76
1 CMF Colégio Militar de Fortaleza EDUCARE Revista Cientíca do Colégio Militar de Fortaleza ISSN: 1984-3283 Publicação Semestral Ano 6 – Nº. 10 – Nov. 2014

Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

  • Upload
    buitram

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

1

CMFColégio Militar de Fortaleza

EDUCARERevista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

ISSN: 1984-3283

Publicação SemestralAno 6 – Nº. 10 – Nov. 2014

Page 2: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

2

DIRETOR DE ENSINO Cel José Galaôr Ribeiro Jr.

CHEFE DA DECCel Paulo de Tarso Passos da Costa

CONSELHO EDITORIAL Cap QCO / Prof. Dr. João Carlos Rodrigues da Silva

(Editor-chefe)Cap QCO / Prof. Dr. Janote Pires Marques

Cap QCO / Prof. Ms. Júlio Cesar Vieira LopesProfª. Ms. Regina Cláudia Oliveira da Silva

Profª. Dra. Renata Rovaris Diório

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA / PERMUTAColégio Militar de Fortaleza – Revista Educare

Divisão de Ensino e Cultura (DEC) -Seção de Expediente

Av. Santos Dumont, 485 – AldeotaFortaleza – CE – CEP: 60150-160

Correio eletrônico: [email protected]

Página eletrônica:www.cmf.ensino.eb.br

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia ou escrita.Todas as informações dos artigos são de responsabilidade dos respectivos autores.

Educare: Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza, Fortaleza, CE, Ano 6, n.10, 76 p., nov 2014.Publicação SemestralISSN: 1984-32831. Educação. 2. Ensino. 3. História. 4. Linguística. 5. Literatura I. Colégio Militar de Fortaleza. II. Título.

CONSELHO CONSULTIVO

Prof. Dr. Alcides Fernando Gussi – UFCProfa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro – CEFET-MGProfa. Dra. Antônia Dilamar Araújo – UECEProf. Dr. Antônio Germano Magalhães Jr. - UECEProfa. Dra. Fernanda Nunes G. Vieira – CMFProfa. Dra. Filomena Maria Cordeiro Moita – UEPBProf. Dr. Francisco Ari de Andrade – UFCProf. Dr. José Arimatea Barros Bezerra – UFCProf. Dr. Júlio César Rocha Araújo – UFCProf. Dr. Luís Botelho Albuquerque – UFCProfa. Dra. Lynn Rosalina Gama Alves – UNEBProf. Dr. Marcelo El Khouri Buzato – UNICAMPProfa. Dra. Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu – UERJProfa. Dra. Meize Regina Lucena de Lucas – UFCProf. Dr. Messias Holanda Dieb – UFCProf. Dr. Nilton Mullet Pereira – UFRGSProf. Dr. Samuel Edmundo Lopez Bello – UFRGSProfa. Dra. Silvia Elisabeth de Moraes – UFCProfa. Dra. Vera Lucia Menezes de Oliveira e Paiva – UFMGProf. Dr. William James Mello – INDIANA UNIVERSITY – USA Profa. Dra. Zilda Maria Menezes Lima – UECE

COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA – CMF(Es M do Ceará / 1889)

CASA DE EUDORO CORRÊA

Page 3: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

3

Editorial

A Educare, revista científi ca do Colégio Militar de Fortaleza, instituição do Sistema Colégio Militar do Brasil do Exército Brasileiro, teve sua primeira pu-blicacão em maio de 2009, por ocasião da comemoração dos 90 anos da “Casa de Eudoro Corrêa”, antigo “Casarão do Outeiro”. A Educare tem periodicidade semestral, com publicações em março e setembro.

A proposta da Revista Educare é incentivar os professores e demais com-ponentes da “Casa de Eudoro Corrêa” a serem, também, pesquisadores. Nesse sentido, a Revista Educare não se limita a um tema específi co e nem se restringe a determinado campo do conhecimento. Propõe-se, portanto, uma abordagem multidisciplinar e mesmo interdisciplinar, considerando as mais diversas áreas, como História, História da Educação Militar, Educação Física, Matemática, Geo-grafi a, Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Química, Física, Artes, Formação de Professores e tantos outros assuntos relativos à seara da Educação.

Visando contribuir para a divulgação de pesquisas ligadas à Educação e bus-cando um diálogo com outras instituições de ensino, a Educare aceita trabalhos de autores vinculados a outros estabelecimentos de Ensino Básico e Superior,desde que esses trabalhos de alguma forma contemplem conteúdos relacionados à área Educacional.

C o n s e l h o E d i t o r i a l

Page 4: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

4

Sumário

APRESENTAÇÃORita Vieira de Figueiredo, Ph.D. _______________________________________________________ 05

1. ESCOPO ANALÍTICO SOBRE OS FUNDAMENTOS DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO SÓCIO-CULTURAL-EDUCACIONAL Zita Ana Lago Rodrigues ____________________________________________________________ 07

2. OS CENTROS DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADOS (AEE) E A RECONFIGURAÇÃO DAS IDENTIDADES DE SEUS PROFISSIONAIS

Lissa Mara Saraiva Fontenele _______________________________________________________ 17

3. EFEITOS DA POLÍTICA DE INCLUSÃO ESCOLAR NA ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DA APAE DE FLORIANÓPOLISDaiane Antunes DuarteEliana Pereira de Menezes __________________________________________________________ 25

4. A QUESTÃO DA INCLUSÃO ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOSBárbara Cristina Almada da Silva ____________________________________________________ 34

5. CAPITÃES DA AREIA: ESTEREÓTIPOS, ESTIGMAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRECRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE INCONFORMIDADE COM A LEI NO ROMANCE DE JORGE AMADOFran Yan Coelho Tavares AguiarMarina Cavalcanti Tavares __________________________________________________________ 45

6. ANÁLISES DE RAMPAS DE ACESSIBILIDADE UTILIZANDO O TEOREMA DE PITÁGORASMichael Gandhi Monteiro dos Santos _________________________________________________ 54

7. É POSSÍVEL SER PLENAMENTE INCLUSIVO NO SISTEMA COLÉGIO MILITAR DO BRASIL?Andréa Rebouças Matias da SilveiraJoão Aureliano Cordeiro Silva _______________________________________________________ 60

8. LIDANDO COM DIFERENÇAS: O DESAFIO DA INCLUSÃO NA ESCOLA CONVENCIONALAlexsandra Sombra AraújoSérgio de Castro Araújo ____________________________________________________________ 70

CHAMADA PARA A REVISTA EDUCARE E REGRAS DE SUBMISSÃO _____________________________ 76

Page 5: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

5

Apresentação

A Revista Cientifi ca EDUCARE do Colégio Militar de Fortaleza inaugura em clima de festa a aber-tura de uma nova frente de trabalho: a inclusão escolar. A temática merece destaque por diversas razões, uma delas é a urgência que tem a educação brasileira em sanar uma dívida histórica com uma parcela importante de seus alunos que foram ao longo de muitos anos excluídos do contexto escolar. Falar de educação inclusiva é falar da transformação na escola, pois uma vez que esta se abre para acolher todos os alunos reconhecendo suas diferenças e semelhanças ela necessariamente enfrenta o desafi o de transformar as práticas cotidianas de formar e educar todas as crianças, jovens e ado-lescentes. A inclusão abre as portas da escola para alunos que apresentam defi ciência, transtorno do e espectro do autismo e altas habilidades-superdotação. E também, para todos os alunos que por diferentes razões podem ter difi culdade para se apropriarem dos conteúdos escolares. Incluir, é inovar práticas pedagógicas capazes de criar as condições de aprendizagem na diferença da sala de aula, é criar prática de gestão escolar que valorize e acolha as diferenças dos alunos e de suas famílias. Um número da Revista Cientifi ca EDUCARE sobre inclusão escolar aponta para o projeto de educação inclusiva a ser desenvolvido no Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB).

Convido o leitor para se debruçar sobre as refl exões trazidas pelos diferentes au-tores que contri-buíram para a concretização dessa publicação. O primeiro artigo, intitulado escopo analítico sobre os fundamentos da exclusão/inclusão sócio-cultural-educacional da professora Zita Ana Lago Rodriguestrata da questão da exclusão/inclusão sócio-cultural e educacional, analisando e fundamentando nos aspectos políticos, econômicos e ideológicos, que historicamente têm subsidiado tais práticas, especialmente nos países periféricos. A autora analisa a questão sob o prisma da produção, do uso e socialização que se faz da ciência, do saber e do conhecimento. Ela chama atenção para a questão da pobreza política e formal dos povos periféricos no mundo, questão esta que acentua as diferenças entre os países ricos e os pobres. Propõe ainda a necessidade de novas formas de organização da sociedade civil, visando ampliar espaços de participação, comunicabilidade e representatividade como forma ético-moral de sustentabilidade e eqüidade.

O segundo artigo escrito por Lissa Mara Saraiva Fontenele trata dos centros de atendimento edu-cacional especializados (aee) e a reconfi guração das identidades de seus profi ssionais. Nesse textoa autora discorre sobre a forma como as identidades profi ssionais em um Atendimento Educacional Especializado- AEE são construídas no contexto das relações profi ssionais entre a ação pedagógica das professoras de AEE e as da saúde, pelos profi ssionais que constituem os grupos terapêuticos. A autora ressalta que essas relações são infl uenciadas pelas práticas de letramento relativas às diver-sas áreas profi ssionais representadas na instituição e pelos eventos de letramento, os quais estão intimamente relacionados às identidades das pessoas que os praticam. A autora conclui em seu estudo que as identidades profi ssionais construídas no AEE são distintas para as professoras e para os membros dos grupos terapêuticos. Para a autora tal diferença indica uma assimetria nas relações entre os profi ssionais a qual afetaria negativamente os atendimentos.

O terceiro texto resultado de uma parceria entre Daiane Antunes Duarte e Eliana Pereira de Menezes, analisa os efeitos da política de inclusão escolar na organização das práticas da APAE de Florianópolis/SC focalizando a forma de organização dessa instituição para desenvolver suas práticas tendo em vista a política nacional de inclusão escolar. Respaldadas nas entrevistas realizadas com professores da APAE as autoras afi rmam que esta reorganização enfatiza aspectos materiais como a reestruturação das turmas, a disponibilidade dada aos professores para acompanhar os alunos no ensino regular e oportunidade para realizar cursos e planejamentos. As autoras concluem que o Serviço de Atendimento Educacional Especializado e as parcerias entre APAE/sala multimeios/pro-fessores do ensino regular, resultaram em mudanças signifi cativas. Foi identifi cada ainda uma maior frequência dos alunos incluídos no ensino regular.

O quarto artigo convida o leitor a mergulhar na inclusão através das histórias em quadrinhos.Bárbara Cristina Almada da Silva traça um paralelo entre os personagens de quadrinhos que possuem

Page 6: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

6

seus alter egos marcados pelas defi ciências físicas e difi culdades sociais que compõem os elementosindicadores da exclusão social e a utilização da mídia dos quadrinhos, em sala de aula, como in-centivo ao respeito às diferenças. A autora analisa a conquista da leitura de quadrinho, que antes,considerada uma leitura de menor valor, conquista hoje um grande repertório de possibilidades parao professor, que, ao utilizá-los, transforma a aula em uma experiência mais agradável para os alunos.De acordo com a autora: a visão, que é o maior canal de informação, também é o mais exploradonesta mídia. O estudo realizado pela autora confere aos quadrinhos um status de material pedagó-gico que adentra na sala de aula como enriquecedor de conteúdos escolares.

Com os Capitães da Areia de Jorge Amado conhecemos os estereótipos, estigmas e re-presen-tações sociais sobre crianças e adolescentes em situação de inconformidade com a lei pelo texto de Fran Yan Coelho Tavares Aguiar e Marina Cavalcanti Tavares. Os autores nos colocam diante darealidade de vida das crianças e adolescentes das ruas de Salvador apresentada por Jorge Amadono seu romance “Capitães da Areia” (1937). Tendo como foco os principais personagens da obra os autores tecem uma análise dos estereótipos, das representações sociais e dos estigmas existentes sobre as condições de abandono e a situação de inconformidade com a lei vivida por aqueles jovens.Apesar de expressar uma temática do Estado Novo denunciando o fracasso da atuação do Estado noque se refere às políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes, o romance é ainda atual e convidativo. O texto é um deleite para os interessados na temática da infância e da adolescência.

Retomando a temática da inclusão escolar Michael Gandhi Monteiro dos Santos tece análises arespeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car a questão da inclinação das rampas de acesso de uma escola publica locali-zada em Fortaleza – Ceará verifi cando se as mesmas estão de acordo com NBR 9050/2004. O textopretende contribuir com as adaptações arquitetônicas na escola.

É possível ser plenamente inclusivo no Sistema Colégio Militar do Brasil? Com essa per-guntainstigante Andréa Rebouças Matias da Silveira e João Aureliano Cordeiro Silva nos conduz para umarefl exão a respeito da inclusão educacional como desafi o para a educação, e particularmente, parao sistema escolar brasileiro. Os autores alertam para as incoerências que ainda permeiam o conceitode educação inclusiva bem como para a falta de clareza a respeito das ações a serem realizadas paraque a política e a prática da inclusão sejam efetivadas em nosso país. Tomando por base autorescomo Vitello e Mithaug (1998), o texto apresenta a educação inclusiva com o propósito de eliminar aexclusão social, tida como consequência de atitudes e respostas à diversidade de raça, classe social,etnia, religião, gênero e habilidades. O texto argumenta quanto a possibilidade do Sistema ColégioMilitar do Brasil (SCMB) se tornar inclusivo, propondo uma refl exão sobre o tema tomando por baseartigos científi cos que servem de fundamentação às políticas e práticas voltadas para educaçãoinclusiva, bem como a legislação que rege o funcionamento dos colégios militares.

Lidando com diferenças: o desafi o da inclusão na escola convencional fecha o número da revistapercorrendo momentos da história referentes à inclusão escolar, analisando os fatores que permeiamesse desafi o. Alexsandra Sombra Araújo e Sérgio de Castro Araújo partem do surgimento da escolaenquanto instituição que busca a evolução e aprimoramento do homem no seio social. Em seguidaapresentam a escola destinada aos alunos com necessidades especiais, estabelecendo relação entreessas escolas a fi m de reconhecer os principais desafi os da inclusão na escola comum. Os autoresdiscutem o desafi o da inclusão elencando como uma das difi culdades à concretização dessa política,o fato de as diferenças serem referenciais de exclusão na escola. Finalmente tratam a história dodesenvolvimento do homem, marcada pela institucionalização do saber e ainda o histórico socialdas pessoas com necessidades especiais. Finalizam refl etindo sobre o desafi o da inclusão e sua re-percussão na sociedade.

Os textos apresentados neste número da revista são ricos pela diversidade da temática tratadae constitui um convite ao leitor para uma discussão frutífera sobre a educação inclusiva.

Rita Vieira de Figueiredo, Ph.D.Professora da Faculdade de Educaçãoda Universidade Federal do Ceará

Page 7: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

7

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

Artigo 1

ESCOPO ANALÍTICO SOBRE OS FUNDAMENTOS DA EXCLUSÃO/INCLUSÃO SÓCIO-CULTURAL-EDUCACIONAL

SCOPE OF THE ANALYTICAL FOUNDATIONS OF EXCLUSION / INCLUSION “SOCIO-CULTURAL-EDUCATIONAL”

Zita Ana Lago Rodrigues - Dra/PhD1

Resumo. Este artigo trata da questão da exclusão/inclusão sócio-cultural-educacional, com uma perspectiva analítica dos fundamentos desses processos, nos aspectos políticos, eco-nômicos e ideológicos, que historica-mente têm subsidiado tais práticas, de modo especial nos países periféricos. Analisa a questão sob o prisma da produção, uso e disseminação da ciência, do saber e do conhecimento, ressaltando os aspectos da pobreza política e formal dos povos periféricos, no contexto da mundialização que acentua as diferenças entre os paísesricos e os países pobres. Propõe a necessidade de novas formas de organização da sociedade civil, com vistasa aumentar seus espaços de participação, comunicabilidade e representatividade como forma ético-moral de sustentabilidade e eqüidade.

Palavras-chave: Exclusão-inclusão. Ensino. Pobreza formal e política. Participação e representatividade sócio-cultural-educacional.

Abstract. This paper addresses the issue of socio-cultural-educational exclusion/inclusion, within an analytical perspective of the fundamentals of those processes in the the political, eco-nomic and ideological aspects, which historically have subsidized such practices, mainly in peripheral countries. It analyses the issue from the perspective of production, use and dissemination of science, wisdom and knowledge, highlighting the aspects of poverty and formal policy of peripheral peoples in the context of globalization, which accentuates the differences between rich and poor countries. Suggests the need for new forms of organiza-tion of civil so-ciety, in order to increase their opportunities for participation, communica-tion and representation as ethical and moral way of sustainability and equity.

Keywords: Exclusion-inclusion. Education. Formal and poverty policy. Socio-cultural-educational repre-sentative and participation.

___________________ 1 Mestre e Doutora em Educação-PhD - Wisconsin University-USA/UFRJ. Professora Universitária. Docente visitante da ULHT-Lisboa-Portugal.

Page 8: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

8

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

1. Introdução

O tema da exclusão sócio-política-cultural e econômica não é novo no Brasil e na América Latina. A História traz inúmeros capítulos que registram os processos de dominação e coerção de vastos segmentos populacionais tragicamente excluídos das condições mínimas de cidadania e representatividade política, econômica educa-cional e sócio-cultural.

Desde as raízes da sociedade colonial o paíse o continente latino-americano têm sido cenário de excludentes processos, legitimando-se através de políticas de exploração e relações de ordens diversas que se sustentam através de:

• uma herança cultural senhoril, escravocrata e feudalista;

• oligarquias políticas que se perpetuam no poder;

• uma burguesia arcaica, de joelhos para o Estado;

• uma cultura elitista, com jogos de infl uên-cias e privilégios;

• estratégias perversas de conciliação;

• autoritarismos mobilizadores e desmobi-lizadores;

• golpes e sistemas políticos ditatoriais (FRI-GOTTO, 1991).

Assim sendo, sociedades humanas surgem historicamente sob tais relações e sob vários aspectos os grupos sociais se constituem a partir delas. No início tais relações são mais naturais e os homens apropriam-se dos produtos da terra, da caça e da pesca. Com a sedimentação o grega-rismo e o cultivo da terra, plantando e colhendo os frutos das sementes, há signifi cativo avanço na História da humanidade. Com as manufaturas, os artesãos e os artífi ces transformam a matériae fabricam objetos, comercializando-os. Com a Revolução Industrial, surgem máquinas, fábri-cas e a exclusão histórica das classes populares; temos, então, a passagem para outros tipos de relações de produção, de consumo e de necessi-dades, gerando transformações signifi cativas nos contextos sócio-econômico-culturais e políticos das sociedades humanas e em suas dimensões relacionais.

Tais transformações rompem com conceitos

do senhor/escravo, do senhor/servo e introduzem no campo produtivo as relações capital/trabalho, constituindo-se sempre em relações de domi-nação e exploração. Segundo Guareschi (2001,p.143): “Essas relações de domínio e exploração são, pois, as que defi nem o modo de produção capitalista, vigente ainda em muitos locais nos dias de hoje (...) podendo ser mais ou menos intensas e abrangentes.”

2. A relação exclusão/inclusão

No contexto desse desenvolvimento históri-co surge no período contemporâneo, uma nova relação, defi nidora do tipo de sociedade que se caracteriza hoje. Tal relação é a da exclusão/inclusão!

Guareschi (2001) propõe alguns aspectos aserem considerados para a análise da questão daexclusão/inclusão:

• o desenvolvimento fantástico das tecnolo-gias que alteram substancialmente os modos de produção, que com a automação substi-tuem a mão de obra humana;

• as legitimações ideológicas e psicossociaisda criação e reprodução dessas relaçõesde exclusão/inclusão, com um conjunto de valores que servem de fundamentação paratais práticas;

• a competitividade como geradora da ex-clusão, como um novo mandamento, cujoargumentação central é a de que esse mer-cado foi dotado de liberdade e a cada um cabe usufruir dele segundo suas competên-cias. Ao invés do “amai-vos uns aos outros”, a questão é “competi uns com os outros”;competitividade é hoje condição essencialpara o progresso e o desenvolvimento;

• o absolutismo centralizador dos processosneoliberais e o “novo papel do Estado”;quando, através de determinações absolutas do mercado (produtor/consumidor), fez-sedo público um bem privado, da coisa pública(a res publica) uma coisa sua, pessoal;

• as estratégias de culpabilização, atravésdas quais a questão do sucesso e do fracasso são exclusivamente das pessoas, dos indiví-duos particulares, desvinculando-as comple-tamente de aspectos causais e contextuais,

Page 9: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

9

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

de um complexo histórico-social. Karl OttoApel (1984) entende que a pós-modernida-de nos confi nou numa ética absolutamenteindividualista, uma microética, que impedede sequer pensar responsabilidades globais,em nível de macroética, através das quais sepossam incluir responsabilidades e ecologias sociais (BOFF, 2000) de cunho coletivo emescalas planetárias (KÜNG, 1999); e

• a exclusão e a comercialização dos saberes, das ciências e do conhecimento, através do qual tais saberes são colocados a serviço do mercado, polarizando-se as dicotomias entre os saberes populares o senso-comum,o bom-senso e os saberes cotidianos, versus o saber acadêmico. Por detrás, certamente, encobrem-se fundamentalismos, deslegiti-mações e práticas acadêmicas seletivas que servem para promover e acentuar a exclusão.

Historicamente muitos povos, culturas ecivilizações foram dizimados por apresentaremformas diferentes, estranhas e diversas de co-nhecimentos e saberes. Os epistemicídios talveztenham sido mais graves que os genocídios, poisneles sempre se constituíram formas de subor-dinação, dominação, marginalização e coerção,seja no mundo capitalista ou socialista. Bastapensar nas culturas latino-americanas dizimadas,nas limpezas étnicas do fi nal do século XX, nos movimentos fascistas e nazistas de meados do século XX, nos fundamentalismos religiosos, nadizimação dos indígenas brasileiros, entre outrosepistemicídios cometidos em nome do poder.

Ainda hoje, nessa lógica de dominação, aqual poderia ser indefinidamente exploradaidentifi cando-se modos diversifi cados de legiti-mação e regulamentação, as formas de exclusãose acentuam, marginalizando e secundarizando milhões de seres humanos de maneira pérfi daatravés de relações sistêmicas e de práticaspensadas e instituídas ideológica e unilateral-mente. Estabelece-se aqui, para nossa refl exão,segundo Jodelet (2001), a necessidade de ques-tionar: “O que tem levado sociedades e povosque cultuam valores democráticos e igualitáriosa aceitar a injustiça, adotando e tolerandopráticas de discriminação e exclusão, frenteàqueles que não são seus pares ou como eles?”.

Na tentativa de explicar ou justifi car taisações excludentes, surgem questões, pontos

de vistas, opiniões e teorias as mais diversaspara orientar respostas e explicar tal questão, sendo elas de ordem histórica, macro-social,econômica, cultural, étnica, religiosa, de gêne-ro, geográfi ca, psicossocial, de preconceitos eestereótipos, de controle social e demográfi co,de ordem educacional, ética, ideológica, política,entre outras. Todas a seu modo tentam justifi car ou explicar o que se estabeleceu como “modo de vida da sociedade ocidental, ou como visão unilateral de mundo”.

Tal diversidade de sustentações teóricasvincula-se à própria ambiguidade do conceito deexclusão/inclusão. Essa ambigüidade leva a acen-tuar alguns enfoques, algumas características doproblema, em detrimento de outros aspectos quesão minimizados e que deveriam ser levados em conta, na análise da questão.

Em face dessa diversidade de ordens teóricase análises, procuraremos centrar nossa discussãosob alguns pontos cruciais, destacando um escopoanalítico fundamental da exclusão/inclusão: o dainjustiça e da desigualdade social.

A intenção motora dessa discussão é a debuscar algumas categorias de análise, com afusão de interpretações, sem fugir da complexi-dade do tema e das polissemias e polifonias que a permeiam. Na questão em análise – exclusão/inclusão social – a diversidade de focos, de vozese sentimentos se complexifi ca, na mesma medidaem que se intenciona clarifi cá-la.

Um ponto de convergência se apresenta so-bremaneira destacado, ou seja, o entendimentode que temática da exclusão é histórico-social,contextual e polissêmica, exigindo a contribuiçãode várias áreas do saber e do conhecimento para sua abordagem, sendo, portanto, transdisciplinar.Cabe, pois sua análise no contexto das discussõesde um simpósio como este, de Ciências Humanas e Sociais, sem negligenciar alguns aspectos decontribuições que as Ciências Exatas e Naturais,como a Estatística e a Biologia, possam trazer para elucidação de alguns aspectos da questãoem análise. Os aspectos apenas teóricos de todosesses campos do saber necessitam subsídios de pesquisas práticas através das quais enfoquesespecífi cos da exclusão/inclusão necessitam ser abordados.

Certamente que muitas áreas do conhecimen-to subsidiaram e subsidiarão tais pesquisas sendo,no entanto, fundamental ao pesquisador que

Page 10: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

10

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

sobre elas debruçar-se a necessidade de abertu-ra dialogal e capacidade interlocutória com osdiversos aspectos e campos teórico-científi cosque envolverão tais estudos sobre a temática.

Propomo-nos a apresentar refl exões teóri-cas, epistemológicas, fi losófi cas, conceituais emetodológicas cujos objetivos sejam o do des-velamento das artimanhas da exclusão/inclusão,sob o prisma central da injustiça e desigualdadesocial, que hoje se apresentam como de ordemnatural.

Entendemos ser a questão da exclusão/in-clusão um processo complexo e multifacetário,não apresentando uma forma simples de análise,nem sendo de fácil abordagem, pela diversidadede prismas sob os quais se apresentam, desa-fi ando o pesquisador a perceber e considerar asimbricações que o enfrentamento dessa questãoexige. Seja sob o olhar das causas perversas desua existência seja dos seus efeitos destrutores,tal análise não se constitui tarefa de simplifi cadaabordagem e nem pode esgotar-se sob a leiturae a ótica da ciência disciplinar. Requerem-seurgentes e ingentes leituras trans ou mesmometadisciplinares.

Entendida sob o prima da injustiça e desi-gualdade social, a questão da inclusão/exclusãoé tema cotidiano e presente nos discursos eprogramas políticos, nas mídias e nos projetos de desenvolvimento das mais diferentes socieda-des. É um fenômeno que atinge não só os paísespobres, mas países malditamente ditos desen-volvidos sinalizam com signifi cativas parcelasde sua população envolvidas em restrições departicipação, frente as transformações ocorridasnos contextos sócio-econômico-produtivos dasociedade industrializada. Tais estruturas desses contextos têm gerado absurdos desníveis, desi-gualdades e situações que desequilibram projetose geram injustiças de várias ordens.

Questionamos, portanto:

• Quem seriam os excluídos nesse fi nal/início de milênio?

• Quem seriam os injustiçados sociais, víti-mas de discriminação e exclusão, mesmo emsociedades ditas democráticas?

• Quem seriam os constituintes desses uni-versos sócio-culturais estigmatizados histo-ricamente?

• Quem são as principais vítimas de tais exclusões?

• Para sermos mais diretos, talvez precisemos questionar mesmo: quem são os incluídos?

Seriam as vítimas da exclusão os pedintes, osmendigos, os marginais, os habitantes das ruas, os vagabundos, as prostitutas, os homossexuais,os analfabetos, aqueles historicamente margi-nalizados, desprovidos de sorte e privilégios?Certamente esses excluídos são os indivíduos egrupos sociais que, por sua condição periféricade pobreza política e marginalidade estrutural,apresentam-se mais fortemente excluídos doacesso aos bens, aos serviços e às condições de sua produção e consumo na atual sociedade tec-nológica-virtual-midiática. São esses os excluídosque, sob o prisma da injustiça e desigualdadesocial, apresentam-se com mais “condições paratal”, estando fora dos atuais padrões e normassocietais da contemporaneidade ocidentalizada.

Sabemos que a verdadeira dialética da ex-clusão/inclusão tem caracterizado outros gru-pos sociais nessa condição de marginalizados.Não são apenas os desprovidos e os miseráveis materialmente os excluídos do processo sócio-e-ducacional-político-econômico; mas excluem-sesignifi cativas parcelas populacionais, “fora deordem”, sem condições de inserir-se no mercado de produção e consumo neoliberal. São estes os excluídos virtuais, os analfabetos tecnológicos,os fora do padrão de produção e de consumo, as massas sobrantes, aqueles que não se adaptam e não incorporam os padrões atuais da sociedadede consumo.

A constatação pérfi da dessa realidade suge-re hoje, na esteira do pensamento de René deLenoir (1974), o alargamento da refl exão sobre as concepções da exclusão/inclusão. Estas nãomais podem ser entendidas como fatores deordem individual, mas sim precisam ser vistascomo de ordem macro-estrutural, cujas origens deverão ser buscadas nos próprios princípios dofuncionamento das sociedades modernas, dizWanderley (2001).

Geralmente, quando falamos de excluídos, de exclusão, olhamos apenas para as carências de ordem material, que se presentifi cam pelaausência de renda, moradia, emprego, saúde,qualidade de vida, vínculos societais e grupais, entre outras ausências. Demo (2000) diz que

Page 11: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

11

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

esta é apenas “a crosta externa do fenômeno”da exclusão/inclusão. Entende ser necessáriorefl etir sobre tais ausências/carências de ordemmaterial, cujas bases se assentam em carências de ordem econômica, política, cultural, educa-cional, social, as quais parecem cada vez maisdistantes de serem equacionadas ou resolvidas.

As exclusões e ausências talvez possam ser melhor entendidas ao serem analisadas com forteímpeto pelo âmbito da exclusão de cunho polí-tico. Exemplo: a carência da chuva é fenômeno de cunho natural, afetando todos de modo igual. Porém, o uso dessa ausência para gerar a “indús-tria da seca”, é fenômeno de ordem política e social, ambivalente, podendo tornar-se motivo de exclusão dos verdadeiramente atingidos e deinclusão dos verdadeiros favorecidos. O Brasil,em especial a região Nordeste, conhece bemtal realidade. Nesse caso, os marginalizados co-nhecem de modo pérfi do o fenômeno, mas nãoconseguem organizar-se sufi cientemente paraafrontar o problema e o sistema gerador dessasdesigualdades e injustiças sociais. Caracteriza-seaí a chamada “pobreza política”, segundo Demo (2000), ou presentifi ca-se o “analfabeto político”,segundo Bertold Brecht (s/d).

Essa pobreza política é também gestada pelaignorância, que histórica e culturalmente é gera-da para que se mantenha a submissão e a coerçãodos grupos e povos, a serviço dos interesses da-queles inclusos no processo sistêmico gerador da exclusão, os dominantes ou detentores “da moraldo senhor”, parafraseando Nietzsche (1986).

Em resposta às questões anteriormente pos-tas e à exemplifi cação acima, fazendo um recorteepistemológico, podemos reafi rmar a amplitude quase incomensurável do fenômeno da exclusão/inclusão social, cujas bases constitutivas se nãoestão no livro do Gênesis, estarão certamente nasbases mesmas constitutivas da sociedade ociden-tal. Tais bases, se analisadas, poderão nos levar à compreensão de “quem somos, como somos eporque somos”. Em uma análise retrospectivada gênese da sociedade ocidental, surgem ascaracterísticas de seus pilares constitutivos osquais emergem:

• da religiosidade judaico-cristã;

• da cultura e civilização grega;

• do Direito Romano;

• das ciências racionais modernas;

• da organização iluminista eurocêntrica do Estado Moderno;

• da preeminência dos valores fundantes da sociedade liberal-industrial;

• da globalização econômica contemporânea;

• das realidades virtuais pós-modernas; e

• dos contextos neoliberazintes contempo-râneos.

Entendendo que dessas realidades extraem-se os valores fundantes de uma forma de vida ede uma visão de mundo separativista, fragmen-tária e excludente que caracteriza essa cultura, assentada sobre as bases do paradigma científi -co dominante (SANTOS, 1999), profundamentereativo à formas diversifi cadas, alternativas eemergentes que possam gerar outras leiturasparadigmáticas (RODRIGUES, 2001), mesmoassim, tomando-se como base tal contextuali-zação, parece-nos insufi ciente sua constataçãopara ações contestatórias que levem à mudan-ças estruturais e necessárias à sua superação.

Nesse sentido, Xiberras (1993, p. 21) enten-de que: “...os excluídos são todos aqueles quesão rejeitados de nossos mercados materiais ousimbólicos, de nossos valores” ocidentalizantes,cujas representações de mundo acabam por excluir pessoas, povos e culturas, não sendo ex-cluídos apenas aqueles cujas ausências/carênciassão mais acentuadas sob os aspectos materiais. São excluídos todos os que não podem ter reco-nhecidos seus valores, de todas as ordens, entreelas as culturais, as espirituais, as religiosas, as educacionais e as axiológicas.

Wanderley (2001), reportando-se a Rosan-vallon (1995), considera ser necessário que serenovem as análises da questão da exclusão/in-clusão social, pois, com a mundialização, surgemnovas relações entre sociedade, economia, po-lítica, ciência, conhecimento, estabelecendo-se valores diversifi cados. A crise dos Welfare States (Estados de Bem Estar Social) e a emergência da ordem neoliberal contemporânea demonstramo esgotamento de um paradigma, o taylorista-fordista, cuja desestruturação rompe com de-terminadas formas de inteligibilidade do mundo, desmistifi cando o modelo da sociedade industriale a preeminência do paradigma científi co domi-nante, exigindo o delineamento de outras formasde leitura e visões de mundo, para além daque-

Page 12: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

12

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

las que se consolidaram a partir do sécula XIX,atualmente abaladados pela internacionalizaçãoda economia e pela crise do Estado-Providência,acentuando-se essa crise pelas ressignifi caçõesvirtuais e pela proeminente da economia demercado.

Wanderley (2001, p. 18) entende que, nessecontexto de ressignifi cações,

os problemas sociais se acumulam justapondo-seno seio das sociedades, categorias sociais com ren-das elevadas ou relativamente elevadas ao ladode categorias sociais historicamente excluídasdo mercado e, por vezes, da própria sociedade.

No caso dos países periféricos como o Brasile outros da América Latina, tal situação é dra-mática, pois o fenômeno da “apartação social” (BUARQUE, 1993) é mais cruel, concreto, visívele palpável, caracterizando-se como um fenômenocultural e historicamente situado. O capitalismoperiférico no qual esses Estados se inserem, de cunho monopolista e subordinado ao capital in-ternacional, tem caracterizado fortes injustiças e desníveis sócio-econômicos dramáticos e sel-vagens, acentuados perfi damente em países comelevada estratifi cação nas formas de distribuiçãode renda e de partilha das riquezas.

