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106 ISSN 2237-7506 | Natal/RN (106-128) – novembro/2020
REVISTA INTERFACE EDIÇÃO ESPECIAL – 10 ANOS DO PPGP – NOVEMBRO/2020 | ISSN 2237-7506
ESTRUTURA FISCAL DOS MUNICÍPIOS POTIGUARES: autonomia ou dependência?
FISCAL STRUCTURE OF POTIGUARES MUNICIPALITIES: autonomy or dependency?
Johnatan Rafael Santana de Brito1
Jéssica Vivianne da Cunha Silva de Brito2
RESUMO
Este artigo tem como objetivo verificar se houve mudanças no quadro fiscal dos municípios potiguares no tocante à autonomia orçamentária, desequilíbrio e nível de efetividade fiscal. Para tanto, foram coletadas informações dos municípios do Rio Grande do Norte para os anos de 2012 e 2017 na página "Contas Anuais" do SICONFI. A análise dos dados fundamentou-se na aplicação do modelo de clusters, o qual agrupou os municípios em função de oito variáveis. Os resultados da pesquisa mostraram que o cenário fiscal observado em 2017 não difere daquele vigente em 2012. O desempenho arrecadatório demonstrado pelos municípios no último ano da análise, em termos relativos, foi semelhante ao do ano inicial. Identificou-se ainda pequenas mudanças na componente de gasto que não configuraram alterações do quadro de 2012. Devido às características do modelo metodológico adotado não foi possível conhecer os aspectos individuais de cada um dos municípios. Portanto, incentiva-se a realização de investigações que aprofundem os conhecimentos apresentados neste trabalho. A principal contribuição desta pesquisa está na adoção de três indicadores que permitem aos governos subnacionais examinarem seus quadros fiscais e com base neles estabelecer ações voltadas ao aperfeiçoamento de seus desempenhos fiscais. Palavras-chave: Finanças públicas municipais. Autonomia. Transferencias intergovernamentais.
ABSTRACT
This article aims to verify whether there have been changes in the fiscal framework of potiguares municipalities concerning budgetary autonomy, imbalance, and level of fiscal effectiveness. To this end, information was collected from the municipalities of Rio Grande do Norte for the years 2012 and 2017 on the "Annual Accounts" page of SICONFI. The analysis of the data was based on the application of the clusters model, which grouped the municipalities according to eight variables. The survey results showed that the fiscal scenario observed in 2017 does not differ from that in 2012. The revenue performance shown by municipalities in the last year of the analysis, in relative terms, was similar to that of the initial year. There were also small changes in the expenditure component that did not change the situation in 2012. Due to the characteristics of the methodological model adopted, it was not possible to know the individual aspects of each of the municipalities. Therefore, it is encouraged to carry out investigations that deepen the knowledge presented in this work. The main contribution of this research is the adoption of three indicators that allow subnational governments to examine their fiscal frameworks and, based on them, to establish actions aimed at improving their fiscal performance.
Keywords: Municipal public finance. Autonomy. Intergovernmental transfers.
1 Professor Adjunto da Unidade Acadêmica da Economia e Finanças da UFCG. 2 Mestranda em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da UFRN.
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1 INTRODUÇÃO
recha vertical é o termo que caracteriza a diferença existente entre o que o
município arrecada e suas despesas, ou seja, o hiato orçamentário entre as
responsabilidades designadas pelo pacto federativo aos municípios em
termos de gastos e a capacidade tributária estabelecida para estes (REZENDE, 2006).
Essa é uma das principais questões no que concerne à conjuntura fiscal dos municípios
brasileiros, qual seja o desequilíbrio entre a quantidade de ações que eles precisam
executar e a arrecadação tributária.
A base orçamentária dos municípios é composta basicamente por receitas
próprias, cuja origem está na arrecadação tributária, e pelas transferências
intergovernamentais. Essa estrutura orçamentária, todavia, não apresenta equilíbrio em
nenhum município brasileiro (BRITO, 2017), o que se verifica na prática é que os
municípios não conseguem obter grandes volumes financeiros com os tributos de sua
competência e necessitam continuamente de apoio da União para viabilizar suas
atividades e suprir esse desequilíbrio. Um exemplo disso é que os resultados fiscais
desses municípios entre os anos de 2001 e 2012 mostram que, em média, as receitas
tributárias desses governos representaram, no período, cerca de 20% das despesas
orçamentárias e 30% das despesas correntes (FINBRA, 2001; 2012).
