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A revista Decisium, do gabinete do conselheiro Antonio Carlos Doorgal de Andrada, é publicação singular e inédita no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.
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>> E
DITO
RIAL
A revista Decisium, do gabinete do conselheiro Antonio Carlos Doorgal de Andrada, é pu-
blicação singular e inédita no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Veiculando
decisões, pareceres e consultas mais significativas prolatadas pelo conselheiro no decorrer
do segundo semestre de 2006, a revista reúne também artigos de autoria de integrantes
do corpo técnico do gabinete e seleciona fatos sociais e institucionais relevantes. Decisium
reserva, ainda, o espaço “Mineiranças” para a divulgação artística e cultural mineira.
O principal escopo da iniciativa com o lançamento da revista é contribuir para o aprofunda-
mento das discussões de temas relacionados ao controle dos atos da Administração Pública,
especialmente aqueles que foram ou estão sendo objeto de análise pelo Tribunal de Contas.
A publicação de artigos, com abordagens mais amplas e variadas, busca estimular o esforço
pelo aperfeiçoamento e o interesse pela pesquisa, ampliando a temática abordada pela re-
vista, com matérias de interesse jurídico de forma geral.
Ademais, a revista Decisium colabora com a divulgação institucional do Tribunal de Contas,
não obstante estar focada apenas nas atividades do gabinete do conselheiro Andrada e de
seu corpo técnico. E tal iniciativa vai ao encontro do esforço comum pelo fortalecimento do
Estado de Direito Democrático, onde transparência e informação são requisitos indispensá-
veis ao exercício pleno da cidadania. É, assim, singela, mas significativa ação contributiva
para o alargamento dos canais dialógicos que devem sempre existir entre os órgãos de con-
trole do Estado e a sociedade.
Na medida em que a maturidade democrática avança sobre a sociedade brasileira, cresce a
importância do papel desenvolvido pelos órgãos de controle, pois quanto mais a democracia
se consolida entre nós, maior é a exigência de fiscalização e de transparência dos atos públi-
cos. O Tribunal de Contas assume, assim, cada vez mais, ao lado de outras Instituições afins,
função primordial no Estado Contemporâneo.
Nesse contexto, a revista Decisium representa gesto salutar, e surge para transitar em espaço
bastante amplo que ainda precisa ser melhor explorado não só pelos cidadãos e a sociedade
como um todo, mas pelas próprias instituições estatais.
Notícias 07
21
51
57
Julgados
Mineiranças
Artigos
CONSULTA Nº 711.005
PROCESSO Nº 711021
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25
32
36
45
Andrada é eleito conselheiro do TCE 07
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16
Andrada faz abertura de seminário em Juiz de Fora
Conselheiro participa de seminário nacional em São Paulo
O Parlamento e o controle político da Administração Pública58
72
87
91
O pós-positivismo e o papel do juiz em um Estado Democrático de Direito
O vice-prefeito no processo eleitoral: uma visão atual
A natureza jurídica do parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas estaduais e admissibilidade de recurso
>> ÍN
DICE
PROCESSO Nº 709.101
RECURSO DE REVISÃO: Nº 666.571
PARECER DA LAVRA DO CONSE-
LHEIRO ANTÔNIO ANDRADA
6
7
>>
>> N
OTÍ
CIAS
Antônio Carlos Andrada, deputado e líder do PSDB na Assembléia mineira, foi eleito com 41 votos para
ocupar a vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
Em disputa acirrada, a Assembléia Legislativa de
Minas elegeu, no dia 9 de março de 2005, o depu-
tado estadual Antônio Carlos Andrada (PSDB) para
o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado (TCE). Embora a votação tenha sido aperta-
da, Andrada foi eleito por 41 votos contra 35 ob-
tidos pelo deputado Sebastião Helvécio (PDT) e um
pelo funcionário da Assembléia Alexandre Bossi.
Os ventos sopravam a favor de Antônio Carlos An-
drada. A falta de um candidato natural – como foi
na eleição de Wanderley Ávila no ano passado -, a
condição de líder do PSDB e do bloco Parlamentar
Social Progressista (PSDB/PDT/PTB/PPS e PSB) e,
principalmente, seu ótimo trâmite com os colegas,
tanto do governo quanto da oposição, sinalizavam
para sua aceitação. “De uma certa maneira, a po-
sição de líder me dá mais oportunidades e maior
visibilidade, mas acredito que neste embate os de-
putados levaram em conta o relacionamento entre
colegas”, afi rma Andrada.
Andrada ocupa a vaga que foi aberta com a morte
do ex-deputado José Ferraz, no ano de 2004, e pas-
sa a ser o conselheiro mais novo da história do TCE.
O cargo é vitalício, tendo o conselheiro as prerro-
gativas de desembargador. Aos 44 anos, deputado
estadual no segundo mandato, diz não temer dis-
putas políticas, pois foi nascido e criado entre elas
em Barbacena. “Vou levar toda essa experiência
para o Tribunal.”
Relator da Comissão Especial criada pela Assem-
bléia Legislativa em 2003 para analisar a situação
do Tribunal de Contas, Andrada fez sua campanha
de conselheiro com propostas de modernização do
TCE, reafi rmadas tão logo foi anunciado o resulta-
do de sua eleição. “Entendo que o Estado brasileiro,
e aí com atenção especial aos tribunais de contas,
precisa se aparelhar melhor, se modernizar, para
combater os que agem à margem da lei, cada vez
mais aparelhados com equipamentos de alta tec-
nologia em informática e que mobilizam e movi-
mentam dinheiro público”, explica.
Andrada é eleitoconselheiro do TCE
O Conselheiro Antônio Carlos Andrada ladeado pela sua esposa Paula, sua mãe Amália, seus filhos e irmãos.
>>
Fonte: jornal O Tempo - Simara - 10/3/2005
<<
8
Constitui para mim grande honra integrar esta
Egrégia Corte de Contas como seu conselheiro. Esta
Casa é produto da evolução pública e cívica, pre-
sentes, sobretudo, entre nós mineiros, amantes da
Democracia e da Liberdade.
Embora a história do controle no Brasil remonte ao
período colonial, a idéia de um Tribunal de Contas
data de 1826, quando Caldeira Brandt, Visconde
de Barbacena, e José Inácio Borges propõem sua
criação no Senado do Império. Mas é com a ini-
ciativa de Rui Barbosa, então ministro da Fazenda,
que o Tribunal de Contas da União é criado através
do Decreto 966-A, em 1890, para ser acolhido no
ano seguinte pela primeira Constituição Federal da
República. A partir daí, a história do controle da
Administração Pública no Brasil percorre longa tra-
jetória, repleta de percalços, avanços e recuos, até
os dias atuais.
Criado pela Constituição Mineira de 1935 e extinto
em 1939 pelo Estado Novo, o Tribunal de Contas
de Minas Gerais ressurge como produto da rede-
mocratização de 1946, para ser disciplinado pela
Constituição Mineira de 1947. Desde então, o nos-
so Tribunal de Contas vem mantendo presença
marcante na vida pública mineira, para alcançar,
com a Constituição Federal de 1988 e a Mineira
de 1987, patamar ainda mais elevado face às suas
novas atribuições.
O papel a ser desempenhado pelos Tribunais de
Contas, em face desta situação, se agiganta dian-
te do clamor popular por um controle efetivo, efi -
ciente e imparcial que contribua para uma boa ad-
ministração, promotora de ações que reduzam as
desigualdades sociais, ofertando a todos educação
e saúde de qualidade, serviços públicos efi cientes e
crescimento econômico que se traduza em aumen-
to da renda da população.
Minhas senhoras, meus senhores, e meus eminen-
tes companheiros de trabalho no Tribunal de Con-
tas do Estado de Minas Gerais:
Perdoem-me se inicio minha alocução sobre tema
tão bem conhecido por todos. Mas nunca é demais
revisar conceitos sobre controle externo da Admi-
nistração Pública, sobretudo agora que o requisito
da “transparência” é lembrado à exaustão por to-
dos os setores da vida nacional.
Fiel às minhas raízes familiares, era natural que me
voltasse, ao me formar como Bacharel em Direito,
para a Administração Pública e para as lides políti-
cas. Assim, elegi-me vereador à Câmara Municipal
de Barbacena, em 1989. Ali forjei as primeiras lições
e compreensões acerca das atividades públicas, e
aprendi que a representação local é extremamente
autêntica e rica em ensinamentos. Meu passo se-
guinte foi o Executivo Municipal, quando à frente
da Prefeitura de Barbacena pude promover ampla
reforma administrativa e dinâmica gestão gover-
namental. Pude conhecer as agruras dos dirigentes
municipais brasileiros, sempre diante de problemas
sociais maiores que os instrumentos e os recursos
disponíveis, numa luta diária para decidir e priori-
zar questões, muitas vezes em detrimento de ou-
Pronunciamento do conselheiro Antônio Carlos Andrada
Pronunciamento do conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada por ocasião de homenagem da
Corte de Contas de Minas Gerais pela sua investidura no cargo em 22 de março de 2006.
22/3/06
9
tros encaminhamentos não menos importantes.
No biênio 1997/98, atuei como assessor especial
do então governador Eduardo Azeredo, desenvol-
vendo diversos trabalhos, dos quais destaco os que
promovi junto ao Fundo Penitenciário do Estado e
na implantação, em nossos municípios, do Código
Brasileiro de Trânsito. O ano de 1999 assinala meu
ingresso no Parlamento Mineiro. Naquela legislatu-
ra, ocupei a vice-presidência da Comissão de Edu-
cação, Cultura, Ciência e Tecnologia e tive a honra
de ser escolhido líder da bancada do meu partido e
da oposição. Em 2002, reeleito deputado estadual,
fui honrado novamente com a escolha para lide-
rar a bancada, função que acumulei com a de líder
do Bloco Parlamentar de sustentação do governo.
Membro da Comissão de Fiscalização Financeira e
Orçamentária, fui relator-geral do Orçamento do
Estado para o exercício de 2005, quando Minas Ge-
rais atingiu o equilíbrio de suas contas, o chamado
“défi cit zero”. No dia 9 de março de 2005, fui es-
colhido pelo plenário do Parlamento Mineiro para
integrar este Tribunal de Contas, na vaga aberta
com o falecimento do sau-
doso Conselheiro José Ferraz.
Dou começo a esta jornada em
posição de humildade, aquela
humildade que não é sinôni-
mo de subserviência, mas do
desejo de aprender mais para
poder ajudar mais. Esta tem
sido, aliás, a postura por mim
adotada em todas as etapas da
minha vida pública.
Durante minha permanência
na Assembléia Legislativa, tive oportunidade de
atuar como relator da Comissão Especial instituída
para analisar a atuação deste Egrégio Tribunal. Pro-
movemos, à época, um trabalho construtivo, que
produziu efeitos positivos na instrumentação jurí-
dica e administrativa desta Casa, como a aprovação
da Emenda à Constituição do Estado n. 69/2004,
que criou o Ministério Público Especial, conforme
decisão do Supremo Tribunal Federal, e a que fi -
xou o número de auditores a serem nomeados após
aprovação em concurso público. Foram momen-
tos em que pude debruçar-me sobre a questão do
controle da Administração Pública, sedimentando
a visão que já tinha dos órgãos estatais no setor.
Tudo isso me serve de subsídio para o balizamen-
to do trabalho que aqui inicio. É claro, ao lado da
rica experiência diária que terei na convivência
com meus colegas conselheiros, com o qualifi ca-
do quadro técnico de servidores da Casa e o in-
dispensável aprendizado das salas de aula – é que,
recentemente, retomei os bancos universitários de
pós-graduação na área da Administração Pública e
das Instituições Políticas.
A Constituição Federal de 1988
concedeu aos Tribunais de
Contas dos estados um status
privilegiado como órgão autô-
nomo e auxiliar do Poder Le-
gislativo, na importantíssima
missão de controlar e fi scalizar
as contas dos administradores
públicos. De fato, o artigo 71
da nossa Carta Política dá ao
Poder Legislativo a titularidade
10
do controle externo e nomeia as Cortes de Con-
tas como auxiliares necessárias a essa atividade.
Foi ainda mais longe a nossa Constituição Federal
ao tratar dos Tribunais de Contas, discorrendo, em
seu texto, uma série de atribuições outras como a
de “julgar as contas dos administradores e demais
responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
da administração direta e indireta”. Assim, além
do auxílio ao Poder Legislativo, têm os Tribunais
de Contas vasta competência exclusiva por força
de normas constitucionais. Os Tribunais de Contas
são, assim, a primeira e a última palavra – ao mes-
mo tempo – para todas
essas contas que não se-
jam apresentadas como
próprias dos chefes dos
Poderes Executivos nas
esferas federal, estadual
e municipal. O poder ju-
dicante aí se estende de forma ampla sobre milha-
res de administradores públicos pelo Brasil afora.
Não sendo poder constituído, são os Tribunais de
Contas órgãos autônomos inseridos no âmbito do
Poder Legislativo, por vinculação. Estão os Tribu-
nais de Contas para o Legislativo, como os Minis-
térios Públicos federal e estaduais estão para o Po-
der Judiciário. São órgãos vinculados, mas não por
subordinação. Aliás, o eminente jurista e professor
Diogo de Figueiredo Moreira Neto destaca “a ex-
trema modernidade com que se apresenta o fenô-
meno dos órgãos constitucionalmente autônomos”
no ordenamento jurídico brasileiro. Ele remonta às
lições de Montesquieu para quem a concentração
do poder é perigosa ao lembrar que “o telos da se-
paração dos poderes”, a sua fi nalidade e “o motivo
pela qual ela existe é a liberdade. Ela existe para
assegurar a liberdade”. E um dos desdobramentos
da liberdade na vida democrática, como evolução
do direito político nos séculos XIX e XX, é o plura-
lismo, que também alterou a fi sionomia dos esta-
dos. Nessa linha de raciocínio, o Estado, que na sua
origem era o centro absoluto da vida pública, deixa
de sê-lo com o passar dos tempos para assumir a
posição de referência, num mundo cada vez mais
complexo, compartimentalizado e globalizado. Um
mundo novo, onde a economia ultrapassa as fron-
teiras estatais com um
capitalismo voraz, tecno-
lógico e informático de
dimensões planetárias e
a sociedade ocupa papel
de crescente poder atra-
vés de movimentos civis
e populares de massa, da mídia e de organizações
não-governamentais, nacionais e internacionais,
diluindo sobremaneira o poder antes concentrado
nos estados. É nesse contexto, nos ensina o profes-
sor Diogo de Figueiredo, que surge o Estado plura-
lista, com vários “centros de poder difusos”, para a
“afi rmação do pluralismo político como resposta ao
pluralismo social”.
Esse pluralismo sociopolítico que vivenciamos ex-
prime um direito fundamental que precisa ser ga-
rantido pelo Estado. Dessa forma, impõe-se ao Es-
tado Contemporâneo reorganizar-se para além da
concepção clássica da Separação dos Poderes, bus-
cando avançar e evoluir com a adoção de meca-
nismos novos que auxiliem os poderes tradicionais
“... além do auxílio ao Poder
Legislativo, têm os Tribunais
de Contas vasta competência
exclusiva por força de normas
constitucionais.”
11
a cumprirem suas funções. É nesse contexto que
surgem os órgãos constitucionalmente autônomos,
que resultam da necessidade de maior distribuição
de poder na Administração Pública para fazer face
às novas demandas do Estado, diante dos novos
imperativos da sociedade atual, onde a preocupa-
ção com a liberdade e os direitos fundamentais não
pode ser esquecida.
Mas com o amadurecimento da sociedade, também
o conceito de Democracia evoluiu, passando a exi-
gir dos estados instrumentos mais bem elaborados
e efi cientes para a participação popular, não apenas
de escolha eleitoral, mas também as de infl uência
nas ações governamentais
e execução das políticas
públicas e, principalmen-
te, no seu controle. O re-
nomado professor francês
Jean Rivero, ao abordar o assunto, oportunamente,
sentenciou: “a Democracia consiste não somente
em escolher quem nos deve governar, mas escolher
como queremos ser governados”. Essa visão atua-
líssima de Democracia dá aos Tribunais de Contas,
ao lado de outras instituições afi ns, papel funda-
mental, porque como órgão técnico de controle
externo é importante e indispensável instrumento
de que deve se valer a sociedade na obtenção de
dados, parâmetros e indicadores para uma avalia-
ção isenta dos governos e a formação madura, com
informação segura, de uma opinião pública côns-
cia de seus direitos e apta a participar de todo o
processo público-administrativo. Mas é igualmente
importante destacar que não se deve confundir a
função de controle externo, de fi scalização, com o
poder governativo, de iniciativa e de gestão. Paro-
diando o eminente ministro Carlos Ayres de Brito,
do Supremo Tribunal Federal, em recente palestra,
cabe afi rmar que o Judiciário, o Ministério Público
e os Tribunais de Contas têm algo em comum: eles
podem impedir o desgoverno, mas eles não gover-
nam, propriamente.
Observa-se de forma incontestável que os Tribunais
de Contas encontram-se em posição de destaque
no ordenamento jurídico brasileiro, com funções
constitucionalmente bem delineadas. Recorro no-
vamente aos ensinamentos do ministro Carlos
Ayres de Brito. São palavras dele: “A Constituição
avocou normativamente
a matéria, chamou para
si o encargo de traçar o
perfi l praticamente aca-
bado dos Tribunais de
Contas (...)”. Conclui ele, daí, que os Tribunais de
Contas não precisam da lei para existir. A norma
constitucional, ao tratar dos Tribunais de Contas,
tem efi cácia plena, aplicabilidade imediata. No di-
zer do referido ministro, “não há hiato, não há abis-
mo, não há espaço vago passível de preenchimento
por lei” quando se trata da sua existência. No pla-
no federal, o paradigma do Tribunal de Contas da
União é o Superior Tribunal de Justiça e no plano
estadual são os Tribunais de Justiça dos Estados. Os
Tribunais de Contas têm competências para baixar
regimentos internos e dispor sobre as atribuições
de seus órgãos, observadas as garantias processuais
das partes.
Verifi camos, portanto, que aos Tribunais de Contas
são dadas amplas garantias constitucionais para o
“Essa visão atualíssima de Democracia dá
aos Tribunais de Contas, ao lado de outras
instituições afins, papel fundamental...”
12
desempenho de função cada vez mais necessária ao
Estado Contemporâneo e valorizada de forma cres-
cente pela sociedade. É imperativo, por isso, que os
Tribunais busquem o aperfeiçoamento constante
de suas ações – tanto no plano organizacional in-
terno, de aprimoramento material, técnico e ope-
racional dos seus órgãos, quanto da qualidade das
suas decisões como desdobramento de sua fi nali-
dade maior, o controle, em todas as suas modali-
dades – para que ele cumpra à altura as suas fun-
ções e corresponda às expectativas da sociedade na
ânsia legítima por maior transparência do Estado
e de seus respectivos atos. Ao lado do Ministério
Público, especialmente,
os Tribunais de Contas
cumprem funções espe-
cífi cas e fundamentais à
existência do Estado de
Direito Democrático, representando a vertente téc-
nico-estatal – mas autônoma – do controle exter-
no da Administração Pública, que tem em primeira
instância a sua titularidade no cidadão brasileiro, a
quem devemos sempre prestar as contas das coisas
públicas, e perante o qual devemos reiterar nossos
respeitos aos direitos e prerrogativas que lhe ga-
rante a Lei Maior.
Bem, senhoras e senhores, vou terminar meu pro-
nunciamento – que receio já se alonga além da pa-
ciência dos que me ouvem – com algumas palavras
de agradecimentos.
Em primeiro lugar, deixo aqui minha manifestação
de reconhecimento à Assembléia Legislativa do Es-
tado de Minas Gerais e a meus companheiros depu-
tados, pela frutuosa convivência e pela indicação
para esta Corte de Contas. Ao eminente governador
Aécio Neves, minha saudação respeitosa e minha
reafi rmação de estima e admiração. Ao povo mi-
neiro, que por diversas vezes confi ou-me manda-
tos de representação popular, a gratidão de quem
se afasta das lides partidárias e políticas, mas que
permanece na vida pública, servindo ao público. Ao
Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – na
pessoa de seu presidente, conselheiros e funcioná-
rios – o meu muito obrigado pela simpática acolhi-
da. Ao conselheiro Wanderley Ávila, orador que me
antecedeu, meus agradecimentos pelas palavras
carinhosas que sei serem fruto da nossa amizade,
construída sobretudo nos ambientes parlamentares.
Tenho plena convicção
de que aqui, como ocor-
reu na Assembléia Mi-
neira, seus passos serão
sempre boas referências
para os meus. Aos meus pais – Amália e Bonifácio
Andrada -, a meus irmãos, tios, cunhadas, sobri-
nhos e demais familiares, minha manifestação de
afeto imorredouro. A minha esposa Paula e a meus
fi lhos, Maria Carolina, Bonifácio José, Antônio Car-
los, Martim Francisco e José Bonifácio, meu carinho
e desvelo, nesta hora em que compartilham comigo
o início de nova caminhada. Agradeço a Deus pe-
las oportunidades que me vem proporcionando, e
peço que suas bênçãos continuem a iluminar todos
quantos labutam na área pública, na hercúlea ta-
refa de conduzir as cidadãs e os cidadãos na edifi -
cação do bem comum e da paz social.
Muito obrigado.
“É imperativo, por isso, que os Tribunais
busquem o aperfeiçoamento constante
de suas ações.”
13
O conselheiro Antônio Carlos Andrada discursa em sua posse>>
O conselheiro empossado Antônio Carlos Andrada e o presidente do TCE, Eduardo Carone Costa
>>
14
No dia 10 de novembro, Adr iene Barbosa
tomou posse como a nova conselheira do
Tr ibunal de Contas do Estado de Minas
Gerais (TCE) . Pr imeira mulher a integrar
a corte super ior do TCE , a bachare l em
Dire i to , ex-prefe ita de Três Pontas , no
sul de Minas, e ex-presidente da Associação
M i n e i r a dos Munic íp ios (AMM), entre
2001 e 2004, ocupa a vaga aberta com a
aposentador ia do conselheiro Sylo Costa .
Em seu discurso de posse , que contou com
a presença do pres idente do TCE , Eduar-
do Carone, e d o s a t ua i s c o n s e l he i r o s ,
dentre eles, Antônio Car los Andrada disse
que assumia as novas funções como “um
grande d e s a f i o q ue i r e i en f r en t a r c om
r e sp o n sa b i l i d a d e e mu i t a von tade de
a c e r t a r ” .
>>
Toma posse a novaconselheira do TCE
10/11/06
Primeira mulher a integrar a corte superior do TCE, Adriene toma posse como nova conselheira
>>
Andrada participa do I Seminário de Controle da
Gestão dos Recursos PúblicosNo segundo dia do I Seminário de Controle da
Gestão dos Recursos Públicos, às 14 horas, o
conselheiro Antônio Carlos Andrada proferiu
palestra acerca do Parlamento e do Controle
Político da Administração Pública.
Em comemoração ao aniversár io de uma
década da Escola de Contas e Capacitação
Professor Pedro Aleixo, o Seminário ocorreu
nos dias 9 e 10 de novembro, durante todo o
dia, no Auditório Vivaldi Moreira do Tribunal
de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG).
10/11/06
Cons. Antônio Andrada discursa para auditório cheio>>
>>
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15
Na quarta-feira, dia 8 de novembro, às 16 horas,
o conselheiro Andrada compareceu ao Gabinete
da Presidência para uma reunião onde estiveram
presentes o Dr. Wilson Nélio Brumer, Secretário
de Estado de Desenvolvimento Econômico, a Dra.
Maria Celeste Morais Guimarães, auditora-geral do
Estado, o conselheiro-presidente Eduardo Carone
Costa e demais conselheiros do TCEMG.
Nesta reunião, esclareceu-se a criação de um fundo
de subsídio oferecido pelo Estado para instalação
de telefonia celular nas cidades de baixa demanda.
Esse fundo visa a incentivar as companhias telefôni-
cas a implantar seus serviços nessas localidades,
onde, normalmente, não se dispõem a entrar com
recursos próprios pela baixa lucratividade.
Andrada vai à reunião noGabinete da Presidência
Cons. Antônio Andrada vai ao Gabinete da Presidência no TCE/MG para discutir sobre um fundo de subsídio para a telefonia celular
>>
08/11/06
Proferindo palestra sobre “Universidade e
Mercado de Trabalho” para dois mil alunos e
professores da Universidade Presidente Antônio
Carlos - Unipac - em Juiz de Fora, o conselheiro
Antônio Carlos Andrada fez a abertura ofi cial da IV
Mostra de Produções Científi cas da Instituição, no
dia 23 de outubro. Durante os dias de duração
do evento, mais de 400 trabalhos foram apresen-
tados e discutidos em seminários, painéis e mesas-
redondas, sobre temas relacionados às áreas das
ciências humanas, sociais, exatas, tecnológicas,
agrárias e de saúde.
A abertura da Mostra de Ciências foi coordenada
pelo pró-reitor de Pesquisa e Extensão da Unipac,
prof° José da Paz e pela pró-reitora de Ensino e Assuntos
Acadêmicos, profª Floripes de Souza Veiga.
23/10/06
Andrada faz aberturade seminário em Juiz de Fora
Cons. Antônio Andrada faz abertura de seminário para alunos e professores na Unipac de Juiz de Fora
>>
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>>
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16
No período de 16 a 18 de outubro, o conselhei-
ro Antônio Carlos Andrada participou do Semi-
nário Nacional Ajustes Entre os Setores Público
e Privado, no Auditório do Plenário do Tribunal
de Contas do Município de São Paulo, na capital
paulista. O evento foi promovido pelo Instituto
Brasileiro de Estudos Especializados (Ibrae), mas
contou com o apoio de outras instituições.
O professor Toshio Mukai, considerado um dos
maiores especialistas brasileiros em Direito Público,
coordenou o Seminário que teve a participação de
200 pessoas, durante esses três dias. Foi também
um dos conferencistas no último dia.
A sessão de abertura, na segunda-feira pela
manhã, teve como orador o Doutor Antô-
nio Carlos Caruso, presidente do Tribunal de
Contas do Município de São Paulo. Terminada
a solenidade, o ministro Gilmar Mendes, vice-
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF),
deu início à Conferência Inaugural.
O evento contou com a participação de profi ssionais
da estirpe de: Prof. Antônio Carlos Cintra do Amaral,
Dr. Jessé Torres Pereira Júnior, Ivan Barbosa Rigolin,
Profª Lúcia Valle Figueiredo, Carlos Pinto Coelho
Motta, José Crettela Neto, Profª Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, Diógenes Gasparini, Prof.
Diogo de Figueiredo Moreira Neto, dentre ou-
tros.
Conselheiro participa de seminário nacional em São Paulo
18/10/06
Cons. Antônio Andrada é um dos 200 presentes no Seminário em São Paulo>>
>>
<<
17
Durante a tarde da última segunda-feira, dia 11 de
setembro, o conselheiro Antônio Carlos Andrada
participou da cerimônia de entrega da Medalha do
Mérito da Corte de Contas Ministro José Maria de
Alkmim. Entre as personalidades homenageadas,
estava o jornalista Aristóteles Luiz Menezes Vascon-
celos Drummond, o assessor especial da Assembléia
Legislativa do Estado de Minas Gerais, José Geraldo
de Oliveira Prado, o deputado estadual Sebastião
Costa e o presidente do Banco de Desenvolvimento
de Minas Gerais, Romeu Scarioli, aos quais o conse-
lheiro agraciou com o Colar do Mérito.
À noite, a partir das 20h, o conselheiro esteve pre-
sente no jantar de confraternização organizado pelo
TCEMG, no Restaurante Vecchio Sogno, no bairro
Santo Agostinho.
Medalha do Mérito da Cortede Contas Ministro
José Maria de Alkmim
11/9/06
Conselheiro Antônio Carlos Andrada entrega a Medalha ao jorna-lista Aristóteles Drummond
>> Conselheiro Andrada entrega a Medalha ao deputado Sebastião Costa
>>
Conselheiro Andrada entrega a Medalha ao assessor da ALMG, José Geraldo
>> Conselheiro Andrada entrega a Medalha ao presidente do BDMG, Romeu Scarioli
>>
>>
<<
18
O conselheiro Antônio Carlos Andrada, repre-
sentando o presidente do Tribunal de Contas de
Minas Gerais, Eduardo Carone Costa, participou
da abertura do Seminário As Reformas do Pro-
cesso Civil Brasileiro promovido pela Rede de
Escolas de Formação de Agentes Públicos de
Minas Gerais – REAP/MG. O evento foi presidi-
do pelo desembargador Nilson Reis, do Tribunal
de Justiça do Estado, e a abertura foi realizada
por Palestra Magna, proferida pelo desembarga-
dor Caetano Levi Lopes, do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais. Durante os dias 25 e 26
de maio, o Seminário debateu as principais modi-
fi cações decorrentes da Emenda Constitucional 45
que tem por objetivo dar maior celeridade aos
processos judiciais.
Por proposta do presidente do Tribunal de Contas,
conselheiro Eduardo Carone, de acordo com crité-
rios regimentais, e aprovado pelo plenário da Corte
de Contas, o conselheiro Antônio Carlos Andrada
assumiu a presidência da Quarta Câmara, a partir
da Sessão Plenária do dia 7 de junho.
A Quarta Câmara tem por função tratar das
matérias relacionadas com aposentadorias,
reformas, pensões, convênios, prestação de contas
de convênios, contratos, que não envolvem matérias
licitatórias.
Quarta Câmara do Tribunal de Contas tem novo presidente
Conselheiro Antônio Carlos Andrada assume a presidência da Quarta Câmara
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07/6/06
Andrada participa da abertura de seminários da REAP/MG
Antônio Carlos Andrada participa da abertura de seminários da REAP/MG>>
26/5/06
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19
Em solenidade presidida pelo prefeito municipal de
Santos/SP, João Paulo Papa, e com as presenças do
presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo,
do conselheiro Antônio Carlos Andrada, do Tribunal
de Contas de Minas Gerais, de diversos parlamen-
tares federais e estaduais paulistas e autoridades
acadêmicas, civis e militares, foi reaberto ao públi-
co o “Pantheon dos Andrada” no dia17 de abril. A
banda dos Fusileiros Navais, da Marinha brasileira,
entoou o Hino Nacional.
No local estão depositados os restos mortais do
Patriarca da Independência Nacional, José Boni-
fácio de Andrada e Silva, e de seus irmãos, Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Martim
Francisco Ribeiro de Andrada.
“Pantheon dos Andrada”é reaberto ao público
17/3/06
No dia 26 de abril, o presidente do Tribunal de
Contas de Minas Gerais, Eduardo Carone Costa,
acompanhado dos demais conselheiros que inte-
gram a Corte de Contas, Antônio Carlos Andrada,
Elmo Brás, Wanderley Ávila, Moura e Castro, Simão
Pedro e Sylo Costa, recebeu a visita dos secretários
de Estado Wilson Brumer, do Desenvolvimento
Econômico, e Paulo Paiva, de Obras Públicas, que
entregaram o edital para a licitação da primeira
Parceria Público Privada – PPP - do Estado, sendo
iniciativa pioneira no País. De acordo com o edi-
tal, a PPP pretende recuperar a Rodovia MG-050
cujo contrato tem estimativas de investimentos
da ordem de R$ 30 milhões por ano.
Na ocasião, o conselheiro Eduardo Carone Cos-
ta afi rmou que o Tribunal de Contas terá atuação
colaborativa, sem abdicar de suas atribuições, pro-
movendo acompanhamento simultâneo de todos
os atos a serem praticados através de auditoria
operacional especial.
Tribunal de Contas acompanhaPPP Estadual
Conselheiro Andrada discursa em nome dos descendentes dos três irmãos Andrada cujos restos mortais estão no Pantheon
>>
Conselheiros do Tribunal de Contas de Minas Gerais em reunião com os secretários estaduais
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26/4/06
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LGAD
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CONSULTA Nº 711.005
Trata-se de consulta formulada pelo
presidente da Câmara Municipal de Ibiraci, Rubens
Felipe dos Santos, na qual faz indagação acerca de
gastos com publicidade...
PROCESSO Nº 711.021
Legalidade do Legislativo Municipal em depositar
e movimentar suas disponibilidades fi nanceiras na
Cooperativa de Crédito do Vale do Rio Doce Ltda.
– Sicoop - Crediriodoce
PROCESSO Nº 709.101
Representação - Polícia Civil do Estado de
Minas Gerais
22
25
32
36
45
RECURSO DE REVISÃO: Nº 666.571Pedido de Vista
Parecer da lavra do conselheiro Antônio Andrada
sobre a questão da aplicabilidade do Instituto da
Decadência nos atos sujeitos a registro no âmbito
dos Tribunais de Contas
2222
CONSULTA Nº 711.005
CONSULTA Nº 711.005
CONSULENTE: RUBENS FELIPE DOS SANTOS - PRESIDENTE
DA CÂMARA MUNICIPAL
PROCEDÊNCIA: CÂMARA MUNICIPAL DE IBIRACI
Trata-se de consulta formulada pelo Presidente da Câmara
Municipal de Ibiraci, Rubens Felipe dos Santos, na qual faz
indagação acerca de gastos com publicidade, a teor do § 1º
do art. 37 da CR/88.
A douta Auditoria manifestou-se à fl . 58 dos autos.
Preliminarmente, em que pese a maneira utilizada para for-
mulação da consulta não se apresentar como a mais ade-
quada, conheço da consulta formulada, em razão da rele-
vância da matéria, da legitimidade da parte e da pertinência
temática, nos termos do art. 7o, X da Resolução n. 10/96.
Acolhida a preliminar, passo a analisar, em tese, o questio-
namento proposto.
