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Enquanto as empresas se adaptam, a polêmica sobre a legislação continua nos tribunais A explosão da educação a distância levanta debates sobre a qualidade do ensino e a eficiência do modelo no país A ABED adianta números surpreendentes: os cursos voltados à área corporativa atraíram 1,5 milhão de brasileiros em 2008 Um dos maiores desafios da modalidade é a gestão de pessoas Julho/2009 Ano 32 - nº 277

Revista do Administrador - Ed.277 - Julho/2009

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Como a Educação a Distância (EAD) invadiu o ambiente corporativo e tornou-se um mecanismo imprescindível de gestão

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Enquanto as empresas se adaptam, a polêmica sobre a legislação continua nos tribunais

A explosão da educação a distância levanta debates sobre a qualidade do

ensino e a eficiência do modelo no país

A ABED adianta números surpreendentes: os cursos voltados à

área corporativa atraíram 1,5 milhão de brasileiros em 2008

Um dos maiores desafios da modalidade é a gestão de pessoas

Julho/2009 Ano 32 - nº 277

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Graças à revolução tecnológica que vem sendo movida pelo digital, e, ao mesmo tempo, devido ao surgimento de uma estrutura social

em rede, que horizontaliza a comunicação, hoje vive-mos a era da informação, refletida em todos os campos da atividade humana.

Na área do ensino, esse processo de profunda mudança fica claramente refletido na ampla difusão do conceito de educação a distância (EAD), que se tem apresentado como uma importante ferramenta para a democratização do ensino em um país de proporções continentais como o Brasil e de conhecidas discre-pâncias no acesso ao conhecimento, em especial nas regiões periféricas do território.

Composta por um conjunto de métodos pedagógicos construtivistas, mediado por redes de computadores, essa nascente modalidade educacional (nascente sob o ponto de vista histórico) transforma os papéis tradi-cionalmente exercidos por professores e alunos. Torna os estudantes condutores de seu próprio aprendizado, com plenas condições de gerir os instrumentos que se encontram à sua disposição, no tempo, local e intensi-dade que lhe forem mais convenientes.

Essa, aliás, constitui uma das principais polêmicas para os que são resistentes a adotar a EAD: a falta da relação face a face. Para suprir a inexistência de inte-ração humana, é preciso estabelecer uma ponte entre os meios tecnológicos e os que se dispõe a utilizá-los como mediador em seu processo de aprendizagem. Isso implica em flexibilização para atender um público que tanto pode ser oriundo da chamada Geração Y, ou Geração da Internet, como constituído daqueles que ainda não se habituaram a escrever sem papel e caneta.

Apesar de nova, muita coisa mudou desde quando se ouviu falar pela primeira vez em EAD. O universo educa-cional dos telecursos, do final da década de 70, ampliou suas aulas para outras modalidades de ensino — gradua-ção, pós-graduação, cursos preparatórios, atualizações, prevenção —, e hoje se consolidou como ferramenta institucional indispensável a qualquer administrador.

Empresários que se renderam à invasão da EAD em sua rotina administrativa só têm a aplaudir os gráficos

que apontam aumento nos lucros, melhora da produ-tividade e possibilidade de mais negócios. Funcionários que participaram de cursos de capacitação e reci-clagem profissional também comemoram. Afinal, ingressaram em um novo contexto de aprendizado e já estão quase prontos para o futuro que está bem próximo neste setor.

O Conselho Regional de Administração de São Paulo tem a responsabilidade, além de apoiar as iniciativas de nosso Conselho Federal – de trabalhar junto ao Ministério da Educação para estimular, manter e apri-morar a qualidade do ensino a distância no que tange aos cursos da área administrativa –, de trazer luz e dar espaço para o debate do tema, extremamente rele-vante nos dias atuais.

Apesar de nova, muita coisa já mudou na EAD.

O universo dos telecursos se consolida hoje como ferramenta institucional indispensável a qualquer administrador

É isso que pretendemos fazer ao apresentarmos na Revista do Administrador Profissional o cenário que a modalidade enfrenta hoje no Brasil, por meio do levantamento de números expressivos e pela opinião de especialistas, educadores e alunos envolvidos em todo o processo.

Boa leitura!

Educação a distância O universo digital que nos leva a rever os conceitos do saber

Adm. Walter SigolloPresidente do Conselho Regional de Administração de São Paulo - CRA-SP

Carta ao Leitor

Expediente

Rua Estados Unidos, 889 - Jardim América - São Paulo - SPCEP 01427-001 - Telefone: (11) [email protected] - www.crasp.com.br

EditorConselho Regional de Administração de São Paulo

PresidenteAdministrador Walter Sigollo

DiretoresAdm. José Alfredo Machado de AssisVice-presidente Administrativo

Adm. Paulo Roberto Segatelli CâmaraVice-presidente de Relações Externas

Adm. Cid NardyVice-presidente de Planejamento

Adm. Joaquim Carlos DiasVice-presidente para Assuntos Acadêmicos

Adm. Teresinha Covas Lisboa1º Secretário

Adm. Roberta de Carvalho Cardoso2º Secretário

Adm. Antonio Geraldo Wolff1º Tesoureiro

Adm. Idalberto Chiavenato2º Tesoureiro

ConselheirosMarcio Gonçalves Moreira, Anna Luiza do Amaral Boranga, Carlos Antonio Monteiro, Alberto Emmanuel de Carvalho Whitaker, Hamilton Luiz Corrêa, Luiz Eduardo Reis de Magalhães, Alexandre Uriel Ortega Duarte, Milton Luiz Milioni, Luiz Carlos VendraminiRepresentantes no CFA: Roberto Carvalho Cardoso (efetivo) e Mauro Kreuz (suplente)

Conselho Editorial para RAP 2009/2010Coordenadora: Adm. Teresinha Covas Lisboa. Adm. Alexandre Uriel Ortega Duarte, Adm. Anna Luiza do Amaral Boranga, Adm. Cid Nardy, Adm. Hamilton Luiz Corrêa, Adm. Luiz Carlos Vendramini, Adm. Milton Luiz Milioni, Adm. Paulo Roberto Segatelli Câmara, Adm. Roberta de Carvalho Cardoso.

ProduçãoMarketing e Comunicação.................Adm. Gláucia Pascoaleto AraújoCoordenação Editorial e Gráfica.................Entrelinhas ComunicaçãoEditora-responsável..................................Priscila Pagliuso (MTB 51.108)Repórter........................................................................................Illenia Negrin Revisores...................................................Beth Munhoz e Camilo Toscano Diretor de criação .......................................................................Jairo HerreraProjeto gráfico..........................................................Luiz Fernando GalanteDiagramação e ilustrações.............................................Fernando Bertolo Fotografia................................................................................Zanone FraissatPublicidade Nominal Representações ........................Mauro MachadoTiragem...............................................................................50 mil exemplares

A RAP é uma publicação mensal do Conselho Regional de Administração (CRA-SP), sob a responsabilidade do Conselho Editorial do CRA-SP. As reportagens não refletem necessariamente a opinião do CRA-SP.

EstiloComo os blogs se transformam em lucro ao atrair a atenção de grandes companhias

Na PráticaLei antifumo leva empresas paulistas a estabelecer novas rotinas aos fumantes para evitar multas e queda no ritmo de trabalho

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PanoramaAcontecimentos que mobilizam os administradores dentro e fora do CRA-SP

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Canal AbertoDelegacia de Bauru multiplica o número de registrados em 6 anos

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ConhecimentoMetas, prazos e confiança aumentam a produção e reduzem custos na gestão do trabalho a distância

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OpiniãoReputação corporativa: mercado busca profissional especializado em avaliar fatores intangíveis nas empresas

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PerfilO mestre em Administração Giancarlo Ricciardi fala sobre vantagem competitiva sustentável

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CapaComo a Educação a Distância (EAD) invadiu o ambiente corporativo e tornou-se um mecanismo imprescindível de gestão

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Panorama

Convenção do Sistema CFA /CRAs reúne profissionais de todo o Brasil

Para garantir o exercício regular da pro-fissão de administrador e a concessão dos benefícios que lhe são de direito, o CRA-SP passará, a partir de agosto, a enviar boleto para a quitação da anuidade referente ao ano vigente aos associados em débito com a instituição.

São duas as formas de pagamento: à vista ou em até no máximo quatro parcelas. Se o administrador optar por quitar sua dívida de uma só vez, terá isen-ção de juros e multa. Dessa forma, pagará a anuidade de R$ 237.

Caso o associado escolha a segunda opção, terá que arcar com encargos calculados sobre o período em aberto.

Essas mesmas condições se estendem às pessoas jurídicas. A diferença está apenas no valor da anuidade, que poderá variar entre R$ 190 e R$ 2.277, de acordo com o capital social da empresa.

Novas regras para quitar sua anuidade do CRA-SP

Mais de 250 pessoas participaram da Convenção do Sistema CFA/CRAs – Conselho Federal e Conselhos Regionais de Administração, realizado em Brasília entre os dias 23 e 26 de junho.

Além de integrar conselheiros, presidentes e fun-cionários para discutir assuntos de relevância na área administrativa, o encontro obteve êxito ao unificar as informações dos sistemas e propiciar troca de experiência e momentos de debate.

Esse, aliás, foi o ponto alto da convenção. Debates acirrados marcaram os três dias de palestras, abertos pela apresentação “A grande virada: regras de ouro da superação”, do professor José Luiz Tejon, e encer-rados com chave de ouro por Eduardo Shinyashiki, que abordou o tema “motivação”.

Tire suas dúvidas com o Departamento de Cobrança do CRA-SP pelo telefone (11) 3087-3266 ou pelo e-mail [email protected]

Foto: Alberto Ruy

PROFISSIONAL

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Teve início em Brasília uma contra-ofensiva à decisão do Superior Tribunal Federal (STF) que der-rubou a exigência de diploma para o exercício do jornalismo. Em menos de 15 dias, duas Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) foram apresen-tadas no Congresso Nacional para que a formação superior brasileira volte a ser obrigatória.

