a nova conselheira do

Tr ibunal de Contas do Estado de Minas

Gerais (TCE) . Pr imeira mulher a integrar

a corte super ior do TCE , a bachare l em

Dire i to , ex-prefe ita de Três Pontas , no

sul de Minas, e ex-presidente da Associação

M i n e i r a dos Munic íp ios (AMM), entre

2001 e 2004, ocupa a vaga aberta com a

aposentador ia do conselheiro Sylo Costa .

Em seu discurso de posse , que contou com

a presença do pres idente do TCE , Eduar-

do Carone, e d o s a t ua i s c o n s e l he i r o s ,

dentre eles, Antônio Car los Andrada disse

que assumia as novas funções como “um

grande d e s a f i o q ue i r e i en f r en t a r c om

r e sp o n sa b i l i d a d e e mu i t a von tade de

a c e r t a r ” .

>>

Toma posse a novaconselheira do TCE

10/11/06

Primeira mulher a integrar a corte superior do TCE, Adriene toma posse como nova conselheira

>>

Andrada participa do I Seminário de Controle da

Gestão dos Recursos PúblicosNo segundo dia do I Seminário de Controle da

Gestão dos Recursos Públicos, às 14 horas, o

conselheiro Antônio Carlos Andrada proferiu

palestra acerca do Parlamento e do Controle

Político da Administração Pública.

Em comemoração ao aniversár io de uma

década da Escola de Contas e Capacitação

Professor Pedro Aleixo, o Seminário ocorreu

nos dias 9 e 10 de novembro, durante todo o

dia, no Auditório Vivaldi Moreira do Tribunal

de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG).

10/11/06

Cons. Antônio Andrada discursa para auditório cheio>>

>>

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Page 14: Revista Decisum

15

Na quarta-feira, dia 8 de novembro, às 16 horas,

o conselheiro Andrada compareceu ao Gabinete

da Presidência para uma reunião onde estiveram

presentes o Dr. Wilson Nélio Brumer, Secretário

de Estado de Desenvolvimento Econômico, a Dra.

Maria Celeste Morais Guimarães, auditora-geral do

Estado, o conselheiro-presidente Eduardo Carone

Costa e demais conselheiros do TCEMG.

Nesta reunião, esclareceu-se a criação de um fundo

de subsídio oferecido pelo Estado para instalação

de telefonia celular nas cidades de baixa demanda.

Esse fundo visa a incentivar as companhias telefôni-

cas a implantar seus serviços nessas localidades,

onde, normalmente, não se dispõem a entrar com

recursos próprios pela baixa lucratividade.

Andrada vai à reunião noGabinete da Presidência

Cons. Antônio Andrada vai ao Gabinete da Presidência no TCE/MG para discutir sobre um fundo de subsídio para a telefonia celular

>>

08/11/06

Proferindo palestra sobre “Universidade e

Mercado de Trabalho” para dois mil alunos e

professores da Universidade Presidente Antônio

Carlos - Unipac - em Juiz de Fora, o conselheiro

Antônio Carlos Andrada fez a abertura ofi cial da IV

Mostra de Produções Científi cas da Instituição, no

dia 23 de outubro. Durante os dias de duração

do evento, mais de 400 trabalhos foram apresen-

tados e discutidos em seminários, painéis e mesas-

redondas, sobre temas relacionados às áreas das

ciências humanas, sociais, exatas, tecnológicas,

agrárias e de saúde.

A abertura da Mostra de Ciências foi coordenada

pelo pró-reitor de Pesquisa e Extensão da Unipac,

prof° José da Paz e pela pró-reitora de Ensino e Assuntos

Acadêmicos, profª Floripes de Souza Veiga.

23/10/06

Andrada faz aberturade seminário em Juiz de Fora

Cons. Antônio Andrada faz abertura de seminário para alunos e professores na Unipac de Juiz de Fora

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Page 15: Revista Decisum

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No período de 16 a 18 de outubro, o conselhei-

ro Antônio Carlos Andrada participou do Semi-

nário Nacional Ajustes Entre os Setores Público

e Privado, no Auditório do Plenário do Tribunal

de Contas do Município de São Paulo, na capital

paulista. O evento foi promovido pelo Instituto

Brasileiro de Estudos Especializados (Ibrae), mas

contou com o apoio de outras instituições.

O professor Toshio Mukai, considerado um dos

maiores especialistas brasileiros em Direito Público,

coordenou o Seminário que teve a participação de

200 pessoas, durante esses três dias. Foi também

um dos conferencistas no último dia.

A sessão de abertura, na segunda-feira pela

manhã, teve como orador o Doutor Antô-

nio Carlos Caruso, presidente do Tribunal de

Contas do Município de São Paulo. Terminada

a solenidade, o ministro Gilmar Mendes, vice-

presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),

deu início à Conferência Inaugural.

O evento contou com a participação de profi ssionais

da estirpe de: Prof. Antônio Carlos Cintra do Amaral,

Dr. Jessé Torres Pereira Júnior, Ivan Barbosa Rigolin,

Profª Lúcia Valle Figueiredo, Carlos Pinto Coelho

Motta, José Crettela Neto, Profª Maria Sylvia

Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini, Prof.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto, dentre ou-

tros.

Conselheiro participa de seminário nacional em São Paulo

18/10/06

Cons. Antônio Andrada é um dos 200 presentes no Seminário em São Paulo>>

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Page 16: Revista Decisum

17

Durante a tarde da última segunda-feira, dia 11 de

setembro, o conselheiro Antônio Carlos Andrada

participou da cerimônia de entrega da Medalha do

Mérito da Corte de Contas Ministro José Maria de

Alkmim. Entre as personalidades homenageadas,

estava o jornalista Aristóteles Luiz Menezes Vascon-

celos Drummond, o assessor especial da Assembléia

Legislativa do Estado de Minas Gerais, José Geraldo

de Oliveira Prado, o deputado estadual Sebastião

Costa e o presidente do Banco de Desenvolvimento

de Minas Gerais, Romeu Scarioli, aos quais o conse-

lheiro agraciou com o Colar do Mérito.

À noite, a partir das 20h, o conselheiro esteve pre-

sente no jantar de confraternização organizado pelo

TCEMG, no Restaurante Vecchio Sogno, no bairro

Santo Agostinho.

Medalha do Mérito da Cortede Contas Ministro

José Maria de Alkmim

11/9/06

Conselheiro Antônio Carlos Andrada entrega a Medalha ao jorna-lista Aristóteles Drummond

>> Conselheiro Andrada entrega a Medalha ao deputado Sebastião Costa

>>

Conselheiro Andrada entrega a Medalha ao assessor da ALMG, José Geraldo

>> Conselheiro Andrada entrega a Medalha ao presidente do BDMG, Romeu Scarioli

>>

>>

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Page 17: Revista Decisum

18

O conselheiro Antônio Carlos Andrada, repre-

sentando o presidente do Tribunal de Contas de

Minas Gerais, Eduardo Carone Costa, participou

da abertura do Seminário As Reformas do Pro-

cesso Civil Brasileiro promovido pela Rede de

Escolas de Formação de Agentes Públicos de

Minas Gerais – REAP/MG. O evento foi presidi-

do pelo desembargador Nilson Reis, do Tribunal

de Justiça do Estado, e a abertura foi realizada

por Palestra Magna, proferida pelo desembarga-

dor Caetano Levi Lopes, do Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais. Durante os dias 25 e 26

de maio, o Seminário debateu as principais modi-

fi cações decorrentes da Emenda Constitucional 45

que tem por objetivo dar maior celeridade aos

processos judiciais.

Por proposta do presidente do Tribunal de Contas,

conselheiro Eduardo Carone, de acordo com crité-

rios regimentais, e aprovado pelo plenário da Corte

de Contas, o conselheiro Antônio Carlos Andrada

assumiu a presidência da Quarta Câmara, a partir

da Sessão Plenária do dia 7 de junho.

A Quarta Câmara tem por função tratar das

matérias relacionadas com aposentadorias,

reformas, pensões, convênios, prestação de contas

de convênios, contratos, que não envolvem matérias

licitatórias.

Quarta Câmara do Tribunal de Contas tem novo presidente

Conselheiro Antônio Carlos Andrada assume a presidência da Quarta Câmara

>>

07/6/06

Andrada participa da abertura de seminários da REAP/MG

Antônio Carlos Andrada participa da abertura de seminários da REAP/MG>>

26/5/06

>>

>>

<<

<<

Page 18: Revista Decisum

19

Em solenidade presidida pelo prefeito municipal de

Santos/SP, João Paulo Papa, e com as presenças do

presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo,

do conselheiro Antônio Carlos Andrada, do Tribunal

de Contas de Minas Gerais, de diversos parlamen-

tares federais e estaduais paulistas e autoridades

acadêmicas, civis e militares, foi reaberto ao públi-

co o “Pantheon dos Andrada” no dia17 de abril. A

banda dos Fusileiros Navais, da Marinha brasileira,

entoou o Hino Nacional.

No local estão depositados os restos mortais do

Patriarca da Independência Nacional, José Boni-

fácio de Andrada e Silva, e de seus irmãos, Antônio

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Martim

Francisco Ribeiro de Andrada.

“Pantheon dos Andrada”é reaberto ao público

17/3/06

No dia 26 de abril, o presidente do Tribunal de

Contas de Minas Gerais, Eduardo Carone Costa,

acompanhado dos demais conselheiros que inte-

gram a Corte de Contas, Antônio Carlos Andrada,

Elmo Brás, Wanderley Ávila, Moura e Castro, Simão

Pedro e Sylo Costa, recebeu a visita dos secretários

de Estado Wilson Brumer, do Desenvolvimento

Econômico, e Paulo Paiva, de Obras Públicas, que

entregaram o edital para a licitação da primeira

Parceria Público Privada – PPP - do Estado, sendo

iniciativa pioneira no País. De acordo com o edi-

tal, a PPP pretende recuperar a Rodovia MG-050

cujo contrato tem estimativas de investimentos

da ordem de R$ 30 milhões por ano.

Na ocasião, o conselheiro Eduardo Carone Cos-

ta afi rmou que o Tribunal de Contas terá atuação

colaborativa, sem abdicar de suas atribuições, pro-

movendo acompanhamento simultâneo de todos

os atos a serem praticados através de auditoria

operacional especial.

Tribunal de Contas acompanhaPPP Estadual

Conselheiro Andrada discursa em nome dos descendentes dos três irmãos Andrada cujos restos mortais estão no Pantheon

>>

Conselheiros do Tribunal de Contas de Minas Gerais em reunião com os secretários estaduais

>>

26/4/06

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Page 19: Revista Decisum
Page 20: Revista Decisum

>> JU

LGAD

OS

CONSULTA Nº 711.005

Trata-se de consulta formulada pelo

presidente da Câmara Municipal de Ibiraci, Rubens

Felipe dos Santos, na qual faz indagação acerca de

gastos com publicidade...

PROCESSO Nº 711.021

Legalidade do Legislativo Municipal em depositar

e movimentar suas disponibilidades fi nanceiras na

Cooperativa de Crédito do Vale do Rio Doce Ltda.

– Sicoop - Crediriodoce

PROCESSO Nº 709.101

Representação - Polícia Civil do Estado de

Minas Gerais

22

25

32

36

45

RECURSO DE REVISÃO: Nº 666.571Pedido de Vista

Parecer da lavra do conselheiro Antônio Andrada

sobre a questão da aplicabilidade do Instituto da

Decadência nos atos sujeitos a registro no âmbito

dos Tribunais de Contas

Page 21: Revista Decisum

2222

CONSULTA Nº 711.005

CONSULTA Nº 711.005

CONSULENTE: RUBENS FELIPE DOS SANTOS - PRESIDENTE

DA CÂMARA MUNICIPAL

PROCEDÊNCIA: CÂMARA MUNICIPAL DE IBIRACI

Trata-se de consulta formulada pelo Presidente da Câmara

Municipal de Ibiraci, Rubens Felipe dos Santos, na qual faz

indagação acerca de gastos com publicidade, a teor do § 1º

do art. 37 da CR/88.

A douta Auditoria manifestou-se à fl . 58 dos autos.

Preliminarmente, em que pese a maneira utilizada para for-

mulação da consulta não se apresentar como a mais ade-

quada, conheço da consulta formulada, em razão da rele-

vância da matéria, da legitimidade da parte e da pertinência

temática, nos termos do art. 7o, X da Resolução n. 10/96.

Acolhida a preliminar, passo a analisar, em tese, o questio-

namento proposto.

Não é sem tempo recuperar que o advento da modernidade,

parametrizado por fatores como a reforma protestante, a

consolidação do capitalismo, a revolução científi ca e o ra-

cionalismo fi losófi co, representou a ruptura de um modelo

de sociedade estamental-comunitária dos antigos, para a

chamada sociedade dos modernos, esta sedimentada pelo

surgimento dos Estados-Nacionais e regulada pelo direito

positivo ou codifi cado.

Sobre esse fenômeno, Daniel Soczek1 recorre a Zygmunt

Bauman, explicando que este cunhou o termo “moderni-

dade líquida” – idéia que Bauman utiliza para expressar sua

concepção de modernidade em uma perspectiva “transbor-

1 SOCZEK, Daniel. Comunidade, utopia e realidade: uma refl exão a

partir do pensamento de Zygmunt Bauman. Rev. Sociol. Polit., Nov.

2004, no.23, p.175-177. ISSN 0104-4478.

dante”, “esvaída”, dada a fl uidez do mundo contemporâneo,

em oposição ao conceito de “sólido” enquanto duradouro

– tal qual a sociedade estática do mundo antigo. Completa

o autor aduzindo localizar-se na Revolução Industrial e na

formação do Estado-Nação o processo de desconstrução da

idéia de comunidade espaço-temporalmente situada .

Ora, da mesma forma, o século XX representou uma “se-

gunda revolução”, marcada principalmente pelo avanço da

técnica e da tecnologia, de sorte que o advento da globa-

lização catapultou as relações sociais para um plano supra-

estatal, de cunho mundial, em que as barreiras e fronteiras

passam a carrear um viés quase que meramente virtual. Vi-

vemos, pois, em tempos da chamada modernidade tardia,

alta modernidade ou modernidade pós-industrial, como

assim denominam Anthony Giddens2 e os estudiosos ra-

cionalistas de matriz habermasiana ou pós-modernidade,

nos dizeres dos desconstrutivistas como Derrida, Lyotard,

dentre outros.

Controvérsias fi losófi cas à parte, não se pode olvidar que

essa nova confi guração é marcada pelo surgimento dos

grandes blocos econômicos (União Européia, Alca, Mercosul,

Nafta, etc.) e pela intensa evolução dos meios de comunica-

ção e do trânsito de informações em grande escala, fenô-

meno tão bem estudado pela primeira geração da Escola de

Frankfurt, capitaneada por Adorno, Marcuse e Horkheimer.

Portanto, o que se observa no alvorecer deste novo século,

é o apogeu da chamada sociedade da informação, informa-

ção esta cujo domínio passa a representar, como os bens de

produção de outrora, o cerne da preocupação e cobiça das

economias mundiais.

Nesse cenário, dominado pela extrema fl uidez e velocidade

2 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo:

UNESP. 2001

Page 22: Revista Decisum

23

de transformações, em que passamos a compartilhar meios

tradicionais de comunicação – tais como jornais, revistas

e a televisão, com a mídia eletrônica – Celular, Internet,

constata-se um fl uxo contínuo de sons, imagens, dados que

invadem nossas vidas e incorporam-se inexoravelmente ao

nosso cotidiano.

Toda essa reconstrução teórica tem uma razão de ser, haja

vista a extensa polêmica que se apresenta, mormente com o

advento da Carta Magna de 1988, envolvendo a questão da

propaganda estatal e, mais especifi camente as limitações

jurídicas a ela impostas, à luz do disposto no § 1o do art. 37

da Constituição da República, que agora deve ser analisado

à luz de um futuro que já chegou e não de um passado que

não mais subsiste.

Nesse sentido, e em tempos da obrigatoriedade de gerir a

coisa pública em consonância com os ideais de uma demo-

cracia participativa que se subsume, sem prejuízo de outros,

na necessidade de transparência das ações estatais e go-

vernamentais, observamos, não sem tempo, o surgimento

de segmentos de mídia especializados como a TV Câmara,

TV Senado, TV do Judiciário, TV Assembléia, Voz do Brasil,

dentre outros.

Não resta dúvida, que esse novo nicho de mídia estatal afi -

gura-se como uma demanda legítima - até por que refl exo

desse contexto global que acabamos de traçar - e inadiável

de uma sociedade vigilante e ávida por acompanhar o de-

sempenho daqueles que têm a responsabilidade de conduzir

os destinos jurídico-políticos do país. Nessa linha, quase que

como um “big-brother” institucional pode-se acompanhar

o dia-dia dos deputados, senadores, ministros etc. Será,

pois, que essas aparições constantes poderiam ser carac-

terizadas como promoção pessoal a desafi ar imputação de

penalidade?

A pergunta não é sem sentido, à medida que, nesse novo

contexto, nesse novo mundo, exsurge, até como corolário

do dever de prestar contas aos administrados - o que tam-

bém pode ser entendido como um vetor de promoção do

controle social – a necessidade de que se diferencie, em

cada caso específi co, os limites de utilização da propaganda

estatal.

Nessa linha, pelo mandamento constitucional supra-referi-

do, infere-se que a utilização de recurso público para reali-

zação de publicidade institucional é possível desde que te-

nha caráter educativo, informativo ou de orientação social,

dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que

caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servido-

res públicos.

Como se observa, é necessário que a publicidade se desti-

ne a fi ns específi cos: educativos, que servem à educação,

formação ou aprimoramento da consciência comunitária,

v.g, que visam esclarecer sobre perigo de doenças, impor-

tância do aleitamento materno, benefícios da doação de

sangue e órgãos, exercício do direito de voto, etc.; infor-

mativos, que têm a fi nalidade de informar a população de

algo a ser revertido em seu benefício, como a publicidade

sobre o potencial turístico da região, festas típicas, feiras,

etc. Ademais, a hipótese também está a se confi gurar no

caso da veiculação de noticiários que se caracterizam por

prestações de contas das ações administrativas bem como a

divulgação de providências de reconhecida relevância para

o interesse público; e por fi m, orientação social que visa à

conscientização da população acerca de ações vinculadas à

cidadania, liberdades públicas, etc.

Defi nido o escopo de validade da propaganda estatal, resta

ainda o esclarecimento acerca da parte fi nal do dispositivo,

que impede a veiculação de nomes, símbolos ou imagens de

autoridades ou servidores públicos, desde que caracterizem

promoção pessoal.

Page 23: Revista Decisum

24

Quando do meu ingresso no Tribunal de Contas, pude infe-

rir, que não raro esta Corte se pauta por uma interpretação

bastante rigorosa do dispositivo aludido, não admitindo

qualquer inserção de nomes, símbolos, fotografi as ou ima-

gens nas propagandas, por entender que este fato, por si só,

já estaria a caracterizar a violação do preceito constitucio-

nal em comento e ao princípio da moralidade, em fl agrante

desvio de fi nalidade.

Entretanto, em face de todo o exposto, entendo que a ques-

tão merece um tratamento um pouco diferente. Em minha

avaliação, até por que assim dispõe a parte fi nal do § 1o

do art. 37 da CR/88, o ilícito só estaria caracterizado se

fosse efetivamente constatado, a partir de um juízo de

adequabilidade de cada caso concreto, o caráter de pro-

moção pessoal da autoridade ou servidor público.

Sendo assim, não é a mera inserção de nome, símbolo ou

mesmo imagem na publicidade estatal, condição, por si,

sufi ciente para que se possa caracterizar o desvio de fi nali-

dade do administrador. Não é sustentável, até como coro-

lário do princípio da publicidade e transparência dos atos

estatais, parâmetros basilares da Administração Pública e

garantia dos cidadãos, que a Administração se mantives-

se silente sobre a publicidade de determinado ato, a título

ilustrativo, sobre a inauguração de determinado posto de

saúde, unicamente, pelo fato do administrador ter sido fo-

tografado juntamente com os demais presentes.

Note-se, pois, que esse simples exemplo conduz a uma pro-

blemática mais complexa para não dizer paradoxal. De um

lado, observamos constantemente, no Órgão Ofi cial do Es-

tado, a veiculação de imagens e reportagens do Governa-

dor, dos Secretários de Estado de Deputados, etc. sem que

haja qualquer questionamento acerca de sua licitude ou

ilicitude. Do contrário, a simples veiculação de fotografi a

de um agente político municipal ou mesmo uma pequena

alusão ao seu nome no diário ofi cial do município, já car-

reia um condão de reprovabilidade prévio que importará

irregularidade insanável e passível de sanção. Dois pesos ou

duas medidas?

Não é isto que o preceito constitucional visa coibir. A veda-

ção normativa não pressupõe a simples presença de nomes,

símbolos ou imagens, mas sim a ocorrência de vício insa-

nável na publicidade estatal que venha caracterizar que o

administrador ou servidor público dela se utilizou para se

autopromover às custas do erário.

Cabe, pois, como já aludido, questionar o propósito da pu-

blicidade. É fundamental que se fi que comprovado, em cada

caso concreto, o intuito de alardear ou elevar os méritos e

atributos pessoais, enaltecer virtudes do administrador, en-

fi m a busca de promoção indevida às custas da publicidade

veiculada. Isto, obviamente, na intenção de se obter um bô-

nus de natureza político-pessoal que lhe confi ra uma posi-

ção de vantagem em relação aos demais, em decorrência da

utilização da propaganda estatal, violando, assim, de forma

clara, o princípio constitucional da isonomia. Neste caso,

aí sim, estaremos diante de uma atitude infensa à norma

a caracterizar o desvio de fi nalidade. Obviamente, o que se

quer evitar é o mero apontamento de possíveis irregula-

ridades com base em uma interpretação automática, para

não dizer subjetiva ou discricionária, sem atentar para as

particularidades de cada caso concreto, fruto de uma visão

de mundo não associada com o dinamismo que deve pautar

a concretização do direito pelo intérprete.

Não nos cabe, pois, o silêncio ou passividade na interpre-

tação de um direito que deve apresentar-se como vetor

de integração social e promoção de justiça. Esperar que o

legislativo resolva os problemas sociais com reformas ou

mudanças da legislação é desconhecer a máxima “EX FAC-

TO ORITOR JUS”, ou seja, com a permissão de uma tradu-

P

Page 24: Revista Decisum

25

ção não literal, olvidar que a vida em muito transcende a

limitada capacidade humana de produzir suas normas de

conduta.

É, pois, como respondo ao questionamento formulado.

Conselheiro Antônio Carlos Andrada

___________________

PROCESSO Nº 711.021

NATUREZA: CONSULTA

CONSULENTE: ORESTE ALFREDO DE SOUZA – Presidente da

Câmara Municipal de Capitão Andrade

ASSUNTO: LEGALIDADE DO LEGISLATIVO MUNICIPAL EM

DEPOSITAR E MOVIMENTAR SUAS DISPONIBILIDADES

FINANCEIRAS NA COOPERATIVA DE CRÉDITO DO VALE DO

RIO DOCE LTDA. – SICOOP - CREDIRIODOCE.

I - RELATÓRIO

Versam os autos sobre consulta encaminhada a este Tribu-

nal pelo Sr. Oreste Alfredo de Souza, Presidente da Câmara

Municipal de Capitão Andrade, que em síntese, questiona

sobre:

1) Possibilidade do Poder Legislativo Municipal receber seus

recursos orçamentários mediante depósito em conta cor-

rente através de entidade cooperativa conveniada.

2) Possibilidade do Poder Legislativo Municipal depositar

suas disponibilidades em entidade cooperativa conveniada.

Requer, o consulente, que se conheça do mérito da presente

consulta.

A douta Auditoria manifestou-se por meio de parecer cir-

cunstanciado acostado às fl s. 07 a 16.

É o relatório em síntese.

II - PRELIMINAR

A parte é legítima ex vi do disposto no art. 7º, inciso X, alí-

nea “a” da Resolução TC 10/96 – RITCMG.

Quanto à pertinência da matéria versada, verifi ca-se tra-

tar de assunto afeto à função deste eg. Tribunal de Contas,

com fundo constitucional e evidente repercussão fi nanceira

e operacional, nobre ao interesse das municipalidades.

Isto posto, conheço da consulta em face da legitimidade

da parte e da pertinência da matéria, para respondê-la em

tese, consoante o preceituado no artigo retroexposto do

RITCMG.

III – FUNDAMENTAÇÃO

Antes de adentrar no mérito, informo, na oportunidade, que

o objeto da presente Consulta difere do objeto da Consul-

ta nº 701526, formulada por um terço dos edis da Câmara

Municipal de Ponte Nova, tendo como Relator o Conselhei-

ro Elmo Brás, e que se encontra com vista ao Conselheiro

Simão Pedro Toledo.

Ressalto que aquela consulta indaga, pontuando perife-

ricamente, a respeito da possiblidade do município poder

fi rmar convênio ou contrato de prestação de serviço com

instituição fi nanceira privada, para o pagamento de ven-

cimentos de servidores; sobre a possibilidade de adotar no

processo licitatório, visando a contratação de serviços ban-

PROCESSO Nº 711.021

Page 25: Revista Decisum

26

cários, a modalidade concorrência com tipo “maior oferta”,

e, por fi m, acerca da possibilidade de movimentação das

disponibilidades de caixa do município, mesmo na existên-

cia de bancos ofi ciais.

Como se vê, a matéria acima colacionada não guarda iden-

tidade com a matéria da presente consulta que passarei a

fundamentar a seguir:

II.1) Obrigatoriedade do depósito das disponibilidades de

caixa em instituições fi nanceiras ofi ciais.

Primeiramente, imprescindível se faz informar que a regra

em vigência, art. 164, §3º da CR/88, determina que os Esta-

dos, o Distrito Federal, os Municípios e os órgãos ou enti-

dades do Poder Público e das empresas por ele controladas

deverão depositar as disponibilidades de caixa em institui-

ções fi nanceiras ofi ciais de qualquer esfera, estaduais ou

federais.

Nesse sentido é a orientação reiterada desta Colenda Cor-

te nas respostas às Consultas nºs 616661, 677160, 657310,

658264, 616661, 682192 e 694568.

Importa acrescentar que a Lei de Responsabilidade Fiscal, LC

n.º 101/2000, em seu art. 43, apenas se limitou a preceituar

que as disponibilidades de caixa dos entes da Federação

serão depositadas conforme estabelece o § 3º do art. 164

da Constituição.

Assevera-se, contudo, que não existe lei federal que discipline as

exceções aludidas na parte fi nal da norma constitucional supra,

não obstante o estabelecido na Medida Provisória n.º 2192-70,

reeditada pela última vez em 24/08/2001, e suspensa a efi cá-

cia de seu §1 º do art. 4º, com efeitos ex nunc, pelo Supremo

Tribunal Federal que em sede da ADIN 3578/DF deferiu em par-

te o pedido da medida cautelar, em decisão prolatada no dia

14/09/2005 e publicada o no Diário Ofi cial em 24/02/2006.

Ainda, impende assinalar o entendimento da Ministra Ellen

Gracie proferido no voto da ADIN 2600-MC, citado no jul-

gamento em tela, in verbis:

Vejo, também, que essa regra salutar de depósito em ban-

cos ofi ciais imposta pela Constituição, vai ao encontro

do princípio da moralidade previsto no art. 37, ‘caput’

do seu texto, ao qual deve obediência a Administração

Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-

pios. (...) ‘o fato de obrigar o depósito em instituições

fi nanceiras ofi ciais é medida saneadora, pois evita que

o Prefeito faça como seu o saldo médio com o depósito

da Prefeitura para obter empréstimos pessoais. (negritos

no original e grifo meu).

II.2) Exceção à obrigatoriedade do depósito das disponibili-

dades de caixa em instituições fi nanceiras ofi ciais e o dever

de licitar.

Todavia, encampa exceção essa interpretação quando no

município não existir instituição fi nanceira ofi cial. Esse é

o entendimento do Exmo. Sr. Conselheiro Eduardo Caro-

ne em resposta à consulta n.º 616661, em Sessão do dia

15/03/2000, acompanhando a resposta proferida pelo

Exmo. Sr. Conselheiro Murta Lages à consulta n.º 53198-7,

em Sessão do dia 03/02/94, que versava sobre a possibilida-

de de movimentação de contas-correntes em bancos parti-

culares, a qual transcrevo:

(...) é de se responder ao consulente que, ‘a priori’, tanto a

movimentação bancária e a aplicação fi nanceira das dispo-

nibilidades hão de se efetivar em agências locais de institui-

ções fi nanceiras ofi ciais. Em não existindo essas no muni-

cípio, entenderíamos que é de se lhe facultar, mediante

autorização específi ca em Norma Municipal, dentro de

sua competência concorrente, proceder à movimenta-

Page 26: Revista Decisum

27

ção bancária com instituições fi nanceiras privadas, bem

com ali efetuar aplicações fi nanceiras, desde que uni-

camente com base em títulos e papéis com lastro ofi cial

(...). (grifo no original e negrito meu).

Cabe, entrementes, observar que a contratação de insti-

tuição fi nanceira privada é objeto perfeitamente licitável,

nos termos previstos no art. 37, inciso XXI da Lei Maior.

Assim, ressalvadas as hipóteses de dispensa e inexigibilida-

de, o dever de licitar impõe-se de forma cogente. A Admi-

nistração tem o dever de proceder ao certame licitatório,

considerando que o objeto pode ser oferecido por mais de

um interessado. Existem, no mercado fi nanceiro brasileiro,

várias instituições habilitadas a oferecer o mesmo produto

e serviços bancários à Administração Pública, com qualida-

de e segurança. Desse modo, nos termos fi xados no edital

de convocação será contratada a instituição bancária de

melhor solidez econômica e fi nanceira, que por conseqü-

ência trará maior segurança à Administração, assim como

oferecerá o pagamento de menores tarifas e os melhores

serviços.

II.3) Possibilidade de participação de cooperativas em pro-

cedimento licitatório.

Na oportunidade, registro, inicialmente, que no mundo glo-

balizado - confi gurado nas transformações de ordem social,

política e econômica mundial, surgidas nas últimas déca-

das - as mudanças no mercado de trabalho e nas relações

comerciais fi cam evidenciadas, mormente no que concer-

ne aos avanços tecnológicos. Todavia, tais transformações,

paradoxalmente à temática da globalização do capitalismo

contemporâneo, contribuem para o agravamento da desi-

gualdade social, caracterizada pela falta de oportunidade

de trabalho e emprego.

É nesse liame que emergem as formas alternativas de orga-

nização da produção e do trabalho em bases associativas e

cooperativas, opções legitimadas pelo atual ordenamento

jurídico, no intuito de contribuir para o desenvolvimento

sócio-econômico no contexto globalizado.

Com essas considerações e em simetria com o raciocínio já

extravasado, há de se indagar, em face da inexistência de

instituição fi nanceira ofi cial no município, sobre a possi-

bilidade do depósito e movimentação das disponibilidades

fi nanceiras municipais em cooperativa de crédito.

Nesse momento cumpre trazer à baila alguns posiciona-

mentos deste Tribunal de Contas no sentido de que as coo-

perativas estão impossibilitadas de fi gurar como licitantes

ao argumento de que tal participação infringe o princípio

da igualdade, dada a inviabilidade de competição, em ra-

zão dos possíveis incentivos que as permeiam. A matéria

foi objeto de decisões desta Corte quando das respostas às

consultas nºs 249384, 439155, 459267 e 656094.

