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VOLUME 5 / Ano 4 / Nº 5 / MARÇO DE 2014 Revista do Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia REVISTA DIALÉTICA ISSN - 2317-1391 “El debate sobre el estructuralismo y el cisma em el marxismo britânico: Análise de uma controvérsia”. Pedro Ojeda Déniz Política e democracia em Gramsci: um roteiro para leitura. Felipe Maia Acerca do conceito de hegemonia e o debate sobre a contra hegemonia Sandro Santa Barbara “Comércio justo e mercados imperfeitos” Rilton Primo “Culturas mágicas, poder e saúde pública no interior da Bahia em meados do século XX“. Josivaldo Pires de Oliveira, Ellen Oliveira, e Claudiane Basto “Entre memórias e representações: Padre Alfredo Haasler e as desobrigas nos sertões das Jacobinas/Bahia” Gilmara Pinheiro

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VOLUME 5 / Ano 4 / Nº 5 / MARÇO DE 2014

Revista do Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia

REVISTA DIALÉTICA

ISSN - 2317-1391

“El debate sobre el estructuralismo y el cisma em el marxismo britânico: Análise de uma

controvérsia”.Pedro Ojeda Déniz

Política e democracia em Gramsci: um roteiro para leitura.

Felipe Maia

Acerca do conceito de hegemonia e o debate sobre a contra hegemonia

Sandro Santa Barbara

“Comércio justo e mercados imperfeitos” Rilton Primo

“Culturas mágicas, poder e saúde pública no interior da Bahia em

meados do século XX“.Josivaldo Pires de Oliveira, Ellen

Oliveira, e Claudiane Basto

“Entre memórias e representações: Padre Alfredo Haasler e as desobrigas

nos sertões das Jacobinas/Bahia”Gilmara Pinheiro

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Ano 5 / Vol. 5 / Nº 5 / 2014

Conselho Editorial

Ricardo Moreno (editor)Milton BarbosaIlka BicharaMuniz FerreiraMilton PinheiroJoão AugustoJéferson BragaOlival FreireRenildo SouzaElias RamosElias DouradoUbiratan Castro de AraújoFlávio GonçalvesJorge WiltonAudrin CastellucciGisélia SouzaAugusto VasconcelosNilton VasconcelosÂngela GuimarãesCaio BotelhoUrano Andrade Ana Guedes Antonio Barreto

REVISTA DIALÉTICA

Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia

Rua Comendador Gomes Costa, 44 CEP: 40070-120 Salvador - BA

www.revistadialetica.com.br

......................................................................

DIALÉTICA / Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia - v.5, n.5 (2011). Salvador.

1. Dialética I. Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia

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VOLUME 5 / Ano 4 / Nº 5 / JANEIRO DE 2014Revista do Centro de Estudos Sociais e Sindicais da Bahia

REVISTA DIALÉTICA

EDITORIAL .......................................................................................................4

FILOSOFIA

“El debate sobre el estructuralismo y el cisma em el marxismo britânico: Análise de uma controvérsia”.Pablo Ojeda Déniz ...........................................................................................6 POLÍTICA

Política e democracia em Gramsci: um roteiro para leitura.Felipe Maia .......................................................................................................23 MUNDO DO TRABALHO

Acerca do conceito de hegemonia e o debate sobre a contra hegemoniaSandro Santa Barbara .....................................................................................40

ECONOMIA

"Comércio justo e mercados imperfeitos” Rilton Primo .....................................................................................................47 CULTURA

“Culturas mágicas, poder e saúde pública no interior da Bahia em meados do século XX“.Josivaldo Pires de Oliveira, Ellen Oliveira, e Claudiane Basto .....................77

BRASIL

“Entre memórias e representações: Padre Alfredo Haasler e as desobrigas nos sertões das Jacobinas/Bahia”Gilmara Pinheiro .............................................................................................85

SUMÁRIO

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No dia 27 de abril completaram-se 76 nos do desaparecimento de um dos comunistas mais influentes do século XX, o italiano Antônio Gramsci. Gramsci legou um trabalho acerca da história e do nacionalismo na Itália, bem como elaborou ideias sobre teoria crítica e educacional. Destacou-se nos estudos culturais e na teoria crítica, e os conceitos por ele elaborados têm inspirado teóricos, sendo a sua ideia de hegemonia muito citada nos dias atuais. Essa influência é sentida na ciência política e atualmente o seu trabalho marca fortemente o discurso de intelectuais acerca da cultura popular e dos estudos acadêmicos, que encontram na leitura gramcisciana uma referencia para a resistência ideológica frente os interesses dominantes dos governos e do poder economico. E função disto, a secção baiana da Fundação Maurício Grabois organizou a Seminário “Gramsci e o pensamento político”, ocorrido no Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia (DEDC – UNEB) nos dias 23, 24, e 25 do mês de abril. Deste Seminário, tivemos as comunicações dos professores Felipe Maia e Sandro Santa Bárbara, encaminhados para publicação no nosso quinto número da Revista Dialética.

Felipe Maia, Sociólogo, professor da Fundação CEPERJ, nos oferece uma introdução ao pensamento político de Gramsci destacando as inovações do autor no campo da teoria política marxista. Tendo por base as soluções que oferece ao problema da relação entre estrutura e superestrutura no marxismo, debate o uso dos conceitos de hegemonia e de revolução passiva como um eixo teórico que possibilita compreender o tema da democracia e das modernas formações sociais do século vinte.

O também sociólogo, Professor da UNEB, Sandro Santa Bárbara, nos fala do conceito de hegemonia e o debate sobre a contra hegemonia, na perspectiva do campo da literatura da Teoria Política Marxista, onde se observa, de um lado, um esmerilho no que toca a atenta tarefa de aprofundar o debate sem macular a construção deste conceito com pseudo-análises, de outro, observa-se a ausência deste esmerilho.

Também no campo da Teoria marxista, recebemos mais uma contribuição dos nossos colaboradores da Universidad de Las Palmas, desta vez foi Pedro Ojeda Déniz, que apresenta “el debate sobre el estructuralismo y el cisma em el marxismo britânico: Análise de uma controversia” onde o autor recupera o debate acerca do estruturalismo a partir da angustia de Althusser e John Lews, ao tratarem da crise do marxismo e suas soluções possíveis. E das polêmicas dos historiadores ingleses Edward Palmer Thompson, Eric Robsbawn, e Perry Anderson, e reflete os impactos deste debate o desenvolvimento do pensamento historiográfico e em outras ciências sociais.

O economista Rilton Primo nos fala de “Comércio justo e mercados imperfeitos” d’onde ele centra atenções na revisão dos fundamentos teóricos das estratégias de comercio justo, e empreende uma microanálise da política de regulação do mercado de resíduos sólidos nos carnavais de Salvador-Ba.

Saindo do campo da teoria marxista, e tratando de elementos da religiosidade e cultura popular no interior do Brasil, Josivaldo Pires de Oliveira, Ellen Oliveira, e Claudiane Bastos nos presentearam com uma reflexão acerca das culturas mágicas ou práticas mágicas de cura oriundas das populações negras, e também indígenas, a exemplo das rezas, benzeduras e administração de chás e outras beberagens. E como estas práticas eram reprimidas na Bahia, devido ação policial e autuação judiciária por crimes de saúde pública, em meados do século XX, no artigo intitulado “Culturas mágicas, poder e saúde pública no interior da Bahia em meados do século XX“.

EDITORIAL

Dialética, v. 5, n. 5, p. 4, Mar/2014

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EDITORIAL

Dialética, v. 5, n. 5, p. 5, Mar/2014

A Professora e Historiadora Gilmara Pinheiro também nos fala de religiosidade no interior da Bahia: “entre memórias e representações: Padre Alfredo Haasler e as desobrigas nos sertões das Jacobinas/Bahia”. Que trata da formação sacerdotal do padre austríaco Alfredo Haasler, que fora enviado em Setembro de 1938 para a cidade de Jacobina. Sua vinda para a região esteve relacionada ao novo projeto missionário religioso e educacional assumido pela Ordem Cisterciense no Brasil a partir da década de 1930, em consonância com os princípios restauradores empreendidos pela Igreja Católica, através do papa Pio XI. Um ano após sua chegada, o padre Alfredo Haasler fundou a associação das Escolas Paroquiais de Jacobina e entre as décadas de 1940 e 1970, criou 48 escolas que se destinaram a educação elementar para crianças e jovens dos sertões jacobinenses. Assim, entre um atraso e outro, e portanto, mantendo a nossa tradição, lhes apresentamos a nossa Revista Dialética número cinco. Leia, debata, participe, pois, tem de ser dialógica para que permaneça dialética. Boa leitura.

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Dialética, v. 5, n. 5, p. 6, Mar/2014

EL DEBATE SOBRE EL ESTRUCTURALISMO Y EL CISMA EN EL MARXISMO BRITÁNICO: ANÁLISIS DE UNA CONTROVERSIA.

PABLO OJEDA DÉNIZ

Licenciado en Historia por la Universidad de Las Palmas G. C.

RESUMEN:

El debate sobre el estructuralismo tuvo inicialmente por protagonistas a los

filósofos marxistas Louis Althusser y John Lewis, quienes polemizaron sobre las

soluciones a dar a la crisis del marxismo. Posteriormente, la controversia se

quedó en buena medida recluida dentro del marxismo británico a partir de la

salida de escena de Althusser y de la irrupción de la polémica obra de Edward

Palmer Thompson Miseria de la Teoría (1978), que suscitó tanto el rechazo de

Perry Anderson como de los “discípulos” de Eric J. Hobsbawm, al entender que

E. P. Thompson terminaba por dinamitar el materialismo histórico. La

intervención de Hobsbawm contra Althusser es colateral, pero muy importante.

De fondo, el debate sobre el estructuralismo se relaciona con los problemas de

desarrollo científico de la Historia y de su convivencia con otras ciencias

sociales.

PALABRAS CLAVE:

estructuralismo, materialismo histórico, marxismo británico, ley histórica, lucha

de clases…

ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

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Dialética, v. 5, n. 5, p. 7, Mar/2014

I

El debate sobre el estructuralismo en el seno del marxismo británico, en los años setenta y ochenta, hace referencia no tanto a la recepción de las ideas del filósofo marxista francés Louis Althusser, como a las distintas vías que se buscaron para solucionar los problemas que éste planteaba en cuanto a una salida a la crisis del marxismo.

Es necesario aclarar los siguientes términos para un adecuado enfoque de esta investigación. El estructuralismo hace referencia a una metodología en las ciencias sociales que, según Ferrater Mora, postula la interpretación de la realidad social mediante la consideración de un fenómeno concreto como una totalidad o mediante el reconocimiento de sus distintas partes, de donde se extraen sus elementos persistentes. El materialismo histórico se define en torno a conceptos claves como la interpretación económica de la Historia, la lucha de clases, el carácter clasista del Estado, el conflicto i d e o l ó g i c o , l a r e l a c i ó n e n t r e f u e r z a s productivas/relaciones de producción y entre base (económica) y superestructura (ideológica)…, cuya teoría de arranque se halla en Miseria de la Filosofía (1847), de Karl Marx, y en La Ideología Alemana (1846) y el Manifiesto Comunista (1848), de Marx y Engels. El marxismo británico se caracteriza básicamente por métodos como la Sociología histórica comparativa, la teoría de determinación de clases, la Historia desde abajo… La ley histórica implica una tendencia en el movimiento de la Historia, en concreto de un modo de producción. La lucha de clases alude un conflicto social progresivo que despeja el desarrollo histórico.

L a d i f í c i l t e n s i ó n e n t r e e s t r u c t u r a (causa)/cambio (fenómeno) de acuerdo con la naturaleza científica de la Historia es una de las características de este debate y esto se refleja en las difíciles relaciones que hay entre la Sociología y la Historia, sin ir más lejos. Trazamos dos proposiciones teóricas que sirvan de guía en esta investigación:

1) El debate sobre el estructuralismo rompe la cohesión del marxismo británico, caracterizado por una compleja metodología y unas amplias

bases filosóficas.

2) La posición de E. P. Thompson en su polémica con Althusser es de clara ruptura con el marxismo, porque para rebatir la posición ortodoxa del segundo termina socavando el marxismo clásico.

II

Hace unos pocos años, el historiador marxista canario José Manuel Rodríguez Acevedo

1realizaba una dura crítica de la Historiografía Marxista Británica, concretada así:

A . L a H i s t o r i o g r a f í a P o s m o d e r n a , fundamentada en el análisis meramente hermenéutico, en el fraccionamiento de la teoría y en la negación del carácter científico de la Historia, es una derivación de la Historiografía Marxista Británica, por sus postulados más ambivalentes.

B. “E. P. Thompson representa un estadio más avanzado de este proceso degenerativo”, por su rechazo del “esquematismo” del marxismo soviético y del marxismo estructuralista, por n e g a r l a r e l a c i ó n b a s e económica/superestructura ideológica, y por la reducción del concepto de clase a “conciencia de clase” e ignorar su ubicación objetiva en la estructura de clases.

C. La negación de las “leyes” de la Historia que realiza E. P. Thompson es una vuelta al

2“idealismo histórico” .

D. El desmarque del marxismo británico del marxismo soviético, particularmente a partir del XX Congreso del PCUS (1956), es una señal inequívoca de este cambio.

Teniendo razón en parte, hay determinados aspectos en este contexto que Rodríguez Acevedo no ha tenido en cuenta. En primer lugar, que un autor tenga planteamientos discutibles desde el punto de vista de la Teoría de la Historia, no invalida el carácter científico de todos sus planteamientos respecto a investigaciones

3concretas . En segundo lugar, que un autor fracase en determinadas lecturas del pensamiento de Marx, no anula toda su obra desde el punto de vista marxista, si ésta ha destacado en la importancia de la contradicción de clases como mecanismo de

ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

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cambio histórico. En tercer lugar, la tendencia al “idealismo histórico” de E. P. Thompson tiene una explicación: los marxistas británicos reciben muchas influencias aparte del empirismo, entre ellas la de Gramsci, quien tiene diversos textos

4para la polémica filosófica y una cierta

5ambigüedad en sus análisis de clase . En cuarto lugar, ¿era Althusser un autor plenamente marxista cuando aplasta parte de la obra de Marx (léase: “humanismo marxista”) y su análisis parece ir encaminado hacia la negación del “sujeto

6histórico”? En quinto lugar, la teoría del materialismo histórico en la Historiografía Marxista Soviética, ¿es lo suficientemente completa o coherente? En sexto lugar, ¿cuáles serían las consecuencias para el materialismo histórico si se ignorase la modificación de las

8clases sociales dentro de un modo de producción?

III

El “debate sobre el estructuralismo” comienza con la acusación de dogmatismo del filósofo marxista británico John Lewis a la posición de Althusser, contenida en las obras de este autor como La Revolución Teórica de Marx (1965) o Leer el Capital (1967). Lewis escribió en la revista Marxism Today “El caso Althusser” (1972): la “Respuesta a John Lewis” (1972) se produjo en el mismo medio: se confrontan así dos posiciones: el marxismo estructuralista de Althusser y el

9marxismo humanista de Lewis .

Althusser establece una ruptura epistemológica en el pensamiento de Marx, que él sitúa en 1845 (La Sagrada Familia), pero al mismo tiempo propone otro corte (1857) con las obras de preparación de El Capital (1867). Así, separa radicalmente, al Marx “humanista” del Marx “científico”,

10laminando buena parte de la obra de Marx .

Althusser expone, en su réplica a Lewis, su 11

posición antihistoricista : “las masas hacen la historia”, “la lucha de clases es el motor de la Historia” y “sólo se conoce lo que es”. Estos puntos presentan distintas lecturas algunas de ellas problemáticas, si niegan la “subjetividad”, y cualquier tipo de individualidad, en el proceso

12histórico . Althusser apunta no sólo contra los marxistas británicos sino también contra

13Gramsci .

Eric J. Hobsbawm utilizó, en 1966, un procedimiento de réplica comedido para dirigirse a Althusser (“esa mezcla tan francesa de inteligencia, lucidez y estilo”), pero efectivo al no poner en riesgo el materialismo histórico y la

14filosofía marxista :

A . P r o b l e m á t i c a d e l a “ r u p t u r a

epistemológica” en Marx: qué implica y

cuándo se produce, toda vez que Althusser sitúa

la fecha de forma distinta (1845 ó 1857).

B. “Marx mismo sobrepasó su propia visión

de la realidad”: Marx dio respuestas para

preguntas que él mismo no había planteado,

pero que tendrían proyección futura.

C. “El análisis althusseriano encuentra

difícil […] salirse de la estructura formal del

pensamiento de Marx”.

D. “Uno puede estar de acuerdo con la

profunda […] aversión de Althusser hacia el

empirismo y, sin embargo, sentirse incómodo

por su […] marginación de cualquier criterio

exterior de la práctica, [donde] Marx 15descendió al terreno de lo concreto” .

E. El marxismo de Althusser corresponde a

la Contribución a la Crítica de la Economía

Política (1859), de Marx: “Althusser parece

ignorar los Grundisse”.

F. El análisis de Althusser es meta-histórico,

porque no comprende el “cambio histórico”.

Conviene recalcar que Raphael Samuel, discípulo 16de Hobsbawm , considera que “los marxistas que

más han sentido la influencia del enfoque estructuralista […] toman sus categorías y su compromiso político del marxismo, pero sus conceptos unificadores, su visión metafórica están tomados […] desde el Psicoanálisis, de la Lingüística Estructural y de las teorías

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17antievolucionistas de la ciencia” . Aunque, como menciona Elena Hernández Sandoica, de forma análoga a Julián Casanova, el estructuralismo terminó influyendo en parte del marxismo británico: en Hilton, en Anderson, incluido el

18propio Hobsbawm . De hecho, Hilton adopta una posición intermedia: “el marxismo es un método que exige la manipulación de datos concretos para la resolución de los problemas históricos, aunque la respuesta pueda llegar a plantearse en último término de un modo abstracto (como sucede en

19[…] El Capital)” . Lo mismo se puede decir de Hill cuando afirma que “la Historia Económica es esencial para la historiadores de la cultura, porque

20la cultura es un fenómeno de clases” .

La obra Miseria de la Teoría (1978), de E. P. Thompson, marca un antes y un después en este

21debate por sus polémicos argumentos . La réplica inicial del capítulo II contra Althusser se sitúa en el

22marco del marxismo británico . Posteriormente, los problemas vienen cuando en el capítulo III se desmarca filosóficamente de Lenin y en el VII, E. P. Thompson enuncia las “proposiciones en defensa del materialismo histórico” que arrojan una serie de problemas sin solución, habida cuenta que un examen detallado de las mismas nos indica que lo que E. P. Thompson hace es sólo remarcar el

23consenso de la comunidad científica . No obstante, E. P. Thompson confunde, en el lenguaje teórico de las ciencias sociales, disciplina científica con paradigma y al negar el carácter epistemológico del materialismo histórico le quita dos premisas: la interdisciplinariedad y la totalidad conceptual. De un inicio prometedor a una fase posterior ambigua con una simpática “representación teatral”, E. P. Thompson rompe

24con Marx :

“El problema concierne […] a los diferentes modos de análisis de la estructura y el proceso […]. El Capital no es una obra de Historia. Hay en ella una historia del desarrollo de las formas del capital, pero raras veces se formula dentro del marco de la disciplina histórica […]. Los pasajes históricos son algo más que […] ilustraciones, pero algo menos que historia real […]. Marx, al escribir El Capital, nunca pretendió estar escribiendo la historia del capitalismo”.

Someter las aportaciones de Marx a las mismas

condiciones de verificación de la Epistemología actual es antidialéctico, toda vez que no se tiene en cuenta el diferente contexto histórico y la gran aportación científica que esta obra supuso en su

25época . Hay que poner sobre la mesa un ejemplo práctico: en el capítulo XXIII del I volumen de El Capital (1867), referente a la “ley general de la acumulación capitalista”, Marx expone en primer

26lugar los elementos que configuran esta ley , pasando en segundo lugar a “ilustrar” con ejemplos prácticos los componentes de esta ley

27para confirmarlos . Si bien Marx en las primeras secciones de El Capital estudia las mercancías, el dinero, el valor, la plusvalía o el capital, con sus pos ib les apl icac iones y exponiendo la formulación matemática de estos conceptos, en el capítulo XXIV (“La así llamada acumulación originaria”), realiza un auténtico tratado de Historia Económica para explicar la ley del

28capítulo anterior . Aun así, E. P. Thompson tacha

29de “hegelianismo” a la obra El Capital : “Marx y Engels ridiculizan […] las pretensiones de la ciencia económica burguesa de descubrir leyes fijas e inmutables, independientes de su especificación histórica […]. El capital es una categoría operativa que marca la ley de su propio desarrollo […]. Este modo de análisis [es] antihistórico […]”.

Negar las “leyes históricas” es negar el análisis objetivo de la Historia y supone romper con la f i losof ía marxis ta bri tánica (Maurice Cornforth) y con los principios de la revista Past and Present. Al confundir “ley natural” con “ley histórica”, E. P. Thompson ha omitido, casualmente, la lectura de Miseria de la Filosofía (1847), donde Marx critica la “metafísica de la Economía Política [burguesa]”:

“Los economistas expresan las relaciones de la producción burguesa, la división del trabajo, el crédito, la moneda…, como categorías fijas, inmutables, eternas […] Los economistas nos explican cómo se produce en esas relaciones, pero lo que no nos explican es cómo se producen esas relaciones, es decir, el movimiento histórico que las engendra […]. Pero desde el momento en que no se persigue el movimiento histórico de las relaciones de producción […], se está forzando asignar como origen de estos pensamientos al

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movimiento de la razón pura”.

Marx reprocha a los economistas liberales que realicen una distinción antihistórica y teológica entre “instituciones naturales” (burguesas) e “instituciones artificiales” (las restantes): del comportamiento de las primeras surgen las

32“eternas leyes naturales” de la Economía . Esto supone una innovación, pues Marx está colocando a la “Historia Económica” como elemento central de la “Economía Política”: la dialéctica

33hegeliana , que no la metafísica hegeliana, es imprescindible para tal operación epistemológica. Por ello, E. P. Thompson no ha comprendido que lo que él rechaza (“la dialéctica hegeliana”) es lo que coloca a Marx por encima de los economistas clásicos (Smith, Ricardo, Malthus) en la comprensión de los fenómenos económicos, al revalorizar con un tratamiento temporal las categorías económicas, al hacerlas históricas. La negación del materialismo histórico a través del análisis puntilloso de las posibles insuficiencias de El Capital, ¿no supone una contradicción cuando E. P. Thompson no entra a valorar otras obras de Marx y Engels, que brindan una visión

34compleja y no economicista de la Historia? ¿No avanza la Teoría Económica de Marx, apuntalada en el materialismo histórico, con respecto a la Economía Clásica? ¿No implica la “Historia Económica” de El Capital una base para el marxismo británico del siglo XX y para la crítica de la teoría económica marginalista y neoclásica, que es estática e incapaz de explicar la actual crisis del capitalismo?

E. P. Thompson reconoce en el capítulo IX sus discrepancias con Perry Anderson y concluye (capítulos XVII y Epílogo) con una ruptura frontal con el movimiento comunista internacional y con

35el PC francés al que tacha de “estalinista” .

IV

En el cambio década de los setenta a los ochenta, el pensamiento de Marx se halla próximo a un declive temporal. Samuel afirma que la obra polémica de E. P. Thompson ha creado un cisma en el marxismo británico, al no ir sólo contra

36Althusser . Stuart Hall, sociólogo marxista 37

afrocaribeño (jamaicano) próximo a Hobsbawm , considera que la posición de Althusser era endeble

porque construyó “una máquina teoricista generada por sí misma”, por su “marco extremadamente formalista, lógico y racionalista” dirigido contra la actividad empírica y el

38humanismo dentro del marxismo . Hall coloca sobre la mesa el orden del día de los problemas

39teóricos generados : “Althusser estableció los términos de un conjunto de debates dentro y acerca del marxismo”, pero “Leer el Capital [está] p r o f u n d a m e n t e p e r j u d i c a d o p o r s u estructuralismo […]”. En respuesta a E. P. Thompson, Hall reconoce que hay un “empirismo inconsistente” en el marxismo británico y duda sobre si Miseria de la Teoría “permanece en pie o

40se cae” :

“Los químicos tienen reactivos y los botánicos microscopios: el historiador de la sociedad tiene un solo instrumento: el procedimiento de la abstracción. Thompson no puede reconocer esto […]. Para él, dado que la Historia se presenta como un conjunto complejo y “vivido”, cualquier conceptualización de la misma tiene que ser una reducción de los datos. Pero esto equivale a decir que los datos expresan su significado […] sin la mediación de conceptos”.

De hecho, Hall prueba que Thompson tiene una 41“teoría” y así la desmonta :

“En Miseria de la Teoría [hay] dos problemas relacionados […]: la categoría de la Historia como tal y el problema de la experiencia […]. Thompson habla de un método histórico unificado que une a todos los historiadores: extraña construcción profesionalizada para un historiador marxista que ha polemizado vigorosamente contra muchos colegas profesionales”.

Marx Lo que viene ahora agrieta la tesis de Kaye sobre una posición común de los marxistas británicos y sobre la coherencia interna del análisis de clases de E. P. Thompson, que es una manera personal de ver la dialéctica marxista

42ser/conciencia :

“Éste es un argumento teórico: pero tiene consecuencias políticas muy inmediatas. Si la misma conciencia de clase es un proceso histórico y no puede derivarse simplemente de la posición económica de los agentes de clase [,] resolver ambas en la categoría global de la “experiencia” es dar a entender […] que la “clase” está

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ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

es dar a entender […] que la “clase” está realmente en su lugar, preparada, y que se le puede convocar para el socialismo”.

Por su parte, Johnson advierte que “la crítica de lo que Thompson denomina estalinismo se ve empujada hacia una crítica de los cimientos

43leninistas” . En este punto coinciden Kaye y Johnson, aunque desde ópticas distintas. Johnson dice que la polémica tiene una vertiente política, derivada de la ruptura del PC británico (1956) y de la evolución posterior de la Nueva Izquierda. Johnson muestra la problemática de las ciencias sociales en Inglaterra en los años sesenta: “el redescubrimiento de la clase por una sociología

44socialdemócrata empírica” . En su doble rechazo del estructuralismo y del culturalismo, Johnson o p t a p o r l a d i a l é c t i c a g r a m s c i a n a d e “filosofía/sentido común” y expone que la Miseria de la Teoría es “dañosa” porque “contribuye a la preservación de las mismas oposiciones que tenemos que penetrar: entre la Teoría […] y la Historia; entre la Historia y otras disciplinas; entre la estructura […] y la práctica humana; […], entre Marx como economista

45político y Marx como historiador” .

La réplica de E. P. Thompson es una disertación 46

oscura : si antes E. P. Thompson ha roto con los marxistas soviéticos, ahora lo hace con buena parte del marxismo británico y con la Escuela de

4 7Frankfurt . E. P. Thompson reconoce su “distancia política” con Hobsbawm, tacha a Stuart Hall de “estalinista” y rechaza al historiador marxista alemán Hans Medick (próximo a Jürgen Habermas), por criticar el “positivismo” oculto de Miseria de la Teoría; dice que Marx es un “estorbo” y niega el término de “culturalismo” con que Johnson denomina su posición. E. P. Thompson repudia la “solidaridad de izquierdas” y la “ortodoxia estatal marxista”: rechaza la Teoría porque ésta encubre “formas de opresión” y desvaloriza a la Historia Económica positivista (¿ruptura con Hill?), aunque asume sus “puntos débiles” en Economía.

En este contexto, si bien Hilton plantea la necesidad de preservar en los análisis los “rasgos diferenciales” de una sociedad, expone además

48con reservas que :

“Cualquier historiador serio tiene que clasificar y generalizar los fenómenos sociales y no es probable que vaya muy lejos a menos que actúe desde una teoría del desarrollo social que le provea de hipótesis, [que] tienen la función de actuar como principios organizadores en la […] invest igación […] Se ent iende que las formaciones sociales […] encierran ciertas regular idades que just i f ican el método comparativo”.

Perry Anderson entra en escena: “Miseria de la Teoría […:] representa la primera confrontación a gran escala de un historiador inglés con un gran sistema filosófico del continente en el terreno del

49marxismo” . Anderson afirma que la posición de Althusser que produce “sus propios hechos autovalidando protocolos, sin recurrir a apelaciones externas […]” es “una ampliación abusiva de los […] procedimientos de la Lógica y de las Matemáticas […] aplicados a las ciencias físicas o sociales, en los que siempre es central el

50control de los datos empíricos” . Si bien Anderson considera La formación de la clase obrera en Inglaterra (1963), de E. P. Thompson, al igual que La Era de la revolución (1962), de Hobsbawm, como las grandes obras del marxismo

51británico , no obstante, afirma que es “deficiente” el método de E. P. Thompson, porque no expone

52las categorías del materialismo histórico :

“El hecho de que su objeto cambie […] no libera a la […] Historia del deber de formular conceptos […] para su comprensión, del mismo modo que no libera a la Meteorología, ciencia física cuyos datos cambian más […] rápidamente […]. El historiador [debe] prestar atención al hecho particular […], no […] forzando o estirando conceptos generales […]. Thompson tiende a ver los conceptos como modelos […] de una realidad que nunca se comporta como es debido, en una alternancia de lo “abstracto” y lo “particular” que olvida [a] Marx”.

Al negar la relación entre teoría y praxis (investigadora), y entre lo general y lo particular en el proceso histórico, E. P. Thompson rompe con la dialéctica: “el marxismo posee […] conceptos que teorizan las posibilidades y los límites del cambio histórico en cuanto tal (contradicción), e investigan al mismo tiempo la dinámica de los proceso particulares de desarrollo en sí mismos

53(las leyes del movimiento del capital)” ; así,

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Anderson reprocha a E. P. Thompson que negar el carácter científico de la Historia es actuar en consonancia con los presupuestos conservadores (Popper): “lo que Thompson considera como una condición excepcional de la Historia es, en realidad, el estado normal de toda ciencia. […] La falta de controles experimentales no es [algo] exclusivo de la Historiografía: tampoco la

54Astronomía permite pruebas de laboratorio” . Anderson reivindica “el verdadero propósito del materialismo histórico ha sido […] dar a los hombres y mujeres los medios para ejercer una auténtica autodeterminación popular […]. Éste

55es […] el objetivo de la revolución socialista” . Respecto al carácter “no histórico” de la obra de

56Marx, Anderson responde :

“La importante innovación de las relaciones de producción, que no puede encontrarse en la Economía Política Clásica, […] no adquiere pleno sentido hasta los Grundisse; ambos términos [“las fuerzas y las relaciones de producción”] son formalizados por primera vez en el prólogo de 1859. Este descubrimiento teórico progresivo hizo […] posible en El Capital la investigación […] de un nuevo objeto histórico: el modo de producción capitalista. La actividad de Marx a partir de 1848 no se alejó, pues, de la Historia sino que profundizó más en ella”.

Anderson acusa a E. P. Thompson de un “desconocimiento” de la historia del marxismo, como del carácter de los procesos revolucionarios del siglo XX. En Agenda para una Historia Radical (1994), publicación póstuma, E. P.

57Thompson contestaba tardíamente a Anderson :

“Las categorías provisionales del marxismo […], las de clase, ideología y modo de producción, son difíciles, pero todavía son conceptos creativos. Pero en particular, la noción histórica de la dialéctica entre el ser social y la conciencia social –aunque es una interrelación dialéctica que a veces preferiría invertir- es […] importante. No obstante, también veo en la tradición presiones hacia el reduccionismo, que dan prioridad a la “Economía” por encima de la cultura; y una confusión radical introducida por la azarosa metáfora de base y superestructura”.

La expresión “una interrelación dialéctica que a veces prefería invertir” es idealista e implica que

la “conciencia social” precede al “ser social”: la cultura es el factor “en última instancia” de la interpretación histórica: frente al reduccionismo economicista, se propone un reduccionismo culturalista. Anderson considera que la negación de dialéctica base/superestructura es un lugar

58común del posmodernismo .

Otra omisión importante de Kaye en este debate es la posición de Raphael Samuel, autor de una de las citas más hermosas que se han dicho sobre la obra de Marx: “desde cierto punto de vista, cabría decir que El Capital es una historia desde abajo: la historia de un fenómeno vista con los ojos de sus

59víctimas” . Samuel pone la posición de E. P.

60Thompson en serio compromiso :

“Esa hostilidad hacia la teoría que […] alcanzó su punto en los años de la Guerra Fría, cuando los historiadores […] libraron batalla contra el comunismo internacional bajo el grito de guerra de individualismo metodológico. La teoría se equiparaba al marxismo continental y se descartaba como bobadas metafísicas […]. En un plano superior, los historiadores se alineaban con entusiasmo detrás de Isiah Berlin y de Karl Popper para estigmatizar […] las leyes del desarrollo, ya que l a s cons ide raban inc ip ien temen te totalitarias”.

Pese a todo, el estructuralismo se centra, según Samuel, en cuestiones de método a no soslayar por los historiadores marxistas (“inducción”, “teoría de la reflexión”, “historicismo”, relaciones ideología/conciencia, fenómenos económicos y

61sociales) . Para Samuel la Teoría en la Historia es fundamental para la “selección de los temas”, la “periodización” o el “detalle por lo inmediato”, permitiendo en los documentos históricos

62despejar su “contexto ideológico” . Samuel 63

exhibe mucha agudeza :

“El punto de partida de la crítica estructuralista -a saber que de los datos empíricos no pueden obtenerse proposiciones teóricas- es correcto. Pero no hay que pensar por ello que lo contrario también sea cierto [:] que la construcción de nuevos conceptos teóricos pueda realizarse mediante un proceso de razonamiento […] deductivo sin consultar la labor empírica […]. La construcción de teorías […] es […] una manera de definir [la] investigación empírica”.

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Samuel critica el método inductivo (empirismo) y e l método lógico-deduct ivo (esquemas estructuralistas), para presentar el método científico más empleado: el “hipotético-deductivo”, que usa las hipótesis para “formular preguntas”, que se unen a la “narración” y la

64“descripción” en el análisis histórico . Samuel 65

añade que :

“Una historia socialista no es […] una sencilla cuestión de temática distinta, sino más bien una manera diferente de examinar el conjunto de la sociedad. Necesita estar teóricamente informada si quiere resistir la fragmentación escolástica de la temática, y librarse de las subdivisiones […] que acorralan a la indagación histórica dentro de feudos definidos profesionalmente. Necesita de teoría si ha de contribuir a llevar a cabo la reunificación de la Historia con otras formas del conocimiento; si ha de dedicarse a la indagación comparativa; y si ha de fomentar el diálogo entre la interpretación del pasado y la comprensión del presente”.

Esta referencia, inspirada en Gramsci, nos permite recapitular tal calibre de afirmaciones que empequeñecen a los principales contendientes del debate sobre el estructuralismo. Samuel no sólo está solucionando una controversia: está reformulando aspectos generales y concretos del materialismo histórico que más directamente tienen que ver con la actividad profesional del investigador; así, es importante el armazón teórico en la Historia para no perder su perspectiva global, e l método comparat ivo y la d ia léct ica pasado/presente. Éste es el contexto histórico del

66estructuralismo :

“Las corrientes teóricas sólo cobran importancia porque responden […] a algún silencio o inquietud preexistente. Está claro que es necesario relacionar la aparición del estructuralismo […] con aquellos fenómenos políticos que han socavado las visiones racionalistas y optimistas del universo; del mismo que la actual popularidad del concepto de hegemonía está, evidentemente, relacionada con el visible crecimiento de los poderes del Estado”.

También interviene en esta polémica la

historiadora marxista norteamericana Ellen Wood, experta en Historia del pensamiento político, con una posición inicial de defensa de E. P. Thompson. Ellen Wood considera que conceptos como “humanismo marxista” o “autonomía relativa” (de la superestructura) permiten solucionar parcialmente los problemas derivados del materialismo economicista y mecanicista. El marxismo ortodoxo, que se centra en las fuerzas productivas, niega en realidad la lucha de clases y el papel histórico que puede

67desempeñar la clase trabajadora . Para soslayar a una “lógica estructural que aplasta al hecho

68histórico” , Ellen Wood propone rechazar los falsos debates del estructuralismo cuya distinción entre modo de producción/formación social es artificial sin la participación de la clase como “experiencia” y de los datos empíricos en el análisis; además, el papel del Estado es insuficiente para concretar esta cuestiones teóricas sin la función dialéctica de las clases sociales. Las precisiones de Ellen Wood al concepto de “formación social” pueden ser objeto de muchas matizaciones, pero se alejan del tono de polémica destructiva de E. P. Thompson; la propia Ellen Wood debe concluir con respecto a E. P.

70Thompson que

“sus pronunciamientos teóricos no siempre son útiles para iluminar su práctica histórica, en parte porque en ocasiones se dejaba atrapar por las falsas alternativas ofrecidas por los términos imperantes en el debate marxista. Sin embargo, podría hacerse mucho por emancipar la teoría marxista de estas falsas opciones y devolverla al camino fructífero trazado por Marx”.

Éste es un punto claro de ruptura entre Ellen Wood y E. P. Thompson, sobre todo porque la última etapa del historiador británico no se caracteriza por un “retorno” a Marx. Al hilo de los argumentos que teje Ellen Wood, el sociólogo marxista británico Tom Bottomore ha dado con otra clave importante, al analizar las características de la Sociología como ciencia y su relación con el materialismo histórico:

“El marxismo suministró una explicación causal de la evolución histórica de las sociedades humanas a partir de los cambios en los modos de producción, la formación de clases y las luchas entre éstas. En especial, el marxismo podía explicar causalmente el origen y desarrollo del capitalismo moderno con un análisis que se

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expresaba en forma de “leyes” históricas, de las q u e p o d í a d e d u c i r s e l a n e c e s a r i a desaparición del capitalismo y la, igualmente, transición al socialismo. […] En cuanto ciencia positiva, fue como el marxismo produjo su impacto sobre la naciente Sociología [:] fue presentado como un sistema sociológico, es decir, como una ciencia general y comprehensiva de la sociedad”.

Tenemos que: es plenamente compatible hablar de teoría de la sucesión de modos de producción, formación de clases y leyes históricas (1); las leyes históricas no son incompatibles con la voluntad de lucha: ¿es el socialismo sólo una tendencia objetiva e inevitable de la Historia o una posibilidad que depende de algo más? (2); y la comprensión de la sociedad es necesaria para el marxismo, quien termina moldeando las ciencias, porque es, precisamente, el marxismo el arma para

72cambiar esa realidad (3) .

De otro lado, el historiador marxista alemán Hans Medick advierte que no se puede desligar la lucha de clases del desarrollo económico, porque eso sería perder importantes referencias como el desarrollo demográfico, las relaciones de

7 3mercado, las tendencias, los salarios… , recogiendo con muchos matices las aportaciones del célebre historiador marxista norteamericano Robert Brenner y del también importante sociólogo “neo-marxista” norteamericano Immanuel Wallerstein. Éste es buen ejemplo de los costes que puede tener una apresurada renuncia a la dialéctica base/superestructura.

V

La Catedral del materialismo histórico es un edificio que tardó décadas en construirse: sus cimientos metodológicos (relaciones de producción, fuerzas productivas, modo de producción, base, superestructura, ley del desarrollo histórico, formación social…) se hallan en la Contribución a la Crítica de la Economía Política (1859), de Karl Marx que, junto a los Grundisse (1857-1858) y a los tres volúmenes de El Capital (1867-1894), conformarían los principales textos no sólo económicos sino de

metodología histórica, luego matizados por posteriores trabajos de Marx y Engels. Lenin completó otra parte de este edificio con dos obras

74suyas básicas , que llevaron a plantear la dialéctica modo de producción/formación social y a definir las características del capitalismo en las puertas de la Primera Guerra Mundial, a partir del reparto colonial y de la configuración de una nueva clase dominante burguesa: la oligarquía financiera.

Otras escuelas marxistas enriquecieron la teoría del materialismo histórico: la Escuela de Frankfurt decidió aproximarse a otras corrientes (existencialismo, psicoanálisis), para abordar los nuevos fenómenos de alienación social y criticar la ideología burguesa por su contradicción entre r azón i lu s t r ada / r azón t ecnoc rá t i ca ; e l austromarxismo destacó por sus amplios análisis sobre el nacionalismo, la religión, la ética kantiana y la dialéctica revolución/reforma; el marxismo británico, con unas bases filosóficas a medio camino entre el empirismo inglés y el marxismo soviético, realizó aportaciones más que notables en la difícil dialéctica Historia/Sociología; el marxismo soviético, con una apoyatura fundamenta l en Engels , logró avances fundamentales en muchos campos de la Historia, a l l í d o n d e l a i n t e r p r e t a c i ó n m a r x i s t a prácticamente no existía, y en los años cincuenta pudo abordar, con mayor o menor acierto, la cuestión espinosa de las leyes de la Historia y las características del modo de producción socialista; los historiadores marxistas franceses de la Revolución Francesa, a partir de un escrupuloso análisis de las fuentes y de una acertada metodología, pudieron alumbrar los estudios sobre este gran proceso histórico.

La evolución del capitalismo, tras la Segunda Gue r r a Mund ia l , que a veces pa r ec í a impredecible; lo complejo que se puede volver el análisis de las sociedades del pasado; el retraso del c a m b i o s o c i a l i s t a e n O c c i d e n t e ; l o s condicionantes nacionales; los progresos científicos; o la ruptura del campo socialista son elementos, en suma, que fragmentaron al marxismo. Y la Catedral, laboriosamente construida durante décadas, se resquebraja. Y se buscan dos salidas igualmente falsas: un retorno exclusivamente filosófico a Marx, que terminó

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dañando buena parte de la obra de Marx (versión estructuralista); y un “marxismo subjetivo” que trató de centrarse exclusivamente en la “conciencia de clase”, la “clase plena”, para superar la relación teoría marxista/praxis investigadora (versión culturalista). Mientras Althusser quiso demoler los muros de la Catedral (corrientes marxistas del siglo XX), con el propósito de salvar los cimientos (marxismo clásico), E. P. Thompson operó en dirección contraria al intentar volar los cimientos y ver que se podía rescatar de entre las ruinas. Aunque los propósitos de ambos eran distintos, los resultados los aproximaban: la destrucción del marxismo como corriente filosófica, como Teoría de la Historia y como praxis revolucionaria.

He buscado el concepto de “clase económica” 75(Hobsbawm) en Miseria de la Teoría y no lo he

encontrado. Sólo parcialmente se halla en la Formación de la clase obrera en Inglaterra (1963), donde E. P. Thompson analiza, en dura pugna con la historiografía conservadora, las “condiciones materiales de vida” (salarios, niveles de vida, condiciones de trabajo, mortandad, vivienda, salud), las fuerzas productivas (avances técnicos, formas de trabajo) y la lucha de clases (explotación económica, luchas sociopolíticas). El concepto de clase en esta célebre obra se desagrega en dos componentes: “experiencia de clase” (“determinada por las relaciones de producción”) y “conciencia de

76clase” (“forma cultural de estas experiencias”) .

Hay una metodología mínima para considerar marxista esta obra y así he trazado una línea

77defensa en torno a la misma . Inclusive, se puede hablar de un tratamiento “material” en la obra de E. P. Thompson de aspectos tales como la

78propiedad y la ley , que el marxismo clásico solía reservar al terreno de la superestructura ideológica.

La cuestión clave es el concepto de “clase” y lo que Kaye, en una de sus principales aportaciones, ha denominado “la teoría de la determinación de clases”, propia de los historiadores marxistas británicos y que “propone la lucha de clases como

79 80núcleo del proceso histórico” . Kaye expone que

“los historiadores marxistas británicos examinan

las clases como relaciones y procesos históricos. Implícito en su trabajo […] aparece la prioridad analítica e histórica dada a la lucha de clases, a partir de la cual, en circunstancias históricas específicas, la clase –en sentido pleno- ha surgido o se ha hecho. Sin embargo, no niegan la existencia de clase en ausencia de conciencia de clase […]. Sin embargo, existe una realidad histórica diferente cuando la formación de clases se desarrolla a partir de la lucha de clases”.

Obviamente las clases no son realidades suspendidas en el vacío sino que suman a personas que tienen una serie de características económicas o culturales que permiten situarlas bajo un mismo término operativo. Es evidente que las clases se forman y evolucionan no sólo en relación a los medios de producción sino también en relación a los conflictos sociales y políticos que se dan entre ellas, que acentúan su conciencia de grupo. Pero la

81siguiente cita de Kaye es ya problemática :

“La respuesta de Thompson, al igual que la de Rudé, fue la de lucha de clases sin clases. […] Thompson […] ha reformulado de manera explícita el modelo marxista de la formación de clases. Es decir, Thompson evitó el esquema estático y, en esencia, antihistórico de “clase en sí-clase para sí” […] y, en su lugar, ofreció un modelo d inámico que p l an t eaba l a ex i s t enc i a his tór icamente previa de una lucha de clases/estructura de clases, desde lo cual lo “c las is ta” […] pudiera potencia lmente desarrollarse”.