Não é sem tempo recuperar que o advento da modernidade,
parametrizado por fatores como a reforma protestante, a
consolidação do capitalismo, a revolução científi ca e o ra-
cionalismo fi losófi co, representou a ruptura de um modelo
de sociedade estamental-comunitária dos antigos, para a
chamada sociedade dos modernos, esta sedimentada pelo
surgimento dos Estados-Nacionais e regulada pelo direito
positivo ou codifi cado.
Sobre esse fenômeno, Daniel Soczek1 recorre a Zygmunt
Bauman, explicando que este cunhou o termo “moderni-
dade líquida” – idéia que Bauman utiliza para expressar sua
concepção de modernidade em uma perspectiva “transbor-
1 SOCZEK, Daniel. Comunidade, utopia e realidade: uma refl exão a
partir do pensamento de Zygmunt Bauman. Rev. Sociol. Polit., Nov.
2004, no.23, p.175-177. ISSN 0104-4478.
dante”, “esvaída”, dada a fl uidez do mundo contemporâneo,
em oposição ao conceito de “sólido” enquanto duradouro
– tal qual a sociedade estática do mundo antigo. Completa
o autor aduzindo localizar-se na Revolução Industrial e na
formação do Estado-Nação o processo de desconstrução da
idéia de comunidade espaço-temporalmente situada .
Ora, da mesma forma, o século XX representou uma “se-
gunda revolução”, marcada principalmente pelo avanço da
técnica e da tecnologia, de sorte que o advento da globa-
lização catapultou as relações sociais para um plano supra-
estatal, de cunho mundial, em que as barreiras e fronteiras
passam a carrear um viés quase que meramente virtual. Vi-
vemos, pois, em tempos da chamada modernidade tardia,
alta modernidade ou modernidade pós-industrial, como
assim denominam Anthony Giddens2 e os estudiosos ra-
cionalistas de matriz habermasiana ou pós-modernidade,
nos dizeres dos desconstrutivistas como Derrida, Lyotard,
dentre outros.
Controvérsias fi losófi cas à parte, não se pode olvidar que
essa nova confi guração é marcada pelo surgimento dos
grandes blocos econômicos (União Européia, Alca, Mercosul,
Nafta, etc.) e pela intensa evolução dos meios de comunica-
ção e do trânsito de informações em grande escala, fenô-
meno tão bem estudado pela primeira geração da Escola de
Frankfurt, capitaneada por Adorno, Marcuse e Horkheimer.
Portanto, o que se observa no alvorecer deste novo século,
é o apogeu da chamada sociedade da informação, informa-
ção esta cujo domínio passa a representar, como os bens de
produção de outrora, o cerne da preocupação e cobiça das
economias mundiais.
Nesse cenário, dominado pela extrema fl uidez e velocidade
2 GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. São Paulo:
UNESP. 2001
23
de transformações, em que passamos a compartilhar meios
tradicionais de comunicação – tais como jornais, revistas
e a televisão, com a mídia eletrônica – Celular, Internet,
constata-se um fl uxo contínuo de sons, imagens, dados que
invadem nossas vidas e incorporam-se inexoravelmente ao
nosso cotidiano.
Toda essa reconstrução teórica tem uma razão de ser, haja
vista a extensa polêmica que se apresenta, mormente com o
advento da Carta Magna de 1988, envolvendo a questão da
propaganda estatal e, mais especifi camente as limitações
jurídicas a ela impostas, à luz do disposto no § 1o do art. 37
da Constituição da República, que agora deve ser analisado
à luz de um futuro que já chegou e não de um passado que
não mais subsiste.
Nesse sentido, e em tempos da obrigatoriedade de gerir a
coisa pública em consonância com os ideais de uma demo-
cracia participativa que se subsume, sem prejuízo de outros,
na necessidade de transparência das ações estatais e go-
vernamentais, observamos, não sem tempo, o surgimento
de segmentos de mídia especializados como a TV Câmara,
TV Senado, TV do Judiciário, TV Assembléia, Voz do Brasil,
dentre outros.
Não resta dúvida, que esse novo nicho de mídia estatal afi -
gura-se como uma demanda legítima - até por que refl exo
desse contexto global que acabamos de traçar - e inadiável
de uma sociedade vigilante e ávida por acompanhar o de-
sempenho daqueles que têm a responsabilidade de conduzir
os destinos jurídico-políticos do país. Nessa linha, quase que
como um “big-brother” institucional pode-se acompanhar
o dia-dia dos deputados, senadores, ministros etc. Será,
pois, que essas aparições constantes poderiam ser carac-
terizadas como promoção pessoal a desafi ar imputação de
penalidade?
A pergunta não é sem sentido, à medida que, nesse novo
contexto, nesse novo mundo, exsurge, até como corolário
do dever de prestar contas aos administrados - o que tam-
bém pode ser entendido como um vetor de promoção do
controle social – a necessidade de que se diferencie, em
cada caso específi co, os limites de utilização da propaganda
estatal.
Nessa linha, pelo mandamento constitucional supra-referi-
do, infere-se que a utilização de recurso público para reali-
zação de publicidade institucional é possível desde que te-
nha caráter educativo, informativo ou de orientação social,
dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que
caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servido-
res públicos.
Como se observa, é necessário que a publicidade se desti-
ne a fi ns específi cos: educativos, que servem à educação,
formação ou aprimoramento da consciência comunitária,
v.g, que visam esclarecer sobre perigo de doenças, impor-
tância do aleitamento materno, benefícios da doação de
sangue e órgãos, exercício do direito de voto, etc.; infor-
mativos, que têm a fi nalidade de informar a população de
algo a ser revertido em seu benefício, como a publicidade
sobre o potencial turístico da região, festas típicas, feiras,
etc. Ademais, a hipótese também está a se confi gurar no
caso da veiculação de noticiários que se caracterizam por
prestações de contas das ações administrativas bem como a
divulgação de providências de reconhecida relevância para
o interesse público; e por fi m, orientação social que visa à
conscientização da população acerca de ações vinculadas à
cidadania, liberdades públicas, etc.
Defi nido o escopo de validade da propaganda estatal, resta
ainda o esclarecimento acerca da parte fi nal do dispositivo,
que impede a veiculação de nomes, símbolos ou imagens de
autoridades ou servidores públicos, desde que caracterizem
promoção pessoal.
24
Quando do meu ingresso no Tribunal de Contas, pude infe-
rir, que não raro esta Corte se pauta por uma interpretação
bastante rigorosa do dispositivo aludido, não admitindo
qualquer inserção de nomes, símbolos, fotografi as ou ima-
gens nas propagandas, por entender que este fato, por si só,
já estaria a caracterizar a violação do preceito constitucio-
nal em comento e ao princípio da moralidade, em fl agrante
desvio de fi nalidade.
Entretanto, em face de todo o exposto, entendo que a ques-
tão merece um tratamento um pouco diferente. Em minha
avaliação, até por que assim dispõe a parte fi nal do § 1o
do art. 37 da CR/88, o ilícito só estaria caracterizado se
fosse efetivamente constatado, a partir de um juízo de
adequabilidade de cada caso concreto, o caráter de pro-
moção pessoal da autoridade ou servidor público.
Sendo assim, não é a mera inserção de nome, símbolo ou
mesmo imagem na publicidade estatal, condição, por si,
sufi ciente para que se possa caracterizar o desvio de fi nali-
dade do administrador. Não é sustentável, até como coro-
lário do princípio da publicidade e transparência dos atos
estatais, parâmetros basilares da Administração Pública e
garantia dos cidadãos, que a Administração se mantives-
se silente sobre a publicidade de determinado ato, a título
ilustrativo, sobre a inauguração de determinado posto de
saúde, unicamente, pelo fato do administrador ter sido fo-
tografado juntamente com os demais presentes.
Note-se, pois, que esse simples exemplo conduz a uma pro-
blemática mais complexa para não dizer paradoxal. De um
lado, observamos constantemente, no Órgão Ofi cial do Es-
tado, a veiculação de imagens e reportagens do Governa-
dor, dos Secretários de Estado de Deputados, etc. sem que
haja qualquer questionamento acerca de sua licitude ou
ilicitude. Do contrário, a simples veiculação de fotografi a
de um agente político municipal ou mesmo uma pequena
alusão ao seu nome no diário ofi cial do município, já car-
reia um condão de reprovabilidade prévio que importará
irregularidade insanável e passível de sanção. Dois pesos ou
duas medidas?
Não é isto que o preceito constitucional visa coibir. A veda-
ção normativa não pressupõe a simples presença de nomes,
símbolos ou imagens, mas sim a ocorrência de vício insa-
nável na publicidade estatal que venha caracterizar que o
administrador ou servidor público dela se utilizou para se
autopromover às custas do erário.
Cabe, pois, como já aludido, questionar o propósito da pu-
blicidade. É fundamental que se fi que comprovado, em cada
caso concreto, o intuito de alardear ou elevar os méritos e
atributos pessoais, enaltecer virtudes do administrador, en-
fi m a busca de promoção indevida às custas da publicidade
veiculada. Isto, obviamente, na intenção de se obter um bô-
nus de natureza político-pessoal que lhe confi ra uma posi-
ção de vantagem em relação aos demais, em decorrência da
utilização da propaganda estatal, violando, assim, de forma
clara, o princípio constitucional da isonomia. Neste caso,
aí sim, estaremos diante de uma atitude infensa à norma
a caracterizar o desvio de fi nalidade. Obviamente, o que se
quer evitar é o mero apontamento de possíveis irregula-
ridades com base em uma interpretação automática, para
não dizer subjetiva ou discricionária, sem atentar para as
particularidades de cada caso concreto, fruto de uma visão
de mundo não associada com o dinamismo que deve pautar
a concretização do direito pelo intérprete.
Não nos cabe, pois, o silêncio ou passividade na interpre-
tação de um direito que deve apresentar-se como vetor
de integração social e promoção de justiça. Esperar que o
legislativo resolva os problemas sociais com reformas ou
mudanças da legislação é desconhecer a máxima “EX FAC-
TO ORITOR JUS”, ou seja, com a permissão de uma tradu-
P
25
ção não literal, olvidar que a vida em muito transcende a
limitada capacidade humana de produzir suas normas de
conduta.
É, pois, como respondo ao questionamento formulado.
Conselheiro Antônio Carlos Andrada
___________________
PROCESSO Nº 711.021
NATUREZA: CONSULTA
CONSULENTE: ORESTE ALFREDO DE SOUZA – Presidente da
Câmara Municipal de Capitão Andrade
ASSUNTO: LEGALIDADE DO LEGISLATIVO MUNICIPAL EM
DEPOSITAR E MOVIMENTAR SUAS DISPONIBILIDADES
FINANCEIRAS NA COOPERATIVA DE CRÉDITO DO VALE DO
RIO DOCE LTDA. – SICOOP - CREDIRIODOCE.
I - RELATÓRIO
Versam os autos sobre consulta encaminhada a este Tribu-
nal pelo Sr. Oreste Alfredo de Souza, Presidente da Câmara
Municipal de Capitão Andrade, que em síntese, questiona
sobre:
1) Possibilidade do Poder Legislativo Municipal receber seus
recursos orçamentários mediante depósito em conta cor-
rente através de entidade cooperativa conveniada.
2) Possibilidade do Poder Legislativo Municipal depositar
suas disponibilidades em entidade cooperativa conveniada.
Requer, o consulente, que se conheça do mérito da presente
consulta.
A douta Auditoria manifestou-se por meio de parecer cir-
cunstanciado acostado às fl s. 07 a 16.
É o relatório em síntese.
II - PRELIMINAR
A parte é legítima ex vi do disposto no art. 7º, inciso X, alí-
nea “a” da Resolução TC 10/96 – RITCMG.
Quanto à pertinência da matéria versada, verifi ca-se tra-
tar de assunto afeto à função deste eg. Tribunal de Contas,
com fundo constitucional e evidente repercussão fi nanceira
e operacional, nobre ao interesse das municipalidades.
Isto posto, conheço da consulta em face da legitimidade
da parte e da pertinência da matéria, para respondê-la em
tese, consoante o preceituado no artigo retroexposto do
RITCMG.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Antes de adentrar no mérito, informo, na oportunidade, que
o objeto da presente Consulta difere do objeto da Consul-
ta nº 701526, formulada por um terço dos edis da Câmara
Municipal de Ponte Nova, tendo como Relator o Conselhei-
ro Elmo Brás, e que se encontra com vista ao Conselheiro
Simão Pedro Toledo.
Ressalto que aquela consulta indaga, pontuando perife-
ricamente, a respeito da possiblidade do município poder
fi rmar convênio ou contrato de prestação de serviço com
instituição fi nanceira privada, para o pagamento de ven-
cimentos de servidores; sobre a possibilidade de adotar no
processo licitatório, visando a contratação de serviços ban-
PROCESSO Nº 711.021
26
cários, a modalidade concorrência com tipo “maior oferta”,
e, por fi m, acerca da possibilidade de movimentação das
disponibilidades de caixa do município, mesmo na existên-
cia de bancos ofi ciais.
Como se vê, a matéria acima colacionada não guarda iden-
tidade com a matéria da presente consulta que passarei a
fundamentar a seguir:
II.1) Obrigatoriedade do depósito das disponibilidades de
caixa em instituições fi nanceiras ofi ciais.
Primeiramente, imprescindível se faz informar que a regra
em vigência, art. 164, §3º da CR/88, determina que os Esta-
dos, o Distrito Federal, os Municípios e os órgãos ou enti-
dades do Poder Público e das empresas por ele controladas
deverão depositar as disponibilidades de caixa em institui-
ções fi nanceiras ofi ciais de qualquer esfera, estaduais ou
federais.
Nesse sentido é a orientação reiterada desta Colenda Cor-
te nas respostas às Consultas nºs 616661, 677160, 657310,
658264, 616661, 682192 e 694568.
Importa acrescentar que a Lei de Responsabilidade Fiscal, LC
n.º 101/2000, em seu art. 43, apenas se limitou a preceituar
que as disponibilidades de caixa dos entes da Federação
serão depositadas conforme estabelece o § 3º do art. 164
da Constituição.
Assevera-se, contudo, que não existe lei federal que discipline as
exceções aludidas na parte fi nal da norma constitucional supra,
não obstante o estabelecido na Medida Provisória n.º 2192-70,
reeditada pela última vez em 24/08/2001, e suspensa a efi cá-
cia de seu §1 º do art. 4º, com efeitos ex nunc, pelo Supremo
Tribunal Federal que em sede da ADIN 3578/DF deferiu em par-
te o pedido da medida cautelar, em decisão prolatada no dia
14/09/2005 e publicada o no Diário Ofi cial em 24/02/2006.
Ainda, impende assinalar o entendimento da Ministra Ellen
Gracie proferido no voto da ADIN 2600-MC, citado no jul-
gamento em tela, in verbis:
Vejo, também, que essa regra salutar de depósito em ban-
cos ofi ciais imposta pela Constituição, vai ao encontro
do princípio da moralidade previsto no art. 37, ‘caput’
do seu texto, ao qual deve obediência a Administração
Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-
pios. (...) ‘o fato de obrigar o depósito em instituições
fi nanceiras ofi ciais é medida saneadora, pois evita que
o Prefeito faça como seu o saldo médio com o depósito
da Prefeitura para obter empréstimos pessoais. (negritos
no original e grifo meu).
II.2) Exceção à obrigatoriedade do depósito das disponibili-
dades de caixa em instituições fi nanceiras ofi ciais e o dever
de licitar.
Todavia, encampa exceção essa interpretação quando no
município não existir instituição fi nanceira ofi cial. Esse é
o entendimento do Exmo. Sr. Conselheiro Eduardo Caro-
ne em resposta à consulta n.º 616661, em Sessão do dia
15/03/2000, acompanhando a resposta proferida pelo
Exmo. Sr. Conselheiro Murta Lages à consulta n.º 53198-7,
em Sessão do dia 03/02/94, que versava sobre a possibilida-
de de movimentação de contas-correntes em bancos parti-
culares, a qual transcrevo:
(...) é de se responder ao consulente que, ‘a priori’, tanto a
movimentação bancária e a aplicação fi nanceira das dispo-
nibilidades hão de se efetivar em agências locais de institui-
ções fi nanceiras ofi ciais. Em não existindo essas no muni-
cípio, entenderíamos que é de se lhe facultar, mediante
autorização específi ca em Norma Municipal, dentro de
sua competência concorrente, proceder à movimenta-
27
ção bancária com instituições fi nanceiras privadas, bem
com ali efetuar aplicações fi nanceiras, desde que uni-
camente com base em títulos e papéis com lastro ofi cial
(...). (grifo no original e negrito meu).
Cabe, entrementes, observar que a contratação de insti-
tuição fi nanceira privada é objeto perfeitamente licitável,
nos termos previstos no art. 37, inciso XXI da Lei Maior.
Assim, ressalvadas as hipóteses de dispensa e inexigibilida-
de, o dever de licitar impõe-se de forma cogente. A Admi-
nistração tem o dever de proceder ao certame licitatório,
considerando que o objeto pode ser oferecido por mais de
um interessado. Existem, no mercado fi nanceiro brasileiro,
várias instituições habilitadas a oferecer o mesmo produto
e serviços bancários à Administração Pública, com qualida-
de e segurança. Desse modo, nos termos fi xados no edital
de convocação será contratada a instituição bancária de
melhor solidez econômica e fi nanceira, que por conseqü-
ência trará maior segurança à Administração, assim como
oferecerá o pagamento de menores tarifas e os melhores
serviços.
II.3) Possibilidade de participação de cooperativas em pro-
cedimento licitatório.
Na oportunidade, registro, inicialmente, que no mundo glo-
balizado - confi gurado nas transformações de ordem social,
política e econômica mundial, surgidas nas últimas déca-
das - as mudanças no mercado de trabalho e nas relações
comerciais fi cam evidenciadas, mormente no que concer-
ne aos avanços tecnológicos. Todavia, tais transformações,
paradoxalmente à temática da globalização do capitalismo
contemporâneo, contribuem para o agravamento da desi-
gualdade social, caracterizada pela falta de oportunidade
de trabalho e emprego.
É nesse liame que emergem as formas alternativas de orga-
nização da produção e do trabalho em bases associativas e
cooperativas, opções legitimadas pelo atual ordenamento
jurídico, no intuito de contribuir para o desenvolvimento
sócio-econômico no contexto globalizado.
Com essas considerações e em simetria com o raciocínio já
extravasado, há de se indagar, em face da inexistência de
instituição fi nanceira ofi cial no município, sobre a possi-
bilidade do depósito e movimentação das disponibilidades
fi nanceiras municipais em cooperativa de crédito.
Nesse momento cumpre trazer à baila alguns posiciona-
mentos deste Tribunal de Contas no sentido de que as coo-
perativas estão impossibilitadas de fi gurar como licitantes
ao argumento de que tal participação infringe o princípio
da igualdade, dada a inviabilidade de competição, em ra-
zão dos possíveis incentivos que as permeiam. A matéria
foi objeto de decisões desta Corte quando das respostas às
consultas nºs 249384, 439155, 459267 e 656094.
Entretanto, esses posicionamentos merecem algumas con-
siderações. Primeiramente, o que se visa coibir é o coope-
rativismo de fachada, adotado por algumas empresas para
ocultar o vínculo empregatício com seus trabalhadores
(caracterizado pela relação de subordinação, pessoalidade,
renumeração e não-eventualidade) como acontece amiú-
de no setor de intermediação de mão-de-obra, conferindo
aos pseudos cooperados uma fi ctícia autonomia de traba-
lho – traço fundamental nas cooperativas – esquivando-se,
sobretudo, dos encargos previdenciários e laborais, como o
FGTS.
Lado outro, faz-se mister registrar a resposta à consulta n.º
682676, proferida pelo Exmo. Sr. Conselheiro José Ferraz,
em 16/06/2004, que ao fi rmar a convicção sobre a viabi-
lidade da contratação de cooperativa de táxi pela Admi-
nistração, legitimou exceção aos entendimentos aventados
nos precedentes desta Casa, no sentido de possibilitar a
28
participação de cooperativas em certames licitatórios.
A decisão referenciada fundamenta-se no entendimento de
que a cooperativa de táxi estará colocando à disposição da
Administração Pública, não a mão-de-obra de seus coope-
rados, mas o serviço público de transporte de passageiro
via táxi, por intermédio de cooperados verdadeiramente
autônomos no exercício da respectiva atividade, ou seja,
não há a presença do vínculo empregatício na relação
contratual. Acrescente-se a isso que a tarifa que se cobra
é a tarifa fi xada pelo Poder Público diferentemente da coo-
perativa de mão-de-obra.
Portanto, o posicionamento desta Casa acerca da vedação
da participação de cooperativas em processos licitatórios
não é absoluta. Registre-se, sobretudo, que o entendimento
consignou, com propriedade, o dever do exame acerca da
natureza jurídica de cada cooperativa.
Insta assinalar que a Lei Maior autoriza a participação de
cooperativas nos procedimentos licitatórios, conforme se
infere da inteligência do disposto no art. 37, inciso XXI, à
medida que as restrições de participação em licitações resu-
mem-se apenas àquelas previstas no comando normativo,
que, assim, dispõe:
Art. 37
(...)
XXI - ressalvados os casos especifi cados na legislação, as
obras, serviços, compras e alienações serão contratados me-
diante processo de licitação pública que assegure igualda-
de de condições a todos os concorrentes, com cláusulas
que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as
condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualifi cação técnica
e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento
das obrigações. (negritei).
Acrescente-se a esse dispositivo o incentivo ao cooperati-
vismo revelado no art. 174 da Carta Magna:
Art. 174
(...)
§2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras
formas de associativismo. (Lei 5.764 de 16/12/71 que defi ne
a Política Nacional de Cooperativismo)
Além disso, o comando inserto no art. 17 da Lei Estadual n.º
15075 de 05/04/2004 preceitua:
A sociedade cooperativa poderá habilitar-se em proces-
so licitatório promovido por órgão ou entidade da Admi-
nistração direta ou indireta do Estado em igualdade de
condições com os demais licitantes, desde que apresente
certifi cado de registro na OCEMG ou em outra organi-
zação de cooperativas estadual, conforme previsto na Lei
Federal n.º 5.764 de 16/12/71. (negritei)
Faz-se coerente pontuar, ainda, que o Tribunal de Contas
da União entende que as cooperativas podem participar de
procedimento licitatório - julgado TC-012.485/2002-9 de
22/01/2003, Relator Ministro Benjamim Zymler que dispõe
em seu voto:
Não há vedação legal, portanto, para que possam celebrar
avenças com o Poder Público. Como frisado anteriormente,
a licitação concretiza o princípio constitucional da impes-
soalidade e da igualdade, portanto, as restrições a tercei-
ros contratar com a Administração somente podem ser
aquelas previstas em lei e desde que limitadas à quali-
fi cação técnica e econômica indispensáveis à execução
do contrato.
(... ) o professor Marçal Justen Filho afi rma,’in verbis’, que
‘essas considerações permitem afi rmar que é possível e viá-
vel a participação de cooperativa em licitação quando o
29
objeto licitado se enquadra na atividade direta e especí-
fi ca para a qual a cooperativa foi constituída. Se porém,
a execução do objeto contratual escapar à dimensão do
objeto social da cooperativa ou caracterizar atividade
especulativa, haverá atuação irregular da cooperativa.
Será hipótese de sua inabilitação. (in Comentários à Lei
de Licitações e Contratos Administrativos. 7ª ed. Dialética,
São Paulo, 2000, p. 316)
(...) a Constituição Federal estimulou a atividade coopera-
tivista, consoante se depreende do §2º do art. 174, ao es-
tipular que a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e
outras formas de associativismo. Evidente que o Estatuto
de Licitações e Contratos não é a Lei requerida pelo cons-
tituinte para concretizar o comando constitucional supra.
Não traz ações positivas do Estado no sentido de fomentar
o desenvolvimento das cooperativas. Todavia, não pode
acarretar atitude negativa do Poder Público. Contraria
o direito admitir que o mesmo Estado que tem por dever
constitucional editar lei para incentivar o cooperativis-
mo venha, por meio de interpretação de normas legais,
restringir o desenvolvimento de cooperativas.
(...). (grifei e negritei).
Não há como desconhecer que a questão jurídica envolvi-
da é complexa. Todavia, acompanho o entendimento que
ampara a possibilidade de participação de cooperativas em
licitações, somente permitindo-se no procedimento as exi-
gências de qualifi cação técnica e econômica indispensáveis
à garantia do cumprimento das obrigações, observada, en-
tretanto, a natureza jurídica da cooperativa e desde que
respeitados os princípios constitucionais - em especial o da
impessoalidade e o da igualdade, bem como verifi cado que
o objeto da licitação encontra-se enquadrado ao objeto
social da cooperativa e, ainda, absolutamente descaracte-
rizado o cooperativismo de fachada, observada em todos os
casos a legislação vigente.
Assim, comungo, lastreado por todo o raciocínio exposto,
pela imposssibilidade de participação de cooperativas de
mão-de-obra - cujos trabalhadores desempenham funções
sob regime de subordinação - em processos licitatórios, sob
pena de infrigência dos princípios albergados no sistema
positivo pátrio.
Observados os apontamentos acima colacionados, concluo
pela viabilidade da participação de cooperativas de crédito
nos procedimentos licitatórios, cerne da presente questão,
devendo-se levar em consideração, entretanto, quais os
serviços que podem ser ofertados aos associados e aos não-
associados.
II.4) Impossibilidade de depósito e movimentação das dis-
ponibilidades fi nanceiras municipais em cooperativa de
crédito.
Não obstante minha posição em agasalhar a possibilidade
de participação de cooperativas de crédito em licitações, é
essencial a análise acerca dos tipos de serviços que podem
ser oferecidos aos não-associados, nos termos da lei. Sob
este aspecto mostra-se elucidativo o parecer do Auditor
Gilberto Diniz, que passo a transcrever com as vênias de
estilo:
A seu turno, as cooperativas de crédito são consideradas
instituições fi nanceiras não-bancárias e integram o Sistema
Financeiro Nacional, consoante prescrevem o art. 192 da
Constituição da República e o § 1º do art. 18 da Lei Federal
4.595 de 31/12/1964, que dispõe sobre a política e as insti-
tuições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho
Monetário Nacional e dá outras providências.
Nessa esteira, as cooperativas de crédito, pelo fato de in-
tegrarem o Sistema Financeiro Nacional, têm o funciona-
30
mento defi nido pelo Conselho monetário Nacional e suas
operações fi scalizadas pelo Banco Central do Brasil, à luz
do que estatui a citada Lei 4.595/64, art. 4º, incisos VI e VIII,
9º e 55.
Por essa razão, além das aludidas Leis 5.764/71 e 4.595/64,
as cooperativas de crédito se regem pelo disposto na Lei
10.406 de 10/01/2002 (Código Civil Brasileiro), e nos atos
normativos baixados pelo Conselho Monetário Nacional e
pelo Banco Central do Brasil e pelo respectivo estatuto so-
cial.
As cooperativas de crédito, em princípio, conforme dispõe o
‘caput’ do art. 4º da Lei 5.764/71, estão impedidas de reali-
zar negócios jurídicos com pessoas não-associadas.
Mas o art. 86 do indigitado diploma legal contempla ex-
ceção a essa regra, ao dispor que as cooperativas poderão
fornecer bens e serviços a não-associados, desde que aten-
didos os objetivos sociais.
E, no caso específi co das cooperativas de crédito, essas so-
ciedades somente poderão fornecer bens e serviços a não-
associados com fulcro em regras específi cas de órgão nor-
mativo, na exata dicção desse dispositivo legal, in verbis:
Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a
não associados, desde que tal faculdade atenda aos objeti-
vos sociais e esteja de conformidade com a presente lei.
Parágrafo único. No caso de cooperativas de crédito e
das seções de crédito das cooperativas agrícolas mistas, o
disposto neste artigo só se aplicará com base em regras a
serem estabelecidas pelo órgão normativo. (negritei)
Dessa forma, e com fundamento nas disposições do parágrafo único do dis-
positivo legal reproduzido, as cooperativas de crédito, para poderem fornecer
bens e serviços a não-associados, estão sujeitas às normas editadas pelo Con-
selho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil.
Nesse particular, a Resolução CMN/BACEN de n.º 3.321/2005
de 30/09/2005, estabelece que as cooperativas de crédito
somente podem captar depósitos de seus associados, como
também que a realização de empréstimos se restringe a
seus associados, como estatui o art. 27 desse ato normativo,
com a seguinte redação:
Art. 27. A cooperativa de crédito pode realizar as seguintes
operações, além de outras estabelecidas em regulamenta-
ção específi ca:
I - captar, somente de associados, depósitos sem emissão
de certifi cado; obter empréstimos ou repasses de institui-
ções fi nanceiras nacionais ou estrangeiras, inclusive por
meio de Depósitos Interfi nanceiros de Microcrédito (DIM);
receber recursos oriundos de fundos ofi ciais e, em caráter
eventual, recursos isentos de remuneração ou a taxas fa-
vorecidas, de qualquer entidade, na forma de doações, em-
préstimos ou repasses;
II - conceder créditos e prestar garantias, somente a as-
sociados, inclusive em operações realizadas ao amparo da
regulamentação do crédito rural em favor de associados
produtores rurais. (grifei e negritei)
Vê-se, portanto, que a reproduzida normatização do CMN e
do BACEN é clara no sentido de que as cooperativas de cré-
dito somente podem captar depósitos e conceder créditos e
prestar garantias a seus associados.
(...)
A jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça tam-
bém é no sentido de que as cooperativas de crédito somen-
te podem captar depósitos e realizar empréstimos com as-
sociados, v. g., entendimento consubstanciado nos Recursos
Especiais 784378 (Min, José Delgado), 591298 (Min. Teori
Zavascki). 529391 (Min. José Noronha) e 543828 (Min. Cas-
tro Meira (grifei)
31
De outra sorte, entretanto, à cooperativa de crédito é fa-
cultada a prestação de serviços a terceiros (recebimentos
de tarifas, tributos, pagamentos de salários a empregados,
cobrança, seguros, cartão de crédito e outros), tão-só essa
atividade em relação a não-associados, a teor do disposto
no inciso IV do art. 27 da citada Resolução CMN/BACEN
3.321/2005, verbis:
Art. 27. a cooperativa de crédito pode realizar as seguintes
operações, além de outras estabelecidas em regulamenta-
ção específi ca:
(...)
IV- prestar serviços de cobrança, de custódia, de recebimen-
tos e pagamentos por conta de terceiros mediante contrato
com entidades públicas e privadas e de correspondente no
País, nos termos da regulamentação em vigor, por conta ou
em benefício de associados e de usuários, observadas, no
atendimento a não associados, as restrições estabeleci-
das nos incisos I e II. (negritei)
(...)
Conclui-se, assim, pela impossibilidade de depósito e mo-
vimentação das disponiblidades fi nanceiras municipais em
cooperativas de créditos. Estas somente poderão prestar aos
municípios, nos termos do disposto na Resolução 3.321/05,
serviços de cobrança, de custódia, de recebimentos e paga-
mentos por conta de terceiros.
II.5) Possibilidade da utilização de Banco Postal pelos muni-
cípios que não possuem instituição fi nanceira ofi cial.
O município, restando frustadas as posssibilidades de pro-
ceder às operações bancárias em instituições fi nanceiras
ofi ciais ou privadas (neste caso observado o procedimento
licitatório como observado alhures) poderá utilizar-se de
Banco Postal.
Inicialmente informo que o Banco Postal é um serviço dos
Correios e caracteriza-se pela utilização de sua rede de
atendimento para a prestação dos serviços bancários bási-
cos em todo o território nacional, objetivando, primordial-
mente, oferecer estes serviços à população de baixa renda,
o que tem sido um desafi o em todos os países.
Para isso, os Correios atuam como correspondente ban-
cário do banco privado parceiro, em sintonia com as orien-
tações do Banco Central do Brasil, nos termos da Resolução
3110/2003 do Conselho Monetário Nacional e da Portaria
n.º 588/2000 do Ministérios das Comunicações.
Isto posto, invergo ao debate a possibilidade da utilização
de Banco Postal pelos municípios que não possuem insti-
tuição fi nanceira ofi cial. Nesse sentido, é o entendimento, o
qual acompanho, do Tribunal de Contas do Paraná, inserto
no Acórdão 78/06, sessão do dia 09/02/2006, ao responder
consulta formulada pela Assembléia Legislativa daquele es-
tado, advertindo-se, entretanto, que:
Antes de se iniciarem as operações entre o Município e o
Banco Postal, o Prefeito Municipal deve promover chama-
mento público de agências ou postos bancários, preferen-
cialmente ofi ciais. Constatando-se a instalação de estabe-
lecimento bancário ofi cial no Município, com este devem
ser realizadas as operações. Não existindo banco ofi cial no
Município, este poderá efetuar suas operações junto a ban-
co privado, observando a exigência de procedimento lici-
tatório, caso haja mais de um banco privado no município.
Não havendo possibilidade às alternativas acima, poderá o
Município utilizar-se do Banco Postal. (grifei)
IV - CONCLUSÃO
Ex positis, concluo que:
1º) As disponibilidades de caixa dos Estados, Distrito Fede-
32
ral, Municípios e dos órgãos ou entidades do poder Público
e das empresas por ele controladas devem ser depositadas
em instituições fi nanceiras ofi ciais, de quaisquer esferas, es-
taduais ou federais.