Entretanto, esses posicionamentos merecem algumas con-

siderações. Primeiramente, o que se visa coibir é o coope-

rativismo de fachada, adotado por algumas empresas para

ocultar o vínculo empregatício com seus trabalhadores

(caracterizado pela relação de subordinação, pessoalidade,

renumeração e não-eventualidade) como acontece amiú-

de no setor de intermediação de mão-de-obra, conferindo

aos pseudos cooperados uma fi ctícia autonomia de traba-

lho – traço fundamental nas cooperativas – esquivando-se,

sobretudo, dos encargos previdenciários e laborais, como o

FGTS.

Lado outro, faz-se mister registrar a resposta à consulta n.º

682676, proferida pelo Exmo. Sr. Conselheiro José Ferraz,

em 16/06/2004, que ao fi rmar a convicção sobre a viabi-

lidade da contratação de cooperativa de táxi pela Admi-

nistração, legitimou exceção aos entendimentos aventados

nos precedentes desta Casa, no sentido de possibilitar a

Page 27: Revista Decisum

28

participação de cooperativas em certames licitatórios.

A decisão referenciada fundamenta-se no entendimento de

que a cooperativa de táxi estará colocando à disposição da

Administração Pública, não a mão-de-obra de seus coope-

rados, mas o serviço público de transporte de passageiro

via táxi, por intermédio de cooperados verdadeiramente

autônomos no exercício da respectiva atividade, ou seja,

não há a presença do vínculo empregatício na relação

contratual. Acrescente-se a isso que a tarifa que se cobra

é a tarifa fi xada pelo Poder Público diferentemente da coo-

perativa de mão-de-obra.

Portanto, o posicionamento desta Casa acerca da vedação

da participação de cooperativas em processos licitatórios

não é absoluta. Registre-se, sobretudo, que o entendimento

consignou, com propriedade, o dever do exame acerca da

natureza jurídica de cada cooperativa.

Insta assinalar que a Lei Maior autoriza a participação de

cooperativas nos procedimentos licitatórios, conforme se

infere da inteligência do disposto no art. 37, inciso XXI, à

medida que as restrições de participação em licitações resu-

mem-se apenas àquelas previstas no comando normativo,

que, assim, dispõe:

Art. 37

(...)

XXI - ressalvados os casos especifi cados na legislação, as

obras, serviços, compras e alienações serão contratados me-

diante processo de licitação pública que assegure igualda-

de de condições a todos os concorrentes, com cláusulas

que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as

condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual

somente permitirá as exigências de qualifi cação técnica

e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento

das obrigações. (negritei).

Acrescente-se a esse dispositivo o incentivo ao cooperati-

vismo revelado no art. 174 da Carta Magna:

Art. 174

(...)

§2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras

formas de associativismo. (Lei 5.764 de 16/12/71 que defi ne

a Política Nacional de Cooperativismo)

Além disso, o comando inserto no art. 17 da Lei Estadual n.º

15075 de 05/04/2004 preceitua:

A sociedade cooperativa poderá habilitar-se em proces-

so licitatório promovido por órgão ou entidade da Admi-

nistração direta ou indireta do Estado em igualdade de

condições com os demais licitantes, desde que apresente

certifi cado de registro na OCEMG ou em outra organi-

zação de cooperativas estadual, conforme previsto na Lei

Federal n.º 5.764 de 16/12/71. (negritei)

Faz-se coerente pontuar, ainda, que o Tribunal de Contas

da União entende que as cooperativas podem participar de

procedimento licitatório - julgado TC-012.485/2002-9 de

22/01/2003, Relator Ministro Benjamim Zymler que dispõe

em seu voto:

Não há vedação legal, portanto, para que possam celebrar

avenças com o Poder Público. Como frisado anteriormente,

a licitação concretiza o princípio constitucional da impes-

soalidade e da igualdade, portanto, as restrições a tercei-

ros contratar com a Administração somente podem ser

aquelas previstas em lei e desde que limitadas à quali-

fi cação técnica e econômica indispensáveis à execução

do contrato.

(... ) o professor Marçal Justen Filho afi rma,’in verbis’, que

‘essas considerações permitem afi rmar que é possível e viá-

vel a participação de cooperativa em licitação quando o

Page 28: Revista Decisum

29

objeto licitado se enquadra na atividade direta e especí-

fi ca para a qual a cooperativa foi constituída. Se porém,

a execução do objeto contratual escapar à dimensão do

objeto social da cooperativa ou caracterizar atividade

especulativa, haverá atuação irregular da cooperativa.

Será hipótese de sua inabilitação. (in Comentários à Lei

de Licitações e Contratos Administrativos. 7ª ed. Dialética,

São Paulo, 2000, p. 316)

(...) a Constituição Federal estimulou a atividade coopera-

tivista, consoante se depreende do §2º do art. 174, ao es-

tipular que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e

outras formas de associativismo. Evidente que o Estatuto

de Licitações e Contratos não é a Lei requerida pelo cons-

tituinte para concretizar o comando constitucional supra.

Não traz ações positivas do Estado no sentido de fomentar

o desenvolvimento das cooperativas. Todavia, não pode

acarretar atitude negativa do Poder Público. Contraria

o direito admitir que o mesmo Estado que tem por dever

constitucional editar lei para incentivar o cooperativis-

mo venha, por meio de interpretação de normas legais,

restringir o desenvolvimento de cooperativas.

(...). (grifei e negritei).

Não há como desconhecer que a questão jurídica envolvi-

da é complexa. Todavia, acompanho o entendimento que

ampara a possibilidade de participação de cooperativas em

licitações, somente permitindo-se no procedimento as exi-

gências de qualifi cação técnica e econômica indispensáveis

à garantia do cumprimento das obrigações, observada, en-

tretanto, a natureza jurídica da cooperativa e desde que

respeitados os princípios constitucionais - em especial o da

impessoalidade e o da igualdade, bem como verifi cado que

o objeto da licitação encontra-se enquadrado ao objeto

social da cooperativa e, ainda, absolutamente descaracte-

rizado o cooperativismo de fachada, observada em todos os

casos a legislação vigente.

Assim, comungo, lastreado por todo o raciocínio exposto,

pela imposssibilidade de participação de cooperativas de

mão-de-obra - cujos trabalhadores desempenham funções

sob regime de subordinação - em processos licitatórios, sob

pena de infrigência dos princípios albergados no sistema

positivo pátrio.

Observados os apontamentos acima colacionados, concluo

pela viabilidade da participação de cooperativas de crédito

nos procedimentos licitatórios, cerne da presente questão,

devendo-se levar em consideração, entretanto, quais os

serviços que podem ser ofertados aos associados e aos não-

associados.

II.4) Impossibilidade de depósito e movimentação das dis-

ponibilidades fi nanceiras municipais em cooperativa de

crédito.

Não obstante minha posição em agasalhar a possibilidade

de participação de cooperativas de crédito em licitações, é

essencial a análise acerca dos tipos de serviços que podem

ser oferecidos aos não-associados, nos termos da lei. Sob

este aspecto mostra-se elucidativo o parecer do Auditor

Gilberto Diniz, que passo a transcrever com as vênias de

estilo:

A seu turno, as cooperativas de crédito são consideradas

instituições fi nanceiras não-bancárias e integram o Sistema

Financeiro Nacional, consoante prescrevem o art. 192 da

Constituição da República e o § 1º do art. 18 da Lei Federal

4.595 de 31/12/1964, que dispõe sobre a política e as insti-

tuições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho

Monetário Nacional e dá outras providências.

Nessa esteira, as cooperativas de crédito, pelo fato de in-

tegrarem o Sistema Financeiro Nacional, têm o funciona-

Page 29: Revista Decisum

30

mento defi nido pelo Conselho monetário Nacional e suas

operações fi scalizadas pelo Banco Central do Brasil, à luz

do que estatui a citada Lei 4.595/64, art. 4º, incisos VI e VIII,

9º e 55.

Por essa razão, além das aludidas Leis 5.764/71 e 4.595/64,

as cooperativas de crédito se regem pelo disposto na Lei

10.406 de 10/01/2002 (Código Civil Brasileiro), e nos atos

normativos baixados pelo Conselho Monetário Nacional e

pelo Banco Central do Brasil e pelo respectivo estatuto so-

cial.

As cooperativas de crédito, em princípio, conforme dispõe o

‘caput’ do art. 4º da Lei 5.764/71, estão impedidas de reali-

zar negócios jurídicos com pessoas não-associadas.

Mas o art. 86 do indigitado diploma legal contempla ex-

ceção a essa regra, ao dispor que as cooperativas poderão

fornecer bens e serviços a não-associados, desde que aten-

didos os objetivos sociais.

E, no caso específi co das cooperativas de crédito, essas so-

ciedades somente poderão fornecer bens e serviços a não-

associados com fulcro em regras específi cas de órgão nor-

mativo, na exata dicção desse dispositivo legal, in verbis:

Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a

não associados, desde que tal faculdade atenda aos objeti-

vos sociais e esteja de conformidade com a presente lei.

Parágrafo único. No caso de cooperativas de crédito e

das seções de crédito das cooperativas agrícolas mistas, o

disposto neste artigo só se aplicará com base em regras a

serem estabelecidas pelo órgão normativo. (negritei)

Dessa forma, e com fundamento nas disposições do parágrafo único do dis-

positivo legal reproduzido, as cooperativas de crédito, para poderem fornecer

bens e serviços a não-associados, estão sujeitas às normas editadas pelo Con-

selho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil.

Nesse particular, a Resolução CMN/BACEN de n.º 3.321/2005

de 30/09/2005, estabelece que as cooperativas de crédito

somente podem captar depósitos de seus associados, como

também que a realização de empréstimos se restringe a

seus associados, como estatui o art. 27 desse ato normativo,

com a seguinte redação:

Art. 27. A cooperativa de crédito pode realizar as seguintes

operações, além de outras estabelecidas em regulamenta-

ção específi ca:

I - captar, somente de associados, depósitos sem emissão

de certifi cado; obter empréstimos ou repasses de institui-

ções fi nanceiras nacionais ou estrangeiras, inclusive por

meio de Depósitos Interfi nanceiros de Microcrédito (DIM);

receber recursos oriundos de fundos ofi ciais e, em caráter

eventual, recursos isentos de remuneração ou a taxas fa-

vorecidas, de qualquer entidade, na forma de doações, em-

préstimos ou repasses;

II - conceder créditos e prestar garantias, somente a as-

sociados, inclusive em operações realizadas ao amparo da

regulamentação do crédito rural em favor de associados

produtores rurais. (grifei e negritei)

Vê-se, portanto, que a reproduzida normatização do CMN e

do BACEN é clara no sentido de que as cooperativas de cré-

dito somente podem captar depósitos e conceder créditos e

prestar garantias a seus associados.

(...)

A jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça tam-

bém é no sentido de que as cooperativas de crédito somen-

te podem captar depósitos e realizar empréstimos com as-

sociados, v. g., entendimento consubstanciado nos Recursos

Especiais 784378 (Min, José Delgado), 591298 (Min. Teori

Zavascki). 529391 (Min. José Noronha) e 543828 (Min. Cas-

tro Meira (grifei)

Page 30: Revista Decisum

31

De outra sorte, entretanto, à cooperativa de crédito é fa-

cultada a prestação de serviços a terceiros (recebimentos

de tarifas, tributos, pagamentos de salários a empregados,

cobrança, seguros, cartão de crédito e outros), tão-só essa

atividade em relação a não-associados, a teor do disposto

no inciso IV do art. 27 da citada Resolução CMN/BACEN

3.321/2005, verbis:

Art. 27. a cooperativa de crédito pode realizar as seguintes

operações, além de outras estabelecidas em regulamenta-

ção específi ca:

(...)

IV- prestar serviços de cobrança, de custódia, de recebimen-

tos e pagamentos por conta de terceiros mediante contrato

com entidades públicas e privadas e de correspondente no

País, nos termos da regulamentação em vigor, por conta ou

em benefício de associados e de usuários, observadas, no

atendimento a não associados, as restrições estabeleci-

das nos incisos I e II. (negritei)

(...)

Conclui-se, assim, pela impossibilidade de depósito e mo-

vimentação das disponiblidades fi nanceiras municipais em

cooperativas de créditos. Estas somente poderão prestar aos

municípios, nos termos do disposto na Resolução 3.321/05,

serviços de cobrança, de custódia, de recebimentos e paga-

mentos por conta de terceiros.

II.5) Possibilidade da utilização de Banco Postal pelos muni-

cípios que não possuem instituição fi nanceira ofi cial.

O município, restando frustadas as posssibilidades de pro-

ceder às operações bancárias em instituições fi nanceiras

ofi ciais ou privadas (neste caso observado o procedimento

licitatório como observado alhures) poderá utilizar-se de

Banco Postal.

Inicialmente informo que o Banco Postal é um serviço dos

Correios e caracteriza-se pela utilização de sua rede de

atendimento para a prestação dos serviços bancários bási-

cos em todo o território nacional, objetivando, primordial-

mente, oferecer estes serviços à população de baixa renda,

o que tem sido um desafi o em todos os países.

Para isso, os Correios atuam como correspondente ban-

cário do banco privado parceiro, em sintonia com as orien-

tações do Banco Central do Brasil, nos termos da Resolução

3110/2003 do Conselho Monetário Nacional e da Portaria

n.º 588/2000 do Ministérios das Comunicações.

Isto posto, invergo ao debate a possibilidade da utilização

de Banco Postal pelos municípios que não possuem insti-

tuição fi nanceira ofi cial. Nesse sentido, é o entendimento, o

qual acompanho, do Tribunal de Contas do Paraná, inserto

no Acórdão 78/06, sessão do dia 09/02/2006, ao responder

consulta formulada pela Assembléia Legislativa daquele es-

tado, advertindo-se, entretanto, que:

Antes de se iniciarem as operações entre o Município e o

Banco Postal, o Prefeito Municipal deve promover chama-

mento público de agências ou postos bancários, preferen-

cialmente ofi ciais. Constatando-se a instalação de estabe-

lecimento bancário ofi cial no Município, com este devem

ser realizadas as operações. Não existindo banco ofi cial no

Município, este poderá efetuar suas operações junto a ban-

co privado, observando a exigência de procedimento lici-

tatório, caso haja mais de um banco privado no município.

Não havendo possibilidade às alternativas acima, poderá o

Município utilizar-se do Banco Postal. (grifei)

IV - CONCLUSÃO

Ex positis, concluo que:

1º) As disponibilidades de caixa dos Estados, Distrito Fede-

Page 31: Revista Decisum

32

ral, Municípios e dos órgãos ou entidades do poder Público

e das empresas por ele controladas devem ser depositadas

em instituições fi nanceiras ofi ciais, de quaisquer esferas, es-

taduais ou federais.

- Esta é a orientação reiterada desta Colenda Corte nas res-

postas às Consultas nºs 616661, 677160, 657310, 658264,

616661, 682192 e 694568;

2º) Inexistindo instituição fi nanceira em funcionamento no

município, este deverá, no limite de sua autonomia legis-

lativa concorrente, editar lei que autorize o depósito e a

movimentação de seus recursos fi nanceiros em instituição

fi nanceira privada, incluída as aplicações fi nanceiras, desde

que essas tenham por lastro títulos ou papéis públicos, não

prescindindo de realização de procedimento licitatório, nos

termos do art. 37, inciso XXI da CR/88;

3º) Esta Corte de Contas não obstante entender em algumas

consultas que as cooperativas não podem fi gurar como li-

citantes, já adotou posicionamento divergente na consulta

nº 682676, quando possibilitou a participação em licitação

de cooperativa de táxi;

4º) Possibilidade de participação de cooperativas em lici-

tações, desde que respeitados os princípios constitucionais

- em especial o da impessoalidade e o da igualdade - bem

como verifi cado que o objeto da licitação encontra-se en-

quadrado ao objeto social da cooperativa e, ainda, absolu-

tamente descaracterizada a atividade de fachada, observa-

da em todos os casos a legislação vigente;

5º) Viabilidade de participação de cooperativas de crédito

nos procedimentos licitatórios, cumpridos os apontamentos

acima registrados, verifi cando-se essencialmente os servi-

ços que podem ser ofertados aos associados e aos não-as-

sociados nos termos da lei;

6º) A cooperativa de crédito somente pode captar depósitos

de seus associados, nos termos da Resolução CMN/BACEN

3.321/2005, art. 86, parágrafo único c/c com art. 27, incisos

I e II .

7º) A jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça

também é no sentido de que as cooperativas de crédito so-

mente podem captar depósitos e realizar empréstimos com

associados;

8º) Facultada à cooperativa de crédito somente a presta-

ção dos seguintes serviços a não-associados: serviços de

cobrança, de custódia, de recebimentos e pagamentos por

conta de terceiros, a teor do art. 27, inciso IV da Resolução

supracitada. Concluindo-se, portanto, que a cooperativa de

crédito não pode movimentar disponibilidade de caixa do

município.

9º) Possibilidade da utilização de Banco Postal pelos muni-

cípios que não possuem instituição fi nanceira ofi cial, desde

que ultrapassados alguns procedimentos que não tenham

logrado êxito.

Tribunal de Contas, 10 de outubro de 2006.

Conselheiro Antônio Carlos Andrada

Relator

___________________

PROCESSO Nº 709.101

PROCESSO Nº 709.101

NATUREZA: REPRESENTAÇÃO

ÓRGÃO: POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Tratam os presentes autos de representação, com pedido

de liminar, formulada pela empresa PANFLOR EMPREEN-

DIMENTOS LTDA, sediada na cidade do Rio de Janeiro/RJ,

em face da decisão do Chefe de Polícia Civil do Estado de

Minas Gerais que desclassifi cou a representante e classifi -

cou a empresa ISABEL CRISTINA CAMARGOS COIMBRA-ME

em primeiro lugar na licitação modalidade Pregão Presen-

Page 32: Revista Decisum

33

1

falta de amparo legal e intempestividade do recurso inter-

posto, improcedência do pedido, cerceamento de defesa e

impossibilidade de revisão da decisão exarada pelo Chefe

de Polícia Civil.

Inferiu-se, do exame inicial da representação, que não fora

comprovado, de plano, o prejuízo na demora da concessão

da tutela pretendida (periculum in mora).

Nesse sentido, ad cautelum, os autos foram encaminhados

ao órgão técnico, que apontou a necessidade de se verifi car

a atual situação da prestação do serviço licitado junto à Po-

lícia Civil, a fi m de subsidiar o posicionamento desta Corte.

Diante do exposto, foram os autos convertidos em diligên-

cia, intimando-se, por meio de Ofi cial Instrutivo, o Chefe de

Polícia Civil e o Diretor de Divisão de Material e Patrimô-

nio, para que fornecessem informações acerca do estado

em que se encontrava o fornecimento de alimentação ao

CERESP.

Cumprida a diligência e verifi cada a ausência dos pressu-

postos que autorizariam a concessão da medida, em sessão

da Segunda Câmara, de 02/05/2006, foi indeferida a liminar

requerida, sendo os autos encaminhados ao órgão técnico

para que procedesse ao exame da documentação juntada.

Não satisfeita com a decisão proferida pela Segunda Câma-

ra, que negou provimento à concessão da liminar requerida,

a empresa Panfl or Empreendimentos Ltda interpôs Pedido

de Reconsideração, em 16/05/2006, protocolizado sob nº

146869-2.

Inicialmente, cabe esclarecer que, a meu juízo, o instrumen-

to tecnicamente adequado para hostilizar a decisão que in-

deferiu a medida liminar requerida pela representante não

se trata de Pedido de Reconsideração, e sim de Agravo.

O agravo, diferentemente do recurso de reconsideração,

cial n.º 319/2005 - promovida pelo órgão em epígrafe, cujo

objeto é a contratação do fornecimento de alimentação a

presos condenados e/ou provisórios aguardando julgamen-

to e policiais na Unidade de Polícia Civil CERESP/Gameleira,

conforme especifi cações dos anexos do edital.

Consoante a ata do pregão presencial, acostada às fl s. 70

a 73, foram classifi cadas as propostas de ISABEL CRISTINA

CAMARGOS COIMBRA-ME; HELIO MENDES MAGALHÃES E

PANFLOR EMPREENDIMENTOS LTDA, na ordem crescente de

preços. Posteriormente, na fase de habilitação, foram des-

classifi cadas as duas primeiras empresas pela pregoeira, res-

tando a empresa PANFLOR EMPREENDIMENTOS LTDA como

única classifi cada no certame.

Em ata, consignou a empresa ISABEL CRISTINA CAMARGOS

COIMBRA-ME seu desejo de apresentar recurso contra sua

desclassifi cação, interposto tempestivamente, conforme

documentos de fl s.75 a 86. A representante juntou con-

tra-razões recursais, fl s. 105 a 117. O recurso foi julgado

improcedente pela pregoeira, fl . 119, decisão ratifi cada pelo

diretor de material e patrimônio, fl s. 124 a 131.

Inconformada com essa decisão, a empresa ISABEL CRISTINA

CAMARGOS COIMBRA-ME, interpôs RECURSO de RECONSI-

DERAÇÃO, protocolizado em 13/02/2006, diretamente ao

Chefe de Polícia, que deu provimento ao recurso, desclassi-

fi cando a representante e classifi cando a referida empresa

em primeiro lugar no certame em comento – publicação no

“Minas Gerais” em 18/03/2006, fl . 133.

A partir desse quadro, insurge-se a representante contra suposta

ilegalidade do ato do Chefe de Polícia, que poderia ter desbordado

de suas competências ao reformar a decisão da Pregoeira, decisão

esta ratifi cada pelo Diretor de Material e Patrimônio – autoridade

responsável pelo edital e pela homologação do certame.

Em sua argumentação, em síntese, alegou a representante,

Page 33: Revista Decisum

34

será interposto contra despacho interlocutório, ordinário

do Presidente ou do Relator, ou contra decisões não defi ni-

tivas do Tribunal Pleno ou das Câmaras, nos termos do art.

250 do referido Regimento.

Neste sentido, consoante os ensinamentos de Antônio Cláu-

dio da Costa Machado, em “Código de Processo Civil Inter-

pretado”, fl . 748, o agravo pode ter por objeto uma provisão

jurisdicional de urgência, constituindo-se uma medida limi-

nar cautelar concedida ou denegada, uma antecipação de

tutela, também concedida ou denegada, ou medida liminar

puramente antecipatória.

No caso em tela, o indeferimento da concessão da liminar

requerida não constitui decisão de mérito, cabendo, pois,

contra ela a interposição de agravo.

Diante do exposto, nos termos da certidão expedida pela

Secretaria Geral e pelo princípio da fungibilidade, recebo a

documentação em exame como agravo por tempestivo.

A questão da concessão da liminar ora pretendida para além

da argumentação aduzida pela representante, diz respeito

à própria competência do TCMG, em matéria de licitação e

contratos administrativos.

É que, embora possa parecer que o TCMG atue nessa seara,

tutelando o interesse individual do representante (licitan-

te), isto, de fato, não acontece, porquanto o interesse do

controle externo é o interesse da sociedade.

Nesse diapasão, quando o TCMG verifi ca a regularidade dos

certames licitatórios não o faz para determinar que a Admi-

nistração contrate ou não contrate com eventual licitante,

mas sim para declarar se o certame atende ou não atende

ao que dispõe o ordenamento jurídico. Eventual interesse

individual que se pretenda ver tutelado deve ser objeto de

ação no âmbito do Poder Judiciário, órgão a que está afeta a com-

petência para solver confl itos e tutelar interesses individuais.

Ora, neste caso, percebe-se que o interesse que a represen-

tante traz à tona no pedido formulado em sua exordial é in-

dividual, descabendo ao TCMG decidir que a Administração

contrate consigo. A esta Corte caberia sustar os efeitos do

ato do Chefe da Polícia Civil, desde que o contrato não hou-

vesse sido assinado, determinando as correções adequadas

no procedimento.

Portanto, o escopo de abrangência da atuação das Cortes

de Contas situa-se no plano da efi cácia e não da validade.

A conseqüência prática disto é que, caso o agente público

insista em continuar executando ato cuja prática foi susta-

da pelos Tribunais de Contas, o fará por sua conta e risco,

respondendo objetivamente pelas suas conseqüências, in-

clusive eventual necessidade de ressarcimento de valores

ao erário, após a apuração de responsabilidade em processo

próprio.

Dessa forma, a posição a ser adotada pelo Tribunal de Con-

tas de Minas Gerais é binária, vale dizer, o pronunciamento

é no sentido da regularidade ou da irregularidade do

procedimento.

Também se deve registrar que ao Tribunal de Contas de Mi-

nas Gerais não compete declarar a validade ou invalidade

dos atos da Administração, competência esta que cabe à

própria Administração (no exercício do poder de auto tute-

la) ou ao Poder Judiciário, se for provocado para tanto.

O que se quer dizer é que, em outros termos, a teor do

disposto no art. 71, IX e X e § I da Constituição, ao TCMG

compete sustar a efi cácia de atos administrativos ilegais

quando isto efetivamente for possível, mas não declarar sua

invalidade ou sua validade.

Por demais, vale dizer que a competência de sustação do TCMG

antes da assinatura do contrato pressupõe o caso das licitações

que ainda não tenham dado azo à contratação, pois se o con-

Page 34: Revista Decisum

35

trato está fi rmado, a competência sustatória é do Poder

Legislativo.

Neste sentido, ao compulsar os autos e a documentação

acostada, verifi ca-se que o contrato já foi fi rmado, de sor-

te que a competência para sustá-lo é do Poder Legislativo,

conforme já aludido.

Logo, não é possível que o TCMG, em sede da liminar, sus-

penda licitação, como, aliás, deveria ter requerido a repre-

sentante, posto que já fi ndada.

Entretanto, não obstante toda essa reconstrução teórica

aqui desenvolvida, em que resta clara a impossibilidade do

Tribunal de Contas conceder a tutela nos termos propostos

pela recorrente, não poderia deixar de tecer algumas consi-

derações afetas ao caso que ora se apresenta a esta Corte.

Em uma primeira análise, não se pode olvidar de mencionar

uma série de indícios de irregularidades que carreiam, per

si, o condão de macular todo o procedimento licitatório e

conseqüentemente a execução dos contratos e a realização

das despesas dele decorrentes.

Aspecto essencial, sem prejuízo de um maior aprofunda-

mento posterior em questões de ordem técnica do proce-

dimento - referentes, por exemplo, a cláusulas editalícias

- e do processamento dos contratos, diz respeito ao próprio

ato do Chefe de Polícia que desclassifi cou a representante

e adjudicou o objeto à empresa Isabel Cristina Camargos

Coimbra-ME- que aliás encontra-se impedida de fornecer

a alimentação, em função de sua interdição pela vigilância

sanitária.

Ora, ab initio, cabe aqui fazer uma breve digressão sobre

o processamento dos recursos na modalidade Pregão. Nes-

te, como a decisão de inabilitar o licitante é do pregoeiro

(vide art 9º da Lei Estadual 14.167/02 e art 7º do Decreto

42.416/02 que regulamenta a lei), a este deverá ser dirigi-

do o recurso, que caso não provido deverá encaminhá-lo

para autoridade competente. Esta deve ser entendida como

aquela responsável pela licitação, ou em outros termos,

aquela que homologa o certame, para que, em sede fi nal

e defi nitiva, decida sobre a procedência ou não do recurso.

Encerra-se, aí, pois, o processamento do recurso hierárquico

cabível à espécie.

No caso sub exame, verifi ca-se que a autoridade responsá-

vel pela licitação – Ata de Realização do Pregão Presencial

de fl s 119 a 122 - foi o Diretor da Divisão de Material e

Patrimônio, sendo este o responsável pela última palavra

recursal no certame em comento. Ressalta-se ainda, que

não cabe a esta Corte discutir tal fato, pois não cabe a ela

imiscuir-se na esfera de distribuição de competência inter-

na da Polícia Civil para processamento de licitações e orde-

namento de despesas.

Entretanto, em função da aplicação subsidiária da Lei

8666/93 à modalidade pregão, poder-se-ia considerar a

hipótese do cabimento de recurso interposto diretamente

à autoridade máxima da Polícia Civil, como representação,

a teor do art. 109, inciso II, da Lei 8666/93, ainda que com

reservas, ou mesmo como direito de petição, em função do

mandamento constitucional insculpido no art. 5º, XXXIV, a

da CR/88, e não como pedido de reconsideração, pois não

há como alguém reconsiderar algo que não decidiu.

Não obstante a consideração de tais possibilidades, neces-

sário ainda é que se observasse a questão da tempestividade

da interposição dos mesmos. Ora, a se aceitar que quais-

quer manifestações de irresignação quanto a decisões da

Administração possam se dar a qualquer tempo, sem limi-

tes, parâmetros ou balizas, estaria-se a subverter de forma

até irresponsável a segurança jurídica que devemos tute-

lar. Nesse sentido, como se observa dos autos, o “recurso”

Page 35: Revista Decisum

36

foi interposto quase que 30 dias após a manifestação da

autoridade competente (Diretor da Divisão de Material e

Patrimônio), portanto nem mesmo pelo princípio da fungi-

bilidade poder-se-ia conhecê-lo como tempestivo.

Por fi m e por demais, ainda que do recurso fosse dado co-

nhecimento, caberia ao Chefe de Polícia tão somente dar

provimento ao mesmo, determinando que os autos fossem

baixados a quem de direito para dar cumprimento à sua

decisão, e não, ele próprio inabilitar quem quer que seja e

adjudicar o objeto a um terceiro.

Entendi necessárias essas considerações no intuito de aler-

tar ao Sr. Chefe de Polícia de que, quando da análise do

mérito, em virtude dos veementes indícios de irregularida-

des, poderá e deverá o TCMG sindicar a licitude da licitação

como um todo e do contrato para, se for o caso, imputar

ao responsável pelo prosseguimento da licitação as pena-

lidades previstas na LC 33/94 e no RITCMG, sem prejuízo

da imputação de ressarcimento, se verifi cado após o devido

processo legal, dano ao erário na contratação.

VOTO

Pelo exposto, nego provimento ao agravo por perda de seu

objeto, haja vista o exaurimento da competência desta Cor-

te de Contas na concessão da tutela nos termos pretendi-

dos.

Entretanto, à vista dos indícios de graves irregularidades re-

lacionadas ao processamento do certame licitatório, solicito

ao Exmo Conselheiro Presidente a realização de inspeção

extraordinária em regime de urgência para apuração do

procedimento ora em comento e da execução dos contratos

dele decorrentes, não sem antes recomendar, desde logo,

ao Chefe de Polícia que adote medidas saneadoras do pro-

cedimento, sem prejuízo da ciência dos fatos à Assembléia

Legislativa, nos termos do art. 76, § 1º da CE/89 - em virtude

do contrato de fornecimento já estar em execução - e à

Promotoria do Patrimônio Público para as providências que

entender cabíveis.

Dê-se ciência do inteiro teor desta decisão à empresa Pan-

fl or Empreendimentos LTDA.

Em seguida, encaminhem-se os autos à Secretaria da Se-

gunda Câmara para que proceda à juntada da documenta-

ção referente ao agravo interposto.

É como voto.