Dos asuntos a comentar: el primero hace referencia a la dicotomía “clase en sí-clase para sí” que Marx diseñó como forma de exponer la formación de la conciencia de clase, desarrollo nada antihistórico y mucho más complejo de lo

82que Kaye sugiere . El segundo concepto problemático de “lucha de clases sin clases”, más que ayudar complica las cosas: si en determinados períodos históricos de transición, como en la Inglaterra del siglo XVIII, se niegan las clases sociales difícilmente se puede hablar de lucha de clases, al negar las relaciones de “grupos sociales” con las actividades productivas y los lazos culturales identitarios. Tal vez sea mejor hablar de “lucha de clases en formación” o de “lucha de clases en períodos de transición”, para dar a entender que las clases tienden a fragmentarse o modificarse, al estar a caballo entre dos

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formaciones sociales (históricas) básicamente 83distintas .

VI

1) Es un suicidio metodológico y filosófico oponer la Historiografía Marxista Británica a la Historiografía Marxista Soviética, porque los defectos de la primera pueden ser corregidos en la segunda, y viceversa. Hay que acentuar los orígenes comunes de ambas corrientes y su complementariedad.

2) A partir del núcleo de un “marxismo clásico”, se puede “revisar cr í t icamente” todas las aportaciones de las distintas corrientes marxistas; mantener lo esencial del marxismo es vital para no perder la perspectiva necesaria de la investigación científica y de la lucha revolucionaria; pero no ampliarlo implica condenarlo a una dimensión escolástica que no dé respuestas en el presente.

3) Una aportación importante del marxismo británico es la “Historia desde abajo”, que es una de las grandes conquistas intelectuales de este grupo. Sin embargo, sin un asiento claro en el materialismo histórico (estructura de clases, papel del Estado), de ahí la posición de Anderson, esta técnica de investigación corre el riesgo de deslizarse hacia la hermenéutica posmodernista.

4) Kaye “expulsa” a Anderson del marxismo británico, contrariamente a Fontana, Mac Gregor y Santos Juliá. Anderson y Hobsbawm coinciden contra Althusser.

5) Si bien E. P. Thompson se excedió en su crítica al “marxismo ortodoxo”, arrastrando al marxismo clásico, al de la Europa del Este y al británico, no todas las cuestiones que él plantea están resueltas. Además, condenar toda la obra de E. P Thompson o al resto de marxistas británicos es insostenible.

6) La posición de Samuel ha pasado desapercibida por los investigadores del marxismo británico (exceptuando a Hernández Sandoica), aunque es resolutiva del debate sobre el estructuralismo, por dar claves para comprender el contexto histórico en que se produce o la relación dialéctica entre Historia y Teoría.

BIBLIOGRAFIA

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ANDERSON, Perry. Teoría, Política e Historia: un debate con E. P. Thompson. México D. F., Madrid, Buenos Aires, Bogotá: Siglo XXI, 1985

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HERNÁNDEZ SANDOICA, Elena. Tendencias historiográficas actuales: escribir Historia hoy. Madrid: Akal, 2004

HOBSBAWM, Eric J. Revolucionarios: ensayos contemporáneos. Barcelona: Crítica, 2000

JULIÁ, Santos. Historia social/Sociología histórica. Madrid: Siglo XXI, 1989

KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas británicos: un análisis introductorio. Zaragoza: Universidad de Zaragoza, 1989

MAC GREGOR CAMPUZANO, Javier. “La Historia Social: entre la globalidad y la especialización”, en Iztapalapa, nº 26, 1992, pp. 1 1 3 - 1 2 4 e n http://148.206.53.230/revistasuam/iztapalapa/include/getdoc.php?id=1347&article=1382&mode=pdf

SAMUEL, Raphael (Ed.). Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984

SCHLESINGER, Philip [Introducción]. Los marxistas ingleses de los años 30. Madrid: FIM, 1988

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NOTAS

1- RODRÍGUEZ ACEVEDO, José Manuel. “Del revisionismo británico al posmodernismo”, en Nómadas. Revista Crítica de Ciencias Sociales y Jurídicas, nº 15. Madrid: Universidad Complutense, e n e r o d e 2 0 0 7 , e n http://www.ucm.es/info/nomadas/15/jmracevedo.pdf

2 - Dorothy Thompson reconoce la grave dificultad para encasillar a E. P. Thompson dentro del marxismo. E. P. Thompson, en sus últimos escritos, se desmarca de Marx: “tengo que decir honestamente […] que cada vez estoy menos interesado en el marxismo como un sistema teórico. […] Considero que parte de la discusión es una distracción de los problemas históricos”. Además, “[el] marxismo ha tenido pocas cosas que decir útiles acerca de muchos de los grandes problemas del siglo XX”. THOMPSON, Dorothy (Ed.). “Introducción”; y THOMPSON, Edward P. “Agenda para una Historia radical”, en THOMPSON, Dorothy (Ed.). Edward Palmer Thompson: obra esencial. Barcelona: Crítica, 2002, pp. 7-10 y 563-565

3 - Por ejemplo, la Teoría de la Historia de Annales (Historia Social como Historia Total, niveles del Tiempo histórico) no es compacta, ¿pero eso implica que los análisis de estructura de clases y de mentalidades que Marc Bloch realiza en la Sociedad Feudal (1939-1940) no tengan carácter científico? 4 - Así, Gramsci escribió un artículo discutible titulado La revolución contra el Capital (1918), cuyas conclusiones se entienden en el marco de la pugna existente entre los marxistas revolucionarios y los marxistas mecanicistas en el seno de la II Internacional. Gramsci suma en su pensamiento el aporte de Lenin (materialista) y el de Croce (idealista), lo que crea mucha tensión en sus aportaciones teóricas.

5 - En Gramsci no queda qué prima si el carácter objetivo (relación con los medios de producción) o subjetivo (“conciencia de clase”) al definir una clase social, que Gramsci liga a la “sociedad civil”: si bien Marx relacionaba a ésta con el mercado capitalista, Gramsci vincula “sociedad civil” a superestructura ideológica, de manera análoga a Hegel; la “sociedad civil” estaría formada así por centros educativos, medios de comunicación y todo tipo de asociaciones, un espacio de “trincheras” apto para la lucha de clases; este análisis corre el riesgo de incurrir en el idealismo porque se puede separar la Política de la Economía y sobrevalorar el aspecto “cultural” de la lucha de clases. GRAMSCI, Antonio. “Cultura y lucha de clases”, en Escritos (1917-1922), apartado 4; ―. “Apuntes sobre la historia de las clases subalternas”, en Textos de los

Cuadernos posteriores a 1931, apartado 45; ―. “Debilidad nacional de la clase dirigente”, en Intelectuales y Organización de la Cultura; ―. “Clase media”, en Notas sobre Maquiavelo, la Política y el Estado moderno, apartado 46, todo lo anterior en http://www.gramsci.org.ar/ Ello no implica que Gramsci no prestase atención a los problemas económicos, porque tiene análisis referentes al taylorismo y el fordismo, modelos de Organización Científica del Trabajo en el capitalismo. 6 - ¿Qué obra es la representativa de Althusser? ¿La revolución teórica de Marx (1965), de tipo mecanicista, o El Porvenir es largo (1992), una dura autocrítica donde se aproxima a Gramsci y a Freud?

7 - La Historiografía Marxista Soviética, al nega el modo de producción asiático, afirmar una validez universal para la sucesión de cinco modos de producción (comunitario primitivo, esclavista, feudal, capitalista, socialista) o considerar siempre la existencia de una revolución, propiamente dicha, entre modo de producción y modo de producción incurría en graves problemas teóricos. Éstos son los textos básicos de esta corriente: Sobre el materialismo dialéctico y el materialismo histórico (1939), de Stalin, y el Manual de Economía Política de Nikitin. Evidentemente, hay notables autores dentro del marxismo soviético que no se pueden ignorar: Diakonoff, Kovaliov, Zaborov, A. Z. Manfred…

8 - Kovaliov recoge parcialmente ese concepto al analizar la evolución de la clase dominante durante la antigua República Romana: la aparición de la nobilitas en el s. III a. C., por la “fusión gradual” de la antigua clase patricia con la élite plebeya; o la irrupción en el s. II a. C. de la “oligarquía postgraquiana”, la cual surge de una estrategia de apertura hacia la “clase media” (equestres). KOVALIOV, S. I. Historia de Roma. Madrid: Akal, 1992, pp.110-115 y 411-412 9 - MARTÍNEZ, Francisco José. “Filósofos marxistas ingleses”, en SCHLESINGER, Philip [Introducción]. Los marxistas ingleses de los años 30. Madrid: FIM, 1988, pp. 37-41 10 - ALTHUSSER, Louis. La revolución teórica de Marx. México D. F.; Buenos Aires: Siglo XXI, 2004, básicamente pp. 20-30 [1ª edición: 1965]

11 - ALTHUSSER, Louis. Para una crítica de la práctica teórica: respuesta a John Lewis. Madrid: Siglo XXI, 1974; y MARTÍNEZ, Francisco José. “Filósofos marxistas ingleses”, op. cit., pp. 37-41

12 - Las clases sociales no tienen un comportamiento

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compacto porque a veces se desagregan, como puede ocurrir con los sectores sociales intermedios en los procesos revolucionarios; además, una parte de las clases subalternas pueden cumplir la función de ser base de la contrarrevolución. Y determinados individuos pueden jugar un papel de arbitraje en la clase dominante o entre varias clases.

13 - Althusser establece una incompatibilidad entre ciencia e ideología al considerar que el marxismo es la “teoría”. Althusser tenía dos problemas graves en su comprensión del marxismo: que el marxismo es una corriente de pensamiento histórica y la ubicación real de la dialéctica en la filosofía de Marx. Althusser confunde actividad empírica con empirismo vulgar, separando la teoría de la investigación. Althusser sería, entonces, el apologeta de la parálisis política hasta no hallar la “teoría”. La historicidad en Gramsci se refleja en el análisis de las alternativas en cada época histórica, el “surgimiento” de la voluntad colectiva, que convierte la utopía en opción realista, y las leyes tendenciales del proceso histórico. ALTHUSSER, Louis. “El marxismo no es un historicismo” y “Acerca de Gramsci”; BADALONI, Nicola. “Gramsci historicista frente al marxismo contemporáneo”, en FERNÁNDEZ BUEY (ed.) . Actual idad del Pensamiento Político de Gramsci, Barcelona: Grijalbo, 1977, pp. 243-279 y 280-283; GALLISSOT, René. “El comunismo soviético y europeo”, en DROZ, Jacques (ed.). Historia General del Socialismo. De 1918 a 1945, Tomo IV/2. Madrid: Destinolibro, 1986, p. 752 GRAMSCI, Antonio. El Materialismo Histórico y la Filosofía de B. Croce, apartados 62 y 119, en http://www.gramsci.org.ar/ 14 - Hobsbawm ilustra con una bella metáfora los orígenes de la diversidad en el movimiento comunista: “la costra de hielo [del estalinismo] regó, al derretirse, las numerosas plantas de la heterodoxia”. Éstas son las vías de renovación del marxismo: identificar los estratos de la teoría de Marx (1); continuar los distintos desarrollos teóricos sobre la base del marxismo (2); acuerdo con los desarrollos intelectuales externos al marxismo (3); y una vuelta al análisis del mundo (4). Hobsbawm recuerda que el marxismo ortodoxo y positivista proviene de la II Internacional (Kautsky). HOBSBAWM, Eric J. “La estructura del Capital”, en ―. Revolucionarios: ensayos contemporáneos. Barcelona: Crítica, 2000, pp. 203-217 15 - Prescindir de la práctica (histórica) para consolidar el marxismo como teoría es negar la historicidad del marxismo en cuanto a su construcción original: lo que Gramsci en los Cuadernos de la Cárcel (1948-1951) expresa como la sumatoria “Ricardo + Robespierre + Hegel”, corrigiendo ligeramente a Lenin. GRAMSCI,

Antonio. El Materialismo Histórico y la Filosofía de B. C r o c e , a p a r t a d o s 5 4 , 5 5 y 1 1 3 , e n http://www.gramsci.org.ar/ 16 - HOBSBAWM, Eric J. Años interesantes: una vida en el siglo XX. Barcelona: Crítica, 2003, pp. 199-201 17 - SAMUEL, Raphael. “Historia y Teoría”, en ―. Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984, pp. 51-52

18 - Kaye subraya los elementos comunes de los marxistas británicos, incluso durante el debate con Althusser, cuestión que en nuestra opinión es insostenible, y trata de excluir a Anderson de esta corriente por “estructuralista”, de modo incorrecto, porque Anderson cumple con los “requisitos” del marxismo británico. Kaye omite el análisis de Anderson donde éste se desmarca de Althusser, porque el filósofo francés niega el “sujeto histórico” y está inspirado por el “determinismo metafísico” de Spinoza, análisis en plena consonancia con el de Hobsbawm, quien destaca “la tardía conversión de Althusser al marxismo”. Para Anderson su quehacer académico se remite a una doble vertiente: la labor historiográfica marxista (“investigación”) y la filosofía marxista (“problemas teóricos”). Por contra, Kaye muestra una clara simpatía hacia E. P. Thompson, al que trata de incluir entre los marxistas británicos, pese a sus polémicas posiciones. ANDERSON, Perry. El Estado absolutista. Madrid; México F. D.; Buenos Aires: Siglo XXI, 2007, pp. 1-5; ANDERSON, Perry. Consideraciones sobre el marxismo occidental. Madrid: Siglo XXI, 1979, pp. 81-83, 90-91 y 105-106; CASANOVA, Julián. “Presentación”, a KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas británicos: un análisis introductorio. Zaragoza: Universidad de Zaragoza, 1989, pp. XIV y 20-21, 54-58, 156, 158, 174-175, 208, 216-217; HERNÁNDEZ SANDOICA, Elena. Tendencias historiográficas actuales. Escribir Historia hoy. Madrid: Akal, 2004, p. 236, 244 y 254 19 - HILTON, Rodney. “Comentario”, en ―. La transición del feudalismo al capitalismo. Barcelona: Crítica, 1987, p. 153 20 - Citado por KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas británicos…, op. cit., p. 109 21 - Hobsbawm le aconsejó a E. P. Thompson que “era un crimen abandonar su labor histórica, capaz en principio de hacer época, para discutir con […] Althusser [que] estaba ya muy cerca de la fecha de caducidad […]”. Hobsbawm acogería, brevemente, a Althusser en su casa londinense hacia 1980. Kaye se complica mucho en su defensa de E. P. Thompson, no

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complica mucho en su defensa de E. P. Thompson, no sólo cuando prácticamente omite la réplica de Hobsbawm a Althusser, sino cuando denomina el debate Althusser vs. E. P. Thompson de manera expresiva: “¿Historia contra Teoría?” HOBSBAWM, Eric J. Años interesantes…, op. cit., pp. 202-203 y 304; y KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas británicos…, op. cit., pp. 185-194

22 - Éstos son los puntos básicos: “la epistemología althusseriana deriva de un tipo limitado de proceso académico de adquisición de conocimientos y carece de validez general (1). En consecuencia, carece de la categoría de la experiencia (2). Confunde con el empirismo lo que es el necesario diálogo empírico (3). La crítica resultante del historicismo es en ciertos puntos idéntica a la crítica señaladamente antimarxista del historicismo (Popper) (4). El estructuralismo de Althusser es estático, que difiere del método histórico de Marx (5). De ahí que el universo conceptual de Althusser no tenga categorías adecuadas para explicar la contradicción, el cambio o la lucha de clases (6). Estas debilidades cruciales explican por qué Althusser es llevado a mantenerse en silencio respecto a categorías importantes (economía, necesidades) (7). Althusser se ve incapaz de tratar, salvo de la forma más abstracta y teórica, cuestiones referentes a los valores, a la cultura y también a la teoría política (8)”. THOMPSON, Edward Palmer. Miseria de la Teoría. Barcelona: Crítica, 1981, pp. 190-218 23 - Éstas son las proposiciones genéricas de E. P. Thompson: “el objeto inmediato del conocimiento histórico se compone de hechos o datos empíricos que tienen una existencia real (1); el conocimiento histórico es por su naturaleza provisional, selectivo y definido por las preguntas formuladas a los datos empíricos (2); los datos empíricos históricos tienen determinadas propiedades: todas las teorías que no estén conformes con las determinaciones de los datos empíricos son falsas (3); la relación entre el conocimiento histórico y su objeto no puede entenderse en términos que supongan que uno es función del otro (4); el objeto de conocimiento histórico es la historia real, cuyos datos empíricos deben ser necesariamente incompletos (5); la investigación de la Historia como proceso implica nociones de causación, de contradicción, de mediación y de organización sistemática (6); el materialismo histórico difiere de otras ordenaciones interpretativas de los datos históricos no por ninguna premisa epistemológica, sino por sus categorías, sus hipótesis características y procedimientos concomitantes (7); la construcción de conceptos históricos no es un privilegio especial reservado al materialismo histórico (8); tales categorías surgen en el seno del discurso común de los historiadores o son desarrollados en

disciplinas adyacentes (9); el materialismo histórico se distingue de otros sistemas interpretativos por su consistencia obstinada en elaborar tales categorías y por su articulación dentro de una totalidad conceptual (10)”. Pero hay un problema grave que E. P. Thompson añade: “estoy dispuesto a admitir que la tentativa de designar la Historia como ciencia ha sido siempre poco provechosa”. THOMPSON, Edward Palmer. Miseria de la Teoría, op. cit., 1981, pp. 65-85 24 - THOMPSON, Edward Palmer. Miseria de la Teoría, op. cit., pp. 96-97 25 - Intentar destruir a El Capital (1867) de Marx es una aventura arriesgada, porque lo esencial de esta obra de Teoría/Historia Económica es un aparato teórico (valor-trabajo, plusvalía, ley general de la acumulación del Capital, crisis económica, Ley de la baja tendencial de la tasa de ganancia), que es importante, con las correcciones pertinentes, para entender la actual crisis económica mundial. 26 - Demanda creciente de fuerza de trabajo, reducción relativa de la parte variable del capital y ejército industrial de reserva. 27 - Para rebatir esto, E. P. Thompson tendría que haber entrado en la lógica interna de la teoría para cuestionar la validez de la misma, como también refutar el uso de esos ejemplos prácticos en los que Marx “ilustra” las condiciones materiales de vida de la clase trabajadora británica (salarios, alimentación, vivienda), por cierto de modo semejante a cómo opera el propio E. P. Thompson.

28 - La Ley general de la acumulación capitalista se fundamenta históricamente (s. XIV al XVIII) en la expropiación por parte de la “nueva aristocracia terrateniente” de la propiedad rural campesina (pequeñas propiedades, tierras comunales) y la liberación consiguiente de mano de obra para la industria, en la piratería y en el comercio triangular internacional (esclavos, materias primas, productos manufacturados), sin descartar otros mecanismos como la deuda pública y el sistema comercial proteccionista.

29 - THOMPSON, Edward Palmer. Miseria de la Teoría, op. cit., pp. 102-103

30 - KAYE, Harvey J. Los historiadores marxistas británicos…, op. cit., pp. 15-16; y MARTÍNEZ, Francisco José: “Filósofos marxistas ingleses”, op. cit., pp. 47-48

31 - MARX, Karl. Miseria de la Filosofía. México D.

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20ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

F.; Madrid; Buenos Aires; Bogotá: Siglo XXI, 1981, pp. 84-85

32 - MARX, Karl. Miseria de la Filosofía, op. cit., p. 104

33 - La dialéctica hegeliana se compone de una serie de categorías (síntesis, lucha de contrarios, salto cualitativo, totalidad) que en el marxismo se expresa a través del materialismo dialéctico, el cual se desarrolla en las obras filosóficas de Engels. Esta teoría alude a la interpretación material (objetiva) de la realidad y su base teórica se halla sintetizada en las Tesis sobre Feuerbach (1845), de Karl Marx, donde se resalta la crítica de la religión, la praxis como fundamento de verdad, la crítica del “materialismo contemplativo” y la necesidad (histórica) de transformar el mundo, superando así a la filosofía metafísica. 34 - Rudé difiere al defender la “obra histórica” de Marx y Engels, en cuyos análisis hay todo tipo de causas (políticas, sociales, culturales, económicas). Los estudios específicos de ambos autores sobre Francia, España, Inglaterra o Alemania son pioneros de los métodos que utilizarían los marxistas del s. XX. Rudé dice que “las ideas históricas de Marx han sido […] insistentemente tergiversadas […]. La Historia tiende a progresar mediante conflictos entre las clases sociales [y] también […] tiene unas pautas […]. Las vidas y las acciones de la gente son la esencia de la propia Historia y que si bien los factores materiales […] son primordiales, las propias ideas se convierten en una fuerza material cuando pasan a la conciencia activa de los hombres”. RUDÉ, George. “Marxismo e Historia” y “El rostro cambiante de la multitud”, en KAYE, Harvey J. (Ed.). George Rudé: el rostro de la multitud. Valencia: Centro Francisco Tomás y Valiente UNED Alzira-Valencia; Fundación Instituto de Historia Social, 2001, pp. 81-92 y 101-102 35 - Esto es discutible porque ni la posición de Althusser era mayoritaria en el PC francés, ni éste era ortodoxo en esa época, entre otras cosas porque en su XXII Congreso (febrero de 1976) había abandonado la d i c t a d u r a d e l p r o l e t a r i a d o y a b r a z a d o e l eurocomunismo, corriente de signo reformista. 36 - SAMUEL, Raphael. “Presentación del debate”, en ―. Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984, pp. 273-276 37 - HOBSBAWM, Eric J. Años interesantes…, op. cit., pp. 199 y 253-254 38 - HALL, Stuart. “En defensa de la Teoría”, en 3

SAMUEL, Raphael (Ed.). Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984, pp. 278-279 39 - HALL, Stuart. “En defensa de la Teoría”, op. cit., p. 280

40 - Ibíd., pp. 280-283

41 - Ibídem.

42 - Ibíd., pp. 284-285

43 - JOHNSON, Richard. “Contra el absolutismo”, en SAMUEL, Raphael (Ed.). Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984, pp. 289 y 291

44 - JOHNSON, Richard. “Contra el absolutismo”, op. cit., pp. 293-295

45 - Ibíd., op. cit., p. 299

46 - THOMPSON, Edward P. “La política de la Teoría”, en SAMUEL, Raphael (Ed.). Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984, pp. 301-317

47- E. P. Thompson considera que los análisis sobre el “aburguesamiento” y la “alienación” de Herbert Marcuse son elitistas. KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas británicos…, op. cit., p. 163 48 - HILTON, Rodney. Conflicto de clases y crisis del feudalismo. Barcelona: Crítica, 1988, pp. 13-14 49 - ANDERSON, Perry. Teoría, Política e Historia: un debate con E. P. Thompson. México D. F., Madrid, Buenos Aires, Bogotá: Siglo XXI, 1985, p. 5 50 - Este “control” es el procedimiento para salvar el “concepto de falsación” de Karl Popper, según Anderson. De manera similar, Maurice Cornforth superaría la falsación con el análisis de las “posibilidades” en los contextos históricos. ANDERSON, Perry. Teoría, Política e Historia: un debate con E. P. Thompson. México D. F., Madrid, Buenos Aires, Bogotá: Siglo XXI, 1985, pp. 5-7; y MARTÍNEZ, Francisco José: “Filósofos marxistas ingleses”, op. cit., pp. 47-48 51 - ANDERSON, Perry. Teoría, Política e Historia, op. cit., pp. 146 y 153

52 - Ibíd., pp. 7-11

53 - Ibíd., p. 11

Dialética, v. 5, n. 5, p. 20, Mar/2014

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21ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

54 - ANDERSON, Perry. Teoría, Política e Historia, op. cit., pp. 12-16 La Astronomía tiene una base práctica en la Astronomía Observacional, pero necesita préstamos de la Física Teórica o de la Geografía Física, por las limitaciones de su campo de experimentación. Relacionado con estas cuestiones epistemológicas, Carl Sagan dice, en el episodio 2 de la Serie de TV Cosmos (1980), que “la Biología es más parecida a la Historia que a la Física: hay que conocer el pasado para comprender el presente. No hay predicciones en la Biología, igual que no hay predicciones en la Historia”.

55 - ANDERSON, Perry. Teoría, Política e Historia, op. cit., p. 23

56 - Ibíd., p. 69

57 - THOMPSON, Edward P. “Agenda para una Historia radical”, en THOMPSON, Dorothy (Ed.). Edward Palmer Thompson: obra esencial. Barcelona: Crítica, 2002, pp. 563-564

58 - Hobsbawm coincide aquí con Anderson. A N D E R S O N , P e r r y. L o s o r í g e n e s d e l a posmodernidad. Madrid: Anagrama, 2000, p. 31; y HOBSBAWM, Eric. “La influencia del marxismo (1945-1983)”, en ―. Cómo cambiar el mundo: Marx y el marxismo, 1840-2011. Crítica: Barcelona, 2011, pp. 380-381 Creemos que Kaye se obsesiona en exceso con l a n e c e s i d a d d e s u p e r a r e l m o d e l o b a s e -superestructura, una de las piedras angulares del materialismo histórico. KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas británicos: un análisis introductorio, op. cit., pp. 141-144, 160, 175, 177, 184, 186, 201 y 213-214

59 - SAMUEL, Raphael. “Historia popular, Historia del Pueblo”, en ―. Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984, p. 35 60 - SAMUEL, Raphael. “Historia popular, Historia del Pueblo”, op. cit., p. 49 61 - Samuel define “historicismo” como “la idea de que las estructuras históricas pueden explicarse atendiendo a su génesis”. SAMUEL, Raphael. “Historia y Teoría”, op. cit., pp. 50-60 62 - Ibídem. 63 - Ibídem.

64 - Ibíd., pp. 60-61

65- Ibíd., pp. 62-63

66 - Samuel nos invita a tomar en consideración dos “direcciones” en la dialéctica Historia/Teoría: “una labor teórica […], aplicando una comprensión histórica a las cuestiones con que nos enfrentamos” (1); y “el valor teórico de un proyecto no debe medirse por la manera en que se expresa, sino por la complejidad de las relaciones que explora” (2). SAMUEL, Raphael. “Historia y Teoría”, op. cit., pp. 62-64

67 - WOOD, Ellen. Democracia contra capitalismo: la renovación del materialismo histórico. México D. F.: Siglo XXI, 2000, pp. 59-62 68 - WOOD, Ellen. Democracia contra capitalismo…, op. cit., p. 66 69 - Ibíd., pp. 63-69 70 - Ibíd., p. 71 71 - BOTTOMORE, Tom. La Sociología marxista. Madrid: Alianza, 1976, p. 20 72 - No obstante, el matrimonio Sociología/marxismo es oscilante y complejo. BOTTOMORE, Tom. La Sociología marxista, op. cit., particularmente pp. 41-62 73 - MEDICK, Hans. “La transición del feudalismo al capitalismo: renovación del debate”, en SAMUEL, Raphael. Historia popular y teoría socialista. Barcelona: Crítica, 1984, pp. 185-190 74 - El desarrollo del capitalismo en Rusia (1899) y El imperialismo, fase superior del capitalismo (1916). 75 - Hobsbawm, en consonancia con Ste. Croix o Hilton, realiza una aportación importante al insistir en la dicotomía básica “clase económica”/conciencia de clase. HOBSBAWM, Eric J. El mundo del Trabajo: estudios históricos sobre la formación y evolución de la clase obrera. Crítica, Barcelona, 1987, pp. 29-50

76 - Una gran aportación de E. P. Thompson es su análisis de los motines de subsistencias en Inglaterra durante el s. XVIII, por los cuales las clases subalternas se oponían a la subida de precios del grano o la exportación de este alimento vital; pero no sólo había motivaciones “económicas”, porque las masas aunque carecían de una ideología política concreta, sí tenían una “cultura popular” basada en el “bien público”. La articulación del movimiento obrero inglés, en el tránsito del s. XVIII al XIX, fue obra de radicales (jacobinos), protestantes disidentes (metodistas, baptistas) y socialistas utópicos (owenistas), quienes, en medio de las lacras sociales de la Revolución Industrial, se aliaron a reformadores de clase media y a

Dialética, v. 5, n. 5, p. 21, Mar/2014

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22ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

braceros rurales contra la alianza contrarrevolucionaria de la aristocracia terrateniente/comercial y la burguesía industrial. THOMPSON, Edward P. La formación de la clase obrera en Inglaterra. Barcelona: Crítica, 1989, vol. I, pp. XIII-XVIII, y vol. II, pp. 313-452; y ―. “La economía moral de la multitud en Inglaterra del siglo XVIII”, en THOMPSON, Dorothy (Ed.). Edward Palmer Thompson: obra esencial. Barcelona: Crítica, 2002, pp. 363-433 77 - Cabe mencionar que E. P. Thompson reconoce las aportaciones de Dorothy Thompson y Perry Anderson para la redacción de la Formación de la clase trabajadora… THOMPSON, Edward P. La formación de la clase obrera en Inglaterra, vol. I, op. cit., pp. XIII-XVIII 78 - THOMPSON, Edward P. “El imperio de la ley”, en THOMPSON, Dorothy (Ed.). Edward Palmer Thompson: obra esencial. Barcelona: Crítica, 2002, pp. 494-506 79 - El problema de esta importante teoría es que Kaye la apoya en dos autores de difícil filiación marxista como Anthony Giddens y E. P. Thompson, “afines” según el propio Kaye, con análisis puntuales marxistas, pero con graves desviaciones posteriores respecto a Marx. KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas británicos…, op. cit., p. 4, 150 y 213-214 80 - KAYE, Harvey J. Los Historiadores marxistas

británicos…, op. cit., particularmente p. 212 81 - KAYE, Harvey J. “Introducción”, a ―. George Rudé: el rostro de la multitud. Valencia: Centro Francisco Tomás y Valiente UNED Alzira-Valencia; Fundación Instituto de Historia Social, 2001, pp. 74-75 82 - Por ejemplo, en las tres obras dedicadas a los procesos de lucha de clases en Francia desde 1848 a 1871, Marx realiza complejos análisis de estructura social y cómo las clases se articulan de una manera flexible en partidos políticos para defender sus intereses económicos y posiciones ideológicas 83 - Por ejemplo, si negáramos la existencia de “clases sociales” en los s. VIII y IX en Europa, como a veces tiende a hacerse desde posiciones conservadoras, porque las capas sociales del campesinado no están formadas, al repartirse entre pequeños propietarios, “colonos” y “esclavos” (futuros siervos), no habría forma posible de analizar los conflictos sociales; esta configuración que cambiará sustancialmente en los siglos siguientes no excluye la presencia de contradicciones de clase en la resistencia del campesinado franco al reforzamiento de los latifundios en manos de la aristocracia durante el Imperio Carolingio (s. IX) . El historiador belga Jan Dhondt, autor de La Alta Edad Media (1967), defiende la aplicación del concepto de “lucha de clases” en esta época.

Dialética, v. 5, n. 5, p. 22, Mar/2014

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23ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

POLÍTICA E DEMOCRACIA EM GRAMSCI: UM ROTEIRO PARA LEITURA

1FELIPE MAIA G. DA SILVA

Sociólogo, doutorando em Sociologia no Instituto de Estudos

Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

(IESP – UERJ) e professor da Fundação CEPERJ.

RESUMO:

O texto oferece uma introdução ao pensamento político de Antonio Gramsci,

destacando as inovações do autor no campo da teoria política marxista. Tendo

por base as soluções que oferece ao problema da relação entre estrutura e

superestrutura no marxismo, buscamos apresentar os conceitos de hegemonia

e de revolução passiva como um eixo teórico que possibilita compreender o

tema da democracia e das modernas formações sociais do século vinte. Na

parte final do artigo exploramos como as interpretações de Gramsci sobre a

crise do capitalismo ajudam a compreender seu pensamento político.

PALAVRAS CHAVE:

Gramsci, política, marxismo, estrutura, superestrutura.

Dialética, v. 5, n. 5, p. 23, Mar/2014

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24ARTIGO - FELIPE MAIA G. DA SILVA

É poss íve l que boa par te do in teresse contemporâneo com relação a Antonio Gramsci esteja ligado ao desenvolvimento que o autor proporcionou a uma teoria da política no campo do marxismo. Esta formulação pagou tributos ao pensamento de Marx e de Lênin, possivelmente os autores dos escritos mais importantes até então, mas apresentou inovações que colocaram os temas da democracia e da organização do poder político nas modernas formações sociais do século vinte em patamar diferenciado. Ainda que incompleto e fragmentário, o corpus principal da obra de Gramsci oferece possibilidades novas de utilização do ferramental marxista para compreender os problemas da democracia e das lutas políticas nas sociedades contemporâneas. O que tentaremos neste texto, é traçar um roteiro, entre tantos possíveis, para a compreensão de como o autor construiu em sua obra de maturidade uma concepção da política em conexão com suas interpretações da história e de seu tempo.

Antes de entrarmos propriamente nos textos do autor, faz-se necessário uma pequena situação do contexto em que Gramsci trabalhou. Os Cadernos do Cárcere, a obra que Gramsci deixou aos seus companheiros de Partido Comunista Italiano, são um conjunto complexo de textos escritos enquanto o autor esteve preso durante o regime fascista. Gramsci passou todo o último período de sua vida encarcerado, e morreu apenas alguns dias após ter sido libertado, presumivelmente para que

2não falecesse na prisão . Nos anos em que passou preso, conseguiu ter acesso, ainda que sob censura, a certa quantidade de livros e de periódicos, comprados sob sua encomenda. Pode também dispor de material para suas anotações. Assim, redigiu, segundo um plano de estudos pré-elaborado, uma quantidade expressiva de textos variados, em sua maioria anotações críticas feitas a partir de suas leituras e classificou suas notas segundo títulos pré-estabelecidos. Algumas dessas notas foram reescritas em “cadernos especiais”, que contém maior unidade temática e estão mais próximos de um texto para publicação.

Este verdadeiro caleidoscópio torna-se uma dificuldade adicional aos seus leitores, cujo esforço, entretanto, é altamente recompensador. No roteiro que aqui propomos vamos partir de a lguns dos problemas epis temológicos

enfrentados nos Cadernos para tentar chegar às formulações propriamente políticas em torno da teoria da hegemonia, do conceito de revolução passiva e das transformações no capitalismo. É a partir da articulação entre esses núcleos, só aparentemente dispersos nos Cadernos, que tentaremos oferecer uma possibilidade de compreensão do autor.

1. Estrutura e superestrutura nos Cadernos

Há uma questão central nos Cadernos do Cárcere, que nos permite situar Gramsci no interior da tradição marxista e compreender melhor a importância e o desenvolvimento de seu aparato conceitual. Trata-se do problema teórico da relação entre estrutura e superestrutura, que conheceu vias bastante tortuosas no campo marxista e, por que não dizer, nas ciências sociais em geral. O debate não é nada secundário, vide a importância que ainda hoje tem a discussão entre “agência” e “estrutura” na teoria social. Durante o século vinte as correntes sociológicas oscilaram como um pêndulo entre os dois polos e só mais recentemente se encontram tentativas de síntese com melhores resultados.

No interior do marxismo a questão tem evidentemente implicações políticas mais severas, afinal a interpretação teórica deve servir a uma orientação da ação prática (apesar de não ser assim tão raro que ocorra o inverso, o que certamente não é o caso de Gramsci). Como se sabe, o final do século dezenove conheceu um conjunto de versões da obra de Marx impregnadas de positivismo e evolucionismo, levando, umas vezes mais outras menos, a uma redução das complexas construções de Marx em torno das noções de “determinação” ou “necessidade” a um movimento mecânico e virtuoso das estruturas da sociedade na direção de estágios cada vez mais avançados e por fim ao socialismo. O materialismo histórico se reduzia a uma ideia simples de que a economia ou a técnica determinam em primeira e em qualquer instância, sem outras mediações, o movimento da sociedade. Dito de outra forma, é a estrutura que determina os conteúdos da vida social, sendo que as manifestações superestruturais (entre elas, a política, a cultura, a ideologia) são vistas como simples reflexos ou correspondências das

Dialética, v. 5, n. 5, p. 24, Mar/2014

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25ARTIGO - FELIPE MAIA G. DA SILVA

das determinações estruturais, sem espaço para i n d e p e n d ê n c i a , a u t o n o m i a o u sobredeterminações.

Gramsci nos Cadernos enfrenta com vigor a interpretação mecanicista ou economicista do marxismo, como se pode ver em suas notas sobre o Manual de filosofia popular de Bukharin, nos estudos sobre Croce e em diversas outras passagens dos Cadernos sobre Maquiavel. Evitando uma determinação unilateral, Gramsci postula um “nexo necessário e vital” entre estrutura e superestrutura. A tensão entre os dois domínios da vida social pode ser especialmente percebida no diálogo constante que Gramsci d e s e n v o l v e c o m o f a m o s o P r e f á c i o à Contribuição da Crítica da Economia Política escrito por Marx em 1859. Neste texto, Marx argumentava que:

“Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade só

3levanta os problema que é capaz de resolver (...)”

Gramsci durante os Cadernos reconhece a validade teórica dos pressupostos do Prefácio de 1859, mas argumenta que eles não devem ser lidos de forma mecanicista :

“Naturalmente, estes princípios devem ser, primeiro, desdobrados criticamente em toda a sua dimensão e depurados de todo resíduo de

4mecanicismo e fatalismo (...)”

A recusa é à interpretação do marxismo como uma teoria que separe as estruturas da superestrutura, concedendo primazia a uma delas, ou vendo aí uma causação unilateral:

“(...) não é verdade que a filosofia da práxis “destaque” a estrutura das superestruturas; ao contrário, ela concebe o desenvolvimento das mesmas como intimamente relacionado e necessariamente inter-relativo e recíproco. Tampouco a estrutura é, nem mesmo por metáfora, comparável a um “deus oculto”: ela é

5concebida de uma maneira ultra-realista (...)”

Se a estrutura não pode ser vista como um “deus oculto”, ou seja, como uma força que atua de forma determinante sem que os homens percebam, isso significa também que os fenômenos superestruturais não devem ser interpretados como reflexo do movimento estrutural. Marx não cometeu esse “infantilismo” em suas obras históricas, sendo cauteloso e percebendo que em casos concretos, a estrutura oferece uma tendência geral de desenvolvimento, as quais não se pode afirmar que devem

6necessariamente se realizar .

O f i lósofo i ta l iano Benedet to Croce é seguramente uma inspiração para a crítica que Gramsci desenvolve às concepções mecanicistas da história. Sua obra é lida por Gramsci no sentido de uma reação ao “fatalismo mecanicista” e ao “economicismo”. Todavia, representaria um tentativa simplesmente negativa de contraposição ao marxismo, incorrendo em erros diversos, inclusive o mau julgamento da relação entre estrutura e superestrutura no marxismo. Croce teria um valor “instrumental”, ao apontar os momentos de importância dos elementos superestruturais na história, os fatos da cultura, os intelectuais, as funções ético – políticas do Estado,

7a hegemonia. Como argumenta o autor , esse movimento poderia ser comparado à valorização que Lênin fez, com mais razão ainda, do conceito de hegemonia. A importância da superestrutura está fundamentada na proposição de que é fundamentalmente no terreno da ideologia que os homens formam sua consciência em relação a sua situação social.

Mas isso não significa que se deva conceder uma primazia às superestruturas na interpretação histórica. De forma arguta, Gramsci propõe que a tarefa da investigação é buscar o “nexo necessário e vital” entre os dois domínios, enfocando as diversas “passagens” ou mediações que efetivamente se colocam entre elas. Estrutura e superestrutura formam uma unidade, que tomando de empréstimo a linguagem de Sorel,

8Gramsci denominou de “bloco histórico” .

“Será que a estrutura é concebida como algo imóvel e absoluto, ou, ao contrário, como a própria realidade em movimento? A afirmação das Teses sobre Feuerbach, de que “o educador

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deve ser educado”, não coloca uma relação necessária de reação ativa do homem sobre a estrutura, afirmando a unidade do processo do real? O conceito de “bloco histórico”, construído por Sorel apreende plenamente esta unidade

9defendida pela filosofia da práxis (...)”

É esta unidade que deve ser posta em movimento nas análises históricas e é daí que resulta a objeção fundamental de Gramsci tanto ao “economicismo” quanto à história “ético – política” do idealismo italiano, de inspiração hegeliana, presente na obra de Croce.

10Como sugere Stuart Hall , Gramsci não pode desenvolver completamente seu aparato conceitual nos Cadernos. Os desdobramentos mais importantes de sua concepção estão em suas análises concretas, sobretudo aquelas relativas à formação dos estados nacionais europeus no século dezenove (o tema do Risorgimento italiano) e às transformações do capitalismo nos primeiros decênios do século vinte (os temas do c o r p o r a t i v i s m o e d o a m e r i c a n i s m o ) . Diferentemente de Marx, que opera em um nível conceitual mais abstrato, Gramsci trabalha em um nível mais concreto, sendo portanto necessário cuidadosamente desencaixar as formulações de Gramsci de seu terreno histórico específico para reconstruir sua teoria e tentar aplicá-la em contextos distintos.

É na formação de blocos históricos, em cada formação social, que se deve buscar aquele nexo entre estrutura e superestrutura. Assim, os processos histórico-sociais concretos podem admitir variabilidade na relação entre economia e política, entre estrutura e superestrutura.

Há aí uma consequência política importante, pois se analiticamente é possível admitir um processo histórico mais exposto à ação das estruturas, a transformação da sociedade em sentido programaticamente progressista depende da intervenção do ator, condicionada entretanto, à sua capacidade de domínio consciente das forças

11produtivas de que são portadores . Este seria o ensinamento que Gramsci tirou do Prefácio de 1859 de Marx, sinalizando então no sentido da

busca da unidade e do nexo dialético entre estrutura e superestrutura, e programaticamente indicando a necessidade do domínio consciente dos homens de suas relações sociais e de produção em processos histórico-sociais concretos.

A crítica ao economicismo é decisiva para a compreensão da teoria da hegemonia, como se pode ver em duas notas consecutivas presentes no Caderno 13, em que Gramsci trabalha a relação entre economia e política na análise das situações de crise. Gramsci abre a nota § 17 citando justamente o Prefácio de 1859 como um princípio metodológico para a análise histórica. Propõe entretanto que no estudo das estruturas deve-se distinguir movimentos “orgânicos” das situações “conjunturais”, separando assim o movimento permanente das oscilações temporárias que aparecem nas escaramuças, nas agitações momentâneas sem contudo alterar o sentido do movimento histórico. A estrutura corresponde a um primeiro momento analítico, “objetivo, independente da vontade dos homens (...)”, às relações materiais de produção, à morfologia da sociedade, um “alinhamento fundamental que permite estudar se na sociedade existem

12condições para uma transformação” .

A este momento analítico, deve-se seguir o da relação das forças políticas, isto é, do “grau de homogeneidade, de autoconsciência e de organização alcançado pelos diversos grupos

13sociais” . A primeira forma de consciência é econômico – corporativa, diz respeito à unidade profissional. Um segundo momento é aquele em que ainda no terreno econômico se atinge a consciência dos interesses de todo o grupo social interrelacionado, colocando-se o Estado como destino das reivindicações de igualdade político – jurídica com os grupos dominantes. A passagem do terreno da estrutura para o da superestrutura é que configuraria o momento verdadeiramente político, e que marca a transformação do interesse corporativo – econômico em um interesse geral mais amplo, o que implica envolver outros grupos sociais. As ideologias formadas nos momentos anteriores se confrontam através de “partidos” até que uma delas ou uma combinação delas prevaleça, colocando as questões não mais em termos estritamente “corporativos”, mas pleiteando um “universal” capaz de gerar uma

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nova unidade política – econômica – moral, e estabelecer sua hegemonia sobre os demais grupos sociais.

A unidade entre política e economia pode ser apreendida então na formulação de que as crises econômicas não produzem por si só mudanças sociais, mas criam um terreno para a ação política. A questão econômica é então apenas um caso particular do quadro de relações de força, que depende da ação dos homens, e portanto, as disputas travadas aí têm resultado incerto e contingente. O economicismo não passaria assim de uma simplificação da complexa relação entre os domínios diversos do social, a separação do nexo entre economia e política e a redução da pluralidade de causas históricas a um princípio único de determinação. Não haveria outra forma de postular uma alternativa ao economicismo senão construir corretamente o problema da hegemonia.

