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Revista do Ministério Público - MP-GOdade e a eficácia dos contratos eletrônicos (DAOUN, 1999). Nos últimos cinco anos, o crescimento exponencial de novos usuários conectados

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Ministério Público do Estado de GoiásProcuradoria-Geral de Justiça

Revista

do Ministério Público

do Estado de Goiás

Goiânia2012

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apresentação................................................................

assUntos GeraIs

estudo da eficiência jurisdicional no direito cibernético....DoUGLas FerreIra MaGaLHães / LUIZ HenrIQUe B. De aZeVeDo

os princípios éticos e sua aplicação no Direito ...............MarCeLo DI reZenDe BernarDes

DIreIto CrIMInaL

Direito penal Mínimo - mais eficiência ao ordenamento penal...tIessa roCHa rIBeIro GUIMarães / WanDer CarneIro CoeLHo

DIreIto CoLetIVo

a sociedade de risco e o desenvolvimento sustentável:desafios à gestão ambiental no Brasil.........................................anGeLa aCosta GIoVanInI De MoUra

Direito fundamental à saúde: um discurso acerca dopatenteamento da Biotecnologia .....................................otHonIeL pInHeIro neto

a aplicabilidade do princípio da solidariedade intergeracional,frente à dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana...GaBrIeLa soLDano GarCeZ

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SUMÁRIO

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DIreIto pÚBLICo

Democracia e Direitos Humanos................................................reIs FrIeDe

a constitucionalidade do programa de cooperação federativadenominado de Força nacional de segurança pública e suaeficiência no combate à criminalidade.....................................aDrIano FIGUeIreDo CarneIro

a função social do imóvel rural e a monocultura da cana-de-açúcar..........................................................................................BrUna noGUeIra aLMeIDa ratKe / raBaH BeLaIDI

a judicialização do direito à felicidade à luz da cláusula dareserva do possível.......................................................................DoraBeL santIaGo Dos santos FreIre

DIreIto estranGeIro

Criminalidad organizada y la amenaza de losnarcosubmarinos..............................................paoLa CasaBIanCo

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Caros leitores,

a revista do Ministério público do estado de Goiásalcança sua 23ª edição. Fruto de dedicação e muito trabalhoda escola superior do Ministério público, por meio de suaCoordenação editorial, a publicação procura estabelecer umambiente profícuo e livre para discussão de temas relevantesao universo jurídico.

esta edição é dividida em cinco campos: assuntos ge-rais, direito criminal, direito coletivo, direito público e direito es-trangeiro, sendo os artigos publicados comprovação doamadurecimento de uma proposta já vetusta, mas que se renovaa cada novo volume. Fala-se aqui na contribuição oferecida poresta revista para a permanência de terreno fértil para discussõesinstigantes e de elevado nível, onde as ideias e opiniões atuemde forma a enriquecer e aprimorar a atividade funcional dos mem-bros do Ministério público goiano.

espera-se que os artigos produzidos possam suscitar de-bates e estimular a produção de outros tantos de igual qualidade,afinal, a divulgação do conhecimento é algo que não pode ser dis-sociado das atividades desta escola superior do Ministério público.

excelente leitura a todos.

Goiânia, junho de 2012.

Spiridon N. Anyfantis

promotor de Justiça

Diretor da esMp-Go

APRESENTAÇÃO

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Douglas Ferreira Magalhães*Luiz Henrique Borges de Azevedo**

ESTUDO DA EFICIÊNCIA JURISDICIONAL NO DIREITO CIBERNÉTICO

STUDY OF JUDICIAL EFFICIENCY IN CYBER LAW

ESTUDIO DE LA EFICIENCIA JUDICIAL EN EL DERECHO CIBERNÉTICO

Resumo:

Na segunda metade do século XXI a humanidade conheceu um

avanço tecnológico jamais visto: os novos meios de comunicação

e a manipulação de dados, a internet. Porém, tais recursos podem

ocasionar sérios problemas devido ao seu mal uso e ao obsole-

tismo jurisdicional acerca do modo ilícito com que a internet está

sendo usada, como para praticar crimes como calúnia, difamação,

violação ao direito autoral, incitação ao crime, apologia de crime ou

criminoso, inserção de dados falsos em sistema de informações,

adulteração de dados em sistema de informações, pedofilia, pira-

taria de software, dentre outros. Essas ações lesam direitos de ter-

ceiros, apresentam aparato legal no ordenamento jurídico pátrio,

mas causam embaraço aos operadores do direito, por assim dizer,

tipificação penal, cabendo-nos fazer distinção quanto aos novos

tipos de crimes, que trazem a tecnologia computacional em seu

corpo e que passaram comumente a ser chamados de crimes ele-

trônicos e informáticos.

Abstract:

In the second half of the twenty-first century humanity has known

an unprecedented technological advances: new media and data

* Especialista em Auditoria Ambiental pela FMB. Especializando em Direito Proces-sual Civil Contemporâneo e Direito Constitucional pela FMB. Bacharel em Direito.Secretário Auxiliar do MP-GO.** Especialista em Direito Público pela FESURV, Direito Penal e Direito Constitucio-nal pela UFG. Docente do curso de Direito da FMB. Técnico Judiciário do TribunalRegional Eleitoral, Chefe de Cartório - São Luis de Montes Belos - GO.

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manipulation, the Internet, but such features can cause serious

problems due to misuse, obsolescence the court about the way

the unlawful internet is being used, which use to commit crimes

such as libel, defamation, infringement of copyright, incitement

to crime, crime of condoning or criminal, inserting false data into

information system, tampering of data in information systems,

child pornography, software piracy, among many others. Such

actions harm the rights of others, present the legal framework in-

national legal system but cause embarrassment to law enforce-

ment officers, so to speak, criminal classification, leaving us to

distinguish for new types of crimes that bring computing techno-

logy into your body and that now commonly being referred to as

electronic and computer crimes.

Resumen:

En la segunda mitad del siglo XXI la humanidad ha conocido un

avance tecnológico sin precedentes: nuevos medios de comuni-

cación y la manipulación de datos, la Internet. Sin embargo, tales

características pueden causar serios problemas a causa de su mal

uso y a la obsolescencia judicial acerca del modo ilegal con el que

se usa la Internet, utilizada para practicar delitos como calumnia,

difamación, violación de los derechos de autor, la incitación a la

delincuencia, apología del delito o penal, la inserción de datos fal-

sos en el sistema de información, la manipulación de los datos en

el sistema de información, la pedofilia, la piratería de software,

entre otros. Esas acciones en detrimento de los derechos de los

demás tienen el aparato legal de las leyes nacionales, no obstante

causar vergüenza a los agentes del orden, por así decirlo, la cla-

sificación penal, lo que nos hace distinguir a los nuevos tipos de

delitos, que traen a la tecnología informática en su cuerpo y llegan

a ser comúnmente llamados delitos informáticos y electrónicos.

Palavras-chaves:

Direito penal, direito eletrônico, crimes na informática, obsoletismo.

Keywords:

Criminal law, electronic law, computer crimes, obsolescence.

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Palabras clave:

Derecho penal, derecho electrónico, delitos informáticos, obso-

lescencia.

INTRODUÇÃO

A Internet é uma rede na qual todos os pontos se equiva-lem e não há comando central (BARAN, 2001).

As características técnicas e operacionais da Internet, no-tavelmente descentralizada, fazem com que não exista uma sedegeográfica definida (território) para as operações que a rede, na to-talidade, propicia. Daí surgir o conceito de ciberespaço ou de rea-lidade virtual (FILHO, 1999).

Estamos diante da revolução do controle, da possibilidadede se tornar senhor de um mundo próprio (SHAPIRO apud MAR-ZOCHI, 2005).

Isso pode ser observado pelo número crescente de “hack-tivistas”. O “hacktivismo” consiste em usar as técnicas do hacking

em causas políticas, numa guerra cibernética. Por exemplo, em1999, sites do governo brasileiro foram substituídos por páginas deprotestos (MARZOCHI, 2005).

O computador e a Internet são os elementos mais percep-tíveis dessa nova realidade pelo lugar de destaque que ocupamna vida humana, seja na realização de tarefas ou no entreteni-mento. É o símbolo dessa nova era. Enquanto o símbolo da GuerraFria era um muro, que separava, a Internet é o símbolo que une(FRIEDMAN, 1999).

Trouxe para todos nós, mesmo para os menos atentos aosfatos históricos, a visão de que uma nova sociedade estava se for-mando: um mundo no qual os indivíduos, conectados entre si, come-çaram apenas "navegando" em busca do conhecimento universal,mas que depois passou a ser o ambiente em que tudo o mais pas-sou a ser realizado. De fato, não se poderia pretender que o Direitoficasse indiferente a esse magnífico fenômeno humano. As normas

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de estudos físicos se assemelham à realidade jurisdicional, comorelatado na terceira lei de Newton, na qual toda ação está asso-ciada a uma reação, a todo impacto nas relações humanas corres-ponde igual reação no Direito. O avanço das tecnologias dainformação na verdade está provocando o obsoletismo de muitosinstitutos jurídicos e a necessidade de reformulação em tantos ou-tros. A necessidade de ajustamento dos sistemas jurídicos nacio-nais para enfrentar a realidade do mundo "on line" vem sendo ogrande desafio para o direito (FILHO, 2006).

A ciência do direito deve acompanhar os avanços tecnoló-gicos para que não exista margem a dúvidas e incertezas capazesde dificultar a expansão brasileira em campos atualmente funda-mentais, como se caracteriza a troca de informações por meio dagrande rede. O Direito existe para regulamentar ou organizar osfatos sociais com o fito de garantir a harmonia social, evitando osconflitos entre as pessoas (FONTES, 2009).

Os benefícios da modernidade e da rapidez alcançados coma rede mundial trazem, na mesma proporção, a prática de ilícitos pe-nais que vêm confundindo não só as vítimas como também o res-ponsável pela persecução penal. Tem-se que enfrentar os problemasque decorrem do comércio eletrônico, tais como legislação aplicávelnas transações, além das fronteiras territoriais dos países, a proteçãodo consumidor e garantia de privacidade, o regime jurídico, a vali-dade e a eficácia dos contratos eletrônicos (DAOUN, 1999).

Nos últimos cinco anos, o crescimento exponencial denovos usuários conectados à rede já acarreta questões e contro-vérsias jurídicas relevantes (FILHO, 1999).

Os vírus representam um dos maiores problemas parausuários de computador. Consistem em pequenos programas cria-dos para causar algum dano ao computador infectado, seja apa-gando dados, seja capturando informações ou alterando ofuncionamento normal da máquina. Esses "programas maliciosos"receberam o nome de vírus porque possuem a característica de semultiplicar facilmente, assim como ocorre com os vírus reais, ouseja, os vírus biológicos. Eles se disseminam ou agem por meio defalhas ou limitações de determinados programas, se espalhandocomo uma infecção e causando, portanto, danos ao usuário(ALECRIM, 2003).

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Diante do exposto, será apresentado o tema proposto paraque seja possível a construção de conhecimentos formadores de opi-nião sobre a forma da atual legislação brasileira que abrange o di-reito no ciberespaço, ramificada em várias áreas do direito, inclusiveinternacional, apresentando e discutindo casos e decisões jurídicas.

NOVAS TENDÊNCIAS DOS TRIBUNAIS

Na última década, o Poder Judiciário brasileiro vem sepreparando para fazer uma das mais relevantes mudanças da his-tória: implementar o processo eletrônico em todas as instâncias.Para especialistas, a nova modalidade é um caminho sem volta,cujo objetivo é assegurar a celeridade processual tão aclamadapor aqueles que buscam a prestação jurisdicional, além de propi-ciar uma economia processual sem precedentes.

De acordo com a Gazeta do Advogado, recentemente oSuperior Tribunal de Justiça (STJ) entrou na Era Virtual. Dos 32Tribunais de Justiça do país, 29 já aderiram à rede implantada,permitindo o envio de peças à Corte. Os Tribunais de Justiça deSão Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, por questões orça-mentárias e operacionais, ainda estão de fora. No entanto, ainda que a era virtual se concretize comonovo paradigma do processamento e acompanhamento dos lití-gios, a modalidade para gerenciar o andamento dos feitos tambémsofre resistências, não só por conta da preocupação com relaçãoà segurança do sistema, como também pela compreensão daquiloque será o futuro do cotidiano do Judiciário brasileiro. Existem, naatualidade julgados sobre restituição do prazo, conflito entre a in-formação prestada por meio eletrônico e a informação por meiotradicional, portanto, a relação jurisdicional quanto a confiabilidade:

Processual Civil. Informações. Prazo de Recurso. Uso do com-putador. A informação computadorizada há de ser plena-mente confiável e não pode ser levada a descrédito porque

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do contrário seria preferível desativar o serviço. Havendoconflito entre a informação eletrônica e a tradicional, restitui-seo prazo recursal. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Agravode Instrumento; AGI 20010020054563/ DF, Segunda TurmaCível. Relator: Getúlio Moraes Oliveira, 26 de novembro 2001.

Recurso Especial. Divergência. Precedente do STJ. Diário daJustiça. Site na internet. Indicado como paradigma acórdão dopróprio STJ, com referência ao Diário da Justiça da União,órgão de publicação oficial, e com a reprodução do inteiro teordivulgado na página que o STJ mantém na Internet, tem-se porformalmente satisfeita a exigência de indicação da fonte doacórdão que serve para caracterizar o dissídio. Superior Tribunalde Justiça. Recurso Especial 2001/0057873-6; RESP327687/SP. Quarta Turma. Relator: Min. Ruy Rosado de Aguiar,21 de fevereiro 2002. (grifos nossos)

Processual – Prazo – Justa Causa – Informações prestadasvia Internet – Erro – Justa Causa – Devolução de prazo –CPC, art. 182. Informações prestadas pela rede de compu-tadores operada pelo Poder Judiciário são oficiais e mere-cem confiança. Bem por isso, eventual erro nelas cometidoconstitui "evento imprevisto, alheio à vontade da parte e que aimpediu de praticar o ato”. Reputa-se, assim, justa causa (CPC,Art. 183, § 1º), fazendo com que o juiz permita a prática do ato,no prazo que assinar (Art. 183, § 2º). Superior Tribunal de Jus-tiça. Recurso Especial 2001/0181499-7; RESP 390561/PR. Pri-meira Turma. Relator: Min. Humberto Gomes de Barros, 18 dejunho 2002. (grifos nossos)

Ações judiciais para resolver problemas causados por ma-lefícios por vírus, um dos primeiros julgados a falar sobre progra-mas maliciosos:

Processo Civil e Civil – Apelo adesivo – Amplitude – Indenizaçãopor danos morais – Cadastro negativo do SPC – Vírus de com-putador – Caso fortuito – Inexistência – Conduta previsível eevitável – Majoração da condenação ante as peculiaridades docaso em apreço. O apelo adesivo, a teor do posicionamento docolendo STJ, não está adstrito ao recurso principal quanto àsquestões devolvidas ao Tribunal, podendo suscitar outras

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matérias diversamente daquelas levantadas no apelo principal.A infecção de computador por vírus, ante o rápido desenvol-vimento tecnológico da informática, inclusive com o apare-cimento da rede de computadores "internet", é hipótesebastante previsível e também evitável, com os modernos me-canismos de defesa, os quais devem ser empregados portodos aqueles que trabalham com referidas máquinas e comgrandes bases de dados, sendo a inexistência de tal prote-ção, derivando de tal infecção o irregular cadastro negativodo SPC, conduta negligente, afastada, assim, a hipótese decaso fortuito. Deve-se majorar a verba de ressarcimento, tendoem vista a hipótese em análise, observando o binômiopunição/compensação, quando se nota que a atitude ilícita dainstituição perdurou por mais de dois anos, com a imputação in-devida ao cadastro do autor de mais de 500 protestos. Tribunalde Justiça de Minas Gerais. AC 281.733-6, 3.º C. Civ., Rel. JuizDorival Guimarães Pereira, 16 de junho 1999. (grifos nossos)

A possibilidade da remessa dos autos via Internet trazuma série de vantagens e benefícios. Segundo dados do próprioSTJ, um processo físico, que pode demorar até oito meses parachegar à Corte, dependendo da região, chegará em poucos minu-tos. Aqueles que têm certificação eletrônica poderão peticionar econsultar o processo de qualquer lugar e a qualquer momento dodia. O espaço físico para o armazenamento dos inúmeros volumestambém poderá ser redesenhado e aproveitado para outras finali-dades. Há julgados quanto à legalidade da entrega de peças pro-cessuais via meio eletrônico:

Processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Petição ori-ginal. Intempestividade. Petição recursal enviada por correioeletrônico (e-mail). Inadmissibilidade. - O prazo para interposi-ção de agravo contra decisão unipessoal que negou provimentoa agravo de instrumento é de 5 (cinco) dias. - Não se admite ainterposição de recurso por meio de correio eletrônico, quenão é considerado similar ao fac-símile para efeito de inci-dência do disposto no art. 1º da Lei n. 9.800/99. Agravo noagravo de instrumento não conhecido. Superior Tribunal de Jus-tiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento; AGA549345/SP. Terceira Turma. Relator: Min. Nancy Andrighi, 01 deabril 2004. (griffos nossos)

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Agravo regimental. Recurso especial intempestivo. E-mail. Au-sência de perfeita concordância com o original. 1. Mesmo quese admita o envio da petição de recurso especial por e-mail,não cumpriu a recorrente as normas regulamentadoras deutilização de tal sistema na instância de origem, já quetransmitido o recurso após o expediente forense, sendoprotocolado no dia subseqüente, quando já decorrido oprazo legal. 2. Descumprido o disposto no artigo 4º, parágrafoúnico, da Lei nº 9.800/99, invocada pela própria agravante, jáque o original não guarda perfeita concordância com o e-mail,distintos os nomes dos advogados constantes das petições.Ressalto que o dispositivo exige perfeita concordância entre aspeças e a alteração dos nomes dos advogados responsáveispela interposição do recurso constitui, inequivocamente, modi-ficação da petição, o que contraria mencionado dispositivo legal.3. No Estado de São Paulo, o "protocolo integrado" está regu-lado no artigo 1º, § 3º, do Provimento 462/91, do Conselho Su-perior da Magistratura, que estabelece que as petições derecursos dirigidas ao Superior Tribunal de Justiça somente po-derão ser apresentadas no protocolo do Tribunal a quo. Conta-se o prazo, portanto, a partir do momento em que a petiçãoingressou na Secretaria do Primeiro Tribunal de Alçada Civil doEstado de São Paulo, razão por que o original também teria sidoprotocolado a destempo, fora do qüinqüídio previsto no artigo2º da Lei nº 9.800/99. A série de irregularidades evidenciadasimpede afastar o decreto de intempestividade do recurso espe-cial. 4. Agravo regimental desprovido. Superior Tribunal de Jus-tiça. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento; AGA561145/SP. Terceira Turma. Relator: Min. Carlos Alberto Mene-zes Direito, 06 de maio 2004. (grifos nossos)

Agravo Regimental. Agravo de Instrumento. Intempestividade.Interposição via correio eletrônico. Inadmissibilidade. 1 - É inad-missível a interposição de recurso por correio eletrônico(e-mail), porquanto não é considerado similar ao fac-símilepara efeito de incidência da Lei 9.800/99. Precedentes. 2 -Agravo regimental improvido. Superior Tribunal de Justiça.Agravo Regimental no Agravo Regimental no Agravo de Instru-mento; AGRAGA 504012/RJ. Quarta Turma. Relator: Min. Fer-nando Gonçalves, 08 de junho 2004. (grifos nossos)

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Tamanha é a importância da informática no meio social quejá há julgados garantindo alguns fatores como impenhorabilidadedo computador por se tratar de bem que guarnece a residência:

Processual Civil – Embargos à execução – Nulidade do Títuloexecutivo inexistente – não caracterizada cobrança de capitali-zação de juros – Matéria de prova – Impenhorabilidade dosbens móveis e utensílios que guarnecem a residência, in-cluindo televisores, aparelhos de som, vídeo cassete, microon-das e computador – precedentes. I - As instâncias ordináriasconcluíram que o título executivo é apto a embasar a execução,necessitando para a apuração do quantum devido, apenas, arealização de cálculos aritméticos, o que não o descaracteriza.Deixou consignado, também, a inexistência de capitalização dejuros. Matéria de prova e interpretação de contrato insuscetívelde reexame nesta instância especial (Súmulas 5 e 7/STJ). II - ALei 8009/90 fez impenhoráveis, além do imóvel residencialpróprio da entidade familiar, os equipamentos e móveis queo guarneçam, excluindo veículos de transporte, objetos de artee adornos suntuosos. O favor compreende o que usualmentese mantém em uma residência e não apenas o indispensávelpara fazê-la habitável. Devem, pois, em regra, ser reputados in-susceptíveis de penhora aparelhos de televisão e de som, mi-croondas e vídeo-cassete, bem como o computador, que,hoje em dia, corriqueiro e largamente adquirido como veí-culo de informação, trabalho, pesquisa e lazer, não podeigualmente ser considerado adorno suntuoso. III - Recursoconhecido em parte, e nessa parte provido. Superior Tribunalde Justiça. Recurso Especial: RESP 150021/MG, TerceiraTurma. Relator: Ministro Waldemar Zveiter, 23 de fevereiro1999. (grifos nossos)

OS CRIMES DE INFORMÁTICA E SUAS CLASSIFICAÇÕES

Apesar de alguma discrepância doutrinária, são deno-minados “crimes de informática” as condutas descritas em tipos

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penais realizadas por meio de computadores ou voltadas contracomputadores, sistemas de informática ou os dados e as informa-ções neles utilizados (armazenados ou processados).

Em face das lacunas oriundas do avanço nas relações so-ciais, no que tange aos novos crimes virtuais que afloram emnosso meio deverá acatar o princípio da reserva legal, conquantoverificada no artigo 1º do Código Penal Brasileiro e consagradapelo artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal de 1988: “Não hácrime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia co-minação legal”. Portanto, precisa-se urgentemente de uma legis-lação específica quanto aos crimes virtuais, sendo, assim, umalegislação específica para tais casos.

Há ilícitos perfeitamente enquadráveis no Código Penalpátrio e legislação extravagante, quais sejam, aqueles em que ainternet, ou outro ambiente eletrônico, informático ou computacio-nal, é somente o seu meio de execução, estando a tipificação per-feita ao ato proferido; são estes os crimes eletrônicos, querecebem também as nomenclaturas de “crimes da Internet”, “cri-mes digitais”, “crimes cibernéticos” ou “cibercrimes”.

Com propriedade, ao se falar de ilícito eletrônico ou infor-mático, a conduta, mesmo não prevista em lei penal, pode ensejarreparação cível, com multas variáveis de acordo com o resultadoobtido, a ser estipulada pelo juiz. Assim, aqueles que se sentiremlesados por atos de terceiros advindos da Internet podem intentarações judiciais cíveis, em que se requer a devida reparação.

A norma que trata do peculato eletrônico (Lei 9.983/2000),que acresce à parte especial do código penal o art. 313-A:

Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dadosfalsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sis-temas informatizados ou bancos de dados da Administração Pú-blica com o fim de obter vantagem indevida para si ou paraoutrem ou para causar dano.

Caso haja alteração de um dado ou informação da admi-nistração pública em troca de vantagem indevida, o servidor podepegar de dois a doze anos de prisão. Esta lei nasceu depois daviolação do placar do Plenário do Senado. O Legislativo discutiu e

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aprovou rapidamente a legislação depois do episódio. Conseguiufechar algumas lacunas dentro da administração pública. Nesseponto houve evolução, mas também é preciso evoluir na esferaprivada para que haja uma proteção mínima.

Também constituem exemplos de crimes eletrônicos a ex-posição em sites de Internet de fotos pornográficas com criançasou adolescentes – enquadrando-se no art. 241 do Estatuto daCriança e do Adolescente – pedofilia.

APLICABILIDADE JURISDICIONAL

Renato Opice Blum, um dos poucos advogados especiali-zados em Direito Eletrônico no país, Revista Consultor Jurídico, re-vela que depois das acusações de calúnia e difamação online asprincipais ações do chamado Direito Eletrônico no Judiciário tratamde invasões de sistemas e vazamento de informações, dois tiposde ilícito sem tipificação específica na legislação penal brasileira.

Se o hacker (nomenclatura utilizada para indivíduos queelaboram e modificam software para invadir sistemas eletrônicos)invadir um sistema privado sem causar prejuízo, não há crime.Trata-se de um fato atípico. No caso de vazamento de dados, apena é de um ano, não proporcional ao efeito multiplicador quandoo vazamento se dá na internet.

Em entrevista à Consultor Jurídico, o advogado diz que oJudiciário brasileiro tem suprido as lacunas da legislação commuita imaginação e sabedoria jurídica. Segundo ele, o Brasil nãotem leis como os Estados Unidos, a União Europeia e mesmo osvizinhos Argentina, Chile e Colômbia. Contudo, tem muito maiscasos e decisões judiciais. Em suas contas, já chegam a dezes-sete mil os julgados em matéria de Direito Eletrônico no país.

Em 2009, os jornalistas Gláucia Milício e Mauricio Cardosoentrevistaram Renato Opice Blum que, ao ser indagado sobre oscasos em que não há qualquer previsão legal no direito eletrônicoe a importância de legislação específica, respondeu:

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Uma pessoa que invade um sistema (que não seja na adminis-tração pública) só para olhar e não faz nada, não pode ser con-denada. Este é um fato atípico. Mas existe previsão para oscasos em que o sujeito entra no sistema e vaza uma informa-ção. A Lei de Propriedade Intelectual (Lei 9.279), em seu artigo195, trata da situação de vazamento de informação sigilosa aque uma pessoa teve acesso indevido. A pena é de um ano deprisão. No entanto, há uma distorção. Se alguém quebrar o IP[Internet Protocol, o número de identidade de cada computadorque acessa a rede] de 20 milhões de pessoas, a pena é amesma. Ele será condenado a pagar cestas básicas. Esse éum caso em que há previsão parcial. Outra situação preocu-pante é a pena para a pessoa que colocar vírus em uma urnaeletrônica: 5 a 10 anos de prisão. É uma punição extremamentesevera, maior que para homicídio. A falta de legislação especí-fica é apenas um dos elementos que fazem com que a Era daTecnologia possa ser considerada a Era da Insegurança. Umclique em falso e, em minutos, todos os seus vizinhos, colegasde trabalho e amigos com acesso à internet poderão ver, ouvire comentar o seu segredo. Anos de investimento na segurançado sistema vão por água abaixo depois de alguns esforços deum hacker, que quebra as barreiras e senhas e tem acesso atodas as informações sigilosas da empresa.

Indagado da necessidade de legislação específica paratratar da internet e da realidade brasileira, respondeu:

O Direito Eletrônico merece atenção especial, porque tem mui-tas peculiaridades. É uma área que já existe na prática, comreflexos importantes para a sociedade como um todo. O Brasilvive uma situação sui generis. Não tem legislação específica,mas tem muitos casos interessantes julgados, o que não acon-tece em países que já têm legislação para a internet. Há algunsanos, crimes que aconteciam lá fora, aqui não existiam. Hoje,também acontecem dentro do Brasil. Os Estados Unidos e aUnião Europeia têm legislação específica prevendo a coleta, otratamento, a guarda e o eventual compartilhamento de dadospessoais coletados pelo governo, por empresas e no comércioeletrônico. Sem dúvida, tem de haver leis próprias para isso.Cada vez mais fornecemos os nossos dados e não percebe-mos os riscos disso. Todo mundo tem cartão de crédito, e-mail,

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Twitter, Orkut, Flickr, MSN. Nossos dados estão disponíveispara estas empresas quando fazemos o cadastro. Estamosaceitando perder nossa privacidade sem perceber. Aqui usamosuma legislação genérica. Temos de nos concentrar no detalha-mento dessas situações e dar mais atenção aos projetos rela-cionados com tecnologia, Direito Eletrônico, internet. Sãoquestões muito sensíveis [...] no Brasil, apesar de ainda nãoexistir, temos em torno de 17 mil decisões judiciais relacionadasàs novas tecnologias, o que despertou o interesse de quem es-tava no congresso.

Por isso, é necessário criar mecanismos de proteção aosdados pessoais, que integram milhares de cadastros feitos por em-presas, sites, cartões de crédito. No Estado de Nevada, nos EstadosUnidos, regulamentou-se uma lei em que todos os dados devemser criptografados assim que coletados. Já que a possibilidade devazamento não pode ser descartada, que eles se tornem incom-preensíveis aos serem repassados inadvertida ou ilegalmente.

No mês de agosto de 1999, a imprensa em geral publicoumatérias noticiando misteriosos desaparecimentos de dinheiro decontas bancárias movimentadas pela internet, mas o interessantedisso é que os golpistas não roubaram cartões magnéticos e tam-pouco suas senhas. Em Americana (SP), a Polícia Civil investigaações de hackers que teriam furtado R$ 50 mil de duas contas cor-rentes via internet, transferindo o produto do crime para contas dis-tintas em cidades do Nordeste. O registro de ocorrência do"estelionato eletrônico", como foi denominado referido golpe, des-perta no meio jurídico extensa discussão quanto à configuraçãodo ocorrido como ilícito penal.

A emblemática é que alguns sustentam que condutas si-milares às descritas, verificadas as peculiaridades de cada caso,não podem ser enquadradas, por exemplo, como crime de furto,previsto no art. 155 do Código Penal Brasileiro (subtrair para si oupara outrem coisa alheia móvel), vez que emergem dúvidas quantoà conceituação e à aplicabilidade ao caso do objeto penalmenteprotegido, qual seja, a ‘coisa alheia móvel’. Apesar das considera-ções de que a lei material penal deve ser interpretada restritiva-mente, proibida a extensão analógica, o revés de tal interpretação,para o direito de informática, ausente qualquer traço análogo, o

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dinheiro rapinado de uma conta corrente via internet é furto comooutro qualquer, diferenciando-se apenas quanto à maneira e aoagente que pratica o delito (hacker). Portanto o que se difere nãoé o tipo penal, nem mesmo os conceitos incidentes sobre este: ainovação está no modus operandi. O resultado alcançado com aconduta independe da abrangência jurídica atribuída a ‘res’.

Em face das lacunas oriundas da modernidade, a repri-menda aos novos crimes virtuais que afloram em nosso meio de-verá acatar o princípio da reserva legal, conquanto verificado noartigo 1º do Código Penal Brasileiro e consagrado pelo artigo 5º,XXXIX, da Constituição Federal de 1988: "Não há crime sem leianterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".

ATUALIZAÇÃO DAS NORMAS JURISDICIONAIS

Foi proposta, em 2000 e 2003, a votação de projetos delei para regulamentação da internet, mas um bombardeio de críti-cas provenientes de vários setores do Governo, de parlamentarese de segmentos da sociedade civil organizada provocou o adia-mento da votação, na Comissão de Constituição e Justiça do Se-nado, do substitutivo do Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG)para três projetos de lei que tramitam em conjunto no CongressoNacional (PLC n. 89, de 2003, do Dep. Luiz Piauhylino PLS n. 76,de 2000, do Sen. Renan Calheiros e PLS n. 137, de 2000, do Sen.Leomar Quintanilha), que tratam da regulamentação e repressãoaos crimes de informática no Brasil.

O ponto polêmico é a obrigação que cria para os prove-dores de acesso à Internet (ou qualquer rede de computadores),de identificar os usuários de seus serviços, mediante cadastra-mento prévio. Nos termos exatos do substitutivo, “todo aquele quedesejar acessar uma rede de computadores deverá identificar-see cadastrar-se naquele que torne disponível este acesso”. Essaregra vem complementada pelo artigo seguinte de tal legislaçãoproposta, segundo o qual “todo aquele que torna disponível o

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acesso a uma rede de computadores somente admitirá comousuário pessoa que for autenticado conforme validação positivados dados cadastrais previamente fornecidos pelo contratante deserviços". O parágrafo 1o desse último dispositivo elenca os tiposde dados do usuário que devem fazer parte do cadastro abertopelo provedor (nome, senha, endereço, número de identidade, nú-mero de CPF ou similar). Cria-se, ainda, a obrigação de o provedormanter, pelo prazo de três anos, os dados de conexões e comuni-cações realizados pelos seus usuários. A Omissão do provedorem identificar seus usuários, mediante cadastro prévio, e conser-var os dados de tráfego na Internet é considerada crime, punidocom detenção e multa (artigo 154 do Código Penal).

Mostrando que é possível regulamentar atos na internet,Portugal apresenta legislação própria contra crimes informáticos– a chamada Lei de Criminalidade Informática, datada de agostode 1991 –, estando, dessa forma, muito à frente do Brasil, que temalguns projetos de lei em trâmite no Congresso e esperando poraprovação quer do Senado, quer da Câmara dos Deputados.

Com esse caos na internet brasileira já se tem reflexos navisão internacional sobre o Brasil, tendo a NASA proibido o acessode internautas brasileiros a seus links, alegando que o Brasil é omaior celeiro de hackers do mundo.

Tem que haver, na nova legislação, a preocupação com afalta de regimento jurídico, tais como o regime jurídico aplicável ao“correio eletrônico”,dando ênfase ao enquadramento penal no maluso de tal; o regime da venda à distância no que respeita às nor-mas que regem as condições de oferta pública na venda de pro-dutos e serviços aos consumidores, acrescentando ao códigocomercial novas leis para que não haja brechas jurídicas que oca-sionalmente existam; às questões de segurança, de criptografia ede proteção de dados; às violações do direito à imagem e à vidaprivada; às questões de responsabilidade relativas à difusão deinformação ou de imagens, principalmente aquelas que são difa-matórias (contra a ordem pública e os bons costumes); ao con-trole e às sanções de criminalidade específicas em crimes nainformática, dando lugar a novos tipos de delito; e, por fim, às ques-tões da propriedade intelectual e, em particular, dos direitos deautor.

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CONCLUSÃO

Pela natureza jurídica do direito brasileiro não há meca-nismos, sobretudo legais, capazes de outorgar satisfatória prote-ção nas relações cibernéticas. Em vista do princípio da legalidade,insculpido no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988,se faz necessário o objeto de criação de norma específica sobre otema, capaz de definir limites, regular condutas e aplicar penasaos infratores em casos específicos da realidade na internet e nosmeios eletrônicos.

Se versa no sentido de que as legislações devem definiti-vamente acompanhar as irreversíveis mudanças trazidas pela in-ternet, bem como serem flexíveis para englobar as novas relaçõesinterpessoais do século XXI, tem-se a lição do eminente jurista Fe-lipe Eluf Creaz:

Sabe-se que, para o acompanhamento de modificações sociaisrelevantes, a criação doutrinária é de longe mais rápida do quea atividade legislativa, isto acontecendo em todos os países decultura jurídica fundada no Direito Romano, ou seja, países nosquais o princípio da legalidade é base sobre a qual se manifestao Direito.

A falta de normatização compromete a própria sobrevivênciada Internet, a exigência de identificação, o cadastramento e a auten-ticação dos usuários dos serviços de conexão à Internet, e mesmoa retenção dos dados de tráfego, podem ser necessárias para ga-rantir a segurança dos serviços de comunicação eletrônica e viabili-zar o combate, a investigação e a punição de crimes informáticos.

Não se trata, portanto, de criar mecanismos de “controlede acesso à Internet”, como alguns têm pensado erroneamente,mas de adotar medidas que possam identificar o usuário de umsistema de comunicação específico (que é o serviço de conexãoà Internet, fornecido pelos provedores de acesso). É o mesmoprocesso que se faz, por exemplo, quando uma pessoa se dirigea uma operadora de telefonia e contrata a utilização de um apa-relho telefônico (fixo ou celular). Nesse momento da contratação,

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a pessoa (usuário) é identificada, apresenta documentos que ates-tam a sua identidade e é feito um cadastro com os seus dadospessoais. A mesma coisa se pretende seja feita na contratação doserviço de conexão à Internet. Não se estará jamais, com esse tipode medida, autorizando o próprio provedor ou o estado ou quemquer que seja a monitorar o conteúdo de nossas mensagens ele-trônicas, a bloquear o acesso de cidadãos à rede, a censurar oteor de websites ou de qualquer forma de violar o sigilo das comu-nicações eletrônicas. O que se quer apenas é garantir que, nocaso da eventualidade da prática de um crime na Internet, a inves-tigação criminal ou instrução processual possa ser viabilizada me-diante requisição judicial (como prevê a Constituição) ao provedorpara identificação do usuário suspeito.

Por outro lado, não é sensato o argumento de que a obri-gação de identificação prévia do usuário não terá eficácia, já queos criminosos podem acessar a rede mediante provedores situa-dos em outros países nos quais não exista essa obrigação. Deveser observado que a maioria dos países desenvolvidos já adotouou está em processo de adotar medida semelhante.

No caso brasileiro, temos verdadeiro vácuo legal, cujarazão de ser somente se pode explicar por meio do normal atrasolegislativo frente à morosa velocidade com que se implementaramas transformações sociais advindas com a internet. Ressalva-seentão a necessidade de criações legislativas com o fito de regula-mentação de áreas tecnológicas impregnadas por relações jurídi-cas, dentre estas as relações existentes nos sítios de internet,principalmente no que tange à proteção de direitos intelectuais ede valor social do indivíduo.

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Marcelo Di Rezende Bernardes*

OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E SUA APLICAÇÃO NO DIREITO

ETHICAL PRINCIPLESAND THEIR APPLICATION IN LAW

LOS PRINCIPIOS ÉTICOS Y SU APLICACIÓN AL DERECHO

Resumo:

Diante dos fatos explícitos na realidade brasileira, que apontampara a transgressão ética em massa e, consequentemente, do pro-gressivo desrespeito às normas de moral e conduta, urge um re-torno aos princípios éticos em todas as camadas sociais. Opresente artigo tem por finalidade relacionar os conceitos de Éticae de Direito, destacando aspectos gerais, mas não menos impor-tantes, de ambos. Nesse sentido, este artigo tratará de questõesrelacionadas à ética e, em específico, referentes ao Direito e a seuprofissional.

Abstract:

Face to the explicit facts in the Brazilian reality, pointing to ethicaltransgression in mass and, consequently progressive disregardof moral and of conduct standards, urges a return to ethical prin-ciples in all social strata. The purpose of this article is to relatethe concepts of ethics and law, highlighting general aspects, butno less important in both. In that sense, this paper addresses is-sues related to ethics and, in specific, related to law and its pro-fessional.

* Mestre em Direito. Especialista em Ciências Criminais, Direito Penal, ProcessualPenal, Constitucional e Empresarial. Professor Universitário, membro da AcademiaGoiana de Direito, da Academia Goianiense de Letras, do Instituto Brasileiro de Di-reito Processual e do Instituto dos Advogados Brasileiros. Advogado.

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Resumen:

Delante de los hechos explícitos de la realidad brasileña, que mues-tran a la transgresión ética en masa y, en consecuencia, de la pro-gresiva indiferencia de las normas morales y de conducta, insta aun retorno a los principios éticos en todos los estratos sociales. Esteartículo tiene como objetivo relacionar los conceptos de Ética y deDerecho, poniendo de relieve los aspectos generales, pero nomenos importantes, de ellos. En ese sentido, en este artículo seabordarán cuestiones relacionadas con la ética y, en particular, conrespecto al Derecho y a su profesional.

Palavras-chaves:

Ética, moral, Direito.

Keywords:

Ethics, moral, Law.

Palabras clave:

Ética, moral, Derecho.

INTRODUÇÃO

Na atualidade, o papel da ética tem sido foco de significa-tivas discussões nos meios acadêmicos e profissionais. Isso por-que, na sociedade contemporânea, desventurosamente, tem setornado comum a exposição de condutas antiéticas nas diferentesáreas profissionais e do conhecimento.

É bem verdade que a conduta humana não está sempreem conformidade com as leis éticas, contudo, existe a necessidadede se ressaltar a importância da ética na fundamentação da açãohumana, pois o conteúdo ético é universal na humanidade e ca-racterístico da espécie humana, diga-se, universal, porém não es-tático.

Segundo Leonardo Boff (2003), a crise moral e ética que

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se instalou na atualidade propicia a desintegração das relações in-terpessoais, justificada na grande tensão encontrada pela tentativade funcionamento em torno de interesses particulares em detri-mento dos interesses do direito e da justiça. Assim, afirma: “Talfato se agrava ainda mais por causa da própria lógica dominanteda economia e do mercado que se rege pela competição, que criaoposições e exclusões, e não pela cooperação que harmoniza einclui” (BOFF, 2003, p. 27).

O fato ético, em interface com as transformações sociais,detém proporcionalmente a possibilidade de atualizações. Se-gundo Ashley et al. (2003, p. 60), “da mesma forma que as socie-dades transformam-se ao longo do tempo, os valores culturais deque os indivíduos se servem para organizar sua realidade e suasações também tendem a sofrer modificações”.

Desse modo, o conteúdo ético mencionado está sujeito aalterações da mesma maneira que ocorre com o meio social. Con-ceitos outrora considerados éticos podem perder tal status por oraou definitivamente. A reorganização produz uma nova realidade.Trata-se de um movimento que deve estar sempre em análise,pois a sociedade é dinâmica e está em processo contínuo de mu-dança, como expressa muito bem a perspectiva dialética.

A ética relaciona-se com as ações do homem, sendo di-recionada para as inter-relações sociais. Sob o ponto de vista dia-lético, o ideal ético fundamenta-se em uma vida social igualitária ejusta, ou seja, a ética, nessa visão, tem como pedra angular o bemcoletivo (BRAGA, 2006).

OS PRINCÍPIOS ÉTICOS E SUA APLICAÇÃO NO EXERCÍCIODO DIREITO

A conceituação de toda e qualquer categoria inserida nasCiências Sociais e Humanas, ao longo da história da Filosofia, seconstitui em tarefa árdua devido à grande variedade de pontos devista. Entretanto, se faz necessário tal exercício no sentido de

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apresentar, em maior ou menor grau, a objetividade dos significa-dos, com a finalidade de contribuir para a melhor compreensão doassunto.

Na tentativa de se conceituar “Ética”, a realidade relatadase comprova: "A ética é daquelas coisas que todo mundo sabe oque são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém per-gunta" (VALLS, 1993, p. 7). Para Augusto Comte (1798-1857), ci-tado por Lima (2007), a Ética consiste na:

[...] a suprema ciência, do amor por princípio, do amor sem ca-beça, moral cósmica, naturalista e social, pois recompõe oslaços do universo da natureza com o universo da moralidade evê nas regras do comportamento humano um caso das leis quepresidem a ordem universal. Ética em que o homem está sub-metido, em virtude de sua submissão à humanidade [...].

De acordo com Vázquez (1984, p. 12), “Ética é um con-junto sistemático de conhecimentos racionais e objetivos a respeitodo comportamento humano moral, melhor dizendo, é a teoria ouciência do comportamento moral do homem em sociedade”.

Durkeim (apud OLIVEIRA, 2006) conceitua Ética da se-guinte forma: “Tudo que é relativo aos bons costumes ou às nor-mas de comportamento admitidas e observadas, em certa época,numa dada sociedade”.

Segundo Moore (1975, p. 4), “a Ética é a investigaçãogeral sobre aquilo que é bom, isso se dá porque o maior objetivoda Ética é tentar aproximar o ser humano da perfeição, alcançar asua realização pessoal”.

Sob o ponto de vista de Jean-Paul Sartre (1905-1980), deacordo com Lima (2007), a ética é:

[...] uma moral da ambigüidade e da situação. Vai da liberdadeabsoluta e inútil à liberdade histórica, da náusea diante da gra-tuidade das coisas, do em si e o para si, do ser e do nada, doser para outros, do existencialismo como humanismo, da críticada razão dialética. É o homem, o ser humano, isto é, cada indi-víduo em determinadas circunstâncias, em determinada "situa-ção", que por sua livre escolha cria o valor de seu ato. Todos osvalores são relativizados, exceto aquele que a liberdade outorga

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a si mesma, quando se considera fim supremo [...].

Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, Éticaé "o estudo dos juízos de apreciação que se referem à condutahumana susceptível de qualificação do ponto de vista do bem edo mal, seja relativamente à determinada sociedade, seja de modoabsoluto".

Etimologicamente observado, a Ética origina-se do gregoethos e encontra correlação no latim morale, com o significado si-nônimo de conduta ou, ainda, referente aos costumes. Podemosconcluir que, etimologicamente, ética e moral são palavras iguais,porém, será apresentada posteriormente a diferenciação básicaentre ambas.

Uma das configurações atribuídas à palavra Ética é decunho filosófico. A Ética, enquanto parte da Filosofia, diz respeitoa uma direção para reflexão sobre a complexa questão da moralno ser humano, relacionado ao meio social em que está inserido.

O autor Henrique Cláudio de Lima Vaz (2002, p. 63), emobra intitulada Ética e Direito, alerta para o perigo das teorias con-sideradas na atualidade, que questionam a validade da Ética filo-sófica, dizendo:

[...] parece difícil admitir que uma teoria do ethos no sentido fi-losófico da sua justificação ou fundamentação racional possadesaparecer do horizonte cultural da nossa civilização, a menosque desapareça a própria filosofia e a civilização venha a mudarde alma e de destino.

A Ética, como categoria filosófica, impulsiona o exercíciocrítico-reflexivo das bases moralistas, quando necessária elucida-ção à dos fatos morais. Dessa forma, é notável que a Ética, na Fi-losofia, não oferece um código de normas, antes incentiva ohomem, como ser racional e social, a praticar o senso crítico e au-toavaliativo em suas atitudes e modo de agir. Nesse sentido, o pro-fessor Ângelo V. Cenci (2002, p. 88) afirma:

A ética não pode prescrever conteúdos ao agir, nem pode ins-trumentalizá-lo; não é seu papel fornecer soluções concretas ao

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agir humano. A ética precisa contar com a capacidade de os in-divíduos encontrarem saídas plausíveis, racionais para o seuagir. A ética filosófica (formal e universalista) não pode, pater-nalisticamente, dizer o que o indivíduo deve fazer, prescrevendoações; ela não pode se constituir em um receituário para a con-duta cotidiana dos indivíduos, nem servir de desculpa para jus-tificar seu agir mediante motivos puramente externos.A justa medida requerida pela ética não é extraída por intermé-dio de fórmula alguma; ela é medida qualitativamente, por issorequer mediania.

De acordo com Marilena Chauí (1998), o que foi apresen-tado por Cenci (2002) corresponde ao principal pilar da diferencia-ção entre Moral e Ética, pois para ela toda moral é normativaenquanto designada a ditar aos sujeitos os padrões de conduta in-dividual e/ou social, assim como os valores e os costumes das so-ciedades das quais participam. Já a ética não é necessariamentenormativa. A professora ainda sistematiza a subdivisão de éticaem normativa e não normativa. Normativa seria a ética de deverese obrigações, e não normativa a ética que tem como objeto de es-tudo as ações e paixões humanas embasadas no ideal da felici-dade de acordo com o critério da relação razão – vontade –liberdade.