Conselheiro Antônio Carlos Andrada

Relator

___________________

RECURSO DE REVISÃO: Nº 666.571

PEDIDO DE VISTA

RECORRENTE: SR. MAURO SANTOS FERREIRA

ENTIDADE: SECRETARIA DE ESTADO DE RECURSOS HUMA-

NOS E ADMINISTRAÇÃO.

Relatório

Em Sessão Plenária do dia 22/03/2006, pedi vista dos pre-

sentes autos para inteirar-me da matéria em votação.

Versam os autos sobre Recurso de Revisão interposto pelo

ex-Secretário de Estado de Recursos Humanos e Adminis-

tração, Sr. Mauro Santos Ferreira, com fundamento no art.

84 da Lei Complementar nº 33/94, objetivando a revisão

da decisão prolatada pela Terceira Câmara, na Sessão do

dia 18/12/2001, no Processo de Aposentadoria nº 493.050,

de Rosa Maria Duretti, concedida por ato publicado em

03/08/1996.

A decisão em comento denegou o registro do ato de apo-

sentadoria, tendo em vista o não cumprimento da diligên-

cia determinada em 01/08/2000, para juntada aos autos de

certidão de tempo para fi ns de concessão da Gratifi cação

RECURSO Nº 666.571

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cancelando, ou não a decisão anterior, com fundamento

na decisão da Quarta Câmara prolatada na sessão do dia

05/09/2002, processo nº 657.559.

A decisão constante do processo supracitado foi no sentido

de que os documentos autuados como recurso de revisão

e assim recebidos pelo Conselheiro Presidente, na verdade

cuidariam de cumprimento de diligência ou justifi cativas

por parte de autoridade competente.

A douta Procuradoria é acorde com a douta Auditoria, fl s.

52 e 53.

Em seguida, o Conselheiro Sylo Costa submeteu o relatório

ao Conselheiro Revisor Elmo Braz.

O Processo foi incluído na pauta da Sessão Plenária do dia

15/10/2003, ocasião em que fi cou decidida a suspensão do

julgamento até que houvesse deliberação sobre a matéria

trazida anteriormente pelo Conselheiro Moura e Castro.

Assim, em Sessão Plenária do dia 22/03/06 o Conselheiro

Sylo Costa, após o sobrestamento do presente processo na

Secretaria do Pleno - aguardando a decisão acerca da pro-

posta referente à interposição e tramitação de recursos em

processo de aposentadoria - retorna à apreciação do Pleno

o respectivo Recurso de Revisão e entende que a matéria

deve ser examinada no Recurso de Revisão nº 660.828 de

sua relatoria.

Ainda, quanto ao mérito, esclarece que a matéria já foi ob-

jeto do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, pro-

tocolado sob o nº 674.348, apreciado na Sessão Plenária do

dia 23/04/2003.

A seguir votam de acordo com o Conselheiro Relator, o

Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Moura e Castro, e Con-

selheiro Simão Pedro.

O Conselheiro Wanderley Ávila nega provimento ao recur-

de Incentivo à Docência, computando-se os afastamentos

da regência de classe por laudo médico e, se implementado

o requisito de tempo, a servidora teria direito à inclusão do

2º biênio aos proventos.

O Recorrente aduz em razões recursais, em síntese, que no

universo de processos de aposentadoria encaminhados a

este Tribunal, “apenas aqueles distribuídos em data próxima

à Terceira Câmara, retornaram a esta Casa para concessão

da Gratifi cação de Incentivo à Docência computando-se to-

dos os períodos de licença para tratamento de saúde, deter-

minação essa, que contraria formalmente a legislação que

institui a referida gratifi cação e o posicionamento fi rmado

no decorrer dos anos por essa Colenda Corte, já que até

então, não havia negado registro a nenhum ato de aposen-

tadoria sob tais argumentos.”

Alega, ainda que, se os afastamentos da regência para tra-

tamento de saúde forem computados para a concessão de

biênios, na atual situação e naquelas análogas, signifi ca re-

ver a situação de milhares de professores, colocando em

risco a estabilidade da relação entre Administração e admi-

nistrado e os princípios da igualdade e estrita legalidade a

que estão vinculados os atos administrativos.

O despacho de admissibilidade do recurso encontra-se à fl . 31 e,

à fl . 30, Certidão expedida pela Secretaria - Geral desta Casa.

O Conselheiro Sylo Costa, nos termos do despacho de fl .

33, determinou a remessa dos autos à Diretoria Técnica -

DAARP / DEARP, cuja informação encontra-se às fl s. 35 a

38. Ato contínuo concedeu vista do processo ao Recorren-

te, pelo prazo regimental e, a seguir, às doutas Auditoria e

Procuradoria.

Em parecer de fl s. 50 e 51, a douta Auditoria opina pela

remessa dos autos ao Sr. Conselheiro Relator de origem, vi-

sando novo exame da legalidade do ato de aposentadoria,

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so, quando, na seqüência, pedi vista dos autos.

É o relatório.

Fundamentação

Primeiramente, registro que a presente questão relativa ao

cômputo dos períodos de afastamento por motivo de tra-

tamento de saúde para fi ns de concessão da Gratifi cação

de Incentivo à Docência, foi objeto do Incidente de Unifor-

mização de Jurisprudência, protocolado sob o nº 674.348,

apreciado na Sessão Plenária do dia 23/04/2003. Ocasião

em que esta Corte de Contas, por maioria dos votos, re-

conheceu a vigência e aplicabilidade da regra estabelecida

no art. 2º, §4º, da Lei nº 8.517/84, segundo a qual é veda-

do o cômputo dos períodos de afastamento e licenças para

concessão da Gratifi cação de Incentivo à Docência, tendo

tal regra sido recepcionada pela Constituição da República

de 1988 em todo o seu alcance, não confi gurando ofensa

ao princípio da moralidade. Ao contrário, entendeu-se que

a restrição legal guarda consonância com a aposentadoria

especial do professor, conforme art. 40, §1º, inciso III, alínea

“a”, combinado com o §5º, da Constituição da República, na

redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98. Po-

rém, a decisão não pôde ser sumulada, uma vez que não

foi alcançado quorum especial de cinco votos previsto

no Regimento Interno deste Tribunal.

Saliento, na oportunidade, que a controvérsia trazida à dis-

cussão constitui polêmica de dimensão legítima, haja vista

entendimentos divergentes esposados por conselheiros des-

ta Corte.

Desde já, informo que, com a devida vênia, discordo do de-

cisum em realce e passo a fundamentar o meu entendi-

mento.

Ao intentar solver a questão cumpre assinalar que deve ser

agasalhado o reconhecimento de que, em um Estado que

se autodefi ne como democrático, é de todos a Constitui-

ção, tendo em vista que a legitimidade do direito e do pró-

prio Estado provém de sua origem democrática, isto é, na

perspectiva de Jürgen Habermas1 na sua conceituada obra

Direito e Democracia: entre a faticidade e a validade, na

exata medida da participação dos cidadãos na construção

dos direitos e deveres que eles próprios defi nem para regu-

lar a vida em comum.

Nessa linha, Marcelo Cattoni2, em sua obra “Devido Proces-

so Legislativo” resgata Jiménez Redonho, que ao discorrer

acerca do princípio democrático como uma densifi cação do

princípio do discurso ensina: sólo son legítimas aquellas

normas de acción que pudierem ser aceptadas por todos

los possibles afectados por ellas como participantes em

discursos racionales3.

Com efeito, como desdobramento da produção legítima de

normas defl ui a necessidade de participação ativa de toda a

sociedade organizada - cidadãos e órgãos que se encontram

sob sua égide - no processo de interpretação constitucional,

não obstante a competência para o exercício do controle de

constitucionalidade, na acepção técnica e estrita – ser al-

cançada somente pelos órgãos do Poder Judiciário em face

do modelo jurisdicional de controle adotado no direito bra-

sileiro. Nessa perspectiva é que resulta a necessidade de se

assegurar a sociedade aberta de intérpretes da Constituição

apresentada por Peter Häberle.

1 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade.

Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro Vols. I e II, 1997.

2 CATONI, Marcelo. Devido processo legislativo, Belo Horizonte: Manda-

mentos, 2000, p 15.

3 Tradução livre: só são legítimas aquelas normas de ação que puderem

ser aceitas por todos os possíveis afetados por elas como participantes de

discursos racionais.

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Na esteira deste enfoque é que se cristaliza o poder / dever

dos Tribunais de Contas, órgãos de controle primazes, cuja

existência e efetiva atuação são imprescindíveis em um re-

gime democrático, até como forma de garantia e respeito

às normas insculpidas na Lei Maior. Não pode, contudo, de-

clarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do

Poder público, nos moldes do Poder Judiciário, mas deve

negar-se à aplicação de leis manifestadamente inconstitu-

cionais, no desempenho de suas funções.

A Mestra Elke Andrade Soares de Moura e Silva ao abordar

o assunto cita o ensinamento de Hemístodes Cavalcanti:

A declaração de constitucionalidade é, entretanto, prer-

rogativa do Poder Judiciário, de que não se pode utilizar

o Tribunal de Contas sem invadir a esfera daquele Poder,

mas, ao apurar a sua própria competência em face da

Constituição e das leis e ao apreciar os atos sujeitos ao seu

julgamento, nada impede que o Tribunal de Contas exami-

ne a validade e a eficácia das leis e dos atos administrati-

vos perante a Constituição, deixe de aplicá-los e reconheça

o seu vigor quando manifesta a inconstitucionalidade4.

Ainda, entende a Professora referenciada, verbis:

É certo, porém, que ao Tribunal de Contas não é permiti-

do declarar a inconstitucionalidade da norma, posto que

referida função está reservada exclusivamente ao Supre-

mo Tribunal Federal e aos Tribunais de Justiça Estaduais

(quando em conflito norma municipal ou estadual e dispo-

sitivo da Constituição do respectivo Estado), na realização

do controle direto (abstrato) de constitucionalidade. Deve,

no entanto, negar-lhe aplicação, se constatar que discrepa

4 SILVA, Elke Andrade Soares de Moura e, Os Tribunais de Contas e o

Controle de Constitucionalidade as Leis, Revista do Tribunal de Contas do

Estado de Minas Gerais, Ano XXII, nº3, p 90.

das disposições constitucionais5.

Registro, desse modo, o teor da Súmula 347, do Excelso Pre-

tório:

O Tribunal de Contas no exercício de suas atribuições pode

apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder

público.

Encampando o fundamento acima esposado e a questão

prefacial, verifi ca-se que compete ao Tribunal de Contas,

nos termos do art. 71, III c/c art.75 da CR/88, apreciar, para

fi ns de registro, a legalidade das concessões de aposentado-

rias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posterio-

res que não alterem o fundamento do ato concessório, além

de outras atribuições previstas nas Constituições Federal e

Estadual e nas leis infraconstitucionais.

Com efeito, o Conselheiro Eduardo Carone ao relatar o

exame contido no seu voto em sede de Incidente de Uni-

formização de Jurisprudência, processo nº 674348, assim

entendeu:

O exame da legalidade dos atos concessórios de aposen-

tadorias, reformas e pensões deve ser entendido como via

de mão dupla, para não se cingir, apenas, à verificação da

compatibilidade do ato concessório com a legislação que o

rege em observância ao princípio: “tempus regit actum”.

Verifi ca-se, pois, que o nobre Conselheiro já sinaliza para

essa mudança na forma de se compreender e aplicar o direi-

to. Nesses termos, sob o paradigma do Estado Democrático

do Direito, em que a legitimidade das decisões adquire um

caráter procedimental e participativo, não mais se sustenta

o modelo positivista de Kelsen segundo o qual a validade

do ordenamento jurídico se resumia a um silogismo des-

provido de conteúdo que deveria encerrar toda a lógica do

5 Moura e Silva, ob. cit. p 89.

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“dever-ser”. Do contrário, a nova modelagem, denominada

pós-positivista, traz à baila a aquisição de normatividade

por parte dos princípios que agora, a exemplo das regras,

passam também a incorporar o ordenamento jurídico e,

portanto, adquirem coercitividade.

Isto posto, verifi ca-se que a Administração Pública não

está apenas atrelada ao princípio da legalidade. No orde-

namento jurídico, outros princípios concorrem para reger

as situações de aplicação, de sorte que a norma adequa-

da apresenta-se como deslinde de um juízo ou senso de

adequabilidade imprescindível para o resultado do processo

interpretativo. Na construção da norma adequada, como

explica Rodolfo Viana Pereira6, apoiado na obra de Klaus

Günther7, exige-se que todo discurso de aplicação das nor-

mas – regras ou princípios – pelo intérprete, deve pautar-se

pela motivação e fundamentação, na qual devem ser con-

sideradas todas as circunstâncias fáticas envolvidas no exa-

me do caso concreto.

Portanto, árdua é a tarefa do intérprete que não pode mais

se ancorar no porto seguro de uma modelagem unicamente

positivista. Elucidativos, neste sentido, são os ensinamentos

do Professor Menelick de Carvalho Netto:

Desse modo, no paradigma do estado do Direito, é de se

requerer do Judiciário que tome decisões que, ao retra-

balharem construtivamente os princípios e regras cons-

titutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo,

a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na

legalidade, entendida como segurança jurídica, como

certeza do Direito, quanto ao sentimento de justiça rea-

lizada, que defl ui da adequabilidade da decisão às parti-

6 V.P. Rodolfo, ob. cit. p 161

7 GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no direito e na moral.

cularidades do caso concreto. (...)8 (Negrito meu).

Faz-se, então, necessário trazer ao debate a confi rmação

da efi cácia normativa dos direitos fundamentais e dos prin-

cípios que se transformaram numa espécie de bússola da

Constituição orientando e governando todo o ordenamento

jurídico. São os direitos fundamentais a Constituição mes-

ma em seu máximo teor de materialidade, que após o pe-

culiar rompimento com o positivismo, libertou-se de ser um

sistema de normas na representação clássica, para se trans-

formar num sistema de princípios. Reconhece-se, a partir de

então, a inteira juridicidade dos princípios9.

A própria CR/88, nos §§ 1º e 2º do art. 5º, também consagra

tal entendimento ao dispor sobre a aplicabilidade imediata

dos direitos e garantias fundamentais e a recepção de prin-

cípios outros daqueles já expressos em seu texto.

Como se observa, nesse novo contexto, e aqui faço menção a

Rodolfo Viana Pereira, a Constituição é locus hermenêutico

do Direito. É o lugar a partir do qual se defi ne a amplitude

dos signifi cados possíveis dos preceitos jurídicos infracons-

titucionais. A afi rmação do constitucionalismo moderno

como modo de regulamentação da convivência política, e a

consagração do princípio da supremacia constitucional não

poderiam permitir compreensão diversa.

Portanto, é essencial a função do operador do Direito para

investigar frente à lei infraconstitucional, fonte normativa,

sua correta adequação à conjugação das regras e princípios

(normas) constitucionais, no intuito de fazê-la aliada aos

8 CARVALHO NETTO, Menelick de.Requisitos pragmáticos da interpreta-

ção jurídica sob o paradigma do estado democrático de direito. Revista

de Direito Comparado. BeLo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG,

v.3, p 486, 1999

9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constituciona, 7ª edição, Malhei-

ros, São Paulo, p 585.

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fi ns que norteiam o modelo ideal de comunidade política e,

assim, realizar justiça no caso concreto10.

A Constituição constitui-se, no caso, a fonte de toda legiti-

midade por demonstrar o limite do trabalho hermenêutico.

O que afasta a aceitação plena de que os métodos clássicos

de interpretação (literal, teleológica, etc.) são sufi cientes

para trazer a verdade genuína constante no seio da norma.

Nesse diapasão, na monumental obra “Verdade e Método”,

do Mestre Gadamer, precursor da chamada hermenêutica

fi losófi ca, encontramos as cristalinas palavras de Richard

Palmer:

A verdade não se alcança metodicamente, mas dialetica-

mente (...). Rigorosamente falando, o método é incapaz de

revelar uma nova verdade; apenas explicita o tipo de ver-

dade já implícita no método11.

Toda essa reconstrução teórica se mostra importante, pois

à luz do método clássico de interpretação literal do art. 2º,

§4º, da lei 8.517/84, não deve ser computado o período de

afastamento do servidor da atividade específi ca de profes-

sor ou regente de ensino, por motivo de licença para trata-

mento de saúde, para fi ns de percepção da Gratifi cação do

Incentivo à Docência.

Entretanto, acredito que no caso em tela esse entendimen-

to não pode prosperar. Para justifi car meu entendimento,

passo à análise do dispositivo em comento face à Consti-

tuição de 1988, que em seu Título II – Direitos e Garantias

Fundamentais – art. 6º, assegura a saúde como direito social

fundamental, até mesmo por se apresentar como corolário

ao direito à vida.

10 PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica fi losófi ca e Constitucional.Del

Rey, Belo Horizonte, 2001, p 141.

11 PALMER, Richard E. Hermenêutica Lisboa, edição 70,1997, p 169.

Compreendida a noção da indissociabilidade dos direitos

fundamentais à vida e à saúde, têm-se o substrato do prin-

cípio da dignidade da pessoa humana. Ou seja, a ausência da

efetividade na concretização destes direitos fundamentais

constitui, também, uma violação ao princípio constitucio-

nal, podendo-se, inclusive, exigir judicialmente a prestação

correspondente.

Por demais, sem adentrar aqui na profícua discussão acer-

ca da fundamentalidade dos direitos prestacionais, ou seja,

aqueles que demandam uma ação positiva do Estado, cabe

frisar que a saúde integra o chamado “mínimo existencial”

indispensável à manutenção da integridade física e em últi-

ma ratio, da própria vida.

Não obstante adotar uma linha doutrinária diferenciada

no que diz respeito ao presente tema, o Professor Ricardo

Lobo Torres entende também, que as prestações que fazem

parte do “mínimo existencial”, sem o qual restará violado o

núcleo da dignidade da pessoa humana, compromisso fun-

damental do Estado brasileiro, são oponíveis e exigíveis dos

poderes públicos constituídos. E, ainda, o “mínimo existen-

cial” representa um conjunto de condições iniciais para o

exercício da liberdade, que assim traduz:

Os direitos à alimentação, saúde e educação, embora

não sejam originariamente fundamentais, adquirem o

status daqueles no que concerne à parcela mínima sem o

qual não sobrevive12. (Negritei)

Depreende-se da interpretação do raciocínio transcrito que

o direito à saúde não é tratado como um direito individu-

al fundamental a priori, devendo adquirir este status, pois

constitui em sua essência o standart mínimo de existência

12 TORRES, Ricardo Lobo, Os direitos humanos e a tributação – imunida-

des e isonomia, 1995, p133.

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42

indispensável ao princípio da dignidade da pessoa humana.

E, nesta sociedade contemporânea focada no ponto de vista

jusfi losófi co, na credibilidade dos postulados humanistas e

na democracia, a dignidade da pessoa humana (considerado

seu aspecto material) adquire relevância ímpar.

Portanto, no caso sub examine a normatização dos princí-

pios permite que possamos continuar no modelo de juridi-

cidade sem permitirmos distorção que reduza a regulamen-

tação à hipótese restrita da regra contida no art.2º, §4º, da

lei estadual 8.517/84.

Esposado meu entendimento, gostaria ainda de mencionar

que na construção da norma adequada ao caso em comen-

to, relevante é o excerto extraído do acurado entendimento

promanado do voto do nobre Conselheiro Eduardo Carone:

O intérprete deve atentar para a questão pontual no exame

do cômputo, ou não, do período de licença para tratamento

de saúde para fi m de concessão da gratifi cação sob comen-

to, e que está relacionada ao aspecto da voluntariedade do

afastamento, ou seja, a doença independe de ato voliti-

vo do servidor, sendo sempre involuntária, inesperada e

indesejada. (Negritei)

Portanto, a partir dos argumentos por mim apresentados e

valendo-me desse posicionamento do Conselheiro Eduardo

Carone em assentada já referida, e considerando o direi-

tos fundamentais à vida e a saúde, cernes do princípio da

dignidade da pessoa humana retratados na Constituição

da República de 1988, infere-se que a norma jurídica in-

fraconstitucional em comento não pode desferir refl exos

danosos para a vida funcional e para o patrimônio da servi-

dora. A saúde é um direito garantido constitucionalmente,

sendo-lhe assegurado o afastamento do serviço para trata-

mento médico necessário, e por sua vez, o pagamento de

sua remuneração, para que possa continuar mantendo seu

sustento e de sua família.

Toda essa construção que permite a liberação das amarras

de uma legalidade estrita encontra acolhida também na Ju-

risprudência Pátria. Nessa perspectiva, decidiu o Superior

Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial 249026/PR,

Relator Min. José Delgado, assim ementado:

FGTS. LEVANTAMENTO, TRATAMENTO DE FAMILIAR POR-

TADOR DO VÍRUS HIV, POSSIBILIDADE, RECURSO ESPECIAL

DESPROVIDO.

1. É possível o levantamento do FGTS para fins de trata-

mento de portador do vírus HIV, ainda que tal moléstia não

se encontre elencada no artigo 20, XI, da Lei 8036/90, pois

não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e

sim considera-la com temperamentos, tendo-se em vista a

intenção do legislador, mormente perante o preceito maior

insculpido na Constituição Federal garantidor do direito à

saúde, à vida e a dignidade da pessoa humana e, levando-

se em conta o caráter social do Fundo que é, justamente,

assegurar ao trabalhador o atendimento de suas necessi-

dades básicas e de seus familiares.

2. Recurso Especial Desprovido

O Ministro José Delgado, neste voto, ao relatar, ratifi cou

as palavras do ilustre prolator da sentença de 1º grau, in

verbis: Prefiro, quando as circunstâncias assim o exigem,

navegar ao largo da legalidade, sem rotular-me alternati-

vo, contudo, sentindo prazer incomensurável de decidir de

forma a albergar os anseios dos mais necessitados.

Caminha-se, desse modo, para a conclusão que o art.2º, §4º,

da lei estadual nº 8.517/84 não deve ser aplicado in casu,

pois a sua aplicação constituirá afronta à Constituição Fe-

deral de 1988 e à Carta Mineira de 1989, quando, senão

vejamos também, a exemplo disso, o art. 37 da Constitui-

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ção Mineira dispondo que após a cessação dos motivos que

causaram a aposentadoria por invalidez, o servidor público

que retornar à atividade terá direito, para todos os fins,

salvo para o de promoção, à contagem do tempo relativo

ao período de afastamento. Conclui-se que se considerar-

mos que o caso em tela não trata de promoção do servidor

e que a aposentadoria por invalidez é ocasionada por pro-

blemas de saúde, o mesmo tratamento deve ser atribuído

ao servidor que esteve afastado para tratamento de saúde,

ou seja, trata-se de afastamentos de mesma natureza.

Extrai-se de todo o exposto, que a regra epigrafada, em

face do óbice do cômputo do afastamento para tratamento

de saúde para fi m de percepção da Gratifi cação de Incenti-

vo à Docência, não pode ser aplicada no presente caso por

revelar-se uma violação à nova ordem jurídica trazida com

o advento das Constituições da República de 1988 e Esta-

dual de 1989; por via de conseqüência o art. 8º do Decreto

Estadual nº 23559/84 deve receber o mesmo tratamento.

Nesse caso, a regra em destaque cede espaço em face do

direito fundamental à vida e à saúde, materializados no

princípio da dignidade da pessoa humana, que se apre-

senta como norma adequada ao caso concreto.

Portanto, não considerar os princípios como normas

tende-se a corromper o próprio valor segurança jurídica

que se pretende assegurar.

À vista desse sentido, acrescento o entendimento de que a

inconstitucionalidade material é o satélite da ilegitimida-

de, como ensina Paulo Bonavides13 que apoiado na obra de

Juarez Freitas sobre a intrísica e substancial inconstitucio-

nalidade da lei injusta, afi rma que o conceito de inconsti-

tucionalidade material, em outros termos, está diretamente

vinculado aos princípios superiores de justiça, igualdade e

13 BONAVIDES, São Paulo, p 553 e 554.

dignidade da pessoa humana. E continua o Mestre Paulo

Bonavides:

A pior das inconstitucionalidades não deriva, porém, da in-

constitucionalidade formal, mas da inconstitucionalidade

material, deveras contumaz nos países em desenvolvimen-

to ou subdesenvolvidos, onde as estruturas constitucio-

nais, habitualmente instáveis e movediças, são vulneráveis

aos reflexos que os fatores econômicos, políticos e finan-

ceiros sobre elas projetam. (...)

Cabe, por conseguinte, reiterar: quem governa com gran-

des omissões constitucionais de natureza material me-

nospreza os direitos fundamentais e os interpreta a fa-

vor dos fortes contra os fracos. Governa, assim, fora da

legítima ordem econômica, social e cultural e se arreda

da tridimensionalidade emancipativa contida nos direi-

tos fundamentais da segunda, terceira e quarta gera-

ções. (Negritei)

Cumpre acrescentar, ainda, que a Lei Maior contempla, em

seu art. 3º, como um dos objetivos fundamentais da Repú-

blica Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre,

justa e solidária”. Objetivo este que tem pertinência com

o respeito à redução das desigualdades sociais, que é ao

mesmo tempo um princípio da ordem econômica, art. 170,

VII da CR/88, e também um dos objetivos fundamentais do

nosso ordenamento jurídico.

Não obstante já ter discorrido sobre meus fundamentos e

marcado minha posição, não poderia de deixar de trazer à

colação novamente o entendimento do nobre Conselheiro

Eduardo Carone, que embora com fundamento diverso, em

que faz referência ao atendimento do princípio da morali-

dade, também esposa a tese da possibilidade do cômputo

do período de afastamento para tratamento de saúde na

concessão de Gratifi cação de Ensino a Docência, senão ve-

jamos:

Page 43: Revista Decisum

44

Nesse diapasão, o diploma legal sob exame ao permitir

que se faça o cômputo de período de afastamento de fé-

rias regulamentares e férias-prêmio, por exemplo, licenças

eminentemente voluntárias, e não permitir que se faça o

cômputo do tempo relativo à licença para tratamento de

saúde, afastamento totalmente involuntário, atende ao

princípio da moralidade administrativa (art. 37, “caput”,

CF/88)?

De pronto, entendo que a resposta é negativa, pois não

é ético e moral apenar o servidor, já castigado com a

doença indesejada, com a impossibilidade de cômpu-

to, para fi m de concessão da gratifi cação de incenti-

vo à docência, de período de afastamento, comprova-

do por laudo médico ofi cial, involuntário do exercício

das atribuições específi cas de seu cargo, para cuidar de

sua saúde, direito constitucional que decorre do direito

fundamental e inaliável à vida, cuja inviolabilidade é

garantida na Lei maior (art.5º, “caput”, e art. 196- CF/88)

(Negrito meu)

No mesmo sentido cabe trazer à discussão os ensinamentos

da Mestra Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Em resumo, sempre que em matéria administrativa se

verificar que o comportamento da Administração ou do

administrado que com ela se relaciona juridicamente, em-

bora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons

costumes, as regras de boa administração, os princípios

de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade,

estará havendo ofensa ao princípio da moralidade admi-

nistrativa14.

Ora, pelo ensinamento expendido e pelos motivos exarados

na presente análise, o administrador que cumprir literal-

14 DI PIETRO.Maria Sylvia Zanella,. Direito Administrativo. 19ª, Atlas, São

Paulo, 2005, p 91.

mente o disposto no §4º, do art. 2º, da lei nº 8.517/84 estará

descumprindo o princípio da moralidade insculpido no art.

37 da Carta Magna.

Por todo o exposto, entendo que este eg. Tribunal Pleno

deve afastar a aplicação do §4º, do art. 2º, da Lei Estadual

8.517/84, no caso vertente, por entender que o dispositivo

ofende os direitos fundamentais à vida e à saúde, substra-

tos do princípio da dignidade da pessoa humana. Sob pena

deste Órgão de Contas não cumprir com fi delidade a com-

petência atribuída pela Constituição Mineira e pela Cons-

tituição da República.

Faço constar por fi m, como fator de refl exão, a lição do

Professor Doutor Menelick de Carvalho Netto:

Assim podemos concluir que, sob as exigências da herme-

nêutica constitucional ínsita ao paradigma do Estado De-

mocrático de Direito, requer-se do aplicador do Direito

que tenha claro a complexidade de sua tarefa de in-

térprete de textos e equivalentes a texto, que jamais a

veja como algo mecânico, sob pena de dar curso a uma

insensibilidade, uma cegueira, já não mais compatível

com a Constituição que temos e com a doutrina e ju-

risprudência constitucionais que a história nos incumbe

hoje de produzir15. (Negritei)

VOTO: A PARTIR DE UMA INTERPRETAÇÃO CONFORME A

CONSTITUIÇÃO, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO POR NÃO

RECONHECER, IN CASU, A APLICABILIDADE DA REGRA ES-

TABELECIDA NO ART. 2º, §4º, DA LEI Nº 8.517/84, SEGUNDO

A QUAL É VEDADO O CÔMPUTO DOS PERÍODOS DE LICEN-

ÇAS E AFASTAMENTOS DE QUALQUER NATUREZA - INCLU-

15 CARVALHO NETTO, Menelick de.Requisitos pragmáticos da interpreta-

ção jurídica sob o paradigma do estado democrático de direito. Revista

de Direito Comparado. BeLo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG,

v.3, p 170 e 171, 1999

Page 44: Revista Decisum

45

SIVE PARA TRATAMENTO DE SAÚDE - PARA CONCESSÃO

DA GRATIFICAÇÃO DE INCENTIVO À DOCÊNCIA, POR CON-

FIGURAR OFENSA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E

À SAÚDE, SUBSTRATOS DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA.

NESTES TERMOS, DENEGO O REGISTRO DO ATO DE APO-

SENTADORIA.

___________________

PARECER DA LAVRA DO CONSELHEIRO ANTÔNIO ANDRA-

DA SOBRE A QUESTÃO DA APLICABILIDADE DO INSTITUTO

DA DECADÊNCIA NOS ATOS SUJEITOS A REGISTRO NO

ÂMBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Veio a este Gabinete através do Exp. 074/MPTC/2006, pro-

moção da lavra da Procuradora Luísa Cristina Pinho e Netto,

e também encaminhado a essa Presidência em 24/03/2006,

que trata de aspectos jurídicos, nuances e desdobramentos

envolvendo o registro dos atos de aposentadoria concedi-

dos há mais de cinco anos.

Em apertada síntese, o bem elaborado e fundamentado

parecer, forjado em uma sólida base doutrinária e juris-

prudencial, trata de questões que envolvem: o poder de

autotutela da administração para rever seus atos, a con-

corrência ou colisão de princípios, ser ou não o ato de apo-

sentadoria complexo, a discussão acerca da aplicação das

leis de processo administrativo no âmbito dos Tribunais de

Contas, a necessidade da boa-fé do benefi ciário do ato, o

devido processo legal envolvendo o registro do ato. Nesse

contexto desenvolvido e trabalhado, erigiu a douta Pro-

curadora, um raciocínio no qual entende ser cabível a esta

Corte, tão somente registrar os atos de aposentadoria, sem

análise de mérito, quando decorridos cinco ou mais anos de

sua concessão.

PARECER

Por óbvio, não cabe aqui refazer todo o arcabouço teórico

construído na peça ora em comento. Entretanto, não po-

deria me furtar de fazer o registro do que me parece ser o

ponto central da tese desenvolvida e que refl ete a justeza

do raciocínio ali esposado, no que tange à aplicação do pra-

zo decadencial às Cortes de Contas. Nele, resta confi gurada

de forma racionalmente fundamentada, a complexa inter-

relação do complexo de atos que envolvem, por um lado a

concessão e por outro, o registro das aposentadorias e que

confl uem para a adoção do prazo decadencial pelas Cortes

de Contas.

