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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas Ano XI - Volume 11 - Nº 1 Janeiro de 2014 9 771807

Revista Gestão e Desenvolvimento / Janeiro 2014

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Revista Gestão e Desenvolvimento - ICSA

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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Ano XI - Volume 11 - Nº 1Janeiro de 2014

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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo - ASPEURUniversidade Feevale

eeAno XI - Volume 11 - Nº 1 - Janeiro de 2014

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

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PRESIDENTE DA ASPEURLuiz Ricardo Bohrer

REITOR DA UNIVERSIDADE FEEVALERamon Fernando da Cunha

PRÓ-REITORA DE ENSINOInajara Vargas Ramos

PRÓ-REITOR DE PESQUISA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃOJoão Alcione Sganderla Figueiredo

PRÓ-REITOR DE PLANEJAMENTO E ADMINISTRAÇÃOAlexandre Zeni

PRÓ-REITORA DE EXTENSÃO E ASSUNTOS COMUNITÁRIOSGladis Luisa Baptista

DIRETORA DO INSTITUTO DE CIêNCIAS SOCIAIS APLICADAS - ICSAMaria Cristina Bohnenberger

COORDENAÇÃO EDITORIALInajara Vargas Ramos

EDITORA FEEVALECelso Eduardo StarkGraziele Borguetto SouzaAdriana Christ Kuczynski

CONTATOSERS 239, 2755 - CEP: 93352-000Novo Hamburgo/RS - Fone: (51) 3586.8819Homepage: www.feevale.br/editoraE-mail: [email protected]

REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTOISSN: 1807-5436Homepage: www.feevale.br/acontece/publicacoes-feevaleE-mail: [email protected]

EDITOR CHEFEDr. Valdir Pedde

CONSELHO EDITORIAL EXECUTIVODr. Alexandre Panosso Neto (USP)Dr. André Weyermuller (FEEVALE)Dr. Clóvis Roberto Zimmermann (UFBA)Dr. Cristiano Max Pereira Pinheiro (FEEVALE)Dr.ª Cristina Dai Prá Martens (UNINOVE – SP)Dr.ª Denise Del Prá Netto Machado (FURB – SC)Dr.ª Doriana Daroit (UNB)Dr. Dusan Schreiber (FEEVALE)Dr. Ernani Ott (UNISINOS)Dr. Guilherme Kirch (UFRGS)Dr. João Batista Nast de Lima (FEEVALE)Dr.ª Mary Sandra Guerra Ashton (FEEVALE)Dr. Mauro Meirelles (UNILASALLE)Dr. Norberto Kuhn Jr (FEEVALE)Dr.ª Sandra Portella Montardo (FEEVALE)Dr.ª Susana de Araújo Gastal (UCS – RS)Dr. Vinícius Andrade Pereira (UFRJ)Dr. Walter Teixeira Lima Jr. (UMESP)Dr. Wilson Engelmann (UNISINOS)

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ISSN

180

7-54

36)

Classificação Estrato Área de Avaliação

Qualis (CAPES)

B3 Planejamento Urbano e Regional / Demografia

B4 Administração, Ciências Contábeis e Turismo

B4 Ciências Ambientais

B4 Interdisciplinar

B5 Ciência Política e Relações Internacionais

B5 Engenharias III

B5 História

B5 Medicina I

B5 Psicologia

B5 Sociologia

C Ciências Sociais Aplicadas I

C Direito

C Educação

C Letras / Linguística

CONSELHO EDITORIALDr. Alejandro Frigério (CONICET/FLACSO – Buenos Aires, Argentina)Dr. Aleš Gregar (Univerzita Tomáše Bati ve Zlíně – República Tcheca)Dr. André Corten (Université du Quebec à Montréal, Canadá e Université de Louvain, Bélgica)Dr. André Luis Martins Lemos (UFBA)Dr. Arnaud Sales (Université de Montréal, Canadá)Dr.ª Éricka Maria Costa de Amorim Almeida (Instituto Politécnico de Tomar, Portugal)Dr. Hilário Wynarczyk (Universidad Nacional de San Martín, Argentina)Dr. José Manoel Gonçalves Gândara (UFPR)Dr. Juremir Machado da Silva (PUC –RS)Dr.ª Keila Cristina Nicolau Mota (IFCE)Dr. Leonel Severo Rocha (UNISINOS/URI)Dr. Patryck de Araujo Ayala (UFMT)Dr. Paulo Lopes Henriques (Universidade Técnica de Lisboa)Dr.ª Sônia E. Herrera Reyes (Universidad de Valparaíso – Chile)Dr.ª Stefania Capone (CNRS/EHESS – França)

REALIZAÇÃO E DISTRIBUIÇÃOInstituto de Ciências Sociais Aplicadas - ICSA

CAPA E EDITORAÇÃO ELETRÔNICAAdriana Christ Kuczynski

REVISÃO TEXTUALValéria Koch Barbosa

IMPRESSÃOGráfica Impressul - Jaraguá do Sul/SC

INDEXAÇÃOICAP - Indexação Compartilhada de Artigos de Periódicos (Disponível em: <http://www.pergamum.pucpr.br/icap/index.php>);LATINDEX (Disponível em: <http://latindex.unam.mx/>);Qualis - CAPES (Disponível em: <http://qualis.capes.gov.br>).

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eeAno X - Volume 11 - Nº 1 - Janeiro de 2014

Sumário

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PRINCíPIOSPRINCIPLES

EDITORIALEDITORIAL

APRESENTAÇÃO DO DOSSIêPRESENTATION OF THE DOSSIER

A INDIVIDUALIDADE E O CONSUMO: ORIGENS DE UMA NOÇÃO, PRENÚNCIOS DE UMA CRISEINDIVIDUALITY AND CONSUMPTION: ORIGINS OF A NOTION, FORESHADOWINGS OF A CRISISLuiz Eduardo da Silva Amaro

A HUMANIZAÇÃO DO DISCURSO DAS MARCAS DIANTE DAS NOVAS EXPERIêNCIAS DE CONSUMOTHE HUMANIZATION OF THE TRADEMARKS DISCOURSES IN FRONT OF THE NEW EXPERIENCES OF CONSUMPTIONRogério Luiz CovaleskiSílvia Almeida da Costa

SEX AND THE CITY E GOSSIP GIRL: ANÁLISE DOS EFEITOS DO PRODUCT PLACEMENT NOS JOVENS PORTUGUESESSEX AND THE CITY AND GOSSIP GIRL: ANALYSIS OF THEEFFECTS OF THE PRODUCT PLACEMENT IN THE YOUNG PORTUGUESE PEOPLEPaula CordeiroSofia Lameira

BIG DATA E O CONSUMO DE NOTÍCIAS NAS REDES SOCIAISBIG DATA AND THE CONSUMPTION OF NEWS IN SOCIAL NETWORKSPaulo Pinheiro Gomes Jr.

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ARTIGOS ARTICLES

O THEATRO SÃO PEDRO NO ESPAÇO DA CIDADE: MEMÓRIA SOCIAL E CONSUMO DE CULTURASÃO PEDRO THEATHER IN THE CITY SPACE: SOCIAL MEMORY AND CONSUMER CULTURERegina D’AmbrosiMauro Meirelles

INDICADORES NA GESTÃO PÚBLICA E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL: UMA ANÁLISE DO PRêMIO “MUNICÍPIOS QUE FAZEM RENDER MAIS”INDICATORS IN PUBLIC MANAGEMENT AND THE STRATEGIC PLANNING SITUATION: AN ANALYSIS OF THE AWARD “MUNICIPALITIES THAT MAKE MORE RENDER”Oderlei Ferreira dos Santos Monica Franchi CarnielloJorge Luiz Knupp Rodrigues

METODOLOGIA CLÁSSICA E MÉTODO MULTI-ÍNDICE NA AVALIAÇÃO FINANCEIRA DE PROJETOS DE INVESTIMENTO: UM ESTUDO DE CASO NA EMPRESA ALFAFINANCIAL EVALUATION OF INVESTMENT PROJECTSTHROUGH CLASSICAL METHODOLOGY AND MULTI-INDEX METHOD: A CASE STUDY IN ALFA COMPANY Elenilton Rüdiger JohannAlceu SouzaCristiano Molinari BispoMichael William CitadinWesley Vieira da Silva

O CONFLITO NO AMBIENTE DE TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE CAUSAS E CONSEQUêNCIAS NAS RELAÇÕES INTERPESSOAISCONFLICT IN THE WORKPLACE: A STUDY ON CAUSES AND CONSEQUENCES IN INTERPERSONAL RELATIONSHalana Franciela MalakowskyCristine Kassick

INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS: ANÁLISE DAMUDANÇA DO PERFIL EXPORTADOR DASEMPRESAS CALÇADISTAS GAÚCHASCOMPANIES’ INTERNACIONALIZATION: EXPORTER PROFILE’S CHANGE ANALYSES OF RIO GRANDE DO SUL SHOE’S COMPANIESMoema Pereira NunesFernanda Steiner Ruschel

UMA AVALIAÇÃO DA COOPERAÇÃO NO SETOR DE COMPONENTES PARA CALÇADOS DO VALE DO SINOSAN EVALUATION OF COOPERATION AT FOOTWEAR INDUSTRY IN THE SINOS VALLEYDaniel Pedro PuffalClair Wingert Puffal

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RESENHASREVIEWS

MOVIMENTOS SOCIAIS NA ERA GLOBALRosi Ana Grégis

SOCIOLOGY TODAY Leandro Raizer

NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE TRABALHOSSTANDARDS FOR PAPER PRESENTATIONS

CONFIRA AS DEMAIS PUBLICAÇÕES DA UNIVERSIDADE FEEVALECHECK OUT OTHER PUBLICATIONS OF THE UNIVERSITY FEEVALE

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PrincíPiosPrinciPles

INTRODUÇÃOA Revista Gestão e Desenvolvimento é periódico

semestral do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Feevale, cuja mantenedora é a Associação Pró-Ensino Superior em Novo Hamburgo – ASPEUR. Fundada em 28 de junho de 1969, a Aspeur é uma entidade comunitária, sem fins lucrativos, constituída por forças vivas da comunidade regional, que, com esforço solidário e comprometido, vem administrando a Instituição há mais de 40 anos.

A Federação de Estabelecimentos de Ensino Superior em Novo Hamburgo – Feevale, hoje Universidade Feevale, foi instalada em 24 de março de 1970. Surgiu da vontade comunitária com a finalidade de formar, aperfeiçoar e especializar profissionais, propiciando a atualização permanente da sociedade. Localiza-se em Novo Hamburgo e está integrada ao Vale do Rio dos Sinos, o maior centro calçadista do País.

A Feevale é uma entidade de caráter educativo e cultural com autonomia didática, científica, administrativa e disciplinar. Através do ensino e da graduação, da pós-graduação, da extensão e da pesquisa, a Feevale forma cidadãos nas mais diferentes áreas do conhecimento, colaborando para o desenvolvimento do país e contribuindo para a compreensão dos direitos e dos deveres das pessoas e do Estado.

MISSÃO DA FEEVALEPromover a produção do conhecimento, a

formação dos indivíduos e a democratização do saber, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.

PRINCÍPIOS: REVISTA GESTÃO E DESENVOLVIMENTOCompromisso

As publicações da Revista Gestão e Desenvolvimento, em consonância com a Instituição, norteiam-se pelo compromisso de contribuir para a promoção do desenvolvimento da sociedade,

constituindo um espaço de divulgação e de difusão do conhecimento.

MissãoDifundir o conhecimento científico, tecnológico e

cultural para contribuir com a democratização do saber e o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade.

VisãoConsolidar-se como veículo de divulgação

acadêmica de reconhecido mérito técnico-científico--cultural, para que projete a Instituição Feevale em âmbito regional, nacional e internacional.

Princípios e valores• Universalidade

Tendo em vista sua missão, as publicações da Revista Gestão e Desenvolvimento acolhem a multiplicidade de saberes e a diversidade de perspectivas epistemológicas e metodológicas para construir um espaço plural e abrangente, cujo intuito é o de divulgar o conhecimento universal.

• ÉticaA publicações norteiam-se por padrões e normas

éticas pertinentes aos temas publicados; respeitam as idéias expressas por seus articulistas, desde que essas se orientem por princípios éticos, e preservam a identidade de seus avaliadores e o julgamento por eles emitido.

• Originalidade e relevânciaCom o intuito de promover o avanço do

conhecimento, as publicações privilegiam artigos que exponham o resultado de investigações relevantes, preferencialmente originais, desenvolvidas pela comunidade acadêmica da região, do país e do exterior, decorrentes das Ciências Sociais Aplicadas e que tenham por suporte perspectivas multi, inter ou transdisciplinares.

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A Revista Gestão e Desenvolvimento (RGD), a partir deste número, ganha um novo formato. Ele é resultado de um processo de amadurecimento, não apenas da Revista e de seus artigos cada vez mais qualificados, mas da própria instituição à qual ela está filiada. Neste ano, a Feevale comemora seu quarto ano como Universidade. Todo esse processo, ele próprio resultado de um longo caminho de investimento em pesquisa e em seu quadro de professores, busca brindar os leitores com uma gama maior de temas, mas todos eles ligados à área de Ciências Sociais Aplicadas.

Como revista científica, Gestão e Desenvolvimento reafirma seu compromisso de disseminação do conhecimento, de dar visibilidade aos avanços científicos, de ser um instrumento de preservação da memória educacional, bem como de aprimorar sua função social e política. Por conseguinte, busca dar espaço para publicação de artigos que sejam resultados de pesquisa, a fim de se tornar tanto uma importante referência de consulta para aqueles que estão envolvidos no processo ensino-aprendizagem quanto para o avanço da pesquisa científica.

Perseguir esses objetivos significa, entre outras preocupações, valorizar cada artigo enviado à Revista, submetendo-o a um rigoroso processo de avaliação por pares. Por isso, a RGD constantemente amplia e aprimora o seu quadro de avaliadores.

Como já mencionado, a partir deste ano, obedeceremos a um novo formato. A RGD contará com, no mínimo, três seções. Cada número iniciará com uma seção Dossiê. Cada dossiê terá uma temática diferente. Os temas sempre serão propostos e/ou avalizados pelo Conselho Editorial da Revista. O intuito é o de alcançar para a comunidade acadêmica temas atuais e de relevante preocupação científica, social e política. A segunda seção será composta por artigos dos mais diversos interesses e sob fluxo contínuo de recebimento e análise. Por fim, a seção de resenhas abrirá a possibilidade de os leitores terem contato

com alguns livros recentemente lançados no mercado editorial, mas todos eles ligados à área de Ciências Sociais.

Neste número, que alcança o décimo primeiro ano de edições ininterruptas da RGD, temos como dossiê o tema Mídia e Consumo. Esse dossiê foi organizado pelo pesquisador convidado, Dr. César Steffen, professor do UNILASALLE e do UNIRITTER, e conta com quatro artigos, sendo um deles de pesquisadoras de Portugal. A apresentação dos artigos que compõem o dossiê fica a cargo do organizador, ou seja, do prof. Dr. César Steffen, a quem agradecemos o empenho e a dedicação despendida nessa tarefa, por vezes, árdua.

Na seção de artigos com tema livre, temos a satisfação de, após rigorosa avaliação, contar com seis significativos trabalhos.

O primeiro artigo, “O Theatro São Pedro no espaço da cidade: memória e consumo de cultura”, de autoria de Regina D’Ambrosi e Mauro Meirelles, parte da história desse teatro para verificar o lugar que ocupa na memória dos porto-alegrenses. Em seguida, o texto procura demonstrar como essa memória influi no hábito de consumo de bens culturais. Além de tratar sobre consumo, fazendo uma ponte entre o dossiê e os artigos livres, o texto mostra como, no gerenciamento de uma agência de serviços, a gestão deve considerar elementos da esfera do intangível, nesse caso, a representação do Theatro São Pedro, tanto no espaço que ocupa quanto na memória dos habitantes.

O artigo intitulado “Indicadores na gestão pública e o planejamento estratégico situacional: uma análise do prêmio ‘Municípios que Fazem Render Mais’” foi elaborado por Oderlei Ferreira dos Santos, Monica Franchi Carniello e Jorge Luiz Knupp Rodrigues. Tendo como pano de fundo a crescente necessidade de os governos municipais aprimorarem seus controles administrativos, o objetivo do artigo é verificar se esse controle, presente nos indicadores utilizados para premiar os municípios, pode ser potencializado ao se utilizar a metodologia do Planejamento Estratégico

Editorialeditorial

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Situacional concebida por Carlos Matus durante as décadas de 1970 e 1980.

O terceiro artigo dessa seção é da autoria de Elenilton Rüdiger Johann, Alceu Souza, Cristiano Molinari Bispo, Michael William Citadin e Wesley Vieira da Silva. O texto tem como título “Metodologia clássica e método multi-índice na avaliação financeira de projetos de investimento: um estudo de caso na empresa alfa” e procura demonstrar, através de comparação, qual das metodologias em tela se constitui no melhor instrumento de informação, a fim de dar um melhor suporte à avaliação, por parte dos gestores, da viabilidade financeira de um empreendimento.

O artigo seguinte trata sobre “o conflito no ambiente de trabalho: um estudo sobre causas e consequências nas relações interpessoais”. O texto – de autoria de Halana Franciela Malakowsky e Cristine Kassick – mostra como o ambiente de trabalho tende a constituir-se como uma fonte de ansiedade e estresse em virtude de, por um lado, a alto nível de competição que está instalado no mercado e, por outro, da diversidade humana presente nas empresas. Diversidade essa constituída tanto por questões geracionais quanto por questões culturais, tendo em vista a maior facilidade de deslocamento e migrações.

O quinto artigo, intitulado “Internacionalização de empresas: análise da mudança do perfil exportador das empresas calçadistas gaúchas” e elaborado por Moema Pereira Nunes e Fernanda Steiner Ruschel, analisa a posição das empresas calçadistas gaúchas no cenário exportador e de internacionalização. Partindo das teorias de internacionalização, o texto procura mostrar as mutações que as empresas gaúchas desse setor vem passando. Atualmente, na busca pelo reposicionamento das empresas exportadores, a tendência verificada é a de aumento no valor agregado dos produtos feitos nessa região.

Por fim, o último artigo, preparado por Daniel Pedro Puffal e Clair Wingert Puffal, traz “Uma avaliação da cooperação no setor de componentes para calçados do Vale do Sinos”. O artigo procura demonstrar que a falta de cooperação entre as empresas é um dos fatores que diminui a sua competitividade, sobretudo, quando se trata de produtos de baixo valor agregado. Tendo por base empírica dados coletados junto a vinte e sete empresas, o texto demonstra algumas das razões pelas quais a cooperação ainda é baixa, o que gera menor lucro para os envolvidos no setor.

Na seção de resenhas, contamos com duas contribuições. A primeira da profª. Dr. Rosi Ana Grégis sobre o livro Movimentos sociais na era global. A segunda resenha, do prof. Dr. Leandro Raizer, versa sobre um livro ainda não traduzido para o português e de autoria de Arnaud Sales intitulado Sociology Today: social transformations in a globalizing.

Por fim, não podemos deixar de agradecer aos autores dos diversos artigos que compõem este número pela confiança depositada. Os artigos, de forma singular e a partir de diferentes enfoques, enriquecem a disseminação do conhecimento, contribuindo para o avanço da ciência e do processo de ensino-aprendizagem.

Ademais, não podemos deixar de agradecer àqueles que contribuíram para a consolidação da RGD. Especiamente, agradecemos à professora Luciana Coletti, que, nestes últimos anos, como editora-chefe, esteve à frente da organização da Revista. A ela, nosso mais sincero desejo de sucesso na efetivação dos novos projetos acadêmicos a que se lança.

Valdir PeddeEditor-chefe

Luciana ColettiProfessora do Curso de Administração

Universidade Feevale

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Dr. César Seffen1

O olhar sobre os fenômenos da comunicação e do consumo não é novo. As correntes da teoria crítica na Alemanha pré-segunda guerra mundial e a corrente da teoria funcionalista norte-americana já observavam um forte vínculo entre o crescimento do sistema de mídias e o desenvolvimento do consumo.

Eric Hobsbawn (2011) cita que a revolução técnico-científica promovida pela humanidade no século XX, especialmente após a segunda grande guerra, gerou um grande e exponencial crescimento na produção de bens e na disponibilidade de renda da população. A tecnologia aplicada aumentou os níveis quantitativos e qualitativos de produção das empresas, gerando a necessidade de consumo massificado dessa produção.

Se a sociedade atual é filha do processo de industrialização e do desenvolvimento tecnológico, cujo rápido crescimento levou à necessidade do desenvolvimento de técnicas e estratégias de identificação, aproximação e abordagem do mercado consumidor, no que hoje conhecemos como Marketing, a afiliada tem, no sistema de mídia, ao mesmo tempo seu padrinho e sua madrinha, que alimentam, protegem e nutrem para que possa crescer e ficar cada vez mais forte e ágil.

Através da publicidade, circulando pelo sistema de mídias, as empresas estabelecem contato com seus consumidores e mercados, expondo produtos e serviços, apresentando diferenciais e novidades, despertando o interesse e o desejo dos consumidores (LIMA, 1982).

Programas e conteúdos que circulam na mídia são, em sua essência, um elemento de captura de atenção, uma “isca” necessária para despertar e manter o interesse dos anunciantes, cujas verbas de publicidade sustentam e geram os lucros das empresas de mídia, a quem cabe plantar sonhos, estimulando o consumo que mantém a máquina capitalista em pleno funcionamento e crescimento.

As mídias, ao canalizar a atenção, ao massificar, criando padrões, modelos de comportamento e de consumo, estabelecendo valor em determinados atos ou bens de consumo, reforçam ou mesmo formatam as identidades das pessoas, criam uma massa apta e desejosa por consumir o que lhe for ofertado.

Como nos colocou Ciro Marcondes Filho (1985, p. 36), a mídia cria produtos que vão ao encontro daquilo que os públicos, as pessoas desejam ver, ouvir, ler, levando sonho, fantasia ou realidade conforme o gosto, os desejos e as necessidades de um público específico.

Podemos argumentar que a necessidade de consumir, de TER e de, com isso, nos diferenciar dos que nos cercam é uma necessidade humana básica. Esse é um argumento válido, não surge essa necessidade das mídias, mas o sistema midiático contemporâneo apoia o sistema de marketing das empresas, age no sentido de reforçar esse comportamento através da atribuição de valor a produtos e marcas específicas, gerando a necessidade de consumo destas.

Para o pensador francês Guy Debord (1997), a sociedade passou por duas fases distintas, sendo a primeira a do SER para TER, e a segunda, em que vivemos, o TER para PARECER. Para Debord, a mídia cria a sociedade do

1 Doutor em Comunicação Social. Graduado em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda. Atualmente é docente nas áreas de Comunicação Social e Administração – Marketing. Atua como professor assistente e pesquisador junto ao mestrado em "Memória Social e Bens Culturais" do UNILASALLE (Canoas-RS). Também leciona nos curso de Comunicação Social da UNIRITTER (Porto Alegre - RS).

aPrEsEntaÇÃo do dossiÊaPresentation oF tHe dossier

Mídia e consumo

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espetáculo, em que o entretenimento e a informação geram um espetáculo estetizado conforme padrões norteados pelos padrões socioeconômicos, para fins de atração e manutenção da atenção das pessoas e consequente nivelamento de suas formas de pensar, agir e, principalmente, consumir.

Conforme Debord (1997), o espetáculo é pensado, planejado para gerar passividade e alienação, de forma a tornar as mercadorias protagonistas da vida social. O consumo torna-se, assim, a principal forma de nos identificarmos, de nos manifestarmos no mundo, de nos constituirmos como sujeitos no contexto social em que nos inserimos. Deveríamos usar a roupa certa, da marca em destaque, calçar o sapato de melhor desempenho ou com a última tendência da moda, ouvir e comprar a música que toca nas rádios e televisões, nos portarmos conforme as normas apresentadas, consumir o que é exposto na mídia para, assim, sermos ativos e reconhecidos, mas também, nos diferenciarmos dos outros que nos cercam e com quem convivemos ou concorremos.

Notamos que, segundo a visão desses pensadores brevemente apresentada, o indivíduo é um fantoche manipulado, o qual serve aos processos capitalistas para consumir produtos padronizados que não geram qualquer reflexão ou processo mental que possa levar à crítica. Longe do simples esquema behaviorista adotado pelos norte-americanos, que viam um mero esquema de estímulo-resposta nos conteúdos que circulavam pelos meios de comunicação, de modo que esses pesquisadores viam a indústria cultural como algo gerado e agindo para fins de manutenção do sistema e apagamento do indivíduo. Ao mesmo tempo, essa indústria reflete e até mesmo copia, imita seus expectadores-consumidores, entregando o que desejam, de forma que as pessoas se identifiquem com os conteúdos e os consumam sem medo ou crítica.

Para facilitar e reforçar esse comportamento, essa forma de ser e agir e de se manifestar, existe a mídia, seus veículos, canais e conteúdos, que, ao centralizar e filtrar as informações, o entretenimento e capturar a atenção das pessoas em seus canais, baliza e mesmo estimula comportamentos e tendências, suprindo nossa necessidade existencial de pertença e de diferenciação, de estarmos incluídos e também de sermos diferentes, únicos frente aos demais.

No sistema de mídias, existe uma relação direta entre o que é produzido industrialmente e o que é produzido culturalmente. A moda é um ótimo exemplo, pois cria padrões e símbolos no entorno de seus produtos, tornando produtos anteriores antigos, antiquados, obsoletos e, naturalmente, descartados, de forma a valorizar o que é “novo” ou o que uma determinada marca apresenta de diferente e que agrega valor à identidade do consumidor. Pouco importa qual a classe, o valor ou mesmo a qualidade de um produto, contanto que este chame a atenção e desperte o desejo de consumo, mantendo a máquina de produção capitalista em pleno funcionamento.

Assim, a cultura de massa torna vulgar a arte, a música, a literatura e outras formas de manifestação cultural, mas dá acesso a essas artes para um grande número de pessoas num formato interessante para essa indústria cultural, transformando tudo e todos em produtos passíveis de consumo, seja isso um objeto ou mesmo uma pessoa.

A produção cultural não se democratizou, não se tornou popular, apenas acessível conforme os interesses da indústria cultural e seus modelos. Com isso, a cultura de massa impôs padrões, modelos, ideais estéticos, de beleza, de status, criou e agregou valor a marcas e produtos, atribuindo-lhes status, glamour ou valores que permitam às pessoas se identificar e, naturalmente, desejar consumir.

Em uma era pautada fortemente pela noção de individualidade, algo relativamente recente, surgido com a razão iluminista no século XVII e que teve no século XX colocado como algo central e a ser desenvolvido e afirmado. Acreditando na satisfação imediata e ilimitada dos desejos como caminho para a felicidade, trouxe o consumo para o foco, o centro das ações e atenções dos indivíduos e das empresas. E nesse fenômeno concentra-se Luiz Eduardo Amaro no artigo “A individualidade e o consumo”, que abre este dossiê.

Para satisfazer essa individualidade, as mensagens e ações massivas não são mais suficientes. As marcas precisam “descer ao chão”, “falar a língua” comum das pessoas e mudar seu discurso de forma a humanizá-lo. É sobre esse fenômeno que Rogério Covalesky e Silvia Almeida se focam no artigo “A humanização do discurso das marcas diante das novas experiências de consumo”.

E, se, por um lado, as marcas buscam se humanizar, por outro, temos o permanente e já real perigo da saturação das mensagens nos meios de comunicação, que levam à dispersão da atenção e à consequente redução de resultados. É o chamado paradoxo do investimento em mídia: quanto mais se investe e geram-se espaços de exposição e contato, maior a dispersão da atenção e menor o resultado para cada empresa.

Obter a identificação do público com a marca é objetivo maior de todas as empresas que competem e desejam se manter competitivas. Para isso, inserir a marca como elemento da ação numa série televisiva é uma estratégia

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utilizada por muitas marcas para obter exposição e melhora de percepção, escapando da luta no ambiente saturado das mensagens publicitárias tradicionais.

Paula Cordeiro e Sofia Limiera, da Universidade Técnica de Lisboa, apresentam-nos, em seu artigo “As marcas que marcam, em Sex and the City e Gossip Girl”, como essas séries foram exploradas como forma de contato e obtenção de resultados por diversas marcas focadas, especialmente, no público feminino. Num cenário de novas mídias e novos recursos, a tradicional televisão ainda se mostra forte e decisiva, e o product placement nas séries é uma forma de afetar o comportamento de consumo das pessoas, individual ou coletivamente.

Mas, se a saturação de mensagens é algo que pode preocupar, no novo cenário econômico e social, em que a informação é elemento cada vez mais acessível e disponível e todas as pessoas são potenciais geradores de informações, vemos mudar o fluxo comunicacional e a linguagem publicitária, pois a rede digital de computadores atrai e é elemento de desejo e consumo de 11 em cada 10 cidadãos, por isso, atrai cada vez mais empresas interessadas em estabelecer pontos de contato e relacionamentos que gerem consumo no seu mercado.

O professor da ESPM-Sul e doutorando em Comunicação, Paulo Pinheiro Gomes Jr., apresenta-nos uma visão sobre um mundo de acesso e consumo conectado recheado de pistas, de vestígios das ações das pessoas, servindo, assim, às estratégias e às táticas das empresas na busca por maior foco e precisão em suas ações. O mundo livre e sem fronteiras da rede mostra-se menos como um mar onde as pessoas podem navegar livremente, e mais como uma nuvem onde os dados podem ser captados, editados e trabalhados conforme os mais variados interesses, afetando até mesmo a forma como se consomem notícias e informações.

Estabelecemos, assim, uma variedade de olhares e provocações frente ao mercado e aos fenômenos e processos do consumo na contemporaneidade. Longe de esgotar o tema – algo que nunca foi nosso objetivo –, buscamos, sim, com a soma e a articulação desses diferentes olhares e dessas diferentes formas de traduzir o consumo, trazer aos leitores provocações e oportunidades de reflexão. Este, sim, nosso objetivo maior.

rEFErÊncias

ADORNO, T. W; HORKHEIMER, M. A indústria Cultural: o Iluminismo como mistificação das massas. In: LIMA, L, C. (Org.). Teoria da Cultura de Massa. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 169-216.

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a indiVidUalidadE E o consUMo:oriGEns dE UMa noÇÃo, PrEnÚncios dE UMa crisE

indiVidUalitY and consUMPtion:oriGins oF a notion, ForesHadoWinGs oF a crisis

Luiz Eduardo da Silva Amaro1

RESUMO: A individualidade é um fenômeno relativamente recente, fruto da razão iluminista e do questionamento à ordem estabelecida pelos poderes do século XVII: a Igreja e a nobreza. Foi a partir da máxima cartesiana cogito, ergo sum que os homens comuns tentaram passar da condição de massa a protagonistas dos seus destinos. O século seguinte testemunhou várias tentativas nesse sentido. Embora quase todas tenham fracassado, a individualidade passou a ser um valor inquestionável, principalmente quando relacionada às escolhas de cada um. Ao longo do século XX, tal valor deu origem ao individualismo contemporâneo, fenômeno que, baseado nos atos de consumo, acredita na satisfação de desejos e necessidades como meio para a felicidade. Este artigo, a partir de uma pesquisa documental que inclui obras de filosofia, economia, sociologia e marketing, descreve a evolução do conceito de individualidade desde o surgimento das ideias iluministas até o século XXI, mostrando que o fenômeno, antes de ser natural, é construído socialmente, estando hoje vinculado à sociedade de consumo. Palavras-chave: Iluminismo. Individualidade. Contemporaneidade. Consumo. Felicidade.

ABSTRACT: Individuality is a relatively recent phenomenon, result of the Enlightenment Reason and the questioning of the established order by the powers of the Seventeenth Century: the Church and the nobility. It was from the maxim Cartesian cogito, ergo sum that ordinary men tried to pass the condition of mass to protagonists of their destinies. The following century witnessed several attempts in that sense. Although almost all of them have failed, individuality became an unquestionable value, especially when related to the choices of each one. Throughout the Twentieth Century, such value led to the contemporary individualism, a phenomenon that, based on the acts of consumption, believes in the satisfaction of desires and needs as a way to happiness. This article, starting from a documentary research, including works of philosophy, economy, sociology and marketing, describes the evolution of the concept of individuality since the rise of Enlightenment ideas to the Twenty-First Century, showing that the phenomenon, before being natural, is socially constructed and today is linked to the consumption society.Keywords: Enlightenment. Individuality. Contemporaneity. Consumption. Happiness.

1 Mestre em Administração / Marketing e graduando em Ciências Sociais UFRGS. Professor dos cursos de especialização UNIRITTERE-mail: [email protected].

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1 introdUÇÃo

Sociedade de consumo é um rótulo utilizado por muitos intelectuais e acadêmicos, tanto no Brasil quanto no exterior, quando se referem à sociedade contemporânea (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2005; BAUMAN, 2001a; CAMPBELL, 2001; LIMA, 2010; LIPOVETSKY, 2009; McCRACKEN, 2003). O rótulo deve--se, segundo esses autores, à constatação de que os atos de consumo são mais do que uma “combinação desagradável de autoindulgência, ganância, futilidade e irracionalidade que não precisa nem merece um estudo sistemático” (McCRACKEN, 2003, p. 14). O consumo, há pelo menos cinquenta anos, vai além da mera satisfação das necessidades materiais ou da busca por destaque social, estando por trás da consagração da individualidade exacerbada como característica da segunda metade do século XX (BAUMAN, 2008; LASCH, 1979).

Através dos atos de consumo e dos seus significados, pode-se entender melhor como as identidades individuais são formadas, mantidas e reformadas ao longo do tempo e durante as relações sociais. Todo ato de consumo é, portanto, social, permitindo que se compreenda como as pessoas constroem o mundo e a si mesmas, ou seja, como vivem em sociedade (SLATER, 2002).

Entretanto, o consumo nem sempre teve esse destaque. Lipovetsky (2009) situa seu surgimento como fenômeno social no século XIV, quando homens e mulheres passaram a se vestir de maneira diferente, inaugurando a moda no vestuário. Já McCracken (2003) situa sua origem no século XVI, quando Elizabeth I assume o trono da Inglaterra e, por razões políticas, mantém os nobres na corte, o que exige deles roupas e casas mobiliadas, além de atenção aos detalhes da moda e da decoração. Foi, contudo, a Modernidade, isto é, as ideias do Iluminismo colocadas em prática pela Revolução Industrial, a partir do século XVIII, que consagraram o consumo (McKENDRICK; BREWER; PLUMB, 1982). Para esses autores, aliás, assim como para Mukerji (1983), simultaneamente à Revolução Industrial – senão antes –, houve uma revolução no consumo, que colaborou para a construção da noção de individualidade.

O objetivo deste artigo é descrever, sucintamente, a partir de uma abrangente pesquisa documental, principalmente em obras clássicas e recentes do pensamento consagrado de filosofia, economia, sociologia e marketing, a evolução da noção de individualidade, desde o Iluminismo até o século XXI, e sua relação com a sociedade contemporânea.

As obras de filosofia ilustram o surgimento da noção de indivíduo ao longo do século XVII; as obras de economia e sociologia ratificam a prevalência dessa noção entre os séculos XVIII e XX, mostrando estarem, cada vez mais, relacionada ao consumo; as obras de sociologia ainda explicam o surgimento do individualismo ao longo da segunda metade do século XX, invadindo o século XXI; e as obras de marketing, além de apresentarem seu conceito, mostram como está ligado ao estímulo do consumo, inclusive com a utilização de modernas técnicas neurocientíficas, já neste século.

2 a razÃo E a rEliGiÃo coMo PrEcUrsoras da indiVidUalidadE

Embora o Iluminismo ou Esclarecimento2 esteja relacionado ao século XVIII, as figuras e as ideias que lançaram as bases para o importante ponto de inflexão ocorrido na história do mundo nesse intervalo de tempo se situam nos dois séculos imediatamente anteriores. Tais ideias tiveram importantes repercussões filosóficas, históricas e sociais, mas originaram-se principalmente nas ciências exatas, mais especificamente na física3. Ao longo de 150 anos, começando com a publicação da obra de Copérnico, Sobre a Revolução dos Orbes Celestes, em 1543, e indo até os Principia Mathematica, de Newton, em 1687, passando pelo Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo, de Galileu, em 1632, derruba-se tanto a ideia dos gregos antigos de que o universo – o cosmos – é organizado, fechado e hierarquizado, quanto a posição da Igreja4 sobre a idade da Terra e sua situação em relação ao sol.

Em menos de um século e meio, uma revolução científica sem precedente na história da humanidade [aconteceu] na Europa. Que eu saiba, nenhuma civilização conheceu ruptura tão profunda e tão radical em sua cultura (FERRY, 2007, p. 116).

Essa ruptura desacredita, portanto, duas instituições milenares: a cultura grega e a Igreja Romana. Desacreditadas essas instituições, qualquer outra verdade pode – e deve – ser questionada. É o que recomenda Descartes, no seu Discurso sobre o

2 Neste artigo, Iluminismo e Esclarecimento são usados como sinônimos, podendo aparecer juntos ou separados. 3 Também aqui, as ciências e áreas do conhecimento humano são grafadas com iniciais minúsculas, ao contrário das épocas, grafas com maiúsculas.4 Sempre que grafada com i maiúsculo, a palavra Igreja refere-se à igreja apostólica romana.

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Método, de 1637, menos para deitar qualquer deus por terra – Descartes era crente –, mas para se chegar ao conhecimento. Elegendo a dúvida e o ceticismo como motto, a partir de Agostinho (ALMEIDA, 2012) e Montaigne (PESSANHA, 2000), o filósofo francês experimenta duvidar de tudo, até mesmo da sua existência como ser. Nesse exercício lógico, Descartes reconhece que, duvidando de tudo, só não pode negar uma coisa: que duvida. Se duvida, é porque pensa. Se pensa, pensa sozinho, independentemente do mundo que o cerca. Ou seja, existe como indivíduo, como sujeito. Todo seu raciocínio cabe numa frase em latim: Dubito, ergo cogito, ergo sum (numa tradução livre: duvido, logo penso, logo existo). Sua versão mais curta é amplamente conhecida: Cogito, ergo sum (penso, logo existo). Está acesa, assim, a centelha da individualidade, pelo menos, no nível da razão.

Enquanto Descartes está usando a razão para chegar à individualidade, a reforma protestante não somente está fazendo o mesmo, através da fé, como está indo mais longe, tratando de exercitar essa individualidade já no mundo real. Conforme Weber (2004), depois de Martinho Lutero ter argumentado que a vida monástica católica era produto de uma egoística falta de amor que se esquivava dos deveres do mundo e que o trabalho mundano, ao contrário, era expressão de amor ao próximo, os puritanos – ramos mais ascéticos do protestantismo – passam a pregar a individualidade como fruto da noção de que o homem está sozinho no mundo para servir a Deus e não ao próximo, que não precisaria ser servido, se fizesse a sua parte.

A partir do século XVII, as lideranças puritanas, já dos dois lados do Atlântico Norte, exortam seus fiéis ao trabalho como forma de demonstrarem a si mesmos serem os escolhidos do Senhor para continuar suas obras na Terra. Por causa disso, Weber (2004) argumenta haver um componente racional entremeado na fé puritana. A dedicação profissional, por si só, não garante a salvação, mas permite ao indivíduo sonhar com o paraíso, desde que leve uma vida rígida.

Os frutos do sucesso profissional devem ser reinvestidos nos negócios ou usados para fazer o bem ao maior número possível de pessoas. Nas palavras do teólogo puritano e precursor da igreja metodista John Wesley, “se aqueles que ganharem e economizarem tudo o que puderem também doarem tudo o que puderem, mais graças alcançarão” (CHERNOW, 1998, p. 55). Segundo Weber (2004), foram os ramos mais ascéticos do protestantismo que geraram os excedentes de capital necessários para financiar e expandir o capitalismo nos seus primórdios, entre os séculos XVII e XIX, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

3 a EconoMia E a Política coMo ratiFicadoras da indiVidUalidadE

Para Smith (1985), a natureza humana tem uma certa propensão: intercambiar, permutar ou trocar coisas. Entretanto, não será pelo amor ao próximo ou por um lugar no paraíso que um sujeito ajudará outro, mas pelas vantagens a serem obtidas. “Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse” (SMITH, 1985, p. 50). É essa mesma propensão a fazer negócios com outros para conseguir o que se quer que gera a divisão do trabalho, isto é, a divisão de uma tarefa complexa em tarefas mais simples executadas pelos mesmos indivíduos, que, ao se tornarem especializados em dada função, aumentam a produtividade de todos. Dado que, para Smith (1985), a pujança de um país é definida pela sua renda per capita, ao cuidarem dos seus próprios interesses, os indivíduos promovem o interesse da sociedade sem perceberem. É a chamada “mão invisível” (SMITH, 1985, p. 379). Vê-se que o interesse próprio nos negócios e a divisão do trabalho descrita por Smith (1985), a partir de suas observações na metade do século XVIII, localizam a manifestação da individualidade não mais no raciocínio lógico ou na fé, como já haviam feito Descartes e a reforma protestante, mas nas relações econômicas. Essa já é, contudo, “uma concepção mais social do sujeito” (HALL, 2005, p. 30), porque requer a interação constante com outros. Assim, na segunda metade do século XVIII, o Século das Luzes, razão, religião e economia imbricadas colocam o homem, agora protagonista, em condições de se juntar a outros e fazer até mesmo revoluções por mais direitos não somente individuais, mas coletivos. A mais importante será a Revolução Francesa.

Antes dela, em 1784, Kant (2003) propõe- -se a responder à seguinte pergunta: o que é o Esclarecimento? No início do seu texto, o filósofo afirma que o Esclarecimento significa a saída do homem da menoridade. Por menoridade, entenda--se a incapacidade de alguém usar seus próprios conhecimentos sem depender de terceiros. Para Kant (2003), essa menoridade é autoinfligida, ou seja, o sujeito, por preguiça, covardia ou indecisão, prefere depender dos outros a depender de si mesmo. Não percebe que, agindo assim, permite que dele se aproveitem. Segundo o filósofo, a humanidade do século XVIII ainda tem um longo caminho pela frente até sair da menoridade, mas acredita que a

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caminhada em busca da liberdade e da independência de pensamento já começou. Reconhecendo que essa jornada não será fácil, principalmente porque muitos irão tentar mantê-los numa situação de dependência, Kant (2003) faz um apelo, em latim, aos indecisos: Sapere aude!, ou seja, tenham a audácia de usar seus conhecimentos. Cento e cinquenta anos depois de Descartes, o sujeito é chamado mais uma vez à razão. Dessa vez, uma razão com base moral e não científica, que dá novo impulso à individualidade.

Depois de a razão ser invocada novamente para sustentar a noção de individualidade, faltava a dimensão política manifestar-se sobre o assunto, o que acontece com a Revolução Francesa, de 1789. Sob o lema liberdade, igualdade, fraternidade, a construção da individualidade chega às ruas e ao povo mais simples. Embora sanguinária, caótica e fracassada em muitos dos seus objetivos, essa revolução, assim como a racionalidade cartesiana, o protestantismo ascético, a economia clássica do século XVIII e a moral kantiana, afasta o sujeito das tradições, das autoridades e das verdades inquestionáveis – em especial do ancien régime: a Igreja e a nobreza –, afirmando, já no artigo 1º da declaração de direitos forjada pelos seus líderes revolucionários que os homens nascem e vivem livres e iguais em direitos. A individualidade como racionalidade atinge seu auge, mas começa rapidamente a decair.

4 o roMantisMo, o UtilitarisMo, a ProFanaÇÃo do saGrado E o consUMo consPícUo

Nas últimas décadas do século XVIII, surge um conjunto de ideias que começou como um estado de espírito, mas transformou-se rapidamente em movimento artístico, político e filosófico. Embora não esteja claro qual dessas três áreas do conhecimento revelou o espírito romântico, apesar de se atribuir a sua divulgação às obras de Rousseau, em especial, ao Discurso sobre as Origens da Desigualdade entre os Homens (ROUSSEAU, 2013), sabe-se que a Revolução Francesa, com seus esclarecimentos desfeitos e sua repercussão mundial, permitiu ao Romantismo contestar o projeto moderno, cujo desafio era colocar a humanidade a cargo de si própria, a partir de suas capacidades. “Ele [o projeto moderno] implicava a renúncia absoluta a toda instância ou pretensão que não pudesse ser validada a partir do estritamente humano” (MAYOS, 2004, p. 364).

Quando aplicada à política, no bojo da Revolução Francesa, entretanto, a razão humana foge à

trajetória rumo à liberdade, dando a impressão de ser ilusória e perigosa (RENAUT, 2001). Assim, os horrores dessa revolução cristalizam o estado de espírito inicial do Romantismo no apagar das Luzes, através de um conjunto de valores – principalmente subjetivismo, egocentrismo, sentimentalismo exacerbado e idealização – que irá medir ombros com a racionalidade iluminista e impulsionar igualmente a individualidade, mas agora sustentada pelas emoções. Essa individualidade romântica atravessará todo o século XIX e entrará século XX adentro, permitindo que o discurso do consumo a explore amplamente.

Se a economia do século XIX foi constituída principalmente sob influência da Revolução Industrial britânica, sua política e ideologia foram constituídas fundamentalmente pela Revolução Francesa (HOBSBAWN, 2008, p. 9 ).

Essa menção de Hobsbawn (2008) à influência da Revolução Industrial britânica sobre a economia do século XIX deve-se a dois economistas londrinos e suas teorias: John Stuart Mill e seu utilitarismo; Karl Marx e seu materialismo histórico. O utilitarismo sustenta--se no seguinte: “as ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade e erradas quando tendem a produzir o oposto da felicidade” (MILL, s. d., p. 22). A respeito desse fundamento, o britânico faz duas ressalvas endereçadas aos opositores do utilitarismo: primeira, a utilidade não se opõe ao prazer, ou seja, o que é útil também pode – e deve – ser prazeroso. Segunda, a utilidade não atribui tudo ao prazer frívolo e momentâneo. Sobre essa segunda ressalva, Mill (s.d., p. 22) comenta:

esse uso pervertido é o único pelo qual a palavra é popularmente conhecida, e o único pelo qual a nova geração está adquirindo a única noção de seu significado.

Com isso, o economista quer dizer que se faz um uso deturpado do conceito de utilidade, originalmente relacionado à felicidade de cada um, desde que suas ações favoreçam a todos. Ou seja, há um fundo moral no utilitarismo que o leva além da mera teoria econômica. Apesar disso, Mill (s. d.) percebe, já na segunda metade do século XVIII, as primeiras manifestações do que é chamado neste artigo de individualismo, isto é, a manifestação exacerbada e narcísica da individualidade.

Marx (2013), filósofo alemão, mas economista londrino por opção, contesta Mill (s. d.) por julgar que ninguém pensando em ser feliz individualmente fará apenas o que for bom para a sociedade. Aliás, por esse

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motivo, Marx (2004) já havia contestado Smith (1985) e sua mão invisível. Segundo Marx (2013), falta para os economistas clássicos a noção dialética da luta de classes inerente a toda e qualquer sociedade: não há como todos pensarem em todos, a não ser, talvez, no comunismo. Para o alemão, o que há, na verdade, nas relações econômicas, é um “fetichismo” da mercadoria (MARX, 2013, p. 148) que esconde a exploração da mão de obra por trás da venda de produtos, em nome do lucro, que será tanto maior quanto mais girarem os estoques. Para isso, um mundo de modas, obsolescência e apego às novidades é necessário. Dizem Marx e Engels (1848, p. 12):

A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais [...] Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado.

A tradição e o sagrado somente serão profanados se os mercados demandarem, continuamente, mais produtos e mais novidades, o que poderá ser alcançado com o individualismo detectado por Mill (s. d.), ou seja, cada um pensando em ser feliz, independentemente dos demais. Por essa ótica, o utilitarismo passa a ser uma mera avaliação de utilidades (custos versus benefícios), sem qualquer fundo moral, o que era uma preocupação do economista inglês. Nesse processo, nem os protestantes puritanos conseguem convencer os novos ricos a trocarem o consumo ostentatório e o prazer hedonista, ou seja, a “alegria com o mundo” (WEBER, 2004, p. 35) por um lugar no paraíso. Manifesta-se, portanto, o “consumo conspícuo” que Veblen (1983, p. 35) registrou em detalhes, ao analisar a classe alta americana, na virada do século XIX para o século XX.

A essa altura, o sujeito cartesiano que deu origem ao romântico dá agora lugar ao sujeito sociológico, cuja vida é influenciada pela sociedade, seja pela coerção social que exige dele certas solidariedades (DURKHEIM, 2008), pelo movimento dialético do capital econômico (MARX, 2013), pela ação social influenciada por terceiros (WEBER, 2000), ou pelo envolvimento de outros capitais além do econômico, que estabelecem sutis relações de poder e disputa (BOURDIEU, 2011). Mesmo assim, o discurso do consumo, já em formação, irá dizer, romanticamente, que, sim, todos podem ser felizes sem depender dos outros, embora as ciências sociais e psicanalíticas detectem que tal discurso possa ser friamente calculado (BAUDRILLARD, 2005; BAUMAN,

2008; BETS, 2003; KÜNZEL, 1997, LASCH, 1991) e visando a atingir, cada vez mais, as novas gerações (BARBER, 2009; LINN, 2006; SCHOR, 2009; ZILIOTTO, 2003).

O desencantamento do mundo teologizado pelos protestantes puritanos atinge, a partir do século XX, segundo Weber (2004), outras áreas humanas, como a política e o mundo organizacional, além da ciência, cujo desencantamento é inerente aos seus pressupostos. Conforme Weber:

O destino de nosso tempo, que se caracteriza pela racionalização, pela intelectualização e, sobretudo, pelo ‘desencantamento do mundo’ levou os homens a banirem da vida pública os valores supremos e mais sublimes (WEBER, 2011, p. 51).

Esse banimento dos valores mais sublimes da vida pública constatado por Weber (2011) na década de 1910 é mais uma demonstração de força da individualidade exacerbada, justificada pelo autor da seguinte maneira: o contato entre as pessoas está se dando em círculos cada vez menores, os assuntos são cada vez mais especializados, as solidariedades são cada vez menos comunitárias, quadro que será ratificado por outros cientistas sociais ao longo de todo o século XX (GIDDENS, 1999; PUTNAM, 2000), sem oferecer, no entanto, alternativas convincentes, apesar de tentarem mais de uma vez (GIDDENS, 2001; 2007). Ambos apostam no ressurgimento do interesse pela política e pelos assuntos que dizem respeito a todos, esperança que não é compartilhada por Bauman (2001b), pelo menos, no curto prazo. Em nível individual, isso significa um sujeito em crise, fruto de mudanças rápidas e, até mesmo, imprevistas, que fazem com que a razão interna ou o ambiente externo não sirvam mais de referência para nada. Não podendo recorrer a sua razão ou ao ambiente que o rodeia, o indivíduo é levado a crer que o consumo possa ser a solução para uma vida mais feliz.

5 a crisE dE idEntidadE E o EtErno consUMo coMo ProMEssa dE FElicidadE

Minha gata não insistaDisneylândias não vão te levar pro céuNem o céu dessas revistasQue ilumina o teu barquinho de papel

Nei Lisboa, Deixa o bicho

Segundo a Bíblia, as últimas palavras de Jesus na cruz foram “está consumado”, no sentido de “está feito” ou “está terminado”. Consumo e consumação

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– os substantivos derivados de consumir e consumar –são usados, no Brasil, como sinônimos, mas um sentido negativo tanto social quanto economicamente recai sobre o substantivo consumo, principalmente quando comparado a trabalho:

[...] o valor do trabalho é moralmente superior ao atribuído ao consumo. O trabalho é considerado fonte de criatividade, autoexpressão e identidade. O consumo, por outro lado, é visto como alienação, falta ou perda de autenticidade e um processo individualista [...] Não trabalhar é um estigma, enquanto não consumir é uma qualidade (BARBOSA; CAMPBELL, 2006, p. 21).

As religiões certamente têm influência nessa valoração moral do trabalho. Para a Igreja, a riqueza e o consumo ostentatório dos mais ricos seriam barreiras quase intransponíveis para os céus. A máxima “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus”, por exemplo, aparece três vezes no Novo Testamento, nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas.

No entanto, para Bauman (2008), é difícil resistir aos apelos comerciais, porque esses nos dizem quem somos: “como compradores, fomos adequadamente preparados pelos gerentes de marketing e redatores publicitários a desempenhar o papel de sujeitos” (BAUMAN, 2008, p. 27), ou seja, o marketing e a publicidade, segundo o sociólogo, levam os consumidores a pensar que são únicos, exclusivos, e não mercado de massa. Numa alusão ao fetichismo da mercadoria (MARX, 2013), que oculta as relações de trabalho por trás da venda de produtos, Bauman (2008, p. 23) denomina tal fenômeno de “fetichismo da subjetividade”, porque oculta a realidade demasiado comodificada da sociedade de consumo. Dito de outra forma, o sujeito acredita estar resolvendo, através do consumo, sua crise de identidade (HALL, 2005), mas está, na verdade, sob influência do marketing e da publicidade, construindo um “simulacro” (BAUDRILLARD, 2011, p. 1) de si mesmo, isto é, um falso eu que – espera – seja atraente para os outros.

Se os primeiros anos da modernidade, através do Iluminismo, deram ao sujeito a noção de individualidade, que, por sua vez, alimentou o sonho de liberdade, principalmente para o indivíduo se fazer desejado – seu desejo fundamental (LACAN, 1999) –, a sociedade de consumo tratou de fazer dessa dinâmica algo efêmero e obrigatório (BAUDRILLARD, 2005; BAUMAN, 2008; BETS, 2003; LIPOVETSKY, 2004), que precisa ser ratificado todos os dias, sob pena de a crise

emocional, avesso da felicidade, tornar-se suportável somente com o consumo de drogas lícitas e ilícitas (AZIZE, 2006; PACHECO, 2003). Em 2008, por exemplo, o ansiolítico benzodiazepínico Rivotril (marca comercial do laboratório Roche para o princípio ativo clonazepam) tornou-se o segundo medicamento mais vendido no País, “à frente de marcas como Hipoglós e Buscopan Composto” (NAÇÃO..., 2010), com as vendas crescendo 358 mil por cento entre 2007 e 2010 (ANVISA, 2011).

Tais fenômenos, segundo Beck (2010), decorrem do fato de que muitas pessoas, ainda hoje, passam boa parte de seu tempo procurando soluções individuais para contradições sistêmicas, acreditando que conseguirão resolvê-las. Nas palavras de Bauman (2001b, p. 43): “riscos e contradições continuam a ser socialmente produzidos; são apenas o dever e a necessidade de enfrentá-los que estão sendo individualizados”. Isso pode resultar em ansiedade e depressão. “Enquanto lógica social e econômica, [o consumo] é estruturante. Mas enquanto sintoma da depressão dos nossos dias, é problema (ZILIOTTO, 2003, p. 154).

É de se esperar que a maioria dos produtos oferecidos ao mercado seja fruto de pesquisas que visam à maior qualidade de vida, mas, como a ciência sempre foi considerada acima do bem e do mal, muitas empresas exploram seu caráter amoral para estimular o consumo, inclusive através de complexos estudos neurológicos:

Produtos demais estavam tropeçando, patinando ou mal saindo da linha de partida. Os métodos de pesquisa tradicionais não estavam funcionando. Como consultor de branding, isso me incomodava a ponto de se tornar uma obsessão [...] Logo percebi que o neuromarketing, um intrigante casamento do marketing com a ciência, era a janela para a mente humana que esperávamos havia tanto tempo. O neuromarketing é a chave para abrir o que chamo de nossa ‘lógica do consumo’ [...] Admito que a ideia de uma ciência que pode espiar dentro da menta humana deixa muita gente com calafrios (LINDSTROM, 2009, p. 12-13).

Seja através dos recursos da neurociência, seja através da estimulação de vários dos sentidos humanos, Lindstrom (2005; 2010) admite que as empresas usam a ciência para atingir suas metas comerciais, numa relação entre discurso, poder e verdade que Focault (2012) chamaria de ardilosa, mas que Zyman, ex-vice--presidente de marketing da The Coca-Cola Company, considera apenas a colocação em prática do conceito de marketing:

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Marketing é uma atividade estratégica e uma disciplina centrada na importância de fazer com que mais consumidores comprem o seu produto mais vezes, para que a sua empresa ganhe mais dinheiro (ZYMAN, 1999, p. 28 )

Para Lipovetsky (2009), entretanto, essa é apenas uma característica da “sociedade-moda” (p. 15). A moda é “o agente por excelência da espiral individualista e da consolidação das sociedades liberais” (LIPOVETSKY, 2009, p. 14). Tais sociedades, segundo o autor, podem ser paradoxais, mas não são necessariamente negativas, apresentando pontos fortes como flexibilidade e pragmatismo, apesar de serem formadas por “indivíduos atomizados, absorvidos consigo mesmos” (LIPOVETSKY, 2009, p. 14) e que, por isso, não irão querer perder os privilégios adquiridos. Em seguida, o filósofo apresenta uma definição mais completa do que chama de sociedade-moda e que, neste artigo, é referida como sociedade de consumo:

A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação (LIPOVETSKY, 2009, p. 184).