De qualquer forma, não se pode pensar filosoficamente aÉtica se não relacionada ao agente ético. Nesse sentido, seria res-ponsabilidade da Ética a definição da figura do agente ético e desuas atitudes. De acordo com esse paradigma, o agente ético cor-responde ao sujeito consciente que sabe o que são suas ações,sendo livre para escolher o que faz e responsável pelas conse-quências de seus atos (CHAUÍ, 1998).

Para Souto e Souto (1981), o sujeito, desde que em per-feito estado de juízo, já possui a ideia do que é certo ou errado emsuas atitudes. Nas sociedades em geral existem os códigos deconduta estabelecendo o que deve ser considerado como certoao agir. Dessa forma, existe a ideia de como fazer.

O jurista João Baptista Herkenhoff (1987, p. 83) enunciao seu entendimento acerca de Ética ditando: "o mundo ético é omundo do "dever ser” (mundo dos juízos de valor) em contraposi-ção ao mundo do "ser" (mundo dos juízos de realidade)”. Já a

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moral, segundo Herkenhoff (1987, p. 85), “é a parte subjetiva daética” que ordena o comportamento humano para consigo mesmo,além de englobar os costumes, obrigações, maneiras e procedên-cia do homem em convívio com os demais. A moral é compreen-dida na forma de uma conduta voluntária isenta de pressõesexternas ao indivíduo.

Assim, a moral pode ser entendida como a listagem denormas de ação específica, estando então implícita em códigos,normatizações e leis que regulamentam a ação do ser humano nomeio social. Por ocasião da exposição de definições da palavramoral, é importante ressaltar que alguns a igualam à Ética, masna realidade contemporânea ambas são, por certo, aplicadas di-ferentemente.

Segundo Vázquez (1984), a moral deriva da necessidadecomum aos indivíduos de se relacionarem buscando o bem paraa coletividade, podendo ser definida também como um conjuntode normas e regras que tem a finalidade reguladora das interaçõesentre os indivíduos, dividindo o mesmo espaço em um mesmotempo. A moral, dessa forma, consiste em um dado histórico mu-tável e dinâmico, que evolui conforme as transformações políticas,econômicas e sociais, tendo em vista que a existência de princí-pios morais estáticos seria impossível.

Segundo Nicola Abbagnano (1970, p. 652), em seu Dicio-nário de Filosofia, moral é um substantivo configurado de diferen-tes formas, tais como: 1- O mesmo que Ética; 2- O objeto da Ética,que consiste na conduta direcionada por normas.

Para Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855), citado porLima (2007), a moral é existente em uma vida que levou a sério ocristianismo, do poeta cristão, do indivíduo diante de Deus.

Existe a definição que circula em torno do entrelaçamentoentre Ética e Moral no sentido de que existiria um método científicopara se estudar a Moral, baseado em uma teoria que propicia adescrição das normas e dos valores comportamentais: “A Ética éuma ciência da moral, pois questiona ao buscar por que e emquais condições determinada ação é considerada boa ou má, atéque ponto ajuda a construir a identidade de uma nação, grupo oupessoa” (RIBEIRO, 2000, p. 137).

Mesmo diante de tantos percalços controversos, a distinção

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entre ética e moral é necessária, pois verifica-se que, sem a moral,a ética se tornaria uma inutilidade no sentido de consistir em abs-trata reflexão de experiência.

Em resumo, a diferenciação entre Moral e Ética podeacontecer de várias maneiras: ética é princípio, moral são aspec-tos particulares de determinado tipo de conduta; ética é perma-nente, moral é temporária; a ética possui a propriedade dauniversalidade, enquanto a moral é restrita à dada cultura; ética éregra, moral é prática de tal regra; ética é teoria, moral é a práticadessa teoria.

Definindo, verifica-se que Direito é uma palavra oriundado latim directum, derivada do verbo dirigere, que tem o significadode ordenar. Conclui-se, etimologicamente falando, que o vocábuloDireito significa “aquilo que é reto”, “que está coerente com a jus-tiça e equidade”. Portanto, pode-se dizer que Direito é a disciplinada qual se originam as normas a serem observadas pelo homeme engloba direitos e deveres dos quais ninguém se isenta. Con-forme Pinho (1995), o Direito pode ser entendido como “aquilo queé” ou “que deve ser”. Assim, o Direito surgiu em resposta à neces-sidade de se estabelecerem regras gerais para o convívio dohomem em sociedade. O Direito é considerado, antes de tudo,uma instituição ética que trabalha no sentido de aplicar as leis, osprincípios morais, tais como: igualdade, justiça, liberdade, dentreoutros, na solução de controvérsias.

Diante da escorreita explicitação de tais conceitos, é pos-sível observar a Ética, em interface com o Direito, acata a definiçãode conduta amparada na aplicação de regras morais no meio deconvívio social, ou seja, a caracterização do homem enquanto serrelacional. É essa face normativa da Ética que a relaciona intima-mente com o Direito. Nesse sentido, a contínua discussão da Éticadentro do Direito encontra respaldo no fato de ser uma área dasCiências Humanas que busca a consolidação e a manutenção dajustiça e da moralidade social.

Faz-se apropriada, aqui, a definição de Cenci (2002, p.90) para Ética, que “nasce amparada no ideal grego da justa me-dida, do equilíbrio das ações”. Ângelo Cenci ainda esclarece que“a justa medida é a busca do agenciamento do agir humano de talforma que o mesmo seja bom para todos”. Para tanto, indaga-se:

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e não é esse o fundamento para o exercício cotidiano dos profis-sionais do Direito? Resta evidente, embora alguns até discordem,que os valores éticos e morais devem ser o fundamento da cons-trução do profissional do Direito, no sentido da aplicação dos prin-cípios morais enumerados pela Ética geral aplicada ao campoprofissional, possibilitando a prática da ética profissional:

A pessoa tem que estar imbuída de certos princípios ou valorespróprios do ser humano para vivenciá-lo nas suas atividades detrabalho. De um lado, ela exige a deontologia, isto é, o estudodos deveres específicos que orientam o agir humano no seucampo profissional; de outro lado, exige a diciologia, isto é, oestudo dos direitos que a pessoa tem ao exercer suas ativida-des. (CAMARGO, 1999, p. 33)

O Direito, se analisado sob o ponto de vista cultural,abarca o sentido de ser uma realidade referente a valores, pos-suindo como missão intrínseca a progressiva busca pela segu-rança jurídica, que consiste em bem social e da justiça. Taisobjetivos são comuns à Ética, contudo, não se pode atribuir ànorma ética o valor imperativo da norma jurídica. São definidascomo normas éticas:

[...] as normas que disciplinam o comportamento do homem,quer o íntimo e subjetivo, quer o exterior e social. Prescrevemdeveres para a realização de valores. Não implicam apenas emjuízos de valor, mas impõem a escolha de uma diretriz conside-rada obrigatória, numa determinada coletividade. Caracterizam-se pela possibilidade de serem violadas. (HERKENHOFF, 1987,p. 87)

Acresce-se, ainda, a validade da norma jurídica, só verifi-cável quando esta resguarda os princípios éticos. Pode-se tomarcomo exemplo da prerrogativa de retorno aos valores morais e davinculação entre Ética e Direito Constitucionalismo. A ideologia dedemocracia materializa-se com a indelével proteção dos direitos edas garantias fundamentais do cidadão, por intermédio da Cons-tituição que rege o país.

O saudoso jurisconsulto Miguel Reale, em seu livro Lições

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Preliminares de Direito, já defendia que “[...] as normas éticas nãoenvolvem apenas um juízo de valor sobre os comportamentos hu-manos, mas culminam na escolha de uma diretriz considerada ob-rigatória numa coletividade” (REALE, 2002, p. 33). Nessaperspectiva, a ética pode ser entendida como uma tomada de de-cisão, uma escolha embasada em um conjunto de valores organi-zadores de uma determinada sociedade. De acordo com Reale(2002, p. 35), “toda norma ética expressa um juízo de valor, aoqual se liga uma sanção [...]”.

A ética, nesse sentido, corresponde a uma obrigação, eseu cumprimento tem como pressuposto a ideia do que é justodiante da sociedade, que pode ser aceita ou não de acordo com ojuízo de valor de cada um.

Miguel Reale (2002, p. 42) afirma que “a teoria do mínimoético consiste em dizer que o Direito representa apenas o mínimode Moral declarado obrigatório para que a sociedade possa sobre-viver”, relacionando Direito e Moral, ambos inseridos em um com-plexo ético, pois o viver de forma ética corresponde ao ato deacrescer uma regra moral de uma norma jurídica a uma situaçãoqualquer.

Ao contrário do que acontece na realidade, na qual seconstata que na prática jurídica ocorre comumente a conduta an-tiética, principalmente entre aqueles que exercem papel de maispoder, sendo verificada a falta de respeito e de profissionalismode alguns profissionais com relação àqueles que somente neces-sitam e buscam soluções para as lides, a observância dos precei-tos éticos no exercício do Direito se faz necessária por ser umaquestão que merece atenção de todos os envolvidos no assunto,dada a sua relevância ímpar. Uma vez que o Direito vive a cons-tante transformação de acordo com o desenvolvimento sociocul-tural, também a ética se adequa ao Direito sem perder o conteúdode seus princípios.

Ressalta-se, ainda, a relevância da ética no exercício daprofissão do Direito, tendo em vista a natureza da atividade jurídicarelacionada aos principais valores éticos, quais sejam, a justiça ea moralidade.

Referente à conduta ética do profissional do Direito – es-pecificamente do advogado, tem-se que:

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O serviço profissional é bem de consumo e, para ser consu-mido, há de ser divulgado mediante publicidade. Em relação àadvocacia, é necessária uma postura prudencial. Não se pro-cura advogado como se busca um bem de consumo num su-permercado. A contratação do causídico está sempre vinculadaà ameaça ou efetiva lesão de um bem da vida do constituinte.(NALINI, 2006, p. 247)

Esse mesmo autor nos esclarece sobre a responsabili-dade do profissional do Direito no que tange à probidade:

[...] quem escolhe a profissão de advogado deve ser probo. [...]Quem procura um advogado está quase sempre em situaçãode angústia e desespero. Precisa nutrir ao menos a convicçãode estar a tratar com alguém acima de qualquer suspeita. (NA-LINI, 2006, p. 252)

Sobre a Ética e o profissional exercendo o Direito, pode-se salientar ainda que não existe o exercício de defesa da justiçae da equidade sem a aplicação de normas éticas a embasar o or-denamento jurídico. Nesse sentido, comenta com muita proprie-dade Ruy de Azevedo Sodré (1967, p. 32), "a ética profissional doadvogado consiste, portanto, na persistente aspiração de amoldarsua conduta, sua vida, aos princípios básicos dos valores culturaisde sua missão e seus fins, em todas as esferas de suas ativida-des".

Por fim, temos que a Ética é o estudo geral do que é certoou errado, bom ou mal, justo ou injusto, apropriado ou inapro-priado. Assim, é possível a conclusão do objetivo da Ética na fun-damentação de regras estabelecidas pela Moral e pelo Direito,porém, ressaltando que ela se diferencia de ambos na medida emque não dita regras (GLOCK e GOLDIM, 2003).

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CONCLUSÃO

De acordo com o apresentado, é possível afirmar que éde grande valia a recuperação do sentido da ética, enquanto ins-trumento indispensável da vida social, pois é dos fatos concretosinstalados na sociedade que se originam os costumes e o próprioDireito.

Pode-se concluir que a ética norteia a maneira de se com-portar do homem, incluindo tanto as esferas públicas e sociaiscomo as íntimas e subjetivas. A ética não está limitada somenteao conjunto de juízos de valor, mas se sobressai imponente comocódigo de disciplina aprendido obrigatoriamente pela sociedade.

O conjunto de deveres morais é a diretriz da conduta dosujeito na vida e na profissão que exerce, contribuindo tal conjuntopara a conscientização profissional, que deve ser composta depráticas que resultem em integridade, dignidade e probidade, deforma coerente para com o ordenamento jurídico vigente.

Em síntese, o sujeito deve ansiar pela ética profissionalem seu desempenho cotidiano, ressaltando a validade de sua ado-ção como código principal de vida, pois tanto a ética quanto amoral devem ser resguardadas, propiciando crescimento profis-sional. Além disso, é de crucial importância que o profissional doDireito, como agente transformador da sociedade, oriente o serhumano no sentido de uma vida digna, amparada por princípioséticos.

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Tiessa Rocha Ribeiro Guimarães*Wander Carneiro Coelho**

DIREITO PENAL MÍNIMO -MAIS EFICIêNCIA AO ORDENAMENTO PENAL

MINIMUM CRIMINAL LAW - MORE EFFICIENCY TO CRIMINAL LAW

EL DERECHO PENAL MÍNIMO -MÁS EFICIENCIA AL ORDENAMIENTO PENAL

Resumo:

O presente estudo visa abordar o direito penal mínimo sob o enfo-

que da criminologia crítica. Em um momento inicial será feita uma

breve exposição sobre a criminologia crítica, apontando as suas

características e o seu momento histórico, para então analisar o

minimalismo penal, destacando suas principais características, sua

incidência na legislação brasileira e, por fim, os motivos que acar-

retam a sua maior efetividade ao ordenamento penal.

Abstract:

The present study aims at addressing the Minimum Criminal Law

under the lights of critical criminology. In an initial stage will be

carried out a brief exposure on critical criminology, pointing out

its characteristics and its historical moment, and after that, to

analyze the criminal minimalism, highlighting its main characte-

ristics, its impact on Brazilian Law and finally, the reasons that

led to its greater effectiveness on the Criminal Law.

Resumen:

El presente estudio tiene como objetivo tratar el derecho penal

* Especialista em Direito Público pela Uniasselvi e em Criminologia pela UFG.Advogada.** Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Gama Filho,em Investigação Policial pela UCB e em Criminologia pela UFG. Agente de PolíciaCivil do DF.

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mínimo desde el punto de vista de la criminología crítica. En una

primera etapa se hará una breve presentación de la criminología

crítica, señalando sus características y su momento histórico, para

entonces analizar el minimalismo penal, destacando sus princi-

pales características, su incidencia en la legislación brasileña y,

por fin, las razones que llevan a su mayor eficacia en el ordena-

miento penal.

Palavras-chaves:

Criminologia crítica, minimalismo, efetividade.

Keywords:

Critical criminology, minimalism, effectiveness.

Palabras clave:

Criminología crítica, minimalismo, eficacia.

INTRODUÇÃO

Elegeu-se, para a elaboração deste artigo e dentro do es-tudo da criminologia, a criminologia moderna, também denominadade crítica, cujo objeto está centralizado na criminalização, saindoassim da criminalidade. A sociedade capitalista tem se reveladoprodutora da criminalidade e a classe dominante, na maioria dasvezes, define o fato criminoso segundo os seus próprios interesses.Nesse sentido, verifica-se que a prisão tem se revelado verdadeirofracasso como medida de controle dos delitos, uma vez que nãocumpre os objetivos de prevenção geral e especial, pois não temgerado a ressocialização e reintegração dos ex-detentos na socie-dade, sendo, dessa forma, incapaz de evitar a reincidência.

O minimalismo penal prega a utilização do direito penalapenas como ultima ratio, isto é, quando os demais ramos do direitoforem insuficientes. Aliás, sempre que possível é preferível aplicaroutras áreas do direito, como, por exemplo, o direito administrativoou o direito civil, a utilizar-se do direito penal, revelando, assim, um

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caráter subsidiário e fragmentário ao direito penal. Nessa direçãodeverá seguir a legislação penal e processual penal e objetiva-secitar alguns institutos em que é nítida a incidência do minimalismo.

Resta evidenciado que o aumento de leis e a ampliaçãodo rol de condutas tipificadas como criminosas, como vem aconte-cendo no ordenamento pátrio, não vem solucionando a questão cri-minal brasileira e é crescente o descrédito com o sistema penal. Onosso legislador diversas vezes queda-se influenciado por fatos mi-diáticos e, desse modo, novas leis acabam surgindo.

A questão não é o excesso de leis, e sim a efetividade dajustiça: a sociedade quer que os crimes, especialmente os maisgraves, sejam punidos. Talvez então a solução seja adotar, no Bra-sil, o direito penal mínimo, punindo rápida e eficazmente os delitosmais sérios e deixando as infrações de ínfima lesividade para a es-fera administrativa.

Não se pode deixar de lado importante tema, aliás, assuntosempre em voga não apenas para a comunidade jurídica, mas paraa sociedade como um todo. A questão da segurança pública deveser tratada por todos de uma maneira global e é nesse sentido queo atual projeto de reforma do Código Penal, de iniciativa do senado,atualmente em discussão por renomados pensadores do direito,cuja entrega está prevista para maio de 2012, está sendo ansiosa-mente aguardado.

Esse projeto tem por finalidade codificar a legislação penalem um texto único contendo uma parte geral, uma parte especial elegislação extravagante. Tarefa árdua, posto que o atual ordena-mento penal conta com cerca de 118 leis especiais que definemtipos penais e com 1600 delitos. Vale destacar que o atual código,de 1940, já não atende aos anseios da sociedade, uma vez queconta com crimes que já estão em desuso e com outros fatos quevem lesando a população, como, por exemplo, os cybercrimes,ainda não são tipificados.

Acredita-se que o que sanará o conflito social e significaráuma verdadeira implementação de justiça é um código penal en-xuto, que contenha apenas os crimes realmente praticados e efe-tivamente punidos. Derver-se-ia adotar, no ordenamento pátrio, ospostulados do direito penal mínimo.

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DIREITO PENAL MÍNIMO SOB O ENFOQUE DA CRIMI-NOLOGIA CRÍTICA

Ao longo dos tempos, vários estudos foram realizados sobreo crime, fenômeno social que aflige a sociedade desde seu princípio.A criminologia crítica, também denominada por alguns autores de“criminologia radical”, enxergou o direito penal como manifestaçãode poder, contudo, não se acomodou com a realidade, como se ob-serva na criminologia do consenso. Ela buscou compreender o fun-cionamento do poder detalhadamente (VERAS, 2010, p. 172).

Ryanna Pala Veras (2010, p. 127) contextualiza historica-mente a criminologia crítica como:

A criminologia crítica, como teoria que apresenta uma análisesociológica de índole marxista do fenômeno criminal, surge nosEstados Unidos e na Inglaterra, na década de 1960. Motivou-se historicamente pelo mesmo contexto que impulsionou as es-colas conflituais: a tensão social interna e o panoramaconturbado da política internacional.

Os fundamentos deste pensamento se materializam na crí-tica às posturas clássicas da criminologia do consenso, insuficientespara entender o fenômeno criminal como um todo. O pensamentomarxista sustentava as bases desse raciocínio, vendo o delito comoalgo dependente do modo de produção capitalista. De forma irônica,Marx afirma que o crime produz professores e livros, o sistema decontrole social, como, por exemplo, juízes, promotores, policiais,etc., evoluem procedimentos técnicos e impulsionam as forças pro-dutivas. Para o marxismo, a lei penal depende do sistema de pro-dução e o direito não é uma ciência, mas sim uma ideologia, nãopossuindo o homem livre arbítrio, estando submetido a um vetoreconômico intransponível (SHECAIRA, 2008, p. 326).

A atenção da nova criminologia, a criminologia crítica, sevoltou especialmente para o processo de criminalização, enten-dendo ser este um dos maiores nós teóricos e práticos das rela-ções sociais de desigualdade pertencentes à sociedade capitalista.Os adeptos da criminologia crítica partem de um enfoque materia-lista e estão certos de que só uma análise radical dos mecanismos

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e funções do sistema punitivo podem possibilitar novos caminhospara o controle social do desvio (BARATTA, 2002, p. 197).

O minimalismo penal e o abolicionismo penal estão situa-dos dentro da escola crítica, contudo, o presente abordará apenaso direito penal mínimo, e sua base histórica se encontra no iníciodo século XX, onde seus autores, inspirados pelo marxismo, en-tendem que o capitalismo seria a base da criminalidade, pois eleleva o homem ao egoísmo, e consequentemente o faz delinquir.Porém, somente seriam perseguidas as condutas delitivas prati-cadas pelos menos favorecidos, deixando-se de lado a criminali-dade praticada pelos poderosos, criando um verdadeiro processode estigmatização da população marginalizada, que tem como in-tuito desenvolver um pavor da criminalização e do cárcere paramanter a estabilidade da produção e da ordem social (PENTEADOFILHO, 2010, p. 61).

A criminologia crítica é para muitos a evolução do estudocriminológico, saindo de raízes biológicas para analisar mais pro-fundamente o fenômeno social. Nesse sentido, pode-se afirmarque ocorreu uma mudança no objeto de estudo da Criminologia:

A Criminologia crítica é construída pela mudança do objeto deestudo e do método de estudo do objeto: o objeto é deslocadoda criminalidade, como dado ontológico, para a criminalização,como realidade construída, mostrando o crime como qualidadeatribuída a comportamentos ou pessoas pelo sistema de justiçacriminal, que constitui a criminalidade por processos seletivosfundados em estereótipos, preconceitos e outras idiossincrasiaspessoais, desencadeados por indicadores sociais negativos demarginalização, desemprego, pobreza, moradia em favelas etc;[...] (HASSEMER apud SANTOS, 2005)

Segundo os críticos, um fato é denominado criminosoquando há interesse da classe dominante. Da mesma forma, aspessoas são rotuladas criminosas quando esta definição for útil àclasse dominante. Afirmam que as pessoas das classes mais altasnão são rotuladas como criminosas devido ao controle sobre osmeios de produção, que consequentemente lhes dão o controledo Estado e da aplicação da lei (SHECAIRA, 2008, p. 328).

Ainda, conforme o entendimento do professor Sérgio Sa-lomão Shecaira (2008, p. 329), para os radicais a divisão entre

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classes sociais cresce na medida em que as sociedades capita-listas se industrializam, ao passo que as leis penais aumentam deforma progressiva para manter uma estabilidade temporária, mas-carando o confronto entre as classes.

Para William Chambliss (apud ANITUA, 2008, p. 658), umdos primeiros criminólogos críticos norte-americano, “a sociedadecapitalista produz e requer um elevado índice de criminalidade eesta criminalidade é o resultado das imposições culturais, relacio-nadas ao consumo, e das necessidades materiais, fomentadaspelo processo de extração de mais-valia”.

O desvio criminal não se concentra na classe proletária enos delitos contra a propriedade: o comportamento criminoso sedistribui por todos os grupos sociais e causa mais nocividade à so-ciedade aqueles praticados pelas classes dominantes, como, porexemplo, os crimes de colarinho branco, que são mais graves doque a criminalidade perseguida (BARATTA, 2002, p. 198).

A criminologia crítica, também conhecida como criminolo-gia dialética, é censurada, uma vez que analisa e aponta defeitosapenas nos países capitalistas e não avalia o crime nos países so-cialistas. Na verdade, sustenta a reorganização da sociedade, aca-bando com o mecanismo de exploração econômica (PENTEADOFILHO, 2010, p. 97).

Para a elaboração de uma política criminal das classessubalternas seria necessária uma interpretação distinta dos fenô-menos de comportamento socialmente negativo encontrados nasclasses subalternas e nas classes dominantes. Necessária se faza distinção entre política penal e política criminal, sendo a primeiraa resposta do Estado, exercendo sua função punitiva à criminali-dade e a segunda como política de transformação social e insti-tucional. O direito penal, dentre todos os instrumentos de políticacriminal, seria o mais inadequado. A tutela penal, por um lado, de-veria ser reforçada em áreas de interesse essencial para a socie-dade, sendo dirigida para enfrentar a criminalidade econômica,os desvios criminais em órgãos estatais e a criminalidade organi-zada como um todo. Por outro lado, é preciso contrair ao máximoo sistema punitivo, aliviando a carga negativa exercida pelo direitopenal sobre as classes menos favorecidas (BARRATA, 2002,p. 201-202).

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Convém ainda reconhecer o fracasso do cárcere comomedida de controle da criminalidade e de reinserção do criminosona sociedade. Diante disso, essa nova criminologia propõe a der-rubada dos muros do cárcere, por meio do incremento de medidasalternativas, da ampliação das formas de suspensão condicionalda pena, da introdução de novas formas de executar a pena em li-berdade, etc. (BARATTA, 2002, p. 203).

A igualdade formal dos homens perante a lei esconde agrande desigualdade material existente, pois a classe dominanteé a responsável pelo discurso realizado pelo direito penal, que re-força e reproduz um sistema de desigualdades sociais.

Conforme entendimento do professor Nestor SampaioPenteado Filho (2010, p. 61), é possível resumir as principais ca-racterísticas da teoria crítica como:

A concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal seocupa de proteger os interesses do grupo social dominante); re-clama compreensão e até apreço pelo criminoso; critica severa-mente a criminologia tradicional; o capitalismo é a base dacriminalidade; propõe reformas estruturais na sociedade para re-dução das desigualdades e consequentemente da criminalidade.

Enfim, se percebe que a criminologia crítica possui pro-postas diferenciadas de política criminal, visando sintetizar a apli-cação do direito penal e tornar mais humano e sociável o sistemapenal, iniciando-se com as concepções minimalistas e atingindo-se o alvo da abolição do sistema penal (SANTOS, 2005).

DIREITO PENAL MÍNIMO

Os postulados minimalistas foram desenvolvidos espe-cialmente na Europa meridional. Essa corrente tem como idealreduzir a atuação do direito penal, daí porque a utilização donome minimalismo. Sua grande proposta é reduzir, em curtoprazo, a aplicação do direito penal, tendo em vista, segundo seusautores, que se este for aplicado de forma extremada poderá

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trazer consequências mais gravosas do que benefícios: “O delitonão existe por “natureza”, mas sim por definição legal; nesse sen-tido, “o delito é criado pela lei e, em última instância, pelo própriohomem” (SHECAIRA, 2008, p. 338).

Os minimalistas entendem que o sistema de exploraçãona sociedade capitalista permeia toda a criminalidade, devendoisso ser revisto para que se deixe de dar importância à criminali-dade de rua (furto, roubo, etc.) para refletir sobre uma criminali-dade dos oprimidos, do racismo, da discriminação sexual, doscrimes do colarinho branco, etc. (SHECAIRA, 2008, p. 339).

Importa destacar que, do ponto de vista teórico, existemtrês modelos de minimalismo, sendo um como meio para o aboli-cionismo, diferente de minimalismo como fins em si mesmo e dominimalismo reformista. Destacam-se, dentro da criminologia crí-tica, notadamente a respeito do minimalismo penal, os seguintespensadores: Alessandro Baratta e Luigi Ferrajoli (Itália) e EugenioRaúl Zaffaroni (Argentina) (ANDRADE, 2006).

Para Zaffaroni (apud VERAS, 2010, p. 154), um dos gran-des focos da política criminal é a intervenção mínima, que se tra-duz em uma menor intervenção, obtida por meio dadescriminalização e do princípio da oportunidade da ação penal.É importante que se alcancem maneiras diversas para resolver osconflitos de formas reparatórias e conciliatórias ou então deixá-losa cargo das esferas informais de controle. O que não se deve éabdicar da intervenção penal para outras entidades que utilizemos mesmos modos punitivos já adotados.

Shecaira (2008, p. 339-340) também propõe sugestõespara uma política criminal minimalista, como, por exemplo, a deque para acabar com a criminalidade é necessário transformarbruscamente a sociedade; reduzir a esfera de atuação do direitopenal e expandir outras áreas; buscar um direito penal que garantadireitos humanos fundamentais, pela aplicação do direito penalcomo ultima ratio, de seu caráter fragmentário e de sua naturezaacessória.

Nesse sentido, verifica-se que é preciso uma política cri-minal punitiva de intervenção mínima, defendendo que apenas asinfrações penais mais danosas à sociedade, que acarretemgrande mal, é que devem ser mantidas, visando, assim, resguardar

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o sistema penal. No entanto, os fatos que forem ser enfrentadospelo sistema penal deveriam ser mais severamente combatidos,a fim de se alcançar melhores resultados no enfrentamento da cri-minalidade (COELHO, 2001).

A intervenção penal mínima, também denominada de di-reito penal mínimo, é uma opção em face da constatação da des-legitimação do sistema penal. Almejando-se a descriminalizaçãoopta a legislação pela aplicação cada vez menor da pena privativade liberdade em detrimento da elevação da utilização das penasalternativas. Crê-se que o minimalismo vem se tornando programatransitório para o abolicionismo (SILVA, 2003).

Assim, os pensamentos minimalistas estão baseados nasseguintes ideias:

[...] se deve diminuir o espaço de intervenção penal do Estadona sociedade, e de que os apenamentos devem ser repensados,evitando-se, quando possível, as penas privativas de liberdade.Ou seja, primariamente dever-se-ia diminuir a quantidade de hi-póteses previstas como crimes, resguardando-se como tal ape-nas as mais graves, entendida como as que violentem demaneira direta ou indireta, mas com efeitos significativos nos di-reitos humanos fundamentais. Para além disso, para as hipóte-ses restantes como crimes, dever-se-ia, na medida do possívele adequado, evitar as penas privativas de liberdade. Não se con-funde com o princípio da intervenção mínima, ele vai além, fazrestrições das penas privativas de liberdade. (COELHO, 2001)

Imperioso se faz mencionar que a adoção do direito penalmínimo acarreta a redução da seara penal, pois muitos assuntosficariam melhor abordados e trariam resultados mais eficazes setratados em outras áreas que não a penal. Preservar-se-iam as in-tervenções e punições penais sobre condutas que em outras es-feras não teriam suficiente resposta jurídica, por sua gravidade nocontexto da vida social. Nessa direção o minimalismo torna-se asolução mais inteligente dentro desse novo enfoque jurídico crimi-nológico (COELHO, 2001).

Direito penal mínimo e sua presença no ordenamento brasileiro

O direito penal mínimo vem caminhando a passos lentosno ordenamento pátrio, mas já é possível sentir a sua presença.

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Segundo entendimento de Vera Regina Pereira deAndrade (2006), o minimalismo é uma ideia que já vem sendo apli-cada na legislação brasileira ora por meio do princípio da interven-ção mínima, ora por meio da utilização da prisão como ultima ratio

e ainda por meio da adoção de penas alternativas. Nesse sentido,a crimes graves aplica-se a pena de prisão e a crimes leves (porexemplo, crimes de menos potencial ofensivo) aplicam-se penasalternativas. Com a reforma penal e penitenciária de 1984 é pos-sível vislumbrar no Brasil a adoção dos postulados minimalistas.É o caso das penas alternativas (atual lei 9.714/98), dos juizadosespeciais criminais estaduais (lei 9.099/95).

Dessa forma, nota-se a influência no direito penal do prin-cípio da intervenção mínima, também denominado de princípio dasubsidiariedade, princípio constitucional implícito que determinaque o direito penal só deve ser aplicado em último caso, quandoos demais ramos do direito forem insuficientes, não devendo o di-reito penal se ocupar demasiadamente da vida dos cidadãos, cei-fando sua liberdade e autonomia. Nesse sentido, “o direito penalé considerado a ultima ratio, isto é, a última cartada do sistema le-gislativo, quando se entende que outra solução não pode haversenão a criação de lei penal incriminadora, impondo a sançãopenal ao infrator” (NUCCI, 2009, p. 80).

A respeito do tema, ainda ensina Guilherme de SouzaNucci (2009, p. 81):

Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-seabrir mão da opção legislativa penal, justamente para não bana-lizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cum-prida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãosestatais encarregados da segurança pública. Podemos anotarque a vulgarização do direito penal, como norma solucionadorade qualquer conflito, pode levar ao seu descrédito e, consequen-temente, à ineficiência de seus dispositivos.

As penas alternativas à prisão derivam de uma nova ten-dência mundial de expansão do direito penal, inspirando-se emideais reabilitadores e em princípios como o da intervenção mínima(APOLINÁRIO, 2010).

As penas alternativas ou penas restritivas de direitos comodefinidas na legislação penal são expressamente definidas em lei,

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sendo o seu objetivo impedir o encarceramento de determinadaspessoas, condenadas por crimes mais brandos, proporcionando-lhes outras formas de cumprimento de pena por meio da restriçãode alguns direitos (NUCCI, 2009, p. 418).

Assim, pode-se afirmar que as penas alternativas ou res-tritivas de direitos “estão intimamente ligadas a uma tendência mo-derna de abrandamento do rigor punitivo do Estado, e reflexõesgarantistas colocam-nas à frente do que se revela uma nova pos-tura penal” (MARCÃO, 2004, p. 199).

Convêm ainda ressaltar, a respeito das penas alternativas,que:

A aplicação das penas restritivas de direitos leva em conta apresença de requisitos objetivos e subjetivos, revelando im-portante medida de política criminal, com justa e adequadapunição longe do cárcere, observada a proporcionalidade,destinando-se àqueles condenados que praticaram infraçõespenais sem revelar acentuada periculosidade ou severo des-vio de personalidade, que não reclamam resposta penal maisenérgica. [...]. (MARCÃO, 2004, p. 200-201)

Destarte, a lei 9.099/95 (juizados especiais criminais) foiconsiderada pela maioria um avanço na legislação penal e pro-cessual penal brasileira, uma vez que fortaleceu as penas alterna-tivas à prisão e as difundiu, passando a ter grande aplicação eutilidade no ordenamento penal, prevendo tratamento diferenciadoe mais célere às infrações de menor potencialidade ofensiva, pormeio de mecanismos como a conciliação, transação penal, fixaçãoimediata de uma pena restritiva de direitos ou de multa e ainda es-tabelecendo a possibilidade de suspensão condicional do pro-cesso (APOLINÁRIO, 2010).

Percebe-se que a própria sociedade vem rechaçando aimposição de penas descomedidas aos delitos de menor poten-cialidade ofensiva. Assim, vem sendo crescente os mecanismosdespenalizadores, com a finalidade de se evitar abusos e exces-sos. Com esse espírito entrou em cena a lei dos juizados espe-ciais, a lei 9.099/95, com a possibilidade de transação penal eimposição de penas alternativas e suspensão condicional do pro-cesso. A respeito das penas alternativas, um exemplo clássico desua incidência ocorre na legislação penal especial, qual seja a lei

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de drogas (lei 11.343/06), em seu artigo 28, que estabelece penasrestritivas de direitos ou multa aos usuários de drogas, e de ma-neira alguma se tolera a imposição de penas privativas de liber-dade (NUCCI, 2010, p. 169).

Com relação aos crimes ambientais, os tribunais tambémvêm adotando os ensinamentos do direito penal mínimo e da in-significância. Nessa linha é o entendimento do Tribunal RegionalFederal da 4ª região (apud NUCCI, 2010, p. 106-107):

[...] Somente a expressiva ofensa ao bem jurídico relevanteadentra na esfera penal e, mesmo assim, quando outros ramosdo Direito não forem adequados para a proteção do bem jurí-dico. O direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai atéonde seja necessário para a proteção do bem jurídico, de modoque não há falar em adequação típica diante de lesão irrele-vante. A inexistência de qualquer espécime recolhido pelo réunão coloca em risco o equilíbrio ecológico, revelando-se insig-nificante no âmbito jurídico-penal. O maior perigo à biodiversi-dade nas regiões costeiras não provém das comunidadestradicionais, mas das grandes embarcações de pesca que des-respeitam zonas limítrofes de preservação. A aplicação do ins-tituto da insignificância, em casos similares ao presente, nãodeixa desprotegidos os bens tutelados pela norma jurídica, poisa apreensão do equipamento de pesca resulta efetivo prejuízoao acusado, de modo a coibir condutas idênticas a até mesmoa sua reiteração. (ACR 2007.72.01.004540-6-SC, 8.ª T., rel.Maria de Fátima Freitas Labarrére, 26.08.2009, m.v.)

Deduz-se, diante dos exemplos expostos, que o minima-lismo já é tendência no ordenamento jurídico brasileiro, consoli-dando a cada dia mais o princípio da intervenção mínima,corroborando a ideia de que para uma melhora e eficácia da justiçacriminal certos assuntos deveriam deixar de ser tutelados pelo di-reito penal e passar à proteção de outras esferas do direito.

Direito penal mínimo: mais eficiência ao ordenamento penal

A sociedade ainda não está preparada para o abolicio-nismo pregado por alguns doutrinadores e a importância de me-canismos de sancionamento penal mostra vitalidade ecompatibilidade constitucional. Os bens jurídicos lesados sem res-posta geram estímulo ao retrocesso, isto é, à justiça pelas próprias

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mãos e ao descrédito na força da democracia para manter a paz.Assim, o Estado Democrático de Direito não pode prescindir datutela dos bens jurídicos que ele próprio estabelece. A anomiapenal, ou seja, a ausência de leis penais, acarreta a sensação deimpunidade, e não de liberdade, como já se chegou a pensar: “Afraqueza do Estado em proteger seus cidadãos, especialmentediante da criminalidade violenta, organizada e financeira deslegi-tima o respeito que os direitos humanos, de todos, devem sempremerecer” (GONÇALVES, 2012, p. 28-29).

O princípio da insignificância, elaborado por Claus Roxin(apud CACHO, 2012, p. 31), fornece elementos ao minimalismopenal. Assim:

Só pode ser castigado aquele comportamento que lesione di-reitos de outras pessoas e que não seja simplesmente pecami-noso ou imoral. À conduta puramente interna, puramenteindividual - seja pecaminosa, imoral, escandalosa ou diferente -,falta a lesividade que pode legitimar a intervenção penal.

O direito penal mínimo representará uma maior efetivi-dade, como se observa no anteprojeto do novo Código Penal, quevisa descriminalizar algumas ações que já não são mais recrimi-nadas pela população e a criminalização de certas condutas quesão rejeitadas pela sociedade, mas ainda não estão tuteladas noordenamento penal, trazendo então para a futura estrutura do có-digo uma lógica jurídica. É preciso ter uma legislação que seja coe-rente com os problemas da sociedade brasileira e, além disso, queesta seja eficaz, atual e suficiente para o controle da criminalidade.É também importante que a política criminal que há de vir abarqueas várias correntes científicas modernas com seus dogmas rela-cionados (CACHO, 2012, p. 30).

No sentido de que novas leis não são o melhor caminhopara se enfrentar a criminalidade é o entendimento do renomadodesembargador e doutrinador Guilherme de Souza Nucci em en-trevista concedida à revista jurídica Consulex (2012, p. 7):

Estou plenamente convencido de que, no Brasil, o DireitoPenal está superinflacionado, embora, no começo de minhacarreira também achasse que tínhamos poucas leis. Não po-demos perder de vista, entretanto, que nosso processo penal

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é bastante garantista. Sua essência está voltada à liberdade in-dividual, mesmo porque a maioria de seus princípios basilaresestá na Constituição Federal.

Na sociedade brasileira o encarceramento parece ser umatradição, sendo a pena vislumbrada apenas no cárcere e não seadmitindo outras formas de aplicação da pena. Se não há prisão,a sociedade acredita que houve impunidade. O judiciário muitasvezes difunde essa cultura por meio de discursos como o direitopenal do inimigo (ODON, 2012, p. 33).

Os postulados do direito penal mínimo seriam muito efi-cientes no ordenamento pátrio, porque não possibilitam que os de-litos graves fiquem impunes. A impunidade não está relacionadaà quantidade de leis, no Brasil existe uma grande quantidade deleis em vigor, não sendo esta a questão. É necessário um Estadobem aparelhado capaz de apurar e punir, pois a sociedade estácansada de presenciar a impunidade de estupradores, corruptos,ladrões e traficantes (NUCCI, 2012, p. 8).

A punição efetiva não exige um ordenamento repleto deleis, e sim um Estado que apresente resultados no combate dasinfrações mais graves com um processo sério, ágil e objetivo.Nesse sentido, é melhor utilizar o poder judiciário para apurar epunir um homicídio rapidamente, deixando questões pormenori-zadas para a esfera administrativa, como é o caso, por exemplo,do ato obsceno (NUCCI, 2012, p. 7).

A respeito da variedade e da multiplicidade das normasensina Norberto Bobbio (1999, p. 5-6):

El número de reglas que cotidianamente encontramos em nues-tro camino, como seres que actuamos hacia fines, es incalcula-ble; es tal que enumerarlas sería tan fatigoso como vano contarlos granos de arena de uma playa. El iter de cada acción nues-tra, por modesta que sea, está contramarcado por um gran nú-mero de proposiciones normativas que resulta dificilmenteimaginable para quien actúa sin darse cuenta se las condicionesen las que lo hace.

Com o fito de organizar as leis extravagantes em umtexto codificado e descriminalizar algumas condutas está sendoelaborado o projeto do novo Código Penal, tendo como objetivo

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o princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima

ratio, limitando o poder incriminador do Estado de Direito e esta-belecendo que a criminalização de uma conduta só é devida sefor meio essencial e indispensável para a proteção de determinadobem jurídico. Portanto, a fim de evitar o excesso de crimes é im-portante ter em mente que se outros meios de controle socialforem capazes de tutelar os bens jurídicos violados, a sua crimi-nalização será inadequada e desnecessária (CACHO, 2012, p. 31).

A sociedade brasileira está infiltrada pela criminalização,defende Nucci (2012, p. 7):

O leigo acredita, erroneamente, que mais leis resultam na dimi-nuição das práticas criminosas. O fato é que temos uma infini-dade de condutas, classificadas como crime, que não sãopunidas. Com todo o respeito ao legislador pátrio, considero im-procedente a tipificação dos delitos de charlatanismo (art. 283,CP) e de curandeirismo (art. 284, CP). Em 23 anos de magis-tratura, nunca julguei esse tipo de crime. Acertadamente, a pre-visão de mendicância do Decreto-Lei nº 3.688/41 (art. 60) foirevogada, pois afrontava os princípios da Constituição Federal,mas a vadiagem (art. 59) ainda é contravenção penal cuja in-constitucionalidade demonstro em Princípios ConstitucionaisPenais e Processuais. A lei, nesse ponto, é elitista, pois admiteque o sujeito que possui renda incorra na vadiagem, presu-mindo que poderão praticar o roubo aqueles que não compro-vem meios bastantes de subsistência.

O controle social nunca foi verdadeiramente aplicado nasociedade brasileira, sendo aqui o controle social extremamentepenal e ainda racista, desigual, sexista, etnicista, autoritário e dis-criminatório. Contra a desordem sempre foi adotada a repressão(GOMES, 2012, p. 35).

CONCLUSÃO

O atual sistema punitivo já demonstrou que não é capazde conter a crescente onda de violência que se estabelece no seiode nossa sociedade. Fica evidente que simplesmente aumentar o

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número de crimes previstos na legislação ou o rigor com que sãopunidos os já existentes não soluciona o problema da criminali-dade e da insegurança causada por ela, além de não recuperar oinfrator e tampouco evitar a reincidência.

Diante disso, a criminologia crítica resolveu estudar o fe-nômeno da criminalização, passando a entender que o fato defi-nido como crime serve a interesses de uma classe dominantedentro da sociedade capitalista. Chegaram à conclusão de que so-mente uma parcela da sociedade é rotulada como criminosa, poisaqueles que possuem o controle sobre os meios de produção, econsequentemente o controle sobre o Estado e a aplicação da lei,jamais serão rotulados como criminosos. Ora, não é somente nasclasses mais baixas que ocorre o chamado desvio criminal, estesestão presentes em todos os grupos sociais e os que causam maisprejuízo para a sociedade e deveriam ser punidos com mais rigorsão justamente os praticados pelas classes dominantes, como, porexemplo, os chamados "crimes de colarinho branco".

A teoria do direito penal mínimo surgiu com a intenção dereduzir a atuação do direito penal, afirmando que sua aplicaçãode forma exagerada traria resultados mais graves do que benefí-cios à sociedade, pois o delito não existe na natureza, ele é criadopelo homem e, como já vimos, serve a interesses de alguns pou-cos. A sociedade capitalista fomenta a criminalidade e por issodeve rever seus valores, deixando de dar importância para umacriminalidade de rua e passando a dar mais enfoque à criminali-dade dos oprimidos, como, por exemplo, ao racismo e crimes docolarinho branco, crimes estes que causam prejuízo a umagrande parcela da sociedade e por tal motivo devem ser punidoscom mais rigor.

Ao optarmos pela intervenção penal mínima, estaríamosdecidindo descriminalizar as condutas menos lesivas à sociedadee reconhecendo que o sistema punitivo atual não atinge seus ob-jetivos. A pena privativa de liberdade ficaria restrita apenas a al-guns crimes, notadamente aqueles considerados graves, e haverialarga aplicação de penas alternativas.

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Angela Acosta Giovanini de Moura*

A sociedAde de risco e o desenvolvimento sustentável:

desAfios à gestão AmbientAl no brAsil

ThE RIsk sOCIETy AnD sUsTAInAblE DEvElOPMEnT: ChAllEnGEs fOR EnvIROnMEnTAl MAnAGEMEnT In bRAzIl

lA sOCIEDAD DEl RIEsGO y El DEsARROllO sOsTEnIblE: RETOs PARA lA GEsTIón AMbIEnTAl En bRAsIl

Resumo:

A concepção capitalista que orienta o crescimento econômico por

meio de acumulação de riqueza e de investimento tecnológico

avançado deflagrou uma crise social e ambiental de proporções

alarmantes, intensificada pelo estilo consumista adotado pelas na-

ções desde a revolução industrial. Envolta em riscos e incertezas

propagados pelas catástrofes ambientais de ordem planetária, a

comunidade global busca uma mudança de paradigma que concilie

desenvolvimento com proteção e preservação da natureza, objeti-

vando garantir o mínimo existencial ecológico capaz de propiciar

uma sadia qualidade de vida para a atual geração e para as futuras.

O trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica

reflexiva sobre a necessidade de se buscarem estratégias de ges-

tão ambiental pautadas em um modelo mais conectado com as ne-

cessidades da sociedade atual.

Abstract:

The capitalist concept that guides the economic growth through

accumulation of wealth and advanced technological investment

triggered a social and environmental crisis of alarming propor-

tions, enhanced by the consumerist style adopted by the nations

since the Industrial Revolution. Surrounded by risks and uncer-

tainties which were propagated by the world environmental

* Mestra em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC-GO. Espe-cialista em Ciências Penais pela Uniderpe. Promotora de justiça do Estado de Goiás.

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catastrophes, the global community seeks a paradigm shift that

balances development with protection and preservation of nature

and aims to guarantee minimal environmental existential able to

provide a healthy quality of life for the present and the future ge-

nerations. The work was developed through a bibliographical re-

search reflecting on the need to seek environmental

management strategies based on a more connected with the

needs of contemporary society.

Resumen:

El concepto que impulsa el crecimiento económico capitalista a

través de la acumulación de la riqueza y de la inversión en tec-

nología avanzada provocó una crisis social y ambiental de pro-

porciones alarmantes, reforzada por el estilo adoptado por los

países consumidores desde la Revolución Industrial. Envuelto en

riesgos e incertidumbres propagadas por catástrofes ambientales

de orden mundial, la comunidad mundial busca un cambio de pa-

radigma que una el desarrollo equilibrado con la protección y pre-

servación de la naturaleza para garantizar un mínimo existencial

ecológico y proporcionar una calidad de vida saludable para la

generación actual y para futuro. El trabajo se desarrolló a través

de una literatura que refleja la necesidad de buscarse estrategias

de gestión ambiental basadas en un modelo mejor conectado con

las necesidades de la sociedad contemporánea.