- Esta é a orientação reiterada desta Colenda Corte nas res-
postas às Consultas nºs 616661, 677160, 657310, 658264,
616661, 682192 e 694568;
2º) Inexistindo instituição fi nanceira em funcionamento no
município, este deverá, no limite de sua autonomia legis-
lativa concorrente, editar lei que autorize o depósito e a
movimentação de seus recursos fi nanceiros em instituição
fi nanceira privada, incluída as aplicações fi nanceiras, desde
que essas tenham por lastro títulos ou papéis públicos, não
prescindindo de realização de procedimento licitatório, nos
termos do art. 37, inciso XXI da CR/88;
3º) Esta Corte de Contas não obstante entender em algumas
consultas que as cooperativas não podem fi gurar como li-
citantes, já adotou posicionamento divergente na consulta
nº 682676, quando possibilitou a participação em licitação
de cooperativa de táxi;
4º) Possibilidade de participação de cooperativas em lici-
tações, desde que respeitados os princípios constitucionais
- em especial o da impessoalidade e o da igualdade - bem
como verifi cado que o objeto da licitação encontra-se en-
quadrado ao objeto social da cooperativa e, ainda, absolu-
tamente descaracterizada a atividade de fachada, observa-
da em todos os casos a legislação vigente;
5º) Viabilidade de participação de cooperativas de crédito
nos procedimentos licitatórios, cumpridos os apontamentos
acima registrados, verifi cando-se essencialmente os servi-
ços que podem ser ofertados aos associados e aos não-as-
sociados nos termos da lei;
6º) A cooperativa de crédito somente pode captar depósitos
de seus associados, nos termos da Resolução CMN/BACEN
3.321/2005, art. 86, parágrafo único c/c com art. 27, incisos
I e II .
7º) A jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça
também é no sentido de que as cooperativas de crédito so-
mente podem captar depósitos e realizar empréstimos com
associados;
8º) Facultada à cooperativa de crédito somente a presta-
ção dos seguintes serviços a não-associados: serviços de
cobrança, de custódia, de recebimentos e pagamentos por
conta de terceiros, a teor do art. 27, inciso IV da Resolução
supracitada. Concluindo-se, portanto, que a cooperativa de
crédito não pode movimentar disponibilidade de caixa do
município.
9º) Possibilidade da utilização de Banco Postal pelos muni-
cípios que não possuem instituição fi nanceira ofi cial, desde
que ultrapassados alguns procedimentos que não tenham
logrado êxito.
Tribunal de Contas, 10 de outubro de 2006.
Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Relator
___________________
PROCESSO Nº 709.101
PROCESSO Nº 709.101
NATUREZA: REPRESENTAÇÃO
ÓRGÃO: POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Tratam os presentes autos de representação, com pedido
de liminar, formulada pela empresa PANFLOR EMPREEN-
DIMENTOS LTDA, sediada na cidade do Rio de Janeiro/RJ,
em face da decisão do Chefe de Polícia Civil do Estado de
Minas Gerais que desclassifi cou a representante e classifi -
cou a empresa ISABEL CRISTINA CAMARGOS COIMBRA-ME
em primeiro lugar na licitação modalidade Pregão Presen-
33
1
falta de amparo legal e intempestividade do recurso inter-
posto, improcedência do pedido, cerceamento de defesa e
impossibilidade de revisão da decisão exarada pelo Chefe
de Polícia Civil.
Inferiu-se, do exame inicial da representação, que não fora
comprovado, de plano, o prejuízo na demora da concessão
da tutela pretendida (periculum in mora).
Nesse sentido, ad cautelum, os autos foram encaminhados
ao órgão técnico, que apontou a necessidade de se verifi car
a atual situação da prestação do serviço licitado junto à Po-
lícia Civil, a fi m de subsidiar o posicionamento desta Corte.
Diante do exposto, foram os autos convertidos em diligên-
cia, intimando-se, por meio de Ofi cial Instrutivo, o Chefe de
Polícia Civil e o Diretor de Divisão de Material e Patrimô-
nio, para que fornecessem informações acerca do estado
em que se encontrava o fornecimento de alimentação ao
CERESP.
Cumprida a diligência e verifi cada a ausência dos pressu-
postos que autorizariam a concessão da medida, em sessão
da Segunda Câmara, de 02/05/2006, foi indeferida a liminar
requerida, sendo os autos encaminhados ao órgão técnico
para que procedesse ao exame da documentação juntada.
Não satisfeita com a decisão proferida pela Segunda Câma-
ra, que negou provimento à concessão da liminar requerida,
a empresa Panfl or Empreendimentos Ltda interpôs Pedido
de Reconsideração, em 16/05/2006, protocolizado sob nº
146869-2.
Inicialmente, cabe esclarecer que, a meu juízo, o instrumen-
to tecnicamente adequado para hostilizar a decisão que in-
deferiu a medida liminar requerida pela representante não
se trata de Pedido de Reconsideração, e sim de Agravo.
O agravo, diferentemente do recurso de reconsideração,
cial n.º 319/2005 - promovida pelo órgão em epígrafe, cujo
objeto é a contratação do fornecimento de alimentação a
presos condenados e/ou provisórios aguardando julgamen-
to e policiais na Unidade de Polícia Civil CERESP/Gameleira,
conforme especifi cações dos anexos do edital.
Consoante a ata do pregão presencial, acostada às fl s. 70
a 73, foram classifi cadas as propostas de ISABEL CRISTINA
CAMARGOS COIMBRA-ME; HELIO MENDES MAGALHÃES E
PANFLOR EMPREENDIMENTOS LTDA, na ordem crescente de
preços. Posteriormente, na fase de habilitação, foram des-
classifi cadas as duas primeiras empresas pela pregoeira, res-
tando a empresa PANFLOR EMPREENDIMENTOS LTDA como
única classifi cada no certame.
Em ata, consignou a empresa ISABEL CRISTINA CAMARGOS
COIMBRA-ME seu desejo de apresentar recurso contra sua
desclassifi cação, interposto tempestivamente, conforme
documentos de fl s.75 a 86. A representante juntou con-
tra-razões recursais, fl s. 105 a 117. O recurso foi julgado
improcedente pela pregoeira, fl . 119, decisão ratifi cada pelo
diretor de material e patrimônio, fl s. 124 a 131.
Inconformada com essa decisão, a empresa ISABEL CRISTINA
CAMARGOS COIMBRA-ME, interpôs RECURSO de RECONSI-
DERAÇÃO, protocolizado em 13/02/2006, diretamente ao
Chefe de Polícia, que deu provimento ao recurso, desclassi-
fi cando a representante e classifi cando a referida empresa
em primeiro lugar no certame em comento – publicação no
“Minas Gerais” em 18/03/2006, fl . 133.
A partir desse quadro, insurge-se a representante contra suposta
ilegalidade do ato do Chefe de Polícia, que poderia ter desbordado
de suas competências ao reformar a decisão da Pregoeira, decisão
esta ratifi cada pelo Diretor de Material e Patrimônio – autoridade
responsável pelo edital e pela homologação do certame.
Em sua argumentação, em síntese, alegou a representante,
34
será interposto contra despacho interlocutório, ordinário
do Presidente ou do Relator, ou contra decisões não defi ni-
tivas do Tribunal Pleno ou das Câmaras, nos termos do art.
250 do referido Regimento.
Neste sentido, consoante os ensinamentos de Antônio Cláu-
dio da Costa Machado, em “Código de Processo Civil Inter-
pretado”, fl . 748, o agravo pode ter por objeto uma provisão
jurisdicional de urgência, constituindo-se uma medida limi-
nar cautelar concedida ou denegada, uma antecipação de
tutela, também concedida ou denegada, ou medida liminar
puramente antecipatória.
No caso em tela, o indeferimento da concessão da liminar
requerida não constitui decisão de mérito, cabendo, pois,
contra ela a interposição de agravo.
Diante do exposto, nos termos da certidão expedida pela
Secretaria Geral e pelo princípio da fungibilidade, recebo a
documentação em exame como agravo por tempestivo.
A questão da concessão da liminar ora pretendida para além
da argumentação aduzida pela representante, diz respeito
à própria competência do TCMG, em matéria de licitação e
contratos administrativos.
É que, embora possa parecer que o TCMG atue nessa seara,
tutelando o interesse individual do representante (licitan-
te), isto, de fato, não acontece, porquanto o interesse do
controle externo é o interesse da sociedade.
Nesse diapasão, quando o TCMG verifi ca a regularidade dos
certames licitatórios não o faz para determinar que a Admi-
nistração contrate ou não contrate com eventual licitante,
mas sim para declarar se o certame atende ou não atende
ao que dispõe o ordenamento jurídico. Eventual interesse
individual que se pretenda ver tutelado deve ser objeto de
ação no âmbito do Poder Judiciário, órgão a que está afeta a com-
petência para solver confl itos e tutelar interesses individuais.
Ora, neste caso, percebe-se que o interesse que a represen-
tante traz à tona no pedido formulado em sua exordial é in-
dividual, descabendo ao TCMG decidir que a Administração
contrate consigo. A esta Corte caberia sustar os efeitos do
ato do Chefe da Polícia Civil, desde que o contrato não hou-
vesse sido assinado, determinando as correções adequadas
no procedimento.
Portanto, o escopo de abrangência da atuação das Cortes
de Contas situa-se no plano da efi cácia e não da validade.
A conseqüência prática disto é que, caso o agente público
insista em continuar executando ato cuja prática foi susta-
da pelos Tribunais de Contas, o fará por sua conta e risco,
respondendo objetivamente pelas suas conseqüências, in-
clusive eventual necessidade de ressarcimento de valores
ao erário, após a apuração de responsabilidade em processo
próprio.
Dessa forma, a posição a ser adotada pelo Tribunal de Con-
tas de Minas Gerais é binária, vale dizer, o pronunciamento
é no sentido da regularidade ou da irregularidade do
procedimento.
Também se deve registrar que ao Tribunal de Contas de Mi-
nas Gerais não compete declarar a validade ou invalidade
dos atos da Administração, competência esta que cabe à
própria Administração (no exercício do poder de auto tute-
la) ou ao Poder Judiciário, se for provocado para tanto.
O que se quer dizer é que, em outros termos, a teor do
disposto no art. 71, IX e X e § I da Constituição, ao TCMG
compete sustar a efi cácia de atos administrativos ilegais
quando isto efetivamente for possível, mas não declarar sua
invalidade ou sua validade.
Por demais, vale dizer que a competência de sustação do TCMG
antes da assinatura do contrato pressupõe o caso das licitações
que ainda não tenham dado azo à contratação, pois se o con-
35
trato está fi rmado, a competência sustatória é do Poder
Legislativo.
Neste sentido, ao compulsar os autos e a documentação
acostada, verifi ca-se que o contrato já foi fi rmado, de sor-
te que a competência para sustá-lo é do Poder Legislativo,
conforme já aludido.
Logo, não é possível que o TCMG, em sede da liminar, sus-
penda licitação, como, aliás, deveria ter requerido a repre-
sentante, posto que já fi ndada.
Entretanto, não obstante toda essa reconstrução teórica
aqui desenvolvida, em que resta clara a impossibilidade do
Tribunal de Contas conceder a tutela nos termos propostos
pela recorrente, não poderia deixar de tecer algumas consi-
derações afetas ao caso que ora se apresenta a esta Corte.
Em uma primeira análise, não se pode olvidar de mencionar
uma série de indícios de irregularidades que carreiam, per
si, o condão de macular todo o procedimento licitatório e
conseqüentemente a execução dos contratos e a realização
das despesas dele decorrentes.
Aspecto essencial, sem prejuízo de um maior aprofunda-
mento posterior em questões de ordem técnica do proce-
dimento - referentes, por exemplo, a cláusulas editalícias
- e do processamento dos contratos, diz respeito ao próprio
ato do Chefe de Polícia que desclassifi cou a representante
e adjudicou o objeto à empresa Isabel Cristina Camargos
Coimbra-ME- que aliás encontra-se impedida de fornecer
a alimentação, em função de sua interdição pela vigilância
sanitária.
Ora, ab initio, cabe aqui fazer uma breve digressão sobre
o processamento dos recursos na modalidade Pregão. Nes-
te, como a decisão de inabilitar o licitante é do pregoeiro
(vide art 9º da Lei Estadual 14.167/02 e art 7º do Decreto
42.416/02 que regulamenta a lei), a este deverá ser dirigi-
do o recurso, que caso não provido deverá encaminhá-lo
para autoridade competente. Esta deve ser entendida como
aquela responsável pela licitação, ou em outros termos,
aquela que homologa o certame, para que, em sede fi nal
e defi nitiva, decida sobre a procedência ou não do recurso.
Encerra-se, aí, pois, o processamento do recurso hierárquico
cabível à espécie.
No caso sub exame, verifi ca-se que a autoridade responsá-
vel pela licitação – Ata de Realização do Pregão Presencial
de fl s 119 a 122 - foi o Diretor da Divisão de Material e
Patrimônio, sendo este o responsável pela última palavra
recursal no certame em comento. Ressalta-se ainda, que
não cabe a esta Corte discutir tal fato, pois não cabe a ela
imiscuir-se na esfera de distribuição de competência inter-
na da Polícia Civil para processamento de licitações e orde-
namento de despesas.
Entretanto, em função da aplicação subsidiária da Lei
8666/93 à modalidade pregão, poder-se-ia considerar a
hipótese do cabimento de recurso interposto diretamente
à autoridade máxima da Polícia Civil, como representação,
a teor do art. 109, inciso II, da Lei 8666/93, ainda que com
reservas, ou mesmo como direito de petição, em função do
mandamento constitucional insculpido no art. 5º, XXXIV, a
da CR/88, e não como pedido de reconsideração, pois não
há como alguém reconsiderar algo que não decidiu.
Não obstante a consideração de tais possibilidades, neces-
sário ainda é que se observasse a questão da tempestividade
da interposição dos mesmos. Ora, a se aceitar que quais-
quer manifestações de irresignação quanto a decisões da
Administração possam se dar a qualquer tempo, sem limi-
tes, parâmetros ou balizas, estaria-se a subverter de forma
até irresponsável a segurança jurídica que devemos tute-
lar. Nesse sentido, como se observa dos autos, o “recurso”
36
foi interposto quase que 30 dias após a manifestação da
autoridade competente (Diretor da Divisão de Material e
Patrimônio), portanto nem mesmo pelo princípio da fungi-
bilidade poder-se-ia conhecê-lo como tempestivo.
Por fi m e por demais, ainda que do recurso fosse dado co-
nhecimento, caberia ao Chefe de Polícia tão somente dar
provimento ao mesmo, determinando que os autos fossem
baixados a quem de direito para dar cumprimento à sua
decisão, e não, ele próprio inabilitar quem quer que seja e
adjudicar o objeto a um terceiro.
Entendi necessárias essas considerações no intuito de aler-
tar ao Sr. Chefe de Polícia de que, quando da análise do
mérito, em virtude dos veementes indícios de irregularida-
des, poderá e deverá o TCMG sindicar a licitude da licitação
como um todo e do contrato para, se for o caso, imputar
ao responsável pelo prosseguimento da licitação as pena-
lidades previstas na LC 33/94 e no RITCMG, sem prejuízo
da imputação de ressarcimento, se verifi cado após o devido
processo legal, dano ao erário na contratação.
VOTO
Pelo exposto, nego provimento ao agravo por perda de seu
objeto, haja vista o exaurimento da competência desta Cor-
te de Contas na concessão da tutela nos termos pretendi-
dos.
Entretanto, à vista dos indícios de graves irregularidades re-
lacionadas ao processamento do certame licitatório, solicito
ao Exmo Conselheiro Presidente a realização de inspeção
extraordinária em regime de urgência para apuração do
procedimento ora em comento e da execução dos contratos
dele decorrentes, não sem antes recomendar, desde logo,
ao Chefe de Polícia que adote medidas saneadoras do pro-
cedimento, sem prejuízo da ciência dos fatos à Assembléia
Legislativa, nos termos do art. 76, § 1º da CE/89 - em virtude
do contrato de fornecimento já estar em execução - e à
Promotoria do Patrimônio Público para as providências que
entender cabíveis.
Dê-se ciência do inteiro teor desta decisão à empresa Pan-
fl or Empreendimentos LTDA.
Em seguida, encaminhem-se os autos à Secretaria da Se-
gunda Câmara para que proceda à juntada da documenta-
ção referente ao agravo interposto.
É como voto.
Conselheiro Antônio Carlos Andrada
Relator
___________________
RECURSO DE REVISÃO: Nº 666.571
PEDIDO DE VISTA
RECORRENTE: SR. MAURO SANTOS FERREIRA
ENTIDADE: SECRETARIA DE ESTADO DE RECURSOS HUMA-
NOS E ADMINISTRAÇÃO.
Relatório
Em Sessão Plenária do dia 22/03/2006, pedi vista dos pre-
sentes autos para inteirar-me da matéria em votação.
Versam os autos sobre Recurso de Revisão interposto pelo
ex-Secretário de Estado de Recursos Humanos e Adminis-
tração, Sr. Mauro Santos Ferreira, com fundamento no art.
84 da Lei Complementar nº 33/94, objetivando a revisão
da decisão prolatada pela Terceira Câmara, na Sessão do
dia 18/12/2001, no Processo de Aposentadoria nº 493.050,
de Rosa Maria Duretti, concedida por ato publicado em
03/08/1996.
A decisão em comento denegou o registro do ato de apo-
sentadoria, tendo em vista o não cumprimento da diligên-
cia determinada em 01/08/2000, para juntada aos autos de
certidão de tempo para fi ns de concessão da Gratifi cação
RECURSO Nº 666.571
37
cancelando, ou não a decisão anterior, com fundamento
na decisão da Quarta Câmara prolatada na sessão do dia
05/09/2002, processo nº 657.559.
A decisão constante do processo supracitado foi no sentido
de que os documentos autuados como recurso de revisão
e assim recebidos pelo Conselheiro Presidente, na verdade
cuidariam de cumprimento de diligência ou justifi cativas
por parte de autoridade competente.
A douta Procuradoria é acorde com a douta Auditoria, fl s.
52 e 53.
Em seguida, o Conselheiro Sylo Costa submeteu o relatório
ao Conselheiro Revisor Elmo Braz.
O Processo foi incluído na pauta da Sessão Plenária do dia
15/10/2003, ocasião em que fi cou decidida a suspensão do
julgamento até que houvesse deliberação sobre a matéria
trazida anteriormente pelo Conselheiro Moura e Castro.
Assim, em Sessão Plenária do dia 22/03/06 o Conselheiro
Sylo Costa, após o sobrestamento do presente processo na
Secretaria do Pleno - aguardando a decisão acerca da pro-
posta referente à interposição e tramitação de recursos em
processo de aposentadoria - retorna à apreciação do Pleno
o respectivo Recurso de Revisão e entende que a matéria
deve ser examinada no Recurso de Revisão nº 660.828 de
sua relatoria.
Ainda, quanto ao mérito, esclarece que a matéria já foi ob-
jeto do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, pro-
tocolado sob o nº 674.348, apreciado na Sessão Plenária do
dia 23/04/2003.
A seguir votam de acordo com o Conselheiro Relator, o
Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Moura e Castro, e Con-
selheiro Simão Pedro.
O Conselheiro Wanderley Ávila nega provimento ao recur-
de Incentivo à Docência, computando-se os afastamentos
da regência de classe por laudo médico e, se implementado
o requisito de tempo, a servidora teria direito à inclusão do
2º biênio aos proventos.
O Recorrente aduz em razões recursais, em síntese, que no
universo de processos de aposentadoria encaminhados a
este Tribunal, “apenas aqueles distribuídos em data próxima
à Terceira Câmara, retornaram a esta Casa para concessão
da Gratifi cação de Incentivo à Docência computando-se to-
dos os períodos de licença para tratamento de saúde, deter-
minação essa, que contraria formalmente a legislação que
institui a referida gratifi cação e o posicionamento fi rmado
no decorrer dos anos por essa Colenda Corte, já que até
então, não havia negado registro a nenhum ato de aposen-
tadoria sob tais argumentos.”
Alega, ainda que, se os afastamentos da regência para tra-
tamento de saúde forem computados para a concessão de
biênios, na atual situação e naquelas análogas, signifi ca re-
ver a situação de milhares de professores, colocando em
risco a estabilidade da relação entre Administração e admi-
nistrado e os princípios da igualdade e estrita legalidade a
que estão vinculados os atos administrativos.
O despacho de admissibilidade do recurso encontra-se à fl . 31 e,
à fl . 30, Certidão expedida pela Secretaria - Geral desta Casa.
O Conselheiro Sylo Costa, nos termos do despacho de fl .
33, determinou a remessa dos autos à Diretoria Técnica -
DAARP / DEARP, cuja informação encontra-se às fl s. 35 a
38. Ato contínuo concedeu vista do processo ao Recorren-
te, pelo prazo regimental e, a seguir, às doutas Auditoria e
Procuradoria.
Em parecer de fl s. 50 e 51, a douta Auditoria opina pela
remessa dos autos ao Sr. Conselheiro Relator de origem, vi-
sando novo exame da legalidade do ato de aposentadoria,
38
so, quando, na seqüência, pedi vista dos autos.
É o relatório.
Fundamentação
Primeiramente, registro que a presente questão relativa ao
cômputo dos períodos de afastamento por motivo de tra-
tamento de saúde para fi ns de concessão da Gratifi cação
de Incentivo à Docência, foi objeto do Incidente de Unifor-
mização de Jurisprudência, protocolado sob o nº 674.348,
apreciado na Sessão Plenária do dia 23/04/2003. Ocasião
em que esta Corte de Contas, por maioria dos votos, re-
conheceu a vigência e aplicabilidade da regra estabelecida
no art. 2º, §4º, da Lei nº 8.517/84, segundo a qual é veda-
do o cômputo dos períodos de afastamento e licenças para
concessão da Gratifi cação de Incentivo à Docência, tendo
tal regra sido recepcionada pela Constituição da República
de 1988 em todo o seu alcance, não confi gurando ofensa
ao princípio da moralidade. Ao contrário, entendeu-se que
a restrição legal guarda consonância com a aposentadoria
especial do professor, conforme art. 40, §1º, inciso III, alínea
“a”, combinado com o §5º, da Constituição da República, na
redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98. Po-
rém, a decisão não pôde ser sumulada, uma vez que não
foi alcançado quorum especial de cinco votos previsto
no Regimento Interno deste Tribunal.
Saliento, na oportunidade, que a controvérsia trazida à dis-
cussão constitui polêmica de dimensão legítima, haja vista
entendimentos divergentes esposados por conselheiros des-
ta Corte.
Desde já, informo que, com a devida vênia, discordo do de-
cisum em realce e passo a fundamentar o meu entendi-
mento.
Ao intentar solver a questão cumpre assinalar que deve ser
agasalhado o reconhecimento de que, em um Estado que
se autodefi ne como democrático, é de todos a Constitui-
ção, tendo em vista que a legitimidade do direito e do pró-
prio Estado provém de sua origem democrática, isto é, na
perspectiva de Jürgen Habermas1 na sua conceituada obra
Direito e Democracia: entre a faticidade e a validade, na
exata medida da participação dos cidadãos na construção
dos direitos e deveres que eles próprios defi nem para regu-
lar a vida em comum.
Nessa linha, Marcelo Cattoni2, em sua obra “Devido Proces-
so Legislativo” resgata Jiménez Redonho, que ao discorrer
acerca do princípio democrático como uma densifi cação do
princípio do discurso ensina: sólo son legítimas aquellas
normas de acción que pudierem ser aceptadas por todos
los possibles afectados por ellas como participantes em
discursos racionales3.
Com efeito, como desdobramento da produção legítima de
normas defl ui a necessidade de participação ativa de toda a
sociedade organizada - cidadãos e órgãos que se encontram
sob sua égide - no processo de interpretação constitucional,
não obstante a competência para o exercício do controle de
constitucionalidade, na acepção técnica e estrita – ser al-
cançada somente pelos órgãos do Poder Judiciário em face
do modelo jurisdicional de controle adotado no direito bra-
sileiro. Nessa perspectiva é que resulta a necessidade de se
assegurar a sociedade aberta de intérpretes da Constituição
apresentada por Peter Häberle.
1 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro Vols. I e II, 1997.
2 CATONI, Marcelo. Devido processo legislativo, Belo Horizonte: Manda-
mentos, 2000, p 15.
3 Tradução livre: só são legítimas aquelas normas de ação que puderem
ser aceitas por todos os possíveis afetados por elas como participantes de
discursos racionais.
39
Na esteira deste enfoque é que se cristaliza o poder / dever
dos Tribunais de Contas, órgãos de controle primazes, cuja
existência e efetiva atuação são imprescindíveis em um re-
gime democrático, até como forma de garantia e respeito
às normas insculpidas na Lei Maior. Não pode, contudo, de-
clarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do
Poder público, nos moldes do Poder Judiciário, mas deve
negar-se à aplicação de leis manifestadamente inconstitu-
cionais, no desempenho de suas funções.
A Mestra Elke Andrade Soares de Moura e Silva ao abordar
o assunto cita o ensinamento de Hemístodes Cavalcanti:
A declaração de constitucionalidade é, entretanto, prer-
rogativa do Poder Judiciário, de que não se pode utilizar
o Tribunal de Contas sem invadir a esfera daquele Poder,
mas, ao apurar a sua própria competência em face da
Constituição e das leis e ao apreciar os atos sujeitos ao seu
julgamento, nada impede que o Tribunal de Contas exami-
ne a validade e a eficácia das leis e dos atos administrati-
vos perante a Constituição, deixe de aplicá-los e reconheça
o seu vigor quando manifesta a inconstitucionalidade4.
Ainda, entende a Professora referenciada, verbis:
É certo, porém, que ao Tribunal de Contas não é permiti-
do declarar a inconstitucionalidade da norma, posto que
referida função está reservada exclusivamente ao Supre-
mo Tribunal Federal e aos Tribunais de Justiça Estaduais
(quando em conflito norma municipal ou estadual e dispo-
sitivo da Constituição do respectivo Estado), na realização
do controle direto (abstrato) de constitucionalidade. Deve,
no entanto, negar-lhe aplicação, se constatar que discrepa
4 SILVA, Elke Andrade Soares de Moura e, Os Tribunais de Contas e o
Controle de Constitucionalidade as Leis, Revista do Tribunal de Contas do
Estado de Minas Gerais, Ano XXII, nº3, p 90.
das disposições constitucionais5.
Registro, desse modo, o teor da Súmula 347, do Excelso Pre-
tório:
O Tribunal de Contas no exercício de suas atribuições pode
apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder
público.
Encampando o fundamento acima esposado e a questão
prefacial, verifi ca-se que compete ao Tribunal de Contas,
nos termos do art. 71, III c/c art.75 da CR/88, apreciar, para
fi ns de registro, a legalidade das concessões de aposentado-
rias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posterio-
res que não alterem o fundamento do ato concessório, além
de outras atribuições previstas nas Constituições Federal e
Estadual e nas leis infraconstitucionais.
Com efeito, o Conselheiro Eduardo Carone ao relatar o
exame contido no seu voto em sede de Incidente de Uni-
formização de Jurisprudência, processo nº 674348, assim
entendeu:
O exame da legalidade dos atos concessórios de aposen-
tadorias, reformas e pensões deve ser entendido como via
de mão dupla, para não se cingir, apenas, à verificação da
compatibilidade do ato concessório com a legislação que o
rege em observância ao princípio: “tempus regit actum”.
Verifi ca-se, pois, que o nobre Conselheiro já sinaliza para
essa mudança na forma de se compreender e aplicar o direi-
to. Nesses termos, sob o paradigma do Estado Democrático
do Direito, em que a legitimidade das decisões adquire um
caráter procedimental e participativo, não mais se sustenta
o modelo positivista de Kelsen segundo o qual a validade
do ordenamento jurídico se resumia a um silogismo des-
provido de conteúdo que deveria encerrar toda a lógica do
5 Moura e Silva, ob. cit. p 89.
40
“dever-ser”. Do contrário, a nova modelagem, denominada
pós-positivista, traz à baila a aquisição de normatividade
por parte dos princípios que agora, a exemplo das regras,
passam também a incorporar o ordenamento jurídico e,
portanto, adquirem coercitividade.
Isto posto, verifi ca-se que a Administração Pública não
está apenas atrelada ao princípio da legalidade. No orde-
namento jurídico, outros princípios concorrem para reger
as situações de aplicação, de sorte que a norma adequa-
da apresenta-se como deslinde de um juízo ou senso de
adequabilidade imprescindível para o resultado do processo
interpretativo. Na construção da norma adequada, como
explica Rodolfo Viana Pereira6, apoiado na obra de Klaus
Günther7, exige-se que todo discurso de aplicação das nor-
mas – regras ou princípios – pelo intérprete, deve pautar-se
pela motivação e fundamentação, na qual devem ser con-
sideradas todas as circunstâncias fáticas envolvidas no exa-
me do caso concreto.
Portanto, árdua é a tarefa do intérprete que não pode mais
se ancorar no porto seguro de uma modelagem unicamente
positivista. Elucidativos, neste sentido, são os ensinamentos
do Professor Menelick de Carvalho Netto:
Desse modo, no paradigma do estado do Direito, é de se
requerer do Judiciário que tome decisões que, ao retra-
balharem construtivamente os princípios e regras cons-
titutivos do Direito vigente, satisfaçam, a um só tempo,
a exigência de dar curso e reforçar a crença tanto na
legalidade, entendida como segurança jurídica, como
certeza do Direito, quanto ao sentimento de justiça rea-
lizada, que defl ui da adequabilidade da decisão às parti-
6 V.P. Rodolfo, ob. cit. p 161
7 GÜNTHER, Klaus. Teoria da Argumentação no direito e na moral.
cularidades do caso concreto. (...)8 (Negrito meu).
Faz-se, então, necessário trazer ao debate a confi rmação
da efi cácia normativa dos direitos fundamentais e dos prin-
cípios que se transformaram numa espécie de bússola da
Constituição orientando e governando todo o ordenamento
jurídico. São os direitos fundamentais a Constituição mes-
ma em seu máximo teor de materialidade, que após o pe-
culiar rompimento com o positivismo, libertou-se de ser um
sistema de normas na representação clássica, para se trans-
formar num sistema de princípios. Reconhece-se, a partir de
então, a inteira juridicidade dos princípios9.
A própria CR/88, nos §§ 1º e 2º do art. 5º, também consagra
tal entendimento ao dispor sobre a aplicabilidade imediata
dos direitos e garantias fundamentais e a recepção de prin-
cípios outros daqueles já expressos em seu texto.
Como se observa, nesse novo contexto, e aqui faço menção a
Rodolfo Viana Pereira, a Constituição é locus hermenêutico
do Direito. É o lugar a partir do qual se defi ne a amplitude
dos signifi cados possíveis dos preceitos jurídicos infracons-
titucionais. A afi rmação do constitucionalismo moderno
como modo de regulamentação da convivência política, e a
consagração do princípio da supremacia constitucional não
poderiam permitir compreensão diversa.
Portanto, é essencial a função do operador do Direito para
investigar frente à lei infraconstitucional, fonte normativa,
sua correta adequação à conjugação das regras e princípios
(normas) constitucionais, no intuito de fazê-la aliada aos
8 CARVALHO NETTO, Menelick de.Requisitos pragmáticos da interpreta-
ção jurídica sob o paradigma do estado democrático de direito. Revista
de Direito Comparado. BeLo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG,
v.3, p 486, 1999
9 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constituciona, 7ª edição, Malhei-
ros, São Paulo, p 585.
41
fi ns que norteiam o modelo ideal de comunidade política e,
assim, realizar justiça no caso concreto10.
A Constituição constitui-se, no caso, a fonte de toda legiti-
midade por demonstrar o limite do trabalho hermenêutico.
O que afasta a aceitação plena de que os métodos clássicos
de interpretação (literal, teleológica, etc.) são sufi cientes
para trazer a verdade genuína constante no seio da norma.
Nesse diapasão, na monumental obra “Verdade e Método”,
do Mestre Gadamer, precursor da chamada hermenêutica
fi losófi ca, encontramos as cristalinas palavras de Richard
Palmer:
A verdade não se alcança metodicamente, mas dialetica-
mente (...). Rigorosamente falando, o método é incapaz de
revelar uma nova verdade; apenas explicita o tipo de ver-
dade já implícita no método11.
Toda essa reconstrução teórica se mostra importante, pois
à luz do método clássico de interpretação literal do art. 2º,
§4º, da lei 8.517/84, não deve ser computado o período de
afastamento do servidor da atividade específi ca de profes-
sor ou regente de ensino, por motivo de licença para trata-
mento de saúde, para fi ns de percepção da Gratifi cação do
Incentivo à Docência.
Entretanto, acredito que no caso em tela esse entendimen-
to não pode prosperar. Para justifi car meu entendimento,
passo à análise do dispositivo em comento face à Consti-
tuição de 1988, que em seu Título II – Direitos e Garantias
Fundamentais – art. 6º, assegura a saúde como direito social
fundamental, até mesmo por se apresentar como corolário
ao direito à vida.
10 PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica fi losófi ca e Constitucional.Del
Rey, Belo Horizonte, 2001, p 141.
11 PALMER, Richard E. Hermenêutica Lisboa, edição 70,1997, p 169.
Compreendida a noção da indissociabilidade dos direitos
fundamentais à vida e à saúde, têm-se o substrato do prin-
cípio da dignidade da pessoa humana. Ou seja, a ausência da
efetividade na concretização destes direitos fundamentais
constitui, também, uma violação ao princípio constitucio-
nal, podendo-se, inclusive, exigir judicialmente a prestação
correspondente.
Por demais, sem adentrar aqui na profícua discussão acer-
ca da fundamentalidade dos direitos prestacionais, ou seja,
aqueles que demandam uma ação positiva do Estado, cabe
frisar que a saúde integra o chamado “mínimo existencial”
indispensável à manutenção da integridade física e em últi-
ma ratio, da própria vida.