Dito de outra forma, esse reordenamento da oferta e da demanda trata de encurtar a vida útil dos produtos ou aumentar seus usos como forma de impulsionar as vendas. Esse é, porém, apenas um dos lados da verdade. Do outro lado, a sociedade-moda de Lipovetsky (2009) precisa convencer os clientes potenciais a se sentirem insatisfeitos com o que já têm, não porque tenham percebido a qualidade cada vez menor dos produtos, mas pelo desejo de serem felizes, o que, segundo Freud (2010), pode ser em vão. Esse autor chama o desejo de ausência de sofrimento e de desprazer somado à experiência de intensos sentimentos de prazer de “princípio do prazer” (FREUD, 2010, p. 93), ressaltando, no entanto, que tal princípio não tem nenhuma possibilidade de ser executado, já que todas as normas – biológicas e sociais – mostram-se--lhe contrárias.

É nesse momento que as áreas comerciais das empresas e as agências de publicidade agem, com suas estratégias de estímulo à demanda e suas referências à entrega de produtos de valor, ou seja, promessas de relações custo x benefício vantajosas para os consumidores (KOTLER; KELLER, 2006; 2012), a fim de realizar o que acreditam ser possível: satisfazer as necessidades e os desejos do mercado (KOTLER, 1998) e, com isso, fazer do indivíduo um ser feliz, coisa a que

a psicanálise, por exemplo, nunca se atreveu (KÜNZEL, 1997; LACAN, 1999).

Para isso, o marketing usa objetos de consumo e não terapias, o que pode soar aos psicanalistas como uma tentativa questionável de resolver o sentimento de incompletude do ser humano decorrente do trauma vivenciado pela criança, quando percebe que o seio materno – único objeto de sua felicidade – nem sempre estará por perto para matar a fome de alimento, carinho e proteção (KÜNZEL, 1997). É esse objeto de prazer tão desejado – mas tão ausente – que o indivíduo tentará encontrar através da compra de outros que possam substituí-lo (BETS, 2003). Nesse momento, o consumo apresenta-se como promessa de felicidade, mesmo que breve.

6 considEraÇõEs Finais

O objetivo deste artigo foi descrever a evolução da noção de individualidade, desde o Iluminismo até o século XXI, e sua relação com a sociedade contemporânea. Nessa demonstração, partiu-se da descoberta do sujeito como ser livre e pensante, chegando-se à proposta de superação da crise de identidade e do reencontro consigo mesmo através de uma individualidade exacerbada – o individualismo – e dos atos de consumo, saída amplamente questionada por diversas áreas do conhecimento humano, em especial, pelas ciências sociais e pela psicanálise.

Ao longo do trajeto, passou-se pelo “individualismo desiludido e de coloração pessimista [...] dos povos com passado puritano” (WEBER, 2004, p. 96). Tal pessimismo contrasta com as lentes otimistas das ciências e da moral iluminista abordadas anteriormente, porque adia o prazer do sujeito tão destacado pela psicanálise e a satisfação do cliente tão valorizada pelo marketing. Também se passou pela mão invisível de Adam Smith (1985), que, em nome do interesse próprio, pode beneficiar a sociedade, e pela consagração do hedonismo, a partir dos valores românticos transformados em apelos de venda pelo discurso do consumo como operacionalização da felicidade.

A crença de um indivíduo na capacidade de resolver seus próprios problemas pode aumentar sua confiança e sua autoestima. Por outro lado, acreditar que todos os seus problemas poderão ser resolvidos sem a ajuda de terceiros, a partir de um individualismo incomunicável, beira a irracionalidade (BETS, 2003; ROUANET, 1996). Além disso, se cada sujeito tem suas verdades e a convivência se torna rara, poderá dizer o que quiser, porque será, a princípio, acreditado. A

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dúvida shakespeariana ser ou não ser perde espaço, então, para o ter ou não ser ou, ainda, para o parecer ou não ser, fazendo da vida “uma imensa acumulação de espetáculos” (DEBORD, 2010).

Nesse processo psicossocial, o sujeito introjeta as qualidades dos produtos que consome, construindo de fora para dentro aquilo que esperava expressar de dentro para fora. Por isso, pode ser mais bem- -entendido pelas notas fiscais daquilo que compra, na tentativa de se construir como indivíduo, do que pelo seu discurso, muitas vezes dissimulador da verdade. Não é de se admirar, portanto, que esse indivíduo possa estar em crise, principalmente por perceber que aquilo que pretende ser perante os outros somente será sustentado se voltar, diuturnamente, às compras, atrás de novidades que o tornem socialmente bem- -visto e psicologicamente desejado.

Está-se, portanto, diante de um quadro complexo em que o consumo, mais do que bandido ou mocinho, é um fenômeno social (cultural, diriam os antropólogos; histórico, os historiadores) a ser estudado e entendido em nosso país. Caso contrário, mesmo a sociedade contemporânea consumindo muito e de muitas maneiras, perde-se a oportunidade de reflexão sobre as consequências e os aspectos filosóficos, sociais, políticos e econômicos desse ato que define o que seja viver.

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Recebido em: 22 de julhoAceito em: 27 de agosto

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a HUManizaÇÃo do discUrso das MarcasdiantE das noVas EXPEriÊncias dE consUMo

tHe HUManiZation oF tHe tradeMarKs discoUrsesin Front oF tHe neW eXPeriences oF consUMPtion

Rogério Luiz Covaleski1

Sílvia Almeida da Costa2

RESUMO: Tendo em vista que o processo de consumo não se resume à compra de mercadorias, e que vivenciamos um momento de negociação de discursos entre consumidores e anunciantes, potencializado pelas ferramentas dos meios de comunicação pós-massivos, este artigo pretende refletir sobre o fenômeno da humanização do discurso das marcas. Para isso, tomaremos como referência as considerações sobre a mudança do fluxo comunicacional da linguagem publicitária (BEKESAS, 2012), as características da cibercultura (LEMOS; LÉVY, 2010), a cultura da participação (SHIRKY, 2011) e a necessidade de uma conduta ética para a manutenção da credibilidade das empresas (BLACKSHAW, 2010). Neste trabalho, também citaremos casos ilustrativos da humanização dos discursos das marcas colhidas nas redes sociais na Internet, como forma de exemplificar os esforços das empresas em manter a integridade da imagem da marca no atual cenário do refluxo comunicacional. Palavras-chave: Discurso. Marcas. Consumo. Refluxo comunicacional. Mídias sociais.

ABSTRACT: Considering that the consumption process is not limited to the purchase of goods, and that we experience a moment of negotiation of the discourses between consumers and advertisers boosted by the tools of post-massive Media, this article aims to reflect on the phenomenon of the humanization of the trademarks discourse. Thus, we take as reference the considerations about changing the communication flow of the advertising language (BEKESAS 2012), the characteristics of cyberculture (LEMOS; LÉVY 2010), the culture of participation (SHIRKY 2011) and the need for ethical conduct to maintain the credibility of companies (BLACKSHAW 2010). This article also will cite illustrative cases of the humanization of the trademarks discourses collected on social networks in the Internet as a way to exemplify the companies’ efforts to maintain the integrity of the trademark image in the current scenario of the communicational reflux.Keywords: Discourse. Marks. Consumption. Communicational reflux. Social media.

1 Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Professor do Curso de Publicidade e Propaganda e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco e Bacharel em Publicidade e Propaganda pela mesma instituição.

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1 introdUÇÃo

O presente artigo objetiva refletir sobre a humanização do discurso das marcas diante das experiências de consumo contemporâneas. Para isso, faz-se importante compreender, inicialmente, que o processo de consumo não se resume à simples compra de mercadorias. Ele abrange momentos que vão desde a comparação e a busca por informações sobre o produto/serviço até o uso, a avaliação e o relato da experiência vivida. A imagem da marca pode interferir em todos esses momentos desempenhando um papel decisivo nos processos de compra, o que desperta a atenção de empresas e agências de publicidade.

Outro fator importante a ser considerado na busca dessa reflexão é a inversão do fluxo comunicacional. Vivenciamos um momento de negociação de discursos entre consumidores e anunciantes: os meios de comunicação pós-massivos abrem o polo de emissão, permitindo que usuários produzam conteúdos; e as ferramentas disponíveis nesses meios fazem com que esses conteúdos sejam disseminados com mais facilidade e rapidez.

Também são características do atual panorama comunicativo a saturação e a segmentação da audiência; a ocorrência de um cenário de mídia cada vez mais fragmentado pelo surgimento de diversos dispositivos de comunicação; e a personalização do consumo. Todos esses fatores ajudam a compreender o esforço que as empresas têm destinado a manter uma relação mais próxima com os clientes, inclusive fazendo uso das mídias sociais. O protagonismo dos consumidores nessa comunicação revela o poder que lhes foi atribuído pelas novas mídias e demanda novas formas de relacionamento entre empresas e clientes, principalmente na internet.

Para iniciarmos nossa reflexão, trazemos à tona as importantes características dos meios de comunicação pós-massivos e a consequente inversão do fluxo comunicacional. Depois, abordamos as questões referentes ao refluxo comunicacional no âmbito da linguagem publicitária. Posteriormente, ressaltamos a importância de um relacionamento transparente e humanizado com os clientes na manutenção da imagem das marcas. Por fim, citamos três casos de humanização do discurso das marcas nas mídias sociais: o da Bodyform, o da GVT e o de Netflix/Pontofrio.

2 MEIOS PÓS-MASSIVOS E A INVERSÃO DO FLUXO coMUnicacional

Uma confluência de fatores leva a crer que a humanização do discurso das marcas é uma boa maneira de as empresas se relacionarem com os consumidores e manterem intacta a imagem da marca, principalmente nos ambientes on-line. O primeiro deles diz respeito às mudanças trazidas pelos meios de comunicação de função pós-massiva.

As diferenças destes meios de comunicação para aqueles tradicionais são muitas e facilmente identificadas. A principal delas é a abertura do polo de emissão – o que revolucionou o esquema de comunicação um-todos tradicional e propiciou mais poder aos receptores. Segundo Clay Shirky (2011), enquanto os meios massivos estavam voltados para o consumo do conteúdo gerado pelos emissores, as mídias pós-massivas permitem aos espectadores três enfoques diferentes: o consumo, a produção e o compartilhamento.

Enquanto as mídias de massa, desde a tipografia até a televisão, funcionavam a partir de um centro emissor para uma multiplicidade receptora na periferia, os novos meios de comunicação social interativos funcionam de muitos para muitos em um espaço descentralizado. Em vez de ser enquadrada pelas mídias (jornais, revistas, emissões de rádios ou de televisão), a nova comunicação pública é polarizada por pessoas que fornecem, ao mesmo tempo, os conteúdos, a crítica, a filtragem e se organizam, elas mesmas, em redes de troca e de colaboração (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 13).

A interatividade possibilitada por plataformas comunicacionais permite a interferência nos conteúdos disponibilizados. Essa e outras práticas comuns no ciberespaço confirmam os três princípios da cibercultura – a liberação da palavra; a interconexão de informações; e a reconfiguração social, cultural e política – e compõem o que podemos chamar de “cultura da participação”.

A cultura da participação tem características não só relacionadas às possibilidades técnicas trazidas pelos novos meios, ela diz respeito principalmente ao comportamento assumido pelas pessoas no uso da tecnologia social, cuja maior vantagem é permitir o acesso dos usuários uns aos outros. “Queremos estar conectados uns aos outros, um desejo que a televisão, enquanto substituto social, elimina, mas que o uso

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da mídia social, na verdade, ativa” (SHIRKY, 2011, p. 18). Assim, a lógica da mídia digital permite o surgimento de uma “esfera pública digital”, que tem como valores principais a abertura, a relação entre pares e a colaboração. Nela, as pessoas antes apenas espectadoras ― e agora também emissoras ― agregam valor umas às outras e são estimuladas a compartilhar ideias, experiências e opiniões.

Ademais, vivemos um momento de informática ubíqua, ou seja, presente a todo o momento no cotidiano das pessoas, através de diversos dispositivos eletrônicos, e potencializada com o advento da banda larga, que permite conexão mais rápida com a internet. Numa época em que “as câmeras e os microfones estão sempre ligados, captando tudo à sua volta” (BLACKSHAW, 2010, p. 52) e “ser parte de um grupo globalmente interconectado é a situação normal da maioria dos cidadãos” (SHIRKY, 2011, p. 27), o poder que o espectador/usuário/colaborador assume no cenário comunicativo é maior.

Tempos de ciberdemocracia, como afirma Márcia Carvalhal:

O contexto tecnológico digital, que potencializa a participação na sua arquitetura, é mais favorecido, pois garante a participação de todos os usuários das tecnologias digitais no processo de discussão e influência direta e/ou indireta de tomada de decisões dos representantes legítimos nas instâncias de poder instituídas. Não é à toa que, da mesma forma que a mídia tradicional foi considerada por muitos o quarto poder, porque as opiniões dos seus membros exerciam influência direta nas decisões governamentais, as mídias digitais, que dão voz ao cidadão comum, estão sendo consideradas o ‘quinto poder’, pois há, de fato, poder de influência do cidadão nas instâncias decisórias. (CARVALHAL, 2011, p. 93)

Se o poder se exerce mediante a conectividade de usuários da rede, os consumidores contemporâneos ― aqui assumindo sua condição de prosumers3 ― reclamam para si um contrapoder com a deliberada intenção de alterar as relações hegemônicas em torno de interesses e valores alternativos àqueles ditados pelos cânones mercadológicos e comunicacionais. Com

3 O termo prosumer foi cunhado por Alvin Tofler no livro A Terceira Onda, de 1980. Ele reúne as palavras produtor e consumidor e refere-se ao consumidor que se envolve com a concepção e a fabricação do produto, tornando-se parte do sistema de produção. Hoje em dia, o termo foi ampliado para abranger também os consumidores que avaliam e personalizam produtos; produzem bens para consumo próprio; e agem proativamente para antecipar problemas com empresas e corrigi-los.

a produção de mensagens autônomas para alimentar os meios de comunicação massivos e o desenvolvimento de redes independentes de comunicação horizontal, os consumidores da era da informação podem propor novos conteúdos, que abarquem experiências, expectativas e opiniões. Como arremata Manuel Castells (2012, p. 26), “subvertem a prática habitual de comunicação ocupando o meio e criando a mensagem. Superam a impotência de sua contestação solitária comunicando seus desejos. Lutam contra o poder estabelecido identificando as redes de sua experiência humana”.

3 noVas EXPEriÊncias dE consUMo, Mídias sociais E o rEFlUXo coMUnicacional da linGUaGEM PUblicitária

Como vimos, o processo de consumo abrange várias fases e atitudes. Hoje em dia, é comum que consumidores busquem se informar sobre os produtos/serviços de seu interesse através da internet. Também é recorrente a disseminação de relatos sobre as experiências de consumo visando a recomendar marcas preferidas, advertir quanto a más experiências e até mesmo suscitar o boicote a marcas odiadas.

Relatando a sua experiência com um site de feedback dos consumidores sobre experiências de consumo4, Pete Blackshaw ― vice-presidente executivo de serviços estratégicos da Nielsen Online ― percebeu que “a maior motivação para [um consumidor] dar opinião era ser ouvido por outros consumidores, e não obter uma resposta da organização”. Assim, os consumidores utilizavam o site “porque se sentiam satisfeitos, do ponto de vista emocional, ao partilhar suas experiências com outros”. Para o autor, “essas conexões emocionais estão no cerne da mídia gerada pelo consumidor. Todos os consumidores conectados por aí afora não estão simplesmente interessados em se comunicar com sua empresa; eles estão muito mais interessados em falar uns com os outros” (BLACKSHAW, 2010, p. 48).

Nesse aspecto, as mídias sociais são grandes aliadas dos consumidores, pois permitem o relacionamento entre pares e a disseminação de mensagens a baixo custo, além de possuírem ferramentas que potencializam a comunicação. É interessante perceber que os sites sociais provocaram mudanças nas relações interpessoais e participam cada vez mais do cotidiano das pessoas. O usuário médio de internet gasta 30% do seu tempo na

4 O site Planet Feedback (http://www.planetfeedback.com).

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Rede5; e os internautas brasileiros passam a maior parte do seu tempo on-line nas redes sociais digitais6.

Segundo pesquisa da The Nielsen Company (2009) sobre confiança, valor e envolvimento com publicidade, a recomendação de amigos, os sites de marcas e a opinião de consumidores on- -line despontam entre os três tipos de abordagem publicitária que têm mais confiança do público. A influência das recomendações on-line justifica a atenção crescente que profissionais de marketing e publicitários têm dado ao uso de redes sociais e de mídias geradas pelo consumidor.

A publicização e o fácil acesso ao conteúdo produzido pelo usuário geraram mudanças na comunicação como um todo e, especialmente, nas relações entre anunciantes e consumidores. A partir do momento em que os ambientes são suscetíveis à ocorrência da inversão dos papéis clássicos de emissores e receptores ― à reversão de fluxos ―, a publicidade tem que procurar maneiras de se adaptar ao cenário comunicativo.

A comunicação publicitária já passou por várias fases em seu processo de evolução. A fase massiva procurava uma grande abrangência de público; a comunicação segmentada focava os indivíduos com um mesmo perfil de comportamento de consumo; e a comunicação personalizada buscava a qualificação total do público-alvo. A comunicação digital/virtual propicia agora a soma dos três momentos anteriores, permitindo que se atinja, concomitantemente, um público amplo, segmentado e qualificado.

Diante das especificidades da cibercultura e forçada a se adaptar para sobreviver, a publicidade tem adotado uma linguagem da apresentação, buscando manter-se como porta-voz das práticas de consumo, mas, inevitavelmente, acatando o discurso do consumidor e aceitando a presença desse interlocutor que tem voz e disposição para participar da ação de comunicação publicitária.

Pela linguagem da ‘apresentação’, [a publicidade] procura aproximar-se do sujeito-consumidor, aceitando a estratégia da coautoria/compartilhamento da comunicação publicitária não linear característica da cibercultura aonde, muitas vezes, o sujeito-consumidor ‘chega antes’ e diz de que maneira ‘quer’, ou ‘não quer’ a comunicação da qual faz parte. (BEKESAS, 2012, p. 11)

5 Disponível em: <http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=17202&sid =78.>. Acesso em: 15 jan. 2013.6 Média de 9,3 horas durante o mês de dezembro de 2012, tempo que representa um aumento de 167% em relação a fevereiro de 2010 (COMSCORE, 2013).

A mediação informacional baseada na imersão tecnológica traz novas “falas” aos papéis desempenhados por consumidores e anunciantes, cujas novas atribuições discursivas atestam a constituição de uma ambiência que propicia relações mais transparentes, em que promessas vãs perdem força diante da capacidade de manifestação de quem era outrora um receptor passivo.

Esse empoderamento do consumidor exige mais atenção às maneiras como as empresas se relacionam com seus clientes. O novo cenário comunicativo demanda transparência, ética e humanização por parte das corporações.

4 rElacionaMEnto coM os cliEntEs E HUManizaÇÃo das Marcas

A acirrada concorrência mercadológica entre as empresas e a homogeneidade de produtos decorrente da estandardização industrial alavancam as buscas pela audiência, pela atenção e pela reação do público. Somam-se a esses ideais a fidelização e a afetividade no campo simbólico, igualmente importantes na relação entre marcas e consumidores, e podemos perceber que a corrida por soluções comunicacionais inovadoras urge diante da mudança de fluxo informacional.

Segundo Nelly de Carvalho (2002, p. 26), o discurso publicitário atua ideologicamente em três dimensões que se conectam pela noção de marca: “na construção da relação entre o produtor/anunciante e o público; na construção da imagem do produto; e na construção do consumidor como membro de uma comunidade”.

Além de ser o primeiro passo na construção de uma identidade do produto, a marca é “uma conexão simbólica e afetiva entre uma organização, sua oferta material, intangível e aspiracional e as pessoas para as quais se destina” (PEREZ, 2004, p. 10). Ela se resume à união

de uma expressão gráfica (ela tem uma cara), de uma expressão filosófica (ela tem alguma coisa a dizer) e de uma experiência (ela tem alguma coisa a trocar). Cada um desses momentos remete à origem da marca e à confiabilidade de seus propósitos. Por isso a imagem, o discurso e a ação devem fazer sentido entre si, como membros de uma mesma família ética. (VIEIRA, 2008, p. 141)

Os valores e princípios que norteiam a empresa são compartilhados pelas pessoas que gravitam em torno dela (a “comunidade de marca”) e refletem

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um compromisso de conduta que deve primar pela ética. Para Blackshaw (2010), na nova era do marketing que estamos vivenciando, os consumidores julgam as marcas com base em critérios muito mais rigorosos, aliados aos seus próprios valores e às causas que defendem. Além disso, considerando que os consumidores têm mais capacidade de produção e emissão de conteúdos nas mídias atuais, o sucesso das marcas vai se basear na credibilidade que elas tiverem entre os seus clientes. Afinal, a satisfação ou a insatisfação dos consumidores sempre motivaram o sucesso ou o fracasso das empresas.

O autor cita três verdades do cenário atual para justificar por que a credibilidade é o bem maior das corporações:

1- As empresas não detêm mais o poder absoluto sobre as decisões e o comportamento dos consumidores. 2- Quanto mais as companhias se recusam a aceitar a influência da comunicação entre os consumidores e perpetuar os velhos modos de fazer negócio, mais elas irão afastar e perder os clientes. 3- Para ter sucesso num mundo em que os clientes agora controlam o diálogo, onde os consumidores satisfeitos relatam sua experiência positiva a três pessoas e os que ficam frustrados e aborrecidos as divulgam para três mil indivíduos, as empresas devem, sem sombra de dúvida, ter credibilidade em todas as áreas. (BLACKSHAW, 2010, p. 18)

É importante destacar que credibilidade não quer dizer infalibilidade. As empresas também erram, mas a maneira como lidam com as falhas é crucial para a manutenção da imagem da marca.

Em abril de 2012, a Trendwatching7 lançou um de seus relatórios de tendências, apresentando as práticas nas quais as empresas deveriam apostar em 2013. Uma dessas tendências é o fenômeno chamado de Flawsome, definido da seguinte maneira:

Consumidores não esperam que as marcas sejam completamente sem falhas. De fato, consumidores abraçarão marcas que são FLAWSOME: marcas que são geniais apesar de suas falhas; mesmo com falhas (e elas são sinceras sobre isso), elas podem ser fantásticas. Estamos falando de marcas que mostram alguma empatia, generosidade, humildade, flexibilidade, maturidade, humor e (ousamos dizer) algum caráter e humanidade. (TRENDWATCHING, 2012, p. 1)

7 Empresa que pesquisa tendências e práticas de consumo -+no mundo. (http://www.trendwatching.com).

Apesar do novo nome ― a bem aplicada união das palavras inglesas flaw e awesome, respectivamente defeito e fantástico em português ―, o fenômeno traz em seu âmago a junção de dois fatores ligados ao relacionamento com o cliente e já conhecidos ― embora ainda pouco praticados: a humanização das marcas e a transparência característica dos novos fluxos informativos.

É importante ressaltar que as empresas devem continuar se esforçando para minimizar as falhas, caso queiram manter a credibilidade. O conceito de flawsome chama a atenção para a maneira como lidar com os erros cometidos: sem ignorá-los nem negá-los. É claro que, em muitos casos, um único deslize pode macular a imagem da empresa a ponto de ela não se refazer mais. No entanto, assumir os erros ― e as consequências muitas vezes irreversíveis que eles causam ― pode ser um jeito de se relacionar com os clientes com mais sinceridade, evitado que mensagens negativas sobre a marca se disseminem. Em resumo, as empresas devem mostrar que se importam com os clientes, devem dar a eles a atenção que desejam.

Segundo o Dicionário Houaiss, humanizar é “ato ou efeito de humanizar(-se), de tornar(-se) benévolo ou mais sociável”. Sendo assim, podemos entender a humanização das marcas de duas maneiras: a primeira, relativa a adquirir condição humana e, por consequência, assumir a falibilidade inata ao que é humano. E a segunda, relacionada ao fato de as empresas se mostrarem mais sociáveis, afáveis, compreensivas, boas.

Portanto, além de assumir falhas, a empresa deve se humanizar na maneira de seduzir o público através do humor e da criatividade, que podem ser proporcionados pelo entretenimento e pela diversão. Nesse sentido, a ciberpublicidade pode se beneficiar do uso do potencial interativo da internet e das ferramentas disponíveis das diversas mídias.

Além de se preocupar com as questões relativas aos produtos e serviços que oferecem e com as relações internas da empresa (com empregados e fornecedores, por exemplo), é preciso estar atento ao relacionamento com o cliente. Segundo Ruão e Farhangmer (2000), a imagem das marcas é um conceito de recepção, e o valor das marcas está ancorado na consciência do consumidor. Mais que isso, “a comunicação está na base da construção e transmissão da identidade da marca” (p. 8). Sendo assim, não se pode supor uma imagem positiva da marca sem que haja uma comunicação adequada por parte do anunciante, visando a construir uma relação proveitosa, amistosa e humana com o público.

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Figura 1 - Captura do texto publicado pelo cliente na fanpage da BodyformFonte: Facebook

Figura 2 - Captura de frame do vídeo Bodyform Responds: The TruthFonte: YouTube

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Anunciantes já sensibilizados às práticas comunicacionais contemporâneas e tecnologizadas buscam, na quebra de paradigmas e na ruptura com os preceitos canônicos das estratégias publicitárias, estabelecer um diálogo diferenciado com seus consumidores ― em dadas situações, não discursando ativamente, mas, sim, respondendo prontamente. Assim, reagir de imediato às demandas dos consumidores tem se tornado fundamental na manutenção da imagem da marca. E não só é importante reagir prontamente, como o é agir de acordo com a ideologia da empresa e ter uma conduta humanizada.

Responder pronta, educada e humanizadamente ao consumidor em qualquer ocasião, seja diante de crítica, elogio ou sugestão, contribui na construção de um relacionamento sincero e transparente com os clientes e pode até reverter situações que poderiam ferir a imagem das marcas8.

É importante advertir que, embora as manifestações discursivas dos consumidores contemporâneos que se pronunciam nas redes sociais digitais tenham força e magnitude, a capacidade de transformação do sistema-mundo capitalista possui limites. Mas, como pondera Izabela Domingues (2013, p. 162),

O discurso cibermilitante [...] consegue incomodar as corporações hegemônicas e, às vezes, modificar algumas de suas condutas por atingir suas marcas, maculando a imagem que seus públicos--alvo têm delas.

Tendo em vista as novas possibilidades narrativas, cabe observarmos os recursos retóricos do discurso de consumidores presentes nas plataformas digitais que, a partir da identificação ou da distinção com marcas presentes nesse ambiente, suscitam réplicas por parte dos anunciantes. Em consequência de tantas reconfigurações comunicacionais que se percebem e da crescente importância dada às recomendações feitas por consumidores influenciadores ― a exemplo da proatividade de friends, fans e followers ―, os anunciantes passam a dar atenção e a destinar ações específicas ao ambiente digital, propondo soluções que, cada vez mais, configuram-se como exemplos do que se pode configurar como ciberpublicidade.

Alguns casos ilustram bem o que tem acontecido nas mídias sociais em termos de relacionamento

8 Caso da Ruffles em 2012, analisado em artigo apresentado no Intercom 2012. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2012/resumos/R7-0572-2.pdf>.

empresa-consumidor. Os exemplos apresentados a seguir mostram como uma resposta “acima da média” ― que atenda a cada demanda pronta, educada e humanizadamente ― pode trazer benefícios para a imagem das marcas.

4.1 BodYForM e o cliente enGanado

No dia 08 de outubro de 2012, Richard Neill publicou uma reclamação na página da Bodyform no Facebook. Na postagem, que recebeu milhares de curtidas, o cliente questionava por que a famosa empresa de absorventes íntimos femininos mentiu para ele durante vários anos, mostrando em seus anúncios mulheres felizes no período menstrual e fazendo-o acreditar que esse era um momento maravilhoso na vida da mulher.9

A resposta veio oito dias depois com um vídeo postado no YouTube pela empresa de absorventes. Ao longo da narrativa Bodyform Responds: The Truth, a CEO ― fictícia ― da marca admite que não foi fiel à realidade e pede desculpa ao cliente por tê-lo enganado. Com o tradicional humor inglês, a personagem caracterizada como CEO também parabeniza Richard por ter acabado com um longo período de ilusão causado pelos anúncios da empresa.10

O caso foi amplamente divulgado pela internet e gerou comentários positivos em relação à empresa, que utilizou o bom humor para lidar com a crítica do consumidor. O vídeo original tem quase cinco milhões de visualizações e cerca de 10 mil compartilhamentos. Nesse caso, proporcionado pela condição de interação da plataforma digital, o diálogo estabelecido entre a empresa e o cliente ganhou tom mais humano e customizado aos interesses de informação do consumidor, sobrepondo-se

9 “Olá, como um homem, eu preciso perguntar por que vocês mentiram para nós por todos esses anos. Quando eu era criança, assistia aos comerciais com muito interesse, pensando em como essa época do mês devia ser maravilhosa, já que a mulher pode aproveitar tantas coisas, e eu sentia um pouco de inveja. Quer dizer, pensava que elas andavam de bicicleta, montanha russa, dançavam, pulavam de paraquedas… por que eu não podia aproveitar tudo isso, junto com aquele líquido azul e a leveza? Maldito pênis! Aí eu arranjei uma namorada e mal podia esperar para poder aproveitar essa maravilhosa época do mês… Vocês mentiram! Não tinha a alegria, os esportes radicais, sem líquido azul passando por asas e muito menos uma trilha sonora massa, ah, não, não, não. Em vez disso, tive que lutar contra todos os meus instintos masculinos para evitar gritar ‘Bodyform for you’ à medida que minha dama passava de uma moça adorável, gentil e de cor de pele normal para a garotinha do Exorcista, com veneno incluso e o giro de 360º da cabeça. Muito obrigado por me fazer cair na mentira, Bodyform”. [tradução livre]10 Inglês expõe a mentira dos comerciais de absorventes – e ganha uma resposta da CEO. Disponível em: <http://www.criatives.com.br/2012/10/ingles-expoe-a-mentira-dos-comerciais-de-absorventes-e-ganha-uma-resposta-da-ceo/>. Acesso em: 23 jul. 2013.

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ao paradigma massificado da comunicação de outrora, que se importava com a quantidade de informação para gerar qualidade na recepção. O exemplo constitui um indicativo de um direcionamento para a compreensão da construção de sentido nos discursos midiáticos da atualidade.

4.2 roMance GVt

No dia 21 de abril de 2013, apresentando-se como um ex-cliente da GVT, Tarcísio Cavalcante publicou uma mensagem na página da empresa no Facebook declarando seu amor pela marca e a saudade que sentia dos serviços da GVT.

Dois dias depois, a GVT respondeu ao ex-cliente dizendo que, assim que fosse possível, eles voltariam a viver o amor entre eles.11

O mais curioso em relação a esse caso é que a resposta da empresa tem o mesmo tom romântico e bem-humorado que a mensagem do consumidor, fato que fez o episódio ser compartilhado pelas mídias sociais e aparecer em portais de notícias.

É interessante perceber, também, que a GVT não apenas respondeu ao cliente Tarcísio, como a todos

11 GVT e ex-cliente trocam juras de amor no Facebook. Disponível em: <http://extra.globo.com/noticias/ economia/gvt-ex-cliente-trocam-juras-de-amor-no-facebook-8216348.html>. Acesso em: 23 jul. 2013.

que se manifestaram sobre a marca naquela postagem de alta visibilidade. As mensagens da empresa não eram automáticas e tentavam solucionar as dúvidas e reclamações dos consumidores de maneira individualizada e personalizada, demonstrando estar atenta às demandas dos clientes.

É interessante perceber, também, que a GVT não apenas respondeu ao cliente Tarcísio, como a todos que se manifestaram sobre a marca naquela postagem de alta visibilidade. As mensagens da empresa não eram automáticas e tentavam solucionar as dúvidas e reclamações dos consumidores de maneira individualizada e personalizada, demonstrando estar atenta às demandas dos clientes.

4.3 netFliX e Ponto Frio

No dia 24 de julho de 2013, a Netflix, empresa que oferece serviço de tevê por internet, comunicou-se, via Twitter, com o Pinguim da Pontofrio, mascote on-line da loja brasileira de eletrônicos e eletrodomésticos. A mensagem relacionava a época de baixas temperaturas em várias regiões do Brasil com um filme disponível na Netflix ― a animação Happy Feet.

Na conversa pública, cada perfil comentou sobre seus produtos de maneira informal, como dois amigos

Figura 3 - Captura do texto publicado pelo cliente na fanpage da GVT

Fonte: Facebook

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Figura 4 - Captura da resposta da GVTao cliente Tarcisio Cavalcante

Fonte: Facebook

Figura 5 - Captura da conversa entre Netflix, Pontofrio e consumidor

Fonte: Twitter

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que conversam. A relação humanizada entre as duas empresas despertou a atenção de vários consumidores, e um deles sugeriu que fosse feita uma promoção: quem adquirisse um televisor na Pontofrio teria seis meses de assinatura gratuita na Netflix.

A ideia foi celebrada pelas empresas, que se comunicaram privadamente entre si e com o cliente que sugeriu a promoção. Momentos depois, o Pinguim da Pontofrio publicou, também no Twitter: “Segredo: Dia 01/08 PROVAVELMENTE teremos essa promo. Aguardem! *_*”. De fato, no dia 1º de agosto, conforme prometido, o Pinguim anunciou, nas mídias sociais e no próprio site, o lançamento da promoção: na compra de uma smart TV Philips, o cliente ganha até seis meses de assinatura da Netflix.

O caso disseminou-se pela internet tanto por demonstrar a competência das empresas no monitoramento das redes sociais digitais quanto por ter permitido uma comunicação mais próxima entre clientes e corporações. A rapidez das respostas também chama a atenção, bem como a maneira benéfica de utilizar o conteúdo gerado pelo cliente para adaptar o produto/serviço oferecido pela empresa.

5 considEraÇõEs Finais

Por muito tempo, espectadores e clientes não tinham capacidade de produzir e divulgar suas opiniões, experiências e anseios com tanta eficácia quanto hoje em dia. A abertura do polo de emissão colocou em pauta diversas falas advindas de sujeitos que antes apenas consumiam o conteúdo através das mídias tradicionais; e dispositivos portáteis e móveis, bem como as mídias sociais, equiparam usuários para que, em tempo real e a baixíssimo custo, pudessem participar ativamente no processo de comunicação e de produção e negociação de sentidos.

Atualmente, é comum encontrar discursos sobre marcas nos meios de comunicação pós-massivos e nas redes sociais digitais. E muitos desses discursos vêm dos consumidores, não dos anunciantes. Isso demonstra uma sensível mudança no cenário comunicativo: estabelecem-se caminhos de mão dupla que negam uma hierarquia consolidada nos meios de comunicação de massa tradicionais. Tal bidirecionalidade comunicacional propicia a consumidores e marcas um estreitamento em seu relacionamento; de um lado, pela capacidade de discursar, de outro, pela condição de interagir e responder.

No âmbito da publicidade, essas alterações no fluxo comunicacional suscitam novas maneiras de se relacionar com um público amplo, segmentado e

qualificado. Afinal, a imagem e o valor das marcas são atribuídos pelo consumidor, e manter uma relação de proximidade e transparência com ele é uma maneira eficaz de gerar imagens e valores positivos para a empresa. Ademais, haja vista que consumidores utilizam as tecnologias sociais para estabelecerem uma conexão emocional uns com os outros, as empresas tendem a se aproximar deles visando a manter esse mesmo tipo de conexão. A humanização de discursos é uma forma de as corporações se mostrarem emotivas, atenciosas e compreensivas e está sendo utilizada nos espaços de comunicação on-line.

É preciso esclarecer que a humanização do discurso não é mais um formato de anúncio publicitário, e sim um modo de a empresa se relacionar com a comunidade da marca e responder às demandas dos consumidores. Contudo, uma mudança no discurso não é suficiente para garantir a credibilidade da marca. É preciso que as empresas definam a sua ideologia ― e, por que não, sua personalidade ― e conservem uma conduta ética em todos os níveis de atuação, do começo ao fim de um amplo processo de consumo, prezando por um bom relacionamento com seus clientes. Hoje ― como já era antes ―, um cliente satisfeito é a melhor publicidade.

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Recebido em: 02 de junhoAceito em: 18 de agosto

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SEX AND THE CITY E GOSSIP GIRL: análisE dos EFEitos do PRODUCT PLACEMENT nos JoVEns PortUGUEsEs

SEX AND THE CITY AND GOSSIP GIRL: analYsis oF tHe eFFects oF tHe PRODUCT PLACEMENT in tHe YoUnG PortUGUese PeoPle

Paula Cordeiro1

Sofia Lameira2

RESUMO: Numa era em que a saturação da comunicação publicitária tem feito diminuir a efetividade dos anúncios em formato tradicional, o desafio é apresentar as marcas de forma que o consumidor retenha a sua identidade, sem sentir qualquer tipo de pressão ou, mesmo, invasão. Obter identificação do consumidor com a marca é outro dos objetivos, razão pela qual a utilização de marcas pelas personagens de séries de televisão tende a ir além da sua presença ou recomendação de utilização. Este artigo aborda os efeitos do product placement através da análise das séries Sex and the City e Gossip Girl. O principal objetivo deste estudo exploratório é contribuir para a pesquisa do fenômeno product placement nas séries de televisão e a forma como este pode afetar as atitudes dos espectadores relativamente à marca e ao comportamento de compra. Palavras-chave: Moda. Marcas. Product placement. Audiência. Consumo. Motivação.

ABSTRACT: In an era in which the saturation of the advertising communication has lowered the effectiveness of their advertisements in the traditional format, the challenge is to present the trademarks in a way that consumers retain their identity without feeling any pressure or even invasion. Obtain consumer identification with the trademark is other of the objectives, which is why the usage of trademarks by the characters of television series tends to go beyond the presence or the recommendation of use. This article discusses the effects of the product placement through the analysis of the series Sex and the City and Gossip Girl. The main objective of this exploratory study is to contribute to the research of the product placement phenomenon in television series and how it can affect viewers’ attitudes regarding the trademark and purchasing behaviors.Keywords: Fashion. Trademarks. Product placement. Audience. Consumption. Motivation.

1 Professora no ISCSP e Pró-Reitora na Universidade de Lisboa. É especialista em media digitais e rádio, consultora e conferencista. Coordena o grupo de Comunicação e Media do centro de investigação CAPP. É atualmente a Provedora do Ouvinte na Rádio Pública (RTP). Publicou o livro A Rádio e as Indústrias Culturais (2010). E-mail: [email protected] Mestranda de Comunicação Social e licenciada em Ciências da Comunicação. Este artigo é parte integrante da sua dissertação de mestrado. E-mail: [email protected].

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1 introdUÇÃo

Este estudo desenvolve uma posição integrada que cruza as teorias críticas, questionando o conteúdo de media e, particularmente, o product placement nas séries de televisão e a sua contribuição para a hegemonia, ideologia e alienação.

Em alguns casos, o entretenimento em televisão é entendido como uma forma de entregar o conteúdo e os valores, a visão do mundo e as imagens mentais.

A nossa perspetiva reconhece que, através das séries de televisão, a audiência pode melhorar a sua consciencialização social ao ter contacto com diferentes contextos e valores. Da mesma forma, pode ser influenciada em relação a valores, comportamentos e atitudes. Nesse sentido, que valores são transmitidos através das séries nas quais a moda tem uma conotação importante, como é o caso de Sex and the City e Gossip Girl?

Que tipo de hábitos sociais, rotinas diárias, temas, valores ou preconceitos estão expressos nessas séries? Destinam-se à mesma sociedade em que foram ou estão a ser produzidos? É clara a premissa de que a televisão expressa a realidade tal como a conhecemos. Em consequência, que tipo de representações sociais e realidade social representam Sex and the City e Gossip Girl? Essas são reconhecidas pelo espectadores? Finalmente, estes se retratam nessas representações?

As séries de televisão são classificadas como fornecedores de conteúdo global, através da televisão e da internet, com preocupação pelo impacto de ideias, moda ou tendências que promovem através do product placement. Mas também pela influência do product placement nos hábitos de consumo e comportamento dos espetadores. Esse contexto pode ser analisado a partir da combinação de teorias acerca da pesquisa de audiências, das indústrias culturais, dos estudos de gênero, aplicando a teoria dos usos e das gratificações, os modelos de recepção e o poder econômico cultural dos media.

Optamos por utilizar uma abordagem de receção empírica, ajustada aos nossos objetivos, analisando os efeitos e as implicações numa audiência composta por jovens.

Blumler e Katz (1974) sugeriram que a audiência dos media tem um papel ativo quando é necessário fazer escolhas e na forma como utilizam os media para satisfazer as suas necessidades. Nesse quadro, a audiência era caracterizada por um grupo de membros ativos capazes de construir o seu próprio dispositivo de media, criando uma experiência própria. Para além disso, Blumer e Katz (1974) avançaram que os

utilizadores de media estavam aptos para cumprir um papel ativo, através das escolhas mediáticas que faziam e da forma como os usam, procurando sempre aqueles que melhor satisfazem as suas necessidades. A teoria dos usos e das gratificações foi elaborada na suposição de que os utilizadores identificam alternativas válidas para satisfazer as suas próprias necessidades e que reconhecem que não há apenas uma única maneira de usar os media, mas, sim, várias maneiras de o fazer. É uma visão otimista do processo de comunicação na sociedade, embora não tenha em consideração que inconscientemente possa estar a influenciar as concepções dos utilizadores.

Com efeito, o artigo que apresentamos se baseia na teoria dos usos e das gratificações (KATZ, GUREVICH; HAAS, 1973), considerando uma abordagem de receção empírica, tal como foi usada por Livingstone (1991), ajustada aos nossos objetivos e seguindo uma análise de consumo e recepção de séries de televisão, percecionando igualmente a teoria do marketing sobre os efeitos do product placement. Para além disso, foca-se na ativa interpretação dos conteúdos das séries por parte dos espetadores, tendo em conta o seu dia a dia, para encontrar os efeitos que o product placement possa produzir.

Das várias razões para escolhermos as séries Sex and the City e Gossip Girl, destacam-se o facto de serem ambas um programa semanal, com exposição em horário nobre e com um elenco de atores consistente; principalmente pela importância da moda, do design e das marcas, assim como pela importância dos temas e da narrativa, que representam mudanças na cultura popular; por fim, também pela popularidade da série3. Para além disso, uma publicação da revista Sábado, que determinou o perfil psicológico dos espetadores das séries mais populares em Portugal, levou-nos a pensar acerca das séries preferidas dos portugueses4.

A narrativa de Sex and the City centra-se numa jovem mulher, o seu estilo de vida e das suas amigas na cidade de Nova Iorque. A série foi criada por Darren Star, em 1998, e produzida pelo HBO, um canal americano premium. Esteve no ar até 2004 e completou seis temporadas, desenvolvendo a história da vida dessas quatro amigas. E se, no final, os seus estilos de vida não são semelhantes aos da nossa

3 TV Dependente. (2012). ‘Audiências: e as séries mais vistas do ano são…’ Disponível em: <http://tvdependente. net/2012/05/audiencias-e-as-series-mais-vistas-do-ano-sao/>. Acedido a 25 de novembro de 2012.4 Sábado. (2012), ‘O que série de que gosta diz sobre si’, Disponível em: <http://www.sabado.pt//Multimedia /FOTOS/-span--b-Sociedade-b---span--(1)/a.aspx?id=531072.>. Acedido a 25 de novembro de 2012.

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amostra, representam, por isso mesmo, as aspirações e expectativas que a maioria dos elementos desejaria para a sua própria vida.

Gossip Girl, por seu turno, é também uma série de televisão americana filmada em Nova Iorque. A história é narrada por uma blogger omnipresente, apelidada de “Gossip Girl”, que relata os episódios da vida de jovens da alta sociedade de Upper East Side, Manhattan. A série foi criada por Josh Schwartz e Stephanie Savage, transmitida entre 2007-2013.

2 a tElEVisÃo EM PortUGal

Em resumo, a indústria televisiva está progressivamente mais atenta aos padrões de consumo de media: os espectadores de televisão concentram diferentes atividades e contextos em simultâneo, desde que o conteúdo televisivo se tornou um conteúdo que compete pela atenção dos indivíduos, entre todos os outros conteúdos de media.

2.1 teleVisão, consUMo e indústrias cUltUrais: liFestYle e Marcas

Atualmente, os canais de televisão têm uma identidade própria, compostos por programas que apelam a diferentes estilos de vida que, por sua vez, estruturam os padrões de consumo na sociedade contemporânea. Se considerarmos a programação televisiva como uma ferramenta simbólica que forma e reflete os valores culturais predominantes (TIWSAKUL, HACKLEY; SZMIGIN, 2005), então, a nossa experiência social será construída em referência a um sistema de significados partilhados, suportados, influenciados e promovidos pelas indústrias culturais.

Recorrendo a perspetivas da economia política da comunicação para organizar e entender a natureza e o valor do trabalho criativo e cultural (GARNHAM, 1990; MIÈGE, 1986/1996/2000; FLICHY, 1980/1991; PRATT, 2000; JONES, 2003; PICARD, 2005), conceptualizamo- -lo, neste sentido, tendo em conta a estrutura industrial de produção (HESMONDHALGH, 2006), procurando a máxima rentabilidade e, consequentemente, desenvolvendo estratégias de produção que vão ao encontro das expectativas do mercado e da audiência.

Na nossa observação, o impacto das indústrias culturais no quotidiano deve ser analisado através de uma análise que compreende o consumo cultural e a maioria das indústrias criativas, caracterizado pela sua intangibilidade e a sua natureza simbólica e ideológica,

produzindo significados sociais (BAUDRILLARD, 1974; BOURDIEU, 1984).

O consumo cultural da produção criativa de carácter industrial tem sido generalizado para produzir um sistema de representações comuns partilhadas, para o qual séries como Sex and the City e Gossip Girl também contribuem. No entanto, concorrem igualmente para a influência na identidade do grupo e nas suas práticas culturais, em grande escala, uma vez que impactam uma série de indivíduos, nas diferentes partes do mundo (VENKATESH; MEAMBER, 2006).

Douglas e Isherwood (1979) caracterizam o consumo no geral como sendo uma prática cultural, defendendo-o como uma forma de relacionamento social. Em Sex and the City e Gossip Girl, os significados simbólicos estão intrinsecamente relacionados com os estilos de vida e a forma como estes são promovidos através de produtos culturais. Parece-nos, portanto, que as séries de televisão têm uma forte relação com a publicidade, nesse sentido, entendida como responsável por tornar os produtos reconhecidos, desejados e, finalmente, comprados. Desse modo, apela a aspirações psicológicas, sociais e econômicas e não à realidade das pessoas, recorrendo àquilo que desejam ser, parecer ou possuir.

Em Portugal, a indústria televisiva tem atualmente quatro canais: o serviço público, RTP (Rádio e Televisão de Portugal), que emite, respetivamente, desde 1957 (RTP1) e 1968 (RTP2). Nos anos de 1990, a privatização do sector contribuiu para o surgimento de novos atores que transformaram a estrutura de mercado. Passou-se, portanto, de um monopólio para um mercado competitivo, conduzido principalmente por estratégias de entretenimento televisivo, com o surgimento dos primeiros canais privados: a SIC (Sociedade Independente de Comunicação), em 1992, e a TVI (Televisão Independente) em 1993.

O entretenimento tem sido essencial na história da televisão portuguesa. As telenovelas foram o gênero televisivo mais popular durante décadas. Nos anos de 1970, estreou em Portugal a telenovela brasileira, introduzindo uma consciência diferente desse género, implementando igualmente novas rotinas de consumo. Nos anos de 1980, Portugal introduziu a produção de telenovelas nacionais, inicialmente com a RTP, seguida da SIC e TVI, já nos anos de 1990.

Embora muitas produções de entretenimento anglo-saxônicas tenham atingido elevados níveis de popularidade em Portugal – por exemplo Mr. Ed (Walter R. Brooks, 1961); The Saint (Leslie Charteris, 1962); Bonanza (David Dortort e Fred Hamilton, 1959); Star-trek (Gene Roddenberry, 1966); Dallas (David

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Jacobs 1978); All in the Family (Norman Lear, 1971); Alf (Paul Fusco e Tom Patchett, 1986); MacGiver (Lee David Zlotoff, 1985) ou os Sopranos (David Chase, 1999) –, foram as produções faladas em português (maioritariamente as telenovelas brasileiras) que maior audiência conseguiram atingir em horário nobre. Pelo contrário, as produções inglesas e norte--americanas ocupavam a programação ao fim do dia, ou aos fins de semana à tarde. No entanto, fazem parte da memória coletiva, contribuindo também para a fragmentação da audiência em torno de diferentes gêneros e propostas de entretenimento.

As séries de televisão tornaram-se cada vez mais importantes à medida que o país evoluía cultural e socialmente num sentido cosmopolita5. Paralelamente, nos anos de 1990, a televisão por cabo introduziu um novo paradigma no consumo de televisão em Portugal. O acesso consolidou-se muito por força da oferta de telecomunicações, com as empresas a oferecerem pacotes que incluíam televisão e acesso à internet (que não podia ser adquirido separadamente). Dessa forma, desestabilizaram o mercado e introduziram uma novidade: uma diversidade de canais temáticos, que forneciam entretenimento, informação e notícias.

De acordo com Cintra Torres (2011), a televisão paga e a sua audiência ilustram a dispersão da atenção da audiência e uma escolha seletiva mais orientada. Em termos de convergência de produção e consumo, a convergência cultural (JENKINS, 2006; DEUZE, 2007) também contribuiu para a mudança no paradigma da televisão.

Em Portugal, ao longo dos anos, a rede de canais por cabo e a oferta de conteúdo evoluiu face à taxa de penetração (acompanhando a taxa de acesso à internet por todo o país) e à audiência6. Os índices mais expressivos de canais por cabo encontram-se nos canais de séries de televisão e filmes, nomeadamente AXN, MOV, AXN WHITE, FOX, FOX Life, FOX Crime, FOX Next, FX e Hollywood. Para além dos referidos, existem outros canais com menos audiência, mas que também estão disponíveis em Portugal, são eles: TV Cine1, TV Cine2, TV Cine37. Todos esses canais, na sua maioria, conectam com as audiências mais jovens, caraterizadas

5 A abertura de Portugal a países estrangeiros desde 1974, assim como a entrada para a CEE (hoje União Europeia) em 1986 contribuíram para o desenvolvimento tecnológico e para a adoção de um novo ambiente de media, em que audiências desempenham um papel fundamental.6 Marktest. (2000), 'Internet aumenta dez vezes em 16 anos'. Disponível em: <http://www.marktest.com/wap/ a/n/id~1a70.aspx>. Acesso em: 25 nov. 2012.7 Santos, R. (2011), ‘Canais por cabo batem recorde’. Disponível em: <http://industrias-culturais.blogspot.pt/2011/05/televisao-por-cabo-e-audiencias.html.>. Acesso em: 26 nov. 2012.

por estarem na vanguarda das transformações dos media. Se a televisão por cabo contribuiu para a segmentação em torno dos canais de televisão e se a indústria televisiva depende dos padrões de consumo para definir o seu alvo publicitário (ou conteúdo), a popularidade desses canais temáticos corresponde a uma experiência de media individualizada: não tendo em conta apenas a fragmentação em torno de diferentes media; mas com habilidade para cada um construir os seus próprios dispositivos de media.

O desejo da integração social é muitas vezes manifestado pela adesão dos indivíduos a práticas culturais das maiorias e dos grupos sociais a que aspiram pertencer. Nesse sentido, o consumo, consciente ou inconscientemente, é distinto e representativo de grupos e subgrupos, podendo ser abordado como um processo por si só cheio de significado. Bell e Hollows (2006) defendem que as estruturas tradicionais sociais que formam a base da identidade têm sido substituídas pelas práticas lifestyle, moldando estilos de vida. Estas são, sem dúvida, distribuídas e promovidas pelos media, especialmente através das séries de televisão, como será exemplo Sex and the City e Gossip Girl.

3 aUdiÊncia E PRODUCT PLACEMENT

Tiwsakul, Hackley e Szmigin (2005) abordam as mudança no paradigma dos media, de acordo com a desregulamentação da indústria e a tecnologia, com um alcance global, para concluírem acerca da fragmentação das audiências, bem como do crescimento do ceticismo em relação aos formatos mais convencionais de publicidade televisiva (especialmente os anúncios em blocos de publicidade).

Contudo, Bell e Hollows (2006) explicam que a audiência dos media é composta por frações, caracterizadas por variáveis socioeconômicas que representam os grupos a que as empresas de media se destinam. Nesse sentido, verifica-se que ainda hoje as marcas usam a televisão para comunicar com os clientes a certas horas do dia, da semana e com segmentos de audiência específicos, através de canais temáticos.

Cordeiro (2012) segue essa linha de pensamento e analisa o conteúdo e os formatos de publicidade na rádio, escrutinando o branded entertainment como forma de sofisticação do product placement. Estudos provam que o placement nas séries de televisão aumentam as vendas (RUSSEL; STERN, 2006); consequentemente, a indústria televisiva, ao estar atenta às mudanças nos media, nas audiências e nos negócios, tenta

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enquadrar as necessidades dos anunciantes (tendo em consideração a fragmentação, sofisticação, saturação e repulsa da audiência), de acordo com os atuais formatos de publicidade, investimento publicitário reduzido, bem como as plataformas digitais que contribuíram para o aparecimento de novas tendências na publicidade (CORDEIRO, 2012).

Também as mudanças no consumo de media, particularmente a forma como se vê televisão, introduziu uma mudança no investimento publicitário nos media (SALADINO, 2008; WILBUR, GOEREE E RIDDER, 2008).

Acresce ainda o fato de a atividade da audiência durante os intervalos comerciais e a forma como essa audiência está a evitar os anúncios estar sob escrutínio, havendo a necessidade de a publicidade utilizar formatos inovadores (ANG, 1991; ZWAGA, 1992; SALADINO, 2008; WILBUR, GOEREE; RIDDER, 2008) para fazer face quer ao ceticismo, quer ao desenvolvimento de instrumentos que permitem à audiência evitar a publicidade.

Como consequência, como Russell, Stern e Stern (2006) sustentaram, o product placement tornou-se ubíquo e parte integrante do marketing mix da maior parte das empresas mundiais.

Anteriormente, já Tiwsakul, Hackley e Szmigin (2005) tinham sumarizado diversas perspetivas para concluir que o product placement é uma promoção num contexto de entretenimento não promocional, sem que a sua intenção seja explícita e onde o sentido da marca, nesse contexto, pode não ser o mesmo sentido se fosse um anúncio comercial. Esse tipo de promoção traz fortes benefícios para a marca e não para o consumidor, que pode não se aperceber do fenômeno que está a observar (TIWSAKUL, HACKLEY; SZMIGIN, 2005).

A investigação do product placement foca diversas problemáticas, nomeadamente atitudes, perceções e comportamentos. Esta pesquisa inclui o estudo dos efeitos das atitudes e perceções das audiências (MORTON E FRIEDMAN, 2002; LAI-MAN; WAI-YEE, 2008), assim como as relações que os espetadores estabelecem com as personagens (RUSSELL, NORMAN; HECKLER, 2004).

No que respeita às atitudes, o product placement afeta a memória dos consumidores (GUPTA; LORD, 1998) e produz diferentes efeitos, reações aos espetadores. No entanto, se alguns autores revelam uma aceitação do product placement no geral (GUPTA; GOULD, 1997; RUSSELL, 2002), outros definem as audiências avaliando negativamente esse fenômeno nas séries de televisão (D’ASTOUS; SÉGUIN, 1999).

Russell, Stern e Stern (2006) examinaram a influência do product placement nas atitudes dos espetadores relativamente aos produtos, revelando a existência de algumas associações entre personagens e produtos.

Através do estudo da relação das personagens com os produtos integrados nas séries e a forma como a relação dos consumidores com as personagens afeta as atitudes relativamente aos produtos, Russell, Stern e Stern (2006) admitem que os consumidores alinham as suas atitudes de acordo com as personagens da história e a relação que estas desenvolvem com os produtos. Apesar de ser caracterizado como sendo uma persuasão subliminal, o product placement integra logos, marcas, sons de marcas ou imagens, produtos e objetos no guião, tornando-o plausível. Tornou-se tão comum que por vezes ajuda a construir e fornecer confiabilidade à narrativa e às personagens. Assim como Hudson e Hudson (2006), consideramos que os produtos não são apenas “promovidos” na cena; estão sim integrados no conteúdo de entretenimento, produzindo fortes ligações emocionais com os consumidores/espectadores, contribuindo, assim, para a mudança de paradigma no que respeita ao investimento publicitário, financiamento dos programas e, em última análise, modelo de negócio do audiovisual.

Karrh (1998) abordou o brand placement, incluindo as marcas como parte do conteúdo de media e o seu efeito nas audiências, através de uma laço que une as personagens pelas suas aspirações e pelas características em comum que as unem.

No entanto, Marshall (2005) questionou essa ligação no que concerne à eficácia desse “placement” das marcas, da sua imagem e na sua preferência. A atualização desse pensamento surge com Stern e Stern (2006), que investigam as atitudes relativas a produtos integrados nas séries.

