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Arqueologia, Curitiba, v. 10, p. 1-15, 2006 1 RECONSTRUÇÃO VIRTUAL DA ANTIGA IGREJA MATRIZ DE CURITIBA: ANÁLISE DE DIMENSÕES E IMPLANTAÇÃO José Manoel Kozan* Iara Beduschi Kozan* RESUMO: A reconstrução virtual de edificações total ou parcialmente destruídas tornou-se uma prática amplamente difundida devido a crescente capacidade dos recursos digitais. Cada projeto desta incipiente indústria apresenta desafios únicos, desde a fase inicial de pesquisa e coleta das informações até a representação final do modelo tridimensional, sintetizando em imagens e animações o produto da análise e interpretação de dados técnicos, históricos e arqueológicos. O presente artigo apresenta os resultados de uma dessas iniciativas, desenvolvida com o objetivo de determinar as prováveis dimensões originais da Antiga Igreja Matriz de Curitiba, estrutura demolida no século XIX. Os principais dados sobre as características arquitetônicas da igreja foram obtidos a partir da retificação digital de uma fotografia histórica, utilizando como referência as dimensões de um relógio remanescente da edificação. Suporte adicional para a obtenção de dados originou-se de pinturas, desenhos, mapas e analogia com elementos de igrejas contemporâneas, envolvendo pesquisa histórica, interpretação de imagens e reconstrução digital. Palavras-chave: Antiga Igreja Matriz de Curitiba; Reconstrução Virtual; Fotogrametria. INTRODUÇÃO A Antiga Matriz de Curitiba teve sua origem em 1714, quando se iniciou a construção de uma igreja para substituir uma capela de madeira. Desde o início das obras até o ano de 1875 quando sua demolição foi autorizada pelo Presidente da Província do Paraná, Lamenha Lins, eventos significativos para a história local ocorreram em seu interior e na praça ao seu redor. Além de ser um ambiente para devoção, a igreja * Do Center for Electronic Reconstruction of Historical and Archaeological Sites-CERHAS- University of Cincinnati.

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RECONSTRUÇÃO VIRTUAL DA ANTIGA IGREJA MATRIZDE CURITIBA: ANÁLISE DE DIMENSÕES E

IMPLANTAÇÃO

José Manoel Kozan*Iara Beduschi Kozan*

RESUMO: A reconstrução virtual de edificações total ouparcialmente destruídas tornou-se uma prática amplamentedifundida devido a crescente capacidade dos recursos digitais. Cadaprojeto desta incipiente indústria apresenta desafios únicos, desdea fase inicial de pesquisa e coleta das informações até arepresentação final do modelo tridimensional, sintetizando emimagens e animações o produto da análise e interpretação de dadostécnicos, históricos e arqueológicos. O presente artigo apresentaos resultados de uma dessas iniciativas, desenvolvida com oobjetivo de determinar as prováveis dimensões originais da AntigaIgreja Matriz de Curitiba, estrutura demolida no século XIX. Osprincipais dados sobre as características arquitetônicas da igrejaforam obtidos a partir da retificação digital de uma fotografiahistórica, utilizando como referência as dimensões de um relógioremanescente da edificação. Suporte adicional para a obtençãode dados originou-se de pinturas, desenhos, mapas e analogia comelementos de igrejas contemporâneas, envolvendo pesquisahistórica, interpretação de imagens e reconstrução digital.

Palavras-chave: Antiga Igreja Matriz de Curitiba;Reconstrução Virtual; Fotogrametria.

INTRODUÇÃO

A Antiga Matriz de Curitiba teve sua origem em 1714, quando seiniciou a construção de uma igreja para substituir uma capela de madeira.Desde o início das obras até o ano de 1875 quando sua demolição foiautorizada pelo Presidente da Província do Paraná, Lamenha Lins,eventos significativos para a história local ocorreram em seu interior ena praça ao seu redor. Além de ser um ambiente para devoção, a igreja

* Do Center for Electronic Reconstruction of Historical and Archaeological Sites-CERHAS-University of Cincinnati.

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abrigou o conselho onde eram freqüentes os debates e decisões politico-administrativas para o núcleo urbano em formação. Durante os mais de150 anos de sua existência a Antiga Matriz passou por inúmeras reformase ampliações, apresentando diferentes configurações que foramregistradas por artistas como Jean-Baptiste Debret e o cartógrafo JohnHenry Elliot. De acordo com documentos históricos, ao longo de suaexistência a igreja foi alvo de uma sucessão de problemas construtivos,os quais não eram corretamente solucionados à medida que ocorriam. Acomunidade continuamente procrastinava soluções definitivas para a maisvisível e reverenciada construção da localidade.

Os dados disponíveis sobre a arquitetura da antiga igreja estãoreduzidos a um pequeno número de imagens externas, referências emdocumentos oficiais, antigas publicações na imprensa local e relatosdeixados por viajantes europeus que visitaram Curitiba durante o séculoXIX, como Auguste Saint-Hilaire. Dois mapas produzidos em torno de1850 mostram de forma esquemática qual era a posição da igreja naatual Praça Tiradentes, situando-a próxima ao acesso principal da atualCatedral Basílica Menor de Curitiba. Algumas peças do mobiliário comoos altares laterais e imagens sacras da igreja sobreviveram, masatualmente não é conhecido nenhum tipo de desenho com informaçõesrelativas às dimensões da edifícação como plantas, cortes e elevações.Do exterior da igreja restou somente o relógio de uma torres, atualmenteinstalado na fachada da Igreja da Ordem, localizada no Setor Históricode Curitiba.

Figura 1. Relógio remanescente daAntiga Matriz, atualmente instaladona torre da Igreja da Ordem emCuritiba (Foto: J. M. Kozan, 2002).

Figura 2. Imagem ampliada dorelógio na foto de 1870 (Foto:Adolpho Volk - Fundação Cultural deCuritiba).

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Dentre os documentos pesquisados, uma fotografia tirada porAdolph Volk em 1870 é a fonte de dados mais confiável para se avaliar oselementos arquitetônicos das fachadas sul e oeste da Antiga Matriz. Emconjunto com o relógio remanescente, esta imagem possibilitou determi-nar as prováveis dimensões originais da igreja através de um processode fotogrametria digital, e interpretar uma série de imagens da edificaçãoa partir da reconstrução virtual.

IMPLANTAÇÃO DA IGREJA NA PRAÇA

A localização precisa da Antiga Matriz na atual Praca Tiradentespermanece incerta, uma vez que pesquisas arqueológicas ainda não foramconduzidas no local. De acordo com o arqueólogo Igor Chmyz,1 todasas tentativas para a condução de escavações no sítio arqueológicofalharam por falta de concordância por parte das autoridadesresponsáveis. Até mesmo o acompanhamento de eventuais serviços demanutenção de redes subterrâneas na praça, não foi ao longo dos anosdevidamente supervisionado por profissionais de arqueologia. Comoexemplo citamos uma escavação realizada pela Copel na face norte da

_______________1 Entrevista concedida no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da

Universidade Federal do Paraná em 2 de dezembro de 2002.

Figura 3. Antiga Igreja Matriz deCuritiba no dia das festividades paracomemoração da chegada dossoldados da Guerra Brasil-Paraguai,28 de Abril de 1870 (Foto: AdolphoVolk - Fundação Cultural de Curitiba).

Figura 4. Detalhe da torre com aposição do relógio remanescente(Foto: Adolpho Volk - FundaçãoCultural de Curitiba).

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praça em janeiro de 1999, quando foram encontradas cerâmicas eossadas humanas. As imagens dos trabalhadores junto às valas com osvestígios arqueológicos foram apresentadas pela Rede Paranaense deComunicação, confirmando citações em antigos documentos sobreenterros conduzidos no interior da nave da igreja. Com a conclusão dostrabalhos de manutenção a valeta foi fechada juntamente com o materialali descoberto.

Em dois mapas da cidade de Curitiba, datados de 1850 e 18572

foram encontradas referências gráficas sobre a localização e dimensõesexternas da Antiga Matriz. Ambos mostram o contorno da igreja emposição semelhante, situada na face nordeste da praça, e com o acessoprincipal da nave voltado para o sul. As proporções e geometria dasquadras e ruas nos mapas históricos difere dos mapas atualizadosfornecidos pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba(IPPUC). Essas divergências possivelmente são decorrentes de limitaçõestécnicas de representação gráfica e execução de levantamentosplanialtimétricos na época, e não devido a modificações posteriores notraçado urbano. O atual arruamento ao redor da praça é semelhante aorepresentado nos mapas históricos, não tendo mudado significativamentedurante o desenvolvimento urbano do núcleo original da cidade (BERBERI;SUTIL,1997:2), fato que Trevisan (1996:82) confirma ao mencionar quea praça e suas proporções, tamanho e forma constituem um legado doséculo XVII.

Os dois mapas foram analisados com o objetivo de se obter asdimensões externas da igreja neles representadas, e estabelecer umaimplantação em relação a posição da atual catedral. O processo utilizouimagens digitalizadas dos mapas, as quais foram redimensionadas deforma a se obter uma representação em escala dos desenhos, eposteriormente foram rotacionadas e sobrepostas com dados gráficosvetoriais da configuração urbana existente. Os mapas foram ajustadosde forma a se maximizar a coincidência entre as linhas representativasdo arruamento atual e antigo, tendo como ponto base a face frontal daquadra em que se situa a catedral.

O mapa de 1850 apresentou maiores discrepâncias com o atualtraçado urbano, e as dimensões da igreja nele obtidas foram: 24,07 metrosde largura por 29,00 metros de comprimento. Convertendo-se essesvalores para braças,3 obtivemos as dimensões de 10,94 braças de largura

_______________2 O mapa é identificado como sendo produzido em 1857, mas fontes não

publicadas afirmaram que a data correta seria 1861. Trevisan (2000:30) afirma que PedroTaulois desenhou o mapa como uma proposta para alterações urbanas futuras, e nãocomo uma representação da situação da praça na época.

3 Antigo sistema de unidade de comprimento, equivalente a 2.2 metros.

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por 13,18 braças de comprimento. Ao contrário do outro mapa histórico,o mapa de 1850 localiza a antiga igreja obstruindo a atual Rua JoséBonifácio, antiga Rua Fexada.

Figura 5. Superposição do mapa de1850 com arruamento atual.

Figura 6. Superposição do mapa de1857 com arruamento atual.

A representação da malha urbana no mapa de 1857 apresentamaior semelhança com a atual configuração da região. Além deabranger uma área mais ampla ao redor da praça, o desenho apresentauma escala gráfica que possibilitou a determinação de informaçõesmais precisas sobre as dimensões externas da Antiga Matriz.Obtivemos as dimensões de 22,59 metros de largura por 37,38 metrosde comprimento, ou 10,27 braças de largura por 16,99 braças decomprimento. Neste mapa a posição da antiga igreja bloqueia umapequena extensão da Rua Fexada, e a situa quase que totalmente emfrente à catedral.

Como não existem registros estabelecendo a distância entreos fundos da igreja demolida da parede frontal da catedral que asucedeu, propomos uma possivel implantação da Antiga Matriz, a partirdo mapa de 1857 onde a distância entre as igrejas é deaproximadamente 5 braças, diferindo do valor de 2 braças apresentadono mapa de 1850. A região hachurada na Figura 7 mostra uma possívelárea de localização da parede de fundos da Antiga Matriz. Moreira(2000) descreve que a largura da atual catedral é de 22,20 metros,semelhante à largura de 22,59 metros da Antiga Matriz obtida no mapade 1857. Como ambas dimensões são próximas de 10 braças, épossível que a largura para a nova catedral tenha sido definida paraigualar a largura da Antiga Matriz.

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Figura 7. Provável implantação da Antiga Matriz em relação à atual Catedral.

FOTO DE 1870

Entre os diversos tipos de imagem que foram encontradasrepresentando total ou parcialmente a antiga igreja, as fotografiashistóricas representam uma fonte de informação confiável para seproceder a um processo de documentação das características formaisda igreja. A utilização de fotos como um arquivo natural de dadosarquitetônicos não é um procedimento de uso recente. Históricamente,métodos fotográficos são uma tradição na área de documentação deedificações, como demonstrado pelos Arquivos Meydenbauer naAlemanha. Datados entre 1885 e 1920, esta coleção apresenta imagensde cerca de 2.000 edifícios, muitos dos quais foram destruídos durantea Segunda Guerra Mundial, marcando a introdução da fotogrametriaaplicada à arquitetura (WIEDEMANN, 1997).

Embora tenham sido encontradas várias imagens da AntigaMatriz, somente uma entre as duas fotos registradas por Adolph Volkpermite assegurar a qualidade dos resultados. Descartou-se a segundafoto devido ao fato da mesma apresentar evidências de alterações manuaisem diversas áreas da fachada da igreja e nas edificações próximas àpraça. No entanto o conjunto de imagens históricas pesquisadas, apesarde não fornecer dados relativos às dimensões da igreja, foi útil naidentificação de elementos e detalhes da Antiga Matriz que não puderamser visualizados na foto submetida ao processo de retificação. A situaçãoencontrada com as imagens da Antiga Matriz encaixa-se como um exemplo

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de uma aplicação especial da fotogrametria, onde somente uma únicaimagem é a principal fonte de dados para o processo de retificação.4

Ao analisar o arquivo Meydenbauer, Hemmleb (1999:3) observoua presença de algumas características nas fotografias, que possibilitaramuma otimização na extração de dados a partir de um processofotogramétrico. Comparando a foto de 1870 da Igreja Matriz com asobservações de Hemmleb, constatou-se que:

1. A fotografia da igreja foi registrada com uma posição de câmeraadequada.

2. A exemplo das fotos de Meydenbauer, a imagem mostra duasfachadas da igreja.

3. A edificação apresenta arestas retangulares.4. São identificadas inúmeras linhas verticais e horizontais.

Essas observações atestam a validade de submeter a imagemda Antiga Matriz a um processo de fotogrametria, o que constitui umatécnica indireta de aquisição de dados, substituindo o contato imediatocom o objeto real pela análise da sua imagem (WIEDEMANN, 1997:1).

ELABORAÇÃO DOS DADOS

O objetivo de uma retificação digital é a produção de uma imagemmétrica onde o dimensionamento dos elementos arquitetônicos podemser retirados na escala desejada (HEMMLEB, 1999:2). Optou-se porutilizar para a retificação da fotografia de 1870 o software Photoplan,que emprega no processo quatro pontos de controle coplanares e trêsdimensões no plano a ser retificado, não necessitando dos parâmetrosda câmera fotográfica.

A análise inicial da relação geométrica entre os elementosarquitetônicos da igreja não produziu resultados satisfatórios. Diferenteshipóteses para localização dos pontos requeridos pelo processo geravamresultados bastante divergentes na imagem retificada. Em alguns casosobtivemos imagens com as torres apresentando alturas idênticas, e emoutros alturas desiguais. O problema agravou-se com a falta de suportede documentação histórica para qualquer uma das hipóteses. Concluiu-se que a definição da localização dos pontos deveria basear-se somente

_______________4 Ogleby (1999) apresenta a reconstrução virtual da antiga cidade asiática de

Ayutthaya e descreve a importância da fotogrametria na geração de dados para modelosvirtuais de patrimônio cultural inexistente.

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em informações fornecidas pelo exame da imagem. A alternativa escolhidafoi posicionar os pontos de referência junto ao friso central da fachada,claramente uma linha horizontal.

Figura 8. Localização dos pontos para a retificação da fachada frontal.

O processo gerou uma ortofoto digital da Antiga Igreja Matriz,com coordenadas x e y definidas para cada pixel da foto. Isto significaque quando são medidas distâncias, áreas e ângulos na imagem, obtêm-se resultados proporcionais ao modelo real (FOWLER, 1998:1). Albertze Wiedemann (1995:6) observam que cada planta derivada defotogrametria constitui o resultado de um processo de interpretação, ondeinformações complexas são reduzidas a linhas. Schuhr e Kannigieser(1999:2) admitem que um obstáculo real para a aplicação ampla dautilização de imagens únicas em arqueologia é a disputa entre ummapeamento fotogramétrico resultante de um processo objetivo e ainterpretação subjetiva de elementos na imagem. Ciente destes problemas,procuramos esclarecer as decisões interpretativas ao longo do processoque gerou as prováveis dimensões da Antiga Igreja Matriz de Curitiba5 apartir da foto registrada por Volk.

Hemmleb (1999) descreve possíveis fontes de informaçãocomplementar para suprir as referências mínimas inerentes ao processofotogramétrico, como: dimensões de edificações vizinhas, dados sobreos parâmetros e posição da câmera e regras adicionais seguidas durantea fotografia do objeto. Se a edificação ainda permanece no local, pontosdiretamente extraídos da fachada fornecem a referência de escala, mas

_______________5 El-Hakim (2000) comenta sobre diferentes metodologias para reconstruções

digitais, e conclui que não existe uma solução única para todas as situações.

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no caso da Antiga Matriz nenhuma destas fontes de dados complementarespôde ser utilizada, restando como única medida de referência disponívelo relógio remanescente, instalado na fachada da Igreja da Ordem.

O relógio foi medido em novembro de 2002 utilizando-se umelevador externo para atingir a altura de sua atual posição. As dimensõesobtidas foram utilizadas como referência para gerar uma ortofoto digitaldo relógio, baseada nas condições em que este apresentava antes dasua restauração em 1993.6 Como na foto de 1870 a moldura do relógioencontra-se parcialmente encoberta pela parede da igreja, as dimensõesinternas do painel do relógio foram estabelecidas como as principaisreferências para a retificação da fachada frontal da igreja.

Figura 9. Referências para a retificação da fachada lateral.

Para a fachada lateral a referência foi derivada da fachada frontal,uma vez que nenhuma outra fonte de informação disponível pôde forneceras dimensões necessárias para a retificação da lateral. Wiedemann etal. (2000) mencionam o problema encontrado em situações onde os dadospara a extração de informação tridimensional não estão presentes e avalia

_______________6 Foi utilizada uma fotografia fornecida por Suely Deschermayer, que dirigiu a

restauração do relógio em 1993. Após a remoção da fachada da Igreja da Ordem, o relógiorecebeu nova pintura dos numerais e painel frontal. O mecanismo original ainda está instaladojunto ao relógio na Igreja da Ordem, apesar de ter sido substituído por um novo mecanismopara marcação de hora.

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o uso de técnicas adicionais como fonte indireta de dados. Na retificaçãoda Antiga Matriz optou-se por utilizar as medidas adquiridas após aretificação da fachada frontal, e aplicá-las por analogia a elementos nafachada lateral. Para a referência horizontal a média da largura dascolunas ‘A’ e ‘B’ foi aplicada à coluna lateral ‘C’. A medida vertical derivouda projeção do anel interno do relógio sobre a aresta da fachada,segmento ‘D’.

SIMULAÇÃO DOS DADOS

Na etapa seguinte foi desenvolvido um modelo bidimensional dafachada através da detecção manual de contornos em CAD, obtendo-seuma representação vetorial da fotografia contendo todos os elementos visíveis.

Figura 10. Representação vetorialda fachada frontal gerada a partirda retificação.

Figura 11. Representação vetorialda fachada lateral gerada a partir daretificação.

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A imagem retificada não continha a totalidade da informaçãogeométrica necessária para produzir um desenho completo das fachadasda igreja, uma vez que partes das fachadas frontal e lateral encontravam-se ocultas. Barceló (2000) ponderou em sua pesquisa problemasrelacionados com informações incompletas em modelos virtuais históricos,e embora para algumas reconstruções um modelo incompleto é o objetivofinal, o procedimento padrão tende a ser a complementação dos dadoshistóricos ausentes por meio de indução, dedução e analogia. Para ocaso da Antiga Matriz, cujo objetivo era a realização de um modelo

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Figura 12. Representação vetorialda fachada frontal após a adição dedados.

Figura 13. Representação vetorialda fachada lateral após a adição dedados.

As dimensões frontais da igreja obtidas na retificação aproxima-ram-se dos valores derivados do mapa de 1857, sendo a diferença entreambos de 60 cm, ou aproximadamente 2,7% da largura total da edificação.A profundidade total adotada para a igreja baseou-se nas dimensões domapa histórico. Como as dimensões obtidas são bastante próximas devalores inteiros na unidade de medida utilizada na época da construçãoda Antiga Matriz, consideramos que as prováveis dimensões externas daigreja tenham sido de 10 braças de largura por 17 braças de compri-mento, ou 22 metros de largura por 37,40 metros de comprimento.

* Valor adotado a partir do mapa de 1857.

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completo, informações adicionais originaram-se das seguintes fontes:

1. Plantas arquitetônicas e levantamentos in loco das Igrejas deSão Benedito e São Francisco das Chagas em Paranaguá, ambasconstruções contemporâneas e próximas geograficamente.

2. Retificação digital da litografia publicada pela Revista do Paranáem 1887.

3. Análise do mapa histórico de 1857.

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CONCLUSÃO

O grau de precisão dos resultados obtidos para as prováveisdimensões originais da Antiga Igreja Matriz de Curitiba poderá serdeterminado após a realização de trabalhos arqueológicos que possamvir a encontrar indícios das fundações da edificação, ou pela descobertade novos documentos relativos à construção da igreja. A pesquisademonstrou que em casos de retificação de imagens onde não estãodisponíveis dados arqueológicos ou arquitetônicos, pequenos elementospodem fornecer as informações geométricas necessárias para o processode fotogrametria.

AGRADECIMENTOS

O trabalho de montagem e finalização desta pesquisa não teriasido possível sem o apoio oferecido por John Hancock dentro da Universityof Cincinnati. Durante o longo período de levantamento de dadosencontramos pessoas que compartilharam seus conhecimentos eentusiamo pelo projeto, as quais somos extremamente agradecidos. Nossosincero obrigado a: Maria Ester Teixeira Cruz, Igor Chmyz, SuelyDeschermayer, José La Pastina Filho, Key Imaguire, Edilberto Trevisan

Figura 14. Vista aérea do modelodigital.

Figura 15. Vista frontal do modelodigital.

O modelo digital tridimensional da Antiga Matriz de Curitibabaseou-se na representação bidimensional da edificação gerada apartir da detecção de contornos e adição dos elementos descritosanteriormente, possibilitando novos ângulos de visualização da edificação.

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e Roberson Mauricio Caldeira Nunes. Nossos agradecimentos àsinstituições que colocaram à disposição seus arquivos: MuseuParanaense, Fundação Cultural de Curitiba, Círculo de EstudosBandeirantes, Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, Biblioteca daCâmara Municipal de Curitiba, Arquivo Público do Estado do Paraná,Arquidiocese de Curitiba, Exército Brasileiro (5ª RM-5ª DE), Instituto dePesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, Departamento deComunicação Social da Prefeitura Municipal de Curitiba, e aoDepartamento de Arborização da Prefeitura Municipal de Curitiba pornos auxíliar na medição do relógio. Um agradecimento muito especial aOldemar Blasi que nos guiou durante todo o processo de pesquisa aimportantes descobertas históricas e bibliográficas.

ABSTRACT: The virtual reconstruction of vanished heritage is nowa widespread practice around the world, due to the growingcapacities of digital media to replicate and interpret lost orinaccessible cultural sites. Each effort within this growing industrypresents unique challenges, from data collection to final digitalmodels rendering, encompassing into diverse media outcomes theresults of the technical, historical and archaeological research. Thepresent article describes the efforts to determine the probableoriginal dimensions of the Old Main Church of Curitiba, a structuredemolished during the 19th Century. The vital data about thearchitectural features of the building originated from a historicalphotograph, rectified after the dimensions of a surviving clock.Additional information was obtained from paintings, drawings, maps,and contemporaneous buildings, involving historical research, imageinterpretation and digital reconstruction.

KEY WORDS: Heritage, Virtual Reconstruction, Rectification,Church, Curitiba, Brazil.