2 – Hegemonia e teoria do Estado

É na formulação de uma análise histórica de grande alcance que Gramsci tenta construir sua teoria da hegemonia e colocar em movimento o nexo entre estrutura e superestrutura. A lente com que opera Gramsci é muito mais próxima de uma grande angular do que de um microscópio. Os movimentos de longa duração que motivaram Gramsci estão ligados aos desdobramentos da revolução francesa e à formação dos estados nacionais na Europa. É de 1789 que surgem os impulsos políticos fundamentais da era moderna europeia, a operação política da burguesia para fundar novos estados nacionais e varrer os resquícios do antigo regime. O corte histórico fundamental se dá em 1870 – 1871 com a Comuna de Paris. Este é o momento da consolidação do domínio burguês, com a derrota definitiva das velhas forças sociais, mas também com a derrota imposta aos elementos mais populares que haviam sido importantes na tomada do poder, porém tensionavam e ameaçavam o domínio burguês com plataformas mais avançadas do que a burguesia gostaria de abraçar. Gramsci é especialmente consciente do papel dos movimentos jacobinos nas revoluções burguesas como elemento dinâmico, capaz de levar as revoluções adiante e por isso mesmo essencial no

combate ao antigo regime. A vitória sobre a Comuna de Paris significou assim a possibilidade de um domínio mais estável da burguesia e iniciou um tempo distinto na política europeia.

Uma primeira implicação está na compreensão das transformações nas formações estatais. Como se sabe, Marx em O manifesto do partido comunista, texto de 1848, já havia sugerido que o estado capitalista não passaria de um “comitê de negócios da burguesia”, concentrando em si funções de garantia da ordem, isto é, de repressão das classes subalternas, e de arranjo intra – classista. Por ironia, esta fórmula que sugere um estado mínimo, e que até hoje é objeto de uma crítica grosseira ao marxismo, encontra boa guarida nos teóricos do liberalismo da primeira metade do século dezenove (vide, por exemplo, James Mill e Benjamin Constant). Contrapõe-se porém às conhecidas formulações de Hegel sobre o estado, que distanciado da tradição liberal, via a f o r m a ç ã o e s t a t a l c o m o u m m o m e n t o transcendente dos conflitos entre os indivíduos e as classes, inerente à sociedade civil. O estado hegeliano, longe de refletir diretamente a dominação da classe, respondia a uma necessidade de superação dos conflitos e de totalização do social em um organismo superior. É em contraposição a essas duas formulações que Gramsci opera nos Cadernos.

Ao tratar do estado, Gramsci prefere invocar as análises históricas de Marx em vez da célebre passagem do Manifesto, o que é compreensível, pois foi em obras como O 18 Brumário de Luís Bonaparte, que Marx mais aproximou sua análise da complexidade dos movimentos da política burguesa, com sua dinâmica conflitiva entre classes e frações de classe. É, entretanto, à Maquiavel que nosso autor recorre para construir uma imagem do estado capitalista moderno, evocando a figura do “centauro maquiavélico” para tratar do que chama de uma “dupla perspectiva” na vida estatal, a dimensão da força e

14a do consenso, a da autoridade e a da hegemonia .

Este tema ganhou estatuto distinto na obra de Gramsci a partir de um texto anterior à produção carcerária, conhecido como Algumas notas sobre

15a questão meridional , no qual se discute a política italiana a partir das relações entre o norte

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industrializado e sul agrário. A constituição de um “bloco agrário” no sul sob direção dos grandes proprietários rurais era um obstáculo para a política dos operários industriais na Itália unificada, que se viam isolados politicamente e sem recursos políticos e culturais para construir uma aliança mais ampla. A sociedade agrária do sul não poderia ser explicada com base no puro “interesse” ou apenas na “coerção” dos grandes proprietários sobre o campesinato. Havia ali todo um conjunto de mediações colocadas em prática pelos funcionários do estado que eram capazes de ligar o campesinato à direção dos grandes proprietários. Essa burocracia era formada pelas camadas médias, por homens que exerciam sobretudo uma função intelectual, intermediando os interesses camponeses frente ao estado, e assim, impedindo a constituição de uma força política autônoma. Esses intelectuais aparecem para Gramsci como “funcionários do consenso”. Esta é uma formação estatal ampliada cujas funções penetram a própria sociedade civil, organizando e mediando os interesses e com isso dando estabilidade à ordem.

A questão meridional sugeria então um tipo de ação política distinta da estratégia bolchevique do assalto revolucionário, operado em condições especialíssimas em 1917. A revolução italiana implicava assim na separação do campesinato meridional dos grandes proprietários, implicava no deslocamento de toda uma camada de intelectuais médios, uma operação lenta que envolvia uma disputa mais complexa, levando em conta fatores políticos e culturais. O tempo era dilatado e não súbito, pois a armação estatal era ao mesmo tempo mais flexível e mais resistente.

Não é à toa que a palavra “hegemonia” é evocada aqui. O termo teve forte uso na tradição marxista da Rússia, em especial na virada do século dezenove para o vinte. Lênin o utilizou marcadamente em suas análises em torno da revolução derrotada de 1905 para indicar a necess idade da a l iança pol í t ica com o campesinato, incorporando as reivindicações camponesas como elemento ativo da construção de um novo estado. Era uma estratégia de aprofundamento da revolução democrático - burguesa como via para a aproximação do socialismo, movimento que conheceria uma inesperada reviravolta com a derrota da Rússia na guerra em 1917.

Em Gramsci, o tema da hegemonia é ampliado para a análise não só da política operária, mas da

própria formação do estado burguês. A revolução só foi possível em 1917 por conta das características particulares do estado czarista, fundado sobretudo na dimensão da coerção e não do consenso. É por aí que o nosso autor constrói a célebre distinção entre Oriente e Ocidente nos textos dos Cadernos.

“No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa relação e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava

16uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas.”

A estratégia bolchevique, que foi comparada à “guerra manobrada”, feita de movimentos rápidos e operando no tempo súbito da insurreição, correspondia então a um tipo de relação entre estado e sociedade civil na qual esta última se encontrava tolhida por um estado coercitivo. Seria possível a repetição da estratégia em sociedades na qual a relação entre estado e sociedade civil era diversa? A passagem de Gramsci sugere que nas modernas sociedades ocidentais haveria um equilíbrio entre estado e sociedade civil (uma “justa relação”), ou ao menos algum tipo de solidariedade ou correspondência entre eles. Não bastaria abalar as estruturas estatais, seria preciso alargar o campo de disputa política. Num sistema em que as estruturas estatais estão imbricadas com a sociedade civil, a tática da guerra manobrada não parece ser eficiente.

Gramsci percebe que a base de sustentação do estado se deslocou e localiza-se na sociedade civil, sugerindo que este então é o terreno próprio da disputa de hegemonia. Nas modernas sociedades ocidentais, estado e sociedade civil formariam um único sistema, a distinção seria mais propriamente conceitual (ou analítica) que “orgânica”. O autor recusa a formulação liberal que contrapõe a sociedade civil ao estado e que reivindica a primazia daquela.

“Dado que sociedade civil e Estado se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que também o liberismo é uma “regulamentação” de caráter estatal, introduzida e mantida por via legislativa e coercitiva: é um fato de vontade consciente dos próprios fins, e não a expressão espontânea, automática, do fato econômico. Portanto, o liberismo é um programa político, destinado a modificar, quando triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do próprio Estado, isto é, a modificar a

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17distribuição da renda nacional”

Marx em sua crítica à concepção hegeliana de estado já havia percebido que a contraposição estado – sociedade civil era artificial, e que o conteúdo do estado deveria ser buscado nas relações sociais que o sustentavam. Porém o aparato conceitual desenvolvido por Marx era insuficiente para compreender as transformações que o estado havia passado nas últimas décadas do século dezenove, com a expansão de suas funções, com a organização dos partidos operários de massa, com a ampliação da participação eleitoral. Esse é o tema que mobiliza a reflexão de Gramsci sobre o estado. Uma formação social na qual a ordem não é garantida nem pela utopia liberal de um mercado autorregulado, nem por um estado exclusivamente coercitivo. Nesse sentido a imagem da ampla formação estatal, combinando funções de coerção e produção do consenso poderia ser, com os devidos cuidados, generalizada para a compreensão do moderno estado capitalista.

São as funções de organização do consenso na sociedade civil que nos levam ao tema da hegemonia. As modernas formações estatais cumpririam funções de dominação e direção, de coerção e consenso. A hegemonia nos textos de Gramsci refere-se mais especificamente ao momento da produção do consenso e envolve organismos espec i f icamente es ta ta i s e organizações presentes na sociedade civil, mostrando as possibilidades de interpenetração entre as duas esferas. Os organismos estatais não teriam assim apenas função coercitiva, mas também hegemônicas:

“Todo Estado é ético na medida em que uma de suas funções mais importantes é elevar a g r a n d e m a s s a d a p o p u l a ç ã o a u m determinado nível cultural e moral, nível (ou tipo) que corresponde às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas e, por tanto aos in teresses das c lasses dominantes. A escola como função educativa positiva e os tribunais como função educativa repressiva e negativa são as atividades estatais mais importantes nesse sentido, mas na realidade, para este fim tende uma multiplicidade de outras iniciativas e

atividades chamadas privadas, que formam o aparelho da hegemonia política e cultural das

19classes dominantes.”

Assim, a direção dos grupos dominantes não cumpre apenas a função negativa de contenção das classes subalternas, mas também organiza a vida social, podendo mesmo elevar os padrões civilizatórios. Ela se estende para a organização da atividade econômica, e, como produção do consentimento dos subalternos, exige assim que os seus interesses sejam de alguma forma levados em conta, efetivamente.

“ O f a t o d a h e g e m o n i a p r e s s u p õ e indubitavelmente que sejam levados em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida, que se forme um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico – corporativa; mas também é indubitável que tais sacrifícios e tal compromisso não podem envolver o essencial, dado que, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser também econômica, não pode deixar de ter seu fundamento na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade

20econômica.”

A teoria da hegemonia oferece pistas para a compreensão do nexo entre política e economia nas modernas formações sociais capitalistas. Em nenhum momento Gramsci adota a formulação l i b e r a l q u e , m a i s p r o g r a m á t i c a q u e analiticamente, defende a autonomização das atividades econômicas dos contextos sociais, a naturalização dos mercados ou as tendências naturais ao equilíbrio. Gramsci também não cai no erro oposto e percebe que nas modernas formações estatais, as atividades econômicas – e a economia, em Hegel e antes dele, é por excelência atividade da sociedade civil - podem também ser produtoras de hegemonia, como fica mais claro nas discussões a respeito do fordismo que veremos adiante.

Face a este novo arranjo entre estado e sociedade civil, característico do período histórico em que a hegemonia burguesa se consolida, a conclusão de Gramsci é que a estratégia política das forças antagonistas deveria transitar da “guerra manobrada” para a “guerra de posição”. A

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Revolução de 1917 foi historicamente a última possibilidade da ação súbita na conjuntura europeia, era caso especialíssimo de uma

21sociedade “atrasada” com um tipo “oriental” de relação estado – sociedade civil. Mesmo no mundo agrário da Itália meridional, também “atrasado”, não se apresentava a configuração de tipo “oriental”, mas remetia-se a um tipo diverso de relação estado – sociedade civil, com a formação de espessas camadas intermediárias, com seus intelectuais atuantes na produção do consentimento das classes subalternas. O “atraso” na Itália não havia levado à revolução, mas a um tipo peculiar de revolução burguesa ou de “modernização conservadora”, que o autor denominará de “revolução passiva”.

Apontava-se que em uma configuração mais tipicamente “ocidental”, a disputa seria prolongada e envolveria a produção de uma nova hegemonia a partir da sociedade civil, terreno no qual se instalou a própria hegemonia burguesa.

3- Hegemonia e revolução passiva

O registro no qual Gramsci desenvolve o conceito de “revolução passiva” é o das revoluções burguesas europeias e da formação dos modernos estados nacionais. O objeto privilegiado da investigação gramsciana é a unificação italiana – o Risorgimento – vista não como caso nacional isolado, mas em ligação com a política europeia e em comparação com outros casos, notadamente, a França, a Inglaterra e a Alemanha. Gramsci é especialmente crítico das interpretações que isolavam o caso italiano do contexto europeu e buscavam justificar uma espécie de sentimento nacional naturalizado. De outro lado, também recusa a interpretação croceana que separa os processos históricos da unificação italiana e da Revolução Francesa.

É a Revolução Francesa que fornece o marco interpretativo do contexto político e ideológico europeu no século dezenove. É a partir daí que se desenvolve mais amplamente o liberalismo “como concepção geral da vida e como nova forma de civilização estatal e de cultura”, no ambiente europeu e não apenas nos casos nacionais. Essas são as ideias que serão a s s i m i l a d a s p e l a b u r g u e s i a i t a l i a n a . Politicamente, a Revolução Francesa enfraqueceu a influência do Vaticano e da Igreja, que se opunha às forças “nacionais”, isto é, pró – unificação. A Revolução teria para os italianos uma importância equ iva len te à da re fo rma p ro tes tan te ,

enfraquecendo as forças do tradicionalismo. Difundiam-se os princípios burgueses do liberalismo e, com isso, historicamente abria-se caminho também para sua antítese:

“a reforma intelectual e moral (isto é, “religiosa”) de alcance popular no mundo moderno se deu em dois tempos: no primeiro, com a difusão dos princípios da Revolução Francesa, no segundo, com a difusão de uma série de conceitos extraídos da filosofia da práxis e muitas vezes contaminados com a filosofia do Iluminismo e, depois, do

22evolucionismo cientificista”

Porém, o processo italiano era diverso do francês. A questão que se colocava era saber por que o elemento popular na Itália não se fez presente com a mesma intensidade que na França? Por que a burguesia italiana não fez o movimento de “ir ao povo”, nem ideologicamente, nem com um programa econômico que incorporasse seus interesses? A revolução burguesa na Itália se faria sem que fosse ativado esse elemento popular, que o jacobinismo representou na Revolução Francesa, empurrando “a pontapés” a burguesia em direção ao aprofundamento da ruptura com o antigo regime, uma “revolução permanente” que teria sua maior expansão no período napoleônico. A revolução burguesa na França seria então o caso mais “rico de desdobramentos e de elementos

23ativos e positivos” .

No quadro comparativo formulado por Gramsci, a Inglaterra ocuparia uma posição intermediária, onde os “cabeças redondas” de Cromwell representariam com extrema energia o movimento “jacobino”. Todavia, ali teria havido uma acomodação entre o “novo” e o “velho”, entre burguesia e aristocracia, na qual a aristocracia permanece como força governamental, como “estrato intelectual” da burguesia inglesa.

Na Alemanha o processo guardaria semelhanças com o caso italiano devido às debilidades da burguesia e ao fracasso das tentativas de insurreição popular em 1848. A revolução burguesa se entrelaçava com a questão nacional (o problema da unificação e da formação do estado nacional) só encontrando solução nas guerras de 1864, 1866 e 1870 e abrindo caminho para uma aliança na qual a burguesia conquistava o poder econômico e a aristocracia feudal permanecia no comando do estado com amplos privilégios sobre a p ropr iedade rura l , no Exérc i to e na administração. Essa relação permanece durante todo o período da modernização alemã e explica-se, segundo o autor, porque:

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“a relação de classes criada pelo desenvolvimento industrial, com o alcance do limite da hegemonia burguesa e a inversão de posições das classes progressistas, induziu a burguesia a não lutar até o fim contra o velho regime, mas a deixar subsistir uma parte de sua fachada sob a qual ocultar o

24próprio domínio efetivo”

O padrão de modernização conservadora alemão daria a tônica da segunda metade do século dezenove europeu, período de arrefecimento das energias jacobinas emanadas da Revolução Francesa, o que faria do caso francês, apesar de emblemático, um caso excepcional entre as revoluções burguesas europeias. Após 1870, com a derrota imposta à Comuna de Paris, a burguesia se livraria dos elementos mais audazes dos estratos populares e consolidaria sua hegemonia e seu domínio.

O movimento de “ir ao povo” não se realizou na revolução burguesa italiana. Ali também, a chegada ao poder da burguesia estava ligada à questão nacional, a unificação da península e a formação do estado nacional. O ponto chave para a unificação foi a dissolução da influência do Vaticano, antes força cultural hegemônica na península, com uma orientação cosmopolita e refratária ao tema nacional. Já no século dezoito, a situação política havia mudado, com uma divisão na corrente religiosa tradicionalista, formando-se uma tendência laica. Ainda assim, até 1848 as forças favoráveis à unificação eram dispersas e pouco organizadas em comparação com a Igreja, ainda capaz de absorver as maiores energias, recrutar pessoal para formar um corpo dirigente e treiná-los com uma educação cosmopolita. O movimento liberal atraiu o papa Pio IX (1846 – 1878) para o campo do liberalismo desagregando o campo das forças conservadoras na sociedade, condição decisiva para o desenvolvimento de um elemento liberal – nacional. Foi nas décadas de 1850 e 1860 que se deram os movimentos decisivos para a unificação, com a afirmação da política moderada de Cavour e da Casa de Savoia, a liberação do sul, a anexação de Veneza e a tomada de Roma.

A hegemonia burguesa era conquistada a partir da direção política do partido moderado e de seu predomínio em relação ao Partido da Ação, de

Garibaldi e Mazzini. Este foi um movimento orgânico, de classe, onde a burguesia italiana conquistou sua hegemonia na sociedade antes da tomada do poder. São transformações moleculares que permitem o adensamento da nova classe dirigente e sua capacidade de direção sobre o conjunto da sociedade.

“Os moderados eram intelectuais já naturalmente “condensados” pela organicidade de suas relações com os grupos sociais de que eram a expressão (para toda uma série deles, realizava-se a identidade de representado e representante, isto é, os moderados eram uma vanguarda real, orgânica, das classes altas, porque eles mesmos pertenciam economicamente às classes al tas: eram intelectuais e organizadores políticos e, ao mesmo tempo, dir igentes de empresa, grandes agricultores ou administradores de propriedades rurais, empresários comerciais e industriais, etc.). Dada esta condensação ou concentração orgânica, os moderados exerciam uma poderosa atração, de modo

“espontâneo” sobre toda a massa de intelectuais 25de todo nível (...)”

A política dos moderados - por sua natureza “orgânica”, coetânea com o liberalismo hegemônico em seu tempo, expressão da posição das classes dominantes – dispensava então a constituição de um partido ou de um programa político organizado, pois era um polo de atração “espontâneo”. Cavour, o líder moderado no Risorgimento, tinha perfeita consciência da conqu i s t a dessa hegemonia e ope rava politicamente com desenvoltura. Os moderados dirigiram inclusive a atividade política do Partido da Ação e ampliaram continuamente o seu núcleo dirigente com a cooptação, por métodos variados, de grupos aliados e adversários, indistintamente.

O Partido da Ação não podia ter um poder análogo de atração por sua própria natureza. Eram intelectuais e dirigentes sem vínculos orgânicos de classe e nem sequer tentaram constituir esses vínculos. Garibaldi e Mazzini permaneceram com uma concepção equivocada de ação política, apostando em um tipo de “jacobinismo” que se caracterizava mais pela forma que pelo conteúdo. Foram atraídos pela política dos moderados, sem se constituir como força autônoma. Gramsci

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argumenta que para contrapor-se à ação “empírica”, contínua, molecular, dos moderados, o Partido da Ação teria que ter se constituído enquanto ator consciente de seus próprios fins, estabelecido uma ligação orgânica com as classes populares, isto é, o campesinato, condensando um programa capaz de refletir as suas reivindicações: a reforma agrária.

A recusa da questão agrária pelo Partido da Ação impede que se constitua uma força capaz de se c o n t r a p o r à h e g e m o n i a b u rg u e s a . E m consequência, não se forma uma consciência nacional – popular. A questão nacional é resolvida sem a interferência positiva de um ator capaz de representar o elemento popular, de servir como antagonista do processo molecular, espontâneo e em desenvolvimento no tempo de consolidação da hegemonia burguesa. Segundo o autor, os dirigentes do Partido da Ação

“Na verdade, jamais se puseram à prova na realidade efetiva, jamais se tornaram consciência popular – nacional difusa e atuante Entre o Partido da Ação e o Partido Moderado, qual dos dois represen tou as “ fo rças sub je t ivas” do Risorgimento? Por certo, o Partido Moderado, e precisamente porque também teve consciência da

26missão do Partido da Ação (...)”

Em outra passagem, Gramsci argumenta que a “ausência, entre as forças populares, de uma consciência da missão da outra parte as impediu de ter plena consciência da própria missão e, portanto, de pesar no equilíbrio final das forças conforme seu efetivo poder de intervenção e, finalmente, de determinar um resultado mais avançado num sentido de maior progresso e

27modernidade”

Constituir a antítese não significava assim a ruptura com o processo de unificação italiana e de formação do estado nacional. Também não significava a exacerbação de uma estratégia insurrecional popular, como religiosamente acreditou Mazzini até os seus últimos dias. A insurreição não foi precedida de uma preparação de longo fôlego, isto é, da disputa de hegemonia. Se Mazzini tivesse sido um “político realista” e não um “apóstolo iluminado”, poderia ter alterado o equilíbrio de forças e o estado italiano teria sido

formado em bases mais avançadas.

“A intervenção popular, que não foi possível na forma concentrada e simultânea da insurreição, não se verificou nem mesmo na forma “difusa” e capilar da pressão indireta, o que no entanto, era possível e talvez tivesse sido a premissa

28indispensável da primeira forma.”

O movimento mazziniano (e de Garibaldi) pode ter algum sucesso efêmero, mas não conseguiu concentrar forças que organicamente o sustentassem; permaneceu um movimento carismático que foi superado pelas forças tradicionais orgânicas, formadas há mais tempo.

Desta forma, o nacional – popular, como expressão de um ator consciente de seus fins no processo de unificação, não se constituiu. A debilidade do ator é o que permite a Gramsci falar em “revolução passiva”, ou “revolução – restauração”, processo no qual a tese não se defronta com a antítese, impedindo portanto a sua

29superação . Foi a insuficiência do ator de tipo “jacobino” que marcou a unificação italiana e possibilitou a formação do novo estado nacional com a preservação em maior grau das estruturas conservadoras.

Para que haja uma síntese dialética de tipo superação é preciso que os polos assumam integralmente sua posição e lancem na luta política “todos os seus recursos políticos e morais”. Na Itália, a tese subsumiu a antítese para não se deixar superar:

“somente a tese desenvolve todas as suas possibilidades de luta, até capturar os supostos representantes da antítese: exatamente nisso consiste a revolução passiva ou revolução –

30restauração”.

Gramsci vincula o conceito de revolução passiva ao Prefácio de 1859 de Marx argumentando que a preparação “política e moral”, ideológica, a disputa de hegemonia, servem para criar as condições de superação do velho regime, ao mesmo tempo em que ele se desenvolve e esgota

31seu ciclo progressista . Assim, uma consciência realista deveria atuar em favor de equilíbrios cada vez mais progressistas e simultaneamente afirmar-se como força da antítese, isto é, de

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ARTIGO - FELIPE MAIA G. DA SILVA

contestação da ordem existente e preparação orgânica e programática de uma sociedade nova.

O conceito de revolução passiva não deve, então, ser lido como programa, mas como critério de interpretação. Gramsci não propõe a adoção da revolução passiva como modus operandi das forças de transformação na sociedade moderna, mas sugere que a consciência, isto é, a interpretação criteriosa e realista dos processos históricos (inclusive os de revolução passiva, que ele via em curso) é condição determinante para as possibilidades de ação política. Sua concepção é dialética: postula uma “antítese vigorosa” como programaticamente necessária e exige que se apresentem todas as possibilidades de sua explicitação.

“Portanto, não teoria da revolução passiva como programa, como foi nos liberais italianos do Risorgimento, mas como critério de interpretação, na ausência de outros elementos ativos de modo dominante (Portanto luta contra o morfinismo político que exala de Croce e de seu historicismo.) (Parece que a teoria da revolução passiva é um corolário crítico necessário do “Prefácio” à

32Contribuição à crítica da economia política).”

4- Hegemonia, revolução passiva e a mudança epocal do capitalismo

Se Gramsci já havia recusado o ângulo analítico puramente nacional nos textos sobre o Risorgimento e adotado uma sociologia histórica comparada das revoluções burguesas, a crise do capitalismo em 1929 o levava mais fortemente para o plano internacional. A análise se aproxima ainda mais dos textos e dos temas característicos de Marx, a economia política e os desdobramentos do desenvolvimento do capitalismo enquanto modo de produção, a constituição de “mercados determinados”, a lei tendencial da queda da taxa de lucro, a racionalização técnica. Mas voltar-se para o movimento próprio das estruturas não significava adotar uma posição economicista ou qualquer tipo de mecanicismo fatalista. É a teoria da hegemonia que preside a investigação gramsciana, recolocando a dialética entre estrutura e superestrutura no centro do raciocínio do autor. Não é à toa então o incômodo que esses

textos causaram em autores que viram equivocadamente Gramsci como um “teórico das superestruturas”.

Gramsci vê a crise de 1929 como uma mudança de 33

época no capitalismo . Trata-se da crise do liberalismo de tipo “laissez faire” característico do s é c u l o d e z e n o v e , c o m s u a c r e n ç a n o individualismo econômico e no que Karl Polanyi chamou de a “utopia do mercado autorregulado”, com seu corolário de políticas de liberismo no comércio exterior e de rigidez no sistema monetário. Esta época, marcada pela hegemonia inglesa no plano internacional, vinha sendo desafiada por um conjunto complexo de transformações, dentre as quais os processos de concentração financeira, de oligopolização e de concorrência interimperialista, que por sua vez recolocava os es tados nac ionais como instrumento de competição econômica.

Se por um lado o desenvolvimento do capitalismo pode ser lido como “crise contínua”, havia naquela conjuntura a intensificação de fatores de ordem variada que levaram a uma necessidade de mudanças qualitativas. Em linhas gerais, Gramsci interpreta a crise a partir de duas formulações. A primeira de que era uma crise ligada aos sistemas produtivos, aos desequilíbrios provocados pela intensa transformação na composição orgânica do capital, o que nos remete ao tema da lei tendencial da queda da taxa de lucro. A segunda dizia respeito a uma contradição fundamental entre o plano do político e o da economia, “enquanto a vida econômica tem como premissa necessária o internacionalismo, ou melhor, o cosmopolitismo, a vida estatal se desenvolveu cada vez mais no

34sentido do “nacionalismo”, da autossuficiência.”

Coerente com sua rejeição do raciocínio economicista Gramsci não se somou às visões “catastrofistas” de que 1929 tratava-se de uma crise terminal do capitalismo. Ao contrário, havia respostas que se colocavam em curso e importava conhecer o significado que elas poderiam vir a ter em um cenário novo. Esta parece ser a motivação que liga os estudos sobre Americanismo e fordismo com a temática política da luta antifascista. O tema já constava do primeiro esboço de programa de estudos elaborado por Gramsci na prisão e há notas significativas já no

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Caderno 1 sobre ele. Essas notas seriam reunidas e aprofundadas no Caderno 22, escrito durante o ano de 1934. A geografia gramsciana conhece aí uma mudança, deixando em segundo plano a distinção entre ocidente e oriente e investindo na comparação entre a formação social americana e a europeia.

Nesta nova geografia o tema da racionalização da estrutura social é distintivo. A América encontrava-se melhor posicionada para lidar com as novas exigências do modo de produção capitalista por possuir uma estrutura mais racionalizada, na qual as classes sociais estavam mais diretamente ligadas às tarefas da produção, o que permitia uma melhor utilização dos fatores p rodu t ivos . A Amér ica hav ia receb ido “naturalmente” uma estrutura demográfica racionalizada, livre de todo um conjunto de “sedimentações passivas” presentes nas antigas sociedades europeias, que contavam com significativos contingentes populacionais não participantes das tarefas produtivas, como a aristocracia, os numerosos funcionários públicos ou proprietários de terras que viviam nas cidades do arrendamento destas aos camponeses De floração nova, o capitalismo norte-americano havia conhecido um desenvolvimento mais “livre” no sentido de livre do peso da influência da sociedade do antigo regime.

Pode-se ver aí um tipo de hegemonia burguesa que enfrenta menor resistência das velhas categorias sociais (a aristocracia e seus intelectuais, desligados de funções na produção). O intelectual típico do mundo americano não é o literato, nem o humanista, mas o técnico, cujas funções estão diretamente ligadas à organização do aparelho produtivo. Já o mundo agrário americano não é o l u g a r d o c a m p o n ê s , m a s d o f a r m e r , recondicionando a relação campo – cidade sob hegemonia da burguesia urbana e não de uma aristocracia rural.

Gramsci via o americanismo como uma resposta à lei tendencial da queda da taxa de lucros. A inovação técn ica in t roduz ia mudanças progressistas no sistema econômico, permitia um desenvolvimento molecular capaz de garantir a

35reprodução do modo de produção . O operário especializado, com educação técnica superior,

integrado em um trabalho cada vez mais coletivo, com maquinário apropriado, conseguiria níveis de produtividade mais altos. A elevação dos salários favorecia por sua vez a ampliação do mercado. Os elementos de programação econômica (e planejamento) ao nível da fábrica eram valorizados. Também iam nesse sentido as intervenções, por certo coercitivas, na vida dos trabalhadores fora da fábrica, o “proibicionismo” do álcool, a “questão sexual”, que Gramsci não deixa de ver como intervenções de ordem moral capazes de elevar tanto a capacidade útil do trabalho quanto o nível de vida do trabalhador.

O americanismo correspondia, do ponto de vista da análise da crise de 29, a uma necessidade imanente de se chegar a uma economia programática, superando os limites do velho individualismo econômico do liberalismo econômico clássico. É nestes sentido que coloca-se a possibilidade da sua universalização. Que se coloca um problema para as sociedades europeias, cuja estrutura social não corresponde à americana, mas que necessitam buscar elementos de

36“economia programática” . Nesse sentido, os significados desta expressão serão distintos na nova geografia gramsciana.

Como comparar então o americanismo com as respostas produzidas na periferia? O fascismo foi interpretado por Gramsci à luz dos conceitos de cesarismo e de revolução passiva. Em uma primeira formulação, privilegiando o ângulo mais especificamente nacional, Gramsci sugere o fascismo como “cesarismo”, isto é, como resultado de uma crise estrutural de longa duração que, em uma condição de equilíbrio de forças sociais em luta, exigiria uma arbitragem carismática ou de força. O conceito assemelhava-se ao “bonapartismo” de Marx, mas colocava-se de forma ainda mais dramática, devido à sua característica histórica, isto é, de um tempo em que a questão do socialismo está presente de forma real e o proletariado aparece como ameaça efetiva ao poder burguês. Daí um arranjo apoiado nas grandes burocracias a serviço do estado e o caráter repressivo e coercitivo do fascismo.

Deslocando sutilmente o plano de análise para a crise do capitalismo, Gramsci desenvolve outra sugestão, que pode ser vis ta de forma

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complementar e não antagônica à primeira. O fascismo como “revolução passiva” indicava a tentativa de introduzir por uma via estatal os métodos e as técnicas de racionalização da produção, isto é, “desenvolver as forças produtivas da indústria sob a direção das classes

37dirigentes tradicionais” . Gramsci apontava aqui um aspecto econômico “positivo”, mas assinalava ao mesmo tempo o limite do fascismo, razão da impossibilidade de sua permanência, pois estender os processos de racionalização significaria realizar a reforma agrária, a reforma da dispendiosa estrutura estatal e a incorporação da classe operária. Significaria também de alguma forma, incorporar o campesinato e o operariado na formação do mercado interno, um arranjo “nac ional – popular” , mas o fasc ismo representava um outro projeto nacional, de

38“imperialismo econômico” , uma expansão voltada para a conquista de mercados fora do território italiano. Em outra passagem, diz o autor:

“(...) a introdução do fordismo encontra tantas resistências intelectuais e morais e ocorre sob formas particularmente brutais e insidiosas, através da mais extremada coerção. A Europa quer fazer a omelete sem quebrar os ovos, ou seja, quer todos os benefícios que o fordismo produz no poder de concorrência, mas conservando seu

39exercito de parasitas (...)”

Que significa isso senão a ideia de que na América a estrutura social estaria mais funcionalmente adaptada ao modo de produção capitalista? Ou, dito em outra linguagem, que havia ali uma hegemonia mais tipicamente burguesa em contraposição às formas intermediárias, compostas, a exigir uma intermediação superestrutural das relações de classe, presentes nos países europeus. Na América, a hegemonia burguesa poderia se dar mais diretamente no plano da estrutura, por sua capacidade de direção na organização das at ividades produt ivas , necessitando ao mínimo do desenvolvimento superestrutural. O fordismo se apresentava como método superior de organização da produção, não só pelo seu aspecto técnico, mas também por seu aspecto “civilizacional” (civiltá), de organização da vida social, de reforma moral, de elevação do padrão de vida operário. É assim que se pode admitir que na América, “a hegemonia nasce na

40fábrica” , ou seja, no plano da estrutura, necessitando-se muito pouco de recobri-la com um portentoso aparato superestrutural, com a hipertrofia do estado, com seus numerosos e dispendiosos funcionários públicos por exemplo.

Esta construção tem uma implicação teórica importante, pois abre a possibilidade de que a hegemonia seja construída no terreno da estrutura. Isso reforça nossa convicção de que Gramsci não deve ser lido como “teórico da superestrutura” ou que sua obra tenha deslocado o marxismo para este campo. Todavia, pelo que já vimos, Gramsci não poderia se encerrar em uma formulação que admitisse um movimento “cego” das estruturas, sendo necessário reconstruir o tema da unidade ou do “bloco histórico” entre os dois níveis de análise.

O americanismo e o fordismo se apresentavam como uma resposta à crise do capitalismo, davam sem dúvida uma sobrevida ao capitalismo renovando as formas de acumulação. É racional neste sentido, e é daí também que vêm as suas possibilidades de universalização. Todavia, o fordismo não era capaz de aniquilar as capacidades subjetivas dos trabalhadores, o

41“gorila amestrado” ainda é homem , e mais, deslocava a tarefa da produção do plano do indivíduo para a constituição de um verdadeiro “homem coletivo”. O fordismo aproximava no terreno da fábrica o operário dos intelectuais, unidos por uma mesma função social, a organização da produção. Possibilitava, em suma, o domínio consciente das estruturas pelos seus portadores sociais diretos. A disputa da hegemonia envolvia então a afirmação da fábrica como produtora de bens concretos em lugar da geração de lucros.

“A exigência técnica pode ser concretamente concebida não só como algo separado dos interesses da classe dominante, mas como algo unido aos interesses da classe ainda subalterna (…) O “trabalhador coletivo” compreende essa sua condição, e não só em cada fábrica tomada isoladamente, mas em esferas mais amplas da divisão do trabalho nacional e internacional; e esta consciência adquirida tem uma manifestação externa, política, precisamente nos organismos que representam a fábrica como produtora de

42objetos reais e não de lucro”

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A sugestão de Gramsci é que o americanismo poderia ser lido como uma modalidade de “revolução passiva”, de transformações moleculares ao n íve l da es t ru tura que possibilitavam a superação, nos marcos do capitalismo, da crise do liberalismo de tipo “laissez faire”. Abria-se a partir daí uma época nova, na qual a programação econômica respondia a necessidades imanentes da organização do modo de produção. O fascismo é também visto como “revolução passiva”, como tentativa de introdução de fins americanos porém por vias diversas. Enquanto na América, havia uma combinação singular de medidas coercitivas (sobretudo sobre a gestão do tempo livre da classe operária) com outras persuasivas (os “altos salários”), o fascismo revelava-se dependente das medidas repressivas. Dependia da formação de um aparato estatal pesado, que tentava introduzir “por cima” os métodos de programação econômica à sociedade, daí a dificuldade do fascismo de produzir “hegemonia”, daí igualmente sua reduzida possibilidade de universalização.

5- A política, a democracia e o socialismo

A recusa de uma visão “catastrofista” é decisiva para a compreensão do pensamento de Gramsci. A análise histórica e da conjuntura apontava para uma época de revoluções pass ivas , de transformações intensas e moleculares nas relações de produção sem que o capitalismo estivesse à beira de um colapso iminente. O per íodo c láss ico da predominância do individualismo econômico chegava ao fim por

43uma necessidade imanente do próprio sistema . A programação econômica e a regulação eram as respostas encontradas, variando a forma de implantação em função dos casos nacionais.

Este cenário de revoluções passivas em andamento sugeria que a disputa da hegemonia se daria no tempo prolongado da “guerra de posição”, isto é, da preparação de uma nova “estatalidade” capaz de emergir como alternativa às relações dominantes. Tirar consequência da proposição da revolução passiva como “critério de interpretação” e não como “programa”, estaria a exigir a constituição de um “ator” capaz de desempenhar com suas máximas energias e com

consciência de sua missão, o papel da antítese, impedindo a reiteração de uma dialética sem síntese, na qual a tese subsume a antítese e evita sua superação.

O problema do “ator” é central na concepção gramsciana da política. A política como atividade criadora depende da constituição de um ator robusto, consciente de seus próprios fins. Do contrário, são protagonistas os fatos, o movimento cego das estruturas. Entretanto, a perspectiva do ator em Gramsci é destituída de qualquer voluntarismo. Para Gramsci a política não é simplesmente “paixão” como sugeriam os idealistas italianos. A política é uma mediação necessária à atividade dos homens, que se relaciona ao domínio consciente das relações materiais. O realismo político e o domínio dos quadros de relações de força sugerem que cabe ao ator a busca de equilíbrios cada vez mais progressistas, sustentando a constituição, ainda que prolongada no tempo, de um programa antitético à conservação.

Este “ator” não poderia ser assim, como na obra clássica de Maquiavel, um indivíduo dotado de virtude para explorar as contingências da fortuna. O “Príncipe moderno” não é expressão do indivíduo, mas dos vínculos orgânicos realmente construídos entre eles. É por esta via, que Gramsci chega às funções do moderno partido político, o ator por excelência da política sugerida nos Cadernos. É o partido que pode permitir a superação do momento econômico – corporativo, representado pelos sindicatos, diretamente vinculados às profissões, expressão de seu interesse imediato. Remete-se então ao problema da hegemonia como construção programática capaz de reconhecer interesses imediatos diversos e combiná-los politicamente.

Na disputa prolongada pela construção de uma nova hegemonia é o tema da democracia que torna-se central. As referências de Gramsci a ele nos Cadernos não são abundantes, mas são decisivas. A democracia remete à possibilidade de troca de hegemonia:

“Entre os muitos significados de democracia, parece-me que o mais realista e concreto se possa deduzir em conexão com o conceito de

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hegemonia. No sistema hegemônico, existe democracia entre o grupo dirigente e os grupos dirigidos na medida em que o desenvolvimento da economia e, por conseguinte, a legislação que expressa este desenvolvimento favorecem a passagem molecular dos grupos dirigidos para o

44grupo dirigente.”

O tema da democracia quando aparece explicitamente vinculado ao da hegemonia revela o sentido da política como criação de um novo consenso, uma nova vontade, que no mundo moderno, pelo que já vimos, deve emergir do domínio consciente dos portadores diretos das forças produtivas, mas não como identidade corporativa e sim como “hegemonia”, isto é, como superação do interesse particular e conformação de um interesse geral, digamos, público.

A democracia não é assim vista de forma meramente “instrumental” para a “tomada do poder” ou para a instalação de uma ditadura coerciva de classe. O processo longo de democratização, mesmo quando transcorrido sob o signo das revoluções passivas, interessa fundamentalmente às classes subalternas. Dito de outra forma, o aprofundamento da democracia – quer a democracia “social” ou a “política” - é o que pode possibilitar a conformação de uma nova vontade, um novo consenso, uma nova hegemonia. A condição para tanto é que o ator seja fiel a si mesmo, empenhe na luta política todas as suas forças, domine analiticamente as suas possibilidades e atue em torno da construção de mudanças mais profundas.

É certo que enquanto houver estado haverá coerção, ou na linha dos textos clássicos de Marx, enquanto houver classes, haverá coerção, porém, o sentido da reflexão gramsciana é o do esgotamento progressivo das funções coercitivas e a afirmação dos elementos mais ativos da “sociedade regulada”, como Gramsci refere-se

45por alusão ao socialismo nos Cadernos . A perspectiva última não é então diferente dos clássicos do marxismo que apontaram para o fim do estado como objetivo programático do comunismo.

6 – Notas finais

Não pretendemos nesta apresentação esgotar o exame do conjunto complexo de temas presente na obra de Gramsci, nem mesmo oferecer uma interpretação inovadora sobre os conceitos e temas do autor. A intenção foi oferecer uma introdução crítica ao pensamento de Gramsci, valendo-se sobretudo dos escritos do próprio e eventualmente de parte da bibliografia crítica. O uso da bibliografia crítica gramsciana é ainda bastante sujeito a escolhas pessoais e critérios interpretativos, já que ela é volumosa e polêmica. É provável que pesem aí as circunstâncias próprias em que a obra foi escrita. A parte principal da obra de Gramsci que conhecemos não foi preparada para publicação, pois trata-se dos cadernos escritos na prisão. Se tivesse sobrevivido ao cárcere, é provável que o autor tivesse separado o material que gostaria de publicar e dado a ele uma forma distinta. Mas este é um problema que obviamente não se poderá resolver. Caberá aos intérpretes fazer uso criativo do pensamento de Gramsci.

Assim, esta apresentação não se encerra de forma “conclusiva”. Propomos que a leitura e o estudo de Gramsci devem ser coligidos com os desafios e os fardos do tempo histórico, e que podemos buscar no autor uma fonte sempre rica de hipóteses para o desenvolvimento de um marxismo não dogmático. Gramsci talvez tenha sido entre os pensadores de sua geração o que mais intuiu o sentido das transformações por que passava o mundo nas primeiras décadas do século vinte. Ele todavia não chegou a vivê-las, e foram tantas e tais as mudanças por que passaram os sistemas políticos, sociais e econômicos, que a obra de Gramsci, para continuar viva, deve ser atualizada à luz das questões do presente. O que ela possui de permanente vem certamente da qualidade das reflexões propostas, dos diálogos estabelecidos com um campo vasto e relevante de interlocutores e do sentido que Gramsci procurou imprimir à sua obra, um pensamento não dogmático, realista e comprometido com a superação do capitalismo.

NOTAS

1- Sociólogo, doutorando em Sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP – UERJ) e professor da Fundação CEPERJ.

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ARTIGO - FELIPE MAIA G. DA SILVA

2 - Sobre a biografia de Gramsci, ver Fiori, Giuseppe. A vida de Antonio Gramsci. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. 3 - Marx, K. “Prefácio” in: ____. Contribuição à crítica da economia política. 2a. Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1983. 4 - Gramsci, A. “Cadernos do Cárcere”, 6 volumes, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999 – 2002, Caderno 15, Nota § 17, página 321, volume 5. Doravante, quando se tratar de textos dos Cadernos, utilizaremos sempre a indicação do respectivo Caderno ( C), da numeração original da nota (§), bem como da página e do volume segundo a edição brasileira supra citada. 5 - Gramsci, op. cit. C10 §40, p. 369, v. 1. 6 - C.f. Gramsci, op. cit. C 7 § 24, p. 238 – 239, v. 1. 7 - Ver Gramsci, op. cit. C10 § 12, p. 305 – 306, v.1. 8 - Ver Gramsci, op. cit. C10 § 41, p. 389, v.1. 9 - Gramsci, op. cit. C10 § 41, p. 370, v. 1. 10 - Hall, Stuart. “A relevância de Gramsci para o estudo de raça e etnicidade” in: ___. “Da diáspora”. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

11 - Sobre este tema ver Werneck Vianna, L. “O ator e os fatos: a revolução passiva e o americanismo em Gramsci” in: ___. A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil. 2a. Edição. Rio de Janeiro: Revan, 2004.

12 - Gramsci, op. cit. C13 § 17, p. 40, v. 3. 13 - Idem. 14 - Gramsci, op. cit. C13 § 14, p. 33 – 34, v. 3. 15 - Gramsci, A. “Algumas notas sobre a questão meridional” in: ____. Escritos políticos, v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. 16 - Gramsci, Cadernos C7 § 16, p. 262, v. 3. 17 - Gramsci, op. cit. C13 § 18, p. 47, v. 3. 18 - Marx, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.

19 - Gramsci, op. cit. C8 § 179, p. 284, v. 3.

20 - Gramsci, op. cit. C13 §18, p. 48, v. 3.

21 - O termo vem aqui entre aspas porque a noção de “atraso” implica necessariamente em uma visão relacional. Diz-se que a Rússia era “atrasada” em relação aos países da Europa ocidental que haviam passado pelos processos de modernização política e econômica que emergiram com as revoluções burguesas e com a revolução industrial. Modernização que a p rópr i a Rúss i a buscava - a inda que conflituosamente - internalizar. Desta forma esperamos evitar leituras que naturalizem o termo, comumente utilizado, e em sentidos diversos, no contexto dos debates aqui evocados.