Nesse sentido, do parecer sub exame, às fl s. 20 e 21, trans-

crevemos o seguinte excerto, verbis:

Ademais disso, é preciso não perder de vista que, no que

tange ao controle de legalidade exercido pelos Tribunais de

Contas, para fi ns de registro, sobre os atos de aposentadoria,

é razoável sustentar que o Tribunal não tem competência

para determinar o comportamento da Administração, aqui,

trata-se de um competência típica do controle. O Tribunal

verifi ca a legalidade do ato e o registra, ou, verifi cando sua

ilegalidade, nega o registro, não lhe cabendo determinar a

conduta da Administração. Esta, considerando aceitável o

entendimento do Tribunal(e não tendo se consumado a de-

cadência) deverá, respeitando o devido processo legal, rever

o ato, tornando-o legal e apto para registro. Neste caso, a

Administração não está cumprindo ordem ou determinação

do Tribunal, está exercendo competência própria, colocan-

do em movimento sua autotutela.

Tanto é assim que, se a Administração não concorda com

a interpretação dada pelo Tribunal de Contas que leva a

entender o ato como ilegal, pode recorrer no âmbito do

próprio Tribunal de Contas, bem como pode levar a questão ao

Judiciário, que deverá, então, fi xar o direito aplicável ao caso con-

creto, precisando os termos em que o ato deverá ser registrado.

Page 45: Revista Decisum

46

mada a decadência nos termos da Lei de processo Admi-

nistrativo.

E nem se argumente que à Administração, que não pode

invalidar ato ilegal por manifestação unilateral de vontade,

resta a via judicial para buscar por provimento jurisdicional

a anulação da aposentadoria concedida com vício de lega-

lidade estrita. È de reconhecer a incidência do prazo de 5

anos, como defende Celso Antônio Bandeira de Mello (Cur-

so de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.

971-972).

Conforme bem exposto, fi ca claro que essa situação

coloca a Administração em uma situação paradoxal e

absurda: Se por um lado, encontra-se compelida pela

determinação da Corte de Contas a rever o ato eivado

de vício, por outro vê-se impedida a fazê-lo pela ocor-

rência do prazo decadencial.

Nesses termos, Sr. Presidente, resta claro, a meu ver, que

não cabe outra posição desta Corte, a não ser determinar

o registro do ato de aposentadoria nessas condições, o que

ratifi ca, portanto, a tese trazida à colação pela douta Pro-

curadora.

Explico melhor: o Tribunal de Contas ao adotar o insti-

tuto da decadência não abdica de qualquer competên-

cia que lhe é atribuída pela Carta Magna, à medida que

estará a exercer o seu múnus na exata medida em que

determina o registro do ato, que se encontra aperfeiço-

ado e conforme à lei exatamente pelo decurso de tem-

po, ou seja, do prazo decadencial. Nesse sentido, apenas

gostaria de reforçar que o próprio CPC, em seu art. 269,

IV afi rma textualmente que a decadência é causa de

extinção do processo com resolução de mérito.

Entretanto, ainda que clarifi cado meu entendimento, ne-

cessário ainda fazer menção a duas observações, para mim,

A aceitar o entendimento defendido no trecho transcrito,

estar-se-ia diante de uma situação ímpar: o prazo deca-

dencial não se aplica ao tribunal de Contas – que se nega a

registar o ato - , mas se aplica à Administração – que teria

que rever o ato originário para obter seu registro. Tratando

deste impasse, esclarecedores os argumentos colacionados

pelo Conselheiro do TCDF Ávila e Silva (pesquisados no site

do Conselheiro do mesmo Tribunal, Dr. Jorge Ulisses Jacoby

Fernandes: www.jacoby.pro.br):

“De fato, o estado de pendência eterna é incompatível com

o objetivo do ordenamento jurídico que reclama estabili-

dade.

Certo, também, que à Administração estaria vedada a anu-

lação de atos de que decorreram efeitos favoráveis para os

destinatários, se passados cinco anos da data em que foram

praticados, salvo comprovada má-fé.

O descompasso no prazo de ação praticado pelo Tribunal,

caso não jungido aos cinco anos demarcados pela Lei n.º

9.784/99, levaria a Administração a um dilema. O Tribunal

pronuncia a ilegalidade a Administração decaiu do direito

de anular o ato. E a prática do ato é da esfera administrati-

va, que estaria impedida de cometê-lo.

O Poder Judiciário já assenta a jurisprudência no sentido

de que ‘após decorridos cinco anos não pode mais a Admi-

nistração Pública anular o ato administrativo gerados de

efeitos no campo de interesses individuais, por isso que se

opera a decadência’ (STJ Mandado de Segurança n. 6.566/

DF DJU de 15/5/00).”

De fato, a aceitar que o prazo de 5 anos não se aplica aos

Tribunais, mas se aplica à Administração, chega-se à situa-

ção absurda de que o Tribunal não registra o ato por con-

siderá-lo ilegal e a Administração não pode anulá-lo para

conformá-lo ao entendimento do Tribunal já que consu-

Page 46: Revista Decisum

47

extremamente relevantes e pertinentes ao assunto aborda-

do.

A primeira, diz respeito ao fato da necessidade da boa-fé ,

ou melhor, da não comprovação de má-fé do benefi ciário

como condicionante da operação da decadência no prazo

aventado de cinco anos.

Ora, para manter a coerência com as determinações nor-

matizadas nas ordens de serviço ns. 01 / 04; 03 /04 e 06 /04

que vieram racionalizar a análise dos atos de aposentadoria,

perfi lo do entendimento de que a decadência somente não

se caracterizaria quando o Tribunal for informado da ocor-

rência de má-fé ou quando os indícios da mesma forem

explícitos e aferíveis de plano quando da análise dos autos.

Nesse sentido, elucidativas são as palavras do ex-Conselhei-

ro do TCDF e doutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes ,

citado às fl s. 26 do parecer, verbis:

Note-se que o Tribunal deve ser cientifi cado ou estar con-

vencido da ocorrência de má-fé, para só então apreciar o

ato, pois, se a Corte fosse verifi car a ocorrência de má-fé

em todos os processos que são aplicáveis os preceitos do

art. 54 da lei n. 9784/99 para, posteriormente, em caso de

sobrevir a pérfi da, praticar os atos correspondentes, não es-

taria sendo efi caz.

[...]

Haja vista a grande difi culdade em se aferir a existência de

má-fé, penso que esta Corte só deveria se pronunciar quan-

do houver indícios sufi cientes para fazer cessar a presunção

de boa-fé ou o Tribunal for informado a respeito.

Na esfera do Poder Judiciário, seja nos Tribunais de Justiça

Estaduais ou nos Tribunais Superiores, não obstante a au-

sência de um entendimento assente e pacifi cado acerca do

tema, já se pode destacar um sem número de arestos que

adotam a tese da decadência, senão vejamos:

• TJMG

1) APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO Nº

.0024.02.833379-7/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE

- APELANTE(S): JD DA 1ª V FAZ COMARCA DE BELO HORI-

ZONTE, ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MA-

RIA JOSÉ CARIDADE CARNEIRO - RELATOR: EXMO. SR. DES.

WANDER MAROTTA

EMENTA: CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA ¿ DECURSO DO

PRAZO DECADENCIAL. Decorridos 5 (cinco) anos do ato con-

cessivo da aposentadoria, prazo durante o qual quedou- se

inerte a Administração, opera-se a decadência, posto que o

ato administrativo, aqui, gera efeitos no campo de interes-

ses individuais, não sendo absoluto o poder de autotutela

da Administração. Mesmo antes da edição da Lei Estadual

nº 14.184, de 1º de fevereiro de 2002 (art. 65), o direito de

a Administração invalidar os atos por ela praticados, esta-

va sujeito ao prazo decadencial por força do princípio da

igualdade entre os sujeitos da relação jurídica.

2) APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.341715-1/000 - COMAR-

CA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): 1º) JD 3 V. FAZ CO-

MARCA BELO HORIZONTE, 2º) MARLENE MACHADO PORTO,

3º) ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MARLENE MA-

CHADO PORTO, ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO.

SR. DES. HYPARCO IMMESI

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO - PROVENTOS DE APOSENTA-

DORIA - REDUÇÃO SUMÁRIA - OMISSÃO ADMINISTRATIVA

- DECURSO DO PRAZO LEGAL - DECADÊNCIA CONSUMADA

- LEIS 9.774/99 E 14.184/2002 - NULIDADE DO ATO REDU-

TÓRIO IMPUGNADO - “MANDAMUS” - SUA CONCESSÃO.

Nada impede que a Administração proceda à revisão do aro

de aposentadoria do servidor, desde que o faça com obser-

vância do devido processo legal, a ele (servidor) assegurado

o exercício do direito à ampla defesa. Todavia, se a Admi-

nistração se omite e só adota as medidas conducentes à re-

visão (e, mesmo assim, unilateralmente) após o decurso do

Page 47: Revista Decisum

48

prazo de cinco anos, consuma-se, inexoravelmente, a deca-

dência. E consuma-se, porque o direito do Poder Público de

nulifi car os atos administrativos dos quais resultem efeitos

favoráveis aos respectivos benefícios, sujeita-se à deca-

dência, ou seja, decai, irremediavelmente, em cinco anos,

contados da data em que tiverem sido praticados, salvo a

ocorrência de má-fé comprovada “salienter tantum”, a teor

do art. 54 da Lei 9.784/1999 e do art. 65 da Lei (estadual)

14.184/2002.

• STJ

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.978 - DF (2001/0132898-3)

RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

IMPETRANTE : MARIA REGINA DE CASTRO SANTOS RODRI-

GUES

ADVOGADO : ULISSES BORGES DE RESENDE E OUTROS IM-

PETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA IMPETRADO :

SUPERINTENDENTE NACIONAL DE GESTÃO ADMINISTRATI-

VA DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA

AGRÁRIA – INCRA.

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA,

SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DO ATO. AUSÊNCIA DE INS-

TAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA AMPLA DE-

FESA CONFIGURADA.

IMPOSSIBILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO REVISAR O ATO.

DECADÊNCIA. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/99.

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, seguin-

do orientação do Pretório Excelso, fi rmou entendimento no

sentido de que a desconstituição da efi cácia de qualquer

ato administrativo, que repercuta no âmbito dos interes-

ses individuais dos servidores ou administrados, deve ser

precedido de instauração de processo administrativo, em

obediência aos princípios constitucionais do devido proces-

so legal e da ampla defesa, com todos os recursos a ela

inerentes.

2. “O direito da Administração de anular os atos adminis-

trativos de que decorram efeitos favoráveis para os des-

tinatários decai em cinco anos, contados da data em que

foram praticados, salvo comprovada má-fé.” (artigo 54 da

Lei nº 9.784/99).

3. “Após decorridos 5 (cinco) anos não pode mais a Adminis-

tração Pública anular ato administrativo gerador de efeitos

no campo de interesses individuais, por isso que se opera a

decadência.” (MS nº 6.566/DF, Relator p/ acórdão Ministro

Francisco Peçanha Martins, in DJ 15/5/2000). Precedente da

3ª Seção.

4. Ordem concedida.

Portanto, e a partir dessa premissa, entendo ser possível a

adoção de critério que possibilite o registro em bloco das

aposentadorias ainda não analisadas e que se encontrem na

situação ora descrita, compatibizando-se inclusive a ques-

tão da análise da ocorrência de prejuízo ao benefi ciário do

ato. Para tanto, a título de contribuição, sugiro que seja

baixada, pela Presidência, ouvidos os demais Conselheiros,

ordem de serviço visando normatizar tal situação, até mes-

mo para ir no encontro às diretrizes esposadas nas instru-

ções que vieram racionalizar a análise das aposentadorias.

A segunda observação, não obstante estar explicitamente

apontada na conclusão do parecer de fl . 35, que assim dis-

põe: “Nesta esteira, a Administração deve enviar os atos

para a análise e registro no Tribunal em tempo razoável,

impondo-se ao Tribunal, a seu turno, tomar as medidas

necessárias no sentido de otimizar a análise das aposen-

tadorias em tempo hábil.”, apresenta-se como corolário de

toda uma nova sistemática que se quer ver aqui implantada

no que tange à análise dos processos de aposentadoria. Ora,

para que esta competência constitucional atribuída aos

Page 48: Revista Decisum

49

Tribunais de Contas não se torne letra morta, necessário

é que se crie mecanismos para que o envio das referidas

aposentadorias a esta Corte se processe em tempo hábil,

dentro de critérios adequados à realidade do Tribunal e dos

jurisdicionados, mas de tal sorte que o descumprimento do

prazo limite, enseje aplicação de sanção ao responsáveis de

conformidade com o permissivo da LC 33/94 e do RITCMG.

Nesse sentido, entendo ser pertinente a adequação das

instruções normativas que regulam a matéria para abarcar

essas sugestões, principalmente no que diz respeito à siste-

mática dos prazos para envio.

Por fi m, quanto à alegada necessidade de se observar o

contraditório quando da alteração do ato original que im-

porte prejuízo ao benefi ciário do ato, sugiro a formação de

um grupo de estudo ou comissão para fi rmar um posicio-

namento sobre o tema, que é complexo e envolve tanto

questões como direito/violação de direitos e garantias fun-

damentais, quanto a própria natureza da atividade desen-

volvida pelos Tribunais de Contas quanto à espécie.

A partir da ciência de que o referido parecer já passa a in-

tegrar a informação de diversos processos que tramitam

nesta Casa, e não obstante já ter externado que este en-

tendimento será adotado nos processos de minha relato-

ria, entendo ser pertinente tratar a matéria com priorida-

de, considerando-se o elevado estoque de processos desta

natureza que superpovoam as coordenadorias, diretorias e

gabinetes desta Casa. É sabido que dentre os vários estu-

dos que se realizam sobre os Tribunais de Contas, interna

e externa corporis, quase a totalidade deles aponta para

a análise de aposentadorias como um gargalo quase que

insolúvel, gerando um profundo descompasso entre a atu-

ação do Tribunal e os anseios da sociedade de um controle

efetivo, efi caz e efi ciente.

Feitas essas considerações, coloco-me à disposição para

quaisquer esclarecimentos adicionais, reiterando meus ele-

vados votos de estima e respeito.

Conselheiro Antônio Carlos Andrada

___________________

Page 49: Revista Decisum

50

TiradentesTiradentesA Cidade de Tiradentes foi fundada por

volta de 1702, quando os paulistas des-

cobriram ouro nas encostas da Serra de

São José, dando origem a um arraial ba-

tizado com o nome de Santo Antônio do

Rio das Mortes. O arraial, posteriormen-

te, passou a ser conhecido como Arraial

Velho, para diferenciá-lo do Arraial Novo

do Rio das Mortes, a atual São João del

Rei.

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Page 50: Revista Decisum

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Page 51: Revista Decisum

52

Em 1718, o arraial foi elevado à vila, com o nome de

São José, em homenagem ao príncipe D. José, Futuro

rei de Portugal, passando, em 1860, à categoria de ci-

dade. Durante todo o século XVIII, a Vila de São José

viveu da exploração de ouro e foi um dos importantes

centros produtores de Minas Gerais.

No fi m do século XIX, os republicanos redescobrem a

esquecida terra de Joaquim José da Silva Xavier, o “Ti-

radentes”, fazem uma visita cívica à casa do vigário

Toledo, onde se tramou a Inconfi dência Mineira. Mas

foi o infl amado Silva Jardim que, de passagem por São

José, sugere em seu discurso que o nome da cidade

fosse trocado para o do herói, em lugar de um rei por-

tuguês. Com a proclamação da república, por decreto

de número 3 do governo provisório do Estado, datado

de 6 de dezembro de 1889, recebe a cidade o atual

nome “Cidade e Município de Tiradentes”. Após longos

anos de esquecimento, o conjunto arquitetônico da

cidade foi tombado pelo então Serviço do Patrimô-

nio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em 20 de

abril de 1938, tendo sido, por isso, conservado quase

intacto.

Ainda existem na cidade excelentes exemplares de ar-

quitetura civil do século XVIII, como o Sobrado Rama-

lho, nos quatro cantos: o Sobrado do Aimorés Futebol

Clube, na Rua Direita; o prédio da Prefeitura com suas

sacadas de ferro batido e sótão; a casa nº 114 da Rua

Padre Toledo, com forros pintados, representando os

cinco sentidos; a casa do Largo do Ó nº 1, com forros

pintados; e três casas com antigas janelas de rótula,

na Rua Direita.

Como chegar

De Belo Horizonte, o caminho mais prático para che-

gar em Tiradentes é seguir pela BR040 até o Trevo

para Murtinho (5 quilômetros após passar por Congo-

nhas). Você vai passar por Entre Rios de Minas e Lagoa

Dourada. De São João del Rei até Tiradentes são 12

quilômetros.

Para quem sai de São Paulo, o caminho mais prático é

pela BR381 (Rodovia Fernão Dias) até a entrada para a

cidade de Lavras (380 quilômetros). Seguir então pela

BR265 até a entrada para Tiradentes (110 quilôme-

tros).

Do Rio de Janeiro, seguir pela BR040 até Barbacena

(270 quilômetros), passando por Petrópolis e Juiz de

Fora. Em Barbacena, pegar a BR265 até a entrada de

Tiradentes (53 quilômetros).

História de Tiradentes

Fonte: www.tiradentes.net

Page 52: Revista Decisum

53

Calendário de Eventos Janeiro

- Mostra de Cinema Brasileiro - 2ª quinzena.

- Aniversário da cidade - dia 19.

Fevereiro

- Carnaval (de acordo com o calendário nacional).

Durante o carnaval, os blocos da cidade revivem

os antigos carnavais de época das “marchinhas”.

Abril

- Semana Santa (festa móvel).

- Semana da Inconfi dência (festa móvel).

Junho

- Jubileu da Santíssima Trindade - missas, novenas

e procissões. O Jubileu conta com barracas de rou-

pas, bebidas e salgados.

- Encontro de Motos Antigas - último fi m de se-

mana do mês.

Julho

- Inverno Cultural - festival de inverno que ocor-

re paralelo com o festival de São João del Rei. 2ª

quinzena.

Agosto

- Festival Internacional de Cultura e Gastronomia.

- 2ª quinzena.

Outubro

- Festival de Cavalo Campolina - 2ª quinzena.

Dezembro

- Réveillon - melhor réveillon da região. Dia 31.

Monumentos Cíveis

Maria-fumaça

Chafariz de São José

Casa da Câmara

Cadeia Pública

Centro Cultural Yves Alves

Casa Padre Toledo

Largo da Forras

Ponte de Pedra

Igreja da Santíssima Trindade

Matriz de Santo Antônio

Igreja do Rosário

Igreja de São João Evangelista

Igreja Nossa Senhora das Mercês

Capela de São Francisco de Paula

Capela de Santo Antônio do Canjica

Passeios ecológicosMãe D’Água

Cachoeira do Bom Despacho

Mangue

Cachoeira do Carteiro

Poço da Matriz

Balneário de Àguas Santas

Distrito de Vitoriano Veloso (Bichinho)

Roteiro Turístico

Page 53: Revista Decisum

54

- Maria-fumaça

Construída em 1881, atualmente liga as cidades de

Tiradentes e São João del Rei, num belo passeio mar-

geando o Rio das Mortes, e com vista para a serra de

São José.

- Casa da Câmara

Construção de 1717, neste casarão se reunia o Sena-

do da Câmara desde 1718 e onde o pai do Alferes,

Domingos da Silva Santos, exerceu o cargo de verea-

dor. O prédio servia para recepcionar os imperadores

e pessoas ilustres que visitavam a cidade de São José

del Rei (Tiradentes).

- Cadeia Pública

Construída em 1833, no local da velha cadeia incen-

diada, é um prédio sólido e austero e com grades pe-

sadas em suas janelas de pedra.

- Centro Cultural Yves Alves

Aproveitando a fachada existente, seu interior foi

construído nos moldes da arquitetura colonial. Foi

construído com o objetivo de receber os diversos

eventos da cultura local.

- Casa Padre Toledo

Este casarão tem seu valor arquitetônico, pois é a

construção em que mais se concentram pinturas de

tetos em um mesmo prédio em Minas Gerais. Também

possui um grande valor cultural para o Brasil, pois

aqui, em 1788, ocorreu a primeira reunião da Incon-

fi dência Mineira, onde se tramou os primeiros ideais

de libertar o Brasil de Portugal, tendo este movimento

partido para Ouro Preto, Capital do Estado. Esta casa

era de propriedade do inconfi dente Padre Toledo. Hoje

é um museu com rico mobiliário e obras de arte.

- Largo da Forras

Local de lazer da comunidade. Neste largo, temos além

do casario antigo, o prédio da Prefeitura de 1720 e a

Igreja do Senhor Bom Jesus da Pobreza de 1771. Neste

Largo também podemos encontrar o passinho da pai-

xão de Cristo (ao todo são sete espalhados pelo Cen-

tro Histórico contendo as passagens de Cristo), onde

se realiza parte dos festejos da Semana Santa, alguns

decorados com grandes obras de arte. Encontramos

também um monumento dedicado ao Alferes Tiraden-

tes, construído em 1892 para celebração do centená-

rio da morte do mesmo.

- Ponte de Pedra

Construída no século XVIII, em 1703, para dar acesso

ao lugar denominado Santo Antônio do Canjica, onde

havia uma mina de ouro.

- Igreja da Santíssima Trindade

Começamos nosso roteiro por este monumento, não

pelo seu valor arquitetônico, pois esta igreja é de

1810, nova em relação à cidade, mas pelo seu valor

cultural, pois foi neste local em outra capela primi-

tiva que o Alferes Tiradentes, devoto de Santíssima

Trindade, exigiu que na bandeira da Nova República,

idealizada pelos Inconfi dentes, tivesse o triângulo da

Trindade. E fracassada a Inconfi dência, o símbolo foi

usado na bandeira do Estado de Minas Gerais. Nesta

igreja, encontra-se uma importante imagem de Deus

em tamanho natural, única no Brasil, vestida a ma-

neira de papa da idade média, de autor desconhecido.

Certamente, o Alferes por várias vezes rezou em frente

a esta imagem.

- Matriz de Santo Antônio

Construção de 1710 considerada a 2ª igreja mais rica

Conheça os roteiros turísticos

Page 54: Revista Decisum

55

em ouro do Brasil. Seus altares foram revestidos de

ouro em 1752. É um dos mais belos templos barro-

co do Brasil, também existe em seu interior um belo

órgão de 1779 considerado um dos quinze mais im-

portantes do mundo. No seu adro, também pode ser

visto o relógio do sol de 1785, feito pelo português

Leandro Gonçalves Chaves. Sua fachada foi projetada

pelo mestre Aleijadinho.

- Igreja do Rosário

Construída em pedra, em 1708, possui três altares

com talhas de meados do século XVIII. As imagens que

compõem seus altares são todas de cor negra, com

exceção da imagem de Nossa Senhora do Rosário, pa-

droeira da igreja. Esta, foi construída pelos escravos

vindos da África, que trabalhavam durante a noite e

levavam em suas unhas e cabelos o ouro roubado de

seus senhores, com o qual decoraram esta igreja.

- Igreja de São João Evangelista

Igreja construída pelos homens mulatos. Seu interior apre-

senta estilo rococó e o que chama atenção são as imagens

de um mesmo santeiro em tamanho natural. E no altar-

mor desta igreja está enterrado o ilustre tiradentino, com-

positor de músicas sacras, Manoel Dias de Oliveira.

- Chafariz de São José

Construído em 1749 pela Câmara Municipal de São

José del Rei (Tiradentes), é considerado o mais belo

chafariz do Brasil. Foi construído com três funções: na

parte da frente, abastecer com água potável a popu-

lação; à direita, servir como suporte para as lavadeiras

locais e, à esquerda, servir de bebedouro aos animais,

sua fachada Barroca guarda uma rara imagem de São

José e um brasão de armas do Reino de Portugal.

E como diz a lenda, basta você beber um gole desta

água cristalina e novamente você retornará à bela Ti-

radentes.

- Igreja Nossa Senhora das Mercês

Construída no fi nal do século XVIII pela irmandade dos

pretos crioulos nascidos no Brasil. O seu interior é deco-

rado com raríssimas pinturas de Manuel Vitor de Jesus.

- Capela de São Francisco de Paula

Construção do séc. XVIII. À sua frente, amplo gramado

onde se ergue um cruzeiro, instalado em 1718, quan-

do da elevação à Vila de São José del-Rei. Ainda desta

colina, descortina-se também uma bela vista da cida-

de e da serra de São José.

- Capela de Santo Antônio do Canjica

Construída em 1702 pelo fundador da cidade, o ban-

deirante João de Siqueira Afonso. Sua fachada e inte-

rior são simples. Localizada no Bairro do Canjica, seu

nome é devido aos grandes bagos de ouro, encontra-

dos na época neste local.

Fonte: www.guiatiradentes.com.br

Fotos: Cláudio Campos - Tiradentes - (32) 9958-4344

Page 55: Revista Decisum
Page 56: Revista Decisum

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RTIG

OS

A natureza jurídica do parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas estaduais e admissi-bilidade de recurso

O vice-prefeito no processo eleitoral:uma visão atual

O pós-positivismo e o papel do juiz em um Estado Democrático de Direito

O Parlamento e o controle político daAdministração Pública 58

72

87

91

Page 57: Revista Decisum

58

O PARLAMENTO E O CONTROLE POLÍTICO DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA *

Antônio Carlos Doorgal de Andrada **

1. Breve Histórico

1.1 – Separação de Poderes e constitucionalismo

O tema “O Parlamento e o controle político da Administra-

ção Pública” nos remete à formação do Estado Moderno

com o “movimento constitucional” do século XVIII, impul-

sionado pelas revoluções americana e francesa, e também

pelo constitucionalismo britânico, “uma espécie de pré-his-

tória constitucional” que tem suas raízes na Magna Carta

de 1.215 imposta ao rei da Inglaterra (CANOTILHO, 1995,

p.61). O constitucionalismo traduz o esforço das idéias libe-

rais para a contenção do poder até então concentrado nas

mãos de monarcas absolutos que tiveram em Luiz XIV a sua

personifi cação paradigmática: ”L’Etat c’est moi”. O Estado

liberal que surgia, embora trouxesse na sua essência apenas

os chamados direitos de primeira geração – individuais e

políticos – e tivesse estrutura eminentemente formal, impôs

a limitação do poder político pela divisão das funções do

Estado – executiva, legislativa e judiciária – e discriminação

constitucional de suas respectivas competências. Esclarece

Paulo Bonavides que Constituição“é o conjunto de normas

pertinentes à organização do poder, à distribuição da com-

petência, ao exercício da autoridade, à forma de governo,

aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como so-

ciais” (BONAVIDES, 1998, p.63).

Karl Loewestein, em livro clássico, afi rma que “a fi nalidade

da constituição escrita é limitar a concentração do poder

absoluto nas mãos de um único detentor” (PEIXINHO,

GUANABARA, 2005, p. 18). Pode-se afi rmar que data desta

fase histórica do Estado, o surgimento do controle político

dos governos pelo Parlamento. John Locke (1632-1704),

precursor das idéias democráticas liberais, defendia um go-

verno de autoridade limitada pelo consentimento do povo

e pelo direito natural...

“...somente o consentimento, e não a conquista, é que jus-

tifica um governo legítimo (para Locke). O governo absolu-

to não seria legítimo, porque seria inconcebível a anuência

ao governo com esta característica, haja vista que o ho-

mem seria colocado em situação pior que a do seu estado

natural.

O fato de reconhecer, no poder legislativo, uma superio-

ridade sobre os demais, não significa que Locke tenha lhe

transferido o poder absoluto que tanto condenava; é que

o poder legislativo tem por limite a vontade do povo, de

modo que, quando desrespeitada esta, é apeado e substi-

tuído, porque o poder retorna à população. Se o legislativo

é a representação do povo, que, por sua vez, confere-lhe

poderes, por certo não pode ter mais poderes que o próprio

povo. Ou, ainda, se individualmente qualquer do povo não

tem poderes absolutos, e é este que elege o parlamento,

então a criatura não pode ter mais poderes que o criador”

(ALVES, 2004, p.50).

Três momentos, neste período, traduzem a afi rmação do

Parlamento como instituição de controle político, concreti-

zado com a separação dos poderes e a necessidade de con-

trole mútuo. Primeiro, pelos pensamentos de John Locke,

mas, depois, através do desenvolvimento destas idéias por

Montesquieu (1689-1755), expresso em seu livro “O Espíri-

to das Leis” (1748), é que a teoria da separação dos poderes

ganha o status de “dogma da ciência constitucional” (AL-

VES, 2004, p.55):

1- o “Bill of Rights” (1689), pelo qual diversas competências

reais são transferidas para o Parlamento inglês – como a

criação de impostos;

Page 58: Revista Decisum

59

2- Declaração de Independência Norte-Americana (1776),

quando afi rmou-se que os poderes (dos governos) “ema-

nam do consentimento dos governados” representados no

Parlamento (MALUF, 1990, p. 124); e,

3- Revolução Francesa (1789), que declarou a Assembléia

Nacional como representante da vontade geral, que seria

expressa pelas leis.

“Aqui observamos um enfoque diferente em relação à

questão do poder. Confrontando o pensamento de Mon-

tesquieu com o de Locke observa-se, como bem ressalta

Pierre Manent, uma preocupação daquele com a origem

do poder, enquanto Montesquieu volta suas atenções para

os seus efeitos, enxergando, na oposição entre o poder e a

liberdade, o cerne de um problema político a ser resolvido.

Concentrando-se no objetivo da liberdade dos cidadãos,

Montesquieu enxerga na separação dos poderes uma con-

dição sine qua non de tal objetivo (...). Ainda no século de

Montesquieu, o tema da separação de poderes seria re-

tomado e implementado como estratégia política na for-

mação de uma nova nação. Com efeito, o tema ocupou

lugar central entre os escritos federalistas dos americanos

Madison, Hamilton e Jay Madison, publicados na impren-

sa de Nova Iorque em 1788 (...)” (PEIXINHO, GUANABARA,

2005, p. 5 e 9).

Importante ressaltar que o controle político dos governos

exercido pelos Parlamentos ao longo dos tempos está dire-

tamente ligado à evolução do Estado de Direito Democráti-

co. E nessa esteira nascem os chamados direitos de segunda

e terceira geração, de conteúdo social, econômico e cultu-

ral, e os difusos e coletivos, relativos à paz, à solidariedade

e à preservação ambiental. É que, na trajetória estatal, va-

mos encontrar também as formas autoritárias – fascistas ou

marxistas – nas quais o controle político dos governantes é

praticamente inexistente, e o Parlamento, quando presente,

não passa de peça decorativa ou formal.