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ERAM AS TELHAS FEITAS NAS COXAS DASESCRAVAS?

José La Pastina Filho*

RESUMO: O uso de telhas cerâmicas do tipo capa e canal foigeneralizado no Brasil desde os primeiros momentos dacolonização. A simplicidade do processo de fabricação desse tipode telhas - às vezes no próprio local das obras -, a ausência depadronização e as diferenças de qualidade entre os incontáveisfabricantes acabou gerando a expressão popular “telhas feitas nascoxas dos escravos”. A disseminação desta expressão por todo oterritório brasileiro é constantemente reforçada por matériasjornalísticas e mesmo por alguns historiadores que insistem emreproduzi-la.

Palavras-chave: Arte Popular; Telha Colonial; Imaginário.

INTRODUÇÃO

O uso da telha cerâmica do tipo capa e canal ou romana, deforma tronco-cônica, conhecida no Brasil por vários outros nomes,generalizou-se em todo o território nacional desde os primeiros momentosda colonização. A facilidade de sua fabricação no próprio local da obra,evitando-se assim o caro e às vezes impossível transporte, é uma dascausas da inexistência de padronização em termos de forma e dimensõesque variavam de 0,45 a 0,80m. No sul do país, as telhas apresentam emmédia 0,55m de comprimento.

A não padronização e as diferenças de qualidade entre osincontáveis fabricantes acabaram por originar a expressão popular, decunho pejorativo e racista, “feita nas coxas dos escravos” (ou “dasescravas”, o que confere à expressão um certo tom de sensualidade). Éevidente que sua origem está na comparação entre a forma das telhastradicionais e a da parte superior das pernas dos seres humanos ambasde forma tronco-cônica. Além disto, a generalização do uso destaexpressão resultou na ampliação de seu conceito no sentido de designarqualquer obra ou objeto sem constância de formas ou dimensões, em

* Arquiteto restaurador, Professor de Arquitetura da UFPR e Superintendente Regional da10a SR/IPHAN.

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outras palavras, de má qualidade.Nesta comunicação, analisaremos a veracidade ou não dessa

expressão, com base em pesquisas e obras de restauração querealizamos nos últimos 30 anos, todas elas, evidentemente, envolvendo oproblema das coberturas dos edifícios.

SENHOR MANNES, UM OLEIRO TRADICIONAL

Ao percorrer, em 1976, o litoral do Estado de Santa Catarina embusca de telhas para a restauração da Fortaleza de Santa Cruz, na Ilhade Anhato Mirim, tive a oportunidade de visitar uma olaria artesanal,pertencente ao Sr. Antônio Mannes, no vale do rio Tijucas, importante etradicional centro oleiro do estado. O proprietário, à época com mais de70 anos, havia deixado de fabricar as telhas tradicionais, não apenaspelo desinteresse de seus filhos que preferiam fabricar tijolos, cujas perdasno processo de fabricação eram menores, mas também pela proliferaçãodo uso das telhas de fibro-cimento, símbolo de “status” e modernidade.Antes disto, havia enfrentado a concorrência das telhas do tipo “francesa”,cuja fabricação implicava no uso de máquinas e equipamentos maissofisticados, como prensas e moldes metálicos, e dominavam o mercadodos centros urbanos mais desenvolvidos.

Nos recônditos de sua singela olaria, o Sr. Mannes recolheuseus esquecidos instrumentos de trabalho e, num gesto de extremadeferência para com um absolutamente improvável cliente, fabricou duastelhas para que pudéssemos documentar o processo que ele, até poucosanos antes, usava para garantir o sustento de sua família. Seu prazer ededicação eram indisfarçáveis: com um cigarro de palha apagado entreos lábios, ditava ordens para seus filhos: - esse barro num tá bom,maromba direito! Me pegue o bidoco! Limpe o guanape! Traga pó de tijolo...

Num plano de trabalho sobre o qual é aspergido um punhado depó de tijolos ou de areia muito fina, é colocado o molde, pequena estruturade madeira de forma trapezoidal, nas dimensões da telha planificada,acrescidas de, em média 10% no sentido longitudinal e de 3 a 3,5% notransversal, para compensar as retrações sofridas no processo desecagem e queima. A altura do molde determina a espessura da telha e,dadas suas pequenas dimensões, a retração é desprezível, não havendoportanto preocupação com sua compensação.

Sobre o molde é lançada, com adequada pressão, a lastra, umpunhado de barro que é suavemente comprimido em seu interior. Oexcesso de material é removido com um arco de madeira dotado de umacorda de arame ou crina de cavalo, denominado bidoco.

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Sr. Mannes iniciando a fabricação. Notar o “guanape” em primeiro plano.

Num plano inferior está o guanape, molde de forma tronco-cônica,cuja superfície é exatamente igual à do molde que recebe a lastra esobre o qual esta é cuidadosamente depositada. Com as mãosumedecidas é dado o acabamento da superfície externa da telha, alisando-a delicadamente. Em ambas as extremidades, com os dedos, faz-se umpequeno sulco, que cumpre a importante função de pingadeira, isto é,evita o refluxo das águas pluviais por capilaridade para o interior dotelhado. A telha é então transportada, ainda sobre o molde, para oestaleiro, conjunto de estantes de madeira sobre as quais são pregadasripas, adequadamente espaçadas conforme o mesmo ângulo formadoentre as diferentes extremidades das telhas. Com rápido movimento detorção e tração, o guanape é removido, ficando a telha recém fabricada

Acabamento da superfície.

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contida pelas ripas laterais, não sofrendo, portanto, quaisquer alteraçõesem sua forma original. Após um período de secagem que depende dascondições climáticas do local e que varia de dez a quinze dias, a telhaestá pronta para sofrer o processo de queima, em forno de carvãovegetal.

Estaleiro para secagem das telhas.

PARA CONCLUIR...

Como se pode verificar, o processo tradicional de fabricação detelhas do tipo capa e canal (ou goivas, de canudo, romanas, meia cana,coloniais, etc.) é bastante simples e não envolve avançadas tecnologias.A propósito, em oficina ministrada no 7º Festival de Inverno daUniversidade Federal do Paraná, realizado em Antonina, em julho de1997, alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo fabricaram telhas, naescala 1:2, conforme a técnica tradicional utilizando-se de equipamentossimilares aos acima descritos, que foram, com precárias ferramentascomo um serrote e um facão, rapidamente providenciados.

Para confirmar nossa convicção da inconsistência da assertivapopular - telhas feitas nas coxas dos (as) escravos (as) - tomamos asmedidas das coxas de um homem de 1,80m de altura e verificamos que,usando-a como molde, só seria possível a fabricação de uma minúsculatelha de 36cm de comprimento. Sem maiores preocupações com aspectosde anatomia humana, se estabelecermos uma simples regra de três,poderemos verificar que, para fabricar uma telha de 77cm, precisaríamoscontar com um escravo (a) de 3,85m de altura. Além disto, em termos deotimização de força de trabalho, mesmo numa sociedade escravocrata,teríamos uma perda substancial na força de trabalho: um escravo

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imobilizado, com lâminas de barro sobre suas duas coxas, e pelo menosdois outros para remover cada uma delas e transportá-las ao estaleiro.

Uma outra solução seria deixar que as telhas secassem no corpodo escravo (a), e com isto, ele (a) teria, para cada duas telhas fabricadas,quinze dias de descanso, que seriam, evidentemente descontados deseu salário, ou de suas férias...

ABSTRACT: “Capa and canal” ceramic roofing tiles have beenused in Brazil since early in the colonization period. The simplicityof the manufacturing process, combined with the lack ofstandardization and the differences in quality among themanufacturers, helped coin the expression “made on the thigh ofslaves”. The spread of this saying throughout Brazil is constantlyreinforced by journalists and historians who insist on its use.

KEY - WORDS: Popular Art, Colonial Stiles, Imaginary.

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CAMINHO DO ITUPAVA: PATRIMÔNIO HISTÓRICO-ARQUEOLÓGICO DA SERRA DO MAR,

ESTADO DO PARANÁ, BRASIL

Almir Pontes Filho*Cristina Carla Klüppel**Julio Cezar Telles Thomaz***

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo relatar osresultados parciais das pesquisas sobre o Caminho do Itupava,particularmente na sua porção localizada na Serra do Mar. Essesestudos constituem uma síntese das iniciativas institucionais decaráter técnico e científico, ampliando significativamente oconhecimento sobre a dinâmica de inserção do Itupava, diante dadiversidade ambiental e da sua contextualização sócio-econômicaao longo da formação das primeiras vilas paranaenses. Para tanto,com base nas áreas de história e arqueologia, procurou-se levantarquestionamentos, apontar novos rumos e instigar a pesquisacientífica.

Palavras-chave: Arqueologia do Paraná; ArqueologiaHistórica; História do Paraná; Patrimônio Cultural da Serra do Mar;Caminho do Itupava.

INTRODUÇÃO

No Estado do Paraná são conhecidos, até o momento, cincocaminhos que atravessam a Serra do Mar, efetivados como rotas oficiaisao longo do período colonial. Os caminhos da Graciosa, Arraial,Conceição, Ambrósios e o Itupava representam fragmentos de uma redede vias que interligavam vilas, proporcionando o desenvolvimento. Nessecontexto, o Caminho do Itupava se caracteriza como uma rota históricaque possibilitou, durante aproximadamente 200 anos, a inter-relaçãosócio-econômica entre a região litorânea e o planalto de Curitiba.

Atualmente, este significativo patrimônio histórico e arqueológico,se constitui objeto de proteção do Instituto do Patrimônio Histórico e

* Geógrafo/Setor de Arqueologia - SEEC/CPC.** Historiadora/Especialista em Educação. Setor de História - SEEC/CPC.*** Arqueólogo. Pesquisador Associado do CEPA/UFPR.

Pedro Fortes
Nota
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Artístico Nacional (IPHAN) e da Secretaria de Estado da Cultura doParaná - Coordenadoria do Patrimônio Cultural (SEEC/CPC).

Atravessa a Área de Tombamento da Serra do Mar, tambémconsiderada Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (UNESCO) eimportantes Unidades de Conservação como o Parque Estadual do Picodo Marumbi, a Área Especial de Interesse Turístico do Marumbi e oParque Estadual da Serra da Baitaca.

Caminho do Itupava - Serra do Mar (Foto: Julio Thomaz, 2006).

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As pesquisas desenvolvidas vêm, desde a década de 1980,possibilitando o envolvimento de diversas instituições governamentais decunho técnico e científico. Desta forma, a Secretaria de Estado da Culturado Paraná contou, na área científica, com a parceria institucional doCentro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federaldo Paraná (CEPA/UFPR) e, na área técnica, tendo como enfoque agestão do Caminho do Itupava, com a Secretaria de Estado do MeioAmbiente - Programa Proteção da Floresta Atlântica e Instituto Ambientaldo Paraná (IAP).

A contextualização histórica do Itupava encontra suporte em umainfinidade de fontes e no presente estudo indica-se as principais queserviram para o entendimento sobre caminhos históricos. Inicialmente,um trabalho fundamental é o do cronista Antônio Vieira dos Santos, quecompilou a documentação mais antiga dos arquivos de Paranaguá,Morretes e Porto de Cima em sua obra de 1851: “Memória histórica,chronológica topographica e descriptiva da Villa de Morretes e do PortoReal vulgarmente Porto de Çima.” Outro trabalho de referência sedireciona ao historiador Francisco Negrão, o qual organizou a edição dadocumentação do século XVII ao XIX no “Boletim do Archivo Municipalde Curityba.” Finalmente, a obra de Júlio Estrela Moreira, do InstitutoHistórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná, que sistematizou asinformações destes documentos, entre outros, em sua obra “Caminhosdas Comarcas de Curitiba e Paranaguá”, de 1975.

Assim, o estudo sobre o Caminho do Itupava vem oferecer apossibilidade de interpretações e discussões principalmente as que sereferem a sua origem, seu traçado, sua importância para a viabilizaçãoeconômica e a sua dinâmica política e social. Neste trabalho optou-sepor um recorte espacial direcionado à porção calçada, que se encontra,quase na sua totalidade, em área de preservação da Serra do Mar.

ASPECTOS HISTÓRICOS

O traçado original do Caminho do Itupava estendia-se por 55km,partindo de Curitiba no primeiro planalto paranaense, a uma altitude de900 metros s.n.m., atravessava a região da Serra do Mar alcançando a1050 metros s.n.m. no local denominado Boa Vista e atingia Porto de Cima,planície litorânea, a uma altitude de 50 metros s.n.m. O trecho calçado seestende desde o distrito de Borda do Campo, município de Quatro Barras(coordenada geográfica 25° 24’ 26" e 49° 01’ 39") até o distrito de Porto deCima, município de Morretes (coordenada geográfica 25° 26’ 01" e 48° 52’26"), totalizando aproximadamente 20km (PARANÁ, 2001).

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A compreensão histórica do Itupava remete-se a temposimemoriais, além do próprio processo de conquista e ocupação por partedos luso-brasileiros (séc. XVII) nas terras indígenas. Segundo ohistoriador Júlio Moreira, um dos seus primeiros registros data do anode 1695, em documentação da Câmara da então Vila de Nossa Senhorada Luz dos Pinhais - Curitiba, quando aparece com a designação deCaminho do Mar (1975:9). Naquele momento já existia a preocupaçãocom as vias de acesso com a “marinha” e para tanto os vereadores davila determinaram que para o “ bem comum se fizesse o caminho domar.” (NEGRÃO, 1906:85).

Ao longo de sua história recebeu outras designações que forammodificadas em função dos locais que interligava, ou dos acidentesgeográficos pelos quais atravessava, ou dos postos de arrecadação detaxas instalados em seu percurso, as Barreiras. Assim desde o séculoXVII ao XIX registrou-se diversas denominações como: Caminho do Mar,Caminho da Serra, Caminho de Curitiba, Estrada do Porto, Caminho doBarro Vermelho, Caminho do Cubatão, Caminho de Morretes (MOREIRA,1975:7) e finalmente Itupava que vem aparecer somente nasdocumentações em 1846 (Ibid., p. 129).

A denominação Itupava permaneceu até os dias de hoje,remetendo-se a uma das barreiras então localizada às margens do rioItupava (atual rio São João), onde viajantes, comerciantes e tropeirospagavam a taxa de contribuição sobre os animais carregados na “Barreirado Itupava.” O vocábulo de origem Tupi permite traduções livres queinvariavelmente remetem a presença de água, como itu (salto de água,cachoeira), itu´pewa (muitas cachoeiras, salto rasteiro ou cachoeirabranca); da mesma forma, a variação hitaupaba, que sugere características

Caminho do Itupava - Serra do Mar

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Tropa de muares transportando erva-mate para paranaguá pelo Caminhodo Mar. Aquarela de Jean Léon Pallière, datada de 1860 (Fonte: CARNEIRO,1950).

de paisagem serrana, com ita (pedra) e itaió (rio de pedras soltas), ouainda, ita péua (itapeva - pedra chata, lajedo) (BUENO, 1983; SAMPAIO,1987; SILVA, 1989; TIBIRIÇÁ, 1985). Romário Martins, historiadorparanaense, indica a designação de rio ou cachoeira, seguida peloseguinte comentário: “os Guaranis denominavam Ytú as pequenascachoeiras e ytuppeba aos grandes saltos.” (1934:30).

De acordo com Antônio Vieira dos Santos, cronista do séculoXIX, Itupava significa: “rio despenhado por salto de pedras” (1950:17).Em relatos mais antigos, como nos Provimentos do Ouvidor Pardinho de1721 encontra-se o termo “hitahuapaba” referindo-se a fenômenosnaturais que tanto preocupavam os viandantes: “(...) porque ainda queneste caminho haja as mesmas subidas de serras e morros que seexprementam no caminho que hoje se frequentam sempre será maisconveniente ao bem comum por evitarem as hitahuapabas, desgraças eriscos que há no rio do Cubatão”, atual Rio Nhundiaquara (NEGRÃO,1906:23).

Mas ao questionar sobre a sua origem depara-se com umaexplicação que, apesar da imprecisão da narrativa, vale a pena descreverpor se apresentar em uma das poucas referências históricas existentessobre as primeiras passagens do colonizador português. Assim relata

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Vieira dos Santos uma “antiga tradição” sobre a descoberta do Itupavana travessia da serra, estimando entre os anos de 1625 a 1650, onde:“(...) huns homens caçadores vindo em seguimento de hua anta pelomesmo trilho que ella vinha, caminhando, viérão mata-la no Porto deÇima, ou nos lugáres proximos, e que então por este mesmo trilho foiaberta hua picada que só dava tranzito aos viandantes que querião porela desçer.” (1950:13-14).

Todavia, faz-se necessário indagar a possibilidade destas antigastrilhas serem de origem indígena, mesmo que a documentação paracomprovar tal fato, se constitua escassa e os resultados advindos daspesquisas arqueológicas sejam ainda insuficientes. Esta possibilidade,pode ter sustentação na toponímia indígena regional descrita em roteirosdo século XVIII, como: Ipiramirim, Itororon, Ipiranguçu ou Nhundiaquara.Assim, convém lembrar que caminhos pré-coloniais facilitaram apenetração luso-espanhola na América, tanto que, este tema tem sidoobjeto de pesquisa de vários estudiosos, dentre os quais referencia-se ohistoriador Sérgio Buarque de Holanda:

(...) Da existência efetiva dessas vias já com caráter mais oumenos permanente, antes de iniciar-se a colonização, nadaautoriza a duvidar. (...) E assim como o branco ou mamelucose aproveitaram não raro das veredas dos índios, há motivopara pensar que estes, por sua vez, foram em muitos casos,simples sucessores dos animais selvagens, do tapirespecialmente, cujos carreiros ao longo dos rios e riachos, ouem direção a nascentes de águas, se adaptavam perfeitamenteàs necessidade e hábitos daquelas populações (1975:15-35).

Neste sentido, o Caminho do Itupava fez parte de um conjuntode rotas que contribuíram para efetivar as primeiras ocupações eincursões portuguesas, tendo como objetivo a exploração aurífera e apreação de índios. Tal conjuntura marca o estabelecimento dos arraiasno primeiro planalto (1649) que propiciaram as bases da formação dopovoado de Curitiba, posteriormente elevado à Vila em 1693,representando um prolongamento da região litorânea (MOREIRA, 1972:92-95).

Na medida em que se estruturavam as vilas e povoados nosCampos de Curitiba, o Itupava foi se tornando uma das principais vias decomunicação. Sua preferência decorria que “(...) a única vantagem deser este o caminho mais curto do que pelos outros” (SANTOS, 1950:18);dois dias de viagem era o tempo necessário para atravessá-lo, enquantopelo Caminho da Graciosa, rota que também interligava o planalto com a

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região litorânea, necessitava de quatro dias (MARTINS, 1937:131;WACHOWICZ, 2002:105). No entanto, são inúmeras as referências dosperigos existentes para quem viajava pelo Itupava, cujas adversidadescausadas pela sua característica íngreme, são registradas peloCorregedor da Comarca Manoel dos Santos Lobato em ofício de 1738,considerando o Itupava “(...) o mais penôzo pelas muitas cachoeiras esubidas da Serra (...)” (SANTOS, 1950:38)

Entretanto, tropeiros, viajantes e expedições militares assumiamtais riscos. Até meados do século XVIII o seu trânsito permitia a passagemapenas de viandantes, pois animais de carga ainda não se fazia possível.O transporte de mercadorias era realizado através do serviço decarregadores, sendo estes, “gente do povo, índios administrados ouescravos negros.” (WESTPHALEN, 1998:158). Assim, o relato de AntônioRibeiro de Macedo, filho do exator da Barreira do Itupava, em suasMemórias sobre Porto de Cima vem auxiliar na percepção deste cotidianoonde, através de depoimentos orais das pessoas mais antigas, descreve:“(...) em epocha anterior (...) a estrada do Itupava ainda era pior, e a talponto que as tropas vindas de Curityba e de outros logares do centro,quase não se aventuravam a transpol-a, tão difficil e perigosa era: ascargas da marinha para o centro e vice-versa eram conduzidas até Bordado Campo e dalli para baixo transportadas ás costas por homens emulheres!” (PARANÁ, 1889:694).

A abertura para o trânsito de muares ocorreu somente em 1769-1770, sob o comando do tenente-coronel Afonso Botelho que, paraviabilizar a passagem de suas tropas militares e canhões, abriu com“poder de fogo” um dos piores trechos localizado no alto da Serra, jánaquele momento, conhecido como Cadeado (MOREIRA, 1975:38).Desde então facilitou-se o trânsito no Itupava possibilitando a passagemde animais cavalares e principalmente muares, por melhor se adequarema este tipo de terreno.

Tal ação não representou que os perigos amenizaram, tanto queem 1829, o presidente da Província de São Paulo o comparou a uma“sepultura de tropas, principalmente na serra, cuja descida causa horrorpelos precipícios que a cada passo se encontram.” (SANTOS, 1950:211).O próprio Ribeiro de Macedo, em suas Memórias, vem confirmar adificuldade da viagem mesmo em condições climáticas favoráveis:

A estrada era tão íngreme que todos eram obrigados a se apeiar,ao contrário, arriscavam-se no caso de arrebentar uma silha, acair de costas serra abaixo. Mesmo assim, alguns mais ousadossubiam a cavalo, mas com grande risco. O lugar mais escabrosoera o denominado “Cadeado”, onde existiam três degraus pelos

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quais os animais eram obrigados a subir, no que sem dúvida seviam bem embaraçados (...). Suando esbaforidos, com ardentesede, como sucede àqueles que sobem morros acantilados,chegavam ao cume da serra onde todos descansavam esaciavam a sede (...). Não estava porém terminada a viagem;continuava por muito tempo, subindo e descendo morros, nãotão íngremes como os da serra, até chegarem ao lugardenominado “Campina”. Antes disso, em um alto, o viajanteque nunca tinha ido a Curitiba, ficava maravilhado pela belezado panorama (MOREIRA, 1975:205).

Contudo, apesar da sua dificuldade, o Itupava era utilizado portropas cargueiras e desta maneira a economia se desenvolvia baseadano abastecimento dos mercados internos e na comercialização dediversos gêneros. Dos principais produtos que eram transportados emdireção ao litoral estavam a carne verde e seca, toucinho, milho, feijão,trigo, congonha, sola e couros; e, dos que subiam a serra, geralmenteprodutos importados, como vinhos, azeite, vinagre, aguardente, sal,fazendas secas (SANTOS, 1950:83-84).

A fim de atender este fluxo, em pontos estratégicos e emconsonância com as características do relevo, foram se estabelecendoestruturas de apoio (ranchos e pousos), estruturas comerciais e industriais(engenhos de erva-mate e armazéns) assim como estruturasadministrativas (casas de barreiras).

Neste sentido, ressalta-se o relato do botânico francês Augustede Saint-Hilaire que, após sair de Curitiba e descer a Serra do Mar emdireção a Paranaguá, registrou a existência de alguns pontos que lheserviram de apoio (1820). Destes, cita-se a Fazenda da Borda do Campo,propriedade que pertenceu aos padres jesuítas até 1760, quando entãoforam expulsos do Brasil e seus bens confiscados pela Coroa (LEÃO,1929:948). Outro ponto indicado nos relatos de Saint-Hilaire, denominava-se Pinheirinho, situado logo abaixo do Cadeado: “Tínhamos levado quaseoito horas para percorrer 3 léguas. Meu guia afirmou-me que nos seriaimpossível alcançar as habitações mais próximas antes do fim do dia.Resolvi, pois, passar a noite no meio da mata, em vista disso, paramosnum lugar denominado Pinheirinho, onde parece que os viajantescostumam abrigar-se.” (SAINT-HILAIRE, 1978:92).