Se definições anteriores das categorias de product placement faziam sentido, hoje podemos ter de admitir que esse fenômeno está a caminhar da implementação de produtos nas cenas televisivas para novas formas de introdução e integração das marcas na narrativa. Está simultaneamente a colocar marcas nas séries acrescentando-lhes referências em diálogos ou incluindo-as na história; as marcas contam, em alguns casos, a história e salientam a sua identidade.

Atualmente, as marcas necessitam relacionar--se com os consumidores, sendo com base nesse relacionamento que também se constrói a identidade, a personalidade, a herança e o valor das marcas. As personagens nas séries de televisão usam as marcas para

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referenciar a construção da sua própria identidade. Mas a verdadeira sofisticação na publicidade ainda não ocorreu. Segundo Lehu (2009), esta se dá quando se integra à identidade das marcas e sua personalidade no conteúdo mediático, estabelecendo ligações emocionais com os consumidores, simultaneamente, espectadores.

Vargo e Lusch (2004) admitem que, nas últimas décadas, novas perspetivas emergiram. Nesse sentido, as estratégias de marketing focam as características intangíveis, que criam, em conjunto, valores e estabelecem relações.

Ainda que o branding emocional tenha atingido o seu mérito com Gobé (2001), essa é também uma perspetiva consolidada no início dos anos de 1990 para desafiar a gestão tradicional de marcas e as estratégias baseadas nas características funcionais dos produtos (THOMPSON; RINDFLEISCH, 2006). O emotional branding é definido como as histórias que envolvem os consumidores. Estes são categorizados de acordo com os seus estilos de vida e entendidos como parte desses estilos de vida, sonhos e objetivos. Hoje as marcas interferem no conteúdo dos media: nas indústrias de entretenimento, as marcas e o conteúdo unem-se nos mais variados formatos de conteúdo, num processo que inclui, também, os consumidores.

A ideia para os marketeers é simples: as pessoas veem algo na televisão que gera um desejo específico – porque, por exemplo, a personagem principal usa uma roupa bonita ou apenas porque fala de algo ainda desconhecido para o consumidor. Tal vai estimular o desejo de consumo, ou pelo menos, criar a aspiração de “possuir”.

4 MEtodoloGia

Este estudo exploratório utiliza uma metodologia mista, que combina um questionário on-line com um focus group. Inspirado no estudo empírico da série Dallas (KATZ; LIEBES, 1986, 1990), decidimos incluir uma discussão entre os membros do focus group antes e depois da visualização de alguns episódios das séries Sex and the City e Gossip Girl, previamente selecionados, de forma a encontrar semelhanças nos resultados, neste caso, focando os temas que estruturam as séries (moda e estilo, consumo, cosmopolitismo e romance). O objetivo seria avaliar a contribuição desses temas para a popularidade da série e confirmar descobertas anteriores (KATZ; LIEBES, 1986, 1990; MORLEY, 1980, 1981; ANG, 1990; SILJ, 1988), que demonstram a relação entre estilos de vida, experiências sociais e

interpretações dos episódios das séries. Para além disso, focamo-nos também nas personagens principais de cada uma das séries e nas marcas, seguindo o pensamento de Russel (1998), no que respeita à relação que as audiências estabelecem com as personagens e as marcas em termos de familiaridade e identificação.

A publicação de um estudo recente que traçava o perfil psicológico dos espetadores das séries mais populares em Portugal foi o ponto de partida para o desenvolvimento da nossa pesquisa baseada nas séries de televisão (ver nota número 5).

Dessa forma, decidimos copiar o link deste estudo no grupo de Facebook CC@ISCSP8, o que gerou uma forte conversação entre os membros que questionaram as conclusões do estudo. Em seguida, decidimos questionar os membros acerca das suas séries favoritas, permitindo que todos adicionassem opções.

A ideia inicial era simplesmente refutar a publicação, uma vez que concluíam, por exemplo, “se adora ver a série Game of Thrones, pode ser um potencial psicopata” ou “se é fã de Grey’s Anatomy, é provável que goste de andar todo o dia de pijama”9.

Esse primeiro “questionário” gerou 1.073 votos. Desse modo, consideramos que seria uma oportunidade de desenvolver uma análise baseada em séries de televisão.

A partir dessa primeira votação, selecionamos as séries relacionadas com moda que obtiveram mais votos para iniciar uma nova contagem, desta vez, de forma a determinar quais as séries de moda mais vistas por esse grupo. Sex and the City e Gossip Girl alcançaram 136 votos, sendo então as mais votadas.

A partir desses resultados, procuramos adaptar o método de amostragem para conduzir a pesquisa, usando o grupo de alunos e licenciados como amostra para o nosso estudo. A pesquisa baseou-se, então, em dois objetivos específicos: determinar se as séries Sex and the City e Gossip Girl seriam determinantes nas escolhas de moda; determinar os efeitos do product placement nos hábitos de compra e comportamentos de consumo naqueles com rendimentos baixos ou até mesmo sem rendimentos.

Uma vez que o nosso universo é composto por estudantes de comunicação, acreditamos que, a

8 CC@ISCSP é um grupo fechado do Facebook composto por 429 estudantes da licenciatura de Ciências da Comunicação do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. O grupo foi criado em 2009 e inclui estudantes, bem como os alunos licenciados desde a sua criação até hoje. 9 Sábado. (2012). O que série de que gosta diz sobre si. Disponível em: <http://www.sabado.pt//Multimedia /FOTOS/-span--b-Sociedade-b---span--(1)/a.aspx?id=531072.>. Acesso em: 26 nov. 2012.

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priori, são mais atentos ao fenômeno que estamos a estudar: product placement nas séries de televisão e a forma como este afeta as atitudes dos espetadores, apresentando, por isso, uma perspectiva crítica em relação ao fenômeno e uma capacidade de diferenciação das cenas nos vários episódios de cada uma das séries.

Inicialmente quisemos entender os hábitos de consumo das séries, as motivações para as seguirem, a relação entre os espetadores relativamente à personagem favorita, à recordação das marcas, à perceção das marcas e à influência nos hábitos e comportamentos de compra.

Desenvolvemos uma pesquisa qualitativa através do questionário on-line, formado, maioritariamente, por questões abertas, seguido do focus group, ambos compostos pelos alunos de comunicação no ISCSP que haviam selecionado as séries Sex and the City e Gossip Girl como preferidas. Usamos um método de amostragem intencional, pedindo aos estudantes que responderam ao questionário que participassem no focus group. O método de amostragem traz algumas limitações no que concerne à representação do universo. No entanto, não é esse o objetivo do nosso estudo. Preferimos uma análise em profundidade, que nos permite falar não de “espectadores”, mas, sim, em “consumidores”. Finalmente, cruzamos os dados obtidos com a análise de conteúdo de dois episódios das várias temporadas de cada uma das séries, cujos resultados serviram para orientar a criação do questionário, a condução do focus group, o confronto de respostas e a redacção de conclusões, assumindo- -se como um método complementar nesta investigação.

No questionário, obtivemos 46 respostas em três dias de acesso on-line; todas consideradas válidas e submetidas a uma análise estatística. Uma vez completado o questionário, o sistema não permitia um segundo acesso a ele, o que evitou a duplicação de respostas.

A amostra do questionário era composta por 91% de mulheres e 9% de homens entre os 18 e 24 anos de idade. Na sua maioria, são solteiros (55,5%) ou estão numa relação (44,2%); 65,1% não têm rendimento mensal; 16,3% têm rendimento mensal entre 100 e 250 euros e, finalmente, 9,3% entre 501 e 750 euros por mês.

Embora conhecêssemos os inquiridos, o questionário foi totalmente anônimo, uma vez que não é possível associar as respostas ao perfil no Facebook. O inquérito esteve on-line entre os dias 4 e 11 de novembro de 2012 e a participação era voluntária, assim como a participação no focus group.

Para a realização do focus group, uma vez mais, enviamos uma mensagem através do Facebook convidando os alunos que responderam ao questionário a integrar voluntariamente o focus group.

Embora a faculdade esteja localizada em Lisboa, fizemos questão de integrar alunos que cresceram em diferentes regiões do país, com idades e gêneros diferentes. Portanto, temos uma amostra de fãs de Sex and the City e Gossip Girl que vivem, à data do estudo, em Lisboa, mas que provêm de diferentes regiões de Portugal.

Decidimos desenvolver um focus group de forma a destacar e validar algumas das nossas hipóteses, usando as séries Sex and the City e Gossip Girl como exemplos para entender a influência do product placement nas decisões de compra.

O focus group gerou uma intensa discussão entre os membros do grupo em torno de questões como estilos de vida; moda; idealização versus realidade; avaliação social; personagens; ficção e realidade, expondo ideias, opiniões e sentimentos relativamente aos tópicos.

Iniciamos a conversa em torno de temas simples, perguntando “Por que motivo gosta de Sex and the City e/ou Gossip Girl?”, o que nos levou a uma discussão relativa às emoções em torno das séries. Os participantes são oito estudantes, homens e mulheres,

Nome Idade Sexo Região

IS 19 Feminino Santarém

MC 19 Feminino Lisboa

NA 20 Feminino Sintra

EG 20 Masculino Faro

BD 22 Feminino Oeiras

MI 22 Feminino Viana do Castelo

Quadro 1 - Participantes da pesquisaFonte: Elaborado pelos autores

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que vivem em Lisboa, com idades entre os 19 e 22 anos, tal como a seguinte tabela sumariza.10

5 rEsUltados

Os resultados do questionário mostram que, de um total de 46 respostas, 67% dos inquiridos seguem a série Sex and the City, enquanto 33% não o fazem. Quando questionados de que forma seguem a série, 37% costumavam ver na televisão, 17% através do computador ou outra plataforma digital (descargas ilegais); 14% viram na televisão, usando uma box de gravação, e 10% através do computador, nomeadamente através da partilha de ficheiros com os amigos. Os outros 7% responderam ver a série em DVD ou on-line, em streaming.

Relativamente ao principal incentivo para assistir à série Sex and the City, alguns responderam “porque é divertido”, outros “bom entretenimento”. Razões como as personagens, os diálogos sem tabus, a influência dos amigos, a moda, Nova Iorque e a identificação a certos tópicos foram também mencionadas, assim como a influência dos filmes, para dar início ao acompanhamento da série.

Quando questionados se se recordam de alguma marca ou produto apresentados, 87% responderam “sim” e 13%, “não”. Quando questionados sobre quais as marcas que se recordam, as respostas mais comuns são aquelas que surgem na série, representadas no seguinte gráfico:

.Gráfico 1 - No caso de lembrar-se de alguma marca na série

Sex and the City, por favor, indique qual(is)Fonte: Elaborado pelos autores

10 O focus group foi gravado e transcrito para um documento Word, de forma a retroceder na gravação sempre que necessário, desenvolvendo uma análise em profundida (todos os participantes acordaram em permitir a gravação das suas declarações, protegendo a sua privacidade).

Posteriormente, pedimos também para indicarem as suas atitudes relativamente às marcas incluídas na série Sex and the City. A maioria (67,5%) respondeu que passou a conhecer melhor a marca e 28% admitiram que começaram a gostar mais das marcas. Apenas 7% pensavam comprar os mesmos produtos e apenas 5% compraram efetivamente.

Relativamente à caracterização das personagens, a maioria (28%) relaciona Carrie Bradshaw com a Vogue, ao responder que é nessa revista que ela escreve a sua coluna regulamente; 13% responderam “The New York Star” (a resposta correta é esta última publicação, apesar de Carrie Bradshaw escrever posteriormente para a Vogue).

Quando questionados “Sabe qual é a revista que Carrie Bradshaw costuma ler?”, 45% responderam “Vogue”. Perguntamos igualmente qual a marca do computador de Carrie Bradshaw: 45% responderam “Apple”.

Quando questionados “Sabe o nome da marca de sapatos que Carrie Bradshaw mais usa?”, as respostas foram: “Manolo” (50%), “Louboutin” (29%) e “Jimmy Choo” (18%). No que respeita à marca do telemóvel da personagem principal Carrie Bradshaw, a maioria (65%) respondeu “Não sei”. Apenas 5,8% responderam “Motorola” e 3% “Blackberry” (Blackberry não surge na série, sendo, contudo, intensamente filmada em Gossip Girl).

Para descrever Carrie Bradshaw, 33% usaram a expressão “Cosmopolita”; 28%, “fashion”, enquanto 10% “Glamour” e “sapatos”. De forma a avaliar a influência da série relativamente a hábitos de compra e comportamento de consumo, questionamos se alguma vez usaram ou compraram roupas e/ou acessórios inspirados na série: 89% responderam “Não”. No entanto, identificamos algumas respostas que confirmam a existência de influência, nomeadamente na compra de sapatos e de uma saia de tule (semelhante àquela usada por Carrie Bradshaw no genérico da série).

De um outro ponto de vista, relativamente à influência nas decisões de compra, 51% disseram que não tem muita influência, enquanto 40,5% admitiram não ter importância e, para 8%, é muito importante. Verificamos também que os tópicos relacionados com moda mais referidos e importantes são “guarda-roupa” e “acessórios”; o menos importante “maquilhagem”.

Por fim, tentamos determinar o nível de identificação da audiência jovem relativamente às personagens e à narrativa da história. Verificamos que 68% dos inquiridos “gostariam de ter um roupeiro tão variado como o da Carrie”; mas também que “as personagens demonstram uma imagem do mundo que

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não coincide com a minha” (48%), ainda que “gostariam de comprar a maioria dos produtos que as personagens usam” (45,5%).

No que concerne à série Gossip Girl, 61% dos inquiridos seguem a série. Quando questionados acerca dos hábitos de visualização da série, 32% viram através do computador ou outra plataforma digital (downloads ilegais); 24% viram em streaming e 20% através da televisão. Relativamente às motivações para o acompanhamento da série, as personagens e o argumento são as principais razões, seguidas de moda, roupas, glamour, sofisticação e ainda Nova Iorque. No caso do product placement, 52% não se recordam de nenhuma marca ou produto; aqueles que se recordam indicam as seguintes marcas:

Gráfico 2 - No caso de lembrar-se de alguma marca na série Gossip Girl, por favor, indique qual(is)

Fonte: Elaborado pelos autores

Posteriormente, pedimos para os inquiridos referirem atitude relativamente às marcas depois de surgirem na série Gossip Girl, a maioria (61,5%) respondeu que passou a conhecer melhor a marca e 46% começaram a gostar mais da marca.

Relativamente ao product placement nesta série, não recebemos respostas apropriadas. No entanto, no que respeita à personagem principal, Blair Waldorf, e à marca do seu telemóvel, 29% responderam “Blackberry”, marcas como LG ou Apple também foram mencionadas uma vez e com 3,5% dos inquiridos a responder não conhecer a marca do telemóvel. Foi feita também uma questão relativa à marca do anel de noivado que a personagem Chuck deu a Blair, mas nenhum inquirido soube indicar a marca (nomeadamente, Harry Winston); 15% responderam “macarons” para o bolo favorito de Blair Waldorf; também 15% para “Tiffany´s” como sendo o tema da festa de noivado (bridal’s shower) de Blair Waldorf

e 10% reconheceram a marca de malas preferida da personagem Lily van der Woodsen (Hermès).

No que respeita à caracterização das personagens principais, tal como indicado anteriormente, “sofisticação” reuniu consenso para descrever Blair Waldorf, com 33%, “romance”, com 12,5%, mas também “glamour”, “futilidade” e “extravagância”. Uma vez mais, “glamour” (24%) é a palavra escolhida para descrever a personagem Serena van der Woodsen, seguida de 16% para “romance” e 12% para “extravagância”.

Para avaliar a influência da série nas decisões de compra e comportamentos de consumo, quando questionados se alguma vez compraram alguma roupa ou acessório inspirado nesta série, a maioria dos inquiridos (60%) respondeu “Não”. E para aqueles cuja resposta foi “sim”, referiram como exemplos de compra vestidos, guarda-chuva, chapéus, saias, malas de mão e sapatos.

Relativamente ao nível de influência que a série tem nas decisões de compra, 60% disseram não ser importante e apenas 8% afirmaram ser muito importante. Verificamos também que os tópicos de moda mais importantes para os nossos inquiridos são: tendências, guarda-roupa e acessórios.

Por fim, tentamos determinar o nível de identificação da audiência jovem relativamente às personagens e à narrativa da história. Verificamos que 71% dos inquiridos “gostariam de comprar a maioria dos produtos que as personagens usam”; seguidos de “Gostaria de ter um guarda-roupa igual ao da Blair ou da Serena”, também com 71% das respostas; mas também que “as personagens demonstram uma imagem do mundo que não coincide com a minha” (58%).

Por sua vez, o focus group conduziu-nos a conclusões interessantes que confirmam alguns dos resultados verificados no questionário.

O focus group decorreu depois da exibição (selecção aleatória) dos episódios 1 da temporada 2, episódio 11 da temporada 4 de Sex and the City e dos episódios 2 da temporada 4, episódio 10 da temporada 5 de Gossip Girl 11.

Relativamente a hábitos sociais, rotinas diárias, temas e valores, os participantes do focus group reconheceram que a série Sex and the City aborda a realidade e conduz a uma avaliação social,

11 As escolhas dos episódios e as respectivas temporadas resultaram de uma escolha aleatória e da análise do product placement de cada episódio.

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abordando temas como o aborto, a infertilidade e a homossexualidade:

Embora tenha temas censurados, é aberta a tópicos delicados, quando, por exemplo, a Carrie deixa de fumar ou o aborto da Charlotte. (EG)

Se a Charlotte critica as atitudes da Samanta, os dois lados são expostos e, por isso, criticados. É semelhante a uma meditação sobre valores sociais. (IS) Quando a Charlotte telefona ao médico para falar sobre o seu problema de fertilidade (e não do seu marido). (EG) Os tópicos sérios da sociedade são debatidos na série de forma aberta e open-minded. (MI)A HBO é muito boa; são honestos e estão abertos ao discurso. (EG)

Relativamente a personagens, para além da identificação, os participantes demonstram um claro entendimento no que respeita às personagens e ao seu papel na narrativa:

São todas mulheres independentes. (AN)A mala birkin da Samantha: a sua aquisição fá-la sentir-se importante. É quem ela é. (BD)Quando terminei de ver a série pensei ‘Quando for grande quero ser como elas’…e agora percebo a importância de um bom par de sapatos. (MC)Segui a série pela narrativa e não pelas marcas. (AN) A Carrie é caracterizada pelo seu espírito livre, sem medos. (MI)

Relativamente às marcas, estas parecem fazer parte da narrativa, ajudando os espetadores a perceber as personagens:

As marcas aparecem de forma não ostensiva, são subtis e surgem de forma natural; não são forçadas [...] As personagens usam as marcas porque faz sentido. (BD)Há uma clara evolução. A Carrie tinha um estilo ‘trashy’ que evoluiu para a sofisticação [...] também as casas das personagens refletem os traços das suas personalidades. (MI)Algumas marcas tornaram-se símbolos e parte da série, por exemplo Dolce & Gabanna. (MC) O roupeiro da Carrie reflete quem ela é. É lá que tudo acontece. (EG).

No entanto, todos reconhecem a insuficiência de realidade na narrativa, especialmente no que respeita aos seus estilos de vida e às marcas que usam. Porém, estão atentos ao design das roupas, com a combinação de roupas baratas como marcas de luxo. Sabem, contudo, que se trata de uma série de televisão:

Ela é simplesmente assim. Vive no limite do seu cartão de crédito. (MI, acerca de Carrie Bradshaw) Sex and the City foi um marco na história da televisão. Acredito que este tipo de história e narrativa irá reaparecer. É muito forte. (MI)Há uma clara evolução da temporada 1 até à 6. No filme, são apenas clichés delas próprias. (EG)

Relativamente a hábitos sociais, rotinas diárias, temas e valores da série Gossip Girl, os participantes reconhecem que a abordagem à realidade e à avaliação é diferente:

Demonstra uma forma de vida que muitos poucos têm, mas que desejam ter. (IS)É um mundo à parte daquele em que nós vivemos, diferente da nossa realidade. (EG)Mas não é só sobre luxo. A série também representa alguns problemas dos jovens adultos. (MC) Transmite uma perspetiva idealizada dos lugares e das coisas. (BD)Gossip Girl transmite a ideia de uma vida ideal. Tem tudo aquilo que queremos para o futuro: somos umas rainhas e temos uma série de amigos. Sex and the City é mais realista. (MC)

Relativamente a personagens, para além da identificação, os participantes demonstram um claro entendimento no que respeita às personagens e ao seu papel na narrativa:

As personagens são inteligentes embora ricas e fúteis. Têm uma educação tradicional, em boas escolas. (AN)Para mim, a ideia da Gossip Girl é ‘Sou rica e importante, por isso posso fazer o que me apetecer’. (EG and BD)Acho triste. O dinheiro não tem valor aqui. Não quero ser como elas. (MI)

Relativamente às marcas, estas parecem fazer parte da narrativa, mas com algumas diferenças, quando comparadas com Sex and the City:

Gossip Girl exibe apenas produtos de luxo. (EG)Penso que o product placement é muito intenso e exaustivo. (MI)

Relembram marcas que surgem em ambas as séries e reconhecem alguma influência nas suas escolhas de roupas. Em Gossip Girl, indicam: “Vogue” (IS); “Chanel e Prada” (EG); “Tally Weij, o que, neste caso particular, é estranho, uma vez que é barato e nada chique. Eles tentaram colocar marcas de luxo e as outras marcas lado a lado” (EG); e os “óculos Rayban” (AN); “Manolo, Malboro” (AN) em Sex and the City.

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Relativamente às personagens, admitem ainda “Os vestidos da Serena fazem-me querer comprar modelos semelhantes. É inspirador.” (IS) e “Os looks da Carrie não são sempre sofisticados” (AN).

6 PRODUCT PLACEMENT, BRANDING E sÉriEs dE tElEVisÃo: discUssÃo E conclUsÃo

O mote para o estudo são as séries de moda ou, pelo menos, aquelas nas quais a moda e as tendências de moda e lifestyle assumem um papel determinante no tema do enredo, ou com histórias cuja definição gira em torno do mundo da beleza, moda, estilo e tendências. Em ambas as séries, o cenário é a cidade de Nova Iorque, conhecida como uma das mais vibrantes do mundo. Sex and the City e Gossip Girl são exemplos de séries de televisão que criam um contexto de sonho e produzem reações emocionais positivas na audiência.

As principais conclusões do estudo são claras: a série Sex and the City é vista como entretenimento credível, com personagens e diálogos que desafiam tabus sociais. A narrativa e as personagens parecem ser as principais motivações para as pessoas seguirem a série Sex and the City. De acordo com as nossas respostas, as marcas de moda são as que revelam maior recordação, sendo as marcas de sapatos aquelas de que os inquiridos mais se recordam. Moda e cosmopolitismo são as grandes referências para os espectadores de Sex and the City.

Ainda que as personagens transmitam uma ideia do irreal do mundo, a série não tem muita influência nas decisões de compras de roupas e acessórios de moda.

No entanto, acreditamos que, em longo prazo, Sex and the City poderá ter influência nas referências dos espetadores relativamente às marcas, especialmente as relacionadas com moda.

Desse modo, acreditamos que o product placement em ambas as séries tem de ser analisado através de uma perspetiva de marketing aspiracional, despertando emoções para futuras compras; mantendo as marcas em referência; posicionando as marcas como luxo ou premium; e estabelecendo uma relação emocional com elas. Assim como pode fazer com que as pessoas se identifiquem com a marca, através da preferência por certas personagens da história. As marcas, neste caso, assumem-se como representantes de um determinado estilo de vida e estatuto social. São muitas vezes marcas de luxo, que procuram fidelizar os consumidores com

histórias sobre a marca, envolvendo-as em histórias com as quais estes se identificam, sem expor as características do produto ou serviço. E, mesmo que o consumidor não tenha um conhecimento aprofundado da marca, já se apaixonou, sabe o que ela representa e estará disponível para a compra quando tal lhe for possível.

Essas ideias, combinadas com o fato de a maioria da nossa amostra não possuir rendimentos mensais, a maioria dos inquiridos gostar de comprar grande parte dos objetos que as personagens usam, ou, pelo menos, ter um roupeiro tão variado como o da personagem Carrie Bradshaw, levam-nos a pensar nos objetivos de introduzir produtos e marcas em Sex and the City. As marcas aparecem nos episódios, mas não de forma ostensiva. As marcas surgem na vida das personagens, dando credibilidade à narrativa.

Uma vez que a história da série Sex and the City gira em torno da evolução da vida das personagens, as próprias marcas evoluem com a história, em termos de sofisticação, representando triunfos ou sucessos profissionais e pessoais de cada personagem, consoante as suas metas.

Para além disso, os membros da audiência podem ser apresentados como sendo uma audiência aspiracional. As marcas em Sex and the City são marcas premium e de luxo que fomentam o sonho e levam a audiência a pensar no que gostariam de ser, e não naquilo que são na realidade.

Sex and the City e Gossip Girl criam sonhos e promovem emoções positivas à audiência que os acompanha.

Esse marketing aspiracional oferece à audiência a continuidade da moda e das tendências ideais que desejam. É uma espécie de modelo da vida real através da ficção. Falamos, portanto, de fantasias a que aspiram, bem como de conselhos. E, ainda que as marcas não sejam compradas, criam uma aura requintada e posicionam-se num mercado exclusivo, promovendo o seu status e assegurando futuras compras.

Tal como referido anteriormente, as estratégias de marketing procuram frequentemente a lealdade dos clientes, através de histórias sobre as marcas, em detrimento da exposição das características dos produtos. Consequentemente, os espectadores têm um melhor conhecimento da marca e apaixonam-se por ela, ainda que não a comprem.

De acordo com os nossos resultados, ao combinar o questionário com o focus group, podemos afirmar que a série Sex and the City é mais realista do que Gossip Girl. É do conhecimento comum que os temas

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e os valores expressados em Sex and the City são mais propícios a influenciar as pessoas, uma vez que em Gossip Girl é transmitida uma ideia do mundo inacessível para muitos de nós.

Os espectadores estabelecem uma forte relação com as suas séries preferidas, desprezando Gossip Girl, baseados no facto de Sex and the City ser mais bem escrita e na qual todos os pormenores são planeados. Também estabelecem fortes relações com as personagens, defendendo-as.

O product placement é reconhecido, mas não importante. Verificamos que, em Gossip Girl, é mais agressivo, com as marcas introduzindo-se nas cenas sem serem parte da história, ou da vida das personagens, criando uma espécie de portfólio de produtos de luxo. Na série Sex and the City, as marcas fazem parte da narrativa, parte das personagens e completam a ideia exposta. Nesta série, ajudam a construir a narrativa e fazem parte dela, representando características específicas da vida de cada personagem, da cidade e dos seus estilos de vida, pelo que concluímos que o product placement das marcas, para ter eficácia, deverá contribuir para a narrativa e credibilizar a história.

Para concluir, as marcas tornaram-se tão comuns que transmitem confiabilidade às séries de televisão, adotando o branded content concebido como uma evolução do product placement.

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Recebido em: 29 de julhoAceito em: 18 de setembro

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BIG DATA E o consUMo dE notícias nas rEdEs sociais

BiG data and tHe consUMPtion oF neWs in social netWorKs

Paulo Pinheiro Gomes Jr. 1

RESUMO: Em um mundo cada vez mais conectado, as pessoas compartilham os seus dados publicamente na Web e, de forma geralmente consentida, costumam abrir mão de parte da sua privacidade. Surge, dessa forma, uma nuvem de dados on-line repleta de vestígios digitais que podem ser rastreados, medidos, quantificados, analisados e mensurados. A organização e a armazenagem de toda essa informação não estruturada em um formato capaz de ser aproveitado em termos jornalísticos pode apontar um novo caminho para o consumo de notícias. Palavras-chave: Big Data. Redes Sociais. Webjornalismo. Métricas. Gestão da Informação.

ABSTRACT: In a world increasingly connected, people share their data publicly on the web, and in a way generally consented, usually giving up some of their privacy. Arises, in this way, an online data cloud full of digital traces that can be traced, measured, quantified, analyzed and valued. The organization and storage of all this unstructured information in a format that can be used in journalistic terms can point a new way for the consumption of news.Keywords: Big Data. Newsmaking. Webjournalism. Metrics. Information management.

1 Paulo Pinheiro é Mestre em Ciências da Comunicação pela PUCRS, jornalista e professor da ESPM-Sul. Foi editor do Portal Terra e do Portal clicRBS. Atualmente é o coordenador do Portal de Jornalismo da ESPM-Sul. Trata-se de artigo inédito. E-mail: [email protected].

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1 rEdEs sociais E consUMo dE notícias

Atualmente vive-se um tempo no qual as redes sociais e os dispositivos móveis avançam e conquistam mais espaço, tornando-se parte importante da sociedade (RECUERO, 2008). O correto uso de ambos pode contribuir para o aperfeiçoamento da difusão de informações (CHRISTOFOLETTI & LAUX, 2008; ZAGO, 2008). A evolução tecnológica provocou um crescimento capaz de provocar uma constante digitalização dos processos de difusão das informações. Os ambientes virtuais foram inundados com uso de aplicações para dispositivos móveis. Mais importante ainda: a realização de conteúdos audiovisuais digitais nessas plataformas começa a ser tornar uma realidade.

Esse talvez seja, no entendimento de Cruz (2002), um fenômeno da globalização, a qual ocorreu de tal forma, que é possível conceber a forma de funcionamento dos media como um grande sistema mundial, por meio do qual fluem quantidades ilimitadas de informações, notícias, propaganda política, publicidade, cinema, jornais, revistas, programas de rádio e televisão, através de diversos suportes tecnológicos.

Nesse sentido, a palavra global ganha um sentido nunca visto antes. Já em 1964, McLuhan foi um visionário ao cunhar o conceito de “aldeia global”, simbolizando o efeito global do aumento da velocidade e do alcance das tecnologias da comunicação.

A experiência humana desta forma torna- -se global e o global torna-se intimamente conhecido. Assim apresentava o novo mundo da aldeia global no qual a circularidade eléctrica acabou por derrubar o regime do tempo e espaço (CASCAIS, 2001, p. 23).

Porém, no nível da comunicação e informação, observa-se, simultaneamente, uma revalorização do local, fazendo com que as informações globais disputem a atenção com as locais. Metaforicamente pode-se afirmar que da “aldeia global” de McLuhan emerge a “nossa aldeia” (CAMPONEZ, 2002).

Essa busca de informações locais numa sociedade globalizada talvez seja uma boa demonstração de que mesmo o encurtamento das distâncias é incapaz de apagar por completo os laços que ligam o indivíduo a determinados territórios (sejam eles físicos ou simbólicos). A “aldeia global” e a tentativa de uniformizar padrões – nesse caso, um dos exemplos mais sintomáticos seria o imperialismo cultural dos Estados Unidos da América – gerou uma ação em

sentido contrário como o surgimento de uma defesa das culturas nacionais, as quais erguem as suas identidades com orgulho e não cedem à proclamada fatalidade de imperialização cultural.

Pelo contrário, historicamente, as informações locais sempre tiveram importância e são várias as pequenas comunidades que têm os seus títulos de imprensa e rádios, em que se dão a conhecer as notícias locais, as estórias da sua comunidade, num trabalho que, muitas vezes, é fruto da colaboração com essa mesma comunidade. Os meios de comunicação de âmbito local (tal como os media em geral) funcionam como uma espécie de próteses/extensões identitárias, tal como referiu McLuhan.

Tal situação provocou uma mudança de comportamento nos consumidores de notícias. É, de fato, pouco provável acreditar que a maneira como as pessoas se informam permaneça igual, sem alterações significativas, por tanto tempo. Eles, portanto, se tornaram mais conscientes e desconfiados de uma mídia que não oferece espaço para que possam expor suas opiniões e pensamentos.

[...] os cidadãos vêem assim reforçada a possibilidade de uma participação mais activa em processos de deliberação, num quadro de interacção que é agora muito diferente daquele proporcionado pelas tecnologias da comunicação mais convencionais (rádio e televisão, ou mesmo a imprensa), cujas características evidenciam fortes condicionalismos de unidireccionalidade (ESTEVES, 2007, p. 220).

De acordo com Recuero (2009), as redes sociais foram capazes de ampliar as possibilidades de conexões, porém também conseguiram aumentar a capacidade de difusão de informações.

No espaço offline, uma notícia ou informação só se propaga na rede através das conversas entre as pessoas. Nas redes sociais online, essas informações são muito mais amplificadas, reverberadas, discutidas e repassadas (RECUERO, 2009, p. 25-26).

Vale notar que, em um primeiro momento, tamanha quantidade de informação circulando poderia ser considera prejudicial para o jornalismo. Afinal, ficaria difícil separar a informação verdadeira no meio de uma avalanche de informações desencontradas. Mas Kovach e Rosenstiel (2003) discordam dessa visão:

À medida que os cidadãos encontram um fluxo cada vez maior de dados, eles

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têm mais necessidade – não menos – de fontes reconhecidas dedicadas a verificar aquela informação, salientando o que é importante saber e filtrando o que não é. O papel da impressa nesta nova era torna-se trabalhar para responder a questão ‘onde está o bom material?’. A verificação e a síntese tornam-se a espinha dorsal do novo papel do gatekeeper do jornalismo, o de fazedor de sentido (sensemaker) (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003, p. 64).

Percebe-se que a questão do newsmaking permanece atual, mesmo em um tempo no qual as redes sociais funcionam como ferramentas de informação. O newsmaking, como se sabe, busca revelar o que está por trás da escolha de um fato como notícia. O que leva um acontecimento a possuir o carimbo, a classificação de jornalístico? O que o torna tão relevante, tão especial? Como ocorre o deslocamento de algo cotidiano para o status de notícia?

A hipótese comunicacional do Newsmaking é um estudo mais ligado à teoria do jornalismo (HOHLFELDT, 2001), mas, por tradição, está relacionado a uma perspectiva da Comunicação. Durante um período, aproximadamente 50 anos, várias teorias ligadas aos processos de comunicação foram criadas (WOLF, 2003). Da teoria hipodérmica aos cultural studies, muito foi realizado nessa área de pesquisa.

Porém, a partir dos anos 60, nos Estados Unidos, surge o que se costuma chamar de communication research, que buscava compreender de maneira mais ampla o processo comunicacional por meio do cruzamento de informações provenientes das diversas teorias existentes. Basicamente, eram estudos que buscavam perceber o impacto social dos meios de comunicação de massa.

Portanto, no seu conjunto, asteorias dos mass media, ligadas à abordagem sociológica empírica, defendem que a eficácia da comunicação de massa está largamente associada e depende de processos de comunicação não provenientes dos mass media e que existem no interior da estrutura social em que o indivíduo vive (WOLF, 2003, p. 50).

Os estudos de newsmaking começaram através do conceito de gatekeeper. A primeira menção à ideia ocorre em um estudo elaborado, em 1947, por Kurt Lewin. Ele concebeu um estudo sobre as dinâmicas interativas nos grupos sociais. O pesquisador analisou problemas ligados à mudança de hábitos alimentares.

Lewin, que era psicólogo, identificou canais nos quais fluíam certa sequência de comportamentos relativos a determinado campo. Tal atitude provocava

a criação de uma cancela ou porteira. Além disso, essa cancela também poderia ser encontrada na sequência de informações por meio de canais de comunicação por parte de um grupo. Ele investigava sobre as decisões domésticas relativas à aquisição de alimentos para a casa.

Mais tarde, em 1950, David Manning White ampliou o conceito criado por Lewin trazendo a ideia para o jornalismo.

[...] o fluxo de notícias tem de passar por vários gates, isto é, portões, que não são mais do que áreas de decisão em relação às quais o gatekeeper, o jornalista, tem de decidir se vai escolher essa notícia ou não. Se a decisão for positiva a notícia acaba de passar pelo portão; se não for, sua progressão é impedida, o que na prática significa a sua morte, porque significa que a notícia não será publicada (TRAQUINA, 1993, p. 69).

O estudo de White foi feito com base nas informações de Mr. Gates. Este era um jornalista de meia-idade de um periódico dos Estados Unidos. Gates anotou durante uma semana os motivos que o levaram a recusar determinadas matérias em detrimento de outras.

De posse das informações de Mr. Gates, a pesquisa de White revelou que, das 1.333 explicações de recusa de uma notícia, quase 800 foram devidas à falta de espaço, aproximadamente 300 citavam a sobreposição com matérias já previamente selecionadas, a falta de interesse jornalístico ou de qualidade de escrita. Outros 76 eventos foram considerados por demais distantes do público leitor do jornal, por isso, sem relevância.

As decisões do gatekeeper são realizadas menos em uma base de avaliação individual de noticiabilidade do que em relação a um conjunto de valores que incluem critérios tanto profissionais quanto organizacionais, como a eficiência, a produção de notícias, a velocidade (ROBINSON, 1981, p. 97).

A conclusão de White mostrou que o processo de seleção de notícias era subjetivo e arbitrário. Além disso, a teoria do gatekeeper analisa as notícias levando em conta somente quem as produz, ou seja, o jornalista. É, nesse sentido, uma teoria restritiva.

Atualmente, para Bruns (2003), existe um “Gatewatching” nas redes sociais. Canavilhas (2010) complementa e salienta que o “gatewacher emerge assim como um elemento central num ecossistema mediático onde a fragmentação motivada pela multiplicação de fontes e o excesso de informação obrigam os media a disputarem a atenção dos leitores”.

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Tal afirmativa pode ser comprovada por meio de um estudo da Retrevo2 (2010), que confirma que 42% dos norte-americanos começam o dia consultando o Facebook ou o Twitter em busca de informações. Outros 16% garantem que é por meio dessas redes sociais que procuram saber sobre as notícias matutinas.

Um relatório do Pew Research Center’s3 (2010) aponta para resultados semelhantes: cerca de metade dos americanos opta pela leitura das notícias nas redes sociais. O motivo? Eles confiam na seleção noticiosa que os seus amigos fazem. O estudo mostra ainda que 75% dos consumidores de notícias on-line recebem links para essas notícias via e-mail ou redes sociais e 52% partilham igualmente notícias por essas plataformas. Mais ainda, a pesquisa destaca que 51% dos usuários de redes sociais, como, por exemplo, o Facebook, garantem que todos os dias leem notícias disponibilizadas por algum dos seus amigos. Além disso, cerca de 23% seguem notícias disponibilizadas nessas redes por empresas de mídia tradicionais ou jornalistas.

Brambilla (2005) destacou que existem três vertentes de como as redes sociais podem ser incorporadas no dia a dia de quem trabalha com a notícia: na apuração (busca por fontes, personagens, pautas, testemunhos, opiniões); na veiculação (linguagem adequada aos medias sociais, grupos e momentos certos para divulgação de determinadas notícias); e no feedback/relacionamento com o público (aproveitar a quantidade de informação espontânea e gratuita para melhorar o trabalho)4.

Dessa forma, é interessante perceber que existem muitas pessoas utilizando as redes sociais para se informar, só que, ao mesmo tempo, esses indivíduos passam a disponibilizar seus dados e suas preferências de forma pública, também se tornando fontes para uma pesquisa. E, nesse sentido, surge a importância de ferramentas de Big Data.

2 BIG DATA E o FUtUro da coMUnicaÇÃo

O futuro pertence ao Big Data. Os cientistas da computação, físicos, economistas, matemáticos,

2 Para mais detalhes, acessar: http://www.retrevo.com/content/node/1324.3 Para mais detalhes, acessar: http://www.pewinternet.org/Reports/2010/Online-News.aspx.4 Para mais detalhes, acessar: http://webmanario.com/2009/12/15/quem-ignora-o-que-o-publico-diz-em-midias-sociais-nao-pode-ser-jornalista/.

cientistas políticos, comunicadores sociais, sociólogos e muitos outros estão clamando para ter acesso às grandes quantidades de informações produzidas por e sobre pessoas, coisas e suas interações. Diversos grupos argumentam sobre os potenciais benefícios e custos da análise de informações do Twitter, Google, Verizon, Facebook, Wikipedia e outros espaços nos quais grandes grupos de pessoas deixam algum vestígio digital.

Questões importantes surgem. Uma análise em larga escala de DNA poderá ajudar a curar doenças? Ou será que o Big Data será capaz de inaugurar uma nova onda de desigualdade no tratamento médico, na qual somente quem tiver dinheiro para um cálculo tão complexo será beneficiado?

A grande questão levantada pelo Big Data é a seguinte: será que a análise de dados ajuda a tornar o acesso das pessoas à informação mais eficiente e eficaz? Ou será que vai ser usada para controlar os manifestantes nas ruas das grandes cidades que fazem protestos contra o governo? Será que vai transformar a maneira como estudamos a comunicação humana e a cultura, reduzir a paleta de opções de pesquisa ou até mesmo alterar o que significa “pesquisa”?

Antes de mais nada, é preciso entender melhor o conceito. Big Data é, em muitos aspectos, um termo pobre. Como Lev Manovich (2011) observa, tem sido utilizado no campo das ciências para se referir a um conjunto de dados suficientemente grande para necessitar de supercomputadores. Atualmente, não há a menor dúvida de que existem quantidades de dados gigantescas disponíveis.

Pode-se considerar um Big Data a Receita Federal, o Hospital das Clínicas de São Paulo, a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET), o Controle de Tráfego Aéreo, o New York Times entre outros. No caso da Receita Federal, por exemplo, é um Big Data não disponível, ou seja, com acesso livre ao público. Mas existem repositórios abertos de dados denominados de Open Data, que possuem dados públicos e podem ser manuseados por quem se interessar (LIMA Jr., 2011, p. 5).

Como prova dessa situação, em 2011, pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia fizeram uma estimativa de quanta informação foi produzida entre os anos de 1986 e 2007. O resultado foram impressionantes 296 exabytes. Para se ter uma ideia, esse valor equivale a uma pilha de CDs de 400 metros de diâmetro, capaz de ultrapassar a altura da

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Lua5. Vale notar que 1 exabyte equivale a cerca de 1 bilhão de gigabytes.

Os pesquisadores estimaram o quanto de informação é guardado em todos os computadores e dispositivos tecnológicos, papéis, livros, gravações e até mesmo o chip de memória do seu cartão de crédito. A seguir, eles calcularam quanto dessa informação pode ser transmitida, seja pela internet, pela televisão, pelo rádio e por celulares. Por último, foi calculada a quantidade final de informação que pode ser armazenada, chegando ao resultado final.

Mais ainda: nos EUA, as empresas com mais de 1.000 funcionários, em média, produzem, em um ano, 235 terabytes de dados. Esse número de informações supera todo o conteúdo existente na Biblioteca do Congresso dos EUA6. Basta pensar sobre o que poderia estar acontecendo na sua empresa agora: sensores embutidos em máquinas podem coletar dados de operações. Ao mesmo tempo em que comerciantes usam as mídias sociais e os dados de localização de smartphones para entender peculiaridades de compra dos adolescentes.

Sim, os números são realmente grandes, mas essa não é a característica mais importante desse novo ecossistema de dados. Big Data não é notável por causa de seu tamanho, mas por ser capaz de fazer relações entre os dados existentes. Ou seja, informação por si só não é poder, mas, sim, as relações, os padrões que revelam a compreensão sobre o motivo pelo qual determinado fato ocorreu.

Por exemplo, a rede de varejo norte-americana Wal-Mart recentemente contratou a Hewlett Packard para a construção de um data warehouse capaz de armazenar quatro petabytes (4000 trilhões de bytes) de dados, representando cada compra gravada por seus terminais de ponto de venda (isso significa cadastrar cerca de 267 milhões de transações por dia) em suas lojas em todo o mundo7. Através da aplicação dos conceitos do Big Data, eles podem detectar padrões que indicam a eficácia de suas estratégias de preços e campanhas publicitárias e gerenciar melhor seus estoques e as cadeias de suprimentos.

5 Para mais informações, acessar: http://www.tecmundo.com.br/curiosidade/8567-pesquisadores-estimam-a-quantidade-de-informacao-existente-no-mundo.htm.6 Para mais informações, acessar: http://www1.folha.uol.com.br /fsp/mercado/me0209201029.htm.7 Para mais informações, acessar: http://www.informationweek. com/software/information-management/walmart-extends-teradata-mega-deal/228800661.

Além disso, Big Data é importante porque se refere a um fenômeno analítico. É graças a algoritmos complexos que se vislumbram padrões antes desconhecidos, porque grandes quantidades de dados podem oferecer conexões que se irradiam em todas as direções. Por isso, é fundamental para começar a fazer perguntas sobre os pressupostos analíticos e metodológicos incorporados no Big Data.

O futuro aponta para o surgimento de uma era de grandes volumes de dados. Essas análises ocorrem em um ambiente de incerteza e mudanças rápidas. Dessa forma, as decisões atuais terão um impacto considerável no futuro. Com o aumento da automação da coleta e análise de dados – bem como algoritmos que podem extrair e informar determinados padrões de massa no comportamento humano –, é preciso perguntar quais sistemas estão levando essas práticas e que se regulam. Lawrence Lessig (1999) argumenta que os sistemas são regulados por quatro forças: o mercado, a lei, as normas sociais e arquitetura – ou, no caso da tecnologia, o código. Quando se trata de Big Data, essas quatro forças estão juntas, ainda que, muitas vezes, em desacordo.

O mercado enxerga o Big Data como oportunidade pura: comerciantes podem usá-lo para direcionar publicidade, seguradoras querem otimizar suas ofertas e os banqueiros veem a possibilidade de fazer melhores leituras sobre o mercado financeiro.

Nos Estados Unidos, chegou a ser proposta uma legislação para coibir a coleta e a retenção de dados, geralmente, devido a preocupações sobre a privacidade. Características como a personalização permitem o acesso rápido à informação mais relevante, mas apresentam questões éticas difíceis de serem resolvidas (PARISER, 2011).

Apesar de todas essas precauções, muitas empresas têm investido profundamente em TI e possuem grandes conjuntos de dados para explorar. Indústrias também podem usar esses dados de forma inovadora para competir através da adoção de técnicas analíticas sofisticadas.

O setor público é o terreno mais fértil para a mudança. Governos coletam grandes quantidades de dados, realizam transações comerciais com milhares de cidadãos. O uso do Big Data pode ser uma maneira de melhorar as ações governamentais e produzir um estado mais eficiente e eficaz. Os benefícios potenciais da utilização dessa técnica são grandes.

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3 o JornalisMo na Era do BIG DATA: o QUE MUda?

A discussão sobre a adoção pelo jornalismo das tecnologias é uma questão antiga. Remonta ao conceito de jornalismo de precisão expressado por Meyer (1973). Apesar de revolucionário, o método não trouxe uma alteração efetiva no modo de produção jornalística.

Quem descobriu essa possibilidade foi Philip Meyer, um jornalista que decidiu trabalhar a informação por intermédio de uma base de dados. Na época, Meyer fazia parte da equipe da Detroit Free Press. Com o auxílio de um computador mainframe, produziu uma matéria sobre distúrbios raciais em Detroit e foi capaz de traçar a demografia dos negros na cidade. Nesse ponto, surgiu a “integração de computadores e a ciência social e ele foi o precursor na área de Computer Assisted Reporting (CAR) (ROYAL, 2010)”.

Porém, quase três décadas depois – como consequência da evolução tecnológica no campo dos computadores (hardware) e da computação (software) –, Meyer revisitou o conceito e observou que “com modesta melhora quantitativa em rapidez e veracidade, o jornalismo de precisão preserva a função clássica do jornalista” (MEYER, 1973, p. 231). E, justamente por isso, segue como uma alternativa importante:

As normas básicas não diferem das que nós sempre temos trabalhado. Descobrir os fatos e contar o significado deles sem perda de tempo. Se existem instrumentos que nos autorizam a cumprir esta tarefa com maior poder, veracidade e luzes, nós deveríamos utilizá-los ao máximo” (MEYER, 1973, p. 15)

Os avanços nesse sentido, no campo da Comunicação Social, foram introduzidos de forma paulatina nos grupos de mídia. De acordo com Vianna (1992), na década de 80, os PCs começaram a ser introduzidos nas redações brasileiras. O primeiro jornal a adotar terminais de computador em suas redações foi a Folha de São Paulo. O projeto do periódico paulista começou a ser elaborado em 1968, mas somente foi posto em prática em 1983.

Porém, levou tempo até que os equipamentos fossem efetivamente parte da rotina dos jornalistas brasileiros. Vale notar que, no final dos anos 60 e início dos 70 (ou seja, no século passado), o The New York Times estruturou o primeiro banco de dados. Esse foi inserido diretamente nas etapas de produção da notícia. Em 1968, a agência de notícias Reuters já

utilizava máquinas computacionais nas conexões da sua rede interna para o gerenciamento da demanda de notícias recebidas.

O Brasil, como nota Lima Jr., levou mais tempo para aderir à mudança tecnológica provocada pela adoção de PCs nas redações:

Assim, a cultura de apropriação tecnológica, no caso da produção do Jornalismo brasileiro, possui uma história de atraso em relação aos principais centros. O intervalo de implementação tecnológica, no que tange aos investimentos, pelos parques brasileiros muitas vezes é explicado pela diferença entre a economia estadunidense e a brasileira nas quatro últimas décadas do século XX (LIMA JR., 2012, p. 209).

Essa situação despertou o interesse dos pesquisadores. Para Barbosa e Ribas (2007), Nilson Lage, professor titular aposentado da UFSC, foi o primeiro a discutir no Brasil a questão da aplicação das bases de dados como uma ferramenta útil para o trabalho jornalístico em dois artigos publicados em 20028.

Apesar do interesse acadêmico, ainda existe um certo receio de aplicar com mais frequência o uso de ferramentas de banco de dados nas redações:

O descompasso entre as demandas da prática profissional e o modelo de adoção dos computadores nas redações impediu uma modificação no sistema de produção de conteúdos nas organizações jornalísticas. Muito desta defasagem se deve a difusão de conceitos como jornalismo de precisão ou reportagem assistida por computador, capazes de reduzir a tecnologia a um uso instrumental porque aperfeiçoa o trabalho sem desestabilizar os fundamentos da prática. A consolidação no jornalismo digital pressupõe a compreensão de que a tecnologia representa a possibilidade de criação de um formato distinto de jornalismo em que todas as etapas do sistema de produção de conteúdos – desde a apuração a circulação – são circunscritas aos limites do ciberespaço (MACHADO, 2003, p 10).

Como nota Lima Jr. (2010), a mídia centralizada (broadcasting) enfrenta a concorrência de múltiplas plataformas digitais, que possuem conexões através das redes telemáticas descentralizadas e de baixa hierarquia, permitindo trocas de dados por meios físicos (cabos) ou sem fio. Essa estrutura proporciona

8 Jornalistas-Robôs. A era das máquinas inteligentes e No futuro do jornalismo, a integração com os computadores.

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novas possibilidades de consumo de conteúdo jornalístico, alterando a relação estabelecida, pelo modelo broadcasting, entre a audiência e as suas preferências informacionais.

É fácil perceber essa alteração quando se leva em conta os índices de audiência. No caso da TV, existe uma queda no número de televisores ligados, por consequência, a diminuição da audiência. E essa queda tem correlação direta com a Web devido, por exemplo, ao acesso às redes sociais, na substituição da atenção televisiva9.

Justamente pelo crescimento em importância das redes sociais, surge uma massa de dados não estruturados, de vestígios digitais prontos para serem analisados. Contudo, a quantidade espantosa de dados disponível não quer dizer muito se não puder ser relacionada, transformada em informação estruturada e, no caso do Jornalismo, utilizada para construir conteúdo de relevância social, aproveitando a Era do Big Data para criar valor em diversos caminhos: criando transparência (órgãos públicos); habilitando descobertas experimentais, criando segmentações (exemplo: dados personalizados); substituindo/auxiliando processos de decisão (algoritmos) e inovando nos modelos de negócio.

De certa forma, pode-se afirmar que o Big Data pode, em um futuro próximo, provocar uma mudança na composição das redações jornalísticas. Com uma cada vez mais provável aproximação com cientistas da computação.

Ainda hoje, ser um jornalista que mexe com dados pode significar coisas muito distintas. O profissional pode ser um processador de estatísticas. Pode ser um designer de interação criativo. Pode ser um repórter que usa o traquejo com dados – extraindo a notícia desse conteúdo e/ou explicando o viés ali contido – para cobrir sua área. Embora os papéis ainda estejam sendo defini dos, é raro encontrar equipes de cientistas da informação e matemáticos em organizações jornalísticas (BELL, 2012, p. 56).

Como nota Fuller (2010), o mundo da informação, em que a notícia é apenas uma parte, tem sido produzido pelos instrumentos tecnológicos. Para ele, os jornalistas necessitam:

[...] conseguir ir além da nostalgia e da utopia pelo entendimento do que está acontecendo no nível mais fundamental,

9 Fantástico perde audiência para Redes Sociais, DVD, Games e TV a Cabo. Disponível em: http://www.cidademarketing.com.br/2009/blog/mercadologia/50/fantstico-perde-audincia-pararedes-sociais-dvd-games-e-tv-a-cabo.html>. Acessado em: 26 jun. 2013.

que é frequentemente escondido. Útil como as diferentes explicações para as mudanças que inundam o jornalismo algumas vezes, forças mais profundas estão em ação. Existe mais do que a Internet. (FULLER, 2010, p. 4).

Vale destacar que o Big Data depende de três V’s: grande Volume de dados, grande Velocidade possível e a capacidade necessária para processá-los, além da sua Variedade, devido ao fato de que os dados são extraídos e obtidos de fontes diversas, tais como e-mails, blogs, redes sociais, etc.

Todavia, ainda são necessários mais dois V’s importantes. A Veracidade: afinal de contas, é necessário que os dados sejam autênticos e façam sentido (HURWITZ et al., 2013, p. 16). Além disso, também é necessário Valor. Ou seja, é fundamental que os dados acrescentem valor ao seu utilizador (BEULKE, 2011). Somente dessa forma o enorme investimento necessário para o Big Data não se transformará em uma despesa inútil.

Mas, a partir do exposto, o que se pode concluir em relação ao futuro do jornalismo? O Big Data é uma ferramenta que tem potencial para mudar o modo como o público consome notícias?

4 considEraÇõEs Finais

Não há dúvida de que o Big Data tem potencial para revolucionar o jornalismo, mas existem alguns mitos que devem ser discutidos como, por exemplo, a falsa ‘garantia’ de que os dados serão mantidos anônimos antes de serem processados, uma vez que já foi demonstrado que geralmente é possível torná--los públicos justamente por fazer o cruzamento com outras bases de dados (CRAWFORD, 2013).

Também é questionável se o Big Data vai mudar nossas vidas para melhor. Muito do que foi trabalhado com a ferramenta até o momento diz respeito a aperfeiçoar mecanismos de incitação ao consumo. Deve-se, nesse mesmo sentido, ter um cuidado para não cair na falácia de afirmar que “os números falam por si”. Isso é parcialmente verdade, mais importante do que mostrar estatísticas é compreender o que os dados estão indicando. Não se deve descartar a necessidade de modelos, teorias ou de uma análise crítica.

O mercado de Big Data já movimenta 26 bilhões de dólares em todo o mundo. Das 500 maiores companhias globais, 450 têm projetos nessa área. Como, a partir de agora, empresas de menor porte devem passar a

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usar essa ferramenta, estima-se que o mercado de Big Data chegue a 38 bilhões de dólares em 201510.

Ainda assim, como o jornalismo pode fazer parte deste mercado de Big Data? Não é difícil imaginar que a coleta de dados não estruturados pode ser utilizada para saber as preferências do leitor de modo a descobrir padrões de interesse. Ou seja, seria possível para o consumidor de notícias receber informações sobre questões que possam vir a preocupar o leitor. Se os algoritmos identificam que a pessoa está com um problema de colesterol alto, podem ser oferecidas notícias sobre tratamentos para combater a enfermidade.

Mais ainda: a partir do momento em que os algoritmos identificam qual é o trajeto que o leitor faz para se deslocar de casa para o trabalho, ele passa a enviar notícias e alertas personalizados no caso de haver um acidente que dificulte o trânsito ou mesmo uma possível alteração de rota em função de uma obra.

Todavia, essa customização do noticiário pode revelar um lado sombrio e perverso. Os padrões detectados pelo Big Data podem levar a uma minimização do mundo jornalístico. Leitores podem manifestar apreço por um tipo específico de informação em detrimento de outra. Por exemplo, pode haver um desejo maior por notícias de celebridades e de esportes e, em contrapartida, fatos políticos e econômicos podem terminar esquecidos. Essa distorção vai permitir que muitos se aprofundem no raso e saibam cada vez mais sobre menos.

Como se vê, as possibilidades de aplicação do Big Data no jornalismo são reais e indicam que a profissão pode estar se aproximando de uma era cada vez mais computacional.

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Recebido em: 18 de maioAceito em: 13 de agosto

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O THEATRO SÃO PEDRO NO ESPAÇO DA CIDADE: MEMÓRIA SOCIAL E CONSUMO DE CULTURA

SÃO PEDRO THEATHER IN THE CITY SPACE: SOCIAL MEMORY AND CONSUMER CULTURE

Regina D’Ambrosi1

Mauro Meirelles2

RESUMO: Ao estudarmos a história do teatro e o consumo de cultura, percebemos que este sempre se fez presente no nosso cotidiano, quer queiramos, quer não. E, quando consumimos cultura – leia-se teatro –, também consumimos sonhos. O teatro é, assim, um espaço em que pessoas compartilham vivências e convivências, experiências e sensações. Objetiva-se, dessa maneira, no presente artigo, mapear o lócus que o Theatro São Pedro ocupa na memória social da cidade e o modo como sua presença influi nos hábitos de consumo de bens e serviços culturais dos porto-alegrenses. Palavras-chave: Teatro. Brasil. Rio Grande do Sul. Memória social. Consumo de cultura.