Desmascara-se em função de tais dados, real-çados pelos Relatórios de Desenvolvimento Huma-no (o PNUD da ONU de 1997) o acentuamento daexclusão, com novos conceitos da precariedadee pobreza – as novas formas de pobrezas, desta-cando-se aquelas de ordem política, educacional,tecnológica e ética, para designar aqueles que estão sendo expulsos do mercado, impedidos de nele ingressar ou apenas ignorados por ele. Entreesses desesperançados estão muitos dos jovensbrasileiros e latino-americanos que olham parao futuro sem perspectivas ou possibilidades deespaços sócio-culturais de trabalho e de sobre-vivência dignas.

Esses novos excluídos são camadas da popula-ção que, embora consideradas aptas ao trabalho eadaptadas à sociedade, são vítimas da conjunturaeconômica e da crise de empregabilidade, osquais, na terminologia dos anos 90/00, não são residuais nem temporários, mas contingentes po-pulacionais crescentes que não encontram lugar no mercado, pelo fato de não apresentarem re-quisitos condizentes com as “novas habilidades ecompetências” exigidas pelo mercado globalizadoe cada vez mais mundializado, conforme explica

Wanderley (2001, p. 19)No campo internacional, frente aos novos

conceitos de precariedade, de exclusão e de se-letividade social e econômica, Nascimento (1995,p. 45) entende que:

(...) a passagem do predomínio do termo pobreza para a exclusão signifi cou, em grande parte, o fi m da ilusãode que as desigualdades sociais eram temporárias...A exclusão emerge, assim, como um sinal de que astendências do desenvolvimento econômico se conver-teram. Agora e signifi cativamente – no momento em que o neoliberalismo se torna vitorioso por toda parte,as desigualdades aumentaram e parecem permanecer.

No Brasil, entre outros países periféricos (ouem desenvolvimento), essas desigualdades deordem social, econômica, cultural, educacional,política e étnica, levantam a existência da cha-mada “apartação social” (BUARQUE, 1993), quereforça o caráter estrutural e sistêmico desseprocesso. Embora pobreza e exclusão não pos-sam ser tomadas como sinônimos de um mesmo fenômeno se articulam em diferentes matrizespsicológicas e sociológicas, expressando-se:

• na desqualifi cação social, processo rela-cionado a fracassos e sucessos da integração normativa e funcional, constituindo-se no inverso da integração social;

• na desinserção, na qual questiona-se a própria existência das pessoas enquanto indivíduos sociais, defi nindo-se por fatoresde ordem simbólica os “fora de norma” e os que a ela não se adequam; e

• na desafi liação, através da qual signifi ca-se a ruptura de pertencimento, a perda devínculos societais, incluindo-se aí não apenas os desprovidos de recursos materiais, mas to-dos aqueles fragilizados pelas instabilidadesrelacionais (SPOSATI, 1996).

Essa desqualifi cação, desinserção e desa-fi liação (aliadas e vinculadas às desigualdadeshistóricas existentes nos paises periféricos, emespecial no âmbito da privação de poder de ação,de representatividade política e de acesso aos bens da educação e da cultura) leva-nos a per-ceber a multidimensionalidade do fenômeno da exclusão/inclusão. Não se constituem apenas emuma questão de ausência/posse de renda, mas incluem-se em sua análise e mensuração fatores de outras ordens, estruturais, políticas, objeti-vas, subjetivas e de reprodução ideológica, que

Page 13: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

13

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

se acentuam na mesma medida em que, discursosofi ciais se caracterizam na linha de enfrentamen-to das disparidades, ou mesmo de sua superação.

Talvez o aspecto mais aterrorizante dessenovo foco da questão da pobreza política e da exclusão seja o fenômeno da aceitação e da pas-sividade do próprio excluído, expressando-se emafi rmações, tais como: “Isso é assim”, “Deus quer assim”, “Sempre foi assim”, “Nada há pra fazer”.O conformismo, a passividade e a subservivênciaagravam-se quando o nível cultural-educacional dos excluídos é de baixa ordem, pois os mesmosvêem tal condição como um determinismo ético, uma fatalidade histórica ou uma determinação divina, pois, “Dos pobres será o reino dos céus” sempre lhes foi dito, quando não dito que “Seu lugar no paraíso lhes será garantido se ousarem afrontar lugares estabelecidos e poderes deter-minantes”, apenas para reverter o “lado divino” da moeda.

Os sistemas políticos dos países periféricos,sejam eles ocidentais ou orientais, pobres emtecnologia, mas ricos em recursos naturais e fun-damentalismos, servem-se de modo pérfi do dessasubserviência e transmutam tal ordem excludenteem terreno fértil para benesses, paternalismose favores através dos quais se caracterizam adominação e a opressão. Sentem-se e agem comotutores e padrinhos da miséria e da exclusão e delas se servem para perpetuar-se no poder, na condição de “inclusos no sistema”, responsáveis,portanto, pela “reversão dessa ordem injusta”, não importando quantas vidas sejam sacrifi cadas em nome de tais determinações de ordem políti-ca, religiosa ou étnica.

Pobreza e exclusão nessa ordem político-pe-riférica, oligárquica e centralizadora, são facesde uma mesma moeda. Essas duas faces convivemcom os efeitos perversos da pobreza e da exclusãoético-política estrutural e com a tendência ide-ológica neoliberal de diminuição do papel social do Estado, condenando cada vez mais inúmerospovos e nações a destinos pérfi dos, a uma espéciede darwinismo social, através do qual cada vezmais “os mais fortes vencerão”.

Wanderley (2001, p. 25) considera que: “Se,de um lado, cresce cada vez mais à distância en-tre os ‘excluídos’ e os ‘incluídos’, de outro, essadistância nunca foi tão pequena, uma vez que os“incluídos” estão cada vez mais ameaçados de perder direitos adquiridos historicamente”. São

hoje, nessa realidade histórico-estrutural, duasclasses sociais: a dos que não comem e a dosque não dormem de medo dos que não comem(RODRIGUES, 2001).

Essa ordem sócio-política perversa de injus-tiça e desigualdade social gera e presentifi capersonagens incômodos, ameaçadores, pobrespolítico e materialmente, desprovidos cultu-ralmente, despreparados tecnologicamente,analfabetos virtuais, desempregados residu-ais,... enfi m, tidos como bandidos em potenciale pontos de alto risco para o sistema vigente,entendido como justo e harmônico. A eles são atribuídas as “responsabilizações pelas maze-las do Estado de Bem Estar” que assumiu parasi historicamente funções de assistencialismoe atendimento a direitos sociais básicos, comosaúde, educação, seguridade social, habitação, suprimento de carências alimentares, acesso abens e serviços, entre outros fatores que com-prometeram sua própria efi ciência e capacidadede gestão. A inefi ciência desse Estado Social, quese acentuou sobremaneira nas últimas décadas do século XX e primeiros anos do século XXI, tem gerado a exclusão de vários setores populacio-nais antes aparentemente incluídos no sistema,seja por seus inefi cazes programas, seja por sua incapacidade (inclusive fi nanceira) de fi nanciar um aparato produtivo capaz de gerar condições sufi cientes de trabalho e empregabilidade, cuja sustentabilidade possa levar às condições de ga-rantir uma sustentabilidade da vida, com mínimase básicas condições de qualidade e dignidade desobrevivência.

Essa crise de serviços e essa falência de polí-ticas sociais e a nova ordem econômica mundial, aliadas à precarização das condições de vida de grande parte da população do planeta, têm jo-gado na marginalidade, na pobreza e na exclusãoparcelas signifi cativas da população mundial. A própria noção de não-cidadania amplia-se, en-globando essas signifi cativas parcelas das popu-lações mundiais, em especial no 3º/4º mundos,na condição de excluídos da sociedade produtiva tecnológica/virtual/midiática, com altos níveisde exigências para a produção e o consumo.

Esses não-cidadãos são os diferentes, aquelesque, como na sociedade clássica grega, consti-tuem-se em “não seres”, apartados da vida napólis e aos quais se destinam atividades periféri-cas e secundárias. São os diferentes que, na atual

Page 14: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

14

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

sociedade tecnológica, são tidos como de poucaou nenhuma utilidade econômica ou produtiva eaos quais não se tem voltado olhares ou traçado políticas de sobrevivência ou sustentabilidade. Em alguns casos, esses diferentes são também os“sobrantes”, ou seja, aqueles que em algum mo-mento da sociedade industrial caracterizaram-secomo “qualifi cados” e no contexto da sociedadetecnológica são agora “residuais”.

As exigências de qualifi cação dessa sociedadetecnológica/virtual/midiática vem gerando ín-dices de desemprego aberto e/ou disfarçado de cerca de 30% a 50% do PEA, desmentindo discursosufanistas de sucesso das políticas de estabilidadeeconômica, diz Veras (2001). Essas parcelas dedesempregados, de cerca de 50% da população economicamente ativa, estariam nessa novaordem estrutural condenados à marginalizaçãoe à desafi liação.

Considerando-se que essa exclusão socialdesvela a face econômica pérfi da do neolibera-lismo globalizado no Brasil e na América Latina,Veras (2001) diz não estarem sendo apresentadaspolíticas governamentais para esses grupos mar-ginalizados, pois que as classes dominantes, dos “incluídos,” desistiram de integrá-las quer aomundo da produção, quer à mínima condição de cidadania ou sobrevivência dignas. Assim, além de marginalizados e desafi liados, são tambémignorados, constituindo-se nos “ideotas” da con-temporaneidade, os seres individuais que assim secaracterizam por mera incapacidade de se auto-gerirem, diz o sistema, constituído pelo mercadoe pelo Estado, segundo Habermas (1990).

Nesse contexto de exclusão e desafi liação osmiseráveis desconfi am de si próprios e, segundoGentili (1995), “estão todos contra todos” emum fenômeno de feições dramáticas, gerandosituações que se expressam pela presentifi caçãodo já chamado “quarto mundo”, cada vez maismiserável e segregado, violento, aterrorizado eaterrorizante, acatando qualquer missão que, dealguma forma lhes outorge uma ínfi ma condiçãode sentir-se, de algum modo, mesmo que a custada própria vida, parte do status quo.

O sentido mais profundo dessa exclusão,segregação e miserabilização social se expressaquando:

Os signifi cados dos direitos civilizatórios, plasmadosem direitos sociais, trabalhistas, civis e políticossão transformados em fatores causais da própria

miséria, pobreza e exclusão em obstáculo ao desen-volvimento econômico e mais, são transformadosem ausência de cidadania (OLIVEIRA, 1997, p. 51).

Os excluídos, os sobrantes, os residuais nãose constituem em mais do que um exército de mão-de-obra de reserva, sendo eles considerados,nessa nova ordem sócio-econômica-produtiva,mais estorvo do que alternativa ou possibilidade.Estariam “aquém da humanidade” e o ideal seria uma espécie efetiva de “darwinismo social” queviesse de fato eliminar os excedentes, as massassobrantes, os subcidadãos da pólis mercantiliza-da, na qual tudo parece ter um preço, inclusive nossas consciências.

Oliveira (1997, p. 60) considera que: “o con-ceito de exclusão tem uma razão teórica, mas, sobretudo ética e política: é ele que nos interpelasobre a natureza da pólis que estamos construin-do”. Nessa lógica, o entendimento da cisão entreexcluídos x incluídos não pode ser lido apenas soba ótica do político, mas necessita ser visto sob aótica do consumo, a qual leva alguns a se sentirem“incluídos,” embora estejam contextualmente nacondição de “excluídos.” Essa mensuração dá-se no contexto de sua condição de produção e deconsumo. Estar incluído no contexto atual é ter poder de consumo e capacidade de produção,mesmo que desprovido de condições mínimas de cidadania e de efetiva participação social.

Tal dualidade paradoxal exclusão x inclu-são se presentifi ca nos sujeitos, nos indivíduos, que sofrem e sentem-se de modo incontrolável “inúteis” e “desqualifi cados”; necessitando de“interrogações poderosas” (SANTOS, 1997, p. 11),que introduzam a ordem do valor e da ética nes-sas análises. Tais interrogações deverão levantar problemas de ordem ético-política para os paí-ses, povos ou nações, presentifi cando questõessubjetivas, morais, afetivas e emocionais queafetam a vivência dos seres periféricos e, se tais situações não forem afrontadas com a urgênciade uma calamidade social, nos moldes das cala-midades ambientais, haverá preços elevadíssimosa serem pagos por todos aqueles que, de um ououtro modo, negligenciaram a atenção para com o fenômeno supracitado.

Sawaia (2001, p. 106) entende que perguntar e indagar pelo

(...) sofrimento ético-político (dos excluídos, dosnegados) é analisar as formas sutis de espoliação hu-mana por trás da aparência da integração social, é,

Page 15: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

15

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

portanto, entender a exclusão e a inclusão como duas faces contemporâneas de velhos e dramáticos proble-mas – a desigualdade social, a injustiça e a exploração.

No sentindo de que sejam vencidas ou erra-dicadas tais formas de desigualdade, injustiçae exploração sociais, poderão ampliar-se asperspectivas ou possibilidades de superaçãodesses históricos paradoxos sociais somente senos entendermos em “comunhão com o outro”,alargando nossos campos de ação. Sawaia (2001,p.16) considera que:

Os homens realizam-se com os outros e não sozinhos, portanto, os benefícios de uma coletividade organizadasão relevantes a todos, e a vontade comum a todos é maispoderosa do que o CONATUS individual e o coletivo é pro-duto de consentimento e não de pacto ou do contrato.

A superação do contexto neoliberal excluden-te poderá dar-se na medida em que se presenti-fi quem três situações de ordem prático-teórica,sendo elas:

- de ordem educacional: investir em uma educação em valores éticos e humanos;

- de ordem da sociedade civil: desenvol-vendo-se novas formas de representação da sociedade civil, novas formas de propriedade e de organização social; e

- de ordem da sociedade política: desenvol-vendo-se uma democracia efetivamente de ordem democrática, com participação e co-municabilidade, pois o “pós-neoliberalismo, é ainda uma etapa em construção” (BÓRON, 1995), exigindo uma democracia efetiva-mente democrática, com participação e comunicabilidade, podendo, portanto serem pensadas possibilidades e perspectivas parasua superação.

Segundo Therborn (1995), o pós-neoliberalis-mo se caracteriza como uma situação política esocial em que os desafi os e as tarefas da Justiça Social e dos Direitos Civis, Políticos, Sociais,Econômicos e Culturais, de 1a, 2a, 3a e 4a gera-ção na ordem dos Direitos Humanos e dos Povos,levantam situações problemáticas planetáriassobre o ambiente macro-estrutural e a questãoda arquitetura do ambiente social como centraisno discurso cultural político-econômico-ético epedagógico desse início/fi nal de milênio, exigin-do novos olhares, novos atores, novos saberes enovos fazeres para seu enfrentamento.

3. Considerações fi nais

No sentido de superar-se essa ordem exclu-dente e seletiva, necessitamos:

• de análises empíricas rigorosas sobre os novos mecanismos de acumulação, sobre osprocessos de mudança cultural e destruçãosocial;

• do reconhecimento claro e amplo das formas de injustiça social e, sobretudo, dos mecanismos e dos processos concretos queas introduzem, reproduzindo a miséria, a fome e a violência;

• reconhecer o valor da capacidade de ge-renciar os problemas, manejando os meca-nismos de produção, entendendo as questões de ordem macro, meso e micro sociais, compolíticas de sustentabilidade econômica e humana; e

• ampliar as sensibilidades artísticas na arte política da comunicação, as sensibilidades éticas na arte pedagógica da educação emvalores, as sensibilidades humanas na artepossível de presentifi carem-se pessoas e não meros produtores e consumidores (adaptado de G. Therbon, 1995), no contexto da com-plexidade crescente que envolve a realidade contemporânea.

A potencialização e efetivação dessas ordensdiversifi cadas de intenções/ações trará a capa-cidade maior de ordem ética, que possibilitaráaos sujeitos a indagação frente as injustiças e asdesigualdades, como necessidade humana supe-radora de contingências e dicotomias. A ordem ética não se exclui da ordem da necessidade, nãolhe é antagônica. Agir eticamente é condição do exercício da capacidade de escolha, implicando responsabilidade e imputabilidade. A condiçãoética da ação é aspecto fundamental que se vin-cula à autonomia moral do homem, não sendonecessário para isto absurdo conforto materialpara pensar e agir eticamente.

O combate à exclusão e a afirmação deprocessos justos de inclusão passam por ordensético-morais, valorativas e axiológicas. Passamainda pela necessidade de provimento de níveise instâncias societais capazes de gerar, garantir egerir o exercício pleno da cidadania comunitária.

O rompimento efetivo com as pérfi das e his-

Page 16: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

16

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

tóricas formas de discriminação, seletividades,subordinação e subalternidade, é o desafi o éti-co-moral mais gritante a ser vencido por aqueles homens e mulheres que acreditam, solidarizam-se e pensam possibilidades de superação da exclusão histórica e contextual, tão presente no contex-to sócio-histórico brasileiro e latino-americano contemporâneo.

E o desafi o maior para aqueles homens e mulheres que acreditam e potencializam se cons-titui em presentifi car olhares, pensares, agires e fazeres alternativos e inovadores, talvez até transgressores, que levem a uma re-estruturação da ordem educacional, política, social e econômi-ca existente, na qual têm valor àquele que tem posses, àquele que tem possibilidade de produzir e consumir e de assim inserir-se como incluso na sociedade de consumo contemporânea.

REFERÊNCIAS

APEL, K. O. The situation of humanity as an ethical pro-blem. Práxis Internacional, p, 4:250, 1984.

ARRUDA, M. e BOFF, L. Globalização: desafi os sócio eco-nômicos, éticos e educativos. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000.

BOFF, L. Ética da Vida. Brasília: Letra Viva, 1999.

__________. Ethos. Brasília: Letra Viva, 2000.

BORÓN, A. A Sociedade Civil após o Dilúvio Neoliberal (in Borón, A. e Sader, E. – Org.) O Pós-neoliberalismo: As polí-ticas sociais e o Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paze Terra, 1995.

BRECHT, B. O analfabeto político. (mimeo, s/d)

BUARQUE, C. A revolução das prioridades. INESC – Instituto de Estudos Econômicos, Brasília – DF, 1993.

DEMO, P. Educação e Conhecimento: Relação necessária, insufi ciente e controversa. Petrópolis-RJ: Vozes, 2000.

ESPINOZA, B. Ética. 3 ed. São Paulo: Atena, 1957.

FRIGOTTO, G. O Contexto sócio-político brasileiro e a Edu-cação nas Décadas de 70-90. Revista Contexto e Educação. Unijuí – Ano 6, n.º 24, out/dez, 1991.

GENTILI, P. Seminário: educação e trabalho. ANDES – APP – Seminário Nacional em Defesa da Escola Pública. Curiti-ba-PR, 1995.

GUARESCHI, P. Pressupostos psicossociais da exclusão: competitividade e culpabilidade. In SAWAIA, Bader (org) As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2001. p. 141-156.

JODELET, Denise. Os processos psicossociais da exclusão. In SAWAIA, B. (org). As Artimanhas da exclusão: análise psi-

cossocial e ética da desigualdade social. 2 ed. Petrópolis-RJ:Vozes, 2001. p. 141-156.

HABERMAS, J. O Discurso fi losófi co da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990.

KÜNG, H. Projeto de uma ética mundial - uma moralecumênica em vista da sobrevivência humana. São Paulo:Paulinas, 1993.

_________. Uma ética global para a política e a economiamundiais. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999.

LENOIR, R. Les exclus. Paris: Seuil, 1974.

MOSCOVICI, S. Presenting social representation: a conver-sation. Culture and psychology. Vol. 4(3), p. 371-410, 1998.

NASCIMENTO, E. P. Modernidade ética: um desafi o para vencer a lógica perversa da nova exclusão. PROPOSTA (65) junho – 95. Fase, Rio de Janeiro, 1995.

NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. São Paulo: Hemus,1986.

OLIVEIRA, L. Os excluídos existem? Revista Brasileira deCiências Sociais. São Paulo: ANPOCS, n.º 33, ano 12, feve-reiro, p. 49-60, 1997.

ONU – Organização das Nações Unidas. Human Development Report (Relatório do Desenvolvimento Humano) PNUD, Nova Yorque, 1997.

RODRIGUES, Z. A. L. Ciência, fi losofi a e conhecimento: leituras paradigmáticas. Palmas-PR: Ed Kaiguangue, 2001.

ROSANVALLON, P. La nouvelle questión social. Repenser l’Etat – providence. Paris: Seuil, 1995.

SANTOS, Boaventura S. Um Discurso sobre as ciências. 11 ed. Porto: Afrontamento, 1999.

______. A queda do Ângelus Novus. Para além da equação moderna entre raízes e emoções. Novos Estudos. CEBRAP, São Paulo: 47, 103-124, 1997.

SPOSATI, Aldaíza. Mapa da Exclusão/Inclusão na cidade deSão Paulo. São Paulo: EDUC, 1996.

THERBORN, Goren. A crise e o futuro do capitalismo. in BORÓN, Atílio e SADER, Emir (Org.). O pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1995.

VERAS, Maura P. B. Exclusão social – um problema de 500 anos. In SAWAIA, Bader (Org). As Artimanhas da exclusão:análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2 ed. Petrópolis-RJ: Vozes, p. 141-156, 2001.

WANDERLEY, Mariangela B. Refl etindo sobre a noção de ex-clusão. In SAWAIA, Bader (org) As Artimanhas da Exclusão:análise psicossocial e ética da desigualdade social. 2 ed.Petrópolis-RJ: Vozes, 2001. p. 141-156.

XIBERRAS, Martine. Las théories de l’exclusión. Paris: Me-ridien Klincksieck, 1993.

Enviado para publicação: 02/08/2014

Aceito para publicação: 27/10/2014

Page 17: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

17

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

OS CENTROS DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADOS (AEE) E A RECONFIGURAÇÃO DAS IDENTIDADES DE SEUS PROFISSIONAIS

THE SPECIALIZED EDUCATIONAL CARE (SEC) CENTER AND THE RECONFIGURATION OF THEIR PROFESSIONAL IDENTITIES

Lissa Mara Saraiva Fontenele1

Resumo. Este artigo é parte de minha pesquisa de doutorado e tem por objetivo compreender de que formaas identidades profi ssionais em um AEE são construídas no contexto das relações profi ssionais entre sua seçãopedagógica, composta pelas professoras, e a seção de saúde, com os grupos terapêuticos. Compreendendo que essas relações são infl uenciadas pelas práticas de letramento relativas às diversas áreas profi ssionais re-presentadas na instituição e pelos eventos de letramento (HEATH, 1983; BARTON, 2009) e considerando que as práticas de letramento estão intimamente relacionadas às identidades das pessoas que as praticam, faço uso da abordagem de Gee (2000-2001, 2003), que caracteriza quatro tipos de identidades que se inter-relacionamde forma complexa e signifi cativa nos diversos contextos cotidianos das pessoas. Os dados advieram de minha pesquisa etnográfi ca realizada nos anos de 2010/11 em um AEE. A análise sugere que as identidades profi s-sionais construídas no AEE são distintas para as professoras e para os membros dos grupos terapêuticos. Essadiferença demonstra uma assimetria nas relações entre os profi ssionais – o que acaba por afetar negativamenteos atendimentos.

Palavras-chave: Identidades. Práticas de Letramento. Centros de Atendimento Educacional Especiali-zados (AEE). Ensino.

Abstract. This article is part of my doctoral research and aims to understand how professional identitiesin a SEC Center for disabled students are constructed in the context of the professional relationships betweenits pedagogical section, composed by teachers, and the health section, with the therapeutic groups. Unders-tanding that these relationships are infl uenced by literacy practices relating to the several professional areas represented in the institution and by literacy events (HEATH, 1983; BARTON, 2009) and considering that literacy practices are deeply related to the identities of the people who practice them, I work here with Gee’s approach (2000-2001, 2003) that features four types of identities that are complex and meaningfully interrelated in thevarious everyday contexts people face. The data derived from my ethnographic research conducted in 2010/11.Data analysis suggests that professional identities constructed in the SEC Center are different for educators and members of the therapeutic groups. This difference shows an asymmetry in the relationship between theprofessionals there - which ultimately affect, negatively, attendance.

Keywords: Identities, Literacy Practices, Specialized Educational Care (SEC) Centers. Learning.

___________________ 1 Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC), sob orientação da Professora Doutora Izabel Magalhães (PPGLA/UFC). Professora do LEMdo Colégio Militar de Fortaleza (CMF). [email protected]

Artigo 2

Page 18: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

18

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

1. Introdução

A implantação dos Centros de Atendimento Educacional Especializado (AEE de agora em diante) pelo governo ocasionou uma mudança na dinâmica das relações profi ssionais das então cha-madas escolas especiais, pois os profi ssionais das diversas áreas que antes prestavam atendimento de forma isolada, tiveram então que desenvolver um trabalho conjunto. Nessa nova confi guração, as identidades profi ssionais são reconstruídas, infl uenciadas, em grande medida, pelas práticas de letramento das diversas áreas profi ssionais presentes no centro. Este artigo objetiva analisar como se dá a reconstrução dessas identidadesprofi ssionais em um contexto com assimetrias nas relações cotidianas que, como se observará,estão ligadas às questões dos letramentos das áreas presentes nos AEEs, especifi camente na ins-tituição pesquisada. Os dados aqui apresentados advieram de pesquisa etnográfi ca desenvolvida por mim nos anos de 2010/11 em um AEE da cidade de Fortaleza, sendo que faço uso aqui de dois métodos etnográfi cos, a saber, as entrevistas e a observação participante.

2. Identidades

Os estudos em torno da identidade vêm ga-nhando cada vez mais importância nos estudos da Linguística Aplicada tanto no Brasil quanto no exterior (MOITA LOPES, 2002, 2010, 2011; HALL, 2006, 2009; WOODWARD, 2009; BARTON e HAMILTON, 1998; BARTON, 2009; GEE, 2000, 2000-2001, 2003, 2012). Hall (2006, 2009), Woo-dward (2009) e Moita Lopes (2002) concebem o sujeito da pós-modernidade como possuindo uma identidade fragmentada, não fi xa, composta de múltiplas identidades que são, muitas vezes, contraditórias e mal resolvidas, dinâmicas, po-dendo ser assumidas em diferentes momentos na vida moderna, de acordo com a necessidade e o contexto de situação.

No entanto, os estudos de Gee (2000-2001, 2003) sobre identidades ainda são pouco conheci-dos e divulgados no Brasil. Apresento aqui a suges-tão do pesquisador de como analisar identidades dentro de quatro perspectivas, fazendo uso de sua proposta em uma análise das identidades de quatro profi ssionais que trabalham em um Centro de Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Ao reconhecer a importância dos estudos

contemporâneos sobre identidade como um im-portante instrumento de entendimento do mundopós-moderno, Gee (2000–2001, 2003) desenvolveuma concepção de identidade que gira em tornode quatro maneiras nas quais alguém pode ser re-conhecido como um “determinado tipo de pessoaem um dado contexto” (2000-2001, p. 99). Duas ”implicações advêm daí: as identidades podem ser ambíguas ou instáveis; e também pode signifi car que as pessoas possuem múltiplas identidadesrelacionadas às suas performances na sociedade.

Gee considera essa dimensão do signifi cadode identidade como uma ferramenta de análise útil para questões de teoria e prática em relaçãoà educação (GEE, 2000-2001, p. 100), sobre quaisos tipos de identidades que podem ser encon-trados em alunos e alunas e entre professores e professoras. Para Gee (2000, p. 13), as pessoastêm acesso diferenciado a tipos de identidadesdiversos e a atividades relacionadas a elas, sendoque, por sua vez, elas estão relacionadas a de-terminados status e bens sociais – dessa formaé que as identidades podem ser uma fonte dedesigualdade na sociedade, pois poderão acabar limitando o acesso das pessoas a alguns tipos de identidades e não a outros. Visto que as iden-tidades e suas atividades são ordenadas pelalinguagem e através dela, o estudo da linguagemguarda uma relação primordial e integral comquestões de igualdade e justiça.

Em consonância com essas questões de acessoe de justiça social, o presente artigo tem comoobjetivo, seguindo a proposta teórico/metodoló-gica de Gee (2000-2001), reconhecer identidadesprofi ssionais presentes no AEE pesquisado, anali-sando como essas identidades são forjadas dentrode um contexto multiprofi ssional. Além disso,quando o governo determinou a criação dos AEEsem especifi car as funções que seriam exercidaspelos profi ssionais e pelas profi ssionais que ali trabalham, acabou gerando desestabilizaçõese ambiguidades que trouxeram à tona questõesde poder, tensões e assimetrias no contexto de trabalho que antes tendiam a permanecer opa-cas, visto que os profi ssionais e as profi ssionaistrabalhavam de forma individual e restrita à suaárea de atuação – tensões e assimetrias essas quetambém serão analisadas a partir principalmentedas transcrições das entrevistas das profi ssio-nais participantes da pesquisa. Sendo que nesteartigo analisarei parte da entrevista com duas

Page 19: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

19

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

profi ssionais.Gee (2000-2001, p. 100) defi ne quatro tipos

de identidade ou quatro maneiras de ver as identidades, a saber: Identidade Natural (N), Identidade Institucional (I), Identidade Discursiva(D) e Identidade por Afi nidade (A). Em seguida,defi nirei mais detalhadamente cada uma delas.

3. Quatro tipos de identidades

Primeiramente, é importante salientar queos quatro tipos de identidades aqui menciona-dos são diferentes sistemas de interpretação eque quase todo aspecto de identidade pode ser aplicado a eles. Isso porque essas quatro pers-pectivas de identidades estão inter-relacionadas,sendo que tudo depende do foco de atenção dopesquisador ou pesquisadora nos diferentes as-pectos que dizem respeito a como as identidades são formadas e sustentadas. Assim, as pessoas podem, ativamente, construir o mesmo traçode identidade de diferentes maneiras e podem negociar e contestar como essas característicasserão vistas, por elas mesmas ou pelos outros, emtermos das diferentes perspectivas em relação àsidentidades, podendo: aceitar, contestar e nego-ciar as identidades as quais serão primeiramente identifi cadas (N, I, D ou A). A questão primordial é: como e por quem determinada identidade seráreconhecida (GEE, 2000-2001, p. 101).

3.1. Identidades Naturais

Elas se referem ao estado que a pessoa é semque para isso tenha feito ou conseguido algo. Isso porque a “força”2 desse estado se desenvolvepor ela mesma, já que sua origem é a natureza,e não é controlada nem por um sujeito nem pela sociedade, como, por exemplo, possuir um irmãogêmeo (GEE, 2000-2001, p. 102). No entanto, éimportante reconhecer que, apesar dessas identi-dades terem suas origens na “força” da natureza,elas só podem tornar-se identidades a partir de seu reconhecimento pelas outras pessoas através das instituições, do discurso e pelos grupos de afi nidade, ou seja, pelas mesmas forças que cons-tituem os outros tipos de identidades analisadosaqui. Isso porque, ainda segundo o autor, essas quatro perspectivas de identidade apresentamrelações entre si no contexto das relações sociais

travadas cotidianamente (2000-2001).Além disso, visto que essa defi nição inicial de

identidade natural guarda relação direta com aidentidade pessoal, ela não é objeto de análise aqui. Interessam-me sim as identidades sociais deprofi ssionais em seu lugar de trabalho, travando relações cotidianas com outros profi ssionais eoutras profi ssionais de áreas distintas, no casoaqui: uma pedagoga e uma fonoaudióloga.

3.2. Identidades Institucionais

Um exemplo de identidade institucional é a profi ssão de professor, que é, por sua vez, uma posição e não algo que possa ser conseguidonaturalmente, isso porque a “força” que a deter-mina, é um grupo de autoridades, tanto gover-namentais (que possuem o poder instituído paracriarem concursos públicos) quanto acadêmicas, ou seja, por professores que participam dasbancas de seleção para esses concursos. Assim,o processo através do qual essa força funciona éa autorização, amparada em leis, regras, tradi-ções e princípios de vários tipos que permitemàs autoridades “criarem” a posição de professor com suas respectivas responsabilidades e direitos(GEE, 2000-2001, p. 102).

Segundo Gee (2000-2001, p. 103), as iden-tidades institucionais podem ser colocadas emum contínuo em relação a quão ativamente oupassivamente uma pessoa é capaz de preencher ou alcançar um papel na instituição, assim como o de assumir responsabilidades ali, sendo assim,podem ser vistas como um chamado, uma con-quista ou como uma imposição.

3.3. Identidades Discursivas

Refere-se a um traço individual ou a umacaracterística que somente existe quando éreconhecida socialmente, por exemplo, comode ser uma pessoa carismática. Ela não tem re-lação com as identidades naturais porque não éum traço com o qual a pessoa já nasce com ele,tampouco é um traço criado ou sustentado por uma instituição, o que caracteriza as identidadesinstitucionais. Portanto, o aspecto mais impor-tante das identidades discursivas é o reconheci-mento social, através do discurso, da existênciade determinadas características que tornariam

___________________ 2 Gee (2000 - 2001, p. 101) usa o substantivo “força” referindo-se à fonte ou origem do reconhecimento dos tipos de identidade propostos por ele.

Page 20: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

20

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

possível identifi cá-la de um modo e não de outro. A fonte desse “poder”, portanto, não é a natureza nem as instituições, mas “indivíduos racionais” – “racional” no sentido que as pessoas agem por determinadas razões ao identifi car um sujeito como sendo de certa forma e não de outra.

Da mesma forma que as identidades institu-cionais, as identidades discursivas também po-dem ser colocadas em um contínuo em termos de quão ativo ou passivo alguém é em incorporá-las, isto é, em termos de o quanto tais identidades podem ser vistas como atribuídas a uma pessoa, em vez de serem vistas como uma conquista ou realização ativa dessa pessoa. Um exemplopertinente (GEE, 2000-2001, p. 104) seria uma comparação com a forma na qual comumente são tratadas pessoas que apresentam Transtorno deDéfi cit de Atenção/Hiperatividade. Aquelas que vêm de famílias abastadas a maioria das vezes são reconhecidas como possuindo “difi culdades de aprendizagem”, alcançando assim mais opor-tunidades de realizarem testes e outros tipos detratamentos “especiais”, chegando muitas vezes a conquistar para si identidades discursivas como a de serem ‘crianças que apresentam atenção dinâmica, fl uida e criativa’. Por outro lado, as crianças de famílias que não possuem muitos recursos fi nanceiros acabam não tendo acesso à realização de testes avaliativos e, por conta disso, têm suas difi culdades atribuídas simplesmente ao seu comportamento. Essa conquista, “mais trabalhosa” da identidade discursiva acontece principalmente em contextos aonde existem assimetrias de poder entre diferentes áreas, oumesmo entre pessoas, o que será discutido à frente.