A primeira chegou ao Senado em 2 de julho, pelas mãos do líder do PSB na casa, Antonio Carlos Valadares. A redação faz do diploma um pré-requisito, mas abre exceção para dois tipos de profissionais: o jornalista sem formação acadêmica registrado no Ministério do Trabalho e o colabo-rador que “produz trabalho de natureza técnica”, relacionado com a sua especialização.

A outra PEC que prevê a volta da obrigatoriedade do diploma tramita na Câmara dos Deputados desde 8 de julho. De autoria do deputado federal Paulo Pimenta (PT), o texto é radical e determina

que apenas graduados em jornalismo podem exercer a profissão.

Jornalista sem diploma?Propostas de emendas constitucionais defendem o contrário

Desde junho deste ano, o diploma não é exigido para o exercício do Jornalismo. O entendimento do STF gerou polêmica, com veículos de comunicação e entidades de classe se posicionando a favor e con-tra a decisão, respectivamente. A formação superior tornou-se obrigatória em 1969, durante a Ditadura Militar. Segundo o tribunal, o decreto-lei 972, que instituiu a regra, era incons-titucional, pois restringia as liberdades de expressão e informação.

A obra traz artigos de 18 especialistas em direito recupera-cional, de diversas áreas do conhecimento, e revela os desafios práticos que a nova Lei de Falências impõe aos operadores do Direito em geral. Os textos auxiliam os advogados, consulto-res de empresas, contabilistas, economistas, escrivães, juízes, membros do Ministério Público e peritos. O livro traz reflexões e relata experiências acumuladas durante os quatros anos de vigência da lei, que substituiu a concordata e passou a oferecer novos mecanismos para sobrevivência empresarial.

Direito RecuperacionalAspectos Teóricos e PráticosCoordenação: Newton De Lucca e Alessandra de Azevedo Domingues Editora Quartier Latin, 1ª Edição, 2009

552 páginas | R$ 120,00* | www.quartierlatin.art.br

Para ler e se atualizar

Imagem meramente ilustrativa - *preço sugerido pela editora

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Panorama

Em agosto, os Microempreendedores Individuais (MEI) de Brasília, São Paulo, Minas Gerais e do Rio de Janeiro já poderão solicitar a sua formalização para contar com os benefícios da nova versão da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas. A previsão é do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que espera regularizar, até o final de 2010, cerca de 1 milhão de MEIs.

O processo de adesão é gratuito e feito pela Internet no site www.portaldoempreendedor.gov.br ou em um dos 20 mil escritórios de contabilidade distribu-ídos por todo o País e que sejam optantes do Simples Nacional. A lista dos escritórios está disponível no endereço eletrônico www.fenacon.org.br/esc-simples.php. No site, o empresário individual obtém, no ato da formalização, o CNPJ, o cadastro na Junta Comercial e a inscrição no INSS.

Nova Lei do Microempreendedor prevê formalização de 1 milhão até 2010

Depois de concluída a formalização, o custo men-sal máximo para o empreendedor será de R$ 57,15, constituído da seguinte forma: Previdência Social - R$ 51,15 (correspondente a 11% do salário mínimo); Estado - R$ 1 (se a empresa for do ramo do comércio ou indústria); município - R$ 5 (se a empresa for prestadora de serviço).

As novas regras isentam o MEI do pagamento de quase todos os impostos. Ele passa a arcar com 11% de um salário mínimo para o seu INSS pessoal e R$ 1 de ICMS, no caso do comércio ou da indústria, ou R$ 5 de ISS no caso de ser um prestador de serviços. Além disso, terá mais acesso a crédito e f inan-ciamentos e alíquotas de impostos diferenciadas.

Para usufruir das vantagens da lei, o empreendedor deverá ter faturamento anual máximo de R$ 36 mil e trabalhar sozinho ou com apenas um funcionário

O microempreendedor indi-vidual foi criado pelo governo federal para incentivar a for-malização dos 11 milhões de trabalhadores que atualmente exercem suas funções na infor-malidade, como motoboys, doceiros, borracheiros, came-lôs, manicures e eletricistas.

Ao aderirem ao programa, os trabalhadores entram na “Rede de Proteção Social” e têm direito ao salário-mater-nidade, ao auxílio-doença, à aposentadoria por idade e à aposentadoria por invalidez. Estarão, também, isentos do

pagamento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), do PIS, da Cofins e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Além disso, suas famílias pode-rão receber auxílio-reclusão, ou, em caso de morte, pensão.

Para se enquadrar na lei, além do faturamento anual máximo de R$ 36 mil, o empreendedor deve trabalhar sozinho ou com apenas um funcionário, ser optante do Simples Nacional, exercer atividades de empre-endedor individual e não ser titular, sócio ou administrador de outra empresa.

Quem pode se cadastrar como MEI

PROFISSIONAL

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Enade - Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes 2009 Número de participantes deve dobrar neste ano. O total de convocados que prestará a prova chegará a 800 mil

No dia 8 de novembro, os estudantes ingressantes e concluintes de 15 cur-sos de graduação e sete tecnológicos, que serão avaliados pelo governo, vão realizar a prova do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).

As inscrições para o exame, que avalia a qualidade dos cursos univer-sitários de todo o País, vão até 31 de agosto. A partir deste ano, a prova não será feita por amostragem. O número de convocados deve dobrar para 800 mil estudantes.

O cronograma do Ministério da Educação (MEC) prevê a divulgação da lista dos estudantes selecionados no dia 10 de setembro. Mais informações estão disponíveis no site http://www.inep.gov.br/superior/enade/.

AlunosIngressantes

Aqueles que completaram no máximo

22% do curso até 1º de agosto

Concluintes

Frequentaram 80% da carga horária do

curso até a mesma data

Dispensados

Aqueles que colarem grau até 31 de

agosto e os que estiverem em cursos

fora do Brasil na data do exame

Maurício Alves, gerente de negócios da Ticket, organiza seu home office antes de iniciar o trabalho

Para comandar funcionários que

trabalham a distância, é preciso engavetar velhos conceitos de gestão e apostar em

autonomia

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Conhecimento

Trabalho a distância não significa perda de vínculo empregatício. O artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) deixa claro que “não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego”.

O Projeto de Lei 3.129, de 2004, que aguarda votação no Senado, dá nova redação ao artigo para não restringir ao domicílio do funcionário a única possibilidade de trabalho a distância regulamentada. Se aprovado, o projeto passa a vigorar com o seguinte texto:

Artigo 6º - “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”.

Parágrafo Único: “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e direitos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

Informal versus Remoto

Ana Mansour, presidente da Sobratt, durante palestra ministrada no CRA-SP

Trabalhar a distância, fora do escritório, deixou de ser prá-tica somente de profissionais

autônomos ou executivos de gran-des empresas. Pesquisa realizada pelo instituto Market Analysis mostra que a cada quatro brasileiros adultos em atividade, pelo menos um adota o teletrabalho de alguma forma, ao longo do mês. Nas esti-mativas da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt), 10,6 milhões de pessoas aderem à modalidade. Os núme-ros revelam a popularização do sistema e um novo perfil “desen-raizado”, de profissionais que não ocupam cargos de chefia. “Há dez anos, o teletrabalho era exercido basicamente pelo alto escalão de uma empresa. Hoje, podemos dizer que a maioria é de funcionários, de médios gerentes”, afirma a presi-dente da Sobratt, Ana Mansour.

As empresas que consegui-ram estender o trabalho remoto à chamada “ala do meio” vence-ram um desafio bem maior que investir em computadores de última geração e telefones móveis com acesso rápido à Internet. Elas modernizaram os meios de ges-tão e abandonaram as práticas ultrapassadas de liderança para comandar, com eficiência, funcio-nários que desempenham tarefas a distância. Especialistas explicam

que, nesse sentido, o primeiro passo é mesmo engavetar a figura do chefe onipotente, controlador, que impõe

autoridade vigiando cada tarefa e disseminando insegurança. “Isso exige uma verdadeira revolução cultural dentro da empresa. E a mudança necessariamente começa pela chefia, que deve estabelecer outros critérios de avaliação. O gestor precisa estabelecer metas e prazos. É com base nesse plane-jamento que os funcionários serão cobrados”, explica Ana.

Para a presidente da Sobratt, o apego ao modelo centralizador de administrar impede o avanço das alternativas ao trabalho presen-cial. Delegar funções e dar mais autonomia ao colaborador, para boa parte dos gestores, é como se

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atirar no abismo. “O pensamento que ainda domina é o da escravidão e subordinação. Trabalhar a distân-cia exige um outro tipo de relação, mais sofisticada para o padrão bra-sileiro”, avalia.

A tese de que, longe das vistas do chefe, o funcionário deixa de cumprir suas funções é desmisti-ficada por uma série de estudos internacionais que comparam o ren-dimento de grupos antes e depois da implementação do teletrabalho. Um deles foi o amplo levantamento feito pela Sustainable Teleworking (Sustel), organização financiada por sete grandes empresas euro-péias de telecomunicação. A pesquisa constatou que a produ-tividade a distância aumentou de 30% a 60% nas companhias já no primeiro ano de adesão ao modelo.

A explicação para a melhora

considerável no desempenho é a otimização do tempo. O funcio-nário que pode flexibilizar o local onde cumpre expediente (seja em casa, na praça de alimentação de um shopping, em um café ou até no saguão do aeroporto) e não perde horas no trânsito atravan-cado a caminho do escritório, por exemplo. “O impacto positivo na qualidade de vida é imediato. O funcionário, uma vez adaptado ao novo esquema e menos estressado, fica mais satisfeito com o trabalho”, explica a presidente da Sobratt.