Referências sobre outras estruturas de apoio ao longo do Itupavasão apresentadas por Júlio Moreira, onde descreve a existência de“rodeios” instalados para a acomodação de animais e cargas, tropeirose viandantes (1975:06). “Ranchos”, como o do Cume da Serra (registradopela pesquisa arqueológica), do Piramirim, do morro Emendado, do

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Guaricoca, eram “cobertos de palha e protegidos pelo lado de fora pormadeira rústica para abrigar os hóspedes nos dias chuvosos ou deinverno.” (Ibid., p. 42).

Ao mesmo tempo em que o caminho se consolidava nos meadosdo século XIX enquanto uma via comercial, principalmente no transporteda erva-mate oriunda do planalto, Porto de Çima se estruturava nobeneficiamento deste produto, tanto que foram se estabelecendoengenhos de soque aproveitando os rios da Serra do Mar. Vieira dosSantos registrou que, durante o período de 1830 a 1850, existiam em“(...) Porto de Cima té as Campinas dezoito fabricas, e só hua destasmovida por animaes.” (1950:313). Os levantamentos arqueológicos, atéo momento realizados, registraram dezesseis estruturas edificadas comindícios de atividade proto-industrial no seu entorno (PARANÁ, 1988;CEPA/UFPR, Engemin, 2001). Outro testemunho sobre a existência destasedificações fabris, vem através de Ribeiro de Macedo:

Se a família era assaltada pelo temporal em viagem, tinha deestacionar no caminho em algumas das muitas casas, contíguasa engenhos de mate que então, existiam ao longo da estrada,cujos proprietários nunca se negavam a proporcionar ahospitalidade reclamada (...). As casas a que me refiro eramsomente da barreira para baixo, porque na serra propriamentedita, a não ser um morador que tinha um casebre junto ao riodo Ipiranga, ninguém habitava (MOREIRA, 1975:206).

Nesta conjuntura, o Itupava passa por uma nova adequaçãorecebendo benfeitorias, entre estas destaca-se o calçamento de pedrasirregulares. O período de duração desta obra não pode ser estimadacom precisão, porém indica-se que foi realizada em etapas nas primeirasdécadas do século XIX. No ano de 1830, documenta-se por intermédiode uma portaria do presidente da Província as instruções para o consertodo caminho:

Todo o caminho que se houver de fazer por vem a ser desde oalto do morro de pão de loth té ao Porto de Çima, e será todoelle calçado de pedras, e Açudado nos lugares onde admitir(...). As calçadas terão a largura de 15 palmos excepto naquelleslugares muito apertados (...). Estas calçadas deverão sercôncavas para que corrão as agoas pelo meios com sahidasnos lugares competentes. (...) Dever se há fazer as calçadasda maneira seguinte (...), correr se ha hua fieira de pedrasgrossas pêlos lados, e outra pelo meio e se atravessarão outras

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fazendo quadros os quaes serão cheios de pedras mais miúdase se socarão afim de ficar as calçadas seguras e permanentes.(...) Nos lugares Íngremes e empinados, as calçadas serãofeitas com zigue-zagués, para facilitarem as subidas e desçidas(SANTOS, 1950:221-222).

As obras se desenvolveram com dificuldade frente a insuficiênciade verbas, às discordâncias políticas entre as vilas litorâneas e à mudançaadministrativa do país - abdicação de D. Pedro I (1831), quando entãoforam paralisadas (MOREIRA, 1975:105). Contudo, através do relatório,de 1833, do capitão de engenheiros Francisco Antônio de Oliveira,verifica-se que os trabalhos foram retomados, registrando que: “as pedrasforam applicadas da melhor maneira possível, e a largura das calçadassó deixão de ser em harmonia com o que se tem estabelecido naquellespontos onde a natureza do terreno não permittio a observançia dauniformidade.” (SANTOS, 1950:306). No ano de 1842, em ofício daCâmara de Morretes ao presidente da Província, relata-se que o caminhona “(...) Serra principal acha se toda calçada te o Cûme (...)”, indicandoinclusive porções situadas no Morro do Pão de Loth e da Farinha Seca(Ibid., p. 389).

Quanto a manutenção do Itupava, o principal problema era ospoucos recursos oriundos das Câmaras, determinando em muitosmomentos a imposição de trabalhos obrigatórios aos moradores das vilas.Estes trabalhadores, “convocados como soldados das Ordenanças, emregime militar”, serviam aos “cabos” ou “feitores” como mão-de-obranos consertos e reparos (MOREIRA, 1975:149). Enquanto não existia acobrança de taxas imposta no século XIX, os trabalhos eram realizadossob ameaças de prisão, castigos e multas. Quando se fazia possível, aCâmara disponibilizava alimentação como carne, feijão, farinha (Ibid,p.149). Esta situação ocorria desde os tempos do Ouvidor Pardinho,quando estabeleceu nos Provimentos, as primeiras normativasadministrativas que se tem notícia do Itupava: “Proveo que os juizes eofficiaes da câmera obrigassem a todos os vezinhos não só do rociomais ainda do termo a terem os caminhos que vem para esta villa limposde trancas, e aterrados feitos cada hu na testada de sua fazenda sobpena de mil reis para o conselho e nos bairros nomearão cabos quetenham cuidado de mandarem concertar os ditos caminhos, sobre oque farão suas posturas e acordãos.” (NEGRÃO, 1906:23).

A situação começa a se modificar quando foi instituído umatarifação para arrecadar fundos e viabilizar o custeio da sua manutenção.As primeiras cobranças vêm desde 1805 por determinação oficial,denominadas inicialmente de “contribuição voluntária.” (MOREIRA,

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1975:61). Em locais estratégicos foram instalados postos para aarrecadação denominados de barreiras. A Barreira do Itupava não seconstituiu a única, anteriormente a ela existiram outras como: Barreirada Campina em Borda do Campo e do Barro Vermelho em Porto deCima. Estes postos mudavam de local em decorrência de surgirem novostraçados, também conhecidos por desvios, que eram utilizados pelostropeiros a fim de evitarem o pagamento da contribuição. Justamentepara evitar tais desvios e concentrar a fiscalização, no ano de 1844 a Barreirado Barro Vermelho foi transferida para a região serrana de Porto de Cima,passando a denominar de Barreira do Itupava (MOREIRA, 1975:185).

A Barreira do Itupava, bem como o caminho, seriam utilizadospor mais algumas décadas, mesmo depois da emancipação política doParaná (1853), quando o primeiro presidente, Zacarias de Goes eVasconcelos, determinou que a Estrada da Graciosa passaria a ser aprincipal via de comunicação da nova Província. A indicação veio daavaliação sobre as estradas da marinha do engenheiro militar Henriquede Beaurepaire Rohan, onde desconsiderando o Itupava, direcionou aGraciosa como a mais “vantajosa e melhor se prestasse no transportepor carros e carroagens.” (PARANÁ, 1854).

O fato da Barreira do Itupava ainda continuar como posto dearrecadação e fiscalização se constata pelos documentos oficiais, comoa correspondência do ano de 1877 quando o seu administrador, AntonioDiogo Guimarães, comunicava à Tesouraria da Fazenda a transferênciado local por questão de segurança:

Communico a V. Sª que vou retirar-me com a administraçãoda barreira do Itupava para a Pracinha em casa do Sr. JoãoDias Cordeiro, nesta casa também evita o contrabando de tropasde qualquer estrada, motivo d’esta retirada he que hontem como temporal começou a desmoronar um morro em frente a casadesta barreira e ficou somente uma ponta com tres grandespedras que com qualquer temporal rola sobre a casa (ARQUIVOPÚBLICO, 31/jan/1877).

No contexto onde o Caminho do Itupava gradativamente perdiasua função econômica, por um breve momento serviu como via de acessoà construção da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba (1880-1885). Otraçado da ferrovia cortaria em dois pontos o Itupava, um no Cadeado,que foi totalmente descaracterizado por essa obra, e o outro próximo atravessia do rio Ipiranga.

Contudo, na década de 1880 verifica-se os indicativos do seuestado de abandono, tanto da Barreira como do próprio caminho.

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Documentos da época como o abaixo-assinado dos empreiteiros daferrovia, negociantes e habitantes da vila de Porto de Cima, solicitando a“abolição do imposto de pedágio”, assim atestam:

(...), a estrada do Itupava não pode ser considerada comocaminho transitável, e a prova é que por longos annos não teveabsolutamente transito. Se, hoje, por ella se caminha é somentepela necessidade de conduzir materiais e viveres para aconstrução da estrada de ferro (...). Se foi conservada a barreiranão é que o legislador cogitasse de renda foi apenas para evitarque fosse a estrada aproveitada como desvio para asubtração para a renda da Graciosa (ARQUIVO PÚBLICO,16/set/1881).

A casa da Barreira do Itupava, naquele momento sem uso, érequisitada pelos construtores da Estrada de Ferro para servir comoestrutura de apoio às obras, conforme documento: “(...) de tal abandonotem necessitado consideráveis estragos no mesmo proprio que jádemandão elles custosos gastos para evitar-se sua completa ruína (...)fazendo por conta da perspectiva companhia os gastos de seus reparose conservação.” (ARQUIVO PÚBLICO, 23/ago/1883).

Casa da Barreira, no Caminho do Itupava, em 1883 - Porto de Cima (Acer-vo: Casa da Memória/Diretoria do Patrimônio Cultural/Fundação Culturalde Curitiba/Coleção Carlos Westerman).

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A história do Itupava proporciona não apenas a percepção docaminho em si, ao longo destes séculos, mas também o entendimentodas sociedades envolvidas, seus direcionamentos políticos e econômi-cos, desde o despotismo e omissão do governo de São Paulo às diver-gências regionais, como as disputas entre Antonina, que privilegiava oCaminho da Graciosa e Morretes - Paranaguá que defendiam o Itupava.Tais divergências, que interferiram negativamente, conseguiram sersolucionadas a partir do momento em que o Paraná emancipado de SãoPaulo se direcionou à Estrada da Graciosa e à Estrada de FerroParanaguá-Curitiba.

Ao mesmo tempo o Caminho do Itupava não poderia manter suapreferência a partir do momento em que não correspondia àsnecessidades da nova Província do Paraná. Assim na medida em que oprincipal produto exportador, a erva-mate, deixava de ser beneficiadanos engenhos hidráulicos de Porto de Cima e Morretes, direcionando-separa os engenhos do planalto curitibano que aos poucos introduziamnovas tecnologias como o emprego do vapor, acondicionamento em“barricas de pinho” ou mesmo na melhoria do seu transporte(WESTPHALEN, 1998:165-167), a localidade de Porto de Cima econsequentemente o próprio Itupava perdiam a vitalidade da sua existência.

ASPECTOS ARQUEOLÓGICOS

A pesquisa histórica, com base nas documentações,correspondências oficiais, relatos, memórias de moradores e viandantesdo Caminho do Itupava, contribui de forma significativa para elucidar asua origem, uso e declínio. O diálogo entre essa pesquisa e a investigaçãoda cultura material realizados até o momento, tem, no entanto, ampliadoa compreensão de aspectos essenciais como organização espacial,relações sociais, econômicas e políticas, ocorridas ao longo da suahistória. A partir desta perspectiva o Itupava começa a ser tratado comoo principal elemento de um complexo de evidências que compõem umsítio arqueológico linear de aproximadamente 20km.

Observa-se que o estudo do Caminho do Itupava sob o enfoqueda ciência arqueológica vem sendo realizado desde 1988. Naquelemomento, técnicos do então Instituto de Terras, Cartografia e Florestas(ITCF), atual Instituto Ambiental do Paraná (IAP), suscitaram apreocupação com o uso intensivo e sem planejamento de uma pequenaporção calçada do Itupava (1,8km), localizada dentro dos limites da ÁreaEspecial de Interesse Turístico do Marumbi. Assim, em parceria com aSecretaria de Estado da Cultura do Paraná, realizou-se nessa porção o

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primeiro levantamento sistemático, tanto do seu calçamento quanto desuas áreas laterais.

O resultado deste trabalho foi a identificação e mapeamento dedoze locais com evidências arqueológicas situados às margens do Itupava,notadamente concentradas nas proximidades dos rios São João eTaquaral, vertente oriental da Serra do Mar. Esses vestígios, compostospor ruínas de construção de alvenaria de pedra com a presença deargamassa de cal de concha, representam restos de fundações, paredes,fornos, muros ou canais para condução d’água (PARANÁ,1988).

Na década de 1990, além das prospecções arqueológicas, queauxiliaram no reconhecimento de 10,2km de calçamento na Serra doMar, foram realizados levantamentos métrico-arquitetônicos de novedaquelas ruínas (PARANÁ, 1990). Os resultados até então obtidos,possibilitaram a identificação de atividades produtivas proto-industriais eadministrativas, descritas anteriormente, como pertencendo às primeirasdécadas do século XIX. Tendo a pesquisa histórica como suporte,evidenciou-se uma concentração de vários indícios de engenhosrepresentando um núcleo de produção, de residências e, pelascaracterísticas estruturais e situação espacial em relação ao caminho,dos remanescentes da então Barreira do Itupava.

Dando prosseguimento aos estudos, realizou-se um diagnósticodo estado de conservação do patrimônio arqueológico do Itupava. Alémdas prospecções sub-superficiais, que localizaram trechos inéditos decalçamento original, recobertos por sedimentos acumulados por um séculode abandono, foram registradas novas estruturas edificadas em seuentorno, efetuadas coletas amostrais de material superficial, identificadastécnicas construtivas viárias e delimitadas áreas de influência, resultandoem um zoneamento preliminar (CEPA/UFPR/Engemin, 2001).Concomitantemente, efetuou-se o levantamento topográfico quedeterminou 20.239,92 metros de caminho calçado e, com a implantaçãode quatro marcos geodésicos, o Itupava passou a fazer parte dacartografia oficial do Estado (PARANÁ, 2001).

Com largura média de 2,5m, o Itupava apresentou naquelemomento, bom estado de conservação em cerca de 70% de seu traçadocalçado, considerando-se o nível de estabilização do calçamento depedras irregulares e de seus elementos estruturais originais como aterros,meio-fios e drenagens. No entanto, algumas ruínas, mostraram-sebastante danificadas pela ação antrópica recente (CEPA/UFPR/Engemin,2001).

Junto às ruínas, verificou-se intensa deposição de materialarqueológico, em extensas áreas de acúmulo superficial e profundidadede 50cm em média. Desta forma, encontrou-se expressiva quantidade

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de material vítreo (garrafões, garrafas, frascos); de louças, com umavariedade decorativa, funcional e de composição da pasta (faianças,faianças-finas, ironstone, porcelanas, grés e biscuit); assim comomateriais em metal, produtos de olaria, cerâmica cabocla e a presençarecorrente de ferraduras de muares ao longo de todo o Itupava (CEPA/UFPR/Engemin, 2001).

Os trabalhos de campo, identificaram outros remanescentesimportantes para o entendimento do Itupava. São locais de antigos pousos(sem vestígios estruturais), pátios de rodeios (para descanso e manejodas tropas), pequenos açudes e jazidas de retiradas de pedras. Destaca-se também, um provável atracadouro em alvenaria de pedra localizadoem Porto de Cima (rio Nhundiaquara), possivelmente associado a umcais de porto fluvial, caracterizando a transição modal do Caminho doItupava. Da mesma forma, o detalhamento de um intrincado sistema devalos laterais não calçados, com extensão estimada de 6km intermitentes,constituí outro importante elemento paisagístico e arqueológico. Tais valos,com dimensões que podem atingir 4m de profundidade por 3,5m delargura, evidenciam a possibilidade de terem constituído o traçado anteriorao calçamento, além de serem atribuídos à drenagem e/ou conduçãosecundária de tropas.

Além destes remanescentes, os dados coletados tambémcontribuem, a priori, para a hipótese da origem pré-colonial do Itupava(CHMYZ, 2004:22). Apesar da existência de elementos que vêm suscitartal questionamento, como a toponímia indígena a ele associada,considera-se precoce filiá-lo às Tradições Arqueológicas do BrasilMeridional, mesmo diante da existência, no entorno do seu traçado originalno planalto, de sítios arqueológicos ceramistas da Tradição Itararé eaceramistas da Tradição Umbu. A contemporaneidade de alguns sítiosarqueológicos indígenas pré-coloniais ou históricos com o Itupava deveser entendida à luz de uma profunda revisão dos dados disponíveis,levando-se em conta, inclusive, as dezenas de pesquisas realizadas naplanície litorânea paranaense.

Ressalta-se enfim, que a ocorrência de fragmentos e/ou peçasinteiras formam um acervo de rica expressão plástica que compõemuma documentação insubstituível ao trazer à tona as várias facetas docotidiano colonial, imperial e mesmo do início do período republicano. Acoleta amostral efetuada em todas as fases da pesquisa, priorizou omaterial arqueológico superficial, principalmente aqueles na iminênciade impacto. Esse acervo, com aproximadamente 400 peças, encontra-se sob a guarda do Museu Paranaense da Secretaria de Estado daCultura do Paraná e do Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas/UFPR.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho aqui apresentado procura oferecer indicativos a futurasanálises que poderão abordar temáticas diferenciadas. Assim, além desituar o Caminho do Itupava diante do cenário histórico regional econtextualizá-lo na Serra do Mar, ainda são necessários aprofundamentossobre questões fundamentais como divergências político-econômicos,enfrentamentos entre classes e/ou instituições sociais, modus vivendidos tropeiros, índios administrados, negros escravos e dos trabalhadoresou ainda, experiências de viajantes e estudiosos.

Tanto a história como a arqueologia tem mostrado o Itupava, emsua existência, como um espaço de interação de diferentes gruposhumanos, desde o indígena, passando pelos faiscadores de ouro,tropeiros e até o próprio usuário contemporâneo. Para corroborar nabusca de tal compreensão, faz-se necessário contextualizar os resultadosobtidos ao entendimento da ordenação social à luz de estudos queenvolvam análise dos seus diversos espaços e paisagens. Salienta-se,para tanto, o universo geográfico pelo qual o Itupava atravessadesencadeando realidades e situações diferenciadas em experiênciasvividas no planalto, na serra ou na planície litorânea.

Por outro lado, evidencia-se a preocupação com a proteção econservação deste rico patrimônio histórico-arqueológico, bem como detodo o material a ele associado. Considerando que a pesquisa científicacorrobora com a criação de prerrogativas voltadas às questõespreservacionistas, ressalta-se que os resultados, proporcionaram umembasamento para a criação das Normativas de Uso do Caminho doItupava. Essas normativas, foram elaboradas pela Secretaria de Estadoda Cultura do Paraná em conjunto com a Procuradoria Geral do Estadodo Paraná a fim de dar cumprimento às diretrizes do Tombamento daSerra do Mar (1986).

Todavia, qualquer intervenção no Caminho do Itupava deve tercomo enfoque norteador um planejamento calcado na legislação vigentea fim de assegurar a integridade deste bem cultural (Lei Federal 3.924/61, Lei Estadual 1.211/53, Normativas de Uso do Caminho do Itupava -Resolução 060/2004). Para tanto, vale ressaltar que, do ponto de vistatécnico, se constituem imprescindíveis a aplicação de trabalhosespecializados de restauração tendo como aporte a arqueologia.Acrescenta-se a essas ações, um uso público ordenado, educativo eseguro, considerando a inter-relação entre unidades de conservaçãoambiental, parcerias técnicas entre organismos públicos, civis e aparticipação da comunidade local.

Diante do exposto, o Caminho do Itupava representa, portanto,

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uma herança cultural única, com forte apelo educativo e inequívocavocação a museu à céu aberto. A educação patrimonial torna-se assimum instrumento fundamental na valorização desse patrimônio histórico earqueológico e na formação de uma consciência cidadã.

ABSTRACT: The present article has as objective presents partialresults of the research done along the Caminho do Itupava,particularly the part that crosses the Serra do Mar mountain range.These studies synthesize the technical and scientific institutionalefforts that significantly broadened the knowledge of the insertion ofthe Itupava trail’s dynamics in relation to the environmental diversityand the socioeconomic development during the formation of thestate of Paraná. To achieve this, questions were made, newdirections pointed out and scientific research simulated, all thisbased on historical and archeological data.

KEY - WORDS: Archaeology of Paraná; Historical archaeology;History of Paraná; Cultural Heritage of Serra do Mar; Trail ofItupava;

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JOSÉ LOUREIRO FERNANDES E AARQUEOLOGIA BRASILEIRA*

Igor Chmyz **

RESUMO: Este trabalho aborda a trajetória de José LoureiroFernandes na arqueologia brasileira. Embora médico, LoureiroFernandes dedicou grande parte de sua vida profissional aos várioscampos da antropologia. Atuando no Círculo de EstudosBandeirantes, Museu Paranaense e Universidade Federal doParaná, destacou-se na questão da legislação protetora de sítiosarqueológicos no Paraná e no Brasil. Implantou o Centro de Ensinoe Pesquisas Arqueológicas, o Departamento de Antropologia e oMuseu de Arqueologia e Artes Populares, na Universidade doParaná, criando condições para a realização de pesquisas e aformação de arqueólogos.

Palavras-chave: Arqueologia do Paraná; Arqueologia doBrasil; História da Arqueologia; Legislação.

INTRODUÇÃO

No último quartel do século XX, abordando a trajetória daarqueologia brasileira nos últimos 50 anos, Betty J. Meggers (1985:364)atribuiu a José Loureiro Fernandes um papel destacado no períodocorrespondente à profissionalização da atividade arqueológica. Esteperíodo, fixado entre 1955 e 1965 foi caracterizado, conforme a autora,pela criação ou reativação de centros de pesquisa e a execução deescavações controladas.

No Estado do Paraná, entretanto, as bases da arqueologiamoderna foram lançadas antes, com a reorganização do MuseuParanaense e a instalação do Instituto de Pesquisas na Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras da Universidade do Paraná. Essa precocidadefoi reconhecida por André Prous (1992:5) quando estabeleceu, entre osanos de 1950 e 1965, o período formativo da pesquisa moderna.

* Artigo originalmente publicado como capítulo do livro “Dr. Loureiro Fernandes, médico eCientista”, de Antônio Garcia, em 2000 (p. 107-170). A presente edição contém correçõese acréscimos.** Pesquisador do CEPA/UFPR

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José Loureiro Fernandes e a Arqueologia Brasileira

Além de destacar a atuação do governo e das missõesestrangeiras estimuladas por José Loureiro Fernandes, Paulo Duarte eLuiz de Castro Faria junto às universidades do Paraná e São Paulo e, aoMuseu Nacional, respectivamente, Prous realçou o desempenho, nessemomento, de grandes amadores imputando, a alguns deles, significativacontribuição à arqueologia do país.

Paradoxalmente, a posição de Loureiro Fernandes sempre foide repulsa à ação dos colecionadores de peças. Responsabilizava-os,juntamente com os exploradores comerciais de sítios, pela destruição dopatrimônio arqueológico. Não reconhecia naqueles capacidade técnicae científica para uma correta abordagem. É possível que o seuposicionamento inflexível com relação aos amadores tivesse se cristalizadoentre as décadas de 1930 e 1940, quando se inteirava da situação dossítios do litoral paranaense e, principalmente, em conseqüência de umincidente envolvendo um dos “grandes amadores”, durante as escavaçõesque realizava no Sambaqui de Matinhos.

Arqueólogos amadores o Paraná os teve desde o século XIX. Asconcepções externadas através de monografias e artigos por AntonioVieira dos Santos, Telêmaco Morocines Borba, Ermelino Agostinho deLeão e Romário Martins, entre outros, basearam-se no contato diretoque tiveram com sítios paranaenses do litoral e do planalto. Essa produção,embora de cunho amadorístico, deve ter influenciado Loureiro Fernandes,especialmente a de Romário Martins, na questão preservacionista.