ABSTRACT: By studying the history of theater and the consumer culture, we realized that this was always present in our daily lives, whether we like it or not. And when we consume culture – read theater – also consume dreams. The theater is thus a place where people share experiences and cohabitation, experiences and sensations. Objective, in this way, in this article, we map the locus Theatro São Pedro occupies in the social memory of the city and how its presence influences the consumption habits of cultural goods and services of Porto Alegre.Keywords: Theatre. Brazil. Rio Grande do Sul. Social memory. Consumption culture.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle-Canoas e professora do curso de Administração da Faculdade Monteiro Lobato.2 Doutor em Antropologia Social e Professor do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Bens Culturais do Unilasalle-Canoas. Este texto contou também com apoio e financiamento, para a sua consecução, da FAPERGS através do Edital ARD 2012.

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1 introdUÇÃo

Ao estudarmos a história do teatro e o consumo de cultura, percebemos que este sempre se fez presente no nosso cotidiano, quer queiramos, quer não. E, quando consumimos cultura – leia-se teatro –, também consumimos sonhos. O teatro é usado, desde muito tempo, para ensinar, para representar e/ou expressar algo que queremos passar a outra pessoa, através dele, consumimos sonhos, um novo mundo idealizado por alguém e, assim como aqueles que leem um livro, no palco, vemos a vida caricata que ora nos faz rir, ora, chorar; são sensações mil que consumimos quando adentramos nele.

O teatro é, assim, um espaço em que pessoas compartilham vivências e convivências, experiências e sensações. Contudo, o cognato teatro detém em si um duplo sentido: um que denota um espaço, um lugar onde algo acontece, e outro que se refere a algo que acontece lá, a uma peça teatral e/ou um espetáculo que em si têm seu referente na dimensão artística daquilo que sobre o palco acontece. Objetiva-se, desta maneira, no presente artigo, mapear o lócus que o Theatro São Pedro ocupa na memória social da cidade e o modo como sua presença influi nos hábitos de consumo de bens e serviços culturais dos porto- -alegrenses. Isso posto, na primeira parte do texto, realizamos uma breve digressão sobre a história do teatro, da sua origem à sua inserção no Brasil, bem como algumas caraterísticas gerais das fases que ele atravessou até a contemporaneidade. Em seguida, dedicamos um espaço à introdução do teatro no Rio Grande do Sul e ao processo de surgimento do Theatro São Pedro, para, em seguida, nos ocuparmos do lugar que o Teatro São Pedro ocupa na memória da cidade e de como isso, de certa forma, influencia aqueles que têm ou não acesso e consomem determinados bens e serviços culturais.

2 UMa brEVE diGrEssÃo sobrE a História do tEatro: do sEU sUrGiMEnto à atUalidadE

A palavra teatro vem do grego theatrum e designa espaço. Na Grécia, o espaço do teatro, o palco, constituía-se em uma área aberta, com terra batida, onde, de uma maneira geral, as coisas aconteciam. Todavia, com o passar dos anos, esse espaço, tido como apenas público e de certa forma precário, foi ganhando um novo “rosto” e uma nova forma de “ocupação” e novos usos desse espaço começam a se fazer presentes. Contudo, indo além de seu uso

simplesmente “laico” e “lúdico”, o teatro foi, em muitas sociedades, também usado com fins religiosos, como escreve Berthold (2011). Sendo assim, quando na atualidade falamos de teatro, é preciso que tenhamos em conta, no mínimo, essas duas representações mais básicas do modo como aquilo que designava o cognato grego theatrum representava, além, é claro, dos vários usos e modos como diversos povos e civilizações o utilizaram, tanto no interior de rituais cívicos como religiosos, de modo que sua profissionalização se dará somente muito mais tarde, este se tornando, portanto, um espetáculo a ser consumido.

Dessa forma e para além de uma definição restrita, podemos dizer que, desde a mais tenra idade, o teatro, ou o simples ato de imitar e encenar aquilo que os outros fazem faz parte de nossa vida e envolve múltiplas representações e modos de apreender o mundo. Em nossa vida, sem que tenhamos consciência, a arte e a imitação do outro se fazem presentes desde muito cedo, sendo tido como algo natural, que “faz parte da vida”. É o pai que aprende a ser pai depois de ter seu filho e passa a mimetizar aquilo que em memória guarda de seu pai. É a menina que brincava de boneca e agora cuida do seu filho, aquele pedaço de carne que ganhou vida. Durante toda a sua infância, tanto o pai quanto a mãe ensaiaram sobre a realidade e, a partir das representações que possuem acerca do mundo, inventam e reinventam a si e ao mundo.

Vivemos num mundo imaginário, de fantasia. Reproduzimos o tempo todo aquilo que aprendemos, que vimos, de modo que, mesmo depois de velhos, compramos fantasias, compramos sonhos e vamos ao cinema e também ao teatro. O teatro surge, assim, da necessidade primeira do homem de mostrar aos outros como as coisas são e serviu, num primeiro momento, para a educação dos filhos, como é o caso, por exemplo, das civilizações primitivas que realizavam cerimônias religiosas envolvendo ritos de iniciação.

Nesse sentido, o teatro também tem sua origem em uma época em que a escrita não existia, quando a educação e a comunicação interpessoal se davam por meio de encenações que eram feitas através de gestos, músicas, danças e mímicas. Comunicar era preciso, ensinar as novas gerações também. Contudo, eram poucos aqueles que tinham o conhecimento das letras e era a esses principalmente que se precisava educar, e o suporte imagético naquele momento foi a saída encontrada por aqueles que tinham a difícil tarefa de preparar as novas gerações para a vida. O teatro, assim como a escola, para Durkheim (1975), tinha como objetivo primordial preparar as pessoas para viver em sociedade.

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Do ponto de vista histórico, o teatro sempre se ocupou das relações interpessoais e representar sempre fez parte da dinâmica da vida. Na vida, mais do que ser aquilo que somos, somos pessoas que desempenhamos determinados papéis sociais. Esses papéis não são dados por nós, mas, sim, pela sociedade, que nos ensina a agir de determinado modo, e, dependendo da posição que ocupamos, podemos ou não fazer determinadas coisas. Na vida, representamos e desempenhamos aquele papel que a nós é atribuído e, assim como a vida imita a arte, a arte imita a vida. E, desse modo, as histórias que são lembradas podem ter sido vistas na escola, na praça ou no teatro da cidade. Esse teatro pode ter sido qualquer um, mas, se for em Porto Alegre, há uma grande possibilidade de que seja o Theatro São Pedro, pois este faz parte da paisagem urbana e do circuito cultural do centro da cidade desde o século XVIII.

2.1 o teatro no MUndo: Fins e ProPósitos

No que se refere à origem do teatro e em relação aos seus fins e propósitos, este também advém de rituais sagrados, em que predominavam danças e representações cênicas realizadas pelos egípcios para exaltar as principais divindades de sua mitologia. Sendo assim, o uso de ritos e manifestações mimetistas faz parte da história primitiva do teatro. Registros em pinturas rupestres deixadas pelo homem pré- -histórico demonstram que, mesmo naquela época, já existia lugar para a “Arte” na cultura dele (PIGNARRE, 1984). Nesse sentido, olhar para o passado e para as tribos aborígenes, para as pinturas das cavernas pré- -históricas, para as danças mímicas e para os costumes populares que permaneceram desde o início da humanidade faz com que possamos compreender o teatro primitivo.

Mais tarde, na Grécia, mais precisamente do século VI a.C em diante, o teatro evidenciou-se, também, como uma forma de expressão pública e de grupo, quando começou a haver a organização de festivais, época durante a qual surgiram os primeiros roteiros com textos para serem encenados por atores que podiam ser aplaudidos ou até mesmo protestados pelo público, como bem afirma Reverbel (1987). E, dada a sua popularidade, tem-se que, já desde a Grécia, os políticos se utilizavam de estratégias relacionadas às artes e à cultura para se conduzirem ao poder, de modo que as festas religiosas sustentadas por apresentações teatrais serviam para atrair o povo.

Disso decorre que foi a Grécia Antiga o berço de pelo menos dois estilos teatrais, a saber: a tragédia

e a comédia. Esses dois estilos sui generis tiveram seu surgimento em celebrações populares de cunho religioso. Isso posto, tem-se que o teatro se entrelaça com a religião já em seu início na Grécia Antiga e segue por esse caminho até meados do século XVIII.

Tem-se, então, que não foram os gregos os primeiros a fazerem uso do teatro para representações públicas, mas foram eles, sim, os primeiros a desenvolverem de forma criativa essa arte pela genialidade de seus dramaturgos. Contudo, foi em Roma que ele se desenvolveu, foi lá que essa cultura do teatro progrediu, com representações sobre palcos de madeira, de peças históricas e de comédias, e não mais na rua, no chão batido das vias públicas. Assim, conforme Berthold (2011), se, por um lado, o teatro romano se arquitetou sob o mote político do panem et circenses, por outro, o teatro grego seguiu a via das festas religiosas que naquela época representavam as histórias míticas.

Da mesma forma, ao examinarmos a história do teatro no mundo, percebemos que o teatro, na atualidade, ainda possui características primitivas. E será deste modo, como uma forma de expressar uma mensagem que, deveras, quer ser universal, que o teatro chega ao novo mundo e ao Brasil.

3 o tEatro no brasil

3.1 PriMeiro ato: a cHeGada do teatro ao Brasil (séculos XVi e XVii)

Pedro Álvares Cabral e Pero Vaz de Caminha, ao chegarem à nova terra chamada de Brasil, encantaram-se com as maravilhas e as belezas naturais que aqui encontraram. Deslumbrados com tudo que presenciaram, os descobridores tiveram a certeza de que as terras encontradas eram promissoras e com possibilidades infindáveis. Partindo disso, enviaram uma carta a Portugal, em 1º de maio de 1500, relatando ao rei Dom Manuel que aqui habitavam índios e que estes necessitariam ser catequizados. Os jesuítas portugueses, então, são trazidos de Coimbra para iniciarem esse processo de conversão junto aos índios e, em 1549, chega ao Brasil o primeiro grupo de missionários. Mas, foi somente em 1553 que chegou a terras brasileiras o bispo Dom Pedro Fernandes Sardinha, o primeiro bispo do Brasil. Com ele, chegaram também outros missionários, dentre eles, o jovem José de Anchieta.

Nessa época o Brasil era habitado por índios e colonos, pessoas humildes, sem estudo e que não

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conheciam sequer o significado da disciplina. Sua cultura estava impregnada de características nômades, e os missionários depararam-se com um grande desafio, qual seja: adquirir a confiança desse povo para alcançar seu objetivo, que era o de catequizá-lo. E, nesse sentido, será com ele que o teatro brasileiro irá iniciar, ou seja, no século XVI, com manifestações religiosas jesuíticas realizadas com vistas à catequização de indígenas e colonos. Movimento esse que, mais tarde, deu origem ao teatro anchietano, ou seja, à sombra da religião católica, como bem escreve Prado (1999, p. 19).

É, então, somente mais tarde, em meados de 1641, que as apresentações religiosas passam a dar espaço às danças, aos jogos e às celebrações de acontecimentos políticos. Além do Padre Anchieta, no século XVI, destacou-se também na área teatral o escritor Manoel Botelho de Oliveira. Este, um baiano, considerado o primeiro autor dramático do Brasil. Suas obras, “Hay amigo para amigo” e “Amor, engano y zelos”, foram escritas em espanhol e retratavam intrigas amorosas da época. A esses primeiros movimentos e compassos que por aqui assume o desenvolvimento do teatro, segue--se um período em que este, em terras brasileiras, começa a se consolidar. E é com o modo como o teatro se consolidou no Brasil a partir do início do século XVIII que nos ocuparemos no item a seguir.

3.2 seGUndo ato: a consolidação do teatro no Brasil (século XViii)

O início do século XVIII foi marcado na história do teatro como sendo um período de pouca renovação tanto na forma de representação das peças teatrais como também na área de produção textual. Por parte das autoridades eclesiásticas de Roma, o teatro estava passando por algumas resistências. Passou a existir, por parte da igreja, uma grande preocupação com as apresentações teatrais que eram encenadas por representantes religiosos. Diante disso, a igreja proibiu que as encenações teatrais ocorressem nas igrejas.

No Brasil colônia, desde o início, a Igreja sempre regulamentou os usos e desusos do teatro. Todavia, com o ocaso do século XVII e o desuso do teatro na catequização de índios e colonos, a Igreja passou, também, a se utilizar das peças teatrais para outros fins, tais como as comemorações religiosas e os eventos encomiásticos (de louvor), e a corte passou ainda a utilizá-lo com o propósito de divertimento. Nesse sentido, um dos primeiros marcos que datam dessa

relação de amor e ódio da Igreja com o teatro, que mais tarde se fará presente com mais intensidade, reside na proibição feita pelo então bispo de Pernambuco, José Fialho, de que as igrejas não poderiam continuar sendo palco para as apresentações de espetáculos. Diante desse fato, novos teatros são construídos frente a uma maior consciência em relação à importância do teatro por parte das autoridades civis.

Assim sendo e com o fim das encenações teatrais nas dependências religiosas, abre-se espaço para que maiores investimentos nessa área sejam feitos, estes, por parte dos governantes, que tinham intrínseca a cultura teatral. No que se refere aos primeiros investimentos nas artes cênicas, a construção de teatros e o incentivo às produções nacionais ganham relevância, de modo que os primeiros textos teatrais brasileiros começaram a ser impressos e datam de 1705. Isso posto e com a produção nacional sendo alavancada por autores brasileiros, sobretudo, pelo incentivo à construção de casas de teatro, tem-se, então que, a segunda metade do século XVIII será marcada pelos primeiros sinais de ressurgimento do teatro no Brasil.

O século XVIII foi, assim, caracterizado pela construção de várias casas de teatro no Brasil. A Bahia, o Rio de Janeiro e Porto Alegre foram as três primeiras cidades brasileiras a possuírem as chamadas “Casas de Ópera” e contavam, na época, com acomodação para 400 pessoas, cada uma. Contudo, devemos lembrar que a ópera, nesse período, era sinônimo de qualquer apresentação com trechos falados e canto. Nesse sentido, Prado (1999) relata que a disseminação das casas de ópera representou uma fuga do amadorismo e que, com elas, se iniciou um movimento para a regularização do teatro e, também, sua profissionalização.

Sendo assim, o que se observa é que, durante quase todo o século XVIII, as encenações teatrais permaneceram sendo amadoras, de modo que tanto os escravos e os religiosos – e, dentre eles, os frades e as freiras – quanto os índios e os colonos, todos poderiam ser os “atores do teatro”. Contudo, com a chegada ao Brasil de Dom João VI, inicia-se uma nova fase da curta história do teatro no Brasil.

3.3 terceiro ato: a ProFissionaliZação

O teatro no Brasil, que inicialmente foi difundido pelos missionários jesuítas, não havia sido até o final do período colonial profissionalizado. As apresentações eram regularmente realizadas por amadores e os textos

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eram escritos sem nenhum cuidado em preservar sua história. Disso decorre que, desde o final do período do Brasil Colônia até o ano da chegada da família real, em 1807, o Brasil ainda vivera uma fase de estagnação cultural. A igreja, por sua vez, manteve-se rígida em relação à proibição de os religiosos atuarem em peças teatrais e ao mesmo tempo não permitiu que fossem utilizadas mais as igrejas como palco para as apresentações.

Isso posto, tem-se, então que, o Brasil, até o início do século XIX, ainda estava muito aquém em relação à Europa no que tange ao desenvolvimento de algumas áreas relacionadas à cultura. É, então, com o rei D. João VI, que trouxe de Portugal além da sua família real, sua bagagem cultural, que as coisas no Brasil começam a mudar. E o Rio de Janeiro, cidade eleita para ser a sede do governo de D. João VI, logo após sua chegada, ganha novos contornos. Por ordem do Rei, as ruas da cidade foram embelezadas e limpas, foi criada a Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro jornal impresso do Brasil, assim como muitas escolas e bibliotecas públicas foram abertas.

No campo das artes cênicas, o progresso também foi enorme e, com o interesse real de D. João VI pelo teatro, este recebe, por parte dele, grande fomento com o objetivo de torná-lo “de maior nível” através do decreto de 28 de maio de 1810, o qual reconhecia a necessidade da construção de “teatros decentes”, acabando, assim, com as chamadas “Casas de Ópera”. As “Casas de Ópera”, as quais haviam sido construídas e se espalharam pelo Brasil no século XVIII, eram consideradas pelo rei locais impróprios para um teatro de qualidade. Nesse sentido, foi na cidade do Rio de Janeiro que foi inaugurado, em 1813, o primeiro “teatro decente”, que recebeu o nome de Teatro de São João, hoje chamado de Teatro João Caetano.

Assim, mesmo após a partida de D. João VI para Portugal, em 1821, o teatro manteve-se em crescimento. O governo é assumido por D. Pedro I, que proclama a independência do Brasil em 1822. Nesse momento histórico político, as apresentações teatrais exaltavam a república, pois as manifestações políticas refletiam na área teatral. O Rio de Janeiro tornou-se uma referência como centro cultural do país e muitos outros teatros foram construídos no decorrer do mesmo século.

Essa época é marcada pelo início do Teatro Nacional e o que se observa, de uma maneira geral, é que o sentimento nacionalista envolveu a área do teatro, inspirando autores nacionais que passaram a substituir os estrangeiros. A partir de 1838, portanto, a literatura dramática brasileira começa a influir nas

peças teatrais. E será com o início da chamada época romântica do teatro brasileiro que autores como Machado de Assis, Gonçalves Dias, José de Alencar, Castro Alves, dentre outros, irão se destacar no âmbito literário. Outrossim, e avançando no texto, para fins didáticos, utilizamo-nos daqui para diante da divisão feita pela maioria dos autores que se ocupam da temática. Contudo, sabemos que dividir a história em épocas e tempos determinados é exigência da ciência moderna e utilizamo-nos dela aqui somente para facilitar a compreensão do leitor no que se refere ao argumento ao longo do texto, qual seja, que o teatro no Brasil sempre foi algo das elites, para a elite.

3.3.1. a época romântica

O teatro realmente nacional só veio a se estabilizar em meados do século XIX, quando o Romantismo teve seu início. O período do Romantismo no Brasil também é o momento em que ocorrem graves conflitos políticos. D. Pedro I abdica do trono e o teatro sofre grande influência de argumentação nacionalista. Nesse momento, são evidenciados, na literatura e nos textos teatrais, o individualismo, o sentimentalismo, a emoção e ocorre uma retomada dos valores medievais. Para Candido (2002), há nesse período uma retomada de valores que tem como mote o nacionalismo, esse, representado por uma narrativa que aborda o cotidiano.

No romantismo brasileiro, mesmo com o grande apelo em promover autores nacionais, os modelos francês e português foram perpetuados, mas também houve, nesse período, o desenvolvimento de repertórios considerados nacionais e de companhias igualmente com atores nacionais. Havia uma tentativa de subtrair o que vinha da Europa, mas não foi possível, pois o público prestigiava bastante a cultura estrangeira.

O período romântico foi, assim, marcado por um estilo de peças de estro liberal e de glorificação patriótica. Os problemas da sociedade, assim como a escravidão foram temas consagrados no Brasil. O Romantismo representou, no mundo e no Brasil, um período de grandes transformações para o teatro tanto na literatura quanto na forma de interpretar e de montar os cenários.

Após passados dezesseis anos, o teatro romântico cede espaço para um teatro vanguardista, no qual as interpretações cênicas passam a abordar problemas relacionados à vida humana com temas ligados à moralidade, às questões sociais, ao amor, aos sentimentos e, também, à política. Eis que o

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Romantismo abre com isso espaço para o Realismo, e o mote do momento passa a não ser mais enredos sentimentalistas que não condizem com a realidade, e, sim, temas sociais e políticos. Esses temas passaram a ser versados de forma mais objetiva e retratavam verdades relacionadas ao momento histórico do período inspiradas nas realidades do povo brasileiro.

3.3.2 a época realista

Em um cenário mundial marcado por lutas sociais, mudanças políticas e, sobretudo, revoluções, o Realismo surge na segunda metade do século XIX, dominando os palcos de toda a Europa e chega ao Brasil. Esse gênero caracterizou um momento de mudança cultural na área da literatura e igualmente nos textos teatrais, que deixaram de retratar o mundo sob uma ótica sentimentalista e passaram, desse modo, a exprimir a realidade da vida cotidiana do homem (GONZAGA, 2007; REVERBEL, 1987).

Essa transição do Romantismo para o Realismo se deu, principalmente, pela influência política, social e científica, a partir da qual os conceitos ideológicos sobre essas questões são totalmente ressignificados. Nesse sentido, foram a Revolução Industrial e os avanços tecnológicos os grandes propulsores dessa mudança. O Realismo, conceituado por Gonzaga (2007), busca abarcar, em seu teor e de forma abrangente, as inúmeras formas artísticas que se gestaram na segunda metade do século XIX. Tratando-se do contexto cultural, o Realismo tem como objetivo reproduzir, através da arte, da música, da dança, do teatro, da literatura e de outras manifestações artísticas, o ambiente social de forma verdadeira e busca, com isso, ter sentido útil para a sociedade.

No Brasil os gêneros realistas perpassaram a literatura, as artes plásticas, a música e as artes cênicas. Suas temáticas mais pujantes foram a Escravidão e a Proclamação da República, essas, à época, tidas como questões dotadas de grande apreço e valor em diversos setores intelectuais e círculos sociais, na medida em que eram os setores médios e altos os maiores consumidores de cultura. Assim, o Realismo teve como propósito representar os acontecimentos reais, em que tudo deveria traduzir a realidade do cotidiano, como bem escreve Reverbel (1987).

A essa, seguiu-se outra fase do teatro brasileiro, a dos gêneros líricos, na qual as peças teatrais vinham regadas de muita música.

3.3.3 o teatro musicado

No final do século XIX, surgiu na França um novo estilo teatral que uniu as artes cênicas com as artes musicais, chamado de teatro musicado. O músico francês Jacques Offenbach foi o protagonista desse gênero que ficou conhecido como opereta-bufa. Esse termo era utilizado para designar as óperas cômicas que, diferentemente das óperas sérias, abordavam temas prosaicos, divertidos e de forma a valorizar a informalidade no sentido de dar ênfase ao lado humorístico da apresentação.

No Brasil, diante do momento glorioso em que se encontrava o teatro musicado, no dia 25 de março de 1852, foi inaugurado o Teatro Lírico Fluminense, no Rio de Janeiro, com o propósito de promover o estilo lírico no Brasil. Devido ao sucesso do lirismo no Brasil, o teatro musicado recebeu muitos investimentos governamentais no sentido de que fosse incrementada a capacitação e a profissionalização de mais artistas brasileiros3.

Isto posto, tem-se que o teatro lírico, obteve êxito prolongado até o final da Primeira Guerra Mundial. Contudo, embora D. Pedro II tivesse dedicado muitos esforços para nacionalizar esta arte, as companhias europeias não cessavam em fazer sucesso no Brasil. Ainda no século XIX foram abertos muitos teatros no Brasil, sendo que no Rio de Janeiro, 13 teatros4 foram inaugurados neste período e entre as companhias consideradas mais importantes, destacaram-se a de João Caetano, a de Joaquim Eliodoro, a Sociedade Dramática Nacional, a Companhia de Furtado Coelho e a de Jacinto Heller.

3 O teatro musicado tornou-se à época um gênero tão apreciado pela sociedade que, em 11 de julho de 1860, D. Pedro II promulgou um decreto nacional no qual determinou que todas as apresentações teatrais deveriam ter em seu elenco 50% de artistas brasileiros. Essa preocupação, por parte do Imperador, deve-se ao fato de que no Brasil muitas peças teatrais eram encenadas na sua maioria por artistas estrangeiros e visava, sobretudo, a fomentar a profissionalização de artistas brasileiros. 4 Segundo Castanha (2004), são eles: 1) o Real Teatro de São João, inaugurado em 12 de outubro de 1813 no Rio de Janeiro; 2) o Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara, inaugurado em 1º de dezembro de 1824; 3) o Teatro Constitucional Fluminense, novo nome do S. Pedro de Alcântara, a partir de 3 de maio de 1831; 4) o Teatro São Pedro, novo nome do Constitucional Fluminense, a partir de 2 de junho de 1838; 5) o Teatro João Caetano, novo nome do São Pedro, a partir de 24 de agosto de 1923; 6) o Teatro Niteroiense, criado em 1827; 7) o Teatro provisório, inaugurado em 25 de março de 1852 com esse nome, pois sua duração estava prevista para três anos. Em 19 de maio de 1854, 8) o Teatro São Luís, inaugurado em 1º de janeiro de 1870; 9) o Imperial Teatro D. Pedro II, inaugurado em 19 de fevereiro de 1871; 10) o Cassino Franco-Brèsilien, inaugurado em 1º de fevereiro de 1872; 11) o Teatro Variétés, inaugurado em 18 de agosto de 1877; 12) o Teatro da Exposição Nacional, inaugurado em 12 de agosto de 1908; e 13) o Teatro Municipal, inaugurado em 14 de julho de 1909.

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O Rio de Janeiro desde o século XIX foi o centro da cultura do país. Nos demais estados era muito difícil conseguir com que os teatros obtivessem o mesmo sucesso de bilheteria que a cidade carioca conseguia. Das cidades sob os quais Prado (1999) menciona que os teatros mantinham-se em funcionamento constante, destaca-se Porto Alegre. Denominada também como um centro cultural da região sul, ela era considerada uma exceção à regra, pois recebia espetáculos nacionais, mas também argentinos e uruguaios. Já das demais cidades sobressaíram-se São Paulo que era agraciada por estar perto da capital federal, assim como, Recife e Belém.

3.3.4 o teatro Moderno

Pode-se dizer que desde o início do século XX até a década de 1940, não ocorreram inovações no teatro brasileiro. Neste período, o Brasil, que sempre recebia companhias estrangeiras, viu-se fora do contexto cultural mundial e por este motivo a produção nacional ganhou força. Mas, um acontecimento marcante na década de 1920 foi que, em 1922, em São Paulo, ocorreu a Semana de Arte Moderna. Este evento foi organizado com o propósito de tentar desacomodar a expressão estética. Com o intuito de “sacudir” o campo das artes no Brasil, foram convidados renomados artistas internacionais a exporem seus talentos e de forma multicultural também poderem interagir com a nossa arte. No campo teatral, é citado por Magaldi (1962, p. 182), que “infelizmente o teatro desconheceu o fluxo renovador”.

Assim sendo, pela falta de intercâmbio cultural, na área do teatro, ocorrida pelo momento entre guerras, o Brasil não acompanhou também as inovações relacionadas às técnicas de encenação. Contudo, a Semana de Arte Moderna foi a grande propulsora do movimento de renovação na área das artes apesar de, para o teatro, a modernização somente ocorrer vinte anos depois. Em 1938, Luísa Barreto Leite e Jorge Castro, fundadores da companhia carioca “Os Comediantes”, iniciam uma luta cujo pano de fundo estava embasado em um teatro com menos regras e fundamentado não mais no estrelismo apenas de um ator principal.

Mas, o teatro segue lento nas inovações até que chega ao Brasil, em 1943, o grande diretor polonês, Zbigniew Ziembinski, para inicialmente profissionalizar alguns grupos, como o fez com “Os Comediantes”. Esse diretor apresentou ao teatro brasileiro as mais novas tendências do teatro russo e alemão, dentre elas, o

cenário sintético, a importância da luz e do som, os ritmos de dança e a mímica.

Assim sendo, a renovação teatral se deu de forma bastante lenta, como já mencionado. Iniciou na Semana de Arte Moderna e arrastou-se até a década de 1940. Isso posto, percebe-se que, a partir dessa década, as artes cênicas vivenciaram um momento de muita glória. Em 1943, foi encenada a peça de Nelson Rodrigues, “Vestido de Noiva”. Nesse ano, o teatro brasileiro consagra-se através de um universo gramático e original criado por esse autor que apontou os caminhos de vanguarda para o teatro nacional (GONZAGA, 2007). Considerado o principal autor modernista, Nelson Rodrigues marcou o período do teatro contemporâneo, principalmente pela sua dramaturgia, considerada de estilo moderno. Ele rompe, na década de 1940, segundo Silva & Ramos (2012), com alguns tabus, ao tratar de temas como sexualidade e religião.

Embora Nelson Rodrigues tenha sido um dos principais dramaturgos e o protagonista da modernização das artes cênicas, seus temas, bastante polêmicos, são reprimidos no período da ditadura, entre as décadas de 1960 e 1980, de modo que esse foi um momento considerado de estagnação teatral no Brasil. Além de Nelson Rodrigues, outros autores foram consagrados no século XX, entre eles, Dias Gomes, um baiano que escreveu, na década de 1960, o drama “O Pagador de Promessas”, que, logo em seguida, saiu dos palcos e ganhou as telas do cinema.

Considerado um grande dramaturgo da atualidade, Dias Gomes escreveu também novelas e telenovelas de grande sucesso. Igualmente destacou--se, na década de 1970, o cantor, compositor e dramaturgo Chico Buarque de Holanda, que estreou, no Rio, com “Roda Viva”, em 1968. Esse espetáculo se tratava de um musical moderno, o qual envolvia muito o público na ação e tornou-se símbolo da resistência contra a ditadura. Outras peças famosas dele foram: o “Calabar”, escrita em 1973; a “Gota D’água”, escrita em 1975, e a “Ópera do Malandro”, que estreou em 1978 no teatro e, em 1986, no cinema.

Isso posto, tem-se, então, que os anos de 1980 foram marcados por movimentos ligados ao Pós- -Modernismo. A democracia instaurou-se no país, a censura foi abolida e o momento econômico era de inflação. O teatro sente o peso da falta de incentivo por parte do Estado, que, na ditadura, embora com a forte censura, apoiava com afinco todas as manifestações culturais. É claro, desde que não fossem consideradas impróprias perante a censura.

Durante o período de repressão, entre 1964 e 1985, quando a censura no Brasil estava no seu auge,

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a área teatral passou por um momento de estagnação no sentido de inovação tanto nos textos literários quanto nas peças apresentadas. Muito pouco se criou e o pouco que era criado acabava por ser, na maioria das vezes, censurado. Diante desse contexto histórico, o mercado cultural teatral tornou-se meramente comercial. As peças estrangeiras que fizeram sucesso no passado voltaram com força e garantiram a bilheteria necessária para que as companhias da década de 1980 se mantivessem (FERREIRA, 2008).

Assim, durante os vinte anos que antecederam a democracia no Brasil, muitos grupos teatrais foram organizados, os quais fizeram história na época ditatorial. Dentre os mais famosos, destacaram-se o Teatro de Arena5 e o de Oficina6. Esses grupos eram influenciados fortemente pela ditadura e pela censura, entretanto, conforme constata Carreira (2008), eles não sobreviveram ao processo de democratização. Com isso, a necessidade de profissionalização dos grupos fez surgir, na década de 1980, o chamado Teatro de Grupo. Sob forte influência estrangeira, principalmente europeia, o modo de se fazer teatro no Brasil passou a ser reformulado.

Os grupos, além de inovarem em relação ao seu processo estético e ideológico, também passaram a trabalhar de forma a se verem como uma empresa, adotando processos de produção sob a ótica da administração. Essa profissionalização possibilitou aos grupos da época se aperfeiçoar na elaboração de projetos e na busca de financiamentos para as suas produções. O movimento do teatro grupal, no final do século XX, teve, portanto, como característica importante garantir a sobrevivência desses grupos através de mecanismos e experiências técnicas fundamentadas na prática do treinamento7.

Perpassando pela trajetória do teatro no Brasil, chegamos ao século XXI, o qual é marcado pelo teatro

5 O Teatro de Arena de São Paulo foi um dos mais importantes grupos teatrais brasileiros das décadas de 50 e 60. Inicia-se em 1953, tendo promovido uma renovação e nacionalização do teatro brasileiro, sua existência termina em 1972. Em seu palco, de cerca de 90 lugares, hoje Teatro de Arena Eugênio Kusnet, apresentaram-se espetáculos de importantes diretores e dramaturgos brasileiros.6 Influente e importante companhia ao longo dos anos de 1960 que se transforma em grupo nos anos 1970, tendo como esteio a figura do encenador José Celso Martinez Corrêa. Ressurge reformulado nos anos de 1980 e sob a denominação de Oficina Usyna Uzona, a qual atua até hoje.7 Com isso, os grupos de teatro, que, na década de 1960 e 1970, possuíam um espaço próprio de apresentação dos seus espetáculos, nas décadas de 1980 e 1990, passaram a utilizar esse mesmo espaço não mais para apresentações, mas, sim, para administrar o grupo, elaborar seus projetos de captação de recursos e realizar treinamentos, de modo que as apresentações dos espetáculos dos Teatros de Grupo passaram a ser realizadas em qualquer lugar do país.

como um espetáculo sensorial. A experiência do público passa a ser mais importante do que a própria cena em si, conforme escreve Mutin (2011, p. 204), na medida em que “o espectador é convidado a uma experiência estética desembaraçada de toda referência a uma realidade preexistente, pois o real teatral não remete a nada mais do que a ele mesmo, onde a imagem não é mais ilustrativa, mas propõe uma matéria sensível”, que tem sua significação elaborada no momento de sua construção, de modo que o espectador que vai ao teatro, nos dias de hoje, não assiste apenas a uma peça teatral, mas vivencia, sente e interage com o todo. Cria no seu imaginário um novo espetáculo, aquele que é singular, que somente ele próprio vê e que ele mesmo ressignifica. Ou seja, além de consumir cultura, ele consome sonhos e experiências.

4 o tEatro no rio GrandE do sUl: oU dE coMo tUdo inicioU

O primeiro teatro do Rio Grande do Sul data de 1794. Denominado de Casa da Ópera e localizado no Beco dos Ferreiros8, possuía acomodação para 400 espectadores. Considerada uma casa de espetáculos importante, garantiu por muitos anos o divertimento da comunidade porto-alegrense. Construída no governo de José Marcelino de Figueiredo, a Casa da Ópera possuía, no seu interior, trinta e seis camarotes e duas entradas, uma geral e outra privada, e sua estrutura era de madeira, material esse bastante utilizado naquela época.

Nesse mesmo período, em Porto Alegre, já funcionava outra casa de teatro chamada de Teatro D. Pedro II, localizado na Rua Bragança, atual Marechal Floriano. Pelo D. Pedro II, passaram atores de grande valor, como Furtado Coelho9, muito conceituado na dramaturgia e de grande destaque também em Portugal. Essa casa de teatro foi muito prestigiada pela comunidade, considerada um excelente espaço de espetáculos para a época, pois possuía três ordens de camarotes e estabeleceu-se em uma ótima localização. Além do evento famoso que foi a estreia de Furtado, o D. Pedro II foi palco do concerto de piano do menino

8 Rua Beco dos Ferreiros, atual rua Uruguai em Porto Alegre.9 Ator, dramaturgo, compositor, pianista, poeta e empresário português que fez uma movimentada carreira, principalmente no Brasil, obtendo grandes sucessos. Foi o pioneiro e o mais destacado defensor da estética realista e um dos maiores atores do teatro brasileiro no final do século XIX, período em que essa arte se tornava o mais popular entretenimento público e o mercado ainda era dominado pelos autores, atores e empresários portugueses.

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Artur Napoleão10, em 20 de agosto de 1857, segundo Hessel (1999).

Em 1833, a cidade de Pelotas assumiu o papel de polo teatral gaúcho. No centro do chamado ciclo econômico das charqueadas, foi construído o primeiro teatro de alvenaria, em estilo neoclássico, denominado de Theatro Sete de Abril. Projetado pelo engenheiro alemão Eduardo Won Kretschmar, esse teatro foi inaugurado em 02 de dezembro de 1834 e recebeu esse nome como homenagem à abdicação de D. Pedro I ao trono em favor de seu filho ocorrida nessa data. Considerado o primeiro teatro do Rio Grande do Sul, o Sete de Abril passou por reformas nos anos de 1870, 1916 e 1927, até que, em 1972, foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Nacional (IPHAN), sendo então municipalizado em 1979.

Nesse sentido, percebe-se que Porto Alegre foi onde iniciou a cultura teatral no Rio Grande do Sul com a construção da Casa da Ópera, local esse que foi considerado a única casa a apresentar teatro na capital até 1835. O glamour da Casa da Ópera acabou sendo substituído após o seu encerramento pelo já mencionado Teatro D. Pedro II, que, posteriormente, cedeu lugar ao Teatro Sete de Abril em Pelotas (DAMASCENO et al. 1975). Contudo, alguns anos antes de ser inaugurado o Teatro Sete de Abril, formaram-se, em Porto Alegre, as primeiras sociedades dramáticas ou os grêmios dramáticos, os quais eram os responsáveis por administrar os teatros.

A primeira a ser fundada foi a Sociedade do Teatrinho, em 1832, sendo por conta dessa sociedade que iniciou o projeto de idealização do atual Theatro São Pedro em Porto Alegre. Para essa sociedade, era importante que a capital voltasse a ser o centro do teatro e não mais a cidade de Pelotas. Para tanto, seria importante que Porto Alegre construísse também um teatro de alvenaria no nível do Teatro Sete de Abril de Pelotas. Esse sonho se torna realidade em 1833.

4.1. o tHeatro são Pedro e a cena GaúcHa

Fundada em 27 de julho de 1773, Porto Alegre, capital da Província de São Pedro, ainda não possuía, até 1833, uma casa de espetáculos que fosse considerada um motivo de orgulho para a cidade. Fato esse que se explica pelo motivo de que, naquela época, as apresentações cênicas se mostravam bastante amadoras. As atrações mais relevantes na capital da

10 Fez recitais por toda a Europa, tendo tocado em dueto com Henri Vieuxtemps e Henryk Wieniawski.

província eram relacionadas às artes circenses, às retretas e aos famosos saraus. A Casa da Ópera, casa de espetáculo, já relatada no item anterior, construída no século XVIII, era o espaço utilizado para esses eventos culturais.

Em 1804, o Governador Paulo José da Silva Gama reuniu no palácio pessoas influentes daquela época, no qual pronunciou da importância em ser construído na cidade um teatro que pudesse ser motivo de honra e que substituísse a atual Casa da Ópera que se encontrava em estado de degradação, necessitando de investimentos para sua reforma. Conforme relatam Damasceno et al (1975), Gama não conseguiu levar adiante seu projeto inicial, restando apenas a possibilidade de reforma da Casa da Ópera.

Em 1834, fecham-se as cortinas definitivamente da Casa da Ópera e, somente quatro anos após, surge um novo palco denominado de Teatro D. Pedro II, construído pela força de um grupo chamado de Sociedade Dramática Particular. Esse teatro, se é que daria para chamá-lo assim, embora fosse recém- -construído, ainda era considerado muito simples para a necessidade da cidade, que havia crescido muito até então. A província de São Pedro, atual Porto Alegre, ainda carecia de uma casa de espetáculos imponente.

Sem dúvida que, naquela época, o sonho da comunidade e também do governo era o de construir um Teatro “pomposo” e que representasse o progresso da Capital. Foi quando, em 7 de agosto de 1833, vários cidadãos se uniram para organizar uma sociedade com o objetivo de construir um novo teatro. Na sequência, redigiram um memorial ao Presidente da Província, Manuel Antônio de Galvão. O memorial, em seu conteúdo, versava sobre a solicitação da doação de um terreno, localizado no centro da Província, para que ali fosse construído o nosso atual Theatro São Pedro. Em tal documento, lia-se:

Ilmo. e Exmo. Sr. Governador da Província.

Os cidadãos abaixo assinados, acionistas numerários e extranumerários, movidos de um irresistível impulso de patriotismo, gratidão, amor do bem público e da humanidade e considerando a possibilidade que há para nesta cidade de Porto Alegre se erigir um monumento em honra a quem merece o renome de Herói do Brasil, Sua Majestade o Imperador que, identificando-se com o povo brasileiro, tem granjeado os títulos de Pai da Pátria, Fundador do Império e Fator de sua Independência [...] Eis os poderosos motivos que obrigam os suplicantes a

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procurarem o beneplácito e auspício de V. Excia. para acolher e proteger o plano de que coligados solidariamente os suplicantes com outros cidadãos que voluntariamente se quiserem prestar possam edificar um Teatro com a denominação de Theatro São Pedro de Alcântara, análogo ao nome do mesmo Augusto Senhor ao desta Constante e Leal Província de São Pedro [...] (DAMASCENO et al. 1975, p. 10)

Em 7 de agosto de 1833, Manoel Antônio Galvão assinou a carta de título sob o qual formalizava a doação de terreno, junto à praça principal da cidade, para a construção do teatro. Tão logo esse fato ocorreu, o projeto, elaborado pelo arquiteto Filipe Normann, foi enviado pela corte. Surpreendentemente, o projeto arquitetônico, de estilo neoclássico, concebia não somente um prédio, mas dois de igual simetria e estética. Os dois prédios foram construídos, um perto do outro, e passaram a ser chamados de gêmeos. Infelizmente o segundo não permaneceu erguido, pois foi vítima de um incêndio na década de 50. No seu lugar, hoje está localizado o atual prédio do Palácio da Justiça em Porto Alegre.

Isso posto, tem-se que o início da construção do Teatro São Pedro foi em 1833. Entretanto, dois anos após, ocorreu a Revolução Farroupilha e, por esse motivo, as obras foram suspensas, sendo retomadas somente após o findar da Revolução, em 1845. Nesse mesmo ano, empréstimos concedidos pelo governo possibilitaram que as obras fossem reiniciadas, embora longos vinte anos se passaram até que o Teatro pudesse ser finalmente inaugurado.

Contudo, nem os contratempos, que forçosamente fizeram parar as obras do teatro por vários anos, nem a falta de recursos, posteriormente suprida pelos empréstimos governamentais, foram empecilhos para vencer a grande vontade da comunidade porto--alegrense em concretizar seu sonho maior que era o de ver erguido um teatro de porte, o Theatro São Pedro. O novo prédio, considerado à altura das casas de espetáculos do Rio de Janeiro e de São Paulo, finalmente fora inaugurado em 27 de junho de 1858.

Nesse sentido, muitas foram as sociedades dramáticas criadas no século XIX em Porto Alegre e que encenaram no Theatro São Pedro desde a sua inauguração. Ao todo, foram trinta e três sociedades constituídas e consideradas importantíssimas na história do teatro no Rio Grande do Sul. Outrossim, no final do século XIX, ocorreram importantes avanços na área cultural. Um deles, considerado de grande destaque no entretenimento, foi a chegada do

cinematógrafo11 no Brasil, em 1896, primeiramente no Rio de Janeiro. A novidade, trazida da Europa pelos chamados demonstradores, chegou ao Rio Grande do Sul no mesmo ano e o Theatro São Pedro, como importante casa de espetáculos da capital, não ficou de fora das apresentações cinematográficas que foram inicialmente introduzidas entre ou ao final dos espetáculos teatrais.

O sucesso foi alcançado rapidamente, e o cinema, chamado na época de fotografia animada, após conquistar um grande público, deixou de ser exibido nos teatros e ganhou uma programação autônoma, pois, a partir de 1908, Porto Alegre passou a oferecer uma sala especializada para essa arte. Mas, o progresso continuava a ocorrer e, no início do século XX, outro acontecimento marcante, o surgimento da energia elétrica em Porto Alegre, possibilitou a substituição dos lampiões pela energia elétrica, algo que deu início à transformação da iluminação pública da cidade. Com o advento da energia elétrica, veio o progresso em várias áreas, dentre elas, também a área cultural, que foi beneficiada pelo fato de as noites culturais se tornarem mais confortáveis na capital gaúcha (GOLIN et al. 1989).

A capital desenvolveu-se de forma acelerada na área cultural logo nos primeiros anos do século XX, salas de cinema foram inauguradas e outros teatros, construídos. Dentre os cinemas, destacaram-se cinco salas como sendo as primeiras em Porto Alegre que eram especializadas, segundo Trusz (2008, p. 357), em exibições cinematográficas, são elas: o Recreio Ideal, o Recreio Familiar, o Rio Branco, o Berlim e o Variedades.

Em relação aos teatros que foram inaugurados no início do século XX e que, assim como o Theatro São Pedro, serviam para entreter a comunidade porto- -alegrense, Hessel (1999) destaca os seguintes: o Teatro Guarany (mais tarde transformado no cine Guarany), inaugurado em 1913, na Praça da Alfândega; em 1914, o teatro Apollo, na Praça Dom Feliciano, e, em 1927, o Auditório Araújo Viana12, localizado onde hoje se

11 O cinematógrafo caracteriza-se por ser um aparelho híbrido, associando as funções de máquina de filmar, de revelação de película e de projeção, ao contrário de outros aparelhos que dele derivaram, como a câmara com funções exclusivas de captação de imagem e o projetor de cinema, capaz de reproduzir essas imagens sobre uma superfície branca e lisa.12 Inaugurado em 1927 no local onde hoje se encontra o prédio da Assembleia Legislativa, o auditório teve grande projeção em sua sede original. Tratava-se de uma concha acústica em estilo neoclássico a céu aberto, que contava com vários bancos rodeados por caramanchões. Com os anos, foi aumentando a necessidade da construção de uma nova sede para a Assembleia, que deveria ser próxima às sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Isso levou à demolição do antigo prédio, e uma nova sede foi projetada pelos arquitetos Moacir Moojen Marques e Carlos Maximiliano Fayet.

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encontra a Assembleia Legislativa do Estado. Embora muitos teatros tenham sido abertos em Porto Alegre após o ano de 1900, o Theatro São Pedro continuou sendo o mais importante para os consagrados artistas brasileiros que faziam questão de se apresentar nesse espaço cultural.

É possível observar, portanto, que Porto Alegre permaneceu sendo uma cidade propícia para as apresentações culturais, visto o número de teatros que foram sendo abertos no decorrer do século XX. A década de 1970 já iniciou com a inauguração de mais duas novas salas de espetáculos, o Centro Social Israelita e o Teatro de Câmara. Mas essa não foi uma década muito feliz para o nosso Theatro São Pedro, pois este se encontrava em estado de calamidade. A precariedade era tamanha que, nesse ano, ele foi palco de uma tragédia, quando, em plena apresentação de uma famosa violinista japonesa, a saber, Nobuko Imai, em meio a seu concerto, caiu, repentinamente, uma peça de refletor, gerando grande constrangimento para os administradores do próprio teatro, sobretudo, para a comunidade teatral porto-alegrense (GOLIN et al. 1989).

Frente às adversidades ocorridas no início da década de 1970, o Theatro São Pedro fecha suas portas em 24 de abril de 1973, fazendo com que a capital tivesse que deixar de ofertar, até que pudesse ser restaurada, a sua casa mais importante e mais preferida, a mais significativa na memória do povo gaúcho e, principalmente, do povo porto-alegrense, o centenário Theatro São Pedro. Todavia, outras casas seguiram sendo abertas, sendo que, em 1975, já se somavam 11 espaços teatrais em Porto Alegre. Contudo, nenhuma se igualava ao Theatro São Pedro, pois,

Se a cidade já tinha ficado esporadicamente sem contato com o Theatro São Pedro, desta vez são nove anos de interrupção. Uma ausência significativa, já que no cotidiano da população ‘ir ao teatro, era ir ao São Pedro’, registra Suzana Kilpp. Em 1975, Porto Alegre contava com 11 espaços para atividades cênicas, nenhum semelhante ao palco da Matriz. O auditório da Assembleia Legislativa tinha sido inaugurado, existia o Arena, o Leopoldina, o Araújo Viana, o Câmara, o teatrinho do DAD, além dos palcos alternativos do Círculo Social Israelita, Clube de Cultura, Instituto de Artes, Reitoria da UFRGS e PUC. (GOLIN et al. 1989, p. 22)

Diante da necessidade de ser restaurado, uma união de esforços vindos de diversas lideranças se

instaurou e várias ações começaram a ser executadas, sendo uma das mais relevantes a entrega da administração do teatro para Eva Sopher, em 1975. Os recursos iniciais chegaram em 1976, e o arquiteto responsável pelo restauro foi Carlos Antonio Mancuso, que recebeu de Dona Eva a incumbência de fazer o projeto, mas de preservar o original estilo Neoclássico. Recursos do Estado e da União uniram-se aos recursos de campanhas realizadas para que o Theatro São Pedro pudesse reabrir. Já haviam se passado oito anos desde que Eva Sopher havia assumido a administração do teatro, muitas outras casas de espetáculos continuaram a ser inauguradas na capital, mas ainda nenhuma a poderia ser comparada ao Theatro São Pedro, que continuava com suas portas fechadas.

Mais do que nunca, Porto Alegre crescia em número de teatros. Em 1980, já havia sido inaugurado o teatro Renascença, o Alvaro Moreyra, o Teatro do Ipê, o Teatro Um. Com o Theatro São Pedro ainda inativo, as apresentações de concertos, por isso, eram realizadas no Teatro da Ospa, antigo Teatro Leopoldina, e o Teatro Presidente era a atual casa que recebia as apresentações vindas de fora do estado. Para conseguir arrecadar os recursos necessários para a reabertura do Theatro São Pedro, foi criada, em 18 de março de 1982, a Fundação Theatro São Pedro, possibilitando, então, o recebimento de verbas e apoios de empresas privadas.

A partir de então e após nove anos de muito empenho por parte da comunidade empresarial porto- -alegrense e, principalmente, da sua administradora Eva Sopher, no dia 28 de junho de 1984, o Theatro São Pedro reabre – contando com uma temporada de apresentações ilustres, dentre elas, as de Bibi Ferreira e da Orquestra Sinfônica Brasileira. Um mês depois, o então Governador do Estado, Jair Soares, assina portaria autorizando o tombamento do prédio.

Outrossim, para que o Theatro São Pedro pudesse honrar seus compromissos, principalmente da área administrativa, foi criada, em 1985, a AATSP – Associação dos Amigos do Theatro São Pedro, hoje com mais de 1.000 sócios que contribuem com um valor monetário mensalmente e, com isso, ajudam a manter o referido teatro. Igualmente nesse ano, o teatro passou a contar, também, com a sua própria orquestra, a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro.

Contudo, o Theatro São Pedro, construído no século XIX, já não atendia mais a todas as necessidades que uma casa de espetáculos precisava oferecer frente às novas tendências culturais. Diante disso, em agosto de 1985, D. Eva Sopher iniciou um projeto, solicitando, junto ao governo, um espaço ao lado do Theatro São

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Pedro, para, inicialmente, colocar a administração do teatro. Esse projeto cresceu ao longo dos anos e ela conseguiu um espaço correspondente a 10 terrenos, no centro de Porto Alegre, ao lado do referido teatro, o qual foi destinado ao atual Multipalco.

5 o tHEatro sÃo PEdro na MEMória da cidadE

O reconhecimento do valor cultural de um bem pode ser realizado por diversas formas, mas o tombamento é o único que o transforma em patrimônio cultural oficial e também lhe concede tangibilidade (MEIRELES; PEDDE, 2013). Conforme Di Pietro (2005), o tombamento pode ser definido como o procedimento administrativo pelo qual o poder público sujeita a restrições parciais os bens de qualquer natureza cuja conservação seja de interesse público, por sua vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico. E, nesse sentido, o Theatro São Pedro é prova viva de que o patrimônio preserva uma memória que observa o espaço físico (material) como suporte para a formação de uma memória coletiva (imaterial). Nesse sentido, como escreve Meirelles (2011, p. 22), temos que,

[...] a memória é formada por experiências e vivências que são para o indivíduo testemunhos vivos de algo que passou, tem-se então que, de alguma forma, esta deverá se fazer presente no quotidiano dos indivíduos que a evocam, ora para corroborar com algo que tendem a ter como certo, ora para questionar certezas que doutra forma estariam dadas. A essa lembrança – testemunho de um tempo passado que se faz presente em nosso pensar como juris defendis da experiência, como senhor da verdade inconteste que julga os fatos e coloca-os em uma teia de sentidos associando-os a outros referentes, ressemantizando-os e dando-lhes novos sentidos, significados e interpretações aos quais a partir de seu contato com novos excertos do real –damos o nome de memória.

A memória assim entendida serve ao indivíduo para enfraquecer ou reforçar um argumento acerca do qual este já tem algum conhecimento, de modo que a esse “eu” que testemunha, a partir daquilo que viu, viveu e experienciou, denominamos de memória individual. Mas, quando o relato nos é trazido por outras pessoas e vem de experiências por elas vividas e/ou da existência de um manancial comum de conhecimentos que lhes

são anteriores, damos o nome de memória coletiva. Contudo, como afirma HALBWACHS (2006, p. 39),

Para que nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem recordar venha a ser reconstruída sobre uma base comum. Não basta reconstituir pedaço a pedaço a imagem de um acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que essa reconstrução funcione a partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também no dos outros, porque elas estão sempre passando destes para aquele e vice-versa, o que será possível somente se tiverem feito parte e continuarem fazendo parte de uma mesma sociedade, de um mesmo grupo.

Assim, relembrar a cidade e seu passado é também imaginar e, nesse sentido, o modo como as pessoas imaginam o presente é o resultado de um processo contínuo de vivência do passado e ressignificação do presente. Isso posto, temos, então, que o Theatro São Pedro também guarda em si uma visão da memória, um espaço físico, assim como cognições e imaginários.

O Theatro São Pedro representa, assim, para muitas pessoas, um lugar para vivenciar e imaginar o passado. Ao entrar no referido teatro, tem-se a sensação de estar realmente vivendo na época do império, visto que a restauração preservou a mesma arquitetura original da época. E, lá, fugazes partículas do presente reacendem a vivência do passado no tempo presente.

Da mesma forma, como se procurou demostrar a partir do resgate da história do teatro no Brasil, é basilar que consideremos também o lugar que o Estado, como principal agente financiador da cultura, tem no processo de produção de determinados hábitos e costumes culturais, como, por exemplo, ir ao teatro, ao cinema, a concertos e musicais, uma vez que, ainda nos dias atuais, consumir cultura não é nada barato e encontra-se de certa forma restrito a determinados segmentos sociais.

6 considEraÇõEs Finais: oU sobrE os Hábitos dE consUMo dE bEns E sErViÇos cUltUrais

Se, em tempos outros, quando de seu surgimento na Grécia, o teatro era um espetáculo para o povo e que mais tarde se direcionou para fins políticos e religiosos, como vimos, tem-se que, com o passar dos séculos e

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com sua profissionalização, esse foi aos poucos saindo das ruas, das igrejas e passou a ter um espaço só para si. Primeiramente, foram as Casas de Ópera, depois os Teatros em si. E, ao mesmo tempo em que o teatro e os espetáculos cênicos se confinavam em espaços destinados a eles, crescia a pompa e o glamour dessa arte milenar.

Desse modo, dado seu crescente refinamento e as exigências cognitivas e culturais necessárias a sua compreensão, ele foi também aos poucos se elitizando, pois não eram todos que compreendiam em sua totalidade as temáticas ali tratadas, de modo que o teatro muito mais foi o reflexo de expressões e dos anseios de uma classe média e alta intelectualizada do

que aqueles ligados ao povo em si. Mas não pensemos que hoje as coisas são muito diferentes, pois, como mostram os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008 (POF 2008), realizada pelo IBGE, apresentados nas Tabelas 1 e 2, tem-se que, quanto maior o estrato de renda em que se situa o indivíduo, mais acesso e dispêndio com educação, recreação e cultura será observado.

Do apresentado na Tabela 1, depreende-se que, quanto mais se ganha, mais se estuda, de modo que há uma tendência a que, quanto mais alto for o estrato de renda em que está situado o indivíduo, mais intelectualizado este seja e mais acesso possua a equipamentos culturais diversos destinados a

Tipo de Despesa Até 830 ReaisDe 830 a

1.245 ReaisDe 1.245 a 2.490 Reais

De 2.490 a 4.150 Reais

De 4.150 a 6.225 Reais

De 6.225 a 10.375 Reais

Mais de 10.375 Reais

Cursos regulares 0,96 2,28 5,88 13,81 37,2 89,99 131,62

Cursos superiores 0,65 2,26 8,12 27,82 50,1 94,2 125,38

Outros cursos e atividades

1,13 2,87 6,6 17,65 34,71 66,1 109,94

Livros didáticos e revistas técnicas

0,59 0,97 1,42 3,32 5,58 10,52 15,47

Artigos escolares 2,96 3,73 4,8 6,84 7,88 11,05 10,9

Outras 0,54 0,85 2,19 5,24 10,18 16,55 16,01

Total de Despesas com Educação

6,83 12,95 29,01 74,66 145,64 288,4 409,31

Fonte: Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008

Tabela 1 - Gastos do brasileiro no ano de 2008 com Educação (por estrato de renda e em R$)

Tipo de Despesa Até 830 ReaisDe 830 a

1.245 ReaisDe 1.245 a 2.490 Reais

De 2.490 a 4.150 Reais

De 4.150 a 6.225 Reais

De 6.225 a 10.375 Reais

Mais de 10.375 Reais

Brinquedos e jogos 1,64 2,83 4,75 8,97 14,48 15,19 25,76

Celular e acessórios 2,69 4,46 7,54 10,61 13,2 17,19 18,79

Periódicos, livros e revistas não-didáticas

0,96 1,43 3,54 7,14 13,75 28,29 49,83

Recreações e esportes

1,37 2,78 5,73 13,22 25,87 41,47 93,12

Outras 1,72 3,16 6,26 11,58 19,39 31,08 52,07

Total de Despesas com Recreação e cultura

8,38 14,67 27,81 51,53 86,7 133,22 239,57

Fonte: Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008.