Na Europa e nos Estados Unidos, o modelo é largamente utilizado, principalmente pelas grandes cor-porações, como estratégia para reduzir custos e aumentar as opera-ções em regiões distantes da matriz. No Brasil, de acordo com o levan-tamento realizado pelo instituto Market Analysis, as microem-presas são pioneiras em adotar o teletrabalho de maneira intensiva e diária, mas a prática começa a che-gar às maiores.

É o caso da Ticket, empresa do grupo Accor e líder no segmento de convênios e serviços. Em 2006, a área comercial precisou se rees-truturar para ganhar agilidade e fazer frente aos novos desafios do mercado. Depois do diagnóstico, a direção elaborou um plano de encerramento gradual das ativida-des nas 25 filiais e a adaptação dos 120 colaboradores (cerca de 15% de todo o efetivo da Ticket) para o modelo home office. O processo foi concluído em abril passado, e os resultados são bastante animado-res, na avaliação do superintendente comercial, Eduardo Távora.

Segundo pesquisa internacional, a

adoção do teletrabalho aumentou de 30% a 60% a produtividade das

companhias

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Conhecimento

“Precisávamos cortar gastos. A implementação do trabalho a dis-tância nos proporcionou até agora uma economia de R$ 3 milhões, que antes eram gastos com a manu-tenção das estruturas das filiais. Nossos colaboradores ganharam em qualidade de vida, e a empresa registrou aumento de 40% na venda de novos produtos. Não foi uma decisão filantrópica. É uma visão de mercado”, afirma.

O superintendente conta que, nas filiais, montadas exclusivamente para abrigar o pessoal de vendas, a equipe dedicava 70% do tempo às tarefas operacionais e burocráti-cas e apenas 30% ao atendimento aos clientes. Com o fechamento dos escritórios, a proporção se inver-teu. “Melhoramos em 76% o nível de receita da carteira de clientes. Ou seja, o mesmo cliente passou a comprar mais, devido ao tempo maior que os colaboradores dedi-caram a ele”, explica.

A transição para o home office foi viabilizada pelo departamento de recursos humanos da Ticket, que desenvolveu ações específicas de relacionamento com os teletra-balhadores, sem mudar cláusulas no contrato de trabalho e man-tendo-os devidamente registrados. “Equipamos todo o home office do colaborador com móveis, compu-tador, telefone. Enviamos material educativo para a família, expli-cando o quanto confiamos naquele profissional, a ponto de permitir que ele trabalhe longe do escri-tório, e como o apoio dos filhos e da esposa é importante para a adaptação”, esclarece a gerente

de desenvolvimento em recursos humanos, Edna Bedani.

O gerente de negócios Maurício Alves foi um dos primeiros a ade-rir ao novo modelo proposto pela Ticket. Ele diz que a falta de con-vívio com os colegas de trabalho é amenizado pelas reuniões frequen-tes na sede da empresa. “Estou bem adaptado à rotina. E, como passo boa parte do dia visitando clientes, não sofro muito com o isolamento”, diz. Prós e contras na balança, o gerente garante que não gostaria de voltar ao escritório. “Trabalho melhor com mais autonomia. E ainda posso levar e buscar meu filho na escola.”

Trabalho sustentável Além de otimizar tempo e recur-

sos, o teletrabalho é defendido como saída viável para diluir o caos nas grandes cidades, entupidas pela grande quantidade de veículos em circulação. “Criar alternativas ao expediente tradicional é uma

realidade que se impõe. O trabalho a distância, que hoje é uma opção, irá se transformar em necessidade daqui a poucos anos. Na capital paulista, por exemplo, a mobilidade urbana já foi estrangulada pelo trân-sito”, alerta o diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Rogério Belda.

Assim como ocorre em cidades norte-americanas da Flórida, a idéia é que o poder público possa incenti-var o trabalho remoto, concedendo incentivo fiscal às companhias adeptas ao sistema, pela contribui-ção ao meio ambiente.

O grupo de excelência em Convergência Tecnológica e Mobilidade Corporativa do CRA-SP elabora proposta semelhante para ser encaminhada à Prefeitura de São Paulo. “Além do desconto em impostos, a empresa que adotar práticas sustentáveis pode ganhar certificação e até comercializar créditos de carbono”, aposta o coor-denador do grupo, Álvaro Mello.

Eduardo Távora, superintendente comercial da Ticket

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Nova lei antifumo extingue os fumódromos das empresas. Fumar, só do lado de fora. Diante da restrição, o ideal é adotar práticas educativas

O fim da fumaça corporativa?

A partir de 7 de agosto, fumar só mesmo na ruaPessoas que trabalham em edifícios comerciais da avenida Paulista já aproveitam pequenos intervalos para das suas tragadas

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Na prática

Não faz tanto tempo assim, era comum entrar em um escritório e se deparar com

funcionários envoltos pela fumaça enquanto falavam ao telefone, con-cluíam relatórios, faziam cálculos. Nem a chiadeira dos não-fumantes brecava os tabagistas. No início da década de 1990, o hábito de fumar em qualquer canto começou a ser amplamente questionado. E as

baforadas passaram a ser dadas nos corredores e escadas. Dez anos mais tarde, os antitabagistas tive-ram mais um respiro: boa parte das empresas, públicas e priva-das, restringiu o uso do tabaco aos fumódromos, previstos pela Lei Federal 9.294, de 15.07.1996, insta-lados em salinhas isoladas ou em varandas e quintais. Há três meses, criou-se o que pretende ser um

suspiro definitivo: a lei antifumo, sancionada pelo governador José Serra, que proíbe o consumo do cigarro em todos os ambientes de uso coletivo, públicos e privados, total ou parcialmente fechados.

A lei, que entra em vigor no dia 7 de agosto, impõe grandes mudanças de hábito no ambiente de trabalho. Para cumprir a deter-minação, as empresas paulistas

80% dos chefes brasileiros acreditam que os funcionários não-fumantes são mais produtivos. Entre os colaboradores, a porcentagem é menor: 44%

98% dos empregadores e 95% dos funcionários classificaram como “inaceitável” fumar no ambiente de trabalho

82% dos colaboradores entrevistados em empresas brasileiras disseram que fumam para aliviar o estresse

Entre as prioridades do empregador em relação à saúde de seus funcionários estão os problemas com pressão alta (30%) e o tabagismo (24%)

Fumantes gastam cerca de 40 minutos por dia durante o expediente para fumar

Do total de fumantes entrevistados, 25% estão tentando parar de fumar e 76% já fizeram duas tentativas

Mais da metade dos empregadores, 62%, confere ao tabagismo efeitos financeiros negativos às companhias. A opinião foi compartilhada por 35% dos funcionários ouvidos

87% dos chefes e 69% dos subordinados disseram que é papel das empresas ajudar os fumantes na superação do vício

Tabagismo no ambiente empresarial

Um estudo patrocinado pela Pfizer revelou a opinião de chefes e funcionários sobre o fumo no ambiente de trabalho e as inicia-tivas de combate ao tabagismo. A pesquisa, denominada Global Workplace Survey, ouviu 4.918 pessoas em 14 países, incluindo o Brasil. Por aqui, foram entrevistados colaboradores de empresas nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernam-buco, Paraná e Rio Grande do Sul. Confira os principais resultados do levantamento:

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Fonte: Global Workplace Survey/Pfizer

que não possuem área livre a céu aberto terão de lidar com as escapa-delas de funcionários para fumar do lado de fora dos prédios. Em tese, os fumantes vão interromper suas funções por um tempo maior por-que terão de se deslocar mais para acender o cigarro, o que diminui-ria a produtividade. Além disso, paradas frequentes podem gerar protestos por parte dos não-fuman-tes, que fazem intervalos somente para se alimentar ou descansar.

Para evitar conflitos, o ideal é usar bom senso e não estabelecer práticas radicais, como proi-bir as saídas para fumar. “Uma gestão eficiente de pessoas pre-cisa levar em conta as diferentes necessidades dos funcionários. O bom caminho é a negociação. Definir regras justas, mas sem criar privilégios e distorções”, avalia o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Ralph Arcanjo Chelotti.

Uma pesquisa sobre tabagismo e trabalho, realizada pela indústria farmacêutica Pfizer, mostra que 80% dos chefes brasileiros conside-ram os fumantes menos produtivos (leia ao lado). Chelotti diz que não há fundamentos científicos para confirmar a tese. Para ele, o fato de um tabagista usar alguns minu-tos do expediente para fumar não implica, necessariamente, que suas tarefas deixaram de ser cumpri-das. “Ficar o tempo todo sentado à mesa de trabalho nem sempre é sinônimo de concentração e efici-ência”, pondera.

Mesmo assim, Chelotti admite que muitas empresas podem res-tringir a contratação de fumantes, seja por convicção ou por falta de habilidade e recursos para lidar com a questão. “Alguns setores já não fazem a admissão de tabagis-

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Na prática

tas, mas não de maneira explícita. Acredito que a lei antifumo possa reforçar esse tipo de postura.”

O governo do Estado promete ser rigoroso na fiscalização. A partir de agosto, 500 fiscais da Vigilância Sanitária vão percorrer bares, res-taurantes, escolas, áreas comuns de condomínios, supermercados e escritórios para verificar se a lei está sendo cumprida. Caso haja pessoas fumando, ou indícios do uso de cigarro, como cinzeiros sujos, bitu-cas no chão ou cheiro de fumaça, o estabelecimento será multado em R$ 792,50. Em caso de novo flagrante, o valor da multa será de R$ 1.585. Se ainda assim a prática persistir, o local pode ser fechado.

O presidente da ABRH diz que a rigidez da lei deve despertar ini-ciativas que promovam a melhoria da saúde dos funcionários. “O tra-balho educativo ganhará espaço. E mais empresas vão iniciar ações em prol da qualidade de vida, como desenvolver programas de incen-tivo aos funcionários que desejam parar de fumar”, avalia.