Não se atendo só a retórica, Loureiro Fernandes empenhou-sena criação de bases que possibilitassem a execução de pesquisas,formação de pessoal especializado e, paralelamente, na adoção demedidas protetoras do patrimônio arqueológico. Os sambaquis, alvosseculares da dilapidação, inclusive por parte de órgãos governamentais,constituíram a sua principal preocupação. O Estado do Paraná teve, porisso, em 1951, o primeiro decreto disciplinador para sambaquis no âmbitodos governos estaduais. Aos seus esforços e, aos de outros colegasseus, que comungavam dos mesmos anseios, deve-se a legislação federaldispondo sobre sítios arqueológicos brasileiros, promulgada em 1961.

Oriundo da área médica e destacando-se como urologista nacidade, logo voltou-se para a antropologia. Um biógrafo, que o considerouum antropólogo nato, atribuiu o seu direcionamento para esse campodas ciências humanas, a um desentendimento com o acadêmico ErastoGaertner. Um soco teria definido, em 1937, as carreiras dos dois brilhantesprofissionais envolvidos (PACIORNICK, 1994). O fato é que, no anoanterior, Loureiro Fernandes já havia sido nomeado diretor do MuseuParanaense com a proposta de reorganizá-lo, tornando-o uma instituiçãoprodutora de conhecimento. O seu interesse pela antropologia era evidente

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antes ainda: no Círculo de Estudos Bandeirantes, uma instituição queajudou a fundar em 1929 proferiu, desde o início, palestras enfocando“Cronologia pré-histórica”, “Unidade da espécie humana”, “Artepaleolítica”, “Hematoantropologia dos indígenas caingangues do Paraná”,etc. (CEB, 1939:121).

Atualizou-se em vários campos da antropologia recorrendo àliteratura especializada, cursos e intensos contatos com autoridades dasua época. As pesquisas que desenvolveu abrangeram temas ligados àhistória, especialmente a biográfica, geografia humana, antropologiafísica, etnografia, lingüística, etnobotânica, folclore e arqueologia.Valorizava o cinema educativo e promoveu, por esse meio,documentações arqueológicas, etnográficas e folclóricas. Algumas desuas pesquisas desenrolaram-se já nas seções instituídas durante areorganização do Museu Paranaense, e outras, dentro de novasperspectivas, foram conduzidas sob a égide de organismos criadosposteriormente.

Ao fundar o Departamento de Antropologia na Universidade doParaná, em outubro de 1958, Loureiro Fernandes dotou-o de bibliotecasdistribuídas pelas seções especializadas. Nele instalou sala paraseminário, aos moldes europeus, com todos os recursos áudio-visuaisdisponíveis, além de completo laboratório de antropologia física e umamoderna sala acústica para etnomusicologia. Era um departamentouniversitário concebido preferencialmente para a pesquisa. Não mantendocurso, ofertava as suas disciplinas para vários cursos de graduação daUniversidade.

A arqueologia, criada como seção no Instituto de Pesquisas daFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade constituiu,poucos anos depois e antes que o próprio Departamento de Antropologia,o Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas. Reconhecia, o seuidealizador, as especificidades desse ramo da antropologia.

Objetivando dotar o litoral paranaense de uma base operacionalpara o estudo dos sítios arqueológicos e da população cabocla,empenhou-se na restauração do antigo Colégio dos Jesuítas na cidadede Paranaguá, concluída em 1953, por ocasião das comemorações doPrimeiro Centenário da Emancipação Política do Paraná. Conseguiu,simultaneamente, que nele fosse instalado o Museu de Arqueologia eArtes Populares, em 1963, com peças dos acervos do Centro de Ensinoe Pesquisas Arqueológicas, Departamento de Antropologia e MuseuParanaense. Chegou a projetar um posto avançado do Museu em umterreno devoluto situado próximo ao porto de balsa de Caiobá. Serviriaeste para alojar equipes de pesquisa, as quais teriam, inclusive, espaçosadequados para o manuseio preliminar do material coletado. O seu projeto

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previa, ainda, cais e abrigo para embarcações que seriam usadas naexploração da baía de Guaratuba.

Loureiro Fernandes preocupou-se, também, com o aspectoeducacional explorando, em todas as ocasiões, o potencial oferecidopelos dados e acervos acumulados pelas pesquisas. Exposições temáticasforam organizadas por muitos anos em espaço próprio do Departamentode Antropologia. Todas as oportunidades apresentadas pela mídia, foramutilizadas para que o grande público se beneficiasse dos conhecimentosgerados pela Universidade. Nessas atividades procurava envolver acomunidade em torno de temas palpitantes como o da preservação dopatrimônio arqueológico ou a proteção de espaço territorial encerrandogrupo tribal ameaçado de extinção. A sua luta pela criação do ParqueNacional da Serra dos Dourados, que possibilitaria asobrevivência dos índios Xetá no noroeste do Paraná, teve repercussãoinclusive no exterior.

O reconhecimento dessa faceta do incansável idealistaconfigurou-se, em nível nacional, entre os arqueólogos aglutinados pelaSociedade de Arqueologia Brasileira, com a instituição do Prêmio LoureiroFernandes para o Estímulo de Ações Educativas.

JOSÉ LOUREIRO FERNANDES E A PROTEÇÃO DOPATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO

A constatação dos estágios de desenvolvimento cultural entre osindígenas brasileiros nos primeiros séculos que se seguiram ao contatodos povos europeus, que não incluíam aspectos das sociedades clássicase pós-clássicas da Meso-América e Andes Centrais, levou à procura deruínas e cidades imaginárias, necessárias para comprovar um passadomais “civilizado” e do qual os índios representariam uma degeneração.Nessa faina envolveram-se bandeirantes, sertanistas, aventureiros eintelectuais, estes principalmente no século XIX, junto ao Instituto Históricoe Geográfico Brasileiro.

A decepção predominante nesses meios, pelo estado “primitivo”ou “bárbaro” dos índios e, a ativa busca do imaginário, estão explicitadas,por exemplo, nas considerações de Alencar Araripe (1887:213), um dossócios efetivos do Instituto:

“Na época do descobrimento do Brasil o vemos ocupadopor uma população analfabeta e balda de architetura, sendopor consequencia incapaz de produzir monumentos literariose architetonicos.

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Si pois no Brazil verificarmos a existencia de antigas inscriçõese de cidades abandonadas, devemos concluir, que na nossaterra subzistio um povo civilizado, que n’ella precedeo ás tribuserradias encontradas pelos Portuguezes no seu advento ásplagas brazilicas, e foi o escultor d’essas inscrições e oedificador de taes cidades.”

As sinalizações rupestres foram geralmente vinculadas aosfenícios e, as ruínas de cidades, aos povos andinos, aos viquingues,egípcios ou atlantes. Entre as fantasias mais famosas, destacaram-seas inscrições da Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro, e as Sete Cidadesdo Piauí.

Os muiraquitãs, esculturas de nefrita encontradas na amazônia,levaram J. Barboza Rodrigues (1899:159) a desenvolver intenso estudopara comprovar ligações transoceânicas entre a América e a Ásia Central.

No Estado do Paraná, perto da cidade de Ponta Grossa, aformação rochosa conhecida como Vila Velha deu margem ao imagináriopopular e erudito. Adolfo de Varnhagen (1849:371), outro membro doInstituto Histórico e Geográfico Brasileiro, viu naquelas estruturasruiniformes a intervenção humana, comparando-as às construções“druídicas” da Europa.

Uma curiosa configuração rochosa, interpretada como esculturafenícia ou egípcia por alguns, foi encontrada por excursionistas na Serrado Mar, entre Curitiba e Paranaguá. Foi fotografada ao lado do Salto doInferno, no rio Ipiranga. Jorge Bahlis reproduziu a fotografia da entãodenominada “Esfinge do Salto do Inferno”, atribuindo-lhe alto valor artísticoe negando-lhe a autoria indígena por apresentar “feições (...) de umaraça diferente.” (1938:60). Refutou, por outro lado, a sua relação comfenícios ou gregos, julgando-a representativa de civilizações antigas do país.

A inexistência de uma arqueologia indígena monumental no Brasil,conforme a ponderação de Rodrigo Mello Franco de Andrade (1952:11),talvez não tenha despertado nas autoridades o pensamento de protegeros remanescentes dos seus primitivos habitantes. As primeiras medidasvisando a proteção do patrimônio arqueológico datam do século XVIII elimitaram-se a edificações, inscrições e monumentos históricos. Medidassemelhantes, que atendessem os sítios e os acervos pré e proto-históricosde origem indígena, passaram a ser tomadas somente no século XX,com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Os sítios arqueológicos brasileiros começaram a ser abordadossob uma ótica mais científica no século XVIII, por naturalistasestrangeiros, intensificando-se no século seguinte, com a realização,também, de estudos emanados do Museu Imperial, do Rio de Janeiro,

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fundado em 1818. Na Bacia Amazônica, as expedições arqueológicastornaram-se mais freqüentes com a criação do Museu do Pará, em 1871.Os museus do Paraná e São Paulo, instituídos em 1876 e 1895,respectivamente desempenharam, igualmente, papel importante naidentificação de culturas passadas. Coleções arqueológicas foramreunidas, ainda, por institutos históricos existentes nas cidades deManaus, Belém, Maceió, São Luiz, etc., além de outras que foramformadas mais recentemente por colecionadores amadores.

Com a ocupação européia do território brasileiro nos períodoscolonial e imperial, verificou-se a dilapidação, em escala ascendente, dopatrimônio arqueológico. No período pré-histórico essa interferênciatambém havia, como se observa em alguns sítios arqueológicossuperpostos, mas, os danos causados nas estruturas subjacentes, nãoeram totais. Os ibéricos, com suas atividades contínuas, provocaramgrandes alterações ambientais, como a implantação de campos de cultivo,abertura de vias de comunicação e edificação de vilas. Na faixa litorânea,a primeira a fixar os europeus, os sambaquis foram os sítios mais visados;o seu conteúdo conchífero foi transformado em cal e utilizado naargamassa para a construção de casas e igrejas. Mais tarde passou aser usado para o revestimento de estradas.

O mesmo processo destrutivo existiu no litoral paranaense. UmaResolução de João V, Rei de Portugal, passada ao Ouvidor Geral daCapitania de São Paulo em 29 de abril de 1722 e, publicada no anoseguinte na Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais [Curitiba],autorizava o comércio dos “fructos da terra” entre os moradores dasvilas litorâneas do sul do Brasil e as da Bacia do Prata “... poderão levarpara a dita colonia [do Sacramento] as madeiras e cal de ostras de queha tanta nas ditas terras q’se acha em montes...” (CURITIBA, 1906:7).

Antonio Vieira dos Santos (1951:94), quase cento e trinta anosmais tarde, admirava-se da grande quantidade de sambaquis existentesnas margens dos rios que deságuam nas baías paranaenses e previa,ainda, que muitos outros seriam descobertos. Associando os sambaquisaos Carijó e, estabelecendo uma proporcionalidade entre o número desambaquis conhecidos e o de índios necessários para a sua formação,aquele autor chegou a desenvolver um cálculo populacional, estimando-os em 8.000 indivíduos.

A interpretação de Vieira dos Santos, com relação à artificialidadedos sambaquis, já havia sido exposta por Gaspar da Madre de Deus, nofinal do século XVIII, para os sítios conchíferos do litoral paulista. Esteassunto propiciou, entretanto, entre meados do século XIX e do XX,acirrados debates de estudiosos em torno da origem natural ou artificialdos sambaquis brasileiros.

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Até que fosse devidamente esclarecida a sua origem indígena,os sambaquis foram considerados como jazidas minerais e passíveis deexplorações comerciais.

Durante a abertura da Estrada do Mar, na década de 1920, ossambaquis situados nas proximidades do seu traçado foram destruídospela Diretoria de Obras e Viação do Estado do Paraná, que utilizou omaterial deles retirado para o revestimento do seu leito (FERNANDES,1947:14). Da base desses sambaquis foram resgatados, para o MuseuParanaense, ossos humanos e peças líticas.

Peças arqueológicas de outros sambaquis já haviam sidorecolhidas por Agostinho Ermelino de Leão, um dos fundadores do MuseuParanaense e, figuravam como curiosidades da primitiva arte do indígenabrasileiro (FERNANDES, 1936:10). Esse material, procedente de Antoninaserviu, também, para as primeiras tentativas de classificação eestabelecimento de estágios de desenvolvimento cultural, além de ensaiossobre a origem dos seus autores. Foram estudos realizados por ErmelinoAgostinho de Leão (1912:103; 1919:223) e Romário Martins (1925:27).O último autor, em outro trabalho (1904:8), manifestava a sua preocupaçãodiante da paulatina destruição dos sambaquis, reclamando dasautoridades governamentais providências que garantissem a suapreservação até que estudiosos deles se encarregassem.

Quando deputado, Romário Martins teve aprovado o seu projetoque obrigava os comissários de medições de terras “...a enviar ao Museudo Estado os artefactos da primitiva arte indigena, objectos fosseis eamostras de mineraes que encontrassem em suas explorações.”(MARTINS, 1904:32). Determinava a Lei, também, que cada objeto fosseacompanhado da indicação da sua procedência e, quando possível, dedetalhes que pudessem caracterizar a constituição geológica da jazida.

A concretização dos anseios de Romário Martins demandou,ainda, muito tempo e esforço. Teve papel preponderante nesse momentoJosé Loureiro Fernandes, diretor do Museu Paranaense a partir de 1936.Tentando reorganizar aquela Casa dando-lhe, também, um cunhocientífico, Loureiro Fernandes implantou o trabalho de equipe. Isto sóaconteceu em 1939, um ano após a criação da Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras do Paraná, quando alguns dos seus catedráticospassaram a se ocupar das seções que compunham o Museu.

A costumeira falta de receptividade governamental inviabilizou,porém, no âmbito do Museu Paranaense, a continuidade dos ideais deLoureiro Fernandes. Com a federalização da Universidade do Paraná,em 1950, e a anexação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, osdiretores das seções especializadas do Museu transferiram os seusesforços para a nova Entidade. Nela, foi imediatamente criado o Instituto

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de Pesquisas, que deu condições para a realização dos trabalhosarqueológicos; essas atividades se consolidaram com a criação do Centrode Ensino e Pesquisas Arqueológicas, em 1956.

A questão da proteção dos sítios arqueológicos, preconizadapor Romário Martins e concretizada por Loureiro Fernandes, desenrola-se nesse meio-tempo. A primeira atitude nesse sentido, a nívelgovernamental, foi a promulgação da Lei Nº 33, em 17 de janeiro de1948, protegendo as ruínas dos antigos estabelecimentos espanhóis doplanalto paranaense. Os sítios históricos, englobados em áreas mínimasde 121 hectares de terras devolutas, foram arrolados como“remanescentes das primitivas reduções jesuíticas”: Vila Rica, S. Tomé,Arcângelo, S. Antônio, Encarnação, S. Miguel, Loreto, Santo Inácio,Jesus Maria e Guaíra. A localização dos sítios certamente foi baseada nacartografia jesuítica dos séculos XVII e XVIII, assunto várias vezes abordadopor Romário Martins. Por esse motivo, os espaços dos sítios delimitados nalei não coincidiram inteiramente com a sua verdadeira posição.1

Bem posicionadas até aquela época estavam Ciudad Real delGuayrá, Villa Rica del Espiritu Santo, Nossa Senhora de Loreto e SantoInácio Mini, visitadas por viajantes desde o século XIX e descritas emseus relatórios. Nas ruínas de Ciudad Real del Guayrá foram realizadas,inclusive, em meados da década de 1940, estudos pela arqueóloga norte-americana Virginia Drew Watson (1947:163). Loureiro Fernandes tambémas visitou entre as décadas de 1940 e 1950 (FERNANDES; BLASI,1956:72).

Nos meses de janeiro e fevereiro de 1952, contando com o apoiodo diretor do Museu Paranaense, o padre Luís Gonzaga Jaeger tentoulocalizar as vilas espanholas e as reduções jesuíticas do Guayrá, mas“... porque algunos de los puntos visitados aún se encuentran em lugaresde difícil acceso, submergidos em la maleza de la floresta...” (1957:95),obteve resultado parcial.

A importância desses sítios para a história do Paraná foi realçadapor Loureiro Fernandes durante o Terceiro Congresso Regional de Históriae Geografia, no ano de 1953, em Curitiba, de onde partiu a moçãosolicitando ao Reitor da Universidade do Paraná a inclusão do seu estudonos planos de trabalho da recém-criada Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

_______________1 Vila Rica e Guaíra, especificadas na Lei Nº 33 como reduções jesuíticas eram,

na verdade, Villa Rica del Espiritu Santo e Ciudad Real del Guayrá, estabelecidas pelosmilitares espanhóis na segunda metade do século XVI, após o malogrado povoado deOntiveros. As reduções jesuíticas começaram a ser fundadas no início do século XVII, novale do rio Paranapanema espalhando-se, nos anos seguintes, pelos vales do Tibagi, Ivaí,Piquiri e Iguaçu, em número superior ao abrangido pela legislação.

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Entre 1936 e 1947 Loureiro Fernandes acompanhou a exploraçãocomercial de vários sambaquis do litoral paranaense, realizando osalvamento de esqueletos humanos e artefatos. Um deles, o Sambaquide Matinhos situado, na época, no Município de Paranaguá, exemplificabem o quadro então vigente. O material conchífero daquele sítio estavasendo usado pela Diretoria de Obras e Viação para o revestimento daestrada entre Matinhos e Caiobá. Admitindo que o Museu Paranaensenão contava com a colaboração de arqueólogo e nem dispunha de verbaspara custear escavações (1955a:579), Loureiro Fernandes propôs-se,após entendimentos com a Diretoria de Viação e Obras, a escavar umpequeno setor do sambaqui que lhe fora reservado. Pôde, assim, observara relação dos esqueletos humanos e artefatos com a estratigrafia dosítio.2

O desmonte de dois sambaquis, que estavam sendo exploradoscomercialmente no distrito de Alexandra, em Paranaguá, foi acompanhadopor Otorino de Fiori de Coprani, geólogo da Universidade de Catânia, noano de 1946, por indicação de Loureiro Fernandes (1959:2). Outrasinformações a respeito dessa intervenção constam de atas do MuseuParanaense. Diante da consulta feita pelo engenheiro-chefe doDepartamento de Mineração das Indústrias Klabin no Paraná sobre apossibilidade da exploração de sambaquis para a obtenção de carbonatode cálcio destinado à produção de celulose, o Conselho Administrativodo Museu, concordando com o parecer do conselheiro LoureiroFernandes, admitiu a viabilidade de um acordo com a empresa,condicionando a exploração econômica à investigação científica (Atanº 87, de 24.12.45).

O barão de Coprani foi o técnico apontado pelo Museu para,contratado pelas Indústrias Klabin, orientar os trabalhos de exploração,salvaguardando o material de valor científico (Ata nº 90, de 7.4.46). AAta seguinte, datada de 16.5.46, informa que Otorino de Fiori, encontrava-se no distrito de Alexandra desempenhando a sua função acrescentando,a Ata nº 93, de 11.7.46, que o técnico solicitava barraca para “morar etrabalhar” no local.

_______________2 Durante os trabalhos de Loureiro Fernandes no Sambaqui de Matinhos ocorreu

um incidente com o colecionador Guilherme Tiburtius que, na sua ausência adquiria, dosoperários da Diretoria de Obras e Viação, as peças arqueológicas encontradas no desmonte(Comunicação pessoal de Loureiro Fernandes em 1963). O próprio Tiburtius menciona asua expulsão da área do sambaqui em um de seus relatórios declarando, inclusive, querealizava “...secretamente algumas escavações maiores apenas nos meses de inverno porcausa da proibição do Diretor do Museu. Encontrei material em grande quantidade e muitovalioso, além de muitos esqueletos.” (1996:25 e 27).

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Os resultados dessa experiência são desconhecidos, pois, naúltima Ata que trata do assunto, a de nº 99, datada de 23.2.47, LoureiroFernandes comunicava não ter recebido relatórios das pesquisas deOtorino, apesar dos insistentes pedidos.

O envolvimento de Loureiro Fernandes com a causa arqueológicalevou-o a integrar, em 1947, por indicação do antropólogo Herbert Baldus,a Comissão Científica Franco-Brasileira para Estudos Pré-Históricos doBrasil. Essa Comissão, ligada ao Institut Français des Hautes ÉtudesBrésiliennes, do Musée de l’Homme, foi responsável pela vinda ao Brasil,na década seguinte, de arqueólogos franceses (Correspondênciaarquivada no Círculo de Estudos Bandeirantes).

Ao mesmo tempo em que crescia a noção da importância dossítios arqueológicos para a reconstrução do passado paranaensedesencadeava-se, capitaneada por Loureiro Fernandes, uma campanhano sentido de que fosse sustada, pelos poderes públicos, a desordenadadestruição dos sambaquis. Dela resultou, em 1948, junto à Secretaria deEducação e Cultura, a criação da Divisão do Patrimônio Histórico, Artísticoe Cultural e, em 1951, a promulgação do Decreto Estadual Nº 1.346, quereservava para fins de pesquisas de proto-história os sítios conchíferosexistentes no litoral do Paraná.

O regulamento daquele ato, na forma de Decreto Nº 5.405, editadoem 9 de maio de 1952, estabelecia que a licença para a exploração desambaquis deveria ser requerida pelos detentores de concessões àDivisão do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural do Paraná, a quemcaberia a determinação do seu valor científico. Na avaliação, os sítiospoderiam ser classificados como “pobres” e “ricos” ficando, a demoliçãodos enquadrados na segunda categoria, subordinada à assistênciatécnica da DPHAC. As despesas decorrentes do exame dos sambaquise a manutenção de técnico durante o desmonte ficaria por conta dosinteressados, mas, como bem lembrou Oldemar Blasi em recentedepoimento (2005:38), tais especialistas não existiam no quadro defuncionários do Estado. Ao mesmo depoente coube, algum tempo depoise por indicação de Loureiro Fernandes, a incumbência doacompanhamento do desmonte de vários sambaquis.

Os procedimentos estabelecidos pelo decreto equivaliam, emgrande parte, aos adotados pelo Museu Paranaense no caso dossambaquis de Alexandra, em 1946, atendidos por Otorino de Fiori.

Por outro lado, as autorizações de lavra de conchas calcáreascontinuavam sendo concedidas pelo Departamento Nacional de ProduçãoMineral, do Ministério da Agricultura. Um pedido de autorização de lavrade sambaquis situados na margem do Canal Varadouro de Cima, nomunicípio paranaense de Guaraqueçaba (Processo DNPM nº 5.101/55),

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por exemplo, foi autorizado em 13 de março de 1956, por meio do DecretoNº 38.881.

Tendo o governador do Estado do Paraná solicitado ao ministroda Agricultura em 1951, após a promulgação do Decreto Estadual Nº1.346, “... as providências que se fizerem necessárias no sentido de quenão seja concedida, em hipótese alguma, autorização a pessoas ou firmaspara a exploração [de] sambaquis, bem como o DNPM transfira aoDepartamento de Cultura do Estado, o direito de fiscalizar a habilitaçãolegal dos exploradores de sambaquis.”, no decreto autorizatório foi incluídoum artigo visando atender a pretenção do Governo do Paraná:

“Art. 2º. O autorizado tem expresso conhecimento eobriga-se a seguir os preceitos do decreto do Governo do Estadodo Paraná de número 1.346, de 29 de maio de 1951,especialmente no que toca à defesa do material científico eproto-histórico existente na jazida que constitue objeto dapresente autorização.”

Planta e perfis dos sambaquis do Canal Varadouro de Cima, emGuaraqueçaba, integrantes do Processo DNPM nº 5.101/55 (cópia arquivadano CEPA). Os processos da DNPM no tocante aos requerimentos parapesquisa de conchas calcáreas, pelos detalhes que contêm, representamimportantes fontes para os estudos arqueológicos.