Tabela 2 - Gastos do brasileiro no ano de 2008 com Recreação e Cultura (por estrato de renda e em R$)

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atividades lúdicas, de recreação e cultura, assim como também, em tese, maior será o seu consumo de livros e revistas especializadas, algo que, na Tabela 2, também fica bastante evidente.

Do exposto, depreende-se que ter acesso cultura está diretamente relacionado ao acesso que se tem à educação, uma vez que, como já afirmam Raizer e Meirelles (2013), a renda percebida pelo indivíduo está em grande medida relacionada aos anos de estudo que este possui, ou seja, à medida que os anos de escolaridade aumentam, aumenta também a renda percebida e os gastos deste com educação, recreação e cultura, entre eles, o teatro, como mostra o Gráfico 1.

Assim, há de se considerar, à guisa de conclusão, quer queiramos, quer não, que o acesso a bens de natureza cultural e, em especial, ao teatro continua a ser um privilégio de poucos. Ou seja, daqueles que podem pagar de 40 a 100 reais por um espetáculo

dessa natureza, de modo que, considerando-se os dados apresentados pelo IBGE para o ano de 2008, isso só poderia estar contabilizado no orçamento daquelas famílias que se situam nos quatro últimos estratos de renda.

Aos outros, restam os espetáculos mais baratos, as idas ao cinema e ao parque com a família, assim como aos shows realizados ao ar livre e nos finais de semana, pois, durante a semana, eles estarão trabahando após ter abandonado a escola para poder auxiliar a família e complementar a sua renda. De outra maneira, ainda hoje, como outrora, a cultura continua contando com o financiamento do Estado para que se realize e, hoje, assim como dantes, ainda são poucos os que têm acesso a ela e podem usufruir das benesses oferecidas pelo Estado através das diversas leis de subsídio e financiamento da cultura.

Gráfico 1 - variação dos gastos do brasileiro no ano de 2008 com Educação, Recreação e Cultura (em R$)Fonte: Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008

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Recebido em: 15 de agostoAceito em: 29 de setembro

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indicadorEs na GEstÃo PÚblica E o PlanEJaMEnto EstratÉGico sitUacional: UMa análisE do PrÊMio “MUnicíPios QUE FazEM rEndEr Mais”

indicators in PUBlic ManaGeMent and tHe strateGic PlanninG sitUation: an analYsis oF tHe aWard “MUniciPalities tHat MaKe More render”

Oderlei Ferreira dos Santos 1

Monica Franchi Carniello2 Jorge Luiz Knupp Rodrigues3

RESUMO: O presente artigo busca analisar os indicadores públicos utilizados no Prêmio Municípios que Fazem Render Mais, à luz dos balanços de governo do Planejamento Estratégico Situacional, a fim de identificar se existem relações entre ambos com potencial para avaliar a gestão pública no balanço global proposto pelo Planejamento Estratégico Situacional e, assim, contribuir com a mensuração da efetividade e da eficácia tecnocrática, política e da Gestão Pública. Procurou-se resgatar os conceitos teóricos do Planejamento Estratégico Situacional e a concepção do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais e, assim, estabelecer uma análise qualitativa buscando identificar a convergência dos indicadores com os balanços. O estudo apontou que é possível mensurar os balanços através de indicadores, entretanto é necessário que haja uma definição adequada para que expresse a real condição do governo.Palavras-chave: Prêmio municípios que fazem render mais. Planejamento estratégico situacional. Avaliação da Gestão Pública.

ABSTRACT: This study aims to analyze the public indicators used in the Award Municipalities that Make More Render considering the balance of government of Situational Strategic Planning in order to identify whether there is a relationship with the potential to evaluate public management in the global balance proposed by Situational Strategic Planning, and so contribute to the measurement of effectiveness and efficiency technocratic, policy and Public Management. Tried to rescue the theoretical concepts of Situational Strategic Planning and the conception of Award Municipalities that Make More Render and establish a qualitative analysis in order to identify the convergence of indicators with the balance. The study indicated that it is possible to measure the balance through indicators, however there needs to be a definition suitable for expressing the true condition of the government.Keywords: Award municipalities that make more render. Situational strategic planning. Evaluation of Public Management.

1 Mestrando em Gestão e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubaté. [email protected] Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté, Rua Expedicionário Ernesto Pereira, 225, Portão 2, CEP 12020-030, Taubaté, SP, Brasil, [email protected] Professor Doutor Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Gestão e Desenvolvimento Regional da Universidade de Taubaté, Rua Expedicionário Ernesto Pereira, 225, Portão 2, CEP 12020-030, Taubaté, SP, Brasil, [email protected].

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1 introdUÇÃo

Com a consolidação do planejamento plurianual, a gestão pública passou a aprimorar seus controles administrativos, surgindo nesse âmbito os indicadores de desempenho. Outro fator que contribui para essa evolução é a função da sociedade civil e das organizações sociais ao exercer o papel de fiscalizador do governo, exigindo resultados efetivos e eficientes, levando a um planejamento de maior qualidade com bases tecnicamente mais consolidadas (ANTICO; JANNUZZI, 2013). Entre as técnicas que dão base ao governo, pode ser citado o Planejamento Estratégico Situacional – PES, idealizado especificamente para a gestão pública e que fomenta a evolução e a modernização da gestão. De acordo com Matus (2005), o PES provém da necessidade de preencher um vazio científico na política em busca de sanar o acúmulo de problemas oriundos da prática de métodos ultrapassados. Essa prerrogativa pressupõe a relevância deste trabalho ao considerar os benefícios das ações que buscam melhorar os aspectos da administração pública, seja de forma direta, como programas de gestão, ou indireta, como a divulgação ou o fomento de tais programas.

No Brasil, o método PES possui diversas iniciativas de divulgação e aplicação por organizações reconhecidas, como, por exemplo, a FUNDAP – Fundação de Desenvolvimento Administrativo. Segundo Fonseca, Beltrão e Prado (2012), o PES serviu como embasamento teórico para a elaboração do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais, idealizado em 2011 pela FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – e coordenado pela FGV – Fundação Getúlio Vargas –, com o intuito de divulgar e reconhecer boas práticas de gestão pública.

O Prêmio Municípios que Fazem Render Mais foi aberto para todos os municípios do Estado de São Paulo e estruturado em quatro etapas eliminatórias, em que, ao final, foram obtidos os municípios vencedores. Os critérios de eliminação foram por meio de avaliações de aspectos da gestão municipal em que buscaram as práticas de estado independente do governo. Para tanto, foram avaliados programas e selecionados

indicadores públicos que retrataram a capacidade de governo (FONSECA; BELTRÃO; PRADO, 2012).

Considerando a abrangência do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais e seu relacionamento com o PES, o objetivo deste estudo consiste em explorar a relação dos indicadores abordados no Prêmio com os balanços propostos no PES. O presente artigo busca responder se existem interfaces entre os indicadores e os balanços de governo, de forma a extrair subsídios para avaliar a gestão pública por meio de um balanço global estruturado. Tendo tal objetivo como alvo, buscou-se desenvolver um referencial teórico sobre o PES e os aspectos do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais, de forma a explorar seus conceitos e, assim, por meio de uma análise qualitativa, buscou avaliar os dados do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais em relação aos balanços de governo contido no PES, atendendo, assim, ao objetivo proposto.

2 rEFErEncial tEórico

O referencial teórico apresenta uma alusão ao PES, sua aplicação na gestão pública, faz uma breve apresentação do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais e os indicadores utilizados no respectivo em sua edição.

2.1 Planejamento estratégico situacional – Pes

O PES foi concebido pelo economista chileno Carlos Matus entre os anos 70 e 80. O método tem por objetivo servir a gestão pública ou quaisquer órgãos que não tenham o mercado como alvo exclusivo e em que seja inerente o jogo político, econômico e social (HUERTAS, 1996). O PES caracteriza-se pelo fato de sua aplicação ser delineada exclusivamente para a gestão pública e, assim, conforme Huertas (1996), esse método se distingue dos outros tipos de planejamento estratégico, denominado como tradicional, principalmente pela forma de responder

Questão Planejamento estratégico tradicional PES

Como explicar a realidade? Diagnóstico Apreciação situacional

Como conceber o plano? Cálculo paramétrico Apostas

Como tornar viável o plano necessário? Consulta política Análise estratégica

Como agir a cada dia de forma planejada? Execução do plano Cálculo ação e correção

Quadro 1 - Comparativo entre o PES e o Planejamento Estratégico TradicionalFonte: Elaborado a partir de Huertas (1996) e Matus (1997)

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a quatro questões básicas colocadas pelo autor e demonstradas no Quadro 1.

Gonçalves (2005) aponta que a concepção do PES provém de uma alternativa ao planejamento estratégico tradicional e é pautada na democracia e na descentralização, tendo como resultado a criação coletiva. Para Migliato (2004), o planejamento estratégico situacional concentra as ações para uma realidade em constante alteração. Nesse sentido, o plano constitui-se em uma aposta. Pode-se planejar e não prever o futuro, porque a realidade está cheia de surpresas que impedem a predição. Pode-se prever com algumas variáveis, mas os planos de contingência são indispensáveis para enfrentar as surpresas.

[...] planejar é tentar submeter o curso dos acontecimentos à vontade humana, não deixar que nos levem e devemos tratar de ser condutores de nosso próprio futuro, trata-se de uma reflexão pela qual o administrador público não pode planejar isoladamente, esta se referindo a um processo social, no qual realiza um ato de reflexão, que deve ser coletivo, ou seja, planeja quem deve atuar como indutor do projeto (MATUS, 1993, p. 13).

O PES consiste em quatro etapas: a apreciação situacional por meio da explicação da realidade; as apostas em cenários na concepção do plano; a análise estratégica para viabilizar o plano; e cálculo, ação e correção para atuar no cotidiano (HUERTAS, 1996).

Para explicar a realidade, Matus (1996a) descreve que essa etapa se dá através de diagnóstico ou na explicação situacional. Para tanto, analisa o ambiente social, considerando as dimensões da ação humana, inclusive as percepções que os atores possuem em relação a um determinado problema. Para Matus (1996a), o que é ameaça para um ator pode ser a oportunidade de outro e isso leva à constituição de planos diferentes entre os diversos atores do ambiente social em relação ao mesmo problema. Dessa forma, a relevância da explicação da realidade consiste na obtenção dos motivos que levam os atores a terem planos distintos.

Na concepção do plano, o autor destaca o tratamento e o surgimento da ação. Para Matus (1996a), o resultado do plano depende de circunstâncias em que não há predição nem controle, dessa forma, é necessária a instituição de vários planos para atuar em diversas circunstâncias. Em entrevista com o jornalista Franco Huertas, Carlos Matus afirma que o plano não depende somente das definições de quem planeja, pois interage em um meio que sofre interferências e passa a depender também de circunstâncias externas

que o planejador não controla e não pode predizer (HUERTAS, 1996).

Após a concepção do plano, deve-se despender esforços para sua implementação e, nessa fase, entra a estratégia. O método PES, conforme Huertas (1996), conclui que quem interage com o plano, ou seja, os atores não conseguem conhecer toda a realidade, assim, é possível distinguir ação de decisão, na medida em que o ator relaciona os caminhos dentro de sua realidade visando ao objetivo e, quando escolhe um caminho, transforma a decisão em ação. No planejamento tradicional, as decisões transformam--se em ações, assim, decisões e ações são iguais. No método PES, o planejador considera as possíveis decisões e busca construir a viabilidade da ação, articulando seus aspectos técnicos e políticos e nisso consiste o papel da estratégia. É na estratégia que o ator busca informações para pensar nas decisões e viabilizar ações adequadas para aquilo que predomina sobre as possibilidades de ser.

Como é impossível prever as ações dos outros atores, a estratégia surge como forma de buscar as melhores alternativas dentro do jogo e, assim, redirecionar constantemente os objetivos e os caminhos da organização (MOTTA, 1997, apud FIGUEREDO FILHO; MULLER, 2002). Dessa forma, Matus (1996a) afirma que a ação tem significado ambíguo entre um ator e outro, caso não esteja no contexto situacional, havendo, assim, variações na interpretação de cada indivíduo. “Trata-se da ação intencional ou reflexiva, por meio da qual o ator da ação espera alcançar conscientemente determinados resultados. E o fundamento dessa ação é um juízo complexo que foge às predições” (MATUS, 1996a, p.158). Matus (1996b) insere que o plano requer ações de impacto em direção dos objetivos. Nesse contexto, a adoção de táticas adequadas é essencial para que o plano proposto possa ser uma realidade viável.

Por fim, o último momento do PES trata do monitoramento das ações, ou seja, controlar e corrigir as ações, se necessário. Matus (1996a) propõe um sistema de monitoramento através de três balanços.

O primeiro balanço refere-se à gestão pública. Consiste em contabilizar os resultados (positivos ou negativos) oriundos das decisões tomadas.

O segundo balanço trata da situação macroeconômica. Esse balanço considera custos e benefícios, além das “[...] consequências políticas do manejo macroeconômico e dos resultados econômicos alcançados nas condições políticas vigentes [...]” (MATUS, 1996a, p. 31). Nesse contexto insere-se a eficácia macroeconômica.

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No terceiro balanço, é abordado o intercâmbio de problemas específicos. Esse balanço trata do saldo dos efeitos políticos oriundos da forma de ação frente aos problemas. Matus (1996a) propõe, nessa etapa, a visualização de placares dos problemas.

Para analisar os balanços, Matus (1996a) recorre aos conceitos de Marx Weber e transcreve a necessidade da eficácia formal ou técnica e a eficácia material ou política, considerando que ambas são inter-relacionadas e produzem impactos mútuos de uma à outra e, assim, produzem efeito no balanço global.

Carlos Matus (2005) propõe o PES como um instrumento que contribui para a evolução da gestão pública. A necessidade do método é justificada frente à grande distância entre a ciência e a política, enquanto a primeira acumula uma evolução acelerada, a segunda detém certa carência que resulta na má gestão pública e, por consequência, em acúmulos de problemas sociais. O autor destaca que “a intensidade e complexidade dos problemas sociais crescem em ritmo acelerado, enquanto a capacidade pessoal ou institucional de governar fica cada vez mais distante deste desafio” (MATUS, 2005, p.21) e, assim, incide um

problema de teoria da prática com base na forma de atuação vertical da equipe de governo.

A atuação vertical refere-se às atividades especialistas dos departamentos que divergem com a função pública. Conforme as Figuras 1 e 2, a função pública ultrapassa as fronteiras tradicionais (vertical) na medida da necessidade da explicação da realidade e da identificação, análise de problemas e suas causas. Dessa forma, calcula o futuro incerto, a fim de estabelecer estratégias para viabilizar ações e monitorar a evolução das mudanças na realidade, além de buscar modernizar as organizações.

Os problemas sociais são transdepartamentais, de tal forma que exigem uma análise de causa e efeito entre departamentos, como, por exemplo, um médico faz políticas de saúde, entretanto um problema de saúde pode ter ligações diretas com problemas econômicos, ecológicos, políticos e outros, exigindo assim uma análise horizontal, conforme a Figura 2, em que gera relações transdepartamentais de conteúdo (seta A) e exige a análise de intercâmbio de problemas entre os departamentos (seta B), que, por sua vez, geram problemas para a sociedade, que geralmente não são reconhecidos no sistema vertical. Nisso

Estilo / polo de governo Características

Chimpanzé

• Polo de acumulação de poder

• O poder como fim (poder pelo poder)

• Domina a micropolítica (pouco espaço para a macropolítica)

• A micropolítica é afastada das ciências e dos interesses dos cidadãos

• Tem a ver com lutas pessoais e entre partidos

Maquiavel e Gandhi

• Polo do uso do poder no combate dos problemas sociais

• Poder como meio (os fins justificam os meios)

• Opta por problemas sociais que são avaliados em época de eleições e tais problemas

estão distantes do cidadão que os avalia).

Quadro 2 - Estilos de governos – Polo de poderesFonte: Elaborado a partir de Matus (2005)

Figura 1 - Caso verticalFonte: Adaptado de Matus (2005, p.23)

Figura 2 - Caso horizontalFonte: Adaptado de Matus (2005, p.23)

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83Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

consiste o enfoque da teoria da prática que busca avaliar os problemas e fazer apostas em um cenário de incerteza.

Matus (2005) enfatiza a necessidade da modernização da gestão pública com a adoção de métodos sistêmicos operacionalizados por políticos preparados para tal função, sendo primordial o abandono do estilo político no qual a concorrência está a serviço da sociedade, mas gera mais problemas do que resolve. Tais estilos são caracterizados pelos aspectos negativos das alegorias de Chimpanzés e, por outro lado, Maquiavel e Gandhi, conforme o Quadro 2.

Diante de tal problemática, ao considerar a alta complexidade da função de governo, o PES traz consigo o triângulo de governo (Figura 3) como método para elevar a qualidade da gestão pública e contribuir para responder a questões essenciais, conforme observadas no Quadro 3 (MATUS, 1996a e MATUS, 1997). Tais questões são respondidas através dos balanços de governo, e o sucesso dos resultados depende da proposta de governo (B), da capacidade do governo (α) e da governabilidade

(ß), entretanto, Matus (1996a) descreve que essas questões podem ser respondidas de forma imprópria, se houver o domínio de improvisações no governo, o que levaria a sérias falhas, com um alto prejuízo na gestão.

Matus (2006) aponta que o triângulo de governo expõe o posicionamento do governo diante da realidade. Dessa forma, as variáveis B, ß e α formatam um sistema inter-relacionado em que “a baixa capacidade de governo afeta a governabilidade, a qualidade da proposta e a gestão do governo. As exigências do projeto de governo põem em prova a capacidade de governo e a governabilidade do sistema” (MATUS, 2006, p. 130), que, por sua vez, limitam o projeto de governo e cobram a capacidade de governo. Em resumo, “deve haver um equilíbrio dinâmico entre B, ß e α” (MATUS, 2006, p. 130).

De acordo com Matus (1996a, p. 30),

[...] o método PES qualifica a gestão do governo segundo os resultados e as condições fora do controle do ator (variantes) nas quais os resultados são alcançados.

• Como vai o governo? Qual seu balanço global?• Em que medida estão sendo cumpridos os compromissos em relação aos objetivos e às metas?• As decisões tomadas levam a um enfrentamento eficaz dos problemas que são focos da atenção do governo e dos cidadãos?• Quais são as principais causas do êxito ou do fracasso da gestão do governo?• O que é preciso para corrigir as falhas identificadas? Em que pontos devemos perseverar?• É necessário ou inevitável mudar ou alterar os objetivos e as metas?• Qual é o peso, nas falhas, das circunstâncias fora do controle do ator?

Quadro 3 - Questões essenciais para a gestão públicaFonte: Elaborado a partir de Matus (1996a, p.28)

Figura 3 - Triângulo de governo segundo o PESFonte: Adaptado de Matus (1996a), Matus (1997) e Matus (2006)

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Figura 4 - Jogo socialFonte: Matus (2006, p. 129)

Etapa Descrição da Etapa

Etapa 1

Escolha dos municípios pré-finalistas pelo Comitê Técnico (especialistas) apoiado

pela Coordenação do programa. Nessa etapa, foram analisadas as respostas dos

questionários enviadas pelos municípios, tendo como critério a sustentabilidade,

a transparência da gestão pública, a participação popular, a contribuição para o

desenvolvimento local, o custeio e a qualidade do investimento, bem como as

responsabilidades fiscal e social.

Etapa 2

Escolha dos municípios finalistas. A coordenação do Prêmio Municípios que Fazem

Render Mais enviou aos municípios pré-finalistas um questionário complementar

para obter informações específicas a respeito dos respectivos programas e projetos,

sendo base para a escolha dos municípios finalistas.

Etapa 3Visita dos especialistas aos municípios finalistas para conhecer algumas das ações

desenvolvidas (realização de entrevistas e análise de dados).

Etapa 4Avaliação das informações coletadas e definição dos vencedores pela banca

julgadora composta por especialistas em gestão pública.

Quadro 4 - Etapas do Prêmio Municípios que Fazem Render MaisFonte: Elaborado a partir de Prêmio Municípios que Fazem Render Mais (2011)

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No jogo social (Figura 4), o ator escolhe o plano, mas não pode escolher as circunstâncias em que esse será aplicado (favoráveis ou desfavoráveis). Dessa forma, não há como prever resultados com precisão, mas, sim, suposições formadas pelo conjunto de circunstâncias de ß.

Dessa forma, para lidar com as circunstâncias ß, Matus (2006) propõe a aplicação de técnicas de cenários e técnicas de absorção de incertezas sobre as Variantes (VP, VO) e Invariantes (IV) e o estabelecimento de planos de contingência sobre as Surpresas (S). Para obter um alto nível de qualidade em α, o autor aponta a adesão de direção estratégica, análise de vulnerabilidade e confiabilidade dos programas adotados e avaliação prévia das ações propostas, bem como análise das ações implantadas.

Os conceitos expostos demonstram as características e a abrangência do PES na gestão governamental. Para Fonseca, Beltrão e Prado (2012), o PES tem por objetivo o planejamento governamental e os conceitos expostos contribuíram nas questões teóricas e práticas do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais, que teve por objetivo a avaliação da gestão pública.

2.2 PrêMio MUnicíPios qUe FaZeM render Mais

O Prêmio Municípios que Fazem Render Mais foi iniciado no estado de São Paulo no ano de 2011, por meio de uma iniciativa da FIESP e conduzido pelo Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da FGV, e teve por objetivo

Identificar, reconhecer e disseminar as melhores práticas de gestão dos recursos públicos, valorizando os esforços voltados à melhoria da capacidade de planejamento, inovação e prestação de serviços das prefeituras para os cidadãos (PRÊMIO. Municípios que Fazem Render Mais. Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/municipios-que-fazem-render-mais/>).

Para tanto, o desenvolvimento do trabalho passou por quatro etapas conforme o Quadro 4.

O Prêmio Municípios que Fazem Render Mais foi aberto para todos os 645 municípios do estado de São Paulo e contou com a participação voluntária de 74 municípios que se inscreveram a fim de expor suas práticas de gestão. Os municípios foram classificados por porte, sendo agrupados pelo número de habitantes e divididos em três grupos: municípios com menos

de 50 mil habitantes, municípios com 50 a 250 mil habitantes e municípios com mais de 250 mil habitantes. A etapa final contou com 16 municípios e os vencedores de cada grupo foram divulgados em junho de 2012 (PRÊMIO Municípios que Fazem Render Mais). Conforme Fonseca, Beltrão e Prado (2012), a ideia do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais advém da Associação Comercial e Industrial de Joinville (ACIJ), que, no ano de 2010, realizou um trabalho semelhante ao instituído no estado de São Paulo, dessa forma, o Prêmio Municípios que Fazem Render Mais surge “da inquietação de setores empresariais” (FONSECA; BELTRÃO; PRADO, 2012 p. 250).

Segundo Crantschaninov e Medeiros (2012, p. 5), o Prêmio Municípios que Fazem Render Mais

baseia-se em um sentido mais amplo de desenvolvimento, no qual o “maior rendimento” de cada município é considerado através de sua capacidade de sustentabilidade das ações; transparência; participação popular; desenvolvimento local; qualidade do custeio e investimento; e responsabilidade fiscal e social, ou seja, as seis dimensões de análise.

De acordo com Fonseca, Beltrão e Prado (2012), o Prêmio buscou avaliar a gestão pública e não programas específicos. Para tanto, buscou-se no PES o embasamento teórico necessário, principalmente, nas considerações do triângulo de governo. Fonseca, Beltrão e Prado (2012) descrevem que o Prêmio procurou avaliar:

• a capacidade dO município institucionalizar suas ações em prol da democratização, da transparência, da eficiência e da efetividade no uso dos recursos públicos;

• a demonstração da transparência da gestão pública;

• a abertura à participação dos cidadãos nas decisões governamentais;

• a contribuição da administração municipal ao desenvolvimento local;

• a conjugação entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social.

Esses critérios tiveram por objetivo acolher os aspectos do governo municipal a fim de retratar o governo e suas ações. Buscou-se avaliar as dimensões possíveis e dependentes da capacidade de governo, e não aquelas indeterminadas pela realidade. O trabalho contou com a avaliação de informações estratégicas que envolveram fatores de natureza econômica, social e político-administrativa e, do ponto de vista quantitativo,

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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas86

foram utilizados indicadores públicos. A seleção dos indicadores buscou parâmetros comparativos entre os municípios que tivessem disponibilidade de dados para todos os municípios do Estado e que respondessem quanto ao significado de render mais perante as disparidades da realidade entre os municípios. Dessa forma, foram identificados 19 indicadores distribuídos nas dimensões econômica, social e gestão municipal, conforme demonstrados no Quadro 5. Tais dimensões formam um sistema interativo que representa a capacidade de governo. Entendendo que capacidade de governo é afetada por diversos fatores, buscou-se, nas variáveis escolhidas, o potencial de apresentar o marco situacional de qualquer governo, entretanto a avaliação dos indicadores não teve o caráter evolutivo do mesmo município, mas, sim, a comparação entre os municípios (FONSECA; BELTRÃO; PRADO, 2012).

3 MÉtodo

A presente pesquisa apresenta-se como qualitativa, o que possibilita “entender a natureza de um fenômeno social” (RICHARDSON, et al. 1999, p. 79). Tendo o objetivo exploratório, o desenvolvimento foi a partir da análise bibliográfica e documental. Para Lima (2008), a pesquisa bibliográfica exibe-se como forma de obter as informações requeridas no objetivo, sendo importante ferramenta para os trabalhos acadêmicos, enquanto a pesquisa documental configura um instrumento analítico com o objetivo de complementar ou extrair novas interpretações, pois, conforme Moreira (2008), permite expor os fatos registrados em um novo ângulo de visão, respeitando a originalidade dos documentos.

Dimensões Indicadores

Econômica

PIB per capita (em R$) — 2008

Crescimento real do PIB entre 2004 e 2008 (%)

Rendimento domiciliar per capita (R$) — 2010

Empregos / população em idade ativa (%) — 2010

Taxa anual de expansão do emprego formal (%) — 2008 a 2010

Rendimento médio dos vínculos empregatícios (R$) — 2010

Social

Municipalização do ensino público fundamental (%) — 2010

Cobertura de educação infantil pela rede municipal (%) — 2010

Proxy da taxa de mortalidade infantil — média anual do período 2007-09

Óbitos por causas externas por grupo de 10 mil habitantes — média anual do período 2005-09

Servidores na saúde municipal por grupo de 10 mil habitantes — 2010

Taxa de pobreza (% de domicílios com renda mensal familiar per capita < R$ 140,00) — 2010

Cobertura do Programa Bolsa Família / famílias pobres (%) — 2011

Beneficiários do Benefício de Prestação Continuada / famílias pobres (%) — 2011

Município verde-azul (nota)

Gestão

municipal

Receita municipal per capita (R$) — média anual do período 2008-10

Receita própria / receita total (%) — 2010

Servidores municipais por grupo de mil habitantes — 2009

Gastos sociais e em infraestrutura / total das despesas municipais (%) — 2010

Quadro 5 - Etapas do Prêmio Municípios que Fazem Render MaisFonte: Adaptado de Fonseca, Beltrão e Prado (2012)

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Diante desses métodos, após o embasamento teórico do PES e o entendimento do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais, busca-se constatar se há relacionamento entre os balanços de governo do PES e os indicadores do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais, a fim de apoiar a gestão pública através do balanço global proposto pelo PES.

Dessa forma, o resultado será obtido através da análise conceitual de cada balanço de governo e a identificação da existência da convergência com os indicadores. Não se busca analisar os resultados de tais indicadores a fim de obter o desempenho dos municípios. A intenção do trabalho restringe-se a avaliar se tais indicadores dispõem de potencial para responder aos balanços de governo propostos pelo PES.

Os dados considerados provêm de uma publicação acadêmica que reflete a experiência do referido Prêmio realizado por Fonseca, Beltrão e Prado (2012), todos integrantes da FGV e que coordenaram a execução do trabalho. Também foram utilizadas informações disponíveis na página da FIESP referente ao Prêmio na Internet. Esse fator se coloca como limitação deste trabalho, pois não foram encontradas outras publicações de informações sobre o Prêmio Municípios que Fazem Render Mais. Além disso, considerando que o PES foi o embasamento teórico para o Prêmio (FONSECA; BELTRÃO; PRADO, 2012), vale ressaltar que o fato de este artigo apresentar uma amostra de dados não significa que os relacionamentos entre os dados e a teoria abordada se limitam somente às análises aqui apresentadas.

4 rEsUltados E discUssÃo

A discussão deste trabalho foi construída com base nas teorias abordadas no referencial teórico e nos indicadores abordados no Prêmio Municípios que Fazem Render Mais. De acordo com a Figura 3, o triângulo de governo do PES possui em suas extremidades o projeto de governo, a governabilidade e a capacidade de governo, que, interligados, produzem resultados a três balanços de governo, os quais seguem.

• Balanço 1 - Balanço da gestão pública: resume os resultados positivos e negativos das ações governamentais para atender a sociedade, tal como a manutenção da democracia, descentralização de poder, atendimento aos direitos humanos com observância aos preceitos éticos e legais. Este balanço tem por objetivo elevar ao máximo os benefícios políticos à sociedade em geral de forma ponderada entre os grupos sociais, como por exemplo, a distribuição de renda. Um dos fatores essenciais para a obtenção de resultados positivos neste balanço é o poder político. Por outro lado, há dois extremos que pontuam negativamente para os resultados: o autoritarismo ditatorial e o democratismo populista, corrupto e irresponsável (MATUS,1996a).

O Quadro 6 apresenta os indicadores abordados no Prêmio que podem responder ao Balanço 1, sendo identificados seis indicadores na dimensão social e dois

indicadores na dimensão da gestão municipal.

Dimensão Indicadores

Social

• Proxy da taxa de mortalidade infantil — média anual

• Óbitos por causas externas por grupo de 10 mil habitantes — média anual do período

• Servidores na saúde municipal por grupo de 10 mil habitantes

• Taxa de pobreza (% de domicílios com renda mensal familiar per capita < R$ 140,00)

• Cobertura do Programa Bolsa Família / famílias pobres (%)

• Beneficiários do Benefício de Prestação Continuada / famílias pobres (%)

• Município verde-azul (nota)

Gestão

municipal

• Servidores municipais por grupo de mil habitantes

• Gastos sociais e em infraestrutura / total das despesas municipais (%)

Quadro 6 - Indicadores do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais situados no Balanço 1Fonte: Elaborado a partir de Fonseca, Beltrão e Prado (2012)

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• Balanço 2 – Balanço Macroeconômico: trata das consequências políticas das ações macroeconômicas e dos resultados econômicos oriundos das políticas aplicadas, tal como o crescimento econômico, emprego e taxa de inflação. Para a obtenção de sucesso neste balanço é necessário ter bons meios econômicos e os pontos negativos geralmente são marcados pelos extremos do tecnocratismo e populismo econômico (MATUS,1996a).

O relacionamento dos indicadores do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais com o Balanço 2 é demonstrado no Quadro 6. Foram identificados seis indicadores na dimensão econômica e dois indicadores da dimensão da gestão municipal.

• Balanço 3 – Balanço de intercâmbio de problemas específicos: refere-se aos efeitos políticos positivos ou negativos gerados pelo enfrentamento dos problemas específicos valorizados pela população, como o saneamento básico, habitação, transporte, educação, saúde, recreação, entre outros. O objetivo deste balanço é atender os objetivos conforme suas metas e demonstrar a evolução obtida. O sucesso depende do poder político, recursos econômicos e capacidade gerencial e os desvios mais comuns consistem na burocracia, déficit dos serviços públicos e deterioração da qualidade de vida (MATUS,1996a).

No balanço 3, foram identificados dois indicadores, ambos na dimensão social.

Na exploração dos dados, foi possível identificar aspectos que convergem com os balanços que não estavam apresentados na forma de indicadores, como, por exemplo, o fato de o Prêmio ter buscado avaliar a competência dos municípios em instituir a transparência da gestão (FONSECA; BELTRÃO; PRADO, 2012), o que poderia ser convergente com o primeiro balanço de governo.

Para obter o balanço global, Matus (1996a) descreve que se deve equilibrar a eficácia técnica e política dos balanços, de forma a possuir um resultado total positivo. O balanço global provém da soma dos três balanços, entretanto, é importante entender que eles estão inter-relacionados, ou seja, um resultado negativo em um determinado balanço por um determinado tempo pode levar a um ou mais resultados negativos em outro balanço. As defasagens prolongadas nos três balanços levam, de forma respectiva, à barbárie tecnocrática (Balanço 1), política (Balanço 2) e gerencial (Balanço 3). Dessa forma, o autor aponta que, além de sempre buscar uma soma positiva nos três balanços, na necessidade de ter um balanço negativo, deve-se compensar com outro balanço:

Se precisar apertar dois furos do cinto econômico, um bom estrategista afrouxará o cinto político ou de intercâmbio de problemas até compensar a redução do cinto econômico e produzir um balanço global positivo (MATUS, 1996a, p. 33).

Dimensão Indicadores

Econômica

• PIB per capita (em R$)

• Crescimento real do PIB

• Rendimento domiciliar per capita (R$)

• Empregos / população em idade ativa (%)

• Taxa anual de expansão do emprego formal (%)

• Rendimento médio dos vínculos empregatícios (R$)

Gestão

municipal

• Receita municipal per capita (R$) – média anual

• Receita própria / receita total (%)

Quadro 6 - Indicadores do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais situados no Balanço 2Fonte: Elaborado a partir de Fonseca, Beltrão e Prado (2012)

Dimensão Indicadores

Social• Municipalização do ensino público fundamental (%)

• Cobertura de educação infantil pela rede municipal (%)

Quadro 7 - Indicadores do Prêmio Municípios que Fazem Render Mais situados no Balanço 3Fonte: Elaborado a partir de Fonseca, Beltrão e Prado (2012)

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5 considEraÇõEs Finais

De acordo com os resultados obtidos, constata- -se que há uma relação entre os indicadores públicos considerados no Prêmio Municípios que Fazem Render Mais e os Balanços de Governo do método PES, entretanto também se nota uma ausência de indicadores que representem itens como a distribuição de renda, a justiça e a corrupção no Balanço 1. Ainda nesse balanço, não há indicadores para a transparência da gestão e para a participação popular, entretanto, de acordo com Fonseca, Beltrão e Prado (2012), esses aspectos foram objetos de avaliação do programa. No Balanço 2, não há indicadores explícitos para a taxa de inflação e o custo de vida oferecido pelo município, entretanto os indicadores existentes remetem aos conceitos do balanço (macroeconômico). No terceiro balanço, foi identificada uma maior carência de indicadores, sendo isso uma surpresa, pois o balanço se refere a itens básicos à sociedade e à efetividade da gestão frente a problemas específicos.

As carências de indicadores podem ser explicadas por dois fatores: o primeiro se dá pela hipótese da falta de disponibilidade de indicadores para todos os municípios do estado de São Paulo, o que inviabilizou a utilização no trabalho. Supondo que essa hipótese seja verdadeira, fica a sugestão, para próximos trabalhos, do levantamento de tais indicadores, a fim de estruturar os balanços de governo com uma representatividade abrangente, agregando mais qualidade na avaliação do governo e tendo subsídios para o desenvolvimento de programas e ações.

A segunda presunção remete à inviabilidade da criação de indicadores para tais aspectos, sendo mais eficiente uma avaliação qualitativa de programas. Essa situação expõe a possibilidade da mensuração dos resultados desses programas através dos efeitos causados sobre os problemas sociais. Outra situação que pode ser viabilizada é a obtenção de respostas através de uma composição de indicadores compreendidos nas três dimensões do Prêmio para cada balanço.

De acordo com Fonseca, Beltrão e Prado (2012), a definição de indicadores não é uma tarefa fácil, portanto, dada a relevância, é importante que os balanços sejam bem mensurados, para que não haja falsos resultados no balanço global, o que sugere que um bom dimensionamento pode ser mais bem definido por uma equipe técnica de gestão pública que considere o cenário situacional do governo em questão. Por fim, considerando que todos os indicadores levantados pelo Prêmio foram enquadrados nos balanços de governo, o estudo permitiu vislumbrar que é possível mensurar

o desempenho de governo por meio de indicadores considerando a teoria do PES, a qual foi concebida especificamente para o aprimoramento da gestão pública e apresenta-se como uma útil ferramenta a ser utilizada na gestão governamental.

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Recebido em: 26 de agostoAceito em: 03 de outubro

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91Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

METODOLOGIA CLÁSSICA E MÉTODO MULTI-ÍNDICE NA AVALIAÇÃO FINANCEIRA DE ProJEtos dE inVEstiMEnto: UM EstUdo dE caso na EMPrEsa alFa

Financial eValUation oF inVestMent ProJects tHroUGH classical MetHodoloGY anD multi-inDeX metHoD: a case stuDY in alFa comPanY

Elenilton Rüdiger Johann1

Alceu Souza2

Cristiano Molinari Bispo3

Michael William Citadin4

Wesley Vieira da Silva5

RESUMO: Em muitas organizações, a intenção de se aventurar em novos ou inexplorados negócios pode ter efeitos positivos ou negativos. Para que empreendedores, proprietários e gestores de empresas tenham informações claras para minimizar os riscos envolvidos na decisão de investir, é fundamental que se compreendam as competências existentes e inexistentes, seus objetivos centrais e a viabilidade financeira. O objetivo deste estudo é avaliar, através de verificações, se o uso da metodologia multi-índice suporta mais efetivamente os gestores em suas decisões, efetuando uma análise comparativa entre a metodologia clássica e a multi-índice em um projeto de investimento para o centro de distribuição da organização em estudo. Os dados foram levantados a partir de entrevista não estruturada com o diretor do negócio de peças de reposição, com o gerente de marketing e também com o controller do negócio, além da análise dos dados e das informações extraídas dos documentos do projeto de construção do novo centro de distribuição da empresa Alfa. Os resultados mostraram que o entendimento dos gestores está limitado ao que é apresentado pelos analistas de projetos e que a metodologia de análise atual não é a ideal para decisões que envolvem milhões de dólares. Ficou evidente que a aplicação da metodologia multi-índice traria mais transparência aos projetos de investimento na empresa Alfa.Palavras-chave: Avaliação financeira. Projetos de investimento. Metodologia clássica. Metodologia multi-índice.

ABSTRACT: In many organizations the intention to adventure in a new or unexplored business may have positive or negative impact. In order to minimize the risks of accepting or declining an investment decision, it is important that entrepreneurs, company owners and company managers clearly understand the existent and inexistent company competencies, the company core objectives and the financial viability. The objective of this study is to evaluate through verifications if the multi-index methodology use more effectively support managers in their decisions, doing a comparative analysis between classical and multi-index methodology in an investment project for the distribution center of the studied organization. The data and information was collected from project documents considered in the construction of the new Alfa company spare parts distribution center, and also through not structured interviews with spare parts business director, marketing manager, and business controller. The results showed that the understanding

1 Doutorando em Administração pela PUC-PR; e-mail: [email protected] Doutor em Administração de Empresas pela FGV, Professor do PPAD/PUCPR; e-mail: [email protected] Doutorando em Administração pela PUC-PR; e-mail: [email protected] Mestre em Administração pela PUC-PR; e-mail: [email protected] Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC, coordenador do PPAD/PUCPR; e-mail: [email protected].

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1 introdUÇÃo

Empreendedores e gestores deparam-se com opções de investimentos muitas vezes distintas, investimento de milhões de reais em um centro de distribuição próprio, em vez de manter um custo mensal de aluguel, um investimento de centenas de reais em uma distribuição própria de peças de reposição, em vez de manter essa operação terceirizada. Qual a melhor decisão que empreendedores e gestores podem tomar em situações semelhantes a essas? O investimento para deixar o aluguel e a operação de distribuição terceirizada é a melhor opção? O risco que empreendedores e gestores correm para efetuar um dos investimentos citados anteriormente, sem informações e métodos adequados de análise, pode vir a ser grande. Quais seriam as informações necessárias para ter certeza de seguir em frente na realização dos investimentos? E quais seriam as metodologias na análise de projetos de investimento mais apropriadas para os tomadores de decisão? Será que a metodologia clássica é a metodologia que melhor suporta gestores e empreendedores em suas decisões, ou será que a metodologia multi-índice surge como uma alternativa de maior robustez e confiabilidade nas informações para a consequente decisão de gestores e empreendedores?

A metodologia clássica é a mais amplamente conhecida, a mais comumente ensinada nas universidades e a mais disseminada e utilizada no âmbito executivo. Embora uma das justificativas para essa realidade talvez seja a facilidade intrínseca do cálculo da viabilidade dos projetos, questões de ordem inercial e cultural também provavelmente colaborem para essa perspectiva. Uma das principais críticas sobre essa metodologia, embora não a única, recai, mormente, sobre a taxa interna de retorno, doravante denominada de TIR. Especificamente nesse sentido, Kelleher e MacCormack (2005) chamam a atenção especialmente para o fato de a TIR presumir que os fluxos de caixa previstos no projeto sejam reaplicados a essa mesma taxa. Embora essa questão seja de fundamental importância para a análise de projetos, o ponto fulcral que distingue a metodologia clássica da análise multi-índice (a qual será tratada adiante) posiciona-se sobre o tratamento do risco.

A metodologia clássica utiliza, para os cálculos de valor presente líquido (VPL) e Pay-Back descontado, uma taxa mínima de atratividade (TMA) que é interpretada como a melhor alternativa de investimento preterida. Esse raciocínio, embora seja didaticamente simples de concordar, possui uma característica extremamente relevante, que é a de incorporar em seu valor o dimensionamento do risco. A consequência direta desse encaminhamento é que, por exemplo, o VPL não necessariamente demonstra a riqueza a ser gerada pelo projeto a valor presente, mas o excedente a ser gerado de riqueza a partir da melhor alternativa de investimento que se teria, caso se abrisse mão do projeto sob análise. Como a alternativa de investimento também incorpora um dimensionamento de risco, as comparações podem tornar-se confusas, o que pode levar o tomador de decisão a escolher caminhos equivocados.

Para explicar melhor essa perspectiva, basta observar que, nesse contexto, o fato de um projeto apresentar um VPL positivo não necessariamente significa que ele deva ser aprovado, embora a decisão, a priori, pareça ser automática pelo fato de a TMA já incorporar o spread de risco. A análise adicional que se precisa fazer é o confronto entre o risco do projeto sob análise e o risco da alternativa preterida. Entretanto, como a TMA incorpora o risco, o simples fato de o projeto apresentar VPL positivo direciona a decisão para a aprovação de um projeto, embora não necessariamente a determine, seja o projeto sob a análise, seja o projeto alternativo do qual se extraiu a TMA.

Baseado no contexto apresentado, este artigo tem como tema central as metodologias de avaliação financeira de projetos, priorizando a metodologia clássica e o método multi-índice, e tem como objetivo avaliar, por meio de verificações, se o uso da metodologia multi-índice suporta mais efetivamente os gestores em suas decisões, efetuando uma análise comparativa entre a metodologia clássica e a multi- -índice em um projeto de investimento para o centro de distribuição da organização em estudo. Dessa forma, busca-se responder à seguinte pergunta da pesquisa: a metodologia clássica na avaliação financeira de projetos utilizada atualmente pela empresa reflete ser o melhor norteador para os gestores suportarem

of managers is limited to what is presented by project analysts, and the current methodology analysis is not the best one to be considered for decisions involving millions of dollars. It was evident that the application of multi-index methodology would bring more transparency to the project investments for Alfa Company.Keywords: Financial assessment. Investment projects. Classic methodology. Multi-index methodology.

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suas decisões? O presente artigo está estruturado da seguinte forma: (1) é apresentada uma fundamentação teórico-empírica, na qual são estudadas as duas metodologias para análise de projetos de investimento, a metodologia clássica e a metodologia multi-índice, contemplando uma comparação entre os métodos e as vantagens e desvantagens de ambas as metodologias; (2) é apresentada a metodologia considerada nesta pesquisa para a coleta e para a análise dos dados; (3) apresentam-se uma pequena descrição da empresa e sua principal característica e, na sequência, uma discussão dos resultados e a sua análise; (4) finaliza-se com as considerações finais.

2 rEFErEncial tEórico

2.1 indicadores Financeiros Para anÁlise de ProJetos de inVestiMento

Em determinadas situações, é necessário aplicar as economias em uma poupança, ou aplicá- -las na abertura de um novo negócio que tenha boas perspectivas de rendimento. É claro que, para ganhar mais que o rendimento da poupança, é necessário arriscar e muitas vezes esse risco é significativamente custoso. A Taxa Mínima de Atratividade (TMA) é a melhor taxa, com baixo grau de risco, disponível para aplicação do capital em análise, sempre se têm pelo menos duas alternativas na decisão pelo investimento: investir no projeto ou “investir” na TMA, portanto a riqueza que o projeto pode gerar será somente o excedente do que já se possui, conforme mencionado por Souza e Clemente (2008). Por meio da taxa de juros praticada no mercado, pode-se estabelecer uma estimativa de TMA. Existem empresas que definem a TMA para qualquer tipo de projeto, considerando, além da taxa de juros, outras particularidades do negócio.

Além da metodologia clássica para analisar a viabilidade financeira de um projeto, existe a metodologia multi-índice proposta por Souza e Clemente (2008), que se caracteriza pelo aprofundamento da avaliação do risco versus a expectativa de retorno. Ambas as metodologias são detalhadas na seção subsequente. Souza e Clemente (2008) diferenciam a sua teoria multi- -índice das outras pelo não uso do conceito de prêmio pelo risco e por defenderem a ideia de que o risco é multidimensional, devendo, dessa forma, ser analisado por vários índices. Existem diversos estudos que avaliam a viabilidade financeira de um projeto

utilizando os indicadores da metodologia multi- -índice proposta por Souza e Clemente (2008). Dentre esses diversos estudos, é possível citar alguns, como seguem. Souza et al. (2002) analisam a viabilidade da exploração de pinus taeda por empreendedores da região dos Campos de Palmas. Kreuz et al. (2008), por sua vez, utilizam o método para estudar os custos de produção, as expectativas de retorno e os riscos do agronegócio do mel no planalto norte de Santa Catarina. Gonçalves (2004) considera o método multi-índice como base para seu estudo que avalia o investimento em reflorestamento de pinus sob condições de incerteza. A metodologia multi-índice também é utilizada por Souza et al. (2010), de forma a analisar os custos de produção e as expectativas de retorno e de risco para o agronegócio do milho e, finamente, Lima (2010) utiliza-se da metodologia multi-índice para a proposição de um sistema de planejamento da produção olerícola em unidades de produção familiar.

2.1.1 Metodologia clássica

A metodologia clássica tem sua origem a partir de obras clássicas da denominada Engenharia Econômica, como The Economic Theory of the Location of Railways (WELLINGTON, 1877), Present Worth Calculations in Engineering Studies (PENNEL, 1914) e Principles of Engineering Economy (GRANT, 1930). A partir dessas obras, surgem novos trabalhos sob a denominação de Orçamento de Capital ou Teoria da Aplicação do Capital, bem como textos sob a denominação de Análise e Decisões de Investimentos. A principal característica da metodologia clássica é expressar o risco por meio de um spread da taxa de desconto do fluxo de caixa. Dessa forma, a taxa de desconto, denominada Taxa de Mínima Atratividade (TMA), é composta pela taxa “de baixo risco” e mais um prêmio pelo risco expresso como um spread que se acopla à TMA (NOGAS; SOUZA; SILVA, 2011).

Os indicadores de análise de projetos de investimento, na metodologia clássica, são identificados pelo Valor Presente Líquido (VPL), pela Taxa Interna de Retorno (TIR) e pelo Período de Recuperação do Investimento (Pay-Back). Souza e Clemente (2008) subdividem esses indicadores de análise de projetos em dois grandes grupos: VPL e TIR como indicadores de retorno (ganho ou criação de riqueza) do projeto e a TIR e o Pay-Back como indicadores associados ao risco do projeto. O VPL > 0 ou TIR > TMA é considerado como critério de decisão na metodologia clássica.

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A Figura 1, Figura 2, Figura 3 e Figura 4 possibilitam um entendimento mais detalhado dos indicadores da metodologia clássica:

a) Valor Presente Líquido (VPL): segundo Souza e Clemente (2008), o método do VPL, seguramente, é a técnica robusta de análise de investimento mais conhecida e utilizada. O método do VPL é um procedimento de avaliação de investimentos que compara, na data zero do fluxo de caixa, o valor presente dos retornos calculado com a taxa mínima requerida de juro k (TMA) e o desembolso realizado como investimento.

Assim, considerando a Figura 1 como exemplo, na qual se tem o Fluxo de Caixa com uma TMA de 12%, chega-se ao VPL de $ 811,47. Importante também verificar o perfil do VPL por meio do gráfico mais abaixo, ou seja, VPL = $ 811,47, VPL>0.

O critério do VPL mede o valor agregado pelo investimento na taxa requerida k. Se VPL > 0, então, o investimento será recuperado, remunerado na taxa requerida k e ainda irá gerar o lucro extra, igual ao VPL. Segundo Souza e Clemente (2008), quando o VPL > 0, indica que o projeto merece continuar sendo analisado. Se o VPL for menor/igual a zero, então, o

investimento irá destruir valor igual ao VPL. A premissa do VPL é de que, durante o prazo de análise do projeto, todos os retornos gerados pelo projeto serão reinvestidos à taxa mínima requerida k utilizada para calcular o VPL do investimento, exemplo na Figura 2.

b) Taxa Interna de Retorno (TIR): conforme Lapponi (2000), a TIR de um investimento é a taxa que zera o VPL do fluxo de caixa do investimento.

Segundo Souza e Clemente (2008), para Fluxos de Caixa convencionais, quando o VPL acumulado sucessivamente do tempo “0” até o tempo “n” muda de sinal apenas uma vez, o VPL se apresenta como uma função monótona decrescente da taxa de juros. A Figura 3 demonstra a situação em que o VPL se iguala a zero.

Conforme menciona Lapponi (2000), é possível considerar os seguintes critérios para a TIR: Se TIR > k, o investimento deverá ser aceito, pois o VPL é sempre positivo. Se TIR for menor/igual a k, o investimento não deverá ser aceito.

Segundo Souza e Clemente (2008), a TIR pode ser usada para analisar a dimensão retorno, como também para analisar a dimensão risco. Para o uso da TIR como medida de retorno, é possível considerar que, quando TIR > TMA, observa-se que há mais ganho investindo-se

Figura 1 - Fluxo de Caixa e Perfil do VPLFonte: Os autores

Figura 2 - ExemploFonte: Os autores

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no projeto do que na TMA. Usando a TIR como medida de risco, considera-se que o risco do projeto aumenta segundo a proximidade entre a TIR e a TMA.

c) Período de Recuperação do Investimento (Pay-Back - PB): segundo Lapponi (2000), o método do PB é um procedimento de avaliação de investimentos que compara o tempo necessário para recuperar o capital investido e remunerado com a taxa mínima requerida de juro com o tempo máximo tolerado pelo investidor, em geral, a empresa. PB Simples é um método que não leva em consideração o valor do dinheiro no tempo, já o Pay-Back descontado a valor presente PB (VP) e PB (SP) leva em consideração o valor do dinheiro no tempo, ou seja, é o tempo de recuperação do investimento remunerado pela taxa de juros que representa a TMA. Definido o TMT – Tempo Máximo Tolerado (determinação subjetiva), é possível determinar o seguinte:

• Se PB < TMT, o projeto deverá ser aceito.• Se PB for maior/igual à TMT, o projeto não

deverá ser aceito.

Segundo Souza e Clemente (2008), o Pay-Back é considerado outro indicador de risco de projetos, sendo de grande importância no processo de decisões de investimentos. A tendência é a de constantes e acentuadas mudanças na economia, por isso, não se deve esperar muito para a recuperação do capital investido. O número de períodos necessários para que o fluxo de benefícios supere o capital investido chama--se de Pay-Back. O risco do projeto aumenta à medida que o Pay-Back se aproxima do final do horizonte de planejamento (SOUZA; CLEMENTE, 2008).

Voltando à questão da TIR, a prerrogativa de que seu uso requer que os fluxos de caixas intermediários sejam aplicados também à TIR traz problemas significativos para sua utilização pelo tomador de decisão. Essa prerrogativa pode equivocadamente influenciar o gestor sobre a viabilidade do projeto de forma inadvertida. Conforme Kelleher e MacCormack (2005) salientam, essa condição pode artificialmente aumentar de forma significativa a atratividade de um dado projeto. Uma maneira de buscar uma resolução para esse problema, conforme os autores citados, é a de utilizar como taxa de reinvestimento dos fluxos de caixa intermediários uma taxa mais realista que verdadeiramente se poderia obter. Para isso, basta levar

Figura 3 - Fluxo de Caixa e Ilustração gráfica da TIRFonte: Os autores

Figura 4 - Pay-Back Simples / Descontado a VP (Valor Presente) e SP (Saldo do Projeto)Fonte: Os autores

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pode oferecer uma conclusão análoga ao retorno sobre o investimento adicionado (ROIA). Para que essa possibilidade se sustente, a taxa de reaplicação dos fluxos de caixa intermediários teria necessariamente que ser desprovida de quaisquer spreads de risco. Com a manutenção dessa condição, a rentabilidade do projeto calculada a partir da reaplicação dos fluxos de caixa intermediários por uma taxa quase livre de risco tem um significado interpretativo similar ao conceito do ROIA, o qual demonstra o percentual de riqueza gerada excedente à taxa quase livre de risco e ajustada ao ciclo de vida do projeto, por ser representado, como a TIRM, em uma medida relativa para cada período do fluxo de caixa. A partir da Tabela 1 e da (1, extraindo da TIRM a TMA (desde que nela não haja inclusão de spread de risco), obtém-se o ROIA.

Entretanto, o cálculo do ROIA é comumente realizado por meio do índice benefício-custo (IBC), que divide o valor presente dos fluxos de caixa futuros à TMA pelo investimento inicial. Tirando a unidade do IBC, tem-se uma taxa que não seria dada ao período, mas para todo o horizonte do projeto. Encontrando a taxa equivalente para o período em que o projeto foi construído (ano, mês, etc.), encontra-se o ROIA. A (2) ilustra essa metodologia, em que n representa o número de períodos do projeto.

(2)

para o último período do ciclo de vida do projeto os fluxos de caixa intermediários por essa taxa “mais justa” e, após esse cálculo, comparar o somatório desses fluxos de caixa (normalmente os retornos, embora não necessariamente6) com o investimento inicial, encontrando, portanto, a taxa inclusa em um fluxo de caixa simples de apenas um investimento e um retorno. Essa taxa, dessa forma, configuraria uma taxa de rentabilidade do projeto que leva em consideração a efetiva possibilidade de ganhos dos retornos intermediários ao longo do ciclo de vida do projeto. Para essa taxa de rentabilidade se dá o nome de taxa interna de retorno modificada (TIRM). Na tabela a seguir, apresenta-se um exemplo dessa questão, no qual um projeto resulta em uma TIR de 34,81% ao período e em uma TIRM de 20,49% ao período, uma vez que os fluxos de caixa intermediários foram remunerados à taxa de 7,00% ao período.

2.1.2 Método Multi-índice de souza e clemente

A apresentação e composição da TIRM pode ser um elo providencial para começar a discussão da segunda metodologia denominada de multi-índice por Souza e Clemente (2008). Ainda sem entrar na discussão específica do entendimento do risco envolvido em um projeto pela metodologia multi-índice, a TIRM

6 Os fluxos de caixa intermediários também podem congregar novas necessidades de investimento ao longo do ciclo de vida do projeto. Como exemplo, pode-se citar a necessidade de se fazer manutenção programada de equipamentos (saídas de caixa) que ultrapassem os benefícios do período (entradas de caixa), o que geraria um fluxo de caixa líquido de saída de caixa. Esse tipo de situação torna ainda mais complexa a utilização da TIR, pois o seu cálculo terá tantas raízes quantas forem as inversões de sinal do fluxo de caixa. Entretanto, fazendo-se uso de gráficos, é possível desprezar TIRs que não sejam viáveis.