O ‘empurrão’ que faltavaO caso da ABB Brasil, indústria

do ramo de automação energética, é exemplo de como combater o fumo no ambiente corporativo. Em 1998, a companhia deu início a uma série de ações para diminuir o índice de tabagistas nas duas fábricas do Estado, localizadas em Osasco e Guarulhos, que che-gava a 23% dos funcionários. Com adesão voluntária, o programa adotou como estratégia, até 2007, a promoção de palestras e a dis-tribuição de adesivos e gomas de reposição de nicotina.

No ano passado, o tratamento passou a custear 80% de um medicamento específico para o controle de ansiedade, que apre-senta resultados mais expressivos na superação do vício. Em 11 anos, a proporção de fumantes caiu para 15%. Cerca de 500 pessoas já par-ticiparam da iniciativa, e cerca de 80% conseguiram parar de fumar.

“A maioria dos fumantes não acreditava no tratamento. Mas, com os bons resultados conquistados,

muitos acabaram se convencendo e aderiram. O programa deu tão certo que agora decidimos implementá-lo nas duas outras fábricas, em Blumenau (SC) e Camaçari (BA)”, explica o psiquiatra Edmundo Prince, gerente de saúde da ABB e coordenador do programa.

O especialista afirma que os benefícios são grandes, não ape-nas para os funcionários. “Uma política antitabaco tem grande impacto na empresa. Estima-se que, para cada paciente que deixa de fumar, ela deixa de perder

Alguns setores já não

fazem a admissão de tabagistas, mas não de maneira explícita. Acredito que a lei antifumo possa reforçar esse tipo de postura

Edmundo Prince, coordenador do programa antifumo da ABB, e o ex-fumante Roger Andrade (da esquerda para a direita)

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 5 milhões de pessoas morrem, por ano, vítimas do uso do tabaco. Caso as estimativas de aumento do consumo de produtos como cigarros, charutos e cachimbos se confirmem, esse número aumentará para 10 milhões de mortes anuais por volta de 2030

A OMS estima que um terço da população mundial adulta seja fumante, o que representa cerca de 1,3 bilhão de pessoas

No Brasil, pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), ligado ao Ministério da Saúde, indica que 18,8% da população brasileira é fumante (22,7% dos homens e 16% das mulheres)No país, 23 pessoas morrem por hora em virtude de doenças decorrentes do tabagismo

Estudo divulgado pelo Ministério da Saúde mostra que adultos não-fumantes que convivem em ambientes fechados com tabagistas têm risco 30% maior de apresentar câncer de pulmão e 24% maior de sofrer um ataque cardíaco, se comparado aos que não se expõem constantemente à fumaça do cigarro

Onde há fumaça...

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US$ 800 por ano. Em 2008, a ABB economizou US$ 48 mil. Quem é saudável falta menos e produz mais”, esclarece.

O administrador de logística, Roger Andrade, 41 anos, se recu-sava a parar de fumar. “Sentia prazer em ser fumante e não achava que fumava muito, cerca de oito cigarros por dia”, recorda. Não se dobrou nem quando a equipe chefiada pelo doutor Edmundo foi até o seu setor, carregando um cigarro enorme nas costas, e alardeou os malefícios do tabaco. Roger fugiu das palestras, mas acabou cedendo, por incentivo dos colegas de trabalho.

“Não acreditava que daria certo”, admite. Em outubro passado, ade-riu ao tratamento com o remédio subsidiado pela empresa. Um mês depois, deixou o vício. “Fumei durante 25 anos. Agora estou mais disposto e mais confiante, por ter vencido esse desafio”, conta.

Aos poucos, retoma alguns hábi-tos, como o de tomar um cafezinho nos intervalos, mas sem o cigarro entre os dedos. O fumódromo– que desde 2005 foi instalado a céu aberto– Roger não visita mais. O encontro com os colegas fumantes ficou restrito aos corredores da empresa. “Era um ponto de encon-tro. Agora, a gente se cruza em frente à máquina de café, mas vai cada um para o seu lado”, diz.

O CRA-SP está preparado para, a partir de 7 de agosto, cumprir a nova legislação. Seus espaços ao ar livre permitirão que colaborado-res, administradores e visitantes fumem de maneira legal.

Vida curta?Apesar dos esforços corporati-

vos para adaptar-se à recém-criada lei antifumo, ela pode ter vida curta.

Juristas defendem que, além de

se sobrepor às legislações federal e estadual sobre o tema, a lei fere o direito de liberdade do cidadão.

O professor de Direito Consti-tucional da PUC-SP Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira afirma que a proibição dos fumódromos e a de estabelecimentos voltados exclusivamente para fumantes é inconstitucional. “Proibir fumó-

dromos implica em proibir fumar. E o Estado de São Paulo não pode fazer isso, a não ser que tal conduta fosse criminalizada por lei pela União”, afirma.

Segundo o especialista, a lei está sendo questionada na Justiça, com chances reais de ser derrubada, o que pode obrigar o Estado a recuar em sua política antitabagista.

A educaçãocaiu na rede

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Capa

A gestão estratégica das empresas já navega pelo ensino a distância. No ano passado, 1,5 milhão de pessoas participaram de pelo menos

um treinamento ou curso de formação não-presencial

Um dos maiores bancos do país conseguiu economizar mais de R$ 150 milhões de

reais num período de cinco anos e ainda melhorar a qualidade do ser-viço prestado ao cliente. Por trás do excelente resultado, nenhuma

tática mirabolante de contenção. Bastou mostrar aos funcionários de suas três mil agências como utilizar o computador para aprender. Ao substituir o programa permanente de palestras e convenções presen-ciais pelo e-learning, a instituição

financeira conseguiu treinar todos os colaboradores em quatro meses, com investimento de R$ 5 milhões. Se continuasse a insistir no antigo modelo, o processo consumiria R$ 160 milhões, e levaria meia década para ser concluído.

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A história, verídica, é ilustrativa de como a educação a distância (EAD) “invadiu” o ambiente corporativo e tornou-se um mecanismo impres-cindível de gestão. Empresas que já adotam o sistema entenderam que ampliar o nível de conhecimento de seus funcionários é um bom cami-nho para melhorar a produtividade e a qualidade dos negócios.

Os cursos a distância de treina-mento e formação para o trabalho envolveram cerca de 1,5 milhão de pessoas em 2008, em empre-sas dos mais variados portes e segmentos. Os dados fazem parte do anuário elaborado pela Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) e pelo MEC (Ministério da Educação), que será divulgado oficialmente em setembro.

Em entrevista à RAP, o presi-dente da Abed, Fredric Michael Litto, antecipou os números do censo que revela o importante papel desempenhado pela educa-

ção corporativa na disseminação e consolidação do modelo.

Funcionários e aprendizes são maioria entre os alunos que estu-daram a distância no ano passado, e representam 40% do total de 3,5 milhões de adeptos ao sistema. Cerca de 30%, um milhão de pes-soas, estavam matriculados em cursos a distância autorizados pelo ministério, como ensino funda-mental, médio, técnico, graduação e pós-graduação. E outros 30% aderiram aos módulos livres, que não fornecem diploma.

“Os cursos de capacitação e reci-clagem profissional oferecem um conteúdo que interessa às empre-sas, mas também introduzem o funcionário num novo contexto de aprendizado, que exige iniciativa e automotivação. E o trabalhador acaba sendo preparado para a edu-cação do futuro”, sustenta Litto.

São grandes a chances de um cola-borador, depois de familiarizado

Os cursos de capacitação

e reciclagem introduzem o trabalhador num novo contexto de aprendizado, que exige iniciativa e automotivação.

Fredric Michael Litto, presidente da Abed

com as ferramentas de ensino não-presencial –como sites interativos, CD-Rom, teleaulas–, vir a usá-las novamente para obter conhecimen-tos que vão além das necessidades exigidas pela empresa. Na opinião de Litto, a possibilidade de apren-der sem sair de casa ou do escritório transforma toda a população eco-nomicamente ativa em possíveis estudantes.

“O trabalho braçal, importante no passado, não é mais tão valori-zado. E, atualmente, a exigência do mercado está cada vez maior. Não basta fazer um curso de gradua-ção, é preciso se atualizar sempre. Não tenho dúvidas de que a forma de aprendizado mais viável será os cursos a distância. É um processo irreversível e sem limites”, define.

A necessidade de apresentar alternativas ao estudo presencial estimulou universidades a apos-tarem nos cursos via Internet. Criou-se um círculo virtuoso, em

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que a procura favorece a abertura de cursos, e a nova modalidade desperta o interesse de alunos, boa parte deles até então excluídos do sistema educacional. Uma roda vida que induz mudanças no mer-cado educacional e também nos critérios de recrutamento e avalia-ção profissional.

Segundo o MEC, o numero de matrículas em cursos de gradu-ação e pós-graduação aumentou 356% em apenas três anos. Em 2004, eram 159.366 estudantes em EAD. Já em 2007 eram 727.657 alunos, sendo 396.766 graduan-dos e 330.891 em especializações. Quanto ao perfil dos adeptos, em média são mais velhos, têm filhos e trabalham para sustentar a famí-lia. Ou seja: são mais excluídos economicamente e mais ocupados na comparação com o alunado que

freqüenta o ensino presencial. “A expansão da EAD é uma ques-

tão estratégica. É a única maneira de diminuir o nosso abismo edu-cacional. O Brasil é um país que valoriza os bacharéis, os doutores. As demais profissões são tratadas como segunda classe. Precisamos incentivar cada vez mais o modelo não-presencial, como também os cursos de curta duração. É neces-sário lançar as bases de um ensino de massas”, sustenta o conselheiro do CRA-SP Carlos Monteiro, que atua como consultor de desenvol-vimento em instituições de ensino.