3.4. Identidades por Afi nidade

De acordo com Gee (2000-2001 p. 105; 2003, p. 31-32), as características dos grupos de afi ni-dade é que eles são compostos por um grupo de pessoas que tanto podem estar próximas umasdas outras fi sicamente quanto dispersas pelo mundo afora – a motivação que as une é seu interesse por determinado assunto ou tema, ouainda, práticas sociais em comum; sendo que, fora isso, apresentam pouco em comum. Outra característica seria a de terem sido “institucio-nalmente sancionados” (2000-2001, p. 107), já

que sua criação foi “orquestrada” pela instituiçãoa qual pertencem os profi ssionais.

Uma pessoa é como é em decorrência de umconjunto de experiências distintivas que teveem determinado “grupo de afi nidade”. O queas pessoas de determinado grupo de afi nidadedevem compartilhar para constituírem o grupo éa fi delidade a ele, o acesso e a participação empráticas específi cas que proveem a cada membrodo grupo as experiências requeridas para serem reconhecidos como pertencendo a tal grupo. As-sim, a força que as mantém unidas e fi delizadas àquele grupo é muito mais a participação ou o compartilhamento de interesses e práticas sociaisem comum do que traços culturais semelhantes (GEE, 2000-2001 p. 105). Esse tipo de afi liaçãoao grupo é bem pronunciado na fala da pedagogaSuyane, que será analisada mais a frente, quandoela usa expressões que deixam essa conexão bemexplícita, como: “o meu grupo é muito bom”,“foi fantástico como a gente integrou”, “a gentevai vendo como é que o grupo vai caminhando, né? [...] Então a gente teve muita conquista”.

4. Teoria social do letramento

O conceito de letramento adotado em minhapesquisa é o desenvolvido por Barton (BARTONe HAMILTON, 1998; BARTON, 2009; GEE, 2012)que, infl uenciado por Street (1984), compreendeo processo de letramento como envolvendo os usos particulares que determinada sociedade ougrupo faz da leitura e da escrita e que possuemseus usos intimamente ligados à cultura que lhescerca são denominados por Barton de práticas deletramento5 (2009, p. 36) que, por sua vez estãointimamente ligados ao conceito de eventos de letramento (HEATH, 1983, p. 71) como signifi can-do ‘qualquer ocasião na qual a escrita exerça umpapel integral nas interações comunicativas dos participantes’.

Considerando-se, portanto, que as práticasde letramento relacionam-se a uma concepçãocultural e social mais ampla dos eventos deletramento, nas quais as pessoas criam, conjun-tamente, signifi cados a partir de suas interaçõescom outros –, é possível articular esses eventosde letramento e as práticas de letramento com a construção de identidades, que são constan-

___________________ 3 Termo primeiramente empregado por Street (1984, p. 1).

Page 21: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

21

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

temente construídas, negociadas, negadas e re-construídas ao longo dessas interações. Sendo que essa característica fl uida das identidades (MOITA LOPES, 2002) também faz parte dos processossociais relacionados às transformações econô-micas e culturais contemporâneas (MAGALHÃES,2004/2005, p. 108).

No contexto de trabalho no qual minhapesquisa se desenvolveu, essas questões rela-cionadas às identidades profi ssionais são ricas edinâmicas visto que se realizam em um contextomultidisciplinar, onde múltiplos letramentos,presentes nas práticas de letramento diárias dos vários sujeitos que compõem o corpo de funcio-nários dos AEE, contribuem para a formação desuas identidades profi ssionais. Para compreender melhor essa dinâmica, é fundamental assistir aos eventos de letramento no AEE e conhecer as práticas de letramento ali presentes.

5. O AEE

Frente a esse quadro de indefi nições sobre ofuncionamento dos AEE, cada instituição procurou criar uma dinâmica própria que se mostrasse mais adequada ao seu contexto. Durante minha pes-quisa piloto (que se realizou no primeiro semestrede 2010), percebi que a maioria das instituiçõeseram compostas por uma equipe multiprofi ssio-nal, das áreas da educação e da saúde, de acordo com a LDB de 1996 (Lei Nº 9394/96, cap. V da Educação Especial, §1º). Mais especifi camente, a Resolução CNE/CEB4 (BRASIL, 2009, art. 9º)estabelece que professores deveriam trabalhar ‘... em interface...’ com os profi ssionais da áreada saúde. No entanto, não fi ca claro como seria essa “interface” entre esses profi ssionais. ”

Assim, durante o período de desenvolvimen-to de minha pesquisa etnográfi ca (de março de2010 a abril de 2011), a instituição pesquisadaestava dividida em duas células principais: no Atendimento Educacional Especializado, queconstitui a parte pedagógica; e no AtendimentoTécnico, que conta com os profi ssionais das áreasda Psicologia, Psicopedagogia, Psicomotricidade,Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Fisiote-rapia4. Sua estrutura física também refl ete essadivisão no atendimento: ela é dividida em doislados separados por um portão: de um lado fi cam

as nove salas de atendimento do AEE, ou o espa-ço pedagógico, e do outro lado, fi ca a Célula de Atendimento Técnico, na qual cada profi ssionalpossui uma sala de atendimento.

Antes da lei de criação dos AEE, a instituição funcionava como uma escola especial na qual,crianças e adultos com defi ciências intelectuais, tinham aulas que seguiam o currículo das escolasregulares com todas as matérias que lhes sãoinerentes. Paralelo a isso e de forma individual,ocorriam no lado técnico, os atendimentos nasáreas clínicas – Fisioterapia, Psicologia, Fonoau-diologia e Terapia Ocupacional – cada profi ssionaltrabalhando de forma isolada em sua área deespecifi cidade, atendendo tanto aos alunos dacélula da educação quanto aos que lá chegavamatravés do Sistema Único de Saúde – SUS, pois ainstituição possui um convênio com o governo.

Com o intuito de adequar-se às novas de-terminações governamentais de funcionamentodos AEE (MEC/SEESP/PNEE: 2007, p. 10; CNE/CEB4 (BRASIL, 2009, art. 9º), foram criados osGrupos Terapêuticos formados pelos profi ssionaisda área clínica (ou, técnica). Esses profi ssionaisagora iriam formar grupos de quatro, cada umde determinada área e realizariam, duas vezes por semana, visitas às salas de atendimentodo AEE para desenvolver com as crianças e osadultos uma atividade paralela à das pedagogas.Essa nova dinâmica reconfi gurou as relações de trabalho na instituição, pois agora os encontrosentre as pedagogas e os técnicos, que antes eramrestritos somente aos Conselhos de Classe, queaconteciam duas vezes ao ano, passam agora aacontecer pelo menos duas vezes por semana.

No entanto, a partir das observações duranteminhas visitas regulares à instituição e nas entre-vistas, pude perceber que os encontros dos doisgrupos são superfi ciais porque não existe um pla-nejamento dos atendimentos entre os dois grupose as pedagogas não fi cam em sala quando o grupo terapêutico entra. Esse encontro, portanto, nor-malmente se resume a um breve cumprimento de ambas as partes. Essa nova confi guração defuncionamento da instituição acabou por trazer à tona questões e demandas que dizem respeitoàs relações profi ssionais ali.

Assim, como apresentado na introdução,o objetivo deste artigo é entender como as

___________________ 4 Esses profi ssionais são chamados na instituição de técnicos e técnicas e é assim que me referirei a eles e elas de agora em diante.

Page 22: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

22

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

identidades dos profi ssionais pesquisados são construídas em um momento específi co de suas vidas, ou seja, nesse novo contexto de relações profi ssionais que são agora travadas na instituição pesquisada, relações essas que, por sua vez são infl uenciadas por práticas de letramento relativas às diversas áreas profi ssionais representadas ali.

6. Entrevistas

Para esta análise faço uso das entrevistas com uma pedagoga do AEE e uma Fonoaudióloga que pertence ao grupo terapêutico mencionadoanteriormente5.

As entrevistas a seguir referem-se à pergunta sobre o relacionamento da profi ssional entrevis-tada com os outros profi ssionais da instituição.Acredito que os tipos de relacionamento que são travados cotidianamente na instituição são uma fonte reveladora das identidades profi ssionais ali presentes, já que, entre as múltiplas personalida-des que possuímos, existem aquelas relacionadas às nossas performances na sociedade, aquelas que também são formadas na coletividade, aqui especifi camente, no contexto de trabalho. Na época dessa entrevista (outubro de 2010), a Peda-goga Sandra havia passado há pouco no concurso público da Prefeitura e sentia-se ainda novata na instituição. Ela descreve assim seu relacionamen-to com os profi ssionais e as profi ssionais do AEE:

Sandra: Olha, como a gente chegou agora, como eu cheguei agora e assim, não tinha experiência com educação especial, eu busco assim (ri) ajuda em todos os profi ssionais então assim a maioria do, por exemplo, dos professores – já trabalharam com meus alunos, né - eu procuro: “ele no ano passado era desse jeito?”, “... ele fazia isso? comé que você fazia?” então, assim, eu procuro mesmo as experiências deles pra poder me encaminhar, né e me encaminhar bem, né pra pra realmente... pegar o lado positivo de cada um.

Lissa: Certo. E com respeito aos técnicos, qual o con-tato que você tem com eles?

Sandra: É... eu tenho é... porque assim, tem os técnicos que atendem a minha turma, né e são praticamenteos mesmos que atendem a turma da manhã e da tarde então eu pego também do mesmo jeito, vou só catando informações e (ri) tentando absorver tudo: eu exploro

mesmo...

Lissa: E em que momento você tem esse contato com eles?

Sandra: Quando eles vêm pro atendimento. Assim, sempre que eu tenho alguma dúvida ou questionamento eu aproveito na entrada, né, no intervalo de um aten-dimento e outro, na saída eu acompanho, eu seguro, pra poder questionar alguma coisa.

É possível observar na fala de Sandra que ela se sente ainda em adaptação tanto na instituição quanto no que diz respeito à clientela, porém, ela demonstra grande interesse e preocupação em tentar se familiarizar com o atendimento aos alunos e alunas dali, recorrendo para isso aos seus companheiros e companheiras de trabalho. É pos-sível perceber em sua fala que não existem, pelo menos frequentemente, nem entre as pedagogas nem entre as pedagogas e os membros da equipe técnica, momentos cotidianos de encontro para discutirem procedimentos e casos específi cos que possam aparecer na instituição. Esses eventos de letramento (HEATH, 1983) são relativamente raros na instituição, o que foi percebido por mim tanto no tempo que fi quei realizando minha ob-servação participante de pouco mais de um ano, quanto nas entrevistas com os participantes e as participantes. Com exceção do Conselho de Classe, que acontece duas vezes ao ano, reuniões entre os dois grupos são esporádicas e pontuais.

Sandra também faz uma comparação entre o tipo de contato que trava com as professoras, com os técnicos e as técnicas, embora inicie sua fala usando o pronome indefi nido “todos” (linhas 2, 3). Com as professoras ela especifi ca que tipo de dúvidas normalmente tira com elas a respeito de seus alunos (linhas 4 – 8). Já com os técnicos, essa relação parece ser desenvolvida de forma um pouco diferente, pois, para começar, seu acesso aos técnicos, segundo sua afi rmação, parece estar mais restrita aos do grupo terapêutico que visitam sua sala (linhas 11 – 14). Ainda segundo ela (linhas 16 – 20), até mesmo o tempo disponível para essa conversa parece estar limitado aos momentos que antecedem e sucedem ao atendimento, momen-tos nos quais ela parece ter que se esforçar para

___________________ 5Para Gee (2001, p. 719; 2003, p. 6, 7), existem dois tipos de discurso: o que ele chama de discurso com o “d” minúsculo refere-se simplesmente à linguagem em uso, à linguagem do dia-a-dia. Já quando seu uso aparece com o “D” maiúsculo, refere-se à linguagem combinada com outras práticas sociais, comovalores, comportamentos, maneiras de pensar, agir, interagir, acreditar e assim por diante, dentro de um grupo específi co. Sendo que as pessoas podem fazer parte de diferentes comunidades Discursivas, como um aluno “nota dez” ou um “professor estudioso”.

Page 23: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

23

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

conseguir entrar em contato com eles e com elas.Gee (2001, p. 719) considera que um Discurso

inclui maneiras de falar, escutar, escrever, agir, interagir, acreditar, sentir e valorar (podendo também ser usados nesse universo vários objetos, símbolos, imagens, ferramentas e tecnologias), isso com o objetivo de legitimar identidades situadas socialmente. Assim, Sandra procura le-gitimar no AEE sua recém adquirida identidade institucional (isso porque teve que se especializar na área seguindo todos os requisitos burocráticos e educacionais que são requeridos) de Pedagoga da Educação Especial por procurar conselhos profi ssionais e orientação tanto das outras peda-gogas quanto dos profi ssionais e das profi ssionais da área técnica da Instituição.

Para a fonoaudióloga que integra o grupo terapêutico indago sobre sua introdução e fun-cionamento no AEE:

Suyane: [...] o meu grupo é muito bom, tem o psico-pedagogo, tem o terapeuta ocupacional, e quando eu entrei não tinha psicóloga, atualmente tem, né? mas assim, era a fi sioterapeuta, mas foi fantástico como a gente integrou, né? [...] aí vai pensando diferente, a gente vai vendo como é que o grupo vai caminhando, né? [...] Então a gente teve muita conquista. Nosso gru-po foi excelente, assim de alunos que eram totalmente distantes, que vinham, sentavam e a gente registrava porque assim, se a gente contar ninguém acredita que um aluno tal tava sentado fazendo a atividade e inte-ragindo, sabe? E aí foi muito bom, né? porque a gente, a gente une, é uma atividade só, mas com diversos olhares, né? aí a gente, assim, tem uma semana que predomina mais um assunto da fonoaudiologia, que não deixa de todos estarem sempre atuando, né?

É possível perceber em sua fala a presença signifi cativa das identidades por afi nidade dos grupos terapêuticos, quando ela destaca os atributos de seu grupo (linhas 1, 3 - 6). Em se-guida, a profi ssional ressalta como as diferenças relativas às diversas áreas representadas pelos profi ssionais do grupo vão sendo integradas em“uma atividade só” (linha 10), reforçando, assim, ”a teoria de Gee (2003, p. 32) de que o conheci-mento dentro de um grupo de afi nidade é tanto intensivo – baseado no conhecimento de cada um – quanto extensivo, ou seja, ele é partilhado por cada membro do grupo e é adaptado de forma a “caber” no grupo como um todo. Isso porque uma das características mais marcantes desses grupos de afi nidade é que seus interesses específi cos são expressos através de práticas compartilhadas ou

de algum esforço em comum, envolvendo para isso o compartilhamento de práticas:

Em um grupo de afi nidade, o conhecimento é, frequen-temente, tanto intensivo (cada pessoa que adentra ao grupo traz algum conhecimento em especial) e exten-sivo (cada pessoa compartilha algum conhecimento e atua com os outros). Em um grupo de afi nidade o conhecimento é também, frequentemente, distribuídoentre pessoas, instrumentos e tecnologias, não fi can-do restrito assim a uma pessoa [...]. Em um grupo deafi nidade a maior parte do conhecimento geralmente é tácito, isto é, construído em práticas diárias e arma-zenado nas rotinas e nos procedimentos das pessoasque estão engajadas nas práticas do grupo. Tal conhe-cimento não é verbalmente explicado com facilidade. Novos membros adquirem tal conhecimento tático pela participação orientada nas práticas do grupo e não primeiramente através da instrução direta fora dessas práticas (Grifos do autor) (GEE, 2003, p. 32).6

De acordo com a fala de Suyane e a descrição de Gee sobre o que torna possível a existênciade um grupo de afi nidade, é possível perceber, em relação aos grupos terapêuticos, a tentativa e o interesse de seus membros em partilharem práticas e vivências em seu dia a dia de forma a desenvolverem “uma atividade só, mas com diversos olhares” (linhas 9, 10), demonstrando ”assim, a identidade por afi nidade dos grupos terapêuticos observados.

7. considerações fi nais

Ao falar sobre seu relacionamento com os outros profi ssionais da instituição, Sandra deixa claro seu objetivo de legitimar uma Identidade Institucional no AEE através tanto de questiona-mentos como da observação dos atendimentos por parte de seus colegas mais antigos, visto que os pré-requisitos burocráticos para exercer aprofi ssão já foram cumpridos por ela. Além disso, há uma preocupação por parte da pedagoga de ser reconhecida em seu novo lugar de trabalho como uma boa profi ssional na área, revelando também uma Identidade Discursiva que é constru-ída no contexto de trabalho através das relações travadas ali.

Já em relação às identidades profi ssionais dos membros dos grupos terapêuticos, foi possível identifi car como força de união de cada grupo, asidentidades por afi nidade, visto que os profi ssio-nais das diferentes áreas que compõem os gruposintegram-se através de práticas em comum ou,

___________________ 6 Tradução minha direto do original (GEE, 2003, p. 32).

Page 24: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

24

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

como defi niu Suyane: “[...] é uma atividade só, mas com diversos olhares” (linhas 9, 10).”

Através da identifi cação e análise dos tipos de identidades profi ssionais presentes na instituição percebe-se que, enquanto as pedagogas estão preocupadas em afi rmar-se enquanto profi ssionais na instituição, os grupos terapêuticos parecem confortáveis em suas identidades discursivas e institucionais, dedicando assim tempo para desenvolver os atendimentos em seus respecti-vos grupos. É possível concluir então que existe uma clara separação entre esses dois grupos de profi ssionais.

As identidades que são construídas ali – tipos diferentes para as pedagogas e para os mem-bros dos grupos terapêuticos – indicam que suas estratégias profi ssionais e de socialização são diferentes devido às diferentes necessidades co-tidianas desses dois grupos de profi ssionais, pois os técnicos preocupam-se mais com seu trabalho e as trocas de informações relacionadas aos aten-dimentos dentro de seu grupo sem se preocupar em ter que fi car como que ‘lutando’ em torno do reconhecimento de suas identidades profi ssionais e sociais dentro da instituição. Já as pedagogas veem a necessidade de procurar o reconhecimen-to desses dois aspectos das identidades tendo que negociá-las cotidianamente no trato com os outros profi ssionais do Centro (GEE, 2000-2001). Isso demonstra a existência de uma assimetria nas relações entre esses profi ssionais que, idealmen-te, deveriam estar trocando informações entre si para melhor prestar atendimento aos defi cientes intelectuais que frequentam a instituição.

Portanto, o novo formato dos AEE imposto pelo Governo, de integração entre o setor clí-nico e o educacional, deve ser repensado de forma que os dois lados possam trabalhar juntos valorizando igualitariamente as características das áreas profi ssionais representadas na insti-tuição. Provavelmente, um caminho seria o de incrementar os eventos de letramento (HEATH, 1983) na instituição por tornar mais frequentes os encontros dos dois grupos de profi ssionais de modo que exista um planejamento mais amplo de atividades em comum. O desenvolvimento das práticas de letramento (STREET, 1984) en-volvendo as pedagogas e os membros dos grupos terapêuticos pode contribuir para que o processo sde inclusão dos que recebem atendimento possa ocorrer de forma mais holística e natural.

REFERÊNCIAS

BARTON, D.; HAMILTON, M. Local literacies: reading and wri-ting in one community. Londres/Nova York: Routledge, 1998.

______, D. Literacy: an introduction to the ecology of written language. Oxford, Reino Unido/Cambridge, EUA: Blackwell, 2009.

FONTENELE, L. M. S. O Novo Contexto da Educação Espe-cial: uma pesquisa etnográfi co-discursiva sobre identidades profi ssionais e maternas. Tese de Doutorado, UFC, 2014.

GEE, J. P. Identity as analytic lens for research in education. Review of Research in Education, v. 25, p. 99-125, 2000–2001.

______, J. P. Reading as situated language: a social cogni-tive perspective. Journal of Adolescent & Adult Literacy, v. 44: 8, p. 714 – 725, 2001.

______, J. P. Discourses in and out of school: looking back. Artigo preparado para um fórum na Universidade de Hofstra, Nova Iorque, Estados Unidos, p. 1 – 41, 2003.

______, J. P. Social linguistics and literacies. Abingdon,Oxon: Routledge, 4 ed., 2012.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradu-ção de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

______, S. Quem precisa de identidade? Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. In: TOMAZ, T. S. Iden-tidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 103-133.

HEATH, S. B. Ways with words: language, life, and work in communities and classrooms. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.

MAGALHÃES, I. Escrita e identidades. Cadernos de Linguagem e Sociedade, Brasília, The-saurus, v. 7, p. 106-118, 2004/05.

BRASIL, MEC/SEESP: Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007).

BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/CEB4, 2009, art. 9º.

MOITA LOPES, L. P. Identidades fragmentadas. Campinas: Mercado das Letras, 2002.

______, L. P.; BASTOS, L. C. (org.). Para além da identida-de: fl uxos, movimentos e trânsitos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

______ L. P.; BASTOS, L. C. (org.). Estudos de identidade: entre saberes e práticas. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2011.

STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva eGuacira Lopes Louro. In: TOMAZ, T. S. Identidade e dife-rença: a perspectiva dos estudos culturais. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 7-72.

Enviado para publicação: 05/09/2014

Aceito para publicação: 16/10/2014

Page 25: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

25

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

EFEITOS DA POLÍTICA DE INCLUSÃO ESCOLAR NA ORGANIZAÇÃO DAS PRÁTICAS DA APAE DE FLORIANÓPOLIS

EFFECTS OF SCHOOL INCLUSION POLICY IN THE ORGANIZATION OF THE PRACTICES OF APAE FLORIANOPOLIS

Daiane Antunes Duarte1

Eliana Pereira de Menezes2

Resumo. O presente trabalho buscou compreender como a APAE de Florianópolis/SC tem se reorganizadopara desenvolver suas práticas tendo em vista a política de inclusão escolar. Para tanto, recorro a sete profes-sores da instituição e busco através de um questionário elementos que me possibilitem conquistar tal objetivo.Assim, na análise dos dados, tendo em vista a política de inclusão escolar, foi possível perceber que a APAE temreestruturado suas práticas para que possa continuar desempenhando suas funções enquanto instituição da áreada educação especial. A reorganização percebida pelos professores da instituição se dá com maior ênfase emaspectos materiais como a reestruturação das turmas, na disponibilidade dada aos professores de um dia dasemana livre para acompanhar os alunos no ensino regular, para cursos e planejamentos. O Serviço de Atendi-mento Educacional Especializado – SAEDE, as parcerias entre APAE/sala multimeios/professores do ensino regular,bem como a oferta de cursos sobre a política de inclusão, também resultaram em mudanças signifi cativas. Foipercebida a maior frequência dos alunos incluídos no ensino regular, e também um crescimento na procura devagas para a estimulação essencial.

Palavras-chave: Educação inclusiva - APAE – efeitos, práticas.

Abstract. The present study attempt to understand how APAE Florianópolis/SC is reorganized to developtheir practices in order to perform school inclusion policy. For that, I turn to seven teachers of the institutionand seek through a questionnaire the elements that allow me to reach that goal. Thus, in the data analysis,with a view in the school inclusion policy, it was revealed that the APAE has restructured its practices in order to continue performing his duties as an institution of especial education. The reorganization perceived by tea-chers of the institution occurs with greater emphasis on material aspects such as the restructuring of classes,in the availability given to teachers to have a day of the week free to follow students in regular education, tolectures and planning. The “Serviço de Atendimento Educacional Especializado” – SAEDE (Especialized Educa-tional Service), the partnerships between APAE/sala multimeios (“multiwaysroom”)/regular teachers, as wellas offering lectures about the inclusion policy, also resulted in signifi cant changes. Was perceived the largestattendance of included students in the mainstream education, and also an increase in demand for places for essential stimulation.

Keywords: Inclusive education – APAE – effects, practices.

Artigo 3

___________________ 1 Educadora Especial da Prefeitura Municipal de Florianópolis/SC, e-mail: [email protected] Orientadora. Educadora Especial, Professora Adjunta do Departamento de Educação Especial da UFSM.

Page 26: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

26

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

1. Introdução

O Atualmente a educação inclusiva é um dos maiores desafi os do sistema educacional. Traz às salas de aula do ensino regular aqueles que antes eram excluídos desse espaço, buscando promover a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal de todos.

Nesse contexto, considerando as atuais orien-tações legais na área da educação, que orientam os espaços de educação especial a se reorga-nizarem, transformando-se em centros de AEE (Atendimento Educacional Especializado) para que possam continuar recebendo o fi nanciamento público, indispensável para a manutenção desses espaços, propus a realização da presente inves-tigação, a partir da qual busquei compreender como a APAE de Florianópolis/SC tem se reorga-nizado para desenvolver suas práticas tendo em vista a política de inclusão escolar.

Para tanto busquei informações com quem vivencia esta reestruturação no dia-a-dia, os profi ssionais da instituição. O processo de coletados dados foi constituído a partir da construção de um questionário, cujas perguntas tinham como foco possibilitar a compreensão dos efeitos da política de inclusão nas práticas que a institui-ção têm ofertado aos seus alunos. A análise dos dados coletados foi construída a partir de uma abordagem qualitativa de pesquisa.

Neste sentido, tendo visto o discurso produ-zido pelas políticas educacionais brasileira, que estão apoiadas em discursos que visam à con-cretização da proposição de universalização da educação básica, e na forma como o movimentoapaeano buscou incluir-se e referendar estas po-líticas, procuro ler como os sujeitos profi ssionais operadores desta realidade têm percebido os efeitos da inclusão na sua prática cotidiana e na sua percepção da realidade. Para tanto, faz-se necessário expor brevemente como foi pensado este questionário e a forma como pode ser lido os “efeitos” da inclusão, tomados aqui não como meros efeitos materiais, mas em como as polí-ticas de inclusão estabelecem subjetividades e tornam-se um imperativo para os sujeitos. Comoenunciado em Menezes (2011, p. 50), “a lingua-gem não só representa a realidade ela a produz”.

A pesquisa foi realizada com sete (7) profes-sores da APAE de Florianópolis, que trabalham na área da educação especial entre 3 a 13 anos.

Dos professores que responderam ao questionário seis (6) tem formação em pedagogia com espe-cialização em educação especial e uma (1) tem formação em educação especial pela UFSM.

2. O desenvolvimento das políti-cas inclusivas e a reorganização da educação especial

No Brasil as ações na área da educação espe-cial tiveram início na segunda metade do século XIX, com o surgimento do Imperial Instituto deMeninos Cegos (denominado atualmente de Insti-tuto Benjamin Constant-IBC/RJ) e o Imperial Ins-tituto de Surdos-Mudos (denominado atualmente de Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES/RJ) onde os trabalhos de educabilidade eram voltados à área clínica, tendo em vista a cura da defi ciência para retornar à normalidade.

A Educação Especial brasileira, ao longo de seu proces-so de constituição, apresenta algumas característicasespecíficas que consolidaram seu distanciamento do sistema comum de ensino. Dentre elas, podemos destacar o afastamento do Estado em relação às questões educacionais da pessoa com deficiência mental e a legitimação de instituições especiais como o âmbito educacional mais adequado para educá-la, transferindo a responsabilidade da educação desta população para o setor privado, especialmente paraaquele de caráter fi lantrópico. (MELETTI, 2008, p.1)

Diante do predomínio de uma forma liberal conservadora de Estado durante quase todo sé-culo XX, o princípio da solidariedade humana foi fortalecido gerando o atendimento das pessoas com defi ciência no setor privado. Assim, com oafastamento do Estado das questões educacio-nais e de assistência social surgem instituições especiais privadas para o atendimento de pessoas com defi ciência, como o Instituto Pestalozzi, em 1926, especializado no atendimento às pessoas com defi ciência mental e, em 1954, é fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Ex-cepcionais- APAE (MEC/SEESP, 2008). Espaços especializados voltados para a aprendizagem de ações de vida diária, treinamento de habilida-des em ofi cinas protegidas de trabalho e, para aqueles que conseguiam, atividades pedagógicas de alfabetização, sendo sustentada a existência de sistemas paralelos de ensino - o regular e oespecial (MENEZES, 2011).

A partir da década de 1990 passa-se a falar em inclusão, ocorrendo uma reestruturação no cenário educacional. O paradigma inclusivo

Page 27: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

27

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

adentrou nas discussões sobre educação especial no Brasil, através de conferências internacionais que visaram à proposição de universalização da educação básica nos países em desenvolvimento, tais como: a Conferência Mundial de Educaçãopara Todos, em Jontiem (1990), na Tailândia; Conferência Mundial sobre Necessidades Educati-vas Especiais (1994), em Salamanca, na Espanha; Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Defi ciência (1999), na Guatemala; Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi ciência (2006) – ONU, em Nova Iorque. (GARCIA, 2010). Segundo a Declaração de Salamanca, o

Princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer difi -culdades ou diferenças que elas possam ter. Escolas inclusivas devem reconhecer e responder às necessi-dades diversas de seus alunos, acomodando ambos os estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando umaeducação de qualidade a todos através de um currículo apropriado, arranjos organizacionais, estratégias de ensino, uso de recurso e parceria com as comunida-des. Na verdade, deveria existir uma continuidade de serviços e apoio proporcional ao contínuo de ne-cessidades especiais encontradas dentro da escola.

Na legislação brasileira, foi com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996), o De-creto nº6.571/2008, a Resolução 004/2009, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (2001), o Decreto 6.711 de 2011 e o PNE de 2011 que a chamada educação inclusiva ganha força nos discursos políticos.

A inclusão dos alunos com defi ciência no en-sino regular passa a ser uma questão de direitos humanos e se estabelece com a possibilidade de escolha da família e da escola quanto à matrícula, conforme a LDB 9.394/96

Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com defi ciência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

Este documento prevê a oferta de matrícula preferencialmente na rede regular de ensino, sem a obrigatoriedade que hoje vivenciamos. Segundo Menezes (2011, p. 30)

Hoje, especialmente pela Resolução nº4, de 2009, que instituiu diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na educação básica, a matrícula do aluno com defi ciência em escolas es-peciais e/ou centros de atendimento especializado

fi ca condicionada à matrícula desse aluno na escola regular. Sendo assim todo pai e/ou responsável por pessoas com defi ciência que deseja matricular seu fi lho em espaços especializados de educação deverá obrigatoriamente matriculá-lo na escola regular.

No Estado de Santa Catarina, diversas ini-ciativas acompanharam o desenvolvimento da legislação nacional e de diversas instituições de atendimento especializado. Em 1961 foi criada uma Divisão de Ensino Especial, ligada a Secreta-ria de Educação- SED, em 1963 foram formadas parcerias com instituições privadas de ensino – como as APAEs – e, em 1968 foi criada a Fun-dação Catarinense de Educação Especial (FCEE), que tinha como propósito defi nir as diretrizes de funcionamento da educação especial em âmbito estadual e promover a capacitação de recursos humanos e a realização de estudos e pesquisas ligadas à prevenção, assistência e integração dapessoa com defi ciência, acompanhada de outras iniciativas com o passar do tempo. Mas foi apenas no ano de 2006 que foi sistematizada uma política estadual para educação especial, estabelecida no documento “Política de Educação Especial do Es-tado de Santa Catarina” (SANTA CATARINA, 2009).

Para compreendermos a reestruturação da APAE de Florianópolis é necessário compreender-mos como o estado de Santa Catarina, bem como o município de Florianópolis, vêm se organizando para a implementação da política de educação inclusiva a partir da Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina (2006). Este docu-mento foi elaborado pela Fundação Catarinense de Educação Especial – FCEE, em conjunto com a Secretaria de Estado da Educação – SED, com a contribuição de diferentes segmentos da so-ciedade.

Segundo a Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina (2006) os serviços da educação especial,

São serviços diversifi cados, oferecidos pelo poder público de forma direta ou indireta através das ins-tituições conveniadas com a FCEE, para atender as necessidades educacionais especiais da pessoa com deficiência, condutas típicas e altas habilidades.

Quanto aos educandos da rede regular de ensino, terão atendimentos em educação es-pecial em caráter de apoio, complementar ousuplementar e podem ser:

- Serviço de Atendimento Educacional Especializado – SAEDE;

Page 28: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

28

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

- Serviço de Atendimento Especializado – SAESP;

- Turma Bilíngüe – LIBRAS/Português, na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental para educandos com defi ciência auditiva;

- Professor intérprete em turmas das séries fi nais do ensino fundamental, ensino médio, nas modalidades da Educação Básica e no nível superior;

- Instrutor de Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS em todos os níveis de ensino, etapas e modalidades da Educação Básica;

- Professor de educação especial nas turmas de todas as etapas e modalidades da Educação Básica, nas quais estiverem matriculados educandos com diagnóstico de condutas típicas ou com severos comprometimentosmotores;

- Acompanhante terapêutico, da área da saúde, aos educandos que necessitarem de atendimento individu-alizado em função de necessidades específi cas;

- Técnico da área da saúde, em escolas onde houver ma-tricula de alunos da educação especial com comprome-

timento clínico que demandem supervisão constante.

O SAEDE é o serviço de maior abrangência es-tadual, é denominado em sua especifi cação pela área de atendimento, as áreas são: defi ciência Intelectual - DI, defi ciência auditiva - DA (surdez e defi ciência auditiva), defi ciência visual - DV (cegueira e baixa visão), Transtorno de Défi cit de Atenção e Hiperatividade - TDAH, Transtorno Global do desenvolvimento - TGD, Altas Habili-dades - AH.

A APAE de Florianópolis, conveniada à FCEE, possui atendimento de SAEDE/DI e SAEDE/TGD, conforme a Política do Estado de Santa Cata-rina, bem como serviços de SAESP- Serviço de Atendimento Especializado, este atendimento também é composto pela estimulação essencial; SPE- Serviço Pedagógico Específi co; Centro de Convivência e Educação Profi ssional.

Neste momento pretendo discorrer sobre o posicionamento das Apaes em relação à política de educação inclusiva e como ela vem se rees-truturando. Nesse sentido, irei buscar subsídios a partir de dois documentos elaborados pela Fe-napaes: Apae educadora (2001) , Posicionamentodo movimento apaeano em defesa da inclusãoescolar de pessoas com defi ciência intelectual e múltipla (2007) e declarações do ex- presiden-te da Federação Nacional das APAES, Eduardo Barbosa.

Segundo Eduardo Barbosa, a partir da LDB (Lei nº 9.394/96) houve uma organização das escolas especiais em níveis de ensino para se adequar a nova lei, pois antes não havia essa exigência, havia somente turmas estruturadas, não havia a obrigatoriedade de seriação, não ha-via a necessidade de aprovação ou promoção dos alunos; ou seja, não era garantido um percurso educacional nos níveis de ensino. Nesse sentido foi elaborado pela FENAPAES o documento Apaeeducadora: A escola que buscamos com uma proposta de orientação educacional prevista noPlano estratégico – Projeto Águia.3

Visando oferecer orientações à organização e ao funcionamento das escolas no âmbito do Movimento Apaeano, a proposta resultou de inúmeras discussões com diferentes segmentos do Movimento Apaeano, com professores e estudiosos dedicados à educação especial. O material se constitui fonte privilegiada de subsídios para a elaboração de propostas pedagógicas que levem em conta o arcabouço legal existente e o público espe-cífi co com o qual lidamos em nossas escolas apaeanas.