Tabela 1 - TIR e TIRM

n Fluxo de caixa Valor futuro dos fluxos de caixa intermediários

0 -1.000,00

1 500,00 655,40

2 450,00 551,27

3 400,00 457,96

4 350,00 374,50

5 500,00 500,00

Somatório 2.539,00

Taxa de aplicação dos fluxos de caixa 7,00%

TIR 34,81%

TIRM 20,49%

Fonte: Os autores

(1)

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Independentemente do método de cálculo, o ROIA (assim como a TIRM com as prerrogativas assinaladas) torna-se um indicador relevante ao tomador de decisão e a principal questão desse expediente é a eliminação do risco da TMA, resultando em uma justa rentabilidade do projeto (TIRM) ou em uma rentabilidade excedente à TMA (ROIA). Entretanto, diferentemente da metodologia clássica, que traz uma interpretação mais contundente sobre a viabilidade do projeto, na metodologia multi-índice, a obtenção de um ROIA positivo apenas indica que o projeto não deve ser automaticamente desprezado, demandando investigações adicionais para discutir os parâmetros de sua viabilidade. Nesse ínterim, a metodologia multi-índice avança com a apresentação de múltiplos indicadores de retorno e igualmente de múltiplos indicadores de risco. Os indicadores de retorno envolvem o Valor Presente (VP), o valor Presente Líquido (VPL), o Valor Presente Líquido anualizado (VPLa), o IBC (já apresentado) e o ROIA (também já apresentado). Como medidas de risco, a metodologia utiliza os seguintes indicadores: TMA/TIR, Pay-Back/N, Grau e Comprometimento da Receita (GCR), risco de gestão e risco de negócio. Sobre os dois últimos tipos de riscos, os próprios autores (SOUZA e CLEMENTE, 2008) reconhecem que foram inicialmente propostos por Kreuz et al (2004). A conjunção desses indicadores estabelece uma relação equilibrada, essencialmente no que se refere ao risco. Como os indicadores de retorno são desprovidos do spread de risco, especialmente no caso do ROIA, permite-se que se discutam os riscos do projeto em função dessa taxa de retorno excedente à TMA.

Para concluir a exposição dos indicadores de retorno e de risco que ainda não foram incorporados individualmente à discussão, na sequência, eles são apresentados. Do lado do retorno, ainda não foram explorados o VP e VPLa. O VP nada mais é do que o valor

presente dos fluxos de caixa futuros descontados à TMA (sem spread de risco). Esse indicador é utilizado para calcular o IBC, simplesmente dividindo-o pelo investimento inicial. No tocante ao VPLa, esse indicador anualiza o VPL em um fluxo periódico a partir da TMA. Esse indicador permite que se agregue ao VPL a questão do horizonte do projeto, embora ainda permaneça como medida absoluta. Do lado do risco, os indicadores ainda não foram devidamente especificados. O primeiro deles, o indicador TMA/TIR, demonstra o hiato de rentabilidade que o projeto apresenta. Construir um gráfico é um exercício interessante para permitir a visualização da extensão desse gap. Isso enseja a observação do nível de oscilação que a TMA pode sofrer sem que o projeto apresente retornos negativos. Na sequência, o Pay-Back/N7 indica o percentual do ciclo de vida do projeto que é necessário para que o valor presente nos retornos iguale o investimento. Pode ser um indicador interessante, especialmente para averiguar se o projeto é muito dependente dos últimos períodos para sua viabilidade, por exemplo, em relação ao valor residual. Como sempre existe algum nível de incerteza sobre o nível de recuperação do investimento inicial, essa informação agrega elementos importantes para o dimensionamento do risco. O próximo indicador é o GCR, que nada mais é do que o percentual que o ponto de equilíbrio operacional do projeto ocupa da receita em seu nível máximo previsto. Observa-se que os três indicadores de risco especificados até o momento permitem a construção de intervalos para o dimensionamento do risco. Assim, quanto maiores forem os intervalos, menor será o risco. A Figura 5

7 O Pay-Back é calculado a partir do valor presente descontado à TMA dos fluxos de caixa futuros. No gráfico é denominado de PBD, ou seja, Pay-Back descontado.

Figura 5 - TMA/TIR, PBD/N e GCRFonte: Os autores

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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas98

ilustra esses intervalos representados pelas chaves com supostos valores dos indicadores8.

Para concluir a especificação dos indicadores de risco, prossegue-se com o risco de gestão e o risco de negócio. A análise do risco de gestão permite a observação das competências e das habilidades do grupo gestor, com valores de 0 a 1 para as áreas administrativas, de produção, financeira, comercial e de RH, cada qual se reportando a aspectos econômicos, da indústria ou segmento, do processo produtivo, de negociação e de estratégias de comercialização. Esses valores podem ser construídos em forma de matriz para a geração do risco de gestão percebido, que pode ser obtido por meio de média aritmética simples ou ponderada (SOUZA e CLEMENTE, 2008). Os mesmos autores explicam também como proceder ao cálculo do risco de negócio, que agrega as análises clássicas PEST, de “5 forças”, de Porter e SWOT. Enfim, a confrontação dos indicadores de risco com os de retorno, essencialmente o ROIA, permite verificar se a relação entre risco e retorno está ou não balanceada, o que auxilia significativamente o processo de decisão.

A metodologia multi-índice, portanto, utiliza--se de vários indicadores para suportar a decisão de aceitar ou rejeitar um projeto de investimento.

8 Os indicadores TMA/TIR e PBD/N foram calculados com base no fluxo de caixa da Tabela 1. Já o GCR é apenas ilustrativo, não se reportando a nenhum dado já especificado.

Segundo Souza e Clemente (2008), a metodologia multi-índice se caracteriza pelo aprofundamento da avaliação do risco versus a expectativa de retorno. Dentro dessa perspectiva, essa metodologia considera dois grandes grupos: o primeiro é considerado para avaliar a percepção de retorno e é composto pelos indicadores VP (Valor Presente), VPL, VPLa (Valor Presente Líquido anualizado), IBC (índice benefício/custo) e ROIA (Retorno Adicional Sobre o Investimento). O segundo grupo visa a melhorar a percepção do risco e é composto pelos indicadores TMA/TIR, Pay-Back/N, Grau de Comprometimento da Receita (GCR), Risco de Gestão e Risco de Negócio.

Não incorporar o prêmio pelo risco como um spread sobre a TMA; expressar a rentabilidade do projeto por meio do ROIA como um retorno adicional além do que seria auferido pela aplicação do capital em títulos de baixo risco; utilizar a análise ambiental para aprofundar a avaliação sobre os riscos envolvidos e confrontar os ganhos esperados com a percepção dos riscos de cada projeto é a essência da metodologia multi-índice (SOUZA; CLEMENTE, 2008).

Considerando que os indicadores VPL, TIR e PB já foram abordados na metodologia clássica, será feita uma breve menção sobre eles no decorrer do trabalho. Por outro lado, aqueles indicadores ainda não citados terão um detalhamento mais apurado.

Figura 6 - VPLFonte: Os autores

Figura 7 - VPLaFonte: Os autores

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a) Valor Presente Líquido (VPL)Considerando que já foi abordado o conceito do

VPL na metodologia clássica, apenas será reforçado que o VPL concentra todos os valores do fluxo de caixa na data zero, conforme Figura 6.

b) Valor Presente Líquido Anualizado (VPLa)O VPL sozinho pode induzir o decisor a aceitar

ou não um projeto específico de forma equivocada. O VPL isolado está indicando somente que os R$ 811,47 demonstrados na Figura 7 serão o ganho de toda a vida do projeto. O ponto interessante é que dois projetos distintos podem apresentar o mesmo VPL, no entanto, um deles apresenta um projeto de vida de cinco anos, e o outro, de dez anos. Dessa forma, a decisão deveria ser pelo projeto de vida mais curta, pois o ganho anual será maior. Nesse sentido, verifica-se a importância de outros indicadores para a tomada de decisão, e o VPLa proporciona essa rentabilidade anual de uma forma muito clara (FERREIRA, 2004).

O VPLa é uma variação do VPL, enquanto o VPL concentra todos os valores do fluxo de caixa na data zero, no VPLa, o fluxo de caixa representativo do projeto de investimento é transformado em uma série constante, permitindo, dessa forma, que se comparem projetos com horizontes distintos, conforme citado por Souza e Clemente (2008) e Ferreira (2004).

c) índice Benefício / Custo (IBC)Conforme Ferreira (2004) menciona, tomar

uma decisão com base somente nos indicadores de VPL e VPLa pode ser bastante arriscado. Um projeto pode apresentar um VPL e VPLa superior a outro, considerando o mesmo horizonte de vida ou não, no entanto o montante financeiro investido em um projeto pode ter sido muito menor do que o outro, para no final obter o mesmo ganho. Dessa forma, é extremamente importante agregar aos indicadores de VPL e VPLa o indicador que informará ao tomador de decisão quanto se está ganhando em relação ao que

foi investido, indicador este que se chama: índice benefício / custo (IBC).

Segundo Souza e Clemente (2008), o IBC é uma medida de quanto se espera ganhar por unidade de capital investido e pode ser calculado pela seguinte equação:

Valor Presente do Fluxo de Benefícios

Valor Presente do Fluxo de InvestimentosIBC =

Dessa forma, se o valor do IBC for maior do que 1, o projeto merece continuar a ser considerado para implantação. Caso for menor que 1, deve ser descontinuado, pois há prejuízo em sua implantação. Considerando assim que o IBC mede a rentabilidade do projeto em relação ao que foi investido ao longo de sua vida, um IBC de 1,32, conforme demonstrado na Figura 8, significa que o projeto terá um rendimento sobre o capital investido de 32% ao longo de sua existência, supondo que os valores do fluxo de benefícios tenham sido investidos à TMA.

d) Retorno sobre Investimento Adicionado (ROIA)Considerando que o IBC representa o ganho

durante toda a existência do projeto em questão, dificultando dessa forma sua comparação em relação à TMA (devido às taxas não estarem no mesmo período), surge o ROIA, que é um indicador equivalente ao IBC, porém no mesmo período da TMA.

Segundo Souza e Clemente (2008), ROIA é a melhor estimativa de rentabilidade para um projeto de investimento. Representa, em termos percentuais, a riqueza gerada pelo projeto. O resultado apresenta o excedente, em percentual, que o projeto irá trazer de retorno além da TMA. A análise a ser feita é se compensa assumir o risco do investimento pelo adicional de ganho apresentado. Considerando o exemplo da Figura 9, tem-se um ganho médio por período de 5,8% acima

Figura 8 - IBCFonte: Os autores

(3)

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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas100

da TMA. Em outras palavras, 5,8% de ROIA é a riqueza gerada pelo projeto acima da TMA.

Todos os indicadores de retorno discutidos até o momento são importantes para os tomadores de decisão, no entanto, é necessário lembrar que existem os indicadores de risco. Existe a situação na qual a TMA pode aumentar, pois, mesmo considerando a TMA como uma taxa de baixo risco, ela pode sofrer variação. Dessa forma, é importante avaliar o risco de efetuar o investimento ou não, sendo preciso observar que quanto maior a diferença da TMA para a TIR, menor será o risco do investimento. Considerando que a TIR e o PB já foram descritos anteriormente na metodologia clássica, não existe a necessidade adicional de comentários a seu respeito. No entanto, torna-se fundamental a interpretação do índice TMA/TIR de 0,50 e do índice Pay--Back/N de 0,57 da Figura 10. O fato de o índice TMA/TIR estar em 0,50 significa que o risco desse projeto é médio, considerando uma escala de 0 e 1. Quanto menor for esse índice, menor será o risco do projeto. No caso do índice Pay-Back/N de 0,57, indica que o projeto apresenta um grau médio de risco, pois está na metade do final de sua vida econômica, que, neste exemplo, é de 5 anos.

e) Grau de comprometimento da receita (GCR)O grau de comprometimento da receita (GCR) é

caracterizado principalmente para avaliar o percentual da receita máxima que está comprometida com o pagamento dos custos e das despesas.

O Ponto de Equilíbrio Operacional (PEO) corresponde à quantidade mínima a ser produzida e

vendida em determinado período para que se possam cobrir todos os custos operacionais, ou seja, no PEO, todos os custos são pagos, mas não existe lucro. Souza e Clemente (2008) consideram que tão importante quanto a determinação do PEO é analisar sua posição relativa ao nível máximo de atividade. Esse nível é determinado pelo mínimo entre a capacidade produtiva e a demanda máxima de mercado. Pode ser interpretada como medida de risco operacional do projeto a proximidade entre o PEO e a capacidade máxima.

f) Risco de Gestão e Risco de NegócioConforme Souza e Clemente (2008), o risco de

gestão está associado ao grau de conhecimento e de competência do grupo gestor em projetos similares. Serve para avaliar o grau de competência do grupo gestor para realizar com sucesso o empreendimento. O conhecimento e a experiência acumulados sobre os processos produtivos, a comercialização, os canais de distribuição e, fundamentalmente, a condução de negociações ajudam a empresa nos momentos críticos. Essas competências e habilidades podem ser inferidas numa escala de 0 a 1 por meio de coleta de opinião de especialistas.

Conforme Souza e Clemente (2008), o risco de negócio está associado a fatores conjunturais e não controláveis que afetam o ambiente do projeto. Dentre esses fatores, têm-se o grau de concorrência, as barreiras à entrada e à saída, as tendências da economia e do setor de atividade. As informações relevantes para a avaliação do Risco do Negócio podem

Figura 9 - ROIAFonte: Os autores

Figura 10 - ROIAFonte: Os autores

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101Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

ser originadas tanto a partir de opinião de especialistas como das análises clássicas, como PEST, “5 forças”, de Porter e análise SWOT. Além disso, essas análises podem ser quantificadas, mesmo que subjetivamente.

No intuito de sintetizar o que foi descrito, o Quadro apresenta um resumo dos índices e sua forma de obtenção.

2.1.3 comparação entre os métodos e as vantagens e desvantagens de ambos

As duas metodologias abordadas neste artigo apresentam indicadores diferentes no que se refere ao retorno de um projeto de investimento. Na

Quadro 1 - Resumo dos índices e sua forma de obtençãoFonte: Os autores

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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas102

metodologia clássica, o retorno é medido pela TIR ((4) e, na metodologia multi-índice, é medido pelo ROIA (5)).

Conforme Nogas, Souza e Silva (2011), o que difere uma metodologia da outra são os critérios de aceitação relativos ao projeto em análise. Na metodologia clássica, um VPL superior a zero, ou então a TIR maior do que a TMA são critérios suficientes para que o projeto seja considerado bom para investir, como demonstra a (4). Por outro lado, na metodologia multi-índice, o fato de ter um VPL ou VPLa superior a zero, ou o IBC superior à unidade sinaliza apenas

que o projeto merece ser continuado. O ROIA, por sua vez, deve ser posteriormente confrontado com os indicadores de percepção de risco no intuito de obter a melhor avaliação. Dessa forma, a metodologia multi-índice considera um conjunto de indicadores que proporciona aos tomadores de decisão uma avaliação mais detalhada de um projeto de investimento.

Considerando a revisão de literatura realizada no Quadro, verificam-se as vantagens e as desvantagens de cada indicador financeiro para a análise de projetos.

3 MEtodoloGia

O emprego da metodologia de pesquisa possibilita a formulação e o planejamento de um conjunto de etapas, com o objetivo de levantar as informações necessárias, catalogá-las e analisá-las. A proposta do trabalho é avaliar, por meio de verificações, se o uso da metodologia multi-índice de avaliação financeira de projetos suporta mais efetivamente os gestores em suas decisões.

Quadro 2 - Vantagens e desvantagens das metodologias clássica e multi-índice.Fonte: Os autores

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103Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

A presente pesquisa é um estudo de caso na empresa Alfa com abordagem de análise qualitativa. A análise qualitativa foi feita por meio de entrevista não estruturada com o diretor do negócio de peças de reposição, com o gerente de marketing e também com o controller do negócio.

Como instrumento de coleta de dados, foram utilizadas informações de documentos de um projeto de construção do novo centro de distribuição da empresa Alfa, projeto esse compreendido entre o período de 2008 até o ano de 2019. Podem-se destacar as seguintes informações coletadas:

a) os rendimentos gerados em função da economia do aluguel do centro de distribuição atual, bem como a receita em função do crescimento do negócio (este sendo possível somente com a mudança / construção do novo centro de distribuição);

b) as despesas decorrentes da mudança de um centro de distribuição para o outro, frete, mão de obra, energia elétrica, seguro, empilhadeiras, sistemas, consultoria, etc.;

c) depreciação em função do investimento adicional;

d) investimento com Ativo Fixo: construção do novo centro de distribuição, hardware, restaurante e outros.

Complementando o material de suporte para a análise, calcularam-se os indicadores financeiros desse projeto considerando o método clássico e o método multi-índice. A taxa mínima de atratividade (TMA) considerada na empresa Alfa é de 14% ao ano, essa taxa é definida pela diretoria da companhia de forma anual e deve ser aplicada para todas as análises de projeto de investimento da companhia; é definida pela companhia considerando a taxa de juros do mercado e mais um prêmio pelo risco.

De posse dessas informações, os dados foram analisados a partir de uma planilha eletrônica, não sendo necessária a utilização de técnicas sofisticadas de análise inferencial de dados. Baseando-se nas informações das planilhas eletrônicas, foi realizada uma entrevista não estruturada com o diretor do negócio de peças de reposição, com o gerente de marketing e também com o controller do negócio. Após uma explicação da teoria referente às metodologias clássica e multi-índice para as pessoas envolvidas na entrevista, discutiu-se como a análise por meio da metodologia multi-índice poderia ser vantajosa e quais informações adicionais seriam encontradas com o uso dessa metodologia. Como limitação deste artigo em função da confidencialidade de algumas informações, não foi possível efetuar uma análise mais aprofundada

para o grau de comprometimento da receita, bem como para o risco de gestão e risco de negócio, sendo esses indicadores utilizados para uma melhor percepção do risco.

4 discUssÃo dos rEsUltados

Antes de apresentar a situação de análise, é fundamental uma pequena descrição da empresa e sua principal característica. No intuito de preservar a identidade da empresa, a nomenclatura aqui utilizada é empresa Alfa. A empresa Alfa atua no segmento de peças de reposição para o maquinário agrícola e de construção, apresentando-se como uma das líderes de mercado. A participação de mercado da empresa Alfa no segmento de peças de reposição para o ano de 2009 não ultrapassava 50%, tendo como principais concorrentes o mercado paralelo e seus próprios fornecedores de peças de reposição, os quais alimentam o mercado diretamente. Essa situação demonstra a grande oportunidade de crescimento que a empresa Alfa visualiza atualmente.

Diante da realidade eminente de crescimento anual na ordem de 10%, bem como a oportunidade real de aumento da fatia do mercado para os próximos anos, foi necessário à empresa Alfa tomar a decisão de construir um novo centro de distribuição de peças. Após toda aprovação técnica e política da mudança do centro de distribuição, foi necessária a avaliação financeira do projeto. Essa avaliação teve os índices de análise que foram considerados na revisão de literatura como metodologia clássica.

A grande pergunta que se faz é se o uso independente da metodologia clássica, na avaliação financeira de projetos utilizados pela empresa Alfa, reflete ser o melhor norteador para os gestores suportarem suas decisões. Para identificar e fornecer uma análise se o uso adicional de outros índices (considerado na revisão bibliográfica como método multi-índice) poderia ser vantajoso e quais informações adicionais seriam encontradas com o uso dessa nova metodologia, foi adotada para análise a metodologia de pesquisa mencionada anteriormente. Os dados coletados subsidiaram a elaboração dos tópicos subsequentes.

4.1 MetodoloGia clÁssica Vs. MetodoloGia multi-ÍnDice

Pode-se identificar, por meio do quadro 3 (indicadores financeiros apurados pela metodologia clássica e metodologia multi-índice), que a

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metodologia multi-índice, além do VPL, TIR e Pay- -Back, também considera em sua análise os indicadores VPLa, IBC, ROIA, índice TMA/TIR e índice Pay- -Back/N. Importante observar, conforme mencionado na revisão bibliográfica, que esse incremento de indicadores apontados na metodologia multi-índice está subdividido em dois pontos de vista fundamentais em uma análise de projeto, indicadores quanto ao nível de rentabilidade do projeto e indicadores quanto ao nível de risco do projeto. No que se refere ao nível de rentabilidade, identifica-se VPLa, IBC e ROIA como indicadores-chave para avaliar a expectativa de retorno. No decorrer da discussão dos resultados, será dado foco no detalhe de cada um desses indicadores, no entanto, antes disso, é fundamental entender que, com o VPLa, será possível representar o fluxo de caixa em uma série uniforme.

Este estudo de caso contempla um único estudo de caso, caso fosse uma análise de optar entre um ou outro projeto, o VPL pode ser o mesmo entre ambos os projetos, entretanto, se um projeto envolver cinco anos e o outro similar, 10 anos, por meio do VPLa, será possível verificar que o de cinco anos será o projeto mais interessante a ser analisado. O indicador IBC (índice Benefício/Custo) representa, para todo o planejamento

(N), o ganho por unidade de capital investido no projeto posterior à expurgação do efeito da TMA, ou seja, representa que o projeto terá um rendimento sobre o capital investido de 24% ao longo de sua existência, supondo que os valores do fluxo de benefícios tenham sido investidos à TMA. Como último indicador adicional ao clássico, na avaliação de retorno, tem-se o ROIA como indicador que apresenta o excedente em percentual que o projeto irá trazer de retorno além da TMA. A análise a ser feita é se compensa assumir o risco do investimento pelo adicional de ganho de 2,01% por período apresentado no Quadro 3. Em outras palavras, como já mencionado, esses 2,01% são a riqueza gerada pelo projeto acima da TMA.

Avaliando sob a perspectiva de risco, observa-se que existem dois indicadores adicionais à metodologia clássica: o índice TMA/TIR, que demonstra o hiato de rentabilidade que o projeto apresenta (tornando-se fundamental entender que o índice de 0,73 representa um risco médio para alto em uma escala de 0 e 1) e o índice Pay-Back/N de 0,68, indicando o percentual do ciclo de vida do projeto que é necessário para que o valor presente dos retornos iguale o investimento. Esse último indicador se mostra interessante, especialmente para averiguar se o projeto é muito dependente dos

Figura 11 - Indicadores Financeiros por meio da metodologia clássica e metodologia multi-índice.Fonte: Os autores

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últimos períodos para sua viabilidade, por exemplo, em relação ao valor residual. Como sempre existe algum nível de incerteza sobre o nível de recuperação do investimento inicial, essa informação agrega elementos importantes para o dimensionamento do risco. Interpretando esses indicadores sob um ponto de vista mais detalhado, obtiveram-se as seguintes conclusões nos tópicos subsequentes.

4.2 MetodoloGia clÁssica

a) VPL = $ 7.995: considerando a TMA de 14%, chegou-se ao VPL de $ 7.995, portanto, VPL > 0, considerando esse VPL positivo, a construção do novo centro de distribuição merece continuar sendo analisada, pois até o momento essa referência não é suficiente para saber se esse projeto é atrativo ou não. O que se sabe é que o fluxo esperado de benefícios deve superar os investimentos. Para saber se esse valor é suficiente para atrair esse investimento, necessita-se recorrer aos outros indicadores.

b) TIR = 19,22%: considerando que a TIR 19,22% > TMA 14%, isso indica que há mais ganho investindo na construção do novo centro de distribuição do que na TMA determinada pela empresa Alfa. Quando se analisa a TIR como medida de risco, pode-se dizer que quanto mais próximos os índices, o risco desse projeto aumenta, nesse caso, tem-se uma diferença de 5,2%.

c) Pay-Back = 7,5 anos: a empresa Alfa necessita de 7,5 anos para que o fluxo de benefícios gerado nesse projeto supere o capital investido. A empresa Alfa considera um Pay-Back interessante quando ele fica abaixo de cinco anos.

Analisando esse projeto por meio da metodologia clássica, que é a metodologia seguida pela empresa Alfa, esse projeto foi aprovado. A pergunta que se faz agora é que, se considerar os indicadores adicionais conforme o método multi-índice, quais informações adicionais poderiam ser encontradas e se são relevantes ou não para a decisão de investir. Para responder a essa questão, efetuou-se a análise dos indicadores adicionais da metodologia multi-índice de forma pontual e encontrou-se o que segue.

4.3 metoDologia multi-ÍnDice

a) VPLa = $ 1.466: considerando esse projeto de construção de um novo centro de distribuição, no qual o horizonte de planejamento é longo, é mais fácil para o decisor raciocinar em termos de ganho por período. Da

mesma forma que o VPL, se VPLa > 0, tem-se que esse projeto merece continuar sendo analisado, porém não é suficiente para dizer se o projeto é atrativo ou não. Por isso, necessita-se recorrer a outros indicadores.

b) IBC = 1,24: por meio desse índice, pode-se dizer que, para cada $ 1 imobilizado na construção do centro de distribuição, espera-se retirar, após 11 anos, $ 1,24, expurgando o ganho que se teria caso esse $1 tivesse sido aplicado à TMA. Pode-se dizer que a rentabilidade real esperada é de 24,49% em 11 anos. Porém, essa taxa não permite comparação imediata com a TMA (14 % ao ano), pois ela se refere a um período de onze anos. Para resolver isso, é necessário encontrar a taxa equivalente para o mesmo período da TMA, na qual se apresentará a rentabilidade esperada do projeto para o mesmo período da TMA, sendo que isso é obtido por meio da ROIA, próximo indicador que será analisado.

c) ROIA = 2,01%: essa é a riqueza gerada no projeto de construir um novo centro de distribuição. Esses 2,01% derivam da taxa equivalente ao IBC para cada período do projeto. Segundo Souza e Clemente (2008), essa informação é a melhor estimativa de rentabilidade do projeto de investimento. O que importa agora é saber se compensa assumir o risco do investimento pelo adicional de ganho apresentado de 2,01%, considerando uma TMA de 14%.

d) Índice TMA/TIR = este índice refletindo 0,73 significa que o risco desse projeto é médio para alto, considerando-o entre uma escala de 0 e 1. Quanto menor for esse índice, menor é o risco do projeto.

e) índice Pay-Back/N = no caso do índice Pay- -Back/N de 0,68, observa-se que o projeto apresenta um médio para alto grau de risco, pois se aproxima do final de sua vida econômica, que nesse projeto é de 11 anos.

Analisando esse projeto, agora por meio da metodologia multi-índice, que adicionou cinco indicadores, bem como colocou esses índices para os participantes da entrevista, tentando responder se o uso de uma metodologia com alguns indicadores financeiros adicionais ajudaria os gestores nas suas decisões, obtiveram-se as seguintes respostas.

a) O uso do índice VPLa não surtiu muito efeito nos participantes, pois foi considerado um índice próximo do VPL, porém com ganhos por período.

b) Da mesma forma que o VPLa, o IBC não surtiu efeito eufórico nos participantes.

c) O ROIA, ao contrário dos outros dois índices, teve uma aceitação unânime entre os participantes da entrevista, os quais ficaram surpresos considerando que a riqueza do projeto seria somente de 2,01%. O que se notou foi que os gestores da empresa Alfa

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tinham em seus conceitos que uma TIR de 19,22% representava claramente a rentabilidade do projeto.

d) índice TMA/TIR e Pay-Back/N = os gestores consideraram interessante esse índice, pois complementa o indicador e possibilita ao gestor se situar melhor no que diz respeito à viabilidade do projeto.

5 considEraÇõEs Finais

Verificaram-se dois métodos disponíveis para analisar e escolher a melhor alternativa de investimento para as empresas, método clássico e método multi-índice. Porém, é importante esclarecer que um indicador sozinho raramente remete a uma decisão acertada, é necessário que as empresas avaliem, conforme suas particularidades, as melhores metodologias a serem adotadas para que toda decisão gire em torno de um risco mínimo, ou seja, indicadores que induzam para a melhor oportunidade de investimento.

No presente trabalho, buscou-se mostrar evidências empíricas da necessidade de analisar os projetos de investimento por meio de metodologias que sejam apropriadas e que reflitam as necessidades da empresa. Ficou claro que o entendimento dos gestores está limitado ao que é apresentado pelos analistas de projetos e que o que está sendo analisado atualmente não é o ideal para decisões que envolvem milhões de dólares.

Dessa forma, conclui-se que a aplicação da metodologia de multi-índice traria mais transparência aos projetos de investimento na empresa Alfa. No entanto, cabe uma última pergunta que poderia ser foco de análise em outra oportunidade: como seria a decisão dos gestores considerando para esse projeto o método da Teoria das Opções Reais? A análise das opções reais (COPELAND; ANTIKAROV, 2001) traria elementos distintos à discussão. Basicamente, essa metodologia permite averiguar os efeitos que eventuais opções que o projeto tenha podem fazer sobre o retorno esperado. Uma questão-chave dessa análise é que o fato de o projeto ter opções pode aumentar o Valor Presente Líquido, seja a partir de espera, abandono, prosseguimento ou expansão. É evidente que o projeto precisa ter essa característica e o cálculo dos efeitos dessas opções não é essencialmente trivial, o que demanda tanto informações quanto esforços adicionais. Entretanto, quando essas circunstâncias estão presentes e o aporte de recursos necessário à viabilização do projeto é alto, esses esforços

sobressalentes podem se mostrar decisivos, pois um dado projeto apreciado sem a inclusão de flexibilidade pode não ser inicialmente viável, mas o ser, caso essa condição seja introduzida na análise. A lógica desse procedimento é que, por exemplo, havendo possibilidade de se desfazer dos investimentos iniciais a qualquer tempo com um valor determinado, pode-se minimizar eventuais perdas, caso o projeto se mostre problemático em sua consecução. Da mesma forma, perspectivas de expansão podem ser acrescentadas para o caso de o projeto permitir essa possibilidade, dependendo dos resultados que ele venha a apresentar durante seu ciclo de vida. Coadunando-se essas possibilidades, entende-se, portanto, que um projeto que tenha opções tem um valor maior que um projeto sem flexibilidade.

Conclusivamente, procurou-se demonstrar as distinções entre as metodologias clássica e multi-índice. Atenção especial foi dedicada para determinados problemas da metodologia clássica que são tratados alternativamente pela metodologia multi-índice, assegurando uma parametrização dos indicadores de risco e de retorno de uma forma que subsidie mais coerentemente o tomador de decisões sobre projetos. Por fim, sugere-se a análise das opções reais, que, embora não tenha por base o confronto direto e explícito com as outras duas metodologias, pode avançar com a inclusão de outra perspectiva, a de que decisões, durante o ciclo de vida do projeto, podem ser tomadas, alterando, portanto, o valor presente líquido consoante cada caminho possível. Para encerrar a discussão, apenas se acrescenta que, mesmo com a adoção dos preceitos da metodologia multi-índice, o tratamento de dados de forma estática não provê o mesmo nível de informação que a adoção e o tratamento de uma distribuição de probabilidades para o fluxo de caixa e de eventuais oscilações para a TMA9. Esse procedimento requer o envolvimento de áreas alheias à financeira para que se possam obter indicadores devidamente coerentes com a realidade da empresa. Embora esse procedimento demande maior esforço de prospecção de informações e de cálculo, os benefícios, dependendo das circunstâncias, podem tranquilamente transcender os custos, mesmo porque a disponibilidade de softwares, como o Crystal Ball, tem tornado esse tipo de procedimento em uma atividade rápida e sensivelmente mais simples e intuitiva.

9 A indexação de planilhas de cálculo favorece, inclusive, iterações que envolvam elementos da própria demonstração de resultados, basicamente em relação a custo e volume, com consequências diretas no lucro.

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107Instituto de Ciências Sociais Aplicadas

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Recebido em: 18 de junhoAceito em: 03 de outubro

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O CONFLITO NO AMBIENTE DE TRABALHO: UM ESTUDO SOBRE CAUSAS E CONSEQUêNCIAS NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

CONFLICT IN THE WORKPLACE: A STUDY ON CAUSES AND CONSEQUENCES IN INTERPERSONAL RELATIONS

Halana Franciela Malakowsky 1

Cristine Kassick 2

RESUMO: Este artigo visa analisar como os conflitos organizacionais interferem nos relacionamentos interpessoais na equipe de trabalho, visto que, pela busca constante pelo sucesso, as empresas requerem muito dos seus colaboradores, colocando-os em ocasiões de ansiedade e estresse, influenciando desentendimentos e conflitos. Para o estudo em questão, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e descritiva, juntamente com a aplicação de questionários para coletar os dados em análise e entrevistas semiestruturadas para complementar os estilos de gestão adotados pelas empresas em estudo. A pesquisa foi realizada em empresas da cidade de Nova Petrópolis. Através deste estudo, foi possível constatar as principais causas do conflito nas empresas, verificando o comportamento dos indivíduos, os estilos de gestão e as formas como as empresas contornam as situações. Conclui-se que o conflito é inevitável nos dias atuais e que as reações dos indivíduos vão variar de acordo com a forma com que o conflito é gerenciado.Palavras-chave: Conflitos organizacionais. Gestão de conflitos. Comportamento humano.

ABSTRACT: This article aims to analyze how organizational conflicts in interpersonal relationships interfere in team work once, by the constant search for success, companies require a lot of their employees, placing them in times of anxiety and stress, influencing misunderstandings and conflicts. For the present study it was conducted a bibliographic and descriptive research, along with the application of questionnaires to collect data analysis and semi-structured interviews to supplement the management styles adopted by companies in the study. The survey was conducted in local businesses in the city of Nova Petropolis. Through this study, we determined the main causes of business conflicts, checking individual behaviors, management styles and the way they handle the situations. We conclude that conflict is inevitable nowadays and the individuals reactions will vary according to the way conflicts are managed.Keywords: Organizational conflict. Conflict management. Human behavior.

1 Graduada no tecnólogo em Gestão de Recursos Humanos – Universidade Feevale. E-mail: [email protected] Mestre em Psicologia Social e da Personalidade- PUCRS. Especialista em Diagnóstico Psicológico- PUCRS. Psicóloga- PUCRS; professora assistente do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas Feevale; consultora em Gestão de Pessoas. E-mail: [email protected].

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1 introdUÇÃo

Constantemente, as empresas sentem a necessidade de ter uma área de gestão de pessoas atuante, visto que o sucesso organizacional vem em decorrência de uma boa administração de recursos humanos. Um dos grandes diferenciais dentro das empresas são as pessoas que nela atuam, contribuindo para que a empresa seja competitiva no mercado atual, que sofre com a instabilidade do cenário econômico. Em virtude da concorrência e de constantes mudanças, a agilidade com que a empresa responde ao cenário é fator determinante para que a ela triunfe no negócio, o que exige muita flexibilidade de seus colaboradores.

Na busca pelo sucesso, as empresas requerem muito de seus colaboradores gerando situações de alta ansiedade e estresse para que o foco (sucesso) não seja perdido. Nessas situações, nem sempre o planejado sai conforme o esperado. As pessoas diferem na maneira de pensar e agir diante de certos casos, o que influencia diretamente na tomada de decisão e na resolução de problemas. Essas diferenças individuais causam o conflito, gerando incompatibilidade e diferenças de interpretação dos fatos. Os conflitos precisam ser conduzidos de maneira eficaz, para que possibilidades de ação, crescimento e desenvolvimento sejam criadas, sem afetar a produtividade e a lucratividade da empresa. A área de Recursos Humanos precisa estar estruturada para proporcionar aos colaboradores um ambiente de trabalho agradável e harmônico, com uma Gestão de Pessoas focada na administração e na resolução de problemas e conflitos.

Ultimamente, o conflito é visto como um estimulador, despertando planos de ação, novas ideias e opiniões. Porém, também pode ser visto como difusor de discussões e insatisfação perante os colaboradores. Considerando esses dois aspectos que podem atuar de forma positiva ou negativa dentro da empresa e influenciar diretamente no comportamento humano, definiu-se como objetivo geral analisar como se apresentam e como são gerenciados os conflitos organizacionais em empresas da cidade de Nova Petrópolis/RS. A partir desse objetivo geral, procurou--se verificar as causas do conflito organizacional; observar o comportamento perante a situação de conflito; verificar quais os estilos de gestão de conflitos presentes na organização e relatar as formas para contornar (ou gerir) o conflito.

Para a realização deste estudo, utilizou-se o método exploratório descritivo, auxiliado pelo levantamento de dados em cinco (5) empresas da cidade de Nova Petrópolis.

Para alcançar o objetivo proposto, o artigo aborda no primeiro ponto o embasamento teórico sobre o tema conflitos, referência à gestão de pessoas e à gestão de conflitos. No segundo ponto, ocupa-se com a descrição metodológica. O terceiro e último ponto traz os dados coletados e a realização da sua análise.

2 conFlito

Ultimamente, as empresas são desafiadas a criar diferenciais competitivos, desenvolvendo ferramentas para atrair e manter os melhores profissionais em seu quadro de funcionários. Para tanto, é preciso criar um ambiente em que as pessoas se sintam motivadas e envolvidas com o sucesso da empresa. Nesse cenário, o conflito pode se formar. Esta parte do artigo conceitua e apresenta as consequências do conflito no comportamento humano.

Quando as pessoas trabalham juntas na empresa, o trabalho pode ocorrer de forma natural, assim como pode acontecer de forma conturbada. Conforme Griffin (2007, p. 450), o “conflito é o desentendimento entre dois ou mais indivíduos, grupos ou empresas”, que, de forma negativa, causa discórdia e antipatia e, de forma positiva, motiva o aprendizado e a busca por novos desafios. Rahim (2001) admite que muitas empresas não aceitam o conflito, por ser considerado como uma situação negativa. Robbins et al. (2010) abordam o conflito como ponto de percepção: o indivíduo pode se opor, interagir ou não apresentar os mesmos princípios ou expectativas, ultrapassando dos limites. Já Chiavenato (2010) se remete ao conflito como uma situação de desconfiança, discordância e confronto de ideais ou opiniões. Marras (2009) alega que o conflito é uma disputa de interesses pessoais x organizacionais e que somente uma boa comunicação entre as partes consegue melhorar ou diminuir as consequências que o conflito pode vir a causar no ambiente de trabalho, entre elas, a queda da produtividade e da motivação dos envolvidos, a qualidade dos resultados, do clima e a mudança no comportamento. Mallory (1997) ressalta que em todos os locais existem conflitos, é necessário aprender a administrá-los, convertendo os aspectos negativos do conflito em uma experiência construtiva e positiva. Destaca-se também a importância de promover o equilíbrio, a harmonia e o amadurecimento entre as partes envolvidas.

Em vez de considerar o conflito como uma oportunidade de confronto entre as pessoas, as organizações consideram as situações conflitantes como oportunidades de crescimento que requerem

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cuidados na forma de gerenciamento. Para Ahrens (2012), o conflito é uma oportunidade de crescimento para a organização, visto que novas opiniões, expressões e possibilidades são criadas. “O que torna o conflito algo negativo não é a divergência de pensamento e sim a reação que temos diante dele” (AHRENS, 2012). Vale ressaltar que as pessoas têm comportamentos, atitudes, valores, metas e interesses diferentes e é essa diversidade que faz com que as empresas programem estratégias adequadas para poder administrar os conflitos. O conflito deixa de ser um fator construtivo para a empresa quando o foco principal são os valores e os objetivos individuais, e não a visão e as metas da empresa.

O conflito é positivo ou negativo conforme a abordagem que lhe é dada: o diálogo, a diversidade e a inovação criam resultados interativos com o ambiente, favorecendo e lidando com situações e ideias opostas. As diferentes gerações que são encontradas nas empresas atualmente também causam conflitos (de relacionamento). Atualmente, as empresas lidam com profissionais de gerações diferentes (baby- -boomers, X, Y e Z) e todas precisam se esforçar para atualizar as competências e acompanhar as inovações corporativas. Moreira (2012) argumenta que “o maior desafio dos líderes é justamente criar o ambiente que possibilite às pessoas o espírito de tolerância para conviverem com aqueles que se guiam por outros paradigmas”.

Para Montana e Charnov (2010, p. 348), “o conflito no ambiente organizacional é definido como a divergência entre duas ou mais partes [...] sobre como melhor alcançar as metas da organização”. Os conflitos podem estar relacionados ao desempenho, à tarefa, ao relacionamento interpessoal e aos processos, de acordo com Robbins et al. (2010).

Griffin (2007, p. 450) destaca que “enquanto o conflito for administrado de forma cordial e construtiva, tende a servir a um propósito útil para a empresa”, favorecendo o crescimento – possibilitando altos níveis de produtividade providos de motivação e iniciativa. Por outro lado, como o conflito é inevitável e pode causar efeitos indesejados, compete aos administradores encontrar e manter uma forma adequada de gerenciar o nível do conflito da equipe e encaminhar as devidas resoluções, não prejudicando o desempenho e a interação da equipe. Complementando, Vecchio (2008) relata que, anteriormente, o conflito era visto como fator prejudicial e desnecessário ao ambiente de trabalho, porém, nos dias atuais, ele se tornou inevitável nas organizações, sendo necessário para melhorar o desempenho, incentivando novas

táticas e estratégias para alcançar metas e objetivos organizacionais.

Para que uma organização consiga alcançar seus objetivos, é necessário que seus colaboradores se sintam influenciados pelos processos, pela visão e pela missão da empresa. A estratégia da comunicação deve alinhar as expectativas, exigindo o comprometimento e a credibilidade, criando valores e estimulando transformações. A cultura exprime a identidade da empresa e orienta o comportamento dos funcionários para o alcance dos objetivos organizacionais. Nesse contexto, Chiavenato (2010, p. 172) alega que a cultura organizacional é “o conjunto de hábitos e crenças, estabelecidos por normas, valores, atitudes e expectativas, compartilhado por todos os membros da organização”. Conforme Maximiano (2009), a cultura unifica a maneira como as pessoas resolvem e lidam entre si e com as pessoas à sua volta, bastando seguir ordens para não errar. Conforme Robbins et al. (2010), a cultura da empresa flexível permite que os indivíduos trabalhem de forma coletiva para a solução dos conflitos, dando a entender que o conflito pode melhorar a qualidade do processo, uma vez que todos os pontos de vista são avaliados, estimulando ideias, a reavaliação de metas e atividades grupais e a disposição para mudanças; entretanto percebe-se que o conflito reduz a satisfação e a confiança dos membros do grupo, quando não tratado de forma aberta.

Para dar continuidade e aprofundamento ao tema conflitos organizacionais, seguem as condições que antecedem o conflito e os tipos de conflitos existentes.

2.1 condiçÕes antecedentes ao conFlito

Há várias formas de conflito: o interno e o externo, que envolvem o relacionamento pessoal ou os relacionamentos interpessoais, intergrupais e interorganizacionais (intraorganizacionais). Neste contexto sobre as formas de conflitos, Griffin (2007) comenta que o conflito interpessoal geralmente acontece em virtude de desconfiança, falta de convivência, percepções diferentes e excesso de competitividade gerado pelas empresas. Já os conflitos intergrupais ocorrem por causas empresariais (e não por causas interpessoais), de forma a prejudicar a produtividade e a qualidade dos produtos. Segundo Griffin (2007), enquanto as pessoas discordam entre si sobre questões de percepções, os grupos de trabalho lidam com objetivos diferentes, de setor para setor: o que pode ser prioridade para um pode não ser para o outro – ocasionando o conflito. Os

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conflitos interorganizacionais e intraorganizacionais ocorrem quando diferentes pontos de vista são analisados, desde a qualidade do produto, os prazos, os padrões, as lideranças. Para Chiavenato (2010), o conflito pode ser percebido: quando os envolvidos sabem que o conflito existe porque seus objetivos são diferentes; experenciado: provocando efeitos de raiva e hostilidade, porém de forma oculta; e manifestado: quando o conflito é aberto, sendo manifestado através da conduta dos envolvidos.

Algumas situações tendem a criar percepções diferentes entre pessoas e grupos, predispondo ao conflito. Conforme Chiavenato (2010), existem quatro condições que antecedem o conflito: a ambiguidade de papel – quando propósitos não estão bem definidos; os objetivos concorrentes – com metas e finalidades individuais e/ou grupais diferentes, tornando a percepção incompatível; os recursos compartilhados – divisão e realocação de recursos necessários; e a interdependência de atividades – quando um depende do outro para alcançar seu objetivo. Montana e Charnov (2010) descrevem que o conflito organizacional é estimulado pelas diferenças de metas, pela competição de recursos, na falha de comunicação, com a má interpretação de informações, por desacordos em padrões de desempenho e pela estrutura organizacional. Vecchio (2008) complementa que as principais fontes de conflitos são a comunicação falha, com informações incorretas ou distorcidas, os fatores estruturais, referindo-se ao tamanho da organização, a participação e o poder hierárquico e as formas de remuneração, além do comportamento dos indivíduos, que têm valores e percepções diferentes. Assim, o autor destaca que essas condições antecedentes remetem à percepção de cada um perante a situação. No episódio de conflito, o comportamento das partes envolvidas exige uma resolução, que desencadeia resultados positivos para a empresa.

2.1.1 Gestão de pessoas e a gestão de conflitos

A gestão de pessoas pode ser definida como um conjunto de políticas de uma empresa que direciona o comportamento das pessoas e as relações de trabalho. Conforme Marras (2009), a década de 90 trouxe desafios para as empresas devido ao aumento da competitividade e da globalização, fazendo com que as políticas de gestão de pessoas se alinhassem decisivamente às estratégias empresariais, de forma que lidar com pessoas envolveria muito mais do que apenas contratar ou demitir. O objetivo dos

profissionais da área de gestão de pessoas é garantir que o planejamento estratégico seja alinhado com os resultados da empresa. Os profissionais da área de gestão de pessoas podem dar importantes contribuições para as empresas, no sentido de auxiliá--las a desenvolverem uma administração estratégica, controlar ou influenciar fortemente as características dos recursos humanos, de forma a auxiliar o desenvolvimento e a manutenção da vantagem competitiva das empresas.

Para Marras (2009), as organizações procuram pessoas criativas, capacitadas e informadas com o que acontece à sua volta, com espírito de equipe e liderança, para exercer as atividades com flexibilidade: “as empresas estão reconhecendo que seu sucesso depende de o que as pessoas sabem, isto é, seus conhecimentos e habilidades. [...] O capital humano é hoje usado para descrever o valor estratégico” do colaborador (BATEMAN; SNELL, 2011, p. 320). Valorizar as pessoas que cooperam e trabalham em equipe torna a empresa competitiva, demonstrando a importância da gestão estratégica de pessoas.

Como apresentado anteriormente, o conflito envolve duas ou mais partes com diferentes pontos de vista sobre determinado assunto, gerando desacordos e tensões entre os indivíduos. A gestão de conflitos consiste em saber administrá-los de forma benéfica para a organização. Segundo Robbins et al. (2010), o processo do conflito pode ser visto em forma de estágios: estágio I – oposição ou incompatibilidade: em que a comunicação, a estrutura e as variáveis pessoais dão condições para que o conflito se forme (por se tratar de informações, definições de função e personalidades diferentes); estágio II – cognição e personalização: as questões relacionadas ao conflito são definidas (o conflito é percebido e há o envolvimento); estágio III – definição de estratégias: é a forma de atuação que permitirá resolver o conflito de acordo com a tendência individual de cada parte (citam-se a competição, a colaboração, o evitação, a acomodação e o compromisso ou a disposição para solucionar o conflito); estágio IV – comportamento: remetendo--se ao processo de interação e envolvimento com a situação conflitante; e o estágio V – consequências: a ação e a reação entre as partes, afetando diretamente o desempenho.

Chiavenato (2010) destaca que existem várias formas de administração de conflitos, entre elas: evitação ou fuga: é uma atitude de fuga sobre as reais causas do conflito, evitando e negando a existência de um conflito; acomodação ou suavização: é uma forma de resolver as discordâncias menores, deixando o real

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motivo do conflito para ser resolvido posteriormente; competição ou comando autoritário: a decisão de resolução é imposta, usando-se o poder ou a autoridade para uma das partes sair vitoriosa; concessão ou acordo: combinando soluções de ambos os lados para resolver o conflito; e colaboração ou resolução dos problemas: utiliza-se da negociação para reduzir as diferenças de ambos.

Conforme Schermerhorn et al. (1999), saber administrar o conflito é essencial para o sucesso da empresa. A gestão de conflitos começa quando as situações conflitantes são reconhecidas e soluções são criadas para lidar com os conflitos: abordagens de forma indireta e de forma direta ajudam a administrar o conflito. Com as abordagens indiretas, a administração do conflito atribui-se ao ajuste da redução do contato, foco em metas comuns e mudanças comportamentais, que exigem atenção e senso de ordem dos níveis hierárquicos. As abordagens diretas consistem em analisar e identificar as razões, resultando que ambas as partes se sintam vitoriosas. São os chamados conflitos ganha-ganha, ganha-perde e perde-perde.

Schermerhorn et al. (1999) justificam que o conflito perde-perde resulta da administração de conflitos por evitação ou acomodação, de forma que cada uma das partes cede algo, deixando o conflito temporariamente resolvido; no conflito ganha-perde, a dominação por uma das partes determina a resolução do conflito, fazendo com que as partes voltem a competir futuramente sobre o mesmo assunto; e, no conflito ganha-ganha, ressalta-se a colaboração para coletar e avaliar as informações, fazendo com que as verdadeiras questões antecedentes ao conflito sejam descobertas e analisadas. No conflito ganha-ganha, as partes reconhecem que têm problemas a serem resolvidos e procuram um meio real para solucionar: o conflito é resolvido. Para complementar esses tipos de conflitos, Montana e Charnov (2010) destacam as técnicas para a administração dos conflitos citados: o afastamento – em que se evita o problema, não lidando com as causas conflitantes; o abrandamento – enfatizando a harmonia na empresa e não solucionando os problemas; a dominação – solucionando o problema, porém de forma rápida e não eficaz; o meio-termo – para tentar satisfazer ambas as partes envolvidas; e o confronto – lidando com as causas do conflito e conciliando ambas as partes com as metas organizacionais, e não individuais.

Ahrens (2012) relata que a postura ideal de um profissional diante de um conflito seria envolver

as pessoas a entender o ponto de vista da outra parte, gerando soluções e reflexões sobre o motivo. Vecchio (2008) enfatiza que reconhecer as formas de conflito incentiva novas estratégias para conduzir melhores efeitos nos desempenhos e o conflito só poderá ser julgado como positivo ou negativo dentro de uma organização conforme o desempenho e o comportamento dos colaboradores. A adaptação e a abordagem que o administrador de conflitos deve fazer engloba o entendimento de que o conflito é construtivo: a equipe deve lidar com a situação e desenvolver habilidades para que as divergências que ocorrem sejam resolvidas. Ahrens (2012) alega que as emoções e as tensões do momento interferem na resolução do problema. Mintzberg (1973) complementa afirmando que, para melhorar constantemente o ambiente de trabalho, é importante saber adaptar, alocar e negociar, visto que a função de administrar os conflitos é cada vez maior nas empresas.

Perante Vecchio (2008), o gerenciamento do conflito pode ser efetivado por meio de diferentes estratégias utilizadas, entre elas: estabelecer regras e procedimentos, possibilitando melhores resultados se for aderido antes do conflito; apelo aos superiores, que decidem qual a melhor forma de atender às necessidades; posições de contato, formando um elo de comunicação entre grupos; a negociação, utilizando a discussão como forma de interação; e as equipes, que atuam na análise do problema conflitante.

Saber relacionar a gestão de pessoas com a gestão de conflitos nos dias atuais destaca administradores que buscam melhores resultados para a empresa, de forma a conciliar objetivos individuais, grupais e organizacionais. Assim, finaliza-se a revisão bibliográfica que contribuiu com o estudo sobre os conflitos organizacionais. Apresentam-se, a seguir, os métodos de pesquisa utilizados para a realização deste artigo.

3 MEtodoloGia da PEsQUisa

Neste ponto, apresenta-se a metodologia utilizada na realização deste estudo. Do ponto de vista da natureza, este estudo é uma pesquisa aplicada, que, segundo Prodanov e Freitas (2009, p. 62), “objetiva gerar conhecimentos para a aplicação prática”. No que se refere aos objetivos, trata-se de pesquisa exploratória, visando a informar sobre o assunto delimitado, e descritiva ao registrar os fatos que são levantados por meio de coleta de dados.

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Em relação aos procedimentos técnicos, utilizou--se a pesquisa bibliográfica. Do ponto de vista da abordagem do problema, a pesquisa é qualitativa e destina-se a levantar realidades já estruturadas, como comportamento e crenças (GIL, 2010). Os dados e as informações são obtidos com perguntas mediante questionários. Os dados obtidos são agrupados em tabelas, aprimorando o entendimento de todos acerca dos resultados finais.

A amostra foi não probabilística e por conveniência, em que, perante Prodanov e Freitas (2009, p. 109), “o pesquisador seleciona os elementos a que tem acesso, admitindo que esses possam, de alguma forma, representar o universo”. A técnica de coleta dos dados se deu por uso de questionários e entrevistas semiestruturadas, com perguntas relativas ao contexto bibliográfico para entendimento dos respondentes. Nas entrevistas, as informações foram obtidas para análise do assunto de forma semiestruturada (através de um roteiro de entrevista previamente elaborado pela pesquisadora), dando à pesquisadora a opção de perguntas abertas. A análise de dados foi por análise de conteúdo, para as questões de entrevista, e por análise estatística descritiva para os questionários.

Na parte dos questionários, a pesquisadora utiliza a metodologia quantitativa, com uso da estatística descritiva. O uso da estatística auxilia na verificação e na avaliação da quantidade e da qualidade dos índices analisados. Conforme Luz (2010), todos os diagnósticos podem ser resumidos em tabelas e gráficos, que facilitam a compreensão visual. Em relação às entrevistas, utiliza-se a abordagem qualitativa, com análise do conteúdo da entrevista.

A aplicação dos questionários e a realização das entrevistas com os responsáveis pelas áreas de Recursos Humanos foram realizadas entre os dias 10/abril a 22/abril/2013. Foram convidadas quinze (15) empresas, mas somente cinco (5) retornaram ao contato inicial. A amostra deste estudo, então, é representada por cinco

(5) empresas da cidade de Nova Petrópolis, Jardim da Serra Gaúcha, com trinta (30) respondentes aos questionários, todos esses das áreas administrativas das empresas, e com cinco (5) responsáveis pela área de Recursos Humanos das empresas entrevistadas.

4 aPrEsEntaÇÃo E análisE dos dados

Este item apresenta a contextualização do cenário pesquisado, a identificação das empresas, a caracterização dos respondentes e a sua percepção acerca dos conflitos organizacionais.

4.1 conteXtUaliZando o cenÁrio de coleta de dados

A cidade de Nova Petrópolis detém hoje o título de Jardim da Serra Gaúcha por se tratar de uma das cidades mais floridas da região, além de possuir pontos turísticos naturais, como o Labirinto Verde, o Pinheiro Multissecular e a rampa de Vôo Livre Ninho das Águias. Com cerca de 19 mil habitantes, a cidade mantém viva a essência da sua cultura germânica por meio dos costumes, da gastronomia, da arquitetura e do seu legado cultural (NOVA PETRÓPOLIS, 2012).

4.2 as eMPresas estUdadas

As empresas objeto de estudo deste artigo são da cidade de Nova Petrópolis. São empresas familiares, de origem e administração contínua por membros da família.

Empresas de origem familiar têm como vantagem a continuidade das diretrizes administrativas e o poder decisório centralizado e, como desvantagem, podem ocorrer os conflitos, que surgem pela forma como os interesses da família e da empresa são dirigidos.

Tabela 1 - Ramo e tempo de vida das empresas analisadas

Empresa Ramo Tempo de vida da empresa

1 Avicultura 30 anos

2 Assessoria e consultoria jurídica 10 anos

3 Associação comunitária 20 anos

4 Emissora de rádio 20 anos

5 Transportadora 30 anos

Fonte: Dados da pesquisa

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4.3 caracteriZação dos resPondentes

Os dados foram coletados através de aplicação de questionários. Em um primeiro momento, foram solicitadas informações sobre dados gerais dos colaboradores das empresas. Os respondentes foram questionados sobre sexo, escolaridade, tempo de empresa e idade.

Dos trinta (30) respondentes, 53% – dezesseis (16) respondentes – são do sexo masculino, e os outros 47% – ou seja, catorze (14) respondentes – são do sexo feminino. Referentemente à escolaridade, dez (10) respondentes estão cursando o ensino superior, outros sete (7) já têm o ensino superior completo, dez (10) cursaram até o ensino médio e outros três (3) não completaram o ensino fundamental. Através da apreciação dos resultados dos questionários, nota-se que grande parte dos respondentes possui acima de quinze (15) anos de empresa.

Em relação à faixa etária dos respondentes, nota- -se que a grande maioria dos colaboradores são pessoas da faixa etária entre 21 a 40 anos, além de que as pessoas experientes também estão em grande número nas organizações.

Moreira (2012) aponta que os conflitos de relacionamento são um dos efeitos equivalentes para as empresas que trabalham com gerações diferentes, mencionando as gerações baby-boomers, X, Y e Z, que têm perspectivas e focos diferentes entre elas, mas que juntas buscam o mesmo objetivo para a organização – porém cada uma ao seu modo –, compartilhando suas crenças e seus valores construídos ao longo dos anos. Vale ressaltar que aqueles da geração baby-boomers (nascidos entre as décadas de 40 e 50) vivem em função do trabalho, fazendo o que for necessário para cumprir suas tarefas. A geração X (nascidos entre as décadas de 60 e 70) é empreendedora, buscando o equilíbrio entre o trabalho e sua vida pessoal; a

geração Y (nascidos entre as décadas de 80 e início de 90) é multifuncional e busca constantemente novos desafios; e a geração Z (meados da década de 90), que está começando atualmente no mercado de trabalho, é ligada à tecnologia e ao mundo virtual. As gerações mais velhas veem os jovens como desinteressados, mas esses jovens tendem a cuidar de seus próprios interesses. As gerações mais velhas tendem a ser motivadas pelo trabalho em si, os jovens procuram mais orientação, feedback e reconhecimento.

O objetivo principal de uma empresa é obter lucro. Para essa finalidade, ela exige um requisito básico dos colaboradores envolvidos, que é a capacidade de trabalhar em equipe. A evolução profissional individual depende do aprendizado, que, por sua vez, depende da troca de experiências. Todas as gerações têm a ensinar umas às outras. Um profissional mais velho, mesmo conservador, precisa compreender que o mais novo possui os atributos da inovação, da energia, da motivação e da habilidade em lidar com o novo, e assim vice-versa.