Palavras-chaves:

Sociedade de risco, meio ambiente, instrumentos econômicos,

gestão ambiental.

Keywords:

Risk society, environment, economic instruments, environmental

management.

Palabras clave:

Sociedad de riesgo, el medio ambiente, los instrumentos econó-

micos, la gestión ambiental.

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introduÇão

O entendimento predominante de que o crescimento eco-nômico estaria pautado na acumulação de riqueza e na tecnologiaacabou deflagrando uma crise social e ambiental de proporçõesalarmantes, tendo em vista o estilo de desenvolvimento adotadopelas nações após a revolução industrial. A exploração intensa dosrecursos naturais, considerados infinitos, para atender o processode industrialização ditado pelo capitalismo, culminou com o surgi-mento de vários desafios a serem enfrentados pela sociedade mo-derna, sendo o desafio ambiental, denunciando a escassez dosrecursos naturais, o mais grave.

Envolta em riscos e incertezas propagados pelas catás-trofes ambientais de ordem planetária, a comunidade global buscauma mudança de paradigma para conciliar desenvolvimento comproteção e preservação ambiental, objetivando garantir uma sadiaqualidade de vida para a atual geração e para as futuras.

Essa nova postura diante das questões ambientais é aglu-tinadora e deve alcançar os aspectos sociais, culturais e políticosdo desenvolvimento sustentável, para garantir à coletividade o mí-nimo existencial ecológico, como corolário do princípio constitucio-nal da dignidade da pessoa humana.

no entanto, os efeitos transfronteiriços da poluição, aquestão dos transgênicos, do desmatamento em larga escala, asuperpopulação planetária, as pesquisas com células-tronco, sãotemas complexos e desafiadores demais para serem enfrentadospelos mecanismos tradicionais do ordenamento jurídico vigente(bElChIOR, 2011, p. 124).

Importa destacar, nesse contexto, os princípios do poluidorpagador e do protetor recebedor, construídos em observância aos im-pactos ambientais que geram externalidades negativas ou positivas.

A percepção formulada pela teoria ecológica de que, nasrelações de mercado, há impactos (externalidades) que escapamao contrato estabelecido pelas partes, gerando custos ou benefí-cios à sociedade, contribuiu para a definição do conceito de paga-mento por serviços ambientais (protetor-recebedor), na hipótesede externalidades positivas, como meio de o Estado incentivar a

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sua produção. Por outro lado, as externalidades negativas, ge-rando custos sociais, devem ser internalizadas por meio de siste-mas de cobrança dos prejuízos causados à sociedade (poluidor-pagador).

O presente trabalho, norteando-se pela Análise funcionaldo Direito, proposta por norberto bobbio, examina a possibilidadejurídica para a implantação de um mecanismo de pagamento pelosserviços ecossistêmicos como incentivo à preservação e à manu-tenção dos recursos ecossistêmicos, como ferramenta de políticaambiental suscetível de dirigir um comportamento ambientalmentedesejável e garantir o mínimo existencial ecológico numa perspec-tiva projetada no tempo para salvaguardar a dignidade da pessoahumana para esta e para as futuras gerações.

do desenvolvimento econÔmico Ao sustentável

As mudanças tecnológicas, introduzidas pela revoluçãoindustrial, impactando o processo produtivo social e econômico,foram objeto de reflexão por várias escolas de pensamento, asquais buscaram analisar o fenômeno que alterava profundamentea forma de funcionamento do mercado em razão da acelerada es-cala de produção imposta pela Revolução Industrial.

A revolução industrial também alterou substancialmente aforma de o ser humano se relacionar com a natureza, porquantoo método de produção em grande escala exigia mais pressãosobre os recursos naturais, ante a necessidade de serem atendi-das as crescentes demandas sociais de consumo e de mercado.

Os lucros obtidos com a industrialização favoreceram asolidificação do capitalismo. voltado para a produção e a acumu-lação constante de riquezas, o emergente sistema econômico exi-gia intensa intervenção humana sobre a natureza, consideradabem comum e fonte ilimitada de recursos.

A publicação da obra A riqueza das nações, do econo-mista escocês Adan smith, em 1776, considerada um referencialpara os estudos sobre economia, aponta, dentre outras teorias, a

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concepção de que o crescimento econômico de uma nação é umadas principais condições para o alcance do desenvolvimento, con-forme observou ao analisar o sucesso econômico de vários países.Para smith, a riqueza, ou valor econômico, é criada pelo trabalho,ou seja, pela transformação de recursos da natureza em coisasque as pessoas querem (CEChIn, 2010, p. 29).

não obstante, as consequências do processo de indus-trialização e urbanização no setor social e ambiental, decorrentesda revolução industrial e do capitalismo, foram aos poucos mol-dando outra forma de pensar o crescimento econômico, formando-se o entendimento de que o aumento da riqueza de uma naçãonão importava, necessariamente, em melhoria na qualidade devida da população.

O cenário social e ambiental delineado pela revolução in-dustrial reclamava mudanças de paradigmas. O crescimento eco-nômico ditado pelo método de produção capitalista e que permitiuaos países industrializados se destacarem no mercado internacio-nal contabilizou, por outro lado, saldo negativo. O crescimento de-sordenado das cidades, a poluição ambiental e sonora, ascondições de trabalho insalubres nas indústrias, o desemprego, afalta de moradia digna, entre outras consequências da industriali-zação, foram demasiadamente nocivos à sociedade. As dimen-sões assumidas pela pobreza absoluta nos novos centros urbanospassaram a preocupar muito mais do que o próprio crescimentoeconômico da nação. A crença depositada na ideia da acumulaçãode capital e de riqueza como forma de se obter qualidade de vidae bem-estar social foi se modificando.

Por muito tempo, o conceito de crescimento econômicofoi associado ao conceito de desenvolvimento. Todavia, as expres-sões são abordadas sob enfoques diferenciados, porquanto “oconceito de desenvolvimento envolve aspectos relacionados como bem-estar da população, enquanto o crescimento econômicoprioriza a acumulação de capital” (MAsCAREnhAs, 2008, p. 30).

nesse sentido, o economista estadunidense herman Daly(1992, p. 334) afirma que os conceitos seguem leis diferentes. En-quanto o crescimento é quantitativo e está relacionado ao aumentode tamanho em razão da acumulação de matéria, o desenvolvimentoé qualitativo e está ligado à realização de um potencial, devendo ser

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mensurado por meio de uma perspectiva humana e social. Pode-seafirmar que o crescimento significa ficar maior, enquanto o desenvol-vimento se verifica quando as coisas ficam melhores.

Preconizou-se, assim, que o desenvolvimento pleno deuma nação em crescimento economicamente deve apontar me-lhoria substancial nas condições de vida da população.

nesse diapasão, o economista indiano Amartya sem(apud CEChIn, 2010, p. 176), prêmio nobel em 1998, acentua que:

o desenvolvimento requer a remoção das principais fontes deprivação da liberdade: a pobreza e a tirania, a carência de opor-tunidades econômicas e a destituição social sistemática, a ne-gligência dos serviços públicos e a intolerância ou a interferênciade Estados repressivos.

A Organização das nações Unidas, a partir do ano de1993, passou a adotar o índice desenvolvido por Amarta sem epor outros economistas para a aferição do desenvolvimento deuma nação. Para tanto, não se considera apenas os aspectos eco-nômicos, cujo índice de aferição se dá pelo Produto Interno bruto(PIb), mas também os aspectos políticos, sociais e culturais.

Por outro lado, o termo sustentabilidade também foi cu-nhado décadas depois da segunda Grande Guerra, quando a es-cassez de recursos naturais passou a preocupar os países que seindustrializaram. Inserindo a discussão na agenda global, o termosustentabilidade foi adicionado ao conceito de desenvolvimento,apresentando-se como um modelo que atende às necessidadesdo presente sem comprometer a possibilidade de as gerações fu-turas atenderem às suas próprias necessidades. A partir de entãoa proposta do Desenvolvimento sustentável passa a ser a tônicana agenda mundial.

Atualmente, o Programa das nações Unidas para o MeioAmbiente, por meio de sua Comissão, tem articulado uma novaproposta1 para enfrentar a crise ambiental, pautada no investimento

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1 O relatório “Rumo à uma economia verde: caminhos para o desenvolvimento sus-tentável e a erradicação da pobreza – Uma síntese para tomadores de decisão” sugereum modelo econômico capaz de evitar os riscos e a escassez dos recursos naturais,atualmente comprometidos com a atual economia de alta emissão de carbono.

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de 2% do PIb mundial em um novo modelo econômico de baixocarbono para combater a pobreza e gerar um crescimento maisverde e eficiente no mundo.

sociedAde de risco no estAdo de direito AmbientAl

Os impactos sociais e ecológicos, evidenciados pela de-sigualdade social, pelo aumento da pobreza e pela degradaçãoantrópica dos recursos naturais, resultantes dos padrões dominan-tes de produção e consumo, deflagraram uma crise ambiental pla-netária (lEff, 2004, p. 352), que se agravou com o fenômeno doaquecimento global, sendo esta a problemática mais desafiadora,porquanto global (WEyERMÜllER, 2010, p. 41).

A crise ambiental está relacionada com a incapacidade hu-mana em administrar o uso dos recursos naturais, conforme alertao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas nos quatrorelatórios já publicados, advertindo, inclusive, sobre as catástrofesnaturais e os fenômenos funestos que podem ocorrer no planeta.

O agravamento do risco produzido pela sociedade contem-porânea vincula-se à insurgência de novos fatores de incerteza e deimprevisibilidade, que reduzem a capacidade de resposta pelos me-canismos atuais de gestão pública. “Pode-se afirmar que a sociedademoderna criou um modelo de desenvolvimento tão complexo e avan-çado, que faltam meios capazes de controlar e disciplinar esse de-senvolvimento” (CAnOTIlhO; lEITE, 2010, p. 152).

As sociedades de risco, como são designadas por beck2

(bElChIOR, 2011, p.114), encontram-se profundamente transfor-madas por seu próprio desenvolvimento, ante a produção de ex-ternalidades negativas em âmbito global. Isso porque, segundobeck (2009, p. 29), “los riesgos de la modernización afectan más

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2 Ulrich beck, sociólogo germânico, autor do livro Sociedade de Risco (1996),usa o termo ‘sociedade de risco’ para “designar uma fase no desenvolvimentoda sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e indi-viduais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e aproteção da sociedade industrial” (bElChIOR, 2011, p. 114).

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tarde o más temprano también a quienes los producen o se bene-fician de ellos. Contienen un efecto bumerang que hace saltar porlos aires el esquema de classes”3.

O desenvolvimento dos recursos tecnológicos, científicos,industriais e o processo de industrialização estão ligados profun-damente ao processo de produção de riscos, haja vista a exposi-ção da humanidade a possibilidades de ser contaminada deinúmeras formas, nunca antes registradas. Os riscos que amea-çam constantemente a sociedade e o meio ambiente são oriundosdos resíduos gerados, da biotecnologia, da energia atômica e nu-clear, do desmatamento acelerado que compromete a biodiversi-dade e os recursos hídricos, dentre outros, os quais se manifestamglobalmente, de forma imperceptível.

O problema é acentuado quando se constata que os ris-cos gerados se projetam no tempo, afetando as futuras gerações,possivelmente de forma ainda mais comovente, ante a ausênciade certeza e de controle de seu grau de periculosidade (CAnOTI-lhO; lEITE, 2010, p. 153).

A sociedade de risco, pós-moderna, segundo Weyermüller(2010, p. 42), se caracteriza pela incerteza quanto ao futuro e pelapotencialidade da destruição da vida, manifestada pela tecnologiaarmamentista ou pelo esgotamento dos recursos naturais.

Os riscos produzidos pela sociedade massificada e veloz,mergulhada em uma extensa rede de interligações, segundo beck(2009, p. 28-30), podem ser concretos, quando previsíveis peloconhecimento humano; ou abstratos, portanto invisíveis, imprevi-síveis pelo conhecimento científico, como são os riscos produzidospelo modelo de produção e consumo atual.

De igual entendimento, belchior (2011, p. 114) assinala quenem sempre é possível controlar os riscos produzidos pela própria so-ciedade, sendo estes muitas vezes de difícil prevenção e diagnóstico.

notadamente, a sociedade contemporânea produz riscosque podem ser controlados e outros que escapam ou neutralizamos mecanismos de controle típicos da sociedade industrial. A so-ciedade de risco revela-se, portanto, como um modelo teórico que

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3 Tradução: Os riscos da modernização afetam, cedo ou tarde, também aquelesque produzem ou se beneficiam deles. Eles possuem um efeito bumerangueque atinge diversas camadas da sociedade.

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marca a falência da modernidade, emergindo um período pós-mo-derno, na medida em que as ameaças produzidas ao longo da so-ciedade industrial começam a tomar forma.

As consequências do aquecimento global afetam todas asnações, mesmo aquelas que não contribuíram de forma direta edefinitiva para o fenômeno. no entanto, o destino da humanidadeestá na tomada de decisões em relação ao futuro, pois as incerte-zas e os riscos atuais reclamam a adoção de estratégias de ges-tão, em âmbito local e global, em favor do meio ambiente e da vida.

nesse contexto, o direito a um meio ambiente ecologica-mente sadio e preservado para a presente e para as futuras gera-ções se reafirma como um direito humano fundamental, “namedida em que ele se torna imprescindível para a promoção dadignidade da pessoa humana” (bElChIOR, 2011, p. 119). Ade-mais, as questões ambientais possuem natureza complexa e di-fusa, desafiando o Estado e o ordenamento jurídico.

A repartição da responsabilidade pela proteção ambientalao Estado e à Coletividade e as disposições preservacionistas quepermeiam o texto constitucional conferem ao Estado Democráticode Direito uma dimensão ecológica, perfil que contribuiu para a cons-trução teórica do Estado de Direito Ambiental, moldado pela garantiade um mínimo existencial ecológico como premissa da dignidade dapessoa humana (sARlET; fEnsTERsEIfER, 2011, p. 9).

O Estado de Direito Ambiental surge como resposta àsnecessidades da sociedade de risco. Objetiva garantir o mínimoexistencial ecológico, indispensável para viabilizar a vida, uma vezque a qualidade ambiental é elemento imprescindível ao pleno de-senvolvimento de todo o potencial humano.

Dessa forma, é papel do Estado garantir aos indivíduosas condições mínimas de existência, valorizando a dignidade dapessoa humana, na medida em que efetiva as prioridades asse-guradas na Constituição federal.

Essa atividade prestacional positiva por parte do Estado,segundo belchior (2011, p. 226), exige a implementação de “polí-ticas públicas que propiciem uma condição de vida digna paratodos e que garantam condições mínimas de sobrevivência ao serhumano, ou seja, o mínimo existencial ecológico”.

nessa perspectiva, é dever do Estado operacionalizar

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meios de efetivação do direito fundamental do meio ambiente eco-logicamente equilibrado para enfrentar os desafios e as necessi-dades emergentes da sociedade pós-moderna, com vistas àmanutenção da vida sadia às gerações do futuro.

instrumentos de comAndo e controle X econÔmicos

A implementação de políticas públicas ambientais, em vir-tude da globalização, se apresenta, atualmente, como um desafioa ser enfrentado pela sociedade pós-moderna, porquanto a to-mada de decisão dos governos nacionais apontará suas posiçõesperante os demais atores internacionais. Ademais, os instrumentosde políticas ambientais adotadas têm como finalidade definir es-tratégias de economia e proteção dos recursos ambientais (flO-RIAnO, 2007, p. 40).

no brasil, os gestores públicos fazem uso de vários instru-mentos de política ambiental, sobretudo os enumerados na lei6938/91 (PnMA), objetivando a preservação, a melhoria e a recu-peração da qualidade ambiental, para assegurar condições ao de-senvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurançanacional e à proteção da dignidade da vida humana (bRAsIl, 1981).

Por instrumentos de política ambiental compreendem-seos conjuntos de ações voltados para a redução dos impactos ne-gativos da ação antrópica sobre o meio ambiente (MAy, 2010, p.163-164). Atualmente, os instrumentos de gestão ambiental divi-dem-se em dois grupos: instrumentos de comando e controle, tam-bém conhecidos como regulatórios, e instrumentos econômicos,chamados de mecanismos de mercado (bARbIERI, 2009, p. 74).

Utilizados com mais frequência, os instrumentos de co-mando e controle ou instrumentos regulatórios constituem políticasregulatórias materializadas por meio da edição de lei específicapara regulamentar o uso e o acesso aos recursos naturais(CUnhA; GUERRA, 2010, p. 45) por meio da penalização. Obje-tivam restringir as ações do poluidor por meio de normas e padrõesambientais, fiscalizando o seu cumprimento (bARbIERI, 2009, p.

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74). Essa fiscalização deve ser constante, “contínua e efetiva porparte dos órgãos reguladores, implicando altos custo de implemen-tação” (MAy, 2010, p. 169).

A principal característica desses instrumentos é consideraro poluidor como alguém potencialmente capaz de cometer delitos,impondo-lhe regras que, não cumpridas, acarretam penalidadesem processos judiciais ou administrativos (AlMEIDA, 1998, p. 43).

As políticas de comando e controle são determinadas le-galmente e não conferem aos agentes econômicos outras opçõespara solucionar o problema. Quem determina os padrões a seremseguidos são os órgãos ambientais responsáveis pelo controle emuma determinada região (vARElA, 2001, p. 11).

Embora o sistema regulatório brasileiro divida seus custose esforços entre União, estados e municípios, a legislação ambien-tal não tem sido capaz de reduzir a poluição, o combate ao des-matamento e a má utilização dos recursos naturais.

A eficácia desses instrumentos está intimamente relacio-nada com a capacidade que o órgão de controle ambiental tempara assegurar a obediência à lei, adotando adequada estratégiade fiscalização e punição dos infratores, e resistir às investidas degrupos políticos que possam contestar.

Por outro lado, veiga neto (2008, p. 24) ressalta a exis-tência de vasta literatura apontando as vantagens e as desvanta-gens dos instrumentos de comando e controle, mas atribui mais“expectativa em relação à eficiência e efetividade geradas pelosinstrumentos econômicos em relação aos instrumentos de co-mando e controle”.

nesse sentido, o uso de instrumentos econômicos emgestão ambiental tem crescido nos últimos anos, tanto como me-canismo de preservação dos recursos naturais e promoção do de-senvolvimento sustentável quanto forma de mitigação dos danoscausados ao meio ambiente.

Ademais, os instrumentos econômicos foram implemen-tados ante a necessidade de complementar-se o quadro normativoem matéria de gestão ambiental, não somente porque os instru-mentos regulatórios se revelaram insuficientes para frear a degra-dação crescente da natureza (PEREIRA, 1999, p. 8), comotambém ante a necessidade de as políticas públicas se articularem

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à dimensão social e econômica do desenvolvimento sustentável. Para Thome (2011, p. 199), a opção pelos instrumentos

econômicos, como forma de proteção ambiental, tem o propósitode estimular a adoção de gestões ecológicas, porquanto seu em-prego estratégico busque “privilegiar práticas consideradas am-bientalmente desejáveis e inviabilizar aquelas que podem resultarem degradação ecológica” (CUnhA; GUERRA, 2010, p. 45).

Dentre as vantagens que apresentam, os instrumentos eco-nômicos não se revestem de coerção e nem pressupõem o estabe-lecimento de restrições. Atuam por meio de incentivos econômicos,objetivando induzir o comportamento das pessoas e das organiza-ções em relação ao meio ambiente (bARbIERI, 2009, p. 74).

salienta-se que os instrumentos econômicos são todo“mecanismo de mercado que orienta os agentes econômicos a va-lorizarem os bens e serviços ambientais de acordo com sua escas-sez e seu custo de oportunidade social” (CARDOsO, 2004, p. 7).

A Questão dAs eXternAlidAdes

Compreendendo-se o meio ambiente como um bem pú-blico, é possível considerar que um agente pode fazer uso dos re-cursos naturais sem suportar os custos sociais “correspondentesaos danos ambientais causados, impondo assim custos externos(externalidades negativas) à economia dos demais agentes quese utilizam do mesmo bem público” (AMAzOnAs, 1994, p. 22).

nesse sentido, May et al. (2005, p. 12), sob uma perspec-tiva econômica neoclássica, esclarece que os resíduos despejadosno ambiente, como também os efeitos nocivos dos processos pro-dutivos, resultam em custos repassados à sociedade, afetando-lhe o bem-estar.

A atividade econômica impactante ao meio ambiente geracustos que não são assumidos pelo empreendedor, uma vez queeste somente aufere os benefícios de sua atividade, transferindoesses custos (externalidades negativas) à sociedade.

há, dessa forma, uma dicotomia entre os custos privados

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e os custos sociais, impondo-se a internalização da diferença des-ses custos. no caso das externalidades ambientais negativas, ainternalização deve corresponder à inserção dos prejuízos sociaisnos custos de produção para que a atividade econômica seja es-tabelecida em padrões elevados, sob o ponto de vista da proteçãoambiental (lOREnzETTI, 2010, p. 34).

A problemática apontada pela teoria econômica sobre aquestão das externalidades objetiva recompensar as ações que es-timulem a redução ou até mesmo a eliminação destas. Essa percep-ção, necessidade da internalização das externalidades, “foi o grandefato indutor da agregação do princípio do poluidor pagador comobase para a elaboração dos instrumentos de gestão ambiental”(sEIffERT, 2010, p. 21).

Para o Direito Ambiental, o princípio do poluidor pagador temacentuada importância, pois todo sistema de proteção jurídica do meioambiente gravita em sua órbita (MOTA; yOUnG, 1997, p. 8).

O princípio do poluidor pagador tem por finalidade “fazercom que os agentes que desencadearam as externalidades nega-tivas, assumam os custos impostos a terceiros, internalizando oscustos ambientais” (JUsTInIAnO, 2010, p. 32).

não obstante, Justiniano (2010, p. 39) argumenta que, sepor um lado as externalidades negativas devem ser suportadas aoagente que as causou, deve-se conferir igual importância àquelesque “protegem ou promovem a reparação do meio ambiente, emface das externalidades positivas que propiciam à coletividade”.

siqueira (2004, p. 45) ressalta que a atividade humanacapaz de propiciar o aumento do nível de bem-estar de uma so-ciedade, gerando externalidades positivas, deveria ser compen-sada por essa sociedade, de forma correspondente, em respostaao dever fundamental de que a preservação do meio ambiente éresponsabilidade constitucional imposta a todos.

nessa perspectiva, o princípio do protetor recebedor pro-cura remunerar quem protege um recurso natural, tendo em vistaos benefícios gerados a toda sociedade

O conceito protetor-recebedor atende a uma lógica eco-nômica que busca prestigiar e reconhecer as iniciativas conserva-cionistas de muitos provedores de serviços ecológicos, por meiode compensação financeira, em reconhecimento às externalidades

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positivas geradas pelo comportamento ambientalmente reco-mendado que, inclusive, contribui para a redução de gastos pú-blicos, trazendo benefícios para toda a coletividade (fURlAn,2010, p. 230).

A sAnÇão PremiAl como ferrAmentA de gestãoAmbientAl

As desordens ambientais que ameaçam o futuro da socie-dade humana exigem uma compreensão e uma abordagem inter-disciplinar do direito, “fundamental para a descoberta de caminhospossíveis na resolução dos problemas”, uma vez que a ciência ju-rídica, isoladamente, não conseguiu absorver as complexidadesdas questões ambientais” (MAsCAREnhAs, 2010, p. 24).

Preleciona bobbio (2007, p. 33) que a ciência jurídica tembuscado se aproximar, gradativamente, de outras ciências, em es-pecial das ciências sociais, numa tentativa de romper o isolamentoe ampliar os próprios horizontes, para dar respostas à crise social.

Destaca-se, nesse prisma, a contribuição da filosofia eda sociologia moderna na construção da teoria promocional dodireito, que embora possa conflitar com o modelo predominanteadotado na ordem jurídica, com predomínio de sanções negati-vas, vem se mostrando promissora, principalmente na área dodireito ambiental.

A concepção moderna do Estado, que não superou osmodelos anteriores, mas se lhe agregou nova feição, ainda man-tém a tradicional técnica de garantir direitos por meio de presta-ções negativas traduzidas na sanção (bObbIO, 2007, p. 7).

A sanção, em sua versão negativa, revelada pela imposiçãode castigo para se obter um comportamento desejado, foi objeto dereflexão por pensadores desde o século Xv, procurando “por uminstrumental de governo diversificado e indireto que fosse além daimposição de comportamentos por meio da força”. nicolau Maquia-vel, Jean bodin e Thomas hobbes, apesar de sustentarem a puni-ção como instrumento eficiente de submissão a serviço do governo,

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visualizavam na recompensa um instrumento promocional capaz decontribuir a favor do Estado (bEnEvIDEs fIlhO, 1999, p. 18-19).

segundo benevides filho (1999, p. 29-55), os séculosseguintes foram marcados pelo entendimento de que a obriga-ção legal não pode ser premiada, porquanto imoral, emboraoutros filósofos e pensadores iluministas voltassem a refletirsobre o tema.

O conceito alcançou o campo jurídico a partir do séculoXIX, com as formulações teóricas de Jeremy bentham, “conside-rado como o pai do direito premial, onde a recompensa é tratadacomo uma técnica motivacional positiva de direcionamento decomportamento intersubjetivo inserida em um sistema global ecomplexo” (bEnEvIDEs fIlhO, 1999, p. 56).

As reflexões do jurista alemão do século XIX Rudolf vonIhering Jhering, em seu tratado4 sobre as alavancas que determi-nam o movimento social, ao analisar o sistema de recompensa es-tatal adotado pelas sociedades antigas, especialmente pelo direitoromano, embora distantes das modernas leis de incentivo econô-mico ou social, destacavam a sua importância como alavancas domovimento social (fURlAn, 2010, p. 173).

na leitura de bobbio (2007, p. 9), Jhering reconhecia a im-portância da recompensa limitada apenas às esferas de relaçõesdo comércio privado, acrescentando que as alavancas fundamen-tais do movimento social são, sob o aspecto econômico, a recom-pensa, e, sob o aspecto político, a pena.

Mas foi hans kelsen, de acordo com benevides filho(1999, p. 71), “o primeiro jurista de vulto a analisar o problema dacientificidade do Direito segundo os novos critérios epistemológi-cos do neopositivismo”.

Para bobbio (2007, p. 53-54), kelsen se dedicou mais ainvestigar “como é feito o direito do que para que serve o direito”,contribuindo para que a análise estrutural do ordenamento jurídicocomo sistema dinâmico se intensificasse. na obra kelsiana, a aná-lise funcional do direito foi excluída completamente para uma pro-funda investigação estrutural do ordenamento jurídico. “segundo

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4 Zweck im Recht, no original. Traduzido para a língua portuguesa sob o títuloA finalidade do Direito.

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o fundador da teoria pura do direito, uma teoria científica do direitonão deve se ocupar da função do direito, mas tão somente dosseus elementos estruturais” (bObbIO, 2007, p. 54).

Definindo direito como uma ordem de coação, kelsen sus-tenta que sua função essencial é a de regulamentar o emprego daforça nas relações sociais, salientando que o direito se distinguepor atrelar a determinadas condutas indesejadas uma conse-quente aplicação de um ato coação, de um emprego de forças(bEnEvIDEs fIlhO, 1999, p. 90).

O pensamento kelseniano sobre a função coativa do direito,vinculado essencialmente ao uso de força, levou à exclusão das san-ções positivas do rol das sanções jurídicas (bObbIO, 2007, p. 28).

no entanto, embora as construções filosóficas houvessemdispensado mais prestígio à coação como instrumento capaz decondicionar comportamentos, as reflexões sobre outro mecanismode controle social, para além da concepção repressiva como ele-mento condicionante de condutas, contribuíram para manter otema sempre presente.

nesse sentido, assevera Reale (1990, p. 679) que a coa-ção não pode ser compreendida como elemento essencial ao Di-reito, porquanto ensejaria o esvaziamento do “Direito Internacional,até hoje fundado no consenso espontâneo das nações”.

Continua o autor acrescentando que,

[...] se a coação fosse um elemento essencial do Direito, nãohaveria nenhuma norma jurídica que, por sua vez, não estivessesubordinada a outra norma dotada de coação. O Direito seriaum absurdo sistema de normas, cada uma delas dotada de coa-ção, garantida por outra, também dotada de coação e, assim,até o infinito, a não ser que se chegasse a um ponto no qual jánão houvesse mais Direito, por haver apenas a "norma" ou ape-nas a "coação", uma desligada da outra.

A concepção coativa do direito, como instrumento de con-trole social, é revista, na atualidade, pela teoria funcional do filósofoitaliano norberto bobbio, cuja contribuição à ciência jurídica tem per-mitido o entendimento de que o direito se presta também a uma fun-ção promocional, no sentido de premiar comportamentos desejáveis.

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De acordo com bobbio (2007, p. 73), a função promocio-nal do direito se manifesta pelas sanções positivas, consubstan-ciadas no prêmio e no incentivo. A medida em que bobbio afirmaque o direito não se limita a reprimir, mas a estimular ou promover(p. 77), amplia a função do direito para além de mero instrumentode controle social, para concebê-lo também como meio promocio-nal de condutas positivas.

nesse sentido, bobbio (2007, p. 79) é categórico:

A função de um ordenamento jurídico não é apenas controlarcomportamentos dos indivíduos, o que pode ser obtido por meioda técnica das sanções negativas, mas também direcionar oscomportamentos para certos objetivos preestabelecidos. Istopode ser obtido, preferivelmente, por meio da técnica da sançãopositiva e dos incentivos.

Analisando o entendimento de juristas contemporâneossobre a importância das leis de incentivo para o ordenamento ju-rídico, bobbio (2007, p. 17) esclarece que a diferença dessas nor-mas da maioria das normas sancionatórias é que aquelasempregam a técnica do encorajamento, promovendo comporta-mentos desejados, enquanto estas empregam a técnica do desen-corajamento, ao reprimir comportamentos não desejados.

sublinha bobbio (2007, p. 79) que a concepção tradicionaldo direito como ordenamento coativo funda-se na compreensãohobbesiana de homem mau, cujas tendências antissociais devemser controladas. De outra forma, o direito, considerado como or-denamento diretivo, busca estimular comportamentos positivos porconsiderar o homem um ser passivo, inerte e indiferente. Concluio autor que o direito deve ser definido do ponto de vista funcional,como forma de controle e de direção social.

O conceito de sanção relaciona-se com as medidas queum ordenamento normativo que se dispõe a reforçar o respeito àssuas leis e, em alguns casos, remediar os efeitos de uma possívelinobservância. Dessa forma, o ordenamento jurídico que se propõea ser efetivo e a não desaparecer em decorrência de uma gene-ralizada falta de atenção às normas que o compõe estabelece me-didas que podem ser classificadas em função do momento da

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violação (bEnEvIDEs fIlhO,1999, p. 92).Analisando as ilações filosóficas que permearam as es-

colas de pensamento do século XIX sobre a sanção enquantonorma negativa, bobbio (2007, p. 5) atenta para que não se con-funda, do ponto de vista analítico, normas e sanções em seus as-pectos negativo e positivo. sustenta o filósofo italiano que umacoisa é a distinção entre comandos e proibições, outra é a distin-ção entre prêmios e castigos:

Ainda que, de fato, as normas negativas se apresentem habi-tualmente reforçadas por sanções negativas, e as sanções po-sitivas se apresentem predominantemente predispostas ao (eaplicado para o) fortalecimento de normas positivas, não háqualquer incompatibilidade entre normas positivas e sançõesnegativas de um lado, e normas negativas e as sanções positi-vas, de outro. Em um sistema jurídico muitas das normas refor-çadas por sanções negativas são normas positivas (comandode dar ou fazer). As técnicas de encorajamento do Estado as-sistencial contemporâneo aplicam-se, embora mais raramente,também às normas negativas. Em outras palavras, pode-setanto desencorajar a fazer quanto encorajar a não fazer. Por-tanto, podem ocorrer de fato quatro diferentes situações: a) co-mandos reforçados por prêmios; b) comandos reforçados porcastigos; c) proibições reforçadas por prêmios; d) proibições re-forçadas por castigos. (bObbIO, 2007, p. 6)

Compreende-se, assim, numa perspectiva bobbiana, queos prêmios estão relacionados a comandos e os castigos ligam-se aproibições. Existe uma tendência em se premiar ou punir uma açãomais do que a omissão, por isso é mais interessante ao ordenamentojurídico premiar uma ação do que uma omissão, sendo um compor-tamento previsto por uma norma positiva, da mesma forma em queé mais usual punir uma ação do que uma omissão, quando o com-portamento é contrário a uma proibição (bObbIO, 2007, p. 6-7).

O direito contemporâneo ainda prioriza os mecanismoscoativos para obter respeito às leis, estabelecendo um vínculo in-dissolúvel entre direito e coação, em razão da importância exclu-siva conferida às sanções negativas como meio para conservar opatrimônio normativo (bObbIO, 2007, p. 7).

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Diversamente dos mecanismos tradicionais coativos, afunção promocional do direito se efetiva pelos expedientes doprêmio e do incentivo; adotando-se os incentivos para facilitar oexercício de uma determinada atividade econômica, e os prêmiospara oferecer uma satisfação a quem já tenha realizado uma de-terminada atividade (bObbIO, 2007, p. 71-72).

Em decorrência das reflexões apontadas, importa consi-derar que as transformações da sociedade contemporânea e acomplexidade das questões ambientais conduzem a uma ponde-ração sobre o instrumental jurídico atual, manifestado na proteçãoe repressão, a medida que não se mostraram suficientes para pro-mover as condutas ecologicamente consideradas adequadas.

As agressões ao meio ambiente, materializadas pela dimi-nuição da camada de ozônio, pelo aquecimento global, pelo des-matamento acelerado, pela extinção de espécies faunísticas eflorísticas, pelo esgotamento dos recursos hídricos, etc., desenca-dearam uma crise ambiental sem precedentes na história humana,por não encontrarem resistência nas funções clássicas da ordemjurídica, impondo-se uma mudança de paradigma aos mecanismosjurídicos atuais.

Ademais, se os modelos clássicos de regulação sancio-natória adotados pelo Estado não foram capazes de conter oavanço do antropismo, forçoso buscar alternativas para a mu-dança dessa realidade, porquanto o bem jurídico em questãosustenta a vida e as ameaças que lhe são infligidas. Estas, aindaque localizadas, atingem todo o planeta5. nesse contexto, a ado-ção de instrumentos econômicos objetivando premiar condutasconservacionistas podem acarretar mudanças efetivas no com-portamento dos indivíduos, valendo-se o Estado da função pro-mocional do direito para enfrentar a crise ambiental com maisresistência.

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5 De acordo com a visão sistêmica, as propriedades essenciais de um orga-nismo ou sistema vivo são propriedades do todo que nenhuma das partes pos-sui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes. Essaspropriedades são destruídas quando o sistema é dissecado, física ou teorica-mente, em elementos isolados. Embora possamos discernir partes individuaisem qualquer sistema, essas partes não são isoladas e a natureza do todo ésempre diferente da mera soma de suas partes (CAPRA, 2004, p. 40-41).

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conclusão

A crescente preocupação da sociedade com os efeitos doaquecimento gradual do planeta, causado pela emissão exacerbadade gases de efeito estufa na atmosfera, tem levado a comunidadeglobal a buscar soluções para o enfrentamento do fenômeno.

A demanda por um novo modelo de política ambiental quepossa incentivar a conservação dos recursos naturais e incorporaras expectativas econômicas de sua exploração deve ser fortale-cida. não se trata de abandonar os instrumentos tradicionais degestão, menos ainda as ferramentas de comando e controle, asquais devem ser aplicadas com rigor diante da produção de exter-nalidades negativas. Por outro lado, não há disposição constitu-cional vedando a adoção de sanções premiais em favor doprovedor de recursos ecossistêmicos.

Pautando-se por essas reflexões, pontua-se que os ins-trumentos de gestão ambiental deveriam alcançar todas as inicia-tivas que contribuíssem voluntariamente para a conservação dosbens ambientais, orientando-se por meio de instrumentos econô-micos e mecanismos fundados em prêmios, sem menosprezo àpolítica de comando e controle, como alternativa de conferir às po-líticas ambientais uma racional orientação, capaz de atender econciliar o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade.

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Othoniel Pinheiro Neto*

Direito funDamental à saúDe: um Discursoacerca Do patenteamento Da biotecnologia

FUNDAMENtAL hEALth right: A SPEECh AbOUt thE PAtENtiNg OF biOtEChNOLOgy

EL DErEChO FUNDAMENtAL A LA SALUD: UN DiSCUrSO SObrE EL PAtENtAMiENtO DE LA biOtECNOLOgíA

Resumo:

O presente artigo realiza considerações a respeito da necessidadeou não de patentear células, micro-organismos, plantas e demaiselementos relacionados à biotecnologia e ao progresso científico.Pontua-se que é necessária uma análise dos fatos pela bioética parasó então oferecer subsídios para que o legislador imponha, de formacoercitiva, limitações acerca do patenteamento em determinadasocasiões que muito interessam à humanidade. Destarte, nota-seque o direito não pode deixar de lado as evidências sociais doavanço científico, tendo que apoiar e incentivar o progresso por meiode medidas razoáveis e ponderadas. Ponderação que é feita nesteartigo pela análise de três interesses em confronto: o dos cientistas,por meio de incentivos financeiros para suas criações, visando o de-senvolvimento da ciência; os limites da bioética; e o da populaçãoem geral, que tem o direito de acesso a insumos baratos, tendo emvista diversos preceitos morais e constitucionais.

Abstract:

This article presents considerations about whether or not to pa-tent cells, microorganisms, plants and other elements related tobiotechnology and scientific progress. It is pointed out that first itis necessary an analysis of the facts by means of bioethics be-fore providing the basis for the legislature to impose, coercively,limitations on the patenting at occasions that would interest man-kind. Thus, it is noted that the Law cannot disregard the social

* Mestre em Direito Público pela UFAL. Especialista em Direito Processual e DireitoEleitoral pelo CESMAC. Professor de Direito Constitucional.

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evidence of scientific breakthrough, having to support and en-courage progress through reasonable and pondered measures.Such a pondering is made, in this article, by way of the analysisof three interests at stake: the scientists’, through financial incen-tives for their creations, for the development of science, the limitsof bioethics and the general population’s, which has the right toaccessing affordable inputs in view of several moral and consti-tutional precepts.

Resumen:

Este artículo presenta consideraciones acerca de la necesidad ono de patentar células, microorganismos, plantas y otros elemen-tos relacionados con la biotecnología y con el progreso científico.Señala que es necesario analizar los hechos de la bioética parasólo entonces ofrecer subsidios para que el legislador impongalimitaciones, de forma coercitiva, sobre las patentes en determi-nados momentos que mucho interesan a la humanidad. Además,se observa que el derecho no puede dejar de lado las evidenciassociales del avance científico, teniendo que apoyar y fomentar elprogreso por medio de medidas razonables y ponderadas. Talponderación se realiza en este artículo por el análisis de tres in-tereses en juego: lo de los científicos, por medio de incentivosfinancieros para sus creaciones, visando el desarrollo de la cien-cia; los límites de la bioética; y de la población en general, quetiene el derecho de acceso a insumos de bajo costo, conside-rando varios preceptos constitucionales y morales.

Palavras-chaves:

Bioética, propriedade intelectual, desenvolvimento científico.

Keywords:

Bioethics, intellectual property, scientific development.

Palabras clave:

Bioética, propiedad intelectual, el desarrollo científico.

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introDuÇÃo

O desenvolvimento científico pode trazer muitos benefí-cios para a sociedade e, ao mesmo tempo, despertar polêmicas arespeito dos limites da legislação e sobre diversos pontos inerentesà evolução da ciência. Nesse mister, à medida que as descobertasavançam sempre há questionamentos de ordem moral, ética e ju-rídica. Entre eles está a discussão sobre o patenteamento de ele-mentos relacionados à biotecnologia.

Nesse contexto, surgem debates acerca das proteçõespatentárias de elementos derivados do progresso da biotecnologia,que podem incentivar criadores e inventores a produzirem aindamais, já que haveria lucro financeiro, o que poderá trazer mais es-peranças de avanços científicos em prol da humanidade.

No brasil, somente em 1996, com o advento da lei de pa-tentes (Lei 9.279, que regula direitos e obrigações relativos à pro-priedade industrial), permitiu-se a proteção patentária demicro-organismos modificados pelo ser humano por meio de pro-cessos biotecnológicos não naturais (parágrafo único do art. 18),proibindo o patenteamento de micro-organismos encontrados nanatureza e de seres vivos, como plantas e animais ou elementosdo ser humano, modificados ou não, inclusive o gene e o genomahumano (inciso iii do art. 18).

Nesse prisma, investiga-se se é prudente alargar o rol desituações possíveis de patenteamento, pois, analisando a questão,nota-se o perigo de aumentar o custo final dos medicamentosoriundos desses processos biotecnológicos, o que pode dificultara universalização do acesso à saúde, prejudicando especialmenteos mais carentes.

Assim, é cediço que a lei n. 9.279/96 imprimiu importantescontornos a respeito dessa matéria, porém, alguns acreditam queo debate não pode terminar, pois sempre pode haver uma redis-cussão sobre patenteamentos na seara da biotecnologia, e é porisso que a confrontação com outras normas está se tornando cadavez mais importante, sendo salutar uma rigorosa análise de ques-tões bioéticas antes de permitir legalmente o patenteamento dequalquer organismo relacionado à biotecnologia.

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Sob o prisma mundial, observa-se que a tradicional fi-gura do Estado está se modificando cada vez mais com a glo-balização das relações inseridas em âmbito internacional. Asgrandes empresas e corporações superam barreiras protecio-nistas em busca da lucratividade e não são submetidas a umarigorosa análise inerente à observância de certos aspectos,como a busca pelo respeito à solidariedade entre os povos.Nesse contexto, empresas poderosas de medicamentos ven-dem seus produtos a um alto custo para países periféricos embusca de lucro, sem observar a função social da propriedadeindustrial e sem se preocupar com a erradicação de doençasem nível global.

Já no âmbito interno, observa-se que as normas constitu-cionais podem ser usadas como importante alicerce para a matériaora debatida, pois, além de servir de base para a criação de limitesacerca do patenteamento de seres vivos, alavancam uma série depreceitos importantes para a bioética e para a efetividade dos di-reitos fundamentais (especialmente o direito à saúde).

Por outro lado, segundo a Constituição Federal, além deo Estado ser proibido de imprimir empecilhos nos processos de in-vestigação científica, salvo para proteger outros direitos consagra-dos constitucionalmente, é seu dever promover o desenvolvimentoda pesquisa, visando ao bem público e ao progresso das ciências(§ 1º do art. 218 da CF). tudo isso tem relação direta com o pa-tenteamento de elementos relacionados à biotecnologia. Nessesentido, até mesmo o art. 2º da lei de patentes (Lei 9.279) pres-creve que a proteção dos direitos relativos à propriedade industrialdeve considerar o interesse social e o desenvolvimento tecnoló-gico e econômico do país.

Diante disso, o presente artigo faz uma análise dediversos preceitos constitucionais, especialmente aquelesque garantem o desenvolvimento científico (art. 218 da CF),os que alavancam o direito à saúde (art. 6º e 196 da CF) eos preceitos relacionados a bioética, que podem servir comoguia para os limites de patenteamento de elementos relacio-nados à biotecnologia.

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o patenteamento Da biotecnologia e o Desen-VolVimento Da ciÊncia

Preliminarmente, cumpre lembrar que, segundo o art. 2ºda Convenção sobre Diversidade biológica, a biotecnologia é de-finida como “qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemasbiológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar oumodificar produtos ou processos para utilização específica”. De-veras, é cediço que a biotecnologia causou grande impacto no de-senvolvimento dos elementos existentes na natureza, sendoposteriormente apropriada por meio do sistema de propriedade in-telectual, para que seus criadores recebessem incentivos pelasboas novidades que apresentassem à humanidade.

tal cenário é retratado por alguns pesquisadores do Nú-cleo de Propriedade industrial do Centro Universitário do Estadodo Pará, que vislumbram um novo momento para o sistema depropriedade intelectual:

Perceba-se que o Sistema de Propriedade intelectual vive um mo-mento de “fronteira”, debatendo-se entre as novas necessidadesda indústria biotecnológica, que clama pela concessão ampla depatentes para esse setor, e a necessidade de preservar a lógica dosistema, isto é, privilegiar invenções e não meras descobertas. Ade-mais, é evidenciado um profundo dilema ético, a respeito da “coisi-ficação” da vida humana, iniciando uma nova onda de dominaçãodo homem sobre o próprio homem. (MOrEirA et al., s/d., p. 2)

Ainda segundo tais autores (s/d., p. 5), o termo “biotecno-logia” surgiu em 1919, através de um método de produção de ali-mentos, sendo mais difundido na década de 1950, por meio dabiologia molecular.

Conforme já apregoado, o sistema de propriedade inte-lectual é feito para garantir aos criadores recompensas pelo es-forço desprendido, uma vez que é justo que recebam por isso, oque os incentiva a trabalhar pelo progresso tecnológico. Nesse pa-norama, para Vanessa iacomini (2008, p. 18-19), “os direitos depropriedade intelectual referem-se a um conjunto de instrumentos

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legais que fornece proteção para criações do engenho humano edo conhecimento, cuja característica é de ser um bem incorpóreo”.Dessa forma, os inventores e criadores necessitam de amparo eproteção da legislação contra cópias, que vêm a ser observadanum conjunto de regras pertencentes aos direitos de propriedadeintelectual.

Diante desse contexto, é salutar prestar relevo à atual si-tuação brasileira no que se refere ao patenteamento da biotecno-logia. Nesse mister, ao fazer uma busca no site do instituto Nacionalde Propriedade industrial - iNPi (brASiL, 2012), a pesquisa sele-cionou alguns dados relativos a pedidos de patentes biotecnológi-cas. Utilizando palavras-chaves, encontrou-se um número de 1.557processos envolvendo pedidos relacionados à biotecnologia, comas seguintes expressões assim distribuídas: biodiversidade: 2; or-ganismo vivo: 15; gens: 6; transgênico: 156; meio ambiente: 86;DNA: 860; genética: 107; organismo geneticamente modificado: 10;célula animal: 14; célula vegetal: 103; seres humanos: 112; enge-nharia genética: 5; genoma: 56; e mutações: 25. também foi cons-tatado que os pedidos cresceram acentuadamente nos últimos trêsanos, o que faz notar que o patenteamento (especialmente o bio-tecnológico) é tema relevante e importante para o país.