O fato é que desde os primórdios do Estado liberal, passan-

do pelo Estado Social, pelo Estado Providência, pelo Estado

do Bem-Estar, pelo Estado mínimo, pelo Estado neoliberal

e pelo Estado gerencial, o Estado Contemporâneo - de Di-

reito Democrático – requer formas e modelos efi cientes de

controle das coisas públicas. Verifi ca-se que um dos des-

dobramentos da liberdade na vida democrática como evo-

lução do direito político é o pluralismo. O Estado, que no

nascedouro “era o centro absoluto da vida pública, deixa

de sê-lo com o passar dos tempos para assumir a posição

de referência num mundo cada vez mais complexo, com-

partimentalizado em sistemas e globalizado. Um mundo

novo, onde a economia ultrapassa as fronteiras estatais

com um capitalismo voraz, tecnológico e informático de

dimensões planetárias e a sociedade ocupa papel de cres-

cente poder através de movimentos civis e populares de

massa, da mídia e de organizações não-governamentais,

nacionais e internacionais, diluindo sobremaneira o poder

antes concentrado nos estados... neste contexto... surge o

Estado pluralista, com vários ‘centros de poder difusos’,

para a ‘afirmação do pluralismo político como resposta ao

pluralismo social’. Esse pluralismo sociopolítico... exprime

um direito fundamental que precisa ser garantido pelo Es-

tado... passando a exigir (dos estados) instrumentos mais

bem elaborados e eficientes para a participação popular,

não apenas de escolha eleitoral, mas também de influência

nas ações governamentais e execução das políticas públi-

cas e, principalmente, no seu controle” (ANDRADA, 2006,

p. 175).

Essa pluralidade política e social inerente aos Estados de

Direito Democrático trará refl exos no papel a ser desempe-

nhado pelos Parlamentos no controle político da Adminis-

tração Pública, que igualmente era quase absoluto e exclu-

sivo na sua origem, para, nos dias atuais, representar mais

uma forma de controle, dentre outras tantas.

Page 59: Revista Decisum

60

1.2 – O controle e suas vertentes

Da Constituição da República de 1988 pode-se extrair duas

grandes vertentes acerca do controle da Administração Pú-

blica (SIRAQUE, 2005, p.94): 1 - o controle institucional (a)

interno e (b) externo; e, 2 - o controle social.

Resumidamente, podemos conceber o controle institucio-

nal interno (art. 70 e 74 da CR/88) como “autofiscalização”

e a “alma do plano de organização da Administração Pú-

blica” (SIRAQUE, 2005, p.95). De natureza administrativa,

decorre do poder de autotutela (Súmulas 346 e 473 – STF)

que permite à Administração Pública rever os próprios atos

quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes (DI PIETRO,

2005, p.639): “Sem ele não é possível garantir transparência

da atividade administrativa e os objetivos constitucionais

da República. Podemos afirmar que o controle institucional

interno é a viga mestra do controle institucional externo e

do controle social dos atos da Administração Pública... As

falhas de controle institucional interno, certamente, vão

gerar deficiência na atividade administrativa do Estado, na

prestação de contas, na legalidade dos atos administrati-

vos, na prestação dos serviços públicos, na preservação do

patrimônio público...” (SIRAQUE, 2005, p.95 e 96).

O controle institucional externo, como informa a própria

nomenclatura, está organizado fora do âmbito de atuação

do responsável pelo ato a ser controlado, e pode ser de na-

tureza jurisdicional, administrativa e política: “...a fiscaliza-

ção não depende da vontade político-administrativa das

autoridades a serem fiscalizadas. As autoridades fiscaliza-

doras, ante denúncia, representação ou notícia de eventual

irregularidade, não podem deixar de fazer a fiscalização,

sob pena de incorrerem em prevaricação, uma vez que têm

o poder-dever de zelar pelo patrimônio público, entendido

este não-somente os bens passíveis de valoração econô-

mica, mas englobando, também, outros impassíveis de ser

valorados como tal, mas que merecem a mesma proteção,

e às vezes até maior, da sociedade e dos agentes públicos,

como o meio ambiente e o patrimônio artístico, arquitetô-

nico, histórico e cultural” (SIRAQUE, 2005, p.97).

Sobre a matéria, José Afonso da Silva assim explana:

“A submissão da Administração à legalidade fica subordi-

nada a três sistemas de controle: o administrativo, o legis-

lativo e o jurisdicional. Qualquer desses controles objetiva

verificar a conformação da atividade e do ato às normas

legais” (SILVA, 1990, p.371).

Para ele, o controle jurisdicional exercido pelo Poder Ju-

diciário “é o mais importante” e se realiza “com base na

garantia de acesso ao judiciário” (art. 5º, XXXV CF), o que

a doutrina denomina princípio da inafastabilidade da juris-

dição ou direito público subjetivo à jurisdição. Em auxílio

ao Poder Judiciário, atua o Ministério Público no controle

jurisdicional da Administração Pública, como fi scal da lei e

da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis (art. 127 e 129 CF):

“Dentre as medidas judiciais intentáveis para correção da

conduta administrativa, afora as comuns ao Direito Priva-

do, como, exempli gratia, as de defesa ou reintegração de

posse ou as ações ordinárias de indenização e as cautela-

res em geral, existem algumas específicas para enfrentar

atos ou omissões de ‘autoridade pública’. São elas o habeas

corpus (art 5º LXVIII CF e arts. 647 a 667 do CPP), o manda-

do de segurança, individual ou coletivo (art. 5º LXIX e LXX

CF e Lei 1533, de 31.12.51), o habeas data (art. 5º, LXXII CF

e Lei 9.507, de 12.11.97), o mandado de injunção (art. 5º,

LXXI CF), a ação popular (art. 5º, LXXIII CF e Lei 4.717, de

29.06.65), a ação civil pública (art. 129, III CF e Lei 7.347,

Page 60: Revista Decisum

61

de 24.07.85) e a ação direta de inconstitucionalidade, por

ação ou omissão (arts. 102, I, “a” e 103 CF e Lei 9.868,

de 10.11.99)” – sem legislação citada (MELLO, 2005, p.883 a

887).

O controle institucional externo é de natureza administra-

tiva quando a Administração Pública Direta faz o controle

da Administração Pública Indireta – autarquias, fundações,

empresas públicas, consórcios, etc. (art. 37, § 8º, II CF) – e

quando os Tribunais de Contas exercem a função adminis-

trativa de controle da Administração Pública (art. 71, I, III,

IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI CF).

Quando exercido pelo Poder Legislativo, o controle insti-

tucional externo é de natureza política. A Constituição de

1988 dá competência exclusiva ao Poder Legislativo para

“fiscalizar e controlar” os atos do “Poder Executivo, inclu-

ídos os da administração indireta” (art. 49, X CF). Com o

auxílio do Tribunal de Contas (art. 71 CF) ou diretamente, o

Poder Legislativo faz o controle da atividade administrativa

do Estado com o escopo de verifi car se os atos inerentes

às respectivas funções são oportunos e convenientes e se

estão conforme os requisitos e as fi nalidades da lei.

O controle social é aquele realizado por pessoa física ou

jurídica estranha ao Estado, e também por entidades de

caráter público, cujos membros e dirigentes, ou parte de-

les, sejam originários da sociedade civil, que os indica ou

os escolhe (OAB, CRM, Conselhos de Saúde, da Infância e

do Adolescente, Tutelares, etc.). É o controle realizado por

alguém que não seja agente público no exercício de função

ou órgão do Estado (arts. 1º, parágrafo único e 74, § 2º CF):

“O controle social tem a finalidade de verificar se as deci-

sões tomadas, no âmbito estatal, estão sendo executadas

conforme o que foi decidido e se as atividades estatais es-

tão sendo realizadas de acordo com os parâmetros esta-

belecidos pela Constituição e pelas normas infraconstitu-

cionais. Assim, o controle social poderá existir no sentido

de verificação do mérito (conveniência e oportunidade) de

uma decisão estatal ou da sua legalidade” (SIRAQUE, 2005,

p.100 e 101).

Considerado pelos doutrinadores como direito fundamen-

tal de primeira geração, o controle social da função admi-

nistrativa do Estado expressa-se no exercício da cidadania

para a proteção dos direitos individuais, coletivos e difusos.

Como direito público subjetivo, o controle social difere da

participação popular:

“A participação popular ocorre antes ou durante o pro-

cesso de decisão da Administração Pública, e o controle

social, após a concretização desse processo, com o intuito

de verificar se a norma jurídica foi concretizada pela Admi-

nistração na forma estabelecida. A diferença fundamental

entre participação popular e controle social é a seguinte:

participação popular é a partilha de poder político entre as

autoridades constituídas e as pessoas estranhas ao ente

estatal e controle social é direito subjetivo de o particular,

individual ou coletivamente, submeter o poder político es-

tatal à fiscalização”.

“Enquanto no controle institucional os agentes públicos

têm o poder e o dever legal de fiscalizar, controlar os atos

das atividades estatais, sob pena de responsabilidade po-

lítica e criminal, no controle social o cidadão não possui

nenhuma obrigação legal de fiscalizar ou controlar, mas

tem a faculdade garantida pela Constituição de adentrar

na intimidade da Administração Pública para fiscalizá-la,

com animus sindicandi, e submetê-la à soberania popular”

(SIRAQUE, 2005, p.112 e 104).

2. O Poder Legislativo na Constituição de 88

O advento do Estado Moderno, liberal em substituição ao

absolutismo monárquico da época, consagrou-se na sepa-

Page 61: Revista Decisum

62

ração dos Poderes dos Estado com a aplicação da doutrina

de Montesquieu e a garantia de direitos individuais, pila-

res que “estão ligados à própria origem do direito cons-

titucional” (PINHO, 2006, p.51). Assim, a representação

dos poderes estatais está relacionada às suas três funções

básicas – legislativa, executiva e judiciária – para as quais

correspondem, independentes e especializados, os Poderes

Legislativo, Executivo e Judiciário. Entretanto, “A separação

de Poderes não é rígida, pois existe um sistema de inter-

ferências recíprocas, em que cada Poder exerce suas com-

petências e também controla o exercício dos outros. Esse

sistema é denominado pelos norte-americanos checks and

balances. A separação de Poderes não é absoluta. Nenhum

Poder exercita apenas suas funções típicas” (PINHO, 2006,

p.51).

O Poder Legislativo tem como função típica a elaboração de

leis – normas gerais e abstratas (art. 48 CF). O nosso modelo,

disposto na Constituição da República, é bicameral, sendo

“exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câ-

mara dos Deputados e do Senado Federal” (art. 44 CF).

A Câmara Federal (arts. 45 e 51 CF) é composta de represen-

tantes do povo eleitos pelo sistema proporcional para um

mandato de quatro anos, sendo sua composição baseada

nas representações estaduais as quais respeitarão a propor-

cionalidade populacional dos respectivos Estados-membros

face a Federação.

O Senado da República (arts. 46 e 52 CF) compõe-se de

representantes dos Estados-membros, em número de três,

eleitos pelo sistema majoritário para um mandato de oito

anos.

Conforme se extrai do texto constitucional, as atribuições

do Poder Legislativo podem ser elencadas e classifi cadas,

didaticamente, em seis grandes áreas:

1. Legislativa – é a função típica, principal: legislar as maté-

rias de sua competência (art. 48 CF);

2. Fiscalizadora/Controle – fi scalizar e controlar os atos do

Poder Executivo (art. 49, V e X CF);

3. Julgadora – julgamento de crimes de responsabilidade do

Presidente da República e de altas autoridades da República

(arts. 51, I e 52, I e II CF), e de parlamentar por quebra do

decoro (art. 55, II, § 2º CF);

4. Deliberativa – atribuições de competência exclusiva exer-

cidas por atos deliberativos próprios, resoluções e decretos

legislativos (arts. 49, 51 e 52 CF); e,

5. Constituinte – poder constituinte derivado para alterar

o texto constitucional através de emenda à Constituição

(art. 60 CF).

6. Administrativa – a Câmara dos Deputados e o Senado Fe-

deral têm competências exclusivas, respectivamente, para

a auto-organização, dispondo sobre seu “funcionamento,

polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, em-

pregos e funções de seus serviços ...” (arts. 51, IV e 52, XIII

CF).

Em razão do tema proposto para a presente exposição,

iremos nos ater às atribuições fi scalizatórias e de controle

do Parlamento. Preliminarmente, cabe ressaltar a diferen-

ça específi ca entre controle e julgamento, já que ambos

são exercidos pelo Poder Legislativo e não raro é comum

confundi-los, senão misturá-los, sem levar em conta que

são institutos jurídicos diferentes, embora próximos ou até

mesmo sobrepostos, às vezes. A característica primordial do

julgamento é a imparcialidade, a impessoalidade e a obje-

tividade de quem julga, respeitado o devido processo legal,

a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LIII, LIV e LV CF).

Já na atividade de controle estão presentes a parcialidade,

a pessoalidade e a subjetividade de quem controla, e quem

realiza o controle não aplica sanção alguma: a modifi cação

do “ato não é realizada por quem faz o controle, mas pela

Page 62: Revista Decisum

63

autoridade à qual a lei atribuiu o poder político-adminis-

trativo para tanto” (SIRAQUE, 2005, p.92).

3. O controle político do Parlamento

3.1 – Antecedentes

“A exigência de prestação de contas, permitindo à popu-

lação fiscalizar a aplicação de recursos públicos, surgiu

há milhares de anos, como se constata nas ordenações de

Drácon, editadas por volta de 621 a.C., no arcondato de

Aristecmo. Do mesmo modo, aparece nas ordenações de

Sólon, editadas em 594-593 a.C., nas quais era reconhe-

cido o direito de o povo cobrar prestação de contas dos

funcionários eleitos. Políbios noticia que, em Roma, entre

os séculos III e II a.C., os cônsules, ao deixarem seus cargos,

eram obrigados a prestar contas de sua atuação ao povo”

(ALVES, 2004, p.79).

O Senado Romano tinha toda a autoridade sobre o tesou-

ro público, fi cando as receitas e despesas sob seu controle.

Qualquer desembolso dependia de sua autorização, inclusi-

ve para obras públicas.

Quando da formação do Estado Moderno, o Legislativo atu-

ava como simples corpo consultivo dos monarcas absolutos.

Posteriormente, passou a ter funções de natureza orçamen-

tária. Montesquieu, na elaboração da sua teoria da divisão

de poderes, defendia a possibilidade do Poder Legislativo

examinar a maneira como as leis por ele promulgadas esta-

vam sendo executadas.

“A função de controle, através do Parlamento, é a que mais

evoluiu no último século e tem experimentado notáveis

transformações, sendo certo que, atualmente, em muitos

Parlamentos, aparece como a de maior destaque, suplan-

tando as atividades de legislação, no momento presente,

em grande parcela, exercida pelo Poder Executivo.

A realidade, porém, é que a função de controle está con-

solidada em nossos dias, encontrável em todas as nações

onde vigora o Estado de Direito (Democrático) – que tem

por primazia o homem e os ideais de justiça – , além de

consagrada na grande maioria das constituições nacio-

nais, independente da forma de Estado ou de governo,

mesmo porque uma das finalidades da constituição escrita

é exatamente estabelecer a divisão de funções e diversas

formas de controle” (ALVES, 2004, p.80).

O controle é exercido quanto à abrangência e quanto ao

mérito. Citando Habermas, José W. Bezerra Alves, abor-

dando o controle político do Parlamento e o judicial, ob-

serva que ele é feito sob dois aspectos: quanto “ao caráter

profissional da execução da lei” e quanto à “observância

das atribuições normativas que a legalidade da execução

e, com isso, a reserva da lei, garantem para intervenções

administrativas” (ALVES, 2004, p. 81).

“... o que é preciso ressaltar é que o que hoje denominamos

Estado de Direito (Democrático) não significa a busca ou

a luta por um Estado com normas, mas a busca de escoi-

mar o direito posto das marcas da arbitrariedade, da au-

tocracia, da discriminação, da punição inconseqüente, da

facilitação da concentração da renda e da propriedade, da

igualdade, etc., aspectos em grande parte já tratados des-

de os tempos da Carta de João Sem Terra, culminando com

a declaração burguesa de direitos de 1789 e da atual carta

de direitos humanos de 1948” (AGUIAR, 1990, p.147).

3.2 – O controle parlamentar na Constituição de 88

Adotando, em parte, o entendimento de Celso Antonio

Bandeira de Mello, as atribuições fi scalizatórias e de con-

trole das funções administrativas do Estado pelo Parlamen-

to podem ser exercidas de forma direta (MELLO, 2005, p.870

a 876) ou dependente.

Page 63: Revista Decisum

64

3.2.1 - É controle parlamentar direto aquele exercido pelo

Poder Legislativo, diretamente, sem intermediários, no ple-

no exercício de suas prerrogativas constitucionais. De acor-

do com o art. 49, X da Constituição Federal, entre os atos de

competência exclusiva do Congresso Nacional incluem-se

os de “fi scalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer

de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da

Administração indireta” (Lei 7.295, de 19.12.84). São os se-

guintes os instrumentos utilizados pelo Parlamento para o

exercício do controle político:

1. Sustação de atos do Poder Executivo

Ao Congresso Nacional compete “sustar os atos normativos

do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar

ou dos limites de delegação legislativa” (art. 49, V CF).

2. Convocação de Ministros de Estado e Requerimento de

Informações

“A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer

de suas Comissões, poderá convocar ministros de Estado ou

quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à

Presidência da República para prestarem, pessoalmente,

informações sobre assunto previamente determinado, im-

portando crime de responsabilidade a ausência sem justifi -

cativa adequada” (art. 50 CF). Também “as Mesas da Câmara

dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar

pedidos escritos de informação a ministros de Estado...

importando crime de responsabilidade a recusa, ou o não

atendimento no prazo de trinta dias, bem como a presta-

ção de informação falsa” (art. 50, § 2º CF). As comissões

permanentes de qualquer das Casas Legislativas, em fun-

ção da matéria de suas respectivas competências, além de

“receber petições, reclamações, representações ou queixas

de qualquer pessoa contra atos ou omissões das entidades

públicas” (art. 58, § 2º, IV CF), poderão “solicitar depoimento

de qualquer autoridade ou cidadão” (art. 58, V CF).

3. Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs

O art. 58, § 3º, da Constituição Federal, permite a criação de

“comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes

de investigação próprios das autoridades judiciais, além

de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,

serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado

Federal, em conjunto ou separadamente, mediante reque-

rimento de um terço de seus membros, para apuração de

fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclu-

sões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público,

para que promova a responsabilidade civil e criminal dos

infratores”.

“...para que a atribuição de fiscalizar possa ser regular-

mente exercida, é indispensável que o órgão encarregado

possa ‘investigar’ os fatos, valendo-se de meios e instru-

mentos que se mostrem adequados à consecução dos fins

apontados. Daí conclui Paulo Brossard que ‘o poder de in-

vestigar é inerente ao poder de legislar e de fiscalizar’. Em

suma: o Congresso Nacional e as suas Casas têm poderes

investigatórios, aos quais devem corresponder mecanis-

mos para o seu exercício eficaz. O mais importante desses

mecanismos, como a história recente tem se encarregado

de demonstrar, é a CPI, tal como prevista “ no texto cons-

titucional” (FARIA, 2002, p.12).

“...convém lembrar que a Constituição Federal atribui às

CPIs poderes de investigação próprios das autoridades

judiciárias e não os de jurisdição. Investigar é necessário

para instruir um processo. Poderes de investigação, visam,

portanto, à instrução processual e jamais a qualquer jul-

gamento, que somente pode resultar de atribuições juris-

dicionais que são conferidas aos juízes.

Page 64: Revista Decisum

65

Mesmo na instrução existe a chamada ‘reserva jurisdicio-

nal constitucional’, prevendo que determinados atos so-

mente podem ser praticados por decisão judicial, dentre

eles: a quebra da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XII), a

quebra da inviolabilidade da escuta telefônica (art. 5º, XII)

e a prisão, ressalvado o caso de flagrante delito (art. 5º,

LXI)... A CPI, se entender oportunas tais providências, pode

requerê-las ao Judiciário.

Para que haja possibilidade de uma investigação completa

pelo Legislativo, o mesmo deve estar investido plenamente

da autoridade que lhe é atribuída pelo legislador consti-

tuinte. A Lei 1.579/52, estabelece que:

‘Art. 2º - No exercício de suas atribuições, poderão as Co-

missões Parlamentares de Inquérito determinar as diligên-

cias que reputarem necessárias e requerer a convocação

de ministros de Estado, tomar depoimento de quaisquer

autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os in-

diciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar

de repartições públicas e autárquicas informações e docu-

mentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a

sua presença’ (KLEIN, 1999, p. 39 e 40).

Por decisão fundamentada e com a observância das devidas

formalidades legais, pode a Comissão Parlamentar de In-

quérito, por autoridade própria, sem a intervenção judicial,

determinar a quebra do sigilo bancário, fi scal e telefônico

(dados referentes aos registros de ligações), conforme en-

tendimento do Supremo Tribunal Federal” (MS 23.452, Rel.

Min. Celso de Mello, DJU 19.10.1999, p.39).

4. Autorização / aprovação do Congresso Nacional para

atos concretos do Poder Executivo

Há inúmeros casos previstos na Constituição Federal em que

o Poder Legislativo interfere, necessariamente, para contro-

lar a atividade administrativa. São competências exclusivas

do Congresso Nacional:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacio-

nal: (EC n. 19/98 CF)

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou

atos internacionais que acarretem encargos ou compro-

missos gravosos ao patrimônio nacional;

II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra,

a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transi-

tem pelo território nacional ou nele permaneçam tempo-

rariamente, ressalvados os casos previstos em lei comple-

mentar;

III – autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da Repúbli-

ca a se ausentarem do país, quando a ausência exceder a

quinze dias;

IV – aprovar o estado de defesa e a intervenção federal,

autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma

dessas medidas;

........................

........................

XII - apreciar os atos de concessão e renovação de conces-

são de emissoras de rádio e televisão;

XIII – escolher dois terços dos membros do Tribunal de

Contas da União;

XIV – aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a

atividades nucleares;

.......................

XVI – autorizar, em terras indígenas, a exploração e o apro-

veitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de

riquezas minerais;

XVII – aprovar, previamente, a alienação ou concessão de

terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos

hectares”.

5. Poderes controladores privativos do Senado Federal

Alguns poderes controladores são privativos do Senado Fe-

deral:

Page 65: Revista Decisum

66

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (EC

n.19/98, EC n. 23/99, EC n. 42/2003 e EC n. 45/2004 CF)

.......................

III – aprovar previamente, por voto secreto, após argüição

pública, a escolha de:

a) magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constitui-

ção;

b) ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo

Presidente da República;

c) governador de território;

d) presidente e diretores do Banco Central;

e) procurador-geral da República;

f) titulares de outros cargos que a lei determinar;

IV – aprovar previamente, por voto secreto, após argüição

em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplo-

mática de caráter permanente;

V – autorizar operações externas de natureza financeira,

de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos

territórios e dos municípios;

VI – fixar, por proposta do Presidente da República, limites

globais para o montante da dívida consolidada da União,

dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;

VII – dispor sobre limites globais e condições para as ope-

rações de crédito externo e interno da União, dos Estados,

do Distrito Federal e dos municípios, de suas autarquias e

demais entidades controladas pelo poder público federal;

VIII – dispor sobre limites e condições para a concessão

de garantia da União em operações de crédito externo e

interno;

IX – estabelecer limites globais e condições para o mon-

tante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal

e dos municípios;

X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei de-

clarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo

Tribunal Federal;

XI – aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a

exoneração, de ofício, do procurador-geral da República

antes do término de seu mandato;

.......................

XIV – eleger membros do Conselho da República, nos ter-

mos do art. 89, VII;

XV – avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema

Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes,

e o desempenho das administrações tributárias da União,

dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;

......................”.

6. Impeachment do Presidente da República e dos Minis-

tros

Se o Presidente da República for denunciado por prática

de crime de responsabilidade, por qualquer cidadão, au-

toridade ou parlamentar, e a Câmara dos Deputados, por

dois terços de seus membros, acolher tal acusação, o Se-

nado Federal irá julgá-lo e suspendê-lo de suas funções

tão logo instaure o processo. Se for condenado, o Presi-

dente será destituído do cargo, ocorrendo o denominado

impeachment. (art. 86 CF). São considerados crimes de

responsabilidade os atos do Presidente da República que

atentem contra (I) a Constituição; (II) o livre exercício dos

Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e

dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

(III) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

(IV) a segurança interna do país; (V) a probidade na admi-

nistração; (VI) a lei orçamentária; e (VII) o cumprimento

das leis e das decisões judiciais (art 85 CF). Estes crimes es-

tão defi nidos em lei especial que regulamenta o processo

e o julgamento (Lei 1.079, de 10.04.50).

7. Fiscalização Orçamentária

Uma Comissão Mista do Congresso Nacional, formada por

deputados e senadores, tem atribuição específi ca para exa-

Page 66: Revista Decisum

67

minar e dar parecer sobre projetos relativos a plano plu-

rianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, créditos

adicionais, planos e programas (nacionais, regionais e seto-

riais) e exercer o acompanhamento e a fi scalização orça-

mentária (art. 166, § 1º CF).

3.2.2 – O controle parlamentar dependente é aquele exer-

cido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de

Contas. O Parlamento, de certa forma, depende de manifes-

tação daquele órgão para agir:

1. Julgamento da contas do Executivo

É da alçada do Congresso Nacional “julgar anualmente as

contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar

os relatórios sobre a execução dos planos de governo” (art.

49, IX CF). Se as contas não forem apresentadas dentro de

sessenta dias após a abertura da sessão legislativa – 15 de

fevereiro de cada ano -, a Câmara dos Deputados proceder-

lhe-á à tomada (art. 51, II). O julgamento das contas presta-

das pelo Presidente da República, pelo Congresso Nacional,

será realizado mediante “parecer prévio” emitido pelo Tri-

bunal de Contas que as apreciará no prazo de sessenta dias

a contar do seu recebimento (art. 71, I CF).

2. Informações ao Tribunal de Contas

O Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou de

suas comissões, poderá solicitar informações ao Tribunal de

Contas sobre a fi scalização contábil, fi nanceira, orçamentá-

ria, operacional e patrimonial, e sobre resultados de audi-

torias e inspeções realizadas (art. 71, VII CF). Por sua vez, o

Tribunal de Contas, trimestralmente e anualmente, enviará

ao Congresso Nacional relatório de suas atividades (art.71,

§ 4º CF).

3. Sustação de contratos

Cabe ao Congresso Nacional sustar os contratos do Exe-

cutivo padecentes de ilegalidade, a pedido do Tribunal de

Contas (art. 71, X e § 1º CF).

4. Despesas irregulares

A Comissão Mista do Congresso Nacional destinada à fi s-

calização e acompanhamento orçamentário, dentre outras

atribuições (art. 166, § 1º CF), diante de indícios de despesas

não autorizadas, poderá solicitar esclarecimentos à autori-

dade responsável, que terá cinco dias para fazê-lo. Caso não

sejam os esclarecimentos prestados ou se os mesmos fo-

rem considerados insufi cientes, a Comissão Mista solicitará

ao Tribunal de Contas pronunciamento conclusivo sobre a

matéria. Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Co-

missão poderá propor ao Congresso nacional a sua sustação

(art. 72 CF).

5. Inspeções e Auditorias

A Câmara dos Deputados, o Senado Federal e suas respec-

tivas comissões, poderão solicitar que o Tribunal de Contas

realize inspeções e auditorias de natureza contábil, fi nan-

ceira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades

administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judici-

ário, e demais entidades referidas no inciso II do art. 71 (art.

71, IV CF).

4. Conclusão

1. A evolução democrática do Estado consolidou o contro-

le de suas funções administrativas, ampliando-as conside-

ravelmente. O pluralismo político e social, a complexida-

de da vida moderna e o desenvolvimento de técnicas de

comunicação e informação possibilitaram e favoreceram

Page 67: Revista Decisum

68

a organização de sistemas variados de controle. De certa

forma, o controle político do Parlamento, que na origem

era praticamente único e quase absoluto, vai aos poucos

cedendo espaço a outros, mais especializados e efi cazes. A

Constituição de 1988 proporcionou signifi cativo avanço

nos sistemas de controle, especialmente o chamado con-

trole social, e na ampliação das competências dos Tribunais

de Contas, que exerce o controle institucional externo de

natureza administrativa.

2. A morosidade do processo legislativo típica do Parlamen-

to e o “burocratismo político” concorrem para enfraque-

cer o controle político exercido pelo Parlamento no Brasil.

Outras formas de controle exercidas por outros órgãos ou

entidades revelam-se mais ágeis e de resultados mais ime-

diatos, colocando a atuação do Parlamento em segundo

plano, de sentido mais formal que material.

3. O desaparelhamento técnico-funcional do Parlamento

difi culta o exercício do controle da Administração Pública,

que possui quadros técnicos e gerenciais nitidamente mais

preparados e competentes. O despreparo do Parlamento

para o exercício de suas funções de controle tem sido em-

pecilho para que suas prerrogativas constitucionais sejam

levadas a termo.

4. A hipertrofi a do Poder Executivo tem relação direta com

o esvaziamento do Poder Legislativo. A evolução político-

administrativa brasileira tem revelado um Poder Executivo

cada vez mais articulado e com mais poderes, dirigindo a

atuação do Poder Legislativo, através da formação das cha-

madas “maiorias parlamentares”. Não raro, as pautas dis-

cutidas no ambiente parlamentar são as determinadas pelo

Executivo que, através de instrumentos políticos, adminis-

trativos e orçamentários – emendas parlamentares, verbas

ministeriais, medidas provisórias, etc - infl uencia sobrema-

neira o resultado das votações. Manipulado pelo Executivo,

o Poder Legislativo não demonstra aptidão para o exercício

do controle das funções administrativas do Estado.

5. A desorganização do quadro político – sistemas partidário

e eleitoral defi cientes – produz uma classe política instável,

individualista, de pouca representatividade e inconsistente,

difi cultando o desenvolvimento do processo legislativo e o

exercício, pelo Parlamento, de suas competências e atribui-

ções. Os intermináveis confrontos e desarranjos políticos,

geralmente decorrentes da fragilidade dos partidos que

pouco ou nada representam, favorecem a atuação isolada

de parlamentares que procuram satisfazer demandas paro-

quiais em detrimento de uma agenda nacional (NETO, SAN-

TOS, 2003, p. 91 a 139).

6. A judicialização da política e das relações sociais tem

aumentado no Brasil. Impotentes diante da intromissão do

Poder Executivo no ambiente parlamentar, as minorias re-

correm ao Poder Judiciário para fazer valer seus direitos e

posições. Também setores da sociedade descrentes da atu-

ação do Parlamento buscam no Judiciário o que não con-

quistaram através do processo político-parlamentar. O que

se verifi ca é o esvaziamento do espaço político-dialógico

para a superação dos problemas sociais e políticos, e a as-

sunção paulatina do Poder Judiciário como uma espécie de

“conselho gerencial da República” (VIANNA, 1999, p. 15 a

44), o que representará enorme défi cit e distorção do sis-

tema democrático.

______________________________________________

* Palestra proferida em 10.11.2006, no “I Seminário de Con-

trole da Gestão dos Recursos Públicos”, promovido pela Es-

cola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo, do Tribu-

nal de Contas do Estado de Minas Gerais, em comemoração

aos dez anos da referida Escola.

Page 68: Revista Decisum

69

** Antonio Carlos Doorgal de Andrada é Conselheiro do Tri-

bunal de Contas do Estado de Minas Gerais, bacharel em

Direito, professor universitário e especialista em Direito Pú-

blico (PUC-MG) e Controle da Administração Pública (CAD-

Gama Filho/RJ), e mestrando em Direito e Instituições Polí-

ticas (FUMEC). Foi vereador, prefeito municipal e deputado

estadual.