4.4 PercePção acerca dos conFlitos orGaniZacionais

Após a análise do perfil dos respondentes, foram analisadas as questões relativas ao assunto deste artigo: os conflitos organizacionais. As perguntas realizadas permitiam aos respondentes que marcassem mais de uma resposta.

A primeira questão específica sobre o tema deste artigo era relativa às consequências provocadas na empresa em virtude do conflito, com os resultados expressos na tabela 2.

Quinze (15) respondentes indicaram que o conflito causa problemas de relacionamento entre os colegas; treze (13) indicaram que o conflito gera desmotivação

Tabela 2 - Consequências provocadas na empresa por causa do conflito

Consequências provocadas Respondentes

Piora a qualidade do trabalho 7

Cria problemas de relacionamentos 15

Diminui a produtividade 9

Diminui a motivação 13

Aumenta o nível de estresse 13

Não existem consequências 3

Fonte: Dados da pesquisa

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e o aumento de estresse na equipe. A produtividade e a qualidade do trabalho também são elencadas como consequências sofridas. Como Marras (2009) declara, o conflito é uma disputa de interesses pessoais x interesses organizacionais, e somente a comunicação e a disseminação das informações podem fazer com que as consequências sejam amenizadas. As pessoas sentem-se influentes nos processos da organização e, em virtude das causas iniciantes ao conflito, a motivação delas pode baixar, fazendo com que o rendimento delas no ambiente de trabalho decaia. Robbins et al. (2010) complementam o argumento proposto, referindo-se que o conflito reduz a satisfação e a confiança dos membros do grupo. Vale ressaltar que a motivação está relacionada com os estímulos recebidos e como eles são filtrados por cada um.

Em entrevista com os responsáveis das áreas de Recursos Humanos das empresas analisadas, destaca--se que, como consequência, nota-se a tensão que fica no ambiente de trabalho, prejudicando o bom funcionamento das tarefas. Durante a situação conflitante, a produtividade e a qualidade dos serviços da pessoa diminuem, caso ela se sinta prejudicada pela decisão que foi tomada. Caso a resolução do problema seja tranquila, nota-se que a autoestima da pessoa aumenta.

Em outra questão, os respondentes foram convidados a identificar quais as principais fontes geradoras de conflitos na empresa, sendo as respostas ilustradas na tabela 3.

A falta de comunicação e as falhas no processo de comunicação foram escolhidas pelos respondentes como as principais fontes geradoras de conflitos, com vinte (20) e dez (10) respostas respectivamente. As divergências de padrões, com dez (10) respostas, e as diferenças de metas e objetivos entre os setores,

com nove (9) respostas, também elevam as principais fontes.

Conforme já abordado neste estudo, Vecchio (2008) cita que as principais fontes que geram o conflito são a comunicação falha ou inexistente em relação a assuntos organizacionais, podendo ser causado pelas lideranças mal instruídas ou pelo fator estrutural da empresa (como tamanho e participação no mercado). Montana e Charnov (2010) listam também como fatores que desencadeiam o conflito as diferenças de metas, a competição de recursos e os padrões de desempenho.

Remetendo-se ao entendimento dos respondentes quanto ao conflito ser positivo ou negativo no ambiente de trabalho, vinte e um (21) dos respondentes – o que representa 70% – acreditam que os conflitos diários são positivos e negativos, optando por “ambos”. Sete (7) respondentes acreditam que os conflitos são positivos e apenas dois (2) dizem que os conflitos são negativos. Dessa forma, nota-se que os respondentes estão cientes de que o conflito pode realmente ser uma fonte de estresse e desentendimentos no ambiente de trabalho, porém, caso seja bem conduzido, pode ser saudável à organização.

De acordo com a abordagem que é feita no momento do conflito, Felippe (2012) analisa o resultado que ele gera nos envolvidos. O impacto causado nos indivíduos e a resolução dada à situação geram ou não o contentamento das pessoas. O conflito é criado pelas diferenças de ideias ou comportamento. Pode gerar consequências positivas se a equipe estiver sintonizada e unida, mostrando a necessidade de mudança, da reavaliação e da reestruturação como um fator bom para a equipe, ou consequências negativas se a equipe estiver desatada e sem foco nas diretrizes da empresa, ressaltando os fatores externos, as divergências de opiniões, a falta de reconhecimento e a forma de

Tabela 3 - As principais fontes geradoras de conflitos nas empresas

Fontes geradoras Respondentes

Diferenças de metas 9

Competição por recursos 2

Falta de comunicação 20

Divergências entre padrões 10

Falta de planejamento 5

Falhas no processo de comunicação 10

Alterações de lideranças 2

Fonte: Dados da pesquisa

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tratamento que é dado às pessoas, interferindo no desempenho da equipe e nos resultados esperados pela empresa.

Ressalva-se que o entendimento quanto ao conflito ser positivo ou negativo para a empresa depende da maneira como ele é conduzido e interpretado pelos envolvidos. As responsáveis pelas áreas de Recursos Humanos das empresas abrangem os conflitos como positivos pela forma com que novas opiniões são demonstradas, referindo-se ao envolvimento das pessoas na solução que deve ser encontrada, e como negativos pela forma com que podem ou não ser interpretados. Aborda-se também que o conflito, por ser uma fonte geradora de ideias e opiniões, pode ser causado pela incompatibilidade de objetivos ou pela má interpretação dos fatos. Nesse contexto, a falta de comunicação entre os colaboradores, as divergências entre os objetivos individuais x organizacionais e a falta de planejamento são os principais geradores de conflitos. Compreende-se que o conflito é negativo para a organização quando conturba o ambiente de trabalho e prejudica-o de alguma forma. O conflito de ideias e personalidades fortes acaba “batendo de frente” e a situação conflitante transforma-se em um jogo de egos, com isso, as metas e os objetivos podem ficar dificultadas em razão de a situação do conflito não chegar a um acordo.

O estilo de gestão adotado pelas empresas é apresentado no gráfico 1.

Grande parte dos respondentes – doze (12) –selecionaram a alternativa colaboração ou resolução dos problemas como sendo o estilo de gestão utilizado na empresa, seguida por oito (8) que escolheram a opção de concessão e acordo e outros seis (6) com a alternativa de competição ou comando autoritário.

Em primeiro ponto de avaliação, ressalta-se que nenhuma das empresas em que foi aplicado o questionário utiliza o estilo de evitação ou fuga. Pode-se concluir com isso que fugir ou evitar um problema (ou a solução de um conflito) é uma atitude egocêntrica, em que nenhuma das partes se engaja por uma resolução e vai levando a situação como um fator que provavelmente a desmotiva. A acomodação é um meio utilizado para amenizar a situação conflitante no momento, podendo ela se instaurar novamente em um curto espaço de tempo na empresa, vindo a causar novamente todos os problemas suavizados anteriormente. Usando o artifício do poder e da hierarquia, ou do calor do momento, o comando para a resolução do conflito é imposto, usando-se o poder ou a autoridade para conseguir sanar o problema.

Conforme Schermerhorn et al. (1999), saber administrar o conflito é essencial para o sucesso da empresa. A gestão de conflitos começa quando as situações conflitantes são reconhecidas e soluções são criadas para lidar com os conflitos. Com essa abordagem e com as opiniões dos respondentes estruturadas no gráfico acima, pode-se notar que as

Gráfico 1 - O estilo de gestão adotado para resolver o conflitoFonte: Dados da pesquisa

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empresas estão utilizando cada vez mais a negociação para resolver os conflitos dentro das organizações – combinando soluções de ambos os lados para resolver e reduzir as diferenças.

Relevando as opiniões coletadas nas entrevistas, ações pacificadoras e conversas para conseguir ouvir os dois lados da situação são os meios mais adotados pelas empresas para lidar e identificar os porquês dos conflitos. Como mencionado no estudo, Ahrens (2012) alega que as emoções e as tensões do momento interferem na resolução consistente do problema, uma vez que a decisão tomada no momento pode adotar um rumo que não condiz com a resolução apropriada para o conflito.

Na tabela 4, o entendimento do colaborador em relação ao conflito é ilustrado.

Doze (12) colaboradores, ou seja, 27% dessa amostra optaram pelo conceito de que o conflito é um fator inevitável nos relacionamentos interpessoais, que, de acordo com Griffin (2007), os efeitos que o conflito pode gerar no ambiente de trabalho são relativos à forma de administração e condução dos processos dentro da organização. Os conceitos de que o conflito é um processo de envolvimento e influência entre as partes e que o conflito é um fator necessário para que o grupo continue viável e criativo aparecem com onze (11) respostas cada – ou seja, 24% cada um.

Numa das perguntas do questionário que foi realizado com os trinta (30) respondentes, solicitou-se que descrevessem o que compreendem como conflito no ambiente de trabalho. No quadro 1, pode-se observar algumas respostas.

Nota-se que o conflito é um fator inevitável dentro das organizações, porém gerenciável. As pessoas lidam com ele de acordo com a abordagem que lhe é dada. Muitas delas já percebem o conflito como um ponto de enriquecimento para a empresa, em que oportunidades de melhoria e crescimento são criadas pelos próprios colaboradores muitas vezes, e não impostas pelos líderes.

A tabela 5 expõe as condições que geram o conflito no ambiente de trabalho, visando cinco (5) considerações básicas para o entendimento: a ambiguidade, a escassez, a interdependência, os objetivos e a diferenciação.

A interdependência de tarefas e os objetivos concorrentes aparecem na tabela 5 com onze (11) respostas cada – representando 27% das escolhas dos respondentes. A ambiguidade de papéis e a diferenciação estrutural também foram optadas como condições que geram o conflito. Schermerhorn et al. (1999) alegam que, em determinadas empresas, as situações que geram uma probabilidade de conflitos

são chamadas de condições antecedentes. Como abordado no estudo, Chiavenato (2010) citou as condições que antecedem o conflito: a ambiguidade, os objetivos concorrentes e a interdependência de tarefas, os recursos compartilhados e a estrutura da empresa. Os quatro primeiros citados têm relação entre si, com metas e objetivos não bem definidos e com recursos realocados em tarefas que necessitam de outros setores para serem alcançadas. A estrutura da empresa remete-se às características pessoais x organizacionais.

Através da análise dos dados obtidos com a aplicação do questionário, percebe-se que o conflito pode ser tanto positivo quanto negativo, causado geralmente pelas falhas de comunicação entre os colaboradores, criando problemas de relacionamento entre os colegas, prejudicando assim a motivação e aumentando o nível de estresse entre a equipe. Nota- -se também, com esta análise, que a grande maioria das empresas foca na resolução dos problemas entendendo suas causas, que, em muitas ocasiões, são ocasionados pela interdependência ou pelos objetivos concorrentes.

5 considEraÇõEs Finais

Uma organização é representada pelas pessoas que nela trabalham, diferenciadas por experiências e valores que as tornam únicas e singulares. E é essa diferença (de opiniões, estilos de vida) que reduz a capacidade de entendimento e compreensão entre os envolvidos, motivando o surgimento de conflitos no ambiente organizacional. Contudo, as empresas notaram que essas situações conflitantes podem ser oportunidades de crescimento e desenvolvimento para as equipes. Essa diversidade de opiniões e pontos de vista gera novas ideias e novas formas de solucionar os problemas, fazendo com que todos participem e se envolvam em benefício da empresa. Quando bem administrados e gerenciados, os conflitos se tornam benéficos para a empresa, evitando que ela entre em processo de estagnação, permitindo e explorando novas possibilidades e a criatividade dos envolvidos.

Considera-se que o objetivo geral deste estudo foi atendido: analisar como se apresentam e como são gerenciados os conflitos organizacionais em empresas da cidade de Nova Petrópolis/RS, sendo alcançado através de um questionário com perguntas abertas e de múltipla escolha, aplicado a trinta (30) colaboradores de cinco (5) empresas da cidade de Nova Petrópolis. Através da pesquisa bibliográfica e descritiva, a

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Tabela 4 - Conceito de conflito

Conceito Respondentes

É um fato inevitável 27%

É um elemento ruim 5%

É um processo de envolvimento entre as partes 24%

É um elemento que sinaliza a mudança 20%

É um fator necessário para que o grupo continue viável 24%

Fonte: Dados da pesquisa

Empresa Definição

1 O conflito é uma situação em que não há consenso entre as pessoas.

2O conflito deve ser analisado da melhor forma possível, pois muitos deles são necessários para o crescimento pessoal da

equipe.

2O conflito está voltado com relacionamento com colegas e chefia, são questões para conversar e resolver com reflexão e

autocrítica.

2São as inúmeras divergências de opiniões onde muitas vezes falta flexibilidade e concessão. Ocorrem por se tratar de muitas

personalidades diferentes, estas divergências às vezes causam mal entendidos e sucessivamente o conflito.

3É algo construtivo, pois é em cima destes conflitos que conseguimos crescer profissionalmente e resolver as situações

embaraçosas que venham a surgir.

4

Conflitos podem significar crescimento, oportunidades de melhoria e uma forma

diferente de pensar sobre as questões dentro da empresa.

Podem surgir quando a empresa necessita de mudança.

4O conflito de ideias em um ambiente de trabalho pode ser positivo desde que haja

cordialidade entre as partes durante o debate das ideias opostas.

4Um conflito “amigável” pode gerar um resultado mais elaborado durante a tomada de decisão: pontos diferentes serão

avaliados e o efeito final será mais abrangente.

5

Os conflitos estão ligados à vida em grupo e normalmente são gerados pela escassez de recursos para satisfazer todas as

necessidades e desejos individuais.

Ele só é resolvido se houver uma boa comunicação entre as partes e um consenso.

5 São situações que perturbam as pessoas, desmotivando-as.

Quadro 1 - Definições de Conflito na percepção dos respondentes Fonte: Dados da pesquisa

Tabela 5 - Condições que geram o conflito

Condições Respondentes

Ambiguidade de papéis 19%

Objetivos concorrentes 27%

Escassez de recursos 7%

Diferenciação estrutural 20%

Interdependência de tarefa 27%

Fonte: Dados da pesquisa

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pesquisadora pôde aprofundar seus conhecimentos sobre os conflitos organizacionais.

Verificando as causas do conflito organizacional, foi possível constatar que, geralmente, o conflito se origina pela falta de comunicação ou por falhas em seu processo. Diferentes metas e objetivos entre os grupos, além da dependência de outros para desempenhar suas tarefas com ênfase na qualidade e nos prazos, também culminam em desentendimentos e tensões no ambiente de trabalho. Podendo atuar de forma positiva ou negativa dentro da empresa e influenciar diretamente no comportamento humano, foi possível observar, com a aplicação dos questionários e entrevistas com os responsáveis pela área de Recursos Humanos nas empresas analisadas, que os colaboradores têm demonstrado que os resultados variam em relação aos conflitos que surgem no ambiente de trabalho, de acordo com a abordagem que é feita. Muitas das empresas analisadas neste estudo têm dado uma atenção especial à gestão de conflitos dentro das empresas, de forma a motivar e melhorar o ambiente organizacional para as equipes.

Observando o comportamento perante a situação de conflito, nota-se que o conflito no ambiente de trabalho causa consequências negativas para o ambiente de trabalho. Os problemas de relacionamento entre os colegas são evidenciados, gerando queda na produtividade e na motivação da equipe. É importante que as empresas comecem a incentivar os seus colaboradores a apresentar seus pontos de vista, buscando conformidade com as estratégias da organização através da comunicação e exposição de valores individuais. Assim, as organizações passam a lidar diretamente com as diferenças, que muitas vezes geram o conflito e modificam a visão de cada pessoa em benefício do crescimento da empresa.

Ao verificar quais os estilos de gestão de conflitos presentes nas organizações, constatou-se que as empresas estão preocupadas em buscar as origens do fato que ocasionou o conflito, focando-se na resolução do problema. Acordos também têm demonstrado que trazem efeitos positivos para as organizações. Saber administrar o conflito incide na busca das melhores formas para transformá-lo em oportunidades de melhorias. E muitas organizações já optaram por focar na resolução dos problemas, resolvendo-os de forma ativa. Um conflito mal resolvido passa a ser destrutivo para os envolvidos e, consequentemente, para a organização.

Ao relatar as formas para contornar (ou gerir) o conflito, foi possível descrever e aprofundar o estudo sobre o conflito: o conflito é inevitável, porém gerenciável. Criar condições dentro do ambiente de

trabalho para que pequenos conflitos se instaurem garante que as organizações se tornem cada vez mais inovadoras e criativas.

A principal limitação que se encontrou para a realização deste estudo foi em relação ao acesso e à negativa de algumas empresas em participar do estudo e da análise propostos, visto que o resultado só pode ser aplicado a este estudo.

Findando este estudo, destaca-se a importância de uma Gestão de Pessoas integrada ao negócio da organização e disposta a agregar e tornar as equipes uma fonte abundante de criatividade e produtividade, mantendo o equilíbrio e a harmonia em todo o processo. Com a globalização, novas tendências estão surgindo nas organizações, em que a competitividade se torna a diferença na busca pela excelência, apresentando visões inovadoras para todas as situações que tendem a surgir. A gestão de conflitos consiste em investir em objetivos específicos, conhecer a outra parte e suas necessidades; apresentar argumentos, desenvolver características que motivem a confiança; saber ouvir e comunicar; criar um clima de cooperação e ser flexível, encarando o conflito como uma força constante dentro da organização, procurando administrá-lo de maneira construtiva.

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Recebido em: 08 de junhoAceito em: 17 de setembro

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intErnacionalizaÇÃo dE EMPrEsas: análisE da MUdanÇa do PErFil EXPortador das EMPrEsas calÇadistas GaÚcHas

coMPanies’ internacionaliZation: eXPorter ProFile’s cHanGe analYses oF rio Grande do sUl sHoe’s coMPanies

Moema Pereira Nunes1

Fernanda Steiner Ruschel2

RESUMO: Nota-se uma diferença muito grande em relação às atividades das empresas calçadistas desde o surgimento do setor calçadista no Brasil. A exportação tornou-se uma grande prática nesse setor, mas o perfil exportador modificou-se ao longo dos anos. Este artigo identificou as principais teorias de internacionalização de empresas com o intuito de analisar todas as fases pelas quais o setor passou desde o seu início, são elas: Modelo da Escola Nórdica, Networks, Empreendedorismo Internacional, Teoria do Poder de Mercado, Teoria da Internacionalização e Paradigma Eclético. O objetivo central deste artigo consiste em identificar como a mudança do perfil exportador, principalmente das empresas do Vale dos Sinos, está influenciando o setor, com foco nos pontos positivos e negativos do processo de internacionalização por que o setor passou e as consequências da concorrência dos players asiáticos nesse mercado. Para que os objetivos deste artigo fossem atingidos, foi realizada pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. O método utilizado foi o qualitativo e foram realizadas entrevistas presenciais com três profissionais com experiência na área. A análise dos resultados permitiu verificar a presença de diferentes teorias de internacionalização que justificam a realidade do setor calçadista nas suas fases mais marcantes. Os dados coletados também revelaram a mudança do perfil exportador com a concorrência do calçado chinês, resultando na menor quantidade exportada e na maior qualidade na fabricação dos calçados produzidos no Vale dos Sinos. Palavras-chave: Internacionalização. Setor calçadista. Exportação. Vale do Sinos.

ABSTRACT: It’s possible to identify a huge difference in the activities done by its industry since the first appearance of the footwear sector in Brazil. The exportation has turned into a great practice in this sector, but the exporter profile has changed as the years passed. This article identified the main internationalization theories in order to analyze all the phases that the sector has been through since its beginning. The theories are: Uppsala School’s Internationalization Theory, Networks, International Entrepreneurship, Theory of Market Power, Internationalization Theory and Eclectic Paradigm. The main goal of this article is to identify how the change of the exporter profile, specially of companies from Vale dos Sinos, is influencing the sector, focusing on the positives and negatives sides of the internationalization process that the sector has been through and the competition consequences of the Asiatic players in this market. A bibliographic and a field research were done in order to deliver the proposed goals. The method used was the qualitative one and face interviews were done with three experienced professionals in the footwear sector. The result’s analyses allowed the researchers to verify the presence of different internationalization theories that justifies the sector’s reality along these years. The data collected also revealed the change on the exporter profile due to the Chinese footwear competition, resulting in exporting less quantity but giving priority to manufacturing quality. Keywords: Internationalization. Footwear industry. Exportation. Sinos’ Valley.

1 Doutora em Administração. Professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] Bacharel em Administração de Empresas. E-mail: [email protected].

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1 introdUÇÃo

A produção de calçados no Brasil está entre as mais antigas, tendo o seu início no Rio Grande do Sul no século XIX (VIDIGAL; CAMPOS, 2011). Sua internacionalização iniciou na década de 1960, avançando nas décadas seguintes. Segundo Campos e Calandro (2009), a partir de 1990, a competitividade do setor aumentou mundialmente e, com isso, houve um deslocamento das fábricas calçadistas. Os motivos foram principalmente o aumento acelerado da produção chinesa de calçados e a busca das fábricas tradicionais pela diminuição do custo de produção, através do deslocamento de parte da produção para o nordeste brasileiro. A internacionalização do setor continua, de outra forma. Os calçados exportados estão com maior valor agregado, fazendo com que os calçados brasileiros estejam subindo de nível no quesito qualidade e diferenciação, apesar de os volumes exportados estarem em queda (CAMPOS; CALANDRO, 2009).

A região do Vale do Rio dos Sinos concentra a produção de calçados no estado do Rio Grande do Sul, estado que concentra 1/3 das exportações de calçados do Brasil. Regionalmente esse setor representa 6% do PIB do Estado (CADERNO SETORIAL, 2013). Segundo dados da ABICALÇADOS (2013), essa região concentra aproximadamente 50% do total de empresas deste setor instaladas no Brasil. Caracterizadas pela sua forte internacionalização, essas empresas têm adotado diferentes estratégias ao longo dos anos para se manterem competitivas no mercado internacional.

Processos de internacionalização são dinâmicos, sendo influenciados e conduzindo mudanças em setores industriais. Ao longo do tempo, o estudo das teorias de internacionalização também tem evoluído no sentido de apresentar diferentes abordagens que expliquem movimentos distintos de internacionalização. Essas abordagens distintas não explicam apenas a experiência de diferentes empresas, elas podem permitir a melhor compreensão de momentos distintos do processo de internacionalização de uma empresa, ou mesmo de um setor. A partir dessa premissa e tendo como base as diferentes teorias de internacionalização de empresas, este artigo investiga: de que forma a mudança do perfil do exportador calçadista do Vale dos Sinos está influenciando o setor?

Foi feita uma análise do processo de internacionalização do setor no Vale dos Sinos, através de diferentes teorias de internacionalização, de forma a revelar os aspectos positivos e negativos desse processo de internacionalização. Também foram

investigadas as alterações ocorridas no processo de internacionalização do setor no Vale do Rio dos Sinos tendo em vista a entrada de novos players asiáticos.

O setor calçadista do Vale do Rio dos Sinos, sua estrutura e seu processo de internacionalização têm sido foco de estudos como Fensterseifer (1995), Fensterseifer e Gomes (1995), Corrêa (2001), Humphrey e Schmitz (2002) Dal-Soto, Paiva e Souza (2007), Campos e Calandro (2009), Vidigal e Campos (2011), Lopes e Filho (2012). Ao abordar a internacionalização do setor, há a predominância na utilização de apenas uma teoria de internacionalização para a análise do setor no momento da realização do estudo. Não foram identificados estudos anteriores que abordassem uma visão longitudinal desse processo de internacionalização sob a perspectiva de diferentes teorias de internacionalização. A realização deste estudo com foco o Vale do Sinos, revelou-se oportuna, dado que a organização industrial nessa região passou por diferentes configurações para o atendimento ao mercado internacional desde seu início.

2 tEorias dE intErnacionalizaÇÃo dE EMPrEsas

A partir de Carneiro e Dib (2007), foram identificadas as teorias mais relevantes sobre internacionalização de empresas, as quais podem ser divididas em duas perspectivas: abordagens da internacionalização com base em critérios econômicos e abordagens da internacionalização com base na evolução comportamental (ANDERSEN; BUVIK, 2002).

2.1 teorias coMPortaMentais

Andersen e Buvik (2002) definiram como integrantes da abordagem da internacionalização com base na evolução comportamental aquelas teorias que consideram que o processo de internacionalização depende das atitudes, percepções e comportamento dos tomadores de decisão, sendo orientados pela busca da redução de risco nas decisões sobre onde e como expandir.

2.1.1 Modelo da escola nórdica

Desenvolvido na década de 1970 por pesquisadores da Universidade de Uppsala, esse modelo considera que a internacionalização da firma provém das consequências de seu crescimento, seja o esgotamento de seu

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mercado doméstico ou até o descarte do crescimento vertical. A internacionalização é apresentada como uma consequência do crescimento da firma (CARLSO, 1975). Segundo Johanson e Vahlne (1977), as empresas começam a exportar para outros países através de agentes, posteriormente, estabelecem subsidiária de vendas e, em alguns casos, iniciam a produção no país hospedeiro. A escolha do mercado é feita através da busca constante por mercados de reduzida distância psíquica (HILAL; HEMAIS, 2003). A empresa internacionaliza-se investindo de maneira gradual em determinado mercado até adquirir conhecimento suficiente para investir mais recursos.

Lemos, Johanson e Vahlne (2010) questionam o modelo original pelo seu foco no conhecimento sobre o mercado adquirido pelas firmas do que à sua falta. Segundo Borini et al (2011), as limitações desse modelo centram-se na sua visão linear, esquemática e determinista que desconsidera questões como: a possibilidade de “queimar etapas”; o fato de que a empresa acaba reduzindo o grau de incerteza conforme vai aprendendo sobre o mercado; e o fato de a empresa poder tomar a decisão de investir no mercado estrangeiro.

A revisão do modelo proposta pelos autores Johanson e Vahlne (2009) considerou que o estudo das complexidades do mercado é que explica as dificuldades de internacionalização. Uma nova perspectiva do processo de internacionalização é apresentada pela complexidade dos mercados, antes desconhecida, propondo que o investimento não seria uma sequência de passos e etapas planejados, mas sim orientado por uma natureza do que seja incremental para a firma que visa a uma aprendizagem por meio do comprometimento crescente com os mercados estrangeiros. Seria possível, portanto, acelerar o processo e entrar diretamente em mercados psiquicamente distantes (JOHANSON; VAHLNE, 2009).

2.1.2 networks

Essa teoria acabou sendo considerada uma continuação da constituída na Escola de Uppsala focada no setor industrial: a perspectiva das networks industriais, mercados e firmas industriais. Ela considera a rede de negócios da empresa e de relacionamentos, o grau de internacionalização da empresa e de sua rede. A rede externa é fruto do relacionamento da subsidiária com os parceiros de negócio, tais como fornecedores, instituições de pesquisa, empresas de propaganda (ANDERSSON, FORSGREN; HOLM, 2002). A rede interna

resulta do relacionamento da subsidiária com as outras subsidiárias (BJORKMAN; FORSGREN, 2002).

Johanson e Mattsson (1988) afirmam que cada indústria tem o seu padrão a respeito das oportunidades de entrada em outros mercados e isso é o que motiva a firma a decidir sobre a escolha do mercado em que irá se expandir e que estratégia utilizará. Para Johanson e Sharma (1987) e para Lindqvist (1991), tanto os relacionamentos de negócios quanto os pessoais podem ser utilizados para ter acesso a outras networks. Segundo Björkman e Forsgren (2000), essa teoria não considera somente os laços econômicos, mas também os laços sociais e cognitivos que conceituam os atores e esses acabam mantendo um relacionamento de negócio. A internacionalização deixa de ser somente uma questão de mudar a produção para o exterior e passa a ser percebida mais como a exploração de relacionamentos potenciais além-fronteiras (ANDERSSON; JOHANSON, 1997).

2.1.3 empreendedorismo internacional

Para Andersson (2000), o desenvolvimento internacional das empresas se centraliza na figura de seu dirigente, tornando o empreendedor a peça fundamental da internacionalização de sua empresa. Cabe ao empreendedor ser capacitado para controlar as estratégias e as habilidades para criar e explorar oportunidades de internacionalização. Cabe ainda ao dirigente da empresa conhecer bem as possibilidades que o mercado internacional oferece, bem como as formas de atuação nele, sob pena de ser malsucedido (PEREIRA; ARAÚJO; GOMES, 2006).

O foco dos estudos sobre Empreendedorismo Internacional começou em empresas que já nascem internacionalizadas, denominadas Born Globals. Essas empresas têm obtido grande espaço no mercado internacional, mas, com o decorrer dos anos e o crescente interesse pelo assunto, a teoria incluiu também as empresas já estabelecidas (ANDERSSON; WICTOR, 2003). McDougall (1989) afirma que as empresas que se internacionalizam logo, antes do domínio do mercado interno, se diferenciam significativamente de empresas que somente atuam no mercado local. Elas apresentam estratégias mais agressivas e utilizam, muitas vezes, financiamentos externos e produção de recursos para entrar em novos mercados. Os empreendedores locais e as pequenas empresas já percebem os reflexos de uma nova realidade de competição internacional (WRIGHT; RICKS, 1994). Segundo Zahra e Garvis (2000), com a inclusão de empresas já estabelecidas nessa teoria,

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desmistificou-se que estas não são inovadoras e possuem aversão ao risco.

2.2 teorias econÔMicas

Andersen e Buvik (2002) defendem que as abordagens da internacionalização com base em critérios econômicos são aquelas teorias que apresentam soluções mais racionais para as questões referentes ao processo de internacionalização, sendo direcionado às decisões que trazem a maximização dos retornos econômicos.

2.2.1 Poder de Mercado

Essa teoria foi desenvolvida por Hymer (1960) a partir de um estudo no qual foi identificado que as empresas atuantes no mercado doméstico acabam crescendo e ganhando poder de mercado e maiores lucros, decidindo, então, dominar outros mercados. Trata-se basicamente de empresas que se internacionalizam para aumentar o seu poder de mercado através de investimentos diretos, por ser a forma mais apropriada para ir ao exterior, embora Hymer (1960) apresente barreiras para isso, principalmente os altos custos fixos. Segundo Carneiro e Dib (2007), essa abordagem tenta explicar o motivo pelo qual diversas empresas preferem manter o controle gerencial sobre as operações estrangeiras em vez de atuar como investidoras. Essa abordagem analisa também o interesse em realizar investimentos diretos no exterior e classifica-os em duas categorias: investimentos de portfólio e investimento direto (NEUMANN; HEMAIS, 2005).

Dessa forma, segundo Pacheco e Farias (2007), os lucros obtidos dentro do mercado doméstico seriam investidos em operações externas, gerando um processo de internacionalização crescente em mercados estrangeiros. A empresa multinacional, para essa teoria, é como um ativo tangível, sendo capaz de criar barreiras de entrada ou associar-se a outras empresas.

2.2.2 teoria da internalização

Proposta por Buckley e Casson (1976, 1998), de acordo com essa abordagem, a decisão de expandir--se internacionalmente estaria voltada à análise dos custos operacionais de transação. As empresas internalizam mercados quando os custos de transação

são menores que os custos desse mercado. A empresa desloca-se para novos mercados para desfrutar de suas imperfeições. As falhas de mercado são as condicionantes que levam a empresa multinacional a investir diretamente, em vez de utilizar o licenciamento como modo de entrada no mercado externo. Dunning (1980) sugere que os fatores que influenciam a escolha do modo de entrada no mercado internacional são as vantagens de propriedade, as vantagens locacionais e as vantagens de internalização.

A empresa internacionaliza-se passando do processo de exportação para outros mais complexos, a fim de que os recursos e os conhecimentos compartilhados no exterior sejam de propriedade exclusiva da empresa. Isso garante que as capacidades e os recursos criados no estrangeiro se tornem competências essenciais da empresa (BARNEY, 1991). Considera-se que é mais vantajoso para uma empresa internalizar um novo mercado e, assim, passar a controlá-lo de maneira mais próxima e eficiente (NEUMANN; HEMAIS, 2005).

2.2.3 Paradigma eclético

Essa abordagem desenvolvida por Dunning (1980, 1988, 2000) parte do princípio de que toda empresa deve analisar antes de entrar em um novo mercado: o que, para quem, onde e quando o seu produto será produzido e comercializado. A partir dessa análise, pode-se encontrar o diferencial do produto, que é (são) a(s) vantagem(s) de propriedade com relação à concorrência do mercado em que a empresa estará se inserindo, podendo, assim, atuar com a estratégia mais adequada (SILVA, 2002).

Estão presentes nesse modelo a teoria da internalização de Buckley e Casson (1998) e os princípios da teoria dos custos de transação para as decisões de internacionalização. Ao unir essas teorias, Dunning (1980, 1988, 2000) busca identificar os fatores que explicam a distribuição geográfica das atividades das empresas e o padrão industrial adotado. Segundo Varanda et al (2010), essa teoria explica que a atuação no estrangeiro, de forma mais comprometida e por meio de operações diretas ou parcerias, pode auferir três vantagens: “Vantagens de Propriedade” (ownership); “Vantagens de Localização” (location); e as “Vantagens de Internalização” (internalization). Segundo Bueno e Domingues (2011), ao operar no mercado externo, a empresa pode realizar as atividades internamente e, dessa forma, não assumir

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as transações ineficientes do mercado estrangeiro, obtendo, assim, vantagens pela manutenção da propriedade do conhecimento interno.

3 MÉtodo

Este estudo se classifica como uma pesquisa aplicada, que, de acordo com Barros e Lehfeld (2000), tem como objetivo principal produzir conhecimento para aplicação de seus resultados, a fim de contribuir para fins práticos, visando à solução mais ou menos imediata do problema encontrado na realidade. Appolinário (2004) defende que as pesquisas aplicadas têm o objetivo de resolver problemas ou necessidades concretas e imediatas. Esta pesquisa foi realizada com abordagem qualitativa, que, segundo Roesch (1999), utiliza métodos exploratórios de análise e coleta de dados.

As pesquisas aplicadas dependem de dados que podem ser coletados de formas diferenciadas (NUNAN, 1997; MICHEL, 2005; OLIVEIRA, 2007). Nesta pesquisa, utilizaram-se os seguintes métodos: pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo. A pesquisa bibliográfica consiste em obter dados através da consulta de livros, artigos, trabalhos monográficos, jornais, cujos objetivos mais comuns são compreender e discutir a revisão da literatura sobre o tema de pesquisa (TACHIZAWA; MENDES, 2006). A pesquisa bibliográfica incluiu a busca de dados secundários sobre a indústria de calçados gaúcha através da pesquisa em artigos científicos, revistas especializadas no setor, bem como publicações governamentais e de entidades de classe. A pesquisa de campo é realizada, segundo Long (2001), localizando-se psicossocial e territorialmente mais perto das partes e dos lugares mais densos das múltiplas interseções e interfaces críticas do campo-tema onde as práticas discursivas se confrontem e se tornem mais reconhecíveis. A delimitação do campo desta pesquisa caracteriza-se por profissionais de empresas localizadas no Vale do Rio dos Sinos que sejam internacionalizadas e cujas trajetórias profissionais tenham relação direta com o processo de internacionalização das empresas que representam.

Uma entrevista em profundidade tem como objetivo entender o significado, a partir de seus resultados, de questões que foram supostas pelo autor na pesquisa e, à medida que a pesquisa avança com esse tipo de entrevistas, o autor acaba tendo mais direção em seus tópicos (ROESCH, 1999). Foi utilizado o critério de conveniência para a identificação dos

entrevistados. Eles foram contatados previamente para a apresentação da pesquisa e identificação da disponibilidade de concessão das entrevistas. De forma a preservar a identidade dos entrevistados e das empresas, seus nomes não são divulgados a pedido dos entrevistados. As entrevistas foram conduzidas através de um roteiro de entrevista composto por perguntas abertas construídas a partir dos dados da pesquisa bibliográfica, sendo as perguntas divididas em blocos de acordo com os objetivos específicos do estudo. A utilização de um roteiro de entrevistas permitiu a flexibilização na sua condução, para que novas perguntas fossem inseridas, conforme necessidade. Foram realizadas três entrevistas presenciais durante o primeiro semestre de 2013. A definição do número de entrevistas foi feita dado que as informações necessárias para a análise da pesquisa já haviam sido obtidas com esse número de respondentes e algumas informações se tornaram repetitivas. O Entrevistado 1 é proprietário de uma indústria calçadista com três décadas de experiência no setor. O Entrevistado 2 atua como coordenador da área de internacional, com sete anos de experiência no setor. O Entrevistado 3 é ex-coordenador de exportação, com 35 anos de experiência no setor.

As informações obtidas com as entrevistas foram transcritas e, em conjunto com os dados secundários, foi realizada uma análise de conteúdo. Segundo Bardin (2000), essa técnica permite a descrição objetiva e sistemática das informações obtidas, podendo ser empregada com dados primários e secundários. As entrevistas foram transcritas e as informações foram analisadas através da sua segmentação de acordo com os objetivos específicos. Os dados secundários foram inseridos nesse processo de análise. Essa etapa permitiu que fosse compreendida a evolução do setor. Na sequência foi feita a análise desse processo através da relação com as teorias de internacionalização, de forma a identificar qual teoria melhor explica esse processo em diferentes períodos de tempo. Por fim, foi feita a extração de conclusões resultantes do processo de análise. Os resultados do processo de análise são apresentados a seguir.

4 o ProcEsso dE intErnacionalizaÇÃo do sEtor

O processo de internacionalização da indústria calçadista do Vale do Rio dos Sinos iniciou na década de 1950, quando o setor calçadista cresceu a ponto de dobrar sua produção física, especializando-se

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principalmente na fabricação de calçados femininos (LOPES; FILHO, 2012). A necessidade de comercializar os calçados no mercado internacional surgiu no final da década de 1960 e no início da década de 1970, quando os produtores italianos e espanhóis enfrentavam uma crise por não conseguirem produzir calçados de baixo custo. Essa situação abriu espaço para as empresas brasileiras ocuparem essa fatia do mercado internacional (ROCHA, 2002).

A revista Leather (2013) relata o começo de uma revolução no setor e as primeiras iniciativas exportadoras surgiram no momento em que as empresas começaram a ter a necessidade de aumentar o faturamento via exportações, já que os calçados acabados representavam um produto de maior valor agregado que o couro salgado exportado em grande quantidade na época. No final da década de 1960, o setor já dispunha de uma infraestrutura mais completa com maiores recursos de produção.

A partir dos anos 1960, criou-se um grande polo exportador do setor calçadista no Rio Grande do Sul, que atendia às grandes indústrias dos EUA. Os compradores das grandes cadeias americanas vinham até o Brasil para comprar sapatos dos fabricantes, com isso, os fabricantes que eram meros produtores de calçados começaram a exportar via agentes de exportação ou outros intermediários. As empresas utilizavam intermediários de mercado tanto no Brasil quanto no exterior para evitarem o envolvimento direto e os custos com a criação de um setor específico para resolver os trâmites internacionais. Pode-se inferir que a maior parte das empresas pesquisadas permanece em estágios iniciais de internacionalização, cujos comprometimento e risco são menores (JOHANSON; VAHLNE, 1992). O Modelo da Escola Nórdica é a abordagem teórica que melhor explica o processo de internacionalização das empresas do setor nesse período, quando o foco esteve centrado na busca de novos mercados devido ao crescimento das empresas do setor.

O parque industrial da China referente a esse setor cresceu a partir de 1980. Afirma o Entrevistado 1: “A China começa a absorver a exportação, o mercado interno começa a ficar forte. As empresas começam a vender no mercado interno e ter capacidade de desenvolvimento”. As empresas brasileiras interessaram-se pela internacionalização, entre outros aspectos, visando a aumentar a sua competitividade, conquistar novos clientes, superar a saturação do mercado doméstico, explorar novas oportunidades, obter uma posição dominante no mercado regional ou seguir sua network ou, ainda, servir melhor os seus

clientes (FLEURY; FLEURY, 2007). Segundo Pacheco e Farias (2007), empresas são capazes de desenvolver a capacidade de adaptação em mercados internacionais, construindo uma posição de poder em seu país de origem e em outros mercados.

Com o crescimento da China, as empresas perceberam a urgência em evoluir em nível de design, processo, equipamentos no parque industrial para vender o seu próprio produto mundialmente e aumentar o valor agregado. Somente para commodities, ou seja, sapatos mais básicos e baratos, já não havia como competir com a China. Então, começou um movimento dos fabricantes para exportar, de forma proativa, seus produtos. Neste mesmo período, iniciou a migração das empresas de alto volume e de sapatos de baixo valor agregado para o Nordeste do Brasil por causa da mão de obra barata.

Com a abertura comercial em 1990, mudanças importantes ocorreram no mercado brasileiro, modificando a produção e o perfil de muitas empresas, dividindo-as entre exportadoras e não exportadoras (HIDALGO; MATA, 2009). A abertura de mercado, a estabilização da economia e o ingresso de novos concorrentes fizeram com que, mesmo de forma tímida, as empresas brasileiras usassem como estratégia a internacionalização (ROCHA, 2002). Esse novo perfil exportador surgiu com diversas novas empresas que começaram a internacionalizar as suas marcas e a crescer em nível mundial. Os calçados brasileiros começaram, então, a concorrer com a Itália e a Espanha, principais fornecedores de sapatos de alta qualidade da época.

Na análise desse período, duas abordagens foram identificadas. A primeira é a de Networks, dado que as empresas se aproveitaram de movimentos de outros participantes de suas redes ou desenvolveram novos relacionamentos para sustentar sua atuação no exterior. Ao mesmo tempo, a abordagem de Empreendedorismo Internacional também é identificada, dado que houve a procura de novos mercados, o atendimento a solicitações espontâneas e a própria reestruturação da indústria

No início da década de 1990, a produção anual de calçados era de 80 milhões de pares, porém em 1996 a indústria calçadista brasileira já era considerada a terceira maior do mundo, produzindo cerca de 500 milhões de pares anualmente, ficando apenas atrás da China e da Itália (ROCHA, 2002). Em 2003, o calçado era um dos principais produtos das exportações brasileiras. Analisando o perfil exportador em 2010, o Brasil exporta sapatos de alta qualidade e alto valor agregado em menores quantidades. Nesse período

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após 2000, é o Paradigma Eclético que melhor explica o processo de internacionalização do setor. As empresas passaram a explorar ou desenvolver vantagens de propriedade, buscar novos mercados, reduzir custos e procurar ativos e capacitações.

O Quadro 1 apresenta as características do setor calçadista desde a década de 1950 até os anos 2000, com a apresentação das teorias de internacionalização relacionadas a cada período.

4.1 asPectos PositiVos e neGatiVos do Processo de internacionaliZação

No início do processo de internacionalização do setor, na década de 1950, identificou-se que o crescimento da indústria calçadista, com a duplicação da produção, foi um dos principais aspectos que viabilizou sua internacionalização. Mas foi nas décadas de 1960 e 1970 que surgiram as primeiras iniciativas exportadoras do setor, decorrentes de melhorias nas estruturas de produção e novos recursos. Foi nesse período que a região do Vale do Rio dos Sinos surgiu como um polo exportador de calçados.

No início dos anos 1990, a economia brasileira passou por um processo de abertura comercial, e as empresas calçadistas do Vale dos Sinos iniciaram seus processos de internacionalização de marcas associados à produção de calçados com maior valor agregado. Nesse período a indústria calçadista brasileira tornou--se a terceira maior do mundo, havendo um grande

aumento da oferta de empregos e sendo estimulada pela concessão de incentivos fiscais pelo governo brasileiro. Com a virada do século, o setor seguiu focando na produção de sapatos de mais alta qualidade e valor agregado, com o constante aperfeiçoamento da produção e dos produtos, especialmente com melhorias em design. A consequência foi a expansão do processo de internacionalização de marcas gaúchas.

Apesar de o setor ter sido influenciado por essas condições favoráveis, ele também tem enfrentado muitas dificuldades. Na década de 1970, as empresas do setor depararam-se com oportunidades no mercado internacional, carecendo de estratégias de internacionalização. Não havia a preocupação em vender produtos com suas próprias marcas ou desenvolver formas de agregação de valor nos calçados. De fato, eram compradores, especialmente de empresas norte-americanas, considerando apenas o preço mais baixo. Nas décadas de 1980 e 1990, o aumento da concorrência no setor calçadista mundial, especialmente com o surgimento do parque calçadista chinês e no próprio mercado brasileiro, com a exploração de mão de obra barata no nordeste, levou as empresas do Vale do Sinos a buscarem um novo perfil exportador para o setor na região. Essa concorrência se intensificou nos anos 2000. Dada a diminuição do volume de exportação, houve desemprego na região e muitas empresas faliram. Essas mudanças no ambiente e nas próprias empresas do setor geraram consequências para o setor, como será apresentado a seguir.

Características do Setor Calçadista no período

Década de 1950 Décadas de 1960 e 1970 Décadas de 1980 e 1990 Anos 2000

- Crescimento da indústria calçadista.- Dobro da produção.- Calçado feminino começa a ser especialização.

- Crise dos calçados italianos e espanhóis.- Surgem as primeiras iniciativas exportadoras do setor calçadista brasileiro.- Melhora na estrutura de produção e novos recursos.- Surgimento de um polo exportador no Vale dos Sinos.

- Surgimento do parque chinês calçadista, que começa a absorver a produção mundial.- Vale dos Sinos percebe que deve aperfeiçoar seus calçados para poder concorrer mundialmente.- Exploração da mão de obra barata do nordeste do Brasil.- Abertura comercial.- Aumento da concorrência no setor calçadista mundial.- Internacionalização de marcas.- Produção de calçados com maior valor agregado. - Indústria calçadista brasileira torna-se a terceira maior do mundo.

- Principal produto da exportação brasileira é o calçado.- Sapatos de alta qualidade.- Constante aperfeiçoamento dos produtos e da produção.- Diminuição das quantidades exportadas.- Crescimento de marcas no exterior.

Teorias de internacionali-zação relacionadas ao período

- Modelo da Escola Nórdica

- Modelo da Escola Nórdica - Networks

- Empreendedorismo Internacional - Paradigma eclético

Quadro 1 - Análise do Processo de Internacionalização do Setor CalçadistaFonte: Elaborado pelos autores

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4.2 conseqUências do cresciMento da concorrência internacional

Por seu perfil eminentemente exportador, a indústria calçadista é diretamente abalada com os efeitos de crises externas que representem diminuição no número de pedidos de seus clientes internacionais (SCHERER et al, 2010). Os novos players asiáticos continuam em crescimento. Apesar de a China ser o principal produtor de calçados do mundo, a índia tem apresentado um crescimento expressivo na produção de calçados. Como há limitações para o crescimento indiano, percebe-se o deslocamento de centros indianos para o interior da China, para abrir fábricas de calçados com maiores preços e valor agregado aos seus produtos.

Hoje em dia, o Brasil produz e exporta calçado de alto valor agregado, mas em menores quantidades. O Entrevistado 1 relata que, depois dos anos de 1980, foram criadas escolas de design de calçado, centros tecnológicos e há uma nova geração com atributos mais específicos:

Antigamente a fábrica de calçados, quando nasceu, o operário sabia fazer calçado, mas ele não entendia de mercado mundial nem de design, este trabalho era terceirizado. Algumas indústrias fizeram esta transição, hoje em dia tem vários jovens trabalhando com design criativo e competindo, isto mudou muito no setor calçadista nos últimos 20 anos e ainda tem muito o que mudar, continua uma evolução enorme.

Foram essas as saídas para superar a concorrência dos calçados chineses, somente as empresas que optaram pelo aperfeiçoamento de seus métodos e investimentos no diferencial para o seu produto sobreviveram. Os entrevistados também afirmaram que o mercado brasileiro ainda tem muito a crescer e desenvolver em termos de comércio exterior. Sobre a concorrência internacional do setor calçadista, o Entrevistado 3 afirma:

A concorrência teve muitos contras, mas também trouxe muitos aspectos bons ao Brasil, pois aprendemos a fazer calçados de qualidade, atraentes e com alto valor agregado. Passamos a ser capacitados a competir com Espanha, Itália, etc. Apesar de muitas empresas terem falido, as que ficaram se tornaram fortes e competitivas.

O Entrevistado 3 comentou também sobre a tecnologia de produção, que avançou significativamente, as máquinas para calçados tornaram-se mais práticas, os

componentes, de maior qualidade, frisando que o Brasil exporta agora suas marcas para os EUA e a Europa, não somente seus calçados.

O risco do calçado brasileiro feminino é menor em relação à concorrência da China, pois, segundo o Entrevistado 1, o Brasil é um país industrial e consegue produzir em grandes escalas, sendo muito flexível, o que faz com que consiga responder à moda rapidamente. Quando se trabalha com importação de calçados de moda feminina, o planejamento deve ser de seis a oito meses à frente. Sobre isso, o Entrevistado 1 diz: “A curto e médio prazo eu não vejo o setor de calçados femininos brasileiro ser afetado pela China.”. Entretanto, o mercado de tênis e calçados masculinos é diferente. Primeiramente, pela performance tecnológica que a China adquiriu e o Brasil não acompanhou e pela programação de normalmente 12 meses para esses produtos. Sobre a queda dos mercados, o Entrevistado 1 aponta:

A indústria da Europa está em queda fortíssima, já a do Brasil não está em queda ainda, pois a queda que tem havido na exportação o mercado interno tem absorvido. Então a queda no parque industrial como um todo não houve no Brasil, que tem produzido em torno de 800/850 milhões de pares nos últimos 5/6 anos, porque algumas fábricas de mercado externo estão fechando e outras de mercado interno estão crescendo.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio de desenvolvimento do mercado interno e surgimento de novas fábricas, o Entrevistado 1 revela uma nova perspectiva ao Vale do Sinos, que o Vale do Paranhana (micro região do RS, os municípios gaúchos pertencentes são: Igrejinha, Parobé, Riozinho, Rolante, Taquara e Três Coroas) se consolide como um novo grande polo calçadista em termos de calçados de alto valor agregado. Estão surgindo nessa região várias empresas de calçados com mão de obra especializada, abastecendo principalmente a América Latina e a Europa. O Entrevistado 1 diz sobre essa região:

vejo um grande potencial nesta localidade, inclusive em nível de design. Podemos perceber que mais jovens que estão estudando design, moda e aprendendo sobre sapatos, começando a produzir nesta região produtos com identidade brasileira, estão ‘tropicalizando’ o produto.

O Brasil está se desenvolvendo e criando uma moda mais voltada aos países tropicais, tornando--se um grande fornecedor de produtos de verão de qualidade.

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As principais consequências do aumento da concorrência internacional no processo de internacionalização e as tendências identificadas na pesquisa são apresentadas no Quadro 2.

5 considEraÇõEs Finais

Através desta pesquisa, foi possível identificar que o aumento da concorrência internacional e os processos de reconfiguração da indústria levaram a mudanças no perfil exportador calçadista. As principais mudanças identificadas foram a diminuição das quantidades produzidas e exportadas, a internacionalização de marcas gaúchas, os investimentos em processos de produção e design e o aumento do valor agregado nos produtos. Além dessas mudanças já ocorridas, foi possível identificar que há uma tendência de aumento do valor agregado nos produtos, de crescimento no setor de calçados femininos, especialmente calçados de verão e com foco na “tropicalização” do produto brasileiro, bem como o surgimento de novos polos calçadistas em regiões próximas ao Vale dos Sinos, como a região do Vale do Paranhana.

As teorias de internacionalização de empresas auxiliam a entender os processos que muitas empresas utilizam para expandir os seus mercados. Analisando cronologicamente o setor calçadista gaúcho, percebe--se que, desde o seu início, houve muitas mudanças em relação ao processo de internacionalização, podendo ser explicadas por diferentes teorias de internacionalização. Essas teorias que explicam as estratégias de internacionalização de cada momento do setor calçadista passam de teorias clássicas e conservadoras, em que o processo é paradigmático, dado que as empresas buscam o mercado externo somente quando conquistam o mercado interno, para teorias mais abrangentes, que consideram a busca por novos mercados uma decisão empreendedora, ou até empresas que buscam no mercado externo suprir suas imperfeições para crescer.

Neste artigo, foram apresentados os pontos positivos e negativos do processo de expansão de mercado do setor calçadista no Vale do Sinos. Analisando a conjuntura do setor mundial, o Brasil é visto hoje como um produtor de calçados de qualidade, o que é fundamental. Apesar de haver muitos aspectos para melhorar ainda, como o aperfeiçoamento dos trâmites internacionais, principalmente de exportação, o setor está se adaptando, e o Vale dos Sinos, crescendo e

aperfeiçoando-se para cada vez agregar mais valor ao seu produto.

Desde o surgimento do parque industrial asiático em 1980, a indústria mundial já sofreu muitas mudanças. Com a absorção de parte da sua produção de calçados pela China, só sobreviveria quem começasse a aprimorar e diferenciar o seu produto. É isso que o Brasil e o setor calçados estão fazendo, apesar da ameaça dos players asiáticos ser contínua devido ao seu crescimento.

No Brasil, especificadamente no Vale do Sinos, a exportação de calçados ocorria em grande escala e de produtos de baixo valor agregado e, com o crescimento da concorrência, os produtos e os métodos de produção aprimoraram-se. Apesar da queda nas exportações, o mercado interno e o aumento do preço por unidade ainda não fazem com que a balança comercial sofra grandes mudanças, havendo um equilíbrio. Os calçados brasileiros tornaram-se mundialmente conhecidos como sinônimo de qualidade, com uma moda exclusiva.

A utilização de diferentes abordagens teóricas para analisar de forma longitudinal o processo de internacionalização das indústrias calçadistas do Vale do Rio dos Sinos é uma das contribuições deste estudo, pois revelou a possibilidade de utilização conjunta dessas abordagens para compreender diferentes situações. A identificação das modificações no perfil exportador dessas empresas frente o aumento da concorrência internacional é outra contribuição deste estudo.

Este estudo tem como limitações a não utilização de dados quantitativos para a análise do objeto de pesquisa. Aspectos como volume de exportação e o valor por par de sapatos exportado poderiam ser utilizados para complementar a pesquisa sobre a mudança no perfil exportador das empresas do setor. Aspectos relacionados ao processo de internacionalização, tais como barreiras de entrada e incentivos governamentais, também não foram abordados neste estudo.

Para estudos futuros, sugere-se uma pesquisa em relação às barreiras de entradas e saídas de calçados. Outro estudo necessário é a comparação das estratégias e do desempenho das indústrias no setor internacional e os seus efeitos no setor calçadista. O conhecimento das principais dificuldades enfrentadas pelos empresários do setor calçadista do Vale dos Sinos também se revelou oportuno. Estudos sobre o setor calçadista são de extrema importância por se tratar de um setor de grande relevância para a economia local e o seu bom desempenho também reverter em benefícios para a região.

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Recebido em: 01 de agostoAceito em: 06 de outubro

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UMa aValiaÇÃo da cooPEraÇÃo no sEtor dE coMPonEntEs Para calÇados do ValE do sinos

an eValUation oF cooPeration at FootWear indUstrY in tHe sinos ValleY

Daniel Pedro Puffal1

Clair Wingert Puffal2

RESUMO: A coordenação da atividade econômica através da cooperação é uma forma para que pequenas e médias empresas superem barreiras associadas a seu tamanho. O artigo visa identificar a cooperação existente entre empresas da indústria de componentes para calçados da região do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, bem como os fatores que limitam o desenvolvimento da cooperação. O trabalho apresenta os resultados de estudo de casos múltiplos realizado com vinte e sete micro, pequenas e médias empresas. A cooperação encontrada ocorre por meio da participação em consórcios de exportação e redes de empresas, troca de informações, empréstimos de ferramentas e matérias-primas, subcontratação, entre outras. A intensidade da cooperação observada não é elevada e é distinta nas relações com os diversos atores envolvidos. A falta de confiança, o baixo nível tecnológico utilizado pelas empresas, os benefícios desequilibrados nas relações, as vantagens competitivas facilmente imitáveis, o histórico de não cumprimento de acordos e o padrão de concorrência por preço são alguns dos fatores que dificultam uma cooperação mais ampla. Palavras-chave: Aglomerados industriais. Setor de componentes para calçados. Cooperação.

ABSTRACT: The coordination of the economic activity through the cooperation is a form that small and averages companies have to overcome associated barriers to their size. The article seeks to identify the cooperation among companies of the industry of components for footwear of the area of Vale do Rio dos Sinos, in Rio Grande do Sul, as well as the factors that limit its development. The work presents the results of case study accomplished with twenty--seven small and averages companies. The found cooperation occurs through the participation in export consortia and networks of firms, change of information, loans of tools and raw materials, subcontracting, among others. The intensity of the observed cooperation is not high and it is different in the vertical relationships – backward and forward – and in the horizontal ones. The lack of trust, the low technological level used by the companies, the unbalanced benefits in the relationships, the competitive advantages easily imitable, the historical of unenforcement of agreements and the competition pattern for price are some of the factors that hinder a wider cooperation. Keywords: Clusters. Footwear industry. Cooperation.

1 Doutor em Administração pela Unisinos, professor e pesquisador no Programa de Pós Graduação em Gestão e Negócios da Unisinos. Contato: [email protected] Bacharel em Administração pela Universidade Feevale, bolsista DTID CNPq, Projeto NAGIRS. Contato: [email protected].