22 - Gramsci, op. cit. C19 § 5, p. 39, v. 5.

23 - Gramsci, op. cit. C19 § 24, p. 84, v. 5.

24 - Gramsci, op. cit. C19 § 24, p. 85, v. 5.

25 - Gramsci, op. cit. C19 § 24, p. 64, v. 5.

26 - Gramsci, op. cit. C15§25, p. 323, v. 5.

27 - Gramsci, op. cit. C15 §15, p. 321, v. 5.

28 - Gramsci, op. cit. C15 §11, p. 319, v. 5. 29 - Ver Werneck Vianna, op. cit. 30 - Gramsci, op. cit. C15 § 11, p. 318, v. 5. 31 - Ver Gramsci, op. cit. C15 §17, p. 321 – 322, v. 5. 32 - Gramsci, op. cit. C15 § 62, p. 332, v. 5. 33 - Retomo nesta seção alguns temas que desenvolvi em outro artigo. Ver Maia, Felipe. “Gramsci e o americanismo”. Fundação Maurício Grabois, 2011. Disponível em: www.grabois.org.br. 34 - Gramsci, op. cit. C15, § 5, p. 317 – 318, v. 4. 35 - São especialmente importantes as notas § 36 (p. 351, v.1) e § 41- VII (p. 380, v.1), constantes no Caderno 10, nas quais o autor descreve o fordismo como resposta à lei tendencial de queda da taxa de lucros, mostrando como os altos investimentos em máquinas e em salários estavam ligados a inovações técnicas e à racionalização produtiva, que juntos possibilitavam lucros extraordinários de monopólio à indústria fordista. 36 - Ver Gramsci op. cit. C22, § 15, p. 279, v. 4. 37 - Gramsci, op. cit. C10, §9, p. 299, v.1.

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39ARTIGO - FELIPE MAIA G. DA SILVA

38 - Ver Gramsci, op. cit. C6, § 135, p. 305, v.4. 39 - Gramsci, op. cit. C22, §2, p.242 – 243, v. 4. 40 - Gramsci, op. cit. C22, §2, p. 247 – 248, v. 4.

41 - Ver Gramsci, op. cit. C22 §12, p. 272, v. 4 42 - Gramsci op. cit. C9, § 67, p. 313, v. 4.

43 - É essa consciência de uma mudança epocal, ou de

uma “grande transformação”, que permitiu aproximar a

interpretação de Gramsci da de Karl Polanyi. 44 - Gramsci, op. Cit. C8, § 191, p. 287, v. 3.

45 - A referência principal ao tema nos Cadernos está na nota C6, §88, p. 245, v. 3.

Dialética, v. 5, n. 5, p. 39, Mar/2014

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Dialética, v. 5, n. 5, p. 40, Mar/2014

40ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

ACERCA DO CONCEITO DE HEGEMONIA E O DEBATE SOBRE A CONTRA-HEGEMONIA.

SANDRO ROBERTO SANTA BÁRBARA

Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia,

Cientista Político e professor de Ciência Política e de Sociologia na

Universidade do Estado da Bahia e na Universidade Católica do

Salvador/[email protected].

RESUMO:

Este tão interpretado conceito já povoou corações e mentes de homens e

mulheres mundo das Ciências Humanas afora. Constitui-se em um dos mais

revisados e debatidos conceitos explorados pelos campos científicos da Ciência

Política, História, Sociologia e Relações Internacionais. Ainda assim, a

necessidade de resgatar o debate acerca deste conceito mostra-se sempre

recorrente uma vez que confusões foram criadas em torno de interpretações

igualmente confusas. Etmologicamente a palavra hegemonia origina-se do

grego HEGEMÓN traduzindo–se por direção, controle, dominação. No campo da

literatura da Teoria Política Marxista observa-se, de um lado, um esmerilho no

que toca a atenta tarefa de aprofundar o debate sem macular a construção

teórica deste conceito com pseudoanálises, de outro, observa-se a ausência

deste esmerilho.

PALAVRAS CHAVE:

Hegemonia, contra-hegemonia, trabalho, sociedade civil.

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ARTIGO - SANDRO ROBERTO SANTA BARBARA

A questão da Sociedade Civil em Gramsci.

A apresentação de Antonio Gramsci como tão

somente um pensador que teve a coragem de rever

alguns conceitos marxistas caros à sua geração – a

saber: a ditadura do proletariado entre eles – pode

não nos apresentar, por outro lado, o verdadeiro

lugar deste homem da Sardenha na literatura

marxista. O de marxista que foi além da

reprodução dos conceitos desta linha teórica e

ideológica e que redimensionou a maneira de

interpretar e compreender o mundo que

desejavam mudar.

Deste modo, recomenda-se que a concepção de

Sociedade Civil em Gramsci não trafegue o lugar

comum de retrospectiva conceitual, mas que

delineie a partir desta retrospectiva o ponto de

conexão entre as possíveis variáveis construídas

nas interpretações feitas pelos autores ao longo

dos séculos.

Todavia, a retrospectiva deste trabalho não

abraçará a vasta literatura da Ciência Política

sobre o conceito de Sociedade Civil. O objetivo do

presente é dar conta das abordagens de alguns

autores que são reconhecidos como referências

quando o assunto é compreender algumas

c a t e g o r i a s m a r x i a n a s b r i l h a n t e m e n t e

reconstruídas por Gramsci.

Em se tratando de empreitada nada fácil, o

caminho mais adequado é seguir o roteiro de

avaliar as categorias que versam sobre os

conceitos de hegemonia, Estado, Sociedade

Política e Sociedade Civil.

Na medida em que o trabalho desenvolva o

necessário aprofundamento das questões

pontuadas no último parágrafo, é pertinente

colocar que não se objetiva buscar uma única

verdade, pois este entendimento nos conduziria a

uma razão totalitária e hermética. Intenta-se, com

a abordagem dos autores já citados, indicar os

caminhos eleitos ou encontrados por Gramsci na

sua tentativa de contribuir com os revolucionários

de sua época. E, deste modo, tentar lançar algumas

luzes sobre as possibilidades de compreensão das

sociedades contemporâneas.

Ao iniciar este debate é válido refletir sobre uma

avaliação comum entre Coutinho e Bobbio no que

tange o revestimento social que, de maneira

significativa, caracteriza o conceito sobre

Sociedade Civil. Mais, os autores dão conta da

importância do Estado e de como compreendê-lo

na teoria política gramsciana.

Polemizando, o resgate da gênese do Estado como

o lugar da divisão da sociedade de classe e em

c l a s s e r e v e l a - n o s u m d o s p r i m e i r o s

questionamentos de Gramsci sobre quais os

artifícios utilizados pela classe, ou classes, no

poder para, assim, conservar e reproduzir tal

divisão e, por conseqüência, a hegemonia política,

econômica e cultural.

Sobre o conceito de Estado e o conceito de

hegemonia.

O Estado em Gramsci nos revela, em primeira

mão, uma contribuição intelectual valorosa, entre

outras, no seio da literatura marxista de então. A

referência aqui não é ao Estado enquanto uma

instância de poder político, observação já feita nos

primórdios dos estudos de Marx e Engels. Mas,

sim o de atribuir à Sociedade Política (Estado) o

papel de espaço onde se realizam as articulações e

engendragens que a sustentam como monopólio

de segmentos ou classes hegemônicas.

Esta contribuição nos remete aos exaustivos

questionamentos feitos à categoria marxiana

“ d i t a d u r a d o p r o l e t a r i a d o ” e q u e f o i

redimensionada por Gramsci. Redimensionada no

sentido de não vislumbrá-la como tão somente o

único instrumento para alcançar o poder, e, sim a

oportunidade de construir - por dentro e a partir da

experiência operária como classe oprimida - as

possibilidades políticas que objetivem a

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ARTIGO - SANDRO ROBERTO SANTA BARBARA

elaboração de um projeto contra-hegemônico.

O Estado aqui, tido como o lugar onde estão concentrados institucionalmente os aparelhos repressivos, identificados na figura das forças armadas, do governo e do sistema judiciário entre outros. Enquanto o lugar ocupado pela Sociedade Civil, caracteriza-se pela presença de organismos “privados” tais como escolas, igrejas e empresas (SEMERARO, 1999).

Gramsci desvencilha-se da ortodoxia teórica ao propor um novo tipo de olhar sobre a figura do Estado não só a partir de uma abordagem que o compreendia como oriundo da utilização da força, mas, também como sendo originado pela cultura política que dicotomiza e faz confrontar os espaços do Estado (Sociedade Política) com os espaços da Sociedade Civil, debate que é, oportunamente, resgatado por Norberto Bobbio.

Vale salientar que além de instigante, esta acepção teórica elaborada por Bobbio, cumpriu - e ainda cumpre - o papel de investigar a essência e a p r e d o m i n â n c i a d o E s t a d o n o m u n d o contemporâneo. E com precisão, o abismo entre a estrutura que governa (Estado) e a estrutura que é governada e que é reivindicadora dos seus direitos (Sociedade Civil) é identificado através de lacunas que preencheram a primeira e a segunda estrutura.

É difícil encontrar em Bobbio lacunas que ponham em cheque a sua linha teórica sobre a existência do Estado. Ainda mais quando a questão trata da sua proximidade conceitual com Antonio Gramsci no que diz respeito ao elemento cultural na formação da sociedade capitalista contemporânea. Neste particular, há de se identificar um outro tipo de proximidade entre Bobbio e Coutinho acerca do referido autor sardo:

A filosofia política de Gramsci destaca a importância da organização da Sociedade Civil para a mudança da Sociedade Política, num plano onde há táticas e estratégias denominadas guerra de posição e guerra de movimento. Trata-se de organizar a Sociedade Civil para democratizar o Estado e seus aparelhos (a Sociedade Política). Ela não se contrapõe ao Estado, mas é uma de suas partes constitutivas, junto com a Sociedade Política. A Sociedade Civil é uma esfera do ser

social, diz Coutinho (1999), uma arena privilegiada da luta pela hegemonia e pela conquista do poder político (GOHN, 2005).

Ponto. Porém, Coutinho (1999), tecendo considerações ao conceito de Sociedade de Civil em Gramsci e em Marx, a partir de Bobbio, faz a seguinte consideração:

Independentemente de seus méri tos filológicos, porém, a análise de Bobbio me parece conduzir a falsas conclusões teóricas. O pensador italiano indica corretamente uma diferença essencial entre dois conceitos de Sociedade Civil em Gramsci e em Marx enquanto Marx identifica Sociedade Civil com base material, com infra-estrutura econômica, “a Sociedade Civil em Gramsci não pertence ao momento da estrutura, mas ao da superestrutura”. Mas, a partir daí, Bobbio chega a uma falsa conclusão: como em Marx a Sociedade Civil (a base econômica) era fator ontologicamente primário na explicação da história, Bobbio parece supor que a alteração efetuada por Gramsci o leve a retirar da infra-estrutura essa c e n t r a l i d a d e o n t o l ó g i c a - g e n é t i c a , explicativa, para atribuí-la a um elemento da superestrutura, precisamente à Sociedade Civil (COUTINHO, 1999).

Neste momento é interessante um breve parêntese. Na evolução da teoria marxista – e marxiana - Marx, Lênin e Gramsci são apresentados nesta ordem. Muito embora a mesma não queira apresentar a “superioridade” de um autor sobre o seu predecessor, por outro lado, ela atesta o desenvolvimento intelectual aguçado de marxistas como Rosa Luxemburgo e Lúkacs. Além disto, esta geração de marxistas conflagrou a necessidade de rever e redimensionar a teoria (e prática) política revolucionária proposta por Marx e Engels desde o Manifesto Comunista.

No período pós-Marx, Gramsci, além de Lênin, “assumiu” a condição de pensador que repensaria as categorias analíticas lançadas décadas antes. É por este caminho que Lênin afirmou que a existência do famoso contraponto burguesia X operário estava amparado, respectivamente, por uma ideologia burguesa e por uma ideologia

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operária. Ponto sobre o qual Gramsci lançou um novo olhar, uma nova interpretação.

Este novo olhar surgiu por conta de uma pergunta angustiante que dominava completamente o ideário do autor italiano nos anos seguintes à Revolução Russa: por que a revolução socialista não ocorreu, também, na Itália? Em ato continuo, tomou forma a estrutura analítica de observar os conflitos de classes não só como nascidos da base material de poder, mas, também, como produto de questões culturais arraigadas e que sutilmente escondiam as reais relações sociais de poder do proletariado com a burguesia.

Inclusive, Gramsci compreendia o marxismo como uma teoria política radical e com influência de um historicismo marcante (LOWY,). Continuando nesta assertiva, é Michel Lowy que também afirma que o historicismo pode ser compreendido como “uma concepção para a qual t odos o s p rodu tos da v ida soc i a l s ão historicamente limitados”. Do que podemos inferir que as visões sociais de mundo são tratadas como produtos sociais.

Todavia, ao colocarmos os produtos da vida em sociedade como historicamente limitados podemos incorrer num erro: o de que a história tem um fim. A interpretação mais interessante a ser f e i t a é a d e o b s e r v a r o p r o c e s s o d e desenvolvimento e de transformação das ações históricas dos homens e os fatos que delas são gerados. O trecho a seguir – no que tange à ideologia e às utopias - é revelador quanto ao movimento de autores e autoras marxistas que já buscavam caminhos analíticos não tão ortodoxos:

Todas elas têm que ser analisadas em sua historicidade, no seu desenvolvimento histórico, na sua transformação histórica... Uma vez que não existem princípios eternos, nem verdades absolutas, todas as teorias, doutrinas e interpretações da realidade, têm que ser vistas na sua limitação histórica... Nessa concepção radical da história, da transitoriedade de todos os fenômenos sociais, o próprio marxismo tem que aplicar a si próprio esse principio, tem que considerar a si mesmo em sua transitoriedade (LOWY).

Deste modo, o Estado é analisado como um

produto socialmente construído ao sabor de fenômenos sociais dos mais variados. Fenômenos sociais caracterizados por conflitos que se desdobraram, por sua vez e ao cabo dos mesmos, em novas realidades políticas, sociais, culturais e econômicas.

É no interior destas novas realidades que podemos encontrar o escopo do processo de hegemonia. Hegemonia que fundamenta e torna legitima, culturalmente, as ações estatais. Hegemonia não perceptível diretamente, mas, que se faz presente nas ações dos que dirigem e dos que são dirigidos.

A origem da palavra remonta-se ao grego gegemoniya, e no inicio do século XX já era, esgarçadamente, utilizada pelo movimento socialista europeu, em especial entre os russos (SECCO). Nesta acepção indica-nos direção ou se quisermos, condução ou ainda, ditadura. Entre controvérsias e polêmicas, o conceito revestiu-se, na análise gramsciana, como a contribuição mais i m p o r t a n t e d e G r a m s c i a o m a r x i s m o (MACCIOCHI). Isto aceito, devemos interpretar que Gramsci quis substituir a expressão ditadura do proletariado por hegemonia do proletariado?

Obviamente que não se tratou de uma simples troca de expressões e palavras, mas sim do redimensionamento do conceito elaborado por Marx. E mais do que redimensionar, Gramsci foi além da interpretação da ortodoxia marxista que acabou por cimentar a discussão travada por Marx e Engels na Ideologia Alemã.

Quando colocados lado a lado, conceitos como práx is e di tadura do pro le tar iado , se compreendidos através da observação teórica marxiana, poderemos apreciar a práxis, em primeiro lugar, como o momento da experiência acumulada e utilizada pelos operários quando não estão mais sob a alienação. E o conceito de ditadura do proletariado como o instante de colocar em prática toda a experiência de classe acumulada, só que na direção da sociedade.

Escrito assim, somos tomados pela impressão de reducionismo ou de simplificação destes dois conceitos. Entretanto, ambos estão contidos - no marxismo gramsciano – dentro do conceito de hegemonia. Retornando ao ponto onde se coloca a

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ARTIGO - SANDRO ROBERTO SANTA BARBARA

discussão do conceito de hegemonia em Lênin e em Gramsci, o trecho a seguir nos indica as primeiras observações a serem feitas sobre estes dois teóricos acerca desta temática:

Como se sabe, Gramsci deriva a noção de hegemonia das reflexões do último Lênin. Mas, o lider da Revolução Russa, ainda que tivesse percebido a importância e o alcance também ético e gnosiológico dos aparelhos hegemônicos nas sociedades complexas, não teve tempo de aprofundar tais questões. Essa tarefa, afirma Gramsci, ficou por conta, principalmente, das organizações operárias do ocidente. Aqui, a construção de uma nova hegemonia pelas classes subalternas, mais do que uma estratégia de luta ou uma variante do método bolchevique em vista do “assalto” frontal, deve ser uma nova categoria de interpretação da realidade, um processo que permite a participação política e a transformação moral e intelectual das massas (SEMERARO, 2001).

No Manifesto Comunista, Marx e Engels evocaram a necessidade das organizações de classe atentarem para um aspecto de extrema relevância: aquele que se refere à própria superação. Uma superação supostamente posterior ao processo que corresponde à capacidade de compreensão destas organizações quanto ao esgotamento de suas ações. Ações que não se coadunam mais com a tarefa de destruir a hegemonia da ordem capitalista. A compreensão marxiana e engeliana referida sustentava uma acurada leitura por parte dos sindicatos e dos partidos acerca do funcionamento do sistema capitalista e dos seus ciclos de crise.

Gramsci, a sua época, segundo Giovanni Semeraro, teve consciência dos novos processos históricos e estes confeririam à hegemonia um outro sentido. A realidade de caos em uma sociedade capitalista prevalece e é consentida com a ocultação das relações de desigualdade social e exploração econômica. As intervenções do proletariado intentando transformar radicalmente tal molde de relações, explicitaria, teoricamente, não apenas o inicio de uma nova síntese do processo dialético, mas o momento de percepção e u t i l i z a ç ã o d e d e t e r m i n a d a s a ç õ e s à s transformações no interior do capitalismo e ao seu conseqüente modo de produção.

Neste instante é que se daria a superação das intervenções do proletariado à forma de ser do capitalismo em um determinado momento histórico. Superação das intervenções, contudo, não antes da superação na forma de organização e elaboração sobre as condições reais e materiais de existência do proletariado.

Deste modo somos levados a corroborar com Gramsci quando vislumbra o lugar ocupado na produção enquanto lugar fundamental para amadurecimento da práxis. O argumento de que a experiência acumulada nos espaços da sociedade civil e da sociedade política podem se transformar no principal motor para a construção de um projeto contra-hegemônico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

História do trabalho e história da humanidade.

A premissa marxiana da qual se pretende fazer referência alude à postulação de que a história da humanidade se confunde com a história do trabalho. Relembrando a origem da palavra trabalho ao grego antigo tripallium que vem a significar sofrimento e dor, Marx denota que a história do trabalho humano caracterizou-se, via de regra, pela profunda exploração do trabalho humano.

Avaliando o processo de formação do capitalismo, Karl Marx fundamenta a tese de que este último é o desdobramento mais rebuscado da síntese dos modos de produção que antecedem a era capitalista. Ou, dito de outra forma, a teoria marxiana afirma que o sistema capitalista de produção é o acabamento sintético após séculos e séculos de seviciamento da produção dos reais produtores seqüestrada por amos (era antiga e escravagista) e senhores feudais (era medieval servil).

A partir da análise que Marx realiza para tentar desvelar a origem do sistema capitalista de produção - acerca do caráter evolutivo dispensado aos modos de produção por ele referenciados – podemos suscitar e ousar a elaboração de outros questionamentos aos aspectos concernentes às categorias como Ditadura do proletariado, mais-

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ARTIGO - SANDRO ROBERTO SANTA BARBARA

valia, alienação, Sociedade Civil e materialismo histórico.

O que nos distancia da teoria e da prática revolucionárias?

Todos os caminhos até aqui tentados na teoria e na prática não podem e não devem ser apresentados como infrutíferos, pois cairíamos no erro crasso de j u l g a r a ç õ e s e c o m p o r t a m e n t o s s e m contextualizar a ambos.

Em quais direções podemos apontar os acontecimentos de Seat l le (1999) e as conseqüentes e posteriores manifestações como sendo não a ponta de lança, mas a motivação política reforçada e estimulada com o advento da crise de setembro de 2009.

Ao avaliar a heterogeneidade política das vozes que fazem coro uníssono pela humanidade e contra o neoliberalismo como a concretização do discurso favorável à pluralidade e à diversidade, até onde é possível afirmar que se trata de uma já notória maturidade política adquirida por estes movimentos? Avaliando positivamente a pergunta quais os valores que estão sendo construídos?

Como a “Sociedade Civil internacional ou global” pode ser referendada uma vez que as “sociedades civis locais”, por intermédio das organizações que as compõem, estão sendo postas em cheque?

A força propulsora da categoria trabalho.

O trabalho como força que mobiliza e faz crescer o capital é, irrefutavelmente, uma categoria central. Mas que para além de mobilizar e fazer crescer a este preenche de sentidos a tudo e todos que sofrem influência direta e indireta das ações do mundo do trabalho. Ante as interrogações sobre o ponto nevrálgico da base material de produção no estágio atual do capitalismo que lugar estaria r e s e r v a d o p a r a a l g o c o m o o t r a b a l h o especulativo?

O que aqui é denominado de trabalho especulativo responde à atenção e expectativa dispensadas por populações do mundo inteiro, em especial nos países pobres e em desenvolvimento, às ofertas de trabalho, e não de emprego, feitas em períodos

considerados críticos e que possuem, segundo avaliação generalizada, um potencial de crescimento para a economia como um todo.

A expectativa que gira em torno da formação do capital especulativo é de natureza distinta da que dá origem ao trabalho também denominado de temporário. Do que se conclui uma trajetória entre o que está se denominando como trabalho especulativo até o estágio de trabalho temporário.

Pois seja: uma vez que a especulação cria demandas e faz girar um capital que não existe (o especulativo), o trabalho temporário realizado preenche a l acuna c r iada pe lo cap i ta l especulativo, ou não? A crise de setembro de 2009, sem querer pormenorizá-la, teve como reflexo o que acabamos de questionar?

Este tipo de trabalho em seu estágio especulativo cria e fortalece uma espécie de fetiche quanto a uma atividade desqualificada, mas, que grassa por arregimentar um sem número de pessoas não “aceitas” ou não “adaptadas” ao mercado. Consequentemente, se o capital que não existe é criado no instante em que as ofertas são feitas para atender às expectativas de trabalhadores deslocados economicamente, é possível inferir que estes trabalhadores ao alcançarem o estágio de t raba lhadores t emporár ios j á es ta r i am engrossando a mais-valia já existente no estágio de trabalho especulativo?

Há o conceito que tenta explicar a categoria trabalho a partir da orientação analítica sobre as massas trabalhadoras que vivem do trabalho. Porém, o cotejamento teórico desta abordagem d e v e m e rg u l h a r n o a l t í s s i m o g r a u d e heterogeneidade que caracteriza largamente essas massas trabalhadoras no que tange os aspectos político, econômico e cultural.

As massas que vivem do trabalho, a grosso modo, não estão mobilizadas contra o Estado de exploração econômica que lhes é imposta tais quais os diversos movimentos heterogêneos que assumem e sustentam o lema pela humanidade e contra o neoliberalismo. Qual o instrumento ou quais os instrumentos que, se utilizados, poderiam promover uma espécie de unificação de objetivos, metas e interesses entre estes segmentos?

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46ARTIGO - SANDRO ROBERTO SANTA BARBARA

Segundo Lincoln Secco, podemos inferir que o papel a ser desempenhado pelas massas aptas ao trabalho, incluindo aquelas que estão no interior d o t e r c e i r o s e t o r , d e v e m i d e n t i f i c a r , primeiramente, as estruturas de poder (será que ainda não identificaram?) que mantém o funcionamento da estrutura do sistema capitalista sob o neoliberalismo. Encontrar os laços e elos que as relacionam umas as outras nos diferentes países, percebendo-se e desvelando-se como reais produtoras da ordem política e econômica que as oprime, mas que se encontra em colapso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norber to . Es tado , Governo , Sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

GOHN, Maria da Glória. O protagonismo da Sociedade Civil: movimentos sociais, ONGs e redes solidárias. São Paulo: Cortez, 2005.

MARX, Karl e ENGELS, Friederich. O manifesto comunista. Sao Paulo: Paz e Terra, 1998.

MARX, Karl e ENGELS, Friederich. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1845/46; 1987.

SECCO, Lincoln. Gramsci e a Revolução. São Paulo: Alameda, 2006

SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a Sociedade Civil: cultura e educação para a democracia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.

Dialética, v. 5, n. 5, p. 46, Mar/2014

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47ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

COMÉRCIO JUSTO & MERCADOS IMPERFEITOS I: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1RILTON GONÇALO B. PRIMO

Doutorando em Economia Política - Facultad de Economía -

Universidad de La Habana (FEUH). Especialista em Produção de

Informações Econômicas, Socia is e Geoambientais da

Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

(SEI/SEPLAN). Assessor Técnico da Superintendência de Economia

Solidária (SESOL) da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e

Esporte (SETRE) (10/2009-06/2013).

RESUMO:

Este trabalho centra atenções na revisão dos fundamentos teóricos das

estratégias de comercio justo, empreende uma microanálise da política de

regulação do mercado de resíduos sólidos nos carnavais de Salvador-Ba e

conclui com uma auto-avaliação da ação por beneficiários diretos, gestores

públicos e observadores partícipes.

PALAVRAS CHAVE:

Economia Solidária. Crítica da Economia Política. Comércio Justo. Política

Regulatória.

Dialética, v. 5, n. 5, p. 47, Mar/2014

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Dialética, v. 5, n. 5, p. 48, Mar/2014

ARTIGO - RILTON PRIMO

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que já o Brasil Império engendrara a reciclagem entre outros expedientes do fenômeno

2do pauperismo , mas hoje “o número de pessoas inseridas em atividades [...] de coleta de materiais recicláveis representa expressivo percentual do conjunto das atividades econômicas do país, principalmente nos centros urbanos”, estimando-se em milhões o número de “catadores trabalhando com a coleta de resíduos sólidos urbanos recicláveis em todo o país” (MIRANDA, MANETTI, MENDONÇA, NASCIMENTO, 2010, p. 36).

Percepção reforçada a partir de um relatório do Ministério Público de 2007, após visitas em lixões e aterros na Bahia, para intervir particularmente no caso da atividade de reciclagem de resíduos sólidos no estado revelou-se imprescindível, em primeiro lugar, que as cooperativas de reciclagem

3trabalhassem em redes de forma a aumentar sua produção até que seu montante de vendas cobrisse

4seus custos totais . Em segundo lugar estava a questão da sua relativa fragilidade em um mercado a lhes ditar preços e condições.

As grandes beneficiadas de todo o processo de reciclagem de lixo no Brasil e no mundo são as indústrias, justamente por estarem altamente concentradas, representando um modelo [de] oligopsônio, quando um reduzido número de empresas consome os materiais recicláveis e impõe as condições e os preços aos catadores e cooperativas, tornando-os reféns da exploração da economia formal sobre a informal. Esta é a triste situação em que se encontram os agentes que trabalham com lixo em nosso país. Sejam cooperativados/associados ou sejam catadores autônomos, a exploração se dá em todos os níveis da cadeia produtiva ou reprodutiva da reciclagem.

Nestas condições, a reciclagem, em si, não representa uma alternativa econômica e muito m e n o s a m b i e n t a l ; s o m e n t e a m e n i z a momentaneamente as pressões sociais sobre o desemprego dos excluídos e propicia um ganho pelas indústrias, por meio da redução dos seus custos; e estas, utilizando-se dos sucateiros, os grandes “senhores do lixo”, controlam o mercado de produtos reciclados. (MAGERA, 2008, p. 17)

Nenhures o cenário é de mais delicada

i n t e rp r e t ação fo rma l , t r a t ando - se dos aparentemente ex-atores econômicos, sem renda e excluídos dos mercados formais.

O catador também seria associado ao termo exploração. Segundo a literatura, eles seriam explorados por outros setores mais articulados da cadeia (BUENROSTRO; BOCCO, 2003; GONÇALVES, 2003; KASEVA; GUPTA, 1996; MAGERA, 2003), devido à própria estrutura do mercado da reciclagem e dos setores que a dominam – intermediários e indústria –, sendo comum a formação de oligopsônios informais, que levam a um controle do preço pago pelo material. (CARMO, 2011, p. 9).

O debate do 'comércio justo' hoje se renova com reexames técnicos e empíricos:

A questão da comercialização é bastante complexa e envolve diversos aspectos que merecem uma atenção especial, dado o limite para a melhora das condições de comercialização das cooperativas. Mesmo que tenham ganhado certo poder de negociação de preços, o mercado da reciclagem, como explicado por Gonçalves (2003, p. 143), é um oligopsônio, ou seja, há somente um pequeno número de compradores: 'Sem a concorrência, um produto como o material reciclável separado na fonte (ou não) é vendido pelo preço que o oligopsônio quiser pagar, o que mantém esse custo de fluxo reverso extremamente barato.' O poder da indústria fica evidente na análise de Calderoni (2003) que atribui a este segmento da cadeia produtiva até 75% dos ganhos totais possíveis proporcionados pela reciclagem (GRIMBERG, TUSZEL, GOLDFARB, 2004, p. 18-19).

Domesticamente, involucrada no livre comércio de mercadorias, “a troca desigual é enfocada como a troca de quantidades de trabalho não equivalentes”, seja pelo lado “dos que admitem a não equivalência nas trocas como decorrência de um desajuste transitório na concorrência, uma vez que não perdem o referencial de equilíbrio”, seja, por igual, para “aqueles que admitem a não transitoriedade do afastamento dos preços de mercado em relação aos preços de produção. É o capitalismo oligopolista que determina o caráter permanente deste afastamento” (SMITH, 1985, p. 10). É precisamente este o caso do setor:

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Dialética, v. 5, n. 5, p. 49, Mar/2014

ARTIGO - RILTON PRIMO

No ciclo dos materiais recicláveis, as empresas de reciclagem localizadas no circuito superior utilizam uma tecnologia de nível relativamente elevado de especialização, usualmente intensiva em capital e proveniente dos países avançados. Assim, as atividades do circuito superior tendem a concentrar poder e controlar o ciclo por inteiro. É importante lembrar que o mercado dos recicláveis se configura, pelo lado da demanda, como um oligopsônio - poucas empresas têm capacidade de adquirir determinadas mercadorias -, o que demonstra ainda mais a concentração exercida pelo circuito superior. Desta forma, os materiais que são coletados pelos trabalhadores do circuito inferior (que configuram uma situação de “concorrência perfeita” do lado da oferta) são separados e depois remetidos às empresas. Neste processo o material vai tendo seu valor aumentado, à medida que percorre o ciclo em direção ao circuito superior (DAGNINO, DAGNINO, 2010, p. 71).

Não se trata de uma especificidade do setor de reciclagem, mas do capitalismo concentrado. Nacional ou globalmente (PREBISCH, 1981, 1976, 1980, 1985), o cenário é a troca desigual:

Ora, mesmo no capitalismo florescente, subsistem, ao lado das grandes empresas capitalistas, diversas formas de pequena produção, seja artesanato, trabalho de ofício, trabalho camponês, etc. todas essas formas de produção se ligam mais ou menos ao capital comercial e dele dependem. E ligam-se nos mais variados sentidos: pelo escoamento das mercadorias do pequeno produtor, pela aquisição de matérias primas e, enfim, pelo consumo. Os pequenos produtores encontram-se com o capital comercial, na qualidade de pequenos produtores de mercadorias, compradores de matérias primas e compradores de artigos de consumo. Quando um grande industrial encontra no mercado um grande comerciante, trata-o de igual para igual. O capital comercial ambiciona, como acabamos de ver, um lucro igual aos do capital industrial, que é constrangido a lhe ceder, nas condições normais este lucro descontado [...]. É bem diferente quando um grande comerciante encontra no mercado um pequeno produtor. Este último é, no sentido econômico, muito mais fraco que o capitalista, diante do qual ele fica em completa dependência. Decorre daí que o comerciante se esforça, por todas as maneiras, para tirar partido de sua situação dominante de forma a explorar e escravizar o pequeno produtor. A constante

carência de dinheiro do pequeno produtor, seu fraco conhecimento do mercado, etc., permitem ao comerciante lhe comprar as mercadorias a baixo preço e lhe vender os meios de produção e de consumo a preços artificialmente elevados, tirando, por conseqüência, desta exploração reforçada, certo super-lucro. O produto suplementar do pequeno o produtor torna-se lucro comercial para o capitalista comerciante. Naturalmente, nasce entre os pequenos produtores o desejo de se emanciparem desta dependência do capital comercial, ou, pelo menos, de atenuar quanto possível seus efeitos foram-se as cooperativas de venda, de compra de matérias primas e de consumo, etc., cujo objetivo é substituir o capital comercial no abastecimento de seus membros em artigos de consumo, em matérias-primas, etc., e também na venda de seus produtos em condições mais vantajosas. As cooperativas são, portanto, associações de operários e de pequenos produtores, que têm por objetivo a defesa de seus membros na qualidade de consumidores ou de produtores, contra a exploração do capital comercial. (LAPIDUS, OSTRAVITIANOV, 1979, p. 61, itálicos originais).

Tentativas de superar situações de mercado ineficientes em termos de alocação de recursos e distribuição de renda têm despontado na forma de experiências alternativas de Fair-Trade (comércio justo). Existem hoje mais de três mil lojas de comércio justo distribuídas em 18 países da Europa, onde, desde 1990, funciona a European Fair Trade Association (Efta) composta por nove centrais instaladas na Áustria, Bélgica, França, Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, Noruega, Holanda e Suíça. Já na América do Norte atua a Federação Internacional de Comércio Alternativo (IFAT), integrando 160 organizações de comércio justo em 50 países.

Quanto ao Brasil, com a assinatura, pela Presidência da República, do decreto que instituiu o Sistema Nacional de Comércio Justo (11/2010), na entrega do relatório da II Conferencia Nacional de Economia Solidária, o país tornou-se a primeira República com semelhante sistema, embora se soubesse que já na Austrália, através de experiências de redes de troca solidária, são trocados serviços e produtos bastante diversos: ora casas são construídas, ora assessorias contábeis são prestadas; já se recita poesia em um

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em um aniversário, já são ministradas aulas de yoga; inclusive alguém planta uma árvore, outrem cuida de um gato. (PRIMAVERA et al, 2003, p. 137). Porém como estimar se estas trocas são justas (entre bens equivalentes) ou não?

O atual Secretário de Economia Solidária, Prof. Paul Singer, salientou em livro que “há uma conceito básico na economia, que é o do valor, que permite a utilização de uma unidade de medição essencial para, praticamente, todos os fenômenos do mundo econômico”, concluindo que “o conteúdo desta medida [...] é a pedra fundamental de todo o edifício econômico” (SINGER, 1986, p. 12) . Por meio de la , e .g . , ver i f icam-se equivalências ou não nas trocas.

A equivalência é, de fato, o valor de troca de uma mercadoria expresso no valor de uso de outra. Quando se diz, por exemplo, que uma vara de pano de linho vale duas libras de café, o valor de troca do pano do linho é expresso no valor de uso do café, numa determinada quantidade desse valor de uso. Uma vez estabelecida a proporção, podemos exprimir em café o valor de qualquer quantidade de pano. (MARX, 1977a, p. 41).

A concepção de uma unidade de conta científica que servisse de orientação às relações econômicas ascende à economia política clássica inglesa, o frisa M. Dobb:

Somente com o trabalho de Adam Smith, e sua mais rigorosa sistematização por Ricardo, pode a Economia Política criar este princípio quantitativo unificador que a habilitou a fazer postulados em termos de equilíbrio geral do sistema econômico – fazer afirmações sobre as relações gerais entre os principais elementos do sistema. Em economia política, esse princípio unificador ou sistema de af i rmações gerais postos em forma quantitativa, constituem uma teoria do valor. (DOOB, 1978, p. 12).

Porquanto este princípio unificador não tenha sido ainda objeto de análise econômica aplicada ao âmbito da Economia Solidária no Brasil, o presente ensaio dedica-se, em grande medida, a

realizar uma síntese histórica destes fundamentos (Seção 2). Esta é a primeira parte do texto.

Uma microanálise do setor de resíduos sólidos tomará lugar à Seção 3, uma avaliação da efetividade da política de regulação do mercado oligopsônico de Salvador na Seção 4. Os principais resultados serão apresentados nas considerações finais. Estes elementos totalizam o texto.

2 C R Í T I C A D O P O S T U L A D O D A EQUIVALÊNCIA

2 . 1 E C O N O M I A C O M U N A L , I D Í L I O OITOCENTISTA & APOLOGÉTICA

As “sociedade negociantes” diferem muito das s o c i e d a d e s c o m u n a i s a n t i g a s e s u a s remanescentes, nas quais rege os princípios de equalização nas relações de troca. Nas ilhas Trobriand, e.g., “a importância da reciprocidade é claramente demonstrada” (CHINOY, 1969, p. 628), valendo a equanimidade com a qual “a conformidade é assegurada pela pressão no sentido de cumprir as obrigações que têm as pessoas umas com as outras. Essas dívidas sociais são, amiúde, claramente definidas; a troca econômica, por exemplo, assume a forma de presentes a parceiros regulares”, de modo que, “nominalmente, estes presentes são oferecidos de graça mas, não obstante, mantém-se cuidadosa conta-corrente e, com o correr do tempo, espera-se que as coisas dadas e as coisas recebidas se equilibrem, 'beneficiando igualmente ambos os lados'”, conclui Chinoy.

A aldeia do interior provê o pescador de vegetais; a comunidade litorânea paga com peixes [...]. Esse sistema de obrigações mútuas [...] força o pescador a retribuir sempre que recebe um presente do parceiro do interior, e vice-versa. Nenhum parceiro pode recusar, nenhum deles pode ser mesquinho no presente de retribuição, e n e n h u m d e v e t a r d a r e m r e t r i b u i r . (MALINOWSKI, 1969, p. 628)

Em determinado momento do mercantilhismo se cogitou existiria uma espécie de concorrência harmonizante entre os agentes das sociedades negociantes, historiou Hischman:

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Em meados do século XVIII, era uma ideia corrente – Rousseau, decerto, afirmava o contrário – a de que o comércio é um agente civi l izador de considerável peso. [ . . . ] . Montesquieu coloca logo no início de seu exame das questões econômicas em L'esprit des lois (1949): 'É quase uma regra geral que, onde quer que haja costumes suaves (mouers douces), exista comércio; e, onde quer que haja comércio, existam costumes suaves'. [...]. Esse modo de considerar a influência da extensão das trocas sobre a vida social prevalece durante todo o século XVIII. [...]. Robertson retoma Montesquieu quase literalmente: 'Comerce (...) softens and polishes the manners of man'. E Condorcet, embora critique as idéias de Montesquieu, segue-o de perto nesse domínio: 'Os costumes são suavizados (...) pela influência desse espírito de comércio e de indústria, inimigo das violências e das perturbações que fazem a riqueza fugir'. Uma das formulações mais vigorosas da tese é devida a Thomas Paine, que escreveu em The rights of man (1792): 'O comércio é um sistema pacífico, que tem como efeito difundir a cordialidade entre os homens (operating to cordialize mankind), tornando as nações, assim como os homens, úteis uns aos outros [...]. Em suma, de acordo com tal raciocínio, o capitalismo - [...] - terminará por criar, através da prática da vida comercial, um conjunto fornido de atitudes psicológicas e de disposições tão desejáveis em si mesmas quanto favoráveis à expansão futura do próprio sistema. (HIRSCHMAN, 1984, p. 13-16).

A hitória não termina sem uma inflexão dinâmica das ideações relativas às trocas, à Rousseau.

Como essa bela visão no século XVIII irá evoluir em seguida? [...]. Segundo essa concepção, que adquire importância no século XIX, a sociedade de mercado, longe de promover a suavidade e outras atitudes louváveis, manifesta uma forte tendência a minar os fundamentos morais que s e r v e m d e b a s e a t o d a a s o c i e d a d e (HIRSCHMAN, 1984, p. 13-16).

Já Fred Hirsch tratou-a longamente, em sua obra Social Limits to Growth, do que chamara de “erosão do patrimônio moral (the depleting moral legacy) do capitalismo”, assinalando que, “à medida que o comportamento individual se dobrava cada vez mais estreitamente ao interesse pessoal, os hábitos e os instintos fundados em

atitudes e objetivos comunitários perdiam a sua importância.” (HIRSCH apud HIRSCHMAN, 1984. p. 13). O idílio virou farsa.

Em geral não se salienta que, embora Adam Smith (1723-1790) esperasse da livre interação de agentes desiguais e egoístas a harmonia dos preços e das quantidades transacionados de forma a beneficiar a todos, sua suposição de equilíbrio geral não excluía as subsunções econômicas. A acuidade de sua análise dos efeitos dos desequilíbrios de poder de negociação de preços, entre as classes laboral e patronal, por exemplo nevrálgico, não precisaria ser mais detalhada:

Os trabalhadores desejam ganhar o máximo possível, os patrões pagar o mínimo possível. Os primeiros procuram associar-se entre si para levantar os salários do trabalho, os patrões fazem o mesmo para baixá-los. Não é difícil prever qual das duas partes normalmente, leva vantagem na disputa e no poder de forçar a outra a concordar com as suas próprias cláusulas. Os patrões por serem menos numerosos, podem associar-se com mais facilidade; além disso, a lei autoriza ou pelo menos não os proíbe, ao passo que os trabalhadores ela proíbe. Não há leis no Parlamento que proíbam os patrões de combinar uma redução dos salários; muitas são, porem as leis do Parlamento que proíbem associações para aumentar os salários. Em todas estas disputas, o empresário tem capacidade para agüentar por muito mais tempo. Um proprietário rural, um agricultor ou um comerciante, mesmo sem empregar um trabalhador sequer, conseguiriam geralmente viver um ano ou dois com o patrimônio que já puderam acumular. Ao contrário, muitos trabalhadores não conseguiriam subsistir uma semana, poucos conseguiriam subsistir um mês e dificilmente algum conseguiria subsistir um ano sem emprego. A longo prazo, o trabalhador pode ser tão necessário ao seu patrão, quanto este o é para o trabalhador; porém esta necessidade não é tão imediata. Tem-se afirmado que é raro ouvir falar das associações entre patrões, ao passo que com freqüência se ouve falar das associações entre operários. Entretanto, se alguém imaginar que os patrões raramente se associam para combinar medidas comuns, dá prova de que desconhece completamente o assunto. Os patrões estão sempre em toda parte em conluio tácito, mas constante e uniforme para não elevar os salários acima de sua taxa em vigor. Violar este conluio é sempre um ato altamente

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impopular, e uma espécie de reprovação para o patrão no seio da categoria. Raramente ouvimos falar de conluios que tais porque costumeiros, podendo dizer-se constituírem o natural estado de coisas que ninguém ouve falar freqüentemente, os patrões também fazem conclavos destinados a baixar os salários do trabalho, mesmo aquém de sua taxa em vigor. Essas combinações sempre são conduzidas sob o máximo silêncio e sigilo que perdura até o momento da execução. E quando os trabalhadores cedem, como fazem às vezes, se resistir, embora profundamente ressentidos, isso jamais é sabido de público. Muitas vezes, porém os trabalhadores reagem a tais conluios com suas associações defensivas; por vezes, sem serem provocados os trabalhadores combinam entre si o preço de seu trabalho. Seus pretextos usuais são às vezes, os altos preços dos mantimentos; por vezes, reclamam contra os altos lucros que os patrões auferem do trabalho deles. Entretanto, quer se trate de conchavos ofensivos, quer defensivos, todos são sempre alvo de comentário geral. No intuito de resolver com rapidez o impasse, os trabalhadores sempre têm o recurso ao mais ruidoso clamor e às vezes à violência chocante e atroz. Desesperam-se agindo com loucura e extravagância que caracterizam pessoas desesperadas que devem morrer de fome ou lutar contra seus patrões para que se chegue a um acordo imediato para com suas exigências. Em tais ocasiões, os patrões fazem o mesmo alarido de seu lado, e nunca cessam de clamar alto pela intervenção da autoridade e pelo cumprimento das leis estabelecidas com tanto rigor contra as associações de serviçais, trabalhadores e diaristas. Por isso os trabalhadores raramente auferem alguma vantagem da violência dessas associações tumultuosas, que, em parte devido à interferência da autoridade, em parte à firmeza dos patrões e em parte por causa da necessidade à qual a maioria dos trabalhadores está sujeita por força da subsistência atual – geralmente não resultando senão na punição ou ruína dos líderes. (SMITH, 1996, p. 119-120).