Monteiro apresenta mais dados do MEC que revelam a dimensão do déficit no nível de instrução no País. Apenas 12% da população com idade entre 18 e 24 anos estão na gra-duação. “A meta do Plano Nacional de Educação é alcançar 30%, até 2010. O modelo tradicional jamais dará conta dessa demanda”, avalia. Além disso, o tempo de escolaridade dos brasileiros está bem distante do

A educação a distância vai estimular e

até pressionar que mais instituições coloquem conteúdos gratuitamente na Internet

razoável. Em média, a população economicamente ativa tem menos de quatro anos de estudo. Para se ter uma ideia, na Argentina, o número sobe para oito anos e meio. “Não só precisamos de mais gente estu-dando, como de gente estudando por mais tempo”, analisa.

A possibilidade de se conectar a qualquer sala de aula do mundo apenas ligando o computador despertou um debate adormecido nos porões acadêmicos, sobre a democratização do acesso ao conhecimento. Em 2001, uma ini-ciativa encabeçada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) colocou em prática a filosofia da educação sem barreiras – físi-cas ou econômicas. Com a adesão de mais de 100 universidades de

Stavros Xanthopoylos, diretor-executivo da FGV Online

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renome, como Escola de Direito de Harvard e Universidade de Yale, foi criado o OCWC (Open Course Ware Consortium), uma rede de educação compartilhada que oferece material didático de graça pela internet.

A Fundação Getúlio Vargas é a primeira instituição de ensino e pesquisa do Brasil a integrar o con-sórcio que segue o mesmo conceito dos softwares de código aberto, aderindo à livre difusão do patri-mônio intelectual. O programa EAD da FGV Online tornou disponível quatro cursos de atualização, com módulos de 15 horas de duração, em julho de 2008. Em junho, antes de completar um ano de armazena-gem no site do OCWC, o conteúdo já havia registrado 500 mil acessos.

“A educação a distância vai esti-mular e até pressionar que mais instituições coloquem conteúdos gratuitamente na Internet. Um aluno que já desenvolveu a disci-plina necessária para estudar de maneira não-convencional e tiver conhecimentos em inglês poderá participar de cursos de altíssima qualidade. A liberdade de acesso é um processo que não volta atrás. É impossível retroceder”, avalia o diretor executivo do FGV Online, Stavros Xanthopoylos.

De acordo com o diretor, o pro-grama já concedeu certificação a 100 mil alunos que cursaram os módulos livres. Diante do grande número de adesões, a FGV estuda incluir novos cursos na lista livre. “O fato de oferecermos a gra-tuidade em nada diminui nosso público pagante. Hoje, cerca de 30 mil alunos contratam nossos cur-sos de especialização a distância, por ano”, garante.

Qualidade em xeque A explosão da EAD no país

levanta debates sobre a qualidade do ensino oferecido. As altas taxas de evasão e inadimplência – maio-res que nos cursos presenciais – ainda preocupam e arranham a credibilidade do modelo.

O professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP Hamilton Luiz Correa acre-dita que é preciso lançar um olhar crítico sobre a massificação do modelo. “Estamos acompanhando de perto a evolução do sistema. Temos que assegurar a qualidade da formação ou corremos o risco de colocar profissionais mal prepa-rados, que podem desqualificar a função do administrador”, afirma.

Correa, que também é conse-

que o modelo tradicional possibi-lita um aproveitamento melhor. “Não cogitei fazer a distância. Não me sinto segura, acho que faltariam instruções e não conseguiria tirar minhas dúvidas.”

Já a arquiteta Célia Carvalho, 53 anos, optou pelo MBA em Administração de Empresas a distância. Ela conta que tinha necessidade de aprimorar os estu-dos, mas não conseguia conciliar aulas presenciais com os compro-missos diários. “Fiquei surpresa com a exigência do curso. Entregava relatórios seguidos e também era avaliada pela participação nos fóruns de debates”, conta. Ela diz que os colegas participavam bastante das atividades, e que os professores-tutores estavam sem-pre disponíveis.

Defensor da EAD, Monteiro reconhece que são poucas as facul-dades aptas a operar o modelo. “Os investimentos iniciais são altos. Via de regra, as universidades referên-cia no ensino presencial também oferecem EAD de qualidade.” Para atender às necessidades do mercado, muitas instituições aca-baram incluindo a modalidade em seus currículos, sem possuírem ferramentas adequadas para trans-mitir o conhecimento. “Educar a distância exige interatividade. Não basta pegar o conteúdo de uma aula presencial e torná-lo disponí-vel na Internet. O aluno precisa ser surpreendido, desafiado. E muitos cursos ainda não entenderam a regra”, opina.

Em agosto, o Conselho Federal de Administração deve ampliar a fis-calização dos cursos de graduação na área. A assinatura de um termo de colaboração com o MEC vai per-mitir que o órgão emita pareceres sobre a abertura de novos cursos,

lheiro do CRA-SP, explica que a USP, um dos principais centros de excelência do país, ainda é caute-losa quanto à adoção dos cursos a distância. “Ainda há uma série de dúvidas. Não estamos convencidos de que o método é suficientemente maduro para poder ser aplicado sem prejuízo ao aprendizado”, diz.

A desconfiança também é compartilhada por estudantes, principalmente os mais jovens. A aluna do curso de Administração da Faculdade Zumbi dos Palmares Viviane Próspero, 24 anos, acredita

Educar a distância exige interatividade.

Não basta pegar o conteúdo de uma aula presencial e torná-lo disponível na Internet. O aluno precisa ser surpreendido, desafiado

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sejam presenciais ou a distância. Desde 2006, baseado no Decreto 5.773, o Conselho elabora relatórios sobre os cursos já credenciados e que precisam ser reconhecidos pelo Ministério para emitir diploma aos formandos. O CFA não tem poder de veto. No entanto, pretende tor-nar públicas as avaliações sobre as instituições de ensino, para que professores e alunos tenham ciên-cia das condições oferecidas.

A Administração e a EADApesar das críticas, um levan-

tamento elaborado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) dá sinais positivos sobre o desempenho em métodos não-convencionais de aprendizado. No Enade (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), prova usada pelo MEC para medir o rendimento dos graduandos de

O e-learning não anda sozinho. Se o gestor não se dedicar à

manutenção, oferecendo novos cursos e desafios, a prática se esgota

Fernando Carvalho Cardoso, sócio-diretor da Integração

Escola de Negócios

Liliana Vasconcelos, professora-doutora da FIA

todo o país, os alunos de EAD obti-veram notas melhores que os de cursos presenciais em sete das 13 áreas analisadas, dentre as quais a Administração (veja quadro com-pleto na página 23).

Ao todo, dos 1.181 cursos em EAD credenciados pelo Ministério, cerca de 22% são da área de Administração e Gestão, ou seja, um em cada cinco. Quando ana-lisada somente a oferta em lato sensu e MBAs, a proporção é ainda maior: um em cada três.

As amplas possibilidades de formação continuada transforma-ram os administradores num dos principais consumidores do ensino não-presencial, como alunos e como gestores. A professora-doutora da FIA (Fundação Instituto de Administração) e doutora em educação a distância Liliana Vasconcelos diz que

o modelo está intimamente ligado a uma das principais competências do administrador: a capacidade de aprender rapidamente.

Em sua tese de mestrado, Liliana mediu a contribuição do e-learning para o desenvolvimento dessa habilidade. E concluiu que estudar pela Internet tem papel decisivo no processo. “A velocidade de ino-vação impõe que o administrador seja igualmente ágil na busca por novos conhecimentos para atender o nível de exigência das empresas, que aumentou muito. O execu-tivo que não incorpora os estudos online no seu dia-a-dia estará sem-pre em desvantagem.”

De acordo com os resultados da pesquisa, profissionais que utiliza-ram o e-learning afirmaram que o método estimulou a auto-aprendi-zagem, capacidade de administrar ambientes virtuais de trabalho, a participação em discussões e a troca de experiências via Internet.

Além disso, um administrador que entende a EAD como fer- ramenta imprescindível para obter e renovar conhecimentos pode fomentar o treinamento de fun-cionários a distância. A postura

do gestor que valoriza a apren-dizagem pode ajudar na superação de um conceito ultrapassado em muitas empresas, de que a forma-ção não melhora os negócios.

1-Administração2-Biologia3-Ciências Contábeis4-Ciências Sociais5-Filosofia6-Física7-Formação de Professores8-Geografia 9-História10-Letras11-Matemática12-Pedagogia13-Turismo

Desempenho de alunos presenciais e de EAD no Enade

37,7132,6734,9741,1632,5032,5042,8239,0438,4735,7131,6843,3546,34

37,9932,7932,5952,8730,3639,6241,5232,5831,6033,0534,1646,0952,26

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Em outra pesquisa, dessa vez para sua tese de doutorado, a professora da FIA identificou os gargalos da implementação do ensino corpo-rativo numa companhia de 300 funcionários. A empresa já colo-cava os cursos à disposição dos colaboradores, mas a adesão era pequena. Muitos não conseguiam participar em virtude da sobre-carga de atividades, ou porque se sentiam constrangidos de se dedi-car aos estudos enquanto outros colegas trabalhavam.

“Antes de se implementar a EAD no ambiente corporativo é preciso estudar uma série de variáveis, que vão desde a facilidade de uso à metodologia adequada, passando pela adequação do projeto às neces-sidades reais da empresa e a criação de uma rede de facilitadores, que possam tirar as dúvidas dos funcio-nários sobre o sistema”, define.

Presencial ou a distância? Os dois

Criar as bases para implemen-tação do ensino a distância no ambiente corporativo é apenas o primeiro desafio. Uma vez em anda-mento, o processo de aprendizagem não pode ser interrompido, porque isso significa desperdiçar recursos

financeiros e humanos. “Manter o projeto é o grande xis da questão. O e-learning não anda sozi-nho. Se o gestor não se dedicar à manutenção, oferecendo novos cursos e lançando desafios, a prática se esgota. O estí-mulo deve ser constante”, sustenta o especialista em e-learning Fernando Carvalho Cardoso, sócio-diretor da Integração Escola de Negócios.