Vanessa iacomini defende o patenteamento biológico,aduzindo que tal medida poderia alavancar o progresso científico,ressaltando, porém, que não concorda com todo tipo de patentea-mento, consoante se extrai das seguintes palavras:

Nesse sentido, impedir qualquer forma de proteção intelectualde seres vivos significa impedir o acesso e o uso da biotecno-logia, protelando irresponsavelmente processo de desenvolvi-mento e aplicação dessa tecnologia em áreas de extremarelevância social, o que, sem dúvida, acarretaria questiona-mento de natureza ética ainda mais grave. Por outro lado, tãocondenável quanto essa condição é a oposta, totalmente per-missiva, que aceita até mesmo o patenteamento de elementosdo corpo humano. Como situar a linha divisória entre o que édesejável, o que é aceitável e o que repugna nossa consciênciamoral? (iACOMiNi, 2008, p. 25-26)

É certo que o patenteamento favorece o desenvolvimento

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tecnológico, tendo o poder público a obrigação constitucional depromover o progresso da ciência (art. 218 da CF). Ademais, o re-conhecimento social por conquistas, descobertas e inventos in-centivaria a classe científica a produzir ainda mais, impulsionandouniversidades, estudantes e pesquisadores, aliado ao fato de queo titular da patente tem o direito de impedir que terceiros, sem oseu consentimento, usem ou comercializem o objeto de seu tra-balho (art. 42 da lei 9.279/96).

O patenteamento também ressoa importante na medidaem que protege o criador brasileiro contra cópias, principalmentediante de cientistas estrangeiros, mostrando-se imprudente proibircertos patenteamentos em território nacional, mesmo nos termosda legislação vigente, pois o proibido aqui poderá ser permitido emoutro país, em que “piratas” poderão copiar e patentear um inventoou descoberta de um brasileiro. Ademais, note-se que, com essaespécie de proibição no brasil, o progresso científico nacional tam-bém poderia ficar engessado, o que traria enormes prejuízos aonosso país.

Além disso, note-se que, pela forma na qual o direito éposto, a situação poderá ficar sem controle, pois se sabe que as le-gislações de patentes são impostas dentro do território de cada Es-tado isoladamente, mas com a intenção de tutelar perigos abstratoscuja vítima é a humanidade. Sem a regulação do mesmo fato emtodos os Estados, a intenção perderia a força, uma vez que, cominteresses econômicos fortes, os cientistas facilmente se desloca-riam para outros países, nos quais o fato fosse patenteado, pararealizar livremente suas pesquisas e obter seus lucros, inclusive ven-dendo para seu próprio país de origem por um preço maior. tal si-tuação poderia mais facilmente ser resolvida com odesenvolvimento efetivo de instrumentos de tutela internacional, queajudariam a dar mais efetividade a diversas normas internacionaissobre patentes.

Existem outros argumentos que podem servir a favor dopatenteamento, como o próprio direito à saúde, visto que com oincentivo aos cientistas as pesquisas podem aumentar, podendotrazer mais esperanças à população, especialmente com investi-gações acerca da cura de doenças tidas como incuráveis ou dedifícil solução.

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Outrossim, os cientistas do Núcleo de Propriedade indus-trial do Centro Universitário do Estado do Pará informam que otrabalho para definir o que é ou o que não é patenteável é uma ta-refa difícil, consoante se observa nas seguintes palavras:

As alterações de paradigmas provocadas pela “revolução bio-tecnológica”, não permitiram que o Sistema de Patentes semantivesse ileso. Essa realidade coloca o Sistema de Patentessob pressão internacional favorável ao patenteamento degenes e seres vivos, conduzindo à mercantilização e à apro-priação da vida. Sendo assim, esta é uma matéria sobre a qualestá cada vez mais difícil estabelecer limites normativos decondutas e procedimentos, sendo uma das tarefas mais árduasdefinir o que pode ser patenteável e se a patente traria maisbenefícios ou mais prejuízos à sociedade humana. (MOrEirAet al., s/d., p. 43)

Diante disso, os mesmos pesquisadores mostram argu-mentos contrários à concessão de patentes biotecnológicas:

Outro ponto contrário relacionado às Patentes biotecnológicasé a dificuldade de alcançar a suficiência descritiva que um pe-dido de patentes deve ter. É extremamente complicado reduzira termos escritos as minúcias dos processos e das matérias bio-lógicas. Da mesma forma, a reprodução dos resultados das pes-quisas em biotecnologia é complexa, necessitando-se deequipamentos caros de alta tecnologia, o que dificulta a análisedo pedido de patente pelo órgão governamental responsável,não sendo possível saber se o pedido atende ou não a suficiên-cia descritiva, prejudicando a função social das patentes. Existe,ainda, o problema de terceiros terem acesso ao material gené-tico fundamental na reprodução do produto que, em regra, é ummaterial biológico raro. (MOrEirA et al., s/d., p. 45)

Assim, como pode ser constatado, existem bons argu-mentos que favorecem, bem como outros, que vão de encontro aopatenteamento da biotecnologia.

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princÍpio bioÉtico Da JustiÇa como obstÁculo aopatenteamento

Ao longo da história, os proveitos descobertos pelos cien-tistas chegaram à população progressivamente. É o caso do “testedo pezinho”1, que beneficia muitas crianças por meio da prevençãode uma série de doenças, situação não vivida pelos bebês quenasceram antes do aparecimento do exame. Atualmente, qualquerpessoa facilmente alega que não é admissível a ausência do testenas maternidades do país, especialmente quando se observa queo próprio Estado brasileiro proclamou que o acesso à saúde é uni-versal e igualitário. Nesse contexto, pode-se imaginar que seacaso os cientistas criassem um novo invento (de alto custo), quefosse capaz de prevenir doenças de forma muito mais avançadado que o “teste do pezinho”, diminuindo acentuadamente a morta-lidade infantil, o discurso da falta de recursos econômicos para be-neficiar todos os recém-nascidos surgiria novamente. Então, é deimaginar que a tendência é a demanda e os custos financeiros au-mentarem no futuro. Com o patenteamento de elementos ineren-tes à biotecnologia, a situação iria ficar muito mais difícil, tendo emvista a onerosidade dos insumos. Ou seja, com o encarecimentodas novas tecnologias, a distribuição gratuita dos benefícios iriaficar mais difícil, o que, justamente, vai de encontro a um dos prin-cípios basilares da bioética.

Assim, a inserção dos direitos de propriedade intelectual,nessa seara, justifica-se em virtude da discussão acerca do enca-recimento no preço de produtos importantes para a vida humana.

Destarte, na instituição de regras acerca do patentea-mento de materiais biológicos, deve-se levar em consideração asituação de que pode surgir monopólio ou encarecimento dos pro-dutos, o que, com certeza, dificultará a distribuição dos insumos,especialmente para beneficiar os mais carentes.

No contexto dessas premissas, nota-se que a própria dignidade

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1 O teste do pezinho foi introduzido, no brasil, na década de 1970. trata-se de umexame laboratorial que tem o alvo de detectar precocemente doenças metabólicas,genéticas e ou infecciosas que poderão acarretar lesões irreversíveis na criança.

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da pessoa humana fundamenta o acesso a tais benefícios e justifica aprópria quebra ou relativização de patentes, pois, conforme vaticina ingoSarlet (2009, p. 121-122), o princípio “[...] impõe ao Estado, além do deverde respeito e proteção, a obrigação de promover as condições que via-bilizem e removam toda sorte de obstáculos que estejam a impedir aspessoas de viverem com dignidade”.

Nessa vereda, indaga-se em que medida os princípiosbioéticos poderão ajudar na busca por uma adequada resposta àproteção intelectual de elementos biológicos, especialmente le-vando em consideração a distribuição menos custosa dos benefí-cios oriundos do progresso da ciência, aí também incluindo obarateamento na aquisição por particulares.

Assim, a proposta deste item é ressaltar a importânciadas normas éticas, especialmente as bioéticas, na orientação deregras acerca do patenteamento da biotecnologia.

O surgimento de normas éticas2 deve-se a situações emque se mostra imprudente outorgar aos cientistas a possibilidadede autodeterminação em relação aos limites da liberdade de suapesquisa, pois não é razoável depender da autocompreensão in-dividual desses pesquisadores, que está sempre entregue a con-sideração particular de cada um.

Já o surgimento da bioética deu-se com o médico oncolo-gista norte-americano Van rensselder Potter, que publicou, em1970, o artigo intitulado “Bioethics, the science of survival”3, opor-tunidade em que primeiro se ouve falar em bioética4 no mundo.

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2 Segundo Edison tetsuzo Namba (2009, p. 7), “a ética representa uma condutaadotada após um juízo de valor, que não pode ser dissociada da realidade, paranão se tornar etérea. Em decorrência disso, é orientadora das ações a seremrealizadas. Essa orientação é encontrada com o auxílio de regras e princípios,ou seja, por meio das normas que regem a humanidade, daí a estreita vincula-ção com o direito, no qual se têm as normas jurídicas como instrumentos deregulamentação dos comportamentos da sociedade”. 3 tradução: “bioética, a ciência da sobrevivência”.4 Sobre “bioética”, assim escreve Maria helena Diniz (2010, p. 10-11): “A bioéticaseria, em sentido amplo, uma resposta da ética às novas situações oriundas daciência no âmbito da saúde, ocupando-se não só dos problemas éticos, provo-cados pelas tecnociências biomédicas e alusivos ao início e fim da vida humana,às pesquisas em seres humanos, às formas de eutanasia, à distanásia, às téc-nicas de engenharia genética, às terapias gênicas, aos métodos de reproduçãohumana assistida, à eugenia, à eleição do sexo do futuro descendente a ser

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O mesmo autor, em 1971, publicou o livro denominadoBioethics: bridge to the future5, onde ficou assentado que o pro-gresso técnico-científico não pode prescindir de valores éticos, sobpena de colocar em risco a existência da humanidade.

O termo bioética também recebeu importante impulso pormeio do Joseph and Rose Kennedy institute for the study of humanreproduction and bioethics, Washignton DC6, fundado por Andréhellegers em 1971, introduzindo a nova ciência como disciplinaacadêmica e facilitando a sua divulgação.

Mas o principal marco ainda estaria por vir quando, em1977, o Congresso Americano criou uma comissão especial, de-nominada National Commission for the Protection of Human Sub-jects of Biomedical and Behavioral research7, com a intenção deestabelecer algumas normas éticas.

Assim sendo, a comissão elaborou, em 1978, o relatóriobelmont, que veio a consolidar a bioética no mundo, oportunidadeem que foram lançados três princípios éticos: o da autonomia, oda beneficência e o “princípio da justiça”.

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concebido, à clonagem de seres humanos, à maternidade substitutiva, à esco-lha do tempo para nascer ou morrer, à mudança de sexo em caso de transe-xualidade, à esterilização compulsória de deficientes físicos ou mentais, àutilização da tecnologia do DNA recombinante, às práticas laboratoriais de ma-nipulação de agentes patogênicos etc., como também dos decorrentes da de-gradação do meio ambiente, da destruição do equilíbrio ecológico e do uso dasarmas químicas. Constituiria, portanto, uma vigorosa resposta aos riscos ine-rentes à prática tecnocientífica e biotecnocientífica, como os riscos biológicos,associados à biologia molecular e à engenharia genética, às práticas laborato-riais de manipulação genética e aos organismos geneticamente modificados,que podem ter originado o aparecimento de novas doenças virais ou o ressur-gimento de antigas moléstias mais virulentas, e os riscos ecológicos, resultantesda queimada, da poluição, do corte de árvores, do uso da energia nuclear, daintrodução de organismos geneticamente modificados no meio ambiente ou daredução da biodiversidade. Como o know-how tecnocientífico e biocientífico le-vanta questões quanto à segurança biológica e à transmutação dos valores mo-rais, apenas a bioética poderia avaliar seus benefícios, desvantagens e perigospara o futuro da humanidade”.5 tradução: “bioética: ponte para o futuro”.6 tradução: “Joseph e rose Kennedy instituto para o estudo da reprodução hu-mana assistida e bioética”. 7 tradução: “Comissão Nacional para a proteção dos seres humanos em pes-quisas biomédicas e comportamentais”.

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O princípio da autonomia preceitua que os indivíduosdevem ser tratados como seres humanos autônomos e com auto-determinação, tomando ciência de todo procedimento a que forsubmetido, devendo o médico respeitar seus valores e crenças.Ademais, as pessoas que, por algum motivo, não podem expres-sar sua vontade, devem ser protegidas.

Já o princípio da beneficência proclama que se devem evi-tar danos às pessoas, tendo que perseguir o maior benefício pos-sível e afastar-se, ao máximo, dos possíveis prejuízos.

O ponto central da investigação, neste item, gira em tornodo princípio da justiça, que aduz que os iguais devem ser tratadosde forma igual e os desiguais de forma desigual “na distribuiçãode riscos e benefícios da ciência”.

Sílvia da Cunha Fernandes (2005, p. 14-15), ao tecer co-mentários sobre o princípio bioético da justiça, argumenta quetodos, independentemente da situação financeira, devem teracesso aos benefícios do progresso da ciência, visto que devemser tratados de forma igual, sendo dever do Estado colocar à dis-posição da população uma medicina moderna e avançada.

Olga Krell (2006, p. 41) também defende que o princípiobioético da justiça preste ensejo à participação popular no pro-gresso científico, especificamente nas técnicas de reprodução hu-mana assistida, aduzindo que “a população, de uma maneira gerale independentemente de sua situação social e econômica, deveser privilegiada com os avanços de reprodução assistida, tendoem vista o princípio de justiça”.

Então, constata-se que é cada vez maior o número depessoas que podem ser beneficiadas com as novas descobertas,razão pela qual, diante do princípio bioético da justiça, o patentea-mento de muitos elementos relacionados à biotecnologia deve servisto com cuidado, a fim de baratear os benefícios. Dessa forma,apregoa-se que tal princípio abre oportunidade para discussõessobre a efetividade do direito de acesso à moderna ciência, espe-cialmente no brasil, onde a maioria das pessoas tem enorme difi-culdade de acesso aos serviços de saúde.

Dessa forma, o principialismo bioético aponta caminhospara que o patenteamento não seja a regra dominante, pois po-derá haver prejuízo na distribuição dos benefícios.

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Maria Auxiliadora Minahim (2005, p. 35) apregoa que abioética questiona o papel da tecnociência na busca do bem-estarda sociedade, somente validando decisões que ajudam o ser hu-mano, servindo como uma instância mediadora de conflitos mo-rais. Além disso, a bioética vai abrir debates sobre a conveniênciade estabelecer regramentos na caminhada da ciência, sem pre-juízo à essência do ser humano.

É preciso também levar em consideração que as normasbioéticas possuem uma característica diferente na tecnicidade,pois são elaboradas por profissionais da respectiva área médicaque entendem do assunto, sabendo melhor avaliar os riscos e be-nefícios que cada norma pode trazer. Por isso se defende que aopinião de especialistas na matéria é também importante na dis-cussão acerca do patenteamento da biotecnologia.

ivelise Fonseca da Cruz (2008, p. 11) presta relevo à temá-tica sobre a bioética, ao afirmar que “[...] é imprescindível sua pre-sença nos avanços das ciências biológicas a fim de humanizar taisatividades”. Assim, a bioética serviria como uma mola impulsiona-dora para melhor distribuir os benefícios oriundos das novas des-cobertas, o que traduz a “humanização” das atividades científicas.

Deveras, é válido ressaltar que questões ligadas à bioéticaencontram-se na mesma abrangência de algumas normas consti-tucionais, sendo, por consequência, inseridas no âmbito da her-menêutica constitucional. Com efeito, pode haver uma ponderaçãoda liberdade de patenteamento com as normas constitucionais dedireitos fundamentais, a fim de que possam surgir regras limitado-ras de eventuais concessões.

A importância da hermenêutica constitucional se faz evidentepara encontrar o caminho mais salutar no confronto entre a necessi-dade do desenvolvimento científico e o direito de acesso a insumosde baixo custo como forma de fomentar o direito à saúde. Nesseprisma, nota-se que a interpretação constitucional tem por objeto aspróprias normas constitucionais, que possuem regras específicas deaplicação. Dirley da Cunha Júnior (2009, p. 198) lembra que “[...] en-quanto as normas legais possuem um conteúdo material fechado epreciso, as normas constitucionais apresentam um conteúdo materialaberto e fragmentado”, daí a grande importância de confrontar al-gumas normas constitucionais, para investigar os limites da liberdade

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do patenteamento, tendo em vista o progresso científico e os direitosfundamentais. Nessa oportunidade, saliente-se que o Supremo tri-bunal Federal, ao julgar o art. 5º da Lei de biossegurança8 (Lei n.11.105/2005), permitiu a liberdade de análise científica nos termos dodispositivo impugnado, afastando qualquer interpretação que possaimplicar em restrição às pesquisas (brASiL, 2008), o que faz notar aimportância do desenvolvimento científico perante a corte. ressalte-se, porém, que a necessidade do progresso das pesquisas tem porobjetivo justamente salvaguardar os direitos fundamentais da pessoahumana, que é o fim da república Federativa do brasil.

Destarte, não só as normas e os princípios éticos devemcaminhar junto com o progresso das ciências, mas também as nor-mas jurídicas, e, em especial, as normas constitucionais.

Assim, à medida que a ciência avança, é dever do Estadoacompanhar as mutações, sob pena de ficar muito atrás na proteçãojurídica da sociedade. Portanto, além de o Estado ser proibido deimprimir empecilhos nos processos de investigação científica, salvopara proteger outros direitos consagrados constitucionalmente, éseu dever promover o desenvolvimento da pesquisa, visando aobem público e ao progresso das ciências (§1º do art. 218 da CF).

Então, o que se evidencia é que a bioética cumpre impor-tante papel na construção de qualquer norma jurídica, constituindorelevante produto de trabalho elaborado pelos profissionais daárea científica, que poderá ser aproveitado pelo direito na elabo-ração de normas acerca do patenteamento da biotecnologia.

proDutos a baiXo custo: uma face Do DireitofunDamental à saúDe

Dentro de um contexto mundial em que muitas Constituições

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8 Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-troncoembrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e nãoutilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: i – sejamembriões inviáveis; ou ii – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, nadata da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei,depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

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não reconheceram os direitos sociais, a exemplo da americana,válido ressaltar que a Constituição Federal do brasil fez consignaros direitos sociais em seu texto, outorgando-lhes o caráter de fun-damentalidade e dotando-os de aplicabilidade imediata. Dessasorte, não é preciso um esforço maior para deduzir que o direitofundamental à saúde pode encontrar obstáculo no alto custo dealguns produtos, visto que a maioria da população não possui re-cursos suficientes para custear determinados medicamentos. Essecenário revela que o direito à saúde tem influência direta na ques-tão do patenteamento da biotecnologia.

Ao elaborar ensinamentos sobre a geração dos direitosfundamentais, ingo Sarlet (2011, p. 53) aponta a evolução no âm-bito de abrangência de certos direitos já consagrados, por meio de“[...] uma transmutação hermenêutica e da criação jurisprudencial,no sentido do reconhecimento de novos conteúdos e funções dealguns direitos já tradicionais”. Em outras palavras, a evolução dosdireitos fundamentais não se dá somente com a positivação denovos direitos, mas também com o alargamento do conteúdo dos“velhos” direitos. Por isso, esta pesquisa subentende que o direitode acesso a medicamentos baratos (pela relativização do paten-teamento da biotecnologia) pode perfeitamente ser aplicado nessepanorama, constituindo-se numa das facetas da proteção do di-reito à saúde.

importante contribuição foi dada por Jorge Miranda (1988,p. 153), que destacou a possibilidade do surgimento de outros di-reitos a partir dos já proclamados, “[...] através de novas faculda-des para além daquelas que se encontram definidas ouespecificadas em cada momento”. É o caso do direito à saúde esua nova vertente, analisados nesta pesquisa.

Lançada essa observação, cumpre dar relevo ao dispostono § 1º do art. 5º da Constituição da república, que realça a apli-cabilidade imediata dos direitos fundamentais. Nessa conjectura,anote-se que o dispositivo também alberga o direito à saúde, jáque este também está elencado no rol dos direitos fundamentais(título ii da Constituição Federal), imprimindo-lhe importante statusconstitucional, não carecendo de qualquer espécie de intermedia-ção legislativa ou administrativa para que o cidadão reclame ime-diatamente sua aplicabilidade.

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Ainda seguindo a linha do direito a prestações de serviçospúblicos de saúde, cuja efetividade deve ser perseguida pelo Es-tado, calha ressaltar que a Constituição, em seu art. 196, preconizaque “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido me-diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do riscode doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitárioàs ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação",e, ademais, impõe ao Estado o dever de promover políticas públi-cas de garantia de acesso à saúde. Diante disso, e tendo em vistaas crescentes necessidades da população, o Estado deve forneceraparato econômico e político para universalizar o acesso à saúde.Além disso, como sempre surgem novidades na área da ciência,o legislador constituinte também obrigou o Estado a buscar meiospara encontrar soluções para os problemas surgidos, tendo emvista o progresso científico do país (art. 218 da CF).

Diante desse contexto, apregoa-se que o novo constitu-cionalismo trouxe à lume a aplicação direta de princípios constitu-cionais abertos, além da força normativa da Constituição, ao ladode uma nova hermenêutica que chega desprendida de aplicaçãosubsuntiva das regras, rejeitando o formalismo que tanto imperouno brasil. Assim, essa interpretação abrangente das normas cons-titucionais, consoante destacado por Daniel Sarmento (2011, p.78), “[...] deu origem ao fenômeno de constitucionalização daordem jurídica, que ampliou a influência das constituições sobretodo o ordenamento, levando à adoção de novas leituras de nor-mas e institutos nos mais variados ramos do Direito”.

À vista disso, pode-se extrair desse panorama que o di-reito à saúde caminha, no brasil, com inúmeros outros postuladosconstitucionais, visando a sua completa e máxima efetividade, que,na visão de Mônica Serrano (2009, p. 86), traduz a ampliação daspolíticas públicas a serem implementadas pelo Estado.

Dessa forma, retumba plausível que o direito à saúde al-berga a relativização das patentes de produtos derivados da bio-tecnologia, pois, por esse meio, os insumos podem ficar maisbaratos, tanto para o cidadão como para o próprio poder público,que poderá adquirir produtos com menor valor, a fim de serem dis-tribuídos entre as pessoas carentes.

Como já se pode entender, a proposta deste artigo também

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direciona o direito à saúde como um dos fundamentos para impediro total patenteamento da biotecnologia. Nesse diapasão, vale dizerque atrelado a tais premissas encontra-se um dos fundamentos ba-silares da república Federativa do brasil: a dignidade da pessoahumana, que está posicionada logo no primeiro artigo (art. 1º, iii) daConstituição Federal, e que, por isso, não poderia somente ter umvalor moral, mas sim um consistente valor jurídico apto a impregnartodos os direitos fundamentais, entre eles o direito à saúde, razãopela qual devem ser abordados conjuntamente.

Por outro lado, é importante destacar que os direitos e ga-rantias fundamentais, que antes vinham posicionados estrutural-mente após a organização do Estado na Constituição de 1969,dessa feita se inserem em um novo contexto valorativo, pois oconstituinte originário de 1988 fez questão de elencá-los logo noinício da Constituição.

Especialmente o direito à saúde, que mal tinha espaçonas Constituições anteriores, agora está elencado na Carta Magnade 1988 dentro do título ii, que trata dos direitos e garantias fun-damentais, fazendo parte de um contexto normativo privilegiadoante a regência de uma nova hermenêutica constitucional, que am-para e garante o exercício dos direitos da pessoa humana por meiode uma série de princípios e métodos de interpretação.

ingo Sarlet (2011, p. 66) sintetiza bem esse panorama aopreconizar que:

A acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo própriono catálogo dos direitos fundamentais ressalta, por sua vez, deforma incontestável sua condição de autênticos direitos funda-mentais, já que nas Cartas anteriores os direitos sociais se en-contravam positivados no capítulo da ordem econômica e social,sendo-lhes, ao menos em princípio e ressalvadas algumas ex-ceções, reconhecido caráter meramente programático.

Assim, o legislador e o administrador devem promoveratos que concedam a efetividade9 do direito à saúde, não permi-tindo o absoluto patenteamento de insumos biotecnológicos, para

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9 Sarlet (2011, p. 240) define “eficácia jurídica” como a possibilidade de umanorma em vigor ser aplicada e gerar efeitos; já a “eficácia social” ou “efetividade”

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que o produto chegue com mais facilidade e em maior quantidadeaos seus destinatários.

É importante ressaltar, nessa oportunidade, que a próprialegislação de patentes (Lei n. 9.279/96) estabelece casos em queo Poder Executivo Federal aplicará a licença compulsória emcasos de emergência nacional ou interesse público. Com efeito,ao regulamentar o art. 71 da lei supracitada, o Decreto n. 3.201,de 6 de outubro de 1999, apregoa que a licença compulsória, noscasos de interesse público, será praticada pelo ministro de Estadoresponsável pela matéria, e dar-se-á para uso público não comer-cial, considerando-se de interesse público os fatos relacionados àsaúde pública, à nutrição, à defesa do meio ambiente, bem comoaqueles de primordial importância para o desenvolvimento tecno-lógico ou socioeconômico do país. Ademais, o ato de concessãoda licença compulsória estabelecerá o prazo de vigência da li-cença, a possibilidade de prorrogação e a remuneração do titular.Percebe-se, ainda, que o decreto é genérico ao estabelecer oscasos de interesse público no § 2º do art. 2º, ao aduzir que “[...]consideram-se de interesse público os fatos relacionados, dentreoutros, à saúde pública, à nutrição, à defesa do meio ambiente,bem como aqueles de primordial importância para o desenvolvi-mento tecnológico ou socioeconômico do País”, o que reforça ocuidado que se deve ter na apreciação da matéria.

Por tudo isso, parece verossímil admitir que a liberaçãode patentes deva ser relativizada, no sentido de não conceder atotalidade dos lucros financeiros a seus produtores, sendo certoque outros direitos, oriundos da invenção ou da descoberta, devemser preservados, desde que não atrapalhem em demasia a distri-buição dos benefícios. tudo isso deve ser feito considerando-seos postulados bioéticos e constitucionais, especialmente os de di-reitos e garantias fundamentais.

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se apresenta diante de uma decisão juridicamente eficaz pela efetiva aplicaçãoda norma, bem como diante do resultado concreto dessa aplicação. O consti-tucionalista Luis roberto barroso (2009, p. 82-83) vaticina, ao tratar do tema,que efetividade significa “a realização do Direito, o desempenho concreto desua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dospreceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre odever ser normativo e o ser da realidade social”.

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conclusÃo

A busca incessante pela lucratividade com as novas des-cobertas na área da biomedicina pode desviar os verdadeiros ejustos fins das normas humanitárias. hospitais, laboratórios e pla-nos de saúde não podem buscar fins científicos atropelando valo-res básicos defendidos pela sociedade e, por isso, opatenteamento total dos produtos traz discussões políticas, eco-nômicas e jurídicas que devem estar presentes na prática diária.Ainda, vale dizer que a ciência deve desenvolver-se em busca dobem, trazendo esperanças positivas para as pessoas e jamais sebaseando exclusivamente em interesses econômicos.

À vista disso, o que se percebe é que a própria legislaçãobrasileira encontrou um caminho respeitável acerca do patentea-mento nesse ramo científico, até porque é salutar homenagearmosa medida adotada por nosso poder legislativo, que chegou a con-clusão após muita análise das normas internacionais sobre o temae debates com especialistas na matéria. Além disso, tal decisão,proclamada por meio da Lei 9.279/96, é dotada de ampla legitimi-dade, já que é oriunda de um poder que, queiram ou não, repre-senta o povo brasileiro. Porém, isso não significa dizer que odebate está encerrado.

Noutro prisma, percebe-se que a bioética ainda carece demuitas premissas para adquirir um status efetivo de barreira de con-tenção de abusos. Por isso, invoca-se o direito como forma de proi-bir e evitar que cientistas construam monopólios com abiotecnologia em detrimento do interesse da população. Vale dizer,aqui, que não se ignora a importância da bioética no contexto, poisela, sem dúvida, serve como parâmetro para que o legislador crieregras jurídicas para tanto.

A nova hermenêutica constitucional e o direito fundamen-tal à saúde são de suma importância no debate, uma vez que,como foi visto neste trabalho, constituem justificativas para o sis-tema de patenteamento ser rediscutido. Dessa forma, a soluçãoestaria em analisar cada caso, concedendo a patente apenas pararesguardar o interesse público ou o interesse nacional. Observa-se que a patente deve ser concedida para privilegiar os pesquisadores

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brasileiros em detrimento da pirataria estrangeira. No âmbito in-terno, a patente deve ser analisada com cuidado, de forma a res-guardar a melhor distribuição dos benefícios à população.

Por fim, advirta-se que o direito de patentes não pode tercaráter absoluto e somente com uma boa análise de cada hipó-tese, conjugando com a moderna hermenêutica constitucional éque se podem encontrar caminhos para uma razoável solução.Note-se também que o Decreto n. 3.201/99 tornou genérico aopreconizar as hipóteses de licenciamento compulsório, podendosurgir novos debates e discussões, especialmente as levantadaspor este trabalho.

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Gabriela Soldano Garcez*

A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADEINTERGERACIONAL, FRENTE À DIMENSÃO ECOLÓGICA

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

APPLICABILITY OF THE PRINCIPLE OF SOLIDARITY INTERGENERATIONAL, FACE TO ECOLOGICAL

DIMENSION OF HUMAN DIGNITY

LA APLICABILIDAD DEL PRINCIPIO DE LA SOLIDARIDADINTERGENERACIONAL, FRENTE A LA DIMENSIÓN

ECOLÓGICA DE LA DIGNIDAD HUMANA

Resumo:

O presente artigo, além de demonstrar que o meio ambiente eco-

logicamente equilibrado é um direito fundamental (pertencente à

terceira dimensão de direitos do homem), visa analisar a respon-

sabilidade das presentes gerações quanto à possibilidade de vida

digna e saudável das futuras gerações. Para tanto, propõe uma

análise do conceito de meio ambiente, bem como dos destinatários

da norma constitucional ambiental (conforme art. 225, caput, da

Constituição Federal de 1988). Prossegue com a análise do princí-

pio da dignidade da pessoa humana e de sua dimensão ecológica.

Com isso, percebe-se a importância da proteção e da promoção

do meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a responsabi-

lidade das presentes gerações quanto à vida digna das futuras.

Abstract:

This article, besides demonstrating that the environment ecolo-

gically balanced is a fundamental Right (belonging to the third

dimension of Human Rights), aims at analyzing the responsibility

of the present generations about the possibility of a healthy and

comely life for future generations. We propose an analysis of the

concept of environment as well as of the receivers of the Cons-

titutional Environment Rules (according to art. 225, caput of the

* Especialista em Direito Processual Civil e Direito Processual do Trabalho. Mes-tranda em Direito Ambiental pela Unisantos. Advogada e jornalista.

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Constitution from 1988). It goes on with the analysis of the prin-

ciple of the human dignity and its environmental perspective. So,

we realize the importance of protecting and promoting an ecolo-

gically and balanced environment with the responsibility of the

present generations about the comely life of the future ones.

Resumen:

Este artículo, además de demostrar que el medio ambiente eco-

lógicamente equilibrado es un derecho fundamental (que perte-

nece a la tercera dimensión de los derechos humanos), tiene

como objetivo analizar la responsabilidad de las generaciones

presentes relativa a la posibilidad de vida digna y saludable para

las generaciones futuras. Se propone un análisis del concepto

de medio ambiente, así como de los destinatarios de la norma

constitucional ambiental (de acuerdo con el artículo 225 de la

Constitución Federal de 1988). Se continúa con el análisis del

principio de la dignidad humana y de su dimensión ecológica.

Con eso, se percibe la importancia de la protección y de la pro-

moción del medio ambiente ecológicamente equilibrado, con la

responsabilidad de las generaciones presentes com la vida digna

de las futuras.

Palavras-chaves:

Meio Ambiente, Direito fundamental, qualidade de vida, futuras

gerações.

Keywords:

Environment Law, fundamental right, quality of life, future

generations.

Palabras clave:

Medio ambiente, Derecho fundamental, calidad de la vida, futuras

generaciones.

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INTRODUÇÃO

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibradoencontra-se previsto no caput do artigo 225 da Constituição Fede-ral, que o classifica como um “bem de uso comum do povo” e “es-sencial a sadia qualidade de vida”.

Ademais, a possibilidade de vivência num meio ambienteadequado, que possibilite uma vida saudável e digna, é tambémessencial para a obtenção da dignidade da pessoa humana quantoa sua dimensão ecológica, tendo em vista que o meio ambienteecologicamente equilibrado pode ser traduzido num ambiente nãopoluído, com higidez e salubridade, ou seja, que propicia a sadiaqualidade de vida.

Percebe-se, portanto, a importância do meio ambientepara a vida humana não somente das presentes gerações, comotambém para aquelas que ainda virão.

Por essa razão, ressalta-se a importância do comprome-timento e da responsabilidade na manutenção dos níveis ambien-tais adequados pelas presentes gerações para que as futuraspossam desfrutar de uma qualidade de vida digna.

Nessa linha de raciocínio, o presente artigo visa analisar,primeiramente, o meio ambiente, buscando o seu conceito e dis-correndo sobre sua condição de direito fundamental em nosso or-denamento jurídico, bem como sobre os destinatários da normaconstitucional ambiental. Posteriormente, avalia o princípio da so-lidariedade intergeracional em relação à manutenção da qualidadeambiental, assim como ao princípio da dignidade da pessoa hu-mana, demonstrando seu enfoque ecológico. Por fim, indica a cor-relação entre esses dois princípios.

CONCEITO E BREVES CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCADO DIREITO AMBIENTAL

O conceito legal da expressão “meio ambiente” está

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contido no artigo 3º, inciso I, da Lei n. 6.938, de 1981 (Política Na-cional do Meio Ambiente), como sendo o “conjunto de condições,leis, influências e interações de ordem física, química e biológica,que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 recepcio-nou esse conceito.

Vale salientar que a atual Constituição foi a primeira amencionar a expressão “meio ambiente”, tratando-o de forma ex-pressa no artigo 225, bem como classificando-o como um “bemde uso do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, ou seja, al-çando-o à condição de um direito difuso, vez que se encontra in-serido no rol de direitos de terceira dimensão (representativos dosdireitos de solidariedade e fraternidade, que buscam a preserva-ção da qualidade de vida, progresso sem prejuízo da paz, deter-minação dos povos, incluindo a tutela do meio ambiente, entreoutros):

A Constituição de 1988 alicerça não só a ordem social, mastambém a ordem econômica, a saúde, a educação, o desenvol-vimento, a política urbana e agrícola, enfim, obriga a sociedadee o Estado, como um todo, a um compromisso de respeito econsideração ao meio ambiente, conforme os vários dispositivosambientais espalhados por todo o texto constitucional. (PADI-LHA, 2010, p. 156)

Percebe-se, nesse contexto, que um bem jurídico dessaimportância não poderia ficar longe da proteção do Direito. Poressa razão, o Direito Ambiental passou a disciplinar “o compor-tamento humano em relação ao meio ambiente” (MUKAI, 1992,p. 10).

O sistema jurídico do Direito Ambiental visa organizar asatividades que utilizam os recursos ambientais existentes. Se-gundo a professora Maria Luiza Machado Granziera (2011, p. 1):“o papel do Direito Ambiental [...] é buscar meios de prevenir oureparar danos ambientais, conduzindo pessoas e Estados a ado-tarem práticas ambientalmente mais sustentáveis nas suas ativi-dades, econômicas ou não”.

O Direito Ambiental visa, portanto, disciplinar as atividades

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humanas, a fim de diminuir os impactos negativos destas para oambiente, garantindo o máximo de proteção possível a esse bemjurídico.

Assim,

o Direito Ambiental constitui o conjunto de regras jurídicas dedireito público que norteiam as atividades humanas, ora im-pondo limites, ora induzindo comportamentos por meio de ins-trumentos econômicos, com o objetivo de garantir que essasatividades não causem danos ao meio ambiente, impondo-se aresponsabilização e as consequentes sanções aos transgres-sores dessas normas. (GRANZIERA, 2011, p. 6)

DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTEECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

A atual Constituição eleva, ainda, o meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado à condição de direito fundamental, “na me-dida em que dele depende a qualidade de um bem jurídico maior,qual seja, a vida humana” (FREITAS, 2005, p. 111).

O meio ambiente ecologicamente equilibrado pode ser tra-duzido num meio ambiente não poluído, com higidez e salubri-dade, ou seja, um meio que propicie a sadia qualidade de vida.

Conforme o doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet (2005, p. 161):

Os direitos fundamentais integram, ao lado da definição daforma de Estado, do sistema de governo e da organização dopoder, a essência do Estado Constitucional, constituindo, nestesentido, não apenas parte da Constituição formal, mas tambémelemento nuclear da Constituição material.

Além de um direito fundamental em nosso ordenamentojurídico, o meio ambiente é também um dever do Estado e dosparticulares (sejam pessoas físicas ou jurídicas) quanto a sua in-tegral proteção, tendo em vista que o direito ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado não admite retrocesso ecológico, ou seja,

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é uma garantia contra medidas do legislador e do administradorque venham a flexibilizar a atual proteção ambiental, colocando-aem um nível menor do que o atual. Resguarda-se, assim, um nú-cleo de proteção mínima.

Ademais, ao incluí-lo como direito fundamental, a Consti-tuição também o alçou à condição de cláusula pétrea, conformeparágrafo 4º, do artigo 60.

DESTINATÁRIOS DA NORMA CONSTITUCIONAL AMBIENTAL

O caput do artigo 225 da Constituição afirma ser o equilí-brio do meio ambiente um “direito de todos”. Denota, assim, queesse direito vai além da dimensão individual ou, ainda, de um de-terminado grupo de indivíduos.

Para José Afonso da Silva, o meio ambiente é um bem deuso comum do povo e, portanto, “um bem que não está na dispo-nibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada nem depessoa pública” (SILVA, 1994, p. 31).

É, desse modo, um direito de características metaindivi-duais, “possuindo, como destinatário, o conjunto de toda a huma-nidade” (PADILHA, 2010, p. 177).

Conforme a conceituação do artigo 81, do Código de De-fesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), o direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado classifica-se como um direito difuso,vez que tem por titular pessoas indeterminadas, ligadas por cir-cunstâncias de fato, bem como a indivisibilidade do objeto (tendoem vista que a proteção ao meio ambiente não pode ser fracio-nada).

Entretanto, incluem-se também, como titulares, as futurasgerações:

A Constituição brasileira atribui o direito ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado como um direito de “todos”. [...] Trata-se de múltiplos destinatários, não só em decorrência danatureza jurídica deste direito, enquanto um direito difuso, de

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titularidade indeterminada, mas também pela inclusão dentre osdestinatários da norma ambiental de gerações futuras, que nãopossuem representação processual. (PADILHA, 2010, p. 182)

DO DEVER DE SOLIDARIEDADE ENTRE AS GERAÇÕES

Diante do exposto, percebe-se que o Direito Ambiental épautado pelo princípio da solidariedade intergeracional, contido nopróprio caput do artigo 225 da Constituição, que prescreve que odever de preservação do meio ambiente deve ser realizado tendoem mente tanto as presentes quanto as futuras gerações:

Aqueles que nem sequer nasceram, que não possuem voz ouforma de expressão, nem processual, não podem ser compro-metidos no seu direito de gozar de qualidade de vida, pela formacomo as atuais gerações se utilizam dos recursos naturais daTerra. (PADILHA, 2010, p. 186)

Traduz-se, portanto, num princípio de ética entre as gera-ções, vez que os recursos naturais atualmente existentes devemser utilizados de forma a garantir um padrão de qualidade compa-tível para as gerações futuras.

Dessa forma, as atuais gerações devem garantir que asfuturas tenham o mesmo nível (ou um nível compatível) de prote-ção e qualidade ambiental, mantendo as bases da sadia qualidadede vida para os que ainda virão.

Segundo Canotilho (2007, p. 8), o princípio da solidarie-dade intergeracional visa “obrigar as gerações presentes a incluircomo medida de acção e de ponderação os interesses das gera-ções futuras”.

O dever de solidariedade, disposto na Constituição, en-globa, desse modo, duas vertentes: a sincrônica (que trata da pro-teção ambiental para as presentes gerações) e a diacrônica (quese refere às futuras gerações).

Nesse contexto, percebe-se a importância da efetividade

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das normas ambientais,

cujo objetivo precípuo é assegurar o uso dos recursos naturaisem níveis que não cheguem a comprometer as atividades aserem desenvolvidas pelas futuras gerações. Em outras pala-vras, garantir a perpetuidade da vida na Terra, em condições fa-voráveis. (GRANZIERA, 2011, p. 6)

Tal entendimento está em consonância com o Princípio n.1 da Declaração de Estocolmo, de 1972 (que inspirou a Constitui-ção Federal de 1988), pois esta já reconhecia que o direito das fu-turas gerações está intimamente ligado à responsabilidade dasatuais com o equilíbrio do meio ambiente:

Princípio n. 1: O homem tem o direito à liberdade, à igualdadee ao desfrute de condições de vida adequados em um meio cujaqualidade lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar essemeio para as gerações presentes e futuras.

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

“O ser humano não pode ser empregado como simplesmeio (objeto) para a satisfação de qualquer vontade alheia, massempre deve ser tomado como um fim em si mesmo (sujeito), sejaem face do Estado ou de particulares” (FENSTERSEIFER, 2008,p. 31).

A dignidade não é, portanto, um direito atribuído a deter-minada pessoa, mas sim um atributo que todo ser humano possui.É um conceito imaterial, uma condição que permite o mínimo ne-cessário para o adequado desenvolvimento do indivíduo e de suapersonalidade.

É, assim, uma qualidade intrínseca de cada ser humano,que o protege contra quaisquer atos desumanos ou degradantes,impondo, ao mesmo tempo, respeito e consideração tanto porparte do Estado quanto dos particulares.

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A dignidade da pessoa humana está consagrada no artigo1º, inciso III, da Constituição, como um dos fundamentos da Re-pública Federativa do Brasil, o que significar dizer que cabe ao Es-tado respeitá-la, promovê-la e protegê-la, impondo a criação decondições necessárias para uma vida digna.

Vale salientar que a dignidade não é apenas um dos fun-damentos da República, mas também um valor constitucional su-premo, quando considerada como um princípio instrumental (frenteao restante do ordenamento jurídico brasileiro). Assim, a dignidadeda pessoa humana tem mais peso que os outros valores. Ademais,é também o núcleo em torno do qual gravitam os demais direitosfundamentais, incluindo-se aí o meio ambiente ecologicamenteequilibrado.

A QUALIDADE AMBIENTAL COMO ELEMENTO INTEGRANTEDO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Percebe-se, portanto, que é a partir da dignidade da pes-soa humana que o ordenamento jurídico brasileiro retira o valordas demais normais e princípios.

Por essa razão, a dignidade não pode ser compreendidaapenas num sentido biológico ou físico. Segundo o professor TiagoFensterseifer (2008, p. 33), a dignidade da pessoa humana deveter seu conceito construído historicamente, “tendo seu conteúdomodelado e ampliado constantemente à luz de novos valores cul-turais e necessidades existenciais do ser humano que demarcamcada avanço civilizatório”.

Atualmente, pode ser atribuída à dignidade da pessoa hu-mana uma dimensão ecológica, tendo em vista a qualidade am-biental em que a vida humana se desenvolve.

Assim, tal dimensão visa ampliar o conteúdo do princípioda dignidade da pessoa humana para incluir os direitos de solida-riedade, característicos de terceira dimensão, como o padrão dequalidade e segurança ambiental, garantindo o uso dos bens na-turais em níveis que permitam que o homem se perpetue, bemcomo as espécies, sem que se alcance a exaustão desses bens.

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A SOLIDARIEDADE ENTRE AS GERAÇÕES FRENTE AOPRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

As gerações futuras são igualmente interessadas na proteção am-biental. Não é estranho, nesse contexto, falar-se que a Terra querecebemos das gerações passadas pertence às gerações futuras.Nós apenas a tomamos emprestado. (GRANZIERA, 2011, p. 9)

Conforme visto, o Direito Ambiental apresenta caracterís-ticas transgeracionais, uma vez que extrapola os direitos subjetivosdas presentes gerações para alcançar aquelas que ainda virão: “Éum direito que traduz, pela primeira vez, um compromisso inter-geracional, um pacto da atual geração com a geração futura, nosentido de respeito e preservação do equilíbrio ambiental comoum bem comum” (PADILHA, 2010, p. 161).

Assim, quando a Constituição Federal, no caput do artigo225, afirma que todos têm direito a um meio ambiente ecologica-mente equilibrado, impõe uma norma referente à proteção do serhumano, bem como de sua dignidade.

O dever de proteção ambiental cria, portanto, um elo desolidariedade das presentes gerações para com as que aindavirão, pois a responsabilidade da manutenção do meio ambienteecologicamente equilibrado das futuras gerações pertence àsatuais.

Nesse contexto, é também responsabilidade das atuaisgerações a dignidade das futuras, vez que a dignidade está intrin-secamente ligada à qualidade ambiental, uma vez que o princípioda dignidade da pessoa humana abarca uma dimensão ecológica(conforme visto anteriormente).

Dessa forma, como a qualidade ambiental é elemento fun-damental para um completo bem-estar, caracterizador de uma vidadigna e saudável, as futuras gerações são dependentes da atua-ção das atuais quanto à utilização dos recursos naturais, vez quenão possuem (ainda) voz ativa (ou representação processual). De-pendem, portanto, da conscientização das presentes gerações,para que possam desfrutar de condições mínimas ensejadoras deuma vida digna.

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CONCLUSÃO

A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do artigo225 da Constituição Federal, conjugando tais valores, a sadiaqualidade de vida) só são possíveis dentro dos padrões míni-mos exigidos constitucionalmente para o desenvolvimento plenoda existência humana, num ambiente natural onde haja quali-dade ambiental da água que se bebe, dos alimentos que secomem, do solo onde se planta, do ar que se respira, da paisa-gem que se vê, do patrimônio histórico e cultural que se con-templa, do som que se escuta, entre outras manifestações dadimensão ambiental. (FENSTERSEIFER, 2008, p. 61)

Diante de todo o exposto no presente trabalho, é de fácilconclusão que a Constituição Federal de 1988 alçou o meio am-biente equilibrado como essencial para a sadia qualidade de vida,tornando-o um direito fundamental e determinando (em seu artigo225, caput), haja vista que “todos têm direito a um meio ambienteecologicamente equilibrado”.

Como o alcance de um meio ambiente equilibrado é ne-cessário para a obtenção de qualidade de vida, o direito a estepassa a ser fundamental. É fundamental por que tem como núcleoa proteção da dignidade humana, proporcionando-lhe condiçõesadequadas para o desenvolvimento, além de proteção à integri-dade física e intelectual das pessoas. Para tanto, impõe ao PoderPúblico e à coletividade o dever de protegê-lo para as presentes efuturas gerações.

Entretanto, não há como alcançar a qualidade de vida pre-tendida pela Constituição Federal no artigo citado sem considerara responsabilidade que as presentes gerações têm com a preser-vação dos níveis de qualidade ambiental das futuras gerações.

É dever das atuais gerações a adoção de medidas de mi-tigação das ações poluidoras ambientais nesse momento, paraque as futuras gerações possam desfrutar de qualidade de vida.