Diante de análogas descrições smithianas do equilíbrio possível ao liberalismo oitocentista, historiadores críticos do pensamento econômico como E. Hunt desautorizam simplismos. Considerando que, segundo Smith,

[...] o Governo existe para 'proteger os ricos dos pobres', que é usado com principal meio para os capitalistas sobrepujarem os trabalhadores em

suas lutas pelos níveis salariais, e que os capitalistas usam todos os meios à sua disposição – inclusive o Governo – para garantir e proteger seus monopólios, fica-se pensando como Smith esperava chegar ao 'sistema de liberdade natural', no qual [...] a 'mão invisível' dirigisse todos os atos egoístas e gananciosos para um todo harmonioso e mutuamente benéfico. (HUNT, 1989, p. 82 e segs).

“A própria necessidade de uma ação política geral constitui prova de que, na luta puramente econômica, o capital é o mais forte” (MARX, 1988, p. 81), não havendo neste marxismo mais que Smith, mas tal necessidade de uma ação política geral valeria não apenas para a mercadoria força de trabalho, mas para toda e qualquer produção organizada em grupos de vendedores contrários entre si e aos de compradores que, por sua vez, rivalizam-se também, como, aliás, é sempre o caso dos mercados minimamente organizados. Ainda aqui, nada há além de Smith.

O salário é [...] o preço de uma determinada mercadoria, a força de trabalho. O salário é pois determinado pelas mesmas leis que determinam o preço de qualquer outra mercadoria. A questão que se põe, portanto, é a seguinte: como se determina o preço de uma mercadoria? Que é que determina o preço de uma mercadoria? É a concorrência entre compradores e vendedores, a relação da procura com aquilo que se fornece [Nachfrage zur Zufuhr], da apetência com a oferta. A concorrência, que determina o preço de uma mercadoria, apresenta três aspectos. A mesma mercadoria é oferecida por vários vendedores. Aquele que vender mercadorias de qualidade igual a preço mais barato, está seguro de vencer os restantes vendedores e de assegurar para si a maior venda. Por isso os vendedores disputam entre si a venda, o mercado. Cada um deles quer vender, vender o mais que puder e, se possível, ser só ele a vender com exclusão dos restantes vendedores. Por isso, uns vendem mais barato que outros. Temos, assim, uma concorrência entre os v e n d e d o r e s , q u e f a z b a i x a r o p r e ç o dasmercadorias oferecidas por eles. Mas há também uma concorrência entre os compradores que, por seu lado, faz subir o preço das mercadorias oferecidas. E há, finalmente, uma concorrência entre os compradores e vendedores, uns a querer comprar o mais barato possível, os outros a querer vender o mais caro que podem. O resultado desta concorrência entre compradores e

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vendedores dependerá da relação existente entre os dois lados da concorrência de que falamos antes, isto é, dependerá de a concorrência ser mais forte no exército dos compradores ou no exército dos vendedores. A indústria atira para o campo de batalha dois exércitos que se defrontam, nas fileiras de cada um dos quais se trava por sua vez uma luta intestina. O exército entre cujas tropas há menos pancadaria é o que triunfa sobre o adversário. (MARX, 1982, p. 134).

Em época de fusões/aquisições ou do capitalismo cada vez mais concentrado, as medidas políticas de prevenção contra os abusos de poder no sistema de trocas são usuais já no Brasil.

Após o processo de redemocratização, mais especificamente a partir do ano de 1994, data de promulgação da nova lei antitruste brasileira, o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência - SBDC começou a se tornar notório por meio da análise de atos de concentração. Diversos foram os julgamentos famosos, valendo relembrar, como e x e m p l o s p a r a d i g m á t i c o s , o s a t o s d e concentração envolvendo as empresas Kolynos e Colgate (AC nº 0027/1995), Antarctica e Brahma - AMBEV (AC nº 08012.005846/99-12) e, mais recentemente , Nest lé e Garoto (AC nº 08012.001697/2002-89). Ao analisar atos e c o n t r a t o s q u e p o s s a m t e r i m p a c t o n a concorrência, nos termos do artigo 54, caput e §3º da Lei nº 8.884, os órgãos do SBDC exercem a sua função preventiva, cujo objetivo é evitar a possível formação de poder de mercado que irá possibilitar um eventual abuso mais à frente pela sociedade resultante. [...]. Os órgãos do SBDC também possuem competência legal para reprimir condutas anticompetitivas, o que constitui a sua função repressiva. Aliás, após um início amplamente focado na análise de atos de concentração, a partir de 2003 iniciou-se uma forte tendência concentrando a atuação dos agentes públicos no combate a cartéis, sobretudo com o uso efetivo de acordos de leniência, bem como de técnicas avançadas de investigação, como a busca e apreensão e a interceptação telefônica. A fim de punir as condutas anticompetitivas comprovadas, os órgãos do SBDC podem impor sanções pecuniárias e não pecuniárias. (RAGAZZO, 2007, p. 1-2).

A regulação não apenas é um tema pouco pesquisado, é uma frente política parcial e

5incipiente . Como a mercadoria força de trabalho

compõe os preços das matérias-primas e dos demais insumos e estes os de todos os produtos, o sistema de preços é uma interdependência dos termos de troca distorcidos pela concorrência entre agentes econômicos com poderes incomuns. Daí que F. Perroux tenha chegado a classificar a espécie típica da “troca capitalista onde a equivalência é falseada pelo sub-trabalho e a mais-valia” (PERROUX, 1962. p. 58), in fact:

Quanto à relação entre trabalho e capital e à remuneração do trabalho Engels esboçou uma teoria dos salários baseada no nível de subsistência que explicou pela fragilidade es t ru tura l da pos ição compet i t iva dos trabalhadores e a conseqüente inevitabilidade de sua derrota na luta. [...]. Marx pode discernir uma contrapartida prática ao conceito de alienação baseado em relações humanas antagônicas. Economicamente, as características mais notáveis da alienação seriam encontradas na posição pauperizada do trabalho que, não obstante, era reconhecido pela Economia Política como o criador de toda a riqueza. Essa pauperização era conseqüência da concorrência. “Os salários são determinados através da luta antagônica entre o capital is ta e o trabalhador. A vitória é necessariamente do capitalista. O acordo entre capitalistas é costumeiro e efetivo; o acordo de trabalhadores é proibido e doloroso em suas

6conseqüências para eles. [...]” . [...]. Assim, ao explicar a determinação dos salários, Marx seguiu a Engels muito de perto. [...]. Fez realmente um esforço constante para combinar a tese da determinação do salário com a teoria do valor e preço, dos quais o salário era uma das partes componentes. [...]. O valor era um conceito de equilíbrio, para cuja formulação Ricardo fez explícita abstração dos efeitos acidentais da concorrência. Marx, porém, precisava da concorrência para atacar o que, para ele, constituía a questão básica, ou seja, a questão da miséria, da pauperização, da exploração dos trabalhadores. (MORISHIMA, CATEPHORES, 1980, p. 18-20).

Foi a partir deste ponto que a economia política capitalista se fez de cega à troca desigual.

A burguesia deixou de interessar-se pelo desenvolvimento da Economia Política. À medida que esta última, utilizada pelo movimento operário, se torna cada vez mais embaraçosa, e mesmo perigosa, para a burguesia, surge uma tendência para liquidá-la como ciência das

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tendência para liquidá-la como ciência das relações econômicas entre os homens, e para substituí-la por uma apologética, quer dizer, por uma justificação das relações econômicas do modo de produção capitalista. [...]. Isso corresponde à situação vitoriosa da burguesia Industrial que – tendo superado já os obstáculos levantados, contra o desenvolvimento das relações de produção capital istas, pelo feudalismo, as corporações e a política mercantilista da monarquia – só se preocupa, hoje em dia, com os problemas de mercado. A burguesia vitoriosa considera as relações de produção como algo de conquistado uma vez por todas, algo que já não se discute, a não ser para justificá-lo pela apologia. Só os problemas do mercado continuam ainda a interessar, e sobretudo os preços, a moeda e o crédito. Interessando-se o movimento operário vivamente pelas relações de produção, mais vale falar o menos possível desse assunto. (LANGE, 1967, p. 275).

Não falaremos dele aqui. Provemos que se chega às mesmas conclusões sem sair do mercado.

2.2 EXCEDENTE DE UTILIDADE E VALOR ABSTRATO

Já em 1841 Th. Corbet pressupunha o mútuo benefício em qualquer troca, já porque o “comércio consiste na permuta de coisas de espécie diferente e o proveito se origina dessa diferença” (COBERT apud MARX, 1987, p. 169n). “A troca é uma maravilhosa transação em que ambas as partes ganham sempre”, concluíra em 1826 Destutt de Tracy (TRACY apud MARX, 1987, p. 177n). Na atualidade a tese é formulada da seguinte maneira: “É bastante claro que para haver troca [...] deve haver [...] um ganho de utilidade para ambos os lados.” (JEVONS, 1987, p. 87). O objetivo da troca simples, onde o dinheiro (D) é apenas um meio entre dois fins (M 1

e M ), é utilitário e recíproco, não há dúvida, 2

regendo a fórmula M -D-M . 1 2

Tratando-se de valores de uso, é claro que ambos os participantes podem ganhar. Ambos alienam mercadorias que lhe são inúteis, e recebem mercadorias de que precisam para seu uso. E pode haver ainda outro proveito. A que vende vinho e compra trigo produz talvez mais vinho do que poderia produzir o triticultor B no mesmo tempo de trabalho, e este mais trigo do que A poderia

produzir no mesmo tempo de trabalho. A recebe, portanto, pelo mesmo valor-de-troca mais trigo e B mais vinho, do que se cada um deles não efetuasse a troca e tivesse de produzir, ao mesmo tempo, vinho e trigo. Com relação ao valor-de-uso pode-se portanto dizer que 'a troca é uma transação em que ambas as partes ganham'. (MARX, 1987, p. 177).

E mais: do ponto de vista utilitário, venda e compra não precisam representar igual monta de valor monetário, podendo, ainda assim, haver vantagem nas trocas.

É também possível que em M – D – M, ambos os extremos M, M, trigo e roupas, por exemplo, sejam magnitude de valor quantitativamente diversas. O camponês pode vender seu trigo acima do valor ou comprar as roupas abaixo do valor. Pode também ser enganado pelo vendeiro. Mas essas diferenças de valor são meramente casuais para essa espécie de circulação. Ela não fica desprovida de sentido, como o processo D – M – D, por serem de valor igual ambos os extremos, trigo e roupas. A equivalência é antes condição de sua normalidade. (MARX, 1987, p. 170).

No segundo volume de seu Princípios J. S. Mill citara a suposição de De Quincey no seu Logic of Political Economy, segundo a qual, por outro lado, caso “a coisa (medida pelas suas utilidades) valha, para suas finalidades, 10 guinéus, de sorte que você preferiria pagar 10 guinéus a perdê-la”, ainda assim, “se a dificuldade [i.e. o custo] de produzi-la só valer 1 guinéu, este será o preço dela” (MILL, 1996, p. 16). Entre os neoclássicos, foi A. Marshall quem deu a estas relações subjetivas uma expressão mais exata, assinalando que tal “ e x c e d e n t e d e s a t i s f a ç ã o m e d e - s e economicamente pela diferença entre o preço que o comprador consentiria em pagar para não se privar da coisa e o preço que pagou na realidade” (MARSHALL, 1982, p. 123).

Porém algo diverso ocorre para além da troca simples, quando não mais rege a fórmula M -D-M 1 2

e sim a D-M-D', sendo D' > D, onde o dinheiro deixa de ser um meio entre dois fins úteis para ser a condição inicial da compra de mercadorias com fim de obter, na venda, a diferença entre D'e D, ∆D, na forma monetária. Aqui deixam de importar as diferenças qualitativas de utilidade, exceto

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enquanto meios concretos para se obter, a cada giro de compra e venda, quantidades de ∆D como valor abstrato.

O regresso do dinheiro a seu ponto de partida não depende de se vender a mercadoria mais cara do que foi comprada. Esta circunstância só influi na magnitude da soma de dinheiro que retorna. A volta propriamente se dá logo que se vende a m e r c a d o r i a c o m p r a d a , c o n c l u i n d o - s e inteiramente o circuito D – M – D. Por aí transparece a diferença entre a circulação do dinheiro na função de capital e sua circulação como dinheiro apenas. (MARX, 1987, p. 168).

2.3 TRANSFERÊNCIAS DE RENDA NÃO GENERALIZÁVEIS

Por razões de espaço, não caberá aqui discutir, na esfera da produção, como é possível que as trocas de equivalentes na compra (D-M) e venda (M-D') gerem o excedente ∆D = D' – D, ficando nossa análise restrita aos diferenciais realizados na esfera da circulação, isto é, no âmbito das disputas comerciais. Neste domínio, se um vendedor tem a capacidade de fazer elevar arbitrariamente o preço de sua mercadoria, sem que os demais possam reagir, artificializa o mercado com trocas desiguais.

Se, por exemplo, o preço de uma peça de seda sobe de 5 marcos para 6, baixará o preço do dinheiro em relação à seda e, do mesmo modo, diminuirá em relação a ela o preço das demais mercadorias que continuem a custar o mesmo que antigamente. Para obter a mesma quantidade de seda agora é preciso dar em troca uma quantidade maior das outras mercadorias. (MARX, 1987b, p. 27).

A escola neoclássica reconhece a desnatureza econômica desta possibilidade de ganho:

Não deve haver conspirações que absorvam e retenham suprimentos de modo a provocar relações de troca anormais. Se uma conspiração de fazendeiros retivesse todo o trigo longe do mercado, os consumidores poderiam ser levados pela fome a pagar um preço sem nenhuma relação concreta com os estoques existentes, e as condições normais do mercado seriam abaladas

dessa forma. (JEVONS, 1987, p. 70).

Sua teorização, todavia, desconsiderando esta entre outras “imperfeições” ou “impurezas”, torna inconceb íve i s a s t rocas des igua i s e é abstratamente aplicável às “condições normais” da concorrência “pura e perfeita”:

O mercado funciona – pensa-se – sem se deformar. Ninguém é senhor do mercado: nem os indivíduos, suportando cada um a pressão e a lei de todos; nem o Estado, pois ele é submetido à lei do mercado que a pressão de todos os beneficiários obriga a respeitar. A coesão da sociedade negociante nega, tendencialmente, todo o poder. Resulta das trocas equivalentes. (PERROUX, 1962, p. 15).

Mas consta que, especulando, “é preciso limitar a abundância, a produção das coisas mais úteis, se quer elevar o seu preço, o seu valor de troca” (MARX, 1985, p. 45):

Os antigos vinhateiros da França, reclamando uma lei que proibisse a plantação de novas vinhas e os holandeses, queimando as especiarias da Ásia e erradicando as mudas de cravo das Molucas, queriam, muito simplesmente, reduzir a abundância para elevar o valor de troca. Toda a idade média, limitando legalmente o número de companheiros que cada mestre poderia empregar restringindo o número de seus instrumentos, agia conforme o mesmo princípio (MARX, 1985, p. 45).

Esta possibilidade não é dada a todos os atores, pois a mútua elevação dos preços em confronto direto anular-se-ia ou, de forma indireta e triangulada, o ganho nas vendas seria perdido nas compras, considerando todas as trocas do

7mercado , quando muito gerando uma espiral inflacionária. Mas as inequivalências comerciais existem, com ou sem escalada geral de preços, alterando a repartição das rendas entre os atores nos mercados, por trás das equivalências das trocas. In fact:

[...] em sua forma pura, a circulação de mercadorias exige troca de equivalentes. Mas, na realidade as coisas não se passam com essa pureza. Suponhamos, portanto a troca de não-equivalentes. [...]. Admita-se que [...] possa [...]

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[o] vendedor vender sua mercadoria acima do valor, a 110, quando vale 100, com um acréscimo de 10%. O vendedor apossa-se assim de um valor excedente (mais-valia) de 10. [...]. A pode ser tão esperto que tire vantagem em seu negócio com B ou C, sem que estes consigam uma desforra. A vende a B trigo que vale 40 libras esterlinas e recebe em troca vinho que vale 50. A transformou suas 40 libras em 50, com certa quantidade de dinheiro fez mais dinheiro, convertendo sua mercadoria em capital [valor que extrai mais-valia]. Vejamos a coisa mais de perto. Antes da troca, tínhamos vinho em mãos de A no valor de 40 libras, e trigo em mãos de B, valendo 50; valor global, 90 libras. Depois da troca temos o mesmo valor global, 90 libras. Depois da troca temos o mesmo valor global, 90 libras. O valor que circula não aumentou de um átomo, e alterou-se a sua divisão entre A e B. De um lado aparece como valor excedente (mais-valia) o que, do outro, é perda de valor (menos valia); o que é mais para um é menos para outro. Ter-se-ia operado a mesma mudança, se A, sem a forma dissimulante da troca, tivesse furtado diretamente de B as 10 libras. (MARX, 1987, p. 180-183).

A ocultação da operação de transferência de renda interessa a beneficiários e representantes teórico-ideológicos. A seguir refutaremos seu argumento via crítica das artificialidades ocultas no modelo de formação de “preços de equilíbrio”. Sua hipótese é:

[...] já que, ao determinar princípios gerais, não há, a priori motivo para se supor que um dos dois contraentes tenha maior desempenho econômico que outro, ou que as demais circunstâncias favoreçam mais a um que a outro, poderemos supondo haver paridade entre os dois (no tocante a experiência e demais situações), estabelecer, como regra geral, que o desempenho dos dois (em auferir o máximo de proveito econômico possível) se equilibra e se paralisa mutuamente (MENGER, 1987, p. 334).

Neste percurso importa demonstrar como, ao cabo de certo número de trocas de preços iguais (porém de valores inequivalentes) entre classe e grupos, “o equilíbrio, esperado pelo economista marginalista, acaba se estabelecendo sobre uma desigualdade cada vez pior entre pobres e ricos, tanto na cidade como no campo.” (SINGER, 1979, p. 5).

Ademais (e esse é um ponto que em geral não se salienta), não se presume que os preços de equilíbrio sejam tais que todos os personagens da história consigam ganhar a vida. Partimos de um conjunto arbitrário de condições, de uma quantidade arbitrária de fatores de produção de cada tipo e de um número arbitrário de proprietários de fatores. Os preços que vigoram em situação de equilíbrio, num dado momento, podem ser tais que alguns dos indivíduos em

questão se encontrem em vias de morrer de fome.(ROBINSON, 1971, p. 296).

Já no Capítulo 6 do Consequences of the Peace, de 1919, se antevira: “The sight of this arbitrary rearrangement of riches strikes not only at security, but at confidence in the equity of the existing distribution of wealth.” (KEYNES, 2012). Há perigos aqui.

A questão consiste em saber se pensamos corretamente ou não; e o desprezo pela teoria constitui evidentemente o caminho mais seguro para que pensamos de forma naturalista e, portanto, erradamente. E de acordo com uma lei dialética, conhecida desde a antiguidade, um pensamento incorreto, sendo levado até a sua conclusão lógica, chegará inevitavelmente ao oposto de seu ponto de partida (ENGELS, 1979, p. 237).

2.4 PREÇO DE EQUILÍBRIO, BASE SOCIAL & PODER DE DOMINAÇÃO

No volume II do seu Princípios A. Marshall expôs o pensamento clássico neste plano:

Gráfico 1 – Preço de equilíbrioFonte: Marshal (1982, p. 33).

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Na ordenada P registram-se os preços a que uma dada mercadoria pode ser vendida; na abscissa Q, as quantidades. A curva SS' representa quantidades da mercadoria postas à venda sob diferentes preços e a curva DD' as demandadas. À elevação dos preços correspondem duas tendências: incremento da quantidade ofertada, redução da demandada. Tem-se no ponto PE a interseção das curvas onde, a dado preço p, corresponde igual quantidade ofertada e demandada q. Neste modelo cada elemento retroage: “oferta e a procura determinam os preços, e os preços determinam a oferta e a procura; [...] a procura determina a oferta e, inversamente, a oferta a procura; a produção determina o mercado, e o mercado a produção” (MARX, 1985, p. 216).

Esta simplificação constitui o título de glória dum pensamento econômico que determina as relações entre os homens à maneira de relações entre coisas. Representa igualmente o seu fracasso e sua derrota. Atesta-o na descoberta necessária, lenta e penosa que, em vias de realização, desvenda as condições reais em que se formam as decisões dos sujeitos econômicos e os seus comportamentos: os sujeitos econômicos querem e podem; propõe-se fins e adequam-lhes os meios [...]. Os economistas contemporâneos tomam disso consciência através de inquéritos precisos, e de bom grado se escandalizariam com as omissões e deformações com que outrora lhe ensinaram a construir os equilíbrios e automatismos das coisas econômicas. (PERROUX, 1967, p. 12-13, grifos originais).

Assim, poderia suceder que um produtor resolva elevar seus preços, o que tende a implicar em uma queda nas vendas; poderia ainda elevar a quantidade de produtos postos à venda, impelindo os preços à queda. Com a demanda, ocorre o mesmo, em sentido oposto: se diminui ou se cresce, exerce pressões de queda ou elevação de preços, respectivamente. Todavia, salvo haja alterações nas condições da concorrência pura e perfeita, os ajustamentos gerarão sucessivos novos pontos de equilíbrio, tendendo para ponto inicial, “como o pêndulo que oscila em torno do seu ponto mais baixo”, valendo para todos eles que “o preço de procura é maior que o de oferta para quantidades um pouco menores do que a quantidade de equilíbrio, e vice versa”

(MARSHAL, 1982, p. 32).

Na realidade, essa esfera é a esfera da concorrência e, se considerarmos cada caso isoladamente, é dominada pelo azar; a lei interna que aí se impõe aos eventos e os regula só é perceptível quando são agrupados em grandes massas, e desse modo ela fica invisível e incompreensível para cada agente da produção. E mais: o processo real de produção, unidade do processo imediato de produção e circulação, gera novas configurações em que se perde cada vez mais o fio do nexo causal interno. (MARX, 1974a, p. 950).

São a própria dinâmica dos mercados as manifestações destes desacordos entre oferta e procura, tendentes a um ponto centrípeto exato não explicado pelas causas ou conseqüências centrífugas das disputas; sabe-se apenas que

[...] as divergências se sucedem – e o desvio num sentido suscita outro desvio em sentido oposto – de maneira que, observando-se no todo um período mais ou menos longo, oferta e procura co inc idem cons t an temen te , mas nes t a coincidência apenas se expressa a média das oscilações ocorridas e o movimento contínuo da contradição de ambas. (MARX, 1985, p. 214).

Nos leiloeiros termos de L. Walras, “como compradores os permutadores aumentam os lances , como vendedores, oferecem em liquidação, e seu concurso produz assim certo valor de troca das mercadorias” (WALRAS, 1988, p. 35). Isto não explica que valor de mercado de central é este, em torno do qual oscilam os preços de mercado.

Nada mais fácil de compreender que as disparidades entre a oferta e a procura e a divergência daí oriunda entre preços de mercado e valores de mercado. A verdadeira dificuldade reside na conceituação do que devemos entender por coincidência da procura com a oferta. (MARX, 1985, p. 213).

Isto é, “quando procura e oferta se igualam reciprocamente, cessam de explicar qualquer coisa, não influenciam o valor de mercado” (MARX, 1985, p. 214), que “quando procura e oferta coincidem, cessam de atuar”, agindo apenas as leis do valor, e “justamente por isto vende-se a

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mercadoria pelo valor de mercado” (MARX, 1985, p. 214).

Assim, em média, os preços de mercado que se desviam dos valores de mercado tendem a igualar-se a estes valores na medida em que esses desvios, com sinais positivos e negativos se eliminam. E a importância desta média não é meramente teórica; é prática também, interessando ao investimento de capital, calculado na base das flutuações e compensações em período mais ou menos determinado. (MARX, 1985, p. 214-215).

Idêntico desafio ao entendimento toma lugar quando a abordagem se dá, não entre quantidades e preços, mas diretamente entre mercadorias através da “forma simples, singular ou fortuita do valor”, isto é, x da mercadoria A = y da mercadoria B: “Todo o segredo da forma do valor encerra-se nessa forma simples do valor. Na sua análise reside a verdadeira dificuldade” (MARX, 1987, p. 55-56), igual à de quando oferta = procura.

Todavia, essa coincidência nunca é real, a não ser por mera casualidade, e o que não passa de casualidade é nulo do ponto de vista científico, devendo considera-se inexistente. E porque a Economia Política supõe que elas coincidem? A fim de observar os fenômenos na figura correspondente ao conceito, concordante com as leis que o regem e que transcende a aparência oriunda do movimento da oferta e da procura. E mais, para descobrir e, por assim dizer, fixar, a tendência efetiva desse movimento. (MARX, 1985, p. 214).

Em advertência epistemológica semelhante a esta de Marx, disse o próprio Marshall:

A teoria do equilíbrio estável da procura e da oferta normais nos ajuda incontestavelmente a dar fixidez às nossas idéias [...]. Mas quando levada às suas mais remotas e complicadas conseqüências lógicas a teoria escapa das condições da vida real. [...]. A teoria estática do equilíbrio é apenas uma introdução aos estudos econômicos [...]. Suas limitações são ignoradas tão constantemente, especialmente pelos que abordam de um ponto de vista abstrato, que há um certo perigo em lhe atribuir uma forma absolutamente definida. (MARSHALL, 1982, p. 113).

Todavia, mesmo para o economista acadêmico, “a

teoria neoclássica ensina que, se houver excesso de oferta, o preço deve cair e que, se houver excesso de demanda, o preço deve subir, de tal modo que o mercado sempre está em equilíbrio” (PRADO, 2012, p. 1).

Os autores clássicos formularam uma teoria dos preços estribada na hipótese da igualdade de poderio entre as unidades econômicas presentes num mercado, apresentando as relações que se es tabelecem nele como essencialmente contratuais. Nada há de menos conforme ao funcionamento da economia contemporânea que esta idéia de uma concorrência entre iguais. Eis porque tantos autores sentiram de seu dever frisar a idéia de que as firmas presentes num mercado não são todas dotadas do mesmo poderio econômico, chegando algumas delas a impor às outras sua própria política de produção ou preços: exercem [...] um 'efeito de dominação'. (JAMES, 1959, p. 105).

Os resultados desiguais deste “efeito dominação” não são exclusivamente financerios, podendo ser perfeitamente expressos em termos utilitaristas, inclusive desautorizando o princípio das trocas sempre mutuamente vantajosas de bens de uso. Tome-se, por exemplo, as unidades A e B como representantes de um demandante e um ofertante:

A unidade A, [...] resolve exercer um efeito de dominação sobre a unidade B. Mantendo A e B, por hipótese, relações de troca, a expressão mais geral do máximo resultado útil visado pelas duas partes é a igualdade entre a utilidade marginal obtida e a utilidade marginal cedida. O resultado útil desejado (que não é necessariamente nem exclusivamente o rendimento líquido) é máximo quando: (Utilidade marginal obtida)/(Utilidade marginal cedida) = 1. Se A compra e vende a B serviços e produto, A procurará impor a B uma remuneração marginal inferior à produtividade marginal do fator fornecido por B; A procurará impor a B um preço superior ao valor marginal do produto vendido. A utilidade exterior à troca pura, isto é, a quantidade x que representa o grau de afastamento da igualdade entre utilidade marginal obtida e utilidade marginal cedida, medirá o êxito do efeito de dominação. O princípio aplica-se sem dificuldade aos casos do vendedor de fatores de produção, do comprador de fatores de produção, do vendedor de bens finais e do comprador de bens finais. (PERROUX, 1967, p.

843-44) .

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Destarte, “evidencia-se mais uma vez que nada absolutamente se pode explicar com a relação entre a oferta e a procura, antes de se conhecer a base sobre que opera essa relação” (MARX, 1985, p. 205).

Para Marx era impossível definir a exploração com um conceito de equilíbrio. Rejeitou, portanto a idéia de análise de equilíbrio como um instrumento inútil e irrelevante, como uma abstração que falsificava a realidade da concorrência, propriedade privada e exploração. [...]. Implícita nessa recusa de Marx de aceitar o método da Economia Política, estava a conclusão de que, sob o regime de concorrência e exploração, qualquer tentativa de quantificar as relações econômicas estava condenada a permanecer puramente ilusória. [...]. Mas os economistas, através de suas abstrações de equilíbrio, haviam conseguido compor uma descrição muito geral, idealizada, da estrutura da economia. Como hoje diríamos, construíram um modelo abstrato do sistema capitalista. O pleno desenvolvimento desse modelo e a introdução nele de uma força crítica, demonstrando sua relatividade histórica, viriam a ser notável contribuição de Marx à ciência social . (MORISHIMA, CATEPHORES, 1980, p. 18-20).

Como lembram ainda Morishima e Catephores, também Engels “teve de enfrentar um certo número de questões técnicas de análise econômica, referentes especialmente à teoria do valor dos economistas” (MORISHIMA, CATEPHORES, 1980, p. 17), e negou a possibilidade de se definir o valor real de um bem/serviço, por falta da base social para sua avaliação objetiva.

A existência de tal base era impossibilitada pelo caráter antagônico das relações de troca que sempre introduzia viés em qualquer avaliação. A Economia Política só poderia tratar legitimamente do preço determinado pela oferta e demanda competitivas. Esse normalmente seria um preço d e d e s e q u i l í b r i o . ( M O R I S H I M A , CATEPHORES, 1980, p. 17).

Desdobrando a crítica das relações intra-classes às relações inter-classes, Marx conclui:

[...] a 'necessidade social', isto é, o que rege o princípio da oferta e da procura, depende

essencialmente da relação existente entre as diversas classes e da posição delas na economia, notadamente, portanto, da relação da mais-valia global com o salário e da relação entre as diferentes porções em que a mais-valia se reparte (lucro, juros, renda fundiária, tributos, etc.) (MARX, 1985, p. 205).

Já para Marx, presta serviço há muito a abstração das complexidades da troca:

Com efeito, pretende-se e tenta-se provar, abstraindo da forma específica das esferas mais desenvolvidas do processo de produção social, abstraindo das relações econômicas mais desenvolvidas, que todas as relações econômicas são sempre as da troca simples da trocas das mercadorias e das determinações correspondentes da propriedade (liberdade, igualdade). Por uma abstração realmente muito fácil, que despreza ora um aspecto ora outro da relação específica estudada, acaba por se reduzir esta às determinações abstratas da circulação simples, provando deste modo que as relações econômicas em que os indivíduos se inserem nestas esferas mais desenvolvidas do processo de produção não são mais que relações da circulação simples, etc. E foi deste modo que o Sr. Bastiat fantasiou a sua teoria econômica, as 'harmonia econômicas'. Contrastando com a economia política clássica de um Steuart, um Smith ou um Ricardo, que tiveram a coragem de apresentar frontalmente as relações de produção na sua forma pura, esta teoria pretensiosa e impotente, que quer vender-nos gato por lebre, julga-se um progresso. Aliás Bastiat nem sequer é o criador desta harmoniosa concepção: foi inspirar-se na obra do economista americano Carey. Carey, habitante do novo mundo, que apenas tinha a América como fundo histórico da sua maneira de ver, demonstrou nas suas obras demasiado prolixas da sua primeira fase a 'harmonia' econômica, que consiste em regressar às determinações abstratas do processo

9de troca simples (MARX, 1985, p. 282-283) .

2 .5 REFUTAÇÃO MATEMÁTICA DO POSTULADO DA EQUIVALÊNCIA

Suponha-se que havia a relação A = y B onde A e (t-1)

B são bens e y é a taxa de troca no instante t - 1. Elevado o preço de A, gerou-se a inequação A + ∆A > y B. A razão de troca capaz de equalizar a t (t-1)

inequação é y no instante t. Gera-se a inequação y (t)

> y ou (t-1)

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> y ou y =A/B < (A + ∆A)/B = y(t-1) (t-1) t

Fica assim demonstrado que, por maior ou menor que seja a variação ∆A, sempre haverá um A = y B t

final como “preço de equilíbrio” no mercado.

O que caracteriza esta forma de circulação é que sempre se apresenta como um fenômeno que assegura o intercâmbio de produtos 'equivalentes'. Por isto Marx pode mostrar que o intercâmbio mercantil tem, necessariamente, a forma do intercâmbio equivalente. Por conseguinte, a forma 'valor' é o que ele chama também a 'forma equivalencial'. Esta última não é mais que a forma de um 'reflexo': cada mercadoria 'reflete' seu valor em outra mercadoria que lhe serve de espelho. Este efeito de espelho é típico de um espaço de representação da sociedade mercantil, espaço que proporciona à ideologia burguesa suas figuras familiares: a equivalência, a igualdade, a reciprocidade, etc. As lutas que se desenvolvem sobre o terreno da ideologia burguesa sempre põe em ação estas noções, a partir das quais aqueles que se vêem envoltos nesta ideologia buscam 'fundamentar' o 'justo' e o 'injusto', 'demonstrar' que tal relação particular satisfaz ou não satisfaz os critérios ideológicos da equivalência, ou da igualdade, etc. Também os 'transtornos' que as lutas ideológicas fazem sofrer às aparências da equivalência não deixam o terreno ilusório das formas inerentes ao espaço de representação próprio das relações mercantis. A denúncia da injustiça de um intercâmbio implica a ilusão do 'intercâmbio justo, do 'preço justo', etc. (BETTELHEIM, 1972, p. 306-307).

Esta equação A = y B é o símbolo de toda a t

mistificação dos preços e das quantidades que se trocam numa igualdade sem necessariamente se equivalerem em termos de valor. Desenvolver este simulacro até o extremo de explicar, através dele, todo o funcionamento da economia capitalista, é uma tentativa tipicamente neoclássica, via álgebras do equilíbrio geral. Nas palavras de G. Myrdal: “Tal tentativa está fadada a conduzir a um vazio escolasticismo matemático. O processo lógico nunca rende mais do que aquilo que se põe nele.” (MYRDAL, 1962, p. 122). Isto porque, naturalmente,

[...] a análise matemática é lógica por natureza, e não empírica, podendo ser considerada responsável pelas conclusões, somente quanto à

validade lógica, dadas as definições e hipóteses nas quais elas são baseadas, mas não quanto à sua precisão empírica. Assim, se a análise matemática é efetuada corretamente, mas suas conclusões são empiricamente incorretas, as definições e hipóteses devem ser examinadas para precisão e completude. [...] - se as conclusões são insustentáveis, as definições e hipóteses devem ser examinadas e revistas. (WEBER, 1986, p. 2).

Foi precisamente incorrendo em formalismos que certa “apparent precision of matematics has generated vagueness” (aparente precisão matemática tem gerado vacuidades), salientou a Profa. J. Robinson na sua introdução ao Classical and Neoclass ica l Theor ies o f General Equi l ibr ium – His tor ica l Or igens and Matematical Structure (Teorias Clássica e Neoclássica do Equilíbrio Geral – Origens Históricas e Estrutura Matemática) de V. Walsh e H. Gram (ROBINSON, 1980, p. 3), não sem precedentes de mitofobia dentro do próprio

10neoclassicismo.

O equilíbrio parece ser portanto algo de completamente diferente do que habitualmente nele se vê. Em si mesmo, não é uma representação correta da vida das economias de mercado [...]. Conseqüentemente, de cada vez que as relações entre sujeitos econômicos, entre adversários, são apresentados como relações entre objetos, entre contíguos físicos, a fecundidade do esquema fica comprometida. O resto importa menos. (PERROUX, 1967, p. 24-25).

Porém, para quem quer ver, “a exploração não desaparece, porque está incrustada no próprio mode lo de equ i l íb r io” (MORISHIMA, CATEPHORES, 1980, p. 23). Em carta a Kugelmann de 11 de julho de 1868, refletira, a proprósito destes truismos, K. Marx:

O economista vulgar não tem a mínima idéia de que a relação de troca real de todo dia não precisa ser diretamente identificada com as magnitudes do valor. [...]. E assim o economista vulgar pensa que fez uma grande descoberta quando, como se contrariamente à revelação da conexão interna, ele afirma com orgulho que na aparência as coisas parecem diferentes. De fato, está jactando-se de agarrar-se à aparência e tomá-la pela última palavra. Qual então a razão de ser de toda Ciência? (MARX, 1974, p. 227-228).

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Em síntese, o modelo estático de formação dos preços de equilíbrio pretendeu captar a formação dos preços concorrencia is , omit indo a inequipotência dos atores, os efeitos imediatos destas diferenças de poder e as suas conseqüências circulares cumulativas.

Os processos acumulativos tendentes à desigualdade [...] operam por meio de muitas cadeias causais que, em regra, não são considerados na análise teórica do jogo das forças de mercado. [...]. A teoria econômica não tem considerado os chamados fatores não-econômicos e os mantém fora do âmbito da análise. Figurando tais fatores entre os principais veículos de causação circular dos processos acumulativos de mudança econômica, sua omissão representa uma das maiores deficiências da teoria econômica. (MYRDAL, 1968, p. 56-57).

Com efeito:

Q u e r a f o r ç a e a c o a ç ã o s e e x e r ç a m intencionalmente, quer não, como dados de puro fato ou num quadro institucional, por ocasião de acontecimentos transitórios ou por efeito duma estrutura duradoura, são normalmente lançados nestes dois 'repositórios' que possibilitam ao economista eximir-se de tanto esforço e absolver-se de tanta ignorância: os 'dados' (Daten), que não necessitam ser explicados, e os elementos 'extra-econômicos' [...]. Não possuímos uma teoria de conjunto, coerente e utilizável, daquilo para que proponho a denominação de 'e fei to de dominação ' em economia; essa t eo r i a proporcionar-nos-ia uma primeira síntese, indispensável à síntese mais lata a realizar entre uma teoria da economia e uma teoria da força, do poder e da coação (PERROUX, 1967, p. 37-39).

O ensino da economia política da troca adquire contornos polêmicos, pois é exatamente

[...] esse o papel da teoria, que não se confunde com a ideologia, pois está encarregada de desvendar os processos históricos que dão origem à dominação, enquanto a ideologia visa justamente ocultá-la. (ARANHA, 1996, p. 35).

2.6 DA CONCORRÊNCIA IMPERFEITA AO EQUILÍBRIO IRRECÍPROCO

Cabe recordar alguns pontos da inflexão

conceitual do modelo de formação dos preços de equilíbrio a partir do segundo quartel do século XX, da concorrência imperfeita, por J. Robinson, e da monopolística, por E. Chamberlin. Aquela sublinhara as imperfeições da concorrência e “uma das questões práticas mais importantes de nossos dias: os efeitos da coalizão de empresas; por assim dizer, da passagem de um conjunto de vendedores, que atuam em condições de concorrência imperfeita, a uma única unidade de controle” (ROBINSON, 1969, p. 35). Agora se compare a simplicidade do modelo (neo)clássico marshaliano com o de Chamberlin (Grágico 2), segundo o qual:

Gráfico 2 – Preço de monopólioFonte: Chamberlin (1946, p. 27).

Em determinadas condições de oferta e demanda, e de concorrência, monopólio ou ambos, o preço tende a estabelecer-se em um ponto de equilíbrio que supõe um balanço de forças opostas. [...]. Porém o preço de equilíbrio não é, em geral, o mesmo que o preço de igualação; será um preço de igualação unicamente em condições de concorrência pura. [...]. No gráfico [2], sendo as curvas de demanda e oferta D D e S S 1 2 1 2

respectivamente, o preço de igualação será PE. Não obstante, o monopolista fixa seu preço em um ponto algo mais alto, digamos p com o qual logra 1 ,

11um lucro total máximo . Pode manter seu preço nesse ponto porque, por hipótese, não existe ninguém que o rebaixe. Agora, o fato de o

12monopólio não ter modificado as curvas , e evidentemente a oferta e a demanda não se encontram igualadas, já que a oferta e a demanda não se encontram igualadas, já que a oferta a este

13preço é q e a demanda é q . Não obstante, 2 1

podemos chamar p preço de equilíbrio. Os preços 1

tendem a ele; se devido a circunstâncias temporais ou a equívocos do monopolista o preço desviasse

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deste ponto, tenderia novamente para ele; representa o equilíbrio de forças opostas de perda e ganho que elevam ao máximo o lucro total. [...]. O equilíbrio das forças econômicas tem sido identificado erroneamente como um equilíbrio entre a oferta e a demanda. Este último é tão somente um caso especial do primeiro. As curvas de oferta e demanda não nos indicam, nem por si mesmas, nem por sua interseção, até que se conheçam outras condições, que preço estabelecer-se-á. Por assim dizer, são marcas, porém nada mais. O caso do monopólio tem se elegido como um exemplo familiar e simples que ajuda a eliminar da noção de equilíbrio suas relações com as curvas de oferta e demanda. [...] a maior ia dos p reços con tém e lementos monopolísticos (incluídos geralmente entre as 'imperfeições' da concorrência) que se combinam em formas diversas com a concorrência, e que o resultado é, em regra, um equilíbrio de preços que não equilibra oferta e procura. (CHAMBERLIN, 1946, p. 27-30).

Desde então se patenteou, se ensinou e se tornou lugar comum, daí passando aos handbooks, que “o caso geral não era o de concorrência perfeita ou pura, mas ao contrário esse era o caso de exceção” (PEREIRA, 1967, p. 432), que “a maior parte dos mercados envolve concorrência imperfeita”, que “os mercados para a maior parte dos bens manufaturados são, por exemplo, imperfeitos. Os produtos são diferenciados, e muitos fornecedores estão em posição de influenciar o preço de seu produto e as condições gerais de comércio em um

mercado”(TISDEL, 1978, p. 83).

De fato, o oligopólio “não aparece como um caso teórico particular, senão como a forma de mercado mais freqüente, ainda que configurada sob diversas formas, na realidade econômica moderna” (LABINI, 1965, p. 28-29), concluindo-se que, no “aspecto teórico, a nova forma de mercado é a do 'oligopólio concentrado'.” (LABINI, 1965, p. 30). Estes resultados têm ascendência nos trabalhos de A. Cournot (1801-1877) para quem a tendência dos custos decrescentes de escala era monopólica, bem como fundam-se no seminal “As Leis dos Rendimentos sob as Condições de Concorrência”, de P. Sraffa, que reassentou a tendência monopolística das novas economias de mercado. Marx os precede:

Essa dispersão do capital social em muitos

capitais individuais ou a repulsão entre seus fragmentos é contrariada pela força de atração existente entre eles. Não se trata mais da concentração simples dos meios de produção e do comando sobre o trabalho, a qual significa acumulação. O que temos agora é a concentração dos capitais já formados, a supressão de sua autonomia individual, a expropriação do capitalista pelo capitalista, a transformação de muitos capitais pequenos em poucos capitais grandes. [...]. O capital se acumula aqui nas mãos de um só, porque escapou das mãos de muitos noutra parte. [...]. Os capitais grandes esmagam os pequenos. Demais, lembramos que, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, aumenta a dimensão mínima do capital individual exigido para levar avante um negócios em condições normais. Os capitais pequenos lançam-se assim nos ramos de produção de que a grande indústria se apossou apenas de maneira esporádica ou incompleta. A concorrência acirra-se então na razão direta do número e na razão inversa da magnitude dos capitais que se rivalizam. E acaba sempre com a derrota de muitos capitalistas pequenos, cujos capitais ou soçobram ou se transferem para as mãos do vencedor. Além disso, a produção capitalista faz surgir uma força inteiramente nova, o crédito. Este, de início, insinua-se furtivamente, como auxiliar modesto da acumulação e por meios de fios invisíveis leva para as mãos de capitalistas isolados ou associados os meios financeiros dispersos, em proporções maiores ou menores, pela sociedade para logo se tornar uma arma nova e terrível na luta da concorrência e transformar-se por fim num imenso mecanismo social de centralização dos capitais. [...]. Além disso, o progresso da acumulação aumenta a matéria que pode ser centralizada, isto é, os capitais individuais, enquanto a expansão da produção capitalista cria a necessidade social e os meios técnicos dessas gigantescas empresas industriais cuja viabilidade depende de uma prévia centralização do capital. Hoje em dia, portanto, é muito mais forte do que antes a atração recíproca dos capitais individuais e a tendência para a centralização. (MARX, 1987, p. 727-728).