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Um parecer técnico expedido pelo Chefe de Distrito do DNPM,em 18 de maio de 1955, quando da tramitação do processo de concessão,declarava que “Trata-se [a jazida] de conchas calcárias formando oschamados concheiros ou sambaquis, material que se depositou,provavelmente pela ação do homem, constituindo verdadeiras jazidasminerais.” Embora considerando que o volume de conchas do jazimentofosse relativamente reduzido, na ordem de 26.000 toneladas, mas querepresentavam (...) os maiores depósitos conchíferos na região.”, opinoupela aprovação do requerimento.

No “Plano de bom andamento” do empreendimento, os sambaquisforam descritos como montes com 4 a 10m de altura e com diâmetrosvariando de 50 a 60m, constituídos por camadas horizontais de conchasde berbigão e ostras, “... material com alto teor de cálcio de origemanimal e, portanto, excelente matéria prima para a fabricação de farinhapara alimentação de aves e outros animais.”

Em consonância com o Artigo 2º do Decreto Nº 38.881/56, o“Plano” esclareceu que “Durante a fase de desmonte serão observadoscom a máxima atenção o aparecimento de qualquer objeto etnográfico,momento em que a lavra nessa frente será interrompida e o fatocomunicado à comissão estadual encarregada desses estudos...”.

O Estado do Paraná, através do Departamento de Cultura, daSecretaria de Educação e Cultura emitiu, em 5 de junho de 1957, oAlvará de Licença Nº 43:

“Pelo presente alvará de licença, fica o Senhor MITSUOYAMANACA, brasileiro, casado, industrial, residente em SãoPaulo, à rua Paraíso, 105, casa 10, autorizado a explorar asjazidas de conchas calcáreas existentes no Município deGuaraqueçaba, distrito de Ararapira, área mencionada peloDecreto Federal Nº 39.803, de 16 de agosto de 1956, DiárioOficial da União, de 22 do mesmo mês e ano, e nas condiçõesnaquele ato especificados, tudo de acordo com o DecretoEstadual nº 5.405, de 9 de maio de 1952, publicado no DiárioOficial do Estado, de 10 do mesmo mês e ano, e tendo emvista o processado nº 3.881, de 20 de fevereiro de 1957, daSecretaria de Educação e Cultura. A presente licença libera areferida exploração somente no que concerne ao aspectocientífico-arqueológico, ficando o licenciado sujeito às demaisobrigações porventura estabelecidas por outras posturas legaistanto federais, como estaduais ou municipais. Dados os termosdo laudo técnico constante do processado, a exploração seráassistida por técnico, cuja indicação e encargos serão feitosoportunamente pelo Departamento de Cultura.

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Nos documentos apensos ao processo de concessão dessa lavranão há qualquer referência à interrupção de desmonte em função daocorrência de peças arqueológicas. Nos arquivos do CEPA, tambémnão existem referências sobre o acompanhamento da exploração portécnico indicado pelo Departamento de Cultura do Paraná.

Em 1971, uma vistoria realizada no local pelo DNPM, devido àfalta de relatórios anuais da lavra desde 1961, constatou que os sambaquishaviam sido esgotados na época da interrupção dos informes.3

No Estado de São Paulo, graças à atuação de Paulo Duarte foiinstituída, em 19 de dezembro de 1952, a Comissão de Pré-Históriadestinada à proteção dos sambaquis, grutas e lapas (Decreto EstadualNº 21.935). No ano seguinte, em 4 de agosto, o Decreto Estadual Nº22.550, reservava para fins de pesquisas de pré-história, paleontologia,arqueologia e antropologia os sambaquis existentes no territóriopaulista.

A Comissão de Pré-História, à qual competia a organização daspesquisas especificadas no Decreto Nº 22.550 realizou, de imediato, olevantamento das autorizações de pesquisa e lavra de sambaquis nosmunicípios do litoral de São Paulo, oficiando às autoridades competentessobre a infringência de tais atividades perante a legislação existente(Relatório arquivado no CEPA).

_______________3 A continuidade da lavra desses sambaquis, a partir de 13 março de 1956, foi

propiciada pelo Decreto Nº 39.803, de 16 de agosto do mesmo ano. Como nele não constouqualquer referência ao patrimônio arqueológico, que figurava no primeiro decreto, o Ministérioda Agricultura publicou o Decreto Nº 45.256, em 15 de janeiro de 1959, alterando a redaçãodo anterior e incluindo o artigo referente “à defesa do material científico e proto-históricoexistente na jazida.”

Declarada caduca a autorização de lavra, em 9 de maio de 1973 (Decreto Nº72.192), por infringência de dispositivo, o DNPM propôs, no dia 2 de fevereiro de 1976, acolocação da área em pauta em disponibilidade de pesquisa.

Antes que isso acontecesse, o DNPM solicitou ao então representante do IPHANpara assuntos de arqueologia no Paraná um parecer sobre os remanescentes dos sambaquisdo Canal Varadouro de Cima.

No Processo Nº 5.101/55, encaminhado pelo DNPM, constam descrições, perfise plantas plani-altimétricas detalhadas do local atingido pela exploração. Verifica-se queos sítios destruídos eram em número de três, sendo dois geminados. Estes distavam 45mda margem do canal e mediam 40x30m e 80x50m de base, respectivamente; a altura doprimeiro era de 10m e, a do segundo, 11m. O terceiro sambaqui, situado ao lado dosanteriores e a 100m de distância do canal, media 60x45m de base e tinha 12m dealtura.

Tendo em vista a importância dos remanescentes de sambaquis para os estudosde implantação, cronologia e geomorfologia, o parecer emitido em 29 de abril de 1981 foipela não colocação da área em disponibilidade para pesquisa de cunho comercial (Arquivodo CEPA).

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As medidas disciplinadoras tomadas pelos estados do Paraná eSão Paulo, embora tratassem dos sítios mais visados pela exploraçãocomercial, como os sambaquis e grutas, e outros ameaçados pelaexpansão agrícola, como as vilas espanholas e reduções jesuíticas,representaram os primeiros passos em direção à legislação maior, quecontemplaria todas as ocorrências arqueológicas do país.

A preocupação pelos prejuízos de ordem antrópica e intempéricaa todos os sítios já havia sido manifestada por Heloisa Alberto Torres, doMuseu Nacional, em 1937, quando tratou da proteção do patrimônioarqueológico brasileiro no primeiro número da revista do recém-criadoServiço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Para a preparação de um anteprojeto de lei sobre os sítiosarqueológicos brasileiros foi instituída, em 1957, pelo Ministério daAgricultura, uma “... comissão constituída pelos diretores do DepartamentoNacional de Produção Mineral, da Diretoria do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional, do Presidente da Comissão de Pré-História de SãoPaulo, do Professor de Antropologia e Diretor do Centro de Ensino ePesquisas Arqueológicas da Universidade do Paraná e por um consultorjurídico do Ministério...” (CASTRO FARIA, 1959:95).

Os ensaios do anteprojeto de lei contendo correções e inclusõesfeitas por Loureiro Fernandes, integram o Arquivo do CEPA, assim comoo telegrama do Presidente da Comissão, que o convocava para a reuniãode encerramento dos trabalhos, no dia 4 de julho de 1957, no Rio de Janeiro.

No final de novembro de 1957, o Projeto de Lei Nº 3.537-A foiencaminhado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República. Coma Mensagem Nº 512-57, o presidente Juscelino Kubitschek apresentou oprojeto de lei aos congressistas como um documento que dispunha sobreas medidas relacionadas com a defesa e proteção dos monumentosarqueológicos e pré-históricos nacionais.

Promulgada em 26 de julho de 1961 e publicada no Diário Oficialda União no dia seguinte, a Lei Nº 3.924 deveria ser regulamentada, noprazo de 180 dias, naquilo que fosse julgado necessário à sua fiel execução.

Uma tentativa para a regulamentação partiu da Diretoria doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1963 (CorrespondênciaGMB-6 203/63). Determinava aquele órgão do Ministério da Educação eCultura a adoção de três providências urgentes “... afim de que o nossopaís não continue dando ao mundo civilizado essa prova de atrazo erelaxação cultural com a indiferença e o desleixo por um assunto quevem merecendo o máximo amparo e atenção de todos os países quesabem oferecer a pesquisa científica a atenção e o apoio que merece.”A primeira delas consistia na nomeação de uma comissão para apresentarao Governo Federal, no prazo de 30 dias, o regulamento da lei. Seria

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composta pelo Diretor do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (comoPresidente), e representantes do Museu Nacional (Luiz de Castro Faria),da Universidade de São Paulo (Paulo Duarte), da Universidade do Paraná(José Loureiro Fernandes), da Universidade de Brasília (Eduardo Galvão)e o Diretor do Serviço de Proteção aos Índios.

A segunda providência seria a celebração de convênios comSão Paulo e Paraná, para a delegação de atribuições conferidas aoMinistério da Educação e Cultura para o cumprimento da Lei Nº 3.924,porque “Os únicos Estados do Brasil em condições são os de São Pauloe Paraná, cujas Universidades se acham aparelhadas.”

Reconhecendo que o Órgão não possuía estrutura que lhepossibilitasse o cumprimento das atribuições conferidas pela lei propôs,como a terceira providência, a criação de uma comissão de pré-históriae etnologia, que melhor cumpriria a incumbência “... do que umcomplicado organismo burocrático.”

Para a composição dessa Comissão de Pré-História e Etnologia,que “... deliberaria (...) não só sobre tudo quanto se referisse à pesquisacientífica, arqueológica e etnológica, aberta a todos os cientistas eorganizações especializadas de comprovada idoneidade moral, técnicae científica, especialmente as universidades e institutos com tradiçãoem tais atividades...”, foi sugerido o Diretor do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional, que a integraria como representante do Ministério daEducação e Cultura, e representantes do Ministério de Minas e Energia,do Museu Nacional, das Universidades de São Paulo, Paraná e Brasília,do Conselho de Expedições Artísticas e Científicas e do Serviço deProteção aos Índios.

Uma minuta de decreto de regulamentação da Lei Nº 3.924 foiencaminhada a José Loureiro Fernandes, junto com uma correspondênciade Heloisa Alberto Torres, em 10 de setembro de 1964. A missivistaalegou que, em cumprimento ao disposto pela Portaria Nº 23, de 21 dejaneiro de 1964 e, em obediência à determinação do Gabinete do Ministrode Educação e Cultura, de reduzir ao mínimo as despesas com ostrabalhos de regulamentação, para a elaboração da minuta do documentoforam promovidas reuniões apenas com a presença dos membros daComissão residentes no Rio de Janeiro.

Na correspondência, Heloisa Alberto Torres solicitava, também,a devolução urgente da minuta, com as modificações julgadasconvenientes. A correspondência e a minuta de regulamentação, na qualnão se nota nenhuma observação, foram arquivadas na pasta destinadaaos documentos de “Proteção de Jazidas”, do CEPA, por determinaçãode Loureiro Fernandes.

O seu desinteresse pela regulamentação da Lei Nº 3.924 talvez

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tenha se originado na correspondência GMB-6 203/63, do DPHAN, quecontém vários pontos de interrogação do punho de Loureiro Fernandes,naquilo que se refere ao alegado descaso inicial da regulamentação e àinstituição da Comissão de Pré-História e Etnologia, além do destaquesecundário dado pelo documento ao papel desempenhado pelo Estadodo Paraná no processo.

A minuta da regulamentação da Lei, que acabou não sendodecretada, serviu de base para a Portaria Nº 07, editada pelo PatrimônioHistórico e Artístico Nacional em 7 de dezembro de 1988, disciplinandoos pedidos de autorização, permissão e as comunicações prévias paraa realização de trabalhos de arqueologia no país.

JOSÉ LOUREIRO FERNANDES E O MUSEU PARANAENSE

Idealizado por Agostinho Ermelino de Leão e José Cândido daSilva Muricy em 1874, como local de exposição e jardim de aclimação, oMuseu do Paraná foi inaugurado em 25 de setembro de 1876. Voltado àhistória pátria e às ciências naturais, era o Museu uma instituiçãoparticular, auxiliada pelos órgãos públicos provinciais e pelo favor dopovo. Ocupando parte do antigo Mercado na praça Zacarias, o Museutornou-se órgão da Província em 1882. Mudou-se em 1896 para o edifícioonde funcionara o Paço da Assembléia Provincial, na rua Dr. Muricy.Em 1913 transferiu-se para o antigo Salão Tívoli, na rua São Franciscoe, em 1928, para o prédio do Estado sito à rua Buenos Aires. A construçãode uma sede própria foi aventada nesse momento, pretendendo-se asua edificação no recinto do Passeio Público.

Como estabelecimento particular, o Museu foi dirigido porAgostinho Ermelino de Leão e José Cândido da Silva Muricy. Ao setornar oficial, a instituição continuou sendo dirigida por Agostinho deLeão, para cujo cargo foi reconduzido em 1892. Outras cincopersonalidades sucederam-se no cargo até 1930, entre as quais ErmelinoAgostinho de Leão e Romário Martins. Este foi o que mais tempopermaneceu frente à Casa, dirigindo-a de 1902 a 1928. Em 1931, com aextinção do cargo de diretor, o Museu ficou sob a responsabilidade deJoão Tenius, um auxiliar-técnico.

José Loureiro Fernandes assumiu o Museu Paranaense em 1936,convidado pelo governador Manoel Ribas. Poucos meses depois deassumir, produziu uma resenha historiando os 60 anos da instituição, naqual destacou os esforços dispendidos pelos seus antecessores, apesarda crônica falta de recursos e o desinteresse dos órgãos governamentaisem alguns momentos.

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Ao apresentar os “Arquivos do Museu Paranaense”, o periódicoque passaria a divulgar a produção dos seus membros e da comunidadecientífica em geral, comentou o desenvolvimento unilateral a que aInstituição foi conduzida pelos seus antigos gestores, no sentido de museupopular, relegando para segundo plano o museu para especialistas(1941a:3).

Posteriormente, em outro artigo, essa análise foi externada commais clareza (FERNANDES; NUNES, 1956:10):

“Numa visão retrospectiva podemos sentirperfeitamente que, nessa primeira fase, a mor parte da evoluçãodo Museu processou-se sob a égide das iniciativas pessoaisde dois ilustres paranaenses, sem que vislumbrar se possaqualquer tendência para trabalhos de equipe. Quando muito,houve um certo espírito de compreensão das diretorias emaceitar a colaboração espontânea e transitória de especialistaspertencentes a instituições congêneres nacionais eestrangeiras.”

O Museu começou expondo peças históricas e produtos naturaisem um amplo e único salão. Na sua trajetória, ao se transferir para outrosespaços, teve ampliadas as exposições e chegou a incorporar a BibliotecaPública, a Pinacoteca Paranaense e pequeno zoológico. Nelefuncionou, também, por algum tempo, o Instituto Histórico e GeográficoParanaense.

Desempenhou papel preponderante na vida social da Capital.Nas suas dependências realizavam-se saraus, premiações e exposiçõestemporárias. Além de intensamente freqüentado por populares, foi visitadopor autoridades, como o próprio Imperador Pedro II e outros membrosda Corte, presidentes da Província e governadores do Estado.

A receptividade do público exteriorizava-se, também, através dadoação de objetos, propiciando a constante ampliação dos seusmostruários. O material arqueológico que figurava em suas vitrinasprocedia do litoral paranaense, ofertado por populares e mais tardecoletado por Ermelino Agostinho de Leão em sambaquis de Antonina. Doplanalto procediam coleções de Ciudad Real del Guayrá e Redução deSanto Inácio Mini, estabelecimentos relacionados ao domínio espanholno oeste do Paraná nos séculos XVI e XVII.

Participou destacadamente, com peças do seu acervo, daExposição Antropológica Brasileira, no Rio de Janeiro (1882), daExposição Sul-Americana, em Berlim (1887) e da Exposição Nacional,novamente no Rio de Janeiro (1908). As amostras enviadas para a

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exposição de Berlim nunca foram recuperadas, ocasionando um desfalquenos seus mostruários.

A falta inicial de textos explicativos dos objetos expostos,reclamada pelo imperador quando da sua visita, levou à imediata produçãode um Guia do Museu. Outros foram realizados contendo, também,importantes textos de Telêmaco Morocines Borba e Luís de Cemitille.Obras de maior vulto, como o Índice Paranaense e o Dicionário Históricoe Geográfico do Paraná, foram elaborados por Agostinho e Ermelino deLeão.

Inegavelmente, é a Romário Martins, o ordenador das coleçõesda Casa, que se deve a profícua produção de textos, alguns delesdedicados à arqueologia. Lançou, em 1904, o Boletim do MuseuParanaense; destinado a se tornar o periódico da Instituição, restringiu-se ao primeiro número. Durante a sua gestão, foi incorporado ao Museuo acervo arqueológico e etnográfico de Telêmaco M. Borba.

As mudanças sócio-econômicas e políticas verificadas nessasfases, refletem os momentos de crescimento e estagnação do Museu.Até as primeiras décadas do século XX Curitiba carecia de comércio eindústrias apreciáveis. “Vivia-se inteleclectualmente do reflexo dasgrandes metrópoles Rio de Janeiro e São Paulo. Nada se produzia; poucose estudava.” (FERNANDES; NUNES, 1956:10).

Em meados da década de 1930 o Museu encontrava-sedesamparado pelos poderes públicos. Ao assumí-lo, em 1936, LoureiroFernandes teve que contemporizar a sua ação, face a algumasmodificações em andamento na esfera da administração pública, quetendiam a transferir os problemas específicos de cultura para aadministração municipal. A transferência do Museu Paranaense para aPrefeitura de Curitiba aconteceu no final de 1937. Não tendo, porém,se enquadrado nessa esfera administrativa, foi recambiado para oEstado do Paraná, ficando sob a jurisdição da Secretaria do Interiore Justiça.

Somente em 1939 foi possível o início da reorganização da Casa.Esta foi dividida em seções de História, Antropologia e Etnografia,Geologia e Paleontologia, Botânica e Zoologia. Os chefes das seçõesforam nomeados através de decreto estadual, de acordo com acapacitação técnico-científica que apresentavam, a salvo de indicaçõespolíticas. Ocuparam-nas catedráticos da Faculdade de Filosofia, Ciênciae Letras do Paraná, fundada em 1938.

Criaram-se o serviço de taxidermia, atendida pelo técnico AndréMeyer e, a biblioteca especializada. A sede mais espaçosa da rua BuenosAires permitiu a montagem de exposições em diversas salas e a ampliaçãoda reserva técnica.

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O Palacete Cel. Manoel Macedo, na rua Buenos Aires esquina com a ruaBenjamin Lins, foi a sede Museu Paranaense entre 1928 e 1965 e local deintensas atividades de Loureiro Fernandes e catedráticos da Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras do Paraná (Fonte: SAWAYA, 1943).

Adquiriram-se equipamentos para as pesquisas de campo. OMuseu passou a produzir conhecimento e a alimentar suas mostras comos dados e espécimes obtidos durante as excursões. A partir de 1941,com a admissão de auxiliares voluntários, abriram-se as possibilidadesde colaboração nos trabalhos científicos. O periódico “Arquivos do MuseuParanaense” começou a circular nesse ano também, divulgando aprodução gerada pelo Museu e por especialistas externos.

Responsável pela Seção de Antropologia e Etnografia, LoureiroFernandes desenvolveu pesquisas de campo entre os índios Kaingángde Palmas (1939; 1941b) e realizou as primeiras abordagens arqueoló-gicas, recuperando artefatos e ossos humanos das bases de sambaquisdestruídos quando da construção da Estrada do Mar, assim como defragmentos cerâmicos atribuídos, em parte, aos índios Carijó, da famílialingüística Tupi-Guarani (1947:13). Realizou expedição para constatar aorigem dos nichos funerários existentes no Morro das Ossadas, emGuaraqueçaba. Em 1943, começou escavações controladas em um setordo Sambaqui de Matinhos, que estava sendo demolido e utilizado para orevestimento de estrada (1955a:579). Na caderneta de campo estãoanotados os passos do seu trabalho naquele sítio, além de uma relaçãode sambaquis visitados em Antonina, Paranaguá, Morretes e Guaratuba(Xerocópia da caderneta arquivada no CEPA).

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Foto de membros do Museu Paranaense e pesquisadores visitantes (1942).Da direita para à esquerda: José Loureiro Fernandes (Diretor - Seção deAntropologia e Etnografia), Pe. Jesus Moure (Seção de Zoologia), Dr. WaldoSchmitt (Museu Nacional - EUA), André Meyer (Taxidermista), HeitorRodrigues Jr. (Secretário Museu) e Paulo Sawaya (Dep. de Zoologia da USP)(Fonte: SAWAYA, 1943).

Devido à sua formação, as descrições feitas sobre os enterroshumanos escavados são detalhadas e contextualizadas; detectou, inclu-sive, a presença de enterro secundário, baseando-se nas pequenasdiscrepâncias apresentadas por alguns ossos do esqueleto.4

_______________4 Loureiro Fernandes retirou os esqueletos mais significativos do Sambaqui de

Matinhos, recorrendo à técnica do gessamento. Estes permaneceram depositados no MuseuParanaense até o início da década de 1960. O que documentava o enterro secundário foiutilizado nas exposições do Museu de Arqueologia e Artes Populares de Paranaguá.

No remanescente do sambaqui praticou-se, na década seguinte, uma intervençãode emergência para a remoção de conjunto funerário ameaçado por construção de casa.Um esqueleto de indivíduo masculino adulto estava no solo arenoso, abaixo dos resíduosdo depósito conchífero e tinha, ao seu lado, sobre o braço direito, o esqueleto de umacriança (CHMYZ et alii, 2003:20).

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Por sua indicação, sambaquis em fase de desmonte comercialna região de Alexandra, em Paranaguá, foram acompanhados pelo barãoOtorino de Fiori de Coprani, geólogo da Universidade de Catânia,entre1946 e 1947. A seu pedido, Coprani produziu, em 1946, as

Levantamento topográfico realizado na área do Sambaqui do Casqueiropor Reinhard Maack, em 1947, com arte-final por Rodolfo Doubek.

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“Considerações paleetnográficas”, um estudo que sintetizava aproblemática dos sambaquis e trazia sugestões para a implantação deuma infra-estrutura necessária para o seu estudo sistemático.

Loureiro Fernandes contou, também, nesse período, com acolaboração de Reinhard Maack nas questões ambientais. A esse pioneiroda geologia paranaense devemos, por isso, alguns registrosarqueológicos, como o Sambaqui do Casqueiro, topografado em 1947na Praia de Leste, entre Paranaguá e Guaratuba, cuja planta foi executadapelo cartógrafo Rodolfo Doubek. O sambaqui, que não mais existe, figurainserido na paisagem praiana, sendo mostrado, em destaque, o seu perfilestratigráfico e a sua composição malacológica básica (Planta arquivadano CEPA).

O aumento das atividades nos campos atendidos pelo Museuocasionaram o esgotamento dos espaços destinados às exposições,levando o seu Conselho Diretor a pleitear a construção de nova sede.

Fachada do prédio projetado para acomodar, na praça Santos Andrade, oMuseu Paranaense, Teatro, Reitoria e Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da Universidade do Paraná.

Desejava-se, além da criação de instalações condizentes com oprogresso do Museu nesse momento, a sua aproximação física com aFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná. Para oempreendimento conseguiu-se a reserva de um terreno situado junto àpraça Santos Andrade. A medida foi tomada pelo Interventor FederalManoel Ribas, em 1944, através de decreto. O projeto de construção,executado pela Companhia Construtora Nacional S.A., do Rio de Janeiro,

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conforme o planejamento da comissão designada para esse fim previa,nos seus quatro pisos, as instalações do Museu Paranaense na ala darua Aminthas de Barros, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras naala da rua XV de Novembro, com o teatro na porção central. A partefronteiriça à praça seria destinada à Reitoria (Projeto arquivado no CEPA).