______________________________________________

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-----------------------------

Page 70: Revista Decisum

71

5. A

nexo

Page 71: Revista Decisum

72

O PÓS-POSITIVISMO E O PAPEL DO JUIZ EM UM

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Leonardo de Araújo Ferraz*

I Introdução

Um dos grandes dilemas que se apresenta para a sociedade

moderna, cada vez mais complexa e plural, englobando dis-

tintos projetos individuais de vida boa1, é o de como ajustar

e conformar o papel do direito no sentido de que o mesmo

se preste não só a estabilizar expectativas de comporta-

mento, tal qual já dizia Luhmann, mas também servir como

fator de integração social.

Neste novo cenário, verifi ca-se o colapso de um modelo de

ordenamento de ordenamento jurídico fundado e legitima-

do apenas em um sistema de regras, sistema este incapaz de

assegurar os ideais de correção normativa e em última aná-

lise de justiça, principalmente nos chamados “hard cases”,

na concepção de DWORKIN (1999). Neste sentido, explica

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, prefaciando Écio Oto Ramos,

que “ a validez normativa, ...., não pode ser a validez formal,

típica do Estado liberal e legalista que se estabelece pri-

mariamente na relação entre normas, por que regimes au-

toritários também se adequam a esta validez ...“ (2004:23)

Desta forma, no sentido de comprovar a completude de um

1 Nesses termos, a sociedade para se confi gurar democrática deve asse-

gurar que sejamos iguais por sermos livres para sermos diferentes.

ordenamento jurídico capaz de refl etir os anseios de justiça

e certeza, exsurge um realinhamento dos princípios, que de

simples entidades abstratas ou etéreas de um remoto pas-

sado jusnaturalista, passam a adquirir grau de normativida-

de e coercitividade plenas. Portanto, para um ordenamento

jurídico se mostrar válido, é necessário que seu “conteúdo”

seja gerado na exata medida da participação dos afetados

por essas normas, entendidas agora como princípios e re-

gras.

Isto, sem dúvida, envolve um giro cognoscitivo que perpas-

sa a questão do fundamento de validade do direito para

abarcar os desafi os que envolvem sua aplicação e princi-

palmente a postura adequada daqueles que têm por ofício

aplicá-lo.

Para CARVALHO NETTO,

... no paradigma de Estado Democrático de Direito é de se

requerer do judiciário que tome decisões que, ao retraba-

lharem construtivamente os princípios e regras constitu-

tivos do direito vigente, satisfaçam a um só tempo, a exi-

gência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade

entendida como segurança jurídica, como certeza do direi-

to, quanto ao sentimento de justiça realizada, que defl ui

da adequabilidade da decisão às particularidades do caso

concreto.(2001:23)

Écio Oto Ramos Duarte completa aduzindo que “ contem-

poraneamente, a perspectiva de superação no campo do

positivismo envolve a consideração de uma tensão ineren-

te ao fenômeno jurídico entre sua certeza (racionalidade) e

a sua legitimidade (justiça).”(204:35)

Como pode se inferir das palavras do renomado jusfi lóso-

fo e constitucionalista mineiro e do fi lósofo piauiense, é

grande o dilema que se apresenta ao aplicador do direito,

Page 72: Revista Decisum

73

principalmente nestes tempos de alta modernidade, como

apregoa CHAMON JR (2005).

Sob a ótica do aplicador, a partir desta nova e complexa

confi guração jurídico-normativa e social, demonstra-se

inconcebível, como se observa freqüentemente, a tomada

de decisões a partir de preferências pessoais ou pretensos

valores próprios de um julgador super-herói ou de uma so-

ciedade hegemônica, visto que em uma sociedade plural e

que aceita a diferença, não há como criar “standards” valo-

rativos seja do ponto de vista pessoal ou coletivo. Ademais,

muitas vezes verifi camos um judiciário totalmente afi nado

com o executivo, do qual se torna um mero fantoche mani-

pulável ao talante das variantes políticas.

Por isso, se observarmos os Tribunais Constitucionais da Eu-

ropa e também o Supremo Tribunal Federal, restará clara a

constatação de que a postura dos membros na sua quase

totalidade é esta que acabamos de denunciar. Sob a pre-

tensa tutela de uma sociedade carente, órfã de proteção e

justiça, como já expunha Ingbord Maus, o Judiciário, a par-

tir de uma postura claramente ativista, e dita salvacionista,

exercendo papel de um verdadeiro legislador, decide ques-

tões jurídicas a partir de argumentos meramente políticos,

pragmáticos ou fundados em uma eticidade padronizada de

acordo com os valores dominantes no seio social (sic) ou da

própria clarividência pessoal do julgador.

Como alternativa a esta “práxis”, apresenta-se um modelo

de aplicação do direito centrado no juízo de adequabilidade

tal qual proposto por Klaus Günther e retrabalhado por Jur-

gen Habermas, que busca garantir um sentido de correção

normativa das decisões judiciais a partir do respeito a con-

dições procedimentais do discurso de aplicação. Para tanto,

devem estar centradas na imparcialidade do juiz, que deve

construir a decisão e aplicar a norma adequada ao caso

concreto conjuntamente com as demais partes, em respeito

aos princípios constitucionais da isonomia, contraditório e

ampla defesa, que garantem aos afetados igual possibili-

dade de participação e exposição de todos os argumentos

possíveis, assegurando que essas decisões se revistam de

aceitabilidade racional.

Para tanto, será traçada, em breves linhas, a reconstrução

do modelo positivista a partir do modelo desenvolvido pelo

grande cientista do direito, Hans Kelsen, apontando seus

limites e sua incapacidade de eliminar o decisionismo e a

discricionariedade na aplicação do direito.

Como tentativa de superação do “colapso” positivista, su-

cede-se uma abordagem dita pós-positivista que eleva os

princípios ao “status” de norma jurídica dotado de coerciti-

vidade plena e que será tratada a partir da análise dos prin-

cipais pontos da obra de dois renomados autores: Ronald

Dworkin e Robert Alexy.

Em relação ao primeiro, será discutida a questão do direi-

to como integridade e a fi gura do chamado juiz Hércules,

para na última parte do trabalho ser enfeixada uma série

de críticas a esta postura quase mítica do julgador expli-

citando, em conformidade com o Estado democrático de

direito através do médium institucionalizado de um pro-

cesso constitucional, como reduzir o árduo fardo que lhe

seria conferido.

Em relação ao jurista alemão, Robert Alexy, se buscará de-

monstrar como sua teoria da argumentação falha ao tentar

superar os problemas do positivismo, pois embora tente as-

segurar um caráter de racionalidade das decisões judiciais,

Alexy cai na sua própria armadilha, pois trata os princípios

jurídicos como valores, bens ou comandos otimizáveis, que

em última análise representam preferências em maior ou

Page 73: Revista Decisum

74

menor grau, rompendo com o código binário do direito lei-

to, perpetuando, portanto os problemas da discricionarie-

dade, do decisionismo, do utilitarismo e do agir político no

fundamento das decisões.

II Desenvolvimento

II.1 O positivismo de Hans Kelsen

Considerado um dos maiores teóricos do direito do séc. XX,

Hans Kelsen2 deixou um legado bastante signifi cativo, do

qual se destaca a obra intitulada Teoria Pura do Direito.

Na sua teoria que se denomina pura, Kelsen procura fazer

com que o estudo do Direito (ordem normativa) se afaste de

quaisquer interferências estranhas aos conteúdos jurídicos,

tais quais a moral e a ética3. Sendo assim, o estudo do Di-

reito deve ater-se tão somente ao sistema normativo e dele

extrair seu fundamento de validade. Em outras palavras,

como explica CHAMON JÚNIOR, “ ... podemos entender que

o fundamento de uma norma positiva só pode ser outra

norma.”(2003:2)

Neste sentido, para validar a norma e portanto o próprio Direito,

Kelsen lança mão de um silogismo. Segundo CHAMON JÚNIOR,

a premissa maior é uma norma considerada objetivamente

2 Kelsen é na verdade, um neo-positivista, à medida que sofi stica e

supera o legalismo (positivismo) liberal. Para ele, Direito positivo é Direito

válido, e não aquilo que está escrito, expresso em lei.

3 Em verdade, para Kelsen, a pureza não se encontra no Direito em si,

mas sim na sua teoria. Ele não descarta que questões morais, éticas,

práticas sociais, etc., entram na construção do Direito (conteúdo).

Entretanto, estas questões não devem infl uenciar o estudo do Direito, já

que ao isolar o objeto (Direito) para descrevê-lo, Kelsen afasta qualquer

infl uência externa de modo que sua área de investigação se restrinja ao

próprio objeto do seu estudo.

válida. A premissa menor é um ato de X, que, v.g. “ordena

algo” sendo, assim, dotado de sentido subjetivo. Se a pre-

missa maior (norma objetivamente válida) pudermos alcan-

çar que se deve obedecer à ordem de X (premissa menor),

então a conclusão é que a ordem de é, também, objetiva-

mente válida para o ordenamento jurídico. (2003:2)

Desta forma, o Direito contém normas que se encontram

escalonadas dentro de uma pirâmide hierárquica. Portan-

to, uma norma de escalão superior dá origem à norma de

escalão imediatamente inferior e assim sucessivamente, de

forma que, como já apresentado, uma norma somente só

será juridicamente válida se puder ser fundamentada em

uma norma hierarquicamente superior.

Apesar de toda a pretensa coerência teórica, Kelsen sofreu

uma série de questionamentos em função de incongruências

internas insanáveis do modelo, ou como coloca CATTONI DE

OLIVEIRA(2001:55), insustentabilidade dos pressupostos

teóricos, que culminaram com um colapso da Teoria Kelse-

nia em um paradigma de Estado Democrático de Direito.

Um dos grandes reveses que se apresentam em relação à sua

teoria é acerca do fundamento da norma que se encontra no

topo do ordenamento jurídico (Constituição). Como pode-

ria ela própria ser validada dentro do modelo? Neste ponto,

Kelsen lança mão da chamada norma fundamental que se

diferencia das demais não por ser posta, mas sim pressuposta.

Para que os mandamentos legais possam ser considerados

obrigatórios é indispensável supor a existência de uma norma

fundamental, que admite legitimidade do poder e o dever de

obediência da comunidade. Aí reside uma grande contra-

dição ou mesmo paradoxo da sua teoria pura, visto que a

“completude” e o fechamento da mesma só pode ser justi-

fi cada a partir de algo transcendental, fi losófi co, totalmente

fora do padrão lógico-normativo defi nido em sua teoria.

Page 74: Revista Decisum

75

Outro questionamento diz respeito ao fato de Kelsen con-

siderar uma norma válida sem prescindir de um outro ele-

mento para além do modelo silogístico apresentado. Nes-

tes termos, a norma será válida quando fundamentada em

outra superior (fundamento) e se for minimamente efi caz

(pelo cumprimento da norma e aplicação). Trata-se pois de

uma condição resolutiva4 cuja constatação se dá a partir de

um viés sociológico, o que representa sobremaneira uma

contradição para seu modelo.

Entretanto, o maior gargalo de sua teoria relaciona-se com

a questão da interpretação, que foi abordada em destaque

nos textos originais de 1934, Zur Theorie der Interpretation;

de 1953, a versão francesa Théorie pure du Droit e a edição

de sua Reine Rechtslehre de 19605.

Nos dizeres de Kelsen, a própria norma seria um “esquema

de interpretação”, de modo que “o juízo em que se enuncia

que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico

(ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação espe-

cífica, a saber, uma interpretação normativa”. (1987:4)

Portanto, interpretação para Kelsen vai signifi car duas coi-

sas: ou é ato de aplicação – de vontade – e aí estamos fa-

lando de uma interpretação autêntica (feitas pelo legislador

ou pelo juiz), aquela que cria norma jurídica6 ou é ato de

conhecimento e aí estamos falando de uma interpretação

não-autêntica ou cognoscitiva (feita pela dogmática e pe-

los destinatários da norma).

4 Neste sentido, a norma é inicialmente válida.

5 É importante frisar que a interpretação será abordada como um todo,

sem distinção de períodos.

6 No sentido de que interpretação como ato de vontade, faz com que a

autoridade crie uma norma individual para o caso concreto.

Nesse contexto, o papel da ciência do Direito não é criar

normas, mas sim realizar as descrições, ou seja, as interpre-

tações possíveis das normas jurídicas, ou em outras palavras

revelar o quadro de leituras possíveis da norma, cabendo ao

intérprete autêntico escolher aquela que entender correta,

dentro das várias interpretações fechadas numa moldura.

Todo ato dentro desta moldura estaria conforme a norma e

portanto seria considerado válido. Neste caso, a aplicação

passa a ser uma questão de política do direito, ou seja, a

escolha do aplicador se baseia em questões para além do

direito positivo, a saber: normas de moral, de justiça, de

valor, etc. Trata-se, em resumo, do decisionismo da Teoria

Kelseniana já que, no que se refere a esse ato de vontade,

de escolha, o julgador é livre para agir de acordo com o seu

entendimento e convicções” (CHAMON JÙNIOR, 2003:6).

Isso, sem dúvida, pode gerar sérios problemas de insegu-

rança jurídica, pois não existe apenas uma resposta correta

para cada caso concreto, mas sim várias, sendo que aquela

que for escolhida dentro da moldura, seja ela qual e de que

forma for, estará validada pelo direito.

Na evolução da Teoria Pura do Direto, a partir de 1960 , Kel-

sen passa a defender que a autoridade que aplica o Direito

possui liberdade não apenas para escolher algumas das in-

terpretações possíveis dentro da moldura, como também

possui a faculdade de, por sua autoridade, criar direito novo

fora do quadro – é o chamado “giro decisionista”. Trata-se,

no caso, da discricionariedade que é conferida ao juiz, que

ao interpretar para além do quadro das descrições possí-

veis, estaria criando direito novo, fora do escopo de valida-

de pensado inicialmente na sua teoria. Trata-se na verdade

da ampliação de seus “poderes”, já que agora, a partir de

suas convicções, poderá escolher não somente dentre as

leituras possíveis dentro de quadro, mas também para

além dele, potencializando a questão da insegurança

Page 75: Revista Decisum

76

jurídica, conforme já discutido7.

Neste caso, a sentença passada em julgado faria com que

uma norma do escalão inferior obtivesse validade em fun-

ção da interpretação autêntica realizada pelo aplicador,

não mais, neste caso, em função de uma norma superior

determinante do dever-ser. A questão acerca da validade

das decisões estaria reduzida somente à questões rela-

tivas ao poder conferido à autoridade e a efi cácia do

Direito.

Outrossim, a aplicação do Direito quando compreendido

como exercício de um poder discricionário, entrega o Di-

reito nas mãos do órgão aplicador, uma vez que prevalece

sua vontade como válida, desde que transitada em julgado,

trazendo ainda mais incerteza às relações jurídicas.

Para resumir esta inconcebível postura positivista, Olivier

Jouajan assim se manifesta:

Cette incapacité à assumer plus avant du point du vue ju-

ridique le processus de la application doit être dés lors ren-

voyé non pás a ume errreur d’ aiguillage en cours de route

de la théorie pure du droit, mais a ses presupposés théori-

ques fondamentaux. Parce que la morme este identifi é au

texte de norme, qu’elle este déconnectée de la real´té elle

doit s’appliquer, que dans le mouvement de l’application, le

texte, dans l’indetérminité de ses signifi cants multiples, doit

demeurer isolé des élements qui pourrait lui faire de sens, la

théorie pure du droit ne peut que s’arreter sur une théorie

vide de l’interpretation: et elle s’arrête lá parce que elle est

est en panne8.

7 O aplicador, no caso, passa fazer as vezes do próprio legislador.

8 JOUJAN, Olivier. Apresentação in MÜLLER, Friedch. Discours de la

méthode juridique. Extraído do texto: Limites e possibilidades da tutela

Evidentemente trata-se de uma postura insustentável em

um Paradigma de um Estado Democrático de Direito, cujas

relações sociais envolvem um elevado grau de complexi-

dade, em que as diferenças entre os membros desta co-

munidade devem ser respeitadas. Como admitir um direito

legítimo como algo construído à mercê de um poder dis-

cricionário conferido aos julgadores? Onde estaria a segu-

rança das nossas relações? Seria admissível aceitar que os

valores por eles defendidos (com certeza refl exo de uma

ideologia dominante) possam representar os valores de uma

sociedade tão líquida e rarefeita como um todo?

Confundir a atividade legislativa com a atividade jurisdicio-

nal é postura incompatível num sistema democrático, onde

as decisões devem se pautar no Direito como sistema de

garantias. Qualquer decisão tem que se apresentar como

forma a impedir os abusos e as arbitrariedades a que as

autoridades poderiam ser levadas.

Em uma sociedade democrática a hermenêutica jurisdicio-

nal não se pode adotar um caráter discricionário. A “trans-

ferência” de competência legislativa para os Tribunais tira

dos cidadãos o controle de suas instituições. Devem os Tri-

bunais traduzir um equilíbrio de poderes entre os numero-

sos grupos, dos quais nenhum seria dominante. Os Tribunais

não podem usurpar o poder, à medida que devem respeitar

o direito construído e reconstruído a partir da efetivação

dos preceitos constitucionais que sirvam como base de uma

comunidde princípios.

II.2 0 pós- positivismo

jurisdiconal no paradigma do estado democrático de direito: para uma

análise crítica da “jurisprudência dos valores”, de Alexandre de Castro

Coura, in Jurisdição e hermenêutica constitucional. Coordenação: Marce-

lo Cattoni, p. 419.

Page 76: Revista Decisum

77

II.2.1 Ronald Dworkin, o direito como integridade e o juiz

Hércules

Ronald Dworkin, catedrático em Oxford e crítico literário,

apresenta, a partir de suas obras Levando os Direitos a Sé-

rio e O Império do Direito, uma crítica contumaz e incisiva

ao positivismo9. Dworkin, cioso do colapso do modelo po-

sitivista, direciona sua abordagem principalmente no que

tange a três aspectos centrais: os fundamentos de legiti-

midade10 do direito; a problemática da discricionariedade

do juiz ao solucionar um caso concreto e a justifi cativa do

cumprimento de uma decisão oriunda do agir discricioná-

rio do juiz, pelo fato de que a mesma, por não se validar

segundo a lógica do modelo, não se prestaria a criar nem

obrigação nem direito11.

A partir desta constatação, quais seriam então estas defi -

ciências do modelo positivista por ele detectadas? Em ou-

tras palavras, quais seriam as inconsistências internas dessa

abordagem que deveriam ser supridas ou superadas? Ora,

primeiramente é pertinente o questionamento acerca da le-

gitimidade do direito. Como se sabe, o positivismo não pres-

supõe qualquer vinculação da validade da norma (Direito)

com o seu conteúdo. O que interessa, in casu, é somente a

sua origem (se fundada em uma norma hierarquicamente

superior) e a forma pela qual ela é verifi cada ou aplicada

(se minimamente efi caz na sociedade). A questão funda-

mental que deve ser discutida é esta: se são estas noções

que esgotam a validade do direito (e como não é possível

9 Aqui entendido como uma postura fi losófi ca e científi ca, que teve

como principais expoentes John Austin, Hans Kelsen, Haart entre outros.

10 Ou validade como é tratado por Kelsen na sua teoria pura do Direito.

11 Obviamente os aspectos pontuados por Dworkin são interrelacionados

e conexos, de sorte que no desenvolvimento de seu raciocínio as questões

aventadas serão abordadas a seu tempo.

prever aprioristicamente todas as situações de aplicação da

norma), caso o juiz tivesse que solucionar um caso que não

se amoldasse às possíveis interpretações daquela norma, es-

taria o juiz criando um direito “novo” e portanto a exercer

sua discricionariedade12. E mais, se este direito criado não é

fundamentado dentro do modelo (e portanto afastando a

existência de um dever/direito preexistente) por que have-

ria o dever de obedecer àquela decisão se ela em verdade

não é direito (validamente entendido), à medida que não há

como justifi car a decisão?

Realmente os teóricos positivistas não enfrentaram a con-

tento estas questões à medida que as mesmas comprome-

tiam toda a fundamentação da modelagem positivista. No

intuito de perpassar esses obstáculos, Dworkin apresenta

um giro cognitivo ao propor um novo viés compreensivo

do direito, no sentido de validá-lo e legitimá-lo a partir de

uma teoria despida das incongruências e incompletudes do

positivismo, em uma corrente que se denomina pós-positi-

vismo. Para isto, introduz no debate conceitos tais quais di-

reito como integridade, comunidade fraternal de princípios,

Hércules, que serão melhor apresentados e interconectados

no decorrer do trabalho.

Neste sentido, Dworkin, em sua obra, apresenta-se desde o

início preocupado com a questão da legitimidade do direito.

Para ele, “uma concepção de direito deve explicar de que

modo aquilo que chama de direito oferece uma justificati-

va geral para o exercício do poder coercitivo pelo Estado”.

(1999:231). Ainda neste sentido, coloca que um “Estado é

legítimo se sua estrutura e suas práticas constitucionais

forem tais que seus cidadãos tenham uma obrigação geral

de obedecer às decisões políticas que pretendem impor-

12 A validade de uma decisão discricionária se fundaria no poder geral de

autoridade conferido ao juiz e no princípio da coisa julgada (efetividade).

Page 77: Revista Decisum

78

lhe deveres.” (1999:232). Exsurge pois o cerne da questão.

De que forma pois, poder-se-ia conceber o direito como

legítimo de forma a legitimar o próprio Estado? Ora, nes-

te momento, introduz-se o conceito de integridade. Para

Dworkin, isto só pode ser obtido a partir da reconhecimento

do direito como integridade, de sorte que “um Estado que

aceita a integridade como ideal político tem um argumen-

to melhor em favor da legitimidade do que um Estado que

não a aceite.”(1999:232).

Para a compreensão do como se pode pensar o direito como

integridade, necessário é que se compreenda a noção tra-

balhada por Dworkin do que se seja uma comunidade fra-

ternal de princípios, no sentido de prover a forma pela qual

as obrigações (coerção autorizada pelo direito) aos seus

membros imposta possam ser consideradas como legítimas,

no sentido da manutenção de uma ordem coerente de prin-

cípios somente nela (comunidade fraternal) viabilizado13.

Em primeiro lugar, as pessoas que pertencem a este tipo de

comunidade devem possuir quatro características particu-

lares em relação às responsabilidades que cada membro do

grupo deve para com todo o grupo e outros membros iso-

ladamente: devem considerar as obrigações como especiais,

que se prestam a um caráter distintivo em relação a pessoas

que não pertençam ao grupo. (ex.: respeitam os princípios

de sentimento de equidade e justiça da organização políti-

ca vigente em sua comunidade particular, que podem ser

diferentes daqueles de outras comunidades) (1); fazem com

que as responsabilidades de cada sejam pessoais, vinculan-

do diretamente um membro a outro (2). Envidam esforços

13 O motivo pelo qual uma comunidade de fato e uma comunidade de

regras não sustentarem um ideal de integridade pode ser entendido pela

leitura da obra O império do Direito, de Ronald Dworkin, em suas pgs.

251 e ss.

em benefício do bem-estar dos outros membros do grupo,

decorrentes de uma responsabilidade mais geral (3) e, por

fi m, exigem que as práticas do grupo se mostrem no igual

interesse de todos, no sentido de que as comunidades fra-

ternas sejam conceitualmente igualitárias (4).(1999:242).

Ademais, as pessoas aceitam que são membros desse tipo

de comunidade, aceitam que são governadas por princípios

comuns e não apenas por regras explícitas criadas por um

acordo político14. Neste caso, segundo Dworkin, a política

tem uma natureza diferente. É uma arena de debates sobre

quais princípios a comunidade deve adotar, que concepção

deve Ter de justiça, equidade e justo processo legal e não

a imagem diferente, apropriada a outros modelos, na qual

cada pessoa tenta fazer valer suas convicções no mais vas-

to território de poder ou de regras possível. Os membros

de uma sociedade de princípio admitem que seus direitos e

deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares

tomadas por suas instituições políticas, mas dependem, em

termos mais gerais, do sistema de princípios que essas deci-

sões pressupõem e endossam.(1999:254-255)

14 Na teoria de Dworkin, as normas jurídicas (ordenamento jurídico)

decompõem-se em regras e princípios. A distinção entre ambas é que as

regras seguem a lógica do tudo ou nada ( in-an all or nothing fashion),

ou seja, se estão caracterizados os fatos que determinam sua aplicação

(subsunção), a regra é aplicada; caso contrário, não. Já os princípios

seguem a lógica da ponderação(balance), no sentido que princípios

concorrentes podem conviver validamente na ordem jurídico-política,

transferindo para a análise argumentativa do caso concreto a hipótese

de incidência de um ou de outro, segundo um juízo concreto, em que a

decisão adequada se traduz do ponto de equilíbrio obtido do ajuste dos

princípios ao caso concreto e do caso concreto aos princípios. Obviamen-

te esta abordagem, que sustenta o caráter binário do direito, se afasta

por completo do modelo Alexyano, que interpreta este “balanceamento”

como se fosse uma questão de preferência, atratividade ou importância.

Page 78: Revista Decisum

79

Em resumo, cria-se um vínculo entre os membros da comu-

nidade, não por questões de afi nidade, afetividade ou pa-

rentesco, mas pelo estabelecimento de uma rede de respon-

sabilidades recíprocas conectadas pelos princípios comuns,

assim entendidos como aqueles intersubjetivamente (entre

os membros da comunidade) compartilhados e construídos

e reconstruídos histórica (cotidianamente) e organicamen-

te, segundo as expressões coerentes das concepções que

aquela sociedade tem de justiça, equidade e devido pro-

cesso legal15.

Destarte, pode-se inferir que o fundamento de legitimidade

do direito só se sustenta em uma comunidade de princípios,

de forma que o direito como integridade, entendido exa-

tamente como o conjunto de normas coerentes com os

princípios comuns adotados, deve buscar a resposta para

o caso concreto no sentido de preservar esta ordem coe-

rente de princípios. Aqui, demonstra-se que a abordagem

de Dworkin refoge totalmente da lógica positivista de ten-

tar defi nir, em abstrato, todas as condições de aplicação

de uma norma16. Na teoria de Dworkin, ao contrário, não

existe espaço para várias respostas aceitáveis. Para ele, por

levar em consideração o caso concreto, considerado como

único e irrepetível e dotado de especifi cidades próprias, na

construção da resposta, para aquele caso, haverá apenas

uma resposta correta, exatamente aquela que irá refl etir a

integridade do sistema.

15 Apesar de não fazer menção explícita a GADAMER em sua obra, pode-

mos perceber uma certa similitude de pensamento quanto à questão da

“formatação” dos princípios comuns da comunidade fraternal. Para uma

visão mais completa da obra de GADAMER, sugerimos a leitura do livro

Hermenêutica fi losófi ca e constitucional, de Rodrigo Viana Pereira.

16 De tal sorte que haveria assim várias possibilidades de interpretação

de uma norma, todas elas válidas.

Portanto, com ênfase, pode-se afi rmar que não há mais es-

paço para a chamada discricionariedade do juiz tão critica-

da na Teoria Kelseniana. Aqui, não se sustenta a discussão

acerca de várias possibilidades de interpretação da norma

ou mesmo decisão fora do quadro destas interpretações

possíveis. No modelo defendido por Dworkin, a legitimi-

dade conferida ao direito em razão dos princípios, que se

refl ete em um sistema de normas principiologicamente co-

erente, “leva a uma vinculação e nega justamente a noção

de “liberdade” do juiz por uma questão de legitimidade.

Disto conclui-se que os princípios têm força normativa”.

(CHAMON JÚNIOR, 2003:16)(g.n) Como se observa, o mo-

delo defendido por Dworkin afasta-se completamente do

ideal positivista, à medida que, para cada caso concreto re-

construído argumentativamente, não existe uma resposta

qualquer, mas sim uma resposta correta (que inclusive leve

em consideração o processo concretamente desenrolado)

(2001:19), exatamente aquela que mantém o ideal de inte-

gridade do sistema.

Ora, o comprometimento do juiz com a manutenção do ideal

de integridade do sistema impõe-lhe que ao solucionar um

caso concreto, cujas características não encontram acolhida

nos standards normativos preexistentes, não crie direito,

ou seja, uma norma particular de moldes positivistas (dis-

cricionária) que carece de qualquer pretensão de validade.

Na verdade ele deve não inventar um novo direito, mas sim

desvelá-lo, descobri-lo, reconstrui-lo argumentativamente

à luz do caso concreto, buscando uma decisão que seja co-

erente com todo o ordenamento jurídico (as leis, a Consti-

tuição e inclusive a conjugação com as decisões passadas,

os precedentes) que se assenta no modelo de princípios

adotado por aquela comunidade (mantendo a integridade

do sistema)17. Por isso, conforme explica CHAMON JÚNIOR

17 Como explica Dworkin “ Os juízes que aceitam o ideal interpretativo

Page 79: Revista Decisum

80

(2003:19) é mediante essa forma de interpretação que se

“descobre” o direito, e não o cria: reconstrói-se, então, o

direito, e não um direito para o caso concreto”, de forma

que, em relação à decisão (a correta) principiologicamente

sustentável, não subsista qualquer défi cit de legitimidade.

II.2.2 Robert Alexy, princípios e valores

A Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy preten-

de construir um modelo de sistema do direito que possa ser

considerado racional. Em verdade, procura conjugar dois

modelos: o modelo segundo o qual o direito é visto como

um sistema de normas e outro modelo segundo o qual ele é

visto como um sistema de procedimentos.

Alexy procura recuperar a idéia de razão prática, através de

uma teoria do discurso (vista como uma teoria de procedi-

mentos), em que uma norma vai ser considerada exata na

medida em que resultar de um determinado procedimento,

daquele discurso prático. Esta teoria do discurso tem como

característica a possibilidade das convicções e dos interes-

ses dos indivíduos modifi carem-se ante os argumentos que

são colocados ao longo do procedimento.

Como sistema de normas, o direito pode ser concebido ape-

nas como um sistema que concilia os níveis das regras e

dos princípios. Os princípios são obrigações de otimização

enquanto as regras têm uma natureza de obrigação defi -

nitiva.

Para as normas, aplica-se o conceito de subsunção. As re-

gras ou são ou não são aplicadas, em uma lógica do tudo ou

da integridade decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum

conjunto coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas,

a melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica da

comunidade.”(1999:305).

nada. Para os princípios, diferentemente, subsiste a lógica

da ponderação, cuja aplicação consiste na determinação de

uma relação de prioridade, na qual os princípios são apli-

cados mediante uma “pesagem”. Para Alexy, diante do caso

concreto, a pesagem dos princípios se dá por critérios de

preferência, importância ou atratividade de uns fren-

te aos outros, o que em verdade quer signifi car que Alexy

considera a lógica dos princípios igual a lógica dos valores

do ponto de vista de sua aplicabilidade.

Sendo assim, Alexy reduz a aplicação do direito não a um

conceito de adequabilidade18, mas sim a uma ponderabili-

dade material de comandos otimizáveis, compreendendo-se

os princípios como algo que deve ser realizado na maior

medida possível, ou seja, algo que deve ser aplicados

no seu grau ótimo. Entretanto esta postura leva a sérios

problemas de aceitabilidade ou mesmo sustentabilidade de

sua teoria sob o paradigma de um Estado Democrático de

Direito.