Em 1844 Marx tinha por fato que “o monopólio produz a concorrência, a concorrência produz o monopólio”, não apenas considerando “a concorrência, o monopólio e o seu antagonismo, mas também a sua unidade, a sua síntese, o movimento que é a equilibração real da

14concorrência e do monopólio” . Historiógrafo,

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frisou que “a concorrência foi engendrada pelo monopól io feudal” , do que a moderna “concorrência foi o contrário do monopólio, e não o monopólio o contrário da concorrência”. Teórico, publicou em 1847: “O monopólio engendra a concorrência, a concorrência engendra o monopólio. Os monopolistas competem entre si, os competidores passam a ser monopolistas.” (MARX, 1977b, p. 143). As teses marxistas da dinâmica dos mercados antecederam em 82 anos as de Sraffa, 89 anos as de Chamberlin e Robinson, 96 as de R. Triffin e em mais de um século as de H. Ellis, historiou-se na Universidade de Ilinois (BELL, 1982, p. 542). V. Lênin o sublinhara com precisão:

[...] quando Marx escreveu O Capital, a livre concorrência era, para a maior parte dos economistas, uma 'lei natural'. A ciência oficial procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida c o n c e n t r a ç ã o , n u m c e r t o g r a u d e s e u desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio é um fato. Os economistas publicam montanhas de livros em que descrevem as diferentes manifestações do monopólio e continuam a declarar que 'o marxismo foi refutado'. Mas os fatos são teimosos – como afirma o provérbio inglês – e de bom ou mal grado há que tê-los em conta. Os fatos demonstram que as diferenças entre os diversos países capitalistas, por exemplo no que se refere ao protecionismo ou ao livre câmbio, trazem consigo apenas diferenças não essenciais quanto à forma dos monopólios ou ao momento do seu aparecimento, mas que o ap a r ec imen to d o mo n o p ó l io d ev id o à concentração da produção é uma lei geral e fundamental da presente fase de desenvolvimento do capitalismo. (LÊNIN, 1979, p. 590).

Robinson comentara, a propósito, que “os economistas, seduzidos pela prioridade lógica que tem a concorrência perfeita em seus esquemas, se deixam deter na convicção de que deve ter i d ê n t i c a i m p o r t â n c i a n o m u n d o r e a l ” (ROBINSON, 1969, p. 28) e concluíra:

[...] os economistas acadêmicos, sem prestar muita atenção a Marx, foram forçados pelas experiências dos tempos modernos a questionar

muito da apologética ortodoxa, e os progressos recentes da teoria acadêmica levaram-nos a uma posição que, em algum sentido, assemelha-se muito mais à posição de Marx do que à de seus antecessores. (ROBINSON, 1997, p. 6).

Consta que a “economia política neoclássica recebeu numerosíssimas contribuições desde a época de Jevons, Menger e Walras” (DENIS, 1982), e que, retraçando o curso,

[...] a evolução que vamos ter de traçar apresenta-se como um abandono progressivo das teses mais ambiciosas dos fundadores da escola. E como estas teses não são substituídas por outras, assiste-se a uma erosão lenta do conteúdo da economia política neoclássica (DENIS, 1982, p. 543).

São inúmeros os estudos sobre as inconsistências inferenciais da teoria neoclássica do equilíbrio desde os seus postulados (FRISH, 1936; JAFFE, 1967; ALLAIS, 1971; BENETTI, 1974; BENETTI, BERTHOMIEU, CARTELIER, 1975; FRADIN, 1976).

Quando se fala, neste contexto, de adequação formal de uma teoria, refere-se às condições que ela deve satisfazer, se for capaz de sustentar os corolários de um certo tipo de generalidade. Refer imo-nos ao re lac ionamento ent re proposições e as previsões que podem ser construídas sobre elas. É uma questão de nível de conhecimento, constituído por um conjunto de postulados, isto é, até onde pode chegar esse conhecimento. (DOBB, 1978, p. 11).

Até porque “é bastante fácil construir modelos baseados em pressupostos. A dificuldade se encontra em achar pressupostos que sejam relevantes para a realidade” (ROBINSON, 1971, p. 141; 1980; WALSH, GRAM, 1980). Neste sentido, interveio G. Myrdal:

A solidez de uma teoria dada deve ser experimentada com base em suas próprias premissas. Somente uma crítica que é imanente neste sentido pode ter poder de convicção. Devemos tornar explícita, e em seguida esmiuçar, a longa cadeia de premissas e inferências que jazem sob as fórmulas correntemente aceitas da Economia Política. (MYRDAL, 1962, p. 953).

Mas os próprios sedimentadores da noção

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clássica de preço como equilíbrio de forças contrárias equivalentes sabiam-na inconsistente. Vejamos mais de perto o que postulavam quanto aos resultados da troca:

A suposição é que os compradores se empenhem tanto em comprar barato quanto os compradores em vender caro. [...] 3/4 daqueles que podem comprar pagam preços muito mais altos que o necessário pelas coisas que consomem, ao passo que os pobres muitas vezes fazem o mesmo por ignorância ou por falta de discernimento, por falta de tempo para procurar e investigar, e não poucas vezes por coerção aberta ou disfarçada. [...]. Em todo o raciocínio sobre preços, deve-se subentender implícita a condição seguinte: que todas as partes envolvidas zelem pelo seu interesse. [...] se pode esperar com razão que obedeçam a esses princípios. (MILL, 1996, p. 12-13).

Os neoclássicos estavam igualmente cônscios dos efeitos reais das lutas venda x compra:

[...] ambos se empenharão em tirar o máximo proveito possível. Com isso surgirá o fenômeno que denominamos pechinchar. Cada um dos dois fará de tudo para auferir o máximo possível de proveito dessa oportunidade; cada um deles tenderá a pleitear um preço mais alto [...]. Qual será o resultado, em cifras, dessa luta de preços? [...]: de acordo com a diferença de personalidade dos dois permutadores, bem como de acordo com seu maior ou menor conhecimento da experiência comercial e da situação da outra parte, o resultado da troca poderá ser mais favorável ao primeiro, ou mais favorável ao segundo (MENGER, 1987, p. 333-334).

Demais, estes postulados já eram moedas correntes em filosofia muito antes de serem adotados pela Economia Política (COUTINHO, 1993). Quando lemos, em Menger: “Todo indivíduo deve ser considerado como alguém que troca puramente de acordo com suas próprias necessidades ou interesses privados” (MENGER, 1987, p. 70), pode-se ter em mente o aforismo latino devido a Plauto, em seu Mercator, ato V: Suam quisque homo rem meminit (Cada um só lembra de seus interesses). Em seu República, Platão postulara que “não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça e que fosse capaz de se abster

dos bens alheios e de não lhes tocar, sendo-lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado” (PLATÃO, 1990, p. 57), concluindo, para além da usual discrição da economia política:

Uma vez que, se alguém que se assenhorasse de tal poder não quisesse jamais cometer injustiças, nem apoderar-se dos bens alheios, pareceria aos que disso soubessem muito desgraçado e insensato. Contudo haviam de elogiá-lo em presença uns dos outros, enganando-se reciprocamente, com receio de serem vítimas de alguma injustiça. (PLATÃO, 1990, p. 58).

J. Robinson desvelara o pensamento do empresário oportunista com estas palavras: “Mas, observai, é a honestidade das outras pessoas que me é necessária. Se todo mundo fosse honesto, exceto eu, encontrar-me-ia numa excelente posição.” (ROBINSON, 1964, p. 12). Este acuidade era dos antigos: “Efetivamente, todos os homens acreditam que lhes é muito mais vantajosa, individualmente, a injustiça do que a justiça. E pensam a verdade, como dirá o defensor desta argumentação.” (PLATÃO, 1990, p. 58).

O indivíduo considerado pode, [...], buscar modificar as condições do mercado para tirar vantagem [...]. Considerando-se certo estado do mercado, a troca faz com que o equilíbrio tenha lugar em um ponto; em outro estado, o equilíbrio tem lugar em outro ponto. [...]. Aqueles que, graças a meios poderosos, procuram açambarcar mercadorias, querem, evidentemente, modificar as condições de mercado a fim de obter lucro. [...]. Todos aqueles que gozam de um monopólio e sabem tirar proveito dele agem segundo esse tipo (PARETO, 1996, p. 135-136).

M. Robespierre pintara o escrúpulo moderno em seu Discurso ao Ente Supremo:

Uma seita propagou com muito zelo a opinião [...], que prevaleceu entre os grandes e mais belos espíritos; deve-se-lhe, em grande parte, aquela espécie de filosofia prática que, reduzindo o egoísmo a sistema, considerou a sociedade humana como uma guerra de astúcia, o êxito como a regra do justo e do injusto, a probidade como um negócio de gosto e de decoro, o mundo como um p a t r i m ô n i o d o s t r a t a n t e s h á b e i s . (ROBESPIERRE, s.d., p. 179).

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J. Rousseau o antecedera na denúncia da inversão pragmática do cânone ético:

[...] as noções da justiça desaparecem de ora em diante; é aqui que tudo conduz à lei do mais forte, e, por conseguinte a um novo estado de natureza diferente daquele pelo qual começamos, sendo que um era o estado de natureza na sua pureza, e este último é o fruto do excesso de corrupção. [...] [do que já] ninguém se pode queixar das injustiças de outrem, mas somente da sua própria imprudência ou da sua desgraça. (ROUSSEAU, 1989).

Voltando ao Volume I do Princípios de A. Marshall, em seu balanço do que L. Walras chamou, ao seu tempo, de “o sistema atual”, conclui que, em geral,

[...] a era moderna abriu indubitavelmente novas portas à desonestidade no comércio. [...]. As oportunidades para a velhacaria são por certo mais numerosas hoje do que as de antigamente, mas não há razão para pensar que o homem lance mão de maior proporção dessas oportunidades do que lançava. [...]. A adulteração e a fraude no comércio verificam-se na Idade Média numa extensão que é espantosa se considerarmos as dificuldades de causar dano sem ser descoberto nessa época. (MARSHALL, 1982, p. 27).

Em seu Crimes de Concorrência Desleal, sumariza o cenário da atualidade Delmanto:

Havendo luta – e luta pela conquista – não é surpresa que algum rival tente lançar mão de golpes baixos para ganhar deslealmente a corrida [...]. Assim deixar a porfia a uma absolutamente livre disputa dos antagonistas, seria permitir a vitória dos menos honestos contendores. Para garantir a normalidade da competição e evitar aquelas deslealdades, precisam ser aplicadas algumas normas à concorrência [...]. Mas para que a competição sobreviva, não pode ser permitido aos concorrentes o recurso a meios ilícitos ou desleais; em outras palavras, para que essa liberdade exista, certas regras coercitivas precisam ser-lhes impostas. [...]. E o que é a concorrência desleal, senão o uso de meios ou métodos incorretos para modificar a normal relação de competição? Para os atos menos graves, dá a lei aos prejudicados o direito de civilmente reclamar seus prejuízos; aos mais graves e desleais, ainda os tipifica como crimes e

assim os pune. [...]. Não pode – já se viu – dar completa autonomia à competição, pois esta se deformará e se acabará extinguindo. No jogo dos interesses, faz-se necessária a atuação do Estado. [...]. É para que possa surgir o embate livre que a lei também procura obstar a formação de trustes, que correspondem à própria negação da competição [...]. Mas a concorrência desleal criminosa é só aquela que a lei especifica como tal, dentre as várias possíveis formas de competição desonesta. [...]. É evidente que a concorrência, mesmo sendo leal, quase sempre causa dano a terceiros. Basta lembrar-se que o comprador que logra 'sucesso' na disputa, possivelmente estará retirando esse mesmo 'sucesso' dos seus rivais. Em um exemplo que facilita a compreensão: o industrial, que nas lutas da competição atrai maior número de consumidores, está privando seus concorrentes de parte desses fregueses, atuais ou futuros. A simples repartição da clientela, mesmo feita através de meios leais, já é, por si mesma, nociva aos outros [...]. Tal tipo de 'prejuízo' faz parte da concorrência e não há como eliminá-lo, a menos que se suprima a própria competição. É, aliás, o que a faz singular: o poder um rival atacar e prejudicar outro (DELMANTO, 1975, p. 11-15).

Que vem a ser o preço justo exceto uma contratendência diametralmente oposta a tudo isto? A Economia Política, como ciência, demonstra inequivalências; não as obumbra a

[...] sustentar a apologia do modo de produção capitalista por meio da análise da troca [...]. Tal apologética dissimula os interesses de classes opostos, inerentes às relações de produção capitalista, e apresenta esse modo de produção sob a luz de trocas harmoniosamente estabelecidas, das quais todas as classes sociais tiram vantagens. (LANGE, 1967, p. 275-276).

Neste sentido, em seu Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico, Celso Furtado lembra, à altura do Capítulo 3 - As Formulações Neoclássicas:

É sabido que no último quartel do século XIX e começos do XX um ingente esforço foi realizado pelos economistas para contornar as dificuldades que haviam sido criadas pela teoria do valor-trabalho. Essa teoria se transformara na mais perigosa arma de que dispunham os socialistas em sua luta crescente contra o capitalismo. Marx fundara nela toda a construção teórica de O

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Capital. Foi necessário criar um instrumento analítico novo e reformular uma série de conceitos. Na culminância deste esforço, encontra-se a teoria do equilíbrio geral. (FURTADO, 1979, p. 36).

Adiante, Furtado sinaliza dois marcos da Crítica da Economia Política contemporânea:

Foi o estudo do desenvolvimento que permitiu desviar a atenção dos valores de equilíbrio das variáveis para a identificação dos elementos estruturais que condicionam o comportamento dos agentes responsáveis pelas decisões estratégicas. A importância do trabalho de Myrdal está em que ele levou a uma revisão das próprias categorias analíticas. [...] os supostos valores de equilíbrio das variáveis são uma abstração sem correspondência na realidade que tendem a ocultar os aspectos mais significativos do comportamento dos agentes econômicos. [...]. Perroux, por sua vez, assimilou a importância de certos agentes na ordenação das atividades econômicas e na transformação das estruturas, pondo em evidência o fenômeno de poder que é subjacente às relações econômicas. (FURTADO, 1979, p. 111).

Daí, conquanto o marginalismo e suas correlatas teorias do “equilíbrio”, da “vantagem mútua” etc. do capitalismo, sigam sendo o mainstream do pensamento econômico, isto se explica perfeitamente “ao niveau de la compréhension du sistéme néoclassique como construction ideólogique” (FRADIN, 1976, p. 226-233),

15sobremodo no século XXI, mas já desde o XIX :

Em tese, chama-se equilíbrio o estado de um sistema de forças (ou atos) que tendem a uma situação estática na qual não se considere necessário introduzir alterações de espécie alguma. Já a Economia clássica assentara esses pressupostos de auto-regulação da vida econômica, e a escola austríaca defendeu os postulados de um equilíbrio na base fundamental da identidade da oferta e procura. Mas além dessa noção tirada à Mecânica, como teorias do equilíbrio econômico vamos entender aqueles princípios e ideias expostos pelos diferentes autores, desde o fim do século passado até a terceira década do atual - em que visava demonstrar a tendência ou a possibilidade de haver constância e tranquilidade na vida econômica das sociedades, através de condições

propiciadoras dos processos de produção e circulação, ensejando-se, assim, uma expectativa otimista para o progresso material que caracterizou o final do século passado e o início do atual. A teoria do equilíbrio econômico foi o trabalho ultimado de construção teórica destinado a se opor ao marxismo. [...] É indiscutível que a partir de 1867, quando da publicação de O Capital foi que começou o grande interesse pela Economia Política, que até o início deste século [vinte] se empenhou inteira em contestá-lo, procurando convalescer a própria economia do baque sofrido pela construção marxista. A teoria do equilíbrio foi a réplica. (PEREIRA, 1967, p. 397-398).

Por traz da questão da equação ou inequação entre dois termos, subsiste, a despeito de todos os esforços de ocultá-las ou maquilá-las de tons rosáceos, as do poder social, geradoras de desequilíbrios nos mercados com base nas trocas inequivalentes ou no que propomos chamar de equilíbrios irrecíprocos.

Estou convencido de que vivemos por assim dizer um momento inverso ao período do imediato pós-guerra, que Polanyi denominou a Grande Transformação. Aquela altura do século, o capitalismo parecia ter sido domesticado pela sociedade. Agora que ele rompeu a carapaça que o submetia e protegia as populações, podemos falar de uma vingança do capitalismo contra a sociedade. Tudo se passa como se as tendências fundamentais do capitalismo reemergissem com intensidade redobrada. O desenvolvimento monstruoso do capital financeiro revelou uma verdade incontestável. Ou por outra, verdade bem conhecida de Marx e Keynes, de Braudel e Polanyi – nós é que andávamos meio entorpecidos pelas décadas de capitalismo domesticado, esquecidos de que o capitalismo é um regime de produção orientado para busca da riqueza abstrata, da riqueza em geral expressa pelo dinheiro. Esta abstração destrutiva aparece com toda a sua força nua e crua no atual rentismo especulativo. Mas aparece por assim dizer encoberta pelo véu tecnológico das forças produtivas desencadeadas pela Terceira Revolução Tecnológica, sob a qual também se camufla o conflito entre o capital produtivo e o capital especulativo. Daí a enorme disparidade do crescimento dos últimos anos – medíocre, se comparado aos anos 30 anos ditos gloriosos do pós-guer ra – e o imenso po tenc ia l de desenvolvimento que a aplicação da ciência

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moderna poderia oferecer à humanidade, não fosse ele bloqueado pelas forças predominantes da propriedade capitalista. Resta a crescente redundância do trabalho vivo. Outra tendência fundamental – a desvalorização do trabalho – que retornou com força total. O desemprego estrutural, a precarização do trabalho, a intensificação da disparidade dos rendimentos, a heterogeneidade do mercado de trabalho e o agravamento da pobreza estão aí para quem quiser ver, e reconhecer enfim no capitalismo o que ele sempre foi, uma gigantesca máquina de produzir desigualdade. (MELLO, 1997, p. 23-24).

Reconsiderando que “o intercâmbio de mercadorias representa, em última análise, um [...], um intercâmbio de direitos sobre uma [...] participação no produto econômico da sociedade” (EMMANUEL, 1972, p. 42), cabe assinalar que “os economistas têm perdido de vista o fato de que atrás das mercadorias que se intercambiam estão os homens que reclamam parte do produto social” (Idem, p. 41), isto é, do valor adicionado aos bens preexistentes de cada um.

A questão fundamental é então esta: será que este excedente é distribuído proporcionalmente à contribuição produtiva dos participantes na produção (em proporção à parte de cada um no custo), ou será que alguma classe que tenha feito pouca ou nenhuma contribuição produtiva consegue apropriar-se dele e, se assim for, como e por quê? Esta não é uma investigação ética, estranha ao domínio das investigações científicas rigorosas. Mas é, no entanto uma investigação que a economia moderna eliminou com êxito. (DOOB, 1978, p. 30).

2.7 RITORNELO AOS POSTULADOS

Epistemologicamente, as questões das “teses de par t ida” , da endogeneização de dados cons iderados ' não-econômicos ' e a da dinamização destes em conexão com as variáveis de preço e quantidades, entre outras questões de método, foram explosivamente repostas no século XX e inspiraram revisões, espraiando-se em diferentes correntes da Crítica da Economia Política.

A análise econômica a partir de fins de século passado, ou seja, a partir do momento em que técnicas mais refinadas começaram a ser mais

utilizadas, orientou-se quase exclusivamente para a construção de modelos 'estáticos'. Daí o seu notório caráter a-historicista, o que vem a ser uma forma de 'estruturalismo'. A partir dos anos trinta, o esforço no sentido de 'dinamização' dos modelos tem sido crescente, se bem que os resultados, de maneira geral, não hajam correspondido às expectativas. [...]. O estruturalismo econômico (escola de pensamento surgida na primeira metade dos anos cinquenta entre economistas latino-americanos) teve como objetivo principal por em evidência a importância dos 'parâmetros não econômicos dos modelos macroeconômicos. Como o compor tamento das va r iáve i s econômicas depende em grande medida desses parâmetros e a natureza dos mesmos pode modificar-se significativamente em fases de rápida mudança social, ou quando se amplia o horizonte temporal da análise, os mesmos devem ser objeto de meticuloso estudo. Essa observação é particularmente pertinente com respeito a sistemas econômicos heterogêneos social e tecnologicamente, como é o caso das economias subdesenvolvidas. [...] Como esses fatores 'não-econômicos' - regime de propriedade da terra, controle das empresas por grupos estrangeiros, existência de uma parte da população 'fora' da economia de mercado - integram a matriz estrutural do modelo com que trabalha o economista, aqueles que deram ênfase especial ao estudo de tais parâmetros foram chamados de 'estruturalistas'. Em um certo sentido, o trabalho desses economistas aproxima-se do daqueles outros preocupados em dinamizar os modelos econômicos [...]. Considerado o problema sob outro aspecto, os estruturalistas retomaram a tradição do pensamento marxista, na medida em que este último colocou em primeiro plano a análise das estruturas sociais como meio para compreender o comportamento das variáveis econômicas. (FURTADO, 1979, p. 83-84).

Destarte, uma longa série de estudos voltaram-se “à discussão de pressupostos feitos pela teoria neoclássica”, apontando “quão importantes são esses pressupostos para a obtenção das conclusões da teoria neoclássica” (DAMÁSIO, 1984). Esta revisão não é sem precedentes. Já Stuart Mill assentava que “a consideração da definição de uma ciência está inseparavelmente ligada à do método filosófico da ciência, a natureza pelo qual suas investigações devem ser conduzidas, suas verdades alcançadas” (MILL, 1974. p. 302), concluindo:

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Isso não deve ser negado pelo economista político. Se ele o nega, então, e somente então, ele se coloca no erro. [...]. Tudo o que se requer é que ele esteja atento para não atribuir às conclusões que são fundadas numa hipótese uma espécie diferente de certeza daquela que realmente lhes per tence. Elas ser iam verdadeiras sem qualificação apenas num caso que seja puramente imaginário. À medida que os fatos reais se agastam da hipótese, ele deve admitir um desvio correspondente da estrita letra de sua conclusão; de outro modo ela será verdadeira somente para as coisas que ele arbitrariamente supôs, não para as coisas que realmente existem. (MILL, 1974. p. 302).

Karl Marx e Friedrich Engels estabeleceram a posição epistemológica do materialismo histórico-dialético desde os anos 1840:

Esta maneira de considerar as coisas não é desprovida de pressupostos. Parte de pressupostos reais e não os abandona um só instante. Estes pressupostos são os homens, não em qualquer fixação ou isolamento fantásticos, mas em seu processo de desenvolvimento real, em condições determinadas, empiricamente visíveis. (MARX, ENGELS, 1979, p. 38).

Noutra formulação:

Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem dogmas. São pressupostos reais de que não se pode fazer abstração a não ser na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua própria ação. Estes pressupostos são, pois, verificáveis por via puramente empírica. (MARX, ENGELS, 1979, p. 26-27).

Em seu Contribuições à Crítica da Economia Política, Marx tornaria à carga metodológica, fincando pé em que os fatos históricos são “o verdadeiro ponto de partida e, portanto, igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação ['reprodução do concreto pela via do pensamento'].” (MARX, 1977, p. 218 e segs.). Dialeticamente, o método teórico, salientara Engels, longe de desenraizar-se dos fatos,

[...] não é, na realidade, mais que o método histórico, despojado unicamente de sua forma

histórica e das contingências perturbadoras. Ali onde começa esta história deve começar também o processo discursivo, e o desenvolvimento posterior deste não será mais que a imagem refletida, em forma abstrata e teoricamente consequente, da trajetória histórica; uma imagem refletida corrigida, porém corrigida com referência às leis que brinda a própria trajetória histórica (ENGELS apud RUMIANTSEV, 1978, p. 19-20).

Voltando à carga do “ponto de partida” abstrato, Marx advertira:

Parece correto começar pelo real e o concreto, pelo que se supõe efetivo; por exemplo, na economia, partir da população, que constitui a base e o sujeito do ato social da produção no seu conjunto. Contudo, a um exame mais atento, tal revela-se falso. A população é uma abstração quando, por exemplo, deixamos de lado as classes de que se compõe. Por sua vez, estas classes serão uma palavra oca se ignorarmos os elementos em que se baseiam, por exemplo, o trabalho assalariado, o capital, etc. Estes últimos supõem a troca, a divisao do trabalho, os preços, etc. O capital, por exemplo, não é nada sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem os preços, etc . Por conseguinte, se c o m e ç á s s e m o s s i m p l e s m e n t e p e l a população, teríamos uma visão caótica do conjunto. Por uma análise cada vez mais precisa chegaríamos a representações cada vez mais simples; do concreto inicialmente representado passar íamos a abs t rações progressivamente mais sutis até alcançarmos as determinações mais simples. Aqui chegados, teríamos que empreender a viagem de regresso até encontrarmos de novo a população - desta vez não teríamos uma idéia caótica de todo, mas uma rica totalidade com múltiplas determinações e relações. Tal foi historicamente, a primeira via adotada pela economia política ao surgir. Os economistas do século XVII, por exemplo, partem sempre do todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados, etc.,; no entanto, acabam sempre por descobrir, mediante a análise, um certo número de relações gerais abstratas determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor, etc. Uma vez fixados e mais ou menos elaborados estes fatores começam a surgir os sistemas econômicos que, partindo de noções simples - trabalho, divisão do trabalho,

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necessidade, valor de troca - se elevam até ao Estado, à troca entre nações, ao mercado universal. Eis, manifestamente, o método científico correto. O concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações e, por isso, é a unidade do diverso. Aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, e não como ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida, e, portanto, também, o ponto de partida da intuição e da representação. No primeiro caso, a representação plena é volatilizada numa determinação abstrata; no segundo caso, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento. [...]. Com efeito, a mais simples categoria econômica - por exemplo, o valor de troca - supõe uma população, população essa que produz em condições determinadas; supõe ainda um certo tipo de família, ou de comunidade, ou de Estado, etc. Tal valor não pode existir nunca senão sob a forma de relação unilateral e abstrata, no seio de um todo concreto e vivo já dado. Pelo contrário, como categoria, o valor de troca tem uma existência anti-diluviana. (MARX, 1977a, p. 218-219).).

Desenvolve ainda este argumento em sua Introdução à Contribuição para a Crítica da Economia Política:

A produção em geral é uma abstração, mas uma abstração racional, na medida em que realça os elementos comuns, os fixa e assim nos poupa repetições. Contudo, esses caracteres gerais ou esses elementos comuns, destacados por comparação, articulam-se de maneira muito diversa e desdobram-se em determinações distintas. Alguns desses caracteres pertencem a todas as épocas; outros, apenas a algumas. Certas determinações serão comuns às épocas mais recentes e mais antigas. São determinações sem as quais não se poderia conceber nenhuma espécie de produção. [...]. Indispensável fazer ressaltar claramente as características comuns a toda a produção em geral, e isto porque, uma vez que são sempre idênticos o sujeito (a humanidade) e o objeto (a natureza), correríamos o risco de esquecer as diferenças essenciais. Neste esquecimento reside, por exemplo, toda a "sapiência" dos economistas políticos modernos, os quais tentam demonstrar que as relações sociais existentes são harmoniosas e eternas. (MARX, 1979, p. 203).

A ironia era científica. A economia burguesa, do 16equilíbrio, equivalência etc., desmoronava .

Não se trata de querelas semânticas ou de debates de idéias puras. A história do 'pensamento econômico' [...] não se desenvolve conforme as de uma autarquia teórica. Marx já o havia descoberto ainda antes de iniciar sua crítica da economia política, crítica que tinha que provocar uma ruptura na história do 'pensamento econômico'; [...]. Esta crítica se funda em uma nova interpretação da realidade social, e em uma epistemologia que rompe tanto com o empirismo como com o idealismo tradicional. Daí deriva um método analítico completamente distinto ao da economia política clássica, que se inscreve em uma tradição de pensamento que Marx rechaçou antes de empreender sua crítica da economia política. A economia política ignora o movimento e a h is tór ia , e Marx quer expl icá- los . (DOSTALER, 1980, p. 13-14).

Furtado, distinguiu, do ponto de vista do caráter mais crítico ou apologético, respectivamente, economia clássica e neoclássica:

A diferença principal entre os dois enfoques [o neoclássico e o clássico] está em que a atitude mental dos clássicos era inovadora e, até certo ponto, revolucionária, ao passo que os neoclássicos estavam armados de uma ideologia defensiva e, até certo ponto, reacionária. A atitude revolucionária dos clássicos é clara em sua luta contra as sobrevivências das instituições feudais. Em Adam Smith essa atitude se manifesta na luta contra os privilégios e pela liberdade de comércio interno e externo. Ao definir-se contra o colonialismo em sua época, Smith tomava o partido da industrialização, nascente na Inglaterra, contra as formas arcaicas de organização monopolista do comércio. Ricardo, por seu lado, atacou os resquícios do feudalismo, tanto com sua teoria da distribuição – baseada na concepção de renda diferencial – como a teoria dos custos comparativos, que demonstrava o quão vantajosa era para a Inglaterra a política de importação livre de produtos agrícolas. As duas teorias básicas de Ricardo apontavam na mesma direção: enfraquecer a posição da agricultura inglesa, na qual assentava o conjunto de privilégios, herdados do feudalismo, e que constituíam amarras às forças que impulsionavam a indústria do país. A essa ligação com as forças renovadoras e dinâmicas da sociedade deve-se a efetividade do pensamento dos clássicos. [...]. O pensamento neoclássico refletiu, desde os começos, uma ideologia defensiva: a necessidade

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de contornar os escolhos criados pelos discípulos socialistas dos clássicos e o desejo implícito de justificar a ordem social existente. (FURTADO, 1979, p. 42-43).

A esta altura do debate dezenas de laudas foram vistas e conviria uma síntese, mas é possível?

Como resumir [...] aquilo que pode dizer-se da contribuição dos economistas ortodoxos? Creio que a resposta é fácil. Deixo-vos a ideia de que o erro reside não em qualquer falta de talento ou de maturidade por parte dos adeptos da economia política ortodoxos, mas antes na falsidade fundamental da concepção do real que sustenta o conjunto da sua obra. (SWEEZY, 1979, p. 21).

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Geoambientais da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI/SEPLAN). Assessor Técnico da Superintendência de Economia Solidária (SESOL) da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE) (10/2009-06/2013).

2 - Entre os autônomos de então, contam-se, por exemplo, “os 'trapeiros', divididos em duas linhagens nitidamente distintas – a dos que coletavam trapos limpos e a dos trapos sujos; os 'papeleiros'; os 'cavaquiros', que revolviam os montes de lixo em busca de objetos e matérias vendáveis; os 'chubeiros', apanhadores de restos de chumbo; os 'caçadores de gatos', comprados pelos restaurantes onde eram vendidos como coelhos; os 'coletores de botas e sapatos'; os 'apanha-rótulos' e selistas, que buscavam rótulos de artigos importados e selos de charu-tos finos para vendê-los aos falsificadores; os 'ratoeiros', que compravam os ratos vivos ou mortos a particulares para revendê-los à Diretoria de Saúde; as 'ledoras de mão', os 'tatuadores', os 'vendedores ambulantes' de orações e de literaturas de cordel e os compositores de 'modinhas' ”. (SEVCENKO, 1999, p. 60). 3 - Orientações à implantação de redes de economia solidária são encontradas em MANCE, 2003a, 2003b, 2003c. 4 - Volume mínimo de produção (Vm) calculado através da fórmula Vm = (CF + CV)/P, onde CF são os custos fixos, CV os variáveis e P é o preço do resíduo.

5 - Isto, no mínimo, porque “a regulação implica uma série de problemas que não se verificam em um livre mercado, quais sejam: (i) custos de fiscalização da implementação das medidas regulatórias, uma vez que o ente regulador não é o agente que presta o serviço regulado; (ii) assimetria de informação entre ente regulador e regulado, o que pode impedir que os objetivos da regulação sejam de fato alcançados; e (iii) possibilidade de captura do ente regulador, hipótese em que o agente público age de acordo com os propósitos de grupos de interesse setoriais, deixando de observar o interesse público.” (RAGAZZO, 2007, p. 3). Neste sentido, a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) tem

ministrado uma série de cursos, a exemplo do que será realizado, em turno integral, na Casa Civil do DF, entre os dias 02 e 05 de dezembro de 2013, na forma de uma “introdução do tema da regulação como uma função do Estado, por meio de uma abordagem multidisciplinar, que incorpora os campos da administração pública, do direito e da ciência econômica”, objetivando capacitar pessoas a “compreender em linhas gerais o desenvolvimento da atividade regulatória ao longo da História” e “conhecer o Direito aplicado à atuação das agências reguladoras no Brasil”, além de “perceber a importância de um ambiente de segurança jurídica para a regulação e refletir sobre os principais desafios da regulação no Brasil”, entre outras metas a serem atingidas através de uma ementa em que se destacam o estudo da “legitimidade democrática das agências reguladoras” e de aspectos cruciais da “regulação e defesa da concorrência: divisão de competências entre o CADE e as agências reguladoras; promoção da concorrência em ambientes regulados”, entre outros.

6 - MARX, K. Economic and Philosophic Manuscripts of 1844. In. Marx-Engels, Colected Works, vl. 3, Londres, 1975. p. 235. [n. M.M. & G.C.].

7 - “O absurdo desta ideia evidencia-se desde que a generalizamos. O que alguém ganhasse constantemente como vendedor, haveria de perder constantemente como comprador. De nada serve dizer que há pessoas que compram sem vender, consumidores que não são produtores. O que estes pagassem ao produtor, teriam antes de recebê-lo dele grátis. Se uma pessoa recebe o vosso dinheiro e logo vo-lo devolve comprando-vos as vossas mercado r i a s , po r e s t e caminho nunca enriquecereis por mais caro que vendais. Esta espécie de negócios poderá reduzir uma perda, mas jamais contribuir para realizar um lucro. Portanto, para explicar o caráter geral do lucro não tereis outro remédio senão partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtêm vendendo as mercadorias pelo seu valor” (MARX, 1988, p. 52).

8 - “Assistia razão a Francois Perroux em escrever: 'A assimetria e a irreversibilidade que

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são os elementos constitutivos do efeito de dominação estão em oposição lógica à interdependência recíproca... sobre a qual se constrói a teoria do equilíbrio geral e do seu restabelecimento ou correção automática quando perturbado.' Todo desequilíbrio devido à atuação da firma dominante se torna 'um desvio permanente e cumulativo em relação ao equilíbrio da troca pura. Jamais encontraremos as condições necessárias à eliminação ou correção deste desvio.'” (JAMES, 1959, p. 108).

9 - “Carey é com efeito o único economista americano original, e a grande importância de sua obras reside no fato de, materialmente, ser a sociedade burguesa na sua forma mais livre e mais ampla que lhe serve de base. Exprime de uma forma abstrata as vastas perspectivas da sociedade americana que opõe ao velho mundo. A única base concreta de Bastiat é a pequenez das condições econômicas francesas, que espreitam em todas estas Harmonias, e em oposição às condições de produção inglesas e americanas, depois de as ter idealizado, 'Exigências da razão prática'. Daí, a riqueza de Carey em pesquisas pessoais, pode mesmo dizer bona fide (de boa fé) sobre questões e c o n ô m i c a s e s p e c í f i c a s . Q u a n d o , excepcionalmente, Bastiat finge abandonar os seus lugares comuns elegantemente burilados, para descer ao estudo das categorias reais, por exemplo no estudo da renda imobiliária, plagia pura e simplesmente Carey. Enquanto este último combate principalmente as contradições que rebatem a sua concepção harmoniosa, na forma que os economis tas c láss icos ingleses desenvolveram, Bastiat, por seu lado, advoga contra os socialistas. Carey deve à profundidade das suas concepções o ter achado na própria economia e contradição que tem de combater como partidário da harmonia, ao passo que aquele rabulista vaidoso que é Bastiat só consegue descortinar a contradição externa.” (MARX, 1977a, p. 316-317).

10 - A. Marshall, em Carta a L. Bowley de 27 de fevereiro de 1906, asseverara: "Um bom teorema matemático relativo a hipóteses econômicas era altamente improvável de ser boa Economia; e eu prossegui, cada vez mais, segundo as regras: 1) Use a matemática como linguagem estenográfica, antes do que como um instrumento de

investigação; 2) empregue-a até que se obtenham resultados; 3) traduza para o inglês; 4) estão ilustre com exemplos que tenham importância na vida real; 5) queime a matemática; 6) se não teve êxito em 4, queime 3. Isso tenho feito com freqüência." (MARSHALL apud STRAUCH, 1982. p. XXIV).

11 - “Suponho a ausência de condições favoráveis à discriminação monopolística.” [N.-E.C.]

12 - “Por exemplo, não se pode dizer que a curva da oferta do monopolista é q W, posto que isto 1

quereria dizer que a quantidade q se lança ao 1

mercado independentemente do preço. Não é assim. Se encontra condicionada pelo preço p , e 1

apenas se oferecea este preço.” [N.-E.C.]

13 - “Amenos, desde já, que interpretemos a oferta e a demanda no sentido da quantidade que efetivamente se compra e vende, em cujo quase sempre serão idênticas, e a lei da oferta e da demanda converte-se em um simples galimatias. Exceto neste sentido vazio, o valor de monopólio não tem nada que ver com a lei da oferta e da demanda. O monopolista pode eleger a) seu próprio preço, e b) a quantidade do bem que deseja vender, e os dois terão entre si a relação que revele a curva de demanda do produto monopolista. Qualquer que seja o preço que ele eleja, [...] e qualquer que seja a quantidade que eleja, [...] se elegerão com o fim de elevar o máximo o lucro e não com o fim de igualar a oferta e a procura.” [N.-E.C.]

14 - Carta de Karl Marx a Pável V. Annenkov em Paris. Texto publicado pela primeira vez segundo o original francês, em La Correspondance entre M. Stassioulévitch et ses contemporains, t. III, St.-Pétersbourg, 1912.

15 - “Em 1867 o autor do Manifesto do partido comunista é já muito conhecido. Quando a editorial Meissner, de Hamburgo, publica em setembro de 1867 o livro primeiro de O Capital, Karl Marx é um dirigente importante da primeira Internacional, em cuja criação contribuiu em 1864. Por outro lado, O Capital não é o primeiro texto onde Marx expõe os fundamentos de sua crítica da economia política. Em 1859, já havia feito pública a sua teoria da mercadoria e da moeda, na Contribuição à Crítica da Economia

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76ARTIGO - RILTON PRIMO

moeda, na Contribuição à Crítica da Economia Política. Não obstante, antes de 1867, os trabalhos teóricos de Marx não interessaram muito aos economistas. Se sabe dos esforços de Marx e de Engels para que se 'falasse' da Contribuição. Porém, O Capital contêm, além da teoria do valor que já se encontrava na Contribuição, a teoria da mais valia, elaborada entre 1850 e 1860. Então Karl Marx aparece como um perigoso continuador desses 'socialistas ricardianos' que, ao atribuir teoricamente o valor ao trabalho, reclamam praticamente a totalidade da produção nacional para os trabalhadores. Portanto é importante neste momento negar a exploração que o capital faz da classe operária, destruindo a base mesma da construção teórica que permite explicar os mecanismos da exploração. Esta tarefa se faz mais urgente na medida em que, ao mesmo tempo, o marxismo se constitui em movimento político. O marxismo, a partir de 1870, ia se desenvolver muito rapidamente para converter-se, em menos de dez anos após a morte de Marx, ocorrida em 1883, na doutrina oficial da maioria dos movimentos socialistas europeus. Basta tal contexto político para explicar a multiplicação das críticas do que supostamente é a 'teoria econômica' de Marx, fundador do socialismo científico. A abundância das críticas se produz proporcionalmente à força que obtém o movimento socialista. Esta situação não tem se modificado há mais de um século [...]. A tarefa dos críticos se viu em grande parte facilitada pela publicação, apenas alguns anos depois do livro primeiro de O Capital, dos trabalhos de Jevons, Menger y Walras, [...] essa nova variante da economia vulgar.” (DOSTALER, 1980, p. 19-20).

16 - “Penso que, no momento em que rebenta aquilo a que podemos chamar a 'revolução marginalista', nos anos 70 do século XIX, a economia política já tinha praticamente deixado de ser uma ciência, e tinha-se tornado em grande

parte uma ideologia apologética. Colocando a harmonia, o equilíbrio [...] em primeiro plano, respondia não à exigência científica de fidelidade à realidade, mas à necessidade burguesa de embelezar e justificar um sistema acerca do qual o menos que se pode dizer é que faltava harmonia, equilíbrio [...]. Karl Marx propôs um modo de análise do sistema econômico dominante radicalmente diferente e oposto [...]. Em vez da harmonia, encontrou o conflito.” (SWEEZY, 1979, p. 10). “Com o ano de 1830, sobreveio a crise decisiva. A burguesia conquistara o poder político, na França e na Inglaterra. Daí em diante, a luta de classes adquiriu, pratica e teoricamente, formas mais definidas e ameaçadoras. Soou o dobre de finados da ciência econômica burguesa. Não interessava mais saber se este ou aquele teorema era verdadeiro ou não; mas importava saber o que, para o capital, era útil ou prejudicial, conveniente ou inconveniente, o que contrariava ou não a ordenação policial. Os pesquisadores desinteressados foram subst i tuídos por espadachins mercenários, a investigação científica imparcial cedeu lugar à consciência deformada e às intenções perversas da apologética. [...]. Repercutiu também na Inglaterra a revolução continental de 1848. Aqueles que ainda zelavam por sua reputação científica e não queriam passar por meros sofistas e sicofantas das classes dominantes, procuravam harmonizar a economia política do capital com as reivindicações do proletariado, agora impossíveis de ignorar. Surge assim um oco sincretismo que encontra em Stuart Mill seu mais conspícuo representante. É a declaração de falência da 'economia burguesa', que o grande erudito e c r í t i co russo M. Tchern ischewsky pôs magistralmente em evidência na sua obra 'Esboço da Economia Política segundo Mill'.” (MARX, 1983. p. 9-12).

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77ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

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CULTURAS MÁGICAS, PODER E SAÚDE PÚBLICA NO INTERIOR DA BAHIA EM MEADOS DO SÉCULO XX

1JOSIVALDO PIRES DE OLIVEIRA

Doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA. Professor da

UNEB/Campus XIII-Itaberaba. Líder do grupo de pesquisa PNPE –

Populações Negras: Pesquisa e Extensão (UNEB/CNPq).

2ELLEN HILDA S. DE ALCÂNTARA OLIVEIRA

Especialista em Administração Hospitalar e Gestão dos Serviços de

Saúde pela UFBA. Enfermeira do Hospital Geral Clériston Andrade

(HGCA) e professora da Faculdade Nobre de Feira de Santana - FAN.

Membro do PNPE – Populações Negras: Pesquisa e Extensão

(UNEB/CNPq).

3CLAUDIANE PEREIRA BASTOS

Graduanda em História na UNEB/Campus XIII. Bolsista IC

(CNPq/FAPESB) entre 2011-2013. Membro do PNPE – Populações

Negras: Pesquisa e Extensão (UNEB/CNPq).

RESUMO:

As culturas mágicas ou práticas mágicas de cura é a denominação que aqui

utilizamos para definir as diversificadas formas de saberes de curas oriundas

das populações negras (e também indígenas), a exemplo das rezas, benzeduras

e administração de chás e outras beberagens. Na Bahia, estas práticas foram

alvos de repressão policial e autuação judiciária por crimes de saúde pública.

Com base em documentação de jornal e processos criminais, iremos, no

presente artigo, discutir sobre a experiência desta questão em uma região do

interior da Bahia, em meados do século XX.

PALAVRAS CHAVE:

Curandeirismo; história social; culturas negras; poder; saúde pública.

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Art. 158. Ministrar, ou simplesmente prescrever, como meio curativo, para uso interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substancia de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o oficio do denominado curandeiro: Penas – de prizão (sic.) cellular por um a vseis mezes e multa de 100$ a 500$000.(Código Penal dos Estados Unidos do Brasil - 1890).

Art. 284. Exercer o curandeirismo: I – prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância; II – usando gestos, palavras ou qualquer outro meio; III – fazendo diagnóstico: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Parágrafo único. Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa. (Código Penal do Brasil - 1940).

O presente artigo apresenta uma síntese do resultado “Curandeiros do Sertão: os crimes de saúde pública e as práticas mágico-curativas entre populações negras no interior da Bahia”, desenvolvido junto ao grupo de pesquisa Populações Negras: Pesquisa e Extensão (UNEB/CNPq), ao qual estamos vinculados como pesquisadore4s.

Discutimos aqui o crime de curandeirismo, enquanto crime contra a saúde pública, a partir da legislação penal de 1890 e 1940, dialogando com as interpretações de determinados juristas concatenado com notícias de jornais e fontes judiciárias. Neste trabalho, analisamos alguns casos de crimes contra a saúde pública ocorridos no interior da Bahia, para entender as questões de ordem ideológica e culturais que orientavam a experiência da repressão aos agentes de curandeirismo, tanto do ponto de vista jurídico-penal quanto da ordem de determinados segmentos sociais das sociedades em questão.