Não obstante adotar uma linha doutrinária diferenciada
no que diz respeito ao presente tema, o Professor Ricardo
Lobo Torres entende também, que as prestações que fazem
parte do “mínimo existencial”, sem o qual restará violado o
núcleo da dignidade da pessoa humana, compromisso fun-
damental do Estado brasileiro, são oponíveis e exigíveis dos
poderes públicos constituídos. E, ainda, o “mínimo existen-
cial” representa um conjunto de condições iniciais para o
exercício da liberdade, que assim traduz:
Os direitos à alimentação, saúde e educação, embora
não sejam originariamente fundamentais, adquirem o
status daqueles no que concerne à parcela mínima sem o
qual não sobrevive12. (Negritei)
Depreende-se da interpretação do raciocínio transcrito que
o direito à saúde não é tratado como um direito individu-
al fundamental a priori, devendo adquirir este status, pois
constitui em sua essência o standart mínimo de existência
12 TORRES, Ricardo Lobo, Os direitos humanos e a tributação – imunida-
des e isonomia, 1995, p133.
42
indispensável ao princípio da dignidade da pessoa humana.
E, nesta sociedade contemporânea focada no ponto de vista
jusfi losófi co, na credibilidade dos postulados humanistas e
na democracia, a dignidade da pessoa humana (considerado
seu aspecto material) adquire relevância ímpar.
Portanto, no caso sub examine a normatização dos princí-
pios permite que possamos continuar no modelo de juridi-
cidade sem permitirmos distorção que reduza a regulamen-
tação à hipótese restrita da regra contida no art.2º, §4º, da
lei estadual 8.517/84.
Esposado meu entendimento, gostaria ainda de mencionar
que na construção da norma adequada ao caso em comen-
to, relevante é o excerto extraído do acurado entendimento
promanado do voto do nobre Conselheiro Eduardo Carone:
O intérprete deve atentar para a questão pontual no exame
do cômputo, ou não, do período de licença para tratamento
de saúde para fi m de concessão da gratifi cação sob comen-
to, e que está relacionada ao aspecto da voluntariedade do
afastamento, ou seja, a doença independe de ato voliti-
vo do servidor, sendo sempre involuntária, inesperada e
indesejada. (Negritei)
Portanto, a partir dos argumentos por mim apresentados e
valendo-me desse posicionamento do Conselheiro Eduardo
Carone em assentada já referida, e considerando o direi-
tos fundamentais à vida e a saúde, cernes do princípio da
dignidade da pessoa humana retratados na Constituição
da República de 1988, infere-se que a norma jurídica in-
fraconstitucional em comento não pode desferir refl exos
danosos para a vida funcional e para o patrimônio da servi-
dora. A saúde é um direito garantido constitucionalmente,
sendo-lhe assegurado o afastamento do serviço para trata-
mento médico necessário, e por sua vez, o pagamento de
sua remuneração, para que possa continuar mantendo seu
sustento e de sua família.
Toda essa construção que permite a liberação das amarras
de uma legalidade estrita encontra acolhida também na Ju-
risprudência Pátria. Nessa perspectiva, decidiu o Superior
Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial 249026/PR,
Relator Min. José Delgado, assim ementado:
FGTS. LEVANTAMENTO, TRATAMENTO DE FAMILIAR POR-
TADOR DO VÍRUS HIV, POSSIBILIDADE, RECURSO ESPECIAL
DESPROVIDO.
1. É possível o levantamento do FGTS para fins de trata-
mento de portador do vírus HIV, ainda que tal moléstia não
se encontre elencada no artigo 20, XI, da Lei 8036/90, pois
não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e
sim considera-la com temperamentos, tendo-se em vista a
intenção do legislador, mormente perante o preceito maior
insculpido na Constituição Federal garantidor do direito à
saúde, à vida e a dignidade da pessoa humana e, levando-
se em conta o caráter social do Fundo que é, justamente,
assegurar ao trabalhador o atendimento de suas necessi-
dades básicas e de seus familiares.
2. Recurso Especial Desprovido
O Ministro José Delgado, neste voto, ao relatar, ratifi cou
as palavras do ilustre prolator da sentença de 1º grau, in
verbis: Prefiro, quando as circunstâncias assim o exigem,
navegar ao largo da legalidade, sem rotular-me alternati-
vo, contudo, sentindo prazer incomensurável de decidir de
forma a albergar os anseios dos mais necessitados.
Caminha-se, desse modo, para a conclusão que o art.2º, §4º,
da lei estadual nº 8.517/84 não deve ser aplicado in casu,
pois a sua aplicação constituirá afronta à Constituição Fe-
deral de 1988 e à Carta Mineira de 1989, quando, senão
vejamos também, a exemplo disso, o art. 37 da Constitui-
43
ção Mineira dispondo que após a cessação dos motivos que
causaram a aposentadoria por invalidez, o servidor público
que retornar à atividade terá direito, para todos os fins,
salvo para o de promoção, à contagem do tempo relativo
ao período de afastamento. Conclui-se que se considerar-
mos que o caso em tela não trata de promoção do servidor
e que a aposentadoria por invalidez é ocasionada por pro-
blemas de saúde, o mesmo tratamento deve ser atribuído
ao servidor que esteve afastado para tratamento de saúde,
ou seja, trata-se de afastamentos de mesma natureza.
Extrai-se de todo o exposto, que a regra epigrafada, em
face do óbice do cômputo do afastamento para tratamento
de saúde para fi m de percepção da Gratifi cação de Incenti-
vo à Docência, não pode ser aplicada no presente caso por
revelar-se uma violação à nova ordem jurídica trazida com
o advento das Constituições da República de 1988 e Esta-
dual de 1989; por via de conseqüência o art. 8º do Decreto
Estadual nº 23559/84 deve receber o mesmo tratamento.
Nesse caso, a regra em destaque cede espaço em face do
direito fundamental à vida e à saúde, materializados no
princípio da dignidade da pessoa humana, que se apre-
senta como norma adequada ao caso concreto.
Portanto, não considerar os princípios como normas
tende-se a corromper o próprio valor segurança jurídica
que se pretende assegurar.
À vista desse sentido, acrescento o entendimento de que a
inconstitucionalidade material é o satélite da ilegitimida-
de, como ensina Paulo Bonavides13 que apoiado na obra de
Juarez Freitas sobre a intrísica e substancial inconstitucio-
nalidade da lei injusta, afi rma que o conceito de inconsti-
tucionalidade material, em outros termos, está diretamente
vinculado aos princípios superiores de justiça, igualdade e
13 BONAVIDES, São Paulo, p 553 e 554.
dignidade da pessoa humana. E continua o Mestre Paulo
Bonavides:
A pior das inconstitucionalidades não deriva, porém, da in-
constitucionalidade formal, mas da inconstitucionalidade
material, deveras contumaz nos países em desenvolvimen-
to ou subdesenvolvidos, onde as estruturas constitucio-
nais, habitualmente instáveis e movediças, são vulneráveis
aos reflexos que os fatores econômicos, políticos e finan-
ceiros sobre elas projetam. (...)
Cabe, por conseguinte, reiterar: quem governa com gran-
des omissões constitucionais de natureza material me-
nospreza os direitos fundamentais e os interpreta a fa-
vor dos fortes contra os fracos. Governa, assim, fora da
legítima ordem econômica, social e cultural e se arreda
da tridimensionalidade emancipativa contida nos direi-
tos fundamentais da segunda, terceira e quarta gera-
ções. (Negritei)
Cumpre acrescentar, ainda, que a Lei Maior contempla, em
seu art. 3º, como um dos objetivos fundamentais da Repú-
blica Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre,
justa e solidária”. Objetivo este que tem pertinência com
o respeito à redução das desigualdades sociais, que é ao
mesmo tempo um princípio da ordem econômica, art. 170,
VII da CR/88, e também um dos objetivos fundamentais do
nosso ordenamento jurídico.
Não obstante já ter discorrido sobre meus fundamentos e
marcado minha posição, não poderia de deixar de trazer à
colação novamente o entendimento do nobre Conselheiro
Eduardo Carone, que embora com fundamento diverso, em
que faz referência ao atendimento do princípio da morali-
dade, também esposa a tese da possibilidade do cômputo
do período de afastamento para tratamento de saúde na
concessão de Gratifi cação de Ensino a Docência, senão ve-
jamos:
44
Nesse diapasão, o diploma legal sob exame ao permitir
que se faça o cômputo de período de afastamento de fé-
rias regulamentares e férias-prêmio, por exemplo, licenças
eminentemente voluntárias, e não permitir que se faça o
cômputo do tempo relativo à licença para tratamento de
saúde, afastamento totalmente involuntário, atende ao
princípio da moralidade administrativa (art. 37, “caput”,
CF/88)?
De pronto, entendo que a resposta é negativa, pois não
é ético e moral apenar o servidor, já castigado com a
doença indesejada, com a impossibilidade de cômpu-
to, para fi m de concessão da gratifi cação de incenti-
vo à docência, de período de afastamento, comprova-
do por laudo médico ofi cial, involuntário do exercício
das atribuições específi cas de seu cargo, para cuidar de
sua saúde, direito constitucional que decorre do direito
fundamental e inaliável à vida, cuja inviolabilidade é
garantida na Lei maior (art.5º, “caput”, e art. 196- CF/88)
(Negrito meu)
No mesmo sentido cabe trazer à discussão os ensinamentos
da Mestra Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Em resumo, sempre que em matéria administrativa se
verificar que o comportamento da Administração ou do
administrado que com ela se relaciona juridicamente, em-
bora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons
costumes, as regras de boa administração, os princípios
de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade,
estará havendo ofensa ao princípio da moralidade admi-
nistrativa14.
Ora, pelo ensinamento expendido e pelos motivos exarados
na presente análise, o administrador que cumprir literal-
14 DI PIETRO.Maria Sylvia Zanella,. Direito Administrativo. 19ª, Atlas, São
Paulo, 2005, p 91.
mente o disposto no §4º, do art. 2º, da lei nº 8.517/84 estará
descumprindo o princípio da moralidade insculpido no art.
37 da Carta Magna.
Por todo o exposto, entendo que este eg. Tribunal Pleno
deve afastar a aplicação do §4º, do art. 2º, da Lei Estadual
8.517/84, no caso vertente, por entender que o dispositivo
ofende os direitos fundamentais à vida e à saúde, substra-
tos do princípio da dignidade da pessoa humana. Sob pena
deste Órgão de Contas não cumprir com fi delidade a com-
petência atribuída pela Constituição Mineira e pela Cons-
tituição da República.
Faço constar por fi m, como fator de refl exão, a lição do
Professor Doutor Menelick de Carvalho Netto:
Assim podemos concluir que, sob as exigências da herme-
nêutica constitucional ínsita ao paradigma do Estado De-
mocrático de Direito, requer-se do aplicador do Direito
que tenha claro a complexidade de sua tarefa de in-
térprete de textos e equivalentes a texto, que jamais a
veja como algo mecânico, sob pena de dar curso a uma
insensibilidade, uma cegueira, já não mais compatível
com a Constituição que temos e com a doutrina e ju-
risprudência constitucionais que a história nos incumbe
hoje de produzir15. (Negritei)
VOTO: A PARTIR DE UMA INTERPRETAÇÃO CONFORME A
CONSTITUIÇÃO, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO POR NÃO
RECONHECER, IN CASU, A APLICABILIDADE DA REGRA ES-
TABELECIDA NO ART. 2º, §4º, DA LEI Nº 8.517/84, SEGUNDO
A QUAL É VEDADO O CÔMPUTO DOS PERÍODOS DE LICEN-
ÇAS E AFASTAMENTOS DE QUALQUER NATUREZA - INCLU-
15 CARVALHO NETTO, Menelick de.Requisitos pragmáticos da interpreta-
ção jurídica sob o paradigma do estado democrático de direito. Revista
de Direito Comparado. BeLo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG,
v.3, p 170 e 171, 1999
45
SIVE PARA TRATAMENTO DE SAÚDE - PARA CONCESSÃO
DA GRATIFICAÇÃO DE INCENTIVO À DOCÊNCIA, POR CON-
FIGURAR OFENSA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E
À SAÚDE, SUBSTRATOS DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA.
NESTES TERMOS, DENEGO O REGISTRO DO ATO DE APO-
SENTADORIA.
___________________
PARECER DA LAVRA DO CONSELHEIRO ANTÔNIO ANDRA-
DA SOBRE A QUESTÃO DA APLICABILIDADE DO INSTITUTO
DA DECADÊNCIA NOS ATOS SUJEITOS A REGISTRO NO
ÂMBITO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
Veio a este Gabinete através do Exp. 074/MPTC/2006, pro-
moção da lavra da Procuradora Luísa Cristina Pinho e Netto,
e também encaminhado a essa Presidência em 24/03/2006,
que trata de aspectos jurídicos, nuances e desdobramentos
envolvendo o registro dos atos de aposentadoria concedi-
dos há mais de cinco anos.
Em apertada síntese, o bem elaborado e fundamentado
parecer, forjado em uma sólida base doutrinária e juris-
prudencial, trata de questões que envolvem: o poder de
autotutela da administração para rever seus atos, a con-
corrência ou colisão de princípios, ser ou não o ato de apo-
sentadoria complexo, a discussão acerca da aplicação das
leis de processo administrativo no âmbito dos Tribunais de
Contas, a necessidade da boa-fé do benefi ciário do ato, o
devido processo legal envolvendo o registro do ato. Nesse
contexto desenvolvido e trabalhado, erigiu a douta Pro-
curadora, um raciocínio no qual entende ser cabível a esta
Corte, tão somente registrar os atos de aposentadoria, sem
análise de mérito, quando decorridos cinco ou mais anos de
sua concessão.
PARECER
Por óbvio, não cabe aqui refazer todo o arcabouço teórico
construído na peça ora em comento. Entretanto, não po-
deria me furtar de fazer o registro do que me parece ser o
ponto central da tese desenvolvida e que refl ete a justeza
do raciocínio ali esposado, no que tange à aplicação do pra-
zo decadencial às Cortes de Contas. Nele, resta confi gurada
de forma racionalmente fundamentada, a complexa inter-
relação do complexo de atos que envolvem, por um lado a
concessão e por outro, o registro das aposentadorias e que
confl uem para a adoção do prazo decadencial pelas Cortes
de Contas.
Nesse sentido, do parecer sub exame, às fl s. 20 e 21, trans-
crevemos o seguinte excerto, verbis:
Ademais disso, é preciso não perder de vista que, no que
tange ao controle de legalidade exercido pelos Tribunais de
Contas, para fi ns de registro, sobre os atos de aposentadoria,
é razoável sustentar que o Tribunal não tem competência
para determinar o comportamento da Administração, aqui,
trata-se de um competência típica do controle. O Tribunal
verifi ca a legalidade do ato e o registra, ou, verifi cando sua
ilegalidade, nega o registro, não lhe cabendo determinar a
conduta da Administração. Esta, considerando aceitável o
entendimento do Tribunal(e não tendo se consumado a de-
cadência) deverá, respeitando o devido processo legal, rever
o ato, tornando-o legal e apto para registro. Neste caso, a
Administração não está cumprindo ordem ou determinação
do Tribunal, está exercendo competência própria, colocan-
do em movimento sua autotutela.
Tanto é assim que, se a Administração não concorda com
a interpretação dada pelo Tribunal de Contas que leva a
entender o ato como ilegal, pode recorrer no âmbito do
próprio Tribunal de Contas, bem como pode levar a questão ao
Judiciário, que deverá, então, fi xar o direito aplicável ao caso con-
creto, precisando os termos em que o ato deverá ser registrado.
46
mada a decadência nos termos da Lei de processo Admi-
nistrativo.
E nem se argumente que à Administração, que não pode
invalidar ato ilegal por manifestação unilateral de vontade,
resta a via judicial para buscar por provimento jurisdicional
a anulação da aposentadoria concedida com vício de lega-
lidade estrita. È de reconhecer a incidência do prazo de 5
anos, como defende Celso Antônio Bandeira de Mello (Cur-
so de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.
971-972).
Conforme bem exposto, fi ca claro que essa situação
coloca a Administração em uma situação paradoxal e
absurda: Se por um lado, encontra-se compelida pela
determinação da Corte de Contas a rever o ato eivado
de vício, por outro vê-se impedida a fazê-lo pela ocor-
rência do prazo decadencial.
Nesses termos, Sr. Presidente, resta claro, a meu ver, que
não cabe outra posição desta Corte, a não ser determinar
o registro do ato de aposentadoria nessas condições, o que
ratifi ca, portanto, a tese trazida à colação pela douta Pro-
curadora.
Explico melhor: o Tribunal de Contas ao adotar o insti-
tuto da decadência não abdica de qualquer competên-
cia que lhe é atribuída pela Carta Magna, à medida que
estará a exercer o seu múnus na exata medida em que
determina o registro do ato, que se encontra aperfeiço-
ado e conforme à lei exatamente pelo decurso de tem-
po, ou seja, do prazo decadencial. Nesse sentido, apenas
gostaria de reforçar que o próprio CPC, em seu art. 269,
IV afi rma textualmente que a decadência é causa de
extinção do processo com resolução de mérito.
Entretanto, ainda que clarifi cado meu entendimento, ne-
cessário ainda fazer menção a duas observações, para mim,
A aceitar o entendimento defendido no trecho transcrito,
estar-se-ia diante de uma situação ímpar: o prazo deca-
dencial não se aplica ao tribunal de Contas – que se nega a
registar o ato - , mas se aplica à Administração – que teria
que rever o ato originário para obter seu registro. Tratando
deste impasse, esclarecedores os argumentos colacionados
pelo Conselheiro do TCDF Ávila e Silva (pesquisados no site
do Conselheiro do mesmo Tribunal, Dr. Jorge Ulisses Jacoby
Fernandes: www.jacoby.pro.br):
“De fato, o estado de pendência eterna é incompatível com
o objetivo do ordenamento jurídico que reclama estabili-
dade.
Certo, também, que à Administração estaria vedada a anu-
lação de atos de que decorreram efeitos favoráveis para os
destinatários, se passados cinco anos da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé.
O descompasso no prazo de ação praticado pelo Tribunal,
caso não jungido aos cinco anos demarcados pela Lei n.º
9.784/99, levaria a Administração a um dilema. O Tribunal
pronuncia a ilegalidade a Administração decaiu do direito
de anular o ato. E a prática do ato é da esfera administrati-
va, que estaria impedida de cometê-lo.
O Poder Judiciário já assenta a jurisprudência no sentido
de que ‘após decorridos cinco anos não pode mais a Admi-
nistração Pública anular o ato administrativo gerados de
efeitos no campo de interesses individuais, por isso que se
opera a decadência’ (STJ Mandado de Segurança n. 6.566/
DF DJU de 15/5/00).”
De fato, a aceitar que o prazo de 5 anos não se aplica aos
Tribunais, mas se aplica à Administração, chega-se à situa-
ção absurda de que o Tribunal não registra o ato por con-
siderá-lo ilegal e a Administração não pode anulá-lo para
conformá-lo ao entendimento do Tribunal já que consu-
47
extremamente relevantes e pertinentes ao assunto aborda-
do.
A primeira, diz respeito ao fato da necessidade da boa-fé ,
ou melhor, da não comprovação de má-fé do benefi ciário
como condicionante da operação da decadência no prazo
aventado de cinco anos.
Ora, para manter a coerência com as determinações nor-
matizadas nas ordens de serviço ns. 01 / 04; 03 /04 e 06 /04
que vieram racionalizar a análise dos atos de aposentadoria,
perfi lo do entendimento de que a decadência somente não
se caracterizaria quando o Tribunal for informado da ocor-
rência de má-fé ou quando os indícios da mesma forem
explícitos e aferíveis de plano quando da análise dos autos.
Nesse sentido, elucidativas são as palavras do ex-Conselhei-
ro do TCDF e doutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes ,
citado às fl s. 26 do parecer, verbis:
Note-se que o Tribunal deve ser cientifi cado ou estar con-
vencido da ocorrência de má-fé, para só então apreciar o
ato, pois, se a Corte fosse verifi car a ocorrência de má-fé
em todos os processos que são aplicáveis os preceitos do
art. 54 da lei n. 9784/99 para, posteriormente, em caso de
sobrevir a pérfi da, praticar os atos correspondentes, não es-
taria sendo efi caz.
[...]
Haja vista a grande difi culdade em se aferir a existência de
má-fé, penso que esta Corte só deveria se pronunciar quan-
do houver indícios sufi cientes para fazer cessar a presunção
de boa-fé ou o Tribunal for informado a respeito.
Na esfera do Poder Judiciário, seja nos Tribunais de Justiça
Estaduais ou nos Tribunais Superiores, não obstante a au-
sência de um entendimento assente e pacifi cado acerca do
tema, já se pode destacar um sem número de arestos que
adotam a tese da decadência, senão vejamos:
• TJMG
1) APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO Nº
.0024.02.833379-7/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE
- APELANTE(S): JD DA 1ª V FAZ COMARCA DE BELO HORI-
ZONTE, ESTADO DE MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MA-
RIA JOSÉ CARIDADE CARNEIRO - RELATOR: EXMO. SR. DES.
WANDER MAROTTA
EMENTA: CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA ¿ DECURSO DO
PRAZO DECADENCIAL. Decorridos 5 (cinco) anos do ato con-
cessivo da aposentadoria, prazo durante o qual quedou- se
inerte a Administração, opera-se a decadência, posto que o
ato administrativo, aqui, gera efeitos no campo de interes-
ses individuais, não sendo absoluto o poder de autotutela
da Administração. Mesmo antes da edição da Lei Estadual
nº 14.184, de 1º de fevereiro de 2002 (art. 65), o direito de
a Administração invalidar os atos por ela praticados, esta-
va sujeito ao prazo decadencial por força do princípio da
igualdade entre os sujeitos da relação jurídica.
2) APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.341715-1/000 - COMAR-
CA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): 1º) JD 3 V. FAZ CO-
MARCA BELO HORIZONTE, 2º) MARLENE MACHADO PORTO,
3º) ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MARLENE MA-
CHADO PORTO, ESTADO MINAS GERAIS - RELATOR: EXMO.
SR. DES. HYPARCO IMMESI
EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO - PROVENTOS DE APOSENTA-
DORIA - REDUÇÃO SUMÁRIA - OMISSÃO ADMINISTRATIVA
- DECURSO DO PRAZO LEGAL - DECADÊNCIA CONSUMADA
- LEIS 9.774/99 E 14.184/2002 - NULIDADE DO ATO REDU-
TÓRIO IMPUGNADO - “MANDAMUS” - SUA CONCESSÃO.
Nada impede que a Administração proceda à revisão do aro
de aposentadoria do servidor, desde que o faça com obser-
vância do devido processo legal, a ele (servidor) assegurado
o exercício do direito à ampla defesa. Todavia, se a Admi-
nistração se omite e só adota as medidas conducentes à re-
visão (e, mesmo assim, unilateralmente) após o decurso do
48
prazo de cinco anos, consuma-se, inexoravelmente, a deca-
dência. E consuma-se, porque o direito do Poder Público de
nulifi car os atos administrativos dos quais resultem efeitos
favoráveis aos respectivos benefícios, sujeita-se à deca-
dência, ou seja, decai, irremediavelmente, em cinco anos,
contados da data em que tiverem sido praticados, salvo a
ocorrência de má-fé comprovada “salienter tantum”, a teor
do art. 54 da Lei 9.784/1999 e do art. 65 da Lei (estadual)
14.184/2002.
• STJ
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 7.978 - DF (2001/0132898-3)
RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
IMPETRANTE : MARIA REGINA DE CASTRO SANTOS RODRI-
GUES
ADVOGADO : ULISSES BORGES DE RESENDE E OUTROS IM-
PETRADO : MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA IMPETRADO :
SUPERINTENDENTE NACIONAL DE GESTÃO ADMINISTRATI-
VA DO INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA
AGRÁRIA – INCRA.
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. APOSENTADORIA,
SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DO ATO. AUSÊNCIA DE INS-
TAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.
VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA AMPLA DE-
FESA CONFIGURADA.
IMPOSSIBILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO REVISAR O ATO.
DECADÊNCIA. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/99.
1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, seguin-
do orientação do Pretório Excelso, fi rmou entendimento no
sentido de que a desconstituição da efi cácia de qualquer
ato administrativo, que repercuta no âmbito dos interes-
ses individuais dos servidores ou administrados, deve ser
precedido de instauração de processo administrativo, em
obediência aos princípios constitucionais do devido proces-
so legal e da ampla defesa, com todos os recursos a ela
inerentes.
2. “O direito da Administração de anular os atos adminis-
trativos de que decorram efeitos favoráveis para os des-
tinatários decai em cinco anos, contados da data em que
foram praticados, salvo comprovada má-fé.” (artigo 54 da
Lei nº 9.784/99).
3. “Após decorridos 5 (cinco) anos não pode mais a Adminis-
tração Pública anular ato administrativo gerador de efeitos
no campo de interesses individuais, por isso que se opera a
decadência.” (MS nº 6.566/DF, Relator p/ acórdão Ministro
Francisco Peçanha Martins, in DJ 15/5/2000). Precedente da
3ª Seção.
4. Ordem concedida.
Portanto, e a partir dessa premissa, entendo ser possível a
adoção de critério que possibilite o registro em bloco das
aposentadorias ainda não analisadas e que se encontrem na
situação ora descrita, compatibizando-se inclusive a ques-
tão da análise da ocorrência de prejuízo ao benefi ciário do
ato. Para tanto, a título de contribuição, sugiro que seja
baixada, pela Presidência, ouvidos os demais Conselheiros,
ordem de serviço visando normatizar tal situação, até mes-
mo para ir no encontro às diretrizes esposadas nas instru-
ções que vieram racionalizar a análise das aposentadorias.
A segunda observação, não obstante estar explicitamente
apontada na conclusão do parecer de fl . 35, que assim dis-
põe: “Nesta esteira, a Administração deve enviar os atos
para a análise e registro no Tribunal em tempo razoável,
impondo-se ao Tribunal, a seu turno, tomar as medidas
necessárias no sentido de otimizar a análise das aposen-
tadorias em tempo hábil.”, apresenta-se como corolário de
toda uma nova sistemática que se quer ver aqui implantada
no que tange à análise dos processos de aposentadoria. Ora,
para que esta competência constitucional atribuída aos
49
Tribunais de Contas não se torne letra morta, necessário
é que se crie mecanismos para que o envio das referidas
aposentadorias a esta Corte se processe em tempo hábil,
dentro de critérios adequados à realidade do Tribunal e dos
jurisdicionados, mas de tal sorte que o descumprimento do
prazo limite, enseje aplicação de sanção ao responsáveis de
conformidade com o permissivo da LC 33/94 e do RITCMG.
Nesse sentido, entendo ser pertinente a adequação das
instruções normativas que regulam a matéria para abarcar
essas sugestões, principalmente no que diz respeito à siste-
mática dos prazos para envio.
Por fi m, quanto à alegada necessidade de se observar o
contraditório quando da alteração do ato original que im-
porte prejuízo ao benefi ciário do ato, sugiro a formação de
um grupo de estudo ou comissão para fi rmar um posicio-
namento sobre o tema, que é complexo e envolve tanto
questões como direito/violação de direitos e garantias fun-
damentais, quanto a própria natureza da atividade desen-
volvida pelos Tribunais de Contas quanto à espécie.
A partir da ciência de que o referido parecer já passa a in-
tegrar a informação de diversos processos que tramitam
nesta Casa, e não obstante já ter externado que este en-
tendimento será adotado nos processos de minha relato-
ria, entendo ser pertinente tratar a matéria com priorida-
de, considerando-se o elevado estoque de processos desta
natureza que superpovoam as coordenadorias, diretorias e
gabinetes desta Casa. É sabido que dentre os vários estu-
dos que se realizam sobre os Tribunais de Contas, interna
e externa corporis, quase a totalidade deles aponta para
a análise de aposentadorias como um gargalo quase que
insolúvel, gerando um profundo descompasso entre a atu-
ação do Tribunal e os anseios da sociedade de um controle
efetivo, efi caz e efi ciente.
Feitas essas considerações, coloco-me à disposição para
quaisquer esclarecimentos adicionais, reiterando meus ele-
vados votos de estima e respeito.
Conselheiro Antônio Carlos Andrada
___________________
50
TiradentesTiradentesA Cidade de Tiradentes foi fundada por
volta de 1702, quando os paulistas des-
cobriram ouro nas encostas da Serra de
São José, dando origem a um arraial ba-
tizado com o nome de Santo Antônio do
Rio das Mortes. O arraial, posteriormen-
te, passou a ser conhecido como Arraial
Velho, para diferenciá-lo do Arraial Novo
do Rio das Mortes, a atual São João del
Rei.
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52
Em 1718, o arraial foi elevado à vila, com o nome de
São José, em homenagem ao príncipe D. José, Futuro
rei de Portugal, passando, em 1860, à categoria de ci-
dade. Durante todo o século XVIII, a Vila de São José
viveu da exploração de ouro e foi um dos importantes
centros produtores de Minas Gerais.
No fi m do século XIX, os republicanos redescobrem a
esquecida terra de Joaquim José da Silva Xavier, o “Ti-
radentes”, fazem uma visita cívica à casa do vigário
Toledo, onde se tramou a Inconfi dência Mineira. Mas
foi o infl amado Silva Jardim que, de passagem por São
José, sugere em seu discurso que o nome da cidade
fosse trocado para o do herói, em lugar de um rei por-
tuguês. Com a proclamação da república, por decreto
de número 3 do governo provisório do Estado, datado
de 6 de dezembro de 1889, recebe a cidade o atual
nome “Cidade e Município de Tiradentes”. Após longos
anos de esquecimento, o conjunto arquitetônico da
cidade foi tombado pelo então Serviço do Patrimô-
nio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), em 20 de
abril de 1938, tendo sido, por isso, conservado quase
intacto.
Ainda existem na cidade excelentes exemplares de ar-
quitetura civil do século XVIII, como o Sobrado Rama-
lho, nos quatro cantos: o Sobrado do Aimorés Futebol
Clube, na Rua Direita; o prédio da Prefeitura com suas
sacadas de ferro batido e sótão; a casa nº 114 da Rua
Padre Toledo, com forros pintados, representando os
cinco sentidos; a casa do Largo do Ó nº 1, com forros
pintados; e três casas com antigas janelas de rótula,
na Rua Direita.
Como chegar
De Belo Horizonte, o caminho mais prático para che-
gar em Tiradentes é seguir pela BR040 até o Trevo
para Murtinho (5 quilômetros após passar por Congo-
nhas). Você vai passar por Entre Rios de Minas e Lagoa
Dourada. De São João del Rei até Tiradentes são 12
quilômetros.
Para quem sai de São Paulo, o caminho mais prático é
pela BR381 (Rodovia Fernão Dias) até a entrada para a
cidade de Lavras (380 quilômetros). Seguir então pela
BR265 até a entrada para Tiradentes (110 quilôme-
tros).
Do Rio de Janeiro, seguir pela BR040 até Barbacena
(270 quilômetros), passando por Petrópolis e Juiz de
Fora. Em Barbacena, pegar a BR265 até a entrada de
Tiradentes (53 quilômetros).
História de Tiradentes
Fonte: www.tiradentes.net
53
Calendário de Eventos Janeiro
- Mostra de Cinema Brasileiro - 2ª quinzena.
- Aniversário da cidade - dia 19.
Fevereiro
- Carnaval (de acordo com o calendário nacional).
Durante o carnaval, os blocos da cidade revivem
os antigos carnavais de época das “marchinhas”.
Abril
- Semana Santa (festa móvel).
- Semana da Inconfi dência (festa móvel).
Junho
- Jubileu da Santíssima Trindade - missas, novenas
e procissões. O Jubileu conta com barracas de rou-
pas, bebidas e salgados.
- Encontro de Motos Antigas - último fi m de se-
mana do mês.
Julho
- Inverno Cultural - festival de inverno que ocor-
re paralelo com o festival de São João del Rei. 2ª
quinzena.
Agosto
- Festival Internacional de Cultura e Gastronomia.
- 2ª quinzena.
Outubro
- Festival de Cavalo Campolina - 2ª quinzena.
Dezembro
- Réveillon - melhor réveillon da região. Dia 31.
Monumentos Cíveis
Maria-fumaça
Chafariz de São José
Casa da Câmara
Cadeia Pública
Centro Cultural Yves Alves
Casa Padre Toledo
Largo da Forras
Ponte de Pedra
Igreja da Santíssima Trindade
Matriz de Santo Antônio
Igreja do Rosário
Igreja de São João Evangelista
Igreja Nossa Senhora das Mercês
Capela de São Francisco de Paula
Capela de Santo Antônio do Canjica
Passeios ecológicosMãe D’Água
Cachoeira do Bom Despacho
Mangue
Cachoeira do Carteiro
Poço da Matriz
Balneário de Àguas Santas
Distrito de Vitoriano Veloso (Bichinho)
Roteiro Turístico
54
- Maria-fumaça
Construída em 1881, atualmente liga as cidades de
Tiradentes e São João del Rei, num belo passeio mar-
geando o Rio das Mortes, e com vista para a serra de
São José.
- Casa da Câmara
Construção de 1717, neste casarão se reunia o Sena-
do da Câmara desde 1718 e onde o pai do Alferes,
Domingos da Silva Santos, exerceu o cargo de verea-
dor. O prédio servia para recepcionar os imperadores
e pessoas ilustres que visitavam a cidade de São José
del Rei (Tiradentes).
- Cadeia Pública
Construída em 1833, no local da velha cadeia incen-
diada, é um prédio sólido e austero e com grades pe-
sadas em suas janelas de pedra.
- Centro Cultural Yves Alves
Aproveitando a fachada existente, seu interior foi
construído nos moldes da arquitetura colonial. Foi
construído com o objetivo de receber os diversos
eventos da cultura local.