Cardoso cita o exemplo de uma construtora que colocou 15 cursos à dis-posição dos funcionários e deixou que escolhessem livremente quais gosta-riam de participar. No primeiro ano, 76% de todo o efetivo fez pelo menos um módulo. Depois disso, a adesão caiu a zero. “Faltou geren-ciamento”, explica.

Uma das formas de sustentar a qualificação continuada é combi-nar ensino a distância e presencial. O especialista afirma que as duas modalidades se complementam e devem fazer parte da rotina de quem trabalha com educação corporativa. “O grande viés a ser superado é esse. Um modelo não pode excluir o outro. É preciso lan-çar mão dos dois. O e-learning é uma ferramenta auxiliar que fun-ciona muito bem como extensão da sala de aula convencional. Mas não a substitui.”

Para Cardoso, o Brasil vive a segunda grande onda do apren-dizado eletrônico. Nos últimos 12 anos, o recurso mais aplicado era o modelo em que professor e aluno nunca se encontravam no ambien- te virtual –os cursos eram ofereci-dos via CD-Rom ou pela internet,

com textos e vídeos postados em sites. Hoje, as webconferências ao vivo ganham espaço e podem viabilizar o acesso das pequenas empresas à EAD, já que não requer investimento inicial pequeno. “O aluno pode interagir, enviar per-guntas em tempo real. Alguns professores já utilizam o Skype para dar aula.”

Em breve, além de aprendizes, os próprios funcionários serão os produtores de conhecimento, já habituados ao uso da internet como meio de reciclagem intelectual. “Será a vez do YouTube corpora-tivo, com os colaboradores criando vídeos para disseminar as técnicas e os procedimentos da empresa e dividir experiências que deram certo. Também haverá uma espé-cie de ‘Wikipedia for e-learning’, enciclopédia livre abastecida por pessoas de diversos segmentos, da indústria ao setor de serviços”, prevê o especialista. Se você ainda não se conectou, é bom correr. Ou ficará sozinho na caverna.

A velocidade de inovação impõe

que o administrador seja igualmente ágil na busca por novos conhecimentos para atender o nível de exigência das empresas, que aumentou muito

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Perfil

PROFISSIONAL

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Ouça os mais velhosComo o conhecimento pode se transformar em vantagem competitiva

O paulistano Giancarlo Ricciardi, 40 anos, é um árduo defensor do conhecimento. A trajetória profissional deste administrador, formado pela Universidade Mackenzie, reflete tamanho empe-nho. Em 2003, depois de gerenciar a área de vendas de grandes companhias, como Xerox e Konika Minolta, ele trocou a indústria pelas salas de aula. Desde então, dedica-se às pesquisas –ele é mestre em Administração e aluno do programa de dou-torado na mesma instituição em que se graduou. Estudioso da vantagem competitiva sustentável, o professor e coordenador dos cursos de Marketing da Universidade Anhembi Morumbi diz que as empresas devem investir mais em recursos huma-nos para estar um passo à frente da concorrência. Para ele, o aprendizado informal deve ser valori-zado e os profissionais mais experientes precisam ser ouvidos. Sem uma gestão do conhecimento efi-ciente, as inovações podem continuar engavetadas nas práticas que ninguém vê e nos processos que não constam dos manuais. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Perfil

RAP - O sr. passou mais de uma década trabalhando na indústria e se desligou totalmente para se dedicar à área acadêmica. Como foi a transição?

Giancarlo Ricciardi - Em 2001, comecei a dar aulas na Anhembi, muito mais como hobby. Quando terminei a pós-graduação em Marketing, na ESPM, comentava com os meus colegas que preci-sava me manter atualizado, mas não queria pagar por novos cursos. Lecionar, para mim, é algo que vai muito além da satisfação profissio-nal, é uma belíssima forma de fazer uma “lavagem” interior. Em 2003, passei a me dedicar exclusivamente à universidade e descobri que meu lugar era o meio acadêmico. Não foi uma decisão difícil. Quando estava na Xerox, me dei conta de que as pessoas carregavam o nome da empresa como sobrenome. Eu mesmo me apresentava aos clien-tes como o Gian da Xerox do Brasil. Deixei de ser o Giancarlo Ricciardi. Percebi que isso não era bom. No momento em que deixasse esse emprego, perderia o “sobrenome”

e a referência. Comecei a rever esse conceito. E isso me ajudou muito a buscar outros desafios. O desa-pego da grande marca por trás do meu nome foi importante nesse processo. Nós não somos profissio-nais de uma empresa para o resto da vida. No meio acadêmico, a produ-ção do pesquisador é o que conta, ele se torna referência por sua pró-pria bagagem de conhecimento.

RAP - Logo após ingressar na carreira acadêmica, o sr. iniciou o mestrado sobre vantagem compe-titiva. Qual foi a abordagem?

Ricciardi - Usei o conceito da vantagem competitiva susten-tável, um termo que não é muito usado no Brasil. Parte do pressu-posto que a empresa detentora de recursos valorosos, raros, imperfeitamente imitáveis e imper-feitamente substituíveis –essas quatro características têm de estar presentes ao mesmo tempo– obtém vantagem no mercado. E que essa vantagem não será corrompida pelo concorrente no médio e longo prazos, daí a condição sustentável.

RAP - Quais tipos de recursos garantiriam a vantagem susten-tável?

Ricciardi - Os recursos que reú-nem as quatro características podem ser físicos, humanos, podem ser uma posição única no mercado ou até mesmo um produto. Em uma mercadoria é mais difícil, porque um produto pode ser facilmente substituído ou imitado. A tendên-cia é encontrar esses recursos nos valores intangíveis da corporação. As empresas, de modo geral, têm grandes dificuldades em identifi-car o potencial de vantagem e, por conta disso, os recursos-chave que merecem ser tratados de maneira diferenciada não são devidamente explorados. A gestão eficiente do conhecimento é um bom exemplo.

RAP - As empresas desperdi-çam conhecimento?

Ricciardi - Parte delas sim. Existem dois tipos de conheci-mento: o explícito e o tácito. O primeiro é o que encontramos nos manuais. O segundo é pas-sado de pessoa para pessoa. São as “manhas” do negócio, remetem à figura do aprendiz e do mestre, à época dos arte-sãos, em que o conhecimento era transmitido de forma oral, ou simplesmente pela obser-vação ou pela cópia. E é esse conhecimento tácito que mui-tas corporações desperdiçam. Mesmo no trabalho mecanizado e padronizado, há espaço para a transmissão do saber.

É claro que, durante a mon-tagem de uma placa de circuito impresso, uma máquina está programada para fazer aquilo, e não há meios diferentes de pro-duzi-la. Mas, no momento em que um engenheiro eletrônico

Giancarlo Ricciardi, coordenador dos cursos de Marketing da

Anhembi Morumbi

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Não se consegue

vantagem competitiva sem ter um ser humano por trás dela, para torná-la valorosa

está desenvolvendo essa placa, sim, há espaço para a transmis-são do conhecimento tácito.

É preciso aproveitar as experiên-cias práticas, inclusive as que não deram certo. Uma lenda corporativa diz que um dos principais produ-tos da marca 3M, a Scotch Brite, foi criado graças a uma “burrada” de um estagiário. Ele teria deixado cair um produto em seu calçado e não conseguia lavar, percebeu que a sujeira não saía. O jovem foi falar com um de seus superiores, que ficou intrigado e foi buscar uma solução. Gestão do conhecimento é isso: permitir que a criação se transforme em inovação. O fato de o funcionário ser inventivo pode trazer receita para a empresa.

RAP - Ou seja, muitas inova-ções surgem na informalidade?

Ricciardi - Sem dúvida. Por isso é importante capacitar os gesto-res, para que aprendam a valorizar o aprendizado informal, que é tão importante quanto o formal. A gestão do conhecimento não pode ser padronizada, porque lida com as relações humanas. Não há fórmulas. Há muitos meios de se transmitir conhecimento. Esse processo está nas mãos de quem observa e de quem tem o saber, a experiência, os anos de janela. Aqui, no Brasil, há uma tendência em se valorizar os profissionais recém-formados em vez dos mais experientes. Geralmente, os mais velhos têm uma formação menos sólida que os novatos. Mas a baga-gem de vida que esses profissionais adquiriram pode trazer contribui-ções enormes.

RAP - O conselho, então, é “ouça os mais velhos”?

Ricciardi - Indiscutivelmente.

Os japoneses já fazem isso. Em empresas japonesas, os colabora-dores com 60, 70 anos, prestes a se aposentar, ainda são ouvidos, se transformaram em conselhei-ros. Com o passar do tempo, o profissional mais velho identifica que os roteiros dos filmes são sempre os mesmos. Muda-se o cenário, os atores, mas o enredo é basicamente o mesmo. Os jovens tendem a ser mais impe-

rizar o “feeling” dessas pessoas. A alta rotatividade nas empre-sas impede que isso aconteça. A idade média dos gestores é muito baixa. Hoje, há profissionais que assumem o cargo de presidência de uma grande empresa com 45 anos. Talvez ele não tenha maturi-dade profissional suficiente para exercer esse cargo, embora possa ter uma larga experiência técnica. Ele tem o conhecimento, mas não tem a sabedoria, um lastro que se ganha com o passar do tempo.

RAP - Por esse raciocínio, uma política eficiente de recur-sos humanos, como a gestão do conhecimento, em alguns casos pode trazer vantagens compe-titivas mais sustentável que a tecnologia?