Primeiramente, entender os princípios como comandos de

otimização leva ao estabelecimento de um modelo hierár-

quico destes princípios, ou seja, de uma “ordem concreta

de valores” com vista a determinados fi ns, fi ns estes que

representam valores compartilhados apenas por determi-

nados grupos. Neste sentido, tratar princípios como valores

faz com que se busque o que é bom, melhor ou preferível,

condicionado a determinadas concepções de “vida boa”.

Isto não é sustentável em uma sociedade moderna, plural,

complexa, multicultural e democrática, uma vez que valores

são sempre pessoais ou de determinado grupo e, portan-

to, insuscetíveis de representarem algo que é efetivamente

compartilhado pela sociedade como um todo.

18 Conforme trabalhado em Dworkin.

Page 80: Revista Decisum

81

Ademais, compreender a aplicação dos princípios como

algo gradual faz com que a suposta “exatidão” da decisão

de um determinado caso concreto seja em verdade algo

aproximado, em virtude de que uma decisão será tão mais

correta quanto mais se aproximar das condições ideais do

discurso. Ao desenvolver sua teoria nestes moldes, Alexy

subverte a ordem binária do direito no sentido de se buscar

o que é devido, e mergulha na armadilha decisionista do

positivismo, ao permitir que se tenha em verdade diver-

sas decisões que seriam “válidas”, à medida que caberia

somente à pessoa do julgador a determinação de quais

e em que medida uns princípios (valores) seriam prefe-

ríveis a outros.

Sobre o que foi exposto, CATTONI DE OLIVEIRA se posiciona

de forma incisiva:

“Ao fi nal, ao se reduzir o Direito a valores que, por sua

natureza, não são homogêneos numa mesma sociedade,

aumenta-se o risco da irracionalidade do processo juris-

dicional de controle, transformando-o em uma instância

político-legislativa que se sobressairia ao próprio legislador

democrático. Instaurar-se-ia, desse modo, uma ditadura de

“boas intenções éticas e políticas”, que desrespeitaria a ci-

dadania e o legislativo, à medida que os reduziria a meros

tutelados do Tribunal de cúpula, no caso do Supremo Tri-

bunal Federal, ou no caso alemão, da Corte Constitucional

Federal.(2002:174)”

Em resumo, na argumentação jurídica, os princípios devem

ser compreendidos dentro de uma visão deontológica, no

sentido do que deve ou não ser aplicado, e não como algo

que deve ser preferido ou que é mais atrativo em relação

a outro. Não se permite dentro do paradigma do Estado

Democrático de Direito que, em nome do “bem comum”, se

estabeleça para os “outros” aquilo que se julga bom para

“eles”19. A vinculação da legitimidade das decisões jurídicas

à participação e ao reconhecimento de todos como co-au-

tores da construção e reconstrução do direito leva à supe-

ração do modelo eticizante a que a teoria de Alexy impõe à

sociedade. Neste contexto, para que a aplicação do direito,

no sentido de que se possa impor uma obrigação daquilo

que é devido, seja legítima, é necessário que a decisão ade-

quada para o caso concreto exsurja a partir de um critério

de racionalidade argumentativa, em que todas as posições

dos afetados pela decisão sejam “levadas a sério”, e contri-

buam para a construção do provimento fi nal.

Para concluir, neste sentido, CHAMON JÚNIOR resume a

discussão posta: “...Tertium non datur. Afinal, interpretar

o direito legitimamente não implica transformar-nos nem

em pregadores de nossa concepção ética, muito menos

servos de valores alheios.” (2003:36)

II.3 O papel constitucionalmente adequado do juiz em um

paradigma de Estado Democrático de Direito

Uma das mais contundentes críticas feitas à teoria de

Dworkin é aquela em relação ao papel desempenhado pelo

juiz na busca da melhor interpretação (a adequada) para a

solução do caso concreto. Para o autor, no árduo trabalho

de busca solitária da adequação, historicamente compreen-

dida, que conforme o direito a ser aplicado, o juiz deve ser

19 O grande problema da Teoria de Alexy é que ele, quando da aplicação

do direito, leva em consideração argumentos pragmáticos, morais e

éticos, parecendo desconhecer a distinção entre discursos de justifi cação

e discursos de aplicação. A busca da adequabilidade do direito a ser apli-

cado em função do caso concreto deve referir-se somente a argumentos

jurídicos, com base no conjunto de normas validadas pelos discursos

de justifi cação. (Para maior aprofundamento sobre o tema: GUNTHER,

KLAUS. Teoria da argumentação no direito e na moral: justifi cação e

aplicação)

Page 81: Revista Decisum

82

dotado de atributos quase sobre-humanos para que, base-

ado no ideal de integridade, interprete todo o sistema de

princípios à luz da prática das instituições da comunidade

(CHAMON JÚNIOR, 2003:18). A carga de responsabilidade

atribuída ao juiz é tamanha que Neuenschwander Maga-

lhães resume o assunto ao dizer que a busca da respos-

ta correta “.... é tarefa de um juiz dotado de qualidades

quase que impossíveis de coexistirem em uma só pessoa,

razão pela qual chama este juiz ‘ideal’ de HÉRCULES.”

(1999:438).

Dentro desse quadro, este agir quase mítico do herói HÉR-

CULES pode ser minimizado a partir da noção do que seja

paradigma. CATTONI DE OLIVEIRA recorre a HABERMAS20

(1996:194-195) para estabelecer o conceito de paradigma21

para o campo das ciências sociais e, no âmbito dessa, para

as refl exões acerca do Direito.

“Por esse último (paradigmas de Direito), entendo as visões

exemplares de uma comunidade jurídica que considera

como o mesmo sistema de direitos e princípios constitu-

cionais pode ser realizado no contexto percebido de uma

dada sociedade.

“Um paradigma de Direito delineia um modelo de socieda-

20 HABERMAS, Jurgen. Between facts and norms, 1996.

21 Segundo CATTONI DE OLIVEIRA (2002:52), o termo “paradigmas” foi

introduzido na discussão epistemológica contemporânea, com o sentido,

por exemplo, utilizado por Gomes Canotilho, ou seja, como “ ‘Consenso

científi co’ enraizado quanto às teorias, modelos e métodos de compre-

ensão do mundo”, a partir do conceito concebido por Thomas Kuhn:

“..... paradigmas são realizações científi cas universalmente reconhecidas

que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares

para uma comunidade de praticamente de uma ciência.”. Para um maior

aprofundamento do assunto, sugerimos a leitura de Marcelo Andrade

Cattoni de Oliveira e Menelick de Carvalho Netto.

de contemporânea para explicar como direitos e princípios

constitucionais devem ser concebidos e implementados

para que cumpram naquele dado contexto as funções nor-

mativamente atribuídas a eles.”

E completa:

O que quer dizer que as compreensões jurídicas paradigmá-

ticas de uma época, refl etidas por ordens jurídicas concre-

tas, referem-se a imagens implícitas que se tem de própria

sociedade; um conhecimento de fundo, um bakground, que

confere às práticas de fazer e de aplicar o Direito uma pers-

pectiva, orientando o projeto de realização de uma comu-

nidade jurídica.(2002:54)

A partir destas noções, pode-se dizer que, ao imergir nes-

tes paradigmas, que são construídos e reconstruídos pela

comunidade jurídica, HÉRCULES tem sua jornada aliviada,

visto que a tarefa de estabelecer o escopo signifi cativo de

coerência da norma é sobremaneira reduzida por essa com-

preensão paradigmática do direito. Para CHAMON JÚNIOR,

HÉRCULES fi ca muito mais aliviado da complexidade de sua

atividade, pois ao invés de, em todos os caos, ter que siste-

matizar, na formação de sua teoria, “toda” a malha princi-

piológica e de regras com os casos anteriores, ele já toma

contato com uma “certa” ordem, que serve de pano de fun-

do para o seu ofício.(2003:33)

Mas será que esta postura de isolamento de HÉRCULES, de-

fendida por Dworkin, é sustentável em um paradigma de

Estado Democrático de Direito? Seguindo os ensinamentos

de Habermas, o próprio sentido de integridade deve ser re-

defi nido, abarcando agora “uma comunidade de indivíduos

integrados e que assumem uma postura realizativa de to-

dos os demais.” (CHAMON JUNIOR, 2003:34).

Nesta linha, a argumentação racional que efetivamente le-

Page 82: Revista Decisum

83

gitime a solução dos confl itos só pode ser obtida a partir

de uma compreensão procedimental da democracia (e do

direito), a partir da constatação de que todos os indivíduos

que estão sob o império do direito participam de sua cons-

trução e reconstrução, dentro de uma rede que permita que

os fl uxos comunicativos desses participantes (tomadas de

posições e opiniões) estejam orientados para o entendimen-

to, o que só pode ser sustentado e efetivado a partir da

Constituição, entendida como a base de uma comunidade

que compartilha princípios intersubjetivamente construídos

e reconstruídos.

Por tudo isso, demonstra-se impossível e até mesmo im-

plausível que HÉRCULES se mantenha como o guardião

único de todas as virtudes que lhe permitam, sozinho,

garantir a adequação da decisão a ser tomada. Ora, se o

juízo de adequabilidade22 obtido através da compreensão

paradigmática (que é intersubjetivamente compartilhada

por todos) deve ser extraído a partir de uma prática rea-

lizativa, tem-se que sua decisão deve ser entendida como

um empreendimento comum suportado pelos pressupostos

comunicativos de todos.

Esta noção procedimental de democracia e direito, em que

as decisões legítimas (adequadas) só podem ser tomadas

com base em contextos discursivos publicamente assen-

tados, só vem reforçar a obrigatoriedade de se enxergar

o processo tal qual o modelo idealizado pelo italiano Elio

Fazzallari, compreendendo-se agora o procedimento como

gênero, do qual o processo é espécie, ou seja, o processo

é o procedimento realizado em contraditório, devendo ser

22 Conforme já mencionado, para uma exata compreensão do sentido e

alcance do chamado senso ou juízo de adequabilidade, recomenda-se a

leitura do livro GUNTHER, KLAUS. Teoria da argumentação no direito e na

moral: justifi cação e aplicação.

agora compreendido a partir de uma perspectiva de prin-

cípios constitucionais que se apresentam como garantia

fundamental de todos os cidadãos. Através deles, o provi-

mento jurisdicional se consolida e se reveste de legitimida-

de a partir da participação de todos os afetados pela deci-

são. Entretanto, não se trata de uma participação qualquer.

Em verdade, devem ser garantidos a todos aqueles em cuja

esfera jurídica o ato fi nal está destinado a produzir efeitos,

iguais possibilidades de participação no processo, ou em

outras palavras, uma simétrica participação no processo de

construção desta decisão. Trata-se, pois, da efetivação do

princípio constitucional do contraditório23.

Além disto, aos legítimos participantes, deve ser provido a

possibilidade de se utilizar de todos os argumentos licita-

mente constituídos, o que apresenta-se como corolário do

princípio constitucional da ampla defesa24. Esta nova ótica

de abordagem sedimenta a superação do modelo de pro-

cesso como relação jurídica, tal qual difundido no Brasil por

Liebman25 e demonstra a prevalência da Constituição como

locus indispensável à operacionalização do modelo.

Neste sentido, a insubsistência desta corrente processualis-

23 Para Aroldo Plínio Gonçalves, citado por FERNANDES (2002:47), a

idéia que está na base do princípio do contraditório é a da evolução da

prática da democracia e da liberdade, em que os interesses divergentes

ou em oposição encontram espaço garantido para sua manifestação na

busca da decisão participada.

24 CATTONI de OLIVEIRA coloca que, além do contraditório e da ampla

defesa, outros princípios também possuem relevância neste modelo

constitucional de processo, tais como o devido processo legal, do direito

à prova, do juiz natural, independente e imparcial, da fundamentação

racional das decisões judiciais, da publicidade, da instrumentalidade

técnica do processo, da efetividade e da inafastabilidade da tutela jurisdi-

conal, etc. (2002:98).

25 Os grandes expoentes desta corrente são Cândido Rangel Dinamarco,

Ada Pellegrini, dentre outros.

Page 83: Revista Decisum

84

ta (corrente paulista ou instrumentalista) está exatamente

no fato que sua construção se consolida e se sustenta ape-

nas nos termos de um paradigma já não mais sustentável de

um Estado Social. Para esta corrente, conforme prescreve

Dinamarco, citado por FERNANDES (2002:44), “a jurisdição

e o processo devem ser compreendidos como instrumen-

tos que têm por finalidade realizar “os valores sociais e

políticos da nação”. E a liberdade e igualdade, enquanto

valores a serem realizados pela jurisdição, encontram seu

sentido tão somente à luz das suas identidades culturais e

tradicionais de cada nação, a partir da defi nição prévia de

quais seriam os valores mais atrativos para aquela Nação.

Assim, os juízes se apresentam como os guardiões de um

virtuosismo ético-político representando “um canal de co-

municação entre a carga axiológica da sociedade em que

vive e os textos legais.” (FERNANDES, 2002:45).

Como se observa, esta postura é incompatível com os dita-

mes de um Estado de Direito Democrático, que conforme

demonstrado, exatamente desloca o papel-missão do juiz

para a garantia das partes, enquanto atores da construção

das sentenças das quais elas são destinatárias. Em função

disto, conforme explica CATTONI DE OLIVEIRA (2002:98),

a importância deste modelo constitucional do proces-

so pode ser apreendida na garantia “ .... de uma devida

racionalidade procedimental e a reflexidade que cobra o

Estado Democrático de Direito”, compatível com o conceito

processual de cidadania, nos termos de uma “comunidade

aberta de intérpretes da Constituição”, segundo preceitua

Peter Haberle. Assim, esta sociedade de intérpretes não se

refere somente ao Supremo Tribunal Federal e a um gru-

po de experts, representantes divinos da carga axiológica

da nação, mas é pressuposto de autonomia dos cidadãos,

devendo ser exercitada cotidianamente através da interpre-

tação constitucional, nos moldes de uma soberania difusa,

que garanta que o direito alcance sua tarefa de estabilizar

expectativas de comportamento e de ser uma das formas de

integração social. (FERNANDES, 2002:47).

Esta nova modelagem abre, inclusive, novas perspectivas,

à medida que a abordagem apresentada em função deste

modelo constitucional de processo possa ser estendida para

além da esfera judicial, abarcando também os procedimen-

tos legislativos e administrativos, pois os mesmos po-

dem também ser interpretados como processo, na justa

medida em que se abre o contraditório para todos os

legítimos participantes.

III Conclusão

1 – Em sociedades pós-industriais, ou inseridas em um

contexto da denominada alta modernidade, é instigante e

premente a necessidade de se compatibilizar e tolerar a

existência de uma grande diversidade de projetos de vida

individuais.

2 – Neste contexto, é fundamental conformar o papel a

ser exercido pelo direito nessas sociedades para que ele se

revista de legitimidade que garanta sua coercitividade não

apenas pelo atributo da autoridade.

3 – Essa nova confi guração traduz-se na superação de uma

modelagem positivista do direito, reduzido a um modelo de

regras distanciado da realidade, para uma modelagem que

assume a normatividade plena também dos princípios.

4 – Exsurge pois o realce do papel a ser desempenhado pelo

aplicador do direito que, diante dessa nova confi guração

normativa, deve realinhar sua postura para se afastar de

um viés decisionista e discricionário, baseado em suas pre-

ferências pessoais ou pretensos valores homogeneizantes

Page 84: Revista Decisum

85

da sociedade.

5 – Nesta linha, o colapso do modelo positivista, cuja le-

gitimidade se assentava nos aspectos formais da produção

do direito, deu-se pela incapacidade de superar a questão

central de indeterminação estrutural do direito, que além

de não poder ser confi nado a um modelo fechado de regras,

apresenta-se como texto e, portanto, admite múltiplas lei-

turas. Entretanto, nem por isso a aplicação do direito se

resume à escolha de qualquer das possibilidades encerradas

em uma moldura ou mesmo fora dela, pois até mesmo a

moldura é historicamente datada em função do pano de

fundo intersubjetivamente compartilhado. Sendo assim,

o ponto de partida dos seguidores da corrente positivista

passa pelo ganho de normatividade dos princípios e pela

consciência da necessidade de se retrabalhar a questão da

indeterminação estrutural do direito, a partir da necessida-

de da conjugação do binômio certeza/ segurança jurídica.

6 - Ronald Dworkin rejeita uma concepção meramente me-

canicista e formalista do direito, criticando de forma incisi-

va a questão da legitimidade do direito estar desvinculada

do seu conteúdo, a possibilidade do agir discricionário do

juiz e a obrigatoriedade do cumprimento de decisões, como

aquelas exaradas discricionariamente, fundamentadas fora

do modelo positivista. Para tanto, Dworkin propõe um giro

cognoscitivo que associa a legitimidade do direito e do pró-

prio Estado ao ideal de integridade. Sendo assim, trabalha a

concepção de uma comunidade de princípios, em torno da

qual cria-se um vínculo dos seus membros, não por ques-

tões de afi nidade, afetividade ou parentesco, mas pelo es-

tabelecimento de uma rede de responsabilidades recíprocas

conectadas pelos princípios comuns. Assim exsurge a noção

de direito como integridade, entendido exatamente como o

conjunto de normas coerentes com os princípios comuns

adotados, que deve buscar a resposta para o caso concreto

no sentido de preservar a ordem coerente de princípios da

comunidade. Nesta modelagem, que perpassa a noção do

direito como um sistema estático de regras, não há que se

falar em lacunas interpretativas que, conforme discutido no

positivismo, se apresentam como terreno fecundo para o

exercício da discricionariedade do juiz. Surge então a fi -

gura do juiz Hércules, que no desempenho da sua função

jurisdicional deverá desvelar, a partir de uma reconstrução

argumentativa, o direito a ser aplicado ao caso concreto,

buscando uma decisão, a resposta correta, que seja coeren-

te com todo o ordenamento jurídico (as leis, a Constituição

e, inclusive, a conjugação com as decisões passadas, os pre-

cedentes) que se assente no modelo de princípios adotado

por aquela comunidade, no sentido de manter a integridade

do sistema.

7 – Robert Alexy, não obstante incorporar também a cons-

trução do direito em bases principiológicas e de querer incor-

porar a componente racional na argumentação dos discursos

jurídicos como forma de superar o colapso positivista, con-

tradiz a si mesmo quando informa que colisão de direitos so-

mente pode ser resolvida a partir da ponderação de valores,

que em última análise impõe para uma das partes envolvidas

restrições ou sacrifícios. A partir desta técnica de decisão, em

que a maior realização de um princípio envolve a restrição de

outros em maior ou menor grau, subverte-se a lógica deôn-

tica do direito ao tratar os princípios como bens, ou valores,

como mandados de otimização. O grande problema dessa

abordagem, em uma sociedade plural que vise a assegurar a

coexistência de distintos projetos de vida individuais, é uma

hierarquização prévia desses valores (princípios), que em úl-

tima ratio não se afasta das preferências pessoais do julgador

ou de uma pretensa e insustentável homogeneidade valora-

tiva imposta por uma elite dominante.

Page 85: Revista Decisum

86

8 – Por fi m, procura-se apresentar uma alternativa a este

status quo, aqui tratado em termos de uma crítica tanto à

visão alexiana, como já debatida, quanto à postura solip-

cista e deveras sobre-humana do juiz Hércules de Dworkin,

a partir de uma abordagem paradigmática que atua como

grade seletiva contextualizada pelo véu da historicidade

que se presta a moldar o entendimento das concepções que

envolvem a praxis jurídica e realização dos direitos funda-

mentais. Neste contexto, a tarefa do aplicador do direito

deve se pautar como um juízo de adequabilidade normativa

que envolve a consideração de todas as normas, princípios

ou regras, prima facie aplicáveis ao caso concreto, bem

como o levantamento das circunstâncias específi cas e re-

levantes para sua solução. Neste caso, não existe princípio

melhor ou preferível para solução do caso, mas simplesmen-

te a norma adequada. Ademais, a pretensão de legitimidade

das decisões é garantida através do medium institucionali-

zado do processo constitucional, que se caracteriza como

o locus adequado para a tomada das melhores decisões em

respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e

contraditório.

*Advogado. Especialista em Controle Externo e Processo

Constitucional. Mestrando em Direito Público pela PUC/

MG.

IV Referências Bibliográfi cas

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cional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito Processual

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UFMG. Imprensa Universitária da UFMG, p. 109-147.

CHAMON JÚNIOR, Lúcio Antônio. Tertium non datur: Pre-

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argumentação jurídica no marco de uma compreensão pro-

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do direito: por uma compreensão constitucionalmente

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COURA, Alexandre de Castro. Limites e possibilidades da

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CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (Coord). Belo Ho-

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FERNANDES, Bernardo Gonçalves. A teoria geral do processo e a

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ação da Faculdade de Direito da UFMG e Mandamentos, 1999.

-----------------------------

O VICE-PREFEITO NO PROCESSO ELEITORAL: UMA VISÃO

ATUAL

José Eduardo Lewer de Amorim *

A Constituição da República de 1988 – CR/88 – reconheceu, acer-

tadamente, o município, como ente da Federação, status que não

usufruía expressamente ao tempo da Constituição da República

de 69 – CR/69. Esse novo posicionamento fez com que o texto

constitucional de 88 fosse mais abrangente ao tratar da organiza-

ção e dos representantes legais do Município.

Em um estudo comparativo, vê-se que a CR/69 tratava do mu-

nicípio em seu capítulo III e em conjunto com o Estado. O que se

previa, em verdade, eram as normas de como os estados criariam

e organizariam os seus municípios. No caso de Minas Gerais, a

Lei Complementar nº. 3, de 28/12/72, era o texto legal que dis-

ciplinava a matéria referente à organização administrativa dos

municípios.

A CR/88, por sua vez, dedica ao município, expressamente, a sua

atenção em diversos artigos, além de tratar dele, exclusivamente,

em seu Capítulo IV. O município passa a ter o poder de se auto-or-

ganizar por meio de Lei Orgânica, de criar cargos e estabelecer os

vencimentos e subsídios de seus funcionários, servidores e agentes

políticos.

Os Poderes Legislativo e Executivo municipais passam a efetiva-

mente ter representação relevante e não apenas periférico, re-

sidual; tanto que a eles é atribuída a competência para fi xar os

subsídios do prefeito, do vice-prefeito, dos secretários municipais

e dos vereadores, conforme a normas de seus arts. 29, V e VI; 37,

X e XI, dentre outras, em observância de limites, dentre eles, o da

disponibilidade orçamentária do município.

Toda essa evolução força novas abordagens acerca de velhos te-

mas, pois que as inovações introduzidas pela CR/88 exprimem a

vontade do Legislador Constituinte de ver o município aprimorar-

se administrativamente de modo a justifi car sua criação e manu-

tenção. Se não fosse assim não haveria a necessidade de reconhe-

cê-lo, de forma clara, como ente da Federação. Seria mais fácil

mantê-lo atrelado à vontade do Estado a que pertence.

E tais novas abordagens, a nosso sentir, são bastante oportunas em

época de eleição, por ser esta a época apropriada para renovação,

para promoção e adoção de atitudes tendentes a produzir evolu-

ção do sistema e atender ao desejo do Legislador Constituinte de

fazer o Estado avançar e se aperfeiçoar. Em especial, tanto sob o

enfoque político quanto sob o enfoque social, parece importante

se pensar na fi gura do vice-prefeito.

A sociedade está muito decepcionada com a classe política e, ao

mesmo tempo, muito empenhada em criar barreiras que impe-

çam ou difi cultem a atuação danosa dos agentes políticos, a dila-

pidação do dinheiro público, a malversação do dinheiro público.

Seja porque é ilegal por natureza, seja porque a sociedade vive

tempos difíceis diante da ausência de ajuda efi caz por parte do

Poder Público, que se diz justifi car pela adoção de políticas so-

ciais tendentes a ajudar toda a população, indiscriminadamente,

políticas estas que só ao Estado caberia adotar, posto que muito

caras. E, assim, o Estado vai sobrevivendo, se agigantando, apesar

de passar para a sociedade a nítida impressão de que ele é inefi -

caz, inoperante. Mas continua existindo, continua se auto-orga-

Page 87: Revista Decisum

88

nizando numa simbiose de participação das pessoas do povo, num

primeiro momento (na eleição) e, depois, dos agentes políticos (os

eleitos).

E o vice-prefeito? Que fi gura é essa? Como ele atua nesse sistema?

Para que ele é eleito? Para que ele recebe remuneração por meio

de subsídio?

Com o advento da CR/88, o vice-prefeito tornou-se mais expressi-

vo ainda, tendo assegurado, sem restrição, remuneração por meio

de subsídio nos termos do art. 39, §4º. E com a reforma constitu-

cional, pode mesmo o vice-prefeito ser candidato a reeleição. Por-

tanto, parece que não se tem dedicado a atenção que essa fi gura

merece. O vice-prefeito é um agente político, segundo decorre

das normas da CR/88, e sua participação no processo eleitoral pas-

sa quase que despercebida.

E isso se infere do fato de as candidaturas de vice-prefeito, salvo

raras exceções óbvias, decorrentes de fatos públicos e notórios,

não serem objeto de impugnação ou de pesquisa acerca da con-

dição de elegibilidade do possível candidato. Todos quanto atuam

no processo eleitoral, desde os Tribunais até os Partidos Políticos,

voltam suas atenções para os candidatos a prefeito esquecen-

do-se do vice, como se ele pudesse ser qualquer um, e não pode.

Como se ele pudesse agir de qualquer maneira durante a campa-

nha eleitoral, como se as normas eleitorais só fossem válidas para

os prefeitos, os vereadores, os servidores e funcionários públicos,

não para o candidato a vice. E isso não é verdade.

Muita das vezes, o vice-prefeito não tem função apesar de ocupar

o cargo eletivo e assim ser agente político. Mas em diversos mu-

nicípios, seja por questões de real necessidade seja para satisfação

do princípio da moralidade, o vice-prefeito tem função e a exerce

na administração. E a Justiça Eleitoral raras vezes tem sua aten-

ção voltada para tal fato. Se o agente político vice-prefeito ocupa

cargo, é necessário verifi car sua desincompatibilização para fi ns

de validade de sua candidatura a qualquer cargo, mesmo para

fi ns de reeleição.

Em qualquer situação, ele recebe salário, por meio de subsídio, por

ser agente político. O desequilíbrio no processo, a isonomia entre

os candidatos fi ca comprometida na medida em que ele tem o

status de agente político acrescido do dinheiro público para fazer

sua campanha, enquanto o cidadão comum, às vezes, sequer tem

emprego. Não é esse desequilíbrio, não é essa quebra de isonomia,

não é essa involução que o Legislador Constituinte tentou cons-

truir com a CR/88.

Quando o vice-prefeito tem função na administração, esse dese-

quilíbrio de forças, essa quebra da isonomia entre os candidatos

fi ca ainda mais evidente e o processo eleitoral, ainda mais ame-

açado em sua legitimidade. É incomensurável a distância entre

um candidato que ostenta a condição de agente político, por

ser vice-prefeito, que tem função na administração e que rece-

be subsídio, de um possível oponente seu que simplesmente tem

um emprego. Só o fato de ser agente político, vice-prefeito, já

transfere ao povo, principalmente àquela pessoa mais humilde, a

idéia de poder, de grandeza, de detentor de ferramentas capazes

de infl uir em seu destino, pois pode, na condição de vice-prefeito,

mandar a Administração fazer ou não fazer. Mandar a Adminis-

tração fazer alguma coisa a favor ou contra alguém. É amigo do

prefeito, tanto que compõe a mesma chapa, então por que não

tem esse poder?

A Lei Complementar 64/1990 prevê a necessidade de o simples

funcionário público municipal responsável ou que tenha interesse

no lançamento, na arrecadação ou na fi scalização de impostos,

taxas e contribuições de caráter obrigatório se desincompatibi-

lizar em relação ao cargo no prazo de 6 (seis) meses. Ora, com

certeza que o vice-prefeito tem mais interesse no lançamento, na

arrecadação e na fi scalização de impostos do que qualquer ou-

tro funcionário municipal. E, no entanto, a Justiça eleitoral não

se preocupa com tal situação, não se importando em saber se ele

Page 88: Revista Decisum

89

deveria ou não, conforme o caso, também se desincompatibilizar

para fi ns eleitorais.

De igual forma, o mais simples secretário municipal do mais sim-

ples município, se o cargo for de livre nomeação, tem que ser exo-

nerado para ver sua pretensa candidatura ser considerada legal.

E o contra-senso é que esse simples secretário tem menos poder,

menos recurso e menos infl uência do que o agente político, Vice-

Prefeito do município do qual é servidor. O desequilíbrio de forças

é inquestionável e, sem dúvida, que macula o resultado fi nal do

processo eleitoral.

A fi gura do vice-prefeito passa tão despercebida numa campanha

política que, em determinados casos, nem mesmo o fato de ter

ou não assumido o cargo de prefeito em substituição ao titular

é verifi cado.

A questão é que existem diversas situações que infl uenciam na

condição de elegibilidade do agente político vice-prefeito que de-

veriam ser analisadas pela Justiça Eleitoral e não são, tais como: Se

substituiu o prefeito, pode ser candidato a outro cargo que não o

de prefeito? Se não se desincompatibilizou de seu cargo e função

na administração, pode ser candidato? Na qualidade de agente

político, com poder institucional a si conferido pela CR/88, seu não

afastamento do cargo gera ou não gera desequilíbrio no processo

eleitoral, quebra ou não a isonomia entre os candidatos, que tanto

prega a legislação eleitoral? A Lei Orgânica do município do qual

é vice-prefeito lhe atribui que cargo ou função pública? Ele se de-

sincompatibilizou ou não no período de 6 (seis) meses anteriores,

a exemplo de todo servidor ou funcionário público? Em qualquer

caso, o desequilíbrio de forças no processo eleitoral e a quebra

da isonomia em função de sua condição de agente político e de

receber subsídio é causa ou não de inelegibilidade, exigindo, no

mínimo, o afastamento do cargo no período eleitoral?

A Emenda Constitucional 19/98, ao acrescentar o §4º ao art. 39

da Carta Política, efetivamente deu novo status à fi gura do vice-

prefeito, que passou então a ser considerado agente político com

direito a remuneração fi xada por lei específi ca. Passou assim a ter

efetiva representatividade e a ser reconhecido como agente do

Poder, mesmo presente o prefeito, o que não acontecia antes da

Emenda, quando o vice-prefeito só era alçado a agente do Poder

na ausência do prefeito.

Daí a necessidade de ter também novo, específi co e diferencia-

do tratamento diante dessa realidade, notadamente por parte da

Justiça Eleitoral. Não há como ignorar que um agente político,

reconhecidamente membro do Poder, possa disputar eleição sem

pelo menos licenciar-se. Afi nal ele recebe salário por ser vice-pre-

feito e, em alguns municípios, exerce cargos na administração. A

Justiça Eleitoral, quando requerido por um vice-prefeito o registro

de sua candidatura a cargo diverso, deveria verifi car se ele recebe

salário, se exerce cargo na administração para, então, conforme o

caso, determinar que ele ou renuncie ou se licencie.

Essa nova situação mereceu até mesmo a atenção do eg. Tribunal

de Contas do Estado de Minas Gerais, que reconhecendo o novo

status desse agente político, fi rmou entendimento de o vice-pre-

feito, ao assumir outro cargo na administração, dever optar pela

remuneração do cargo ou pela sua remuneração de vice-prefeito.