- Casa Padre Toledo
Este casarão tem seu valor arquitetônico, pois é a
construção em que mais se concentram pinturas de
tetos em um mesmo prédio em Minas Gerais. Também
possui um grande valor cultural para o Brasil, pois
aqui, em 1788, ocorreu a primeira reunião da Incon-
fi dência Mineira, onde se tramou os primeiros ideais
de libertar o Brasil de Portugal, tendo este movimento
partido para Ouro Preto, Capital do Estado. Esta casa
era de propriedade do inconfi dente Padre Toledo. Hoje
é um museu com rico mobiliário e obras de arte.
- Largo da Forras
Local de lazer da comunidade. Neste largo, temos além
do casario antigo, o prédio da Prefeitura de 1720 e a
Igreja do Senhor Bom Jesus da Pobreza de 1771. Neste
Largo também podemos encontrar o passinho da pai-
xão de Cristo (ao todo são sete espalhados pelo Cen-
tro Histórico contendo as passagens de Cristo), onde
se realiza parte dos festejos da Semana Santa, alguns
decorados com grandes obras de arte. Encontramos
também um monumento dedicado ao Alferes Tiraden-
tes, construído em 1892 para celebração do centená-
rio da morte do mesmo.
- Ponte de Pedra
Construída no século XVIII, em 1703, para dar acesso
ao lugar denominado Santo Antônio do Canjica, onde
havia uma mina de ouro.
- Igreja da Santíssima Trindade
Começamos nosso roteiro por este monumento, não
pelo seu valor arquitetônico, pois esta igreja é de
1810, nova em relação à cidade, mas pelo seu valor
cultural, pois foi neste local em outra capela primi-
tiva que o Alferes Tiradentes, devoto de Santíssima
Trindade, exigiu que na bandeira da Nova República,
idealizada pelos Inconfi dentes, tivesse o triângulo da
Trindade. E fracassada a Inconfi dência, o símbolo foi
usado na bandeira do Estado de Minas Gerais. Nesta
igreja, encontra-se uma importante imagem de Deus
em tamanho natural, única no Brasil, vestida a ma-
neira de papa da idade média, de autor desconhecido.
Certamente, o Alferes por várias vezes rezou em frente
a esta imagem.
- Matriz de Santo Antônio
Construção de 1710 considerada a 2ª igreja mais rica
Conheça os roteiros turísticos
55
em ouro do Brasil. Seus altares foram revestidos de
ouro em 1752. É um dos mais belos templos barro-
co do Brasil, também existe em seu interior um belo
órgão de 1779 considerado um dos quinze mais im-
portantes do mundo. No seu adro, também pode ser
visto o relógio do sol de 1785, feito pelo português
Leandro Gonçalves Chaves. Sua fachada foi projetada
pelo mestre Aleijadinho.
- Igreja do Rosário
Construída em pedra, em 1708, possui três altares
com talhas de meados do século XVIII. As imagens que
compõem seus altares são todas de cor negra, com
exceção da imagem de Nossa Senhora do Rosário, pa-
droeira da igreja. Esta, foi construída pelos escravos
vindos da África, que trabalhavam durante a noite e
levavam em suas unhas e cabelos o ouro roubado de
seus senhores, com o qual decoraram esta igreja.
- Igreja de São João Evangelista
Igreja construída pelos homens mulatos. Seu interior apre-
senta estilo rococó e o que chama atenção são as imagens
de um mesmo santeiro em tamanho natural. E no altar-
mor desta igreja está enterrado o ilustre tiradentino, com-
positor de músicas sacras, Manoel Dias de Oliveira.
- Chafariz de São José
Construído em 1749 pela Câmara Municipal de São
José del Rei (Tiradentes), é considerado o mais belo
chafariz do Brasil. Foi construído com três funções: na
parte da frente, abastecer com água potável a popu-
lação; à direita, servir como suporte para as lavadeiras
locais e, à esquerda, servir de bebedouro aos animais,
sua fachada Barroca guarda uma rara imagem de São
José e um brasão de armas do Reino de Portugal.
E como diz a lenda, basta você beber um gole desta
água cristalina e novamente você retornará à bela Ti-
radentes.
- Igreja Nossa Senhora das Mercês
Construída no fi nal do século XVIII pela irmandade dos
pretos crioulos nascidos no Brasil. O seu interior é deco-
rado com raríssimas pinturas de Manuel Vitor de Jesus.
- Capela de São Francisco de Paula
Construção do séc. XVIII. À sua frente, amplo gramado
onde se ergue um cruzeiro, instalado em 1718, quan-
do da elevação à Vila de São José del-Rei. Ainda desta
colina, descortina-se também uma bela vista da cida-
de e da serra de São José.
- Capela de Santo Antônio do Canjica
Construída em 1702 pelo fundador da cidade, o ban-
deirante João de Siqueira Afonso. Sua fachada e inte-
rior são simples. Localizada no Bairro do Canjica, seu
nome é devido aos grandes bagos de ouro, encontra-
dos na época neste local.
Fonte: www.guiatiradentes.com.br
Fotos: Cláudio Campos - Tiradentes - (32) 9958-4344
>> A
RTIG
OS
A natureza jurídica do parecer prévio emitido pelos Tribunais de Contas estaduais e admissi-bilidade de recurso
O vice-prefeito no processo eleitoral:uma visão atual
O pós-positivismo e o papel do juiz em um Estado Democrático de Direito
O Parlamento e o controle político daAdministração Pública 58
72
87
91
58
O PARLAMENTO E O CONTROLE POLÍTICO DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA *
Antônio Carlos Doorgal de Andrada **
1. Breve Histórico
1.1 – Separação de Poderes e constitucionalismo
O tema “O Parlamento e o controle político da Administra-
ção Pública” nos remete à formação do Estado Moderno
com o “movimento constitucional” do século XVIII, impul-
sionado pelas revoluções americana e francesa, e também
pelo constitucionalismo britânico, “uma espécie de pré-his-
tória constitucional” que tem suas raízes na Magna Carta
de 1.215 imposta ao rei da Inglaterra (CANOTILHO, 1995,
p.61). O constitucionalismo traduz o esforço das idéias libe-
rais para a contenção do poder até então concentrado nas
mãos de monarcas absolutos que tiveram em Luiz XIV a sua
personifi cação paradigmática: ”L’Etat c’est moi”. O Estado
liberal que surgia, embora trouxesse na sua essência apenas
os chamados direitos de primeira geração – individuais e
políticos – e tivesse estrutura eminentemente formal, impôs
a limitação do poder político pela divisão das funções do
Estado – executiva, legislativa e judiciária – e discriminação
constitucional de suas respectivas competências. Esclarece
Paulo Bonavides que Constituição“é o conjunto de normas
pertinentes à organização do poder, à distribuição da com-
petência, ao exercício da autoridade, à forma de governo,
aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como so-
ciais” (BONAVIDES, 1998, p.63).
Karl Loewestein, em livro clássico, afi rma que “a fi nalidade
da constituição escrita é limitar a concentração do poder
absoluto nas mãos de um único detentor” (PEIXINHO,
GUANABARA, 2005, p. 18). Pode-se afi rmar que data desta
fase histórica do Estado, o surgimento do controle político
dos governos pelo Parlamento. John Locke (1632-1704),
precursor das idéias democráticas liberais, defendia um go-
verno de autoridade limitada pelo consentimento do povo
e pelo direito natural...
“...somente o consentimento, e não a conquista, é que jus-
tifica um governo legítimo (para Locke). O governo absolu-
to não seria legítimo, porque seria inconcebível a anuência
ao governo com esta característica, haja vista que o ho-
mem seria colocado em situação pior que a do seu estado
natural.
O fato de reconhecer, no poder legislativo, uma superio-
ridade sobre os demais, não significa que Locke tenha lhe
transferido o poder absoluto que tanto condenava; é que
o poder legislativo tem por limite a vontade do povo, de
modo que, quando desrespeitada esta, é apeado e substi-
tuído, porque o poder retorna à população. Se o legislativo
é a representação do povo, que, por sua vez, confere-lhe
poderes, por certo não pode ter mais poderes que o próprio
povo. Ou, ainda, se individualmente qualquer do povo não
tem poderes absolutos, e é este que elege o parlamento,
então a criatura não pode ter mais poderes que o criador”
(ALVES, 2004, p.50).
Três momentos, neste período, traduzem a afi rmação do
Parlamento como instituição de controle político, concreti-
zado com a separação dos poderes e a necessidade de con-
trole mútuo. Primeiro, pelos pensamentos de John Locke,
mas, depois, através do desenvolvimento destas idéias por
Montesquieu (1689-1755), expresso em seu livro “O Espíri-
to das Leis” (1748), é que a teoria da separação dos poderes
ganha o status de “dogma da ciência constitucional” (AL-
VES, 2004, p.55):
1- o “Bill of Rights” (1689), pelo qual diversas competências
reais são transferidas para o Parlamento inglês – como a
criação de impostos;
59
2- Declaração de Independência Norte-Americana (1776),
quando afi rmou-se que os poderes (dos governos) “ema-
nam do consentimento dos governados” representados no
Parlamento (MALUF, 1990, p. 124); e,
3- Revolução Francesa (1789), que declarou a Assembléia
Nacional como representante da vontade geral, que seria
expressa pelas leis.
“Aqui observamos um enfoque diferente em relação à
questão do poder. Confrontando o pensamento de Mon-
tesquieu com o de Locke observa-se, como bem ressalta
Pierre Manent, uma preocupação daquele com a origem
do poder, enquanto Montesquieu volta suas atenções para
os seus efeitos, enxergando, na oposição entre o poder e a
liberdade, o cerne de um problema político a ser resolvido.
Concentrando-se no objetivo da liberdade dos cidadãos,
Montesquieu enxerga na separação dos poderes uma con-
dição sine qua non de tal objetivo (...). Ainda no século de
Montesquieu, o tema da separação de poderes seria re-
tomado e implementado como estratégia política na for-
mação de uma nova nação. Com efeito, o tema ocupou
lugar central entre os escritos federalistas dos americanos
Madison, Hamilton e Jay Madison, publicados na impren-
sa de Nova Iorque em 1788 (...)” (PEIXINHO, GUANABARA,
2005, p. 5 e 9).
Importante ressaltar que o controle político dos governos
exercido pelos Parlamentos ao longo dos tempos está dire-
tamente ligado à evolução do Estado de Direito Democráti-
co. E nessa esteira nascem os chamados direitos de segunda
e terceira geração, de conteúdo social, econômico e cultu-
ral, e os difusos e coletivos, relativos à paz, à solidariedade
e à preservação ambiental. É que, na trajetória estatal, va-
mos encontrar também as formas autoritárias – fascistas ou
marxistas – nas quais o controle político dos governantes é
praticamente inexistente, e o Parlamento, quando presente,
não passa de peça decorativa ou formal.
O fato é que desde os primórdios do Estado liberal, passan-
do pelo Estado Social, pelo Estado Providência, pelo Estado
do Bem-Estar, pelo Estado mínimo, pelo Estado neoliberal
e pelo Estado gerencial, o Estado Contemporâneo - de Di-
reito Democrático – requer formas e modelos efi cientes de
controle das coisas públicas. Verifi ca-se que um dos des-
dobramentos da liberdade na vida democrática como evo-
lução do direito político é o pluralismo. O Estado, que no
nascedouro “era o centro absoluto da vida pública, deixa
de sê-lo com o passar dos tempos para assumir a posição
de referência num mundo cada vez mais complexo, com-
partimentalizado em sistemas e globalizado. Um mundo
novo, onde a economia ultrapassa as fronteiras estatais
com um capitalismo voraz, tecnológico e informático de
dimensões planetárias e a sociedade ocupa papel de cres-
cente poder através de movimentos civis e populares de
massa, da mídia e de organizações não-governamentais,
nacionais e internacionais, diluindo sobremaneira o poder
antes concentrado nos estados... neste contexto... surge o
Estado pluralista, com vários ‘centros de poder difusos’,
para a ‘afirmação do pluralismo político como resposta ao
pluralismo social’. Esse pluralismo sociopolítico... exprime
um direito fundamental que precisa ser garantido pelo Es-
tado... passando a exigir (dos estados) instrumentos mais
bem elaborados e eficientes para a participação popular,
não apenas de escolha eleitoral, mas também de influência
nas ações governamentais e execução das políticas públi-
cas e, principalmente, no seu controle” (ANDRADA, 2006,
p. 175).
Essa pluralidade política e social inerente aos Estados de
Direito Democrático trará refl exos no papel a ser desempe-
nhado pelos Parlamentos no controle político da Adminis-
tração Pública, que igualmente era quase absoluto e exclu-
sivo na sua origem, para, nos dias atuais, representar mais
uma forma de controle, dentre outras tantas.
60
1.2 – O controle e suas vertentes
Da Constituição da República de 1988 pode-se extrair duas
grandes vertentes acerca do controle da Administração Pú-
blica (SIRAQUE, 2005, p.94): 1 - o controle institucional (a)
interno e (b) externo; e, 2 - o controle social.
Resumidamente, podemos conceber o controle institucio-
nal interno (art. 70 e 74 da CR/88) como “autofiscalização”
e a “alma do plano de organização da Administração Pú-
blica” (SIRAQUE, 2005, p.95). De natureza administrativa,
decorre do poder de autotutela (Súmulas 346 e 473 – STF)
que permite à Administração Pública rever os próprios atos
quando ilegais, inoportunos ou inconvenientes (DI PIETRO,
2005, p.639): “Sem ele não é possível garantir transparência
da atividade administrativa e os objetivos constitucionais
da República. Podemos afirmar que o controle institucional
interno é a viga mestra do controle institucional externo e
do controle social dos atos da Administração Pública... As
falhas de controle institucional interno, certamente, vão
gerar deficiência na atividade administrativa do Estado, na
prestação de contas, na legalidade dos atos administrati-
vos, na prestação dos serviços públicos, na preservação do
patrimônio público...” (SIRAQUE, 2005, p.95 e 96).
O controle institucional externo, como informa a própria
nomenclatura, está organizado fora do âmbito de atuação
do responsável pelo ato a ser controlado, e pode ser de na-
tureza jurisdicional, administrativa e política: “...a fiscaliza-
ção não depende da vontade político-administrativa das
autoridades a serem fiscalizadas. As autoridades fiscaliza-
doras, ante denúncia, representação ou notícia de eventual
irregularidade, não podem deixar de fazer a fiscalização,
sob pena de incorrerem em prevaricação, uma vez que têm
o poder-dever de zelar pelo patrimônio público, entendido
este não-somente os bens passíveis de valoração econô-
mica, mas englobando, também, outros impassíveis de ser
valorados como tal, mas que merecem a mesma proteção,
e às vezes até maior, da sociedade e dos agentes públicos,
como o meio ambiente e o patrimônio artístico, arquitetô-
nico, histórico e cultural” (SIRAQUE, 2005, p.97).
Sobre a matéria, José Afonso da Silva assim explana:
“A submissão da Administração à legalidade fica subordi-
nada a três sistemas de controle: o administrativo, o legis-
lativo e o jurisdicional. Qualquer desses controles objetiva
verificar a conformação da atividade e do ato às normas
legais” (SILVA, 1990, p.371).
Para ele, o controle jurisdicional exercido pelo Poder Ju-
diciário “é o mais importante” e se realiza “com base na
garantia de acesso ao judiciário” (art. 5º, XXXV CF), o que
a doutrina denomina princípio da inafastabilidade da juris-
dição ou direito público subjetivo à jurisdição. Em auxílio
ao Poder Judiciário, atua o Ministério Público no controle
jurisdicional da Administração Pública, como fi scal da lei e
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (art. 127 e 129 CF):
“Dentre as medidas judiciais intentáveis para correção da
conduta administrativa, afora as comuns ao Direito Priva-
do, como, exempli gratia, as de defesa ou reintegração de
posse ou as ações ordinárias de indenização e as cautela-
res em geral, existem algumas específicas para enfrentar
atos ou omissões de ‘autoridade pública’. São elas o habeas
corpus (art 5º LXVIII CF e arts. 647 a 667 do CPP), o manda-
do de segurança, individual ou coletivo (art. 5º LXIX e LXX
CF e Lei 1533, de 31.12.51), o habeas data (art. 5º, LXXII CF
e Lei 9.507, de 12.11.97), o mandado de injunção (art. 5º,
LXXI CF), a ação popular (art. 5º, LXXIII CF e Lei 4.717, de
29.06.65), a ação civil pública (art. 129, III CF e Lei 7.347,
61
de 24.07.85) e a ação direta de inconstitucionalidade, por
ação ou omissão (arts. 102, I, “a” e 103 CF e Lei 9.868,
de 10.11.99)” – sem legislação citada (MELLO, 2005, p.883 a
887).
O controle institucional externo é de natureza administra-
tiva quando a Administração Pública Direta faz o controle
da Administração Pública Indireta – autarquias, fundações,
empresas públicas, consórcios, etc. (art. 37, § 8º, II CF) – e
quando os Tribunais de Contas exercem a função adminis-
trativa de controle da Administração Pública (art. 71, I, III,
IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI CF).
Quando exercido pelo Poder Legislativo, o controle insti-
tucional externo é de natureza política. A Constituição de
1988 dá competência exclusiva ao Poder Legislativo para
“fiscalizar e controlar” os atos do “Poder Executivo, inclu-
ídos os da administração indireta” (art. 49, X CF). Com o
auxílio do Tribunal de Contas (art. 71 CF) ou diretamente, o
Poder Legislativo faz o controle da atividade administrativa
do Estado com o escopo de verifi car se os atos inerentes
às respectivas funções são oportunos e convenientes e se
estão conforme os requisitos e as fi nalidades da lei.
O controle social é aquele realizado por pessoa física ou
jurídica estranha ao Estado, e também por entidades de
caráter público, cujos membros e dirigentes, ou parte de-
les, sejam originários da sociedade civil, que os indica ou
os escolhe (OAB, CRM, Conselhos de Saúde, da Infância e
do Adolescente, Tutelares, etc.). É o controle realizado por
alguém que não seja agente público no exercício de função
ou órgão do Estado (arts. 1º, parágrafo único e 74, § 2º CF):
“O controle social tem a finalidade de verificar se as deci-
sões tomadas, no âmbito estatal, estão sendo executadas
conforme o que foi decidido e se as atividades estatais es-
tão sendo realizadas de acordo com os parâmetros esta-
belecidos pela Constituição e pelas normas infraconstitu-
cionais. Assim, o controle social poderá existir no sentido
de verificação do mérito (conveniência e oportunidade) de
uma decisão estatal ou da sua legalidade” (SIRAQUE, 2005,
p.100 e 101).
Considerado pelos doutrinadores como direito fundamen-
tal de primeira geração, o controle social da função admi-
nistrativa do Estado expressa-se no exercício da cidadania
para a proteção dos direitos individuais, coletivos e difusos.
Como direito público subjetivo, o controle social difere da
participação popular:
“A participação popular ocorre antes ou durante o pro-
cesso de decisão da Administração Pública, e o controle
social, após a concretização desse processo, com o intuito
de verificar se a norma jurídica foi concretizada pela Admi-
nistração na forma estabelecida. A diferença fundamental
entre participação popular e controle social é a seguinte:
participação popular é a partilha de poder político entre as
autoridades constituídas e as pessoas estranhas ao ente
estatal e controle social é direito subjetivo de o particular,
individual ou coletivamente, submeter o poder político es-
tatal à fiscalização”.
“Enquanto no controle institucional os agentes públicos
têm o poder e o dever legal de fiscalizar, controlar os atos
das atividades estatais, sob pena de responsabilidade po-
lítica e criminal, no controle social o cidadão não possui
nenhuma obrigação legal de fiscalizar ou controlar, mas
tem a faculdade garantida pela Constituição de adentrar
na intimidade da Administração Pública para fiscalizá-la,
com animus sindicandi, e submetê-la à soberania popular”
(SIRAQUE, 2005, p.112 e 104).
2. O Poder Legislativo na Constituição de 88
O advento do Estado Moderno, liberal em substituição ao
absolutismo monárquico da época, consagrou-se na sepa-
62
ração dos Poderes dos Estado com a aplicação da doutrina
de Montesquieu e a garantia de direitos individuais, pila-
res que “estão ligados à própria origem do direito cons-
titucional” (PINHO, 2006, p.51). Assim, a representação
dos poderes estatais está relacionada às suas três funções
básicas – legislativa, executiva e judiciária – para as quais
correspondem, independentes e especializados, os Poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário. Entretanto, “A separação
de Poderes não é rígida, pois existe um sistema de inter-
ferências recíprocas, em que cada Poder exerce suas com-
petências e também controla o exercício dos outros. Esse
sistema é denominado pelos norte-americanos checks and
balances. A separação de Poderes não é absoluta. Nenhum
Poder exercita apenas suas funções típicas” (PINHO, 2006,
p.51).
O Poder Legislativo tem como função típica a elaboração de
leis – normas gerais e abstratas (art. 48 CF). O nosso modelo,
disposto na Constituição da República, é bicameral, sendo
“exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câ-
mara dos Deputados e do Senado Federal” (art. 44 CF).
A Câmara Federal (arts. 45 e 51 CF) é composta de represen-
tantes do povo eleitos pelo sistema proporcional para um
mandato de quatro anos, sendo sua composição baseada
nas representações estaduais as quais respeitarão a propor-
cionalidade populacional dos respectivos Estados-membros
face a Federação.
O Senado da República (arts. 46 e 52 CF) compõe-se de
representantes dos Estados-membros, em número de três,
eleitos pelo sistema majoritário para um mandato de oito
anos.
Conforme se extrai do texto constitucional, as atribuições
do Poder Legislativo podem ser elencadas e classifi cadas,
didaticamente, em seis grandes áreas:
1. Legislativa – é a função típica, principal: legislar as maté-
rias de sua competência (art. 48 CF);
2. Fiscalizadora/Controle – fi scalizar e controlar os atos do
Poder Executivo (art. 49, V e X CF);
3. Julgadora – julgamento de crimes de responsabilidade do
Presidente da República e de altas autoridades da República
(arts. 51, I e 52, I e II CF), e de parlamentar por quebra do
decoro (art. 55, II, § 2º CF);
4. Deliberativa – atribuições de competência exclusiva exer-
cidas por atos deliberativos próprios, resoluções e decretos
legislativos (arts. 49, 51 e 52 CF); e,
5. Constituinte – poder constituinte derivado para alterar
o texto constitucional através de emenda à Constituição
(art. 60 CF).
6. Administrativa – a Câmara dos Deputados e o Senado Fe-
deral têm competências exclusivas, respectivamente, para
a auto-organização, dispondo sobre seu “funcionamento,
polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, em-
pregos e funções de seus serviços ...” (arts. 51, IV e 52, XIII
CF).
Em razão do tema proposto para a presente exposição,
iremos nos ater às atribuições fi scalizatórias e de controle
do Parlamento. Preliminarmente, cabe ressaltar a diferen-
ça específi ca entre controle e julgamento, já que ambos
são exercidos pelo Poder Legislativo e não raro é comum
confundi-los, senão misturá-los, sem levar em conta que
são institutos jurídicos diferentes, embora próximos ou até
mesmo sobrepostos, às vezes. A característica primordial do
julgamento é a imparcialidade, a impessoalidade e a obje-
tividade de quem julga, respeitado o devido processo legal,
a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LIII, LIV e LV CF).
Já na atividade de controle estão presentes a parcialidade,
a pessoalidade e a subjetividade de quem controla, e quem
realiza o controle não aplica sanção alguma: a modifi cação
do “ato não é realizada por quem faz o controle, mas pela
63
autoridade à qual a lei atribuiu o poder político-adminis-
trativo para tanto” (SIRAQUE, 2005, p.92).
3. O controle político do Parlamento
3.1 – Antecedentes
“A exigência de prestação de contas, permitindo à popu-
lação fiscalizar a aplicação de recursos públicos, surgiu
há milhares de anos, como se constata nas ordenações de
Drácon, editadas por volta de 621 a.C., no arcondato de
Aristecmo. Do mesmo modo, aparece nas ordenações de
Sólon, editadas em 594-593 a.C., nas quais era reconhe-
cido o direito de o povo cobrar prestação de contas dos
funcionários eleitos. Políbios noticia que, em Roma, entre
os séculos III e II a.C., os cônsules, ao deixarem seus cargos,
eram obrigados a prestar contas de sua atuação ao povo”
(ALVES, 2004, p.79).
O Senado Romano tinha toda a autoridade sobre o tesou-
ro público, fi cando as receitas e despesas sob seu controle.
Qualquer desembolso dependia de sua autorização, inclusi-
ve para obras públicas.
Quando da formação do Estado Moderno, o Legislativo atu-
ava como simples corpo consultivo dos monarcas absolutos.
Posteriormente, passou a ter funções de natureza orçamen-
tária. Montesquieu, na elaboração da sua teoria da divisão
de poderes, defendia a possibilidade do Poder Legislativo
examinar a maneira como as leis por ele promulgadas esta-
vam sendo executadas.
“A função de controle, através do Parlamento, é a que mais
evoluiu no último século e tem experimentado notáveis
transformações, sendo certo que, atualmente, em muitos
Parlamentos, aparece como a de maior destaque, suplan-
tando as atividades de legislação, no momento presente,
em grande parcela, exercida pelo Poder Executivo.
A realidade, porém, é que a função de controle está con-
solidada em nossos dias, encontrável em todas as nações
onde vigora o Estado de Direito (Democrático) – que tem
por primazia o homem e os ideais de justiça – , além de
consagrada na grande maioria das constituições nacio-
nais, independente da forma de Estado ou de governo,
mesmo porque uma das finalidades da constituição escrita
é exatamente estabelecer a divisão de funções e diversas
formas de controle” (ALVES, 2004, p.80).
O controle é exercido quanto à abrangência e quanto ao
mérito. Citando Habermas, José W. Bezerra Alves, abor-
dando o controle político do Parlamento e o judicial, ob-
serva que ele é feito sob dois aspectos: quanto “ao caráter
profissional da execução da lei” e quanto à “observância
das atribuições normativas que a legalidade da execução
e, com isso, a reserva da lei, garantem para intervenções
administrativas” (ALVES, 2004, p. 81).
“... o que é preciso ressaltar é que o que hoje denominamos
Estado de Direito (Democrático) não significa a busca ou
a luta por um Estado com normas, mas a busca de escoi-
mar o direito posto das marcas da arbitrariedade, da au-
tocracia, da discriminação, da punição inconseqüente, da
facilitação da concentração da renda e da propriedade, da
igualdade, etc., aspectos em grande parte já tratados des-
de os tempos da Carta de João Sem Terra, culminando com
a declaração burguesa de direitos de 1789 e da atual carta
de direitos humanos de 1948” (AGUIAR, 1990, p.147).
3.2 – O controle parlamentar na Constituição de 88
Adotando, em parte, o entendimento de Celso Antonio
Bandeira de Mello, as atribuições fi scalizatórias e de con-
trole das funções administrativas do Estado pelo Parlamen-
to podem ser exercidas de forma direta (MELLO, 2005, p.870
a 876) ou dependente.
64
3.2.1 - É controle parlamentar direto aquele exercido pelo
Poder Legislativo, diretamente, sem intermediários, no ple-
no exercício de suas prerrogativas constitucionais. De acor-
do com o art. 49, X da Constituição Federal, entre os atos de
competência exclusiva do Congresso Nacional incluem-se
os de “fi scalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer
de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da
Administração indireta” (Lei 7.295, de 19.12.84). São os se-
guintes os instrumentos utilizados pelo Parlamento para o
exercício do controle político:
1. Sustação de atos do Poder Executivo
Ao Congresso Nacional compete “sustar os atos normativos
do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar
ou dos limites de delegação legislativa” (art. 49, V CF).
2. Convocação de Ministros de Estado e Requerimento de
Informações
“A Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou qualquer
de suas Comissões, poderá convocar ministros de Estado ou
quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à
Presidência da República para prestarem, pessoalmente,
informações sobre assunto previamente determinado, im-
portando crime de responsabilidade a ausência sem justifi -
cativa adequada” (art. 50 CF). Também “as Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal poderão encaminhar
pedidos escritos de informação a ministros de Estado...
importando crime de responsabilidade a recusa, ou o não
atendimento no prazo de trinta dias, bem como a presta-
ção de informação falsa” (art. 50, § 2º CF). As comissões
permanentes de qualquer das Casas Legislativas, em fun-
ção da matéria de suas respectivas competências, além de
“receber petições, reclamações, representações ou queixas
de qualquer pessoa contra atos ou omissões das entidades
públicas” (art. 58, § 2º, IV CF), poderão “solicitar depoimento
de qualquer autoridade ou cidadão” (art. 58, V CF).
3. Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs
O art. 58, § 3º, da Constituição Federal, permite a criação de
“comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes
de investigação próprios das autoridades judiciais, além
de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas,
serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante reque-
rimento de um terço de seus membros, para apuração de
fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclu-
sões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público,
para que promova a responsabilidade civil e criminal dos
infratores”.
“...para que a atribuição de fiscalizar possa ser regular-
mente exercida, é indispensável que o órgão encarregado
possa ‘investigar’ os fatos, valendo-se de meios e instru-
mentos que se mostrem adequados à consecução dos fins
apontados. Daí conclui Paulo Brossard que ‘o poder de in-
vestigar é inerente ao poder de legislar e de fiscalizar’. Em
suma: o Congresso Nacional e as suas Casas têm poderes
investigatórios, aos quais devem corresponder mecanis-
mos para o seu exercício eficaz. O mais importante desses
mecanismos, como a história recente tem se encarregado
de demonstrar, é a CPI, tal como prevista “ no texto cons-
titucional” (FARIA, 2002, p.12).
“...convém lembrar que a Constituição Federal atribui às
CPIs poderes de investigação próprios das autoridades
judiciárias e não os de jurisdição. Investigar é necessário
para instruir um processo. Poderes de investigação, visam,
portanto, à instrução processual e jamais a qualquer jul-
gamento, que somente pode resultar de atribuições juris-
dicionais que são conferidas aos juízes.
65
Mesmo na instrução existe a chamada ‘reserva jurisdicio-
nal constitucional’, prevendo que determinados atos so-
mente podem ser praticados por decisão judicial, dentre
eles: a quebra da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XII), a
quebra da inviolabilidade da escuta telefônica (art. 5º, XII)
e a prisão, ressalvado o caso de flagrante delito (art. 5º,
LXI)... A CPI, se entender oportunas tais providências, pode
requerê-las ao Judiciário.
Para que haja possibilidade de uma investigação completa
pelo Legislativo, o mesmo deve estar investido plenamente
da autoridade que lhe é atribuída pelo legislador consti-
tuinte. A Lei 1.579/52, estabelece que:
‘Art. 2º - No exercício de suas atribuições, poderão as Co-
missões Parlamentares de Inquérito determinar as diligên-
cias que reputarem necessárias e requerer a convocação
de ministros de Estado, tomar depoimento de quaisquer
autoridades federais, estaduais ou municipais, ouvir os in-
diciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar
de repartições públicas e autárquicas informações e docu-
mentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a
sua presença’ (KLEIN, 1999, p. 39 e 40).
Por decisão fundamentada e com a observância das devidas
formalidades legais, pode a Comissão Parlamentar de In-
quérito, por autoridade própria, sem a intervenção judicial,
determinar a quebra do sigilo bancário, fi scal e telefônico
(dados referentes aos registros de ligações), conforme en-
tendimento do Supremo Tribunal Federal” (MS 23.452, Rel.
Min. Celso de Mello, DJU 19.10.1999, p.39).
4. Autorização / aprovação do Congresso Nacional para
atos concretos do Poder Executivo
Há inúmeros casos previstos na Constituição Federal em que
o Poder Legislativo interfere, necessariamente, para contro-
lar a atividade administrativa. São competências exclusivas
do Congresso Nacional:
“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacio-
nal: (EC n. 19/98 CF)
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou
atos internacionais que acarretem encargos ou compro-
missos gravosos ao patrimônio nacional;
II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra,
a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transi-
tem pelo território nacional ou nele permaneçam tempo-
rariamente, ressalvados os casos previstos em lei comple-
mentar;
III – autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da Repúbli-
ca a se ausentarem do país, quando a ausência exceder a
quinze dias;
IV – aprovar o estado de defesa e a intervenção federal,
autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma
dessas medidas;
........................
........................
XII - apreciar os atos de concessão e renovação de conces-
são de emissoras de rádio e televisão;
XIII – escolher dois terços dos membros do Tribunal de
Contas da União;
XIV – aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a
atividades nucleares;
.......................
XVI – autorizar, em terras indígenas, a exploração e o apro-
veitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de
riquezas minerais;
XVII – aprovar, previamente, a alienação ou concessão de
terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos
hectares”.
5. Poderes controladores privativos do Senado Federal
Alguns poderes controladores são privativos do Senado Fe-
deral:
66
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (EC
n.19/98, EC n. 23/99, EC n. 42/2003 e EC n. 45/2004 CF)
.......................
III – aprovar previamente, por voto secreto, após argüição
pública, a escolha de:
a) magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constitui-
ção;
b) ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo
Presidente da República;
c) governador de território;
d) presidente e diretores do Banco Central;
e) procurador-geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
IV – aprovar previamente, por voto secreto, após argüição
em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplo-
mática de caráter permanente;
V – autorizar operações externas de natureza financeira,
de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
territórios e dos municípios;
VI – fixar, por proposta do Presidente da República, limites
globais para o montante da dívida consolidada da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;
VII – dispor sobre limites globais e condições para as ope-
rações de crédito externo e interno da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos municípios, de suas autarquias e
demais entidades controladas pelo poder público federal;
VIII – dispor sobre limites e condições para a concessão
de garantia da União em operações de crédito externo e
interno;
IX – estabelecer limites globais e condições para o mon-
tante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal
e dos municípios;
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei de-
clarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo
Tribunal Federal;
XI – aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a
exoneração, de ofício, do procurador-geral da República
antes do término de seu mandato;
.......................