É inegável, portanto, que o ambiente está intrinsecamenteligado à dignidade da pessoa humana (fundamento da República,contido no artigo 1º, inciso III, da Constituição), vez que, dentre seusaspectos, visa a obtenção de uma vida digna, tendo em vista que

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o equilíbrio ambiental propicia o bem-estar individual e coletivo.Sem o meio ambiente não há que se falar em saúde, edu-

cação, alimentação, assistência, lazer, entre outros itens indispen-sáveis e caracterizadores da dignidade da pessoa humana.

Por essa razão, conclui-se que é responsabilidade daspresentes gerações a proteção das futuras, mantendo o ambientesaudável ou, ainda, restaurando-o no que tiver sido violado, paraque haja vida saudável e digna para aqueles que ainda virão.

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Reis Friede*

Democracia e Direitos Humanos

Democracy anD Human rigHts

DEMOCRACIA Y DERECHOS HUMANOS

Resumo:

O conceito de democracia encontra-se umbilicalmente associado

aos Direitos Humanos. A Declaração Universal dos Direitos Huma-

nos se constitui em um marco no contexto político e ideológico do

tema em epígrafe. Os Direitos Humanos também se encontram in-

seridos, na atualidade, no contexto do princípio da extraterritoriali-

dade, fazendo com que a democracia também se exteriorize como

uma cultura humanística.

Abstract:

The concept of democracy is inextricably linked to human rights.

The Universal Declaration of Human Rights constitutes a miles-

tone in the political and ideological theme title. Human rights are

also included, in actuality, in the context of the principle of extra-

territoriality, so that democracy is also outwardly as a humanistic

culture.

Resumen:

El concepto de democracia está indisolublemente vinculado al de

los Derechos Humanos. La Declaración Universal de los Dere-

chos Humanos constituye un hito en el contexto político e ideoló-

gico del tema. Los Derechos Humanos también se incluyen,

actúalmente, en el contexto del principio de extraterritorialidad, lo

que hace con que la democracia también se exteriorice como una

cultura humanista.

* Doutor e Mestre em Direito. Professor Titular da disciplina Ciência Política, da Fa-culdade de Direito da UFG e integrante do Corpo Docente do Mestrado em Desen-volvimento Local do UNISUAM. Desembargador Federal.

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Palavras-chave:

Declaração Universal dos Direitos Humanos, democracia, princípio

da extraterritorialidade.

Keywords:

Universal Declaration of Human Rights, democracy, extraterritoriality.

Palabras clave:

Declaración Universal de los Derechos Humanos, democracia,

principio de la extraterritorialidad.

introDuÇÃo

Com o advento da era contemporânea, a expressão demo-cracia passou a admitir, em uma tradução ampla, um significado pe-culiar e universal, associado aos direitos inerentes ao homem comoser humano, independentemente dos inerentes aspectos (culturais,linguísticos, raciais, de credo, etc.) específicos de cada comunidadenacional.

A geratriz de tal fenômeno parece ter explicação no fato deque, embora cada ser vivo seja ímpar, o gênero humano possui tam-bém uma infinidade de elementos comuns que permitem deduzir aexistência efetiva de uma grande e única comunidade global, trans-cendente ao simples resultado da soma das diversas sociedades na-cionais que a compõem.

O primeiro resultado objetivo dessa constatação (que, aoque tudo indica, ensejou a caracterização de uma específica e pe-culiar linha histórico-evolutiva) decorre da própria Declaração Uni-versal dos Direitos do Homem, em 1948, no contexto histórico dacriação da Organização das Nações Unidas - ONU (na qualidade deefetiva Confederação Institucional), no imediato período do pós-guerra, em 1945.

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PreÂmBuLo

Considerando que o re-conhecimento da dignidade ine-rente a todos os membros dafamília humana e de seus direi-tos iguais e inalienáveis é o fun-damento da liberdade, da justiçae da paz no mundo;

Considerando que odesprezo e o desrespeito pelosdireitos humanos resultaram ematos bárbaros que ultrajaram aconsciência da Humanidade eque o advento de um mundo emque os homens gozem de liber-dade de palavra, de crença e daliberdade de viverem a salvo dotemor e da necessidade foi pro-clamado como a mais alta aspi-ração do homem comum;

Considerando essen-cial que os direitos humanossejam protegidos pelo Estado deDireito para que o homem nãoseja compelido, como último re-curso, à rebelião contra a tiraniae a opressão;

Considerando essencialpromover o desenvolvimento de re-lações amistosas entre as nações;

Considerando que ospovos das Nações Unidas reafir-maram, na Carta, sua fé nos di-reitos humanos fundamentais,na dignidade e no valor da pessoa

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Diagrama i: Declaração universal dos Direitos do Homem (original)

humana e na igualdade de direi-tos dos homens e das mulheres,e que decidiram promover o pro-gresso social e melhores condi-ções de vida em uma liberdademais ampla;

Considerando que osEstados-Membros se compro-meteram a desenvolver, em coo-peração com as Nações Unidas,o respeito universal aos direitoshumanos e às liberdades funda-mentais e a observância dessesdireitos e liberdades;

Considerando que umacompreensão comum desses di-reitos e liberdades é da mais altaimportância para o pleno cumpri-mento desse compromisso, aAssembleia Geral proclama apresente Declaração Universaldos Diretos Humanos como oideal comum a ser atingido portodos os povos e todas as na-ções, com o objetivo de quecada indivíduo e cada órgão dasociedade, tendo sempre emmente esta Declaração, se es-force, através do ensino e daeducação, por promover o res-peito a esses direitos e liberda-des, e, pela adoção de medidasprogressivas de caráter nacionale internacional, por assegurar oseu reconhecimento e a sua ob-servância universais e efetivos,

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tanto entre os povos dos pró-prios Estados-Membros, quantoentre os povos dos territórios sobsua jurisdição.

Artigo I. Todas as pes-soas nascem livres e iguais emdignidade e direitos. São dotadasde razão e consciência e devemagir em relação umas às outrascom espírito de fraternidade.

Artigo II. Toda pessoatem capacidade para gozar osdireitos e as liberdades estabe-lecidos nesta Declaração, semdistinção de qualquer espécie,seja de raça, cor, sexo, língua,religião, opinião política ou deoutra natureza, origem nacionalou social, riqueza, nascimento,ou qualquer outra condição.

Artigo III. Toda pessoatem direito à vida, à liberdade eà segurança pessoal.

Artigo IV. Ninguém serámantido em escravidão ou servi-dão, a escravidão e o tráfico deescravos serão proibidos emtodas as suas formas.

Artigo V. Ninguém serásubmetido a tortura, nem a trata-mento ou castigo cruel, desu-mano ou degradante.

Artigo VI. Toda pessoatem o direito de ser, em todos oslugares, reconhecida como pes-soa perante a lei.

Artigo VII. Todos sãoiguais perante a lei e têm direito,

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sem qualquer distinção, a igualproteção da lei. Todos têm direitoa igual proteção contra qualquerdiscriminação que viole a pre-sente Declaração e contra qual-quer incitamento a taldiscriminação.

Artigo VIII. Toda pessoatem direito a receber dos tributosnacionais competentes remédioefetivo para os atos que violemos direitos fundamentais que lhesejam reconhecidos pela consti-tuição ou pela lei.

Artigo IX. Ninguém seráarbitrariamente preso, detido ouexilado.

Artigo X. Toda pessoatem direito, em plena igualdade,a uma audiência justa e públicapor parte de um tribunal indepen-dente e imparcial, para decidir deseus direitos e deveres ou dofundamento de qualquer acusa-ção criminal contra ele.

Artigo XI. 1. Toda pes-soa acusada de um ato delituosotem o direito de ser presumidainocente até que a sua culpabili-dade tenha sido provada deacordo com a lei, em julgamentopúblico no qual lhe tenham sidoasseguradas todas as garantiasnecessárias à sua defesa. 2.Ninguém poderá ser culpado porqualquer ação ou omissão que,no momento, não constituíamdelito perante o direito nacional

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ou internacional. Tampouco seráimposta pena mais forte do queaquela que, no momento da prá-tica, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII. Ninguémserá sujeito a interferências nasua vida privada, na sua família,no seu lar ou na sua correspon-dência, nem a ataques à suahonra e reputação. Toda pessoatem direito à proteção da lei con-tra tais interferências ou ataques.

Artigo XIII. 1. Toda pes-soa tem direito à liberdade de lo-comoção e residência dentrodas fronteiras de cada Estado. 2.Toda pessoa tem o direito de dei-xar qualquer país, inclusive opróprio, e a este regressar.

Artigo XIV. 1. Toda pes-soa, vítima de perseguição, temo direito de procurar e de gozarasilo em outros países. 2. Estedireito não pode ser invocado emcaso de perseguição legitima-mente motivada por crimes dedireito comum ou por atos con-trários aos propósitos e princí-pios das Nações Unidas.

Artigo XV. 1. Toda pes-soa tem direito a uma nacionali-dade. 2. Ninguém seráarbitrariamente privado de suanacionalidade, nem do direito demudar de nacionalidade.

Artigo XVI. 1. Os ho-mens e mulheres de maioridade, sem qualquer restrição de

raça, nacionalidade ou religião, têmo direito de contrair matrimônio efundar uma família. Gozam deiguais direitos em relação ao casa-mento, sua duração e sua dissolu-ção. 2. O casamento não seráválido senão com o livre e plenoconsentimento dos nubentes.

Artigo XVII. 1. Toda pes-soa tem direito à propriedade, sóou em sociedade com outros. 2.Ninguém será arbitrariamenteprivado de sua propriedade.

Artigo XVIII. Toda pes-soa tem direito à liberdade depensamento, consciência e reli-gião; este direito inclui a liberdadede mudar de religião ou crença ea liberdade de manifestar essa re-ligião ou crença, pelo ensino, pelaprática, pelo culto e pela obser-vância, isolada ou coletivamente,em público ou em particular.

Artigo XIX. Toda pessoatem direito à liberdade de opiniãoe expressão; este direito inclui aliberdade de, sem interferência,ter opiniões e de procurar, rece-ber e transmitir informações eideias por quaisquer meios e in-dependentemente de fronteiras.

Artigo XX. 1. Toda pes-soa tem direito à liberdade dereunião e associação pacíficas.2. Ninguém pode ser obrigado afazer parte de uma associação.

Artigo XXI. 1. Toda pes-soa tem o direito de tomar parte

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no governo de seu país, direta-mente ou por intermédio de re-presentantes livrementeescolhidos. 2. Toda pessoa temigual direito de acesso ao serviçopúblico do seu país. 3. A vontadedo povo será a base da autori-dade do governo; esta vontadeserá expressa em eleições perió-dicas e legítimas, por sufrágiouniversal, por voto secreto ouprocesso equivalente que asse-gure a liberdade de voto.

Artigo XXII. Toda pes-soa, como membro da socie-dade, tem direito à segurançasocial e à realização, pelo esforçonacional, pela cooperação inter-nacional e de acordo com a orga-nização e recursos de cadaEstado, dos direitos econômicos,sociais e culturais indispensáveisà sua dignidade e ao livre desen-volvimento da sua personalidade.

Artigo XXIII. 1. Todapessoa tem direito ao trabalho, àlivre escolha de emprego, a con-dições justas e favoráveis de tra-balho e à proteção contra odesemprego. 2. Toda pessoa,sem qualquer distinção, tem di-reito a igual remuneração porigual trabalho. 3. Toda pessoaque trabalhe tem direito a umaremuneração justa e satisfatória,que lhe assegure, assim como àsua família, uma existência com-patível com a dignidade humana,

e a que se acrescentarão, se ne-cessário, outros meios de prote-ção social. 4. Toda pessoa temdireito a organizar sindicatos eneles ingressar para proteção deseus interesses.

Artigo XXIV. Toda pes-soa tem direito a repouso e lazer,inclusive a limitação razoável dashoras de trabalho e férias perió-dicas remuneradas.

Artigo XXV. 1. Todapessoa tem direito a um padrãode vida capaz de assegurar a sie a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, ves-tuário, habitação, cuidadosmédicos e os serviços sociais in-dispensáveis, e direito à segu-rança em caso de desemprego,doença, invalidez, viuvez, velhiceou outros casos de perda dosmeios de subsistência fora deseu controle. 2. A maternidade ea infância têm direito a cuidadose assistência especiais. Todas ascrianças nascidas dentro ou forado matrimônio gozarão damesma proteção social.

Artigo XXVI. 1. Todapessoa tem direito à instrução. Ainstrução será gratuita, pelomenos nos graus elementares efundamentais. A instrução ele-mentar será obrigatória. A instru-ção técnico-profissional seráacessível a todos, bem como ainstrução superior, esta baseada

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no mérito. 2. A instrução seráorientada no sentido do plenodesenvolvimento da personali-dade humana e do fortaleci-mento do respeito pelos direitoshumanos e pelas liberdades fun-damentais. A instrução promo-verá a compreensão, atolerância e a amizade entretodas as nações e grupos raciaisou religiosos, e coadjuvará asatividades das Nações Unidasem prol da manutenção da paz.3. Os pais têm prioridade de di-reito à escolha do gênero de ins-trução que será ministrada aseus filhos.

Artigo XXVII. 1. Todapessoa tem o direito de participarlivremente da vida cultural da co-munidade, de fruir as artes e departicipar do processo científicoe de seus benefícios. 2. Todapessoa tem direito à proteçãodos interesses morais e mate-riais decorrentes de qualquerprodução científica, literária ouartística da qual seja autor.

Artigo XXVIII. Toda pes-soa tem direito a uma ordem so-cial e internacional em que osdireitos e liberdades estabeleci-dos na presente Declaração pos-sam ser plenamente realizados.

Artigo XXIX. 1. Todapessoa tem deveres para com acomunidade, em que o livre epleno desenvolvimento de sua

personalidade é possível. 2. Noexercício de seus direitos e liber-dades, toda pessoa estará su-jeita apenas às limitaçõesdeterminadas pela lei, exclusiva-mente com o fim de assegurar odevido reconhecimento e res-peito dos direitos e liberdades deoutrem e de satisfazer às justasexigências da moral, da ordempública e do bem-estar de umasociedade democrática. 3. Essesdireitos e liberdades não podem,em hipótese alguma, ser exerci-dos contrariamente aos propósi-tos e princípios das NaçõesUnidas.

Artigo XXX. Nenhumadisposição da presente Declara-ção pode ser interpretada comoo reconhecimento a qualquerEstado, grupo ou pessoa, do di-reito de exercer qualquer ativi-dade ou praticar qualquer atodestinado à destruição de quais-quer dos direitos e liberdadesaqui estabelecidos.

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1 tribunais internacionais A questão relativa à criação de tribunais internacionais se encontra um-

bilicalmente adstrita à ampla discussão a propósito da própria existência de um di-reito internacional e, por vias transversas, sobre uma efetiva ordem internacional.

O problema central, nesse aspecto, repousa no fato inconteste de queo direito normativo, desprovido de sinérgica sanção, resume-se a uma simplescarta de intenções, sem qualquer efeito normativo prático.

No âmbito nacional, nunca é demais lembrar, a garantia maior do direito(particularmente do direito constitucional e das garantias individuais derivadas)encontra assento no poder soberano do Estado de fazer valer a universalidadede suas decisões, impondo, nesse sentido - por meio de instrumentos própriosde força coativa -, a ordem normativa consensual, independentemente de even-tuais vontades particulares em sentido contrário.

Muito embora tal questão tenha sido, de imediato, ventilada entre osaliados (EUA, Reino Unido e URSS) antes mesmo do fim da Segunda GrandeGuerra, a verdade é que ocorreu, naquela oportunidade, um hiato insuperávelentre as concepções de paz defendidas, por um lado, pelos EUA e Reino Unido,que defendiam a existência de uma ONU armada para fazer valer um direito

Direitos Humanos e iDeoLogia

Nesse sentido, - não obstante o indiscutível avanço rumoà caracterização efetiva de uma genuína Constituição Global -, oadvento da Declaração Universal dos Direitos do Homem tambémacabou contribuindo, mesmo que indiretamente, para o acirra-mento de uma ampla problemática relativa aos chamados direitoshumanos, consistente, a exemplo de todos os elementos de natu-reza normativa, na questão específica da interpretação (e do al-cance) de seus dispositivos, posto que - por razões, acima de tudo,ideológicas - subsiste uma natural controvérsia hermenêutica naaplicação prática de seus variados regramentos.

Destarte, muitas das ações em princípio violadoras dosdireitos humanos para considerável parcela da comunidade inter-nacional, particularmente no período bipolar de confrontação ideo-lógica, não eram entendidas sob a mesma ótica por outrascoletividades, criando objetivamente uma espécie de impasse po-lítico cuja solução última passa a oscilar entre a simples imposiçãoda ideologia dominante (solução aplicada particularmente no pe-ríodo compreendido entre os cinquenta anos do pós-guerra) até acriação de verdadeiros tribunais internacionais1, com jurisdição

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coletivo, e, por outro, pela URSS, que desejava um desarme geral, sem maiorespreocupações com a efetividade de um suposto direito internacional.

Na prática, a história acabou mostrando, poucos anos depois, que oideário soviético correspondia muito mais às suas ambições expansionistas doque propriamente a uma preocupação com a paz mundial e com a convivênciaharmônica dos diferentes povos (derivado do próprio fato de que a URSS se cons-tituía, a exemplo da derrotada Alemanha, em um Estado totalitário, onde a expres-são democracia limitava-se a um mero sofisma, obrigando o chamado “MundoLivre” (sob a liderança dos EUA) a delinear uma política de contenção que condu-ziu, como previra seu principal mentor (George Kenan), a uma desaglutinação doImpério Soviético e, por consequência, da ameaça do totalitarismo comunista.

O resultado foi, sem dúvida, um lamentável atraso de pelo menos cin-quenta anos no necessário debate quanto à criação de instrumentos efetivos paraa consolidação de um autêntico direito internacional.

De qualquer sorte, é fato que, vencidos os maiores obstáculos do pas-sado recente, o direito internacional público parece, a cada dia, mais próximo dese tornar uma realidade, com a criação de autênticos tribunais internacionais, quepassariam a ter jurisdição, independentemente das diversas soberanias nacio-nais, se não sobre toda a comunidade internacional, pelo menos no âmbito deseus signatários. Nesse ponto, oportuno mencionar, a Conferência de Roma, rea-lizada entre 15 de junho e 17 de julho de 1998, revelou-se um avanço ao aprovara implantação de um Tribunal Penal Internacional com poderes para julgar oschamados crimes contra a humanidade (e, particularmente, os de guerra).

O maior obstáculo a essa iniciativa, contudo, continua sendo o vetonorte-americano à ideia de abrir mão de julgar, segundo suas leis (e em seu ter-ritório), seus próprios cidadãos (e outros que tenham cometido crimes que en-volvam diretamente interesses estadunidenses, como o caso do general Noriega,que foi sequestrado em seu país para ser julgado nos EUA). De qualquer sorte,a criação última de um organismo internacional dessa envergadura eliminaria ascríticas contundentes que se repetem, cada vez com mais constância, em relaçãoao natural repúdio à aplicação unilateral e extraterritorial de leis nacionais (aindaque fundadas na Declaração Universal dos Direitos Humanos), tal qual ocorreuno caso Pinochet (Inglaterra/Espanha, 1998/99), que se “constituem em açõesque indiscutivelmente violam a igualdade jurídica dos Estados e os princípios derespeito e dignidade da soberania dos Estados e a não-intervenção em assuntosinternos que ameaçam a convivência dos mesmos” (fragmentos da Declaraçãoconjunta Mercosul + Chile + Bolívia, em reunião no Rio de Janeiro, em 09 de de-zembro de 1998):

O Tribunal Penal Internacional (TPI) é um velho sonho de juristas emilitantes de direitos humanos que finalmente começou a se concre-tizar em meados de 1998, quando representantes de 162 países se

transnacional e com plena competência, a exemplo dos tribunaisnacionais, para interpretar (e aplicar) o que se convencionou de-nominar por legislação comum internacional.

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reuniram em Roma para discutir a elaboração dos seus estatutos. Aidéia de uma corte internacional para julgar crimes contra a Humani-dade fora primeiro mencionada em 1924 e vinha sendo discutida nasNações Unidas desde 1948. O problema é que durante décadas a rivalidade entre os blocos comu-nista e capitalista bloqueou a concretização do tribunal, pois não sechegava a um acordo sobre a definição de suas atribuições. Foram ne-cessárias duas décadas apenas para obter-se um entendimentocomum da palavra 'agressão'. Os debates em torno dos estatutos do TPI estiveram longe de umaunanimidade de posições e a antiga divergência ideológica deu lugara uma preocupação com a soberania nacional. Vários países, EstadosUnidos à frente, queriam limitar as atribuições da corte, submetendo-aao Conselho de Segurança da ONU. Rússia, França e China apoiavamessa posição, que, como membros permanentes do Conselho, lhesdaria o poder de veto sobre o TPI. Tal proposta, no entanto, foi derro-tada pela maioria, que preferiu uma corte mais independente. Os EUA,entretanto, não devem ratificar a criação do tribunal por não abrir mãode julgar seus próprios cidadãos. O TPI tem a seu encargo julgar crimes contra a Humanidade, genocí-dio, agressão e crimes de guerra, mas só terá jurisdição se houver en-volvimento de cidadãos de países signatários ou se os crimes foremcometidos nesses países. Para funcionar, o TPI precisa ser ratificadopor 60 parlamentos nacionais (A Humanidade em Busca de Proteção).

2 regimes Políticos ilegítimos Não obstante o almejado sonho de se constituir uma autêntica comu-nidade internacional verdadeiramente democrática (em sua acepção ampla e hu-manística), a realidade efetiva encontra-se muito distante desse ideal, posto queem diversas sociedades nacionais, plenamente reconhecidas pela ONU, aindacoexistem situações de extrema violação dos direitos humanos mais elementares,como a liberdade. É o caso, dentre outros, do Sudão, onde a prática da escravidão (e doconsequente tráfico de seres humanos) constitui-se em uma atividade legal (ou,

Nesse diapasão analítico, - ainda que não plenamentefactível no presente -, espera-se, no futuro próximo, que os direitoshumanos passem a ser verdadeiramente assegurados para todosos homens no planeta, independentemente de suas respectivasnacionalidades, o que corresponderia, em grande medida, aosonho de se construir uma genuína aldeia global, na qual a demo-cracia, em sua vertente ampla, passaria a se constituir em umarealidade efetiva para todos, encerrando, em definitivo, a possibi-lidade da existência de regimes políticos ilegítimos, de índole, so-bretudo, totalitária2, 3.

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no mínimo, tolerada pelo Estado), forjando uma situação de fato (e de direito)que, em nenhuma circunstância, poderia ser razoavelmente aceita pela comuni-dade internacional. Em termos objetivos, o Sudão, a exemplo de outros Estados Artificiais,encontra-se atolado numa guerra civil em que já morreram dois milhões de pes-soas. O norte, muçulmano, tenta subjugar as populações cristã e animista, ma-joritárias no sul do país.3 O que, em grande parte, historicamente correspondeu aos frustrados anseiosde muitas comunidades envolvidas direta e indiretamente na Segunda GuerraMundial (que, sob certo prisma, encaravam aquele conflito como uma autênticaluta contra o totalitarismo e a opressão), ainda que circunstâncias históricas te-nham obrigado à consolidação de alianças extravagantes entre os regimes de-mocráticos e o totalitarismo comunista, e toda a sorte de consequências que omundo presenciou, particularmente até o início dos anos 1990.

Direitos Humanos e PrincÍPio Da eXtraterrito-riaLiDaDe

Todavia, no presente estágio evolutivo do Direito Interna-cional, é sensato concluir, reforçando, em parte, a tese da imposi-ção da ideologia dominante, que muitos Estados -independentemente da própria existência de tribunais internacio-nais específicos (que, em princípio, teriam sua jurisdição limitadaaos nacionais signatários de sua criação, muito embora alguns de-fendam a simples imposição do poder jurisdicional internacionalmesmo aos países não signatários) e, em certo aspecto, anteci-pando-se à efetividade dos mesmos -, têm defendido, de formasimplória, a aplicação do controvertido princípio da extraterritoria-lidade, - com a consequente supressão do reconhecimento da so-berania nacional -, para o julgamento, em solo nacional, decidadãos estrangeiros e residentes em países soberanos, acusa-dos de praticar, em termos genéricos, crimes de violação contraos direitos humanos.

Muito embora, no terreno abstratamente intencional,possa parecer louvável a iniciativa, a verdade é que a mesma ca-mufla uma efetiva (e perigosa) imposição ideológica dos Estadosdominantes em relação aos chamados Estados periféricos ou, emoutras palavras, entre Estados detentores de poder militar, econô-mico e político relativamente aos demais players globais.

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4 o caso Pinochet e seus consectáriosSobre a questão particular da prisão do general Augusto Pinochet em

Londres (1998), merece ser transcrito, pelo seu brilhantismo, interessante artigode autoria de Roberto Campos ("A Trapalhada dos Lordes", O Globo, 06.12.98,p. 7), que bem retrata o episódio em análise, in verbis:

A decisão da Câmara dos Lordes, na Inglaterra, de negar imunidade aogeneral Pinochet por atos cometidos na chefia do governo (submetendo-o potencialmente a um processo de extradição), abre uma Caixa de Pan-dora. Dela sairão serpentes de vingança e não pombas de esperança. O mais bizarro é que os países envolvidos - Espanha e Inglaterra - têmuma suja história de imperialismo e violência. Ao se auto proclamarempaladinos de direitos humanos, estão sendo vítimas de amnésia. Alémda falta de autocrítica, pois não conseguiram debelar terrorismos polí-ticos e religiosos na Irlanda do Norte e no País Basco, respectivamente. O juiz espanhol Baltasar Garzón ou é um exibicionista ou um funda-mentalista descontextualizado. A figura de Pinochet no Chile, como ado generalíssimo Franco na Espanha, tem que ser avaliada em seucontexto histórico. Ambos foram protagonistas de guerras civis ideoló-gicas, as quais se caracterizam, como os fanatismos religiosos, poralto nível de violência. A Guerra Civil Espanhola nos anos 30, entre co-munistas (fantasiados de 'legalistas') e revolucionários (fantasia dos de'nacionalistas’), fez cerca de um milhão de vítimas. A vitória de Francoimpediu a submersão da Espanha no bloco marxista, que resultaria emtirania política e estagnação econômica, como na Bulgária e na Romê-nia. Manobrando habilmente, Franco evitou também o totalitarismooposto - o nazi-fascismo. Acabou abrindo caminho para a moderniza-ção da economia e para o advento de uma monarquia constitucional.Hoje, a Espanha é um próspero país, solidamente ancorado na UniãoEuropéia, cujos membros estão compromissados com a democracia ea economia de mercado. No caso chileno, o perigo do governo Allende seria uma radicalizaçãoesquerdista (quase certa à luz da experiência de outros países em quecomunistas assumiram o poder). Em vez da ameaça espanhola de 'bul-garização', teríamos uma ameaça de urbanização'. Em qualquer comparação objetiva entre Pinochet e Fidel, este últimoganha longe em malignidade de comportamento.

Nessa linha de raciocínio, revela-se claramente a aplicaçãoprática de dois pesos e duas medidas, posto que, enquanto Estadoscentrais puderem manter, independentemente de passaportes diplo-máticos (e de suas consequentes imunidades), em situação de ver-dadeiro cárcere privado, o então general Pinochet, acusado de serresponsável pelo desaparecimento de três mil pessoas (entre chile-nos e estrangeiros) durante a imposição de seu regime no Chile4,

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Fidel liquidou por fuzilamento 5, 6 vezes mais que o total de mortos edesaparecidos sob Pinochet. Se considerarmos mortos em prisões,campos de concentração ou vítimas dos tubarões do Caribe, a eficáciahomicida de Fidel faz de Pinochet um escoteiro destreinado, inferiorinclusive na tecnologia da tortura, área em que os regimes comunistassempre revelaram proficiência. O número de 'excluídos' da sociedade cubana por exílio ou fuga é 67vezes maior do que no caso chileno. Pinochet não exportou revoluções, ao contrário de Fidel, que provocousubversão e terrorismo na Venezuela e Colômbia (no Brasil limitou-se,felizmente, a treinar terroristas e financiar os Grupos dos 11 de Brizola).Além disso, infiltrou-se nos conflitos ideológico-tribais da África, ma-tando milhares de africanos em Angola e Somália. Pinochet deixou uma economia sadia, em ritmo de crescimento sus-tentado, enquanto Fidel foi um especialista na economia do caos, tor-nando seu país um pensionista soviético no Caribe. Pinochet deixou o poder após 17 anos, derrotado em plebiscito demo-crático, com uma anistia sancionada em texto constitucional. Fidel estáno poder há 40 anos e considera obscenidade a simples idéia de umademocracia pluralista. Se o juiz Baltasar Garzón ou a Amnesty International organizassemuma lista de extraditáveis, segundo critérios objetivos de violação dedireitos humanos e malefícios à comunidade, haveria candidatos demaior mérito que Pinochet. Fidel Castro, ao invés de ser recebido efestejado como chefe de Estado, seria objeto de numerosos pedidosde extradição, que limitariam suas excursões turísticas. Saddam Hus-sein seria um candidato imbatível em virtude de seu massacre de cur-dos e xiitas. E que dizer dos líderes chineses, que mataram 2 milpessoas numa manifestação democrática pacífica na praça de Tiana-men? Os sírios poderiam solicitar a extradição do líder judeu Neta-nyahu, pelo genocídio dos palestinos! Ao desconsiderar que Pinochet é senador em virtude de um estatutode anistia mútua, que os chilenos julgaram ser um preço tolerável apagar pela reconciliação democrática, os lordes ingleses desrespeita-ram insultuosamente a soberania chilena. Certamente as Cortes chi-lenas estão mais equipadas que qualquer tribunal espanhol ouinternacional para julgar se os atos de Pinochet foram principalmentede tipo 'preventivo', e se contribuíram para salvar o país da violênciasistêmica, inerente aos radicalismos de esquerda. Essa diferença é fundamental. Os anos 60 e começo dos 70 foram o

por outro nada se fez em relação aos diversos dirigentes chineses,responsáveis comprovadamente pelo extermínio de um número infi-nitas vezes superior de “inimigos do regime”, ou mesmo de tantos ou-tros ditadores vivos, e ainda na “ativa”, mas que, por auferirem talcondição, ainda possuem uma vasta parcela de poder para defenderem

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apogeu da guerra fria. Houve um surto mundial de autoritarismo, quereduziu em 1/3 o número de democracias existentes no imediato pós-guerra. Essa guinada autoritária foi particularmente intensa na AméricaLatina, afetando em curta sucessão a Bolívia, o Brasil, o Uruguai, a Ar-gentina, o Peru e o Chile. É ilusão pensar que a opção do Brasil sobGoulart, ou do Chile sob Allende, era entre dois estilos de democracia- a liberal democracia e a social democracia. Era antes entre dois tiposde autoritarismo: o de direita e o de esquerda. Aquele, encabulado, bio-degradável e declarando-se transicional, tendo em vista eventual re-democratização. Este, ideológico, messiânico, considerando-se fadadoà vitória pelo determinismo histórico e praticante da violência sistêmica,a fim de implantar a ditadura do proletariado, representado pelo partidovanguardeiro. Mais gravemente ainda, a decisão dos lordes pode ser interpretadaimaginosamente como um questionamento internacional do direito so-berano dos países latino-americanos de recorrerem a pactos de 'anistiamútua' para viabilizar a remoção dos entulhos ideológicos da guerrafria. Dificilmente teria havido uma transição incruenta para a democra-cia no Brasil sem a 'anistia ampla e irrestrita' de 1979, e no Chile, sema Constituição de 1980. É uma petição de princípio argumentar-se queforam anistias impostas e não democraticamente negociadas, porquese destinavam precisamente a viabilizar a restauração democrática. Ao abrir sua Caixa de Pandora, em breves sentenças, desacompanha-das de meditação sociológica e histórica, os juízes londrinos produzi-ram reverberações insuspeitadas. Em que fica, por exemplo, o recenteacordo de paz entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte? Cu-riosamente, o número de mortos nesse conflito religioso -cerca de 3mil - é equivalente ao das vítimas da era Pinochet. Estarão os terroris-tas de ambos os lados absolvidos, ou poderão os Líderes das duasfacções religiosas ser no futuro responsabilizados por violação dos di-reitos humanos? Numa interpretação elástica da sentença dos lordes, desconsiderandoa imunidade de chefes de Estado por atos praticados no poder, o queimpediria ativistas políticos de propor a aplicação do estatuto de extradi-ção ao presidente Bush pelos mortos na invasão do Panamá, a Kissingerpelos bombardeios no Camboja, a Ieltsin por barbaridades na Chechê-nia, a Gorbatchov pelas vítimas da invasão russa do Afeganistão?Nem sempre é fácil a distinção entre violência 'preventiva' e violência'sistêmica'. Os partidários de Pinochet argúem, não absurdamente, queseu líder apenas praticou violência preventiva contra uma violênciamaior e sistêmica, a do marxismo. O mundo tem feito progressos na proteção dos direitos humanos em

suas posições desrespeitadoras dos direitos humanos. A questão sub examen, portanto, oculta uma inegável

dose de covardia e hipocrisia, travestida por meio do nobre objetivo

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bases internacionais através de vários tratados. A solução para o futuro,a fim de intimidar criminosos, está na criação de um tribunal penal in-ternacional como previsto no Tratado de Roma, recentemente nego-ciado, ao qual já aderiram numerosos países. A 'jurisdição universal'por crimes contra a Humanidade deveria ser entretanto sujeita ao prin-cípio de 'complementaridade', somente cabendo recurso ao tribunal in-ternacional se as cortes nacionais forem omissas ou incapacitadaspara punir graves violações dos direitos humanos. E certamente deve-se respeitar a soberania nacional, nos casos em que os países vejamna anistia mútua a solução menos sanguinolenta e mais rápida para arestauração democrática. Seria absurdo que o desejo de vingança in-dividual resultasse na retomada de conflitos coletivos. O que há de absurdo na cena atual é o duplo padrão. Coloca-se o holo-fote da mídia internacional sobre os crimes de Pinochet, que fazem partede um trágico passado, e há sepulcral silêncio sobre os crimes de Fidel,que fazem parte de um trágico presente. (ROBERTO CAMPOS, art. cit.)

Ainda sobre o tema, vale consignar que, para acusar Pinochet e os mi-litares sul-americanos de modo geral, Garzón apoiou-se em jurisprudência inter-nacional estabelecida pelo Tribunal de Nuremberg, de 1945, que julgoucriminosos de guerra nazistas, pela convenção das Nações Unidas contra geno-cídio, de 1948, por resoluções da ONU de 1973, sobre crimes contra a Humani-dade, pela declaração da ONU de 1992 sobre os "desaparecidos" e pelaconvenção europeia contra tortura. Grã-Bretanha e Espanha são signatárias detodos esses documentos.

A posição dos EUA, nesse contexto em particular, é de extrema cau-tela, posto que há in casu o temor de que, por exemplo, o ex-presidente GeorgeBush venha a ser, eventualmente, denunciado - e julgado no exterior - por ter de-terminado a invasão do Panamá, em dezembro de 1989, para capturar o generalManuel Noriega, então chefe de Estado, e, nessa condição, pessoa, em princípio,diplomaticamente protegida. Bush, afinal, era o líder da Nação e os EUA, deacordo com as leis internacionais, não tinha qualquer jurisdição sobre o Panamá,caracterizando a inconteste violação das leis internacionais, sem contar que de-zenas de inocentes foram mortos durante aquela operação, que também deixoucentenas de desabrigados.

Por outro lado, a postura estadunidense nem sempre (e talvez na maio-ria dos casos) possui a coerência que procura demonstrar. Sobre o envolvimentodo deputado federal Fernando Gabeira no sequestro do embaixador Charles El-brick, em 1969, o governo norte-americano mantém a sua histórica posição denegar-lhe visto de entrada em território americano, sob o argumento de que aação em pauta, "contra uma pessoa internacional protegida, violou um dos prin-cípios mais importantes das leis internacionais da diplomacia".

de se defender os direitos humanos. Covardia porque apenas ad-mite a imposição do pretenso princípio da extraterritorialidade con-tra cidadãos desprotegidos ou contra nacionais de Estados com

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5 o mito Kennedy A falsa moralidade ocidental e, em especial, norte-americana, também

tem contribuído para criar verdadeiros mitos, como o do governo de John Fitzge-rald Kennedy, considerado, agora, após extensas investigações (associadas, emsua maior parte, ao seu fim trágico), como o mais corrupto, imoral, e, em certoaspecto, violento da história contemporânea estadunidense (Seymour Hersh. OLado Negro de Camelot - Sexo e Corrupção na Era Kennedy. 7. ed. São Paulo:L & PM Editores, 1998).

Por trás de uma fachada aparentemente sem qualquer suspeita, houvecomprovadas irregularidades no governo Kennedy, a começar pela verdadeirafraude eleitoral que permitiu - com uma diferença desprezível de apenas 118 milvotos em 68 milhões de sufrágios - sua vitória sobre o candidato republicano Ri-chard Nixon (então vice-presidente e, mais tarde (1969/74), presidente eleito dosEUA). Ademais, Kennedy era bígamo (crime inadmissível para um chefe de Es-tado), posto que jamais se divorciou de um anterior casamento contraído antesdas núpcias com Jacqueline Bouvier, além de ter ordenado diretamente os as-sassinatos dos líderes Patrice Lumumba, Rafael Trujillo e Ngô Dinh Diem.6 Parâmetros paradoxais da chamada moral intervencionista de Índole ex-traterritorial

Os parâmetros político-ideológicos utilizados pelos países ditos civili-zados para a imposição de sua moral extraterritorial também apresentam situa-ções verdadeiramente paradoxais.

O tratamento dispensado a fundamentalistas islâmicos que matam mi-lhares (talvez milhões) de pessoas e exportam o terrorismo em sua vertente maiscruel e sanguinária (veja o caso da condenação à pena de morte de um escritorindiano, naturalizado inglês, por um tribunal iraniano, que simplesmente obrigouo governo britânico a prover proteção permanente por mais de vinte anos) muitasvezes é mais singelo e brando do que a própria forma como são julgados antigosaliados do Ocidente, muitas vezes cumpridores, em seu atuar político, de instru-ções ditadas pelos próprios países centrais.

Também, beiram quase o ridículo determinadas situações em que os"paladinos da lei e da ordem internacionais" libertam reconhecidos terroristas, comono caso do líder curdo separatista Abdullah Ocalan, responsável pela morte decerca de trinta mil pessoas na Turquia e que, preso em Roma, foi liberado em se-guida, sob o argumento de que o governo italiano (o mesmo que deseja ser sedede um tribunal internacional para punir crimes contra os direitos humanos, seme-lhantes aos praticados direta ou indiretamente por Ocalan) não podia puni-lo e nemautorizar a extradição para países onde há pena de morte, como é o caso da Tur-quia (curiosamente, o mesmo terrorista acabou preso, algumas semanas depois,

limitado (ou inexistente) poder de reação, desconsideradas, em todosos casos, a maior ou menor gravidade de suas supostas ações cri-minosas. Hipocrisia porque não leva em conta a existência ou não deuma sinérgica autoridade moral5 para julgar crimes contra a humani-dade, eventualmente também praticados pelos Estados-juízes6, 7.

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no Quênia, quando pediu "proteção" à embaixada da Grécia em Nairóbi).Muitos poderiam argumentar, entretanto, que o caso de Ocalan re-

sume-se a uma luta pela libertação do povo curdo na Turquia e em países próxi-mos e, por essa razão, possuiria certa dose de legitimidade. Mais uma vez,portanto, a questão resume-se a um parâmetro ideológico, posto que todos osterroristas, invariavelmente, possuem algum tipo de argumento justificador desuas respectivas condutas. Afinal, Pinochet, que foi acusado de assassinar trêsmil pessoas (10% do montante conferido a Ocalan), também defende-se cul-pando a tentativa de implantação do comunismo no Chile.

Ainda, numa lista de intermináveis (e curiosas) contradições, podería-mos registrar a condenação dos EUA, pelo Tribunal Internacional de Haia, na Ho-landa, que julga crimes de guerra, durante o conflito armado do Vietnã, vis-à-viscom a ausência de equivalente condenação do Vietnã do Norte (e de seus diri-gentes) pelas atrocidades (como tortura, assassinatos em massa e genocídio)praticadas durante a guerra e, particularmente, após a ocupação (e anexação)do Vietnã do Sul em 1975.

Aliás, se lembrarmos os lamentáveis acontecimentos na Indochina, nãopoderemos deixar de registrar a indiferença com que o Ocidente – e particular-mente, os EUA – assistiu, durante quatro anos, a uma das maiores atrocidadesjamais vistas pela humanidade. Nessa oportunidade, o presidente Jimmy Carterpreocupava-se, sobremaneira, com a situação dos direitos humanos no Brasil(1976), enquanto o regime de Polpot (Khmer vermelho), no Camboja, procedia àexecução quase que sumária, entre 1975 e 1979, nos chamados "Campos daMorte”, de dois milhões de seres humanos.7 O mais bizarro exemplo dessa situação revela-se no envolvimento de paísescomo Espanha e Inglaterra – com uma comprovada história de imperialismo eviolência passada e atual (vide a situação do terrorismo político da região bascae da Irlanda do Norte, por exemplo) –, no julgamento de crimes contra a huma-nidade supostamente praticados pelo antigo soberano chileno (Augusto Pino-chet). Também, no que concerne aos crimes de guerra (igualmente reputadoscontra a humanidade), resta largamente demonstrada a participação de Estadosque se autodenominam paladinos dos direitos humanos em episódios de indis-cutível tipicidade criminal. Nesse sentido, o aplaudido filme “O Resgate do Sol-dado Ryan” (1998) demonstrou claramente, em uma comovente retrospectivahistórica, a hipocrisia dos chamados crimes de guerra, ao levar para o cinema arealidade da Segunda Guerra Mundial, em que os soldados americanos, em vá-rias oportunidades (como na ocasião do desembarque da Normandia), fuzilavamos militares do Eixo (alemães, italianos e japoneses), mesmo após conferiremsua incondicional rendição.

Por fim, o malsinado princípio da extraterritorialidade, aoatentar diretamente contra as inerentes imunidades diplomáticas,construídas sob o baluarte do respeito à soberania estrangeira,contribui, sobremaneira, para o crescente problema de credibili-dade dos próprios organismos internacionais, mormente quando

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8 Imagine, por exemplo, num caso extremo, que um governante de um Estado-membro da ONU, ao participar oficialmente de uma sessão, pudesse ser presoao desembarcar no aeroporto de Nova Iorque, sob a acusação de praticar, emseu país, crimes contra a humanidade. Seria simplesmente o fim dos princípiosbásicos da neutralidade e da imunidade que permitem, em última análise, o fun-cionamento dos principais organismos internacionais.9 Vale registrar, nesse diapasão analítico, que algumas ações que podem ser vistas,sob uma determinada ótica ideológica, como não democráticas, podem, sob outra,espelhar a própria primazia do regime democrático. Em Cuba, por exemplo, afirmouFidel Castro, em fevereiro de 1999, durante discurso para os deputados da Assem-bleia, que “antes que morram milhares de cubanos vítimas das drogas, é preferívelfuzilar alguns traficantes”, em idêntica argumentação (relativa à defesa da pena demorte) que se escuta em países tão diferentes como a China e os EUA.

consideramos que a sede de tais entidades situa-se em solo na-cional (como no caso da ONU, em Nova Iorque, EUA), criando,dessa feita, um problema global de confiabilidade entre os diferen-tes povos representados8.

Democracia e cuLtura HumanÍstica

Para trazer ainda mais complexidade à discussão, restaafirmar a existência de outra faceta da democracia que revela-sesubjetivamente na inerente questão cultural que a permeia.

Nesse sentido, não há como deixar de concluir que o re-gime democrático, em sua acepção ampla, decorre de uma incon-teste cultura humanística que, em última análise, apregoauniversalmente a primazia do próprio ser humano.

Ocorre que, por inerentes questões ideológicas (e mesmode simples luta pelo poder), o regime democrático também apre-senta-se, nesse contexto, como razoável instrumento de domina-ção, ainda que invariavelmente acobertado por determinadoselementos humanísticos9.

Sob esse aspecto, vale lembrar que para os antigos paí-ses do chamado Bloco Comunista, autodenominados democra-cias populares, o postulado da igualdade era considerado oícone do regime democrático e todo tipo de crítica ao poder central

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10 De fato, essa linha de argumentação corresponde, em alguma medida, ao querealmente ocorre, numa análise imparcial, em maior ou menor grau, em todos ospaíses centrais (e, sobretudo, nos periféricos) do chamado Ocidente Pluralista,posto que, não obstante a imprensa ser livre em todos esses países, a mesma so-mente publica a versão dos fatos que interessa ao “dono do jornal”, em uma situa-ção aproximadamente equivalente à da imprensa estatal que somente publica oque interessa ao governo. Nesse sentido, não há propriamente uma imprensa ver-dadeiramente livre, se considerarmos que há uma autêntica ditadura econômicaque, por si só, afasta as classes menos favorecidas de publicar suas opiniões, con-siderando, em conclusão, que abrir espaço em um jornal – ou mesmo ser proprie-tário de algum – importa em acesso a valores econômicos e, no segundo caso, atémesmo autorização governamental. Por outro lado, é cediço concordar que os jor-nais (e a imprensa, de modo geral) se sustentam, nos países democráticos do Oci-dente, pelos diversos anunciantes que, dessa feita, não podem, segundo essalógica, ser contrariados em seus interesses, numa situação mais ou menos seme-lhante à dos políticos, cujas campanhas, pretensamente democráticas, são finan-ciadas por grandes empresários que não desejam ver contrariados os seusinteresses na nova legislatura e/ou no novo governo a ser estabelecido.11 De qualquer sorte, a democracia, mesmo vista sob o prisma da ampla liber-dade, não corresponde a uma espécie de regime anárquico; muito pelo contrário,seu postulado básico – mesmo não possuindo a ordem imperativa típica do tota-litarismo – assenta-se no insuperável princípio do respeito à lei e à ordem legiti-mamente estabelecidas.12 Democracia e Princípio do respeito à Lei e à ordem Legitimamente esta-belecidas

Situação no mínimo curiosa revela-se em determinados episódiosgrotescos em que aqueles que muitas vezes se apresentam como os maiores

(governamental), que sufocava qualquer pretensão por mais liber-dade, era contra-atacado pelo argumento de que no Ocidente im-perava uma falsa liberdade, considerando que a ditaduraeconômica não só fazia prevalecer a vontade dos ricos sobre ospobres, como também sufocava o próprio direito de manifestaçãodas camadas menos favorecidas (a maioria da população)10.