Disse o eg. Tribunal de Contas em sessão plenária:

SESSÃO DO DIA 27.2.02

ASSUNTO: CONSULTA Nº 654852, FORMULADA PELO SR. JOSÉ

BENEDITO DE PAULA, PREFEITO MUNICIPAL DE PIRANGUÇU, SO-

BRE A POSSIBILIDADE DE O VICE-PREFEITO RECEBER, TANTO PELO

CARGO DE VICE-PREFEITO QUANTO PELO CARGO COMISSIONA-

DO DE DIRETOR DE OBRAS E TRANSPORTES.

RELATOR: CONSELHEIRO SYLO COSTA

CONSELHEIRO SYLO COSTA:

Page 89: Revista Decisum

90

“Cuidam os presentes autos de consulta formulada pelo prefeito

municipal de Piranguçu, Sr. José Benedito de Paula, solicitando

deste Tribunal um parecer acerca da possibilidade de o vice-pre-

feito receber, tanto por este cargo quanto pelo comissionado de

diretor de obras e transportes. (...)

No mérito, respondo a consulta nos termos do parecer, que adoto,

da douta Auditoria desta Casa: “Dispõe o § 4º do art. 39 da Cons-

tituição Federal que:

§ 4º — O membro do Poder, o detentor de mandato eletivo, os

ministros de estado e os secretários estaduais serão remunera-

dos exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado

o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio,

verba de representação ou outra espécie remuneratória, obede-

cido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

Verifica-se, portanto, que com o advento da Emenda Constitucio-

nal 19/98, que acrescentou o parágrafo acima citado ao artigo

39, a remuneração, em nível municipal, do detentor de mandato

eletivo e dos secretários, corresponde, exclusivamente, a subsídio

fixado em parcela única, sendo vedado o acréscimo de qualquer

gratificação.

Note-se que, tanto o inciso V como o VI do art. 29 da Carta Fe-

deral, com a redação dada pela EC 19/98, estabeleceram que os

subsídios do prefeito, vice-prefeito, secretários municipais e ve-

readores serão fixados com observância do que dispõe o aqui

citado artigo 39, parágrafo 4º.

Além disso, deve o vice-prefeito, ao assumir cargo na Adminis-

tração Pública, fazer a opção por uma das duas remunerações,

em face do art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, que veda

a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públi-

cas.”

Por ocasião de resposta à consulta nº. 699969, o eg. Tribunal de

Contas de Minas Gerais, também pela relatoria do em. conselheiro

Sylo Costa, assim se manifestou:

PLENO – SESSÃO: 8/3/06

RELATOR: CONSELHEIRO SYLO COSTA

CONSULTA Nº 699969

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

CONSELHEIRO SYLO COSTA:

Tratam os autos de consulta formulada pelo Sr. Prefeito Munici-

pal de Paineiras acerca da possibilidade legal de acumulação de

remuneração de vice-prefeito e que está vazada nos seguintes

termos:

(...)

Mérito

A dúvida suscitada pelo consulente já foi objeto de exame por

parte deste Tribunal, tendo prevalecido no processo de consulta

nº 654.852/2002 da Prefeitura Municipal de Piranguçu, por mim

relatado, o entendimento de que o vice-prefeito, ao assumir cargo

na Administração Pública, deve fazer a opção por uma das duas

remunerações em face da restrição contida no artigo 37, inciso

XVI, da Constituição Federal, que veda a acumulação remunerada

de cargos, empregos e funções públicas.

(...)

Quero alertar também que, a partir da Constituição de 1988, a

função de vice-prefeito passou a ser cargo e não expectativa de

cargo. Daí ele ser remunerado e tomar posse junto com o prefeito,

o titular. Antes era uma expectativa de cargo: era uma função

esdrúxula, já falei isso aqui. Tinha de fi car torcendo para o prefeito

quebrar uma perna, morrer, sei lá o quê. Agora não, é cargo e ele

ganha para isso.

Sendo certo que com o advento da Emenda Constitucional 19/98

o vice-prefeito passou a ter o status de agente político, tendo

sido, inclusive, lhe assegurado o recebimento de salário, já que

passou a ser cargo, conforme entendimento fi rmado pelo Con-

Page 90: Revista Decisum

91

selho Pleno do eg. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

(Consulta nº 699969 anteriormente transcrita e em cópia anexa),

e em consonância da EC 19/98, concluímos que:

1 - Para candidatar a cargo diverso, deve o vice-prefeito afastar-

se de seu cargo (vice-prefeito – cf. se infere da EC 19/98 e da Con-

sulta do TCEMG 699969), como outro servidor qualquer, uma vez

que tal afastamento é determinação legal além de que no cargo o

desequilíbrio do processo eleitoral será evidente.

2 - Se exerce função na Administração, seja por ato de nomeação

do Executivo seja por previsão na Lei Orgânica do município, deve

ser exonerado do cargo no prazo da Lei e como outro servidor

qualquer.

3 - Ainda que se considere que o vice-prefeito não tem cargo, o

que contraria o entendimento do eg. Tribunal de Contas do Esta-

do e a determinação da EC. 19/98, deve então deixar de receber

salário, pois que além de imoral o recebimento de salário sem ocu-

par cargo ou desenvolver função, o dinheiro público recebido pelo

vice-prefeito não pode ser utilizado em sua campanha eleitoral, o

que seria fl agrantemente imoral.

Acreditamos que o processo eleitoral, dada a sua importância para

o destino da cidade, do Estado e do País, deveria dar mais aten-

ção à fi gura do candidato a vice, notadamente ao vice-prefeito,

pois não são raros os casos em que o prefeito não passa de uma

fachada e a formação de chapas, com a escolha do “vice certo”,

não passa de uma artimanha engendrada para conduzir pessoas

nem tão bem intencionadas assim ao comando dos destinos de

centenas e milhares de pessoas. Deve se verifi car a Lei Orgânica do

município para se saber se há previsão expressa de o vice-prefeito

ocupar cargo. Deve se verifi car se o vice-prefeito está nomeado

para outro cargo, enfi m, o vice-prefeito deve ter um tratamento

diferenciado diante das novidades trazidas pela EC 19/98.

* José Eduardo Lewer de Amorim é bacharel em Direito com graduação

em 1986 pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de

Fora – MG. Advogado autônomo militante na capital e no Estado de Mi-

nas Gerais em todas as áreas do Direito, com interesse e dedicação maior

pelo ramo do Direito Público. Membro do IBDAFM – Instituto Brasileiro

de Direito de Família, integrante da Comissão de Expansão, eleito cola-

borador para a Regional da cidade de Juiz de Fora. Desde 1988, no que

se refere às atividades de Direito Público, teve a oportunidade de prestar

assessoria jurídica a diversas câmaras de vereadores, municípios, vereado-

res e prefeitos do Estado de Minas Gerais. No ano de 1994 foi nomeado

procurador geral do município de Ribeirão das Neves. Exerceu o cargo de

superintentende administrativo do IMAG – Instituto Mineiro de Apoio

aos Governos Municipais. É membro fundador da Associação Brasileira de

Estudos de Contabilidade e de Direito Público – ABEP. Atualmente ocupa

o cargo de chefe de gabinete do conselheiro do Tribunal de Contas do

Estado de Minas Gerais, Dr. Antônio Carlos Andrada.

-----------------------------

A NATUREZA JURÍDICA DO PARECER PRÉVIO

EMITIDO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS ESTADUAIS

E ADMISSIBILIDADE DE RECURSO1

Antônio Carlos Doorgal de Andrada2

RESUMO: O parecer prévio emitido pelos Tribunais de Con-

tas estaduais tem natureza decisória ou é instrumento

meramente opinativo para o julgamento das contas do

1 Artigo baseado em parecer emitido no processo administrativo TC-

652.562, apresentado em Plenário.

2 Mestrando em Direito e Instituições Políticas na Faculdade de Ciências

Humanas da FUMEC. Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de

Minas Gerais. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público (PUC-

MG) e em Controle da Administração Pública (CAD-Gama Filho/RJ). Foi

vereador e prefeito de Barbacena e deputado estadual.

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chefe do Executivo, pelos Poderes Legislativos? Para além

do que preconiza a doutrina tradicional do Direito Admi-

nistrativo brasileiro, o parecer prévio deve ser considerado

uma modalidade jurídica especial e autônoma, sobretudo

pelo seu viés vinculante e por integrar etapa instrutória do

julgamento legislativo.

PALAVRAS-CHAVE: parecer prévio, Tribunais de Contas, jul-

gamento legislativo, ampla defesa e recurso.

ABSTRACT: Previous seeming emitted by the Courts of sta-

te Accounts they have power to decide nature or is mere

opinativo instrument for the judgment of the accounts of

the Head of the Executive, for Legislative them? For beyond

the one that praises the traditional doctrine of the Bra-

zilian Administrative law, previous seeming a special and

independent legal modality must be considered, over all

for its binding bias and integrating instrutória stage of the

legislative judgment.

KEYWORDS: To seem administrative, to seem previous,

Courts of Accounts, judgment of the public accounts, con-

tradictory and legal defense petition and right.

1. O Parecer no Direito Administrativo

Ponto de fundamental importância é o critério para uma

correta caracterização do que realmente seja o parecer

prévio emitido pelo Tribunal de Contas. Doutrinariamente,

vários autores pátrios militantes na área do Direito Admi-

nistrativo abordam o conceito de parecer, de maneira am-

pla e genérica. O Mestre Celso Antônio Bandeira de Melo,

bastante econômico, afi rma que parecer “é a manifestação

opinativa de um órgão consultivo expendendo sua apre-

ciação técnica sobre o que lhe é submetido”. Hely Lopes

Meireles (2006), a seu turno explica:

Pareceres administrativos são manifestações de órgãos téc-

nicos sobre assuntos submetidos à sua consideração. O pa-

recer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a

Administração ou os particulares à sua motivação ou con-

clusões, salvo se aprovado por ato subseqüente. Já, então,

o que subsiste como ato administrativo não é o parecer,

mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a

modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva. O

parecer, embora contenha um enunciado opinativo, pode

ser de existência obrigatória no procedimento administra-

tivo e dar ensejo à nulidade do ato fi nal se não constar do

processo respectivo, como ocorre, p.ex., nos casos em que a

lei exige a prévia audiência. Nesta hipótese, a presença do

parecer é necessária, embora seu conteúdo não seja vin-

culante para a Administração, salvo se a legitimidade do

ato fi nal, caso em que o parecer se torna impositivo para a

Administração. (MEIRELES, 2006, p.176).

Como se infere das lições extraídas dos mestres supracita-

dos, a natureza do parecer, no sentido em que foi explica-

do, encerra conteúdo por essência opinativo, desenvolvido,

pela sua natureza, sem princípios e garantias proces-

suais, e ademais carente de qualquer atributo de decisão

propriamente dita, o que afasta de plano qualquer possibi-

lidade de insurgir-se contra seu conteúdo por via recursal.

Nesta linha, bem explica o professor Diógenes Gasparini

(2006) que:

O parecer não pode ser atacado por recursos administrativo

ou judicial, pois não se dispõe a declarar, a certifi car, criar,

alterar, transferir ou extinguir direitos e obrigações. Com

efeito, decidiu o então TFR que “Descabe mandado de se-

gurança quando não há ato administrativo do qual emane

suposta coação ou ilegalidade. Parecer, por não ter força

vinculante, dado seu caráter meramente opinativo, não é

ato administrativo” (RDA, 149:257) decisório.

Entretanto, o nosso trabalho fundamental é reintroduzir a

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discussão acerca da natureza jurídica do parecer prévio da

lavra do Tribunal de Contas no intuito de se verifi car se o

mesmo se amolda aos tipos de pareceres “tradicionais” do

direito administrativo ou se carreia, per si, características

próprias, particulares, que o distingue dos demais e lhe exi-

ge tratamento de instituto jurídico apartado e autônomo.

2. O parecer prévio e o seu poder vinculante

Entendemos que a terminologia parecer prévio utilizada

para a manifestação dos Tribunais de Contas é tecnicamen-

te incorreta, à medida que dada a singularidade do processo

de julgamento das contas globais do chefe do Executivo -

assentada na forma como se desenvolvem os atos que cul-

minam com a emissão do parecer prévio e posterior decisão

fi nal do Parlamento – quer signifi car que o parecer prévio

emitido representa muito mais que um mero instrumento

técnico-opinativo que se presta unicamente a subsidiar o

julgamento político por parte do Poder Legislativo.

Por isso, particularmente, defendemos que não faz sentido

tentar classifi car o parecer prévio dos Tribunais de Contas

em função de qualquer dos diversos critérios tradicionais

existentes. Na verdade, como já introduzido, possui carac-

terísticas próprias e singulares que o afastam destes mode-

los. Nesse viés, a evolução de paradigma sobre a questão

partiu de um novo olhar que alguns estudiosos passaram

a lançar. Nessa direção, aos Legislativos, no momento de

fi nalizar o processo de julgamento das contas globais do

Executivo, não é dado simplesmente ignorar o parecer

prévio, omitindo-se de julgá-lo ou desprezar seu conte-

údo sem expressar, motivada e tecnicamente, as razões

pelas quais o fazem. Em qualquer dessas duas hipóteses,

a conduta do Parlamento será ilícita.

Na prática, não se deve olvidar que os Parlamentos são ór-

gãos políticos por excelência, que não raro se apegam às

paixões partidárias para apreciar os fatos colocados a seu

crivo. É a partir desta constatação que emerge a impor-

tância do Tribunal de Contas ao emitir seu parecer sobre as

contas do chefe do Executivo, objetivando, com a isenção e

a imparcialidade típicas destes órgãos colegiados, dar ao indiví-

duo (prestador) e à sociedade a garantia da escorreita interpretação

da Constituição e da Lei. (grifo nosso) (FERRAZ, 2001, p.154).

3. O processo de julgamento das contas do Chefe do

Executivo

Delineando o raciocínio, faz-se mister, agora, a exata com-

preensão do sui generis processo de julgamento de contas

do chefe do Executivo por parte do Parlamento. Em verda-

de, trata-se de um todo único, mas de natureza complexa, à

medida que desenvolvido em momentos e esferas distintas:

um, anterior, no âmbito do Tribunal de Contas, cuja ma-

nifestação preparatória é a exaração do parecer prévio e

outro, subseqüente, no âmbito do Legislativo, da qual defl ui

o julgamento propriamente dito.

Como se observa, trata-se de um procedimento administra-

tivo de natureza especial, não se confundindo com o pro-

cedimento administrativo comum ou ordinário ou mesmo

com ato administrativo complexo (1), uma vez que, in casu,

os atos emanados por cada esfera no curso do procedimen-

to têm existência autônoma conquanto não absoluta, uma

vez que o decidido no Tribunal de Contas pode ser ratifi -

cado ou contraposto no Parlamento, e neste caso, a exigir

motivação e quorum qualifi cado.

Com efeito, não obstante o ato fi nal pertencer à exclusiva

competência do Legislativo, o parecer prévio do Tribunal

de Contas cumpre função preparatória, devendo o proces-

so administrativo de julgamento de contas ser enquadrado

na espécie que o publicista italiano Mário Bracci intitula

“procedimento expressivo de manifestação complexa”,

entendido como tal a “... sucessão de atos distintos prove-

nientes de órgãos distintos para chegar-se ao ato fi nal...”

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(FERRAZ, 2001, p.6).

É fundamental explicar que tanto no âmbito das Cortes

de Contas como no Poder Legislativo, o procedimento,

propriamente dito, desenvolve-se sob a chancela dos

princípios constitucionais do contraditório e ampla de-

fesa, sendo facultado e franqueado ao agente político

a utilização de qualquer meio lícito para fundamentar

sua defesa, apresentar alegações ou fazer apontamen-

tos que entender necessários.

Ora, no caso específi co do denominado parecer emitido pe-

los Tribunais de Contas, verifi ca-se, em verdade, a existência

de um verdadeiro processo cognitivo exauriente, destinado

a formar a convicção daqueles que têm o múnus de pro-

ferir um provimento ao fi nal deste. Portanto, como já nos

ensinava o mestre processualista Elio Fazzalari, o processo

é o procedimento desenvolvido em contraditório. Assim,

ao permitir que os interessados apresentem suas alegações

no curso do iter do julgamento das contas desenvolvido no

âmbito desta Corte, confi gurar-se-ia a presença do proces-

so e conseqüentemente seus desdobramentos, incluindo a

manifestação fi nal, ou melhor, dizendo, o decisum e, por

conseguinte, o direito constitucional de ele recorrer. Isso,

aliás, coaduna com sentido do mandamento constitucional

que atribui o viés amplo à defesa a ser franqueada aos inte-

ressados. Portanto, ampla defesa quer signifi car que ela po-

derá e deverá ser desenvolvida com todos os meios possíveis

e disponíveis, e indubitavelmente não há como prescindir

da via recursal.

4. O parecer prévio como etapa processual

Para, além disso, o respeito ao princípio constitucional do

contraditório, observado no curso da emissão do “parecer

prévio” na esfera dos Tribunais de Contas, não é um mero

detalhe, mas por si só condição sufi ciente para diferenciar,

de plano, esta fi gura daquelas modalidades tradicionais

de parecer afetas ao Direito Administrativo, conforme já

exposto. Ademais, é pacífi co na jurisprudência brasileira o

entendimento de que os Tribunais de Contas devem, nos

processos de sua competência, franquear aos interessados

a possibilidade do exercício da ampla defesa e do contra-

ditório (2). Ademais, a reforçar os aspectos peculiares que

encerram o parecer prévio, e que lhe alçam a uma condição

para além de simples instrumento opinativo, estão a) a ne-

cessidade de quorum ultraqualifi cado para sua desconsti-

tuição e b) as razões a serem expendidas para que ele deixe

de prevalecer: assim, em relação ao chefe do Executivo mu-

nicipal, o parecer do Tribunal só deixará de prevalecer com

a expressa manifestação contrária de dois terços do Poder

Legislativo, conforme disposto no art. 31, § 2º. da CF/88, qu-

orum este superior ao necessário para, por exemplo, apro-

vação de emendas constitucionais, exigindo-se ainda que a

recusa do acatamento da manifestação do Órgão de Con-

trole seja devidamente motivada, sob pena de nulidade.

Doutra parte, a ratifi cação do posicionamento exarado pelo

Parlamento tem como motivação do ato o próprio parecer

prévio da lavra da Corte de Contas. Sobre essa necessida-

de de motivação para desconstituição do parecer prévio,

cristalinas são as palavras do professor Dutra de Araújo

(1992):

É claro que, se dada questão técnica é controversa, não se

há de exigir que o administrador – comumente um leigo

no assunto – vá necessariamente ter como descobrir qual a

melhor postura, mas ao tomar a decisão terá que, na moti-

vação do ato administrativo, explicar como e sob que cri-

térios chegou à conclusão de ser este ou aquele o melhor

comportamento. Certamente o fará invocando os subsídios

de parecer técnico elaborado por especialistas. Se não pro-

var, pela motivação que buscou a melhor opção técnica,

inválido será o ato (ARAÚJO, 1992, p. 78).

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Nesse sentido, em farta jurisprudência do Tribunal Superior

Eleitoral - TSE, verifi ca-se que as contas municipais julgadas

irregulares pela Câmara Municipal, cujo fundamento con-

substanciou-se no parecer prévio, exige propositura de

ação no âmbito daquele Tribunal - e agora concessão

de liminar – para desconstituir a manifestação das Cortes

de Contas e permitir ao interessado concorrer ao cargo ele-

tivo pretendido (3).

Esse é o entendimento que se defl ui do RECURSO ESPE-

CIAL ELEITORAL nº 16.625 – PARAÍBA (Decisão prolatada

em 12/9/2001), relator ministro Waldemar Zveiter, da qual

transcrevemos a ementa:

RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEI-

TO. CONTAS. REJEIÇÃO. INELEGIBILIDADE. 1. A tempestiva

propositura da competente ação judicial, visando a des-

constituir parecer prévio emitido pelo tribunal de con-

tas, que serviu de fundamento para rejeição de contas

pela Câmara Legislativa, enquadra-se na ressalva preconi-

zada na LC n. 64/90, art. 1º, I, g.

2. Precedentes

3. Recurso não conhecido. (sem destaque no original)

5. O condão decisório do parecer prévio e seus efeitos

legais e políticos

Seria o caso da seguinte indagação: se a desconstituição do

parecer não prescinde de ação judicial, como sustentar que

possui natureza meramente opinativa? Ora, a resposta passa

obrigatoriamente pela consideração de que o parecer prévio

emitido pelo Tribunal de Contas reveste-se de condão emi-

nentemente decisório, aqui considerado em sentido amplo.

O mesmo entendimento externou o Ministério Público jun-

to ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul,

com o seguinte posicionamento - Parecer n.º 0669/2001,

processo n.º 4958-02.00/00-3 - assim transcrito:

Com efeito, se, como reiteradamente se repete neste soda-

lício, a verdadeira atipicidade do parecer... decorre do fato

de o mesmo “nascer com força de decisão”, .... , reconheça-

se no particular, seu alcance decisório para os fi ns de se

sujeitar à apelação (nos exatos termos do art. 157, ... , do

diploma regimental).

Destarte, este é inclusive o entendimento assente em diver-

sos Tribunais de Contas estaduais do país, tais como os de

Sergipe, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo,

Pernambuco e Tribunal de Contas dos municípios da Bahia,

dentre outras. Nestes, seja implícita ou explicitamente, já se

admite interposição de recurso em sede de parecer prévio.

Por derradeiro, para maior visualização do tema, deve-se

destacar algumas considerações sobre os principais motivos

alegados para o não conhecimento de recurso em parecer

prévio pelos defensores de tese contrária ao aqui defen-

dido: a) não-recebimento do recurso pelo fato da não ca-

racterização de cerceamento de defesa, haja vista que as

Cortes de Contas, em geral, franquearam aos interessados,

previamente, a oportunidade de se manifestar sobre as ir-

regularidades verifi cadas; e, b) falta de interesse de agir,

caracterizado pela ausência de prejuízo ou gravame, sofrido

pela parte ou interessado. Em relação ao primeiro ponto,

cabe frisar, de início, que se deve franquear ao interessado

o respeito às garantias ao contraditório e ampla defesa, e,

portanto, sob esse prisma, a manifestação prévia do inte-

ressado estaria ajustada aos ditames constitucionais a não

caracterizar a violação ao direito de defesa.

Entretanto, a abordagem pode e deve se dar sob outro enfo-

que. A questão passa pela diferença entre as naturezas das

alegações apresentadas previamente e aquelas apresentadas

em sede recursal. Ora, a primeira manifestação, geralmente,

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diz respeito tão somente aos apontamentos listados pela

unidade técnica dos Tribunais de Contas, sem ter passado

ainda pelo crivo das respectivas Auditorias, do Ministério

Público Especial junto aos Tribunais e do próprio Plenário,

este detentor da última palavra. Portanto, no curso do iter

processual esta manifestação pode ainda não refl etir tudo

que será consolidado no curso da instrução. Nesse meio

tempo, poderão surgir fatos, elementos ou documentos

novos que poderão compor as justifi cativas do interessado.

Qual então o momento de apresentá-los? Exatamente na

via recursal, até como forma de assegurar de forma efi caz

os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Ademais, o recurso presta-se a hostilizar especifi camen-

te a parte dispositiva da manifestação fi nal das Cortes de

Contas, oriunda, agora sim, de uma cognição exaustiva e

com os fundamentos à disposição do interessado, inclusive

material probante não disponível quando da apresentação

das alegações prévias. Sendo assim, a manifestação prévia

não exclui o recurso. São institutos diferentes e com obje-

tivos diferentes. Até porque é fundamental que o parecer

prévio exarado pelas Cortes de Contas refl ita de forma mais

fi dedigna possível o resultado do processamento das contas

globais do chefe do Executivo e isso passa por um esgo-

tamento cognitivo que não prescinde da utilização da via

recursal, por todos os motivos alegados anteriormente.

Obviamente a apuração do viés protelatório do recurso deve

ser processada caso a caso, em sede de admissibilidade. Se

constatada a ausência de qualquer elemento novo que pos-

sa levar à reforma da manifestação dos Tribunais de Contas,

poderá e deverá ser o recurso indeferido de plano.

Sobre o segundo ponto, não obstante a construção ante-

riormente explicitada caracterizar o parecer prévio como

uma decisão em sentido lato – o que por si só já permite

vislumbrar a repercussão na esfera do interessado - gostaria

de trazer as palavras de Luiz Carlos Gambogi, que em seu

artigo “O parecer prévio nas contas do executivo munici-

pal e os recursos a ele inerentes”, publicado na revista do

TCMG nº 04, edição 01, de 2000, ao tratar da repercussão

da emissão do parecer prévio na esfera do prestador, senão

vejamos:

Não se pode esquecer que o parecer prévio emana de uma

instituição que goza de crédito e de prestígio. A publicação,

ainda que sob o rótulo de parecer prévio, no Diário Ofi -

cial, de deliberação pela rejeição das contas afeta interesses

substanciais em importantes direções. Se, por exemplo, a

egrégia Corte emite parecer prévio desfavorável ao presta-

dor (prefeito ou ex-prefeito), haverá a inversão do ônus do

quorum. Isto é, o prestador fi cará obrigado a mobilizar e a

convencer dois terços dos membros da Câmara Municipal

para que suas contas não permaneçam rejeitadas e, ele, su-

jeito à ira da LC N. 64/90 (inelegível). Por outro lado, se a

egrégia Corte emite parecer prévio favorável ao prestador,

o ônus do quorum recairá sobre aqueles que vêem razões

para que sejam rejeitadas as contas apresentadas. Em suma:

o prejuízo do prestador, quando o parecer prévio lhe é des-

favorável, é fl agrante, incontroverso, indiscutível. Ademais,

é de se lembrar que nos termos do parecer prévio sempre

estará estampado um juízo sobre a honra e a dignidade do

prestador. Ora, um parecer recomendando à Câmara Mu-

nicipal à rejeição das contas do prefeito, emitido pela mais

alta Corte de Contas do Estado, é um instrumento que con-

tém, em si mesmo, um fortíssimo conteúdo moral e jurídico.

Não à toa as correntes adversárias de um homem público,

ao recortarem do Diário Ofi cial uma decisão desfavorável

ao prestador, fazem dela milhares de cópias e as espalham

pela cidade. Sabem os adversários que naquele pequeno re-

corte do Diário Ofi cial está uma ferina, senão mortal, arma

política. Todos os Conselheiros que passaram pela vida pú-

blica sabem que tal fato acontece. Não enxergá-lo é tentar

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esconder o sol com a peneira. É negar o óbvio, o evidente, o

que não exige demonstração.

6. Desnecessidade de previsão regimental para cabimento

de recurso

Cabe, ainda, mencionar que o entendimento aqui esposado

tem como base a natureza do instituto, fato este que per-

passa considerações de cunho meramente formal ou basea-

das em interpretação literal, principalmente em face de este

ser um dos argumentos utilizados por alguns doutrinadores

e mesmo Cortes de Contas para não conhecer do recurso,

qual seja, da ausência de previsão expressa no Regimen-

to Interno. Nessa linha, inclusive, não há como se olvidar

a possibilidade de se admitir o recurso em parecer prévio

como corolário do direito de petição, constitucionalmen-

te previsto. Nesse contexto, assim expõe Odete Medauar

(1993), verbis:

O direito de interpor recurso administrativo independe de

previsão expressa em lei ou demais normas, visto ter respal-

do no direito de petição, que no ordenamento pátrio vem

consignado pela Constituição Federal, art. 5º XXXIV, “a”, in-

tegrante do rol dos direitos e garantias fundamentais (ME-

DAUAR, 1993, p. 14 e 15).

Raciocínio análogo foi desenvolvido pelo conselheiro Edu-

ardo Carone Costa, presidente do Tribunal de Contas de

Minas Gerais, no seu juízo de admissibilidade do “recurso

de rescisão” n. 708641 e que demonstra uma postura que

transcende a simples disposição textual do Regimento In-

terno. Neste, não obstante o recorrente buscar hostilizar

decisão defi nitiva e não terminativa como prevê textual-

mente aquele diploma normativo, proferiu a Presidência

posicionamento pela admissibilidade do recurso nos se-

guintes termos:

Considerando que a Constituição Federal consagra em seu

art. 5º, inciso LV, os princípios da ampla defesa e do con-

traditório, assegurando aos litigantes em processo judicial

ou administrativo e aos acusados em geral os meios e os

recursos a ela inerentes.

Considerando que o recurso de rescisão, previsto na Lei

Complementar n. 33/94, foi inspirado e guarda semelhança

com a ação rescisória do CPC que, em seu art. 487, dispõe

quem tem legitimidade para propor ação desta natureza.

Considerando, ainda, que o recurso de rescisão deve caber

também contra as decisões defi nitivas, uma vez que em de-

cisão terminativa não se examina o mérito, entendo que

a Lei Complementar 33/94, na parte que dispõe sobre o

Recurso de Rescisão não guarda consonância com as dis-

posições do CPC, relativas à ação rescisória e, sobretudo,

restringe o direito de recorrer dos jurisdicionados previsto

no art. 5º, inciso LV da Lei Magna Federal.

Destarte, em face da supremacia das disposições constitu-

cionais que consagram a ampla defesa e o contraditório,

recebo a petição protocolizada sob o n.º 180758-01, uma

vez demonstradas a legitimidade da parte e a tempestivi-

dade do recurso, nos termos do art. 279 da Resolução TC

nº 10/96. (RECURSO DE DECISÃO n. 708641 – www.tce.

mg.gov.br).

7. Conclusão

Por todo o exposto, a tese do cabimento de recurso contra

manifestação dos Tribunais de Contas em sede de parecer

prévio deve prevalecer por estar plenamente de acordo com

os princípios constitucionais vigentes, especialmente os que

se referem ao contraditório e ampla defesa, sobretudo pela

sua natureza decisória – mesmo que em sentido amplo

– como aqui amplamente demonstrado.

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Citações

(1) A exata diferenciação do porquê do julgamento das

contas globais confi gurar um procedimento administrativo

e não um ato complexo, pode ser depreendida de Luciano

Ferraz (2001), a partir dos ensinamentos por ele trazidos de

Mário Bracci e Celso Antônio Bandeira de Melo.

(2). E parece ser este o posicionamento da Corte de Contas

de Minas Gerais materializado no disposto no art. 184 do

seu Regimento Interno, ao referir-se especifi camente à fi -

gura do processo e sua instrução e ainda votação em sessão

da Câmara, órgão de deliberação e decisão daquela Casa,

senão vejamos, verbis: “Art. 184 – Verifi cada a correta ins-

trução do processo, o relator, em sessão, oferecerá rela-

tório e voto”. (sem grifo no original)

(3) Cabe menção à recentíssima decisão do TSE, prolatada

em 24/8/2006. Nesta, o Colendo Tribunal alterou o posicio-

namento acerca da interpretação da Lei de Inelegibilidade

(LC 64/ 1990), consolidada na súmula TSE 01/1992, que per-

mitia que o candidato que tivesse suas contas rejeitadas pe-

los Tribunais de Contas pudesse concorrer ao mandato ape-

nas com ingresso de ação no Poder Judiciário. Agora, com

o novo entendimento, é necessário, para além da ação, que

o interessado consiga sentença – ainda que liminar – que

fundamente o motivo pelo qual o seu direito de disputar a

eleição pode ser assegurado.

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