Ao comentar os artigos que tratam dos “Crimes contra a saúde pública”, no Código Penal de 1890, Oscar de Macedo Soares começa discutindo a noção de “magia” em uma perspectiva histórica

que remete à antiguidade clássica ocidental. Assim, estabelece duas noções básicas de magia, a saber: a “magia negra”, a qual procura “produzir effeitos sobrenaturais pela intervenção dos espíritos e do demônio” e a “magia branca ou natural”, definida por Macedo Soares, como sendo “a arte de produzir certos factos maravilhosos na apparencia, devidos, porem, na realidade, à causas naturaes”. Interessa-nos aqui sua definição de “magia negra”, da qual, segundo o jurista em questão, “surgio a feitiçaria ou a bruxaria que criou raízes nas classes inferiores”. O autor estabelece magia e feitiçaria como equivalentes, definindo que o “feiticeiro é o mágico, que conhecendo os segredos da magia, faz uso dela com o intuito de molestar ou prejudicar os seus semelhantes, de incutir terror, ou tornar-se objeto de terror”. (MACEDO SOARES, 1904)

A definição jurídica de feitiçaria e bruxaria, ainda com base em Macedo Soares, não pode então se confundir com a de curandeiro, como definido no art. 158 do Código Penal de 1890, uma vez que este se dedica à cura das moléstias e não a “illudir a credulidade pública”. Nessa perspectiva, o feiticeiro ilude os crentes no processo de cura ao tempo que o curandeiro, de fato exerce a cura, entretanto em precárias condições legais. “O feiticeiro, o cartomante, o espiritista, usam dos artifícios que lhes são peculiares, o curandeiro fornece ou prescreve medicamentos (substancias de qualquer dos reinos da natureza). Ainda mais, os delinqüentes incursos no art. 157, visam illudir a credulidade publica (ou individual), o escopo do curandeiro é a cura de moléstias”. Desta forma define Macedo Soares a diferença entre feiticeiro e curandeiro.

Os elementos concei tuais presentes na jurisprudência criminal de Macedo Soares tornaram-se instrumentos de interpretação das ações de agentes das práticas mágico-curativas, por parte das autoridades policiais e judiciárias. Tanto nas notícias de jornais que gozavam de jargões médicos e jurídicos (medicastro, curandeiros, exercente ilegal, etc.) quanto nos autos criminais, a noção de “magia” (qualificada como “magia negra”), era relacionada àquilo que representava o mal e praticada pelas “classes inferiores” associadas geralmente aos cultos afro-

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religiosos. Tal concepção possibilitou o encarceramento de muitos agentes das práticas mágico-curativas, inclusive adeptos dos cultos afro-religiosos, autuados por crimes contra a saúde pública, acusados de curandeirismo. Essa também foi a realidade jurisprudencial provocada pelo Código Penal de 1940.

Em Comentários ao código penal, o jurista Nelson Hungria, esclarece quem era o curandeiro no conjunto dos agentes dos crimes contra a saúde pública:

Enquanto o exercente ilegal da medicina tem conhecimentos médicos, embora não esteja devidamente habilitado para praticar a arte de curar, e o charlatão pode ser o próprio médico queabastarda a sua profissão com falsas promessas de cura, o curandeiro (carimbamba, mezinheiro, raizeiro) é o ignorante chapado, sem elementares conhecimentos de medicina, que se arvora em debelador dos males corpóreos (HUNGRIA, 1959, p. 154).

Observe-se que o autor destacou em grifos itálicos os agentes das três qualificações de crimes contra a saúde pública previstas no Código Penal de 1940, a saber: Exercício Ilegal da Medicina (Art. 282), Charlatanismo (Art. 283) e Curandeirismo (Art. 284). O curandeirismo, identificado como o exercício do agente mais precário do ponto de vista do conhecimento médico, manifesta-se por diferentes formas de exercício nas práticas de cura e é ca rac t e r i zado po r uma l i nguagem farmacológica bastante peculiar, como por exemplo, os termos: “garrafadas”, “raízes do

5mato”, “banhos de folha”, etc . O Código Penal em questão identifica várias situações de transgressão que poderiam ser caracterizados como crime de curandeirismo; o uso de substância, inclusive aquelas extraídas dos “reinos da natureza”; o uso de gestos e palavras, caracterizando assim as práticas de rezas e benzeduras e a formulação de diagnósticos. Entretanto, a jurisprudência compreende que para que qualquer uma dessas formas justifique o enquadramento penal é necessário que seja provado a habitualidade da prática entendida na linguagem da legislação penal como “exercer o curandeirismo” (HUNGRIA, 1959 e FRANCO, 1997).

O curandeirismo é considerado a prática da medicina por pessoas não legalmente autorizadas, na maioria das vezes por meio de benzeduras, passes, beberagens e determinadas “práticas envolta de superstições”. Segundo as concepções jurídicas, de todo e qualquer indivíduo que exercer ilegalmente a medicina sem está munido de diploma, tratando de doentes, dando diagnósticos, receitas, curando por meio de beberagens, gestos e quaisquer outros recursos da natureza sem uma permissão dos regulamentos sanitários federais e estaduais , para exercer tal função, são considerados curandeiro. Estes sujeitos podem ser conhecidos também como benzedeiros, raizeiros, mezinheiro, carimbamba, catimbozeiros, curador, etc.

O jurista Leonídio Ribeiro, por exemplo, salienta que os curandeiros estão por todo o território brasileiro, porém são encontrados mais facilmente nas cidades do interior pela falta de médicos diplomados e por uma menor repressão por parte das autoridades competentes (RIBEIRO, 1942). No entanto Antônio Carlos Duarte Carvalho evidencia que mesmo nos locais onde a medicina diplomática esteve presente ainda era muito grande a procura por curandeiros, isso se dava em consequência de certa desconfiança por parte da população com a medicina erudita e também em decorrência da comprovação da eficiência dos procedimentos adotados por aqueles indivíduos (curandeiro) que na maioria das vezes era medido pela solução das queixas apresentadas pelos pacientes e os t ratamentos ministrados (CARVALHO, 2005). Desta forma, poderiam se medir os resultados obtidos através dos procedimentos utilizados pelos curandeiros, o que poderia trazer mais adeptos a procura de cura, pois a notoriedade dos curandeiros se expandia por conta do sucesso de suas ações de cura. Entretanto, a depender dos resultados de seus trabalhos a repercussão também poderia ser negativaQuanto ao uso das plantas medicinais, é observado pelos estudiosos, inclusive da “Etnofarmacobotânica”, que os curandeiros possuíam o conhecimento quanto aos princípios ativos de determinadas plantas e isso facilitaria a sua utilização nos procedimentos adotados surtindo um efeito benéfico no tratamento dos males, por sua vez, no tratamento de certas enfermidades, o que demonstra o conhecimento

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que esses sujeitos possuíam ainda nas décadas de 1940 e 1950 sobre o uso de plantas medicinais, conhecimentos estes ainda pouco explorado pelas ciências médicas e da saúde no período, coisa que os curandeiros já dominavam com certa precisão (CARVALHO, 2005).

Djalma Barreto, jurista especializado em parapsicologia, ao se dedicar ao estudo do tema em questão, fez um levantamento de outras práticas que estão ligadas ao curandeirismo, muitas das quais denominadas pelo autor como “baixo espir i t ismo”, “magia negra” ou “quimbanda”. Expressas em sentido pejorativo, todas essas práticas seriam consideradas nocivas para a saúde pública tanto física quanto moral. Barreto deixa explícito, ainda, que a autoridade como órgão responsável pelo controle de repressão deve fazer valer a legislação vigente e enquadrar esses sujeitos nos crimes de acordo com os respectivos artigos do Código Penal, ou seja: o curandeirismo e suas práticas correlatas era uma ameaça e, portanto, crime contra a saúde pública e as autoridades policiais não iriam relaxar em sua repressão, como podemos observar em algumas experiências no interior da Bahia.

Com base no Código Penal e na jurisprudência do curandeirismo, as autoridades policiais e judiciárias não deram sossego aos agentes das práticas mágico-curativas, denominados na linguagem jurídica de curandeiros. Foram muitos os casos dos quais selecionamos aqui apenas dois para ilustrar a problemática do controle policial e judiciário a essas práticas no interior da Bahia.

Em julho de 1940, o jornal Folha do Norte fez aos seus leitores o seguinte registro:

O curandeirismo, rudemente infiltrado nas baixas camadas sociaes, nunca sofreu por parte da polícia, a campanha benemérita que lhe vem fazendo o dr. Jorge Watt, Delegado Regional do Recôncavo, com suas proveitosas diligencias surpreendendo verdadeiros «pais de santo», em seus reductos de candomblés (FOLHA DO NOTE, 15/07/1940, p. 1).

De fato, o delegado Jorge Watt era um ferrenho combatente às práticas de curandeirismo no interior da Bahia deste período, como pode ser

acompanhado nas diferentes notícias da imprensa local. Também pode ser identificada tal competência, na elucidação ou pelo menos no competente encaminhamento policial a um polêmico caso de homicídio que ocorreu em Serra Preta, na época, distrito do município de Ipirá e teve como principal acusada uma curandeira de Feira de Santana.

O objeto da notícia de jornal citada acima, na verdade, é um caso de crime de curandeirismo que fez vítima de morte Antônia Maria de Jesus, filha de um lavrador residente no município de Ipirá, o qual estava contemplado na jurisdição da Delegacia Regional do Recôncavo, que funcionava sob o comando do referido Jorge Watt. Vejamos então como este caso se desenrolou, explorando informações tanto da notícia quanto dos autos do inquérito policial instaurado para apurar o caso.

Depois de apresentar “sintomas de perturbação mental”, os familiares da referida senhorita convidaram a curandeira de nome Josina Maria de Jesus para espantar “ESPÍRITOS MAUS” da filha do lavrador, a qual cobrou pelos seus serviços a quantia de 500$000. Segundo o jornal Folha do Norte, na notícia anteriormente citada, a curandeira submeteu a vítima a seções de tortura com “uma defumação após a resa, que consistia em introduzir o rosto da paciente num tacho, exalando enxofre e pimenta”. A notícia informa ainda que “descobriu a curandeira o seu corpo e enormes pés de cansanção foram batidos, surrando os ENCANTADOS”.

Vale destacar que o termo “Encantado”, é uma denominação genérica utilizada para identificar as entidades espirituais nas religiões indígenas e afro-brasileiras, a saber: designação de cada uma

6das entidades nos candomblés de caboclo . Segundo Reginaldo Prandi, “essas entidades constituem o panteão especialmente brasileiro, justaposto ao panteão de origem africano formado pelos orixás iorubanos, voduns jejes e inquices

bantos” (PRANDI, 2001, p. 7). Observando que no início o autor da notícia estabeleceu a relação entre curandeirismo e religião afro-brasileira, não fica muita dúvida que era esta a sua compreensão ao grifar com letras maiúsculas o termo “encantado”.

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A consequência de todas as ações que desempenhou a curandeira levou a vítima ao óbito e a captura da acusada assim como de seu esposo Vicente Nunes de Azevedo, cúmplice do suposto crime de curandeirismo. Essa notícia revela a implacável repressão aos curandeiros e por sua vez as práticas de candomblé, atendendo a solicitações da classe médica e outros segmentos da elite econômica do interior baiano do período. Estes segmentos abastados entendiam as práticas de curandeirismo, inclusive em seu aspecto afro-religioso, como uma ameaça a saúde pública, mas também e principalmente, ameaça à legitimidade da profissão médica. O fato de publicarem suas inquietações com caráter de denúncia na imprensa local tornava público a leitura e julgamento por aqueles munidos pela razão do saber científico, desqualificando as práticas populares de cura, somando assim aos instrumentos ideológicos e políticos de repressão a esses saberes de cura.

As informações constantes da notícia citada não contrariaram as peças do processo criminal movido contra a referida curandeira, o qual estava fundamentado nos artigos que determinavam os elementos constituintes dos crimes contra a saúde pública.

Ilhm. Sr. Juiz de direito dessa comarca venho aos outros. Ipirá, 21 de março de 1941.

O adjunto de promotor publico dessa comarca, em exercício, abaixo firmado, no uso de uma das suas atribuições vem perante Exª. denunciar a Josina Angela de Jesus e Vicente Nunes de Azevedo, b r a s i l e i r o m a i o r , l a v r a d o r e s c a s a d o s religiosamente, residentes no distrito de Iticunaí (antigo Bomfim da Feira) pelo ato criminoso que passa a narrar.

Em dias do mês de maio do ano p. passado na fazenda “Pedra Branca” propriedade e residência de Antero Clemente da Ressurreição, no distrito de Serra Preta deste termo, padecera uma de suas filhas de nome Antonia Maria de Jesus, passando necessidade de lhe ser ministra alguns medicamentos, lembrou-se Sr. Antonio pai da vitima de procurar os denunciados... a profissão de curandeirismo, cuja profissão tinham exercido no município de Santo Estevão.

Contrataram os denunciados a tratamentos da infeliz Antonia Maria de Jesus pelo preço da

importância de mil réis, garantindo a sua completa cura, ao chegarem os ditos denunciados em casa de Antero iniciaram sem demora o tratamento com aplicações de beberagem preparadas com bebidas alcoólicas, grãos de vassourinhas (folhas do campo), banhos e defumadores contendo enxofre e pimenta; como porém continuasse a doente aumentando os seus sofrimentos em conseqüências de semelhante tratamento, alegaram os denunciados que era necessário se tomar um remédio mais enérgico e sem perder tempo mandaram que eles encontrassem duas cabeças (cactos) de alguns cansanção e ...cujos instrumentos aplicaram na infeliz Antonia que durou das 18 as 24 (segundo se evidencia do presente inquérito) ao tempo em que batiam a cabeça da vitima sobre o solo.

Ante tamanha selvageria, as pessoas que ali se achavam pediam aos denunciados que suspendessem semelhante tratamento, no que foram atendidos dizendo porem, os ditos denunciados que se tornara indispensáveis a ida da vitima para casa dos mesmos a fim de terminar o tratamento.

Providenciaram a viagem e a pobre infeliz vitima, já sem sentidos, seguiu montada na garupa de Faustino Gregório Dama atada a este por uma toalha pois o seu estado melindroso, já não mais permitira montar só. Ao chegar me casa dos denunciados, já vitima passa falecida.

Ora Exmº. Ilm. Pelo exposto, que é a verdade concreta e absoluta contida no presente inquérito, os denunciados Josina Angela de Jesus e Vicente Nunes de Azevedo cometeram o crime previsto no artigo 158 parágrafo único segundo a parte da consolidação das leis penais da Republica; Assim sendo, esta promotoria pública adjunta vem dar a presente denuncia para o fim de ser julgada, provada pedindo ainda a prisão preventiva dos réus de acordo com o artigo 1706 da consolidação do processo criminal do Estado, como medida acusatória dos interesses civis da justiça e da sociedade (sic). (Denuncia anexa ao Inquérito Policial de Josina Ângela de Jesus e Vicente Nunes de Azevedo. Arquivos do Fórum de Ipirá-BA, 1941).

Esta denúncia tem um texto um tanto quanto longo, mas detalha para os leitores as razões da autuação de Josina e seu enquadramento no artigo 158 do código penal de 1890, por crime de saúde pública. As ações da curandeira no sentido de

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amenizar a agonia da jovem Antônia Maria de Jesus teve como consequência o agravamento de seu estado de saúde e, somado a outros fatores, o óbito da referida. Foi decretada a prisão da curandeira e a mesma fora culpada por crime de curandeirismo pela autoridade competente. Entretanto, Josina não esperou para ver cumprir sua sentença, o que era comum no universo da autuação judiciária aos agentes do curandeirismo. Casos como o de Josina se repetiram na história da Bahia, principalmente no interior sertanejo como se pode acompanhar também, a saga do curandeiro Massú no Distrito de Bonfim de Feira na década de 1950.

Em 19 de junho de 1956, o Ministério Público de Feira de Santana, apresentou denúncia contra o senhor Maximiano Marques, o curandeiro Massú, citado no Art. 284 do Código Penal, o qual punia o crime de curandeirismo. O caso ocorreu na Vila de Bonfim de Feira, distrito do município de Feira de Santana. Segundo os autos do inquérito, Massú havia sido convidado para “trabalhar em candomblé” na Vila de Bonfim de Feira por um indivíduo de nome Modesto Arrieiro, que desempenhava funções de inspetor de polícia. Não aceitando tal convite, Massú passou a sofrer ameaças de prisão por parte de Modesto. No termo de declaração prestada por Massú em 19 de junho de 1956, ele afirmava que Modesto subtraiu de sua posse um cartão de visitas no qual constava as informações precisas sobre sua habilitação em “Ciências Ocultas”. O cartão estava anexado aos autos do processo, envolvido por um envelope transparente e contava informações que precisava ser Massú um habilitado curador de todas as moléstias, inclusive para casos de amor não resolvidos e bem aventurança nos jogos de azar.

Logo quando sofreu as primeiras ameaças de prisão, Massú acionou seu advogado: o rábula Cosme de Farias, conhecido como advogado dos pobres. O curandeiro Massú seria mais um dos casos que engordariam o índice de vitórias do rábula dos pobres. Entretanto, parece que o habeas corpus, de autoria do honrado Cosme de Farias, não teve muito sucesso. Ao que parece, o inspetor Modesto Arrieiro e o subdelegado de Bonfim de Feira já tinham adiantado as coisas. No dia 14 de junho de 1956, o ministério público apresentou denúncia contra o curandeiro Massú.

O autor da denúncia, promotor Fernando Teles, o indiciou por crime de curandeirismo, por ter sido Massú acusado de atuar como curador na Vila de Bonfim de Feira durante os meses de abril e maio de 1956, realizando assim o desejo do inspetor Modesto Arr ie i ro em ver o seu ant igo companheiro, e agora inimigo, atrás das grades. Massú foi acusado ainda de ter explorado quantias em valores de Isaias José dos Santos e Mário Lopes Medeiros, o que foi confirmado pelas testemunhas em diferentes momentos no arrolar do processo e pelo próprio réu, obviamente não entendendo como exploração, mas sim como prestação de serviços. Inclusive, uma prestação de serviços consentida pela própria autoridade que depois o denunciou: a delegacia de polícia de Feira de Santana. Além do referido cartão de visitas, Massú era portador de uma “Permissão” da Delegacia de Polícia, assinada pelo seu titular Belmiro Sérgio.

Com o arrolar do processo, depois de ter ouvido as testemunhas e ajuntado as provas, inclusive o auto de apreensão, o ministério público de Feira de Santana condenou Maximiano Marques por crime de curandeirismo. Feita a denúncia e instaurado o inquérito policial, Massú compareceu para os respectivos interrogatórios e foi orientado sobre o seu direito de defesa, o que aconteceu, mas sem sucesso. O processo foi acompanhado pelo Dr. Vicente dos Reis como advogado de defesa; que mesmo com toda sua experiência de defensor público foi insuficiente para convencer a promotoria do contrário.

O Juiz de direito João de Almeida Bulhões argumentou nos autos da sentença sobre a caracterização do crime de curandeirismo fundamentando-o na fiel interpretação do jurista Nelson Hungria, em sua passagem mais famosa quando trata da qualificação do delito penal em questão:

Segundo o conceito tradicional ou vulgar, curandeiro é o individuo inculto, ou sem qualquer habilitação técnico-profissional, que se mete a curar, com o mais grosseiro empirismo. Várias são as formas de exercício do curandeirismo, segundo o art. 284. a primeira delas consiste no fato de, habitualmente, prescrever, ministrar ou aplicar

JOSIVALDO PIRES DE OLIVEIRA ELLEN HILDA S. DE ALCÂNTARA OLIVEIRACLAUDIANE PEREIRA BASTOS

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qualquer substância. Esta pode ser do reino vegetal, mineral ou animal. Outra modalidade é o uso de gestos (passes, manipulações) de palavras (rezas, benzeduras, algaravias cabalísticas) ou de outros expedientes (pretensa liberação de espíritos maus, invocação de “caboclos” etc.)” (Nelson Hungria, Com. ao Cód. Penal, Vol.IX, pág.154).

Como pode ser observado, o jurista Nelson Hungria, foi a fonte que respaldou a elaboração do texto que sentenciou o curandeiro Massú. Foi condenado a seis meses de detenção e uma multa de mil cruzeiros acrescida de mais vinte cruzeiros por conta das custas do processo. Não sei o curandeiro chegou a cumprir essa pena ou acionou o seu direito previsto no Código de Processo Penal de usufruir das condições legais de simplificação da pena e amenizar o cumprimento da sentença. Mas, para isto, ele teria que abster-se de qualquer conduta que o levasse novamente a transgredir a legislação dos crimes de saúde pública: teria que abandonar o seu ofício de curandeiro. Não obtivemos maiores informações, mas duvidamos que o mesmo tenha deixado de fazer as suas curas mágicas.

Considerações finais

Este artigo evidenciou, de forma sucinta, a repressão às práticas de curandeirismo no interior da Bahia em meados do século XX, com destaque para as questões de ordem jurídica e policial no controle das práticas mágico-curativas e dos crimes contra a saúde pública. As rápidas ponderações que fizemos aqui ilustram uma experiência bem mais ampla sobre as relações de poder e cultura no universo das práticas de saúde pública no interior da Bahia, com destaque para dois casos ocorridos, respectivamente, nos municípios de Feira de Santana e Ipirá.

A consequência mais explícita da experiência desta repressão se evidencia na constituição de uma mentalidade preconceituosa por conta das imagens que foram construídas historicamente sobre as formas não-medicalizadas de cura, consideradas transgressoras da legislação sobre a saúde pública. Isto pode ser evidenciado tanto na perspectiva da cultura jurídica como da própria mentalidade social das elites médicas, políticas,

econômicas e letradas da sociedade brasileira ainda nos dias de hoje.

REFERÊNCIAS

BONFIM, Honorato. “Contra o charlatanismo e o curandeirismo”. In: Folha do Norte, Feira de Santana, 11/07/1931, p. 1.BRASIL. Código Penal. 30ª edição. São Paulo: Saraiva, 1992.

CARVALHO, Antônio Carlos Duarte. Feiticeiros, burlões e mistificadores: criminalidade e mudança das práticas populares de saúde em São Paulo (1950-1980). São Paulo: Editora UNESP, 2005.

CHALHOUB, Sidney et. al. (Org.). Artes e ofício de curar no Brasil: capítulos de história social. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.

FRANCO, Alberto Silva (Org). Código penal e sua interpretação jurisprudencial. 6ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, vol. IX.

LIMA, José Sisnando. “Carta Aberta”. In: Folha do Norte. Feira de Santana, 9/08/1941, p. 1.

MACEDO SOARES, Oscar. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (1890) – comentários. Rio de Janeiro: Guarnieri, 1904.

OLIVEIRA, Josivaldo Pires de (coordenador). Curandeiros do Sertão: os crimes de saúde pública e as práticas mágico-curativas entre populações negras no interior da Bahia (940-1960). Projeto de Iniciação Científica. Salvador: PPG/UNEB- Campus XIII, 2011.

PRANDI, Reginaldo (org.). Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 184, ano 56, fascículo 673, 674, julho/agosto de 1959.

SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Nas trincheiras da cura: as diferentes medicinas no Rio de Janeiro imperial. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.

SÃO PAULO, Fernando. Linguagem médica popular no Brasil. 2ª edição. Salvador: Itapoã, 1969.

SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. Sortilégio de saberes: curandeiros e juízes nos tribunais brasileiros (1900-1990). São Paulo: IBCCRIM, 2004.

JOSIVALDO PIRES DE OLIVEIRA ELLEN HILDA S. DE ALCÂNTARA OLIVEIRACLAUDIANE PEREIRA BASTOS

Dialética, v. 5, n. 5, p. 83, Mar/2014

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NOTAS

1 - Doutor em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA. Professor da UNEB/Campus XIII-Itaberaba. Líder do grupo de pesquisa PNPE – Populações Negras: Pesquisa e Extensão (UNEB/CNPq).

2 - Especialista em Administração Hospitalar e Gestão dos Serviços de Saúde pela UFBA. Enfermeira do Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA) e professora da Faculdade Nobre de Feira de Santana - FAN. Membro do PNPE – Populações Negras: Pesquisa e Extensão (UNEB/CNPq).

3 - Graduanda em História na UNEB/Campus XIII. Bolsista IC (CNPq/FAPESB) entre 2011-2013. Membro do PNPE – Populações Negras: Pesquisa e Extensão (UNEB/CNPq).

4 - Este projeto contou em 2011/2012 com duas bolsas PIBIC/CNPq e uma IC/FAPESB. Atualmente, já em fase de conclusão, contamos com uma bolsa IC/FAPESB. Agradecemos aqui a estes órgãos de fomento pelo incentivo à iniciação científica.

5 - Estes termos nem sempre são padrão podendo variar entre as diferentes regiões do país que experimentaram as práticas dos curandeiros. Deve-se considerar que a experiência do curandeirismo é identificada de norte a sul do Brasil, podendo assim manifestar diferenças tanto na linguagem terminológica quanto na apropriação farmacológica. Para ter uma noção mais panorâmica desta realidade sugiro a consulta de SÃO PAULO (1969).

6 - Segundo Nei Lopes, é a “designação de cada uma das entidades nos candomblés de caboclo”. LOPES, 2004, p. 254.

JOSIVALDO PIRES DE OLIVEIRA ELLEN HILDA S. DE ALCÂNTARA OLIVEIRACLAUDIANE PEREIRA BASTOS

Dialética, v. 5, n. 5, p. 83, Mar/2014

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85ARTIGO - PABLO OJEDA DÉNIZ

Dialética, v. 5, n. 5, p. 85, Mar/2014

ENTRE MEMÓRIAS E REPRESENTAÇÕES: PADRE ALFREDO HAASLER E AS DESOBRIGAS NOS SERTÕES DAS JACOBINAS/BAHIA.

1GILMARA PINHEIRO

Professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

RESUMO:

No ano de 1925 a abadia cisterciense de Schlierbach, após a reformulação do

Capítulo Geral da Ordem Cisterciense em 1925, foi uma das pioneiras na

expansão missionária da Ordem de Cister no Brasil. Seu abade Dom Aloísio

Wiesinger, desenvolveu papel de relevância nesse processo, apresentando em

1927, os resultados de sua pesquisa sobre a viabilidade da fundação de

missões em terras brasileiras. Foi nesse contexto que se deu a formação

sacerdotal do padre austríaco Alfredo Haasler, que fora enviado em Setembro

de 1938 para a cidade de Jacobina no interior do Estado da Bahia. Sua vinda

para a região esteve relacionada ao novo projeto missionário religioso e

educacional assumido pela Ordem Cisterciense no Brasil a partir da década de

1930, em consonância com os princípios restauradores empreendidos pela

Igreja Católica, através do papa Pio XI. Um ano após sua chegada à Jacobina,

padre Alfredo Haasler fundou a associação das Escolas Paroquiais de Jacobina

e entre as décadas de 1940 e 1970, criou 48 escolas que se destinaram a

educação elementar para crianças e jovens dos sertões jacobinenses. Ao

tempo em que possibilitou educação ao sertanejo, cuidou de “regatar” o

sentimento e hegemonia da Igreja Católica na região através do sistema das

desobrigas, onde percorria mensalmente toda a extensão da paróquia sob sua

responsabilidade, levando aos fiéis os Sacramentos. Sua peleja pelas terras

inóspitas do sertão baiano possibilitou a construção de diversas

representações do padre austríaco na memória da população local.

PALAVRAS CHAVE:

Cistercienses, desobrigas, Escolas Paroquiais, biografia, Igreja Católica,

Restauração.

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ARTIGO - GILMARA PINHEIRO

Alfredo Haasler fora preparado para atuar no empreendimento missionário e educacional Cisterciense no Brasil que se iniciou em 1938, mas que começara a ser idealizado após a reunião extraordinária do Capítulo Geral da Ordem em 1927. Entrou para o noviciado em 14 de Agosto de 1928, ordenando-se “sacerdote em 1933, na Igreja Santíssima Trindade, em Innsbruck, Áustria” . A part ir daí , suas experiências rel igiosas convergiram para o aprendizado missionário cisterciense.

Terminado o noviciado, vai estudar Filosofia e teologia na Universidade de Innsbruck (...), passando a morar com os jesuítas, na Casa Internacional Camisianum, onde se encontra num clima universal e missionário.

Um ano após sua ordenação, Alfredo Haasler juntamente com mais um padre, um noviço e cinco irmãos religiosos, foi enviado por Dom Aloísio Wiesinger para uma Fundação Missionária da Ordem na América do Norte onde pôde, por um ano, observar o modelo missionário das Escolas Paroquiais dessa região e que seriam aplicadas no Brasil no final da década de 1930. Em 1935 retornou a Schlierbach, na Áustria, e lecionou até o ano de 1938, no Colégio Sagrado Coração de Jesus, fundado por D. Aloísio Wiesinger para “preparar missionários” , quando fora escolhido por este, para fazer parte da missão Cisterciense na Bahia/Brasil.

Em 1938 a Paróquia de Santo Antônio de Jacobina, Bahia, fora entregue aos Cistercienses pelo Bispo da Diocese de Senhor do Bonfim, e esta ficou sob a responsabilidade do padre Alfredo Haasler enquanto vigário da freguesia, reforçando a ideia de que a ele foi atribuída a incumbência de realizar a obra missionária religiosa e educacional cisterciense na região de Jacobina. A paróquia de Santo Antônio de Jacobina em 1938 possuía uma extensão territorial de 150 km de leste a oeste e 80 km de sul a norte. Padre Alfredo Haasler, faleceu em 1997 aos 89 anos de idade e 59 anos de sacerdócio na Paróquia de Santo Antônio de Jacobina.

“O Missionário do Sertão”: biografia ou auto-

biografia?

Certa vez, mamãe Haasler leva o menino Bernardo Maria a uma festa de despedida de missionários que, cheios de entusiasmo, como legítimos soldados da paz e do amor, partem para terras longínquas, com o fito de proclamar o Reino de Deus, firmes no que disse Jesus: “Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia para toda a humanidade”. Naquele momento, Bernardo sente o seu primeiro chamado: quer também ser um missionário, quer oferecer toda a sua vida a Deus... desde o início, o espírito penitente de S. Bernardo de Claraval influencia a alma sensível de Bernardo Maria Haasler... em 14 de agosto de 1928, Bernardo recebeu o hábito de noviço, das mãos do seu querido abade Dom Aloísio e, de agora em diante, em sinal de compromisso e entrega absoluta a Deus, muda o seu nome: chamar-se-á doravante ALFREDO.

O fragmento acima chama a atenção o uso narrativo de uma memória “santa” do padre Alfredo, como uma predestinação infantil. Contudo, quem fala através destas informações: a autora da biografia oficial do padre Alfredo Haasler ou ele próprio, no intuito de reforçar a imagem do predestinado? Sobre essa questão da autoria, e da presença do biografado na constituição da escrita biográfica, Bourdieu refletiu:

Primeiramente, o fato de que a vida constitui um todo, um conjunto coerente e orientado que pode e deve ser apreendido como expressão unitária de uma “intenção” subjetiva e objetiva, de um projeto: a noção sartriana de “projeto original” somente coloca de modo explícito o que está implícito nos “já”, “desde então”, “desde pequeno” etc. das biografias comuns ou nos “sempre” (“sempre gostei de música”) das “histórias de vida”. Essa vida organizada como uma história transcorre, segundo uma ordem cronológica que também é uma ordem lógica, desde um começo, uma origem, no duplo sentido do ponto de partida, de início, mas também de princípio, de razão de ser, de causa primeira, até seu término, que também é um objetivo.

Foi seguindo essa lógica cronológica e selecionada dos “fatos”, que Lemos apresentou a história da vida do Padre Haasler como verdade inquestionável, conforme afirma na conclusão do livro O Missionário do Sertão:

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Essa doação analisada pelas pessoas que aqui deixaram seus testemunhos, fez com que alguns acontecimentos se tornassem repetitivos, o que vem a reforçar a veracidade dos fatos, longe de rotularmos de redundância. O meu papel neste trabalho foi de coordenador da narrativa, o de buscar o termo preciso, que não falsificasse a realidade ou o depoimento.

É então, importante problematizar alguns pontos nesta imagem do padre Alfredo, presente na biografia, como previamente construído pelo próprio padre Alfredo ainda em vida. Lemos, entendeu a repetição nas narrações como prova de veracidade, e desconsiderou a possibilidade de que estas revelavam a fixação de uma história contada e recontada pelo padre Alfredo sobre si mesmo, evidenciando nos tópicos, imagens e metáforas nas falas como na narração da Sra. Dalila Teixeira:

Deixou a Europa e os Alpes Austríacos onde floresce o Edelweiss – a eterna flor branca que abençoa a pátria querida, vindo conduzir o seu rebanho na América Latina. Aqui, no sertão da Bahia, demonstrou toda a sua capacidade de líder espiritual, pastor de almas, missionário, catequista e educador. Preocupado com o saber, criou dezenas de escolas paroquiais, fundou o Convento das Irmãs do Divino Espírito Santo, dotou a Igreja de uma infro-estrutura material e espiritual. Seu trabalho pastoral nas vilas e povoados consistiu nas celebrações, assistência aos pobres com remédios, alimentos e roupas, livros etc.

Contudo, se presente o padre Alfredo nas memórias dos depoentes após sua chegada à cidade de Jacobina, em 1938, pouco aparece sobre sua vida anterior na Áustria, onde nasceu em 05 de Agosto de 1907. Consensual na memória sobre este sujeito, tanto entre os que escreveram ou entre os que falaram sobre o mesmo, é a referência elaborada pelo próprio padre Alfredo: “que era da Áustria onde havia deixado sua querida mãezinha e que lá acontecia uma grande guerra” , se referindo a Segunda Guerra Mundial.

É recorrente nas falas dos depoentes desta pesquisa, principalmente nas das irmãs do Instituto Missionárias do Espírito Santo, que o padre Alfredo partiu para a sua vida missionária no Brasil em 1938 e jamais voltou a Áustria, nem

mesmo quando do falecimento de sua mãe, de quem tinha fotografia emoldurada apresentada nos eventos religiosos da cidade.

O padre teria escolhido uma vida de renúncia missionária, o que permitiu a construção de relatos sobre os sacrifícios e abnegação e levaram à formação de uma imagem “santificada”. Este imaginário está presente tanto na biografia oficial do padre Alfredo, bem como em todos os materiais produzidos pela Paróquia de Santo Antônio de Jacobina, como o folheto de comemoração dos 50 anos de vida missionária dos Cistercienses na Bahia.

Não obstante, os registros escritos sobre o padre Alfredo, não se referem a dados oficiais como registro de nascimento, registros religiosos sobre cargos e atribuições na Áustria, de forma que levam a questionar sobre a origem das informações sobre a vida do padre Alfredo que baseiam a escrita da biografia, assim como são base de memória sobre o mesmo, teriam sido construídas por ele com a intenção de, ainda em vida, organizar uma autobiografia?

É possível essa intenção pelo padre Alfredo em deixar registrada sua autobiografia e ser o “ideólogo de sua própria vida” . A abundante existência de registros fotográficos das Escolas Paroquiais, fundadas por ele, pode ter sido mais uma estratégia do padre Haasler, para recortar acontecimentos que julgava significativos, selecionar o que desejava deixar ao futuro, estabelecendo conexões entre eles e dando-lhes coerência na estrutura narrativa de sua história.

Sem dúv ida , cabe supor que o r e l a to autobiográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito à causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim construídos em etapas de um desenvolvimento necessário. E é provável que esse ganho de coerência e de necessidade esteja na origem do interesse, variável segundo a posição e a trajetória, que os investigados têm pelo empreendimento biográfico”.

Foi tomando como base o conjunto das

ARTIGO - GILMARA PINHEIRO

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Essa doação analisada pelas pessoas que aqui deixaram seus testemunhos, fez com que alguns acontecimentos se tornassem repetitivos, o que vem a reforçar a veracidade dos fatos, longe de rotularmos de redundância. O meu papel neste trabalho foi de coordenador da narrativa, o de buscar o termo preciso, que não falsificasse a realidade ou o depoimento.

É então, importante problematizar alguns pontos nesta imagem do padre Alfredo, presente na biografia, como previamente construído pelo próprio padre Alfredo ainda em vida. Lemos, entendeu a repetição nas narrações como prova de veracidade, e desconsiderou a possibilidade de que estas revelavam a fixação de uma história contada e recontada pelo padre Alfredo sobre si mesmo, evidenciando nos tópicos, imagens e metáforas nas falas como na narração da Sra. Dalila Teixeira:

Deixou a Europa e os Alpes Austríacos onde floresce o Edelweiss – a eterna flor branca que abençoa a pátria querida, vindo conduzir o seu rebanho na América Latina. Aqui, no sertão da Bahia, demonstrou toda a sua capacidade de líder espiritual, pastor de almas, missionário, catequista e educador. Preocupado com o saber, criou dezenas de escolas paroquiais, fundou o Convento das Irmãs do Divino Espírito Santo, dotou a Igreja de uma infro-estrutura material e espiritual. Seu trabalho pastoral nas vilas e povoados consistiu nas celebrações, assistência aos pobres com remédios, alimentos e roupas, livros etc.

Contudo, se presente o padre Alfredo nas memórias dos depoentes após sua chegada à cidade de Jacobina, em 1938, pouco aparece sobre sua vida anterior na Áustria, onde nasceu em 05 de Agosto de 1907. Consensual na memória sobre este sujeito, tanto entre os que escreveram ou entre os que falaram sobre o mesmo, é a referência elaborada pelo próprio padre Alfredo: “que era da Áustria onde havia deixado sua querida mãezinha e que lá acontecia uma grande guerra” , se referindo a Segunda Guerra Mundial.

É recorrente nas falas dos depoentes desta pesquisa, principalmente nas das irmãs do Instituto Missionárias do Espírito Santo, que o padre Alfredo partiu para a sua vida missionária no Brasil em 1938 e jamais voltou a Áustria, nem

mesmo quando do falecimento de sua mãe, de quem tinha fotografia emoldurada apresentada nos eventos religiosos da cidade.

O padre teria escolhido uma vida de renúncia missionária, o que permitiu a construção de relatos sobre os sacrifícios e abnegação e levaram à formação de uma imagem “santificada”. Este imaginário está presente tanto na biografia oficial do padre Alfredo, bem como em todos os materiais produzidos pela Paróquia de Santo Antônio de Jacobina, como o folheto de comemoração dos 50 anos de vida missionária dos Cistercienses na Bahia.

Não obstante, os registros escritos sobre o padre Alfredo, não se referem a dados oficiais como registro de nascimento, registros religiosos sobre cargos e atribuições na Áustria, de forma que levam a questionar sobre a origem das informações sobre a vida do padre Alfredo que baseiam a escrita da biografia, assim como são base de memória sobre o mesmo, teriam sido construídas por ele com a intenção de, ainda em vida, organizar uma autobiografia?

É possível essa intenção pelo padre Alfredo em deixar registrada sua autobiografia e ser o “ideólogo de sua própria vida” . A abundante existência de registros fotográficos das Escolas Paroquiais, fundadas por ele, pode ter sido mais uma estratégia do padre Haasler, para recortar acontecimentos que julgava significativos, selecionar o que desejava deixar ao futuro, estabelecendo conexões entre eles e dando-lhes coerência na estrutura narrativa de sua história.

Sem dúv ida , cabe supor que o r e l a to autobiográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistência, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito à causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim construídos em etapas de um desenvolvimento necessário. E é provável que esse ganho de coerência e de necessidade esteja na origem do interesse, variável segundo a posição e a trajetória, que os investigados têm pelo empreendimento biográfico”.

Foi tomando como base o conjunto das

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informações “oficiais” existentes sobre o monge cisterciense Alfredo Haasler, que Lemos escreveu sobre a sua “origem e a história” do padre Alfredo. Falas e memórias de amigos, de padres cistercienses, de políticos da região, de ex-professoras paroquiais, das irmãs do Divino Espírito Santo e irmãs Missionárias do Espírito Santo serviram para escrever essa história. Lemos também fez referência ao amigo do padre Alfredo, Dom Othmar Rauscher O. Cisterciense que pertenceu à Abadia de Schlierbach na Áustria, e conviveu com o padre Alfredo Haasler entre os anos de 1936 e 1938, quando este foi educador no Colégio de Schlierbach. Em 1998, D. Othmar escreveu suas memórias sobre a visita feita à Paróquia de Jacobina na década de 1950.

E tudo leva a crer que as leis da biografia oficial tenderão a se impor muito alem das situações oficiais, através dos pressupostos inconscientes da interrogação (como a preocupação com a cronologia e tudo o que é inerente à representação da vida como história) e também através da situação de investigação, que, segundo a distância objetiva entre o interrogador e o interrogado e segundo a capacidade do primeiro para “manipular” essa relação, poderá variar desde essa forma doce de interrogatório oficial (...) e que orientará todo o seu esforço de apresentação de si, ou melhor, de produção de si.

O conjunto dessas narrativas sobre Padre Alfredo tanto na biografia oficial escrita por Lemos, como no folheto comemorativo, converge para uma história cronológica de sua vida, de seu predestinamento a uma vida Santa e Missionária em Jacobina, dedicada aos pobres e mais necessitados, através das doações de alimentos, remédios e do trabalho com as Escolas Paroquiais no início do século XX quando,

O exercício da caridade é apresentado como um componente da vida católica. No elenco desses atos de benevolência destacam-se dar alimentos aos famintos, vestir os nus, visitar os doentes e encarcerados, amparar os velhos e as crianças. Essas obras são apresentadas nos catecismos e livros de instrução religiosa, recomendadas nos sermões e conferências, merecendo lugar de distinção nas biografias dos santos.

À época do padre Alfredo Haasler, o discurso católico sobre a pobreza perpassou pelo entendimento de que o pecado era a causa geradora das desigualdades sociais entre os homens e, a divisão entre ricos e pobres, uma condição normal da vida humana. A essa situação cabia aos ricos apenas minorar o sofrimento dos necessitados através da caridade e aos pobres, aceitar com paciência, a condição social que a vida lhes reservou.

Essa compreensão católica sobre as diferenças sociais na época em estudo se aproximou das ações caritativas desenvolvidas pelo padre Alfredo Haasler na Paróquia de Santo Antônio de Jacobina, sobretudo, na sua concepção de que “deveria se aproximar dos ricos para doar aos pobres” . Ao longo dos anos em que esteve à frente da Paróquia, manteve uma política de alianças com representantes das elites locais e alinhamento entre os interesses destes e da Igreja Católica Apostólica Romana.

Contudo, é importante frisar que o padre Alfredo Haasler pertencia à Ordem religiosa dos Cistercienses. Estes tem sua origem na Europa Medieval do século XII, quando o abade Robert de Molesme pediu permissão ao bispo de Lion para, juntamente com mais 21 irmãos do mosteiro de Molesme, seguirem em busca da solidão do claustro a fim de observarem mais de perto o princípio da Santa Regra Beneditina através da solidão, pobreza e solidariedade. Observando por esse prisma, a abnegação e caridade do padre Alfredo Haasler, interpretada pelos seus fiéis como sacrifício e dedicação ao sertanejo, esteve diretamente associada aos fundamentos de sua ordem religiosa. Não obstante, e por não conhecerem os princípios da ordem religiosa de Cister, a qual Alfredo Haasler pertencia, as pessoas da localidade atribuíram aos “sacrifícios” do padre cisterciense, característ icas e representações de santo.

Muitas são as histórias envolvendo o padre Alfredo Haasler e seu poder sobre o povo de sua Paróquia de Santo Antônio de Jacobina, a quem conduziu com rigidez e respeito os dogmas e Sacramentos da Santa Madre Igreja Católica Romana, enfatizando, sobretudo, “a importância do dogma da Eucaristia e da devoção mariana”

ARTIGO - GILMARA PINHEIRO

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iatravés das Escolas Paroquiais e das desobrigas.

Figura 1: Padre Alfredo Haasler em 1938. AIMESJ

A fotografia acima, utilizada como “santinho” distribuído à comunidade da Paróquia de Jacobina na época da comemoração dos 40 anos de vida sacerdotal do padre Alfredo em Jacobina, foi confeccionada em 1938, no ano de sua chegada à Paróquia de Jacobina. Serviu para demonstrar como o padre percorreu toda a extensão da sua paróquia no lombo de animais para a realização das desobrigas. Seu uso simbólico, quarenta anos depois, visou ressaltar os sacrifícios e a abnegação deste padre frente à comunidade, recordando-lhe a necessidade de respeito e admiração.

A fotografia nega-se enquanto suposição de retrato morto da coisa viva, porque é, sobretudo, retrato vivo da coisa morta. (...). E ao mesmo tempo torna-se viva nos usos substitutivos que adquire. É o que acontece quando é usada como ex-voto no pagamento de promessas nos santuários e lugares de romaria. É quando de fato se torna representação, isto é, presença do ausente.

Nesse sentido, recordar as desobrigas foi uma das instâncias legitimadoras da representação santificada do padre Alfredo Haasler em toda a região. As dificuldades cotidianas destas viagens, enfrentadas por um austríaco, serviram para

reforçar essa representação na documentação analisada.