Sob outro ângulo, os países do denominado Ocidente Plu-ralista (numa clara alusão ao multipartidarismo dominante nessasNações em virtual oposição à "ditadura" do partido único) sempreapregoaram o postulado da liberdade como o suporte maior do re-gime democrático moderno, fundado, especialmente, no pensa-mento de Alexis de Tocqueville, em referência à Pátria da Liberdade(EUA), segundo o qual “a democracia é como maré alta; recua ape-nas para retomar com mais vigor e logo se toma evidente que, ape-sar de todas as flutuações, a maré sempre ganha terreno”11, 12.

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Adriano Figueiredo Carneiro*

A CONSTITUCIONALIDADE DO PROGRAMA DE COOPERAÇÃO FEDERATIVA DENOMINADO DE

FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA E SUA EFICIÊNCIA NO COMBATE À CRIMINALIDADE

ThE ConsTiTUTionAliTy oF FEdErAl CooPErATion ProgrAM CAllEd ThE nATionAl PUbliC sECUriTy ForCE

And iTs EFFiCiEnCy in CoMbATing CriME

lA ConsTiTUCionAlidAd dEl ProgrAMA dE CooPErACión FEdErAl llAMAdo FUErzA nACionAl dE sEgUridAd PúbliCA

y sU EFiCiEnCiA En lA lUChA ConTrA lA dElinCUEnCiA

Resumo:

Observa-se, no Brasil, um aumento indiscriminado nos patamares

de ocorrências criminais, muitas vezes em consequência da impu-

nidade e da corrupção que assolam e enfraquecem as instituições

responsáveis pelo combate às mazelas sociais. Espia-se a forma-

ção, silenciosa, de organizações criminosas que atuam de forma

violenta e extrapolam as fronteiras dos Estados, e quem sabe até

do país, em busca de “poder econômico e social”. Paralelamente a

isso, os órgãos de segurança pública, com várias atribuições legais

divergentes, estruturas ineficientes, legislações anacrônicas, liga-

dos a períodos históricos superados e que ainda emergem das en-

trelinhas do ordenamento jurídico brasileiro, notam as ações

criminosas, rápidas e despudoradas, de “mãos atadas”, pois entre

eles não existe integração e nem finalidade própria. Ressalte-se

que existem várias “polícias” no País. Todos têm o direito à segu-

rança pública, sendo dever do Estado a preservação da ordem pú-

blica e da indenidade física dos cidadãos e do patrimônio (art. 144,

caput, da Constituição Federal de 1988-CF/88). Desde a promul-

gação da Lei n. 10.277, de 10 de setembro de 2001, revogada pela

Lei n. 11.473, de 10 de maio de 2007, se prevê no Brasil, por meio

de convênio, o programa de cooperação entre os entes federados

* Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Cândido Mendes. Capitãoda Polícia Militar do Estado do Ceará.

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(União, Estados e Distrito Federal), visando a execução de serviços

de preservação da ordem pública, de forma rápida e eficaz, no âmbito

Nacional. O referido programa foi intitulado Força Nacional de Segu-

rança. Alguns doutrinadores declaram que ser um programa incons-

titucional, pois fere o Princípio da Reserva Legal e do Pacto

Federativo. Procura-se, neste estudo, demonstrar sua constituciona-

lidade e sua eficiência na prestação do serviço público de segurança.

Abstract:

It is observed, in Brazil, an indiscriminate increase in levels of

criminal activities, often as a result of impunity and corruption

that plague and weaken the institutions responsible for comba-

ting social ills. Scouting the formation, silent, criminal organiza-

tions that act violently and go beyond national borders and

maybe even the country in search of "economic and social

power". Parallel to this, the public security organs, with several

different legal responsibilities, structures, inefficient, outdated

laws, related to historical periods overcome and still emerge bet-

ween the lines of the Brazilian legal system, note the criminal ac-

tions, quick and shameless, of "hands are tied "because there is

no integration between them and not their own purpose. It should

be noted that there are several "police" in the country Everyone

has the right to public safety, and the State's duty to preserve pu-

blic order and the indemnity of citizens and the physical assets

(art. 144, caput, Federal Constitution of 1988 - CF/88). Since the

enactment of Law n. 10.277 of September 10, 2001, repealed by

Law n. 11.473 of May 10, 2007, is expected in Brazil, through an

agreement, the cooperation program between the federal (Union,

States and Federal District), to perform services for the preser-

vation of public order, quickly and effectively under National. The

program was titled National Security Force. Some scholars claim

that this program is unconstitutional because it violates the prin-

ciple of legal reserve and the Federative Pact. Wanted in this

study demonstrate the constitutionality of the program and its ef-

ficiency in provision of public safety.

Resumen:

Se observa, en Brasil, un aumento indiscriminado de los niveles

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de actividades criminales, a menudo como resultado de la impu-

nidad y de la corrupción que asolan y debilitan a las instituciones

encargadas de la lucha contra los males sociales. Se percibe la

formación, silenciosa, de las organizaciones criminales, que ac-

túan con violencia e van más allá de las fronteras estatales, e in-

cluso del país, en busca de "poder económico y social". Paralelo

a esto, los órganos de seguridad pública, con varias responsabi-

lidades legales distintas, estructuras sin eficiencia, leyes obsole-

tas, relacionados con períodos históricos superados y que aún

surgen entre las líneas del sistema jurídico brasileño, notan las

acciones criminosas, rápidas y descaradas, de "manos atadas",

porque no hay integración entre ellos y tampoco entre sus propios

fines. Cabe señalar que hay varias "policías" en el país. Todos

tienen derecho a la seguridad pública, y es deber del Estado pre-

servar el orden público y la indemnización física de los ciudada-

nos y del patrimonio (artículo 144, título, Constitución Federal de

1988 - CF/88). Desde la promulgación de la Ley n. 10.277, del

10 de septiembre de 2001, derogada por la Ley n. 11.473, del 10

de mayo de 2007, hay, en Brasil, a través de un acuerdo, el pro-

grama de cooperación entre los federados (Unión, Estados y Dis-

trito Federal), para realizar servicios para la preservación del

orden público, con rapidez y eficacia, en el ámbito nacional. El

programa fue llamado Fuerza de Seguridad Nacional. Algunos

estudiosos afirman que este programa es inconstitucional porque

viola el principio de reserva legal y del pacto federativo. Se busca,

en este estudio, demostrar la constitucionalidad del programa y

su eficiencia en la prestación de la seguridad pública.

Palavras-chaves:

Constitucionalidade, Força Nacional, segurança, combate, criminalidade.

Keywords:

Constitutionality, National Force, security, combat, crime.

Palabras clave:

Constitucionalidad, Fuerza Nacional, seguridad, lucha, crimen.

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INTRODUÇÃO

o brasil é um dos países do mundo que mais cresce eco-nomicamente, tendendo a ultrapassar outros, que outrora estavamem patamar privilegiado. de acordo com índices do Ministério daFazenda (brAsil, 2011a, p. 14-15), o crescimento médio anual dopaís, entre 1998 e 2002, foi de 1,7%, de modo que a economia bra-sileira passou a crescer cerca de 4% ao ano, de 2003 a 2010, reu-nindo condições para atingir crescimento médio superior a 5% entre2011 e 2014. o mesmo relatório informa que, em 2010, o Pib bra-sileiro cresceu 7,5%, sendo este o melhor desempenho dos últimos24 anos. outrossim, informa que, para o período 2011 a 2014, es-tima-se que a economia volte a crescer entre 5% e 6,5%.

o povo passou a consumir mais, mas, por outro lado,constata-se um aumento nos índices de violência em diversas ca-tegorias, como homicídios, roubos, furtos, tráfico de drogas, tráficode armas, crimes ambientais, crimes do “colarinho branco”, dentreoutros. Quem não faz parte do mercado de consumo certamenteprocura incluir-se nessa parcela da população. no mesmo cami-nho, os agentes públicos (políticos e servidores públicos), muitasvezes investidos de imunidade e prerrogativas1, passam a agir nomanto escuro da ilegalidade, de maneira a cometerem improbida-des e crimes contra a Administração Pública, participando de or-ganizações criminosas, e assim, colocando em xeque o Estadodemocrático de direito. Vive-se a sociedade de Consumo.

A desigualdade social e a impunidade, aliadas aos níveisde corrupção envolvendo os agentes públicos, fomentam as incur-sões criminosas.

Atualmente, percebe-se a formação de grupos criminososque se organizam além das fronteiras dos Estados Federados, quem

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1 imunidades e prerrogativas que, passados vinte e quatro anos da redemo-cratização do país (desde o surgimento da Constituição garantista de 1988),ainda continuam a permear o ordenamento Jurídico brasileiro. Entende-se quealgumas imunidades e prerrogativas políticas são pertinentes (a exemplo, daimunidade material dos agentes políticos nas opiniões, nas palavras e nosvotos), por outro lado, outras, a exemplo de foro privilegiado, são convites à im-punidade e ao alastramento de crimes.

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sabe do país, com a participação de pessoas de diferentes posiçõessociais, com o objetivo de ampliar o “poder econômico e social”. Alémdisso, essas organizações têm ramificações na Administração Pú-blica direta e indireta dos Poderes da União, dos Estados, do distritoFederal e dos Municípios, de forma a conspirar contra a ordem pú-blica e os fundamentos da república Federativa do brasil.

A segurança Pública, na Constituição garantista de 1988,tem um significado muito abrangente. o legislador constitucionalfoi sábio, na medida em que atribuiu a responsabilidade holística(responsabilidade de todos) da segurança ao povo e ao Estado,como se todas as pessoas fossem um grupo uníssono, a fim deatingir o mesmo resultado.

A segurança Pública é dever do Estado, direito e respon-sabilidade de todos, ou seja, da União, dos Estados, dos Municí-pios, do distrito Federal e da sociedade organizada. Enfim, todostêm o dever de atuar de forma solidária. os órgãos policiais atuamcom o fim de preservar a ordem pública, a incolumidade das pes-soas, o patrimônio, o meio ambiente, dentre outros bens relevantesà vida em sociedade. Cabe a esses órgãos constituídos, de formapró-ativa, o combate à criminalidade, no intuito de reprimir e pre-venir as incursões criminosas.

dessa forma, o Poder legislativo, com a sanção do Pre-sidente da república, editou a lei n. 11.473, de 10 de maio de2007, em substituição à lei n. 10.277, de 10 de setembro de 2001,a qual estabelece o programa de cooperação federativa denomi-nado Força nacional de segurança Pública (Fns).

Tal Programa tem por finalidade executar, efetivamente,as operações de segurança pública no âmbito nacional. são ope-rações conjuntas entre os órgãos policiais, quais sejam, a PolíciaFederal, a Polícia rodoviária Federal, a Polícia Civil, a Polícia Mi-litar e o Corpo de bombeiro Militar, todos em sintonia e em buscade um fim comum. Prevê, igualmente, as transferências de recur-sos econômicos entre os entes federados, bem como o desenvol-vimento de capacitação e qualificação dos servidores policiais,padronizando, assim, a doutrina policial.

neste resumido estudo, fala-se sobre a constitucionali-dade do programa Força nacional de segurança Pública, uma vezque este obedece aos Princípios Constitucionais da reserva legal

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e do Pacto Federativo.outrossim, defende-se que a Fns apoia as forças locais

de segurança de forma uniforme, objetiva e justa, reprimindo o crimecom a mesma intensidade e rapidez em que este ocorre. Ademais,demonstra-se, observando alguns casos concretos, a resolutividadeda Fns, relativa à prestação do serviço público de segurança.

O DIREITO À SEGURANÇA

A segurança é pressuposto básico para o homem viver emsociedade. É critério essencial para que o homem viva em liber-dade e com dignidade. Conforme ensina o ilustre Professor Paulobonavides acerca dos direitos fundamentais previstos na declara-ção dos direitos do homem de 1789, que inspirou a revoluçãoFrancesa: “os direitos do homem ou da liberdade, se assim pode-mos exprimi-los, eram ali ‘direitos naturais, inalienáveis e sagrados’,direitos ditos também por imprescritíveis, abraçando a liberdade, apropriedade, a segurança [...]” (bonAVidEs, 2006, p.562).

Já naquela declaração, no século XViii, se previa a se-gurança como direito natural e imprescritível do homem, senão ve-jamos seu art. 2º: “A finalidade de toda associação política é aconservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem.Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança [...]”.

no Estado romano, antes de Cristo já se garantia o direitoà segurança das pessoas como forma de instituir obrigações ao Es-tado e, paralelamente, consagrar direitos ao ser humano (jus natu-

rale). na antiguidade clássica havia uma preocupação com aincolumidade física dos cidadãos (Civis Romanus), a medida em queo Jus Scriptum (norma legal, precisa, exata e definida, que regula-mentava a segurança da sociedade), o Jus Actionis (reconhecimentodo direito à segurança individual) e o Jus Provocationis (instrumentojurídico a serviço da segurança individual) regulavam o direito de se-gurança do cidadão (TAbosA, 2004, p. 124-127). A repressão, na-quela época, era realizada, basicamente, por magistrados (atravésda coercitio e do imperium extra legem) e por funcionários do Estado.

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o direito à segurança é considerado direito fundamentalde segunda geração, consolidado após a metade do século XX.dessa forma, exige-se uma prestação material (meios e recursos)afirmativa por parte do Estado, ou seja, que este atue de formapositiva, tutelando a vida e a integridade física do ser humano.

Percebe-se, logo no preâmbulo da Constituição Federalde 1988 (CF/88), a criação de um novo Estado Federal, qual seja,a república Federativa do brasil, que tem como objetivo expressoassegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a exemploda segurança.

A segurança é direito fundamental do indivíduo e da co-letividade, expresso no art. 5º da CF/88: “Todos são iguais perantea lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos bra-sileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dodireito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...]”.

ressalte-se que, por sua importância, tal direito funda-mental é elevado ao status de cláusula pétrea, conforme prevê art.60, § 4º, iV, da CF/88, ou seja, não poderá sofrer mudanças quetendam a aboli-lo. Porém, poderá sofrer mutações que provoquemsua robustez. não se pode entender de outra forma, pois seu en-fraquecimento implicará na debilitação da própria sociedade.

na mesma sorte, o art. 6º da CF/88 enumera os direitossociais do cidadão e entre eles consagra a segurança: “são direi-tos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a mo-radia, o lazer, a segurança [...]”.

A segurança dá suporte a um dos principais fundamentosda república Federativa do brasil, qual seja, a dignidade da pes-soa humana, ou mínimo existencial, consagrado no art 1º daCF/88. o mencionado fundamento corresponde a um conjunto decircunstâncias que garantirão ao cidadão uma sobrevivência dignana ordem espiritual, física, intelectual e econômica. dessa forma,deve ser garantido por todos da sociedade, isto é, pelo Estado epelos cidadãos.

o valor da dignidade da pessoa humana deve ser en-tendido como absoluto respeito aos seus direitos fundamen-tais, assegurando-se condições dignas de existência paratodos (Pinho, 2007, p.63). Portanto, a segurança está dire-tamente relacionada com a possibilidade de o ser humano

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conquistar, a cada dia, sua sobrevivência.A dignidade da pessoa humana é um valor supremo que

atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homemdesde o direito à vida (silVA, 2012, p.105). observe-se a seguir aamplitude jurisprudencial do supremo Tribunal Federal a respeitoda matéria:

dirEiTo ConsTiTUCionAl. sEgUrAnÇA PúbliCAAgrAVo rEgiMEnTAl EM rECUrso EXTrAordinÁrio.iMPlEMEnTAÇÃo dE PolÍTiCAs PúbliCAs. AÇÃo CiVilPúbliCA. ProssEgUiMEnTo dE JUlgAMEnTo. AUsÊn-CiA dE ingErÊnCiA no PodEr disCriCionÁrio doPodEr EXECUTiVo. ArTigos 2º, 6º E 144 dA ConsTiTUi-ÇÃo FEdErAl. 1. o direito a segurança é prerrogativa consti-tucional indisponível, garantido mediante a implementação depolíticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar con-dições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço.2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementaçãopelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas consti-tucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questãoque envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Prece-dentes. 3. Agravo regimental improvido. rE 559646 Agr / Pr –PArAnÁ. Ag.rEg. no rECUrso EXTrAordinÁrio. re-lator(a): Min. EllEn grACiE. Julgamento: 07/06/2011. órgãoJulgador: segunda Turma.

[...] doutrina. Precedentes. - A noção de “mínimo existencial”,que resulta, por implicitude, de determinados preceitos consti-tucionais (CF, art. 1º, iii, e art. 3º, iii), compreende um complexode prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantircondições adequadas de existência digna, em ordem a asse-gurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e,também, a prestações positivas originárias do Estado, viabiliza-doras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como odireito à educação, o direito à proteção integral da criança e doadolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, odireito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança.declaração Universal dos direitos da Pessoa humana, de 1948(Artigo XXV). A ProibiÇÃo do rETroCEsso soCiAlCoMo obsTÁCUlo ConsTiTUCionAl À FrUsTrAÇÃo EAo inAdiMPlEMEnTo, PElo PodEr PúbliCo, dE dirEiTos

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PrEsTACionAis. - o princípio da proibição do retrocesso im-pede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, quesejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadãoou pela formação social em que ele vive. - A cláusula que vedao retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas doEstado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direitoà segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivaçãodesses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculoa que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vezatingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidospelo Estado. doutrina.[...] ArE 639337 Agr / sP - sÃo PAUlo.Ag.rEg. no rECUrso EXTrAordinÁrio CoM AgrAVo.relator(a): Min. CElso dE MEllo. Julgamento: 23/08/2011.órgão Julgador: segunda Turma.

Atualmente, com o surgimento do Estado garantista, istoé, aquele preocupado com a efetivação dos direitos fundamentaise essenciais do indivíduo, passa-se a tratar a pauta da segurançapública como ferramenta em busca de justiça social.

A segurança Pública no brasil é realizada, no âmbito doEstado Federal, pelos órgãos policiais, descritos nos incisos i, ii,iii, iV e V do art. 144 da CF/88, ou seja, pela Polícia Federal, pelaPolícia rodoviária Federal, pela Polícia Ferroviária Federal, pelaPolícia Civil, pela Polícia Militar e pelo Corpo de bombeiro Militar:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e res-ponsabilidade de todos, é exercida para a preservação daordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio,através dos seguintes órgãos:i - polícia federal;ii - polícia rodoviária federal;iii - polícia ferroviária federal;iV - polícias civis;V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Entende-se, com a devida vênia, que a estrutura orgânicapolicial montada pelo legislador constituinte (passados mais de 23anos da redemocratização) é ultrapassada. são vários órgãos poli-ciais com atribuições constitucionais diferentes, porém possuem amesma finalidade, isto é, a prevenção e a repressão do crime.

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Visualiza-se a referida situação, sobretudo no âmbito es-tadual, porquanto existem duas polícias, diferenciadas, a primeirapara cuidar da polícia preventiva (Polícia Militar), a segunda paracuidar da polícia judiciária (Polícia Civil). sendo assim, haverá umainterrupção da persecução criminal no momento em que terminaas atribuições legais de um órgão e se inicia a do outro. o crimenão espera, ele urge no cenário policial atrapalhado.

A atuação dos órgãos policiais, realizada por meio de seusagentes, é critério básico e fundamental para a promoção da se-gurança pública e tem a finalidade de fomentar a ordem pública, apreservação de vidas e do patrimônio dos cidadãos. Portanto, umadas formas afirmativas para a consolidação do Estado democráticode direito é assegurar aos cidadãos o exercício pleno ao direito desegurança, por meio de uma polícia una, unificada e singular. Talpolícia exerceria suas atribuições com poder de polícia administra-tivo e judiciário, e ainda sob a mesma unidade de comando.

O PROGRAMA DE COOPERAÇÃO FEDERATIVA2 DENOMI-NADO DE FORÇA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA

A Força nacional de segurança Pública (Fns) surgiu porintermédio do decreto n. 5.289, de 29 de novembro de 2004, esteeditado por força dos arts. 1º, 3º, parágrafo único, e 4º, caput, e §1º, da lei n. 10.201, de 14 de fevereiro de 2001 (revogada pelalei n. 11.473, de 10 de maio de 2007).

seu surgimento teve como principais vetores constitucio-nais os Princípios da solidariedade Federativa3, da reserva

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2 A cooperação federativa, de acordo com o art. 2o da lei n. 11.473/2007, com-preende as operações conjuntas entre as Polícias dos Entes Federados, as trans-ferências de recursos e o desenvolvimento de atividades de capacitação equalificação dos profissionais de segurança (policiais federais, militares, civis e bom-beiros). Entende-se que este último profissional, o bombeiro, equivocadamente, foiinserido na ordem da segurança pública, mas, certamente, deveria ser incluído napasta de defesa civil. Mais outro engano do legislador constituinte de 1988.3Entende-se, obviamente, que seja fruto do Pacto Federativo. o art. 1º daCF/88: “A república Federativa do brasil, formada pela união indissolúvel dos

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legal4, da Eficiência no serviço Público5 e da Continuidade do ser-viço Público6, uma vez que os serviços essenciais à vida em co-munidade não podem sem interrompidos.

A Fns atuará em atividades destinadas à preservação daordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio7.originou-se devido às ramificações das organizações criminosasem vários Estados-Membros - ou seja, o crime não era mais local,e sim interestadual -, ou, quem sabe, com ramificações internacio-nais. Além disso, havia as greves, ocorridas no final do século XiXe meados do século XX, em setores essenciais ao serviço públicode segurança8.

Tal Força empreenderá, na Administração Pública Fede-ral, Estadual e distrital, os critérios de eficiência das ações de se-gurança pública em âmbito nacional. Executará, efetivamente,suas atribuições, de forma a prevenir e a rebelar as atividades dasorganizações criminosas, e, algumas vezes, apoiará as forças lo-cais de segurança pública, de forma rápida e justa.

o referido programa deverá atender a diversos princípios

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Estados e Municípios e do distrito Federal, constitui-se em Estado democráticode direito e tem como fundamentos: i - a soberania; ii - a cidadania; iii - a digni-dade da pessoa humana; iV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo político.”4 Previsto no art. 144, § 7º da CF/88: “A lei disciplinará a organização e o fun-cionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a ga-rantir a eficiência de suas atividades”.5 Previsto no caput do art. 37 da CF/88: “A administração pública direta e indiretade qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do distrito Federal e dos Mu-nicípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,publicidade e eficiência[...]”.6 disposto no art. 37, Vii da CF/88: “o direito de greve será exercido nos termose nos limites definidos em lei específica”. E art. 6º, X, do Código de defesa doConsumidor: “Art. 6º são direitos básicos do consumidor:[...] X - a adequada eeficaz prestação dos serviços públicos em geral”.7 o art. 3º da lei n. 11.473/2007 dispõe que: “Consideram-se atividades e servi-ços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pes-soas e do patrimônio, para os fins desta lei: i - o policiamento ostensivo; ii - ocumprimento de mandados de prisão; iii - o cumprimento de alvarás de soltura;iV - a guarda, a vigilância e a custódia de presos; V - os serviços técnico-peri-ciais, qualquer que seja sua modalidade; Vi - o registro de ocorrências policiais”.8 Afirma-se que a reforma Policial, no brasil, deverá ser pauta de discussãopolítica urgente, sob pena de conspirar contra o Estado democrático de direito.

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fundamentais, dentre eles o respeito aos direitos individuais e co-letivos, inclusive à integridade moral das pessoas, uso moderadoe proporcional da força9, unidade de comando, eficácia da atuação,pronto atendimento, emprego de técnicas proporcionais e adequa-das de controle de distúrbios civis; qualificação especial para ges-tão de conflitos e solidariedade federativa10.

A atuação dos agentes de segurança (policiais federais, po-liciais militares, policiais civis e bombeiros), no âmbito do referidoprograma, compreende o auxílio das ações de Polícia Civil, na fun-ção de investigação de infração penal; no auxílio das ações de in-teligência; na realização de atividades periciais e de identificaçãocivil e criminal, destinadas a colher e a resguardar indícios ou provasda ocorrência de fatos ou de infração penal; no auxílio das ocorrên-cias de catástrofes ou desastres coletivos, inclusive para reconhe-cimento de vitimados; e no apoio das ações que visem à proteçãode indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovem e pro-tegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais11.

A Fns, ao prevenir e reprimir o crime, deverá atuar em sin-tonia com o princípio da dignidade da pessoa humana, de maneiraa tutelar os direitos fundamentais e individuais do cidadão, a maioriadeles insertos na CF/88, quais sejam: proibição de tortura (art. 5º,iii); inviolabilidade domiciliar (art. 5º, Xi); incolumidade física e moral(art. 5º, XliX); devido processo legal (art. 5º, liV); ampla defesa econtraditório (art. 5º, lV); comunicação imediata da prisão e do localonde se encontre (art. 5º, lXii); informação ao preso de seus direi-tos (art. 5º, lXiii); e identificação dos responsáveis por sua prisãoou por seu interrogatório policial (art. 5º, lXiV).

Apesar da escassez de pesquisas científicas acerca doPrograma da Força nacional de segurança, notadamente de es-tudos sobre segurança pública, o Constitucionalista Pedro lenza(2012, p.658) defende, efetivamente, que o programa de coope-ração federativa, denominado Força nacional de segurança Pú-blica, compreende operações conjuntas entre a União e os

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9 Chamado, atualmente, de “uso seletivo da força”, ou seja, o agente policial teráa opção de escolher meios de enfretamento disponíveis, a fim de cessar a agres-são sofrida. o método policial tem como base o princípio da proporcionalidade.10 Art. 3º do decreto n. 5.289, de 29 de novembro de 2004.11 Art. 2º do decreto n. 5.289, de 29 de novembro de 2004.

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Estados Federados e o distrito Federal, a fim de executar açõesde preservação da ordem pública e tutela da incolumidade daspessoas e do patrimônio.

nas lições de José Afonso da silva (2012, p.779), en-tende-se que a segurança pública não é problema apenas de cadaEstado de per si, pois a Constituição, ao estabelecer que a segu-rança é dever do Estado e responsabilidade de todos, acolheu aconcepção segundo a qual a questão de segurança deve ser dis-cutida e assumida como tarefa e responsabilidade (obrigação) per-manente de todos, ou seja, do Estado (União, Estados, Municípiose distrito Federal) e da população. Entende-se, portanto, que acooperação entre entes jurídicos constituídos instrumentalizam odireito à segurança.

o Advogado e Conselheiro Federal da ordem dos Advo-gados do brasil, Cláudio Pereira de souza neto (online), em artigopublicado no sítio da oAb/Federal, declara que:

o federalismo brasileiro é cooperativo. os entes da federaçãodevem cooperar entre si para a realização das finalidades pú-blicas: compartilham a “obrigação ao entendimento”. A Uniãotem o dever de cooperar com os estados para auxiliá- los no al-cance de suas metas também no campo da segurança pública.Para isso, é adequada a criação da Força nacional de segu-rança, a ser empregada no auxílio aos governos estaduais,quando estes requisitarem, para a realização de policiamentoostensivo, em conjunto com a polícia estadual.

A jurisprudência dos Tribunais superiores ainda não en-frentou a presente discussão, porém, percebem-se decisõesacerca de casos concretos, os quais tiveram a atuação da Forçanacional de segurança, mas que contudo não entram no méritoda constitucionalidade do Programa.

relata-se uma decisão do Tribunal regional Federal da1ª região (Processo n. 200901000111674), a qual negou provi-mento a Agravo regimental em Agravo de instrumento que atacoudecisão em que indeferiu pedido de suspensão das Portarias n. 2a 5 e 185 do Ministério da Justiça, expedido com fundamento nodecreto n. 5.289/2004, visando a impedir o emprego da Força na-cional de segurança Pública em todo o território nacional:

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AgrAVo rEgiMEnTAl EM AgrAVo dE insTrUMEnTo.AÇÃo CiVil PúbliCA. sUsPEnsÃo dA ATUAÇÃo dAForÇA nACionAl dE sEgUrAnÇA PúbliCA no TErri-Tório nACionAl. AUsÊnCiA dE rElEVÂnCiA do PE-dido. 1. Acertada a decisão agravada que indeferiu pedido desuspensão das Portarias 2 a 5 e 185 do Ministério da Justiça,expedidas com fundamento no decreto 5.289/2004, visando aimpedir o emprego da Força nacional de segurança Pública emtodo o território nacional, seja porque não há evidências deabuso no emprego da referida Força por solicitação dos gover-nos estaduais, seja em face da inversão de risco que causariaa providência postulada pelo agravante, privando, em caráter li-minar, a população de mecanismo de colaboração no combateà criminalidade. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.AgA - AgrAVo rEgiMEnTAl no AgrAVo dE insTrU-MEnTo – 200901000111674. relator(a): desembargadora Fe-deral MAriA isAbEl gAlloTTi rodrigUEs. sigla do órgão:TrF1. órgão julgador: sexta Turma.

Jorge César de Assis (online), membro do Ministério Pú-blico da União, afirma que: “a intervenção de uma força militar emoutro Estado, a nosso sentir, fere o princípio federativo e a auto-nomia das Polícias Militares, que são as responsáveis pela segu-rança pública nos Estados e no distrito Federal”. igualmente, prevêque as ações da Fns enfraquecem o instituto da intervenção fe-deral, previsto no art. 34, iii, da CF/88. declara que há uma con-fusão no processamento e no julgamento dos crimes que tenhamcomo condutores integrantes da Fns, relativamente, a competên-cia jurisdicional. Ao final de seu estudo, acrescenta que somentelei em sentido formal poderá criar nova força policial.

Permissiva vênia, os convênios12 celebrados entre as pes-soas jurídicas de direito público, no âmbito da segurança pública,e nos termos da lei n. 11.473/2007, consolidam e fortalecem opacto federativo. A autonomia da União, dos Estados e do distritoFederal não é quebrada. Pelo contrário, o convênio tem finalidadecomum e recíproca entre os entes, há uma colaboração mútua, afim de atingir a segurança pública ideal. As atividades de coopera-ção federativa têm caráter consensual, ou seja, deverão ter a

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12 lEnzA, Pedro. direito Constitucional Esquematizado. 2009, pag. 658.

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anuência dos Entes Federados (autônomos), sendo a coordenaçãoexercida de forma conjunta, isto é, entre a União e o Ente convenente.

o sobredito Programa de maneira alguma enfraquece oinstituto da intervenção Federal, previsto no art. 34, iii, da CF/88,uma vez que este tem suas peculiaridades e circunstância legaisdefinidas na CF/88, quais sejam: a manutenção da integridade na-cional; a repressão à invasão estrangeira ou de uma unidade daFederação em outra; pôr termo a grave comprometimento daordem pública; garantir o livre exercício de qualquer dos Poderesnas unidades da Federação; reorganizar as finanças da unidadeda Federação; prover a execução de lei federal, ordem ou decisãojudicial; e assegurar a observância de princípios constitucionais. Aintervenção Federal é sui generis. nesse caso, o Estado-Membroperde a sua autonomia e a União se sobrepõe ao Estado. Aquelainterfere, imperativamente, em atribuições próprias do Estado, oque, data vênia, não acontece com o Programa em estudo.

não há que se falar em confusão na competência jurisdi-cional na medida em que o art. 69 e seguintes do Código de Pro-cesso Penal definem, claramente, a competência dos órgãos doPoder Judiciário quanto a processar e julgar os crimes.

Art. 69. determinará a competência jurisdicional:i - o lugar da infração:ii - o domicílio ou residência do réu;iii - a natureza da infração;iV - a distribuição;V - a conexão ou continência;Vi - a prevenção;Vii - a prerrogativa de função.

Convém lembrar que desde 2001, nos termos da lei n.10.277, se prevê a cooperação entre os Entes Federados, a fim desubsidiar as atividades e os serviços de preservação da ordem pú-blica, da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Portanto, leiem sentido formal e material estabeleceu o Programa em estudo.

o Juiz de direito do Estado de Minas gerais, Paulo Tadeurodrigues rosa (online), pronuncia-se, em artigo publicado, pelainconstitucionalidade da Fns, haja vista a afronta a dispositivosda CF/88, quais sejam, o art. 142 e 144, uma vez que não obedecem

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aos modelos de segurança pública adotados no Estado brasileiroe não possuem previsão constitucional, de maneira a resultar naperda de credibilidade e enfraquecimento das instituições públicas.

A Fns em estudo não é outro órgão de polícia, é um pro-grama de cooperação entre os Entes Federados, firmado por meio deconvênio. o presente Programa, como já mencionado, não interferenas disposições dos art. 142 e 144 da CF/88, portanto, não se revelainconstitucional. Ao passo que as Forças Policiais se unem e passama agir em sintonia, com a mesma finalidade e unidade de comando, atendência é dar mais credibilidade às instituições participantes.

Entende-se, com o devido respeito para discordar, que osentendimentos colacionados em desfavor do referido programa nãoestão em harmonia com o garantismo Constitucional de 1988. sãocompreensões equivocadas, uma vez que existem vários princípiosconstitucionais que dão sustentáculo ao programa em estudo.

Passa-se, em seguida, a demonstrar os resultados deoperações da Fns, no caso concreto.

A Fns, em conjunto com a Polícia Federal (PF), interceptou,no início de 2012, uma carga de cem mil pacotes de cigarros, bebidas,remédios e suplementos alimentares vindos do Paraguai. A operaçãotem como objetivo fazer o controle sanitário brasileiro, ou seja, realizara apreensão de produtos, no comércio, que causem danos à saúde(brAsil, 2012).

A Fns, desde abril de 2011, está atuando no entorno dodistrito Federal, no combate aos crimes de homicídio nas cidadesmais violentas daquela região – concentração de 71% dos assas-sinatos –, a saber: Águas lindas, Cidade ocidental, luziânia, novogama e Valparaíso. durante um ano de atuação da Fns a quan-tidade de homicídios da região caiu em 27,5% (brAsil, 2011b).

A operação desencadeada pela Fns em brasília, deno-minada de Entorno, realizou, em nível de policiamento preventivo:23.946 abordagens em pessoas, 5.550 abordagens a veículos, 35armas de fogo foram apreendidas e trezentas munições. no âm-bito da polícia judiciária: 138 intimações expedidas, 360 pessoasinquiridas (depoimentos e interrogatórios em sede de declaraçõese interrogatórios), 355 laudos periciais produzidos, duzentos in-quéritos policiais entraram em análise, 26 representações por me-didas judiciais foram feitas (prisões temporárias, preventivas e

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buscas e apreensões), 25 pessoas foram presas e dezesete in-quéritos policiais foram judicializados (brAsil, 2011b).

Em junho de 2011, a Fns, em conjunto com a delegaciaFazendária da Polícia Federal, deflagrou operação de combate aocrime de sonegação fiscal (descaminho – crime contra a ordem tri-butária), apreendendo doze mil produtos oriundos do Paraguai, nacidade de Foz do iguaçu (Pr), como eletrônicos, discos rígidos decomputador, mp3 e celulares (brAsil, 2011c).

Em dezembro de 2008 foi deflagrada a operação roose-velt, com o objetivo de executar ações de policiamento ostensivo,com a finalidade de apoiar a Polícia Federal na prevenção à ex-tração clandestina de minérios no interior da reserva indígenaroosevelt, no Estado de rondônia (brAsil, 2011d).

Em novembro de 2008, executou-se a operação Territóriode Paz, realizando as ações de policiamento preventivo e osten-sivo nas comunidades das Capitais dos Estados do rio de Janeiro,Acre e distrito Federal, a fim de apoiar os órgãos componentes dosistema de segurança pública locais e a segurança do lançamentodo Projeto “Territórios de Paz” (brAsil, 2011d).

Percebe-se, desde sua criação, a atuação efetiva da Fnsem todo o País.

CONCLUSÃO

sabemos que os índices de ilícitos criminais em todo obrasil assustam, de modo a deixar a população em polvorosa, pro-movendo a intranquilidade e a sensação de insegurança pública.

destarte, há um clamor social pela atuação mais enérgica dosórgãos policiais, de forma efetiva, uniforme e justa, não só no âmbito local,mas em ações que extrapolem as fronteiras estaduais e nacionais.

o Estado, como garantidor da paz social, não poderia ficarde “braços cruzados” frente ao perpetuar da delinquência. sendoassim, o legislador criou, por meio de lei, o Programa de Coope-ração Federativa denominado Força nacional de segurançaPública, de forma a garantir à população um serviço público

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eficiente, atuando, em todo o país, na mesma proporção e namesma rapidez das ações criminosas.

o referido Programa está em harmonia com os PrincípiosConstitucionais da solidariedade Federativa, da reserva legal,da Eficiência no serviço Público e da Continuidade do serviço Pú-blico e mostra-se eficiente.

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ção Federal de 1988: conceituação constitucionalmente adequada,

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competências federativas e órgãos de execução das Políti-cas. disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1205505974174218181901.pdf >. Acesso em: 15 abr. 2012.

oliVEirA, Fernando José Aguiar de. Poder de polícia não se res-

tringe a instituições policiais. disponível em: < http://www.conjur.combr/2008-jul-06/poder_policia_nao_resume_instituicao_policial?pagina=6>.Acesso em: 15 abr. 2012.

Pinho, rodrigo César rebello. Teoria Geral da Constituição e Di-

reitos Fundamentais. 7. ed. rev. e atual. são Paulo: saraiva, 2007.

rosA, Paulo Tadeu rodrigues. A Inconstitucionalidade da Força

Nacional de Segurança em face do Sistema Nacional de Defesa.

disponível em: < http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridi-cos/3559669>. Acesso em: 15 abr. 2012.

silVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.35. ed. são Paulo: Malheiros, 2012.

TAbosA, Agerson. Direito Romano. 3. ed. Fortaleza: Editora FA7,2004. p.124-127.

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competências federativas e órgãos de execução das Políti-cas. disponível em: <http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1205505974174218181901.pdf >. Acesso em: 15 abr. 2012.

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tringe a instituições policiais. disponível em: < http://www.conjur.combr/2008-jul-06/poder_policia_nao_resume_instituicao_policial?pagina=6>.Acesso em: 15 abr. 2012.

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reitos Fundamentais. 7. ed. rev. e atual. são Paulo: saraiva, 2007.

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disponível em: < http://www.recantodasletras.com.br/textosjuridi-cos/3559669>. Acesso em: 15 abr. 2012.

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TAbosA, Agerson. Direito Romano. 3. ed. Fortaleza: Editora FA7,2004. p.124-127.

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Bruna Nogueira Almeida Ratke*Rabah Belaidi**

A FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL RURAL E A MONOCULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR

A FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL RURAL E A MONOCULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR

A FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL RURAL E AMONOCULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR

Resumo:

O presente artigo versa sobre os pontos centrais da problemática

ambiental em torno da função social da propriedade rural e a mo-

nocultura da cana-de-açúcar. Os debates são enfrentados mediante

a abordagem filosófica da propriedade na visão de Rawls e Locke

e suas influências na atual concepção jurídica sobre a função social

do imóvel rural. Analisa-se a expansão monocultivo da cultura da

cana-de-açúcar nas áreas de Cerrado do Brasil que gera impactos

ambientais e sociais negativos, como emissão de poluentes na at-

mosfera pela queima dos canaviais e o êxodo rural, ferindo o as-

pecto ecológico da função social do imóvel rural, sendo passível de

responsabilização civil e penal, além da desapropriação do imóvel.

Abstract:

This article focuses on the central points of the environmental issues

around the social function of rural property and the monoculture of

sugar cane. Discussions are faced by the philosophical approach

of property in the view of Rawls and Locke and their influence on

the current legal conception of the social function of rural property.

It analyzes the expansion of monoculture of cultivation of sugar cane

in the areas of Cerrado in Brazil, generating environmental and so-

cial negative impacts such as the emission of pollutants into the at-

mosphere by the burning of fields and the rural exodus, injuring the

* Especialista em Direito Constitucional e Mestranda em Direito Agrário pela UFG.** Doutor em Direito Privado pela Universidade de Paris II, doutorado revalidadopela USP. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFG.

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ecological aspect of social function of rural property, being subject

to civil and criminal liability, and the expropriation of the property.

Resumen:

Este artículo se centra en los puntos centrales de las cuestiones

ambientales alrededor de la función social de la propiedad rural y

el monocultivo de la caña de azúcar. Las discusiones se encuentran

con el enfoque filosófico de la propiedad desde el punto de vista de

Rawls y de Locke y sus influencias en la actual concepción jurídica

de la función social de la propiedad rural. Se analiza la expansión

del monocultivo de la cultura de la caña de azúcar en las áreas de

Cerrado en Brasil, generando impactos ambientales y sociales ne-

gativos, tales como la emisión de contaminantes a la atmósfera por

la quema de los campos y el éxodo rural, hiriendo el aspecto eco-

lógico de la función social de la propiedad rural, estando sujetos a

la responsabilidad civil y penal, además de la expropiación de la

propiedad.

Palavras-chaves:

Propriedade, função socioambiental, agroindústria canavieira.

Keywords:

Property, social and environmental function, the sugarcane industry.

Palabras clave:

Propiedad, función socioambiental, industria de la caña de azúcar.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a cana-de-açúcar foi uma das primeiras culturasexploradas comercialmente, fornecendo açúcar para Portugal epara os demais países europeus. Nesse período, a monoculturarestou caracterizada pelo latifúndio e pela escravidão. Com a crisedo petróleo (1973 e 1979), novas alternativas de energias foramalmejadas, fato que intensificou a agroindústria canavieira. O

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avanço da monocultura gerou inúmeros danos ambientais, sociaise trabalhistas, como a exploração laboral, o êxodo rural e a degra-dação ambiental, em razão da destruição de áreas com mata na-tiva, perda da diversidade da produção rural, poluição dos recursoshídricos, uso extensivo de fertilizantes químicos e agrotóxicos, ge-rando ameaças aos recursos hídricos, à qualidade do ar e à saúdedos moradores das regiões circunvizinhas da atividade canavieira,além da destruição da biodiversidade (LANZOTTI, 2000).

Hodiernamente, o modelo de produção tradicional da canaainda gera inúmeros problemas ambientais e sociais. Logo, a ca-pacidade produtiva dessa atividade econômica está sendo obtidaperante o uso incorreto dos recursos naturais. Diante desse con-texto, o presente artigo tem como objetivo demonstrar a função so-cial da propriedade rural, a princípio da concepção filosófica dapropriedade na visão de Rawls e Locke, bem como a atual concep-ção jurídica da propriedade rural. Procura expor os pensamentosdos referidos filósofos de forma objetiva para demonstrar a impor-tância dos autores e da influência de suas teorias na legislação ena própria jurisprudência. Ademais, busca analisar a mudança deparadigma do direito de propriedade, desde o liberalismo, envol-vendo as teorias de Rawls e Locke, até o surgimento do Estado In-tervencionista e Social. Ainda, pretende entender a concepção defunção social da propriedade, vigente no Estado Democrático, apartir da afirmação da dignidade da pessoa humana e de sua im-portância para a segurança e para a justiça social. Esse percursoserá necessário para compreender a atual concepção da funçãosocial e o seu descumprimento pelos agricultores de monoculturada cana-de-açúcar. Com esses objetivos, emprega-se a pesquisabibliográfica, com base em fontes primárias e secundárias.

CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DE PROPRIEDADE PARA JOHNLOCKE

John Locke, filósofo inglês, é o precursor do liberalismoe da concepção individualista da propriedade. A sua obra mais

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influente foi o tratado, dividido em duas partes, “Dois Tratadossobre o Governo” (1689). No segundo tratado do Governo Civilaborda o direito de propriedade em seu capítulo V.

A teoria lockiana considera a propriedade como um direitonatural, isto é, afirma que todos os homens, ao nascer, tinham di-reitos naturais, como a vida, a liberdade e a propriedade. ParaCosta (2006, p. 33), o direito de propriedade, na visão de Locke,possui duplo sentido: amplo e restrito. O sentido amplo emprega apropriedade como aquilo que pertence a cada indivíduo, e o sentidorestrito a eleva à condição de direito natural fundamental, adquiridono momento em que o indivíduo toma posse. O significado restritoda propriedade está relacionado com a incumbência ao Estado depreservar o direito da propriedade, de garantir esse direito ilimitadoe a garantia da troca desses bens no mercado.

Para Locke, a aquisição de propriedade é realizada porcada indivíduo, tendo como limite de aquisição de propriedade notrabalho. Todavia, esse pensamento de Locke restou superadocom a valorização da moeda e do mercado de propriedades, alte-rando sua concepção para uma acumulação de bens ilimitadosque, segundo o filósofo, faz parte da racionalidade humana(LOCKE, 2011).

Na visão de Locke, a propriedade é o meio de adquirir aliberdade, sendo esta considerada um direito natural, fato que jus-tifica, para o autor, a acumulação de terras. Essa acumulação ili-mitada de bens, compatível com o direito natural, favorece ocrescimento individual do proprietário e do mercado. Além disso,gera uma distinção e uma desigualdade entre os proprietários,possuidores de direitos e liberdades, e os que não são proprietá-rios, tutelados pelo Estado.

Dessa forma, o direito de propriedade está protegido, nateoria lockiana, pela lei da natureza (razão humana) e pelas leiscivis. O foco de sua teoria da propriedade ilimitada está no mer-cado e na acumulação de riquezas.

A obra de Locke, segundo Macdonald (2011), represen-tou, no final do século XVII, uma reação da burguesia (classeemergente) à arbitrariedade do estado absolutista e, ao mesmotempo, a justificativa de um estado liberal como o único legítimo.Quando essa classe assumiu o poder do estado por meio das

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revoluções burguesas, ocorreu o processo de positivação dos di-reitos naturais, entre eles o direito de propriedade.

Santos (2001, p. 136) dispõe que as teorias de Locke in-fluenciaram na elaboração dos Direitos do Homem e do Cidadão(1789), bem como na confecção do Código Napoleônico e do Có-digo Civil Brasileiro (1916), abordando uma visão extremamenteindividualista da propriedade. Essa concepção, além de ser incom-patível com uma sociedade democrática, contribuiu para agravaros conflitos de desigualdades sociais, as condições de pobreza ea exclusão social, a escassez de terras e o monopólio do poder,afetando a própria dignidade humana.

CONCEPÇÃO FILOSÓFICA DE PROPRIEDADE EM JOHNRAWLS

As principais obras de John Rawls, filósofo americano, sãoUma Teoria de Justiça (A Theory of Justice, 1971), Liberalismo

Político (Political Liberalism, 1993) e o Direito dos Povos (The Law

of Peoples, 1999). Rawls era um liberal moderno (século XIX) quedifundiu a ideia de que o estado deveria ocupar-se com temascomo pobreza, falta de moradia, saúde, educação e outros,mesmo que isso acarretasse em algum sacrifício ou custo aos di-reitos de liberdade e propriedade. Entende que a propriedade nãoé uma garantia eterna, haja vista que sua manutenção sempre de-penderá de revisão submetida aos movimentos da economia e daética, contra a insegurança social.

A teoria de Rawls tenta conciliar os direitos iguais dentrode uma sociedade desigual, com o objetivo de tornar possíveluma sociedade justa. Nesse sentido, aborda como tratar as desi-gualdades socioeconômicas e transformá-las em uma sociedadeliberal, com uma justiça distributiva ou com equidade. Segundo aconcepção rawlsiana, para ocorrer uma ordenação social serianecessária a implementação dos princípios de justiça social.Esses princípios proporcionarão a atribuição de direitos e deveresàs instituições básicas da sociedade para definir a distribuição dos

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benefícios e dos encargos da cooperação social, ou seja, umajustiça com equidade, estruturada na concepção da justiça social(RAWLS, 2008).