Ricciardi - Creio que sim. Na minha visão, mesmo que resida em bens tangíveis, como no domínio de um alto padrão tecnológico, essa vantagem competitiva foi obtida lá atrás, antes do processo de fabricação do produto, ainda na concepção. Nada substitui o ser humano. Não se consegue vanta-gem competitiva sem ter um ser humano por trás dela, para mantê-la, para torná-la valorosa, rara e imperfeitamente imitável e imper-feitamente substituível.

tuosos e arrojados, e dão mais “cabeçadas” que outros mais experientes, com mais horas de voo. E é desse colaborador mais antigo que pode surgir algo ino-vador. Ele não precisa recorrer a livros para saber alguma coisa, porque ele já viu. Temos que valo-

Região Administrativa de Bauru - Associação dos Administradores

de Bauru e Região (Pres. Adm. Helson José Berçott Fagundes)

Endereço: R. Joaquim da Silva Martha, 23 - conj. 11 Cep: 17012 225

Tel: (14) 3226 5004 - Bauru - SP

Região Administrativa de Campinas - Associação dos

Administradores de Campinas (Pres. Adm. João Batista Pereira Jr.)

Endereço: R. Barão de Paranapanema, 146 - conj. 44-A

Cep: 13026 010 - Tel: (19) 3251 9660 - Fax: (19) 3251 9688

Campinas - SP - www.aarc.org.br

Região Administrativa de Jundiaí - Associação dos Bacharéis em

Economia, Ciências Contábeis e Administração de Jundiaí (Pres. Adm.

Eric Jacques Lucien Winandy)

Endereço: Av. Dr. Sebastião Mendes Silva, 901- Cep: 13208 090

Tel: (11) 4521 4867 - Jundiaí - SP

Região Administrativa de Piracicaba - Associação dos

Administradores de Piracicaba (Pres. Adm. Roberto Tayar)

Endereço: R. Alferes José Caetano, 720 - Sala 25 - Cep: 13400 120

Tel: (19) 3402 4841 - Fax: (19) 3402 5430 - Piracicaba - SP

www.admvirtual.com.br

Região Administrativa de Santos - Associação dos Administradores

de Santos Adesan (Pres. Adm. Itamar Revoredo Kunert)

Endereço: R. Leonardo Roitman, 27 - conj. 43 - Cep: 11015 550

Santos - SP - Tel: (13) 3223 2629 - www.adesan.org.br

Região Administrativa de São Carlos - Associação dos

Administradores de São Carlos (Pres. Adm. Marcos Silveira Aguiar)

Endereço: R. Conde do Pinhal, 2267 - Sala 601 - Cep: 13560 140

São Carlos - SP - Tel/fax: (16) 3371 5342

Região Administrativa de Sorocaba - Associação dos Administradores

de Sorocaba e Região (Pres. Adm. Gilberto Dilela Filho)

Endereço: R. Padre Luiz, 17 - 12º andar - Sala 128 - Cep: 18035 010

Sorocaba - SP - Tel: (15) 3211 0987 - www.aaesr.com.br

Região Administrativa de São José do Rio Preto - Associação dos

Administradores de São José do Rio Preto (Pres. Adm. José Carlos Simões)

Endereço: R. Luiz Antônio da Silveira, 89 - Cep: 15025 020

São José do Rio Preto - SP - Tel: (17) 3234 1676 - www.siarp.org.br

Canal Aberto

Mesmo com os resultados expres-sivos, o presidente da entidade, Helson Berçott Fagundes, ava-

lia que o desafio está apenas começando. Por isso, as ações devem se intensificar ainda mais. “Queremos dobrar o número de registros de pessoas físicas, e alcan-çar mais empresas. Nesses seis anos, conseguimos muitos progressos, nos consolidamos como referência para os administradores e conquistamos credi-bilidade. Temos tudo para continuar a crescer”, avalia.

De acordo com Berçott, o objetivo é fazer frente ao crescimento do mercado de trabalho para administradores em Bauru e das cidades vizinhas, que se reflete na oferta de cursos universitários. Todos os anos, cerca de 800 estudan-tes recebem o diploma de bacharel em

Delegacia de Bauru: lado a lado com os universitários

Quando a Associação dos Administradores da Cidade de Bauru e Região passou a funcionar como delegacia do CRA-SP, em maio de 2003, a situação da entidade junto a profissionais não era muito animadora. Em um raio de 150 quilômetros, a instituição angariava poucas centenas de registros. Seis anos depois, em 2009, graças a uma intensa campanha, principalmente junto às universidades, a delegacia comemora o trabalho eficiente que multiplicou as regularizações em 8 vezes

PROFISSIONAL

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Administração, em pelo menos oito faculdades autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC). “Os universitários são o princi-pal alvo de nossa campanha pelo registro. Boa parte deles já sai da faculdade com a situação regulari-zada junto ao CRA”,explica.

O contato com os estudantes tornou-se estreito graças ao apoio dado pela delegacia aos eventos promovidos pelas universida-des e pela instituição do prêmio Professor Emérito, criado para homenagear os melhores docen-tes do ensino de Administração do Oeste paulista. “Os alunos de cada universidade elegem os professores que serão premia-dos durante um grande evento.

Este ano, a entrega das placas de homenagem será feita em setem-bro”, conta Berçott.

Também está entre as priori-dades da delegacia promover discussões sobre temas impor-tantes da atualidade e as novas tendências e soluções em gestão. Cursos e palestras fazem parte da agenda permanente da delegacia, que ainda mantém convênio com universidades e cursos de pós-graduação. “A parceria permite que o administrador com regis-tro no CRA tenha descontos que podem chegar a 30% da mensali-dade”, afirma o presidente.

Berçott acredita que cerca de 10 mil bacharéis em Administração atuem nas empresas e indústrias

da região, que tem Bauru como principal centro econômico. O município, que abriga cerca de 360 mil habitantes e fica a 345 quilômetros da capital, tem na rede de comércio e serviços sua grande fonte de recursos. De acordo com a Fundação Seade, cerca de 75% dos empregos com carteira assinada são mantidos pelo setor, onde atua a maioria dos profissionais da área admi-nistrativa.

“Como delegacia do CRA, quanto mais fortalecidos estiver-mos, ganha a categoria e ganha a sociedade, porque o profissional terá de atuar com ética e respon-sabilidade, sob pena de perder o registro do conselho”, finaliza.

A primeira referência do que hoje conhecemos como blog teria surgido em 1997,

quando o programador norte-americano Jorn Barger criou uma página pessoal na Internet e refe-riu-se a ela como “weblog”. O que o programador não imaginava era que seu diário, criado com o intuito de relatar experiências do coti-diano, daria início a uma tendência

De olho no seu blogComo páginas pessoais hospedadas na web chamam a atenção de marcas renomadas e acabam se tornando lucro para os blogueiros

que hoje reúne cerca de 133 milhões de páginas nos mais diversos idio-mas. O dado é da Technorati, que monitora a blogosfera há sete anos. Desde 1997, além da quantidade de usuários, o perfil desses espaços virtuais também mudou. No lugar dos “diários”, entram blogs volta-dos à informação. Também surgem cada vez mais casos de blogueiros sendo remunerados para manter

páginas corporativas ou participar de ações de marketing.

O conceito de blog, amplamente difundido, está totalmente ligado à praticidade, o que permite que qualquer pessoa tenha o seu. A faci-lidade de criação e gerenciamento de uma página como essa atrai cada vez mais pessoas, que enxergam nelas uma maneira de expor suas ideias, relatar e debater fatos com os

por Rodrigo Lara

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Estilo

seus leitores, já que elas permitem essa interação por meio da seção de comentários. E não falta audiência para os blogs. Segundo a agência de comunicação norte-americana Universal McCann, 346 milhões de pessoas, o que corresponde a 77% dos usuários ativos da Internet, visitam esses espaços.

Esse grande número de leitores e de páginas acaba por chamar a atenção de empresas, que passaram a vê-las como uma forma de promo-ver seus negócios e comunicar-se

diretamente com seus consumi-dores. Para tal, elas apostam tanto em blogs corporativos como em parcerias com blogueiros que têm em suas páginas algum conteúdo relacionado à sua área de atuação ou aos seus produtos. Cria-se assim uma oportunidade para os donos de blog transformarem seu hobby em uma maneira de obter renda.

Profissional do bem-estar Foi nesse contexto que a publi-

citária Luciana Soldi Bullara, hoje responsável pela página sobre bem-estar blogConsultoria, da Natura, atraiu os olhares da empresa de cos-méticos. Ela criou seu blog pessoal no início de 2007. “Eu procurava uma recolocação profissional na época, principalmente no mercado de Internet, onde comecei minha carreira. Depois de alguns anos em queda, o mercado dessa área tinha voltado a reaquecer”, diz.

Luciana conta que desenvolveu sua página após se tornar uma con-

sultora para a venda de produtos Natura. “O espaço foi feito apenas no anseio de expressar tudo que eu estava aprendendo sobre bem-estar com a Natura. Tinha vontade de escrever, de me expressar, de mostrar para as pessoas que todos têm um poder de melhorar tudo ao seu redor.”

O sucesso da página de Luciana entre os consultores da marca e sua constante aparição entre os primeiros resultados em mecanis-mos de busca chamou a atenção da

empresa, que decidiu convidá-la para administrar um blog piloto da marca. A experiência rendeu e se transformou no blogConsultoria, que possui pouco mais de um ano e meio de vida. Ele traz dicas sobre bem-estar e também funciona como um canal de comunicação entre a Natura e suas consultoras.

Gol de placaCaso similar aconteceu com o jor-

nalista Rodrigo Barneschi. Movido pela paixão a um time, ele decidiu criar um blog, em 2003. “Queria expor minhas idéias sobre futebol e o Palmeiras.”

Nesse tempo, a página acumulou leitores e ganhou grande visibili-dade. Hoje, ela possui uma média de mil acessos diários. Rodrigo salienta que sua meta não era cole-cionar seguidores, e sim gerar um debate qualificado sobre o time para o qual torce.