As turbulências políticas e, as mudanças de governantesestaduais seqüentes, além de inviabilizarem a projetada edificaçãoocasionaram, também, novo declínio nas atividades do MuseuParanaense. Os responsáveis pelas seções transferiram-se para aUniversidade do Paraná em 1950. Em artigo elaborado com Marília D.Nunes, Loureiro Fernandes referiu-se a este momento crucial:

“Até 1948, este pequeno grupo de homens de ciênciaque constituía o Conselho do Museu Paranaense conseguiutransformar, conjugando com as cátedras especializadas daFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em dez anos, emeficiente instituição científica, um museu velho e sem viço,simples arquivo de objetos diversos que não eram o resultadode pesquisa científica nem a provocavam.

Desse labor intelectual fica um testemunho nosmúltiplos trabalhos publicados pelos elementos do Museu emvárias revistas especializadas e sobretudo nas publicaçõesoficiais do Museu.” (1956:16 e 17).

Até 1950 foram editados 8 alentados volumes dos Arquivos doMuseu Paranaense, bem como 12 publicações avulsas sobre geologia,zoologia, botânica, etnografia e história. Entre as últimas, constam osfascículos iniciais do arrojado “Dicionário das Tribus e línguas indígenasda América Meridional”, de R. F. Mansur Guérios, e “Diogo Pinto e aconquista de Guarapuava”, de Arthur Martins Franco, que reproduz oimportante relatório do padre Francisco das Chagas Lima, de 1862, sobreos Kaingáng.

Entre os anos de 1950 e 1952 o Museu ainda publicou, graçasaos esforços de Júlio E. Moreira, Diretor da Seção de História, asmemórias históricas da Vila de Morretes e do Porto Real e, da Cidade deParanaguá e seu Município, em três tomos. De autoria de Antonio Vieirados Santos, os originais manuscritos e datados de 1850 e 1851,encontravam-se depositados no Círculo de Estudos Bandeirantes; foramliberados por Loureiro Fernandes para publicação.

Quando da edição do primeiro volume dos Arquivos (1941), oMuseu encontrava-se subordinado à Secretaria do Interior e Justiça,dos volumes de números 2 a 7 (de 1942 a 1946), à Diretoria Geral de

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Educação e, do volume número 8 (1950), à Secretaria de Educação eCultura.

A subordinação do Museu Paranaense à Secretaria de Educaçãoe Cultura ocorreu já em 1948. Essa Secretaria, criada em 1947, foiestruturada por Loureiro Fernandes no ano seguinte. No seuDepartamento de Cultura foi instituída a Divisão do Patrimônio Histórico,Artístico e Cultural, de cujo Conselho de Defesa emanou o Decreto Nº1.346 dispondo sobre os sambaquis do Paraná.

A saída de Loureiro Fernandes da Secretaria de Educação eCultura, em janeiro de 1949, deveu-se a uma série de modificações ealterações à sua proposta original de estruturação, principalmente notocante à representatividade do Conselho de Educação e Cultura. Oencaminhamento, à revelia, do ante-projeto modificado à AssembléiaLegislativa, motivou a manifestação de estranheza do secretáriodemissionário ao governador do Estado, pela alteração que conferia aoConselho um caráter classista contrariando, inclusive, as “Bases eDiretrizes da Educação Nacional.” (A PASSAGEM, 1948:68).

Um levantamento de sambaquis, para posterior tombamento, foiencomendado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artísticoe Cultural ao geólogo João José Bigarella. Desse trabalho resultaramdois artigos publicados nos “Arquivos de Biologia e Tecnologia” e uma“Planta geológica provisória”, com a localização de sítios arqueológicos(BIGARELLA, 1950/1a:231; 1950/1b:293; BIGARELLA; DOUBEK;SALAMUNI, 1957). Para finalizá-lo, devido à falta de recursos financeirosna Secretaria de Educação e Cultura, Bigarella teve que recorrer aoConselho Nacional de Pesquisas, Instituto de Biologia e PesquisasTecnológicas, Instituto de História Natural e Departamento de Geografia,Terras e Colonização. Dos 136 sítios levantados, quase todosrepresentados por sambaquis, nenhum foi tombado.5

_______________5 Fragmentos de recipientes cerâmicos foram detectados por Bigarella na

camada superficial de alguns sambaquis, indicando a sua reocupação por gruposportadores de tecnologias diferentes. Em dois sítios registrados, os restos da faunamalacológica estavam misturados com grande quantidade de cerâmica e foramdiferenciados pelo autor como “jazidas páleo-etnográficas”. A sua cerâmica foi atribuídaaos índios Guarani.

Referências anteriores à cerâmica arqueológica Tupiguarani eram escassasno território paranaense. No litoral, foram fornecidas por Ermelino de Leão (1919:237),Romário Martins, 1925:23 e Loureiro Fernandes (1947:14). Para o planalto havia registrosde Telêmaco Borba (1908) e enfoques mais consistentes de Virgínia D. Watson,em Ciudad Real del Guayrá, no oeste (1947:163) e Herbert Baldus, no nordeste(1951/2:1).

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JOSÉ LOUREIRO FERNANDES E A UNIVERSIDADEFEDERAL DO PARANÁ

Apesar de se terem voltado às cátedras na Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras, os reorganizadores do Museu Paranaense procuraramaproximá-lo da Universidade. “Por uma feliz associação de esforços entreo Museu e o Instituto de Pesquisas da Universidade do Paraná, ostrabalhos dos especialistas prosseguem, ao passo que nas suasacanhadas e velhas instalações do Museu há muito estacionou.”(FERNANDES; NUNES, 1956:17).

Permanecendo sob mandato universitário, entre 1952 e 1960, oMuseu Paranaense ainda editou os volumes 9 e 10 dos seus “Arquivos”(1952 e 1953) e lançou o primeiro número de uma nova série dos Arquivos,dedicando-o à Seção de Antropologia (1955).6

Decisiva para o projeto de Loureiro Fernandes foi a instalação,em 1950, do Instituto de Pesquisas na Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras. Este era composto por uma Diretoria, um Conselho Diretor eum Conselho Científico, destinando-se ao apoio e estímulo à pesquisacientífica no meio universitário (MENEZES, 1967:59).

Nesse novo contexto, ocorreram as primeiras abordagensarqueológicas feitas, na região planaltina, por paranaenses. No final de1951, motivado por uma comunicação feita por Arthur Barthelmess, oInstituto promoveu prospecções no sítio do Estirão Comprido, situado namargem esquerda do rio Ivaí, no então Município de Prudentópolis, hojeno Município de Cândido de Abreu. Foram realizadas por LoureiroFernandes, diretor do Instituto, na companhia de Oldemar Blasi, AryonDall’Igna Rodrigues, Arthur Barthelmess, Felipe de Souza Miranda e AndréMeyer.

O histórico corte-estratigráfico praticado revelou um sítio formadopor um depósito com cerca de 50cm de espessura, repleto de fragmentosde recipientes cerâmicos e ossos de animais. Restos ósseos humanosforam coletados junto a uma perturbação causada na área por moradoreslocais (FERNANDES; BLASI, 1956:74).

No ano seguinte foram executadas escavações estratigráficasno Sambaqui do Araújo II, localizado no município paranaense deGuaratuba. Para a coordenação dos trabalhos foi convidado, por LoureiroFernandes, o refugiado político iugoslavo conde Adam Orssich de Slávetich.

_______________6 Os números seguintes da nova série dos Arquivos do Museu Paranaense

vinculados à sua Seção de Antropologia vieram à luz a partir de 1963, quando o Museu jáestava subordinado à Secretaria da Educação e Cultura. Este ano marca, também, o iníciodas publicações da Seção de Arqueologia.

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Detentor de experiências em estudos arqueológicos na Europa e África,Orssich contou com a colaboração de sua esposa, dra. Elfriede Stadler,arqueóloga formada pela Universidade de Praga e que foi, durante váriosanos, assistente de Osvaldo Menghin no Instituto de Pré-História daUniversidade de Viena.

As pesquisas foram acompanhadas por Fernando Corrêa deAzevedo, Oldemar Blasi e Aryon Dall’Igna Rodrigues e, delas resultaramartigos publicados em periódicos do país e do exterior (ORSSICH, 1954:65;ORSSICH; ORSSICH, 1956:357). Elfriede Stadler Orssich publicou umartigo sobre as práticas funerárias observadas no sambaqui (1954:71).

José Loureiro Fernandes e a Arqueologia Brasileira

Corte-estratigráfico praticado no sítio do Estirão Comprido, na margemdo rio Ivaí, em 29 de dezembro de 1951. Na superfície: Oldemar Blasi(agachado), Arthur Barthelmess e Roberto Cellarius. No corte: AryonDall’Igna Rodrigues (Chapéu de palha), Loureiro Fernandes e AndréMeyer (Acervo do CEPA).

Relatórios que permaneciam inéditos nos arquivos do Centro deEnsino e Pesquisas Arqueológicas, foram divulgados em 1977, juntamente

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com a reedição dos anteriores (ORSSICH, 1977a:11; 1977b:61;ORSSICH, 1977c:69; ORSSICH, 1977:73).7

Após as escavações no Sambaqui do Araújo II, Orssichencaminhou, do Rio de Janeiro, uma correspondência a LoureiroFernandes manifestando o seu interesse em prosseguir os trabalhos nolitoral do Paraná. Na mesma oportunidade, baseado na sua largaexperiência como pesquisador, organizador de museus e no trato dopatrimônio cultural do seu país emitiu, a título de colaboração, váriassugestões relacionadas à organização de um centro voltado à arqueologia.Considerando que escavações pontuais, como as que realizara nosambaqui, pouco contribuíam para o esclarecimento da evolução culturalpré-histórica, aconselhou que o centro previsse estudos em áreas amplas,de longa duração, conduzidos por equipes multidisciplinares. Sugeriu,também, a criação de cátedras de arqueologia ou institutos de pré-histórianas universidades brasileiras, cujos membros seriam arqueólogos,antropólogos, geólogos, zoólogos, botânicos e outros interessados nosproblemas da arqueologia.

Comentou ainda que, como as instituições norte-americanas eeuropéias, a que viesse a ser criada no Paraná deveria contar combiblioteca especializada, museu, laboratórios para restauração,conservação e análise, salas para alunos em formação e paraconferências destinadas à divulgação do conhecimento e a publicaçãoregular dos resultados; frisou a necessidade de criação de postosavançados que auxiliariam nas prospecções e escavações(correspondência de 22.1.1953, arquivada no CEPA).

A organização existente na América do Norte e em países doVelho Mundo, apontada por Orssich, já era conhecida por Loureiro Fernandes

_______________7 Algumas das interpretações de Orssich, como a presença de buracos-de-estacas

relativos a estruturas habitacionais no sambaqui, causaram certa comoção entre osestudiosos da arqueologia brasileira, ocasionando o seu ostracismo. As críticas às idéiasde Orssich estão sintetizadas em um artigo de Paulo Duarte, da Comissão de Pré-Históriade São Paulo (1955:613).

As constatações de Orssich no Sambaqui do Araújo II, porém, continuaramlatentes. Ao preparar um resumo das atividades do CEPA para o Núcleo Regional deAntropologia no Paraná em 1961, Loureiro Fernandes referiu-se aos resultados dasescavações de Anette Laming-Emperaire no Sambaqui do Guaraguaçu, no tocante aohabitat: “Não se pôde determinar a existência de cabanas, mas, somente, a de solos dealguns metros quadrados, dos quais cuidadosamente foram removidos os resíduosconchíferos que se acumulavam na vizinhança. As evidências de algumas estacas foramobservadas de maneira muito esporádica e conseqüentemente não se pode falar em tiposde habitação.” (Arquivo do CEPA).

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através dos intensos contatos que mantinha com especialistas de váriasinstituições. Em 1952, tendo participado de reuniões internacionais emCambridge e Viena, teve a oportunidade de visitar centros de pesquisanaquelas cidades e em outros países assistindo, inclusive, escavaçõesque aconteciam em concheiro de Portugal. Desses contatos resultaramanotações e fotografias sobre as instituições.

As escavações pontuais, que começaram no sítio do EstirãoComprido e no Sambaqui do Araújo II, estendendo-se para outros nosanos seguintes, relacionavam-se mais ao ensino da prática arqueológica.Norteava-o a intenção de formar arqueólogos, com a colaboração deprofissionais oriundos de escolas diferentes.

As bases de apoio já eram por ele cogitadas, como a do antigoColégio dos Jesuítas, em Paranaguá, restaurado pelo Serviço doPatrimônio Nacional, e que, no seu projeto, além de sediar um museu,centralizaria os estudos no litoral; o laboratório que estava projetandojunto ao porto de passagem de Caiobá representaria, também, um postoavançado para as pesquisas na baía de Guaratuba.

A cátedra de arqueologia, que será comentada adiante, já haviasido proposta à Universidade pela sua Cátedra de Antropologia, sendoaprovada em 1953. Entre este ano e o seguinte, Loureiro Fernandesmanteve entendimentos com o CNPq para a instalação, em Curitiba, deum laboratório destinado às datações de sítios pelo método do Carbono 14.

Em 1954, tendo em vista o aceleramento das atividades, foi criadaa Seção de Arqueologia no Instituto de Pesquisas. Para chefiá-la, LoureiroFernandes convidou Fernando Altenfelder Silva, da Escola de Sociologiae Política de São Paulo. No mesmo ano Altenfelder coordenou, emcompanhia de Oldemar Blasi, Iroshi Saito e Vladimír Kozák os trabalhosno sítio do Estirão Comprido. Novas pesquisas nesse sítio sucederam-se alguns meses depois, quando os dois primeiros foram assistidos porCarlos de Araújo Moreira Neto (SILVA; BLASI, 1955:829).

As escavações começadas em 1954 no Estirão Comprido,sinalizando as primeiras amplas e controladas estratigraficamente emsítio cerâmico no Estado do Paraná, tiveram continuidade no ano seguinte.Os resultados parciais desses enfoques foram apresentados em 1958,durante a Terceira Reunião Brasileira de Antropologia, em Recife (SILVA,1959:113).

Pesquisas menores também foram praticadas pela Seção deArqueologia, como a realizada para a constatação de informações sobreenterros, em Monte Alegre, no interior do Paraná. Estas foram conduzidaspor Fernando Altenfelder Silva, Luiz de Castro Faria, Oldemar Blasi, Carlosde Araújo Moreira Neto e Ernesto Knauer (Relatório de dezembro de1954 - Arquivo do CEPA).

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No final de 1955, a Seção de Arqueologia passou a contar coma colaboração de Joseph Emperaire, pré-historiador francês ligado aoMusée de l’Homme. Emperaire havia sido encaminhado por Paul Rivetpara a Universidade de São Paulo, em virtude das gestões de PauloDuarte. Emperaire e sua esposa Annette Laming, também pré-historiadorafrancesa, incentivados por Loureiro Fernandes, realizaram escavaçõesestratigráficas no Sambaqui da Ilha dos Ratos, situado na baía deGuaratuba. Esses trabalhos, juntamente com os desenvolvidos no litoralde São Paulo, representaram um significativo avanço no estudo dossambaquis brasileiros (EMPERAIRE; LAMING, 1956:80; 1958:165;BIGARELLA, 1959:488).

Arqueólogos franceses Joseph Emperaire (à esquerda) e Annette Laming comLoureiro Fernandes, durante as pesquisas no Sambaqui da Ilha dos Ratos, nabaía de Guaratuba, em fevereiro de 1956 (Foto: O. Blasi - Acervo do CEPA).

Em 1956, Emperaire e Laming foram convidados por LoureiroFernandes para atender uma ocorrência arqueológica na região de Piraído Sul, no segundo planalto paranaense. Desse trabalho, que contoucom a participação de Oldemar Blasi, resultaram as primeiras informaçõessobre abrigos-sob-rocha contendo pinturas rupestres (LAMING;EMPERAIRE, 1956a:165; 1956b:337; 1968:81).

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Ao convidar os arqueólogos franceses, Loureiro Fernandesestava executando seu plano de diversificar as influências na prática daarqueologia. Já em 1954, ele havia solicitado a Fernando AltenfelderSilva nomes e perfis profissionais de arqueólogos norte-americanos quepudessem se engajar ao seu projeto (correspondência de 26.2.54 -Arquivo do CEPA). Essa intenção foi explicitada mais tarde quando,respondendo correspondência de Joseph Emperaire, declarou que“... há manifestações de Escolas, Técnicas e Métodos cuja influêncianão podemos deixar de sentir na dinâmica da ciência. Quer me parecerter sido este um dos motivos pelos quais o Conselho Científico do CEPAplanejou o rodízio anual de arqueólogos para que os bolsistas possamter contatos amplos com homens de ciência e principalmente, com suastécnicas e seus métodos a possibilitar a formação, nas nossas novasgerações, de indivíduos qualificados para os múltiplos sectores dainvestigação científica.” (Cópia de correspondência manuscrita, de 1957,arquivada no CEPA).

A carta havia sido motivada pelo desentendimento havido entreEmperaire e o arqueólogo Pierre Neuville, também contratado pelo CEPAem 1957. Joseph Emperaire pretendia ser o arqueólogo da Universidadedo Paraná, a mesma intenção manifestada antes por Adam Orssich,contrariando o pensamento de Loureiro Fernandes, que visava acolaboração de estrangeiros para a formação de profissionais brasileiros.

As pesquisas executadas pelos arqueólogos estrangeiros sempreforam acompanhadas por graduados brasileiros interessados nessavertente das ciências humanas. Não havia, entretanto, ensino formal dearqueologia. Objetivando sanar essa lacuna, Loureiro Fernandes, atravésda Cátedra de Antropologia e Etnografia do Brasil, propôs a criação daCátedra de Arqueologia Pré-Histórica na Universidade do Paraná. Aaprovação unânime da proposta pelo Conselho Técnico-Administrativoda Universidade, assim como de sua Congregação, em 1953, levou-o aconsiderar em documento encaminhado aos reitores das universidadesbrasileiras que “estamos certos que damos um primeiro passo para aformação de um arcabouço científico em relação à arqueologia no Brasil.”

Valendo-se, ainda, do Primeiro Congresso de Reitores dasUniversidades Brasileiras, realizado em Curitiba no mês de agosto de1953, Loureiro Fernandes, como diretor do Instituto de Pesquisas,apresentou documento apelando aos reitores reunidos que fosse votadauma moção em defesa dos sítios arqueológicos. Argumentando sobre anecessidade da mudança de alguns cursos no âmbito das faculdades defilosofia, instituídos com base no Decreto-Lei Nº 1.190/39 e superadospelos progressos realizados, Loureiro Fernandes apontava para umareestruturação que permitisse a especialização e a investigação científica.

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Encareceu, também, no mesmo documento, a necessidade dofuncionamento da Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica “como ocorrenas organizações universitárias européias e de outros paizes da América(...). A Universidade Brasileira prestará ao estudo científico do nossopassado um serviço da mais alta relevância, pois, a par da citada Cátedrasurgirão os organismos técnicos e formar-se-ão os cientistas que irãocriar a verdadeira pré-história brasileira.” (Arquivo do CEPA).

No desenrolar do Terceiro Congresso Regional de História eGeografia do Paraná, igualmente realizado em Curitiba naquele ano, osseus participantes encaminharam ao Reitor da Universidade do Paranámoção enfatizando o interesse da inclusão, nos planos de trabalho daCátedra de Arqueologia Pré-Histórica, a pesquisa arqueológica noslocais onde existiram as reduções jesuíticas e vilas espanholas noParaná.

Outra moção, desta vez redigida por pré-historiadores reunidosem 1954 na cidade de São Paulo, durante o 31º Congresso Internacionalde Americanistas e que também contou com a participação de LoureiroFernandes, encarecia aos poderes competentes do país a importânciada cadeira de arqueologia pré-histórica nas faculdades de filosofia dasuniversidades brasileiras. Salientava, ainda, o documento, a necessidadedo estudo dos sítios arqueológicos tão ameaçados de destruição, porpesquisadores adequadamente preparados e treinados nas modernastécnicas de escavação.

Quando submetida a plenário, a moção recebeu ponderaçõesdo representante oficial da Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoalde Nível Superior sobre o risco de criação, em todas as faculdades defilosofia, da cátedra de arqueologia pré-histórica sem que se dispusessede profissionais competentes para o exercício da função. O pensamentoreinante no plenário, sintetizado por Loureiro Fernandes, era o de que“as cátedras poderiam ser desempenhadas por indivíduos imbuídos daidéia de cultura geral” (...) “mais uma cátedra para proporcionar o tipode aula de sobrecasaca, teórica, erudita, enfática e inútil.” (Arquivo doCEPA).

Reconhecendo-se a gravidade desse risco foi sustada, na esferada Administração Federal, a criação das cátedras de arqueologia pré-histórica nas faculdades de filosofia, como havia sido preconizadaoriginalmente pela Cátedra de Antropologia e Etnografia do Brasil daUniversidade do Paraná. O consenso foi pela formação prévia deespecialistas. Nesse sentido, os entendimentos mantidos por LoureiroFernandes com o Conselho Nacional de Pesquisas, a Divisão de EnsinoSuperior e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal deNível Superior, culminaram com a criação do Centro de Ensino e

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Pesquisas Arqueológicas, em 1956.8

Na portaria Nº 898, assinada pelo reitor Flávio Suplicy de Lacerdaem 5 de dezembro de 1956 instituindo o CEPA figura, porém, como uma desuas finalidades, a manutenção de uma Cátedra de Arqueologia Pré-Histórica,sinalizando que, para Loureiro Fernandes, apesar da solução encontrada,a Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná deveria tê-la.

A primeira reunião dos Conselheiros do Centro de Ensino ePesquisas Arqueológicas realizou-se no dia 23 de fevereiro de 1957, nasede do Instituto de Pesquisas, então situado no Edifício Bandeirantes,na rua 15 de Novembro, número 1.050.

Abrindo a sessão, Loureiro Fernandes, que havia sido aclamadocomo diretor do Centro pelos conselheiros empossados durante ato formalna Reitoria da Universidade, salientou a necessidade do esforço de todospara levar a bom termo a tarefa da formação, no Paraná, de um centronacional de pesquisas arqueológicas. Adiantou que, credenciado peloReitor, já havia mantido contatos com o sub-diretor do ProgramaUniversitário da CAPES, obtendo o auxílio inicial daquela instituição paraa manutenção do curso. Do Conselho Nacional de Pesquisas procederiamos recursos especiais para aquisição de equipamentos, bibliografiaespecializada e execução de trabalhos de campo.

Na Ata consta o programa do primeiro Curso de ArqueologiaPré-Histórica, detalhado por Joseph Emperaire e Annette Laming,arqueólogos contratados para a sua coordenação. Compreenderia“Métodos de escavações e pesquisas de laboratório”, “Registro dedocumentos arqueológicos”, “Noções de geologia do Quaternário”,“Evolução biológica e cultural da humanidade”, “Povoamento da Austrália”e “Povoamento da América”, entre outros tópicos.

Foi apresentado, também, um plano para as pesquisas de campo:a continuidade das escavações no Sambaqui da Ilha dos Ratos e o iníciode escavações, em grande escala, no Sambaqui do Guaraguaçu.Deliberou-se sobre a necessidade de prospecções que levassem àdescoberta de sítios relacionados a ocupação humana “muito antiga”no planalto paranaense.

Assinaram o Livro de Atas, cujo Termo de Abertura foi redigidopelo próprio diretor do Centro, com as páginas “tipograficamentenumeradas e (...) por mim rubricadas com a rubrica ‘Dr. Loureiro’ deque faço uso”, o Presidente da Sessão, José Loureiro Fernandes eosConselheiros Fernando Altenfelder Silva e Luiz de Castro Faria.

_______________8 Ao encaminhar correspondência para o encarregado do Programa Universitário da

CAPES, em 14 de junho de 1956, Loureiro Fernandes apresentou o projeto de um Centrode Ensino e Pesquisas Arqueológicas e de Paleontologia Humana (Arquivo do CEPA).