As desobrigas era o momento em que padre Alfredo Haasler percorria a extensão territorial da Paróquia de Santo Antônio de Jacobina a fim de realizar os rituais e sacramentos católicos nas localidades, inclusive àquelas mais distantes. Geralmente ele passava de um a dois dias em cada povoado, e costumava se hospedar em casa de fazendeiros ou pessoas públicas dos lugarejos. Segundo relatos, as desobrigas eram realizadas uma vez por mês de forma que nenhum ponto da Paróquia ficava sem a visita do vigário por mais de 30 dias.

Em Roteiro da Vida e da Morte, o autor destacou que as desobrigas existiam desde tempos coloniais e possuíam característ icas de “verdadeiro recenseamento”, atuando os clérigos também, como prepostos do poder civil. Desobrigar-se era sinônimo de “confessar os pecados, evitá-los pela observância dos mandamentos, cumprir a penitência” .

Contudo, durante o padroado régio, os padres, assumiram posturas centradas nas questões de ordem política, deixando a desejar o atendimento às necessidades religiosas das regiões às quais faziam parte, o que facilitou a presença de um catolicismo popular e sincrético, alvo de constante combate pelos ultramontanos e restauradores católicos no início do século XX. “Um dos aspectos da mentalidade tridentina, dominante nesse período, é a exaltação do padre como um homem dedicado exclusivamente às coisas divinas, e, por conseguinte, o ministro privilegiado das celebrações religiosas” .

Mesmo após o fim do padroado e a instalação da República, o número de clérigos para atuar em todas as Paróquias continuava aquém da necessidade das mesmas. Em Jacobina e seu entorno, assim como nas outras regiões, a carência de padres era expressiva. Costa e Silva ao estudar o catolicismo no sertão da Bahia, concluiu que

O serviço religioso, de tempos em tempos, para desobrigar, esteve restrito à administração dos sacramentos que por um lado massificou o crente sem respeitar-lhe o acolhimento consciente e

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e livre, e por outro inculcava uma visão de excepcionalidade, de algo prescindível, ainda mesmo nas urgências da morte.

Assim, ao realizar as desobrigas habitualmente, todos os meses, levando a palavra de Deus e sacramentos da Igreja Católica àqueles que anteriormente estavam desassistidos de padres que se preocupasse com a alma e o corpo dos seus fiéis, padre Alfredo passou a assumir uma representação de respeito e admiração entre os fiéis de sua paróquia. O fato de ser austríaco, estrangeiro longe dos costumes locais, e de corpo magro e “frágil,” numa terra inóspita, castigada pela seca e intempéries do sertão, realçaram ainda mais a construção de sua representação abnegada e santa.

Nesse sentido, as desobrigas marcaram um novo momento da Igreja Católica Romana no sertão de Jacobina, quando a figura do padre Alfredo Haasler tornou-se mais próxima e presente, preocupando-se com a fome, a doença e o analfabetismo da população local além de possibilitar a este povo a proximidade e convívio com os sacramentos da Igreja Católica Romana. Em 1959, a estatística do ano de 1958, publicada pelo jornal Vanguarda acrescentou dados numéricos sobre a Cruzada Social, realizada pelo padre Alfredo, através de doação de remédios, alimentos e roupas durante as desobrigas.

Distribuição de leite em pó, medicamentos, alimentos e roupas à população pobre deste município: 1.872,90 kg de leite em pó; 11.780 cápsulas de vitamina A e D; medicamentos distribuídos a 2.198 pessoas; refeições fornecidas a 3.275 pessoas; e 982 roupas distribuídas a adultos e crianças.

O trabalho missionário de Padre Alfredo em assistir à população carente do sertão baiano, com saúde e educação, quando as políticas públicas não desenvolviam esse papel, foi preponderante para a construção da autoridade desse clérigo na região analisada. Por essas razões, as desobrigas possuíram um significado imensurável para a população da região no que diz respeito à importância desse padre, e tanto na documentação escrita, quanto nos depoimentos orais, ela apareceu como prova da sua dedicação aos pobres

e mais necessitados. Não por acaso, a fotografia escolhida para comemorar os quarenta anos de trabalho com a Paróquia, o representou na realização das desobrigas quando ainda andava em lombo de animais.

Para a desobriga ele precisa de três burros ou mulas: um para ele montar, outro para o sacristão e o terceiro para a bagagem e para os remédios. Eu tive a possibilidade no ano de 1955 viajar duas semanas com ele, vendo como penoso é uma viagem dessa, mas também cheia de benções são estas visitas para o pessoal. Naquele tempo Pe. Alfredo já tinha viajado mais do que 3 vezes em redor do equador – 130.000km! (...). Sua pontualidade e sua seriedade são conhecidas. Nunca faltou a uma marcação. Muitas vezes durante um mês ele viaja 26 dias.

O esforço físico do padre para a realização do movimento religioso em toda extensão da Paróquia, é realçado pela maioria dos relatos orais sobre o padre Alfredo, na biografia escrita por Lemos, nos folhetos produzidos pela paróquia e também no jornal Vanguarda. O itinerário das desobrigas era divulgado pelo Jornal Vanguarda como forma de conclamar a participação da comunidade católica nos eventos que se realizariam.

O resultado das visitas de desobrigas era divulgado pelo próprio vigário todos os finais de ano, no mês de dezembro, em forma de estatística religiosa, educativa e caritativas, durante a última missa do ano. Nestes registros, além de apresentar numericamente a realização dos sacramentos católicos em toda a Paróquia, informava a distância em léguas percorrida pelo padre Haasler para a realização de seu trabalho sócio-religioso. O destaque para a distância percorrida anualmente pelo padre Alfredo Haasler, demarcava-a como sacrifício e amor aos pobres. A propaganda do Padre de suas desobrigas e o interesse pela socialização das suas estatísticas caracteriza uma disputa pela ampliação do campo religioso Católico na região.

O que foi interpretado pela população local, como uma característica peculiar do padre Alfredo, era, na realidade, uma ação geral da Igreja Católica, em todo território brasileiro, frente a considerável proliferação de outras religiões consideradas

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acatólicas na primeira metade do século XX.

A representação de abnegação do vigário foi construída após os anos 1950, quando, já estava presente na região há duas décadas, solidificado relações com as elites e afastado seu principal opositor, o jornal O Lidador, periódico que, no conjunto de suas matérias, assumira postura de confronto às questões da Igreja Católica e defesa do Espiritismo.

O trabalho com as desobrigas, realizados pelo padre cisterciense Alfredo Haasler, foi essencial para a manutenção da hegemonia da religião católica em Jacobina e seu entorno. Num momento em que, a disputa pelo campo religioso tornou-se latente, a propaganda dos trabalhos religiosos católicos publicados no jornal Vanguarda, demonstram a dimensão dessa disputa em Jacobina.

entretanto, o trabalho restaurador do padre Alfredo Haasler, não fora suficiente para extinguir do sertanejo, séculos a fio da influencia de um catolicismo popular, impregnado no seu cotidiano. O rigor do catolicismo restaurador que trouxera ao sertão, associado às representações que foram sendo construídas sobre ele, serviram para que o povo temesse suas “maldições proféticas” e o respeitasse, mas sem perder de vista as possibilidades de, em meio ao seu rigor, manter o característico espírito religioso-festivo brasileiro.

Evidencia essa tensão entre as práticas populares e a re lação com as novas proposições res tauradoras do padre Alfredo, re la to memorialístico escrito pelo senhor Honorato Oliveira, que foi coroinha do padre. Ajudava-o com as desobrigas e relatou que num certo dia de finados, dia em que o catolicismo prega o recato e respeito aos mortos, ele e outros jovens que compunham a Filarmônica 2 de Janeiro, reuniram-se em uma sorveteria na praça da Igreja matriz para jogar conversa fora. Depois de muito tempo de prosa e uns goles de cerveja bem gelada, “um ritmo se fez acontecer na mesa, nas garrafas, num tambor surdo que não sei de onde diacho apareceu, um pandeiro trazido sabe lá por quem, mais vozes espirrando de todo canto” e ele, envolvido por todo esse clima festivo, mandara

buscar seu trompete e um violão. Lá pelas tantas, a farra já havia se estabelecido, o consumo das mercadorias da sorveteria davam alegria ao seu dono e todos eles esqueceram-se, completamente, que aquele era o dia de finados, que as beatas estavam sentindo os mortos e que em frente, o padre Haasler rezava missas solenes àqueles que já se haviam partido. O resultado desse esquecimento foi o carão que tomaram do padre Haasler. Quanto a Honorato, sofreu a apreensão de seu instrumento musical, o trompete, que só lhe foi restituído por intermédio da professora Felicidade de Jesus Magalhães.

O conto narrado acima e o conjunto das histórias contadas sobre padre Alfredo Haasler, nos possibilita identificar a constituição de quatro tópicos de narrativa biográfica sobre a representação do Padre Alfredo Haasler enquanto “santo das Jacobinas” : predes t inação mis s ionár ia , san t idade , ape lo ao não esquecimento de suas ações e por fim, o profeta.

A escrita memorialística de Dom Jairo apresenta a imagem de um homem incansavelmente dedicado em servir a Deus e reforça o segundo tópico de construção da narrativa biográfica do Padre Alfredo: a santidade.

É-me difícil e impossível descrever, neste espaço, o que foi a sua vida sacerdotal por mais de meio século naquelas caatingas inóspitas que se estendiam desde o município de Umburanas até São José de Jacuípe. Os quilômetros percorridos por ele dariam para circundar a terra por três vezes. Resumiríamos, dizendo que sua missão foi marcada pelo amor ao sacr i f íc io , pela simplicidade, pelo desprendimento e pela atenção a todos e, de modo particular, aos mais pobres. (...). Às 4 horas da manhã já estava acordado para as orações costumeiras. Em seguida depois de atender dezenas de doentes sem recursos, dirigia-se para o confessionário, celebrava o santo ofício da missa e estendia os demais atos paroquiais ao longo do dia. E isso durante 59 anos seguidos! Várias cidades lhe conferiram o título de cidadão. Avançando a idade, já fatigado e combalido pela doença nas pernas, não pôde mais locomover-se. Deixou o combate a contragosto, na sua enfermidade foi caridosamente assistido pela professora Valdetina Soares, por Mônica Rodrigues e pelo médico Flávio Mesquita. Às 12 horas do dia 17, foi sepultado na igreja matriz, ao

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pé do altar de Santa Ana, mas permanece ressuscitado em nossos corações.

Dom Jairo, não fora o único a fazer uso desta imagem santificada do padre Alfredo. Alguns outros que o conheceram, também o fizeram. Rudival Rocha, ex-aluno das Escolas paroquiais, escreveu no jornal Primeira Página:

Morreu. O seu corpo foi enterrado na Igreja Matriz de Jacobina, dizem que por um pedido seu em vida. Justo que se tenha dado àquele padre o atendimento ao seu desejo. Mas pessoalmente acho que ele merecia algo mais: que os seus amigos e paroquianos lhe tivessem construído numa das serras que circundam a nossa cidade e que ele tanto amou e admirou, uma capela onde seriam enterrado os seus restos mortais; e que lhe servissem de túmulo, marcando a passagem eterna daquele que adotou Jacobina como a sua eterna e definitiva morada. E lá, tenho certeza, centenas de milhares de pessoas iriam visitá-lo em forma de romaria. Pois como muitos de nossos habitantes (entre os quais me incluo), acham que os seus milagres não demorarão a aparecer.

O desejo de que o túmulo do padre Alfredo se transformasse em um lugar de romaria e expectativa do surgimento de milagres realizados por intervenção do padre, são expressões definidoras da representação santificada do vigário.

A ex-professora paroquial, Valdetina Soares que fora a pessoa mais próxima do padre Alfredo nos últimos anos de sua vida, o auxiliando na execução dos trabalhos missionários como sua assistente pastoral, também escreveu sobre a vida e morte do Padre Alfredo Haasler. Sua narrativa biográfica constitui-se como um das mais emblemáticas. Com a finalidade de analisá-la mais detidamente, sua narrativa foi dividida em dois momentos: a santidade e o apelo pelo não esquecimento de suas ações.

Às 12 horas, do dia 16/06/1997, o próprio Cristo, Maria Santíssima e seus pais, José e Ana Haasler vieram ao encontro daquele que fora, nas terras sertanejas da Bahia, o Missionário Jacobinense, sacrifício vivo, lâmpada acesa do Espírito Santo – Padre Alfredo Bernardo Maria Haasler. Com 90

anos de idade, dos quais 60 de sacrifício, ele ofereceu a Deus sua vida, suas alegrias e seus sofrimentos. (...) Além do longo sacrifício físico recebido com altruísmo, sete chagas brotaram no seu frágil corpo, prova da participação direta da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, como prêmio pelo desejo que sempre demonstrou de participar dos sofrimentos do Salvador. (...) Ninguém, depois de Cristo, aqui nestas terras baianas foi como Padre Alfredo: mestre dos sofredores. (...) Exemplo de moral, de fé, pobreza, caridade, justiça, amor, solidariedade e partilha, até agora a História do Brasil não conheceu, nem conhecerá neste século. Pudera o povo jacobinense parar um pouco e pensar nesse santo que deu a estas terras seu testemunho de vida.

Nesse trecho narrativo de Valdetina Soares, o mesmo tópico de santidade do padre Alfredo Haasler vem acompanhado daquele de sua predestinação, irmanados na sintonia final: a existência física das “chagas de Cristo”, tal como São Francisco de Assis, exemplo católico de apostolado e glória, marcado também pela incorruptibilidade do corpo. Em seguida, a benevolência e resignação do padre em seu leito de morte são elementos constitutivos da confirmação de sua santificação e motivo de apelo para que o povo jacobinense não olvidasse o Padre Alfredo.

É pena que a cidade de Jacobina não se deu conta de que entre seu povo vivera um santo. Este povo ainda não despertou para visitar seu túmulo e orar ali pedindo suas necessidade porque Padre Alfredo, lá no Céu, aguarda preces de seu povo animado. (...) Ao exalar o último suspiro, segurei sua cabeça. Observei que seu rosto continuava sereno, como se não estivesse sentindo dor. Uma luz suave, luz eterna, que cerca os santos, o envolvia confirmando assim a paz que ele nos transmitia – vida envolta do sobrenatural. (...) Os sinos das três igrejas repicaram. Não eram fúnebres, eram sons de Aleluia Pascoal! Todos ali presentes escutavam e nos corações não deveria haver tristezas, pois tinham certeza de que um Santo, Santo Nosso acabava de participar da Realeza Celeste. Jesus, Maria, Anjos e os Apóstolos estavam presentes conduzindo Padre Alfredo à Casa do Pai Celestial. Teria chegado o momento de concretizar seu desejo de encontra-se com sua Família Haasler, lá no seu. Seu corpo exalava perfume misterioso, sinal da Santidade. Era um Santo de Deus! O sinal de Deus estava

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nele.

Nessa construção do “Santo das Jacobinas”, as narrativas sobre a vida e morte do padre Alfredo Bernardo Haasler tentaram aproximá-lo dos santos católicos pela presença dos sinais milagrosos, constantes na biografia, pela vida de renúncias e sacrifícios e pela serenidade com que aceitara a morte. Por fim, um último tópico narrativo biográfico elenca o conjunto representativo do “santo das Jacobinas”: o profeta.

Padre Alfredo tinha tanta certeza de que Deus estava com Ele e que ouvia as suas orações e clamores, que nada temia daqueles que o perseguia, como também, era visível para todos nós, jacobinenses, os milagres que sua fé e grau de união com Deus realizavam. Exemplos: chuvas em tempos de seca, curas de doentes, até pedidos a Deus através de seus merecimentos (embora ainda estivesse vivo), o povo era atendido. Castigos que sobrevieram sobre pessoas que maltratavam expressamente o que as Sagradas Escrituras diziam: “Deus tem ciúmes dos seus servos e os protege...”.

Nessa forma narrativa, padre Alfredo aparece como àquele que opera milagres, ainda em vida, em função de seu grau de união com Deus o que confere a ele, autoridade religiosa, e aos jacobinenses, respeito e obediência aos seus ensinamentos. Assim como Cristo e os santos católicos, padre Haasler

No seu leito de morte, testemunhou a sua fé no amor infinito ao Pai e sua fidelidade à Cruz de Cristo, aceitando com resignação e muita paciência os sofrimentos, certe de que era chamado a participar da redenção do mundo com seus próprios sofrimentos, até a hora em que entregou sua alma purificada e gloriosa a Deus.

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Figura 2: Santinho distribuído na morte do Pe. Alfredo Haasler. AIMESJ.

Confeccionado e distribuído pela Paróquia de Jacobina, a figura acima é um “santinho” da morte do padre Alfredo. Como mensagem foi escolhida a passagem: “Ele distribuiu e deu aos pobres; e sua justiça permanece para sempre”. Antecede-a um resumo das obras às quais o padre dedicou a sua vida: 1. À Evangelização do povo: Catequese, Liturgia, Sacramentos; 2. À Fundação das Escolas Paroquiais:

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Promoção Humana e Espiritual; 3. À Assistência Médica aos Doentes da roça 4. À Fundação do Instituto das Missionárias do Espírito Santo.

No conjunto que compõe o santinho, a imagem escolhida para representar os anos de trabalho e dedicação do vigário à Paróquia, foi a do padre Alfredo Haasler abraçado à fotografia da sua mãe em frente a uma igreja, em dia de festejos religiosos, relacionando por fim com o Amor de Cristo e Maria, e ressaltando seu supremo sacrifício do abandono da Mãe e da Pátria, em gestão de amor ao próximo. Vale ressaltar a imagem do padre, já velho, abraçado ao quadro de sua mãe em um rito católico, do cristianismo romanizado entre o século XIX e século XX, que foi o da sacralização do coração de Maria e de Jesus, incorporado à prática do catolicismo popular do homem sertanejo das procissões e romarias.

Em outro Santinho, feito pela Paróquia e distribuído anteriormente, na comemoração dos 40 anos da vida sacerdotal do padre em Jacobina em 1978 (figura 01), foi utilizada a frase: Sai de tua terra, de tua parentela, e da casa de teu pai e vem para a terra que eu te mostrar.

Os dois santinhos supracitados, produzidos em tempo e situações diferentes, se alinham na construção da representação de uma vida santa, predestinada ao amor de Deus, e dedicada à Evangelização. Os termos: Santo da Jacobina, Apóstolo da Jacobina, Profeta da Jacobina, Missionário do Sertão são recorrentemente empregados em sua biografia, nos Panfletos confeccionados, nas matérias dos jornais pós década de 1940 e nos livros de memorialistas da região.

Para aqueles que escreveram sobre o Padre Alfredo, a memória da sua vida como Santa, Apostólica e Missionária deve ser preservada, e com ela, também o poder religioso que este exercera sobre o povo daquela região e que deve ter continuidade para seus herdeiros. Enquanto para os indivíduos do sertão, Alfredo Haasler ganhou a dimensão de santo e profeta, para os padres cistercienses sua lembrança dimensiona-se por ter sido ele o pioneiro da obra missionária desta ordem no sertão, como afirmou D. José

Hehenberger em entrevista concedida ao programa de rádio A voz dos Carmelitas.

Segundo Nora o ato de lembrar é muito pessoal e quando o indivíduo reaviva suas memórias, a mesma está carregada pelo muito particular das suas impressões e sentimentos, que foram construídos a partir de reminiscências. Para Guarinello, o ato de rememoriar é um ato de poder, e o campo da memória, o espaço onde atuam seus lugares, é um campo de conflito.

Sendo a memória também um campo de conflito, existiram aqueles que não viram o Padre Haasler de forma santificada. Destaco a depoente dona Maria Quatro. Esta disse não acreditar que o padre Alfredo fosse um santo. Segundo ela, Padre Alfredo foi sim, um Missionário, mas era muito encrenqueiro e se metia demais na vida das pessoas chegando a ter sérios problemas com isso.

A depoente relatou que, certa vez o padre falou da roupa da esposa do gerente do Banco do Brasil da cidade de Jacobina, e a colocou para fora da missa. O esposo foi tirar satisfação com o padre, de maneira que acabou brigando com o mesmo. Outra senhora também afirmou que sua mãe, residente da localidade de Pedras Altas, apesar do seu esposo ser amigo do padre Haasler, e até o hospedar em sua casa durante as desobrigas, não gostava do vigário, e “achava” que ele se metia muito na “vida das mulheres”, determinando o quê vestir e como se vestir. Segundo a depoente, isso sua mãe não aceitava, chegando ao ponto de inclusive deixar de ir à missa.

O rigor do padre Alfredo Haasler em relação ao comportamento feminino estava contextualizado ao papel social da mulher na época. Consideradas sexo frágil e, incapazes de conduzir sua vida sem o amparo masculino, “deveriam aceitar que o seu espaço específico era limitado pelas paredes do lar, enquanto as atividades sociais e públicas eram da exclusiva competência masculina” . Do ponto de vista da Igreja Católica romanizada, “era importante manter a mulher, por seus limites estruturais, confinada ao recinto do lar” .

Apesar dos esforços do catolicismo restaurador de preservar a mulher longe do espaço público, o

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processo de modernização do início do século XX introduziu novos hábitos de laser e consumo na sociedade brasileira. Tais mudanças geraram o rompimento da “clausura domestica feminina” . Do ponto de vista do clero, a presença da mulher no espaço público, significava a vulnerabilidade destas à perda do pudor.

Nesse sentido, o discurso católico primou pela manutenção do recato feminino. Distanciá-la da vaidade do corpo e dos espaços representativos da modernidade, seria a forma defendida pelos clérigos de mantê-la devota e subserviente em seu papel de mãe e dona de casa. Além disso, a moral vigente na sociedade brasileira neste momento era a de que a mulher seria o ponto fraco da moral masculina e por conta disso, o sexo frágil incapaz de gerir sua própria vida.

O contexto da Igreja Católica nesse momento orientava-se por duas linhas: a insistência na fé e nos dogmas da Igreja; e a valorização da moral católica, que se orientava pelo controle da Igreja frente à conduta individual e familiar das pessoas. Por esta razão, padre Alfredo esteve sempre atento à vida individual e familiar dos seus paroquianos, intrometendo-se nelas a ponto de causar desconforto em muitos deles.

Amado Honorato de Oliveira, conta que em uma das desobrigas do Padre Alfredo num povoado, este costumava ficar hospedado na fazenda de um senhor distinto, que era casado, tinha dois filhos, e também um cavalo de corrida cujo nome era Campeão. Certa vez, numa dessas desobrigas, chegando à noite, e o padre não vendo os filhos do fazendeiro, perguntou-lhe onde estavam. Este lhe respondeu que deveriam estar brincando pela fazenda. Demorou um pouco e o padre perguntou p e l o c a v a l o d e c o r r i d a , o f a z e n d e i r o automaticamente respondeu onde o cavalo estava, dizendo ainda que ele iria correr no dia seguinte e que desejava que o vigário o honrasse com sua presença na corrida. O padre guardou o acontecido. No dia seguinte, durante o sermão da missa curtou:

Os homens de hoje não sabem por onde andam os filhos nem se preocupam em localizá-los. Entretanto, guardam em lugar seguro com todos os meios de precioso cuidado e rigores de

atendimento, animais de estimação destinados e treinados a lhes dar imensas alegrias, inclusive em carreira esportivas e páreos riquíssimos contrariando os ensinamentos divinos. Sabem onde estão os Cavalos de corrida, mas não sabem onde andam seus filhos.

Essa característica do padre Alfredo de enfatizar os valores tradicionais da Igreja Católica, como a Família, foi entendida nesta pesquisa como resultado da influência do pensamento religioso restaurador implantado no Brasil a partir do início do século XX e que o conjunto de suas reivindicações, sobretudo no que diz respeito à representação da Igreja Católica como poder divino, começou a ser estabelecido a partir da década de trinta quando o Estado e a Igreja se reaproximaram em favor da luta contra o inimigo em comum: a modernidade l iberal e o comunismo. Assim, o sermão do padre Alfredo, para além de uma intromissão na vida dos seus paroquianos, representa a incorporação da

Preocupação básica da Igreja que era a de manter a família dentro dos moldes tradicionais. Havia uma insistência na manutenção da hierarquia entre os membros da família: o homem, como chefe e cabeça; os filhos, como dependentes, submissos e obedientes; e a esposa, ocupando um patamar intermediário, mas sempre sob a autoridade do marido.

Nesse sentido, o que “contrariou” o padre Alfredo Haasler nesse episódio do cavalo de corrida, foi a quebra, por parte daquele chefe de família, da representação familiar que pregava a Santa Madre Igreja, e à qual era veemente defendida pelo vigário da freguesia de Jacobina. O senhor Amado, contou ainda que após esse episódio, o padre e ele, nunca mais foram hospedados por aquele fazendeiro durante as desobrigas, o que nos remeteu a uma situação de conflito e discordância frente às atitudes do padre que por outro lado, pareceu não se intimidar com situações como esta, na medida em que, persistia em adentrar na vida dos seus paroquianos como os dois outros relatos.

Situações conflituosas como esta, em que o padre se indispôs com pessoas ou grupos da região, apareceram corriqueiramente nos depoimentos orais e também em algumas fontes escritas, como

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no livro supracitado de Amado Honorato. Para algumas das pessoas que relataram essas situações de conflito, a representação atribuída ao padre Alfredo nada tem a ver com a de Santo ou Apóstolo, ao contrário, estas denunciaram um padre autoritário, controlador e político.

No ano de 1965 quando a política brasileira estava vivendo sob o regime da ditadura militar iniciado em 1964, padre Alfredo se desentendeu com um rico fazendeiro de um povoado vizinho à Jacobina, onde se hospedava durante as desobrigas. O motivo do desentendimento, segundo relatos da depoente dona Maria Três, foi a oposição desse fazendeiro à ARENA, partido do qual fazia parte um dos grandes e contínuos benfeitores da Associação das Escolas Paroquiais, e amigo do padre Alfredo, deputado Estadual Francisco Rocha Pires.

Nesse episódio que envolvera o fazendeiro do povoado, durante uma conversa sobre política, o dono da fazenda se pronunciou a favor da oposição. Padre Alfredo se levantou abruptamente da mesa, onde estava em refeição com o distinto senhor, e de forma imperativa, prenunciou que aquele senhor iria perder tudo e ficar pobre. Nesta história, é importante destacar a representação de profeta do padre Alfredo, expressa no respeito e credulidade quanto às pragas e/ou excomunhões lançadas àqueles que se manifestassem contrários às suas.

Levando em consideração o conjunto dessas informações sobre o “temperamento” e o “posicionamento político” do padre Alfredo, a depoente dona Maria Quatro reconheceu a importância do trabalho feito por ele frente às Escolas Paroquiais para a região de Jacobina, mas, demonstrou não acreditar na sua “santidade”, ao contrário, afirmou que ela não concordava com muitas ações dele.

Contudo, as oposições existentes ao trabalho, e mesmo a presença do padre Alfredo na região de Jacobina, como as feitas pelo semanário O Lidador, não apareceram na biografia escrita por Lemos, o que permite considerar que a mesma é resultante de seleção de fatos com fins de (re)construir e (re)significar a história de vida do

Padre Alfredo Haasler, conforme assinala Bourdieu ao refletir sobre a escrita biográfica.

Este autor considerou que o relato de vida varia, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, segundo a qualidade social do mercado no qual é ofertado. O sertão das Jacobinas não validou questionar a história do Padre Alfredo sob quaisquer aspectos. Preocupou-se em manter viva na memória da cidade a representação deste como sujeito religioso inatacável, verdadeiro patrimônio religioso.

Nesse sentido, a biografia de Padre Haasler escrita por Lemos, embora aponte caminhos para questionamentos sobre conflitos, tensões sociais e alianças estabelecidas pelo padre com os representantes das elites locais, não fez análise dessas questões. Ao contrário, acabou ratificando a representação do padre Haasler como Santo.

Na medida em que, tendo sido esta encomendada pela Paróquia de Jacobina com a finalidade de homenagear o padre Alfredo, não houve intenção de que os confli tos e tensões polí t icas aparecessem, ao invés disso, o que se mostrou foi uma sucessão de fatos e eventos religiosos, onde o padre Alfredo apareceu como principal protagonista guiado pelo seu espírito de benevolência, caridade, renúncia e fé.

FONTES PESQUISADAS:

BIOGRÁFICAS:

LEMOS, Doracy Araújo. O Missionário do Sertão:

biografia de Padre Alfredo Haasler. Jacobina/BA:

Santa Cruz Artes Gráficas, 1999.

LEMOS, Doracy Araújo Lemos. Jacobina sua História

sua gente. Jacobina, 1995.

OLIVEIRA, Amado Honorato de. Contos e Crônicas.

Jacobina. 1999.

Memória do Legislativo Baiano. 1947-2004.

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Folheto Comemorativo dos 50 anos dos padres Cistercienses no sertão da Bahia/Brasil. Mosteiro de Jequitibá: Mundo Novo, 1988.

FONTES DIGITAIS:

ACERVO DIGITALIZADOS DA MICRORREGIÃO DE JACOBINA / UNEB IV – NEEC E NEO

·Jornal O Lidador (décadas de 1930 e 1940)·Jornal Vanguarda (década de 1950);

NÚCLEO DE HISTÓRIA LOCAL- UNEB CAMPUS XIII.

·Jornal O Itaberaba (décadas de 1930,1940 e 1950);

FONTES FOTOGRÁFICAS:

·Acervo privado das Irmãs do Instituto Missionário do Espírito Santo em Jacobina;

·Acervo privado da ex-professora Isabel de Fátima Lima;

FONTES ORAIS:

·Ex-professoras das escolas paroquiais, freiras do Instituto Missionário das Irmãs do Espírito Santo; ex-alunos e pais de ex-alunos das Escolas Paroquiais;

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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ARTIGO - GILMARA PINHEIRO

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VAUCHEZ, André. A Espiritualidade na Idade Média Ocidental. Séculos VIII a XIII. Rio De Janeiro: Jorge Zahar editor, 1995.

____________________

i - A reunião do Capítulo Geral da Ordem ocorria a cada cinco anos. Após a reunião de 1925 houve uma reunião do Capítulo Geral extraordinário em 1927 a fim de que os dados levantados pela pesquisa feita por Dom Aloísio Wiesinger fossem apresentados. Para maiores esclarecimentos sobre essa questão, ver. LEKAI, Louis J. Los Cisterciences: Ideales y realidad. Barcelona: Ed. Barcelona Herder, 1987. P. 168.

ii - LEMOS, Doracy Araújo. O Missionário do Sertão: biografia de Padre Alfredo Haasler. Jacobina/BA: Santa Cruz Artes Gráficas, 1999. P.10.

iii - Idem. P. 10.

iv - Idem. Ibid. P. 10-11.

v - Idem. P. 12.

vi - Informações prestadas por D. Othmar Rauscher, abade de Schlierbach na década de 1950, escritas no folheto comemorativo dos 50 anos dos padres cistercienses no sertão da Bahia/Brasil. Mosteiro de Jequitibá: Mundo Novo, 1988. P.07.

vii - Grifos meus.

viii - LEMOS, Doracy. O Missionário do Sertão. 1999. Op. Cit. PP. 08-10.

ix - A biografia oficial do padre Alfredo foi escrita pela senhora Doracy Araújo Lemos, fundadora e pertencente à Academia Jacobinense de Letras, natural de Jacobina. O biográfico é uma homenagem ao padre Alfredo contando as “histórias” que constituem sua

história em Jacobina. As informações sobre a carreira eclesiástica foram cedidas pelos próprios cistercienses. Quanto às informações sobre o período em Jacobina, A biógrafa solicitou às pessoas que conheceram ou viveram com o padre Alfredo que escrevessem suas lembranças sobre o mesmo, e lhe enviassem. Recebidas, foram por ela selecionadas de acordo com um plano de escrita. Por fim, a narrativa biográfica foi efetuada, de maneira cronológica e sequenciada e intitulada O Missionário do Sertão. Lemos, foi professora de português formada pela Faculdade de Educação, de Jacobina. Atualmente é aposentada e autora de vários livros sobre a região dentre os quais, JACOBINA, SUA HISTÓRIA E SUA GENTE, 1995. 339 páginas. Sendo este, bastante utilizado como referencia para quem pesquisa a região de Jacobina.

x - BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas. Sobre a teoria da ação. Campinas, São Paulo: Papirus, 1996. Páginas. PP. 74-75. Grifos meus.

xii - LEMOS, Doracy Araujo. O Missionário do Sertão. 1999. Op. Cit. P. 167.

xiii - Sra. Dalila Teixeira, Jacobina 1988 – Folheto de Comemoração dos 50 anos de Obra Missionária do Padre Alfredo em Jacobina.

xiv - LEMOS, Doracy Araújo Lemos. O Missionário do Sertão. 1999. Op. Cit. P. 08.

Idem. P. 81.

xv - Instituto fundado pelo padre Alfredo Haasler em

1952 em parceria com a Ir. Maria de Lourdes Medeiros

Senra.

xvi - Termo utilizado por Pierre Bourdieu In: A ilusão

Biográfica.

xvii - Fotografias de situações variadas das Escolas

Paroquiais e sua vida religiosa estão guardadas em

mãos das ex-professoras dessas Escolas e das Irmãs

Missionárias do Instituto fundado pelo padre Alfredo.

xviii - BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In:

AMADO, Janaína & FERREIRA, Marieta de Moraes

(ORG.). Usos e abusos da História Oral. 4ª. Ed, Rio de

Janeiro: Editora FGV, 2001. P. 184.

xix - Idem. P. 184.

ARTIGO - GILMARA PINHEIRO

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Dialética, v. 5, n. 5, p. 100, Mar/2014

xx - Publicadas através do folheto de comemoração dos 50 anos de vida missionária dos cistercienses no sertão da Bahia.

xxi - BOURDIEU, Pierre. A ilusão Biográfica. 2001. Op. Cit. P 189.

xxii - AZZI, Riolando. 2008. Op. Cit. Pág. 23.

xxiii - Idem. Ibid. Pág. 23.

xxiv - Trecho de depoimento da Irmã Maria Um. Jacobina, Novembro de 2010.

xxv - AZZI, Riolando & GRIJP, Klaus Van Der, História da Igreja no Brasil. Terceira Época (1930-1964). Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008. P. 16.

xxvi - No ano de 1961, ele ganhou de seus financiadores religiosos da Áustria, um jipe para realização das desobrigas.

xxvii - MARTINS, José de Souza. Sociologia da Fotografia e da Imagem. São Paulo: Contexto, 2008. PP. 28-29.

xxviii - COSTA E SILVA. Cândido. Roteiro da Vida e da Morte. Um estudo do catolicismo no sertão da Bahia. São Paulo: Ática, 1982. P. 20.

xxix - AZZI, Riolando. 2008. Op. Cit. P. 561.

xxx - COSTA E SILVA. Cândido. Roteiro da Vida e da Morte. 1982. Op. Cit. P. 15.

xxxi - Acervos Digitalizados da Microrregião da Jacobina / Núcleo de Estudos Orais e Cidade. Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade – Universidade do Estado da Bahia. ADMJ/NEO.NEEC-UNEB IV. MOVIMENTO RELIGIOSO, EDUCATIVO E CARITATIVO DA PARÓQUIA DE JACOBINA. Jacobina, Jornal Vanguarda. Ano X. Edição 479. 18 de Janeiro de 1959, P. 04.

Idem. P. 04.

xxxii - Em 1978, quando fora confeccionado o

“santinho”, padre Alfredo já dispunha de carro para a

realização das desobrigas. Portanto, o santinho já

representa uma imagem de uma memória seleta sobre o

padre.

xxxiii - Folheto Comemorativo 50 anos dos padres

Cistercienses no Sertão, 1998. P. 11.

xxxv - O Jornal anterior a este, O Lidador (1933-1943)

assumiu uma postura de oposição e crítica ao Padre

Alfredo Haasler e em nenhum momento de sua

existência correlata ao período do Padre Alfredo como

pároco, destacou matérias sobre as Desobrigas

realizadas por ele. O Jornal O Lidador possuía um

caráter centrado nas discussões sobre Ciência e

Religião, característico dos anos iniciais da República

e tecia sérias críticas à Igreja Católica e ao seu

representante em Jacobina: Pe. Alfredo. Por conta

disso, o jornal passou a ser alvo de ataques por parte da

Igreja Católica de Jacobina, do Bispo de Bonfim D.

Hugo Bressane e do Pe. Haasler. Para maior

esclarecimento sobre o tema ver: PINHEIRO, Gilmara

Ferreira de Oliveira. Os “monges de branco” e os

sertões das Jacobinas. Catolicismo e Restauração nas

ações Missionárias de Pe. Alfredo Haasler. Haasler

(1938-1965). Feira de Santana: UEFS, 2012.

Dissertação de mestrado. 223 páginas.

xxxvi - Estatísticas do trabalho com as escolas

paroquiais por localidade.

xxxvii - As estatísticas caritativas referentes à Cruzada

Social, em que o padre distribuía medicamentos,

roupas e alimentos aos “mais necessitados”. Contava

com ajuda de senhoras das “elites” jacobinenses para o

seu desenvolvimento.

xxxviii - Légua era a denominação de várias unidades

de medidas de itinerários (de comprimentos longos)

utilizadas em Portugal, Brasil e outros países até a

introdução do sistema métrico. As várias unidades com

esta denominação tinham valores que variavam entre

os atuais 4 e 7 quilômetros. Na região em estudo, légua

ainda é um termo corriqueiramente utilizado pelas

pessoas da localidade para se referirem a distâncias

entre um lugar e outro.

xxxix - Na cidade vizinha, Itaberaba, o semanário local

O Itaberaba, publicava também as desobrigas do

vigário da freguesia, na mesma época em que padre

Alfredo divulgava o itinerário e resultado das suas

ARTIGO - GILMARA PINHEIRO

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Dialética, v. 5, n. 5, p. 101, Mar/2014

desobrigas em Jacobina, no jornal Vanguarda.

xl - Ver Jornal O Lidador e Espiritismo: tensões ao projeto Cisterciense no “sertão das Jacobinas”. IN: PINHEIRO, Gilmara Ferreira de Oliveira. “Os monges de branco” e os sertões das Jacobinas: Catolicismo e Restauração nas ações missionárias de Pe. Alfredo Haasler (1938-1965). 2012. Op. Cit.

xli - Estou trabalhando com a noção de Campo Religioso a partir da definição do Bourdieu, enquanto uma esfera social relat ivamente autônoma, especializada, na produção, reprodução, distribuição e controle dos bens simbólicos de salvação, estruturação a partir da divisão do trabalho religioso entre produtores e consumidores desses bens religiosos. Bourdieu, Pierre. Gênese e Estrutura do Campo Religioso. In. A Economia das trocas Simbólicas. 7ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2011, P. 65.

xlii - Centro de Cultura Afonso Costa. Jacobina. CCAC/J. OLIVEIRA, Amado Honorato de. Padre Alfredo V. IN: Contos e Crônicas. Juazeiro, 1999.

xliii - Professora normalista na cidade e também organista. Teve papel de destaque nas escolas paroquiais criadas por padre Haasler.

xliv - STONE, Lawrence. O Ressurgimento da Narrativa. Reflexões sobre uma Nova Velha História. In. Revista de História. Dossiê História, Narrativa H. White, D. Lacapra... Tema em Questões, Movimento Sociais. Nº. 2/3. Primavera, 1991.

xlv - Bispo da Diocese de Senhor do Bonfim no ano da morte do Padre Alfredo Haasler.

xlvi - Em 1966, o município de Caém conferiu-lhe o título de Cidadão Emérito. Em 1976, foi a vez da cidade de Jacobina que o homenageou com o título de Cidadão Jacobinense e por sim, em 1989, o município de Serrolândia lhe concedeu título de Cidadão.

xlvii - O padre Alfredo ficou em cadeira de rodas antes de falecer.

xlviii - Professora Valdetina herdou do Padre Alfredo a antiga casa paroquial onde mora até hoje com sua amiga Monica Rodrigues.

xlix - Santa de devoção de sua mãe Ana Haasler.

l - ADMJ/NEO.NEEC-UNEB IV. O SANTO PROMETIDO. Jacobina. Jornal Primeira Página. 09

de Junho em 1997. A matéria foi publicada em: LEMOS, Doracy Araújo. O Missionário do sertão. Op. Cit. P. 82. Grifos meus.

li - O ex-aluno da escola paroquial era coordenador odontológico da 16ª Dires em 1997 quando escrevera a matéria.

lii - ADMJ/NEO.NEEC-UNEB IV. O santo prometido. Jornal Primeira Página. 09 de Agosto de 1997. Jacobina / Bahia. Grifos meus. A matéria também consta no livro O Missionário do Sertão. 1999. Op. Cit. P. 111.

liii - Permissão que lhe fora concedida pelo Bispo da Diocese de Senhor do Bonfim, de auxiliar o padre Alfredo nos trabalhos religiosos: liturgia, casamentos, batizados e assistência aos doentes. Essas informações constam na biografia O Missionário do Sertão. Op. Cit. P. 127.

liv - LEMOS, Doracy Araújo. O Missionário do Sertão. 1999. Op. Cit. PP. 127-129. Grifos meus.

lv - Peculiaridade dos santos católicos, como prova de amor e temor a Deus.

lvi - LEMOS, Doracy Araújo. O Missionário do Sertão. 1999. Op. Cit. Pág. 148. Narrativa das Irmãs do Divino Espírito Santo. Ramificação das Irmãs Missionárias do Divino Espírito Santo, fundado pelo pe. Alfredo e a freira Maria de Lourdes Senra em 1952.

lvii - Idem. P. 149.

lviii - II Coríntios, capítulo nove, versículo noventa e seis da Bíblia.

lix - Capítulo doze, versículo um e dois do livro de Gêneses da Bíblia.

lx - Entrevista concedida à radio Serrana-FM e Clube Rio do Ouro-AM, no programa “A Voz dos Carmelitas” d i a 0 6 d e j u l h o d e 2 0 0 8 . http://mais.uol.com.br/view/948650021097666674/entrevista-pe-joseabade-dos-cistercienses-de-jequitibaba-0402193362C0915346?types=A&. Disponível em 28 de Abril de 2010 às 23h14.

lxi - NORA, Pierre. 1981. Entre Memória e História. In: Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP. São Paulo, 1981, p. 7-28.

lxii - GUARINELLO, Norberto Luiz. Memória Coletiva e história científica. IN: Revista Brasileira de História, vol. 15, n. 28, São Paulo, ANPUH-Marco

ARTIGO - GILMARA PINHEIRO 101

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Zero, 1995 P. 180.

lxiii - Entrevista concedida em 18 de Novembro de 2010. Jacobina, Bahia.

lxiv - AZZI, Riolando. História da Igreja no Brasil. 2008. Op. Cit. P. 130.

lxv - Idem. P. 131.

lxvi - Termo utilizado por Azzi, Riolando. Idem

Ibid.

lxvii - AZZI, Riolando. História da Igreja no

Brasil. 2008. Op. Cit. PP. 132-133.

lxviii -Para uma maior discussão sobre o papel da

mulher, sua honra e comportamento no início do

século XX, ver: SANCHES. Maria Aparecida

Prazeres. As razões do Coração: namoro, escolhas

conjugais, relações raciais e sexo-afetivas em

salvador 1889/1950. Tese de Doutoramento.

Universidade Federal Fluminense: Rio de Janeiro,

Niterói, 2010. 379 páginas.

lxix - Ex-coroinha do padre Alfredo Haasler.

Escreveu o livro: Crônicas e Contos sobre

Jacobina.

lxx - Padre Alfredo II. In: Crônicas e Contos.

Amado Honorato de Oliveira. Livro impresso em

computador e encadernado. A cópia encontra-se

no Centro Comunitário do Município de Jacobina.

lxxi - Grifos meus.

lxxii - AZZI, Riolando. Historia da Igreja no

Brasil. 2008. Op. Cit. P. 76.

lxxiii - Expressão usada no conto de Amado

Honorato.

lxxiv - Entrevista feita em 18 de novembro de

2010. Jacobina, Bahia.

lxxv - BOURDIEU, Pierre. 2001. Op. Cit. P. 75-

76.

ARTIGO - GILMARA PINHEIRO 102

Dialética, v. 5, n. 5, p. 102, Mar/2014

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“El debate sobre el estructuralismo y el cisma em el marxismo britânico: Análise de uma

controvérsia”.Pedro Ojeda Déniz

Política e democracia em Gramsci: um roteiro para leitura.

Felipe Maia

Acerca do conceito de hegemonia e o debate sobre a contra hegemonia

Sandro Santa Barbara

“Comércio justo e mercados imperfeitos” Rilton Primo

“Culturas mágicas, poder e saúde pública no interior da Bahia em

meados do século XX“.Josivaldo Pires de Oliveira, Ellen

Oliveira, e Claudiane Basto

“Entre memórias e representações: Padre Alfredo Haasler e as desobrigas

nos sertões das Jacobinas/Bahia”Gilmara Pinheiro

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