XIV – eleger membros do Conselho da República, nos ter-
mos do art. 89, VII;
XV – avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema
Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes,
e o desempenho das administrações tributárias da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;
......................”.
6. Impeachment do Presidente da República e dos Minis-
tros
Se o Presidente da República for denunciado por prática
de crime de responsabilidade, por qualquer cidadão, au-
toridade ou parlamentar, e a Câmara dos Deputados, por
dois terços de seus membros, acolher tal acusação, o Se-
nado Federal irá julgá-lo e suspendê-lo de suas funções
tão logo instaure o processo. Se for condenado, o Presi-
dente será destituído do cargo, ocorrendo o denominado
impeachment. (art. 86 CF). São considerados crimes de
responsabilidade os atos do Presidente da República que
atentem contra (I) a Constituição; (II) o livre exercício dos
Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e
dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
(III) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
(IV) a segurança interna do país; (V) a probidade na admi-
nistração; (VI) a lei orçamentária; e (VII) o cumprimento
das leis e das decisões judiciais (art 85 CF). Estes crimes es-
tão defi nidos em lei especial que regulamenta o processo
e o julgamento (Lei 1.079, de 10.04.50).
7. Fiscalização Orçamentária
Uma Comissão Mista do Congresso Nacional, formada por
deputados e senadores, tem atribuição específi ca para exa-
67
minar e dar parecer sobre projetos relativos a plano plu-
rianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, créditos
adicionais, planos e programas (nacionais, regionais e seto-
riais) e exercer o acompanhamento e a fi scalização orça-
mentária (art. 166, § 1º CF).
3.2.2 – O controle parlamentar dependente é aquele exer-
cido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de
Contas. O Parlamento, de certa forma, depende de manifes-
tação daquele órgão para agir:
1. Julgamento da contas do Executivo
É da alçada do Congresso Nacional “julgar anualmente as
contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar
os relatórios sobre a execução dos planos de governo” (art.
49, IX CF). Se as contas não forem apresentadas dentro de
sessenta dias após a abertura da sessão legislativa – 15 de
fevereiro de cada ano -, a Câmara dos Deputados proceder-
lhe-á à tomada (art. 51, II). O julgamento das contas presta-
das pelo Presidente da República, pelo Congresso Nacional,
será realizado mediante “parecer prévio” emitido pelo Tri-
bunal de Contas que as apreciará no prazo de sessenta dias
a contar do seu recebimento (art. 71, I CF).
2. Informações ao Tribunal de Contas
O Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou de
suas comissões, poderá solicitar informações ao Tribunal de
Contas sobre a fi scalização contábil, fi nanceira, orçamentá-
ria, operacional e patrimonial, e sobre resultados de audi-
torias e inspeções realizadas (art. 71, VII CF). Por sua vez, o
Tribunal de Contas, trimestralmente e anualmente, enviará
ao Congresso Nacional relatório de suas atividades (art.71,
§ 4º CF).
3. Sustação de contratos
Cabe ao Congresso Nacional sustar os contratos do Exe-
cutivo padecentes de ilegalidade, a pedido do Tribunal de
Contas (art. 71, X e § 1º CF).
4. Despesas irregulares
A Comissão Mista do Congresso Nacional destinada à fi s-
calização e acompanhamento orçamentário, dentre outras
atribuições (art. 166, § 1º CF), diante de indícios de despesas
não autorizadas, poderá solicitar esclarecimentos à autori-
dade responsável, que terá cinco dias para fazê-lo. Caso não
sejam os esclarecimentos prestados ou se os mesmos fo-
rem considerados insufi cientes, a Comissão Mista solicitará
ao Tribunal de Contas pronunciamento conclusivo sobre a
matéria. Entendendo o Tribunal irregular a despesa, a Co-
missão poderá propor ao Congresso nacional a sua sustação
(art. 72 CF).
5. Inspeções e Auditorias
A Câmara dos Deputados, o Senado Federal e suas respec-
tivas comissões, poderão solicitar que o Tribunal de Contas
realize inspeções e auditorias de natureza contábil, fi nan-
ceira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades
administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judici-
ário, e demais entidades referidas no inciso II do art. 71 (art.
71, IV CF).
4. Conclusão
1. A evolução democrática do Estado consolidou o contro-
le de suas funções administrativas, ampliando-as conside-
ravelmente. O pluralismo político e social, a complexida-
de da vida moderna e o desenvolvimento de técnicas de
comunicação e informação possibilitaram e favoreceram
68
a organização de sistemas variados de controle. De certa
forma, o controle político do Parlamento, que na origem
era praticamente único e quase absoluto, vai aos poucos
cedendo espaço a outros, mais especializados e efi cazes. A
Constituição de 1988 proporcionou signifi cativo avanço
nos sistemas de controle, especialmente o chamado con-
trole social, e na ampliação das competências dos Tribunais
de Contas, que exerce o controle institucional externo de
natureza administrativa.
2. A morosidade do processo legislativo típica do Parlamen-
to e o “burocratismo político” concorrem para enfraque-
cer o controle político exercido pelo Parlamento no Brasil.
Outras formas de controle exercidas por outros órgãos ou
entidades revelam-se mais ágeis e de resultados mais ime-
diatos, colocando a atuação do Parlamento em segundo
plano, de sentido mais formal que material.
3. O desaparelhamento técnico-funcional do Parlamento
difi culta o exercício do controle da Administração Pública,
que possui quadros técnicos e gerenciais nitidamente mais
preparados e competentes. O despreparo do Parlamento
para o exercício de suas funções de controle tem sido em-
pecilho para que suas prerrogativas constitucionais sejam
levadas a termo.
4. A hipertrofi a do Poder Executivo tem relação direta com
o esvaziamento do Poder Legislativo. A evolução político-
administrativa brasileira tem revelado um Poder Executivo
cada vez mais articulado e com mais poderes, dirigindo a
atuação do Poder Legislativo, através da formação das cha-
madas “maiorias parlamentares”. Não raro, as pautas dis-
cutidas no ambiente parlamentar são as determinadas pelo
Executivo que, através de instrumentos políticos, adminis-
trativos e orçamentários – emendas parlamentares, verbas
ministeriais, medidas provisórias, etc - infl uencia sobrema-
neira o resultado das votações. Manipulado pelo Executivo,
o Poder Legislativo não demonstra aptidão para o exercício
do controle das funções administrativas do Estado.
5. A desorganização do quadro político – sistemas partidário
e eleitoral defi cientes – produz uma classe política instável,
individualista, de pouca representatividade e inconsistente,
difi cultando o desenvolvimento do processo legislativo e o
exercício, pelo Parlamento, de suas competências e atribui-
ções. Os intermináveis confrontos e desarranjos políticos,
geralmente decorrentes da fragilidade dos partidos que
pouco ou nada representam, favorecem a atuação isolada
de parlamentares que procuram satisfazer demandas paro-
quiais em detrimento de uma agenda nacional (NETO, SAN-
TOS, 2003, p. 91 a 139).
6. A judicialização da política e das relações sociais tem
aumentado no Brasil. Impotentes diante da intromissão do
Poder Executivo no ambiente parlamentar, as minorias re-
correm ao Poder Judiciário para fazer valer seus direitos e
posições. Também setores da sociedade descrentes da atu-
ação do Parlamento buscam no Judiciário o que não con-
quistaram através do processo político-parlamentar. O que
se verifi ca é o esvaziamento do espaço político-dialógico
para a superação dos problemas sociais e políticos, e a as-
sunção paulatina do Poder Judiciário como uma espécie de
“conselho gerencial da República” (VIANNA, 1999, p. 15 a
44), o que representará enorme défi cit e distorção do sis-
tema democrático.
______________________________________________
* Palestra proferida em 10.11.2006, no “I Seminário de Con-
trole da Gestão dos Recursos Públicos”, promovido pela Es-
cola de Contas e Capacitação Prof. Pedro Aleixo, do Tribu-
nal de Contas do Estado de Minas Gerais, em comemoração
aos dez anos da referida Escola.
69
** Antonio Carlos Doorgal de Andrada é Conselheiro do Tri-
bunal de Contas do Estado de Minas Gerais, bacharel em
Direito, professor universitário e especialista em Direito Pú-
blico (PUC-MG) e Controle da Administração Pública (CAD-
Gama Filho/RJ), e mestrando em Direito e Instituições Polí-
ticas (FUMEC). Foi vereador, prefeito municipal e deputado
estadual.
______________________________________________
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e das relações sociais no Brasil. Renan, RJ, 1999.
-----------------------------
71
5. A
nexo
72
O PÓS-POSITIVISMO E O PAPEL DO JUIZ EM UM
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Leonardo de Araújo Ferraz*
I Introdução
Um dos grandes dilemas que se apresenta para a sociedade
moderna, cada vez mais complexa e plural, englobando dis-
tintos projetos individuais de vida boa1, é o de como ajustar
e conformar o papel do direito no sentido de que o mesmo
se preste não só a estabilizar expectativas de comporta-
mento, tal qual já dizia Luhmann, mas também servir como
fator de integração social.
Neste novo cenário, verifi ca-se o colapso de um modelo de
ordenamento de ordenamento jurídico fundado e legitima-
do apenas em um sistema de regras, sistema este incapaz de
assegurar os ideais de correção normativa e em última aná-
lise de justiça, principalmente nos chamados “hard cases”,
na concepção de DWORKIN (1999). Neste sentido, explica
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, prefaciando Écio Oto Ramos,
que “ a validez normativa, ...., não pode ser a validez formal,
típica do Estado liberal e legalista que se estabelece pri-
mariamente na relação entre normas, por que regimes au-
toritários também se adequam a esta validez ...“ (2004:23)
Desta forma, no sentido de comprovar a completude de um
1 Nesses termos, a sociedade para se confi gurar democrática deve asse-
gurar que sejamos iguais por sermos livres para sermos diferentes.
ordenamento jurídico capaz de refl etir os anseios de justiça
e certeza, exsurge um realinhamento dos princípios, que de
simples entidades abstratas ou etéreas de um remoto pas-
sado jusnaturalista, passam a adquirir grau de normativida-
de e coercitividade plenas. Portanto, para um ordenamento
jurídico se mostrar válido, é necessário que seu “conteúdo”
seja gerado na exata medida da participação dos afetados
por essas normas, entendidas agora como princípios e re-
gras.
Isto, sem dúvida, envolve um giro cognoscitivo que perpas-
sa a questão do fundamento de validade do direito para
abarcar os desafi os que envolvem sua aplicação e princi-
palmente a postura adequada daqueles que têm por ofício
aplicá-lo.
Para CARVALHO NETTO,
... no paradigma de Estado Democrático de Direito é de se
requerer do judiciário que tome decisões que, ao retraba-
lharem construtivamente os princípios e regras constitu-
tivos do direito vigente, satisfaçam a um só tempo, a exi-
gência de dar curso e reforçar a crença tanto na legalidade
entendida como segurança jurídica, como certeza do direi-
to, quanto ao sentimento de justiça realizada, que defl ui
da adequabilidade da decisão às particularidades do caso
concreto.(2001:23)
Écio Oto Ramos Duarte completa aduzindo que “ contem-
poraneamente, a perspectiva de superação no campo do
positivismo envolve a consideração de uma tensão ineren-
te ao fenômeno jurídico entre sua certeza (racionalidade) e
a sua legitimidade (justiça).”(204:35)
Como pode se inferir das palavras do renomado jusfi lóso-
fo e constitucionalista mineiro e do fi lósofo piauiense, é
grande o dilema que se apresenta ao aplicador do direito,
73
principalmente nestes tempos de alta modernidade, como
apregoa CHAMON JR (2005).
Sob a ótica do aplicador, a partir desta nova e complexa
confi guração jurídico-normativa e social, demonstra-se
inconcebível, como se observa freqüentemente, a tomada
de decisões a partir de preferências pessoais ou pretensos
valores próprios de um julgador super-herói ou de uma so-
ciedade hegemônica, visto que em uma sociedade plural e
que aceita a diferença, não há como criar “standards” valo-
rativos seja do ponto de vista pessoal ou coletivo. Ademais,
muitas vezes verifi camos um judiciário totalmente afi nado
com o executivo, do qual se torna um mero fantoche mani-
pulável ao talante das variantes políticas.
Por isso, se observarmos os Tribunais Constitucionais da Eu-
ropa e também o Supremo Tribunal Federal, restará clara a
constatação de que a postura dos membros na sua quase
totalidade é esta que acabamos de denunciar. Sob a pre-
tensa tutela de uma sociedade carente, órfã de proteção e
justiça, como já expunha Ingbord Maus, o Judiciário, a par-
tir de uma postura claramente ativista, e dita salvacionista,
exercendo papel de um verdadeiro legislador, decide ques-
tões jurídicas a partir de argumentos meramente políticos,
pragmáticos ou fundados em uma eticidade padronizada de
acordo com os valores dominantes no seio social (sic) ou da
própria clarividência pessoal do julgador.
Como alternativa a esta “práxis”, apresenta-se um modelo
de aplicação do direito centrado no juízo de adequabilidade
tal qual proposto por Klaus Günther e retrabalhado por Jur-
gen Habermas, que busca garantir um sentido de correção
normativa das decisões judiciais a partir do respeito a con-
dições procedimentais do discurso de aplicação. Para tanto,
devem estar centradas na imparcialidade do juiz, que deve
construir a decisão e aplicar a norma adequada ao caso
concreto conjuntamente com as demais partes, em respeito
aos princípios constitucionais da isonomia, contraditório e
ampla defesa, que garantem aos afetados igual possibili-
dade de participação e exposição de todos os argumentos
possíveis, assegurando que essas decisões se revistam de
aceitabilidade racional.
Para tanto, será traçada, em breves linhas, a reconstrução
do modelo positivista a partir do modelo desenvolvido pelo
grande cientista do direito, Hans Kelsen, apontando seus
limites e sua incapacidade de eliminar o decisionismo e a
discricionariedade na aplicação do direito.
Como tentativa de superação do “colapso” positivista, su-
cede-se uma abordagem dita pós-positivista que eleva os
princípios ao “status” de norma jurídica dotado de coerciti-
vidade plena e que será tratada a partir da análise dos prin-
cipais pontos da obra de dois renomados autores: Ronald
Dworkin e Robert Alexy.
Em relação ao primeiro, será discutida a questão do direi-
to como integridade e a fi gura do chamado juiz Hércules,
para na última parte do trabalho ser enfeixada uma série
de críticas a esta postura quase mítica do julgador expli-
citando, em conformidade com o Estado democrático de
direito através do médium institucionalizado de um pro-
cesso constitucional, como reduzir o árduo fardo que lhe
seria conferido.
Em relação ao jurista alemão, Robert Alexy, se buscará de-
monstrar como sua teoria da argumentação falha ao tentar
superar os problemas do positivismo, pois embora tente as-
segurar um caráter de racionalidade das decisões judiciais,
Alexy cai na sua própria armadilha, pois trata os princípios
jurídicos como valores, bens ou comandos otimizáveis, que
em última análise representam preferências em maior ou
74
menor grau, rompendo com o código binário do direito lei-
to, perpetuando, portanto os problemas da discricionarie-
dade, do decisionismo, do utilitarismo e do agir político no
fundamento das decisões.
II Desenvolvimento
II.1 O positivismo de Hans Kelsen
Considerado um dos maiores teóricos do direito do séc. XX,
Hans Kelsen2 deixou um legado bastante signifi cativo, do
qual se destaca a obra intitulada Teoria Pura do Direito.
Na sua teoria que se denomina pura, Kelsen procura fazer
com que o estudo do Direito (ordem normativa) se afaste de
quaisquer interferências estranhas aos conteúdos jurídicos,
tais quais a moral e a ética3. Sendo assim, o estudo do Di-
reito deve ater-se tão somente ao sistema normativo e dele
extrair seu fundamento de validade. Em outras palavras,
como explica CHAMON JÚNIOR, “ ... podemos entender que
o fundamento de uma norma positiva só pode ser outra
norma.”(2003:2)
Neste sentido, para validar a norma e portanto o próprio Direito,
Kelsen lança mão de um silogismo. Segundo CHAMON JÚNIOR,
a premissa maior é uma norma considerada objetivamente
2 Kelsen é na verdade, um neo-positivista, à medida que sofi stica e
supera o legalismo (positivismo) liberal. Para ele, Direito positivo é Direito
válido, e não aquilo que está escrito, expresso em lei.
3 Em verdade, para Kelsen, a pureza não se encontra no Direito em si,
mas sim na sua teoria. Ele não descarta que questões morais, éticas,
práticas sociais, etc., entram na construção do Direito (conteúdo).
Entretanto, estas questões não devem infl uenciar o estudo do Direito, já
que ao isolar o objeto (Direito) para descrevê-lo, Kelsen afasta qualquer
infl uência externa de modo que sua área de investigação se restrinja ao
próprio objeto do seu estudo.
válida. A premissa menor é um ato de X, que, v.g. “ordena
algo” sendo, assim, dotado de sentido subjetivo. Se a pre-
missa maior (norma objetivamente válida) pudermos alcan-
çar que se deve obedecer à ordem de X (premissa menor),
então a conclusão é que a ordem de é, também, objetiva-
mente válida para o ordenamento jurídico. (2003:2)
Desta forma, o Direito contém normas que se encontram
escalonadas dentro de uma pirâmide hierárquica. Portan-
to, uma norma de escalão superior dá origem à norma de
escalão imediatamente inferior e assim sucessivamente, de
forma que, como já apresentado, uma norma somente só
será juridicamente válida se puder ser fundamentada em
uma norma hierarquicamente superior.
Apesar de toda a pretensa coerência teórica, Kelsen sofreu
uma série de questionamentos em função de incongruências
internas insanáveis do modelo, ou como coloca CATTONI DE
OLIVEIRA(2001:55), insustentabilidade dos pressupostos
teóricos, que culminaram com um colapso da Teoria Kelse-
nia em um paradigma de Estado Democrático de Direito.
Um dos grandes reveses que se apresentam em relação à sua
teoria é acerca do fundamento da norma que se encontra no
topo do ordenamento jurídico (Constituição). Como pode-
ria ela própria ser validada dentro do modelo? Neste ponto,
Kelsen lança mão da chamada norma fundamental que se
diferencia das demais não por ser posta, mas sim pressuposta.
Para que os mandamentos legais possam ser considerados
obrigatórios é indispensável supor a existência de uma norma
fundamental, que admite legitimidade do poder e o dever de
obediência da comunidade. Aí reside uma grande contra-
dição ou mesmo paradoxo da sua teoria pura, visto que a
“completude” e o fechamento da mesma só pode ser justi-
fi cada a partir de algo transcendental, fi losófi co, totalmente
fora do padrão lógico-normativo defi nido em sua teoria.
75
Outro questionamento diz respeito ao fato de Kelsen con-
siderar uma norma válida sem prescindir de um outro ele-
mento para além do modelo silogístico apresentado. Nes-
tes termos, a norma será válida quando fundamentada em
outra superior (fundamento) e se for minimamente efi caz
(pelo cumprimento da norma e aplicação). Trata-se pois de
uma condição resolutiva4 cuja constatação se dá a partir de
um viés sociológico, o que representa sobremaneira uma
contradição para seu modelo.
Entretanto, o maior gargalo de sua teoria relaciona-se com
a questão da interpretação, que foi abordada em destaque
nos textos originais de 1934, Zur Theorie der Interpretation;
de 1953, a versão francesa Théorie pure du Droit e a edição
de sua Reine Rechtslehre de 19605.
Nos dizeres de Kelsen, a própria norma seria um “esquema
de interpretação”, de modo que “o juízo em que se enuncia
que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico
(ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação espe-
cífica, a saber, uma interpretação normativa”. (1987:4)
Portanto, interpretação para Kelsen vai signifi car duas coi-
sas: ou é ato de aplicação – de vontade – e aí estamos fa-
lando de uma interpretação autêntica (feitas pelo legislador
ou pelo juiz), aquela que cria norma jurídica6 ou é ato de
conhecimento e aí estamos falando de uma interpretação
não-autêntica ou cognoscitiva (feita pela dogmática e pe-
los destinatários da norma).
4 Neste sentido, a norma é inicialmente válida.
5 É importante frisar que a interpretação será abordada como um todo,
sem distinção de períodos.
6 No sentido de que interpretação como ato de vontade, faz com que a
autoridade crie uma norma individual para o caso concreto.
Nesse contexto, o papel da ciência do Direito não é criar
normas, mas sim realizar as descrições, ou seja, as interpre-
tações possíveis das normas jurídicas, ou em outras palavras
revelar o quadro de leituras possíveis da norma, cabendo ao
intérprete autêntico escolher aquela que entender correta,
dentro das várias interpretações fechadas numa moldura.
Todo ato dentro desta moldura estaria conforme a norma e
portanto seria considerado válido. Neste caso, a aplicação
passa a ser uma questão de política do direito, ou seja, a
escolha do aplicador se baseia em questões para além do
direito positivo, a saber: normas de moral, de justiça, de
valor, etc. Trata-se, em resumo, do decisionismo da Teoria
Kelseniana já que, no que se refere a esse ato de vontade,
de escolha, o julgador é livre para agir de acordo com o seu
entendimento e convicções” (CHAMON JÙNIOR, 2003:6).
Isso, sem dúvida, pode gerar sérios problemas de insegu-
rança jurídica, pois não existe apenas uma resposta correta
para cada caso concreto, mas sim várias, sendo que aquela
que for escolhida dentro da moldura, seja ela qual e de que
forma for, estará validada pelo direito.
Na evolução da Teoria Pura do Direto, a partir de 1960 , Kel-
sen passa a defender que a autoridade que aplica o Direito
possui liberdade não apenas para escolher algumas das in-
terpretações possíveis dentro da moldura, como também
possui a faculdade de, por sua autoridade, criar direito novo
fora do quadro – é o chamado “giro decisionista”. Trata-se,
no caso, da discricionariedade que é conferida ao juiz, que
ao interpretar para além do quadro das descrições possí-
veis, estaria criando direito novo, fora do escopo de valida-
de pensado inicialmente na sua teoria. Trata-se na verdade
da ampliação de seus “poderes”, já que agora, a partir de
suas convicções, poderá escolher não somente dentre as
leituras possíveis dentro de quadro, mas também para
além dele, potencializando a questão da insegurança
76
jurídica, conforme já discutido7.
Neste caso, a sentença passada em julgado faria com que
uma norma do escalão inferior obtivesse validade em fun-
ção da interpretação autêntica realizada pelo aplicador,
não mais, neste caso, em função de uma norma superior
determinante do dever-ser. A questão acerca da validade
das decisões estaria reduzida somente à questões rela-
tivas ao poder conferido à autoridade e a efi cácia do
Direito.
Outrossim, a aplicação do Direito quando compreendido
como exercício de um poder discricionário, entrega o Di-
reito nas mãos do órgão aplicador, uma vez que prevalece
sua vontade como válida, desde que transitada em julgado,
trazendo ainda mais incerteza às relações jurídicas.
Para resumir esta inconcebível postura positivista, Olivier
Jouajan assim se manifesta:
Cette incapacité à assumer plus avant du point du vue ju-
ridique le processus de la application doit être dés lors ren-
voyé non pás a ume errreur d’ aiguillage en cours de route
de la théorie pure du droit, mais a ses presupposés théori-
ques fondamentaux. Parce que la morme este identifi é au
texte de norme, qu’elle este déconnectée de la real´té elle
doit s’appliquer, que dans le mouvement de l’application, le
texte, dans l’indetérminité de ses signifi cants multiples, doit
demeurer isolé des élements qui pourrait lui faire de sens, la
théorie pure du droit ne peut que s’arreter sur une théorie
vide de l’interpretation: et elle s’arrête lá parce que elle est
est en panne8.
7 O aplicador, no caso, passa fazer as vezes do próprio legislador.
8 JOUJAN, Olivier. Apresentação in MÜLLER, Friedch. Discours de la
méthode juridique. Extraído do texto: Limites e possibilidades da tutela
Evidentemente trata-se de uma postura insustentável em
um Paradigma de um Estado Democrático de Direito, cujas
relações sociais envolvem um elevado grau de complexi-
dade, em que as diferenças entre os membros desta co-
munidade devem ser respeitadas. Como admitir um direito
legítimo como algo construído à mercê de um poder dis-
cricionário conferido aos julgadores? Onde estaria a segu-
rança das nossas relações? Seria admissível aceitar que os
valores por eles defendidos (com certeza refl exo de uma
ideologia dominante) possam representar os valores de uma
sociedade tão líquida e rarefeita como um todo?
Confundir a atividade legislativa com a atividade jurisdicio-
nal é postura incompatível num sistema democrático, onde
as decisões devem se pautar no Direito como sistema de
garantias. Qualquer decisão tem que se apresentar como
forma a impedir os abusos e as arbitrariedades a que as
autoridades poderiam ser levadas.
Em uma sociedade democrática a hermenêutica jurisdicio-
nal não se pode adotar um caráter discricionário. A “trans-
ferência” de competência legislativa para os Tribunais tira
dos cidadãos o controle de suas instituições. Devem os Tri-
bunais traduzir um equilíbrio de poderes entre os numero-
sos grupos, dos quais nenhum seria dominante. Os Tribunais
não podem usurpar o poder, à medida que devem respeitar
o direito construído e reconstruído a partir da efetivação
dos preceitos constitucionais que sirvam como base de uma
comunidde princípios.
II.2 0 pós- positivismo
jurisdiconal no paradigma do estado democrático de direito: para uma
análise crítica da “jurisprudência dos valores”, de Alexandre de Castro
Coura, in Jurisdição e hermenêutica constitucional. Coordenação: Marce-
lo Cattoni, p. 419.
77
II.2.1 Ronald Dworkin, o direito como integridade e o juiz
Hércules
Ronald Dworkin, catedrático em Oxford e crítico literário,
apresenta, a partir de suas obras Levando os Direitos a Sé-
rio e O Império do Direito, uma crítica contumaz e incisiva
ao positivismo9. Dworkin, cioso do colapso do modelo po-
sitivista, direciona sua abordagem principalmente no que
tange a três aspectos centrais: os fundamentos de legiti-
midade10 do direito; a problemática da discricionariedade
do juiz ao solucionar um caso concreto e a justifi cativa do
cumprimento de uma decisão oriunda do agir discricioná-
rio do juiz, pelo fato de que a mesma, por não se validar
segundo a lógica do modelo, não se prestaria a criar nem
obrigação nem direito11.
A partir desta constatação, quais seriam então estas defi -
ciências do modelo positivista por ele detectadas? Em ou-
tras palavras, quais seriam as inconsistências internas dessa
abordagem que deveriam ser supridas ou superadas? Ora,
primeiramente é pertinente o questionamento acerca da le-
gitimidade do direito. Como se sabe, o positivismo não pres-
supõe qualquer vinculação da validade da norma (Direito)
com o seu conteúdo. O que interessa, in casu, é somente a
sua origem (se fundada em uma norma hierarquicamente
superior) e a forma pela qual ela é verifi cada ou aplicada
(se minimamente efi caz na sociedade). A questão funda-
mental que deve ser discutida é esta: se são estas noções
que esgotam a validade do direito (e como não é possível
9 Aqui entendido como uma postura fi losófi ca e científi ca, que teve
como principais expoentes John Austin, Hans Kelsen, Haart entre outros.
10 Ou validade como é tratado por Kelsen na sua teoria pura do Direito.
11 Obviamente os aspectos pontuados por Dworkin são interrelacionados
e conexos, de sorte que no desenvolvimento de seu raciocínio as questões
aventadas serão abordadas a seu tempo.
prever aprioristicamente todas as situações de aplicação da
norma), caso o juiz tivesse que solucionar um caso que não
se amoldasse às possíveis interpretações daquela norma, es-
taria o juiz criando um direito “novo” e portanto a exercer
sua discricionariedade12. E mais, se este direito criado não é
fundamentado dentro do modelo (e portanto afastando a
existência de um dever/direito preexistente) por que have-
ria o dever de obedecer àquela decisão se ela em verdade
não é direito (validamente entendido), à medida que não há
como justifi car a decisão?
Realmente os teóricos positivistas não enfrentaram a con-
tento estas questões à medida que as mesmas comprome-
tiam toda a fundamentação da modelagem positivista. No
intuito de perpassar esses obstáculos, Dworkin apresenta
um giro cognitivo ao propor um novo viés compreensivo
do direito, no sentido de validá-lo e legitimá-lo a partir de
uma teoria despida das incongruências e incompletudes do
positivismo, em uma corrente que se denomina pós-positi-
vismo. Para isto, introduz no debate conceitos tais quais di-
reito como integridade, comunidade fraternal de princípios,
Hércules, que serão melhor apresentados e interconectados
no decorrer do trabalho.
Neste sentido, Dworkin, em sua obra, apresenta-se desde o
início preocupado com a questão da legitimidade do direito.
Para ele, “uma concepção de direito deve explicar de que
modo aquilo que chama de direito oferece uma justificati-
va geral para o exercício do poder coercitivo pelo Estado”.
(1999:231). Ainda neste sentido, coloca que um “Estado é
legítimo se sua estrutura e suas práticas constitucionais
forem tais que seus cidadãos tenham uma obrigação geral
de obedecer às decisões políticas que pretendem impor-
12 A validade de uma decisão discricionária se fundaria no poder geral de
autoridade conferido ao juiz e no princípio da coisa julgada (efetividade).
78
lhe deveres.” (1999:232). Exsurge pois o cerne da questão.
De que forma pois, poder-se-ia conceber o direito como
legítimo de forma a legitimar o próprio Estado? Ora, nes-
te momento, introduz-se o conceito de integridade. Para
Dworkin, isto só pode ser obtido a partir da reconhecimento
do direito como integridade, de sorte que “um Estado que
aceita a integridade como ideal político tem um argumen-
to melhor em favor da legitimidade do que um Estado que
não a aceite.”(1999:232).
Para a compreensão do como se pode pensar o direito como
integridade, necessário é que se compreenda a noção tra-
balhada por Dworkin do que se seja uma comunidade fra-
ternal de princípios, no sentido de prover a forma pela qual
as obrigações (coerção autorizada pelo direito) aos seus
membros imposta possam ser consideradas como legítimas,
no sentido da manutenção de uma ordem coerente de prin-
cípios somente nela (comunidade fraternal) viabilizado13.
Em primeiro lugar, as pessoas que pertencem a este tipo de
comunidade devem possuir quatro características particu-
lares em relação às responsabilidades que cada membro do
grupo deve para com todo o grupo e outros membros iso-
ladamente: devem considerar as obrigações como especiais,
que se prestam a um caráter distintivo em relação a pessoas
que não pertençam ao grupo. (ex.: respeitam os princípios
de sentimento de equidade e justiça da organização políti-
ca vigente em sua comunidade particular, que podem ser
diferentes daqueles de outras comunidades) (1); fazem com
que as responsabilidades de cada sejam pessoais, vinculan-
do diretamente um membro a outro (2). Envidam esforços
13 O motivo pelo qual uma comunidade de fato e uma comunidade de
regras não sustentarem um ideal de integridade pode ser entendido pela
leitura da obra O império do Direito, de Ronald Dworkin, em suas pgs.
251 e ss.
em benefício do bem-estar dos outros membros do grupo,
decorrentes de uma responsabilidade mais geral (3) e, por
fi m, exigem que as práticas do grupo se mostrem no igual
interesse de todos, no sentido de que as comunidades fra-
ternas sejam conceitualmente igualitárias (4).(1999:242).
Ademais, as pessoas aceitam que são membros desse tipo
de comunidade, aceitam que são governadas por princípios
comuns e não apenas por regras explícitas criadas por um
acordo político14. Neste caso, segundo Dworkin, a política
tem uma natureza diferente. É uma arena de debates sobre
quais princípios a comunidade deve adotar, que concepção
deve Ter de justiça, equidade e justo processo legal e não
a imagem diferente, apropriada a outros modelos, na qual
cada pessoa tenta fazer valer suas convicções no mais vas-
to território de poder ou de regras possível. Os membros
de uma sociedade de princípio admitem que seus direitos e
deveres políticos não se esgotam nas decisões particulares
tomadas por suas instituições políticas, mas dependem, em
termos mais gerais, do sistema de princípios que essas deci-
sões pressupõem e endossam.(1999:254-255)
14 Na teoria de Dworkin, as normas jurídicas (ordenamento jurídico)
decompõem-se em regras e princípios. A distinção entre ambas é que as
regras seguem a lógica do tudo ou nada ( in-an all or nothing fashion),
ou seja, se estão caracterizados os fatos que determinam sua aplicação
(subsunção), a regra é aplicada; caso contrário, não. Já os princípios
seguem a lógica da ponderação(balance), no sentido que princípios
concorrentes podem conviver validamente na ordem jurídico-política,
transferindo para a análise argumentativa do caso concreto a hipótese
de incidência de um ou de outro, segundo um juízo concreto, em que a
decisão adequada se traduz do ponto de equilíbrio obtido do ajuste dos
princípios ao caso concreto e do caso concreto aos princípios. Obviamen-
te esta abordagem, que sustenta o caráter binário do direito, se afasta
por completo do modelo Alexyano, que interpreta este “balanceamento”
como se fosse uma questão de preferência, atratividade ou importância.
79
Em resumo, cria-se um vínculo entre os membros da comu-
nidade, não por questões de afi nidade, afetividade ou pa-
rentesco, mas pelo estabelecimento de uma rede de respon-
sabilidades recíprocas conectadas pelos princípios comuns,
assim entendidos como aqueles intersubjetivamente (entre
os membros da comunidade) compartilhados e construídos
e reconstruídos histórica (cotidianamente) e organicamen-
te, segundo as expressões coerentes das concepções que
aquela sociedade tem de justiça, equidade e devido pro-
cesso legal15.