Segundo o documento Apae educadora (2001, p. 26) a educação especial, como uma modalida-de de educação escolar, é

um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal dos educandos que apresentem necessidades educacionais muito diferentes da maioria das crianças e jovens.

A Apae educadora tem como objetivo a inser-ção das escolas da Apae na estrutura da educação nacional, ofertando educação infantil, ensino fundamental, educação de jovens e adultos e educação profi ssional. Entendendo “sua esco-larização de nível básico até as fases iniciais do ensino fundamental adotando o sistema de ciclos e/ou séries”. Para a operacionalização desta proposta as escolas apaeanas devem basear-se no currículo da rede regular de ensino, fl exibilizando e adequando para atender as potencialidades e necessidades dos educandos.

Na educação pré-escolar, ao fi nalizá-la, o aluno mediante um processo avaliativo, poderá ser encaminhado ao ensino regular e se indicado pela avaliação poderá permanecer matriculado na escola da APAE para continuidade do seu processo educacional. Quanto ao ensino funda-mental:

___________________ 3 O Projeto Águia constituído de dois programas, o programa de desenvolvimento técnico e o programa de desenvolvimento gerencial, foi criado com o objetivo de melhoria da capacidade gerencial das unidades, na gestão 1998/2003.

Page 29: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

29

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

No programa de escolarização da fase inicial do ensino fundamental, o aluno poderá ser transferido para as escolas comuns do ensino regular para prosseguimen-to de sua escolarização. Se indicado pelo processo avaliativo, poderá receber da escola especial da APAE atendimento de apoio especializado, pedagógico e psicopedagógico, bem como benefi ciar-se de outros ser-viços disponíveis na entidade (FENAPAIS, 2001, p. 42).

Estes outros serviços se constituem em aten-dimentos especializados nas áreas emocional, cognitiva, psicomotora, fonoaudiológica, com-portamental, fi sioterápica, etc.

A FENAPAES se posiciona a favor da abertura do sistema educacional para pessoas com defi -ciência, onde destaca que este é um desejo da federação desde sua criação em 1962, onde umdos objetivos principais era estimular e apoiar as escolas públicas para oferecer educação às pessoas com defi ciência (BARBOSA, 2009).

No entanto é contra a forma radical de inclusão, pois entende a inclusão como acesso pleno aos direitos sociais não dependendo de qual espaço físico esses direitos serão exercidos.A Fenapais (2007, p.5) defende,

a continuidade e a manutenção das escolas especiais, como espaço de direito e, portanto, tão inclusivo quanto as escolas comuns, concernente ao direito à educação em escolas especiais dos educandos que, em função das suas condições específi cas, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regu-lar, conforme estabelece a LDBEN, no artigo 58, § 2º.

Nesse sentido a Fenapais destaca a importân-cia do diálogo entre o governo e os movimentos sociais neste momento de consolidação de uma política de inclusão, pois

Afi nal, a rede de escolas especiais existente no país é constituída, fundamentalmente, por instituições cria-das e desenvolvidas pelo terceiro setor que, por ser próximo das demandas reais de determinados segmen-tos sociais, tem sido incansável na defesa de direitos dessas populações vulneráveis (FENAPAIS, 2007, p. 6).

A reação do movimento apaeano se tornou mais forte com a forma da política de inclusão proposta na meta 4 do novo Plano Nacional de Educação (PNE) que está em tramite nas casasdo Congresso Nacional. Na forma escrita, apenas entidades públicas estariam aptas a realizar ainclusão de pessoas com necessidades especiais, cujo atendimento deveria ser universalizado, restringindo ou excluindo assim, a existência das APAEs para atendimento especializado. Assim, o

movimento apaeano se insere na defesa da conti-nuidade de seus serviços de atendimento especial aos defi cientes enquanto instituição fi lantrópica, defendida como parte dos direitos reservados a entidades do terceiro setor.

3. Efeitos das políticas de inclusão escolar nas práticas da apae de fl orianópolis/sc

Tendo em vista a política de educação inclu-siva, busco a partir das respostas dos professores ao questionário aplicado compreender como a APAE de Florianópolis vem se organizando para desenvolver suas práticas. Deste modo, concor-damos que

Para tanto, o ponto de partida é um entendimento segundo o qual as formas organizativas do trabalho pedagógico são uma expressão da organização do fazer docente em condições que lhe são dadas. As formas organizativas são compreendidas, nos termos deste estudo, como sínteses concretas dos processos de gestão, fi nanciamento, da organização curricular, das condições do trabalho docente, das possibilida-des da relação pedagógica na interação professor/aluno e aluno/aluno, dos processos avaliativos, entre outros elementos fundamentais que dão con-tornos para a escola. Por outro lado, tais condições compreendem também as concepções que ampa-ram as práticas pedagógicas (GARCIA, 2006, p.300)

A atual política de educação especial Segundo (GARCIA, 2006, p.301, apud CAMBAÚVA, 1988)

afi rma uma abordagem de atendimento educacional que se pautem pelo pedagógico como forma de se contrapor à forma clínica de atuação na educação especial, a qual se baseia no modelo médico-psi-cológico, centrado na etiologia da defi ciência e na descrição e medição da (in)capacidade dos sujeitos.

Neste sentido, na atual política é utilizado o conceito de necessidade educacionais especiais como uma expressão das tentativas de superação desse modelo de compreensão e das práticas da educação especial. Buscando tirar o foco dos diagnósticos e da defi ciência para colocá-los sobre as necessidades de aprendizagem, nesse sentido o Parecer CNE/CEB 17 / 2001 afi rma queesta “nova abordagem” é “capaz de superar otrabalho pedagógico tradicional da educação especial por trabalhar na perspectiva da inclu-são”(GARCIA, 2006, p.302).

Assim, na questão que refere a Qual a sua opinião sobre a educação inclusiva?, todos os pro-fessores se mostraram favoráveis e acreditam que

___________________ 4Os professores serão referidos nas análises das respostas como P1, P2, P3, e assim sucessivamente.

Page 30: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

30

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

“é fundamental para o desenvolvimento integraldo aluno, que necessita do apoio pedagógico, foi um grande avanço na educação brasileira” (P2), que “a educação inclusiva foi implantada para dar o direito de todos terem a oportunidade de aprender, para mim foi um grande acontecimento para a educação” (P4).

Porém, foi observado que os professores têm, segundo (GARCIA, 2006, p. 300 apud OZGA, 2000)“percepção da política como um processo, não como algo já dado, mas altamente dinâmico na relação proposto/vivido” como exposto nas falas de (P3) “a inclusão é um processo lento, que temos um longo caminho a percorrer, buscando alternativas para garantir o ensino de qualida-de”, (P4) “a cada ano percebemos mais avanços nessa política”, (P5) “acredito que ainda estamos engatinhando, procurando a forma correta da inclusão”. Nesse sentido os professores da insti-tuição acreditam que “a APAE tenha a função deconscientizar, preparar, orientar quanto à edu-cação inclusiva, tanto pais quanto alunos” (P5). Nesta questão também foi exposto a necessidade de mudanças no ensino regular, pois “ainda tem muitas faltas no ensino regular para atender os alunos, como empenho dos professores para a aprendizagem das crianças.” segundo BAPTISTA (2004, p. 10) é

necessária transformação da escola e das alternativas educativas para favorecer a educação de todos, com garantia de qualidade. Nesse sentido, a inclusão tem colaborado para uma discussão relativa aos limites da escola e para a necessidade de intensas mudanças.

Na questão que se refere a Como a APAE tem se reorganizado para desenvolver suas práticas em função da política de educação inclusiva?,como já exposto neste estudo a APAE de Floria-nópolis se organiza tendo como base a Política de Educação Especial de Santa Catarina e o docu-mento APAE educadora. Nessa questão percebe-se uma ênfase das professoras na reestruturação da APAE sob o efeito próprio da política inclusiva, em como opera-se a constituições de espaços próprios para realização da inclusão tal como expressa no corpo legal “no setor SAEDE (servi-ço de atendimento educacional especializado) temos por conta da política do estado de SC, a oportunidade de ir nas escolas do ensino regular para as assessorias pedagógicas”. A APAE, como outros AEE também cumpre o papel de serviçoresponsável pela Educação Especial na cidade

de Florianópolis. Segundo (GARCIA, 2004, p.14)os sistemas de ensino devem constituir um setor responsável pela educação especial que assuma as tarefas de gestão e acompanhe as unidades escolares na prestação dos serviços educacionais. Seguindo os direcionamentos dados pela Reforma do Estado brasileiro (BRASIL, 1995), tais unidades podem ser públicas ou privadas, expressando uma fl exibilização das estruturas administrativas e da prestação de ser-viços em nível local. Tal direcionamento, contudo, produz uma equiparação entre instituições de ensino públicas e privadas, regulares e especiais (BRASIL, 2001a; 2001b), incorporando as escolas especiais pri-vado-assistenciais na rede ofi cial de ensino, resignifi -cando o privado como público e o paralelo em ofi cial.

Assim, percebe-se nas falas, a necessidadeque tiveram de implementar “cursos sobre a po-lítica de inclusão” e a realização de “parcerias com as salas multimeios e professores do estado para acompanhamento dos alunos no ensino regular” (P1) e acreditam que “as assessorias arede nestes últimos tempos tem trazido muitos resultados na área da aprendizagem”. De tal modo, “a APAE como instituição possibilita que os profi ssionais do ensino regular que atendem os alunos aqui matriculados, possam observar as práticas de atendimento dos pedagogos como dos fi sioterapeutas, fonoaudiólogos e demais técnicos que atendem aquele aluno” (P2). A “ênfase” dos “técnicos” revela ainda como profi ssionais de áre-as médicas-comportamentais continuam presente e destacados como momento de atuação “dife-rencial” das instituições apaenas. Além disto, vê-se a ênfase na relação e parceria entre APAEe família para realização da política inclusiva. Segundo (GARCIA, 2004, p.12 apud UNESCO, 1994)

Os professores devem desenvolver um perfi l de “pro-tagonistas”, uma personalidade “pró-ativa”, caracte-rizados como aqueles que atendem às necessidades básicas de aprendizagem de todos os alunos, que percebam seus interesses, que busquem parcerias com as famílias e os voluntários da comunidade, que desenvolvam atividades de gestão na escola.

Na questão Que mudanças são possíveis de serem visualizadas no cotidiano da instituiçãoa partir da emergência dessa política?, é co-mentado com maior ênfase aspectos materiais da reestruturação da APAE, tal como a “reestru-turação das turmas”, somado à disponibilidade dada aos professores de um dia da semana para acompanharem os alunos no ensino regular, bem como para cursos e planejamentos (P1), como “o aperfeiçoamento dos profi ssionais” (P2) ou “a urgência em profi ssionais mais capacitados e

Page 31: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

31

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

comprometidos”; também revelam que como “a instituição está buscando conscientizar a neces-sidade e os benefícios da política da educação inclusiva bem como os reforços para tal” (P5).

Revelam, inclusive, limitações do Estado nes-te intento – ou melhor, as próprias limitações do intento das políticas inclusivas em “incluir” semo devido respeito as várias diferenças presentes nos sujeitos considerados defi cientes, já que “o investimento do estado na capacitação para atender as especifi cidades das defi ciências ainda é um grande nó” (P2). Estes aspectos merecem destaque, pois parece percorrer outras falas, de como as políticas de inclusão não dão conta de todas as diferenças. Segundo os PCNs,

a educação dos alunos com necessidades educa-cionais especiais deve contemplar as “diferenças individuais” (BRASIL, 1998,p. 18), e “requerer um tratamento diversifi cado dentro do mesmo currículo”

(BRASIL, 1998, p. 24). Essas indicações dão margem a que se pense em recursos e métodos diversifi cados para o trabalho pedagógico, com a criação de alternativas nos processos de aprendizagem. Contudo, o debate sobre currículo avança no sentido de restringir o quedeve ser apreendido: “eliminação de conteúdos básicos do currículo” (BRASIL, 1998, p. 38) e “eliminação de objetivos básicos – quando extrapolam as condições do aluno para atingi-lo, temporária ou permanente-mente” (BRASIL, 1998, p. 39) (GARCIA, 2006, p. 306).

Na questão, Com relação aos alunos, vocês continuam atendendo o mesmo público de antes? Há mudanças na procura de vaga? E a faixa etária dos alunos permanece a mesma? vemos que por ?mais que haja uma constante no público atendi-do, é percebida a maior frequência dos “alunosque estão incluídos no ensino regular” (P1) e que “a idade mais procurada é a da fase inicial” (P3) e que “cada vez mais cedo estão vindo para a estimulação essencial” (P6). Isso tem em vistaque os efeitos da inclusão na sociedade, como são percebidos que “os setores como a estimulação é o que estão sendo mais procurados, pois hoje as famílias estão conseguindo orientação mais cedo” (P2) e que “todo ano aumenta a procura” (P4).

Sobre Quais as suas expectativas para o futuro com relação às instituições de educação especial?, revela-se o descompasso da política de inclusão e as suas expectativas criadas no sentido de incremento da solidariedade social, já que as entrevistas revelam “que venham atender aos alunos com mais competência e expectativas de aprendizagem” (P1), “melhor equipadas, com mo-

biliário adequado e uma infraestrutura que alcancea todas as especifi cidades dos alunos” (P4), para que possam “fazer sempre o melhor para o aluno inserindo ele da melhor forma na sociedade” (P6).

Evidenciam assim, que apesar da política de inclusão ter ênfase em trazer todos ao ensino regular, é preciso espaços permanentes por conta de defi ciências “diferentes” que necessitam de atendimento especializado. Como revela a P2, “o melhor seria a escola para a vida toda para alguns alunos”, além de que “percebe-se a grande demanda de alunos com necessidades especiais severas, clientela destas instituições” (P5). Nessa questão os professores evidenciam a importância que a APAE tem hoje para aquelas pessoas que já não fazem parte da obrigatoriedade e estão iniciando a vida adulta, possam ter um espaço para continuar suas aprendizagens, tando no grupo de iniciação ao trabalho, como nos grupos de convivência da instituição.

Por fi m, na questão, Na sua opinião quais os benefícios e os prejuízos para a Instituição,para as famílias e para os alunos apresentados pela política de inclusão escolar?, para P1, não há “prejuízo às instituições, por que temos alu-nos que precisam de AEE. Nem as famílias e osalunos. Os benefícios as famílias é que ganham mais compreensão sobre as defi ciências. E aos alunos que tem o convívio com outras crianças e conhecimento de aprendizagem”; ou, como ates-ta P3, “até a idade escolar há benefícios, acesso ao conhecimento científi co, socialização”. Há leituras que tendem a destacar que “se o estado e prefeitura tivessem profi ssionais capacitados para incluir”, “acredito que muitos alunos não ne-cessitariam estar numa instituição [APAE]” (P6), ou seja, destacam que o Estado poderia operar melhor a inclusão de certos sujeitos. Segundo (BAPTISTA, 2004, p. 8)

Ao mostrar que o atendimento especializado, no Brasil, atinge aproximadamente 1% da população que neces-sitaria de “educação especial” vislumbramos que a atual realidade é pouco inclusiva e muito econômica. A economia se intensifi ca se considerarmos que, dentre os atendimentos existentes, predominam aqueles ofereci-dos pelo setor privado e por instituições fi lantrópicas.Historicamente, esse atendimento tem ocorrido sem que haja um amplo investimento público-estatal. Nesse sentido, o atual gerenciamento político educacional da educação especial tem sido extremamente econômico.

Portanto, as APAES sempre terão um papel im-portante no processo de inclusão, realizando ser-viços de atendimento educacional especializado

Page 32: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

32

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

aos defi cientes enquanto instituição fi lantrópica, defendida como parte dos direitos reservados a entidades do terceiro setor. Promovendo e arti-culando ações de defesa de direitos e prevenção, orientação, prestação de serviços, apoio a famí-lia, direcionando a melhorias da qualidade de vida da pessoa com defi ciência e buscando construir uma sociedade justa e solidária, como apresenta a missão da APAE de Florianópolis.

4. Considerações fi nais

Com a intenção de encontrar respostas aos objetivos propostos neste estudo, o qual era com-preender como a APAE de Florianópolis/SC tem se reorganizado para desenvolver suas práticas tendo em vista a política de inclusão, entendo que o ponto de partida foi um entendimento se-gundo o qual as formas organizativas do trabalhopedagógico são uma expressão da organização do fazer docente em condições que lhe são dadas.

A reorganização vista pelo viés dos profes-sores da instituição se dá com maior ênfase em aspectos materiais como a reestruturação das turmas, visto que a organização da APAE em serviços de atendimento somente começou a ocorrer com a Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina. A disponibilidade dada aos professores de um dia da semana livre para acompanhar os alunos no ensino regular, para cursos e planejamentos foi outra mudança percebida pelos professores.

O SAEDE (Serviço de Atendimento Educacio-nal Especializado) faz parte desta reestruturação e segundo os professores é um serviço importante para a inclusão, pois atende alunos matriculadosno ensino regular. Os professores que trabalham neste setor possuem parcerias entre as salas multimeios e professores do estado para acom-panhamento dos alunos no ensino regular.

Outra mudança percebida pelos professores foi sobre a procura de vagas, mesmo que haja uma constante no público é percebida a maior frequência dos alunos incluídos no ensino regular, e também um crescimento na procura de vagas para a estimulação essencial. Este aumento naestimulação mostra os efeitos que a inclusão esta tendo na sociedade, pois as famílias estão tendo orientações mais cedo.

A implementação de cursos sobre a política de inclusão é outra mudança percebida. Mesmo

com a oferta destes cursos os profi ssionais sentem a necessidade de profi ssionais mais capacitados e comprometidos. Diante destas mudanças evi-denciadas pelos professores da instituição foi percebida em seus relatos uma série de expec-tativas e necessidades que apontam ao processo de inclusão. Além da necessidade de formação profi ssional adequada evidenciam a importânciade espaços permanentes de educação especial, como a APAE, tanto como espaço de atendimento educacional especializado, como para aquelas pessoas que já não fazem parte da obrigatorie-dade e estão iniciando a vida adulta, para que possam ter um espaço para continuar suas apren-dizagens, tanto no grupo de iniciação ao trabalho, como nos grupos de convivência da instituição.

REFERÊNCIAS

APAE de Florianópolis. Projeto político Institucional APAE de Florianópolis. 2013.

BAPTISTA, C. R. A inclusão e seus sentidos: entre edifícios e tendas. In: 12º Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino. Conhecimento Local e Conhecimento Universal. Curitiba, 29 de agosto a 1º de setembro de 2004.

BARBOSA, E. PARTE I - EDUCAÇÃO INCLUSIVA Posicionamento Ada Rede APAE. 2009. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=5FIY1EtXq4o.

BRASIL. Lei nº 9394/ 96. Lei de Diretrizes e Bases da Edu-cação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

______. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.Brasília: 2008.

FEDERAÇÃO NACIONAL DAS APAES. APAE Educadora: a escola que buscamos - proposta orientadora das ações educacio-nais. Brasília: Federação Nacional das Apaes, 2001.

________.Posicionamento do Movimento Apaeano em defesa da inclusão escolar de pessoas com defi ciências intelectual e múltipla. Brasília: Dupligráfi ca Editora, 2007.

_______. Movimento Apaeano: a maior rede de atenção à pessoa com defi ciência. Disponível em: http://www.apae-brasil.org.br/artigo.phtml?a=2. Acesso em: 15 de dezembro de 2013.

GARCIA, R. M. C. Políticas para a Educação Especial e as formas organizativas do trabalho pedagógico. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Set. –Dez. 2006, v.12, n.3, p.299-316.

GARCIA, R. M. C. Políticas inclusivas na educação: do global ao local. In: BATISTA, Claudio Roberto; CAIADO, Katia Regina Moreno; JESUS, Denise Meyrelles de. EDUCAÇÃO ESPECIAL:

Page 33: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

33

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Editora Mediação, 2010.

GARCIA, R. M. C. Discursos políticos sobre inclusão: questões para as políticas públicas de educação especial no Brasil. In: 27ª reunião anual da ANPED. GT-15. Educação Especial. Caxambu/MG, 21 a 24 de novembro de 2004. Disponível em: http://27reuniao.anped.org.br/gt15/t1510.pdf. Acesso em: 21 de janeiro de 2014.

MELETTI, S. M. F. A apae educadora e a organização do tra-balho pedagógico em instituições especiais. In: 31º reunião anual da ANPED. GT-15. Educação Especial. Caxambu/MG, 13 a 22 de outubro de 2008.

MENEZES, E. C. P. de. A maquinaria escolar na produção desubjetividades para uma sociedade inclusiva. 2011. 189f. Tese (Doutorado em Educação)– Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2011.

MOYSÉS, Gerson Luís; MOORI, Roberto Giro. Coleta de dados para a pesquisa acadêmica: um estudo sobre a elaboração, avaliação e aaplicação eletrônica de questionário. In: XXVII

ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO: aenergia que move a produção: um diálogo sobre integra-ção, projeto e sustentabilidade. Foz do Iguaçu/PR, 2007. Disponível em: http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2007_TR660483_9457.pdf. Acesso em: 2 de janeiro de 2014.

NEVES, José Luis. Pesquisa qualitativa - características, usos e possibilidades. In: Caderno de pesquisas em administração, São Paulo, V.1, Nº3, 2ºsem./1996. Disponível em: http://www.ead.fea.usp.br/cad-pesq/arquivos/c03-art06.pdf. Acesso em: 2 de janeiro de 2014.

SANTA CATARINA, Secretaria do Estado da Educação/Funda-ção Catarinense de Educação Especial. Política de Educação Especial do Estado de Santa Catarina. São José: FCEE, 2009a.

Enviado para publicação: 1/09/2014

Aceito para publicação: 27/10/2014

Page 34: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

34

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

A QUESTÃO DA INCLUSÃO ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

THE INCLUSION AND THE USE OF MEDIA OF COMICS IN THE CLASSROOM

Bárbara Cristina Almada da Silva1

Resumo. Este artigo tem como objetivo traçar um paralelo entre os personagens de quadrinhos que possuem seus alter egos marcados pelas defi ciências físicas e sociais que compõem os elementos indicadores da exclusãodentro da sociedade de um modo geral e a utilização da mídia dos quadrinhos, em sala de aula, como incentivoao respeito a essas diferenças. Foi utilizada, para fundamentação das questões que norteiam este tema, pes-quisa bibliográfi ca através de estudos exploratórios de autores como Ramos, Vergueiro e Campbell, e outros, osquais abordam a trajetória evolucional dos quadrinhos até a atualidade. Por muito tempo, os quadrinhos foram marginalizados, sendo considerados uma leitura pobre, por apresentarem apenas imagens que não permitia aos leitores a construção do cenário imaginário que as outras literaturas proporcionavam. Logo, seus personagenstambém eram marcados, não constituindo a imagem de bons exemplos de conduta social. Hoje, os quadrinhosse tornaram um vasto campo de possibilidades para o professor, que, ao utilizá-los, transforma a aula em uma experiência mais agradável para os alunos, pois a visão, que é o maior canal de informação, também é o maisexplorado nesta mídia, o que torna a absorção dos conteúdos um processo mais simples e natural. Com isso, osquadrinhos deixaram de ser um instrumento de entretenimento para adentrar a sala de aula como enriquecedor de conteúdos de qualquer matéria.

Palavras-chave: Educação. Ensino. Inclusão. História em quadrinhos.

Abstract. This paper aims to draw a parallel between the comic book characters that have their alter egosmarked by physical and social impairments that make up the indicator elements of exclusion within society ingeneral and the use of media of comics in the classroom, as an incentive to respect those differences. It wasused for the reasoning of the questions that guide this topic, literature search through exploratory studies of authors such as Ramos, Vergueiro and Campbell, and others, which address the evolutionary trajectory of co-mics until today. For a long time, comics were excluded, being regarded as a poor reading by presenting onlyimages that do not allow readers to build the imaginary scenario as in other literatures. Thus, their characterswere also marked, their image did not constitute good examples of social conduct. Nowdays, comics becamea vast fi eld of possibilities for the teacher, who, while using them, turns the classroom into a more enjoyableexperience for the students, for the vision, which is the largest channel of information, is also the most exploi-ted in it, which makes absorption of the contents, a simpler and more natural process. The comics, then, are no longer an instrument of entertainment, as they entered the classroom as something to enrich the contentsof any subject.

Keywords: Education. Education. Inclusion. Comic.

___________________ 1 Especialista em Educação Especial pela Universidade Gama Filho (UGF-RJ), Licenciada em Letras pela Universidade Estácio de Sá (UNESA-RJ), professora deArtes do CMF. E-mail: [email protected]

Artigo 4

Page 35: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

35

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

1. IntroduçãoO ser humano possui a necessidade de se

reconhecer através de um arquétipo. É atravésdeste viés que se dá a importância das produçõesde obras em que um personagem possui seu alter ego, com a imagem de um indivíduo desfavo-recido socialmente, principalmente se o focodo enredo se dá através da convivência dessesindivíduos em um meio social.

Atualmente encontramos vários elementosdivulgadores da inclusão social na mídia dosquadrinhos. Traçar um paralelo entre a inclusãosocial representada nos quadrinhos, através darelevância desses personagens para a conscien-tização de crianças e jovens sobre a necessidadede se formar uma saciedade verdadeiramenteinclusiva, promovendo, deste modo, recursospara que o professor possa trabalhar a questãoda inclusão social em sala de aula através dos quadrinhos.

Quando o assunto é inclusão social, a polê-mica é inevitável, pois os conceitos são inúmerose as ideias sobre a melhor forma de inclusão sãodiscutidas por diferentes correntes de pesquisas.

O conceito de inclusão se debruça no conceitode exclusão, pois só podemos incluir o indivíduoque já foi excluído de algum segmento social, mas esta exclusão se estende a todas as pessoasque estão diretamente ligadas a este indivíduo,porém, a partir do momento em que atualizamosnossos conceitos, a necessidade de acomodaçãode novos paradigmas, bem como o traçar de novoscaminhos se faz necessário e é neste viés que aeducação inclusiva se pauta (CAMPBELL, 2009).Como aponta Santos (1999, p. 44), “temos o direi-to de sermos iguais sempre que as diferenças nosinferiorize; temos direito de sermos diferentessempre que a igualdade nos descaracterize.”

Ao longo do tempo, a sociedade demonstrapré-conceitos que inabilitam os portadores dedefi ciência enxergando primeiramente a defi ciên-cia, depois o indivíduo, dando-lhe descrédito emrelação à capacidade de superação, adaptaçãoe evolução que este indivíduo dispõe quando in-serido de maneira adequada, em uma sociedadeque o apóia e o respeita, permitindo que elesupere a si mesmo dentro de suas limitações.(CAMPBELL, 2009)

A falta de informação é o fator primordialpara exclusão, pois o ser humano, em um primeiro

impulso, costuma repelir o desconhecido, mas,quando estamos expostos a uma determinadarealidade em todos os aspectos do nosso dia adia, a normalidade se constrói e algo que antesera estranho se faz comum. Portanto, além de sepensar e discutir qual a melhor forma de inserir o indivíduo poupando-lhe o sofrimento diante dopré-conceitos de qualquer natureza física, men-tal, racial ou social, faz-se necessária a conscien-tização da sociedade sobre as necessidades dessesindivíduos, de uma forma que torne comum aconvivência. Quanto mais meios forem criadospara favorecer o esclarecimento da sociedade naconstrução de seus conceitos sobre esta minoriano tocante as suas superações, mais se estarácontribuindo para a diminuição dos preconceitossociais (CAMPBELL, 2009).

Hoje, notamos que a discussão sobre as ques-tões da inclusão social invadiram os vários meiosde comunicação, e a inserção de personagenscom características marcadas pelo pré-conceitosocial pode ser encontrado em fi lmes, desenhosanimados, livros e quadrinhos. Alguns destes per-sonagens são criados com o propósito essencial de veicular informações sobre o universo dos de-fi cientes, discutindo assim todas as questões queenvolvem sua rotina, outras misturam as questõessociais ao seu enredo naturalmente se lançamdiante do leitor, como uma metamorfose em queum alter ego portador de alguma necessidadese torna algo forte o bastante, um super-herói,tornando-se referencia de segurança para toda a população de um determinado lugar.

Diante do exposto, torna-se relevante dis-cutir a questão inclusão social focando nas his-tórias em quadrinhos, dando ênfase aos ganhosa respeito do esclarecimento vindo de um meiode comunicação não formal, e de fácil acesso a qualquer pessoa.

Durante muito tempo, as revistas em quadri-nhos foram estigmatizadas como obras menores eque não contribuíam em nada com a formação doleitor. Hoje isso mudou muito. As histórias ama-dureceram e têm cativado leitores mais velhos, inclusive, fornecendo material para os fi lmes maisrentáveis de Hollywood nos últimos anos. Só parase ter uma idéia, “Os Vingadores” foi a terceira maior bilheteria de todos os tempos.

Muitos dos heróis que o público ama sãoportadores de defi ciências, tais como: problemasde locomoção, cegueira, membros amputados e

Page 36: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

36

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

outros. Nesse sentido, os quadrinhos representam uma forma de diminuir o preconceito com aqueles que são ou se tornaram diferentes por algum mo-tivo, mostrando que a “superação da defi ciência” pode transformar aquele indivíduo em um herói, conforme veremos no decorrer deste capítulo.

2. Inclusão

2.1. Um olhar histórico sobre a inclusão

Buscando entender o caminho percorrido sobre o que hoje compõe o conceito de inclusão social, faz-se necessário resgatar brevemente dentro do contexto histórico, as idéias que aolongo do tempo foram se formando sobre esta questão.

De acordo com Mazzotta (2001), até o século XVIII as defi ciências eram tratadas como obra sobrenatural ligadas ao espiritismo e ocultismo,não havendo base científi ca que justifi casse as anomalias, e a educação fi cava a cargo apenas da Igreja Católica.

Esta ideia deturpada começou a desfazer-se a partir da promulgação da Constituição de1824, primeira Constituição brasileira, ainda noImpério, pois garantia a instrução gratuita paratodos os cidadãos como direito. Embora tenha plantado a idéia de igualdade, esta não pode se concretizar, pois o modelo sociopolítico existente no país, com privilégios para a nobreza, negava a validade do texto constitucional e a estrutura econômica do país não demandava esta educa-ção, mas o primeiro passo estava dado. Apesar de não direcionar os direitos aos defi cientes a visão de garantir direitos à coletividade passava a ser uma realidade. (CAMPBELL, 2009).

De acordo com Campbell (2009), em 1834, a educação primária passou a ser de responsabi-lidade da província. Em 1889, a Carta Imperial declarava que “Todos os cidadãos brasileiros tinham acesso ao ensino primário”, o que não era verídico, pois 80% da população eram anal-fabetos.

A evolução da educação deu-se, pois, em passos lentos, somente na década de 20 houve a democratização do ensino motivada pela tensão e pelos confl itos que o Brasil exibia na tentativa de mudança na estrutura do modelo agrário para urbano. Com isso, surge a necessidade de mudar também a ordem social, política e econômica

de um ensino elitizado, de oligarquias rurais, para uma sociedade eminentemente urbana, ocorrendo assim os primeiros esforços para a al-fabetização de trabalhadores (CAMPBELL, 2009).

Em 1931, Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e da Saúde, evidenciando assim a tomada da responsabilidade pelo estado de po-líticas educacionais. Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi divulgado, dando início à real democracia do ensino, pois preconi-zava a escola para todos, com a justifi cativa de o Brasil estar avançando apenas economicamente, fi cando a educação para trás. Na constituição de 1942, fi ca claro um exemplo de educação excludente, pois um dos parágrafos introduz o ensino profi ssionalizante para as classes “menos privilegiadas”, de alunos ditos, por algum motivo, excluídos, garantindo assim mão de obra e dei-xando seleto o nível dos alunos que frequentariam os ginásios, cursos colegiados e universidades. (CAMPBELL, 2009).

Após a constituição de 1942, iniciaram-se vários trabalhos com o propósito de alfabetização de jovens e adultos, que sofreu modifi cações após o Regime Militar de 1964, perdurando durante as décadas de 60 a 80, período em que foi criando o antigo MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfa-betização).

As décadas de 80 e 90 no tocante à educaçãoforam muito importantes, pois registram o maior esforço dos educadores em defesa da escola pú-blica de qualidade para todos. Após a década de 90, os registros apontam um grande avanço na educação como um todo. Sendo promulgada em 20 de dezembro de 1996, a nova lei de Bases e Diretrizes e bases da Educação Nacional, que em seu artigo 208, inciso III, trata do atendimento educacional especializado aos defi cientes, prefe-rencialmente na rede regular de ensino. Estava-se, com isso, marcando o início da caminhada que se estende até os dias atuais, rumo a uma sociedade esclarecida e essencialmente inclusiva. (CAMPBELL, 2009)

2.2 Elementos de inclusão social

Buscando entendimento diante dos conceitos que hoje nos são disponíveis sobre o que é inclu-são social e como deveria decorrer este processo inclusivo, nos deparamos com várias questões que permeiam o vasto campo de interpretação que gera a palavra inclusão, mas uma delas possui

Page 37: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

37

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

a maior relevância em relação às demais: Onde deverá iniciar o processo de inclusão, no indivíduo excluído ou na sociedade que o excluiu?

Em documento da Secretaria de Educação Especial, que trata da fundamentação fi losófi cacontida no programa: Educação Inclusiva Direito a diversidade, 2004, no item Princípios, encon-tramos a defi nição da idéia de sociedade inclusiva em que seu fundamento está em uma fi losofi a que reconhece e valoriza a diversidade, como característica inerente à constituição de qualquer sociedade. Partindo desse princípio e tendo como horizonte o cenário ético dos Direitos Humanos, sinaliza a necessidade de se garantir o acesso e a participação de todos, a todas as oportunidades,independentemente das peculiaridades de cada indivíduo (ARANHA, 2004).

Embora haja vários conceitos sobre as formas de inclusão social a discriminação ainda e uma realidade cruel e atinge as minorias, como os negros, índios nordestinos e pessoas portadoras de necessidades especiais, que entre outros, são mais hostilizados. A tentativa de socialização destes grupos se acomoda em dois conceitos: Integração e Inclusão social. (DRAGO, 2011).