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1 introdUÇÃo

A compreensão dos fatores que determinam a competitividade empresarial e a complexidade que envolve a sobrevivência e o crescimento de empresas, sobretudo das de médio e pequeno porte, é um desafio presente e relevante em economias em desenvolvimento.

Várias explicações teóricas para o desempenho distinto de empresas têm sido oferecidas, tanto a partir do posicionamento no mercado (PORTER, 1985) quanto competências internas das empresas (PRAHALAD; HAMEL, 1990), relações interempresariais (SENGENGERGER; PYKE, 2002), além de outras.

Relações interorganizacionais são influenciadas pelo ambiente em que estão localizadas as unidades produtivas, sendo que este tem sofrido alterações diversas ao longo das últimas décadas, principalmente em relação à organização industrial. O modelo de produção em massa por grandes empresas integradas verticalmente foi dominante até o início da década de 1970. Até então, empresas de pequeno porte eram vistas como organizações pouco eficientes e destinadas a atuarem em restritas áreas de mercado, servindo de amortecedor ao desemprego em épocas de declínio da atividade econômica.

O modelo taylorista-fordista de organização industrial encontrou seus limites na incapacidade de responder às exigências impostas pelo mercado globalizado, que passou a demandar maior flexibilidade produtiva e a customização de produtos. A partir de meados dos anos 1970, ganhou notoriedade a experiência de algumas regiões no mundo que apresentaram alta performance, com estrutura produtiva distinta dos padrões fordistas de produção em massa, agora baseadas em aglomerações de pequenas empresas localizadas em proximidade geográfica. O caso mais expressivo é aquele da região central e nordeste da Itália, chamado de Terceira Itália (BECATTINI; GIACOMO, 2002).

O aglomerado de empresas tem sido apresentado na literatura como um mecanismo que pode promover o desenvolvimento local. Pressupõe um conjunto de pequenas e médias empresas, cada uma executando um estágio do processo de produção, operando em um regime de cooperação.

O setor produtor de componentes para calçados e couros no Brasil é constituído por uma gama variada de atividades. A estrutura industrial do setor, cujos dados estão disponíveis para o ano de 2008, é formada pelos segmentos apresentados na Tabela 1.

A atividade encontra-se concentrada em dois estados brasileiros: Rio Grande do Sul e São Paulo, que são também os principais produtores de calçados. No Estado gaúcho, encontravam-se 45,5% dos estabelecimentos no setor em 2009; enquanto São Paulo respondia por 42,2%. A distribuição das 1.899 empresas por tamanho estava assim constituída: 51,0% eram microempresas; 32,0% eram de porte pequeno; 16% eram de médias empresas; e 1,0% de grande porte.

A indústria calçadista brasileira tem se organizado na forma de aglomerados industriais, destacando-se as regiões do Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, e Franca, em São Paulo, e tem sido alvo de diversos estudos (COSTA, 2002; RABELLOTTI; SCHMITZ, 1999; SCHMITZ, 1995). O setor fez uma inserção bem-sucedida no mercado externo ao final dos anos 1960 e exibiu um crescimento expressivo até meados da década de 1990. Desde então tem se defrontado com dificuldades competitivas.

A indústria brasileira de calçados tem perdido espaço no mercado de calçados de baixo preço para as empresas localizadas em países asiáticos. No mercado de calçados de maior valor agregado, os calçadistas brasileiros têm dificuldades de competir com empresas italianas, tradicionais fabricantes de sapatos de qualidade e de design avançado. A Tabela 2 fornece algumas informações sobre o desempenho da indústria nos últimos anos.

A produção física brasileira apresentou um aumento de 64,3% entre 1997 e 2010, sendo que a exportação nesse período se manteve estável, apesar do aumento registrado entre os anos de 2001 e 2008. O preço médio do calçado exportado apresentou uma redução de 2,7%, justificado pelo período de valorização da moeda nacional, e uma queda no preço médio recebido pelas vendas no exterior. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados – ABICALÇADOS (2011), em 2010, os Estados Unidos da América foi destino de 20,3% da exportação brasileira de calçados. O Brasil tem diminuído sua participação naquele mercado por conta do aumento das exportações da China. Em 2004, o Brasil participava com 4,65% das importações de calçados dos EUA, enquanto a China participava com 83,5% das importações. Já em 2008, a participação brasileira diminuiu para 1,7%, enquanto a participação da China aumentou para 86,8% (AAFA, 2008). Logo, pode-se afirmar que o aumento da produção calçadista no período apresentado na Tabela 2 se deve ao crescimento do mercado consumidor brasileiro de calçados.

Mantidas a trajetória atual da indústria brasileira de calçados e a possibilidade de aumento

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Tabela 1 - Distribuição das empresas segundo os segmentos da indústria de componentes para calçados do Vale do Sinos – 2008

Segmento Nº Empresas %

Componentes e complementos para cabedal 774 27,88%

Solas, Saltos e tacos 443 15,96%

Material para cabedal 308 11,10%

Insumos Químicos 303 10,91%

Ferramentaria 267 9,62%

Embalagens 163 5,87%

Produtos químicos para calçados 155 5,58%

Palmilhas de montagem e suas partes 108 3,89%

Produtos químicos para couros 104 3,75%

Complementos para solados 85 3,06%

Escovas, formas e navalhas 34 1,22%

Insumos metálicos 12 0,43%

Outros insumos 20 0,72%

Total segmentos* 2776 100,00%

Total por cadastro de empresa 2362

Fonte: ASSINTECAL (2012) (*) No total por segmentos há casos de dupla contagem pelo fato de algumas empresas atuarem em mais de um segmento 1 Apesar de o mais recente levantamento da distribuição de empresas por segmento da indústria ter sido realizado em 2008, entende- -se que os últimos anos essa distribuição não se alterou significativamente

Tabela 2 – Variáveis selecionadas da indústria brasileira de calçados

Item 1997 2001 2005 2006 2007 2008 2009 2010Variação

1997/2010

Produção* 544 610 725 830 808,5 816 813,6 893,9 64,3%

Exportação 142 171 189 180 177 165,8 126,5 143 0,7%

Preço médio em dólares do calçado exportado

10,69 9,44 9,98 10,33 10,8 11,35 10,74 10,4 -2,7%

Fonte: Elaborado com dados ABICALÇADOS 2007, 2008, 20,10 e 2011.(*) A metodologia de levantamento dos dados da produção é própria da ABICALÇADOS.

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da importação brasileira de calçados de países produtores com menores preços, entende-se que os fabricantes brasileiros de componentes para calçados se defrontarão com restrições ao crescimento e à sobrevivência, pois os calçadistas são seus principais compradores, representando cerca de 90,0% de seu mercado.

O quadro apresentado suscita a seguinte questão: qual é a estratégia que o setor produtor de componentes para calçados deverá estabelecer de modo a preservar sobrevivência e competitividade de suas empresas? Um caminho que tem sido apontado para fortalecer estratégias de competitividade e crescimento é através da cooperação. Vale mencionar que a atividade de produção de componentes no Vale dos Sinos se apresenta organizada sob a forma de aglomerados de empresas em proximidade geográfica e que, ainda, esse aglomerado se constitui em um segmento pertencente a um cluster maior, que é aquele vinculado à produção de calçados. Isso, por sua vez, indica que há aí um ambiente propício para que se desenvolvam atividades cooperativas, que são indicadas pela literatura como uma das propriedades encontradas nessa forma de organização industrial. Contudo, ações de cooperação, para produzirem os resultados almejados, não são oriundas apenas de laços mercantis, mas também de ações conscientes na direção da cooperação.

O que este artigo busca investigar, por meio de um estudo de múltiplos casos com vinte e sete empresas, é acerca do estágio da cooperação existente no aglomerado produtivo de componentes no Vale do Sinos e os fatores que influem no desenvolvimento dessa prática entre suas empresas. Para tanto, organiza-se o artigo da seguinte forma: além dessa seção introdutória, são apresentadas mais quatro seções. A segunda é dedicada à apresentação do conceito de cluster ou distrito industrial e de suas propriedades, que permite a empresas atuando sob essa forma de organização industrial exibirem um desempenho superior. Nessa discussão, busca-se ressaltar o papel desempenhado pela cooperação entre agentes do aglomerado no fortalecimento competitivo de empresas. A terceira apresenta questões relativas ao método de desenvolvimento do artigo. A quarta seção tem como objetivo apresentar os dados de pesquisa empírica sobre a cooperação realizada em 2005 com 27 pequenas e médias empresas produtoras de componentes para calçados do Vale do Sinos. A quinta seção encerra o artigo realizando uma avaliação conclusiva do estudo feito.

2 aGloMErados indUstriais E coMPEtitiVidadE dE PEQUEnas E MÉdias EMPrEsas

A discussão sobre aglomerados industriais ganhou relevância na literatura econômica a partir da década de 1970, período que presencia significativas mudanças no ambiente competitivo de empresas decorrentes do desenvolvimento de novas tecnologias e de limitações do modelo taylorista-fordista em continuar propiciando aumentos de produtividade em um quadro de fragmentação da demanda e customização de produtos.

Encontram-se na literatura várias definições para um aglomerado industrial de empresas localizadas territorialmente, tais como cluster, arranjos produtivos locais (APL), distritos industriais, além de outras. Os distritos marshallianos podem ser apresentados como o formato clássico de sistemas produtivos locais. Como indicada por Marshall (1890), essa forma de organização industrial é constituída por um conjunto de pequenas empresas especializadas em fases de produção, concentradas em um território específico, utilizando a mão de obra local e caracterizado pela existência de atividades subsidiárias ou auxiliares.

Para Lastres e Cassiolato (2003), Arranjos Produtivos Locais são aglomerações setoriais de agentes econômicos, políticos e sociais que apresentam vínculos, mesmo que incipientes, com foco em um conjunto específico de atividades econômicas. Envolvem empresas produtoras de bens ou serviços finais, fornecedores de insumos e equipamentos, empresas de consultoria e de comercialização, associações empresariais e que interagem entre si. APLs também incluem instituições públicas e privadas voltadas à formação e à capacitação de recursos humanos, na pesquisa e no desenvolvimento, e no apoio à promoção do produto do arranjo.

Além da concentração espacial e da especialização setorial, Becattini (2002) enfatiza a importância dos seguintes fatores, a serem encontrados em um distrito industrial: a) empresas predominantemente de tamanho pequeno e médio; b) relações para frente e para trás entre agentes econômicos; c) histórico cultural e social comum entre os participantes e a existência de um código comportamental que regula a conduta dos agentes; d) existência de instituições locais públicas ou privadas para dar suporte ao cluster.

Pequenas e médias empresas beneficiam-se de existência aglomerada pelo acesso a equipamentos sofisticados, serviços tecnológicos e de formação

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profissional oferecidos por instituições especializadas, estruturas de comercialização mais robustas, compra de insumos com maior poder de barganha, a que, de forma isolada, cada empresa não teria acesso (FERRAZ; KUPFER; HAGUENAUER, 1995). Aglomerados de empresas permitem o aumento da complexidade tecnológica e de investimentos nas atividades de P&D, seja através da soma de capacitações individuais, da diminuição dos riscos, ou de ambos.

Para Becattini (2002), os aglomerados industriais formados na região da chamada Terceira Itália não são fruto de uma ação governamental planejada, mas resultado da organização da população na busca da sobrevivência econômica e social. Segundo Putnam (1993), a principal causa do desenvolvimento da economia italiana pode ser creditada à superação de diferenças regionais entre o Norte e o Sul do país através da criação e da manutenção de redes de pequenas e médias empresas, levando em consideração os recursos e as potencialidades de cada região e com apoio de instituições públicas.

Uma das características mais salientes da existência aglomerada de empresas em proximidade geográfica é a atividade cooperativa através da divisão do trabalho e de envolvimentos associativos. Em linhas gerais, cooperar é trabalhar em conjunto para alcançar um objetivo comum. A cooperação entre empresas pode ser coordenada pelo mercado ou através de instituições, como, por exemplo, uma associação comercial. Contudo, o envolvimento em empreendimentos associativos tem suas idiossincrasias. Segundo Olson (1999), a adesão a uma associação mercantil ou corporativa é problemática quando o universo de participantes é numeroso, sendo mais bem-sucedida em pequenos grupos, pois, nesse último caso, há uma maior possibilidade de se aplicar algum tipo de coerção a comportamentos desviantes.

A cooperação, para que produza resultados esperados, requer alguma forma de coordenação. A discussão sobre a coordenação da atividade econômica é relativamente antiga em Economia. Coase (1937), em seu famoso artigo, coloca a questão em termos de mercados e hierarquias. Mas, como apontou Richardson (1972), em seu não menos celebrado trabalho sobre a organização da indústria, há ainda uma terceira forma, que é aquela constituída por um mix entre mercado e empresa, dada por arranjos interempresariais, como a subcontratação.

Importa mencionar, contudo, que a decisão de estabelecer uma relação de cooperação com outra empresa ou instituição é parte do processo de elaboração de estratégia empresarial e está

subordinada à concorrência. A relação entre cooperação e concorrência em uma economia capitalista não é de oposição, mas sim de subordinação da primeira à última (POSSAS, 1999; GRASSI, 2001).

A cooperação pode-se manifestar de variadas formas: através de contratos de fornecimento de insumos ou produtos, da subcontratação de fases de produção, da divisão de encomendas, ou de política de boa vizinhança através do empréstimo de ferramentas, peças de reposição, repasse de consultoria, apoio durante emergências, entre outras (SENGENBERGER; PYKE, 2002).

Para Ottati (1994), para que ocorra o bom funcionamento no mercado, há a necessidade da presença de instituições que permitam a formatação e a permanência de um ambiente social e econômico, em que formas construtivas de cooperação e de competição possam prevalecer acima de formas destrutivas.

3 MÉtodo

Para atender aos objetivos propostos, foi realizada uma pesquisa empírica junto às empresas produtoras de componentes para calçados do Vale do Sinos, no estado do Rio Grande do Sul. O método empregado pode ser denominado de estudo de caso.

Um panorama das atividades coletivas realizadas entre os produtores de componentes para calçados foi elaborado através de entrevistas abertas semiestruturadas com um executivo da ASSINTECAL e um consultor do Programa de Redes de Empresas vinculado à Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul.

Para a coleta de informações das empresas, foram realizadas entrevistas estruturadas com um questionário fechado, aplicado a 27 empresas fabricantes de componentes para calçados localizadas na região do Vale do Rio do Sinos. O instrumento de pesquisa é um questionário com 82 questões, dividido em sete blocos de perguntas: A empresa; O mercado; Instituições de apoio; Cooperação; Concorrentes; Clientes; Fornecedores. Após a aplicação do questionário com questões fechadas, os entrevistados foram convidados a comentar de forma livre suas impressões sobre o tema, o que contribuiu sobremaneira para a compreensão do fenômeno da cooperação.

As empresas-alvo desta pesquisa são PMEs pertencentes aos segmentos de fabricação de palmilhas, solados, saltos, cabedal, forros, dublagens, couraças, contrafortes e acessórios. Os segmentos de

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complementos e auxiliares foram deixados de fora da pesquisa, pois nestes há uma maior presença de empresas de maior porte e possuem uma produção diversificada que atende a outras indústrias que não a calçadista.

A amostra foi definida por conveniência devido às limitações de tempo e de recursos para a pesquisa. Sob esse aspecto, os seus resultados não podem ser considerados estritamente como representativos para toda a população de produtores de componentes para calçados. Contudo, devido às características e ao tamanho da amostra, bem como à recorrência das respostas, não seria descabido entender que as demais empresas dos segmentos pesquisados tenham um comportamento similar.

Em 26 das 27 empresas pesquisadas, o entrevistado era sócio e diretor da empresa. Somente em uma empresa o entrevistado ocupava um nível gerencial sem participação societária.

4 a cooPEraÇÃo na indÚstria dE coMPonEntEs Para calÇados do ValE do sinos

A indústria de componentes para calçados tem se beneficiado do fato de estar em um aglomerado industrial, contar com a existência de entidades de apoio e de políticas públicas.

As entrevistas efetuadas apontaram que existem movimentos no setor relacionados a atividades realizadas em conjunto pelas empresas, tais como consórcios de exportação, redes de empresas, subcontratação, troca de informações, empréstimo de ferramentas e materiais, entre outros. Porém, percebe-se que essas atividades apresentam frequência variada e ainda com intensidade relativamente baixa, mas que exibem potencial de crescimento. Duas das 27 empresas entrevistadas participam de uma rede de empresas e três delas de consórcios de exportação, conforme se indica a seguir.

4.1 consórcios de eXPortação

No segundo semestre de 1998, a Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos – ASSINTECAL – e a Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas e Equipamentos para os Setores de Couro Calçados e Afins – ABRAMEQ – submeteram à Agência de Promoção de Exportações do Brasil – APEX – um Projeto Setorial Integrado (PSI)

com o objetivo de inserir pequenas e médias empresas do setor de máquinas e componentes para calçados no mercado internacional, através do aumento do padrão médio da qualidade dos produtos, da modernização das normas de produção e de gerência e da adoção de práticas comerciais inovadoras, como forma de obter ganhos de escala para participar do mercado externo. Essa inserção deveria ocorrer através de ações de prospecção e desenvolvimento de mercados, de desenvolvimento tecnológico, na melhoria dos padrões de qualidade da indústria e na capacitação para exportação. Quando da aprovação do projeto pela APEX, visando a alcançar os objetivos do PSI, foram, então, formados seis consórcios de exportação, sob coordenação da ASSINTECAL, nominados: Compex by Brasil; Components & Machinery; Moldes by Brasil; Safety by Brasil; Shoe Solution by Brasil e Smart by Brasil.

Os consórcios são entidades jurídicas que possuem estatutos, regimento interno, e alguns, código de ética. Os associados elegem um presidente e uma diretoria executiva. Para gerir cada um dos consórcios estabelecidos, foi contratado um gerente. Fisicamente esses consórcios foram instalados nas dependências da ASSINTECAL. Todos os consórcios têm caráter promocional, ou seja, têm como função divulgar os produtos dos associados em mercados externos, através de participação em feiras setoriais, de publicações em revistas especializadas, impressão e distribuição de panfletos e catálogos, entre outras.

Enquanto a ASSINTECAL considera que uma das principais barreiras na formação dos consórcios é convencer o empresário a participar de reuniões de sensibilização, em que são explicadas as vantagens e as possibilidades dos consórcios, alguns entrevistados apontam que as reuniões para formação de redes e consórcios têm seus atrativos, porém são pouco produtivas e demasiado longas.

Na opinião do entrevistado da ASSINTECAL, outra barreira para a condução de um trabalho coletivo é que o empresário precisa enxergar resultados imediatos e, somente após isso, é possível iniciar uma etapa de aproximação entre as empresas com o objetivo de se conhecerem e trabalharem juntas. A rotina do empresário de pequena e média empresa (PME) diminui a possibilidade de seu envolvimento com atividades mais estratégicas e de longo prazo, postergando o importante a favor do urgente.

Para o representante da ASSINTECAL, a cooperação só funciona se for mais vantajosa do que a competição. Cooperar somente onde e quando for necessário. Na avaliação de líderes do setor, um dos

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erros da ASSINTECAL foi o de procurar definir a priori em que áreas e quando a cooperação deveria existir, quando da formação dos consórcios. Essa definição, ao contrário, para ser bem-sucedida, deve ser encontrada pelos participantes da atividade coletiva.

4.2 redes de eMPresas

O Governo do Estado do Rio Grande do Sul estabeleceu no ano de 2000 o Programa de Redes de Cooperação, coordenado pela Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Estado do Rio Grande do Sul – SEDAI. O programa tem como objetivo desenvolver uma cultura associativa entre pequenas empresas industriais, de comércio e de serviços, através da reunião de empresas que apresentem interesses comuns, atuando em redes de cooperação.

A formação da rede ocorre através da constituição de uma entidade juridicamente estabelecida, sem quotas de capital, mantendo a independência legal e a individualidade de cada empresa participante. Uma rede de empresas do setor de componentes foi criada em abril 2005, com a denominação de REDEMIX, contando com 17 empresas associadas. A rede tem planejamento estratégico, possui ações de divulgação e fortalecimento da marca, articula- -se para a compra de espaços em feiras de negócios, entre outras atividades notadamente relativas à comercialização.

Contudo, a criação da rede não foi isenta de dificuldades. O consultor da instituição aponta que “[...] a maior dificuldade dessa e de qualquer outra rede é o comprometimento do associado, que é o empresário se dispor a vir uma vez por semana na reunião agendada [...]”. Em relação aos grupos de trabalho, “[...] eles têm tarefas nas equipes que devem ser executadas, para o projeto deslanchar. O associado avalia que não tem tempo para realizar sua atividade e acha que o outro componente do grupo realizará a tarefa, e assim por diante. No final a tarefa não é realizada por ninguém”.

Outra dificuldade encontrada durante a formação da rede se refere ao convencimento dos possíveis participantes a aceitarem o convite realizado pelo consultor da instituição. O consultor, durante a entrevista, fez uma análise geral das barreiras à participação de novas empresas:

Quando convidamos uma empresa a participar, é difícil para o empresário entender que não estamos vendendo algo. Que ele não pagará nada pelo

trabalho. Mencionamos que a rede lhe trará benefícios e que a atividade é patrocinada pelo Governo do Estado. Com todos estes elementos, o empresário fica desconfiado e acha que esse negócio não pode ser bom.

4.3 sUBcontratação e oUtras ForMas de cooPeração

Mesmo indicando que a subcontratação ocupa o terceiro lugar em importância como forma de cooperação, como percebido na Tabela 3, a terceirização de partes da produção está presente em 70,4% das empresas, ou seja, 19 entre as 27 entrevistadas subcontratam atividades de produção.

As empresas que subcontratam atividades da produção fazem isso com a seguinte frequência: 40,7% delas, ou seja, 11 empresas realizam continuamente a subcontratação de atividades da produção e com frequência semanal. Três empresas realizam quinzenalmente a subcontratação e duas o fazem mensalmente. E, por fim, três empresas indicaram que subcontratam atividades da produção somente uma vez ao ano.

A subcontratação pode ser realizada por variadas razões. A Tabela 3 apresenta alguns motivos considerados pelas empresas.

A razão mais assinalada pelas empresas para realizar subcontratação é aquela considerada como recurso para aumentar a produção. A seguir, com 10 indicações, aparece a certeza de custos definidos e o menor custo do terceirizado. Nove empresas indicaram que subcontratam devido à falta de máquinas especializadas, seguindo-se de oito indicações pela falta de espaço físico na empresa. As razões: maior qualidade do terceirizado; por necessidade de grande especialização; e devido à grande oferta de serviços especializados na região, todas obtiveram seis indicações cada. A falta de mão de obra especializada na empresa obteve somente quatro indicações. Uma avaliação geral das respostas indica que os motivos mais citados têm suas raízes nos custos de produção. Contudo, a subcontratação de produção representa apenas 6,18% dos custos totais das empresas pesquisadas.

Os empréstimos de ferramentas, matérias-primas ou outros materiais aos seus parceiros comerciais podem ser entendidos como uma atividade de cooperação. A maior intensidade de relacionamento ocorre com os clientes, em que 48,1% dos entrevistados afirmam que emprestam materiais. Já esse tipo de empréstimo junto a concorrentes se mantém em um

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nível semelhante (44,4%) com aquele dos clientes. Com relação a fornecedores, esse fator é quase inexistente, pois somente 3,7% das empresas mantêm relações desse tipo com seus fornecedores.

Com relação à confiança nos acordos realizados com concorrentes, clientes e fornecedores, houve uma significativa variação nas respostas. O maior grau de confiança dos entrevistados é em relação aos fornecedores, em que foi atingido um percentual 51,9%. A confiança nos concorrentes é menor, sendo que somente 22,2% dos entrevistados confiam nos acordos realizados entre eles. O nível confiança nos clientes é quase insignificante, pois somente 11,1% das empresas entrevistadas acreditam que os acordos com os clientes serão mantidos.

4.4 PercePçÕes oBserVadas soBre cooPeração no setor de coMPonentes Para calçados

Com objetivo de verificar as percepções dos gestores das empresas pesquisadas sobre cooperação, foram realizadas perguntas acerca do ambiente em que estas operam, da importância de algumas atividades de cooperação, das restrições à cooperação, entre outras.

Apesar de todos os entrevistados terem suas empresas localizadas no aglomerado do Vale do Sinos,

quando questionados se se consideram fazendo parte de uma comunidade local em que todos trabalham para um objetivo comum, ou se cada empresa atua de forma individual na busca de seu próprio interesse, somente 25,9% responderam que se sentem fazendo parte de uma comunidade com objetivos comuns, e 74,1% acreditam que atuam de forma individual na busca de interesse próprio. Uma implicação das respostas dadas é que a localização no aglomerado não é suficiente para o estabelecimento de relações de cooperação mais intensas entre as empresas.

Buscando identificar a importância da cooperação entre as empresas pesquisadas, foi apresentado aos entrevistados um conjunto de formas de cooperação e solicitado que fosse atribuído um peso a cada uma delas, para identificar sua importância, em que 1 significa que é de pouca importância, enquanto 5 representa grande importância. A Tabela 4 indica as médias dos pesos atribuídos a cada atividade. A mais importante para os entrevistados foi o treinamento de pessoal em conjunto, seguido da participação em redes de empresas e os consórcios de exportação. Em terceiro lugar ficaram a subcontratação de atividades da produção com a mesma importância atribuída para compra de matérias-primas em conjunto. Após, está o empréstimo de matérias-primas, seguido do empréstimo de máquinas e ferramentas. Em último lugar, está a venda em conjunto com seus concorrentes. Nesse último caso, as entrevistas indicaram que algumas empresas são fortemente contrárias a essa forma de cooperação, pois consideram que não é possível realizar vendas em conjunto.

Visando a complementar as informações sobre a importância da cooperação, foram apresentadas aos entrevistados algumas proposições sobre como as empresas avaliam essa prática, conforme mostra a Tabela 5.

As respostas contidas na Tabela 5 indicam que as empresas têm fortes restrições em cooperar em grupos nos quais há integrantes que não pagam seus impostos em dia. Os entrevistados acreditam que a empresa que procede assim tem uma vantagem competitiva sobre as demais, pois transforma os recursos financeiros que deveriam ir para pagamento de impostos em capital de giro.

Participando de atividades coletivas ou cooperadas, poucas empresas acreditam que perdem autonomia ou independência. Alguns entrevistados mencionaram que em algumas atividades provavelmente a decisão do grupo fosse diferente daquela que o empresário tomaria individualmente, mas entendem que dificilmente haveria consenso em atividades coletivas.

Tabela 3 – Motivos da subcontratação de atividades da produção em empresas de componentes para calçados do Vale do Sinos

Motivo para subcontratação Frequência

Como recurso para aumentar a produção 13

Pela certeza de custos definidos 10

Menor custo, se terceirizado 10

Por falta de máquinas especializadas 9

Por falta de espaço físico na empresa 8

Maior qualidade, se terceirizado 6

Por necessidade de grande especialização 6

Devido à grande oferta de serviços na região 6

Por falta de mão de obra especializada na empresa 4

Fonte: Pesquisa própria

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Tabela 4 – Importância atribuída a atividades de cooperação por empresas do setor de componentes para calçados do Vale do Sinos

Atividade de cooperaçãoGrau de importância

Média Mediana Desvio Padrão

1 2 3 4 5

Treinamento de pessoal em conjunto 2 1 5 13 6 3,74 4 1,10

Participação em consórcios ou redes 2 3 4 13 5 3,59 4 1,15

Subcontratação de atividades 1 6 6 10 4 3,37 4 1,11

Compra de matéria-prima em conjunto 3 5 4 9 6 3,37 4 1,33

Empréstimo de matéria-prima 4 3 7 10 3 3,19 3 1,24

Empréstimo de ferramentas 4 5 9 8 1 2,89 3 1,12

Vendas em conjunto com concorrentes 13 5 4 4 1 2,07 2 1,27

Fonte: Pesquisa própria

Tabela 5 – Percepção sobre cooperação em empresas do setor de componentes para calçados do VS

ProposiçãoGrau concordância

Média Mediana Desvio Padrão

1 2 3 4 5

A empresa tem restrições em cooperar em grupos nos quais há empresas que não pagam impostos em dia.

2 1 4 6 14 4,07 5 1,24

Mesmo cooperando com outras, minha empresa mantém autonomia e independência.

0 3 4 9 11 4,04 4 1,02

A empresa tem restrições em cooperar em grupos nos quais há empresas que não atendem adequadamente seus clientes.

3 2 8 7 7 3,48 4 1,28

Em uma relação de cooperação, os benefícios para as empresas envolvidas são equilibrados

3 5 11 8 0 2,89 3 0,97

Existe liderança nas associações para promover a cooperação entre as empresas do setor.

5 10 7 4 1 2,48 2 1,09

Nível de cooperação entre as empresas do setor é elevado.

10 9 7 1 0 1,96 2 0,90

O treinamento dos empregados é realizado em conjunto com os de meus concorrentes, clientes ou fornecedores.

18 5 0 3 1 1,67 1 1,18

Fonte: Pesquisa própria

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Instituto de Ciências Sociais Aplicadas144

Tabela 6 – Principais fontes das informações utilizadas pelas empresas pesquisadas

EmpresaNovas

tecnologiasMercado

consumidorAtualização legislação

Salários praticados

Soma

Feiras setoriais 25 14 0 0 39

Clientes 9 23 2 1 35

Consultores 3 1 24 5 33

Revistas especializadas

15 12 3 2 32

Fornecedores 19 9 1 0 29

Pesquisa 8 6 2 2 18

Reuniões sociais 5 5 0 6 16

Associações 3 4 8 1 16

Concorrentes 5 3 1 5 14

Outros 2 0 2 1 5

Fonte: Pesquisa própriaObs.: O número de respostas é maior que o de pesquisados, pois são questões com múltipla escolha

As empresas pesquisadas têm restrições em cooperar em grupos nos quais há empresas com problemas financeiros ou que não atendem adequadamente seus clientes. Essa afirmação tem por base a percepção de que a imagem ruim angariada por essas empresas será transferida ao grupo a que pertencem. Com relação aos ganhos obtidos em atividades de cooperação, as empresas avaliam que aquelas unidades maiores, mais organizadas ou que dispõem de mais recursos se apropriarão melhor dos benefícios dessas atividades, permitindo-lhes um melhor desempenho.

Os entrevistados são de opinião de que há liderança no setor para promover a cooperação entre as empresas. Porém, essa liderança não se traduz em atividades ou iniciativas. Ponderam que deveria haver mais empenho das instituições de apoio e dos órgãos oficiais na promoção da cooperação no setor.

A importância do treinamento em conjunto foi o item com maior grau de importância atribuído pelas empresas, como já informado na Tabela 4. Porém, na lista de percepção sobre cooperação, Tabela 5, esse foi o item de menor grau de concordância. Os entrevistados informaram que, na maioria dos casos, treina-se em conjunto somente a mão de obra de atividades administrativas. A mão de obra que

atua em atividades relativas à produção é treinada internamente pela própria empresa, pois se teme que se transfiram aos concorrentes informações sobre seu processo produtivo.

Para os entrevistados que consideram que o nível de cooperação no setor é baixo, foi solicitado que indicassem a razão para essa percepção. Foi possível identificar dois grupos relativamente homogêneos de entendimentos sobre a baixa cooperação encontrada no setor: um deles está associado à intensa concorrência, o outro, ao baixo nível tecnológico.

Para ressaltar os dois grupos de opiniões convergentes, a seguir a transcrição de alguns depoimentos mais relevantes com relação à concorrência como motivo para a falta de cooperação:

Acredito que a cooperação é pequena pela grande quantidade de concorrentes, a concorrência é muito acirrada (Empresa 5).A concorrência é muito acirrada. No passado os funcionários de grandes empresas montaram novas empresas familiares. Estas empresas não têm planilhas de custos e não sabem calcular preços. Quando têm muito serviço, não pagam hora extra, pois trabalham na empresa pai, mãe, irmão, sobrinho, cunhado, etc... Quando não têm serviço, como seus empregados

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não são registrados, não pagam salários e passam o dia tomando chimarrão. Também não pagam impostos, por serem informais. Isto leva a que estas empresas baixem o preço do serviço ou produto (Empresa 18).

Os depoimentos mais relevantes do segundo grupo, relativo à tecnologia pouco sofisticada como causa da falta de cooperação entre empresas do setor de componentes para calçados do Vale do Sinos, foram:

O diferencial competitivo de cada empresa é muito fácil de copiar, a tecnologia utilizada é muito simples e as melhorias nos processos produtivos são fáceis de copiar (Empresa 20).[...] o concorrente descobre o segredo de produção, pois há baixa tecnologia envolvida (Empresa 22).[...] algumas empresas não cooperam porque um dia já foram maiores, apresentaram dificuldades e não foram auxiliadas pelos concorrentes. Agora não gostam dos concorrentes. São inimigos que podem roubar seus segredos (Empresa 10).Meu processo é muito fácil de copiar, por isto quero que os concorrentes fiquem muito longe de minha empresa (Empresa 21).No mercado de borracha há um grande medo do concorrente é descobrir sua formulação. Assim as empresas têm medo de que o concorrente descubra seus segredos de processo, uma vez que são muito frágeis (Empresa 13).

4.5 acesso a inForMaçÕes

De um modo geral, as informações das empresas pesquisadas sobre seus negócios são obtidas em feiras setoriais, com clientes e consultores, em revistas especializadas, com fornecedores e através de pesquisas, respectivamente. Com uma pontuação menor, aparecem as reuniões sociais, as associações empresariais e os concorrentes. Nessas fontes de consulta, as informações sobre novas tecnologias foram aquelas mais indicadas pelas empresas, conforme a Tabela 6, seguindo-se de informações sobre mercado consumidor, legislação e salários praticados no mercado.

O acesso às informações sobre novas tecnologias é obtido preferencialmente através de feiras setoriais, conforme mostra a Tabela 6, com 25 indicações entre as 27 empresas da pesquisa. Em segundo lugar, está a informação vinda do fornecedor, com 19 indicações, e, em terceiro lugar, as informações oriundas de revistas especializadas, com 15 menções.

As informações referentes a mercados consumidores são obtidas através dos próprios clientes, indicadas por 23 empresas, seguidas das feiras setoriais e das revistas especializadas, com 14 e 12 indicações, respectivamente. Já as informações sobre salários praticados no setor são obtidas através de reuniões sociais, com seis indicações, e junto a consultores e a concorrentes, com cinco indicações cada uma.

As informações sobre atualização a respeito da legislação são adquiridas através de escritórios de contabilidade ou assessorias contábeis por 24 das empresas pesquisadas. Em grande parte, isso se deve a que todas as empresas entrevistadas têm a atividade de elaboração da contabilidade terceirizada, o que facilita o acesso a esse tipo de informação.

Da análise do uso das fontes de informações, percebe-se que as empresas têm pouca comunicação entre si. As relações priorizadas são aquelas encontradas no mercado, como revistas, feiras, fornecedores ou clientes. Apesar da coexistência das empresas dentro de um aglomerado industrial, reuniões sociais e associações empresarias têm pouca influência no processo de difusão de informações entre as empresas.

4.6 atUação no Mercado e o Padrão de concorrência

O setor de componentes para calçados apresenta uma elevada dependência das compras da indústria calçadista, pois 91,7% do faturamento das empresas pesquisadas advêm de vendas realizadas a empresas calçadistas.

A maior parte dos produtos produzidos pelas empresas é feita sob encomenda, dado que o desenvolvimento de produtos é uma atividade em que a influência dos clientes é importante. O setor de componentes para calçados lança poucos produtos novos oriundos de própria iniciativa, pois a marca individual não é um fator de maior relevância no sucesso competitivo. Apenas 27% do faturamento das empresas entrevistadas é proveniente de vendas de produtos com a sua marca. Porém, no calçado, não é possível identificar o fabricante de componentes, daí a pouca importância da marca própria.

Na opinião dos produtores de componentes pesquisados, os fatores que influenciam seus clientes na sua escolha como fornecedor são: em primeiro lugar, a qualidade percebida pelo cliente; em segundo, o cumprimento dos prazos de entrega; em terceiro, o relacionamento com o vendedor; em quarto lugar, o preço; em quinto, o relacionamento com o proprietário

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da empresa fornecedora; e, finalmente, a condição de pagamento oferecida.

Ao se constatar a pouca importância relativa atribuída pelas empresas ao preço como fator de competitividade, foi formulada, no decorrer das entrevistas, uma questão adicional aos entrevistados. Perguntou-se, então: caso algum de seu concorrente oferecesse um preço ligeiramente inferior, seu cliente permaneceria fiel à sua empresa? Das 27 entrevistadas, apenas três empresas afirmaram que sim, as demais acreditam que o cliente trocaria de fornecedor. As respostas dadas abaixo por entrevistados ilustram esse ponto.

Para o entrevistado da empresa 17:

[...] o cliente não é fiel porque troca de fornecedor por poucos centavos[...]

Já o entrevistado da empresa 20 assim se expressou:

Tenho um cliente que é parceiro, deixa a maior parte de seus pedidos comigo, mas mantém também uma parceria com uma empresa concorrente bem menor do que a minha. Quando necessito algum reajuste de preço ou faço alguma reclamação, o cliente ameaça mudar seus pedidos para seu outro parceiro, que sei que é bem menor e que não pode atender imediatamente [...] Esta outra empresa serve para monitorar preços e como instrumento de pressão.

Pode ser que haja um certo preconceito em assumir explicitamente a importância do preço como fator de competição nas negociações. De um modo geral, as empresas preferem atribuir a sua competitividade às qualidades de seu produto. Contudo, quando questionadas ou em conversas informais sobre o assunto, acabam admitindo que o preço é um fator determinante para realizar suas vendas.

5 considEraÇõEs Finais

O aglomerado industrial do Vale do Sinos conta com uma forte presença de micro e pequenas empresas de componentes para calçados, entre cujas características se encontra um nível tecnológico não muito desenvolvido. As baixas barreiras à entrada no setor permitem a existência de um grande número de empresas, favorecendo a geração de empregos que não necessitam graus elevados de qualificação.

A concentração de empresas em um aglomerado industrial desenvolvido e especializado – como é o caso do setor de componentes para calçados do Vale do

Sinos – não tem garantido que se estabeleçam, entre as empresas, níveis de cooperação e confiança de maior intensidade. Das empresas pesquisadas, 74,1% não se consideram fazendo parte de uma comunidade local, onde todos trabalham para um objetivo comum. Acreditam que cada empresa atua de forma individual na busca de seu próprio interesse. O envolvimento em ações cooperativas é pouco disseminado. As práticas existentes são pontuais e com baixa adesão por parte das empresas

A confiança de natureza sociológica, baseada, por exemplo, em relações de solidariedade e de vizinhança, está pouco presente nas empresas pesquisadas, pois não foi percebida uma disposição para participar de grupos ou engajamento em ações coletivas para solucionar problemas comuns. Motivos para esse comportamento podem ser devidos a um histórico de quebra de contratos verbais e de práticas comerciais predatórias por parte de algumas empresas, que não recolhem impostos ou adotam comportamentos que denigrem a imagem do setor. Igualmente, a intensa concorrência entre as empresas de componentes atua em âmbito individual como um inibidor a envolvimentos em ações conjuntas. Esse comportamento se apresenta particularmente naquelas ações que implicam troca de informações vinculadas a processos produtivos e que repercutem nos custos de produção. A tênue margem de manobra disponível a cada empresa leva a um comportamento receoso, pois qualquer fragilidade em sua posição competitiva pode ser fatal para sua sobrevivência no mercado. Contudo, existe, por parte das empresas, a percepção de que a estrutura institucional – associações empresariais e outras – tem um papel a desempenhar no desenvolvimento do setor e que poderia se constituir em um fator de catalisação de maiores níveis de cooperação.

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Recebido em: 17 de agostoAceito em: 30 de setembro

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GOHN, Maria da Glória; BRINGEL, Breno M. (Org). Movimentos sociais na era global. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

Rosi Ana Grégis1

UndErstandinG social MoVEMEnts today

The book “Movimentos sociais na era global” (Vozes, 2012), by Maria da Glória Gohn and Breno M. Bringel, shows an interesting overview about the contemporary social movements in the globalized era. Although the articles – written by sixteen different authors – are mainly concentrated on the features of the Latin American social movements, other countries’ events are cited and discussed. This fact helps the readers to make a connection with cultures and countries which may be situated far or close to each other. The volume is divided in three different sections: the first one, named “Social movements: theoretical and methodological challenges” explains, in four chapters, the theoretical foundations of social movements and their methods. These articles are very useful for beginners, who are not familiar with the sociological, historical and economic terminologies that surround these kinds of discussions. Commonly and erroneously, some people think that writing about updated subjects like social movements do not need a more specialized opinion. And that, in my point of view, is one of the reasons why this first part of the book is so crucial: knowing something about the history and the theory of these movements make the reading easier and more fruitful for anyone. One interesting issue discussed in chapter four talks about the new challenges that the social movements face to build geographies of power which are alternative to the ones that are only turned to the States and to transnational capital. The second part, called “Collective actions, social movements and reconfiguration of practices”, discusses social characteristics of various countries, such as Venezuela, Bolivia, Equator and Brazil. Chapter eight, for instance, gives a good panorama about the interactions between social movements and migrations in the international scenario. This analysis comes from the definition of transnationalism, but from a different perspective which is not “from above” but “from below”. The goal of the third and last part of the book, “Transnational appeals, nets and anti-globalized movements”, is to show the readers some scopes of the transnational activism. One of the most remarkable chapters of the whole book is in this part. “Internationalization without institutionalization?” gives a good explanation of the term institutionalization and recaptures the history of the World Social Forum – as well as its deficiencies and limitations – since its first edition in Porto Alegre, 2001. The last chapter “Between the national and the transnational” gives a worthy contribution on how and why the civil societies act beyond the national borders. One of the problems found in the volume is the lack of an efficient linguistic revision. The editor surely could have given more attention to this matter. Some readers can have difficulty in understanding some extracts or sentences, and this fact could have been solved easily by an attentive text reviser. Last but not least, I would like to say the book is worth reading and valuable for the ones who want to know a little more about this matter so in vogue nowadays.

1 Mestre e Doutora em Linguística Aplicada, PUCRS. Professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Feevale.

Recebido em: 17 de outubroAceito em: 22 de outubro

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SALES, Arnaud. Sociology Today: social transformations in a globalizing world. London: SAGE, 2012.

Leandro Raizer1

tranForMaÇõEs dE UM MUndo Globalizado

Estamos vivendo num mundo marcado pela velocidade das mudanças sociais que afetam a vida dos indivíduos, famílias, comunidades, organizações, empresas, estados nação e redes internacionais. Isso tudo faz com que a Sociologia se transforme em uma ciência da mudança.

Diante dessa constatação, o livro Sociology Today: Social Transformations in a Globalizing World editado pelo professor Arnaud Sales, da Universidade de Montréal, aborda o conjunto, diversidade e variedade das transformações sociais pelas quais passam as sociedades e espaços transnacionais. A obra, que conta com a colaboração de renomados sociólogos internacionais, oferece uma elaborada e sintética perspectiva sobre as transformações no mundo social, incluindo as turbulências políticas, as dinâmicas artísticas e culturais, mudanças familiares, questões de gênero, fluxos de migração e movimentos sociais.

Para Sales as sociedades modernas deparam-se com transformações em escala, força e brutalidade comparáveis as experenciadas durante a passagem das sociedades agrarias para as industriais, o que está ainda em progresso em vários países. Nunca como antes um número tão grande de atores sociais, processos e forças estiveram envolvidas nesse tipo de transformação que afeta diversos domínios da vida social. A Sociologia e outras ciências estão sendo confrontadas pelo enorme desafio de tentar entender e interpretar esse processo desorganizado de modernização avançada.

Diante desse cenário, o objetivo principal do livro não é cobrir e analisar detalhadamente todos os aspectos desse processo, mas compreender e interpretar a variedade e diversidade das transformações pelas quais as sociedades nacionais e os espaços transnacionais vem sofrendo, com destaque para a busca de subsídios para a compreensão ampliada dos impactos sobre nossas vidas, trabalho, cultura, política; e a própria existência do mundo social.

O livro está dividido em seis partes, apresentando um conjunto importante de reflexões que abarcam desde uma síntese apurada do estado atual das transformações globais, quanto discussões que partem das mais destacadas perspectivas teóricas (ação-estrutura, microssociologia, teoria dos campos sociais).

Na primeira parte do livro, apresenta-se um diagnóstico multidimensional (social, econômico, político, cultural, científico) do processo de transformação social e seus diferentes campos de estudo. Mudança social, transformação social e velocidade das mudanças são os conceitos centrais discutidos. Também ganha espaço a discussão sobre os processos de estruturação e desestruturação social, tanto no âmbito das transformações institucionais-nacionais, quanto no âmbito do processo de globalização.

1 Doutor em Sociologia. Professor do IFRS. E-mail: [email protected]

Recebido em: 14 de novembroAceito em: 28 de novembro

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Já na segunda, aborda-se as diferentes perspectivas conceituais para compreensão do fenômeno de mudança social. Ganha destaque tanto uma releitura da teoria da agência-estrutura (Touraine, Giddens, Archer’s, Sztompka, Bourdieu, etc), quanto a reflexão em torno da produção do conhecimento no contexto de “a world made of knowledge”.

Na terceira parte do livro discute-se a recomposição do domínio político e os desafios implicados para a sociedade civil. Sobretudo ganha destaque a transição social marcada pela década de 1980 e seus impactos na composição dos partidos, elites, sociedade civil no contexto de expansão da democracia, derivando no surgimento de movimentos sociais globais. Por outro lado, na quarta parte a temática central é a transformação das organizações e do trabalho. Novas formas de organização emergiram nas ultimas décadas, com destaque para as organizações em rede, trazendo consigo transformações profundas na organização do trabalho e nos processos burocráticos. O trabalho e o emprego nacionais ganham cada vez mais uma dimensão global, transnacional, obrigando os países a reverem suas políticas trabalhistas, e os modelos de gestão da força de trabalho.

Na parte quinta, as transformações no mundo da vida e na cultura ganham atenção. Questões de gênero, família, religião, cultura global e hábitos esportivos são as dimensões analisadas. Por fim, na parte final do livro são analisadas as condições sociais globais de existência diante do fenômeno de mudanças aceleradas. Os diferentes regimes de vida urbana, transformações nos sistemas de saúde e a questão da migração fazem parte da reflexão apresentada.

Em suma, o livro “Sociology Today” apresenta tanto uma síntese bastante acurada do contexto atual experenciado pelas sociedades nacionais e global, e a multiplicidade de fenômenos implicados; quanto uma leitura atual das diferentes perspectivas teóricas que, com destaque, têm auxiliado na compreensão do processo de rápida transformação social global experenciado nas últimas décadas.

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1. Gestão e Desenvolvimento publica trabalhos inéditos e relacionados a assuntos específicos das áreas de Administração, Ciências Contábeis, Comunicação Social, Direito e Turismo. As produções enviadas são submetidas à análise e parecer do Conselho Editorial – interno e externo. O fluxo operacional é contínuo para recebimento de artigos.

2. Os trabalhos devem ser preparados para a publicação neste periódico (publicação semestral) em consonância com as instruções expressas nestas normas (vide item 6), sob a forma de trabalho científico, através do qual o(s) autor(es) poderá(ão) descrever, com precisão e clareza, o estudo realizado (documental, bibliográfico, de campo etc.), abordando os objetivos, o problema e hipótese, a metodologia, os resultados obtidos e considerações finais (conclusões), amparando-se no conhecimento acumulado e compartilhado pela literatura específica da área para fundamentar suas proposições, escolhas, justificativas e análises.

3. O texto original do artigo será encaminhado através do e-mail [email protected], desde que atenda às Normas de Publicação previstas. Não será acolhido trabalho em desconformidade. Também deve acompanhar Termo Autorização para publicação, devidamente assinado pelo(s) autor(es), no caso de o trabalho lograr aprovação pelo Conselho Editorial da Revista.

4. Recomenda-se que os trabalhos sejam apresentados em folhas de papel A4 (297x210mm), numa única face, com margens superior e esquerda de 3 cm, inferior e direita de 2 cm, em fonte Times New Roman, corpo 12, alinhamento justificado, espaçamento entrelinhas 1,5. Os artigos devem conter no mínimo 12 e no máximo 25 laudas (incluindo bibliografia, notas rodapé e resumos).

5. O artigo científico apresentado deve contemplar a seguinte estrutura:

5.1. Título do artigo: fonte Times New Roman, corpo 12, centralizado, negrito, caixa alta; em inglês: fonte Times New Roman, corpo 12, itálico, caixa alta. O título deve ser claro e objetivo, podendo ser complementado por um subtítulo. Deve ser escrito na mesma língua do texto e seguido da versão para outro idioma. Evitar abreviaturas, parênteses e fórmulas que dificultem a compreensão do conteúdo do artigo. Quando se tratar de uma tradução, o(s) nome(s) do(s) tradutor(es) e o título original do trabalho devem constar em nota de rodapé.

5.2. Autoria: alinhados à direita, nome completo do primeiro autor seguido dos demais (se houver) em ordem alfabética. Cada um em novo parágrafo. Breve síntese do currículo do(s) autor(es) deve constar em nota de rodapé com no máximo 3 linhas por autor (aproximadamente 300 caracteres com espaços); deve iniciar com a graduação máxima e fechar com o e-mail do autor. É necessário informar se o artigo já foi apresentado em congresso, seminário, simpósio etc.

5.3. Resumo/Abstract: O resumo é a apresentação concisa dos pontos relevantes de um documento (ABNT NBR 6028). Deve ser escrito de forma clara, coerente e objetiva, usar a terceira pessoa do singular e os verbos na voz ativa. Deve ser uma sequência de frases concisas e não uma simples enumeração de itens. Nos artigos científicos será usado o modelo de resumo indicativo que, por sua vez, apresenta apenas os pontos principais do documento, não se reporta a dados qualitativos, quantitativos etc., mas somente a indicador(es) geral(is) revelado(s) pelo estudo. Sua extensão terá entre 150 e 250 palavras, redação em parágrafo único, em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço simples. Apresentar versão em português e em um outro idioma:

norMas Para aPrEsEntaÇÃo dE trabalHosstandards For PaPer Presentations

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abstract em inglês, resumen em espanhol. Recomenda-se que sejam revistos por falantes com domínio dos respectivos idiomas. Os Resumos e Abstracts devem ser seguidos de três a cinco palavras-chave/keywords, naquela língua, precedidos do termo Palavras-chave ou Keywords. As palavras-chave/Keywords são separadas entre si por ponto e finalizadas também por ponto.

5.4. Introdução: deve apresentar: a delimitação do assunto; a justificativa quanto à importância e possíveis contribuições; o problema de pesquisa; hipótese (se houver); o(s) objetivo(s) do estudo; o ponto de vista sob o qual o assunto será tratado; o método proposto ou metodologia básica utilizada; a razão da escolha do método e dos procedimentos metodológicos; enfim, os elementos necessários para situar o tema do trabalho. Informar também as sessões que integram o artigo com breve contextualização do conteúdo de cada uma delas.

5.5. Fundamentação teórica/levantamento bibliográfico: as ideias devem ser apresentadas e discutidas de forma sistematizada e lógica – dedutivamente ou indutivamente – a partir de um marco teórico; utilizar citações e referências bibliográficas conforme normas ABNT (item 6).

5.6. Método ou Metodologia – detalhamento dos procedimentos e material utilizados na pesquisa; ou seja, método, tipo(s) de pesquisa, universo estudado (população e amostra), a técnica de coleta de dados e instrumentos de pesquisa. É a base para que o estudo tenha valor científico.

5.7. Resultados e Análise: apresentação dos dados representativos obtidos com a pesquisa. A análise/discussão apresenta correlações com os fatos observados e a literatura da área (vínculos teóricos/citações). A discussão permite e sugere: oportunidade de concordar ou discordar dos resultados obtidos por outros pesquisadores e já mencionados na fundamentação teórica; estabelecer relações, deduções paralelas, possíveis generalizações e mesmo identificar falhas de correlação; exposição comentada utilizando linguagem clara e objetiva na qual o autor se posiciona em relação aos resultados obtidos.

5.8. Conclusão/Considerações Finais: parte final do trabalho baseada nas evidências disponíveis e pertinentes ao objeto de estudo. As conclusões devem ser precisas e claramente expostas, cada uma delas fundamentada nos objetos de estudo; relacionar os resultados obtidos com o problema de pesquisa e possível(is) hipótese(s) levantada(s); evidenciar o que

foi alcançado com o estudo e a possível aplicação dos resultados da pesquisa; informar sobre possíveis limitações; podem ser sugeridos outros estudos que complementem a pesquisa ou para questões surgidas no seu desenvolvimento; recomendações de ordem prática podem ser incluídas.

5.9. Referências: as referências devem respeitar as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 6023. Serão apresentadas no final do texto, em ordem alfabética a partir do sobrenome do autor, fonte Times New Roman, corpo 12, alinhamento à margem esquerda, espaçamento entrelinhas 1,0, espaço duplo entre obras, e sem numeração das fontes. O principal sobrenome de cada autor é seguido de vírgula e do nome, e outros sobrenomes. Títulos de livros e periódicos devem constar em negrito. A exatidão das referências e a correta citação no texto são de responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho. As referências bibliográficas devem respeitar o formato que aparece nos seguintes exemplos:

Livro:

ANDERY, Maria Amélia P. A.; et al. Para Compreender a Ciência: uma perspectiva histórica. 5. ed. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1994.

Capítulo de livro:

ADORNO, Sérgio. Adolescentes, crime e violência. In: ABRAMO, Helena Wendel (org.); et al. Juventude em Debate. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 97-109.

Artigo em periódico:

BURITY, Joanildo A. Novos paradigmas e estudo da religião: uma reflexão anti-essencialista. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, v. 21, n. 01, p. 41-66, abr. 2001.

Teses e Dissertações:

JUNGBLUT, Airton Luiz. Nos Chats do Senhor: um estudo antropológico sobre a presença evangélica no ciberespaço brasileiro. Porto Alegre. Tese (Doutorado em Antropologia Social). 2000.

5.10. Anexos e/ou apêndices: constituindo-se de material complementar ao texto, devem ser incluídos somente quando imprescindíveis à sua compreensão.

6. O padrão editorial obedecerá às prescrições da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com especial destaque para:

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6. 1 Citações bibliográficas curtas (até três linhas) são inseridas no texto, entre aspas. Citações longas (mais de três linhas) devem constituir parágrafos independentes, digitados em espaço simples e recuados a 4 cm da margem esquerda, em fonte Times New Roman, corpo 10, sem aspas.

6. 2 Todas as citações diretas longas e curtas devem seguir-se do sobrenome do autor, ano da publicação e número da página. Exemplos: (BATESON, 2003, p. 20); segundo Bateson (2003, p. 20). No caso de paráfrase (citação indireta), usar, por exemplo, Bateson (2003). Não utilizar idem ou ibidem.

6. 3 As notas de rodapé devem restringir-se a comentários e/ou observações pessoais, destinando- -se a prestar esclarecimentos ou tecer considerações que não devam ser incluídas no texto, para não interromper a sequência lógica da leitura. Devem ser colocadas na parte inferior da página e iniciar com a chamada numérica recebida no texto, sem parágrafo, a partir de 1. Se houver nota no título, esta recebe asterisco e não numeração. Serão digitadas com fonte Times New Roman, corpo 10, espaço simples (1,0) entrelinhas. As notas não devem ser utilizadas para referência bibliográfica.

6. 4 Quadros, gráficos, tabelas e figuras devem ser numerados, ter título e indicação da fonte, ficam inseridos no corpo do texto impresso, com as respectivas legendas, observando-se as normas ABNT. Apenas as iniciais do título devem estar em maiúsculas.

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7. Os originais recebidos são analisados previamente pela editoria da revista Gestão e Desenvolvimento, mantendo-se em sigilo a autoria dos textos. O editor responsável reserva-se o direito de aceitar ou não os trabalhos encaminhados, bem como recusar trabalho para o qual foram solicitadas alterações e essas não foram atendidas. Após a etapa prévia, acima aludida, o artigo será submetido à avaliação de pelo mínimo dois professores pareceristas que fazem parte do Conselho Editorial, ou outros convidados (ad hoc).

8. A publicação não implica nenhuma espécie de remuneração. Para cada artigo publicado, são concedidos ao(s) autor(es) dois exemplares da Revista.

9. A Revista não se obriga a devolver os originais enviados. Os textos aceitos serão disponibilizados integralmente em versão impressa da Revista.

10. O cumprimento da lei que rege “os direitos autorais”, em qualquer tipo de uso e menção, é de exclusiva competência e responsabilidade do(s) autor(es) do trabalho.

11. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade do(s) seu(s) autor(es), não representando a posição oficial do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas ou da Universidade Feevale.

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Discussão da Realidade Brasileira - 2 Edição. Organizadores: Rodrigo

Perla Martins e Carlos R. S. Machado.(arquivo em PDF)

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do Trabalho Acadêmico - 2ª Edição. Autores: Cleber Cristiano Prodanov

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Revisada e Ampliada. Organizadores: Marsal Branco, Silvano Malfatti e

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Desenvolvimento regional e responsabilidade social: construindo

e consolidando valores, por Margarete Panerai Araújo e Maristela Mercedes Bauer.

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Janeiro de 2015Dossiê - Inovação

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Agosto de 2015Dossiê - Turismo e Direito:

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