Destarte, pode-se inferir que o fundamento de legitimidade
do direito só se sustenta em uma comunidade de princípios,
de forma que o direito como integridade, entendido exa-
tamente como o conjunto de normas coerentes com os
princípios comuns adotados, deve buscar a resposta para
o caso concreto no sentido de preservar esta ordem coe-
rente de princípios. Aqui, demonstra-se que a abordagem
de Dworkin refoge totalmente da lógica positivista de ten-
tar defi nir, em abstrato, todas as condições de aplicação
de uma norma16. Na teoria de Dworkin, ao contrário, não
existe espaço para várias respostas aceitáveis. Para ele, por
levar em consideração o caso concreto, considerado como
único e irrepetível e dotado de especifi cidades próprias, na
construção da resposta, para aquele caso, haverá apenas
uma resposta correta, exatamente aquela que irá refl etir a
integridade do sistema.
15 Apesar de não fazer menção explícita a GADAMER em sua obra, pode-
mos perceber uma certa similitude de pensamento quanto à questão da
“formatação” dos princípios comuns da comunidade fraternal. Para uma
visão mais completa da obra de GADAMER, sugerimos a leitura do livro
Hermenêutica fi losófi ca e constitucional, de Rodrigo Viana Pereira.
16 De tal sorte que haveria assim várias possibilidades de interpretação
de uma norma, todas elas válidas.
Portanto, com ênfase, pode-se afi rmar que não há mais es-
paço para a chamada discricionariedade do juiz tão critica-
da na Teoria Kelseniana. Aqui, não se sustenta a discussão
acerca de várias possibilidades de interpretação da norma
ou mesmo decisão fora do quadro destas interpretações
possíveis. No modelo defendido por Dworkin, a legitimi-
dade conferida ao direito em razão dos princípios, que se
refl ete em um sistema de normas principiologicamente co-
erente, “leva a uma vinculação e nega justamente a noção
de “liberdade” do juiz por uma questão de legitimidade.
Disto conclui-se que os princípios têm força normativa”.
(CHAMON JÚNIOR, 2003:16)(g.n) Como se observa, o mo-
delo defendido por Dworkin afasta-se completamente do
ideal positivista, à medida que, para cada caso concreto re-
construído argumentativamente, não existe uma resposta
qualquer, mas sim uma resposta correta (que inclusive leve
em consideração o processo concretamente desenrolado)
(2001:19), exatamente aquela que mantém o ideal de inte-
gridade do sistema.
Ora, o comprometimento do juiz com a manutenção do ideal
de integridade do sistema impõe-lhe que ao solucionar um
caso concreto, cujas características não encontram acolhida
nos standards normativos preexistentes, não crie direito,
ou seja, uma norma particular de moldes positivistas (dis-
cricionária) que carece de qualquer pretensão de validade.
Na verdade ele deve não inventar um novo direito, mas sim
desvelá-lo, descobri-lo, reconstrui-lo argumentativamente
à luz do caso concreto, buscando uma decisão que seja co-
erente com todo o ordenamento jurídico (as leis, a Consti-
tuição e inclusive a conjugação com as decisões passadas,
os precedentes) que se assenta no modelo de princípios
adotado por aquela comunidade (mantendo a integridade
do sistema)17. Por isso, conforme explica CHAMON JÚNIOR
17 Como explica Dworkin “ Os juízes que aceitam o ideal interpretativo
80
(2003:19) é mediante essa forma de interpretação que se
“descobre” o direito, e não o cria: reconstrói-se, então, o
direito, e não um direito para o caso concreto”, de forma
que, em relação à decisão (a correta) principiologicamente
sustentável, não subsista qualquer défi cit de legitimidade.
II.2.2 Robert Alexy, princípios e valores
A Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy preten-
de construir um modelo de sistema do direito que possa ser
considerado racional. Em verdade, procura conjugar dois
modelos: o modelo segundo o qual o direito é visto como
um sistema de normas e outro modelo segundo o qual ele é
visto como um sistema de procedimentos.
Alexy procura recuperar a idéia de razão prática, através de
uma teoria do discurso (vista como uma teoria de procedi-
mentos), em que uma norma vai ser considerada exata na
medida em que resultar de um determinado procedimento,
daquele discurso prático. Esta teoria do discurso tem como
característica a possibilidade das convicções e dos interes-
ses dos indivíduos modifi carem-se ante os argumentos que
são colocados ao longo do procedimento.
Como sistema de normas, o direito pode ser concebido ape-
nas como um sistema que concilia os níveis das regras e
dos princípios. Os princípios são obrigações de otimização
enquanto as regras têm uma natureza de obrigação defi -
nitiva.
Para as normas, aplica-se o conceito de subsunção. As re-
gras ou são ou não são aplicadas, em uma lógica do tudo ou
da integridade decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum
conjunto coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas,
a melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica da
comunidade.”(1999:305).
nada. Para os princípios, diferentemente, subsiste a lógica
da ponderação, cuja aplicação consiste na determinação de
uma relação de prioridade, na qual os princípios são apli-
cados mediante uma “pesagem”. Para Alexy, diante do caso
concreto, a pesagem dos princípios se dá por critérios de
preferência, importância ou atratividade de uns fren-
te aos outros, o que em verdade quer signifi car que Alexy
considera a lógica dos princípios igual a lógica dos valores
do ponto de vista de sua aplicabilidade.
Sendo assim, Alexy reduz a aplicação do direito não a um
conceito de adequabilidade18, mas sim a uma ponderabili-
dade material de comandos otimizáveis, compreendendo-se
os princípios como algo que deve ser realizado na maior
medida possível, ou seja, algo que deve ser aplicados
no seu grau ótimo. Entretanto esta postura leva a sérios
problemas de aceitabilidade ou mesmo sustentabilidade de
sua teoria sob o paradigma de um Estado Democrático de
Direito.
Primeiramente, entender os princípios como comandos de
otimização leva ao estabelecimento de um modelo hierár-
quico destes princípios, ou seja, de uma “ordem concreta
de valores” com vista a determinados fi ns, fi ns estes que
representam valores compartilhados apenas por determi-
nados grupos. Neste sentido, tratar princípios como valores
faz com que se busque o que é bom, melhor ou preferível,
condicionado a determinadas concepções de “vida boa”.
Isto não é sustentável em uma sociedade moderna, plural,
complexa, multicultural e democrática, uma vez que valores
são sempre pessoais ou de determinado grupo e, portan-
to, insuscetíveis de representarem algo que é efetivamente
compartilhado pela sociedade como um todo.
18 Conforme trabalhado em Dworkin.
81
Ademais, compreender a aplicação dos princípios como
algo gradual faz com que a suposta “exatidão” da decisão
de um determinado caso concreto seja em verdade algo
aproximado, em virtude de que uma decisão será tão mais
correta quanto mais se aproximar das condições ideais do
discurso. Ao desenvolver sua teoria nestes moldes, Alexy
subverte a ordem binária do direito no sentido de se buscar
o que é devido, e mergulha na armadilha decisionista do
positivismo, ao permitir que se tenha em verdade diver-
sas decisões que seriam “válidas”, à medida que caberia
somente à pessoa do julgador a determinação de quais
e em que medida uns princípios (valores) seriam prefe-
ríveis a outros.
Sobre o que foi exposto, CATTONI DE OLIVEIRA se posiciona
de forma incisiva:
“Ao fi nal, ao se reduzir o Direito a valores que, por sua
natureza, não são homogêneos numa mesma sociedade,
aumenta-se o risco da irracionalidade do processo juris-
dicional de controle, transformando-o em uma instância
político-legislativa que se sobressairia ao próprio legislador
democrático. Instaurar-se-ia, desse modo, uma ditadura de
“boas intenções éticas e políticas”, que desrespeitaria a ci-
dadania e o legislativo, à medida que os reduziria a meros
tutelados do Tribunal de cúpula, no caso do Supremo Tri-
bunal Federal, ou no caso alemão, da Corte Constitucional
Federal.(2002:174)”
Em resumo, na argumentação jurídica, os princípios devem
ser compreendidos dentro de uma visão deontológica, no
sentido do que deve ou não ser aplicado, e não como algo
que deve ser preferido ou que é mais atrativo em relação
a outro. Não se permite dentro do paradigma do Estado
Democrático de Direito que, em nome do “bem comum”, se
estabeleça para os “outros” aquilo que se julga bom para
“eles”19. A vinculação da legitimidade das decisões jurídicas
à participação e ao reconhecimento de todos como co-au-
tores da construção e reconstrução do direito leva à supe-
ração do modelo eticizante a que a teoria de Alexy impõe à
sociedade. Neste contexto, para que a aplicação do direito,
no sentido de que se possa impor uma obrigação daquilo
que é devido, seja legítima, é necessário que a decisão ade-
quada para o caso concreto exsurja a partir de um critério
de racionalidade argumentativa, em que todas as posições
dos afetados pela decisão sejam “levadas a sério”, e contri-
buam para a construção do provimento fi nal.
Para concluir, neste sentido, CHAMON JÚNIOR resume a
discussão posta: “...Tertium non datur. Afinal, interpretar
o direito legitimamente não implica transformar-nos nem
em pregadores de nossa concepção ética, muito menos
servos de valores alheios.” (2003:36)
II.3 O papel constitucionalmente adequado do juiz em um
paradigma de Estado Democrático de Direito
Uma das mais contundentes críticas feitas à teoria de
Dworkin é aquela em relação ao papel desempenhado pelo
juiz na busca da melhor interpretação (a adequada) para a
solução do caso concreto. Para o autor, no árduo trabalho
de busca solitária da adequação, historicamente compreen-
dida, que conforme o direito a ser aplicado, o juiz deve ser
19 O grande problema da Teoria de Alexy é que ele, quando da aplicação
do direito, leva em consideração argumentos pragmáticos, morais e
éticos, parecendo desconhecer a distinção entre discursos de justifi cação
e discursos de aplicação. A busca da adequabilidade do direito a ser apli-
cado em função do caso concreto deve referir-se somente a argumentos
jurídicos, com base no conjunto de normas validadas pelos discursos
de justifi cação. (Para maior aprofundamento sobre o tema: GUNTHER,
KLAUS. Teoria da argumentação no direito e na moral: justifi cação e
aplicação)
82
dotado de atributos quase sobre-humanos para que, base-
ado no ideal de integridade, interprete todo o sistema de
princípios à luz da prática das instituições da comunidade
(CHAMON JÚNIOR, 2003:18). A carga de responsabilidade
atribuída ao juiz é tamanha que Neuenschwander Maga-
lhães resume o assunto ao dizer que a busca da respos-
ta correta “.... é tarefa de um juiz dotado de qualidades
quase que impossíveis de coexistirem em uma só pessoa,
razão pela qual chama este juiz ‘ideal’ de HÉRCULES.”
(1999:438).
Dentro desse quadro, este agir quase mítico do herói HÉR-
CULES pode ser minimizado a partir da noção do que seja
paradigma. CATTONI DE OLIVEIRA recorre a HABERMAS20
(1996:194-195) para estabelecer o conceito de paradigma21
para o campo das ciências sociais e, no âmbito dessa, para
as refl exões acerca do Direito.
“Por esse último (paradigmas de Direito), entendo as visões
exemplares de uma comunidade jurídica que considera
como o mesmo sistema de direitos e princípios constitu-
cionais pode ser realizado no contexto percebido de uma
dada sociedade.
“Um paradigma de Direito delineia um modelo de socieda-
20 HABERMAS, Jurgen. Between facts and norms, 1996.
21 Segundo CATTONI DE OLIVEIRA (2002:52), o termo “paradigmas” foi
introduzido na discussão epistemológica contemporânea, com o sentido,
por exemplo, utilizado por Gomes Canotilho, ou seja, como “ ‘Consenso
científi co’ enraizado quanto às teorias, modelos e métodos de compre-
ensão do mundo”, a partir do conceito concebido por Thomas Kuhn:
“..... paradigmas são realizações científi cas universalmente reconhecidas
que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares
para uma comunidade de praticamente de uma ciência.”. Para um maior
aprofundamento do assunto, sugerimos a leitura de Marcelo Andrade
Cattoni de Oliveira e Menelick de Carvalho Netto.
de contemporânea para explicar como direitos e princípios
constitucionais devem ser concebidos e implementados
para que cumpram naquele dado contexto as funções nor-
mativamente atribuídas a eles.”
E completa:
O que quer dizer que as compreensões jurídicas paradigmá-
ticas de uma época, refl etidas por ordens jurídicas concre-
tas, referem-se a imagens implícitas que se tem de própria
sociedade; um conhecimento de fundo, um bakground, que
confere às práticas de fazer e de aplicar o Direito uma pers-
pectiva, orientando o projeto de realização de uma comu-
nidade jurídica.(2002:54)
A partir destas noções, pode-se dizer que, ao imergir nes-
tes paradigmas, que são construídos e reconstruídos pela
comunidade jurídica, HÉRCULES tem sua jornada aliviada,
visto que a tarefa de estabelecer o escopo signifi cativo de
coerência da norma é sobremaneira reduzida por essa com-
preensão paradigmática do direito. Para CHAMON JÚNIOR,
HÉRCULES fi ca muito mais aliviado da complexidade de sua
atividade, pois ao invés de, em todos os caos, ter que siste-
matizar, na formação de sua teoria, “toda” a malha princi-
piológica e de regras com os casos anteriores, ele já toma
contato com uma “certa” ordem, que serve de pano de fun-
do para o seu ofício.(2003:33)
Mas será que esta postura de isolamento de HÉRCULES, de-
fendida por Dworkin, é sustentável em um paradigma de
Estado Democrático de Direito? Seguindo os ensinamentos
de Habermas, o próprio sentido de integridade deve ser re-
defi nido, abarcando agora “uma comunidade de indivíduos
integrados e que assumem uma postura realizativa de to-
dos os demais.” (CHAMON JUNIOR, 2003:34).
Nesta linha, a argumentação racional que efetivamente le-
83
gitime a solução dos confl itos só pode ser obtida a partir
de uma compreensão procedimental da democracia (e do
direito), a partir da constatação de que todos os indivíduos
que estão sob o império do direito participam de sua cons-
trução e reconstrução, dentro de uma rede que permita que
os fl uxos comunicativos desses participantes (tomadas de
posições e opiniões) estejam orientados para o entendimen-
to, o que só pode ser sustentado e efetivado a partir da
Constituição, entendida como a base de uma comunidade
que compartilha princípios intersubjetivamente construídos
e reconstruídos.
Por tudo isso, demonstra-se impossível e até mesmo im-
plausível que HÉRCULES se mantenha como o guardião
único de todas as virtudes que lhe permitam, sozinho,
garantir a adequação da decisão a ser tomada. Ora, se o
juízo de adequabilidade22 obtido através da compreensão
paradigmática (que é intersubjetivamente compartilhada
por todos) deve ser extraído a partir de uma prática rea-
lizativa, tem-se que sua decisão deve ser entendida como
um empreendimento comum suportado pelos pressupostos
comunicativos de todos.
Esta noção procedimental de democracia e direito, em que
as decisões legítimas (adequadas) só podem ser tomadas
com base em contextos discursivos publicamente assen-
tados, só vem reforçar a obrigatoriedade de se enxergar
o processo tal qual o modelo idealizado pelo italiano Elio
Fazzallari, compreendendo-se agora o procedimento como
gênero, do qual o processo é espécie, ou seja, o processo
é o procedimento realizado em contraditório, devendo ser
22 Conforme já mencionado, para uma exata compreensão do sentido e
alcance do chamado senso ou juízo de adequabilidade, recomenda-se a
leitura do livro GUNTHER, KLAUS. Teoria da argumentação no direito e na
moral: justifi cação e aplicação.
agora compreendido a partir de uma perspectiva de prin-
cípios constitucionais que se apresentam como garantia
fundamental de todos os cidadãos. Através deles, o provi-
mento jurisdicional se consolida e se reveste de legitimida-
de a partir da participação de todos os afetados pela deci-
são. Entretanto, não se trata de uma participação qualquer.
Em verdade, devem ser garantidos a todos aqueles em cuja
esfera jurídica o ato fi nal está destinado a produzir efeitos,
iguais possibilidades de participação no processo, ou em
outras palavras, uma simétrica participação no processo de
construção desta decisão. Trata-se, pois, da efetivação do
princípio constitucional do contraditório23.
Além disto, aos legítimos participantes, deve ser provido a
possibilidade de se utilizar de todos os argumentos licita-
mente constituídos, o que apresenta-se como corolário do
princípio constitucional da ampla defesa24. Esta nova ótica
de abordagem sedimenta a superação do modelo de pro-
cesso como relação jurídica, tal qual difundido no Brasil por
Liebman25 e demonstra a prevalência da Constituição como
locus indispensável à operacionalização do modelo.
Neste sentido, a insubsistência desta corrente processualis-
23 Para Aroldo Plínio Gonçalves, citado por FERNANDES (2002:47), a
idéia que está na base do princípio do contraditório é a da evolução da
prática da democracia e da liberdade, em que os interesses divergentes
ou em oposição encontram espaço garantido para sua manifestação na
busca da decisão participada.
24 CATTONI de OLIVEIRA coloca que, além do contraditório e da ampla
defesa, outros princípios também possuem relevância neste modelo
constitucional de processo, tais como o devido processo legal, do direito
à prova, do juiz natural, independente e imparcial, da fundamentação
racional das decisões judiciais, da publicidade, da instrumentalidade
técnica do processo, da efetividade e da inafastabilidade da tutela jurisdi-
conal, etc. (2002:98).
25 Os grandes expoentes desta corrente são Cândido Rangel Dinamarco,
Ada Pellegrini, dentre outros.
84
ta (corrente paulista ou instrumentalista) está exatamente
no fato que sua construção se consolida e se sustenta ape-
nas nos termos de um paradigma já não mais sustentável de
um Estado Social. Para esta corrente, conforme prescreve
Dinamarco, citado por FERNANDES (2002:44), “a jurisdição
e o processo devem ser compreendidos como instrumen-
tos que têm por finalidade realizar “os valores sociais e
políticos da nação”. E a liberdade e igualdade, enquanto
valores a serem realizados pela jurisdição, encontram seu
sentido tão somente à luz das suas identidades culturais e
tradicionais de cada nação, a partir da defi nição prévia de
quais seriam os valores mais atrativos para aquela Nação.
Assim, os juízes se apresentam como os guardiões de um
virtuosismo ético-político representando “um canal de co-
municação entre a carga axiológica da sociedade em que
vive e os textos legais.” (FERNANDES, 2002:45).
Como se observa, esta postura é incompatível com os dita-
mes de um Estado de Direito Democrático, que conforme
demonstrado, exatamente desloca o papel-missão do juiz
para a garantia das partes, enquanto atores da construção
das sentenças das quais elas são destinatárias. Em função
disto, conforme explica CATTONI DE OLIVEIRA (2002:98),
a importância deste modelo constitucional do proces-
so pode ser apreendida na garantia “ .... de uma devida
racionalidade procedimental e a reflexidade que cobra o
Estado Democrático de Direito”, compatível com o conceito
processual de cidadania, nos termos de uma “comunidade
aberta de intérpretes da Constituição”, segundo preceitua
Peter Haberle. Assim, esta sociedade de intérpretes não se
refere somente ao Supremo Tribunal Federal e a um gru-
po de experts, representantes divinos da carga axiológica
da nação, mas é pressuposto de autonomia dos cidadãos,
devendo ser exercitada cotidianamente através da interpre-
tação constitucional, nos moldes de uma soberania difusa,
que garanta que o direito alcance sua tarefa de estabilizar
expectativas de comportamento e de ser uma das formas de
integração social. (FERNANDES, 2002:47).
Esta nova modelagem abre, inclusive, novas perspectivas,
à medida que a abordagem apresentada em função deste
modelo constitucional de processo possa ser estendida para
além da esfera judicial, abarcando também os procedimen-
tos legislativos e administrativos, pois os mesmos po-
dem também ser interpretados como processo, na justa
medida em que se abre o contraditório para todos os
legítimos participantes.
III Conclusão
1 – Em sociedades pós-industriais, ou inseridas em um
contexto da denominada alta modernidade, é instigante e
premente a necessidade de se compatibilizar e tolerar a
existência de uma grande diversidade de projetos de vida
individuais.
2 – Neste contexto, é fundamental conformar o papel a
ser exercido pelo direito nessas sociedades para que ele se
revista de legitimidade que garanta sua coercitividade não
apenas pelo atributo da autoridade.
3 – Essa nova confi guração traduz-se na superação de uma
modelagem positivista do direito, reduzido a um modelo de
regras distanciado da realidade, para uma modelagem que
assume a normatividade plena também dos princípios.
4 – Exsurge pois o realce do papel a ser desempenhado pelo
aplicador do direito que, diante dessa nova confi guração
normativa, deve realinhar sua postura para se afastar de
um viés decisionista e discricionário, baseado em suas pre-
ferências pessoais ou pretensos valores homogeneizantes
85
da sociedade.
5 – Nesta linha, o colapso do modelo positivista, cuja le-
gitimidade se assentava nos aspectos formais da produção
do direito, deu-se pela incapacidade de superar a questão
central de indeterminação estrutural do direito, que além
de não poder ser confi nado a um modelo fechado de regras,
apresenta-se como texto e, portanto, admite múltiplas lei-
turas. Entretanto, nem por isso a aplicação do direito se
resume à escolha de qualquer das possibilidades encerradas
em uma moldura ou mesmo fora dela, pois até mesmo a
moldura é historicamente datada em função do pano de
fundo intersubjetivamente compartilhado. Sendo assim,
o ponto de partida dos seguidores da corrente positivista
passa pelo ganho de normatividade dos princípios e pela
consciência da necessidade de se retrabalhar a questão da
indeterminação estrutural do direito, a partir da necessida-
de da conjugação do binômio certeza/ segurança jurídica.
6 - Ronald Dworkin rejeita uma concepção meramente me-
canicista e formalista do direito, criticando de forma incisi-
va a questão da legitimidade do direito estar desvinculada
do seu conteúdo, a possibilidade do agir discricionário do
juiz e a obrigatoriedade do cumprimento de decisões, como
aquelas exaradas discricionariamente, fundamentadas fora
do modelo positivista. Para tanto, Dworkin propõe um giro
cognoscitivo que associa a legitimidade do direito e do pró-
prio Estado ao ideal de integridade. Sendo assim, trabalha a
concepção de uma comunidade de princípios, em torno da
qual cria-se um vínculo dos seus membros, não por ques-
tões de afi nidade, afetividade ou parentesco, mas pelo es-
tabelecimento de uma rede de responsabilidades recíprocas
conectadas pelos princípios comuns. Assim exsurge a noção
de direito como integridade, entendido exatamente como o
conjunto de normas coerentes com os princípios comuns
adotados, que deve buscar a resposta para o caso concreto
no sentido de preservar a ordem coerente de princípios da
comunidade. Nesta modelagem, que perpassa a noção do
direito como um sistema estático de regras, não há que se
falar em lacunas interpretativas que, conforme discutido no
positivismo, se apresentam como terreno fecundo para o
exercício da discricionariedade do juiz. Surge então a fi -
gura do juiz Hércules, que no desempenho da sua função
jurisdicional deverá desvelar, a partir de uma reconstrução
argumentativa, o direito a ser aplicado ao caso concreto,
buscando uma decisão, a resposta correta, que seja coeren-
te com todo o ordenamento jurídico (as leis, a Constituição
e, inclusive, a conjugação com as decisões passadas, os pre-
cedentes) que se assente no modelo de princípios adotado
por aquela comunidade, no sentido de manter a integridade
do sistema.
7 – Robert Alexy, não obstante incorporar também a cons-
trução do direito em bases principiológicas e de querer incor-
porar a componente racional na argumentação dos discursos
jurídicos como forma de superar o colapso positivista, con-
tradiz a si mesmo quando informa que colisão de direitos so-
mente pode ser resolvida a partir da ponderação de valores,
que em última análise impõe para uma das partes envolvidas
restrições ou sacrifícios. A partir desta técnica de decisão, em
que a maior realização de um princípio envolve a restrição de
outros em maior ou menor grau, subverte-se a lógica deôn-
tica do direito ao tratar os princípios como bens, ou valores,
como mandados de otimização. O grande problema dessa
abordagem, em uma sociedade plural que vise a assegurar a
coexistência de distintos projetos de vida individuais, é uma
hierarquização prévia desses valores (princípios), que em úl-
tima ratio não se afasta das preferências pessoais do julgador
ou de uma pretensa e insustentável homogeneidade valora-
tiva imposta por uma elite dominante.
86
8 – Por fi m, procura-se apresentar uma alternativa a este
status quo, aqui tratado em termos de uma crítica tanto à
visão alexiana, como já debatida, quanto à postura solip-
cista e deveras sobre-humana do juiz Hércules de Dworkin,
a partir de uma abordagem paradigmática que atua como
grade seletiva contextualizada pelo véu da historicidade
que se presta a moldar o entendimento das concepções que
envolvem a praxis jurídica e realização dos direitos funda-
mentais. Neste contexto, a tarefa do aplicador do direito
deve se pautar como um juízo de adequabilidade normativa
que envolve a consideração de todas as normas, princípios
ou regras, prima facie aplicáveis ao caso concreto, bem
como o levantamento das circunstâncias específi cas e re-
levantes para sua solução. Neste caso, não existe princípio
melhor ou preferível para solução do caso, mas simplesmen-
te a norma adequada. Ademais, a pretensão de legitimidade
das decisões é garantida através do medium institucionali-
zado do processo constitucional, que se caracteriza como
o locus adequado para a tomada das melhores decisões em
respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e
contraditório.
*Advogado. Especialista em Controle Externo e Processo
Constitucional. Mestrando em Direito Público pela PUC/
MG.
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87
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ação da Faculdade de Direito da UFMG e Mandamentos, 1999.
-----------------------------
O VICE-PREFEITO NO PROCESSO ELEITORAL: UMA VISÃO
ATUAL
José Eduardo Lewer de Amorim *
A Constituição da República de 1988 – CR/88 – reconheceu, acer-
tadamente, o município, como ente da Federação, status que não
usufruía expressamente ao tempo da Constituição da República
de 69 – CR/69. Esse novo posicionamento fez com que o texto
constitucional de 88 fosse mais abrangente ao tratar da organiza-
ção e dos representantes legais do Município.
Em um estudo comparativo, vê-se que a CR/69 tratava do mu-
nicípio em seu capítulo III e em conjunto com o Estado. O que se
previa, em verdade, eram as normas de como os estados criariam
e organizariam os seus municípios. No caso de Minas Gerais, a
Lei Complementar nº. 3, de 28/12/72, era o texto legal que dis-
ciplinava a matéria referente à organização administrativa dos
municípios.
A CR/88, por sua vez, dedica ao município, expressamente, a sua
atenção em diversos artigos, além de tratar dele, exclusivamente,
em seu Capítulo IV. O município passa a ter o poder de se auto-or-
ganizar por meio de Lei Orgânica, de criar cargos e estabelecer os
vencimentos e subsídios de seus funcionários, servidores e agentes
políticos.
Os Poderes Legislativo e Executivo municipais passam a efetiva-
mente ter representação relevante e não apenas periférico, re-
sidual; tanto que a eles é atribuída a competência para fi xar os
subsídios do prefeito, do vice-prefeito, dos secretários municipais
e dos vereadores, conforme a normas de seus arts. 29, V e VI; 37,
X e XI, dentre outras, em observância de limites, dentre eles, o da
disponibilidade orçamentária do município.
Toda essa evolução força novas abordagens acerca de velhos te-
mas, pois que as inovações introduzidas pela CR/88 exprimem a
vontade do Legislador Constituinte de ver o município aprimorar-
se administrativamente de modo a justifi car sua criação e manu-
tenção. Se não fosse assim não haveria a necessidade de reconhe-
cê-lo, de forma clara, como ente da Federação. Seria mais fácil
mantê-lo atrelado à vontade do Estado a que pertence.
E tais novas abordagens, a nosso sentir, são bastante oportunas em
época de eleição, por ser esta a época apropriada para renovação,
para promoção e adoção de atitudes tendentes a produzir evolu-
ção do sistema e atender ao desejo do Legislador Constituinte de
fazer o Estado avançar e se aperfeiçoar. Em especial, tanto sob o
enfoque político quanto sob o enfoque social, parece importante
se pensar na fi gura do vice-prefeito.
A sociedade está muito decepcionada com a classe política e, ao
mesmo tempo, muito empenhada em criar barreiras que impe-
çam ou difi cultem a atuação danosa dos agentes políticos, a dila-
pidação do dinheiro público, a malversação do dinheiro público.
Seja porque é ilegal por natureza, seja porque a sociedade vive
tempos difíceis diante da ausência de ajuda efi caz por parte do
Poder Público, que se diz justifi car pela adoção de políticas so-
ciais tendentes a ajudar toda a população, indiscriminadamente,
políticas estas que só ao Estado caberia adotar, posto que muito
caras. E, assim, o Estado vai sobrevivendo, se agigantando, apesar
de passar para a sociedade a nítida impressão de que ele é inefi -
caz, inoperante. Mas continua existindo, continua se auto-orga-
88
nizando numa simbiose de participação das pessoas do povo, num
primeiro momento (na eleição) e, depois, dos agentes políticos (os
eleitos).
E o vice-prefeito? Que fi gura é essa? Como ele atua nesse sistema?
Para que ele é eleito? Para que ele recebe remuneração por meio
de subsídio?
Com o advento da CR/88, o vice-prefeito tornou-se mais expressi-
vo ainda, tendo assegurado, sem restrição, remuneração por meio
de subsídio nos termos do art. 39, §4º. E com a reforma constitu-
cional, pode mesmo o vice-prefeito ser candidato a reeleição. Por-
tanto, parece que não se tem dedicado a atenção que essa fi gura
merece. O vice-prefeito é um agente político, segundo decorre
das normas da CR/88, e sua participação no processo eleitoral pas-
sa quase que despercebida.
E isso se infere do fato de as candidaturas de vice-prefeito, salvo
raras exceções óbvias, decorrentes de fatos públicos e notórios,
não serem objeto de impugnação ou de pesquisa acerca da con-
dição de elegibilidade do possível candidato. Todos quanto atuam
no processo eleitoral, desde os Tribunais até os Partidos Políticos,
voltam suas atenções para os candidatos a prefeito esquecen-
do-se do vice, como se ele pudesse ser qualquer um, e não pode.
Como se ele pudesse agir de qualquer maneira durante a campa-
nha eleitoral, como se as normas eleitorais só fossem válidas para
os prefeitos, os vereadores, os servidores e funcionários públicos,
não para o candidato a vice. E isso não é verdade.
Muita das vezes, o vice-prefeito não tem função apesar de ocupar
o cargo eletivo e assim ser agente político. Mas em diversos mu-
nicípios, seja por questões de real necessidade seja para satisfação
do princípio da moralidade, o vice-prefeito tem função e a exerce
na administração. E a Justiça Eleitoral raras vezes tem sua aten-
ção voltada para tal fato. Se o agente político vice-prefeito ocupa
cargo, é necessário verifi car sua desincompatibilização para fi ns
de validade de sua candidatura a qualquer cargo, mesmo para
fi ns de reeleição.
Em qualquer situação, ele recebe salário, por meio de subsídio, por
ser agente político. O desequilíbrio no processo, a isonomia entre
os candidatos fi ca comprometida na medida em que ele tem o
status de agente político acrescido do dinheiro público para fazer
sua campanha, enquanto o cidadão comum, às vezes, sequer tem
emprego. Não é esse desequilíbrio, não é essa quebra de isonomia,
não é essa involução que o Legislador Constituinte tentou cons-
truir com a CR/88.
Quando o vice-prefeito tem função na administração, esse dese-
quilíbrio de forças, essa quebra da isonomia entre os candidatos
fi ca ainda mais evidente e o processo eleitoral, ainda mais ame-
açado em sua legitimidade. É incomensurável a distância entre
um candidato que ostenta a condição de agente político, por
ser vice-prefeito, que tem função na administração e que rece-
be subsídio, de um possível oponente seu que simplesmente tem
um emprego. Só o fato de ser agente político, vice-prefeito, já
transfere ao povo, principalmente àquela pessoa mais humilde, a
idéia de poder, de grandeza, de detentor de ferramentas capazes
de infl uir em seu destino, pois pode, na condição de vice-prefeito,
mandar a Administração fazer ou não fazer. Mandar a Adminis-
tração fazer alguma coisa a favor ou contra alguém. É amigo do
prefeito, tanto que compõe a mesma chapa, então por que não
tem esse poder?
A Lei Complementar 64/1990 prevê a necessidade de o simples
funcionário público municipal responsável ou que tenha interesse
no lançamento, na arrecadação ou na fi scalização de impostos,
taxas e contribuições de caráter obrigatório se desincompatibi-
lizar em relação ao cargo no prazo de 6 (seis) meses. Ora, com
certeza que o vice-prefeito tem mais interesse no lançamento, na
arrecadação e na fi scalização de impostos do que qualquer ou-
tro funcionário municipal. E, no entanto, a Justiça eleitoral não
se preocupa com tal situação, não se importando em saber se ele
89
deveria ou não, conforme o caso, também se desincompatibilizar
para fi ns eleitorais.
De igual forma, o mais simples secretário municipal do mais sim-
ples município, se o cargo for de livre nomeação, tem que ser exo-
nerado para ver sua pretensa candidatura ser considerada legal.
E o contra-senso é que esse simples secretário tem menos poder,
menos recurso e menos infl uência do que o agente político, Vice-
Prefeito do município do qual é servidor. O desequilíbrio de forças
é inquestionável e, sem dúvida, que macula o resultado fi nal do
processo eleitoral.
A fi gura do vice-prefeito passa tão despercebida numa campanha
política que, em determinados casos, nem mesmo o fato de ter
ou não assumido o cargo de prefeito em substituição ao titular
é verifi cado.