A preocupação de Rawls é com a justiça distributiva. Parao filósofo, os princípios da justiça para a estrutura básica da so-ciedade são o objeto do acordo original. Com base nesses princí-pios, que regularão todos os acordos subsequentes e os tipos decooperação social que serão assumidos, as pessoas aceitariamuma posição inicial de igualdade. Essa maneira de considerar osprincípios da justiça é que Rawls denomina de justiça com equi-dade (RAWLS, 2008).

Na concepção da teoria da justiça com equidade, Rawlselencou os princípios de justiça que devem determinar a atribuiçãode direitos e deveres, além da distribuição de forma adequada dosbenefícios e encargos da vida social. Elegeu como princípios dejustiça o Princípio da Liberdade (igualdade de liberdade paratodos) e o Princípio da Igualdade ou Desigualdade (repartiçãoequitativa das vantagens da cooperação social), considerando oprimeiro princípio anterior e superior ao princípio da igualdade(NEDEL, 2003).

Em sua obra Liberalismo Político Rawls, segundo Nedel(2003, p. 7), dispõe outro princípio que envolve a satisfação das“necessidades básicas dos cidadãos”, consideradas como “mínimoessencial” ou “mínimo social”, “índice justo de bens de primeira ne-cessidade”, princípio que se antepõe aos demais (liberdade eigualdade).

No primeiro princípio, Rawls aborda a liberdade ligada àslimitações legais, ou seja, corresponde a um sistema de normaspúblicas que definem tantos os direitos quanto os deveres. Assim,todos os bens primários, incluindo o direito à propriedade, devemser distribuídos de um modo igual. Os princípios de justiça se apli-cam à estrutura básica da sociedade, possibilitando a administra-ção da atribuição de direitos e deveres e a regulamentação detodas as vantagens econômicas e sociais.

Todavia, essa distribuição de bens sociais não necessitaser igual, por não se tratar de uma sociedade de regime comunista,mas de uma sociedade democrática. As distribuições serão deforma equitativa na medida em que promovem benefícios para

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todos, especialmente para os menos privilegiados. O que possibi-litará esse sistema de distribuição será o “véu da ignorância”.

Rawls defende a equidade de oportunidades para quetodos possuam os mesmos direitos no sentido de atingir as opor-tunidades, para que essas chances de oportunidades não fiquemisoladas na posição de classe econômica que a pessoa ocupa.Assim, conclui que as oportunidades asseguram que o sistema decooperação mútua se torne um sistema de “justiça procedimentalpura”. Rawls toma como padrão a distribuição a partir dos menosfavorecidos (“maximização” dos menos favorecidos).

Essas preocupações da teoria de Rawls evidenciam a de-fesa de uma garantia de uma igualdade de oportunidades a todos,possibilitando um equilíbrio entre as pessoas e uma garantia con-creta da prioridade aos menos favorecidos da sociedade.

O segundo princípio de justiça (igualdade) aborda que asdesigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas con-dições: a “primeira, relacionar-se com postos e posições abertospara todos em condições de plena equidade e de igualdade deoportunidades”; e a segunda, “redundar no maior benefício dosmembros menos privilegiados da sociedade” (RAWLS apudNEDEL, 2003, p.8).

O segundo princípio versa sobre a mutualidade, aplicadoem uma sociedade com um sistema equitativo de cooperação so-cial entre cidadãos livres e iguais. Rawls também aborda a justiçaretributiva e a proteção do meio ambiente, a estrutura moral e po-lítica do Estado democrático, discutindo-se, a partir de então, osdireitos dos cidadãos, no qual inclui o direito de propriedade.

Na perspectiva de Rawls, segundo Weber (2006, p. 207),o debate em torno do direito de propriedade, considerado um direitofundamental, tem como pressuposto a existência de um Estado de-mocrático de Direito. A propriedade trazida por Rawls é delimitadacomo “direito de ter e fazer uso exclusivo da propriedade pessoal”.O intuito desta propriedade “é proporcionar uma base material su-ficiente para a independência da pessoa e um sentimento de auto-respeito, ambos essenciais para o desenvolvimento e exercícioadequados das faculdades morais”, por isso é um direito funda-mental. A satisfação das necessidades básicas dos cidadãos é umconteúdo implícito e está pressuposto na aplicação do princípio de

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justiça (WEBER, 2006, p. 211).Essa visão de propriedade como direito fundamental é di-

fundida por Rawls na relação de bens primários. Enfatiza essa in-terpretação dos bens primários como parte integrante da justiçacomo equidade, pois esses bens “são aquilo que, à luz da concep-ção política de justiça, as pessoas livres e iguais precisam comocidadãos cooperativos”. Nesse sentido, a propriedade se tornauma necessidade para os cidadãos para terem uma vida digna ecooperarem de forma equitativa (WEBER, 2006, p. 214).

Essa ideia de bens primários para Rawls relaciona-se comas necessidades básicas dos cidadãos, permitindo a melhoria dascircunstâncias de vida. Assim, a teoria de Rawls defende o direitoda propriedade como um bem básico que auxilia nas relações dasexpectativas de vida dos cidadãos, todavia, deve ser compatívelcom os demais direitos e com o de liberdade, a fim de possibilitara vida digna. Para o autor, nenhuma das liberdades básicas é ab-soluta, incluindo o direito à propriedade; a justiça não aceita aperda de liberdade de alguns pelo bem maior de outros, incum-bindo às instituições sociais e políticas a garantia desses direitos.

PROPRIEDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Extraem-se do ordenamento jurídico brasileiro duas con-cepções de propriedade, a individualista, prevista nas Constituiçõesda República Federativa do Brasil de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946e 1967, e no Código Civil de 1916; e a propriedade-função, previstana Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A teoria de John Locke difunde um conceito de proprie-dade privada individualista, com uma concepção restritiva de di-reitos, que beneficia o proprietário e o comércio. Esse pensamentode Locke influenciou diversas legislações. Essa ideia de proprie-dade está no instituto jurídico desde a revolução francesa. Con-forme salientado, Santos (2001, p. 136) explica que as teorias deLocke influenciaram na elaboração dos Direitos do Homem e doCidadão (1789), bem como na confecção do Código Napoleônico

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e do Código Civil Brasileiro (1916), abordando uma visão extre-mamente individualista da propriedade. Restringe-se, assim, aanálise dos três institutos e das Constituições Brasileiras.

A Revolução Francesa de 1789 foi marcada pela concep-ção individualista, pela mínima intervenção do Estado na organi-zação social e pela exaltação da concepção individualista dapropriedade, fruto da filosofia política do liberalismo, tendo comobase as teorias de John Locke.

Cita-se a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cida-dão”, de 1789, primeiro elemento constitucional do novo regime po-lítico, na qual, segundo Comparato (2005, p. 148), algumaspreocupações da burguesia foram atendidas, entre elas a garantiada propriedade privada contra expropriações abusivas, em seu art.17. Contudo, seu caráter de sagrado era um evidente “anacronismo”.Observa-se que a referida Declaração consagrou a propriedadecomo um direito absoluto, inviolável, ilimitado e sagrado. A proprie-dade foi consagrada no mesmo patamar que a vida e a liberdade1.

Bobbio (1997, p. 42) caracteriza a sociedade liberal comoindividualista, conflitualista e pluralista, aduzindo que “a principalfinalidade do Liberalismo é a expansão da personalidade indivi-dual, abstratamente considerada como um valor em si, sendo oEstado liberal limitado e garantista”. Essa concepção liberalista,incompatível com uma sociedade democrática (defendida porRawls), contribuiu para agravar os conflitos de desigualdades so-ciais, as condições de pobreza e exclusão social, a escassez deterras e o monopólio do poder.

O Código de Napoleão, como consequência, traça a con-cepção individualista do instituto, tendo como base as teorias deLocke. Estabelecia o art. 544: “A propriedade é o direito de gozare dispor das coisas do modo mais absoluto, desde que não se façauso proibido pelas leis ou regulamentos” (VENOSA, 2005, p. 172).

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1 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “Art. 2. A finalidadede toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescri-tíveis do homem. Tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e aresistência à opressão. […] Art. 17. Sendo a propriedade um direito inviolável esagrado, ninguém pode ser dela privado, a não ser quando a necessidade pú-blica, legalmente verificada, o exigir de modo evidente, e sob a condição deuma justa e prévia indenização” (COMPARATO, 2005, p. 154-155).

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As ideias da Revolução Francesa e do Código de Napoleão in-fluenciaram inúmeros ordenamentos jurídicos, entre eles o CódigoCivil Brasileiro de 1916.

O Código Civil Brasileiro de 1916 dispunha em seu artigo524: “A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e disporde seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injusta-mente os possua”. Ressalta-se a visão da propriedade individua-lista, teoria de Locke.

As Constituições da República Federativa do Brasil de1824, 1891, 1934, 1937 e 1946, previam o caráter inviolável do di-reito de propriedade. Sintetiza-se, assim, uma análise dessa visãode propriedade individualista nas Constituições, com o intuito dedemonstrar as influências do pensamento de Locke.

A Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de marçode 1824, previa, em seu artigo 179, a inviolabilidade do direito depropriedade, garantindo esse direito “em toda a sua plenitude” (inc.XXII). No mesmo sentido, a Constituição da República dos EstadosUnidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, artigo 72 e seu §17.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Bra-sil, de 16 de julho de 1934, também se referia à inviolabilidade dodireito de propriedade (art. 113), vinculando-a em seu parágrafo17 ao interesse social: “é garantido o direito de propriedade, quenão poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo”.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de no-vembro de 1937 suprimiu o termo “interesse social ou coletivo”,garantindo apenas o direito de propriedade, em seu art. 122.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de se-tembro de 1946, manteve a garantia ao direito de propriedade (art.141, §16) e restabeleceu a condicionante social do direito em seuartigo 147. A Constituição da República Federativa do Brasil de1967 também manteve a garantia ao direito de propriedade (art.150, §22), fazendo menção na parte relativa à ordem econômicado termo princípio da “função social da propriedade”.

Para Venosa (2005, p. 173), essa concepção individualistaperderá forças apenas no século XIX, com a revolução e o desen-volvimento industrial e com as doutrinas socializantes, pois sebusca, a partir de então, um sentido social da propriedade, relem-brando as teorias de Rawls.

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FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL RURAL

A mudança de paradigma do direito de propriedade, in-cluindo-se vertentes de limitação e socialização, teve influênciasfilosóficas, incluindo-se a teoria de Rawls e de August Comte e dojurista sociologista Léon Duguit. O liberalismo foi sendo superadocom a intervenção do Estado na ordem econômica e social, trans-formando-se em um Estado Intervencionista e Social, acarretandoem uma mudança na concepção do direito de propriedade, inse-rindo-se, paulatinamente, o caráter social, previsto na teoria deRawls. A propriedade, no direito brasileiro, nos termos de Benjamin(apud FALCONI, 2010, p. 258) “abandona, de vez, sua configura-ção essencialmente individualista para ingressar em uma novafase, mais civilizada e comedida, onde se submete a uma ordempública e ambiental”.

Segundo Marchesan (2011), Léon Duguit, ao criticar anoção individualista da propriedade privada, concluiu por uma“fonction sociale”:

Todo indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade umacerta função, na razão direta do lugar que nela ocupa. Ora, odetentor da riqueza, pelo próprio fato de deter a riqueza, podecumprir uma certa missão que só ele pode cumprir. Somenteele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação dasnecessidades gerais, fazendo valer o capital que detém. Está,em consequência, socialmente obrigado a cumprir esta missãoe só será socialmente protegido se cumpri-la e na medida emque o fizer. A propriedade não é mais um direito subjetivo doproprietário; é função social do detentor da riqueza. (DUGUITapud MARCHESAN, 2011)

A concepção de propriedade-função de Duguit expressauma visão de obrigação, encargo social, direito-dever ou poder-dever, deixando a ideia de direito subjetivo. Para o jurista, a pro-priedade possui uma função dupla, a de satisfazer as necessidadesdo detentor (proprietário) e as necessidades sociais coletivas, ha-vendo uma conciliação entre os interesses individuais e coletivos.

Essa conciliação de interesses relembra a teoria de

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Rawls, especialmente o sistema de cooperação mútua, denomi-nada “justiça procedimental pura”, no qual as pessoas aceitariamuma posição inicial de igualdade. Ao contrário de Duguit, que negao direito subjetivo da propriedade (propriedade-função) por enten-der que esta é uma função social, Rawls compreende o direito depropriedade como um direito fundamental, um bem básico que au-xilia nas relações das expectativas de vida dos cidadãos que deveser compatível com os demais direitos e liberdade, a fim de possi-bilitar a vida digna.

O Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30 de novembro de 1964)assegura, em seu art. 2º, a oportunidade de acesso à propriedadeda terra, condicionando-a ao cumprimento de sua função social. Ex-plana o sentido da expressão “função social”, sendo aquela proprie-dade que, simultaneamente, favorece o bem-estar dos proprietáriose dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;mantém níveis satisfatórios de produtividade; assegura a conserva-ção dos recursos naturais; e observa as disposições legais que re-gulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e acultivam. Observa-se a função social da propriedade como umaforma de garantir a vida digna dos cidadãos, concepção prevista nateoria de Rawls por meio da cooperação mútua.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988consagrou a propriedade como direito e garantia fundamental (art.5º, caput2 e inciso XXII), que atenderá sua função social (art. 5º,inciso XXIII). Inseriu a propriedade privada e a função social dapropriedade entre os alicerces da ordem econômica e financeira(art. 170, incisos II e III3). Ao prever a garantia da propriedade comodireito individual fundamental, também a vinculou à exigência documprimento de sua função social, conforme estabelece em seusincisos XXII e XXIII, do artigo 5º.

178

2 CF/88: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer na-tureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à pro-priedade, nos termos seguintes: […] XXII - é garantido o direito de propriedade;XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”.3 CF/88: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, con-forme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] II -propriedade privada; III - função social da propriedade”.

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O artigo 186, Constituição Federal, preconiza os requisi-tos, que deverão ser atendidos simultaneamente, para que o imó-vel rural cumpra sua função social: I - aproveitamento racional eadequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponí-veis e preservação do meio ambiente; III - observância das dispo-sições que regulam as relações de trabalho; IV - exploração quefavoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

A norma supracitada demonstra o conteúdo da função so-cial do imóvel rural. A regulamentação adveio com a Lei n.8.629/93, que disciplina os dispositivos constitucionais relativos àpolítica agrícola e fundiária e da reforma agrária. O artigo 6º da re-ferida Lei dispõe que se considera propriedade produtiva aqueleimóvel que, explorado econômica e racionalmente, atinge, simul-taneamente, graus de utilização da terra (GUT) e de eficiência naexploração (GEE) segundo índices fixados pelo órgão federal com-petente. O Grau de Utilização da Terra (GUT) deverá ser igual ousuperior a 80% e o Grau de eficiência na exploração (GEE) deveráser igual ou superior a 100%.

Nesse sentido, a garantia do direito da propriedade está am-plamente subordinada ao cumprimento da função social, sob pena,em descumprimento desse encargo, de expor-se à desapropriação,sanção a que se refere o artigo 184 da Constituição Federal4.

Diante dessa análise dos dispositivos constitucionais, sa-lientam-se alguns pontos comuns entre a teoria de Rawls e a atualConstituição Federal: a) Rawls aduz que a justiça equitativa sedaria em um Estado Democrático e a Constituição de 1988 refere-se à República Federal como um Estado Democrático; b) Rawlsdefende que a propriedade é um direito fundamental e a Consti-tuição de 1988 lista o direito de propriedade entre os direitos e asgarantias fundamentais; c) Rawls consagra a propriedade vincu-lada a uma função social, sendo uma necessidade para os cida-dãos para terem uma vida digna e cooperarem de forma equitativa,ou seja, uma justiça com equidade, estruturada na concepção da

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4 CF/88, “Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para finsde reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusulade preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partirdo segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

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justiça social; a Constituição Federal também consagra que o di-reito de propriedade não é ilimitado, estabelecendo limites ao efe-tivo exercício desse direito, como o cumprimento da função sociale outras formas de promover a justiça social.

Do contexto da atual Constituição, o desenvolvimento deatividades econômicas e o direito de propriedade deverão incorpo-rar-se aos interesses coletivos/sociedade, com respeito ao meio am-biente, às relações de trabalho, ao bem-estar dos proprietários edos trabalhadores, além de atender às necessidades do proprietá-rio, contribuindo para a efetivação do princípio da dignidade da pes-soa humana, um dos fundamentos da República (art. 1º, inc. III).

Os grandes debates envolvendo a função social da pro-priedade encontram-se na interpretação do artigo 185 da Consti-tuição Federal. O referido artigo, ao dispor que são insuscetíveisde desapropriação para fins da reforma agrária a pequena e médiapropriedade, desde que o seu proprietário não tenha outra, bemcomo a propriedade produtiva, ensejou uma nova interpretaçãopelos doutrinadores e juristas. Essa interpretação consiste em umavedação absoluta, ou seja, o imóvel rural produtivo não precisacumprir a sua função social e, assim, não poderá receber a sançãoconstitucional (desapropriação). Tal conclusão caracteriza um re-trocesso à propriedade individualista defendida por Locke.

Uma das consequências dessa nova corrente, aplicadainclusive pelo Supremo Tribunal Federal, é a produção a qualquercusto. Uma produção embasada na destruição das áreas de pre-servação permanente, das reservas florestais, do meio ambienteem geral, da exigência do trabalho em condições análogas ao es-cravo e da própria exclusão da dignidade do ser humano, funda-mento da República Federativa do Brasil. A função social do imóvelrural não pode ser reduzida ao aspecto econômico, vinculado ape-nas à utilização e produtividade da terra.

Em análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.2.213-MC/DF, o Supremo Tribunal Federal interpreta que o imóvelprodutivo, aquele que atende os índices do GUT e GEE, é insus-cetível, de forma absoluta, de desapropriação, mesmo que não es-teja cumprindo sua função social. Ressalta-se o voto da medidaliminar dos Ministros Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, respec-tivamente (BRASIL, 2008).

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[…] o art. 185 da Constituição Federal não é exaustivo, na me-dida em que enumera duas hipóteses de imóveis que, emboranão estejam cumprindo a sua função social, não podem ser ob-jeto de desapropriação para fins de reforma agrária. É o sentidodesse artigo.

[…] mesmo que esses imóveis não atendessem à função social,saíram da possibilidade de estarem suscetíveis de reformaagrária, referidos no artigo 185, ou seja, a pequena e média pro-priedade rural […] e, ainda, a propriedade produtiva, o que sig-nifica […] cumprir, ou não, a função social por propriedadeprodutiva e para a pequena e média propriedade é rigorosa-mente irrelevante para efeitos de reforma agrária. Basta ser pro-dutiva, mesmo que não atenda àqueles requisitos.

Essa interpretação vincula a propriedade apenas à ordemeconômica, excluindo-a como direito e garantia fundamental, quedeverá atender o bem-estar da coletividade por meio da justiça so-cial. A expressão “basta ser produtiva” nos leva claramente às teo-rias de Locke, a propriedade ilimitada para satisfazer um direitonatural, aumentando a desigualdade social. Além disso, vincular apropriedade apenas à ordem econômica fere todos os princípiose garantias previstas na Constituição Federal e, portanto, toda le-gislação agrária.

Marés (apud PINTO JÚNIOR e FARIAS, 2005, p. 15)aborda essa interpretação equivocada sobre propriedade produtiva:

[…] a Constituição deixa entrevisto no parágrafo único do art.185: “a lei garantirá tratamento especial à propriedade produtivae fixará as normas para o cumprimento dos requisitos relativosa sua função social”. Parece claro este dispositivo: a proprie-dade produtiva terá tratamento especial porque cumpre a fun-ção social, não porque produz lucro.Focalizemos mais de perto a questão da rentabilidade e da pro-dutividade. A terra está destinada a dar frutos para todas as gera-ções, repetindo a produção de alimentos e outros bens,permanentemente. O seu esgotamento pode dar lucro imediato,mas liquida sua produtividade, quer dizer, a rentabilidade de umano, o lucro do ano, pode ser o prejuízo do ano seguinte. E pre-juízo aqui não apenas financeiro, mas traduzido em desertificação,

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que quer dizer fome, miséria e desabastecimento. É demasiadoegoísmo imaginar que a produtividade como conceito constitu-cional queira dizer o lucro individual e imediato. Ao contrário,produtividade quer dizer capacidade de produção reiterada, oque significa, pelo menos, a conservação do solo e a proteçãoda natureza, isto é, o respeito ao que a Constituição chamou demeio ambiente ecologicamente equilibrado.Nesse sentido, a interpretação do capítulo relativo à políticaagrícola e fundiária e da reforma agrária, especialmente dos ar-tigos 185 e 186, combinados com o caráter emancipatório e plu-ralista de toda a Constituição nos leva à certeza de que protegiapela Constituição é a propriedade produtiva que cumpre suafunção social, porque a que não cumpre, por mais rentável queseja, não é produtiva em termos humanos e naturais […]

Em análise do teor do artigo 185 da Constituição Federal,anteriormente mencionado, Moesch (2008) afirma que é infeliz essadisposição que torna a propriedade produtiva insuscetível à desa-propriação sancionatória, mesmo que descumpridora de sua fun-ção social. Segundo a leitura conjunta dos dispositivosconstitucionais, não adianta haver uma produtividade com custosocial indesejável.

Nesse contexto, o imóvel rural poderá atingir sua funçãosocial apenas se atender simultaneamente a todos os requisitos pre-vistos no art. 186 da Constituição Federal supracitado. Caso con-trário, isto é, se o imóvel atender apenas um dos requisitos, como,por exemplo, apenas o aspecto econômico, por este ser conside-rado produtivo, não atingirá a sua função social e, assim, poderá so-frer a sanção de desapropriação. Essa interpretação da Constituiçãopode ser extraída a luz dos princípios e regras interpretativas dasnormas constitucionais, que, todavia, não será objeto de debate.

A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL

Conforme salientado, o liberalismo econômico do séculoXVIII e a doutrina do individualismo jurídico foram substituídos,

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segundo Falconi (2010), pelo dirigismo estatal das relações de tra-balho na cidade, atingindo as relações laborais do campo e as pró-prias atividades agrárias apenas em um segundo momento. Apreocupação com a proteção do meio ambiente começou na dé-cada de setenta do século XX, sendo levada a conferências, con-gressos e seminários patrocinados pela Organização das NaçõesUnidas, destacando-se as Conferências de Estocolmo (em 1972),do Rio de Janeiro (em 1992) e de Johannesburgo (2002), na Áfricado Sul (FALCONI, 2010).

A Política Nacional de Meio Ambiente foi instituída pela Lein. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que tem por objetivo a preser-vação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia àvida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimentosocioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à prote-ção da dignidade da vida humana (art. 2º), compatibilizando os prin-cípios da racionalização do uso do solo e da água, do planejamentoe da fiscalização do uso dos recursos ambientais, da proteção dosecossistemas. Todos esses embasamentos jurídicos tem como fi-nalidade a manutenção da qualidade do meio ambiente com vistasao uso racional dos recursos ambientais, especialmente os recur-sos hídricos, em busca de um desenvolvimento sustentável.

A Constituição Federal recepcionou a Lei n. 6.938/81 e in-cluiu o meio ambiente entre os elementos da função social da pro-priedade rural (art. 186, II), ao mesmo tempo em que o consideraum dos princípios direcionadores da ordem econômica (art. 170,VI), além de constituir um capítulo inteiro da ordem social (art. 225,parágrafos e incisos). Incumbiu ao Poder Público a efetividade dodireito do meio ambiente equilibrado, estipulando seus deveres,entre estes o de preservar e restaurar os processos ecológicos es-senciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossiste-mas; exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividadepotencialmente causadora de significativa degradação do meioambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará pu-blicidade; controlar a produção, a comercialização e o emprego detécnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida,a qualidade de vida e o meio ambiente; promover a educação am-biental em todos os níveis de ensino e a conscientização públicapara a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e a flora,

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vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco suafunção ecológica, provoquem a extinção de espécies ou subme-tam os animais a crueldade.

Nesse sentido, a proteção ao meio ambiente pode e deveser realizada pelos representantes do Ministério Público, em âm-bito federal e estadual, pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente,pelas ONG's e por outros órgãos componentes da estrutura doSistema Nacional do Meio Ambiente. A referida Lei também esta-belece como instrumentos da Política Nacional do Meio Ambienteas penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumpri-mento das medidas necessárias à preservação ou correção da de-gradação ambiental, estas previstas no Código Florestal (Lei n.4.771/65) e na Lei 9.605/98.

A função social surgida do embate doutrinário envolvendoas ideias contrárias ao individualismo de Locke, que tiveram in-fluências filosóficas da teoria de Rawls e de August Comte, e dojurista sociologista Léon Duguit, anteriormente abordadas, previstana atual Constituição (art. 186) inclui como fator condicionante dafunção social o aspecto ecológico ao estipular a “utilização ade-quada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meioambiente”, além dos aspectos trabalhista (“observância das dis-posições que regulam as relações de trabalho”), social (“explora-ção que favoreça o bem-estar dos proprietários e dostrabalhadores”) e econômico (“aproveitamento racional e ade-quado”), que deverão ser atendidos simultaneamente.

Nos termos da Lei n. 8.629/93, considera-se: adequada autilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploraçãose faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter opotencial produtivo da propriedade (art. 9º, §2º); a preservação domeio ambiente e a manutenção das características próprias do meionatural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida ade-quada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e dasaúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas (art. 9º, §3º).

A Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, conceitua o uso sus-tentável como exploração do ambiente de maneira a garantir a pe-renidade dos recursos ambientais renováveis e dos processosecológicos, mantendo a biodiversidade e os demais atributos eco-lógicos, de forma socialmente justa e economicamente viável.

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Costa Neto (2005), explana sobre a conservação e preservaçãono âmbito ambiental e o uso racional:

Na acepção comum os termos “conservação” e “preservação”se equivalem. No campo do direito ambiental tem-se buscadoestabelecer uma distinção, reservando-se para a segunda ex-pressão um sentido mais rígido de proteção. Assim, enquantoo regime de preservação permanente pressupõe a “manutençãoda integridade e perenidade dos recursos ambientais”, sem apossibilidade de exploração econômica direta, o regime de con-servação pressupõe utilização racional.

Falconi (2010) aborda que a destruição da vegetação de-nota o descumprimento da função ecológica da propriedade em-butida no conceito maior de função social do imóvel rural.Esclarece que a propriedade destrutiva que devasta total ou par-cialmente as áreas de preservação permanente e/ou a reserva flo-restal legal não se enquadra no perfil de propriedade produtiva esequer cumpre a função social e ambiental da propriedade. Assim,o descumprimento da função socioambiental pode ocasionar a de-sapropriação da propriedade por interesse social, pois o direito depropriedade não coloca entre as faculdades do proprietário o poderde destruir as áreas especialmente protegidas, que evidentementenão fazem parte da área agricultável ou aproveitável.

A MONOCULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR

O etanol, nos últimos anos, trouxe inúmeras consequên-cias da expansão do monocultura da cana-de-açúcar. A safra decana-de-açúcar de 2008 foi marcada pela corrosão das condiçõestrabalhistas na lavoura e pelo avanço da monocultura sobre o Cer-rado, a Amazônia, o entorno do Pantanal e o trecho da Mata Atlân-tica localizado no Nordeste (ONG REPÓRTER BRASIL, 2009).

O monocultivo da cana-de-açúcar traz prejuízos sociaisaos próprios trabalhadores do sistema produtivo da cana, para os

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proprietários que arrendaram suas fazendas para a produçãodessa cultura e também para os produtores rurais que possuemfazendas no entorno das lavouras de cana. Contudo, observa-seque a insatisfação dos canavieiros não é recente. Tem origem emum modelo produtivo baseado na superexploração do trabalho,em que parte dos seguidos aumentos de produtividade do traba-lhador é apropriada pelo dono da fazenda ou da usina. Desde2000, a produtividade do trabalhador cresceu 11,9% no Estado deSão Paulo, mas o preço pago ao cortador de cana avançou ape-nas 9,8%. Assim, a safra de 2008 de cana registrou condições detrabalho insatisfatórias em diversas instâncias. Por exemplo, au-mentou, em termos relativos, a quantidade de autos de infraçãoemitidos pelos fiscais a empregadores paulistas, envolvendo des-respeito ao descanso semanal e falta de equipamentos de prote-ção individual. Houve, ainda, a libertação de 2.553 trabalhadoresem estado de escravidão contemporânea, segundo a ComissãoPastoral da Terra (CPT), de empreendimentos sucroalcooleiros.Essa é a metade de todos os trabalhadores escravos resgatadosno país ao longo do ano de 2008 (ONG REPÓRTER BRASIL,2009). Além disso, os cortadores de cana recebem por produçãoe, com isso, esses trabalhadores se desgastam e adoecem facil-mente (MENDONÇA, 2008).

As usinas de cana-de-açúcar não compartilham o pro-cesso produtivo dessa cultura, não incentivam produtores rurais aserem seus fornecedores e preferem arrendar terras a manteremos produtores em suas propriedades. Isso causa o êxodo rural. Se-gundo Mendonça (2008), o incentivo à expansão do monocultivoda cana é gerado pelos contratos de arrendamentos entre a usinae os proprietários circunvizinhos, por um longo período (10 anos),em um número pequeno de fornecedores. Além disso, Mendonça(2008) comenta relatos de degradação social de agricultores tradi-cionais da região do rio São Francisco, na Bahia, onde se instalouuma usina de cana de 2005. Nesses relatos, os agricultores denun-ciam que não têm condições para continuar produzindo alimentoscomo milho, feijão, carne e leite devido ao aumento de custos comfertilizantes e rações por causa da instalação da usina. Ademais,aqueles que arrendaram suas terras à usina ficaram sem trabalho,foram para as cidades e vivem em estado de depressão social.

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Assis, Zucarelli e Ortiz (2007) explicam que o cultivo demonoculturas em grandes extensões enseja desigualdades nocampo e entraves à reprodução social das explorações familiares.Esses autores também ressaltam que a expansão da cana-de-açúcar é facilitada pelo mercado de terra, que concentra a proprie-dade fundiária e inviabiliza os usos praticados pela agriculturafamiliar. Não obstante, o aumento de produção na agroindústriacanavieira está relacionado ao cultivo em novas áreas, fato quereflete em uma reconfiguração do espaço geográfico e em altera-ções dos modos de vida e das atividades rurais.

Não há dúvidas de que a expansão do setor sucroalcoo-leiro traz impactos positivos para a economia do país e, também,impactos negativos. Destarte, essa expansão desordenada deixade atender a função social da propriedade, vinculando-a proprie-dade apenas ao seu aspecto econômico, em retrocesso à con-cepção individualista de John Locke. A produtividade deve seralcançada mediante um equilíbrio ecológico e com respeito àsnormas trabalhistas.

Os impactos ambientais da monocultura da cana-de-açúcar podem ser observados desde o preparo da terra, a intensautilização de agrotóxicos, desmatamentos ilegais de matas ciliares,contaminação de rios, córregos e do lençol freático. Assis, Zucarellie Ortiz (2007) concluem, diante das entrevistas de campo, que oatual modelo de produção empregado pela agroindústria cana-vieira não abarca os princípios da sustentabilidade ambiental.

A produção canavieira ocasiona inúmeros problemas am-bientais (ASSIS, ZUCARELLI e ORTIZ 2007), como, por exemplo,a destruição de áreas com vegetação nativa, a contaminação desolos, nascentes e rios, a poluição da atmosfera pela queima decanaviais e a destruição da biodiversidade. Um dos problemas am-bientais extremamente visível é as queimadas em canaviais, que,segundo os autores, acontecem em aproximadamente 80% dasáreas plantadas: “A utilização dessa técnica reduz cerca de 80 a90% o volume de palha de cana, ao mesmo tempo que facilita ocorte manual, diminui os custos de transporte e compensa perdasde até 20% da safra”. Destarte, apesar de ensejar índices de pro-dutividade melhores, a função socioambiental é deixada de lado,pois, com as queimadas, animais da fauna e populações dos

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municípios circunvizinhos arcam com os ônus resultantes dessaprática. Para Procópio (2011) o corte da cana, mecanizado emapenas 30% das lavouras, permite no restante da área o fogo parafacilitar a colheita manual, gerando uma nuvem de fumaça e defuligem nociva para a saúde humana e animal. Além da vinhaça,rejeitos da produção de etanol se infiltram na terra, comprome-tendo os lençóis freáticos. Extrai-se do Programa Nacional de Con-servação e Uso Sustentável do Bioma Cerrado que oempobrecimento ecológico do Bioma se deve principalmente à in-corporação de extensas áreas para a agricultura comercial, ba-seada em plantios homogêneos e no uso intensivo de agrotóxicos,à exploração da pecuária extensiva, ao uso do fogo e às más prá-ticas de captação e uso de água na irrigação (MINISTÉRIO, 2003).

A queima dos canaviais, que traz benefícios para os pro-dutores tais como: facilitar e baratear o corte manual e reduzir oscustos de carregamento e transporte; proteger o trabalhador ruralno acesso e segurança ao canavial; aumenta a eficiência dasmoendas, que não precisam interromper seu funcionamento paraa limpeza da palha (LANZOTTI, 2000). Não obstante, também en-sejam inúmeras desvantagens de âmbito social e ambiental, assimelencadas por Lanzotti (2000): aumentar a temperatura e diminuira umidade do solo, levando a uma maior compactação e a umaperda de porosidade e desequilíbrio da microbiota; poluir a atmos-fera tendo CO e CO2, resultantes da combustão, afetando asáreas rurais adjacentes e os centros urbanos mais próximos; emitirpoluentes por meio das queimadas, aumentando os casos dedoenças respiratórias dos trabalhadores e da população da região,provocando, inclusive, câncer de pulmão; levar os habitantes deregiões canavieiras a consumirem mais água e a aumentarem apoluição por meio da água de lavagem que vai para os rios, emdecorrência da dispersão da fuligem da palha queimada.

Dessa forma, a queima da palha da cana-de-açúcar gerauma grande quantidade de “fuligem da cana”, material que modi-fica as características do meio ambiente, poluindo-o. A Lei n.6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente – define poluiçãocomo a degradação da qualidade ambiental resultante de ativida-des que direta ou indiretamente: (a) prejudiquem a saúde, a segu-rança e o bem-estar da população; (b) criem condições adversas

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às atividades sociais e econômicas; (c) afetem desfavoravelmentea biota; (d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meioambiente; (e) lancem matérias ou energia em desacordo com ospadrões ambientais estabelecidos (art. 3º, inc. III).

Nos termos do art. 27 do Código Florestal5, o uso de fogoem florestas e demais formas de vegetação é proibido, salvo se“peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogoem práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabele-cida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e esta-belecendo normas de precaução”. O Decreto n. 2661, de 08 dejulho de 1998, regulamenta o referido dispositivo legal, estabele-cendo normas de precaução relativas ao emprego do fogo em prá-ticas agropastoris e florestais. O dispositivo legal aduz que épermitido o emprego do fogo em práticas agropastoris e florestais,mediante “queima controlada”, definindo-a como “o emprego dofogo como fator de produção e manejo em atividades agropastorisou florestais, e para fins de pesquisa científica e tecnológica, emáreas com limites físicos previamente definidos”, a qual dependede prévia autorização junto ao órgão do Sistema Nacional do MeioAmbiente – SISNAMA (art. 2º e 3º).

Para compreender a amplitude da interpretação do refe-rido dispositivo legal, que prevê, excepcionalmente, a concessãode permissão para a queima controlada, cita-se o Recurso Espe-cial n. 1.285.463 - SP (2011/0190433-2), interposto pelo MinistérioPúblico do Estado de São Paulo, contra acórdão proferido pelo Tri-bunal de Justiça do referido Estado, com fundamento no art. 105,

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5 Salienta-se que o “Novo Código Florestal” (Projeto de Lei 1.876-C, de 1999),aprovado na Câmara dos Deputados e em trâmite no Senado Federal comoPLC n. 30 de 2011, revoga o Código Florestal e altera a Lei n. 9.605/98. Todavia,para o assunto ora tratado não haverá alterações legais a insurgir novos deba-tes. Nesse sentido cita-se o dispositivo legal - Projeto de Lei 1.876-C/99: “Art.47. Fica proibido o uso de fogo na vegetação. § 1º Se peculiaridades locais ouregionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais,a autorização será estabelecida em ato do órgão estadual competente do Sis-nama, para cada imóvel rural ou de forma regionalizada, estabelecendo normasde precaução. § 2º Na situação prevista no § 1º, o órgão estadual competentedo Sisnama poderá exigir que os estudos demandados para o licenciamentoda atividade rural contenham planejamento específico sobre o emprego do fogoe o controle dos incêndios. § 3º Excetuam-se da proibição disposta no caputas práticas de prevenção e combate aos incêndios” (BRASIL, 2011).

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inc. III, alínea “a”, da Constituição Federal, assim ementado (BRA-SIL, Lex 2012):

[…] A queimada da cana não causa os danos descritos no re-curso. A indústria sucro-alcooleira, ao contrário do alegado, re-solve questão econômico-social porque a introdução dascolheitadeiras e o reescalonamento da mão de obra afeta tantoo interesse público no plano do desemprego do que a proteçãodo meio ambiente.3. A queima da folhagem seca da cana não é proibida. A Lei Po-lítica Nacional do Meio Ambiente propôs diretrizes gerais sobreproteção a ele, não estabelecendo com relação às queimadasqualquer tipo de vedação em culturas regulares renovadas,como, aliás, observou o que foi decidido no julgamento da ape-lação nº 45.503.5/3. […]8. Analisando sob o aspecto de custo/benefício, verifica-se que acultura da cana-de-açúcar, mesmo com a queima da palha, é pre-ferível à utilização de combustíveis fósseis, sem considerar os inú-meros derramamentos de petróleo na plataforma marítima. […]

Como bem salientado pelo Ministro Relator, o objeto a serapreciado é o método da queima da palha da cana-de-açúcar, in-serido em seu processo de produção, que deve ser vedado porcausar danos ambientais. Ademais, o argumento de ausência decertezas científicas sobre as consequências dessa queima nãopode ser utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes àproteção ambiental, nos termos do princípio da precaução. Comrelação à exceção trazida no parágrafo único do art. 27 do CódigoFlorestal, este afirma que as atividades agroindustriais não pode-riam valer-se dessa autorização excepcional, por possuírem con-dições financeiras para implantar métodos alternativos e menosofensivos ao ambiente. Citam-se os seguintes precedentes do Su-perior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 1038813/SP, Rel. Min.Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 20/08/2009, Dje10/09/2009; REsp 1000731, 2ª Turma, Min. Herman Benjamin, DJde 08/09/09; EREsp 418.565/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki,Primeira Seção, julgado em 29/09/2010, DJe 13/10/2010; e AgRgnos EDcl no Resp 1094873/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ªTurma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009 (BRASIL, 2012).

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O legislador brasileiro, atento a essa questão, disciplinou ouso do fogo no processo produtivo agrícola, quando prescre-veu no art. 27, parágrafo único da Lei n. 4.771/65 que oPoder Público poderia autorizá-lo em práticas agropastorisou florestais desde que em razão de peculiaridades locais ouregionais.Buscou-se, com isso, compatibilizar dois valores protegidos naConstituição Federal de 1988, quais sejam, o meio ambiente ea cultura ou o modo de fazer, este quando necessário à sobre-vivência dos pequenos produtores que retiram seu sustento daatividade agrícola e que não dispõem de outros métodos parao exercício desta, que não o uso do fogo.A interpretação do art. 27, parágrafo único do Código Florestalnão pode conduzir ao entendimento de que estão por ele abran-gidas as atividades agroindustriais ou agrícolas organizadas, ouseja, exercidas empresarialmente, pois dispõe de condições fi-nanceiras para implantar outros métodos menos ofensivos aomeio ambiente. […]Ademais, ainda que se entenda que é possível à administraçãopública autorizar a queima da palha da cana de açúcar em ati-vidades agrícolas industriais, a permissão deve ser específica,precedida de estudo de impacto ambiental e licenciamento, coma implementação de medidas que viabilizem amenizar os danose a recuperar o ambiente. Tudo isso em respeito ao art. 10 daLei n. 6.938/81. […]. (STJ, Recurso Especial n. 1.285.463 – SP,2011/0190433-2, 2ª T. Rel. Min. Humberto Martins, julgado em28/02/2012, DJe 06/03/2012).

Essa preocupação com as queimadas da palha da canaenvolve nosso ordenamento jurídico, tanto que o Decreto n.2661/98 prevê uma redução gradativa do emprego do fogo, como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar emáreas passíveis de mecanização da colheita, na proporção de umquarto (¼) da área a cada cinco anos a partir da publicação do de-creto, ocorrido em 09 de julho de 1998, podendo-se concluir quea partir de 09 de julho de 2018 encerra-se o uso do fogo na culturade cana-de-açúcar mecanizada (art. 16).

Com relação à responsabilização pela queima ilegal de cana,ou seja, sem a devida permissão específica concedida pelo órgão res-ponsável, prescindível de estudo de impacto ambiental e licenciamento,

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o art. 14 da Lei n. 6938/916 determina penalidades de multa, perda ourestrição de incentivos e benefícios fiscais, perda ou suspensão de par-ticipação em linhas de financiamento e suspensão de atividades, alémde indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a ter-ceiros, incumbindo ao Ministério Público Federal e Estadual a legitimi-dade para a propositura de ações de responsabilidade civil e criminal.

O Decreto n. 6514, de 22 de julho de 2008, dispõe sobreas infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabe-lece o processo administrativo federal para apuração dessas in-frações. Destacam-se duas infrações administrativas que podemser resultantes da queima de palha da cana sem a devida autori-zação, previstas no art. 58 e 617. A Lei de Crimes Ambientais - Lein. 9.605/96 -, também prevê delitos e sanções para a poluição pro-vocadas pelas queimas de cana, nos termos do artigo 548.

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6 Lei 6.938/91: “Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislaçãofederal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias àpreservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degrada-ção da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: I - à multa simples oudiária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravadaem casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedadaa sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal,Territórios ou pelos Municípios. II - à perda ou restrição de incentivos e benefí-cios fiscais concedidos pelo Poder Público; III - à perda ou suspensão de par-ticipação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;IV - à suspensão de sua atividade. § 1º - Sem obstar a aplicação das penalida-des previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da exis-tência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente ea terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Es-tados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal,por danos causados ao meio ambiente".7 Decreto 6.514/08: “Art.58. Fazer uso de fogo em áreas agropastoris sem au-torização do órgão competente ou em desacordo com a obtida: Multa de R$1.000,00 (mil reais), por hectare ou fração; [...] Art.61. Causar poluição de qual-quer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos àsaúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruiçãosignificativa da biodiversidade: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais)”.8 Lei 9.605/98: “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis taisque resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provo-quem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - re-clusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º Se o crime é culposo: Pena -detenção, de seis meses a um ano, e multa”.

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Ressalta-se que pesquisadores e produtores estão se in-teressando em pesquisas que envolvem maneiras alternativas deprodução de cana-de-açúcar, com o emprego de inovações tec-nológicas a ensejar um manejo menos agressivo ao meio am-biente, como, por exemplo, o uso da agricultura de precisão e aprodução orgânica da cana. Todavia, ainda nos deparamos cominúmeros problemas ocasionados pelos modelos de produção tra-dicional. Não obstante, indispensável um serviço rigoroso de fis-calização, pois além da queima irregular da cana ensejarresponsabilidades civis, penais e administrativas, também há pos-sibilidade de desapropriação do imóvel rural por descumprimentode sua função social, especificamente a função socioambiental.Como instrumentos, enfatiza-se o inquérito civil e a ação civil pú-blica manejados pelo Ministério Público, como importantes para areparação do dano ambiental.

CONCLUSÃO

Da presente pesquisa bibliográfica, observa-se que a teo-ria de Locke influenciou as bases das legislações, certamente vol-tadas paras as concepções daquelas épocas. A mudança deparadigma do direito de propriedade restou extremamente neces-sária diante dos quadros alarmantes de desigualdade social, como empobrecimento de grande maioria da população. A visão dapropriedade se sobrepor o interesse individual para a satisfaçãode interesses alheios, em benefício da sociedade, foi extrema-mente defendida por Rawls ao propor uma justiça equitativa.

O monocultivo da cana-de-açúcar traz a realidade filosó-fica de Locke. As usinas de cana-de-açúcar não favorecem o pro-gresso social e se tornam individualistas para produzir açúcar eálcool. Apesar dos benefícios econômicos trazidos pela atividadecanavieira, a sua produção não pode ensejar um retrocesso à con-cepção individualista projetada por John Locke. Ainda, ferem con-ceitos defendidos por Rawls, pois, segundo o filósofo, apropriedade deve beneficiar a coletividade e o meio ambiente e,

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dessa forma, cumprir sua função social.Constata-se que os princípios da solidariedade e da dig-

nidade da pessoa humana estão extremamente vinculados com afunção social da propriedade. Essa função social ainda não é bemconcebida pela população e pelo próprio judiciário. A propriedadeestá perdendo, paulatinamente, o seu caráter excessivamente in-dividualista, acentuando-se uma limitação condizente com a dig-nidade da pessoa humana, para atingir uma função social.Todavia, em um Estado Democrático de Direito não se pode per-sistir normativas ou interpretações sobre o direito de propriedadevoltadas para a satisfação pessoal ou a acumulação de riquezas,fatores que acarretam a exclusão social e os atuais quadros depobreza e de insegurança alimentar.

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Dorabel Santiago dos Santos Freire*

A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À FELICIDADE À LUZ DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL

THE JUDICIALIZATION THE RIGHT TO HAPPINESSIN THE LIGHT OF THE POSSIBLE PROVISION OF RESERVATION

LA JUDICIALIZACIÓN DEL DERECHO A LA FELICIDAD A LA LUZ DE LA PRESTACIÓN DE LA RESERVA DEL POSIBLE

Resumo:

O presente artigo tem como objetivo principal analisar a judicializa-ção do direito à busca da felicidade, baseandose na proposta deEmenda ao artigo 6º da Constituição Federal (PEC 19/10), queatualmente tramita no Senado Federal, bem como analisar a efeti-vidade e a judicialização dos direitos sociais na medida em queestes são, de acordo com a PEC 19/10, essenciais à realização dafelicidade individual e coletiva. Serão analisadas, ainda, no presentetrabalho, as consequências da aplicação da cláusula da reserva dopossível sobre a eficácia dos direitos sociais, concluindo-se pelaimpossibilidade de aplicação de tal cláusula à realidade brasileira.