Integrar um indivíduo na escola ou na socie-dade como um todo de acordo com Drago (2011), e preparar o indivíduo para ser inserido em um grupo social, mas não signifi ca que este grupoesteja preparado para acolhê-lo, de modo queatenda as suas necessidades. Um exemplo deste conceito seria atender um portador de neces-sidades especiais em uma sala especial de uma escola regular de ensino. Já a Inclusão Social,subentende que o esclarecimento da sociedade em que o indivíduo será inserido é o primeiro passo para as modifi cações necessárias para o acolhimento deste indivíduo de modo que os métodos sejam utilizados para o melhor atender as suas necessidades. Portanto é a sociedade que sofre as modifi cações necessárias ao indivíduo,favorecendo assim as relações interpessoais soli-das e calcadas no respeito às diferenças.

2.3 Os benefícios da Inclusão das crian-ças defi cientes na escola regular

Vários estudos (DRAGO, 2011; GOES, 2004; STAINBACK; STAINBACK, 1999) têm mostrado que a inclusão de defi cientes na escola regular desenvolve através da sistematização de relacio-namentos interpessoais o respeito mútuo entre os

alunos. Quando o indivíduo se sente bem-aceito,passa a interagir e formar sua identidade no grupo que o acolheu, assumindo características próprias daquele grupo naquele espoco.

De acordo com Drago (2011), com a criançadefi ciente funciona da mesma forma, pois ela precisa ser capaz de assumir seu papel de autor social em um contexto marcado pela diversidade, pois suas capacidades podem ser desenvolvidas para se assumir como ser histórico e social inte-grado à sociedade.

Deste modo, a Inclusão social deve ser cons-truída cuidadosamente em dois pilares no esclare-cimento da sociedade sobre as diversidades com apoio no respeito às diferenças, e no estimulo de aprimoramento na capacidade dos defi cientes de desenvolver condições que o façam sentir partede um todo.

Pautado nos estudos citados anteriormente que tratam da questão da inclusão social, pelo prisma dos direitos do indivíduo, da necessidade de estar inseridos em uma sociedade que atendae respeite as suas diferenças, entende-se que, para que haja a verdadeira inclusão a sociedadedeverá estar preparada e esclarecida, de modo que o respeito seja o alicerce da convivência so-cial. É neste viés que a mídia se faz uma aliada para a conscientização da sociedade sobre as necessidades e direitos da minoria.

3. Elementos de inclusão social nos quadrinhos

3.1 Características dos quadrinhos

Existem varias formas de linguagem e essas formas em algum momento se interligam. Paulo Ramos (1998) classifi ca a linguagem através de uma metáfora em que faz alusão a um grande ecossistema cheio de pequenos nichos distintos uns dos outros, eles possuem características quegarantem sua autonomia, mas isso não quer dizer que não possam compartilhar características co-muns. Portanto, o cinema, o teatro, a literatura, os quadrinhos, como qualquer outra forma de linguagem possuem suas características particu-lares, mas também compartilham elementos de outras linguagens.

Diante do exposto, para que sejam utiliza-das as histórias em quadrinhos como ferramenta didática em sala de aula, se faz necessário o conhecimento prévio da estrutura peculiar dos

Page 38: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

38

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

quadrinhos, assim como as suas formas de lin-guagem.

Ramos (2010) defende que Quadrinhos são quadrinhos. E como tais gozam de uma linguagem autônoma para representar os elementos narrati-vos. As características principais dos quadrinhos favorecem o entendimento do leitor, pois são respostas visuais aos elementos da narrativa. Já Mussak (2007), para justifi car a comunicação por imagens, defende que o ser humano pensa emimagens e não em palavras.

A primeira comunicação do homem foi por imagens, as chamadas pinturas rupestre, de-senhos nas paredes das cavernas que narravam uma luta, caça entre outras atividades de forma seqüencial, o que justifi ca nos tempos atuais o grande fascínio dos admiradores de Histórias em Quadrinhos.

É no interior dos quadrinhos que está o espaço da ação, quando comparamos um quadrinho e oseu quadrinho anterior percebemos a movimen-tação do tempo da ação; este pode ser também condensado em um único quadrinho; Os persona-gens podem ser visualizados e seus diálogos em forma de discursos diretos, alojados em balões que dependendo do seu formato e apêndices (biquinho que origina o balão), expressam o sentimento do locutor.

Para Vergueiro (2006), a legenda aparece no canto anterior dos quadrinhos e representa o narrador onisciente, e sua narrativa é sempre descrita em terceira pessoa.

Outro recurso característico dos quadrinhos é a oralidade representada no formato da letra para expressar o abstrato como sentimentos per-tinentes ao personagem que esta falando. Estessentimentos também podem ser representadoscom a fala em negrito, assim como as grafi as de palavras “erradas”, características de pessoas e de alguns personagens, como o Cebolinha, da Turma da Mônica. (VERGUEIRO, 2006).

Os sons são representados através das ono-matopéias que tentam imitar a sonoridade de uma ação, com o propósito de gerar emoção à cena. Os signos plásticos representados pela cor dão sentidos a uma série de informações sobreos quadrinhos. Outro recurso importante é a linha demarcatória, que delimita o espaço e o tempo da narrativa do quadrinho. Esta linha e a que envolve o quadrinho e pode se apresentar de duas formas: reta e cheia que indica o presente

vivido pelo personagem, ondulada ou tracejada, que indica o passado. (RAMOS, 2010).

Para compreendermos o recurso gráfi co dasmetáforas visuais, características das históriasem quadrinhos, uma comparação foi feita entretrês teóricos. Vergueiro (2006), Eco (1993) eSantos (2002), compartilham da mesma opiniãono tocante a defi nição das metáforas visuais: éa forma de expressar sentimentos através deimagens. Como exemplo, podemos citar o balãoem cujo interior se encontram caveiras, minho-cas, ventinhos e outros desenhos indicando queo personagem está com muita raiva e diz umpalavrão.

De acordo com Vergueiro (2006), as linhascinéticas são o recurso que denota o movimen-to dos personagens, a direção em que estão sedeslocando, para criar um cenário dinâmico ecriativo. Podem ser representadas por linhas, quepartem do personagem em direção ao seu des-tino. Outro exemplo ocorre quando o contornodo corpo do personagem ou parte dele é repro-duzido mais de uma vez em posições diferentesdentro da mesma seqüência para dar impressãode movimento.

O tempo nas histórias em quadrinhos éfacilmente percebido pela disposição dos ba-lões e dos quadrinhos, quanto maior o numerode vinhetas para descrever uma mesma ação,maior a sensação de prolongamento do tempo.O hiato e a elipse são os recursos que desmis-tifi cam a idéia que perdurou por muito tempo,de que os quadrinhos não estimulam a imagi-nação do leitor, pois suas imagens visuais nãodão espaço para a construção e a criatividadede quem os lê.

O hiato, de acordo com Ramos (2010), é adescontinuidade ou ruptura necessária para acondução da narrativa quadrinística, que juntoa elipse forma no imaginário do leitor atravésde uma inferência de informações já obtidas, aseqüência que não foi apresentada visualmente, mas que está dentro do contexto do que foi vistodurante a leitura.

Este conjunto de informações é extremamen-te necessário na condução da leitura do aluno pelo professor, pois o esclarecimento sobre aestrutura física dos quadrinhos permite a explora-ção dos recursos que poderão ser trabalhados como propósito motivador, estimulando a percepçãovisual do leitor.

Page 39: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

39

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

3.2 Personagens que representam minoria

Toda boa história de super-herói é uma histó-ria de exclusão social. Homem-Aranha é um nerd, Hulk é um monstro amaldiçoado, Demolidor é um defi ciente, os X-Men são indivíduos excepcionais, Batman é um órfão, Super-Homem é um alieníge-na expatriado. São todos símbolos da solidão, da sobrevivência e da abnegação humana, por tanto a aproximação dos sofrimentos, comparados com as mazelas da vida real, transformam esses personagens dos quadrinhos em algo almejado e admirado por todos os amantes deste estilo de leitura. (WHITE & ARP, 2008)

Não se ama um herói pelos seus poderes, mas pela sua dor. Nossos olhos podem até se voltar a eles por suas habilidades fantásticas, mas é na humanidade que eles crescem dentro do gostopopular, que faz dos quadrinhos uma das maiores representações da cultura popular classifi cada como cultura de massa. Vejamos agora alguns exemplos de personagens que representam mi-noria social e como eles poderão contribuir para a conscientização dos jovens sobre a necessidade da inclusão social.

Batman (Fig. 1) é um grande exemplo, o homem-morcego é um personagem humaniza-do, não possui superpoderes, apenas um grande senso de responsabilidade pública e moral, comatos invejáveis. Um ser humano praticamente perfeito. Seu alter ego, Bruce Wayne, é vítima do descontrole social e da falta de empenho do poder público em relação à segurança, torna-se órfão de pai e mãe, como muitos outros meninose meninas que perdem sua identidade quando são arrancados do seio de sua família por conta desta mesma violência sofrida por ele.

Figura 1 – Batman

Fonte: www.omelete.com.br

White e Arp (2008) defendem a necessidadedo ser humano de se encontrar em seus iguais,não só de pertencer, mas de ser realmente aceitopor um grupo social, assim a identifi cação com ahistória do Bruce leva o leitor a imitação de um personagem moralmente exemplar, com quali-dades desejáveis para contribuir com a mudançasocial do meio em que ele vive.

Figura 2 - Demolidor

Fonte: www.omelete.com.br

O Demolidor (Fig. 2) é um herói defi cientevisual. Ficou cego ainda na adolescência devidoa acidente com um caminhão que carregavalixo tóxico. Em compensação, descobriu queseus outros sentidos haviam sido ampliados. Seualter ego Matt Murdock é um advogado. Ele éo segundo herói cego, o primeiro foi criado nadécada de 40. Doutor-meia-noite era médico eapós o acontecimento que gerou sua perda devisão, seu alter ego tornou-se redator de artigos sobre a criminalidade da época. A construçãodeste personagem fi ccional gera uma condiçãopossível e alcançável para qualquer defi cientevisual, pois a estampa da realização profi ssionaldemonstra que o indivíduo deve ser visto antes de sua defi ciência para não ser subestimado em relação a sua capacidade de participar de todas as atividades de uma vida normal, dentro de suaslimitações. (WHITE & ARP, 2008).

Desde o ano de 2000, se tornou mais eviden-te a luta pela sobrevivência em uma saciedade extremamente excludente tendo como palco as tramas de ação dos X-men nos quadrinhos. As his-

Page 40: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

40

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

tórias em quadrinhos desses personagens possuem como objetivo principal o entretenimento, mas,sempre com um ar de inclusão social na bagagem. Através dos personagens podemos discutir os vá-rios níveis de preconceito social, onde se repele a diferença. (Fig. 3)

Figura 3 – X-Men

Fonte: www.omelete.com.br

Professor Charles Xavier é um grande líder, sua magnifi cência intelectual faz dele o líder dos X-Man, seu ideal é que um dia as relações entre mutantes (os diferentes, os especiais) e humanos sejam pautadas pelos princípios de uma socieda-de que valoriza o respeito às diferenças. (Fig. 4).

Figura 4 – Professor Charles Xavier

Fonte: www.omelete.com.br

Dentre outros personagens negros como: o Lanterna Verde, Pantera Negra, Trovão Negro, a personagem Ororo (Fig. 5) conhecida também como Tempestade, se destaca por duas verten-tes, é negra e mulher. Uma heroína africana,

poderosíssima, que sempre demonstra orgulhoem ser negra, uma heroína tão amada e africana poderia infl uenciar e muito, se bem trabalhadaem sala de aula com os seus valores voltados paraa diminuição do preconceito racial no Brasil.

Figura 5 – Tempestade

Fonte: www.omelete.com.br

Outros exemplos de personagens que repre-sentam minoria social, são pertinentes a Liga daJustiça, criados pela DC Comics, uma editoranorte-americana de quadrinhos, que encontrou nos heróis uma forma de representar dentro de um mesmo grupo elementos étnicos diferentes, que lutam pelo mesmo objetivo a paz no uni-verso, quando todos os olhares estavam voltadospara o palco das atrocidades no cenário de umasegunda guerra mundial. Como exemplos, temosChefe Apache, Vulcão Negro e Samurai. ChefeApache é um representante do povo indígena. Éum super-herói nativo americano, um dos mem-bros da equipe de heróis no desenho animado dosSuper Amigos, foi um dos novos heróis criados por Hanna-Barbera exclusivamente para o desenho(juntamente com Vulcão Negro e Samurai) paraaumentar as características étnicas do grupo.Vulcão Negro é um super-herói afro-americano,seus poderes são baseados em eletricidade. Tem a capacidade de emitir raios, voar, se mover àvelocidade da luz e até mesmo viajar pelo tempo.Samurai é o professor japonês de história ToshioEto que ganhou inadvertidamente seus poderesao receber um raio emitido pelos deuses, queprocuravam criar mais heróis para defender a

Page 41: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

41

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

questões pertinentes a Inclusão Social, através dos personagens portadores de necessidades especiais, juntamente com toda turminha de personagens conhecidos pela garotada, fez de seu trabalho um grande exemplo de como utilizar a mídia dos quadrinhos como meio esclarecedor, facilitando a interiorização na-tural dos conceitos positivos sobre as diversas deficiências.

De acordo com as informações publicadas em 2010 no site thebest, a estória da turmada Febeca é baseada na vida real de duas es-tudantes cadeirantes que o autor conheceu em um site de relacionamentos (Orkut), Fernanda Willeman, de 17 anos e Rebeca Sehman, de 15 anos. O nome Febeca vem da união dos nomes das duas estudantes. O criador desta turma é o cartunista carioca Victor Klier de 39 anos. Ele trabalhou por 17 anos com o Ziraldo, es-crevendo as histórias do Menino Maluquinho. O projeto da Turma da Febeca se iniciou em 2006, porém só houve uma publicação pela prefeitu-ra de Porto Alegre. Esta turma conta com 15 personagens especiais (Fig. 7) e com diversas deficiências, cada um com um perfil diferente, mas com algo em comum uma alegria infinita. Além das deficiências físicas e mentais, são representados também personagens que por algum motivo, sofrem com a exclusão social, como aluno portador dom HIV, Diabetes Infan-til, Câncer e Nanismo.

Além da turma da Febeca, outra turma contribui para a divulgação dos benefícios que a inclusão de deficientes tanto na escola regular, quanto na vida social como um todo, trás para as pessoas envolvidas, deficientes ou não.

A inclusão social é abordada cuidadosa-mente, ao modo infantil, pois sem ferir a inocência, de seus leitores Mauricio de Souza e sua equipe, conduz a narrativa de suas his-tórias promovendo o esclarecimento sobre as necessidades e limitações de cada deficiência, dando ênfase à capacidade de superação de seus limites pelo deficiente, ensinando o ver-dadeiro olhar do respeito à diversidade, em que em primeiro plano enxergamos o indivíduo depois sua deficiência.

Os principais personagens motivadores da inclusão social na História da Turma da Mônica são:

Terra de Darkseid. Embora Eto tenha inicialmentesurtado pela aquisição dos poderes, os Novos deu-ses explicaram a situação e este jurou tornar-seo herói que almejavam. (Fig. 6).

Figura 6 – Chefe Apache, Vulcão Negro, Samurai

Fonte: www.omelete.com.br

3.3. A infl uência dos quadrinhos nacio-nais na inclusão social

Figura 7 – Turma da Febeca

Fonte: http:// blogdovictorklier.blogspot.com

Buscando um universo mais infantil, temosnos quadrinhos nacionais, a Turma da Febecae a Turma da Mônica, representação do movi-mento de conscientização sobre as varias facesda inclusão social.

Mauricio de Souza, através da Turma daMonica, trouxe para o mundo das crianças as

Page 42: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

42

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

Fig. 8 – Umberto

Fonte: www.turmadamonica.com.br

Fig. 9 - Dori

Fonte: www.turmadamonica.com.br

Fig.10 – Luca

Fonte: www.turmadamonica.com.br

Fig. 11 - Tati

Fonte: www.turmadamonica.com.br

4. A aplicabilidade dos quadrinhos em sala de aula com o propósito de promover a inclusão social

4.1 Os quadrinhos como referencia a mo-ral e a alta estima.

De acordo com Morris e Morris (2009), per-sonagens que representam situações reais, pro-porcionam grandiosas imagens fi ccionais, que sãoao mesmo tempo inspiradores e motivadores.Quando são bem desenvolvidos e retratados, elesnos dão algo que deveríamos almejar, pois o bemé atraente por natureza.

A moral e os bons costumes descritos nashistórias de super heróis nos remetem a Inocêncioda infância, a necessidade de ver em alguém algoplausível e estimule para ser imitado.

Morris e Morris (2009) defendem a ideia de que desde a nossa infância até a idade adulta, ossuper-heróis podem nos lembrar da importânciada autodisciplina de nos devotarmos a algo bom,nobre e importante, eles podem ampliar nossos horizontes mentais e apoiar nossa determinação enquanto nos entretêm.

Com base no exposto, ao introduzirmos emsala de aula os quadrinhos com personagensportadores de necessidades especiais como oscriados pelo Maurício de Souza, ou super-heróis já conhecidos com o seu alter ego marcado peladefi ciência, ou até mesmo um super-herói repre-sentante de uma determinada raça, como negrosíndios orientais etc, estaremos promovendo ainclusão social através do esclarecimento sobre as diferenças, pois a valorização do indivíduocomo um todo é o alicerce para uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

Os super-heróis proporcionam gran-diosas imagens ficcionais, são ao mesmotempo inspiradores e motivadores. Quandosão bem desenvolvidos e retratados, elesnos dão algo que deveríamos almejar, poiso bem é atraente por natureza. A moral eos bons costumes descritos nas histórias desuper-heróis nos remetem a Inocêncio dainfância, a necessidade de ver em alguémalgo plausível e estimule para ser imitado.

Morris e Morris (2009) defendem a idéia deque desde a nossa infância até a idade adulta,os super-heróis podem nos lembrar da impor-tância da autodisciplina de nos devotarmos

Page 43: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

43

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

a algo bom, nobre e importante, eles podem ampliar nossos horizontes mentais e apoiar nossa determinação enquanto nos entretêm.

Com base no exposto, ao introduzirmos em sala de aula os quadrinhos com persona-gens portadores de necessidades especiais, como os criados pelo Maurício de Souza, ou super-heróis já conhecidos com o seu alter-ego marcado pela deficiência, ou até mesmo um super-herói representante de uma determi-nada raça, como negros índios orientais etc, estaremos colaborando para a promoção da inclusão social através do esclarecimento sobre as diferenças, pois a valorização do indivíduo como um todo, seja qual for sua condição física ou mental, é um dos alicerces para uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

4.2 Justifi cativa para a utilização dos quadrinhos em sala de aula

De acordo com Vergueiro (2009), o quadrinho possui um caráter globalizador, e este caráter se dá pelo fato de os quadrinhos serem veiculados no mundo inteiro. Além disso, as revistas em quadrinhos trazem temáticas do cotidiano, por isto são capazes de serem entendidas facilmente por qualquer um, sem necessidade de um conhe-cimento anterior específi co.

Segundo Silva (2011), dentre os motivos para utilizar os quadrinhos em sala de aula estão a atração dos estudantes por este tipo de leitu-ra, pois a junção de palavras e imagens visuais fortalecem o aprendizado. Este tipo de leitura favorece, ainda, a comunicação, transformando assim o indivíduo em um ser articulado verbal-mente, pois amplia o seu vocabulário.

Moya (1977), por sua vez, considera que a história em quadrinhos agrada as crianças porque antecede as suas necessidades de crescimento mental. Portanto, a história em quadrinhos, ao falar diretamente ao imaginário da criança, preenche suas expectativas e faz brotar o inte-resse pela leitura de outras literaturas. Umas das explicações para esta mudança é que a prática leva ao hábito.

4.3 A aplicabilidade dos quadrinhos emsala de aula com o propósito de promo-ver a inclusão social

Silva (2011) defende que a boa utilização dosrecursos quadrinistas, sem o propósito de fazer do quadrinho um objeto pedagógico aos moldestradicionais favorece a utilização dos elementossemânticos pertinentes a esta arte, leva o alunoao prazer da leitura.

Por ter um caráter globalizador, os quadrinhostransitam em todas as áreas do conhecimento,interligando-as e facilitando assim a sua utilizaçãoem sala de aula com o propósito de conduzir umtrabalho interdisciplinar que favoreça os alunosno tocante ao cognitivo, pois, de acordo comVergueiro (2009), a interligação do texto com aimagem existente nas histórias em quadrinhosatinge um grau de compreensão que qualquer umdos textos isolados teria difi culdade de alcançar.

Um dos fatores primordiais para a utilizaçãodos quadrinhos pelo professor baseia-se na am-pliação da capacidade de compreensão do alunodiante da perfeita ligação de duas característicasprincipais dos quadrinhos como a imagem e otexto, os quais se dispõem de maneira própriae seqüencial, com o objetivo de uma completar a outra. Este recurso vai muito além da técnicautilizada nos livros ilustrados, em que as imagensapenas ilustram um contexto escrito. Já nos qua-drinhos as imagens e textos se ligam no decorrer da narrativa, para compor todo cenário de umahistória. (VERGUEIRO, 2009).

5. Considerações fi nais

Portanto, qualquer objetivo proposto atravésda utilização dos quadrinhos será uma atividadeestimulante e de fácil compreensão pelos alunos.É nesta vertente que se apoia a justifi cativa dautilização dos quadrinhos como forma de ferra-menta para desenvolver nas crianças e nos jovensa construção de princípios morais altruístas, queredundem no respeito necessário para a formaçãode uma sociedade essencialmente inclusiva.

Page 44: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

44

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

REFERÊNCIAS

ALMADA, Bárbara. Uso dos HQs na Escola o caso das adap-tações de clássicos brasileiros: O Alienista, de Machado de Assis. In: GOMES, Nataniel dos Santos (Org).Quadrinhose Transdisciplinaridade. Curitiba: Apris, 2012, p. 135 - 154.

ARANHA, Maria Salete Fábio. Educação inclusiva: v. 1: afundamentação fi losófi ca. Brasília: Ministério da Educação,Secretaria de Educação Especial, 2004.

ARP, Robert; IRVIM, William. Batman e a Filosofi a: O Cava-leiro das Trevas da Alma. São Paulo: Mandras, 2008.

BARBIERI, Daniele. Los leguajens del comic. Barcelona:Paidós, 1998.

BARBOSA, Alexandre; RAMOS, Paulo: VILELA, Túlio; RAMA,Angela e VERGUEIRO, Waldomiro. (Org.) Como usar as his-tórias em quadrinhos na sala de aula. 3. ed. São Paulo:Contexto, 2009.

CAMPBELL, S. I. Múltiplas faces da inclusão. Rio de Janeiro:Wak Editora, 2009.

CARVALHO, Djota. A Educação está no gibi. São Paulo: Papirus, 2009.

DRAGO, Rogério. Inclusão na educação infantil. Rio deJaneiro: Wak Editora, 2011.

ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. Trad. Pérola Carvalho. 5. ed. S. Paulo: Perspectiva, 1993.

GÓES, M. C. R. Desafi os da inclusão de alunos especiais. A escolarização do aprendiz e sua constituição como pessoa. In: GÓES, M. C. R.; LAPLANE, A. L. F. Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas: Autores associados, 2004.

MAZZOTTA, M. J. S. Educação Especial no Brasil: históriase políticas públicas. São Paulo, Cortez, 2001.

MORRIS, Matt. MORRIS, Tom. Super-heróis e a fi losofi a: Ver-dade Justiça e o cominho Socrático. São Paulo: Mandras, 2009.

MOYA, Álvaro de. Shazam!. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1977.

RAMOS, Paulo. A Leitura dos quadrinhos. São Paulo: Con-texto, 2010.

SANTOS, R. E. Para reler os quadrinhos Disney: linguagem, evolução e análise de HQs.

São Paulo: Paulinas, 2002.

SILVA, K. S. As Histórias em Quadrinhos como fator didático-pedagógico: alguns aspec-tos da sua produção acadêmica entre 1990 e 2002. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – EDUCERE, 10, 2011, Curitiba. Anais do X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE. Curitiba, 2011, p. 16415-16424.

STAINBACK, Susan; STAINBACK, Willian. Inclusão: um guiapara educadores. Trad.

Magda França Lopes. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

TURMA da Febeca em quadrinhos. Disponível em: <http://www.thebest.com.br/turma-da-febeca-historia-de-defi -cientes-em-quadrinho>. Acessado em: 20 de julho de 2012.

TURMA da Mônica terá novos personagens para promover ainclusão social. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/notícias/2003-08-27/turma-da-monica-tera-novos-personagens-para-promover-inclusao-de-marginalizados. Acessado em: 01 de agosto de 2012.

VERGUEIRO, Waldomiro (Org.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006.

Enviado para publicação: 9/08/2014

Aceito para publicação: 19/10/2014

Page 45: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

45

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

CAPITÃES DA AREIA: ESTEREÓTIPOS, ESTIGMAS E REPRESENTAÇÕES SOCIAISSOBRE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE INCONFORMIDADE

COM A LEI NO ROMANCE DE JORGE AMADO

CAPITÃES DA AREIA: STEREOTYPES, STIGMA AND SOCIAL REPRESENTATIONS ABOUT TEENS IN SITUATION WITH THE LAW UNCONFORMITY

ON THE NOVEL BY JORGE AMADO

Fran Yan Coelho Tavares Aguiar1

Marina Cavalcanti Tavares2

Resumo. Este artigo tem por objetivo realizar um estudo interdisciplinar da realidade de vida das criançase adolescentes das ruas de Salvador apresentada por Jorge Amado no seu romance “Capitães da Areia” (1937). Este foi utilizado como recorte empírico para a analise os estereótipos, representações sociais e estigmas existentes sobre as condições de abandono e a situação de inconformidade com a lei vivida por esses jovens, personagens principais da obra. Partiu-se de dois postulados: o primeiro, referente à compreensão do romance como gênero literário mais representativo de uma época por apontar várias de suas características; o segundo, concerne ao caráter original do romance amadiano em questão. Ao fi nal da análise, observou-se, inicialmente, que o autor abordou situações do seu tempo e suas crenças. Além disso, percebeu-se o caráter extremamente atual do romance, o qual remete ao fracasso da atuação do Estado no que tange as políticas públicas voltadaspara crianças e adolescentes. E constatou-se a apresentação da militância política do autor, que não se calou ante a repressão do Estado Novo, o qual perseguiu intelectuais e artistas.

Palavras-chave: representações sociais – estereótipos – estigmas – literatura

Abstract. This article aims to carry out an interdisciplinary study of the reality of life of children andadolescents from the streets of Salvador presented by Jorge Amado in his novel “Captains of the Sands” (“Ca-pitães da Areia” - 1937). This book was used as an empirical cut to analyze stereotypes, stigmas and socialrepresentations of the conditions of neglect and the situation of non-compliance with the law experienced by these young people, the main characters of this Amado’s work. The starting point were these two postulates: the fi rst relating to the understanding of the novel as the most representative literary genre of a period for pointing out several of its characteristics; the second concerns the original nature of the analyzed novel. After the analysis, it was observed initially that the author has addressed situations of his time and his beliefs. Mo-reover, it was noticed the extremely current character of the novel, which refers to the failure of government action regarding the public policies for children and adolescents. And it was recognized the presentation of the political militancy of the author, who did not fall silent against the repression of the “Estado Novo” regime, which persecuted intellectuals and artists.

Keywords: social representations – stereotypes – stigmas - literature

__________________ 1 Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), 2010. Professor de Sociologia do Colégio Militar de Fortaleza (CMF). 2 Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), 2014. Graduada em Letras Português/ Inglês pela Universidade Estadual do Ceará(UECE), 2009. Professora de Língua Portuguesa do Colégio Militar de Fortaleza (CMF).

Artigo 5

Page 46: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

46

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

1. Introdução

O presente trabalho se inscreve em um campo de estudos interdisciplinar, no qual se articulamos interesses pela Antropologia, Sociologia, His-tória e Literatura para a formulação de um sis-tema de interpretação fecundo para analisar os estereótipos, representações sociais e estigmas sobre as condições de abandono e a situação de inconformidade com a lei vivida pelas crianças eadolescentes nas ruas de Salvador – personagens principais do romance “Capitães da Areia” (1937), do escritor Jorge Amado. Tomamos, portanto, a obra literária supracitada como recorte empírico para analisarmos as questões ora explicitadas, uma vez que partimos de dois postulados: o pri-meiro concerne ao caráter original do romance amadiano em questão – a primeira obra da litera-tura brasileira a abordar a temática da situação de abandono de menores de idade; o segundoponto é referente à compreensão do romance como gênero literário mais representativo de uma época, pois aponta referências imprescindíveis para situarmos os discursos, os gostos, os luga-res, as ideologias, os avanços e as contradiçõesde uma época.

2. Romance: o gênero literário mais representativo de uma época

Recentemente, durante a Festa Literária In-ternacional de Paraty (FLIP), realizada no mês de agosto do ano passado, o poeta brasileiro Ferreira Gullar afi rmou que “a arte existe porque a vida só não basta”. A frase dita pelo poeta remete a declaração feita pelo escritor Jorge Amado, du-rante entrevista concedida, em 1996. Indagado sobre a necessidade que as pessoas têm de ler romances, Amado respondeu: “elas precisam sair da realidade estreita em que vivem e se lançar numa coisa mais ampla (...) e o romance é uma oportunidade para isso”.

Para o fi lósofo austríaco Ernst Fischer (2007) o fato de milhões de pessoas lerem romances, irem ao cinema, assistirem a uma peça de teatro ou ouvirem música constitui um fenômeno surpre-endente. O fi lósofo considera que na maioria das vezes naturalizamos tal fenômeno ou no máximo buscamos justifi cá-lo a partir da ideia de que as pessoas buscam distração, divertimento e rela-xação através da arte. Nesse sentido, apontar

tais justificativas não resolve o problema, ao contrário, suscita muitos questionamentos. Assim, poderíamos indagar como algo fictício como o enredo de uma peça de teatro ou o roteiro de um filme absorve a nossa atenção? Por que relaxamos mergulhando na vida e nos problemas dos outros através da leitura de um romance? Por que reagimos em face dessas “irrealidades” como se elas fossem a realidade intensificada?

Para Fischer a nossa própria existência não nos basta e dessa insatisfação surge o desejo de completar a nossa vida através de outras fi guras e formas:

É claro que o homem quer ser mais do que apenas ele mesmo. Quer ser um homem total. Não lhe basta ser um indivíduo separado; além da parcialidade da suavida individual, anseia uma “plenitude” que sente e tenta alcançar, uma plenitude de vida que lhe é frau-dada pela individualidade e todas as suas limitações;uma plenitude na direção da qual se orienta quando busca um mundo mais compreensível e mais justo, um mundo que tenha signifi cação. (FISCHER, 2007, p.12)

Buscando um mundo que tivesse signifi cação o ser humano produziu a arte. Esta possui duas dimensões relacionadas à sua existência: a sua criação é individual e o seu destino é o social. Fundamenta-se, portanto, nos sentidos da socia-bilidade e da alteridade, constituindo-se com tal ao deslocar-se do mundo particular da subjetivi-dade do artista e imergir na esfera social. Assim,podemos pensar que se um romance for escrito por um grande gênio da literatura e imediata-mente for colocado dentro de uma gaveta de uma escrivaninha, continuará sendo apenas umpunhado de escritos escondidos e não uma obra de arte, pois esta só se efetiva na contemplação e fruição estética do outro.

A criação artística aponta referências e pos-sui características coletivas, que estimulam a refl exão sobre uma época, uma classe social, um povo. Entretanto, contêm valores, sentimentos, visões de mundo do artista; sendo, portanto, o resultado do caldeamento de tais experiências. O que não pode ser negado é a importância da percepção da criação artística como interessada e reprodutora de disputas sociais próprias de um contexto histórico, o que não a impede de expor características atemporais e transcendentes, proporcionando fazer junturas entre o passado e o presente, e por vezes antecipar problemas e crises. Neste sentido, a literatura talvez seja um

Page 47: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

47

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

dos campos da arte mais fecundos para pensarmos contradições, representações, confl itos e crises relacionadas a uma sociedade.

Segundo Neto (2007), a ideia de que a obra literária, em seu sentido amplo, constitui um modo de representação da realidade tem certo trânsito entre renomados teóricos e estudiosos da literatura, René Wellek, Austin Warren, Erich Auerbach, Afrânio Coutinho, Antônio Candido. Embora tenha tomado mais fôlego a partir da segunda metade do século XX, quando foram publicados os trabalhos de Georg Lukács e Lucien Goldmann. O interesse dos pensadores em com-preender as relações existentes entre literatura e sociedade não é recente. As origens do que hoje denominamos sociologia da literatura remontam à passagem do século XVIII para o século XIX, sendo a Revolução Francesa (1798) “e os seus abalos subsequentes na vida intelectual europeia o evento desencadeador de anseios por uma nova forma de pensar o mundo, a nova sociedade e as novas formas de relação social” (ARAÚJO NETO,2007, p.16).

De acordo com o historiador Eric Hobs-bawm (2007), a primeira coisa que surpreende a qualquer pesquisador que tente analisar o desenvolvimento das artes no período de meio século que se estende de 1789 a 1848 é o seu extraordinário fl orescimento. O segundo fato seria o excepcional desenvolvimento de certas artes e gêneros, especialmente a literatura, e dentro dela o romance. Inspirados pelo exemplo da Revolução Francesa e o horror da Revolução Industrial, o período de meio século concentrou uma geração de romancistas imortais.

Desse modo, a criação artística e, sobretudo literária passou a fi gurar como objeto de estudo de pesquisadores que buscaram aproximação entre a literatura e as ciências sociais. Se an-teriormente tais estudos constituíam-se como novidades, hoje, segundo o historiador NicolauSevcenko (1995), tornou-se “quase um truísmo a afi rmação da interdependência estreita exis-tente entre os estudos literários e as ciências” (SEVCENKO, 1995, p.20).

Nessa linha, de acordo com o crítico literário Antônio Candido (1965), os primeiros estudos que buscaram promover o diálogo entre as áreas do conhecimento citadas oscilaram entre duas ver-tentes interpretativas: uma das tendências busca-va mostrar que o valor e o signifi cado de uma obra

dependiam dela exprimir ou não certo aspecto da realidade; a outra, por sua vez, procurava mos-trar que a obra literária seria independente de quaisquer condicionamentos (sobretudo sociais), portanto, tais elementos não constituiriam dados para a sua compreensão.

No seu criativo e meticuloso trabalho sobre a literatura produzida pelos escritores Euclides da Cunha e Lima Barreto durante as décadas situa-das em torno da transição dos séculos XIX e XX, o historiador Nicolau Sevcenko (1995) aponta a literatura moderna como possivelmente “o limite mais extremo do discurso, o espaço onde ele se mostra por inteiro, visando reproduzir-se, mas expondo-se igualmente à infi ltração corrosiva da dúvida e da perplexidade” (SEVCENKO, 1995, p. 20).