A questão é que existem diversas situações que infl uenciam na
condição de elegibilidade do agente político vice-prefeito que de-
veriam ser analisadas pela Justiça Eleitoral e não são, tais como: Se
substituiu o prefeito, pode ser candidato a outro cargo que não o
de prefeito? Se não se desincompatibilizou de seu cargo e função
na administração, pode ser candidato? Na qualidade de agente
político, com poder institucional a si conferido pela CR/88, seu não
afastamento do cargo gera ou não gera desequilíbrio no processo
eleitoral, quebra ou não a isonomia entre os candidatos, que tanto
prega a legislação eleitoral? A Lei Orgânica do município do qual
é vice-prefeito lhe atribui que cargo ou função pública? Ele se de-
sincompatibilizou ou não no período de 6 (seis) meses anteriores,
a exemplo de todo servidor ou funcionário público? Em qualquer
caso, o desequilíbrio de forças no processo eleitoral e a quebra
da isonomia em função de sua condição de agente político e de
receber subsídio é causa ou não de inelegibilidade, exigindo, no
mínimo, o afastamento do cargo no período eleitoral?
A Emenda Constitucional 19/98, ao acrescentar o §4º ao art. 39
da Carta Política, efetivamente deu novo status à fi gura do vice-
prefeito, que passou então a ser considerado agente político com
direito a remuneração fi xada por lei específi ca. Passou assim a ter
efetiva representatividade e a ser reconhecido como agente do
Poder, mesmo presente o prefeito, o que não acontecia antes da
Emenda, quando o vice-prefeito só era alçado a agente do Poder
na ausência do prefeito.
Daí a necessidade de ter também novo, específi co e diferencia-
do tratamento diante dessa realidade, notadamente por parte da
Justiça Eleitoral. Não há como ignorar que um agente político,
reconhecidamente membro do Poder, possa disputar eleição sem
pelo menos licenciar-se. Afi nal ele recebe salário por ser vice-pre-
feito e, em alguns municípios, exerce cargos na administração. A
Justiça Eleitoral, quando requerido por um vice-prefeito o registro
de sua candidatura a cargo diverso, deveria verifi car se ele recebe
salário, se exerce cargo na administração para, então, conforme o
caso, determinar que ele ou renuncie ou se licencie.
Essa nova situação mereceu até mesmo a atenção do eg. Tribunal
de Contas do Estado de Minas Gerais, que reconhecendo o novo
status desse agente político, fi rmou entendimento de o vice-pre-
feito, ao assumir outro cargo na administração, dever optar pela
remuneração do cargo ou pela sua remuneração de vice-prefeito.
Disse o eg. Tribunal de Contas em sessão plenária:
SESSÃO DO DIA 27.2.02
ASSUNTO: CONSULTA Nº 654852, FORMULADA PELO SR. JOSÉ
BENEDITO DE PAULA, PREFEITO MUNICIPAL DE PIRANGUÇU, SO-
BRE A POSSIBILIDADE DE O VICE-PREFEITO RECEBER, TANTO PELO
CARGO DE VICE-PREFEITO QUANTO PELO CARGO COMISSIONA-
DO DE DIRETOR DE OBRAS E TRANSPORTES.
RELATOR: CONSELHEIRO SYLO COSTA
CONSELHEIRO SYLO COSTA:
90
“Cuidam os presentes autos de consulta formulada pelo prefeito
municipal de Piranguçu, Sr. José Benedito de Paula, solicitando
deste Tribunal um parecer acerca da possibilidade de o vice-pre-
feito receber, tanto por este cargo quanto pelo comissionado de
diretor de obras e transportes. (...)
No mérito, respondo a consulta nos termos do parecer, que adoto,
da douta Auditoria desta Casa: “Dispõe o § 4º do art. 39 da Cons-
tituição Federal que:
§ 4º — O membro do Poder, o detentor de mandato eletivo, os
ministros de estado e os secretários estaduais serão remunera-
dos exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado
o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio,
verba de representação ou outra espécie remuneratória, obede-
cido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
Verifica-se, portanto, que com o advento da Emenda Constitucio-
nal 19/98, que acrescentou o parágrafo acima citado ao artigo
39, a remuneração, em nível municipal, do detentor de mandato
eletivo e dos secretários, corresponde, exclusivamente, a subsídio
fixado em parcela única, sendo vedado o acréscimo de qualquer
gratificação.
Note-se que, tanto o inciso V como o VI do art. 29 da Carta Fe-
deral, com a redação dada pela EC 19/98, estabeleceram que os
subsídios do prefeito, vice-prefeito, secretários municipais e ve-
readores serão fixados com observância do que dispõe o aqui
citado artigo 39, parágrafo 4º.
Além disso, deve o vice-prefeito, ao assumir cargo na Adminis-
tração Pública, fazer a opção por uma das duas remunerações,
em face do art. 37, inciso XVI, da Constituição Federal, que veda
a acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públi-
cas.”
Por ocasião de resposta à consulta nº. 699969, o eg. Tribunal de
Contas de Minas Gerais, também pela relatoria do em. conselheiro
Sylo Costa, assim se manifestou:
PLENO – SESSÃO: 8/3/06
RELATOR: CONSELHEIRO SYLO COSTA
CONSULTA Nº 699969
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
CONSELHEIRO SYLO COSTA:
Tratam os autos de consulta formulada pelo Sr. Prefeito Munici-
pal de Paineiras acerca da possibilidade legal de acumulação de
remuneração de vice-prefeito e que está vazada nos seguintes
termos:
(...)
Mérito
A dúvida suscitada pelo consulente já foi objeto de exame por
parte deste Tribunal, tendo prevalecido no processo de consulta
nº 654.852/2002 da Prefeitura Municipal de Piranguçu, por mim
relatado, o entendimento de que o vice-prefeito, ao assumir cargo
na Administração Pública, deve fazer a opção por uma das duas
remunerações em face da restrição contida no artigo 37, inciso
XVI, da Constituição Federal, que veda a acumulação remunerada
de cargos, empregos e funções públicas.
(...)
Quero alertar também que, a partir da Constituição de 1988, a
função de vice-prefeito passou a ser cargo e não expectativa de
cargo. Daí ele ser remunerado e tomar posse junto com o prefeito,
o titular. Antes era uma expectativa de cargo: era uma função
esdrúxula, já falei isso aqui. Tinha de fi car torcendo para o prefeito
quebrar uma perna, morrer, sei lá o quê. Agora não, é cargo e ele
ganha para isso.
Sendo certo que com o advento da Emenda Constitucional 19/98
o vice-prefeito passou a ter o status de agente político, tendo
sido, inclusive, lhe assegurado o recebimento de salário, já que
passou a ser cargo, conforme entendimento fi rmado pelo Con-
91
selho Pleno do eg. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais
(Consulta nº 699969 anteriormente transcrita e em cópia anexa),
e em consonância da EC 19/98, concluímos que:
1 - Para candidatar a cargo diverso, deve o vice-prefeito afastar-
se de seu cargo (vice-prefeito – cf. se infere da EC 19/98 e da Con-
sulta do TCEMG 699969), como outro servidor qualquer, uma vez
que tal afastamento é determinação legal além de que no cargo o
desequilíbrio do processo eleitoral será evidente.
2 - Se exerce função na Administração, seja por ato de nomeação
do Executivo seja por previsão na Lei Orgânica do município, deve
ser exonerado do cargo no prazo da Lei e como outro servidor
qualquer.
3 - Ainda que se considere que o vice-prefeito não tem cargo, o
que contraria o entendimento do eg. Tribunal de Contas do Esta-
do e a determinação da EC. 19/98, deve então deixar de receber
salário, pois que além de imoral o recebimento de salário sem ocu-
par cargo ou desenvolver função, o dinheiro público recebido pelo
vice-prefeito não pode ser utilizado em sua campanha eleitoral, o
que seria fl agrantemente imoral.
Acreditamos que o processo eleitoral, dada a sua importância para
o destino da cidade, do Estado e do País, deveria dar mais aten-
ção à fi gura do candidato a vice, notadamente ao vice-prefeito,
pois não são raros os casos em que o prefeito não passa de uma
fachada e a formação de chapas, com a escolha do “vice certo”,
não passa de uma artimanha engendrada para conduzir pessoas
nem tão bem intencionadas assim ao comando dos destinos de
centenas e milhares de pessoas. Deve se verifi car a Lei Orgânica do
município para se saber se há previsão expressa de o vice-prefeito
ocupar cargo. Deve se verifi car se o vice-prefeito está nomeado
para outro cargo, enfi m, o vice-prefeito deve ter um tratamento
diferenciado diante das novidades trazidas pela EC 19/98.
* José Eduardo Lewer de Amorim é bacharel em Direito com graduação
em 1986 pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de
Fora – MG. Advogado autônomo militante na capital e no Estado de Mi-
nas Gerais em todas as áreas do Direito, com interesse e dedicação maior
pelo ramo do Direito Público. Membro do IBDAFM – Instituto Brasileiro
de Direito de Família, integrante da Comissão de Expansão, eleito cola-
borador para a Regional da cidade de Juiz de Fora. Desde 1988, no que
se refere às atividades de Direito Público, teve a oportunidade de prestar
assessoria jurídica a diversas câmaras de vereadores, municípios, vereado-
res e prefeitos do Estado de Minas Gerais. No ano de 1994 foi nomeado
procurador geral do município de Ribeirão das Neves. Exerceu o cargo de
superintentende administrativo do IMAG – Instituto Mineiro de Apoio
aos Governos Municipais. É membro fundador da Associação Brasileira de
Estudos de Contabilidade e de Direito Público – ABEP. Atualmente ocupa
o cargo de chefe de gabinete do conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado de Minas Gerais, Dr. Antônio Carlos Andrada.
-----------------------------
A NATUREZA JURÍDICA DO PARECER PRÉVIO
EMITIDO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS ESTADUAIS
E ADMISSIBILIDADE DE RECURSO1
Antônio Carlos Doorgal de Andrada2
RESUMO: O parecer prévio emitido pelos Tribunais de Con-
tas estaduais tem natureza decisória ou é instrumento
meramente opinativo para o julgamento das contas do
1 Artigo baseado em parecer emitido no processo administrativo TC-
652.562, apresentado em Plenário.
2 Mestrando em Direito e Instituições Políticas na Faculdade de Ciências
Humanas da FUMEC. Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de
Minas Gerais. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público (PUC-
MG) e em Controle da Administração Pública (CAD-Gama Filho/RJ). Foi
vereador e prefeito de Barbacena e deputado estadual.
92
chefe do Executivo, pelos Poderes Legislativos? Para além
do que preconiza a doutrina tradicional do Direito Admi-
nistrativo brasileiro, o parecer prévio deve ser considerado
uma modalidade jurídica especial e autônoma, sobretudo
pelo seu viés vinculante e por integrar etapa instrutória do
julgamento legislativo.
PALAVRAS-CHAVE: parecer prévio, Tribunais de Contas, jul-
gamento legislativo, ampla defesa e recurso.
ABSTRACT: Previous seeming emitted by the Courts of sta-
te Accounts they have power to decide nature or is mere
opinativo instrument for the judgment of the accounts of
the Head of the Executive, for Legislative them? For beyond
the one that praises the traditional doctrine of the Bra-
zilian Administrative law, previous seeming a special and
independent legal modality must be considered, over all
for its binding bias and integrating instrutória stage of the
legislative judgment.
KEYWORDS: To seem administrative, to seem previous,
Courts of Accounts, judgment of the public accounts, con-
tradictory and legal defense petition and right.
1. O Parecer no Direito Administrativo
Ponto de fundamental importância é o critério para uma
correta caracterização do que realmente seja o parecer
prévio emitido pelo Tribunal de Contas. Doutrinariamente,
vários autores pátrios militantes na área do Direito Admi-
nistrativo abordam o conceito de parecer, de maneira am-
pla e genérica. O Mestre Celso Antônio Bandeira de Melo,
bastante econômico, afi rma que parecer “é a manifestação
opinativa de um órgão consultivo expendendo sua apre-
ciação técnica sobre o que lhe é submetido”. Hely Lopes
Meireles (2006), a seu turno explica:
Pareceres administrativos são manifestações de órgãos téc-
nicos sobre assuntos submetidos à sua consideração. O pa-
recer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a
Administração ou os particulares à sua motivação ou con-
clusões, salvo se aprovado por ato subseqüente. Já, então,
o que subsiste como ato administrativo não é o parecer,
mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a
modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva. O
parecer, embora contenha um enunciado opinativo, pode
ser de existência obrigatória no procedimento administra-
tivo e dar ensejo à nulidade do ato fi nal se não constar do
processo respectivo, como ocorre, p.ex., nos casos em que a
lei exige a prévia audiência. Nesta hipótese, a presença do
parecer é necessária, embora seu conteúdo não seja vin-
culante para a Administração, salvo se a legitimidade do
ato fi nal, caso em que o parecer se torna impositivo para a
Administração. (MEIRELES, 2006, p.176).
Como se infere das lições extraídas dos mestres supracita-
dos, a natureza do parecer, no sentido em que foi explica-
do, encerra conteúdo por essência opinativo, desenvolvido,
pela sua natureza, sem princípios e garantias proces-
suais, e ademais carente de qualquer atributo de decisão
propriamente dita, o que afasta de plano qualquer possibi-
lidade de insurgir-se contra seu conteúdo por via recursal.
Nesta linha, bem explica o professor Diógenes Gasparini
(2006) que:
O parecer não pode ser atacado por recursos administrativo
ou judicial, pois não se dispõe a declarar, a certifi car, criar,
alterar, transferir ou extinguir direitos e obrigações. Com
efeito, decidiu o então TFR que “Descabe mandado de se-
gurança quando não há ato administrativo do qual emane
suposta coação ou ilegalidade. Parecer, por não ter força
vinculante, dado seu caráter meramente opinativo, não é
ato administrativo” (RDA, 149:257) decisório.
Entretanto, o nosso trabalho fundamental é reintroduzir a
93
discussão acerca da natureza jurídica do parecer prévio da
lavra do Tribunal de Contas no intuito de se verifi car se o
mesmo se amolda aos tipos de pareceres “tradicionais” do
direito administrativo ou se carreia, per si, características
próprias, particulares, que o distingue dos demais e lhe exi-
ge tratamento de instituto jurídico apartado e autônomo.
2. O parecer prévio e o seu poder vinculante
Entendemos que a terminologia parecer prévio utilizada
para a manifestação dos Tribunais de Contas é tecnicamen-
te incorreta, à medida que dada a singularidade do processo
de julgamento das contas globais do chefe do Executivo -
assentada na forma como se desenvolvem os atos que cul-
minam com a emissão do parecer prévio e posterior decisão
fi nal do Parlamento – quer signifi car que o parecer prévio
emitido representa muito mais que um mero instrumento
técnico-opinativo que se presta unicamente a subsidiar o
julgamento político por parte do Poder Legislativo.
Por isso, particularmente, defendemos que não faz sentido
tentar classifi car o parecer prévio dos Tribunais de Contas
em função de qualquer dos diversos critérios tradicionais
existentes. Na verdade, como já introduzido, possui carac-
terísticas próprias e singulares que o afastam destes mode-
los. Nesse viés, a evolução de paradigma sobre a questão
partiu de um novo olhar que alguns estudiosos passaram
a lançar. Nessa direção, aos Legislativos, no momento de
fi nalizar o processo de julgamento das contas globais do
Executivo, não é dado simplesmente ignorar o parecer
prévio, omitindo-se de julgá-lo ou desprezar seu conte-
údo sem expressar, motivada e tecnicamente, as razões
pelas quais o fazem. Em qualquer dessas duas hipóteses,
a conduta do Parlamento será ilícita.
Na prática, não se deve olvidar que os Parlamentos são ór-
gãos políticos por excelência, que não raro se apegam às
paixões partidárias para apreciar os fatos colocados a seu
crivo. É a partir desta constatação que emerge a impor-
tância do Tribunal de Contas ao emitir seu parecer sobre as
contas do chefe do Executivo, objetivando, com a isenção e
a imparcialidade típicas destes órgãos colegiados, dar ao indiví-
duo (prestador) e à sociedade a garantia da escorreita interpretação
da Constituição e da Lei. (grifo nosso) (FERRAZ, 2001, p.154).
3. O processo de julgamento das contas do Chefe do
Executivo
Delineando o raciocínio, faz-se mister, agora, a exata com-
preensão do sui generis processo de julgamento de contas
do chefe do Executivo por parte do Parlamento. Em verda-
de, trata-se de um todo único, mas de natureza complexa, à
medida que desenvolvido em momentos e esferas distintas:
um, anterior, no âmbito do Tribunal de Contas, cuja ma-
nifestação preparatória é a exaração do parecer prévio e
outro, subseqüente, no âmbito do Legislativo, da qual defl ui
o julgamento propriamente dito.
Como se observa, trata-se de um procedimento administra-
tivo de natureza especial, não se confundindo com o pro-
cedimento administrativo comum ou ordinário ou mesmo
com ato administrativo complexo (1), uma vez que, in casu,
os atos emanados por cada esfera no curso do procedimen-
to têm existência autônoma conquanto não absoluta, uma
vez que o decidido no Tribunal de Contas pode ser ratifi -
cado ou contraposto no Parlamento, e neste caso, a exigir
motivação e quorum qualifi cado.
Com efeito, não obstante o ato fi nal pertencer à exclusiva
competência do Legislativo, o parecer prévio do Tribunal
de Contas cumpre função preparatória, devendo o proces-
so administrativo de julgamento de contas ser enquadrado
na espécie que o publicista italiano Mário Bracci intitula
“procedimento expressivo de manifestação complexa”,
entendido como tal a “... sucessão de atos distintos prove-
nientes de órgãos distintos para chegar-se ao ato fi nal...”
94
(FERRAZ, 2001, p.6).
É fundamental explicar que tanto no âmbito das Cortes
de Contas como no Poder Legislativo, o procedimento,
propriamente dito, desenvolve-se sob a chancela dos
princípios constitucionais do contraditório e ampla de-
fesa, sendo facultado e franqueado ao agente político
a utilização de qualquer meio lícito para fundamentar
sua defesa, apresentar alegações ou fazer apontamen-
tos que entender necessários.
Ora, no caso específi co do denominado parecer emitido pe-
los Tribunais de Contas, verifi ca-se, em verdade, a existência
de um verdadeiro processo cognitivo exauriente, destinado
a formar a convicção daqueles que têm o múnus de pro-
ferir um provimento ao fi nal deste. Portanto, como já nos
ensinava o mestre processualista Elio Fazzalari, o processo
é o procedimento desenvolvido em contraditório. Assim,
ao permitir que os interessados apresentem suas alegações
no curso do iter do julgamento das contas desenvolvido no
âmbito desta Corte, confi gurar-se-ia a presença do proces-
so e conseqüentemente seus desdobramentos, incluindo a
manifestação fi nal, ou melhor, dizendo, o decisum e, por
conseguinte, o direito constitucional de ele recorrer. Isso,
aliás, coaduna com sentido do mandamento constitucional
que atribui o viés amplo à defesa a ser franqueada aos inte-
ressados. Portanto, ampla defesa quer signifi car que ela po-
derá e deverá ser desenvolvida com todos os meios possíveis
e disponíveis, e indubitavelmente não há como prescindir
da via recursal.
4. O parecer prévio como etapa processual
Para, além disso, o respeito ao princípio constitucional do
contraditório, observado no curso da emissão do “parecer
prévio” na esfera dos Tribunais de Contas, não é um mero
detalhe, mas por si só condição sufi ciente para diferenciar,
de plano, esta fi gura daquelas modalidades tradicionais
de parecer afetas ao Direito Administrativo, conforme já
exposto. Ademais, é pacífi co na jurisprudência brasileira o
entendimento de que os Tribunais de Contas devem, nos
processos de sua competência, franquear aos interessados
a possibilidade do exercício da ampla defesa e do contra-
ditório (2). Ademais, a reforçar os aspectos peculiares que
encerram o parecer prévio, e que lhe alçam a uma condição
para além de simples instrumento opinativo, estão a) a ne-
cessidade de quorum ultraqualifi cado para sua desconsti-
tuição e b) as razões a serem expendidas para que ele deixe
de prevalecer: assim, em relação ao chefe do Executivo mu-
nicipal, o parecer do Tribunal só deixará de prevalecer com
a expressa manifestação contrária de dois terços do Poder
Legislativo, conforme disposto no art. 31, § 2º. da CF/88, qu-
orum este superior ao necessário para, por exemplo, apro-
vação de emendas constitucionais, exigindo-se ainda que a
recusa do acatamento da manifestação do Órgão de Con-
trole seja devidamente motivada, sob pena de nulidade.
Doutra parte, a ratifi cação do posicionamento exarado pelo
Parlamento tem como motivação do ato o próprio parecer
prévio da lavra da Corte de Contas. Sobre essa necessida-
de de motivação para desconstituição do parecer prévio,
cristalinas são as palavras do professor Dutra de Araújo
(1992):
É claro que, se dada questão técnica é controversa, não se
há de exigir que o administrador – comumente um leigo
no assunto – vá necessariamente ter como descobrir qual a
melhor postura, mas ao tomar a decisão terá que, na moti-
vação do ato administrativo, explicar como e sob que cri-
térios chegou à conclusão de ser este ou aquele o melhor
comportamento. Certamente o fará invocando os subsídios
de parecer técnico elaborado por especialistas. Se não pro-
var, pela motivação que buscou a melhor opção técnica,
inválido será o ato (ARAÚJO, 1992, p. 78).
95
Nesse sentido, em farta jurisprudência do Tribunal Superior
Eleitoral - TSE, verifi ca-se que as contas municipais julgadas
irregulares pela Câmara Municipal, cujo fundamento con-
substanciou-se no parecer prévio, exige propositura de
ação no âmbito daquele Tribunal - e agora concessão
de liminar – para desconstituir a manifestação das Cortes
de Contas e permitir ao interessado concorrer ao cargo ele-
tivo pretendido (3).
Esse é o entendimento que se defl ui do RECURSO ESPE-
CIAL ELEITORAL nº 16.625 – PARAÍBA (Decisão prolatada
em 12/9/2001), relator ministro Waldemar Zveiter, da qual
transcrevemos a ementa:
RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEI-
TO. CONTAS. REJEIÇÃO. INELEGIBILIDADE. 1. A tempestiva
propositura da competente ação judicial, visando a des-
constituir parecer prévio emitido pelo tribunal de con-
tas, que serviu de fundamento para rejeição de contas
pela Câmara Legislativa, enquadra-se na ressalva preconi-
zada na LC n. 64/90, art. 1º, I, g.
2. Precedentes
3. Recurso não conhecido. (sem destaque no original)
5. O condão decisório do parecer prévio e seus efeitos
legais e políticos
Seria o caso da seguinte indagação: se a desconstituição do
parecer não prescinde de ação judicial, como sustentar que
possui natureza meramente opinativa? Ora, a resposta passa
obrigatoriamente pela consideração de que o parecer prévio
emitido pelo Tribunal de Contas reveste-se de condão emi-
nentemente decisório, aqui considerado em sentido amplo.
O mesmo entendimento externou o Ministério Público jun-
to ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul,
com o seguinte posicionamento - Parecer n.º 0669/2001,
processo n.º 4958-02.00/00-3 - assim transcrito:
Com efeito, se, como reiteradamente se repete neste soda-
lício, a verdadeira atipicidade do parecer... decorre do fato
de o mesmo “nascer com força de decisão”, .... , reconheça-
se no particular, seu alcance decisório para os fi ns de se
sujeitar à apelação (nos exatos termos do art. 157, ... , do
diploma regimental).
Destarte, este é inclusive o entendimento assente em diver-
sos Tribunais de Contas estaduais do país, tais como os de
Sergipe, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo,
Pernambuco e Tribunal de Contas dos municípios da Bahia,
dentre outras. Nestes, seja implícita ou explicitamente, já se
admite interposição de recurso em sede de parecer prévio.
Por derradeiro, para maior visualização do tema, deve-se
destacar algumas considerações sobre os principais motivos
alegados para o não conhecimento de recurso em parecer
prévio pelos defensores de tese contrária ao aqui defen-
dido: a) não-recebimento do recurso pelo fato da não ca-
racterização de cerceamento de defesa, haja vista que as
Cortes de Contas, em geral, franquearam aos interessados,
previamente, a oportunidade de se manifestar sobre as ir-
regularidades verifi cadas; e, b) falta de interesse de agir,
caracterizado pela ausência de prejuízo ou gravame, sofrido
pela parte ou interessado. Em relação ao primeiro ponto,
cabe frisar, de início, que se deve franquear ao interessado
o respeito às garantias ao contraditório e ampla defesa, e,
portanto, sob esse prisma, a manifestação prévia do inte-
ressado estaria ajustada aos ditames constitucionais a não
caracterizar a violação ao direito de defesa.
Entretanto, a abordagem pode e deve se dar sob outro enfo-
que. A questão passa pela diferença entre as naturezas das
alegações apresentadas previamente e aquelas apresentadas
em sede recursal. Ora, a primeira manifestação, geralmente,
96
diz respeito tão somente aos apontamentos listados pela
unidade técnica dos Tribunais de Contas, sem ter passado
ainda pelo crivo das respectivas Auditorias, do Ministério
Público Especial junto aos Tribunais e do próprio Plenário,
este detentor da última palavra. Portanto, no curso do iter
processual esta manifestação pode ainda não refl etir tudo
que será consolidado no curso da instrução. Nesse meio
tempo, poderão surgir fatos, elementos ou documentos
novos que poderão compor as justifi cativas do interessado.
Qual então o momento de apresentá-los? Exatamente na
via recursal, até como forma de assegurar de forma efi caz
os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Ademais, o recurso presta-se a hostilizar especifi camen-
te a parte dispositiva da manifestação fi nal das Cortes de
Contas, oriunda, agora sim, de uma cognição exaustiva e
com os fundamentos à disposição do interessado, inclusive
material probante não disponível quando da apresentação
das alegações prévias. Sendo assim, a manifestação prévia
não exclui o recurso. São institutos diferentes e com obje-
tivos diferentes. Até porque é fundamental que o parecer
prévio exarado pelas Cortes de Contas refl ita de forma mais
fi dedigna possível o resultado do processamento das contas
globais do chefe do Executivo e isso passa por um esgo-
tamento cognitivo que não prescinde da utilização da via
recursal, por todos os motivos alegados anteriormente.
Obviamente a apuração do viés protelatório do recurso deve
ser processada caso a caso, em sede de admissibilidade. Se
constatada a ausência de qualquer elemento novo que pos-
sa levar à reforma da manifestação dos Tribunais de Contas,
poderá e deverá ser o recurso indeferido de plano.
Sobre o segundo ponto, não obstante a construção ante-
riormente explicitada caracterizar o parecer prévio como
uma decisão em sentido lato – o que por si só já permite
vislumbrar a repercussão na esfera do interessado - gostaria
de trazer as palavras de Luiz Carlos Gambogi, que em seu
artigo “O parecer prévio nas contas do executivo munici-
pal e os recursos a ele inerentes”, publicado na revista do
TCMG nº 04, edição 01, de 2000, ao tratar da repercussão
da emissão do parecer prévio na esfera do prestador, senão
vejamos:
Não se pode esquecer que o parecer prévio emana de uma
instituição que goza de crédito e de prestígio. A publicação,
ainda que sob o rótulo de parecer prévio, no Diário Ofi -
cial, de deliberação pela rejeição das contas afeta interesses
substanciais em importantes direções. Se, por exemplo, a
egrégia Corte emite parecer prévio desfavorável ao presta-
dor (prefeito ou ex-prefeito), haverá a inversão do ônus do
quorum. Isto é, o prestador fi cará obrigado a mobilizar e a
convencer dois terços dos membros da Câmara Municipal
para que suas contas não permaneçam rejeitadas e, ele, su-
jeito à ira da LC N. 64/90 (inelegível). Por outro lado, se a
egrégia Corte emite parecer prévio favorável ao prestador,
o ônus do quorum recairá sobre aqueles que vêem razões
para que sejam rejeitadas as contas apresentadas. Em suma:
o prejuízo do prestador, quando o parecer prévio lhe é des-
favorável, é fl agrante, incontroverso, indiscutível. Ademais,
é de se lembrar que nos termos do parecer prévio sempre
estará estampado um juízo sobre a honra e a dignidade do
prestador. Ora, um parecer recomendando à Câmara Mu-
nicipal à rejeição das contas do prefeito, emitido pela mais
alta Corte de Contas do Estado, é um instrumento que con-
tém, em si mesmo, um fortíssimo conteúdo moral e jurídico.
Não à toa as correntes adversárias de um homem público,
ao recortarem do Diário Ofi cial uma decisão desfavorável
ao prestador, fazem dela milhares de cópias e as espalham
pela cidade. Sabem os adversários que naquele pequeno re-
corte do Diário Ofi cial está uma ferina, senão mortal, arma
política. Todos os Conselheiros que passaram pela vida pú-
blica sabem que tal fato acontece. Não enxergá-lo é tentar
97
esconder o sol com a peneira. É negar o óbvio, o evidente, o
que não exige demonstração.
6. Desnecessidade de previsão regimental para cabimento
de recurso
Cabe, ainda, mencionar que o entendimento aqui esposado
tem como base a natureza do instituto, fato este que per-
passa considerações de cunho meramente formal ou basea-
das em interpretação literal, principalmente em face de este
ser um dos argumentos utilizados por alguns doutrinadores
e mesmo Cortes de Contas para não conhecer do recurso,
qual seja, da ausência de previsão expressa no Regimen-
to Interno. Nessa linha, inclusive, não há como se olvidar
a possibilidade de se admitir o recurso em parecer prévio
como corolário do direito de petição, constitucionalmen-
te previsto. Nesse contexto, assim expõe Odete Medauar
(1993), verbis:
O direito de interpor recurso administrativo independe de
previsão expressa em lei ou demais normas, visto ter respal-
do no direito de petição, que no ordenamento pátrio vem
consignado pela Constituição Federal, art. 5º XXXIV, “a”, in-
tegrante do rol dos direitos e garantias fundamentais (ME-
DAUAR, 1993, p. 14 e 15).
Raciocínio análogo foi desenvolvido pelo conselheiro Edu-
ardo Carone Costa, presidente do Tribunal de Contas de
Minas Gerais, no seu juízo de admissibilidade do “recurso
de rescisão” n. 708641 e que demonstra uma postura que
transcende a simples disposição textual do Regimento In-
terno. Neste, não obstante o recorrente buscar hostilizar
decisão defi nitiva e não terminativa como prevê textual-
mente aquele diploma normativo, proferiu a Presidência
posicionamento pela admissibilidade do recurso nos se-
guintes termos:
Considerando que a Constituição Federal consagra em seu
art. 5º, inciso LV, os princípios da ampla defesa e do con-
traditório, assegurando aos litigantes em processo judicial
ou administrativo e aos acusados em geral os meios e os
recursos a ela inerentes.
Considerando que o recurso de rescisão, previsto na Lei
Complementar n. 33/94, foi inspirado e guarda semelhança
com a ação rescisória do CPC que, em seu art. 487, dispõe
quem tem legitimidade para propor ação desta natureza.
Considerando, ainda, que o recurso de rescisão deve caber
também contra as decisões defi nitivas, uma vez que em de-
cisão terminativa não se examina o mérito, entendo que
a Lei Complementar 33/94, na parte que dispõe sobre o
Recurso de Rescisão não guarda consonância com as dis-
posições do CPC, relativas à ação rescisória e, sobretudo,
restringe o direito de recorrer dos jurisdicionados previsto
no art. 5º, inciso LV da Lei Magna Federal.
Destarte, em face da supremacia das disposições constitu-
cionais que consagram a ampla defesa e o contraditório,
recebo a petição protocolizada sob o n.º 180758-01, uma
vez demonstradas a legitimidade da parte e a tempestivi-
dade do recurso, nos termos do art. 279 da Resolução TC
nº 10/96. (RECURSO DE DECISÃO n. 708641 – www.tce.
mg.gov.br).
7. Conclusão
Por todo o exposto, a tese do cabimento de recurso contra
manifestação dos Tribunais de Contas em sede de parecer
prévio deve prevalecer por estar plenamente de acordo com
os princípios constitucionais vigentes, especialmente os que
se referem ao contraditório e ampla defesa, sobretudo pela
sua natureza decisória – mesmo que em sentido amplo
– como aqui amplamente demonstrado.
98
Citações
(1) A exata diferenciação do porquê do julgamento das
contas globais confi gurar um procedimento administrativo
e não um ato complexo, pode ser depreendida de Luciano
Ferraz (2001), a partir dos ensinamentos por ele trazidos de
Mário Bracci e Celso Antônio Bandeira de Melo.
(2). E parece ser este o posicionamento da Corte de Contas
de Minas Gerais materializado no disposto no art. 184 do
seu Regimento Interno, ao referir-se especifi camente à fi -
gura do processo e sua instrução e ainda votação em sessão
da Câmara, órgão de deliberação e decisão daquela Casa,
senão vejamos, verbis: “Art. 184 – Verifi cada a correta ins-
trução do processo, o relator, em sessão, oferecerá rela-
tório e voto”. (sem grifo no original)
(3) Cabe menção à recentíssima decisão do TSE, prolatada
em 24/8/2006. Nesta, o Colendo Tribunal alterou o posicio-
namento acerca da interpretação da Lei de Inelegibilidade
(LC 64/ 1990), consolidada na súmula TSE 01/1992, que per-
mitia que o candidato que tivesse suas contas rejeitadas pe-
los Tribunais de Contas pudesse concorrer ao mandato ape-
nas com ingresso de ação no Poder Judiciário. Agora, com
o novo entendimento, é necessário, para além da ação, que
o interessado consiga sentença – ainda que liminar – que
fundamente o motivo pelo qual o seu direito de disputar a
eleição pode ser assegurado.
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