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Portaria de criação do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, naUniversidade do Paraná.

A Ata apresenta uma data posterior a da reunião em Curitiba, incluindo aassinatura do Conselheiro Paulo Duarte, em São Paulo, no dia 26 denovembro de 1957. A ausência desse conselheiro à sessão do dia 23 defevereiro daquele ano foi justificada pelo Presidente, que externou o seu

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reconhecimento ao representante da Comissão de Pré-História de SãoPaulo, como “um dos grandes propugnadores em prol dos estudos pré-históricos no Brasil.”

Para o primeiro curso, iniciado em 23 de março de 1957,inscreveram-se 48 alunos. Doze eram graduados, especialmente emGeografia e História. Os demais alunos eram graduandos de Geografiae História, Didática, História Natural, Ciências Sociais, Medicina eQuímica Industrial, predominando os primeiros.

Constituído por três partes - Teoria, Pesquisas de campo eTrabalhos de laboratório - , o curso dava direito, após a submissão doaluno às provas escrita e oral, a um certificado de freqüência, quando asua participação limitava-se a primeira parte do programa. O certificadode aproveitamento foi conferido aos que participaram de todo o curso ese submeteram, também, às provas práticas. No campo, esses alunosforam mantidos através de bolsas.

Entre os vários sítios litorâneos abordados durante o curso,destacaram-se o Sambaqui da Ilha do Corisco, na baía de Antonina, e oSambaqui do Guaraguaçu, na baía de Paranaguá, nos quais foramrealizadas escavações. No planalto foram praticadas prospecçõesnosarredores de Curitiba, com a localização de casas subterrâneas noMunicípio de Campo Largo (BLEY JR., 1976:255; 2002:56).9

Na margem do rio Ivaí, no Município de Cidade Gaúcha, atualMunicípio de Guaporema, escavações foram executadas em José Vieira,um importante sítio formado por grupos ceramista e pré-ceramistaatestando-se, através deste, a ocupação humana “muito antiga” doParaná. Os trabalhos foram conduzidos pelos coordenadores do curso econtaram com a participação de bolsistas do CEPA.

No ano seguinte, dois cursos foram estruturados, um sobre“Fundamentos de Arqueologia”, prelecionado por Oldemar Blasi e, outro,de “Introdução à Pré-História da América”, a cargo de Wesley R. Hurt.Este incluíu aulas de campo, aproveitando-se as escavações coordenadaspelo arqueólogo da Universidade americana de South Dakota no Sambaquido Macedo, em Paranaguá, das quais participaram Oldemar Blasi, JoséWilson Rauth, Margarida Davina Andreatta, Maria José Menezes e Mariada Conceição de Morais.

_______________9 Algumas dessas pesquisas contaram com a participação do arqueólogo Louis

Denie Marie Pierre Neuville, um refugiado político francês que se havia manifestado favorávelà independência da Argélia. Paulo Duarte pretendia incluí-lo nas atividades da Comissãode Pré-História de São Paulo mas, na impossibilidade de efetivá-lo no momento, encaminhou-o à Universidade do Paraná que o manteve por contrato durante o segundo semestre de1957. Foi este um período de muitas desavenças com Joseph Emperaire, especialmentepor motivos de ordem política.

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Um curso sobre “Teoria e Método em Arqueologia” foiprelecionado por Luiz de Castro Faria no segundo semestre de 1958,para os alunos que freqüentavam as aulas de Hurt.

Wesley R. Hurt ministrou, ainda, no primeiro semestre de 1959,novo “Curso de Arqueologia Pré-Histórica” enfocando, principalmente,técnicas de escavação e classificação de material arqueológico.

Entre meados de 1959 e de 1960 o CEPA, atendendo anecessidade que tinham os bolsistas e alunos dos cursos anteriores emadquirir conhecimentos mais seguros no domínio das ciências naturais,organizou um plano de aulas sobre as ciências correlatas com aarqueologia. O curso implantado, de “Arqueologia Pré-Histórica e CiênciasAfins”, compreendeu vários tópicos: “Elementos de Geologia”,“Considerações Gerais sobre as Faunas de Mamíferos da América doSul”, “Moluscos Comestíveis do Brasil”, “Fitogeografia Geral e Especial”,“Diatomáceas na Arqueologia”, “Geologia e na Atualidade”, “Introduçãoà Palinologia e suas Implicações” e, “Zoogeografia e Caracteres Geraisde Chordata e Diferenciais das Classes.”

Esses tópicos foram desenvolvidos por professores da própriaUniversidade do Paraná: João José Bigarella, Riad Salamuni, HansJakobi, Ralph Hertel, Hermes Moreira Filho, Rubens Elke Braga, JesusMoure e Rudoph B. Lange, este da Faculdade Católica de Filosofia.

Os tópicos relacionados à arqueologia, “As Técnicas de Campoe Laboratório”, “Indústrias Pré-Históricas do Brasil Meridional e suaClassificação”, “O Problema dos Sítios de Superfície” e “Arqueologia daBacia Amazônica”, estiveram à cargo de Oldemar Blasi, do MuseuParanaense e Secretário do CEPA, Annette Laming-Emperaire, que haviavoltado ao Paraná após a trágica morte de Joseph Emperaire na PatagôniaChilena, Fernando Altenfelder Silva, da Universidade de São Paulo ePeter Paul Hilbert, do Museu Paraense Emílio Goeldi.

Entre 1959 e 1960, acompanhada por bolsistas do CEPA, AnnetteLaming-Emperaire deu continuidade às escavações no Sambaqui doGuaraguaçu e no sítio José Vieira.

Tendo organizado, desde 1955, as expedições da Universidadedo Paraná para o estudo dos índios Xetá na Serra dos Dourados, LoureiroFernandes promoveu, em 1960, a ida da pré-históriadora francesa aonoroeste do Paraná. Viu, Loureiro Fernandes, uma oportunidadeexcepcional para a abordagem arqueológica da tecnologia ainda presenteentre aqueles remanescentes indígenas. A própria pré-historiadoraexternou a sua emoção com o contato mantido, que lhe proporcionou“...uma experiência maravilhosa estudar, na sua realidade viva e complexa,o que os arqueólogos conheciam normalmente através de vestígios inertesdo passado. Tipologia, fabricação, utilização, subitamente, tornaram-se

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gestos cotidianos, acompanhados de gritos, risos, de bom ou mau humor,da chuva ou do Sol (...) O bom estado do gume verificado pelo ensaiodo dedo no fio do instrumento e demonstrado por um sorriso satisfeito,e o utensílio quebrado por uma exclamação de mau humor.” (LAMING-EMPERAIRE; MENEZES; ANDREATTA, 1978:22). Ao regressar daspesquisas na Serra dos Dourados, Annette Laming-Emperaire coordenounovo “Curso de Arqueologia Pré-Histórica.”

Em 1960, ainda, a disciplina Arqueologia Pré-Histórica, baseadano programa do curso de 1957, foi incorporada ao Departamento deAntropologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, “objetivoprecípuo para o qual o CEPA fôra criado: criar definitivamente naUniversidade do Paraná o ensino (...) da Arqueologia Pré-Histórica, embases de poder prestar aos estudiosos desses problemas e às pesquisassobre nossos sítios, o concurso que se espera de uma organizaçãouniversitária dessa natureza.” (Relatório de 9.9.1960 - Arquivo doCEPA).

Desde 1961, quando o antigo Curso de Geografia e História foidesmembrado constituindo o Curso de Geografia e o Curso de História,até 1963, a disciplina Arqueologia Pré-Histórica foi lecionada porLoureiroFernandes para os seus alunos. Essa disciplina ainda figura noelenco das ofertadas pelo Departamento de Antropologia do atual Setorde Ciências Humanas, Letras e Artes. Novas disciplinas de arqueologiaforam estruturadas posteriormente, para atender as demandas de cursosde graduação e pós-graduação na Universidade.

Datações pelo método do Carbono-14 foram obtidas comamostras dos sítios trabalhados no Paraná até meados da década de1960. Os sambaquis pesquisados por Annette Laming, Joseph Emperaire,Wesley R. Hurt, Oldemar Blasi, Maria José Menezes, Margarida DavinaAndreatta e José Wilson Rauth abrangeram, através dessas datações,uma faixa temporal entre 410 d.C. (Sambaqui da Ilha dos Ratos) e 4590a.C. (Sambaqui do Ramal).

No planalto, as datações relacionaram-se a ocupações decaçadores-coletores generalizados e ceramistas horticultores, referindo-se às escavações de Annette Laming, Joseph Emperaire e Igor Chmyz:4735 a.C., para o Nível VIII do sítio José Vieira, 570 d.C. e 970 d.C.para sítios da tradição Tupiguarani e 1150 d.C. para sítio da tradiçãoCasa de Pedra.

Os cursos continuaram sendo promovidos pelo CEPA nos anosseguintes, mas dentro de novas perspectivas e dirigidas a um númeromais reduzido de interessados, tendo em vista que a disciplina ArqueologiaPré-Histórica supria as necessidades dos cursos regulares. Destinavam-se, os novos, a graduados e graduandos com alguma experiência em

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pesquisa arqueológica, que tinham, assim, a oportunidade de consolidaros seus conhecimentos teóricos e práticos. Desejava-se, também, queos cursistas desempenhassem um papel multiplicador nas suas regiõesde origem.

Nesses moldes implantou-se, em 1962, o “Curso Intensivo deArqueologia Pré-Histórica.” Compreendeu três meses de aulas teóricas,prelecionadas pelos pesquisadores do CEPA e um convidado, e trêsmeses de campo. Esta atividade foi coordenada por Annette Laming-Emperaire, com participantes do Rio Grande do Sul (Pedro IgnacioSchmitz, do Instituto Anchietano de Pesquisas e José J. ProenzaBrochado, da UFRGS), de Santa Catarina (Walter Fernando Piazza, daUFSC e João Alfredo Rohr, do Colégio Catarinense), do Paraná (MariaJosé Menezes, Margarida Davina Andreatta e Igor Chmyz, do CEPA e,Temístocles dos Santos Júnior, do Departamento de Terras e Colonização),de São Paulo (Marilene A.F. da Costa) e do Rio de Janeiro (Maria daConceição de Moraes e Maria Andrea R. Loyola, do Museu Nacional e,Ondemar Ferreira Dias Júnior, do Instituto Brasileiro de Arqueologia).

Abertura do Curso Intensivo de Arqueologia Pré-Histórica na Reitoria daUFPR, em julho de 1962, com a presença dos participantes externos. Daesquerda para a direita: Ondemar Ferreira Dias Jr, João Alfredo Rohr, WalterFernando Piazza, José Proenza Brochado, Marilene A. F. da Costa, MariaAndréa R. Loyola e Pedro Ignácio Schmitz. No centro: José LoureiroFernandes, diretor do CEPA e Flavio Suplicy de Lacerda, reitor da UFPR(Foto da Assessoria de Imprensa da UFPR - Acervo do CEPA).

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Cada mês de campo foi dedicado a um sítio paranaenseselecionado previamente: o Sambaqui do Toral, localizado na baía deParanaguá, o Sambaqui do Porto, situado na Ilha dos Rosas, baía deAntonina e a Gruta do Wóbeto, que havia sido descoberta no TerceiroPlanalto paranaense e parcialmente estudada em 1960. Os Sambaquiscitados foram escolhidos porque apresentavam, segundo Laming-Emperaire, características que os relacionavam a momentos distintosda ocupação humana do litoral. O Sambaqui do Porto foi considerado omais antigo e tinha a sua base situada abaixo do nível atual do mar; a suaescavação apresentou dificuldades de ordem técnica, sendo preciso orecurso de bomba de sucção.

Durante os trabalhos executados nos sambaquis, a equipepermaneceu alojada nas instalações do Museu de Arqueologia e ArtesPopulares, que Loureiro Fernandes inauguraria em 1963 no antigo Colégiodos Jesuítas de Paranaguá. Nas suas dependências, também,especialmente no começo da noite, transcorriam as tarefas de laboratório,como limpeza e marcação das peças, seu estudo e elaboração degráficos, além das discussões dos problemas inerentes às pesquisas.As peças e os dados obtidos na escavação da Gruta do Wóbeto foramtrabalhados no laboratório do CEPA, em Curitiba.

A produção resultante das pesquisas desenvolvidas nos cursosanteriores foi manipulada nas instalações do Museu Paranaense, na RuaBuenos Aires, 200, pois nem a Seção de Arqueologia do Instituto dePesquisas nem o CEPA no seu início dispunham de espaçosadequados para as práticas laboratoriais e estocagem. Os acervosreunidos em todos os cursos e projetos acabaram, por isso,depositados no Museu Paranaense, no Museu de Arqueologia e ArtesPopulares e no CEPA.

O curso realizado em 1964, denominado “Seminário de Ensinoe Pesquisa em Sítios Cerâmicos”, há muito vinha sendo planejado porLoureiro Fernandes. Na primeira sessão do Conselho Científico do CEPA,Fernando Altenfelder Silva manifestara-se sobre a necessidade de umenfoque das técnicas de estudo em sítios cerâmicos que estavam emandamento nos Estados Unidos. Altenfelder referia-se ao métodoquantitativo para estabelecer cronologias culturais, impulsionado porJames A. Ford. Este autor havia construído seqüências seriadas comcerâmicas peruanas no final da década de 1940. Clifford Evans e BettyJ. Meggers o haviam empregado, no Pará e Amapá, na mesma época. Opróprio Altenfelder participou, em 1961, de um seminário sobre o métodoquantitativo, em Barranquilha, na Colômbia, chegando a aplicá-lo, emseguida, com coleções cerâmicas do Estirão Comprido, Ciudad Real delGuayrá, São Carlos e Piracicaba (SILVA, 1961/62:377).

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Loureiro Fernandes tentou, em várias ocasiões, realizar um cursoque possibilitasse a Evans e Meggers, a exposição e a prática daquelametodologia para brasileiros. Durante o 31º Congresso Internacional deAmericanista, ocorrido em 1954 em São Paulo, Loureiro Fernandesinsistiu, junto aos dois arqueólogos norte-americanos presentes, sobre aconveniência do curso. Não foi ainda possível, porque “uma série desituações (...), desde a falta de estudantes qualificados e interessadosem arqueologia [grifo nosso], até nossas pesquisas de campo[planejadas], impediu que aceitássemos o convite. Contudo, a persistênciado Dr. Loureiro Fernandes não esmorecia, renovando o convite quasetodos os anos.” (EVANS, 1967:7). As condições para que o cursoacontecesse surgiram em 1964, em parte graças à formaçãoproporcionada pelo CEPA, nesse meio-tempo, a uma parcela dosparticipantes. Dos 11 inscritos para o Seminário, oriundos do Pará, RioGrande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarinae Rio Grande do Sul, seis haviam freqüentado seus cursos anteriormente.

Para o Seminário foram utilizadas coleções provenientes depesquisas feitas nas margens do rio Paranapanema, em São Paulo eParaná, nas imediações da Usina Hidrelétrica Salto Grande e, que secaracterizavam como estudo de área ampla (CHMYZ et alii, 1968:8).10

As práticas de laboratório começaram no CEPA e prosseguiram noMuseu de Arqueologia e Artes Populares, que na época oferecia melhorescondições de trabalho para o grupo, bem como de alojamento,favorecendo o seu entrosamento.

Durante o Seminário, com o material procedente do vale do rioParanapanema, definiu-se a fase Cambará, relacionada à tradiçãoarqueológica Tupiguarani. Das discussões mantidas pelos participantessurgiu um glossário, com a definição de termos ligados, principalmente,aos sítios cerâmicos. Delas resultou, também, a estruturação de um projetocoordenado em onze estados brasileiros.

_______________10 Vários alunos dos cursos do CEPA deram prosseguimento a sua formação,

estagiando em instituições estrangeiras ou passaram a realizar pesquisas de campo emsuas áreas de origem. Alguns do Paraná, nos intervalos dos cursos, levaram adiante asescavações nos locais utilizados como sítios-escola e, outros, desenvolveram pesquisasem novos sítios (ANDREATTA, 1968; CHMYZ, 1961/2; 1962; 1963a; 1963b; 1964a; 1964b;1967; 1968a; 1968b; MENEZES, 1968; RAUTH; 1962; 1963; 1968).

No período em que o Museu Paranaense esteve sob mandato universitário,Oldemar Blasi realizou, com financiamento ou intermediação do CEPA, pesquisas nossítios de Três Morrinhos e J. Lopes (BLASI, 1961; BLASI; CHMYZ, 1963) e, iniciou osestudos em Vila Rica do Espírito Santo (BLASI, 1963b). A abordagem que havia sido feitaem Barracão e Dionísio Cerqueira (Paraná - Santa Catarina), por Joseph Emperaire eVladimír Kozák em princípios de 1957 (LAMING; EMPERAIRE, 1959:114), foi continuadapoucos anos depois por aquele autor (BLASI, 1965).

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Denominado Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas(Pronapa), o projeto foi desenvolvido pela maioria dos integrantes doSeminário e por outros que dele não participaram. Alguns pesquisadoresque não haviam integrado o Seminário ou o Pronapa, realizaramposteriormente estágios no CEPA e em outras instituições, junto aostrabalhos do Programa, passando a utilizar o método quantitativo para oestabelecimento de cronologias culturais.

Em ritmo intenso, os dados obtidos foram analisados einterpretados, sendo elaboradas notas prévias sintetizando a produçãoanual. Até 1973, embora as pesquisas tivessem sido realizadas entre1965 e 1970, o Programa manteve reuniões para a troca de informaçõese resolução de problemas surgidos.

Instalação do Seminário de Ensino e Pesquisa em Sítios Cerâmicos, emoutubro de 1964, na Reitoria da Universidade Federal do Paraná. Daesquerda para a direita: Walter Fernando Piazza, Mário Ferreira Simões,Nássaro A. de Souza Nasser, Ondemar Ferreira Dias Júnior, João AlfredoRohr, Valentin Calderón, Maria Heloisa Fenelon Costa, Igor Chmyz, BettyJ. Meggers, José Nicolau dos Santos (Reitor), Clifford Evans, JoséLoureiro Fernandes, Maria Lúcia Fleury da Rocha, Helena Isabel Müellere Fernando Altenfelder Silva (Foto da Assessoria de Imprensa da UFPR -Acervo do CEPA).

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Com exceção da “Terminologia arqueológica brasileira para acerâmica”, que teve dois ensaios publicados pelo CEPA (1966 e 1969)e, a versão corrigida e ampliada, pelo MAAP (1976), os demais produtosdo Programa foram divulgados pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, nasérie de Publicações Avulsas (de 1967 a 1974). Individualmente ou emconjunto, outros artigos gerados pelo Pronapa foram veiculados atravésde periódicos do país e exterior.

A multiplicação de fases, estabelecidas em decorrência dosestudos do Pronapa e de outros pesquisadores, levou à organização deum “Índice das fases arqueológicas brasileiras” por Mário F. Simões(1972), do Museu Paraense Emílio Goeldi. Esta Instituição editou, também,o “Guia para prospecção arqueológica no Brasil”, elaborado por CliffordEvans e Betty J. Meggers (1965).

O Pronapa criou, ainda, um sistema trimonial para a designaçãode sítios arqueológicos que, por meio de siglas, possibilitava a sua rápidaidentificação e localização no espaço brasileiro. Essa produção foiencaminhada ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,em 1968, e aprovada. As “Áreas da Amazônia Legal Brasileira parapesquisa e cadastro de sítios arqueológicos”, confeccionadas por MárioF. Simões e Fernanda de Araújo-Costa dentro desse sistema, foramdivulgadas pelo Museu Goeldi, em 1978. Os demais mapas dos estadosbrasileiros divididos em áreas para os mesmos propósitos, não forampublicados.

Loureiro Fernandes desejava editar os relatórios preliminares doPronapa, tendo em vista que este se originara de um curso por eleorganizado; considerou a sua publicação através do Museu ParaenseEmílio Goeldi como uma demonstração de desprestigio, por parte deseus coordenadores, aos esforços do CEPA em prol da arqueologiabrasileira. Em 1966 Loureiro Fernandes afastou-se da direção do CEPA,dedicando-se ao MAAP e a outros afazeres.11

Nesse mesmo ano, Annette Laming-Emperaire voltou a colaborarcom o CEPA, ministrando o “Seminário de Ensino e Pesquisas em SítiosPré-Cerâmicos”, cujas práticas de campo transcorreram junto ao Sambaqui

_______________11 Clifford Evans, um dos coordenadores científicos do Pronapa, ao historiá-lo na

introdução do primeiro volume dos resultados preliminares, esclareceu que o MuseuParaense Emílio Goeldi fora designado pelo Conselho Nacional de Pesquisas, como seuagente, para a coordenação técnica do Programa, a ele atribuindo, também, aresponsabilidade pela divulgação dos resultados científicos gerados (1967:12). O MuseuParaense estava subordinado, desde 1954, através do Instituto Nacional de Pesquisas daAmazônia, ao Conselho Nacional de Pesquisas. Esta Entidade, em sintonia com oPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, havia aprovado o Programa financiado pelaSmithsonian Institution de Washington D.C., tornando-se seu co-patrocinador.

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do Porto, na baía de Antonina e, de laboratório, nas instalações do MAAP.Contou com a participação de pesquisadores do Rio Grande do Sul (PedroIgnacio Schmitz, do Instituto Anchietano de Pesquisas), de Santa Catarina(João Alfredo Rohr, do Museu do Homem do Sambaqui e Anamaria Beck,da UFSC), do Paraná (Margarida Davina Andreatta, Igor Chmyz e CelsoPerota, do CEPA), do Rio de Janeiro (Braz F. R. S. Winkler Pepe, doInstituto de Arqueologia Brasileira) e de Pernambuco (Marcos A. G. deMatos de Albuquerque, da UFPE).

Na ocasião, João Alfredo Rohr teve a oportunidade de demonstrara técnica para a retirada de blocos-testemunho que desenvolvera emsítios de Santa Catarina. Um dos enterros escavados no Sambaqui doPorto foi por ele cimentado e removido, figurando nas exposições doMAAP, como documento de prática funerária. A técnica de Rohr foidivulgada pelo CEPA, em 1970.

Termos relacionados à tecnologia lítica foram discutidos duranteo seminário, resultando na publicação, pelo CEPA, de um “Guia para oestudo das indústrias líticas na América do Sul.” (LAMING - EMPERAIRE,1967).

As pesquisas que haviam sido realizadas em 1964 e 1965 juntoà barragem da UHE Salto Grande, nas margens do Paraná e São Paulono rio Paranapanema, levaram a um novo direcionamento as pesquisasdo CEPA. A constatação, a partir desse momento, da existência degrandes espaços territoriais ameaçados por futuros empreendimentoshidrelétricos, motivou a estruturação de projetos de salvamento.

O resgate arqueológico do vale do rio Itararé, na parte afetadapela construção da UHE Xavantes (USELPA/CESP), foi desenvolvidoentre 1965 e 1968, abrangendo as margens de São Paulo e Paraná. Em1965 foram resgatados, ainda, sítios encontrados na área prioritária daUHE Salto Grande, no médio rio Iguaçu (COPEL).

Paralelamente, as pesquisas do Pronapa no Paraná, executadasem trechos selecionados dos rios Paranapanema, Ivaí, Tibagi, Iguaçu eParaná incluindo, conforme o caso, as margens limítrofes dos estadosde São Paulo, Mato Grosso (do Sul) e Santa Catarina impediram, até ofinal da década, que o CEPA continuasse realizando os seus tradicionaiscursos. Não deixou, entretanto, de contribuir para o treinamento depessoal, pois admitia acadêmicos e graduados como estagiários nosprojetos de salvamento e no Pronapa.