No entanto, essa exposição acabou por despertar o interesse da Samsung, patrocinadora da equipe. Para divulgar o lançamento de um novo celular, a empresa apro-veitou sua ligação com o Palmeiras para convidar blogueiros que escrevem sobre o time – a chamada “Mídia Palestrina” – a participar de uma ação de marketing. Para tal, os convidados deveriam inserir, em suas páginas, palavras escritas em um formato típico de mensagens trocadas por celular.

Uma das principais preocupações de Rodrigo ao receber o contato da

Luciana Soldi Bullara, blogueira oficial da marca Natura

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Segundo a Technorati, referência mundial em monitoramento de blogues, existem hoje cerca de 133 milhões de páginas nos mais diversos idiomas

Samsung era, ao aceitar a proposta, descaracterizar seu espaço.

“Conversei com pessoas interadas da relação entre blogs e empresas. Cheguei à resposta que me impor-tava: a linha editorial e a liberdade para escrever não seriam afeta-das.” O blogueiro, então, decidiu participar da campanha e, em con-trapartida, a empresa ofereceu um teste do novo telefone, em primeira mão, para ele e os demais partici-pantes do projeto.

Mídias complementaresGerente de marketing de rela-

cionamento da Samsung, Rodrigo Moretz defende a utilização de blogs e as demais mídias sociais como uma forma de complementar ações nessa área.

“Quando planejamos uma cam-panha, não pensamos se vamos investir em mídia tradicional ou Web 2.0. Buscamos sempre uma sintonia fina. Temos a certeza de que não é possível apostar em apenas uma.”

Moretz salienta que os resulta-dos de ações em um tipo de mídia influem diretamente na outra. Para as empresas, isso significa levar sua mensagem para uma quantidade

muito grande de pessoas. A esco-lha de buscar o apoio da “Mídia Palestrina” para lançar o celular deu-se pela relevância que os blo-gueiros têm junto ao público-alvo do produto. “Um tiro certeiro”, define o gerente. A ação também envolveu a camisa do time: o logo-tipo da Samsung remetia ao formato das mensagens de celular.

“Foi uma escolha positiva, de grande repercussão e mostrou que, ao abrirmos um diálogo mais próximo com os consumidores da nossa marca e desenvolvermos par-

cerias eficientes, todas as partes saem ganhando.”

Quem compartilha da opinião de Moretz é Wagner Martins, sócio da Espalhe, agência de comunica-ção voltada a ações inovadoras na área de marketing. Ele avalia que a Internet se tornou uma ferramenta tão importante para as empresas a ponto de ser impossível ignorá-la.

O publicitário salienta, contudo, que o caminho não é se aventurar. “É preciso ter conteúdo relevante, que interesse a quem está do outro lado. Também é necessário traduzir uma comunicação que a princípio foi pensada para funcionar em mão única, nos meios tradicionais, e fazer o seu conceito principal assu-mir características de diálogo.”

A parceria com blogueiros tam-bém permite maior controle sobre a exposição das empresas. Martins sustenta que as empresas podem ter nos blogs seu principal canal de comunicação “com seus clientes, parceiros e, principalmente, com qualquer pessoa que esteja bus-cando na web algo relacionado ao seu negócio”. Portanto, bloguei-ros, fiquem espertos: as empresas podem estar de olho no seu blog.

Rodrigo Moretz, gerente de marketing de relacionamento da Samsung

Wagner Martins, sócio da agência de comunicação Espalhe

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Estilo

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Opinião

A Administração da Reputação Corporativa é um conceito zainda novo, mas em expan-

são entre as grandes corporações globais e algumas assessorias de comunicação e agências de relações públicas mundo afora. Poucos, no entanto, compreendem que a repu-tação não é apenas uma função de comunicação, mas sim uma função da administração.

Nenhum plano de marketing, de relacionamento com investido-res (RI), de relacionamento com a mídia ou sofisticadas estratégias de branding, por mais audacioso que seja, sustentará os negócios de uma empresa e a maneira como ela é per-cebida por seus públicos estratégicos, stakeholders, audiências prioritárias, partes interessadas ou outro nome que se queira dar às pessoas ou gru-pos que realmente são importantes e vitais para a rentabilidade e pereni-dade da organização.

Ao contrário, a reputação de uma empresa é reflexo de um inspirado modelo de negócios, implementado por meio da habilidade e capacidade de execução de seus administrado-res, do talento de suas lideranças e da capacidade de resposta em momentos de adversidade. Outros aspectos críticos e determinantes da reputação corporativa são ges-tão financeira, competitividade dos produtos, marketing, tecnologia,

O valor da reputação corporativaHá uma lacuna nas empresas: um profissional que tenha se qualificado para alinhar a administração de fatores intangíveis e garantir que iniciativas e mensagens produzidas pelos diversos departamentos sejam harmônicas entre si e atendam aos objetivos do planejamento estratégico

expertise da força de trabalho, ati-tudes de responsabilidade social, cultura, práticas (e não apenas dis-curso) de governança corporativa e conduta ética de seus administrado-res e acionistas.

Ainda que uma empresa se comu-nique com freqüência e de forma pró-ativa, destinando significativos orçamentos para esta ação, a falta de credibilidade de suas mensagens é um forte sinal de que os problemas vão além da ineficiência da comu-nicação ou de um programa de RI. Portanto, a credibilidade da empresa está diretamente relacionada com sua

reputação. Um entendimento correto dos elementos que compõem essa reputação deveria ser obtido a partir de informações vitais para alimentar o plano estratégico das organiza-ções, assim como seus processos de decisão, para o dia-a-dia (curto prazo) e ano após ano (longo prazo).

A reputação de uma empresa é, portanto, um ativo intangível que se reflete diretamente em todos os demais esforços e iniciativas - desde seu custo de capital até seu sucesso no recrutamento de talentos. A reputação e o nível de confiança são os primeiros pontos de refe-

Importância crescente dos ativos intangíveis (Valor de Mercado S&P 500)

Fonte: Jürger H. Daum, Intangible Assets and Value Creation, John Wiley & Sons, 2002

1982 1992 2002

62%

38%

62%82%

38%18%

Ativos Tangíveis

Ativos Intangíveis

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Opinião

rência quando investidores estão avaliando o preço de suas ações ou estudando potencias fusões.

Pode representar, ainda, um importante valor a ser descontado quando o inesperado acontece, não importando se é uma repercussão negativa na mídia, uma reclassifica-ção no balanço –é bom lembrar da implementação do IFRS (veja quadro ao lado) que se avizinha e a estimada redução que provocará na lucrativi-dade das empresas brasileiras– ou uma transação de fusão ou aquisição com resultados indesejados.

Também faz a diferença em uma iniciativa hostil de acionistas minoritários ou, ainda, em desa-fios públicos envolvendo questões ambientais, sociais ou assuntos rela-cionados a movimentos sindicais.

Por outro lado, a reputação pode ser um grande catalisador na cria-ção de valor em momentos de resultados favoráveis e iniciativas positivas, acelerando os negócios e potencializando resultados.

Função estratégica do administrador

No Brasil, os aspectos tangíveis, em especial o financeiro, ainda são muito valorizados. Preocupações com a gestão de reputação, rela-ções públicas com métricas de resultado ou branding ainda não são o foco da maior parte das organizações. Mas serão. Sai na frente quem estiver capacitado para alinhar planos estratégicos com as atitudes e a comunicação, tanto nas relações institucionais, nas manifestações públicas, nas relações interpessoais e, especial-mente, na linguagem utilizada nos websites, relatórios anuais, catálo-gos de produtos/serviços, revistas internas ou imprensa, entre outros meios.

Dentro do contexto corporativo, o administrador tem uma função estratégica, pois deverá cuidar da sustentabilidade da organização a partir de uma gestão que combina uma multiplicidade de conhe-cimentos, tais como estratégia, finanças, operações, marketing, regulamentação, comunicação, governança etc. A habilidade para gerenciar de maneira harmônica áreas aparentemente antagônicas é fundamental, mas ainda não o credencia para dominar a gestão da reputação corporativa. Estou certo que muitos profissionais possam atingir essa meta, mas faltam for-mação, técnicas e estratégias.

Em um mercado cada vez mais complexo e acirrado, no qual se lida com um grande volume de informações –oque prejudica a compreensão e assimilação das principais mensagens–, é indis-pensável dominar técnica da visão sistêmica, sustentabilidade e comunicação integrada para atender a uma multiplicidade de

públicos estratégicos, cada vez mais bem informados, conscien-tes e exigentes. Mais que isso: tudo em tempo real. Não é à toa que o intangível passou a valer mais que o tangível. Então, estamos prepa-rando administradores para vencer esse novo desafio?

Conjunto de normas e pro-nunciamentos de contabilidade internacionais publicados e revi-sados pelo IASB (International Accounting Standards Board).

As normas IFRS foram ado-tadas pelos países da União Européia a partir de 31 de dezem-bro de 2005 com o objetivo de harmonizar as demonstrações financeiras consolidadas, publi-cadas pelas empresas abertas européias.

A iniciativa foi internacional-mente acolhida pela comunidade financeira. Atualmente, nume-rosos países têm projetos oficiais de convergência das normas contábeis locais para as normas IFRS, inclusive o Brasil.

Estudo da Ernst Young, com base em pronunciamentos da CVM, demonstra que regras já implementadas provocaram queda de 20% nos resultados.

IFRS (Internacional Financial Reporting Standards)

Adm. Valter FariaCRA-SP - 25210-7administrador de empresas, consultor e especialista em governança corporativa, estratégia de comunicação financeira e relações com investidores

O administrador tem uma função estratégica, pois deverá cuidar da sustentabilidade da organização, a partir de uma gestão que combina uma multiplicidade de conhecimentos