Para o historiador, a literatura moderna é a via por onde desafi am os inconformados e os socialmente mal-ajustados, razão pela qualessa manifestação artística torna-se um recorte empírico interessantíssimo para a avaliação das forças e níveis de tensão existentes no seio de uma determinada estrutura social. Análise com-partilhada pelo crítico literário Antônio Candido, para quem o romance é o gênero literário maisrepresentativo de uma época, pois “possui certas dimensões sociais evidentes, cuja indicação faz parte de qualquer estudo, histórico ou crítico”(CANDIDO, 1965, p. 6).

Desse modo, a leitura de um romance aponta referências a lugares, modas, usos, manifestações de atitudes e gostos de um grupo ou de uma classe social, conceitos e expressões de vida. Por todos esses condicionamentos, a literatura não pode ser considerada a partir de uma concepção idealista que pretende tomá-la como uma esfera aparta-da da vida social e, portanto, fruto somente da sensibilidade e intuição do escritor:

Afi nal, todo escritor possui uma espécie de liberdade condicional de criação, uma vez que os seus temas, motivos, valores, normas ou revoltas são fornecidos ou sugeridos pela sua sociedade e o seu tempo – e édestes que eles falam. (...) Se a literatura moderna éuma fronteira extrema do discurso e o proscênio dos desajustados, mais do que o testemunho da socieda-de, ela deve trazer em si a revelação dos seus focos mais candentes de tensão e a mágoa dos afl itos. Deve traduzir no seu âmago mais um anseio de mudança do que mecanismos da permanência. Sendo um produto do desejo, seu compromisso é maior com a fantasia do que com a realidade. Preocupa-se com aquilo que poderia ou deveria ser a ordem das coisas, mais do que com o seu estado real (SEVCENKO, 1995, p. 20).

Page 48: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

48

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

O escritor Jorge Amado foi um desses inte-lectuais socialmente mal-ajustados. A sua obra, desde os primeiros livros, escritos durante a juventude, revela o inconformismo diante da realidade social. Jorge Amado consolidou através da arte da escrita uma das carreiras mais bem sucedidas do mercado editorial brasileiro. Autor de mais de 40 obras literárias, editadas em 55países e traduzidas para 49 idiomas, Amado expe-rimentou gêneros diversos, entre eles a crônica, a biografi a, o conto, a novela, o teatro, a poesia e os textos políticos.

No entanto, seria o romance o gênero lite-rário mais revisitado e aprimorado pelo escritor baiano. Sua estreia na cena literária nacional na década de 1930 juntamente com outros jovensescritores, dentre os quais podemos destacar Gra-ciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Érico Veríssimo e José Lins do Rego. Através desses jovens escri-tores, surgiu uma literatura de feições realistas e de vocação quase sociológica atenta a cenários e personagens até então pouco contemplados por nossos escritores: o migrante nordestino, a temá-tica da seca, a decadência das oligarquias rurais e também o proletariado nascente, a luta de classes e a miséria urbano-industrial. Temáticas que estavam na pauta do dia do nosso país desde o surgimento do movimento que culminaria com a Revolução de 30 e seus respectivos desdobramen-tos no campo político, social e cultural do Brasil.

Às temáticas supracitadas, Amado juntou os relatos de vida do povo pobre da Bahia, destacando o cotidiano dos trabalhadores das roças de cacau das cidades de Ilhéus e Itabuna, dos pescadores, prostitutas, estivadores, bêbados, meninos de rua e ladrões do cais da cidade de Salvador. Relatos azeitados com dendê, cachaça, samba, poesia, dengo, sensualidade, candomblé e muita festa.

Militante comunista desde os primeiros anosda década de 1930, Amado nunca negou o en-gajamento político da sua literatura, sobretudo àquela produzida na primeira fase da sua car-reira (1931-1954). Este aspecto da sua produção literária nos desperta interesse. Assim, tomamos como objeto de investigação a relação íntima entre literatura e política no romance “Capitães da Areia”, evidenciando como a militância parti-dária do autor interferiu de maneira decisiva na concepção e no formato de sua fi cção. Também se pretende apontar como seu romance encerra uma série de referências para se pensar a his-

tória política e cultural brasileira nas primeiras décadas do século XX.

Voltando para o campo da literatura, a obra de Jorge Amado revela um terreno muito fecundo para pensarmos as transformações, os proble-mas sociais, os embates políticos e as ideologias presentes no seio da sociedade brasileira em umperíodo extremante conturbado, repressivo e renovador da nossa história: o Estado Novo. Es-crito na cidade de Estância, Sergipe, em março de 1937, e concluído em junho, a bordo do navioRakuyo Maru, no Pacífi co, às costas da América do Sul, rumo ao México, o romance “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, foi lançado em 1ª edição pela Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, em setembro, com 344 páginas. Ama-do completa a viagem pela América do Sul. Do México, o escritor baiano segue para os Estados Unidos. Quando retorna ao Brasil, em Belém do Pará, é avisado pelo escritor Dalcídio Jurandir do golpe de Vargas. Foge para Manaus, mas lá épreso, no dia 6 de novembro de 1937, corroboran-do a análise de que mesmo antes da decretação do novo regime, o Brasil estava ofi cialmente em Estado de Guerra. Na cadeia, Amado é informado da queima pública de seus livros, entre os quais o recém-lançado “Capitães da Areia”, depois de proibidos de circular e meticulosamente recolhi-dos em escolas, bibliotecas e livrarias.

A repressão a Amado não era gratuita, uma vez que o escritor vinha se notabilizando desde o começo da década de 1930 pela contestação em livros como “Cacau”, “Suor” e “Jubiabá”. Os dois primeiros livros, referências explicitas ao mundo do trabalho, sendo o primeiro um relato da exploração dos trabalhadores das roças de cacau do sul do estado da Bahia. Não é à toa, pois, que a obra de Jorge Amado e ele próprio fossem alvo da perseguição empreendida pelo Estado Novo, que era nutrido por um fortíssimo sentimento anticomunista e antidemocrático. “Capitães da Areia” surgiu na literatura brasileira há pouco mais de 70 anos marcado pelo estigma da incineração pública.

3. “Capitães da areia”: denúncia, dramaticidade, estigma e represen-tações sociais

Condensando denúncia, lirismo, militância política e dramaticidade o romance do escritor

Page 49: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

49

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

Jorge Amado foi o único livro da década de 1930 a tomar a situação de abandono na qual viviam os meninos de rua como enredo da fi cção literária. Para Eduardo de Assis Duarte (1995) o romance amadiano volta-se para a base do edifício social, expondo suas margens e descobrindo/construindo o humano. O centro das narrativas na literatura amadiana é a representação do outro, seja de uma perspectiva de classe, gênero ou etnia.

A areia invadira tudo. Por baixo da ponte não há mais o rumor das ondas. Na ponte não atracam mais veleiros, que sairiam abarrotados de merca-dorias carregadas por negros musculosos. Restara apenas o velho trapiche abandonado, mancha negra na brancura da areia do cais do porto da cidade de Salvador. O velho trapiche povoado exclusivamente por ratos durante anos passou a ser também dos “Capitães da Areia” desde o dia em que lançaram suas vistas para ele. Embora velho, com as portas caídas e muitos furos no teto, o trapiche proporcionava uma dormida bem melhor do que a pura areia do cais ou a ponte dos demais trapiches, onde água do mar subia tanto,que por vezes ameaçava levá-los. Dessa manei-ra, Amado descreve o trapiche, que era a única coisa que os “Capitães da Areia” possuíam além da “liberdade de correr as ruas” e da companhia de uns dos outros.

Afi nal, quem eram os “Capitães da Areia”? Segundo Amado (1987), “Capitães da Areia” era a denominação atribuída às crianças e adolescentes abandonados (aproximadamente cinquenta) quehabitavam um velho trapiche nas areias próximas ao cais do porto da cidade de Salvador, na Bahia. Os relatos de vida do grupo formado por crian-ças e adolescentes “vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro” (AMADO, 1987, p.27) compõem a narrativa do romance fi ccional de Jorge Amado. Um grupo que levava uma vida “nem sempre fácil, arranjando o que comer e o que vestir, ora carregando uma mala, ora furtan-do carteira e chapéus, ora ameaçando homens,por vezes pedindo esmola” (AMADO, 1987, p.42).

Chefiados por “Pedro Bala” que, “sabia planejar trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a autoridade de chefe” (AMADO, 1987, p.26), os “Capitães da Areia” ga-nharam fama desde o dia que “O Jornal da Tarde” (cujo título talvez seja uma possível alusão aotradicional jornal da imprensa baiana “A Tarde”,

existente na vida real) havia cobrado providên-cias imediatas por parte do Juiz de Menores e do Chefe de Polícia, uma vez que o Comendador José Ferreira, um dos mais honrados, abastadose acreditados negociantes de Salvador tivera a sua residência, “coração do mais chique bairro da cidade (...) remanso de paz e trabalho honesto” (AMADO, 1987, p.11), furtada em mais de um conto de réis e um de seus empregados feridos durante a ação dos “Capitães da Areia”, um gru-po de vários moleques que, como um “bando de demônios”, fugiu saltando as janelas. O crime, que não era o primeiro feito pelos “Capitães” no aristocrático bairro da capital baiana, deixou os moradores alarmados e receosos de que novosassaltos pudessem ocorrer, de modo que o Jornal da Tarde, ao fi m da reportagem, voltaria a enfa-tizar a necessidade de providências por parte das autoridades competentes: “Urge uma providência que traga para semelhantes malandros um justo castigo e o sossego para as nossas mais distintas famílias” (AMADO, 1987, p.12).

Nos dias seguintes a publicação da reporta-gem, o Jornal da Tarde publicou as cartas que foram enviadas pelo secretário do Chefe de Po-lícia e pelo Dr. Juiz de Menores para a redação do órgão da imprensa baiana. A carta enviadapelo secretário fora publicada na primeira página do jornal, com clichê do Chefe de Polícia e um vasto comentário elogioso. Na carta, o secretário afi rmara que o Chefe de Polícia não havia tomado providência alguma, pois o problema competiria antes ao Juiz de Menores. No entanto, iria tomar sérias medidas “para que semelhantes atentados não se repitam e para que os autores do de an-teontem sejam presos para sofrerem o castigo merecido” (AMADO, 1987, p.14).

A utilização da técnica da intertextualidade, que corresponde à presença de um texto dentro de outro texto (seja por alusão ou citação), constitui-se como recurso engenhoso para a com-posição de um romance, pois acentua a verossi-milhança da obra, dando ao leitor a impressão da verdade do que se narra. Nesse sentido, expõe a perspectiva adotada pelo autor - a luta de clas-ses, através da qual retrata o contraste social: de um lado, os ricos, a polícia, a justiça, a mídia e o clero; do outro lado, os pobres, a miséria ur-bana, a criminalidade, o abandono, a repressão. Largamente infl uenciado pelo realismo socialista, que propunha um engajamento artístico, partin-

Page 50: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

50

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

do, portanto, do pressuposto de que a arte não poderia ser compreendida como esfera apartada da realidade, mas sim uma forma de transformar tal realidade, Amado utiliza-se do antagonismo maniqueísta para caracterizar os discursos das elites e das instituições a elas submissas a fi m de expor as representações sociais, os estereótipos e os estigmas criados e direcionados para um seg-mento da população: as crianças e adolescentesabandonados, que viviam nas ruas da cidade de Salvador nas primeiras décadas do século XX.

“Meninos assaltantes”, “ladrões”, “bando de demônios” “meninos delinquentes” e “ma-landros” são alguns dos termos que aparecem de modo recorrente nos discursos produzidos pelos personagens do livro de Amado para caracterizar os “Capitães da Areia”. O conceito de “repre-sentação social” pode ser defi nido como uma forma de conhecimento elaborada e partilhada socialmente, “funcionando como sistemas de interpretação pelas quais os comportamentos e a comunicação entre os indivíduos são regidos” (BARROS FILHO, 2008, p.16). Os discursos, por-tanto, revelam um esforço de cooperação entre a mídia, a elite e as instituições no sentido de criar imagens negativas sobre as crianças abandona-das, criminalizando-as pela situação de abandono e delinquência na qual viviam.

O conceito de estereótipo foi introduzido por volta de 1922 e como tantos outros conceitos em psicologia, torna-se difícil uma defi nição precisapara ele. A defi nição de estereótipo tem sido muito empregada, principalmente nas pesquisas que se preocupam em aprofundar o estudo do indivíduo. O estereótipo é considerado como algo negativo que tem de ser corrigido. Esse termo é usado para se referir aos estereótipos pessoais ou para defi nir os estereótipos sociais ou culturais, segundo a psicologia social. Os estereótipos pes-soais são conceituados como as características por uma opinião pessoal, individual e os estereótipos sociais ou culturais como um consenso coletivo determinado por uma determinada sociedade.

Na atualidade, a palavra “estigma” represen-ta algo de mal, que deve ser evitado, uma ameaça à sociedade, isto é, uma identidade deteriorada por uma ação social. A sociedade estabelece ummodelo de categorias e tenta catalogar as pessoas conforme os atributos considerados comuns e naturais pelos membros dessa categoria. Esta-belece também as categorias a que as pessoas

devem pertencer, bem como os seus atributos, o que signifi ca que a sociedade determina um padrão externo ao indivíduo que permite prever a categoria e os atributos, a identidade social e as relações com o meio.

Criamos um modelo social do indivíduo e, no processo das nossas vivências, nem sempre é imperceptível a imagem social do indivíduo que criamos; essa imagem pode não corresponder à realidade, mas ao que Goffman denomina de uma identidade social virtual. Os atributos, nomeados como identidade social real, são, de fato, o que pode demonstrar a que categorias o indivíduo pertence (MELO, p.1).

Segundo Ângela Pinheiro (2010), à época da publicação do romance vigorava o Código de Menores de 1927, o primeiro do País, também reconhecido como Código Mello Matos, Juiz de Menores e principal mentor desse diploma legal. Pinheiro destaca que até o início do século XX o termo “menor” era utilizado no Brasil, no pla-no jurídico, para fazer referência a quem não atingira a maioridade. No entanto, a partir da formulação da legislação do Código de Menores de 1927 a denominação menor é institucionali-zada, “consagrando-se como uma classifi cação com forte teor discriminatório” (PINHEIRO, 2010).

Os “Capitães da Areia” tinham o espaço social das ruas da cidade de Salvador como o lugar das suas aventuras, permeadas por malandragem e heroísmo, forjadas como estratégias de sobrevi-vência perante a sociedade opressora retratada pelo autor.

Segundo Roberto DaMatta (1986), no Brasil podemos transitar entre vários estilos de vida: podemos ser Caxias ou autoritários, como perso-nagens identifi cados com o mundo das leis e da ordem; podemos ser renunciadores, procurando fundar uma existência em paralelo que aponta para estar fora do mundo; e podemos ser tam-bém malandros e jeitosos, quando dobramos a lei ou passamos por cima dela. Para DaMatta o malandro é “um personagem nacional (...) um papel social que está a nossa disposição para ser vivido no momento em que acharmos que a lei pode ser esquecida ou até mesmo burlada com certa classe ou jeito” (DAMATTA, 1986, p.103).

A leitura do romance nos deixa a impres-são de que Amado procurou através do enredo literário transmitir ao leitor a ideia de que a malandragem, a esperteza, o “jeitinho” são as armas utilizadas pelos “Capitães da Areia” para sobreviverem em uma sociedade que os oprime,

Page 51: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

51

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

exclui e nega direitos; afi nal, o “problema dosmenores abandonados e delinquentes quase nãopreocupava a ninguém na cidade” (AMADO, 1987,65).

Portanto, a malandragem exposta no roman-ce se confi gura não como realidade transitávelpara os “Capitães”, mas como estratégia possívele necessária para sobreviverem. A exaltação damalandragem como estratégia de sobrevivênciatalvez possa ser apontada como elemento quecontribui para a perseguição de Jorge Amado ea incineração dos seus livros durante o EstadoNovo, uma vez que o regime ditatorial personi-fi cado na fi gura de Getúlio Vargas baseava-se naexaltação da ideologia trabalhista através da quala fi gura do trabalhador era explorada enquantoconstrutor da nação e promotor do progressoeconômico e social.

A leitura do romance aqui utilizado comofecundo terreno de pesquisa expõe além da vio-lência contida nos discursos, a violência física aqual muitas vezes os personagens que compõeo grupo dos “Capitães da Areia” foram subme-tidos. Violência cometida por agentes públicos,durante o horário de trabalho, nas dependênciasfísicas das instituições a qual estavam vinculados.“Pedro Bala” havia sofrido maus tratos quandohavia sido internado no Reformatório, o quecompreendia espancamento, trabalho forçadoe alimentação precária. O “Sem-Pernas”, outropersonagem do livro, também fora vítima deespancamento quando fora preso por policiais econduzido pra uma delegacia de polícia. Amadorevela, portanto, a inexistência de uma distinçãoclara sobre o tratamento legal utilizado parapunir adultos e menores infratores. Ao contrário,expõe a violência, a força, o castigo, o sofrimentocomo estratégias utilizadas no processo de res-socialização dos menores infratores.

Mergulhado no realismo socialista, Amadoconstrói uma narrativa que traça o caminho daluta por direitos como a única saída possível paraos “Capitães da Areia” superarem a situação demiséria, insegurança e privação das mais variadasespécies a qual estavam submetidos na socieda-de de classes que se formava no Brasil. “Pedro Bala” toma conhecimento de que seu pai foraum estivador que organizava greves junto aosdemais estivadores do porto de Salvador e quefora assassinato durante uma greve. Infl uenciadopelos antigos companheiros de seu pai, “Pedro

Bala” transforma o grupo dos “Capitães” emuma espécie de brigada para intervir nas grevesdos segmentos de trabalhadores pobres e, com o passar do tempo, torna-se um agitador socialista,organizador de greves, assembleias e lutas sin-dicais. “Professor”, outro personagem do grupo,possuía aptidões artísticas para o desenho e apintura; ajudado por um abastado apreciador das artes, entra para a Escola de Belas Artes noRio de Janeiro e, através da sua arte, denuncia a miséria e o abandono que ele e tantos outrosadolescentes haviam sofrido e sofrem.

A parte mais dramática, triste e marcante dolivro fi ca por conta do desfecho da trajetória de vida do “Sem-Pernas”. Após um furto mal suce-dido, o “Sem-Pernas” sai correndo juntamentecom outros “Capitães” a fi m de escaparem dospoliciais. No entanto, o defeito físico na pernaque lhe conferira o apelido impedia uma fugamais rápida por sua parte. Após alucinante fuga pelas ruas, o “Sem-Pernas” é encurralado pelospoliciais. Não havia saída. Os policiais iriamprendê-lo. As imagens produzidas na mente do“Sem-Pernas” constituem referências aos maustratos sofridos, ao espancamento, a uma vidacompletamente diferente da que ele havia so-nhado nos momentos de distração, uma vida semcarinho, sem proteção, sem nada. Percebendoque não havia saída, o “Sem-Pernas” se jogado alto da mureta do Elevador Lacerda – cartão postal da capital baiana:

Nunca, porém, o tinham amado pelo que ele era meni-no abandonado, aleijado e triste. Muita gente o tinhaodiado. E ele odiara a todos. Apanhara na polícia, umhomem ria quando o surravam. Para ele é esse homemque corre em sua perseguição na fi gura dos guardas. Seo levarem, o homem rirá de novo. Não o levarão. Vêmem seus calcanhares, mas não o levarão. Pensam que ele vai parar junto ao grande elevador. Mas Sem-Pernasnão para. Sobe para um pequeno muro, volve o rostopara os guardas que ainda correm, ri com toda força do seu ódio, cospe na cara de um que se aproximaestendendo os braços, se atira de costas no espaço,como se fosse um trapezista de circo que não tivesse alcançado o outro trapézio (AMADO, 1987, p. 215).

A morte do “Sem-Pernas” pode ser compre-endida como a falência simbólica da atuaçãodas Instituições Sociais criticadas ao longo doromance amadiano. Família, Estado e Políticadividem o peso da negligência, da incompreensãoe a da incompetência – conceitos e práticas queocuparam o lugar da socialização, da inclusãosocial, da educação e da cidadania. A morte dura,

Page 52: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

52

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

dramática e poética do “Sem-Pernas” ressoa como um grito de liberdade que busca atingir o todo complexo denominado sociedade, e sinali-za para a necessidade de refl etirmos sobre uma problemática identifi cada há mais de 70 anos e que permanece atualíssima.

4. Considerações fi nais

O escritor baiano Jorge Amado, através da sua obra literária, falou das coisas do seu tempo e das suas crenças. Infl uenciado pelo realismo socialis-ta, criou romances de cunho social, no qual seevidencia a preocupação com a conscientização da população mais pobre, sobretudo no que diz respeito à denúncia da exploração capitalista, da exclusão social e do cerceamento da liberdade de expressão na sociedade de classes instalada no Brasil. Através da história dos “Capitães da Areia” o autor propõe a refl exão sobre a situação de abandono vivida pelos menores nas ruas de Salvador. Escrito há mais de 70 anos, o romancenos parece atualíssimo, pois remete ao fracasso da atuação do Estado no que tange as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes. Revela a militância política do autor, que não se calou ante a repressão do Estado Novo, que perseguiu diversos intelectuais e artistas que não se deixaram cooptar pela política de cunho autoritária levada adiante por Vargas.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, F. Y. C. T. Capitães da Areia: denúncia, militância

e lirismo no romance de Jorge Amado. Monografi a. Departa-

mento de Ciências Sociais, Universidade Federal do Ceará,

2010.

AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 65. ed. Rio de Janeiro:

Record, 1987.

BARROS FILHO, A. S. Representações sociais sobre o processo de ressocialização de adolescentes em confl ito com a lei. Monografi a. Departamento de Ciências Sociais,

Universidade Federal do Ceará, 2008.

BARREIRA, Irlys Alencar F. (Org.) Teorias Sociológicas Contemporâneas (Elias, Foucault e Bourdieu). Fortaleza:

Edições UFC, 2006.

BASTIDE, Roger. A propósito da poesia como método so-ciológico. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983.

BOSI, Alfredo. Refl exões sobre a arte. São Paulo: Editora

Ática, 2004.

CÂNDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo:

Companhia Editora Nacional, 1965.

DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? São Paulo:

Rocco, 1986.

______. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia

do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

______. Do país do carnaval à carnavalização: o escritor e

seus dois brasis. In: INSTITUTO MOREIRA SALLES. Cadernos de Literatura Brasileira: Jorge Amado. São Paulo: Cadernos

de Literatura Brasileira, n.3, março de 1997.

DE NICOLA, José. Literatura Brasileira: da origem aos nossos

dias. São Paulo: Editora Scipione, 1998.

DUARTE, Eduardo de Assis. Jorge Amado: romance em tempo

de utopia. Natal: Editora UFRN, 1995.

______. Classe, gênero, etnia: povo e público na fi cção de

Jorge Amado. In: INSTITUTO MOREIRA SALLES. Cadernos deLiteratura Brasileira: Jorge Amado. São Paulo: Cadernos de

Literatura Brasileira, n.3, março de 1997.

DURKHEIM, Émile. Representações individuais e representa-

ções coletivas. In: DURKHEIM, Émile. Sociologia e Filosofi a.São Paulo: Forense-Universitária, 1970.

FERNANDES, Florestan. O “Romance Social” no Brasil. Re-vista Espaço Acadêmico, nº 52, set. 2005.

FISCHER, Ernst. A necessidade da arte. Rio de Janeiro:

LTC, 2007.

GOFFMAN, Erving. Estigma: la identidad deteriorada. 5. ed.

Buenos Aires: Amorrortu Editores, 1993.

GOLDMANN, Lucien. Sociologia do romance. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 1976.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz

e Terra, 2007.

LUCAS, Fábio. A contribuição amadiana ao romance social

brasileiro. In: INSTITUTO MOREIRA SALLES. Cadernos de Literatura Brasileira: Jorge Amado. São Paulo: Cadernos

de Literatura Brasileira, n.3, março de 1997.

MELO, Zélia Maria de. Os estigmas e a deterioração da

identidade social. Disponível em: <http://www.socieda-

deinclusiva.pucminas.br/anaispdf/estigmas.pdf>. Acesso

em: 10 nov. 2011.

MOUTINHO, Laura. Entre o realismo e o fi ccional: re-

Page 53: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

53

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

presentações sobre “raça”, sexualidade e classe em

dois romances paradigmáticos de Jorge Amado. Physis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, jul.2004. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-

d=S0103-73312004000200007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso

em: 29 set. 2010.

ARAÚJO NETO, Miguel Leocádio. A sociologia da literatura:

origens e questionamentos. Entrelaces – Revista do Progra-ma de Pós-Graduação em Letras e Literatura brasileira da Universidade Federal do Ceará. Ano I. n.1, agosto de 2007.

Disponível em: <http://www.entrelaces.ufc.br/miguel.

pdf>. Acesso em: 12 out. 2010.

NUNES, Benedito. Introdução à fi losofi a da arte. São Paulo:

Ática, 2002.

PINHEIRO, Ângela. “Capitães da Areia”: apontamentos de

uma Leitura Crítica. Site do Centro de Defesa da Criança e do

Adolescente – CEDECA CEARÁ. Disponível em: <http://www.

cedecaceara.org.br/noticias/350>. Acesso em: 25 set. 2010

PONTES, Matheus de Mesquita. Jorge Amado e a literatura

de combate: da literatura engajada à literatura militante

de partido. RIVELLI – Revista de Educação, Linguagem e Literatura da UEG-Inhumas. v.1, n.2, outubro de 2009.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões so-

ciais e criação cultural na Primeira República. São Paulo:

Brasiliense, 1999.

ROCHE, Jean. Jorge bem/mal Amado. São Paulo: Círculo

do Livro, 1987.

ROSSI, Luiz Gustavo de Freitas. As cores e os gêneros da

revolução. Cad. Pagu, Campinas, n.23, dez. 2004. Disponível

em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex-

t&pid=S010483332004000200006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso

em: 29 set. 2010.

RUBIM, Antonio Albino Canelas. O partido comunista e os

intelectuais. Política & Trabalho – Revista do Programa dePós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba. n.15. Setembro de 1999.

SILVA, Cícera Maria. Por uma concepção positiva de poder.

In: BARREIRA, Irlys Alencar (Org.). Teorias sociológicascontemporâneas: (Elias, Foucault e Bourdieu). Fortaleza:

Edições UFC, 2006.

Enviado para publicação: 02/07/2014

Aceito para publicação: 07/10/2014

Page 54: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

54

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

ANÁLISES DE RAMPAS DE ACESSIBILIDADE UTILIZANDOO TEOREMA DE PITÁGORAS

ANALYSIS OF RAMPS OF ACCESSIBILITY USING THE PYTHAGOREAN THEOREM

Michael Gandhi Monteiro dos Santos1

Resumo. Este trabalho tem como foco principal verifi car se a inclinação das rampas de acesso da EEFM Joséde Alencar, localizada em Fortaleza – Ceará, estão de acordo com NBR 9050/2004, para isso, utilizaremos o Teorema de Pitágoras para encontrarmos o comprimento das rampas e em seguida suas inclinações para compa-rarmos com a norma vigente. O trabalho relata as inclinações máximas, segundo a NBR, objetivando analisar asestruturas existentes na escola, pois através dos resultados obtidos proporemos melhorias para que, alunos comdefi ciência ou mobilidade reduzida possam ser recebidos e atendidos com qualidade. A metodologia utilizadaserá bibliográfi ca, através do levantamento a respeito da legislação, sobre acessibilidade em prédios e locaispúblicos. Após, serão feitas medições “in loco” de todas as rampas existentes na escola para calcularmos asinclinações e compararmos com a norma. Apresentaremos os resultados usando o teorema e concluiremos estetrabalho propondo medidas que envolvam adaptações arquitetônicas.

Palavras-chave: Acessibilidade. Teorema de Pitágoras. Educação Matemática.

Abstract. This paper focuses mainly in checking whether the slope of the ramps of the EEFM José de Alen-car, located in Fortaleza - Ceará, are in accordance with NBR 9050/2004 for this, we will use the PythagoreanTheorem to fi nd the length of ramps and then their inclinations to compare with the current regulations. Thepaper reports the maximum inclinations, according to NBR, aiming to analyze existing structures in school, asthrough the results it will be proposed improvements that students with disabilities or reduced mobility can be received and attended to with quality. The methodology is bibliographic, through the survey on legislationon accessibility of buildings and public places. After that, measurements “in loco” of all existing ramps in theschool will be taken to calculate the slopes and compared with the standard. The results will be presentedusing the theorem and we conclude this work by proposing measures involving architectural adaptations.

Keywords: Accessibility. Pythagorean theorem. Mathematics Education.

___________________ 1 Mestre em Matemática pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Professor efetivo da rede estadual de ensino do Ceará. Professor da Faculdade Ateneu.E-mail: [email protected]

Artigo 6

Page 55: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

55

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

1. Introdução

Nos dias atuais, é comum encontramos – em praças públicas, escolas, delegacias, hospitais, propriedades privadas, etc. – rampas de acessi-bilidade. A rampa é um plano inclinado que seutiliza para a circulação de pessoas, de cargas ou de veículos. As inclinações máximas das rampas são determinadas por normas, de acordo com o seu uso/destino na edifi cação.

Segundo a NBR 9050/2004, as rampas de acessibilidade para defi cientes devem ter uma inclinação de 8,33% para desníveis até 80cm, de 6,25% para desníveis entre 80cm e 1m e de 5% para desníveis com mais de 1m.

Para inclinação entre 6,25% e 8,33%, devem ser previstas áreas de descanso nos patamares,a cada 50 m de percurso. A largura das rampas deve ser estabelecida de acordo com o fl uxo de pessoas. A largura livre mínima recomendável para as rampas em rotas acessíveis é de 1,50m, sendo o mínimo admissível 1,20m.

Do Decreto nº 5.296, de 02 julho de 2004, p. 21, que regulamenta as leis 10.048, que dá prioridade às Pessoas com Necessidades Especiais (PNE), e também da lei Nº 10.098, que estabelece critérios básicos para a promoção e acessibilidade para as PNE e também outros benefícios, ressal-tamos o seguinte:

Art. 67. O Programa Nacional de Acessibilidade, sob a coordenação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, por intermédio da CORDE, integrará os planos plurianuais, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais.

Art. 68. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, na condição de coordenadora do Programa Nacional de Acessibilidade, desenvolverá, dentre outras, as seguin-tes ações:

I - apoio e promoção de capacitação e especialização de recursos humanos em acessibilidade e ajudas técnicas;

II - acompanhamento e aperfeiçoamento da legislação sobre acessibilidade;

III - edição, publicação e distribuição de títulos refe-rentes à temática da acessibilidade;

IV - cooperação com Estados, Distrito Federal e Municí-pios para a elaboração de estudos e diagnósticos sobre a situação da acessibilidade arquitetônica, urbanística, de transporte, comunicação e informação;

V - apoio e realização de campanhas informativas e educativas sobre acessibilidade;

VI - promoção de concursos nacionais sobre a temática da acessibilidade; e

VII - estudos e proposição da criação e normatização do Selo Nacional de Acessibilidade. (BRASIL, 2000)

De acordo com a Lei nº 10.098, p. 1, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas, critérios e exigências para a promoção e aces-sibilidades das PNE em qualquer lugar, as quais possuem mobilidade reduzida, seja ela adquirida ou nata, devem ser eliminadas “[...] a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte ede comunicação”.

A Lei nº 10.098 informa sobre edifícios de uso privado que:

Art. 13. Os edifícios de uso privado em que seja obri-gatória a instalação de elevadores deverão ser cons-truídos atendendo aos seguintes requisitos mínimos de acessibilidade:

I – percurso acessível que una as unidades habitacionais com o exterior e com as dependências de uso comum;

II – percurso acessível que una a edifi cação à via pública, às edifi cações e aos serviços anexos de uso comum e aos edifícios vizinhos;

III – cabine do elevador e respectiva porta de entrada acessíveis para pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidade reduzida.

Art. 14. Os edifícios a serem construídos com mais de um pavimento além do pavimento de acesso, à exce-ção das habitações unifamiliares, e que não estejam obrigados à instalação de elevador, deverão dispor de especifi cações técnicas e de projeto que facilitem a instalação de um elevador adaptado, devendo os de-mais elementos de uso comum destes edifícios atender aos requisitos de acessibilidade.

Art. 15. Caberá ao órgão federal responsável pela coor-denação da política habitacional regulamentar a reser-va de um percentual mínimo do total das habitações, conforme a característica da população local, para o atendimento da demanda de pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, 2000)

Diversas mudanças têm sido feitas em es-tabelecimentos privados e públicos, mas falta fi scalização por parte dos órgãos públicos, pois, se é lei, deve ser cumprida. As escolas, princi-palmente as públicas, precisam de investimentos para que possam se adequar às normas, a fi m de receber os alunos defi cientes em suas instalações. Segundo Gabrilli (2009), a meta é que qualquer indivíduo independente de sua capacidade física possa desfrutar de todos os lugares.

Uma dessas adequações são as rampas. Essas formam triângulos retângulos, logo podemos utilizar um dos principais teoremas de geometria ensinado no ensino médio: o Teorema de Pitágoras. Pitágoras foi um grande matemático grego que, entre inúmeras descobertas, solucionou o problema da relação entres

Page 56: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

56

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

os lados de um triângulo retângulo, ou seja, o maior lado (hipotenusa) ao quadrado é igual à soma do quadrado dos lados menores (catetos).

Em nossa pesquisa, analisaremos as rampas da EEFM José de Alencar, verifi cando se a inclinação das rampas para defi cientes estão de acordo com a NBR 9050/2004.

2. ObjetivosConforme visto, existe lei que obriga e

normas técnicas que orientam os projetos para a acessibilidade das pessoas portadoras de de-fi ciências ou com mobilidade reduzida. Temos certeza hoje de que a população em geral e os empresários estão mudando a maneira de ver e perceber as pessoas com necessidades especiais (PNE), pois presenciamos o direito sendo executa-do em diversos locais públicos como na aceitação perante o mercado de trabalho.

A locomoção em geral poderia ser facilitada, com rampas menos inclinadas, lem-brando tam-bém que levar a cadeira por locais extensos causa exaustão aos braços. Portan-to, o local de acesso e locais que devam ser frequentados pelo paraplégi-co, por exemplo, deve ser próximo de banheiros, bibliotecas, laboratórios, refeitórios entre outros.

Portanto, o objetivo é realizar um levanta-mento e analisar a escola e suas estruturas exis-tentes para que essas possam receber e atender com qualidade os alunos com defi ciência física. Posteriormente, mediante os resultados, se ne-cessário, pode-se propor soluções de projetos que incluem, na fase de detalhamento, pisos, degraus, escadas, elevadores, portas, sanitá-rios, entre outras intervenções que se fi zerem necessárias. Para isso, calcularemos as inclina-ções usando o teorema de Pitágoras ensinado no 9ºano do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio, como forma de aplicar os conhecimentos matemáticos a situações diversas do cotidiano.