Desde o final de 1964, também, o CEPA passou a colaborarcom o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), emfunção da Lei Nº 3.924/61. Loureiro Fernandes foi designado, por meiode portaria, como delegado do IPHAN para assuntos de arqueologia noEstado do Paraná. Permaneceu nessa função até 1968, sendo substituído

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por Maria José Menezes, na faixa litorânea, e por Igor Chmyz, no planalto.Este, a partir de 1972, acumulou a delegação recebida do IPHAN tambémna faixa litorânea, exercendo-a até 1987, quando aquele Instituto foireorganizado, com o estabelecimento de coordenadorias regionais.

Em 1972, durante a implantação da reforma nas universidadesfederais, o CEPA, que estivera ligado ao extinto Instituto de Pesquisas,desejando se adequar à nova estrutura, solicitou a sua vinculação àUniversidade como Órgão Suplementar. No final do mesmo ano, porém,o MAAP, então subordinado à Reitoria da Universidade, foi oficializadocomo seu Órgão Suplementar, tendo o seu Regimento Interno aprovadono ano seguinte. Caracterizou-se, assim, no tocante à arqueologia, aduplicidade de funções sob a égide da mesma unidade administrativa. Ogrupo de trabalho designado pela Reitoria para estudar o impasse, opinoupela extinção do CEPA.

Nesse meio-tempo, o “Curso de Técnicas ArqueológicasAplicáveis a Sítios Pré-Cerâmicos”, que estava sendo organizado peloCEPA para ser ministrado por Annette Laming-Emperaire, foi executadopelo MAAP, entre 25 de junho e 20 de julho de 1973, com a colaboraçãodo IPHAN. Destinou-se a arqueólogos e graduados em História, Geografiae Ciências Sociais e, foi chancelado pelo Conselho de Ensino e Pesquisada UFPR, na categoria do Curso de Aperfeiçoamento, equivalendo a 5créditos.

As aulas de campo transcorreram no sítio PR P 30: Sambaquido Centenário, um sítio encontrado intacto na mata circundante da baíade Paranaguá. As peças procedentes das escavações foram lavadas,numeradas e analisadas no próprio local, em laboratório armado ao ladodo acampamento estabelecido nas imediações do sítio.12 A elaboraçãodo relatório técnico-científico do curso pelos participantes, ocorreu nasdependências do MAAP.

O curso teve, pela primeira vez na história dos promovidos emarqueologia pela UFPR, alunos estrangeiros: Magdalena Carrillo Cruz,do Colégio M. Manuela Cañizares, de Quito, Equador e Miguel MendesGutierrez, da Universidade de Cauca, em Popayán, Colômbia. A primeiraera bolsista do Itamaraty para pós-graduação em Antropologia Social naUniversidade de São Paulo.

Os demais participantes procederam do Rio Grande do Sul (FernandoLa Salvia, da Universidade de Caxias do Sul e Arno Alvarez Kern, da UFRGS),

_______________12 As grandes barracas de lona foram cedidas e armadas por determinação do

Comando da Base Aérea de Curitiba. Reconhecida, a equipe do curso deliberou mudar onome Aroeira, dado originalmente ao sítio, para Centenário como uma homenagem aocentenário de nascimento de Alberto Santos Dumont.

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Participantes do Curso de Aperfeiçoamento em Técnicas ArqueológicasAplicáveis a Sítios Pré-Cerâmicos, em julho de 1973, sobre o Sambaqui doCentenário. Sentados, da esquerda para a direita: Magdalena Carrillo Cruz,Dalvina Henriqueta Meneghel Abarca, Edna Luísa de Melo, Celso Perota,Ana Lúcia Costa Machado, Fernando La Salvia e Lília Maria TavaresCheuiche. Em pé: Miguel Mendes Gutierrez, Sidney Anthonioz, Lehel deSilimon, José Loureiro Fernandes, Annette Laming-Emperaire, Arno AlvarezKern, Sérgio Schmitz, Maria das Graças Cassaroto, Eneida Maria CherinoMalerbi, Afonso Imhof e Igor Chmyz (Foto da Assessoria de Imprensa daUFPR - Acervo do CEPA).

Santa Catarina (Afonso Imhof, do Museu Arqueológico de Sambaqui,Joinville e Sérgio Schmitz, da Fundação Educacional do Sul, Tubarão),Paraná (Igor Chmyz, da UFPR e Dalvina Henriqueta Meneghel Abarca,da Faculdade de Filosofia de Paranaguá), São Paulo (Eneida MariaCherino Malerbi), Rio de Janeiro (Lília Maria Tavares Cheuiche, do Institutode Arqueologia Brasileira), Espírito Santo (Celso Perota, da UFES), Goiás(Edna Luisa de Melo do Museu Antropológico/UFGO), Mato Grosso, (Lehelde Silimon, do Museu Rondon/UFMT e CODEMAT) e Pará (Ana Lúcia CostaMachado, do Museu Paraense Emílio Goeldi). Foram admitidos, ainda, doisalunos especiais: Maria das Graças Cassaroto, acadêmica do Curso deHistória da UFPR e estagiária do CEPA e, Sidney Anthonioz, aluna de

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Laming-Emperaire na École Pratique des Hautes Études, em Paris.Três pesquisadores brasileiros eram bolsistas do CNPq.

Loureiro Fernandes vivia em constante preocupação, diante dasdificuldades encontradas para manter o MAAP funcionando após a suainauguração. Aberto à visitação pública graças ao convênio assinadoentre a UFPR e o IPHAN, o MAAP esteve ameaçado, logo em seguida,de fechar suas portas devido à falta de apoio institucional. Paliativamente,uma solução foi encontrada, através de um convênio, possibilitando queo Museu tivesse as suas necessidades mínimas supridas pela PrefeituraMunicipal de Paranaguá. Tentativas haviam sido feitas por ele para a filiaçãodo MAAP ao Departamento de Antropologia, então no Instituto de Filosofia,Ciências Humanas e Letras. Esperava que os professores do Departamentose encarregassem das pesquisas e, assim, mantivessem o Museu atuante.

Nesse contexto, a duplicidade de funções entre o CEPA e o MAAPconfigurava-se, para Loureiro Fernandes, como mais uma ameaça àcontinuidade do seu último empreendimento. Essa angústia erainsistentemente explicitada nas conversações que mantinha com o diretordo CEPA.

Combalido em conseqüência de uma grave lesão circulatória epela falta de receptividade da Universidade aos assuntos do Museu,Loureiro Fernandes ainda perseguia obstinadamente os seus ideais.Como sempre procedera junto aos antigos cursos do CEPA, visitandoalunos e equipes de pesquisa nos sítios-escola para conversar e seinteirar dos resultados, também esteve presente no Sambaqui doCentenário, apesar das dificuldades que tinha para se locomover.

Nos anos seguintes, pesquisas de pequena envergadura forampraticadas sob a égide do MAAP, na maioria desenvolvidas porarqueólogos do paralisado CEPA. Esses trabalhos permitiram aconstatação de sítios relacionados a grupos com economia e tecnologiadiferentes das observadas em sambaquis. Referiam-se a ocupações decaçadores-coletores generalizados com diversificada indústria lítica,inclusive pontas de flechas e horticultores ceramistas vinculados àstradições Itararé e Tupiguarani. Sítios históricos do período colonial,também começaram a ser evidenciados em grande quantidade, algunsrelativos ao início do contato entre europeus e índios Tupi.13

_______________13 Com a paralisação do CEPA e as dificuldades existentes no MAAP, cessaram

os cursos de arqueologia promovidos pela Universidade Federal do Paraná. Isso, em parte,também foi em decorrência do ensino formal de arqueologia instituído no país. Na décadade 1970, esboçaram-se cursos de graduação e pós-graduação em arqueologia no âmbitodo Centro de Informação Arqueológica e do Centro Brasileiro de Arqueologia. O primeiro Centro,constituindo o Instituto Superior de Estudos Humanos obteve, do Conselho Federal de Educação,em fins de 1975, a autorização para o funcionamento do Curso de Graduação em Arqueologiajunto à Faculdade de Arqueologia e Museologia Marechal Rondon (SOUZA, 1991:123).

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A trajetória de Loureiro Fernandes cessou no dia 16 de fevereirode 1977, consternando a comunidade intelectual. Não conseguiu, porém,o criador das bases da moderna arqueologia no Paraná, ver consolidadoo MAAP, projeto ao qual dedicou muitos anos com especial carinho. Asdificuldades de ordem estrutural e conjuntural que sempre enfrentaranaquela Casa, continuaram após a sua morte.

O CEPA, paralisado em 1975 em função do MAAP, foireimplantado em 1985, como Órgão Auxiliar do Setor de CiênciasHumanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Avinculação do Centro ao Setor começou a ser considerada após amanifestação do grupo de trabalho que elaborou o “Relatório deavaliação da reforma universitária no Setor de Ciências Humanas,Letras e Artes”, em 1979; reconhecendo que a decisão tomada em1975 com relação ao CEPA não resultou satisfatória, o grupo solicitavamaior interesse dos órgãos colegiados superiores da Universidadepara o caso (UFPR, 1979:27).

Nesse intervalo, diante das dificuldades operacionais do MAAP,os resgates arqueológicos junto à UHE Itaipu (1975/1983), à UHE SaltoSantiago (1979/80), à UHE Foz do Areia (1980/81) e à UHE Rosana-Taquaruçu, na sua primeira etapa (1982/83), foram realizados peloLaboratório de Arqueologia do Departamento de Antropologia.

Com o restabelecimento da situação anterior, o CEPA pôde,contando com a participação de estagiários e pesquisadores associados,dar continuidade às suas tarefas. Implantou, em colaboração com oDepartamento de Antropologia, o Curso de Extensão Universitária sobre“Técnicas Arqueológicas Aplicáveis à Área de Salvamento”, com aulasno espaço do futuro reservatório do rio Passaúna, na região metropolitanade Curitiba, aliando-o a um projeto de salvamento (1985/86). Desenvolveua segunda etapa do Projeto Arqueológico Rosana-Taquaruçu (1986/92),o Projeto Arqueológico Salto Segredo (1991/94) e o Projeto ArqueológicoCanoas (1992/99), entre outros. Fora do Paraná, executou o ProjetoArqueológico Nova Ponte (1992/93) e o Projeto Arqueológico Miranda(1995/99), ambos situados na região do Triângulo Mineiro.

Em função da Resolução Nº 001/86, do Conselho Nacional doMeio Ambiente, o CEPA passou a realizar estudos de impacto ambiental,enfocando a arqueologia e a etno-história em vários pontos do territóriobrasileiro. Participou, também, de planos de manejo em áreas depreservação ambiental, como o Parque Nacional do Iguaçu (1998/99) eCiudad Real del Guayrá (1999).

A sua produção está sendo divulgada através do periódico“Arqueologia”, que foi reativado, e de monografias patrocinadas pelosfinanciadores dos projetos de salvamento.

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Em que pesem todos os percalços e contratempos enfrentados,a implantação do Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas, doDepartamento de Antropologia e do Museu de Arqueologia e ArtesPopulares no âmbito da Universidade Federal do Paraná representa olegado de José Loureiro Fernandes para a arqueologia do Paraná, comreflexos na arqueologia brasileira. Luiz de Castro Faria, ao ponderarsobre os problemas da antropologia do país no decênio transcorridoentre a primeira e a sexta reuniões brasileiras de antropologia enfatizouque, em 1953, “... fazia-se muito pouco [em arqueologia], mas já sepensava seriamente na planificação de pesquisas sistemáticas e noaparelhamento de alguns núcleos para esse fim. Em Belém, Curitiba eRio de Janeiro havia trabalhos em marcha, mas representavam aindaesforços pessoais...”. Avaliou que, quando da terceira reunião, em 1958,naqueles três núcleos “...realizava-se um trabalho intensivo de preparaçãode pesquisadores, várias jazidas eram exploradas e uma problemáticasegura começava a ser firmemente estabelecida.” Concluiu a sua análise,salientando que “... nessa obra de criação de uma infraestruturadevidamente integrada no sistema institucional universitário (...) LoureiroFernandes, com o seu Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas [foio que] desempenhou o papel mais importante.” (1963:18).

PALAVRAS FINAIS

Traçar a trajetória de José Loureiro Fernandes pelo campo daarqueologia paranaense e, dos seus reflexos na arqueologia brasileira,não foi uma tarefa fácil. O que aqui se alinhavou, corresponde a umapálida visão da sua atuação. As dificuldades, em parte, foram devidas àsua circunspecção, pois, conforme o depoimento do professor Mário deAbreu, colhido por repórter no dia de sua morte, Loureiro Fernandes era“Homem humilde ao extremo [e] tinha o hábito de guardar para si,informações sobre a própria vida (...) Nem mesmo o Centro de EstudosPortugueses, criado por ele na Universidade Federal do Paraná, dispunhade dados que pudessem dar uma visão mais ampla de todas as atividadesdo mestre.” (GAZETA DO POVO, 17 de fevereiro de 1977).

A literatura produzida por Loureiro Fernandes não foi por nósencontrada reunida em nenhuma das instituições que criou ou freqüentou.Os 54 títulos agora mantidos na biblioteca do Centro de Estudos ePesquisas Arqueológicas da Universidade Federal do Paraná, tratandode arqueologia, índios, museus, história, geografia e folclore, foramgarimpados nas várias bibliotecas especializadas da Universidade Federaldo Paraná, Museu Paranaense, Instituto Histórico, Geográfico e

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Etnográfico Paranaense, Círculo de Estudos Bandeirantes e BibliotecaPública do Paraná, assim como em bibliotecas particulares.

A produção mais volumosa de Loureiro Fernandes, entretanto,está contida nos inúmeros ofícios, cartas, relatórios, discursos, entrevistasconcedidas a periódicos, palestras e artigos não publicados, arquivadosem diversas instituições. Essa dispersão documental, que dificulta apesquisa e a coleta de dados evidencia, por outro lado, o seu dinamismoe interação com os locais freqüentados.

Artigos elaborados na década de 1940, versando sobre “Indústriaslocais” e, “Contribuição ao estudo do mobiliário e dos utensílios”, ambosrelacionados à população cabocla do litoral paranaense, permaneciamdepositados no atual Museu de Arqueologia e Etnologia de Paranaguá eforam publicados em 1996, graças aos esforços de Zulmara Clara SaunerPosse. Uma síntese do texto “Possibilidades de pesquisa e de exercíciode atividades técnico-profissionais”, apresentado por Loureiro Fernandesdurante a Primeira Reunião Brasileira de Antropologia, em 1953, que seencontrava arquivado no Círculo de Estudos Bandeirantes, foi divulgadapor Maria Regina Furtado (1999:53).

A produção arquivada é a que expressa com mais clareza o seupensamento, seus projetos e anseios e, os que documentam os embatestravado em prol dos seus ideais. Muitos desses documentos retratam asfrustrações que o levaram a interromper bruscamente um empreendimentoperseguido com denodada dedicação. A análise dessa documentaçãoainda está por ser feita.

Uma tentativa para resgatar a memória de José LoureiroFernandes surgiu na última década do século XX, através de um convêniocelebrado entre a Universidade Federal do Paraná e a Secretaria deCultura do Estado do Paraná. O projeto resultante, coordenado por SôniaMaria Breda, Veraluz Zicarelli Cravo, Zulmara Clara Sauner Posse eBeatriz T. de Melo Miranda e, executado por Blanca Guilhermina Rojas eSilvana de Fátima Bojanoski produziu, em 1993, uma relação dedocumentos por ele depositados no Círculo de Estudos Bandeirantes.Os itens arrolados tratam de várias instituições e abrangem diversosassuntos, constituindo importante referencial. Foram encontradas, entreos papéis guardados, anotações incompletas sobre sítios arqueológicose sambaquis do litoral paranaense. Outros fragmentos desses textosdatilografados, corrigidos e ampliados (um deles afeto ao sítio do EstirãoComprido, publicado em co-autoria com Oldemar Blasi, em 1956 e, outro,sobre o Sambaqui de Matinhos, divulgado em 1955), estão arquivadosno CEPA. No anverso das páginas do texto do Sambaqui de Matinhos,estão anotações das palestras e conferências assistidas por LoureiroFernandes durante o 30º Congresso Internacional de Americanistas, na

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Inglaterra, em 1952, além de outras referentes às visitas feitas a museuseuropeus, que continuam em folhas não reutilizadas.

Era seu hábito, também, reaproveitar envelopes decorrespondências recebidas para anotações e rascunhos de artigos emissivas; cuidadosamente descoladas e desdobradas, as folhasresultantes eram utilizadas em ambas as faces orientando-se, as linhasdos textos, de acordo com os espaços disponíveis.

A constatação dessa aversão pelo desperdício, uma consciênciaecológica que passou a existir mais recentemente na nossa sociedade,bem como de outros comportamentos marcantes da sua personalidade,foi privilégio dos que privaram do seu cotidiano.

Devido aos seus afazeres durante o expediente normal emCuritiba, costumava aproveitar os finais de semana para a montagemdas exposições do Museu de Arqueologia e Artes Populares deParanaguá, sempre acompanhado pelas equipes do Departamento deAntropologia e Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas,classificando-se e, aos demais que o auxiliavam, como “estivadores doensino e da pesquisa”. Isto porque, além de consagrar às atividades osdias de descanso e, devido à falta de pessoal de apoio no Museu, osenvolvidos tinham de realizar tarefas complementares, alheias à suaespecialidade, como serrar, pregar, pintar e aplicar pesticidas, entreoutras.

Entre os afazeres na Capital, especialmente na década de 1970,os que mais ocupavam o seu tempo eram os contatos mantidos com asautoridades da Universidade Federal do Paraná. Freqüentavaassiduamente os gabinetes do reitor e pró-reitores, levando-lhes as suaspreocupações com relação ao Museu de Paranaguá. Nesses locais,quando em trânsito, balizava a sua presença depositando, sobre algummóvel, o seu inseparável chapéu. Não levava somente os problemas,mas apresentava sugestões para a sua solução, tendo em vista a sualarga experiência em administração. Esbarrava quase sempre, porém,nos entraves burocráticos; nesses momentos, costumava comentar quea “Universidade acentuava demais os erres da burocracia.”

O reconhecimento público pela contribuição de José LoureiroFernandes para o engrandecimento da Universidade Federal do Paraná,foi expressado pelo reitor Theodócio Atherino, através da imprensa local,por ocasião do seu passamento:

“O querido e saudoso mestre José Loureiro Fernandesfoi um restaurador da vida, um criador da vida. Nestasexpressões que caracterizam toda uma dedicação profundavejo o esforço maior de um homem voltado para os nossos

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costumes, hábitos, nas festas populares e no folclore que eracapaz de reviver com a pertinácia e a teimosia de seu espíritocriador.

Estudioso de nossas tradições, sabia encontrar nosguardados do fundo da alma coletiva origens e procedimentosque fazem do brasileiro um povo de cultura ocidental, enraizadono longo passado português.

Nada mais parecia restar das festas populares.Nenhuma notícia chegava até nós de que nem tudo estavaperdido, soterrado por novos procedimentos culturais e eis queo nosso querido e saudoso mestre José Loureiro Fernandes,com uma sensibilidade verdadeiramente genial, era capaz dedescobrir os resquícios dessas festas e de reanimá-las comseu sopro criador. Onde esses resquícios existissem, lá estavaele, sempre incansável, batalhador, despreocupado da própriasaúde e de assuntos de ordem pessoal.

Em nosso descaso pela cultura, o Paraná não ouviuseus apelos pela salvação do que restava entre nós da vidaaborígene da Serra dos Dourados, que ele soube pesquisarantes que tudo desaparecesse na voragem do progresso. Maso Serviço Nacional do Índio reconheceu-lhe o mérito (...) aoconceder-lhe a medalha de ouro da consagração nacional.

O Museu de Paranaguá, criado e mantido graças àpertinácia do professor José Loureiro Fernandes, é daquelasobras que consagram uma vida, retratando o homem nomonumento que nos legou.

Querido mestre (...) viemos trazer-lhe também oreconhecimento e a gratidão da Universidade, a grandebeneficiária de seu esforço criador.

Há uma coincidência de imagens, daquela que perdurae há de perdurar e daquela que o manteve ao longo dos anosde atividade, e essa coincidência é que alicerça a perenidadede seu nome.

Sua glória feita de modéstia, de compreensão, desimpatia humana e de solidariedade, nunca será esquecida.Glória do homem que soube servir, esquecido de si mesmo,para que a vida pudesse ser recriada em toda a sua plenitudecultural.

Também a Universidade é sua obra, orgulhosa domestre, a conservar no espírito que a mantém e anima, umespírito de tanta beleza, grande e puro, como era o seu espírito.”(GAZETA DO POVO, 17 de Fevereiro de 1977).

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Às manifestações veiculadas pela imprensa local somaram-seoutras, prestadas por antigos assistentes e colegas, através dedepoimentos ou artigos divulgados em periódicos. Marília Duarte Nunes,sua constante colaboradora no Museu Paranaense, Departamento deAntropologia e Museu de Arqueologia e Artes Populares, sobre eleescreveu no periódico Nheengatu (1977). Maria José Menezes, entãodiretora do Museu de Arqueologia e Artes Populares, editou um númeroespecial dos Cadernos do Museu reunindo, além do seu, os depoimentosde Ralph J. G. Hertel e Annibal Ribeiro Filho e textos especialmenteproduzidos por Rosário Farani Mansur Guérios, Berta G. Ribeiro e Mariada Conceição de M. C. Beltrão (1977). Uma tese de doutorado emarqueologia, defendida em 1973 na Universidade de São Paulo, ao serpublicada pelo então Departamento de Psicologia e Antropologia da UFPRem 1977, foi a ele dedicada.

Em 13 de janeiro de 1987, por ocasião do cinqüentenário doInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Ministério daCultura conferiu a Loureiro Fernandes a Medalha Rodrigo Mello Francode Andrade, na Área de Arqueologia.

Como essa data marcava, também, os dez anos do passamentode Loureiro Fernandes, o Departamento de Antropologia se empenhoupara publicar uma coletânea em homenagem ao seu fundador.Reunindo dezenas de contribuições preparadas por arqueólogos,antropólogos e historiadores, o departamento não conseguiuconcretizar a iniciativa. Um dos artigos encaminhados para compor acoletânea, o que enfocava as pioneiras escavações de LoureiroFernandes no Sambaqui de Matinhos e os resultados de novaabordagem nos seus remanescentes em 1977, foi publicado na revistaArqueologia do CEPA e lançado em 2003 durante o “Semináriocomemorativo do Centenário do Nascimento de Loureiro Fernandes”,organizado pelo CEPA e Departamento de Antropologia. Os anais desseevento foram divulgados em 2005, igualmente através de númeroespecial da revista Arqueologia, enfeixando depoimentos econtribuições de vinte pesquisadores.

No ano do centenário, ainda, Valério Hoerner Júnior publicou olivro “José Loureiro Ascenção Fernandes. O Homem e o Meio”, nº 13 daSérie Registro do Legado de Educadores da PUCPR (2003). Poucosanos antes, Antônio Garcia havia editado o livro “Dr. Loureiro Fernandes.Médico e Cientista.” (2000), no qual, como o autor anterior, enfocouaspectos da vida profissional do grande pesquisador e incentivador dasciências humanas.

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ABSTRACT: The present research encompasses the work ofJose Loureiro Fernandes in Brazilian archaeology. LoureiroFernandes, although a physician, dedicated his life to innumerousanthropological studies. As part of the Círculo de EstudosBandeirantes, Museu Paranaense and Universidade Federal doParaná, Fernandes campaigned for protective legislation forarchaeological sites throughout Paraná and Brazil. LoureiroFernandes was responsible for the creation of the Centro deEnsino e Pesquisas Arqueológicas, the Anthropology Departmentand the Museu de Arqueologia e Artes Populares at theUniversidade do Paraná, thus enabling future archaeologicalresearch and the education of archaeologists.

KEY-WORDS: Paraná Archaeology; Brazilian Archaeology;History of Archaeology; Legislation.

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