Abstract:

This article aims at analyzing the judicialization of the right to pursuitof happiness, taking as basis the proposed Amendment to Article6 of the Constitution (PEC 19/10), now under the appreciation ofSenate, as well as analyzing the effectiveness and the judicializa-tion of social rights in so far as they are, according to the PEC (Pro-ject of Law)19/10, which are essential to the achievement ofindividual and collective happiness. It will be analyzed in the pre-sent work the consequences of applying the clause of reserve ofpossible on the effectiveness of social rights, concluding for the im-possibility of application of such provision to the Brazilian reality.

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo principal analizar a la judicialización

* Graduada em Direito pela Faculdade 7 de setembro - CE. Estagiária do Tribunalde Justiça do Estado do Ceará..

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del derecho a la búsqueda de la felicidad, basándose en la pro-puesta de enmienda al artículo 6º de la Constitución Federal(PEC 19/10), que se encuentra en el Senado Federal, así comoanalizar la eficacia y la legalización de los derechos sociales, enla medida en que estos son, de acuerdo con el PEC (Propuestade Enmienda Constitucional) 19/10, esenciales para la realiza-ción de la felicidad individual y colectiva. Se analizan también, enel presente trabajo, las consecuencias de la aplicación de la pro-visión de reserva para la efectividad de los derechos sociales,concluyendo por la imposibilidad de aplicación de dicha disposi-ción a la realidad brasileña.

Palavras-chaves:

Busca da felicidade, direitos sociais, PEC 19/10, exigibilidade dosdireitos sociais.

Keywords:

Pursuit of happiness, social rights, PEC 19/10, chargeabilitysocial rights.

Palabras clave:

Búsqueda de la felicidad, derechos sociales, PEC 19/10, exigibi-lidad los derechos sociales.

INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais remotos a felicidade é um ideal al-mejado pelos mais diversos povos e civilizações. Pode-se dizerque todos os movimentos organizados pela humanidade, desde adescoberta do fogo e da agricultura até a revolução tecnológicados dias atuais, tiveram e têm como propósito, ainda que indireta-mente, o alcance da felicidade, da satisfação e do bem-estar co-letivo e individual.

Com o surgimento do Estado Moderno, a promoção dobem-estar e da felicidade coletiva passou a ser atribuição dos

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poderes públicos. Na República Federativa do Brasil, em obediên-cia ao princípio da separação dos poderes, cabe precipuamenteaos Poderes Legislativo e Executivo, respectivamente, a criaçãoe a execução de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento,ao bem-estar e à felicidade da população brasileira.

Contudo, por vezes percebe-se que o Legislador e o Ad-ministrador Público brasileiros são negligentes no desempenho daproteção e da promoção dos direitos sociais essenciais ao bem-estar coletivo. Dessa forma, indaga-se se, nesses casos, seriapossível a judicialização dos direitos sociais. Em outros termos,considerando a cláusula da reserva do possível e o princípio daseparação dos poderes, seria possível exigir do Poder Judiciárioa efetivação dos direitos sociais, que, de acordo com a PEC 19/10,são direcionados à realização da felicidade individual e coletiva,negligenciados na atuação dos Poderes Executivo e Judiciário?Essa é a questão que se buscará responder no presente artigo.

O QUE É A FELICIDADE

Primeiramente, antes da análise do direito à felicidade nocontexto de um Estado Democrático de Direito, cumpre-nos realizaruma breve digressão sobre os principais conceitos atribuídos aesse bem tão valioso, considerado o fim de toda atividade humana.

Desde a antiguidade o homem é marcado pela inquietudee pela necessidade de definir o que é a felicidade como pressupostopara alcançá-la. Já no século IV a.C. a felicidade era descrita porAristóteles como o “fim das ações humanas” e atividade virtuosa, namedida em que ela “basta por si” (ARISTÓTELES, 1995, p. 127-128).

Para Aristóteles, o alicerce da felicidade está no conheci-mento, mas não no conhecimento por si só, e sim no conheci-mento acompanhado da escolha pessoal pela ética. A ética,conforme Aristóteles, é a práxi, ou seja, a ação prática voltada aobem-estar, à satisfação e à felicidade coletiva (ROCHA, 2007).Dessa forma, a felicidade, em Aristóteles, é a aplicação do conhe-cimento a práticas direcionadas ao bem geral. Assim, partindo-se

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do entendimento de que o homem é um “animal político”, o alcanceda felicidade individual só é possível a partir do pensamento e dasações com foco no bem estar-coletivo.

Já no período grego pós-clássico, o Epicurismo, um dosmaiores movimentos filosóficos dessa época, entendia a felicidadecomo busca do prazer, este compreendido como a ausência deperturbação, de dor e de sofrimento (MASCARO, 2010). A escolaepicurista, fundada sob as ideias de Epicuro (341-270 a.C.), pre-gava uma felicidade mais simples, longe dos bens materiais e ba-seada na ataraxia, isto é, na imperturbabilidade. Segundo essadoutrina, a imperturbabilidade, ou ataraxia, deve ser o escopo dohomem, e o prazer é a medida de sua aferição (ULLMANN, 2010).Assim, a felicidade depende, para Epicuro, de cada indivíduo, namedida da sua capacidade de se manter em estado de impertur-babilidade e de evitar as situações dolorosas.

Ainda no período grego pós-clássico, destaca-se o con-ceito de felicidade, criado pelo estoicismo, escola fundada porZenão de Citium (336-264 a.C.). Nas palavras de Ribeiro e Gon-zález (2005, p. 104), a felicidade, para os estoicos, “consiste emuma serenidade de ânimo, independentemente dos bens materiaise das adversidades da fortuna”. Dessa forma, a felicidade nadamais seria que um estado de ânimo.

A partir do século XVIII, com a filosofia do utilitarismo, adefinição de felicidade passa a ser constituída de novos elemen-tos. O utilitarismo, baseado no princípio da utilidade ou princípioda maior felicidade, reputa que as ações são consideradas corre-tas na medida em que são capazes de promover a felicidade e sãoconsideradas incorretas sempre que produzirem o contrário da fe-licidade (MILL, 2002).

Assim como nos demais entendimentos de felicidade,esta, para o utilitarismo, é marcada pela ausência da dor e do so-frimento. O utilitarismo considera que o meio para se alcançar oideal de felicidade é pela harmonização entre o interesse individuale o coletivo. Contudo, essa doutrina pondera que nem sempre épossível, para a maioria dos indivíduos, uma atuação carregadapela consciência global. Portanto, esse dever de maximizar a feli-cidade pelas ações voltadas ao interesse coletivo caberia preci-puamente àquelas pessoas investidas de poderes públicos e

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obrigadas a respeitar a utilidade pública.Esse é o entendimento que se pode extrair das palavras

de Mill (2002, p. 364-399):

[...] A grande maioria das boas ações visa não o benefício domundo, mas sim dos indivíduos, do qual o bem do mundo secompõe, e os pensamentos dos homens mais virtuosos não ne-cessitam, nessas ocasiões, ir além das pessoas particulares in-teressadas, mas sim ir até o ponto que é necessário paraassegurar que, ao beneficiá-las, não se estaria violando os direi-tos, isto é, as expectativas legítimas e autorizadas, de algumaoutra pessoa. A multiplicação da felicidade é, de acordo com aética do utilitarismo, o objetivo da virtude; as ocasiões em quequalquer pessoa (exceto uma em mil) tem o poder de fazer issoem uma escala ampliada [...] são apenas excepcionais; e só nes-sas ocasiões ela é chamada a considerar a utilidade pública; emqualquer outro caso, a utilidade privada, o interesse ou a felici-dade de algumas poucas pessoas é tudo que ela tem de observar[...]

Essa preocupação pela multiplicação da felicidade coletivaapareceu pela primeira vez em texto de cunho constitucional ,deforma expressa na Declaração de Independência dos Estados Uni-dos, de 04 de julho de 1776. Fundamentada nos ideais utilitaristas,a Declaração de Independência dispensa à felicidade o tratamentode direito subjetivo ao expor que esta é um direito inalienável detodos os homens, conforme se vê no fragmento a seguir:

Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas,que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criadorde certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, aliberdade e a procura da felicidade. Que a fim de asseguraresses direitos, governos são instituídos entre os homens, deri-vando seus justos poderes do consentimento dos governados;que, sempre que qualquer forma de governo se torne destrutivade tais fins, cabe ao povo o direito de alterá-la ou aboli-la e ins-tituir novo governo, baseando-o em tais princípios e organi-zando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça maisconveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade. (online,13/04/2012).

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Note-se que, seguindo a mesma orientação da doutrina uti-litarista, o texto da Declaração de Independência coloca como fina-lidade precípua dos governos a garantia dos direitos do homem,dentre eles o direito à felicidade coletiva. Nesse sentido, os governosdevem ser organizados de tal forma que sua atuação possa garantire assegurar o bem-estar, a satisfação e a felicidade da sociedade.

Deixando de lado as digressões filosóficas acerca do con-ceito de felicidade e transportando-se para o contexto atual, pode-se observar que a garantia do direito à felicidade é umapreocupação mundial. Conforme resolução da ONU adotada emreunião do dia 17 de julho de 2011, a felicidade é “uma meta fun-damental humana” e deve ser assegurada pelos governos pormeio de políticas públicas que promovam o desenvolvimento sus-tentável, a erradicação da pobreza, a felicidade e o bem-estar detodos os povos (online, 18/04/2012).

Em âmbito nacional, a busca da felicidade também é umobjetivo da ordem constitucional brasileira. Partindo-se da exegesedo texto constitucional, pode-se afirmar que o direito à felicidade éum direito fundamental implícito, decorrente e assegurado por outrosdireitos e princípios, dentre os quais se podem citar: princípio da dig-nidade humana (art. 1º, III), direito à vida, à liberdade, à igualdade,direito à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, dentre outros.

De todo o exposto, pode-se entender que no contextoatual o direito à felicidade não está fundado em um padrão de fe-licidade subjetivo, mas sim no direito a uma vida digna, na qualseja assegurada a liberdade, a segurança, a igualdade, o acessoà educação de qualidade, acesso à saúde, alimentação, moradia,dentre outros direitos essenciais a uma existência feliz.

Com o intento de maximizar a efetividade do direito à feli-cidade tramita atualmente no Senado Federal, uma proposta deEmenda Constitucional que objetiva incluir a busca da felicidadeno rol dos direitos sociais previstos no artigo 6º da CF/88. Ques-tiona-se qual será a verdadeira efetividade e o real alcance dessaproposta de emenda constitucional quando da sua promulgaçãoem face da alegação da cláusula da reserva do possível. Em ou-tras palavras, a eventual inclusão do direito à felicidade no rol dosdireitos sociais geraria um direito subjetivo para todos os cidadãosem face do Poder Público?

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JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À FELICIDADE À LUZ DACONSTITUIÇÃO DE 1988

Como já dito em linhas anteriores, atualmente tramita noSenado Federal proposta de emenda à Constituição Federal (PEC19/10), que tem como objeto a inclusão do direito à busca da feli-cidade por cada indivíduo e pela sociedade no rol dos direitos so-ciais previstos no artigo 6º da CF/88. O texto inicial da PEC, deautoria do Senador Cristovão Buarque, aponta como requisito aoalcance da felicidade coletiva, e, por via reflexa, à felicidade indi-vidual, a adequada observação dos direitos sociais, conforme frag-mento da PEC transcrito a seguir:

A busca individual pela felicidade pressupõe a observância dafelicidade coletiva. Há felicidade coletiva quando são adequa-damente observados os itens que tornam mais feliz a socie-dade, ou seja, justamente os direitos sociais – uma sociedademais feliz é uma sociedade mais bem desenvolvida, em quetodos tenham acesso aos básicos serviços públicos de saúde,educação, previdência social, cultura, lazer, dentre outros (on-line, 21/04/2012).

Assim, conforme propõe o texto da PEC, o direito à felici-dade seria um direito social assegurado pelo demais direitos so-ciais. Como se percebe, na medida em que o objeto do direito àbusca da felicidade é composto pelos demais direitos sociais,pode-se concluir que, independentemente da aprovação da pro-posta de Emenda à Constituição, o direito à felicidade já é um di-reito implícito no ordenamento jurídico brasileiro.

Naturalmente, na condição de direito social o direito à fe-licidade abriga um direito à prestação (CANOTILHO, 2003). Emoutras palavras, o direito à felicidade, como todos os direitos so-ciais, confere ao particular a legitimidade para obter do Estado osbens sociais para a satisfação das suas necessidades básicas.Desse modo, sempre que o particular não tenha meios suficientespara prover suas necessidades básicas, tais como saúde, educa-ção, segurança, alimentação, dentre outras, poderá exigir a pres-tação por parte do Estado (CANOTILHO, 2003).

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Os direitos sociais prestacionais exigem uma conduta po-sitiva do Estado, ou seja, esses direitos pressupõem a criação ea disponibilização da prestação que constitui seu objeto (SARLET,2006). Por exigir uma conduta positiva, a efetiva implementaçãode um direito social dependerá, necessariamente, da destinaçãode recursos públicos. Dessa forma, a eficácia desses direitos fica,de certa forma, vinculada à efetivação da prestação por parte doEstado na medida da reserva dos cofres públicos (VEÇOSO,2009). Daí poder-se afirmar que o direito à busca da felicidade,na condição de direito social e de acordo com o que propõe a PEC19/10, terá sua eficácia vinculada à execução de políticas públicasdirecionadas à efetivação dos outros direitos sociais.

Atinente à eficácia dos direitos sociais, traz-se à colaçãoo entendimento de Canotilho (2003, p. 481):

Os direitos sociais, pelo contrário, pressupõem grandes dispo-nibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapida-mente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível(Vorbehalt des Müglichen) para traduzir a ideia de que os direi-tos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro noscofres públicos.

Em razão dessa limitação de recursos, questiona-se qualo grau de judicialização do direito à busca da felicidade, bem comodos outros direitos sociais, na medida em que a efetivação destesé pressuposto à efetivação daquele.

Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 é classifi-cada como constituição dirigente, principalmente no que diz res-peito aos direitos sociais. Em outras palavras, A CF/88 éconstituída de normas/comandos que impõem ao Estado Brasileiroa realização de políticas públicas voltadas ao atendimento das ne-cessidades sociais da população. Conforme palavras de CunhaJúnior (2011, p. 762), tais normas fixam “diretivas, metas e man-damentos que devem ser cumpridos pelo Estado Social na efeti-vação dos direitos sociais”. Portanto, em função do caráterdirigente assumido pela CF/88 e em razão dos objetivos funda-mentais da República Federativa do Brasil, previstos no seu artigo3º, a atuação dos Poderes Públicos deve ter como escopo, pelo

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menos em tese, a satisfação das necessidades sociais de formaa garantir a felicidade e o bem estar coletivos, bem como a máximaefetividade dos direitos sociais.

Partindo da interpretação sistemática da Constituição de1988, verifica-se que os direitos sociais estão contidos no Título II,que diz respeito aos direitos e às garantias fundamentais. Dessemodo, portanto há que se concluir que os direitos sociais tambémsão direitos fundamentais.

No que diz respeito à eficácia dos direitos fundamentais,o parágrafo 1º do artigo 5º da CF/88 dispõe que as normas defini-doras de direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidadeimediata. Dessa forma, os direitos sociais, na qualidade de direitofundamental, possuem aplicabilidade imediata por expressa de-terminação constitucional. Assim, nas palavras de Sarlet (2006, p.294) os direitos sociais fundamentais, “por menor que seja a suadensidade normativa ao nível da Constituição, sempre estarãoaptos a gerar um mínimo de efeitos jurídicos”.

O direito à busca da felicidade, na qualidade de um direitosocial assegurado pelos demais direitos sociais, envolve uma pres-tação do Estado para ser efetivado. Nessa medida, sua efetivaçãodependerá de decisões políticas do Legislativo e do Executivo, pormeio de dotações orçamentárias e da execução de políticas pú-blicas (VEÇOSO, 2009, p 79-98).

Ocorre que, por vezes, as decisões tomadas pelo Legis-lativo e pelo Executivo não conseguem satisfazer com eficiênciaas necessidades coletivas, transformando, desse modo, os direitossociais em “mera retórica política” (MARMELSTEIN, 2008, p. 309).Questiona-se, nesse caso, se determinada pessoa poderia recor-rer ao Judiciário com o objetivo de ver satisfeita suas necessidadessociais básicas, essenciais ao alcance da sua felicidade. Em ou-tras palavras, seria legítima a atuação do Judiciário ao decidiracerca da prioridade na execução de políticas públicas necessá-rias ao alcance do bem-estar e da felicidade coletiva?

Acerca desse tema, parte da doutrina tem entendido, tra-dicionalmente, que a atuação do Poder Judiciário na efetivação dosdireitos sociais poderia representar uma ofensa ao princípio da se-paração dos poderes, bem como ao princípio da liberdade de con-formação do legislador (CUNHA JÚNIOR, 2011). Contrariamente à

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doutrina que defende uma postura ativa do Judiciário, em funçãodo princípio constitucional da máxima efetividade dos direitos fun-damentais (MARMELSTEIN, 2008), o entendimento anteriormenteapontado defende que, por depender de dotação orçamentária ede decisões políticas, a efetivação dos direitos sociais não poderiaser feita pelo Poder Judiciário, sob pena de restar configurado ver-dadeira usurpação das competências legislativas.

Hodiernamente, percebem-se algumas vozes no âmbitodoutrinário e jurisprudencial do direito brasileiro que defendem apossibilidade de atuação do Poder Judiciário para a garantia deum padrão mínimo das condições necessárias ao bem estar cole-tivo, sempre que estas forem negligenciadas na atuação do PoderLegislativo e Judiciário. Nesse sentido traz-se à colação o enten-dimento de Cunha Júnior (2011, p. 764):

Queremos expressar, com isso, que a dita liberdade de confor-mação do legislador encontra nítidos limites e está vinculada àobservância do padrão mínimo para assegurar as condições ma-teriais indispensáveis a uma existência digna. Isso significa, evi-dentemente, que, não atendido esse padrão mínimo, seja pelaomissão total ou parcial do legislador, o Poder Judiciário está le-gitimado a interferir [...]. Assim, as decisões sobre prioridades naaplicação e distribuição de recursos públicos deixam de serquestões de discricionariedade política, para serem uma questãode observância de direitos fundamentais, de modo que a com-petência para tomá-las passaria do Legislativo para o Judiciário.

Nesse mesmo sentido, Marmelstein (2008, p. 316) de-fende a aplicação do princípio da subsidiariedade à atuação doPoder Judiciário. Melhor dizendo, o Judiciário poderá intervir sem-pre que os demais poderes se mostrarem omissos na proteção epromoção dos direitos sociais:

Em outras palavras: apenas quando os demais órgãos públicos falha-rem em sua missão ou simplesmente forem inertes na adoção de me-didas necessárias à proteção e promoção dos direitos fundamentais,será justificável (legítima) uma intervenção do Judiciário, desde que sejapossível demonstrar o desacerto do agir ou do não-agir desses outrospoderes. Eis o conteúdo do princípio da subsidiariedade aqui defendido.

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Logo, pode-se dizer que a intervenção do Poder Judi-ciário na efetivação dos direitos necessários e indispensáveis à fe-licidade e ao bem-estar coletivo será legítima sempre que essaefetivação não for assegurada pela atuação dos Poderes Legisla-tivo e Executivo. Dessa forma, não há que se falar em ofensa aoprincípio da separação dos poderes. Destaque-se que esse en-tendimento foi defendido em decisão monocrática pelo MinistroCelso de Mello, na ADPF nº45.

Em suma, à luz do que dispõe a Constituição de 1988 econsiderando o conflito entre os princípios da máxima efetividadedos direitos fundamentais, da separação dos poderes, da liberdadede conformação do legislador e o princípio da subsidiariedade, en-tende-se que o direito à busca da felicidade, que nada mais é doque o conjunto de todas as liberdades positivas e negativas, podeser exigido judicialmente desde que haja omissão dos Poderes Le-gislativo e Judiciário na execução das políticas públicas necessá-rias à proteção e à promoção desses direitos.

IMPLICAÇÕES DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL ÀEXECUÇÃO DO DIREITO À FELICIDADE

A cláusula da reserva do possível é uma criação da dou-trina germânica e da jurisprudência do Tribunal Constitucional Ale-mão importada para o direito brasileiro (ALMEIDA, 2007). Oconteúdo dessa cláusula determina que a “construção de direitossubjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estadodepende da disponibilidade dos respectivos recursos” (ALMEIDA,2007, p. 59). Melhor dizendo, a reserva do possível traduz a “ideiade que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir di-nheiro nos cofres públicos” (CANOTILHO, 2003, p. 481).

Como é cediço, a efetivação dos direitos sociais, por setratarem de direitos prestacionais, depende da existência de re-cursos públicos suficientes para o financiamento das políticas pú-blicas. De acordo com a reserva do possível, a eficácia dos direitossociais, essenciais à busca da felicidade, dentre os quais se

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podem citar educação, saúde, alimentação, moradia, segurança,ficaria limitada e praticamente esvaziada em razão do argumentoda escassez de recursos públicos. Nesse sentido, em razão da es-cassez dos recursos públicos, os direitos prestacionais só podemse exigidos judicialmente dentro do limite do orçamento público eda previsão orçamentária, já que além desse limite não haveriaque se falar em direito subjetivo, além de o juiz estar interferindonos critérios de conveniência e oportunidade do Administrador Pú-blico (MARMELSTEIN, 2008).

Grande parte da doutrina brasileira ainda entende que areserva do possível obsta a competência do Poder Judiciário paradecidir acerca da efetivação dos meios (direitos sociais) necessá-rios à felicidade coletiva.

Em sentido contrário a esse entendimento, Cunha Júnior(2011, p. 761-763) defende a impossibilidade de aplicação da re-serva do possível à realidade brasileira, conforme se lê no frag-mento a seguir:

A propósito, é completamente sem sentido aplicar, descuidada-mente e sem critérios, ao Brasil, um país em desenvolvimento ouperiférico, teorias jurídicas hauridas de países desenvolvidos oucentrais. [...] A chamada reserva do possível foi desenvolvida naAlemanha, num contexto jurídico e social totalmente distinto darealidade histórico-concreta brasileira. [...] Num Estado em que opovo carece de um padrão mínimo de prestações sociais parasobreviver, onde pululam cada vez mais cidadãos socialmenteexcluídos e onde quase meio milhão de crianças são expostasao trabalho escravo, enquanto seus pais sequer encontram tra-balho e permanecem escravos de um sistema que não lhes ga-rante a mínima dignidade, os direitos sociais não podem ficarreféns de condicionamentos do tipo reserva do possível. Não setrata de desconsiderar que o direito não tem a capacidade degerar recursos materiais para sua efetivação. [...] Cuida-se, aqui,de se permitir ao Poder Judiciário, na atividade de controle dasomissões do poder público, determinar uma redistribuição dos re-cursos públicos existentes, retirando-os de outras áreas [...].

Considerando o princípio da máxima efetividade dos di-reitos fundamentais, bem como o princípio da força normativa da

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Constituição, deve-se entender que na resolução dos problemasjurídico-constitucionais deve ser dada prevalência às soluções quecontribuírem para uma eficácia ótima da lei fundamental (CANO-TILHO, 2003). Portanto, não deve ser aplicada a cláusula da re-serva do possível aos direitos sociais, já que ela acarreta adiminuição da eficácia desses direitos. Além do mais, destaque-se, ainda, que a cláusula da reserva do possível não é compatívelcom os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil,previstos no artigo 3º da Constituição de 1988, dentre os quais secitam: garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da po-breza e promoção do bem de todos.

Assim, não é admissível que a eficácia dos direitos es-senciais à busca da felicidade individual e coletiva fique depen-dente da dotação orçamentária, sob pena de configurar umverdadeiro esvaziamento do seu conteúdo.

CONCLUSÃO

A felicidade, aqui entendida como uma vida digna na qualtodas as necessidades sociais são supridas pelo Poder Público, édever do Estado. Cabe ao Poder Público a proteção e a promoçãodos direitos sociais, com fito no bem-estar coletivo. No entanto,ainda tem muita força, no direito brasileiro, o entendimento de quea proteção e a promoção dos direitos sociais somente são possí-veis na medida da existência de dotação orçamentária (cláusulada reserva do possível).

A proposta de Emenda à Constituição (PEC 19/10), queatualmente tramita no Senado Federal e tem por objetivo direcio-nar os direitos sociais à realização da atividade individual e cole-tiva, já representa uma mudança, ainda que pequena, para aatribuição da máxima efetividade aos direitos sociais, indispensá-veis para alcançar-se a felicidade. Entende-se, contudo, que o di-reito à busca da felicidade, assim como os demais direitos sociais,terá seu conteúdo mitigado enquanto não houver completa mu-dança do atual entendimento e o compromisso do Poder Público

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para a criação e a execução de políticas públicas.Destaque-se que, atualmente, se encontra em ascensão

o entendimento que legitima a intervenção do Poder Judiciário naefetivação dos direitos sociais sempre que houver negligência dosPoderes Executivo e Legislativo.

Por fim, há que se concluir que, em função dos princípiostutelados pela Constituição Federal de 1988, a cláusula da reservado possível não pode representar um obstáculo à efetivação, bemcomo à judicialização dos direitos sociais essenciais à busca dafelicidade, já que, naturalmente, isso representa uma mitigação daeficácia dos direitos sociais.

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Paola Casabianco *

Criminalidad organizada y la amenaza de los narCosubmarinos

A CRIMINALIDADE ORGANIZADA E A AMEAÇA DO NARCOTRÁFICO

ThE ORGANIZED CRIME AND ThE ThREAT OF DRUG TRAFFICkING

Resumo:

A Lei 1311 de 2009 introduziu, no Capítulo II do Título XIII da Parte

Especial do código penal colombiano, dois delitos novos: o uso, a

construção, a comercialização e/ou posse de entorpecentes e as

modalidades agravadas. Isso se deveu à necessidade de fortalecer

a luta contra a delinquência organizada transacional que ocorria,

beneficiando, com esses aparelhos, os meios efetivos para o tráfico

de entorpecientes. Este artigo pretende analisar o quão anti-técnica

foi a redação desses delitos e, para isso, em primeiro lugar se deve

explicar o que são entorpecentes, porque esses aparelhos acaba-

ram sendo o objeto de delitos no código penal colombiano e as ca-

racterísticas de cada tipo penal.

Abstract:

Law 1311 of 2009 introduced in Chapter II of Title XIII of the Spe-

cial Part of the Colombian Penal Code, two new crimes: the use,

manufacturing, dealing and / or possession of narcotics and the

aggravated modalities. This was due to the needy of strengthe-

ning the fight against the transactional organized crime that used

to take place, benefiting, in this way, effective means for traffic-

king. This article aims at analyzing how anti-technique was the

drafting of these offenses and, therefore, first it should explain

* Doutora em Direito pela Universidade de Salamanca. Especialista em Direito Penale Criminologia da Universidade Externado de Colômbia e graduada pelo Programade Doutorado Aspectos Econômicos e Jurídicos pela Universidade de Salamanca. Professora e pesquisadora da Área Penal da Universidade Colegio Mayor NuestraSeñora del Rosario. Funcionária da UNODC.

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what drugs are, because those devices ended up being the ob-

ject of offenses in Colombian penal code and the characteristics

of each criminal type.

Resumen:

La Ley 1311 de 2009 introdujo, en el Capítulo II del Título XIII de

la Parte Especial del código penal colombiano, dos delitos nue-

vos: El Uso, Construcción, Comercialización y/o Tenencia de

Semi-sumergibles o Sumergibles y las modalidades agravadas.

Esto se debió a la necesidad de fortalecer la lucha contra la de-

lincuencia organizada transnacional que se había venido, bene-

ficiando con estos aparatos como medios efectivos para el

tráfico de estupefacientes. Este artículo pretende analizar qué

tan anti-técnica fue la redacción de estos delitos, para lo que en

primer lugar se debe explicar qué son los sumergibles o semi-

sumergibles, por qué estos aparatos resultaron siendo el objeto

de delitos en el código penal colombiano y las características de

cada tipo penal.

Palavras-chaves:

Entorpecentes, delito, Código Penal colombiano.

Keywords:

Drugs, crime, colombian Penal Code.

Palabras clave:

Submergibles, delito, Código Penal colombiano.

inTroduCCiÓn

La Ley 1311 de 2009 introdujo, en el Capítulo II del TítuloXIII de la Parte Especial del código penal colombiano, dos delitosnuevos: El Uso, Construcción, Comercialización y/o Tenencia deSemi-sumergibles o Sumergibles y las modalidades agravadas.

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Esto se debió a la necesidad de fortalecer la lucha contra la delin-cuencia organizada transnacional que se había venido, benefi-ciando con estos aparatos como medios efectivos para el tráfico deestupefacientes.

Aunque el código penal colombiano rotula los delitos connúmeros consecutivos, por haberse incluido estos delitos en un có-digo ya existente, quedaron denominados de manera inusual connúmeros y con letras.

Su texto es el siguiente:

artículo 377-a: el que sin permiso de la autoridad compe-tente financie, construya, almacene, comercialice, transporte,adquiera o utilice semisumergible o sumergible, incurrirá enprisión de seis (6) a doce (12) años y multa de mil (1.000) acincuenta mil (50.000) salarios mínimos legales mensualesvigentes.ParÁgraFo. Para la aplicación de la presente ley, se enten-derá por semi-sumergible o sumergible, la nave susceptiblede moverse en el agua con o sin propulsión propia, inclusivelas plataformas, cuyas características permiten la inmersióntotal o parcial. se exceptúan los elementos y herramientasdestinados a la pesca artesanal.artículo 377-b: si la nave semi-sumergible o sumergible es uti-lizada para almacenar, transportar o vender, sustancia estupe-faciente, insumos necesarios para su fabricación o es usadocomo medio para la comisión de actos delictivos la pena seráde quince (15) a treinta (30) años y multa de setenta mil (70.000)salarios mínimos legales mensuales vigentes. la pena se aumentará de una tercera parte a la mitad cuandola conducta sea realizada por un servidor Público o quien hayasido miembro de la Fuerza Pública.

Como sucede con este tipo de normas que se incluyen pos-teriormente en una ley y por necesidades concretas, la técnica le-gislativa utilizada en los nuevos delitos puede chocar con la quefue utilizada en la norma original. En este caso en particular se hangenerado dos críticas: la primera respecto de la inclusión del tipopenal únicamente dentro de los delitos contra la Salubridad Públicay la aparente confusión entre una de las formas agravadas y losdelitos de Tráfico de Estupefacientes y de Sustancias Aptas parala Elaboración de Estupefacientes.

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1 Imagen proporcionada por la Armada Nacional de Colombia en el Seminariode Interdicción Marítima realizado por UNODC en la ciudad de Cartagena deIndias, agosto de 2009.

Este artículo pretende analizar qué tan anti-técnica fue laredacción de estos delitos, para lo que en primer lugar se debe ex-plicar qué son los sumergibles o semi-sumergibles, por qué estosaparatos resultaron siendo el objeto de delitos en el código penalcolombiano y las características de cada tipo penal.

¿QuÉ son los sumergibles o semi-sumergibles?

El parágrafo del artículo 377-A del Código Penal señala quese entenderá por semi-sumergible o sumergible la nave susceptiblede moverse en el agua con o sin propulsión propia, inclusive en lasplataformas, cuyas características le permiten la inmersión total oparcial.

Se trata de una embarcación de fabricación artesanal, nodestinada a la pesca, que en su interior puede albergar una grancarga de materiales, que se construye y navega evadiendo los con-troles marítimos y es apta para sumergirse total o parcialmente, porlo que es difícil de visualizar desde la superficie.

Cuando tiene propulsión propia, la máquina está dotada desofisticados equipos de navegación y comunicación. En cambio, elsumergible que no tiene propulsión propia se adhiere a la quilla delas embarcaciones.

Teniendo en cuenta el dicho popular según el cual “una ima-gen vale más que mil palabras”, esta es una imagen de un semi-sumergible1.

De la fotografía que ha suministrado la Armada Nacional,puede deducirse que a pesar de tratarse de un aparato artesanal,su construcción no es simple ni barata, por el contrario, los costosaproximados de construcción se estiman en US$ 2.000.000.00, ypueden atravesar Centro América.

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2 Datos proporcionados por la Armada Nacional de Colombia en el Seminariode Interdicción Marítima realizado por UNODC en la ciudad de Cartagena deIndias, agosto de 2009.3 Imagen proporcionada por la Armada Nacional de Colombia en el Seminariode Interdicción Marítima realizado por UNODC en la ciudad de Cartagena deIndias, agosto de 2009.

¿QuÉ moTiVÓ a la TiPiFiCaCiÓn de su uso, ConsTruC-CiÓn, ComerCializaCiÓn y/o TenenCia?

El hallazgo de estos aparatos, bien en tierra o en mar, sinencontrarse en su interior alguna sustancia estupefaciente o el pro-ducto de otro delito (armas, contrabando, personas traficadas),constituía un hecho atípico y a penas se podía manejar como unhecho indicador de una conducta delictiva.

Esta circunstancia, de acuerdo a los resultados operacio-nales de la Armada Nacional Colombiana, produjo un aumento dela utilización de estos artefactos para el tráfico de estupefacientes,ya que según los reportes su uso comenzó a detectarse desde1993 en el Mar Caribe, pero su mayor utilización se presentó en elOcéano Pacífico en 2008, cuando la Armada Nacional incautó 14semi-sumergibles, en contraste con las incautaciones del Mar Ca-ribe, que fueron de 2 máquinas en 19952. Esta es una gráfica desu evolución3:

En adición a lo anterior y teniéndose en cuenta que las or-ganizaciones criminales actúan con la eficiencia y profesionalismopropio de destacadas empresas lícitas (FABIAN CAPARROS,1998, p. 37), y que en las empresas se ha reconocido que el capitalhumano especializado tiene un valor primordial sobre el producto,las organizaciones criminales prefieren mantener este capital hu-mano sobre la mercancía que transportan, cuya pérdida es másfácil de recuperar.

Es por esta razón que, de acuerdo a su diseño, los semi-sumergibles y sumergibles, pueden ser hundidos o su mercancíaarrojada al fondo del mar al momento en que intervienen las auto-ridades, mediante operación de interdicción marítima. Sin mercan-cía ilícita de por medio, la operación de la Armada dejaba de seruna interdicción marítima y se convertía en operación rescate de

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4 Según datos aportados por la Armada Nacional de Colombia en el Seminariode Interdicción Marítima realizado por UNODC en la ciudad de Cartagena deIndias, agosto de 2009, en una operación de Interdicción Marítima, la ArmadaNacional utilizan en promedio de una aeronave pequeña, un helicóptero, saté-lites y en agua 3 o más embarcaciones.

los tripulantes, quienes eran atendidos (y ya no capturados) porlas autoridades colombianas y dejados en la costa, sin sometersea la ley penal. Con ello, el capital humano de la empresa criminal,es decir los navegantes capaces de la difícil tarea de surcar el marCaribe o el Océano Pacifico en tales aparatos, quedaban libres depoder iniciar un nuevo viaje, mientras que el Estado había desar-rollado un costo operativo4 sin cumplir con sus deberes constitu-cionales y legales en contra un crimen que tanto ha venidoafectando a la Nación Colombiana.

Ante esta situación,la Ley 1311 de 2009 introdujo estos de-litos en el Código Penal.

anÁlisis de los TiPos Penales simPle y agraVado

Como indiqué en la introducción, la incursión de los tipospenales en el Capítulo XIII del Código Penal “De los Delitos Contrala Salud Pública”, y capítulo II que se refiere al Tráfico de Estupe-facientes y Otras Sustancias y de la forma de redactar una de lasdos del modalidades del tipo agravado, han suscitado controver-sias dogmáticas y de técnica legislativa.

En primer lugar, debo aclarar que los nombres de los títulosen que se divide la parte especial del Código Penal Colombiano hacenreferencia al bien jurídico que se pretende tutelar, y por tanto parecieraque la penalización del uso, construcción, comercialización y/o tenen-cia de sumergibles o semi-sumergibles cuidara únicamente la saludpública, cuando estos aparatos pueden usarse para transportar otrotipo de mercancías ilícitas o para eventos en que la mercancía eslícita, pero su transporte es ilegal (bienes patrimonio de la Naciónestado que no pueden salir del País sin permisos especiales).

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Por lo tanto, las conductas de uso, construcción, comer-cialización y/o tenencia de semi-sumergibles o sumergibles, handebido incluirse en el Título XII del Código Penal, que tutela la Se-guridad Pública, que es un bien jurídico más amplío y que en ciertaforma incluye la Salubridad Pública.

En general, la Seguridad Pública es el bien jurídico que sevulnera con este tipo de conductas como la del artículo 377-A, lla-madas por la doctrina tipos de peligro abstracto, donde para san-cionar un comportamiento no se requiere prueba del uso próximodel aparato como medio de transporte, venta o almacenamientode una mercancía relacionada con un delito. Tal como lo señalókindhäuser, los delitos de peligro abstracto no están para protegerbienes jurídicos, sino para garantizar "seguridad", que significa asu vez, un "estado jurídicamente garantizado que está previamentecuidado de modo suficiente" (ROXIN, 1999, p. 409).

Por lo anterior, la inclusión del delito del artículo 377-A elTítulo XII, en lugar del Título XIII, el hubiera sido más acorde a laclasificación original que se llevó a cabo al elaborar la Ley 599 de2000 (Código Penal). Sin embargo, la realidad demuestra queestos aparatos han sido detectados en el transporte de sustanciasestupefacientes, por lo que podría decirse que se trata de un delitopluri-ofensivo.

De otra parte el artículo 377-A, es un tipo penal impropioque puede ser realizado por cualquier persona y por su técnica le-gislativa se consuma a través de variedad de verbos rectores paraevitar eventos de tentativa.

El artículo 377-B presenta dos tipos penales agravados: elprimero de ellos se da cuando la nave semi-sumergible o sumer-gible es utilizada para almacenar, transportar o vender: sustanciaestupefaciente, insumos necesarios para su fabricación o cuandoes usado como medio para la comisión de actos delictivos y la se-gunda modalidad de agravación, corresponde al tipo penal propioo de sujeto activo calificado, ya que se refiere a los eventos en quela conducta se realice por un Servidor Público o quien haya sidomiembro de la Fuerza Pública.

Es la primera modalidad de agravación, la que ante unamala lectura, podría presentar problemas de concurso aparentede tipos penales, bien sea con el delito de Tráfico de Estupefacientes

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5 CÓDIGO PENAL COLOMBIANO. LEY 599 DE 2000. ARTÍCULO 376. TRÁ-FICO, FABRICACIÓN O PORTE DE ESTUPEFACIENTES. <Artículo modifi-cado por el artículo 11 de la Ley 1453 de 2011. El nuevo texto es el siguiente:>El que sin permiso de autoridad competente, introduzca al país, así sea en trán-sito o saque de él, transporte, lleve consigo, almacene, conserve, elabore,venda, ofrezca, adquiera, financie o suministre a cualquier título sustancia es-tupefaciente, sicotrópica o drogas sintéticas que se encuentren contempladasen los cuadros uno, dos, tres y cuatro del Convenio de las Naciones Unidassobre Sustancias Sicotrópicas, incurrirá en prisión de ciento veintiocho (128) atrescientos sesenta (360) meses y multa de mil trescientos treinta y cuatro(1.334) a cincuenta mil (50.000) salarios mínimos legales mensuales vigentes.Si la cantidad de droga no excede de mil (1.000) gramos de marihuana, dos-cientos (200) gramos de hachís, cien (100) gramos de cocaína o de sustanciaestupefaciente a base de cocaína o veinte (20) gramos de derivados de la ama-pola, doscientos (200) gramos de droga sintética, sesenta (60) gramos de ni-trato de amilo, sesenta (60) gramos de ketamina y GhB, la pena será desesenta y cuatro (64) a ciento ocho (108) meses de prisión y multa de dos (2)a ciento cincuenta (150) salarios mínimos legales mensuales vigentes. Si lacantidad de droga excede los límites máximos previstos en el inciso anterior sinpasar de diez mil (10.000) gramos de marihuana, tres mil (3.000) gramos dehachís, dos mil (2.000) gramos de cocaína o de sustancia estupefaciente a basede cocaína o sesenta (60) gramos de derivados de la amapola, cuatro mil(4.000) gramos de droga sintética, quinientos (500) gramos de nitrato de amilo,quinientos (500) gramos de ketamina y GhB, la pena será de noventa y seis(96) a ciento cuarenta y cuatro (144) meses de prisión y multa de ciento veinte ycuatro (124) a mil quinientos (1.500) salarios mínimos legales mensuales vigentes.6 CÓDIGO PENAL COLOMBIANO. LEY 599 DE 2000.ARTÍCULO 382. TRÁ-FICO DE SUSTANCIAS PARA EL PROCESAMIENTO DE NARCÓTICOS. <Ar-tículo modificado por el artículo 12 de la Ley 1453 de 2011. El nuevo texto es elsiguiente:> El que ilegalmente introduzca al país, así sea en tránsito, o saquede él, transporte, tenga en su poder, desvíe del uso legal a través de empresaso establecimientos de comercio, elementos o sustancias que sirvan para el pro-cesamiento de cocaína, heroína, drogas de origen sintético y demás narcóticosque produzcan dependencia, tales como éter etílico, acetona, amoniaco, per-manganato de potasio, carbonato liviano, ácido sulfúrico, ácido clorhídrico, di-luyentes, disolventes, sustancias contempladas en los cuadros uno y dos de laConvención de Naciones Unidas contra los Estupefacientes y Sustancias Psi-cotrópicas y las que según concepto previo del Consejo Nacional de Estupefa-cientes se utilicen con el mismo fin, así como medicamentos de uso veterinario,incurrirá en prisión de 96 a 180 meses y multa de 3.000 a 50.000 salarios mí-nimos legales mensuales vigentes.

del artículo 3765 y que se agrava en el artículo 384 del CódigoPenal o con el de Tráfico de Sustancias para el Procesamiento deNarcóticos6.

Se ha llamado “Concurso Aparente de Tipos Penales”, aun enveto en el cual no hay concurso, aunque parece como si elautor hubiera infringido varias veces una o varias disposiciones

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penales, pero en realidad sólo ha de aplicarse una sola norma, laúnica norma infringida. Cuando se está ante un concurso aparente,se tiene unidad de acción, pluralidad de tipos penales, y sujeto ac-tivo unitario (VELAZQUEZ FERNANDO, 2004, p. 485) y al haberunidad de acción también habrá unidad de objeto.

En efecto: el hecho que estos tipos penales sancionen eltransporte o el almacenamiento de sustancias estupefacientes ode sustancias aptas para la elaboración de los mismos, y el queéstas conductas tutelen el mismo bien jurídico, podrían hacer llegara la conclusión que se trata de dos formas de sancionar la mismaacción de transportar drogas o sustancias aptas para su elabora-ción, por lo que deberá aplicarse sólo un delito y deberá escogerseel tipo penal adecuado, sin olvidar el principio de favorabilidad. Yla norma penal más favorable según la punibilidad, sería el del ar-tículo 377-B; sin embargo esta interpretación es errada, ya que elobjeto de la conducta de artículo 377-B no son los estupefacientes,ni las sustancias aptas para su procesamiento, que son losobjetos de las delitos contemplados en los artículos 376 y 382 delCódigo Penal respectivamente, ni ninguna de las conductasdelictivas a las que hace referencia, sino el artefacto sumergible osemi-sumergible en si mismo.

Por lo anterior, al almacenarse, venderse o transportarsesustancias estupefacientes o aptas para su elaboración a travésde estos elementos, se está desarrollando con una misma con-ducta, dos tipos penales diferentes, el que se refiere al semi su-mergible y el que se refiere a la droga o a la sustancia apta parasu fabricación o, a otro delito, lo que se conoce en la doctrina comoconcurso ideal heterogéneo de conductas penales.

Finalmente, como en todo asunto penal, la carga de laprueba le corresponde al Estado y en este caso, el delito planteauna excepción muy clara, que se refiere a los eventos en los cualesse esté en presencia una máquina de pesca artesanal con capa-cidad de sumersión. De tal manera que para castigar las conductaspunibles de los artículos 377- A o 377-B, el Estado siempre tieneque probar que no se está en presencia de dicha situaciónexcepcional.

Este asunto no presenta problema alguno respecto del ar-tículo 377-B porque allí ya hay una prueba que no hubo pesca sino

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uso ilícito de la nave; en contraste, para la demostrar la responsa-bilidad penal respecto del artículo 377-A, el Estado tiene que acudira todos los medios de prueba lícitos a su alcance, incluso a la ela-boración de la inferencia lógica propia del indicio, al cotejar las re-glas que rigen el comercio, contra el costo del aparato incautadoo determinado en operación de interdicción marítima y la mínimaganancia que se obtiene de la pesca artesanal, para concluir que,tal sumergible no se encuentra dentro de las excepciones legales.

ConClusiones

Respecto a las falencias técnicas en la redacción de lasconductas delictivas analizadas, si bien es cierto que estos artícu-los tutelan la Seguridad Pública en general, se refieren a conductasque atentan contra la Salud Pública, son pluriofensivos, de tal maneraque su inclusión en este título del Código Penal, no es incorrecta.

Con relación a la posibilidad de que haya surgido concursoaparente de la conducta que describe el inciso primero del Artículo377B del Código Penal, y otras castigadas con pena mayor, comoel trafico de estupefacientes o de sustancias aptas su elaboración,no es cierto, sino que cuando una sustancia estupefaciente setransporta mediante un semi sumergible, hay un concurso idealheterogéneo entre las dos conductas punibles.

En contraste, la incursión de estos delitos en la legislaciónpenal colombiana ha sido un avance contra la delincuencia orga-nizada y debe propagarse en la Región ya que la globalización yla abundancia de recursos financieros de la delincuencia organi-zada trasnacional, en especial la dedicada al narcotráfico, les per-mite desplazar sus operaciones a países donde la legislación lessea más favorable.

Entonces la construcción, el uso, la tenencia o la comer-cialización de estos aparatos, que permiten con gran posibilidadde éxito, transportes ilícitos entre de manera transnacional, se in-crementará en Países de transito, donde los sumergibles o semi-sumergibles continúen siendo simplemente objetos curiosos y con

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ello, no sólo habrá más naves de esta naturaleza, sino que tambiénse asentarán en ese lugar, otras labores propias de las organiza-ciones criminales: violencia, miedo, corrupción y en general, quefrenan el desarrollo de un Estado o región.

reFerenCias

FABIAN CAPARROS, Eduardo A. El Delito de Blanqueo de Capi-

tales. Madrid: Editorial Colex, 1998.

http://www.elcolombiano.com/BancoConocimiento/L/los_narcos_hicieron_su_propio_submarino/los_narcos_hicieron_su_propio_submarino.asp

Material de Presentaciones de la Armada Nacional de Colombiaen el Seminario de Interdicción Marítima realizado por UNODC enla ciudad de Cartagena de Indias, agosto de 2009.

ROXIN, Claus. Derecho Penal - Parte General, Fundamentos, laEstructura del Delito. 2. ed. Madrid: Ed civitas, 1999.

VELAZQUEZ FERNANDO. Manual de Derecho Penal, Parte Ge-neral. 2. ed. Bogotá: Editorial Temis, 2004.

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