3. Justifi cativaA EEFM José de Alencar é considerada uma

das maiores e melhores escolas estaduais da 6ª região de Fortaleza. Todos os anos a procura por vaga cresce constantemente. Esta demanda é fruto do reconhecimento do ensino de qualidade oferecido pela instituição.

Diante deste cenário e visando à adoção da inclusão de pessoas com defi ciências nos espaços educacionais e o surgimento de legislações que

ampliam a estas pessoas a oportunidade de in-serção nos campos educacionais, é que se torna viável este projeto.

Ademais, a permanência destes alunos no interior da escola requer medidas que possam igualar as oportunidades de aprendizagem en-tre estudantes com e sem defi ciência, medidas estas que envolvam: adaptações arquitetônicas e de materiais didáticos, capacitação do corpo docente e o uso de recursos tecnológicos.

4 - Metodologia

O trabalho foi desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfi ca, de caráter descritivo-ex-ploratório sobre acessibilidade e o Teorema de Pitágoras. Em relação a estudos descritivos, Gil (1999, p.44) afi rma que “(...) têm como obje-tivo primordial a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis”.

Gil (1999, p. 43) afi rma ainda que, “as pesqui-sas exploratórias têm como principal fi nalidade desenvolver, esclarecer e modifi car conceitos e ideias, tendo em vista, a formulação de proble-mas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”.

Serão medidas “in loco” todas as rampas da escola EEFM José de Alencar, calculando através do Teorema de Pitágoras suas inclinações para comparar com a NBR 9050/2004, norma brasileira que orienta sobre o assunto. Seguem-se as etapas.

1ª ETAPA: Levantamento bibliográfi co da legislação de acessibilidade e dos principais pres-supostos da Norma NBR 9050 da ABNT.

2ª ETAPA: Delimitação dos pontos de obser-vação que serão fotografados: - escadas, degraus, desníveis de portas, etc

3ª ETAPA: Medição de todas as rampas, lar-guras de portas, escadas e degraus.

4ª ETAPA: Cálculos das inclinações usando o Teorema de Pitágoras.

5ª ETAPA: Comparação com a norma da ABNT.

6ª ETAPA: Sugestões para melhoria da aces-sibilidade da escola.

Caso as rampas estejam em desacordo com a norma, orientaremos segundo os critérios aqui explorados a melhor forma de nossa escola atender aos anseios de portadores de necessidades especiais.

Page 57: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

57

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

5. Apresentação dos resultados

desnível a inclinação deveria ser 8,33%, logo arampa está em desacordo.

Segundo a NBR 9050/2004, até 80cm de des-nível a inclinação deveria ser 8,33%, logo a rampa esta em desacordo.

nível a inclinação deveria ser 8,33%, logo a rampa esta em desacordo.

Page 58: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

58

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

desnível a inclinação deveria ser 8,33%, logo arampa esta em desacordo.

Segundo a NBR 9050/2004, até 80cm dedesnível a inclinação deveria ser 8,33%, logo arampa esta em desacordo.

Segundo a NBR 9050/2004, até 80cm dedesnível a inclinação deveria ser 8,33%, logo arampa esta em desacordo.

Page 59: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

59

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

desnível a inclinação deveria ser 8,33%, logo arampa esta em desacordo.

6. Conclusão

A EEFM José de Alencar foi fundada em 1922 e ao longo dos anos foram feitas diversas reformas como: ampliação do números de salas de aula, quadra esportiva, pátio para recreação, secretária,diretoria, sala dos professores entre outros ambientes, pois não houve um planejamento arquitetô-nico nem tão pouco se pensou na acessibilidade na forma correta, ou seja, de acordo com a norma.

Percebemos que as rampas analisadas não estão de acordo com a NBR 9050/2004. Portanto, diante do que foi visto e calculado propomos uma reforma na acessibilidade da escola, pois a mesma deveampliar a oportunidade de pessoas com defi ciência e fazer viável está inserção.

REFERÊNCIAS

ABNT, NBR 9050. Acessibilidade a edifi cações, mobiliário, espaço e equipamentos urbanos. 2 ed., 2004. Disponível em: <http://www.pessoacomdefi ciencia gov.br/app/sites/default/fi les/arquivos/[fi eld_generico_imagens-fi lefi eld-description]_ 24.pdf>. Acesso em 09/05/2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.

______. Legislação. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.

______ Decreto n.º 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Re-gulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifi ca, e10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade

das pessoas portadoras de defi ciência ou com mobilidadereduzida, e dá outras providências

EVES, Howard. Introdução à História da Matemática. Cam-pinas: Unicamp: 2004

GABRILLI. M. Desenho Universal: um conceito para todos.Disponível em: http://vereadoramaragabrilli.com.br/fi les/universal_web.pdf. Acessado em: 09/05/2014.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social.5. ed. São Paulo: Atlas,1999.

PITÁGORAS. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pitágoras>.Acesso em: 09/05/2014.

PROJETO DE RAMPAS. Disponível em: <http://portalar-quitetonico.com.br/como-projetar-rampas/>. Acesso em:09/05/2014.

Enviado para publicação: 09/09/2014

Aceito para publicação: 23/10/2014

Page 60: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

60

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

É POSSÍVEL SER PLENAMENTE INCLUSIVONO SISTEMA COLÉGIO MILITAR DO BRASIL?

CAN BE FULLY INCLUSIVEIN MILITARY COLLEGE SYSTEM OF BRAZIL?

Andréa Rebouças Matias da Silveira1

João Aureliano Cordeiro Silva2

Resumo. A inclusão educacional constitui-se em um grande desafi o para a educação, em especial, para o sistema escolar brasileiro. No entanto, o tema ainda gera muitas confusões quanto ao conceito de educação inclusiva e quanto às ações que precisam ser realizadas para que a política e a prática avancem nessa direção.Partindo de um conceito restrito de educação inclusiva, defi nida como uma forma de servir crianças com defi ci-ência no ambiente da educação geral, cada vez mais nos voltamos para uma visão mais ampla e abrangente da educação inclusiva, defi nida por Vitello e Mithaug (1998), como uma educação que tem por objetivo eliminar a exclusão social, que é consequência de atitudes e respostas à diversidade de raça, classe social, etnia, religião, gênero e habilidade. Nesse contexto, o presente ensaio remete a uma refl exão sobre a educação inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil, a partir da questão: É possível ser plenamente inclusivo no Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB)? Atendendo a essa demanda, utilizaremos como aporte teórico para nossas refl exões, a legislação, as pesquisas, os trabalhos e os artigos científi cos que servem de fundamentação às políticas e práti-cas voltadas para educação inclusiva, bem como a legislação que rege o funcionamento dos colégios militares.

Palavras-chave: Educação Inclusiva, Políticas, Práticas.

Abstract. The educational inclusion constitutes a great challenge for education, especially for the Brazilian school system. However, the issue still generates much confusion about the concept of inclusive education and on the actions that need to be made to the policy and practice to advance in that direction. Starting from a restricted concept of inclusive education, defi ned as a way to serve children with disabilities in the general education environment, increasingly turn to a broader and more comprehensive view of inclusive education, defi ned by Vitello and Mithaug (1998), as an education that aims to eliminate social exclusion, which is a con-sequence of attitudes and responses to diversity of race, class, ethnicity, religion, gender and ability. In this context, this essay refers to a refl ection about inclusive education system at the Military College of Brazil, from the question: Is it possible to be fully inclusive in System Military College of Brazil (SCMB)? Given thisdemand, we use as theoretical framework for our considerations, legislation, research, studies and scientifi carticles that serve as reasons to policies and practices for inclusive education, as well as the laws governing the operation of military schools.

Keywords: Inclusive Education, Policies, Practices.

___________________ 1?????????.2??????????????.

Artigo 7

Page 61: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

61

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

1. Introdução

A Declaração de Salamanca (1994) determina que o desenvolvimento das escolas inclusivas, enquanto meio mais efi caz de atingir a educação para todos, deve ser reconhecido como uma po-lítica chave dos governos e ocupar um lugar de destaque na agenda do desenvolvimento das na-ções, reconhecendo a necessidade de mudanças de política e o estabelecimento de prioridades para que a educação inclusiva se torne efetiva. Embora as comunidades tenham de representar um papel chave no desenvolvimento das escolas inclusivas é igualmente essencial o suporte e en-corajamento dos governos e/ou instituições para se conseguirem soluções efi cazes e realistas no tocante à inclusão. Nesse contexto, muitos são os estudos voltados para os princípios e práticas referentes à educação inclusiva, para revisão e modifi cação das legislações referentes à educa-ção no âmbito internacional e nacional. No esco-po desse trabalho, nosso objetivo é propor uma refl exão sobre a educação inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil e a análise da legislação que determina a estrutura de funcionamento e a ação pedagógica nos colégios militares, partindo da questão: É possível ser plenamente inclusivo no Sistema Colégio Militar do Brasil?

Optamos por dividir o presente trabalho em alguns tópicos, visando facilitar nosso olhar sobre os aspectos referentes à legislação sobrea educação inclusiva, os conceitos e práticas da educação inclusiva, a legislação e as identidades no Sistema Colégio Militar do Brasil, fi nalizando nossa abordagem com a refl exão sobre a educação inclusiva no Sistema Colégio Militar.

2. Fundamentação teórica

2.1 Educação Inclusiva: um olhar sobre alegislação

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) se fundamenta no reconhecimento da dignidade de todas as pessoas e na universali-dade e indivisibilidade desse direito. Embora não trate diretamente da questão da Educação Inclusiva, foi o primeiro documento a reconhe-cer, em âmbito mundial, que a educação é uma valiosa ferramenta para o crescimento pessoal, conferindo-lhe o status de um direito de múltiplas faces: social, econômica e cultural. Conforme

cita Claude (2002), ao postularem a educação como um direito, os autores da Declaração Universal dos Direitos Humanos basearam-se, axiomaticamente, na noção de que a educação não é neutra em relação a valores. Com esse espírito, esse documento estabelece uma série de metas educacionais que focalizam a educação para os direitos humanos como uma estratégia de longo prazo direcionada para as necessidades das gerações futuras, sendo essencial a elaboração de programas educacionais inovadores a fi m defomentar os princípios de igualdade e dignidade para todas as pessoas.

A partir do marco referencial da Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seu Artigo 26°, proclama, no item 1, que “toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensi-no elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profi ssional deve ser generalizado..”; no item 2, estabelece que “a educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a ami-zade entre todas as nações e todos os grupos ra-ciais ou religiosos...”, a Organização das Nações Unidas fomentou, através de vários documentos, a adoção de políticas públicas voltadas para a construção de Sistemas Educacionais Inclusivos e, como consequência, foram realizadas várias conferências no âmbito internacional - Conferên-cia de Jomtien (1990), Conferência de Salamanca (1994) e Convenção da Guatemala (1999) - para se discutir a questão da educação como um direi-to de todos, incluindo nesse foro o debate sobre a Educação Inclusiva.

Na Conferência Mundial sobre Educação para todos, em Jomtien, Tailândia, foi estabelecida a Declaração de Jomtien que, em seu escopo, ratifi ca a educação como um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de todas as idades, no mundo inteiro. Declara, também, entender que a educação é de fundamental importância para o desenvolvimento das pessoas e das socie-dades, podendo contribuir para conquistar ummundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação interna-cional (SEESP, 2004).

Page 62: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

62

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, em Salamanca, Espanha, teve como objeto espe-cífi co de discussão a atenção educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais. Fruto dessas discussões, a Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança, analisou a situ-ação mundial da criança e estabeleceu metas aserem alcançadas. Entendendo que a educação é um direito humano e um fator fundamental parareduzir a pobreza e o trabalho infantil e para promover a democracia, a paz, a tolerância e o desenvolvimento, deu alta prioridade à tarefa de garantir que, até o ano de 2015, todas as crian-ças tenham acesso a um ensino primário de boa qualidade, gratuito e obrigatório e que terminem seus estudos (SEESP, 2004).

Na Convenção Interamericana para a Eli-minação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Defi ciência, na Guatemala, os Estados Partes reafi rmaram que as pessoas portadoras de defi ciência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o de não ser submetido a discriminação com base na defi ciência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano. Os partíci-pes dessa conferência fi rmaram o compromisso de promover a integração social e o desenvol-vimento pessoal dos portadores de defi ciência, pautando-se para esse fi m, no estabelecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o direito a igualdade e a dignidade dessas pessoas (SEESP, 2004).

O Brasil, enquanto país membro da ONU, tem respeitado as orientações internacionais, adotando-as na elaboração de suas políticas pú-blicas internas. Os dispositivos legais brasileiros – Constituição Federal (1998), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), A política nacional para a integração da pessoa portadora de defi ci-ência (1999), Plano Nacional de educação (2001), As diretrizes da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação (2001) – em consonância às políticas públicas internacionais, ratifi cam a opção brasileira por uma política voltada para construção de uma sociedade para todos.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assumiu os mesmos princípios

postos na Declaração Universal dos Direitos Hu-manos. Seguindo as orientações estabelecidas no âmbito internacional, o Brasil, considerando a autonomia política dos municípios, atribuiu -lhes a responsabilidade de mapear as necessidades de seus cidadãos, planejar e implementar os recursos e serviços que se revelam necessáriospara atender ao conjunto de suas necessidades, em todas as áreas da atenção pública.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no que se refere à educação, estabelece em seus Art. 53 e 54, que a criança e o adolescente têmdireito à educação, visando ao pleno desenvol-vimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualifi cação para o trabalho. Notocante a educação inclusiva, o ECA determi-na que o Estado deve assegurar à criança e ao adolescente o ensino fundamental obrigatório e gratuito, prevendo o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-nal (LDBEN) traz em seu texto o princípio da uni-versalização do ensino, atribuindo aos municípios a responsabilidade de formalizar e desenvolver os passos necessários para implementar, em sua realidade sociogeográfi ca, a educação inclusiva,no âmbito da Educação Infantil e Fundamental.

A política nacional para a integração da pes-soa portadora de defi ciência tem como princípios: a ação conjunta do Estado e da sociedade civil, de modo a assegurar a plena integração da pessoa portadora de defi ciência no contexto socioeco-nômico e cultural, o estabelecimento de meca-nismos e instrumentos legais e operacionais que assegurem às pessoas portadoras de defi ciência, o pleno exercício de seus direitos básicos que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciam o seu bem-estar pessoal, social e econômico, o respeito às pessoas portadoras de defi ciência, que devem receber igualdade de oportunidades na sociedade, por reconhecimento dos direitos que lhes são assegurados, sem privilégios ou paternalismos, estabelecendo-se assim os prin-cípios de igualdade e dignidade já estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O Plano Nacional de Educação, nesse con-texto, contribuiu com o estabelecimento de objetivos e metas para a educação das pessoas com necessidades educacionais especiais.

As Diretrizes Nacionais para a Educação

Page 63: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

63

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

Especial na Educação Básica (2001) instituiu o compromisso do país com o desafi o de construir coletivamente as condições para atender bem à diversidade de seus alunos. Esta resolução representa um avanço na perspectiva da uni-versalização do ensino e um marco da atençãoà diversidade, na educação brasileira, quando ratifi ca a obrigatoriedade da matrícula de todos os alunos. Vale ressaltar que essa documentaçãoadota a premissa básica da adaptação da escola à realidade discente, traduzindo, nesses termos, o conceito de uma escola inclusiva que fundamenta seu projeto pedagógico na função social da escola (SEESP, 2004).

Vale citar o Decreto 3.956 que promulgou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pes-soas Portadoras de Defi ciência. Ao instituir esse Decreto, o Brasil comprometeu-se a tomar as me-didas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista ou de qualquer outra natureza, quesejam necessárias para eliminar a discriminaçãocontra as pessoas portadoras de defi ciência e proporcionar a sua plena integração à sociedade.

Observa-se, do acima exposto, que muito já se caminhou em termos legais, não signifi cando o alcance do mesmo êxito enquanto realidade e prática de uma educação inclusiva em termos globais. Conforme citado por Vitello e Mithaug (1998), ainda se fazem necessárias ações efetivas para que políticas e práticas voltadas para uma educação inclusiva sejam alcançadas a pleno, eliminando-se a exclusão social, consequência de atitudes e respostas à diversidade de raça, classe social, etnia, religião, gênero e habilidade.

2.2 A Educação Inclusiva: conceitos e práticas

A educação inclusiva de qualidade se baseia no direito de todos – crianças, jovens e adultos – a receberem uma educação de qualidade que satis-faça suas necessidades básicas de aprendizagem e enriqueça suas vidas. Apesar de ter sido bastante discutido e debatido, não há ainda unanimidade sobre a essência do conceito de educação inclu-siva (FÁVERO et al., 2009).

Em alguns países, o termo inclusão ainda é considerado como uma abordagem para atender crianças com defi ciências dentro do contexto dos sistemas regulares de educação. Internacional-mente, porém, o conceito tem sido compreendido

de uma forma mais ampla como uma reforma que apoia e acolhe a diversidade entre todos os sujei-tos do processo educativo. Consequentemente, a educação inclusiva se volta para eliminação da exclusão social resultante de atitudes e respostas à diversidade. Assim, parte-se do princípio de que a educação constitui direito humano básico e alicerce de uma sociedade mais justa e solidária.

Uma análise da história da educação especial sugere certos padrões. No início, frequentemente assumia a forma de escolas especiais separadas das escolas regulares, estabelecidas por organi-zações religiosas ou fi lantrópicas. Esse tipo de serviço foi adotado e ampliado como parte das medidas educacionais nacionais, muitas vezes levando a um sistema escolar separado e paralelo para esses alunos, considerados como necessita-dos de atenção especial. Na atualidade, a conve-niência de sistemas de educação separados tem sido questionada tanto do ponto de vista dos direitos humanos como da sua efi cácia. Cada vez mais há a defesa de que a reorganização de escolas comuns dentro da comunidade (através de melhorias na escola) é a forma mais efi caz de garantir que todas as crianças possam aprender efetivamente, mesmo as classifi cadas como aquelas que têm necessidades especiais (AINSCOW et al., 2006).

No âmbito geral, o desenvolvimento da edu-cação especial envolveu uma série de estágios durante os quais os sistemas de educação explo-raram diferentes formas de responder a crianças com defi ciências e a outras que têm difi culdades de aprendizagem. A educação especial foi ofere-cida, por vezes, como complemento à educação geral e em outros casos foi totalmente segregada.

Ainscow (1999), analisando as tendências internacionais quanto a educação inclusiva, suge-riu uma tipologia de cinco formas de conceituar a inclusão: inclusão referente à defi ciência e à necessidade de educação especial, inclusão como resposta a exclusões disciplinares, inclusão que diz respeito a todos os grupos vulneráveis à exclu-são, inclusão como forma de promover educaçãopara todos, inclusão como educação para todos.

No conceito de inclusão referente à defi ciên-cia e à necessidade de educação especial, há uma suposição comum de que inclusão é principalmen-te acerca da educação de estudantes com defi -ciência ou dos classifi cados como portadores de necessidades educacionais especiais nas escolas regulares. A efi cácia desta abordagem tem sido

Page 64: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

64

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

questionada, uma vez que, ao tentar aumentar aparticipação dos estudantes, a educação enfocaa parte da defi ciência ou das necessidades espe-ciais desses estudantes e ignora todas as outrasformas em que a participação discente pode ser impedida ou melhorada. Muitas críticas apon-tam para o fato dos estudantes com defi ciência,dentro dessa concepção, serem apenas incluídosno efetivo das escolas regulares, em algumassituações segregados, mas nunca integrados.Fruto dessa crítica, surge a argumentação de queessas crianças poderiam ser melhor atendidas emambientes educacionais especiais.

No ambiente educacional inclusivo, conce-bido como uma resposta a exclusão disciplinar,há uma conexão entre o conceito de inclusão eo “mau comportamento”. Consequentemente,a escola passa a ser vista como um espaço quedeve incluir, em caráter imediato, um númerodesproporcional de estudantes de comportamen-to difícil. Booth (1996), nesse contexto, afi rmaque a exclusão disciplinar não pode ser entendidasem estar ligada aos eventos e às interações quea precedem, à natureza dos relacionamentos eà abordagem do ensino e da aprendizagem naescola, portanto, a principal crítica a essa abor-dagem é que o conceito de inclusão, transcendeao atendimento aos discentes com mau compor-tamento, devendo ser compreendido dentro de uma perspectiva mais ampla e abrangente, volta-da para formação do cidadão e na sua integraçãoà sociedade de fato e de direito.

No modelo de inclusão voltado aos grupos vul-neráveis à exclusão, há uma tendência crescentede se ver a inclusão na educação de forma mais ampla, em termos de superação da discrimina-ção e da desvantagem em relação a quaisquer grupos vulneráveis a pressões excludentes. Emalguns países, esta perspectiva mais ampla está associada aos termos inclusão social e exclusão social. Nesse contexto educacional, a inclusãosocial se refere às questões de grupos cujo acessoàs escolas esteja sob ameaça. Essa tipologia de inclusão está muito voltada para as pesquisassobre a natureza dos processos de exclusão e de suas origens nas estruturas sociais.

Na inclusão como forma de promover escolapara todos, observamos uma linha de pensa-mento um tanto diferente sobre inclusão. Nessatipologia, busca-se o desenvolvimento de umaescola regular de ensino comum para todos, a

chamada escola compreensiva, e a construção de abordagens de ensino e aprendizado inclusivas. O termo escola compreensiva foi estabelecido como uma reação ao sistema que alocava crianças em escolas de tipos diferentes com base em suacapacidade, reforçando as desigualdades base-adas nas classes sociais existentes. Esta ênfase,no entanto, não foi seguida de um movimento igualmente forte de reforma da escola regular para aceitar e valorizar a diferença.

A inclusão como educação para todos surgiu do movimento Educação para Todos, sendo volta-do para um conjunto de políticas internacionais, coordenadas principalmente pela UNESCO, e rela-cionado com o acesso e a participação crescentes na educação em todo o mundo. Essa abordagembuscava refl etir sobre a educação em algumas das regiões mais pobres do mundo oferecendo a oportunidade para repensar as escolas como um entre vários outros meios de desenvolver educação nas comunidades, chamando a atenção para as possibilidades de um sistema educacional inclusivo para todas as crianças, incluindo nesse universo as crianças com defi ciências.

Aiscow et al. (2006), partindo da tipologia das cinco formas de conceituar a inclusão, alerta para necessidade de se saber não só o que esses valores signifi cam, mas também suas implicações e como os mesmos podem ser colocados em prática. Com isso em mente, ele afi rma que a inclusão envolve: os processos para aumentar a participação de estudantes e a redução de sua exclusão de cur-rículos; a reestruturação de culturas, políticas e práticas em escolas de forma que respondam à diversidade de estudantes em suas localidades; a presença, a participação e a realização de todos os estudantes vulneráveis às pressões exclusivas, não somente aqueles com defi ciências ou aqueles categorizados como “pessoas com necessidades educacionais especiais”.

2.3 SCMB: Um olhar sobre a legislação

No corpo da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDBN), o Art. 83 traz uma única referência ao ensino militar - “O ensino militar é regulado em lei específi ca, admitidaa equivalência de estudos, de acordo com as normas fi xadas pelos sistemas de ensino” – não ”havendo nenhuma outra disposição geral ou es-pecífi ca sobre esse sistema de ensino.

Page 65: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

65

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

No âmbito do Exército Brasileiro, a Lei do En-sino no Exército (Lei nº 9.786, de 08 de fevereiro de 1999), em seu Capítulo I/ art. 2º, dispõe queo Sistema de Ensino do Exército compreende as atividades de educação, de instrução e de pes-quisa, realizadas nos estabelecimentos de ensi-no, institutos de pesquisa e outras organizações militares com tais incumbências, e participa do desenvolvimento de atividades culturais. No cor-po desta Lei, encontramos referência ao Sistema Colégio Militar do Brasil no Art. 7º, parágrafos 1º e 2º, nos seguintes termos: § 1º “O ensino prepara-tório e assistencial de nível fundamental e médio a que se refere o caput poderá ser ministrado com a colaboração de outros Ministérios, Gover-nos estaduais e municipais, além de entidades privadas” e § 2º “Os Colégios Militares mantêm regime disciplinar de natureza educativa, com-patível com a sua atividade preparatória para acarreira militar”.

A Lei nº 9.786 ainda dispõe sobre os princípios e objetivos do Sistema de Ensino do Exército, elencando-se no presente texto, aqueles que dizem respeito diretamente aos Colégios Milita-res. No Art. 3º está disposto que: O Sistema deEnsino do Exército fundamenta-se, basicamente, nos seguintes princípios: integração à educação nacional; seleção pelo mérito; avaliação integral, contínua e cumulativa e o pluralismo pedagógi-co. São ainda valorizados, nos termos da Lei, as seguintes atitudes e comportamentos: integra-ção permanente com a sociedade; preservaçãodas tradições nacionais e militares; educação integral; assimilação e prática dos deveres, dos valores e das virtudes militares, bem como o desenvolvimento do pensamento estruturado.

O Sistema Colégio Militar do Brasil, um dos subsistemas do Sistema de Ensino do Exército, tem suas fi nalidades, organização, competências e atribuições estabelecidas no Regulamento dos Colégios Militares (R-69), aprovado pela Portaria nº 042, de 06 de fevereiro de 2008 do Comandante do Exército. De um modo geral este regulamento dispõe que os Colégios Militares são organizações militares que funcionam como estabelecimentos de ensino de educação básica, com a fi nalidade de atender ao Ensino Preparatório e Assistencial,destinando-se ao atendimento dos dependentes dos militares de carreira do Exército, enquadra-dos nas condições previstas no regulamento su-pracitado, e aos demais candidatos, por meio de

processo seletivo, visando ainda, a capacitaçãodos alunos para o ingresso em estabelecimentosde ensino militares, com prioridade para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército e para as instituições civis de ensino superior.

A ação educacional a ser desenvolvida nos Colégios Militares, conforme estabelecido no Art. 4º do R-69, deverá ser feita segundo os valores e as tradições do Exército Brasileiro, cuja proposta pedagógica tem as seguintes metas gerais: per-mitir ao aluno desenvolver atitudes e incorporar valores familiares, sociais e patrióticos que lheassegurem um futuro como cidadão, cônscio de seus deveres, direitos e responsabilidades, emqualquer campo profi ssional que venha a atuar; propiciar ao aluno a busca e a pesquisa continu-ada do conhecimento; desenvolver no aluno a visão crítica dos fenômenos políticos, econômi-cos, históricos, sociais e científi co-tecnológicos,preparando-o a refl etir e a compreender e não apenas para memorizar, uma vez que o discente deverá aprender para a vida e não mais, apenas,para fazer provas; capacitar o aluno à absor-ção de pré-requisitos, articulando o saber do discente ao saber acadêmico, fundamentais aoprosseguimento dos estudos, em detrimento de conhecimentos supérfl uos que se encerrem em si mesmos; estimular o aluno ao hábito saudável da atividade física, buscando o desenvolvimentocorporal e o preparo físico, incentivando-o à prá-tica constante do esporte; e despertar a vocação para a carreira militar.

Na organização e na estrutura de funciona-mento dos Colégios Militares, conforme disposto no R-69, observa-se a ênfase no acompanhamento do desempenho escolar, havendo a realização de avaliações diagnósticas e a previsão do Apoio Pedagógico para os alunos que, após avaliação diagnóstica ou em qualquer momento do ano letivo, apresentarem difi culdades de aprendiza-gem que extrapolem os objetivos das atividades de recuperação.

O Regimento Interno dos Colégios Militares (RI/CM), em seu Art. 3º, dispõe que além da fi nalidade prevista no Regulamento dos Colégios Militares (R-69), cabe aos Colégios Militares, por meio da sua ação educacional, prover ao corpo discente o desenvolvimento integral, a formação para o exercício da cidadania e os meios para progredir nos estudos posteriores e no exercício de sua atividade profi ssional. O RI/CM ressalta

Page 66: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

66

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

ainda, entre os fundamentos da proposta peda-gógica dos Colégios Militares, o desenvolvimento de atitudes, valores e hábitos saudáveis que pro-porcionem ao discente à vida em sociedade, num ambiente no qual todos possam: compreender e respeitar os direitos e deveres da pessoa huma-na, do cidadão patriota, da família, dos grupos sociais, do estado e da nação brasileira; acessar e dominar recursos científi cos relevantes que lhes permitam situar-se criticamente diante da realidade, assumindo responsabilidades sociais;e preparar-se para participar produtivamente da sociedade, no exercício responsável de sua futura atividade profi ssional.

No corpo do RI/CM estão estabelecidos também, o regime escolar, a avaliação da con-dução do ensino e avaliação do rendimento da aprendizagem traduzida, em termos objetivos, pelo desempenho do aluno. Dentre as fi nalidades da avaliação do rendimento escolar, conforme consta do Art.64/III, vale destacar o objetivo de expressar o aproveitamento intelectual dos alunos, classificando-os ao final do processo ensino – aprendizagem. Há ainda, a previsão da classifi cação dos alunos, dentro do ano escolar considerado, obedecendo ao escalonamento de-crescente das Notas Globais do Ano Escolar, dagraduação do aluno nos diversos graus da hierar-quia escolar como uma recompensa pela aplica-ção aos estudos e pelo exemplar comportamento escolar. Vale ressaltar que apenas os alunos que tenham obtido nota global do ano escolar igual ou maior que 7,0 (sete) e que estejam classifi cados no comportamento “excepcional” ou “ótimo” concorrerão às promoções.

Sobre as formas de recompensa discentes previstas no RI/CM, observamos no Art. 105º, a integração no Pantheon dos ex-alunos, na legiãode honra, bem como o reconhecimento como aluno destaque que, para sua identifi cação e controle, faz uso do alamar. Em comum, todas as recompensas previstas nesse regimento estão fundamentadas no desempenho intelectual e na valorização da nota global escolar.

2.4 SCMB: As identidades dentro do uni-verso escolar do Colégio Militar de For-taleza

A escola inclusiva, conforme defi nida por Ropoli (2010), é um espaço de todos, no qual os alunos constroem o conhecimento segundo suas

capacidades participando ativamente das tarefas de ensino e se desenvolvem como cidadãos, nas suas diferenças. Destacam-se nesses espaços, a ausência de processos e critérios que estabele-çam identidades e/ou defi nam padrões e mo-delos, eliminando-se a possibilidade de agrupar alunos e de identifi cá-los por suas características.

No contexto das identidades dentro do uni-verso escolar, os colégios militares, conforme disposto no R-69, tem por fi nalidade atender ao Ensino Preparatório e Assistencial, destinando-se ao “atendimento dos dependentes dos militaresde carreira do Exército, enquadrados nas condi-ções previstas no regulamento supracitado”, e aos “demais candidatos, por meio de processo seletivo”, visando ainda, a capacitação dos alunos para o ingresso em estabelecimentos de ensino militares, com prioridade para a Escola Prepara-tória de Cadetes do Exército (EsPCEx) e para as instituições civis de ensino superior. Analisando-se o prescrito, percebe-se claramente em seu processo de acesso e admissão a categorização de duas identidades: os alunos matriculados por amparo legal e os alunos selecionados por concur-so público, bem como enfatiza-se a capacitação dos discentes para ingresso na Escola Preparatória de Cadetes do Exército.

A educação inclusiva trabalha com o princípio da diversidade na escola, não havendo espaço para adoção de critérios para o estabelecimento de identidades hierarquizadas, o que de certa forma, é observado nos colégios militares quando do estabelecimento das normas para o conces-são das graduações e alamares, para o acesso ao Pantheon dos ex-alunos e à Legião de Honra.Observe-se que, conforme previsto no RI/CM, Art. 105 - § 1º, é considerado “aluno-destaque” aquele que obtiver Nota Periódica (NP) igual ou superior a 8,0 (oito vírgula zero) em todas as áreas de estudo ou disciplinas do seu ano e no bimestre considerado, demonstrando alto rendimento nos estudos e tornando-se exemplo para seus pares, ou seja, tornando-se distinto dos demais discentes que não reúnem as mesmas condições de mérito. Ainda no tocante a questão das identidades nos colégios militares, vale res-saltar que ao enfatizar a capacitação dos alunos para o ingresso em estabelecimentos de ensino militares, em especial na EsPCEx, estabelece-se, no âmbito do Sistema Colégio Militar do Brasil, um perfi l e/ou uma identidade discente a ser

Page 67: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

67

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

alcançada e/ou enfatizada. Observando-se a questão das identidades

no espaço escolar e analisando-se a origem dos alunos ingressos no 6º Ano do Colégio Militar de Fortaleza (CMF) no ano letivo de 2014, temos que, dos 95 alunos matriculados, 55 alunos ingressa-ram via amparo legal e 40 alunos são oriundos do concurso de admissão ao Colégio Militar de Fortaleza. Os alunos ingressos por amparo no R-69 são, em sua maioria, dependentes de mi-litares transferidos das mais diversas origens do território nacional, o que vem a se refl etir naformação escolar, no desenvolvimento cogniti-vo, psicomotor e afetivo desses discentes. No universo dos alunos concursados, vale ressaltar que todos realizaram curso preparatório para o concurso de admissão ao CMF, sendo que, con-forme os dados do Sistema de Gerenciamento Escolar (SGE), 57,5% dos concursados concluíram o 6º ano e 7, 5% concluíram o 7º Ano em 2013, ou seja, são discentes que voltaram, respectiva-mente, uma série ou duas para ingressar no CMF.Apenas 35% dos concursados são oriundos do 5º Ano e, por tanto, estão cursando pela primeira vez o 6º Ano no corrente ano letivo. Do acima exposto, observa-se que, dentro de um sistema cujos os mecanismos e processos de valorizaçãodiscente enfatizam o mérito intelectual, esta-belece-se um quadro favorável ao destaque dos alunos concursados, em detrimento dos alunos amparados legalmente.

Lançar um olhar refl exivo sobre as formas de acesso e valorização discente no Sistema Co-légio Militar do Brasil é preeminente, principal-mente quando este abraça a causa da educação inclusiva. Conforme cita Ropoli (2010), pensar em inclusão, mesmo dentro de um sistema de ensino que tem as suas especifi cidades, envolve o rompimento com paradigmas que sustentam o conservadorismo das escolas e, em algumas situ-ações, signifi ca a contestação do próprio sistema educacional em seus fundamentos. A educação inclusiva questiona a fi xação de modelos ideais, o estabelecimento de perfi s específi cos de alunos e o destaque dos eleitos, produzindo, com isso, identidades e diferenças, inserção e/ou exclusão. A mudança geradora de uma educação inclusiva, segundo Sanches (2005), é um dos grandes de¬sa-fi os da educação de hoje porque imputa à escola a responsabilidade de deixar de excluir para in-cluir e de educar a diversidade dos seus públicos,

numa perspectiva de valorização e sucesso de todos e de cada um, independentemente da sua cor, raça, cultura, religião, defi ciência mental, psicológica ou física.

2.5 Refl exões sobre a Educação Inclusiva no SCMB

Pensar em educação inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil, signifi ca rever a legis-lação referente ao ensino no âmbito do Exército Brasileiro e, principalmente, estabelecer normas e critérios de valorização diferenciados para as escolas de ensino básico, caso dos Colégios Milita-res. Nas escolas de formação e aperfeiçoamento militar a necessidade de se estabelecer uma classifi cação hierarquizada, ou seja, o estabele-cimento de um escalonamento por antiguidade, justifi ca a valorização do mérito intelectual e daaptidão física, situação incompatível aos princí-pios estabelecidos pela inclusão. Outro aspecto a ser analisado é a questão do estabelecimento de identidades e perfi s. Diferente do previsto nos estabelecimentos de ensino inclusivos, as escolas profi ssionalizantes no âmbito do Exército, sejamas escolas da linha bélica ou da formação com-plementar, trabalham com perfi s profi ssiográfi cos, delimitando identidades que transcendem os aspectos funcionais, e que se estabelecem por gestos, atitudes e valores que são intrínsecos à carreira militar. Nas escolas de ensino básico, por sua natureza, em especial àquelas que se voltam para educação inclusiva, não existe espaço para o estabelecimento de perfi s e padrões a serem al-cançados, principalmente, quando esses padrões estabelecem distinções e diferenciações, caso da valorização pelo mérito intelectual.

Falar em educação inclusiva, não se limitaao estabelecimento dos tipos de necessidades especiais que podem ser atendidas pela escola. Pensar em educação inclusiva signifi ca substituir o paradigma da escola tradicional, na qual todos os alunos precisam se adaptar ao mesmo método pedagógico, sendo avaliados da mesma forma. Refere-se em caráter amplo e irrestrito, conforme cita Gil (2005), a uma educação que respeite as características de cada estudante, que ofereça alternativas pedagógicas que atendam às neces-sidades educacionais de cada aluno: uma escola que ofereça tudo isso num ambiente inclusivo e acolhedor, onde todos possam conviver e apren-der com as diferenças.

Page 68: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

68

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

A refl exão sobre os Colégios Militares como escolas inclusivas deve considerar que a proposta de uma educação inclusiva não deve desconhecer as diferenças, mas proporcionar recursos para o cumprimento dos objetivos escolares, con-sequentemente, a inclusão no Sistema Colégio Militar do Brasil envolve uma revisão dos aspec-tos legislativos, mas engloba também, repensar os aspectos pedagógicos que envolvem desde a prática pedagógica até aos processos avaliativos.

Uma das questões mais sensíveis no tocante a educação inclusiva refere – se ao preconceito. O preconceito é delimitado como uma reação hostil contra um membro de um grupo, por esse supostamente apresentar modos de ser e de atuar desvalorizados pelos preconceituosos (CROCHIK,2006); manifesta-se ao menos de três formas: hostilidade manifesta (ou sutil); compensação por atos de proteção exagerada; e indiferença. Se debruçarmos nosso olhar sobre os colégios militares, uma reflexão se torna necessária, pois, considerando-se as regras e as normas que estabelecem a estrutura e o funcionamento dos colégios militares, a prática pedagógica e até mesmo as relações interpessoais entre os váriossegmentos que compõe a escola: discentes, do-centes, comandantes de companhia, monitores e demais integrantes da comunidade escolar.

Cabe-nos perguntar: será que estamos com-pletamente isentos de preconceitos: hostilidade, protecionismo e indiferença? Em nossa atual re-alidade, alunos concursados e alunos amparados pela legislação estão em condições de igualdade de oportunidades dentro do Sistema Colégio Mi-litar do Brasil? Não podemos pensar em inclusão apenas como o ingresso dos alunos portadores de necessidades especiais, incluindo para este fi m a adaptação estrutural e a formação/ atualização de nossos profi ssionais, assim fazendo, corremos o risco de segregar ou agregar, dois conceitos completamente distintos do que prevê a inte-gração, conforme os princípios e práticas de uma educação inclusiva.

3. Considerações fi nais

É possível ser plenamente inclusivo no Siste-ma Colégio Militar do Brasil?

Partindo de nossa experiência, professora, há mais de dezenove anos atuando no sistema,Colégios Militares do Rio de Janeiro e de Forta-leza, militar da reserva remunerada do Exército Brasileiro, atual professor do Colégio Militar de Fortaleza e pai de dois ex – alunos, um amparado e o outro concursado, do Sistema Colégio Militar do Brasil, nós os autores, sujeitos ativos e pas-sivos dessa refl exão que até agora realizamos e conduzimos, julgamos que por aptidão natural e intrínseca os Colégios Militares são espaços para educação inclusiva, sendo sua missão, conforme o estabelecido no Regulamento dos Colégios Militares, permitir ao aluno desenvolver atitudes e incorporar valores familiares, sociais e patrióticos que lhe assegurem um futuro como cidadão, cônscio de seus deveres, direitos e responsabilidades.

Fruto de nosso olhar sobre a legislação atinente à educação inclusiva, da análise da legislação pertinente a estrutura e ao funcio-namento do Sistema Colégio Militar do Brasil e dos fundamentos que norteiam os princípios e as práticas da educação inclusiva, reconhecemos que se fazem necessárias modifi cações e atuali-zações que, conforme supracitado, passam pela legislação (R-69, RI/CM, etc.), pela capacitação e formação profi ssional, mas, principalmente, que passam pelos esforços de, abraçando a causa da educação inclusiva, se eliminar a exclusão que resulta de atitudes e respostas à diversidade.

Os colégios militares podem ser inclusivos, desde que realizem as mudanças que se fazem necessárias, ratifi cando seus princípios e valoresao reafi rmar que a educação constitui direito humano básico e alicerce de uma sociedade mais justa e solidária, sendo o seu papel no ensinobásico contribuir na formação de nossos jovenspara a cidadania.

Page 69: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

69

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

REFERÊNCIAS

AINSCOW, M. Compreendendo o desenvolvimento de es-colas inclusivas. Londres: Falmer, 1999.

AINSCOW, M.; BOOTH, T.; DYSON, A. et al. Escolas Melhores: desenvolvendo a inclusão. Londres: Routledge Falmer, 2006.

ARANHA, M. S. F. (Org). Educação inclusiva: a fundamenta-ção fi losófi ca, v.1. Brasília: SEESP/MEC, 2004.

BOOTH T. Uma perspectiva de inclusão na Inglaterra. Cam-bridge Review of Education, v. 26, n. 1, p. 87-99, 1996.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

______. COMANDO DO EXÉRCITO. LEI DO ENSINO NO EXÉR-CITO - Lei nº 9.786, de 8 de fevereiro de 1999, que dispõe sobre o ensino no Exército Brasileiro.

______. COMANDO DO EXÉRCITO. REGULAMENTO DOS COLÉ-GIOS MILITARES (R-69) - Portaria do Comandante do Exército nº 042, de 6 de fevereiro de 2008.

______. COMANDO DO EXÉRCITO. REGIMENTO INTERNO DOS COLÉGIOS MILITARES-RI/CM. Disponível em < http://www.cmf.ensino.eb.br/avisos/matricula/ricm_2003.pdf > Acesso em 26 ago. 2014.

CROCHIK, J. L. Preconceito, indivíduo e cultura. 3. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

CLAUDE, R. P. Direito à Educação e Educação para os Direi-tos Humanos. Human Rights Quaterly, 2002. Disponível em < http:// www.surjornal.org/conteudos/artigos2/port//artigo_pierre.htm >. Acesso em: 28 jul. 2014.

FÁVERO, O. FERREIRA, W. IRELAND, T. BARREIROS, D. (Org). Tornar a Educação Inclusiva. Brasília: UNESCO, 2009.

GIL, M. (Org.) Educação Inclusiva: o que o professor tem a ver com isso? São Paulo: USP/CECAE, 2005.

ROPOLI, E.A. MANTOAN, M. T. E. SANTOS, M. T. C. T. MA-CHADO, R. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar – A Escola Comum Inclusiva, fascículo 1, Brasília: 2010. p.7 a 11. Ministério da Educação/Secretaria de Edu-cação Especial/UFC.

SANCHES, I. Compreender, agir, mudar e incluir: da inves-tigação-ação à educação inclusiva. Revista Lusófona deEducação, v. 5, p.127-142, 2005.

VITELLO, S. J. MITHAUG, D. E. Escola Inclusiva: perspec-tivas nacionais e internacionais. New Jersey: Lawrence Erlbaum, 1998.

Enviado para publicação: 11/08/2014

Aceito para publicação: 02/10/2014

Page 70: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

70

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

LIDANDO COM DIFERENÇAS:O DESAFIO DA INCLUSÃO NA ESCOLA CONVENCIONAL

DEALING WITH DIFFERENCES:THE CHALLENGE OF INCLUSION IN CONVENTIONAL SCHOOL

Alexsandra Sombra Araújo1

Sérgio de Castro Araújo2

Resumo. O presente artigo tem o intuito de percorrer alguns momentos da história, no tocante a inclusãoescolar, analisando os fatores que permeiam esse desafi o. Partiremos da compreensão do processo de surgimentoda escola enquanto instituição que busca a evolução e aprimoramento do homem no seio social, bem como o surgimento da escola para portadores de necessidades especiais, fazendo em seguida uma relação entre ambas a fi m de reconhecer os principais desafi os da inclusão à escola convencional. Refl etiremos por que a inclusão édesafi adora, o que a torna difícil à escola convencional e por que as diferenças são referenciais excludentes. Eainda por que considerar as diferenças como imposições restritivas ao âmbito educacional e a projeção social.Faremos um percurso considerando a história do desenvolvimento do homem, marcado pela institucionalização do saber, a escola, bem como o histórico social dos portadores de necessidades especiais. A compreensão desse processo histórico nos levará à refl exão do desafi o da inclusão e sua repercussão no seio social.

Palavras-chave: História. Diferença. Inclusão. Ensino.

Abstract. This article aims to go some moments of history regarding the school inclusion, analyzing the factors involved in this challenge. Start from the understanding of the process of emergence of the school as an institution that seeks the development and improvement of man in the social heart as well as the emergenceof the school for people with special needs, making then a relationship between them in order to recognize themajor challenges of addition to conventional school. Will refl ect that inclusion is challenging, making it diffi cultto conventional school and why the differences are referential exclusive. And to consider that the differencesin the educational context as restrictive taxation and social projection. We will route considering the historyof man’s development, marked by the institutionalization of knowledge, the school as well as the social historyof individuals with special needs. Understanding this historical process will lead us to refl ect the challenge of inclusion and its impact on social bosom.

Keywords: History. Difference. Inclusion. Ensino.

___________________ 1 Mestre em Ética e Filosofi a Política. Professora do 1º e 3º ano do Ensino Médio do Colégio Militar de Fortaleza.2 Estudante de Administração. Membro do Colégio Militar de Fortaleza.

Artigo 8

Page 71: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

71

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

1. Introdução

Escola Convencional: contexto histórico – do surgimento aos dias contemporâneos

O processo de educação de um indivíduoocorre em diversos níveis e instâncias, seja for-mal ou informal, entre os quais encontramos afamília, a igreja, a sociedade, o lazer, o trabalho, os meios de comunicação e a escola. Ou seja, há um processo conjunto de todos os elementos queconstituem a própria existência na formação e aprimoramento de um sujeito que vive em umasociedade. Mas, seria possível viver sem uma educação formal, aprendendo apenas com a in-formalidade?

Responder a essa pergunta nos remete à ori-gem da escola enquanto instituição. Ao buscar-mos na história o relato de uma educação formal observaremos que esta nem sempre existiu. Nostempos primitivos a educação era exercida por um conjunto de membros da sociedade através da cultura oral. Na Grécia antiga os jovens e crianças eram levados ao Ágora (praça pública) a fi m de ouvir as narrativas mitológicas que tinham por objetivo uma educação através da fi gura do he-rói e seus feitos. Todo ideal de valor moral gregoera exposto através dessas narrativas de maneiralúdica e singular.

Durante a Idade Média a ideia de apren-dizagem era relegada ao aprendizado de boas maneiras e à prestação de serviços. A criança era considerada um adulto em miniatura e não havia a preocupação com a noção de infância e formação propriamente dita. O alto índice de mortalidade infantil e a baixa média de vida dos adultos tor-navam essa situação aceitável e natural de modoque o processo de aprendizado acontecia com crianças, jovens e adultos juntos.

Do século XV ao século XVIII desenvolve-seo sentimento da infância e com ele a clara ne-cessidade e preocupação em moldar o sujeito social. Fundam-se nessa época os primeiros colégios, pelas ordens religiosas. Essas escolas têm o objetivo de absorver a disponibilidade da criança e restringir seu convívio a outras damesma faixa etária, separando-a do mundo paraque não conheça e absorva os vícios dos adultos. A sociedade burguesa em ascensão traz uma nova necessidade: a de preparar os fi lhos para o futuro, concepção válida ainda hoje. Nesse período temos importantes pensadores como Locke e Rousseau

que vislumbravam na infância as perspectivasfundamentais para a formação da sociedade,o aprimoramento das leis e a consolidação doEstado. Esses fi lósofos alertaram o importantepapel do mestre na boa condução da educaçãodas crianças.

A fundamentação moral da escola, nessecontexto, considerava a natureza humana máe corruptível o que impunha à escola constantefi scalização da vida escolar, dentro e fora dasala de aula. A educação tinha por objetivo adisciplina da criança, sendo empregado para essefi m, muitos recursos, inclusive o uso de castigosfísicos. Dessa forma,

[...] se estrutura o modelo da escola tradicional bur-guesa, que não se baseia nos interesses da criança, masprocura o tempo todo controlar seus impulsos naturais,para lhe ensinar virtudes morais adequadas aos novostempos. Além da rígida formação moral, o regime detrabalho é rigoroso e extenso. São valorizados os estu-dos humanísticos, privilegia-se a cultura greco-latina e o ensino da língua vernácula. A ênfase na gramáticae na retórica visa formar o homem culto, capaz debrilhar nas cortes aristocráticas. (ARANHA, 1996, p.73)

A intenção da escola se concentrava em for-mar as crianças para a sociedade, adequando-aso sufi ciente para agir e atuar no seio da sociedadecom garbo mantendo o poderio burguês o temponecessário. Nesse cenário a democratização doensino faz gritar a necessidade de instituições públicas, gratuitas, laicas e obrigatórias para queos menos favorecidos tenham acesso à educação.Como nunca visto antes, a do cidadão é discutida.Nasce dessa discussão a escola pública e gratuita.Essa concepção de escola perdurou por muitotempo, recebendo algumas alterações no sécu-lo XVIII, por meio da Revolução Industrial, quetrouxe a necessidade de um saber mais técnico e especializado, além do estudo das ciências,proposta considerada até os dias de hoje.

No século XIX a escola se apresenta comoimportante local para a completa instrução deum indivíduo, inclusive da sua formação moral. Mesmo passando por um enorme desenvolvimentoa escola continua sendo elitista, pois apenas osmais capazes conseguem prosseguir até a uni-versidade.

Até aqui falamos de uma escola de “normais”;sujeitos em condições comuns, que não apre-sentam nenhuma diferença grave ou destoante.Observamos a igualdade nesse aspecto de mol-dagem, que recusa as particularidades em nome

Page 72: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

72

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

da uniformidade. Encontramos um nivelamento de idade, expectativas e atenção, aprimorado através das discussões sobre a importância da formação do indivíduo. Não observamos a história dos diferentes, dos menos capacitados, dos des-providos de algum tipo de sentido, nem lemos a narrativa de sua entrada nesse ambiente sagrado de saber: a escola.

Como e quando surgiu uma escola inclusivaque considera o sujeito humano superior à sua condição física? É isso que veremos no capítulo seguinte.

2. Escolas especiais: discriminação das diferenças ou assistência espe-cializada?

A história da educação para pessoas com ne-cessidades especiais tem origem na segregação, o que não é de espantar tendo em vista a exclusão implantada no seio social, desde os seus primór-dios. As diferenças nem sempre foram vistas como forma de possibilidade da própria existência humana. Os mais fracos ou comprometidos fi sica-mente sempre foram relegados à própria sorte, inclusive na busca pela auto- sobrevivência. Nesse cenário como pensar em educação? Como traba-lhar as diferenças individuais de modo coletivo? Como agregar sem discriminar?

Na história antiga encontramos relatos bíbli-cos que mostram a condição dos menos favore-cidos: viviam isolados, distantes da família e do seio social, eram livres apenas para mendigar e viver de favores. Algumas sociedades praticavam o infanticídio.

Durante o período medieval a prática do infanticídio foi condenada, porém foram atribu-ídas causas sobrenaturais às anormalidades queacometiam as pessoas. Pecado ou castigo de Deus eram as razões geradoras das defi ciências. O exorcismo era praticado no intuito de expelir o mau espírito que possuía uma pessoa defi ciente.

No século da razão, os defi cientes mentais eram internados em orfanatos, manicômios, pri-sões e outros tipos de instituições estatais que objetivavam o controle das discrepâncias. Apesar disso as primeiras experiências diferenciadas da-

tam do século XVI, conforme lemos: “ [...] o frade Pedro Ponce de Leon (1509-1584) em meados do século XVI, levou a cabo no Mosteiro de Oña a Educação de 12 crianças surdas; com surpreen-dente êxito ele é reconhecido como iniciador doensino para surdos e criador do método oral.”3

No fi nal do século XVIII, início do século XIX inicia-se o período da institucionalização espe-cializada de pessoas com defi ciência, podendo-se considerar dai o surgimento da Educação Espe-cial. Datam dessa época a criação do InstitutoNacional dos Cegos em 1784 e em 1786 a criação do Instituto do Instituto Nacional dos Surdos-Mu-dos, ambos na França. De 1819 a 1824 a criação de instrumentos e desenvolvimento de técnicas para o público com necessidades especiais foi ampliado na Europa.

No Brasil, com o grande esforço do jovemcego José Álvares de Azevedo em divulgar e rei-vindicar a educação aos defi cientes visuais foi criado, em setembro de 1854, o Imperial Insti-tuto dos Meninos Cegos. Após a proclamação da república o nome do Instituto foi modifi cado para Instituto Benjamin Constant em homenagem aoprofessor de Matemática e Diretor da Instituiçãopor 29 anos Benjamin Constant.

Cinquenta anos depois começam a surgir novas instituições, de caráter profi ssional e as-sistencial, como a Escola Profi ssional para Cegosem 1908, a Liga de Proteção de Cegos em 1920, o Instituto dos Cegos de Pernambuco em 1926 e o Instituo Padre Chico em 1928. Todas essas instituições nasceram da iniciativa de ex-alunos educados no instituto Benjamin Constant, muitos desses com grande destaque social, considerados pioneiros no processo de evolução da educaçãoe projeção de cegos no Brasil.

O período pós-guerra trouxe a limbo enorme discussão acerca dos direitos humanos indepen-dente da condição da pessoa. Em 1970, afi r-mam-se os direitos humanos, principalmente das crianças no tocante à educação; nesse processoa educação tem o importante papel de fornecer a ordem e o desenvolvimento. De acordo com Mantoan4 (2014, online), podem-se considerar os seguintes períodos na educação de pessoas com defi ciência no Brasil:

___________________ 3 VAZ, Sandra de Lima. Histórico da Educação Especial. Disponível em: http://www.artigonal.com/educacao-artigos/historico-da-educacao-especial-1521439.html4 MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A educação especial no Brasil – da exclusão à inclusão escolar. Disponivel em: http//www.lite.fe.unicamp.br/cursos/nt/ta1.3.htm. p.1

Page 73: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

73

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

1º: de 1854 a 1956: marcado por iniciativas de caráter privado;

2º: de 1957 a 1993: defi nidos por ações ofi -ciais de âmbito nacional;

3º: de 1993 à atualidade: caracterizado por movimentos em favor da inclusão escolar.

De acordo com a autora, o primeiro período é marcado por atendimento clínico especiali-zado. Nesse período fundam-se as instituições mais tradicionais de assistência às pessoas com defi ciência mental, físicas e sensoriais.O segundo período, defi nido por ações ofi ciais, foi assumido pelo poder público em 1957 com a criação de Campanhas destinadas especificamente para atender a cada uma das defi ciências.O terceiromomento é caracterizado pelo esforço, inclusive dos próprios portadores de defi ciências que tem se organizado em Comissões, Coordenações, Fóruns e Movimentos, reivindicando a efetivação das leis.

Um grande marco da luta pela inclusão podeser vista após a Declaração de Salamanca escri-ta na Espanha em 1994, numa reunião da ONU/Unesco, na qual o direito à educação para todosfoi amplamente reivindicado. Ficou defi nido que caberia à escola incluir a criança independentedas diferenças, com uma pedagogia voltada à pessoa. A aprendizagem deveria ser adequada à necessidade. A declaração não propõe uma reforma técnica, mas uma busca de compromis-so e disposição pela mudança de paradigma na educação, no exercício dos direitos humanos.

Aqueles com necessidades educacionais especias devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades; escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais efi cazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a efi ciência e, em última instância, o custo da efi cá-cia de todo o sistema educacional. (UNESCO, 1994)

A proposta da Declaração considera a condi-ção humana enquanto fundador de todo processo de educação. Mais que instruir é necessário hu-manizar e a escola é o palco de aplicabilidade do sistema de preparação do individuo social. A Declaração busca a democratização da educação.

O resultado desse acordo, no Brasil, foi a construção de políticas para necessidades es-peciais, conforme vemos na Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional nº 9394/96, em seu capítulo V, Da Educação Especial, que diz: Art. 58 “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.” A integração representa um movimento de inovação para o sistema de ensino, que já deveria existir, abrangendo as diferenças existente mesmo entre os não defi -cientes. Nesse processo de sedimentação de leis e acordos é importante citar a luta dos pais na construção de instituições e escolas voltadas ao atendimento de pessoas com defi ciência, dentre as quais se destacam as APAEs com mais de milinstituições em todo país.

De acordo ainda com Mantoan (2014, online),Só muito recentemente, a partir da última década de 80 e início dos anos 90 as pessoas com defi ciência, elas mesmas, têm se organizado, participando de Comis-sões, de Coordenações, Fóruns e movimentos, visando assegurar, de alguma forma os direitos que conquista-ram de serem reconhecidos e respeitados em suas ne-cessidades básicas de convívio com as demais pessoas.

Podemos citar ainda a Sociedade Pestalozzi, uma instituição fundada em 1932 para a educação de crianças “excepcionais”, que assim eram cha-mados por possuir alguma anormalidade orgânica, com problemas de origem sócio-econômica no meio familiar, que apresentavam difi culdades em acompanhar o programa escolar regular. A insti-tuição nasceu de caráter privado sendo mantidapor seus fundadores e por doações particulares ou públicas. O Instituto Pestalozzi tornou-se mo-delo de educação para crianças “excepcionais” no Brasil.

A educação inclusiva surge então de for-ma tímida e particularizada, mas efi ciente no atendimento especializado a cada aluno em sua condição especial. Essa construção nos transmite a ideia de superação e desenvolvimento humano gestado ao longo de um período de luta. Um ca-minho que não foi fácil, permanecendo ainda com grandes desafi os pela efetivação de uma política capaz de assistir sem discriminar.

3. Considerações fi nais

Os desafi os de uma Escola Inclusiva: amplian-do os campos das diferenças

Nas duas seções anteriores percorremos a narrativa do surgimento da escola tanto a con-

Page 74: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

74

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

vencional quanto a inclusiva. O que observamos em comum a ambas? Certamente há fatores seme-lhantes dentre os quais consideramos o desafi o da aprendizagem e o esforço no avanço intelectual. Os alunos são diariamente estimulados a superar as difi culdades e seguir em busca de novos de-safi os, seja numa escola convencional ou numa escola para portadores de necessidades especiais.

Observamos ainda que as diferenças exis-tem em todos os aspectos da condição humana e por mais uniformizada que a escola procure ser, adequando as faixas etárias e as condições de aprendizado, não é possível desconsiderar as distinções provenientes da própria existência. Nenhum ser humano é igual a outro, cada sujeito é dotado individualmente de características que lhe são peculiares seja altura, cor dos olhos outipo físico. Não há como prever uma hegemonia num pais multiracial marcado pela mistura de etnias, culturas e distinções. Ou seja a igualdade existe nas diferenças.

O que torna então desafi ador a inclusão, do diferente, do “outro”, no ambiente escolar? Elencamos que a história humana foi excludente e elitista e compreendemos que mudar a menta-lidade e o comportamento social quanto à acei-tação da pessoa com defi ciência é, sem dúvida,o primeiro passo para a inclusão, todavia, não torna menos difícil realizá-la. Considerando as limitações de alcance social dos estabelecimentos de ensino, ponderamos a inocuidade da escola nas questões das necessidades sociais, tais como, violencia urbana, violencia doméstica, abandono, pais ausentes, drogas, alcoolismo, prostituição,fome, criminalidade, entre outras mazelas sociais que interferem diretamente no processo do de-senvolvimento escolar, tornando em necessidades especiais os défi cits educacionais de indivíduos outrora submergidos na uniformidade dos iguais.

Pensar na escola como ambiente agregador de respeito à dignidade da pessoa humana, que busca a evolução e o desenvolvimento são má-ximas que necessitam de um arcabouço à sua aplicação.

A necessidade de mudança na estrutura física, com rampas de acessibilidade e uso de materiais específi cos que facilitem a orientação e mobilidade de escadas e banheiros para pes-soas com defi ciência visual são exemplos de quea ideia da inclusão não é apenas ideológica, mas pragmática, não podendo ser gestada apenas no

processo de conscientização.É necessária ainda a preparação dos profi ssio-

nais ligados à educação, o que não se restringe à preparação do professor especifi camente, mas do zelador, da cantineira, do diretor, do secretário, enfi m, de todos os indivíduos que compõem o ambiente escolar. Atender as necessidades dos alunos com defi ciências não implica uma nova segregação, mas uma conscientização de que é importante um ambiente adaptado ao convívio de todos os membros da escola, considerando as par-ticularidades e promovendo a interação indepen-dente das condições individuais. “Incluir signifi ca atender a todos os portadores de necessidadesespeciais ou não, respeitando as necessidade de cada uma delas, tendo profi ssionais capacitados e espaço físico adequado.” (SOUZA, 2010).

Aos professores, compete o aprimoramento e a tomada de capacitação quanto aos recursos necessários ao aprendizado de um aluno com necessidades especiais. Segundo Mantoan (2014, online),

Trata-se de uma nova formação, que busca aprimorar o que o professor já aprendeu em sua formação inicial, ora, fazendo-o tomar consciência de suas limitações, de seus talentos e competências, ora, suplementando esse saber pedagógico com outros, mais específi cos, como o sistema braile, as técnicas de comunicação e de mobilidade alternativa/aumentativa, ora aper-feiçoando a sua maneira de ensinar os conteúdos cur-riculares, ora levando-os a refl etir sobre as áreas do conhecimento, as tendências da sociedade contempo-rânea, ora fazendo-o provar de tudo isso, ao aprender a trabalhar com as tecnologias da educação, com o bilinguismo nas salas de aula para ouvintes e surdos...

A prática de um ensino homogeneizado traz ao professor uma perspectiva de incapacidade para lidar com a dicotomia entre regular e espe-cial, quando na verdade, há exagero em descon-siderar as habilidades do professor na lida com a pluralidade. Sim, é necessário o aperfeiçoamento do professor, mas é urgente compreender que o professor é capaz de ensinar diversos alunos, que aprendem diferentemente, em seu próprio ritmo e disposição.

No processo de inclusão, o professor é umreferencial, os pais são aliados e os membros da comunidade escolar apoiadores e incentivadores da agregação, do respeito e da consideração entre os alunos.

Dessa forma, a inclusão exige um profundo processo de transformação social, no qual, a esco-la enquanto promotora de parte do processo for-

Page 75: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

75

EDUCARE - Revista Científi ca do Colégio Militar de Fortaleza

mativo individual tem importante participação. A necessidade de aperfeiçoamento de práticas, o esforço de atualização e reestruturação são condições básicas para a maioria das escolas denível básico.

A implementação de políticas públicas vol-tadas à satisfação dessas necessidades são sem dúvida, condições essenciais à sobrevivência da escola enquanto instituição.

A escola é o ponto de partida para a aceitação do portador de necessidade especial na socieda-de, pois é a base constituinte na preparação para o mercado de trabalho. O desafi o de ser inclusivo traz à tona a responsabilidade de transformação social. Nesse contexto não há justifi cativas para a não inclusão, mas há o trabalho pelo frente, desprezado durante toda história da humanidade, mas que ainda pode ser reparado.

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofi a da Educação. São Paulo: Moderna, 1996.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A integração de pessoas com defi ciência: contribuições para uma refl exão sobre o tema. São Paulo: Editora SENAC, 1997.

______. A educação especial no Brasil – da exclusão à inclu-são escolar. Disponível em: <http//www.lite.fe.unicamp.br/cursos/nt/ta1.3.htm>. Acessado em: 10/09/2014.

PAULA, Wedsley Ferreira de. A inclusão dos portadores de necessidades especiais. Disponível em: <HTTP://www.direi-tonet.com.br/artigos/exibir/6094/A-inclusao-dos-portado-res-de-necessidades-especias.> Acessado em: 09/09/2014.

ROGALSKI, Solange Menin. Histórico do surgimento da educação especial. Disponível em: <http://www.ideau.com.br/bage/uploado/artigos/art_123.pdf>. Acesso em: 10/09/2014.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão - construindo uma socie-dade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 1991.

______. Como chamar as pessoas com defi ciência. Disponível em: <http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/Site/docu-mentos/espaco-virtual/espaco-educar/educacao-especial-sala-maria-tereza-mantoan/ARTIGOS/Como-chamar-a-pes-soa-que-tem-defi ciencia.pdf>. Acessado em: 10/09/2014.

UNESCO. Declaração de Salamanca: sobre princípios, políti-cas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acessado em: 09/09/2014.

VAZ, Sandra de Lima. Histórico da Educação Especial. Dis-ponível em: http://www.artigonal.com/educacao-artigos/historico-da-educacao-especial-1521439.html. Acessado em 08/09/2014.

Enviado para publicação: 24/09/2014

Aceito para publicação: 20/10/2014

Page 76: Revista Educare Nov 2014 - Colégio Militar de Fortaleza · respeito de rampas de acessibilidade utilizando o teorema de Pitágoras. O trabalho tem como foco principal verifi car

76

Ano 6 - Nº. 10 - Nov/2014

CHAMADA PARA A REVISTA EDUCARE E REGRAS DE SUBMISSÃO

Os critérios para elaboração e submissão dos artigos da revista Educare estão disponíveis neste númeroe no site do CMF: www.cmf.ensino.eb.brE-mail da Revista EDUCARE: [email protected]

Calendário permanente de submissão de artigos:

ATIVIDADERecebimento de artigos

Aprovação e aceite do artigo

Periodicidade da revista

PERÍODODurante todo o ano

Até 3 meses após recebimento do artigo

Semestral (mar e out)

Autoria: acrescentar, em nota de rodapé, a partir do nomecompleto do autor, titulação acadêmica por extenso, insti-tuição a que está fi liado profi ssionalmente, cidade, link parao currículo da Plataforma Lattes e e-mail para contato. Nomáximo dois autores por artigo.

O título deve ser conciso, porém informativo, não ultra-passando 15 palavras, inclusive subtítulo, se houver. Devetambém ser vertido em inglês.

Resumo e Palavras-chave: indicar objetivos, abordagem,metodologia e conclusão, no resumo. MÍNIMO de 150 e MÁ-XIMO de 200 palavras, precedido da indicação “Resumo.”em negrito, seguido de “Palavras-chave.” (em outra linha) em negrito, com no mínimo três e no máximo cinco pala-vras-chave. O mesmo vale para Abstract e Keywords, quedevem ser totalmente fi éis ao resumo e às palavras-chave.Esses descritores (palavras-chave/keywords) devem refl etir da melhor maneira possível o conteúdo abordado no artigo, de forma a facilitar a pesquisa temática dos leitores.

Notas de rodapé: no fi nal da página, numeradas em algaris-mos arábicos, devem ser sucintas e usadas somente quandoestritamente necessário.

Referências bibliográfi cas: devem, obrigatoriamente, se-guir as normas da ABNT, com tamanho de fonte 12, entreli-nhamento simples, sem recuo, com os nomes das obras emnegrito. A exatidão das referências é de responsabilidadedos autores. Lembramos que devem ser arroladas apenasas obras que efetivamente sofreram referência no artigo.

Exemplos:SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. Edição (a partir da2ª). Cidade da editora: Nome da editora, ano.

SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro.IN: Título do livro em itálico. Cidade da editora: Nome daeditora, ano, p.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódicoem itálico. Cidade da editora: Nome da editora, vol, fas-cículo, ano, p.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Jornal ou Revistaonde foi publicado, data (dia, mês, ano). Disponível em:

<http://www.enderecoeletronico.com.br>. Acesso em:(dia, mês, ano).

FormataçãoFolha: A4 (21 x 29,7 cm).

Margens: esquerda e superior de 3 cm; direita e inferior de 2 cm.

Entrelinha:- 1,5 para o texto;

- Simples para citações destacadas, notas de rodapé, refe-rências e resumo.

Fonte: Times New Roman.

Corpo:- 12 para o texto;

- 11 para citações recuadas, resumo, referências.

- 10 para notas de rodapé.

Número de página: numere a partir da primeira página, nocanto superior direito.

Total de páginas: mínimo de 10 e máximo de 15, incluindoreferências bibliográfi cas, anexos, fi guras e tabelas. Figurase tabelas devem ser numeradas sequencialmente à medidaque aparecerem no texto. Figuras comuns, fotografi as egráfi cos do Word ou Excel devem obrigatoriamente ser apresentados em .jpg com defi nição mínima de 300 DPI.

Citações no texto: citações com mais de três linhas devemvir em destaque no texto, com recuo de 3 cm à esquerda ede 1 cm à direita.

Nome do autor fora dos parênteses: caixa baixa.

Nome do autor dentro dos parênteses: caixa alta.

Exemplo: Segundo Fulano (2007, p. 51), “xxxxxxxxx” ou “xxxxxxxx” (FULANO, 2007, p. 51).

Importante: apenas o título do artigo deve vir em CAIXA ALTA. O subtítulo, se houver, deve vir em caixa baixa.

Envio do artigoEnviar uma cópia do artigo em formato “docx” para o e-mail:

[email protected]

ATENÇÃO!

SOMENTE SERÃO AVALIADOS OS ARTIGOS QUE SEGUIREMAS SEGUINTES NORMAS DE PUBLICAÇÃO

Q