Além disso, os mesmos dados mostram que a média da participação relativa
das transferências no total das despesas correntes variou entre 79%, no primeiro ano
da série, e 75%, no último ano, o que significa que tais recursos financiaram inclusive a
maior parcela dos gastos realizados pelos municípios na execução de suas funções
mais básicas.
Esse panorama retrata uma situação de vulnerabilidade orçamentária e fiscal
por parte dos municípios, na qual a maior parcela dos seus recursos orçamentários e
definida de forma exógena. Isso implica em uma situação na qual uma mínima redução
nas receitas de transferências pode resultar no descumprimento de suas obrigações
de pagamento e, consequentemente, no seu nível de endividamento.
Em resumo, toda essa conjuntura tem sua origem no fato do federalismo fiscal
brasileiro, instituído na Constituição Federal de 1988, ter conduzido o município ao
patamar de ente federativo, com atribuições e autonomia administrativa, política e
B
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financeira, mas não ter oferecido as condições necessárias para a constituição de
receitas próprias que sejam suficientes para atender toda a demanda orçamentária
dessa esfera.
Nesse contexto, como forma de acentuar as disparidades em termos de
capacidade arrecadatória, o pacto federativo estabeleceu as transferências
intergovernamentais, mecanismos de ajustes orçamentários que dão sustentação ao
modelo federativo. A lógica delas e solucionar o problema da brecha vertical (COSTA;
CASTELAR, 2013).
Guedes e Gasparini (2007) consideram que as transferências devem ser
entendidas como uma variável de ajuste, por meio da qual o desequilíbrio caracterizado
pela brecha vertical pode ser transposto. Todavia, eles apontam que essa relação e uma
espécie de fórmula indutora da ineficiência do modelo brasileiro, em função do
tamanho da diferença entre as obrigações dos municípios e os recursos que estes
podem obter por meio de sua arrecadação tributária. Tal perspectiva aponta para uma
significativa dependência de recursos oriundos de transferências, o que compromete a
autonomia dos municípios, seguindo o contrafluxo do que fora previsto no pacto
federativo (BRITO, 2017).
Além disso, as transferências apresentam uma correlação negativa com o nível
de desenvolvimento e renda gerado nos municípios (GOMES; MAC DOWELL, 2000).
Quanto maior o volume de transferências, menor o poder de se produzir
desenvolvimento endógeno no município, tendo em vista que este não estará
potencializando sua base econômica, mas subsistindo de recursos recebidos de outros
níveis de governo (CHALFUN, 2005; COSTA; CASTELAR, 2013; GOMES; MAC DOWELL,
2000).
Como consequência desse arranjo, o município que pouco tributa e
“desincentivado” a tributar, não cria alternativas para elevar suas receitas, tampouco
potencializa sua capacidade técnica de tributação, tendo em vista que o modelo lhe
garante o recebimento de recursos (REZENDE, 2006).
Esse conjunto de argumentos teóricos contribuem para a reafirmação do
pressuposto de que as transferências intergovernamentais brasileiras se configuram
como a redenção dos municípios e ao mesmo tempo como seu algoz, dado que ao
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passo que tendem a mitigar os desequilíbrios, fortalecem a trajetória de dependência e
ocultam o desequilíbrio fiscal (BRITO, 2017).
Nesse sentido, após observar a problematização da realidade da gestão fiscal
dos municípios brasileiros, na qual as transferências atuam como a solução para o
desequilíbrio, mas que ao mesmo tempo limitam a autonomia dos governos
subnacionais, este trabalho se dedica a investigar especificamente os aspectos dos
municípios potiguares. O objetivo é verificar se houve mudanças no quadro fiscal no
tocante à autonomia orçamentária, ao desequilíbrio fiscal e ao nível de efetividade. Este
esforço se justifica, pois estudos anteriores evidenciaram que os municípios do Rio
Grande do Norte, apesar de submetidos aos mesmos ordenamentos jurídicos e a
realidades socioeconômicas similares, apresentam diferenças em termos de
arrecadação própria; capacidade de poupança e investimento; e grau de dependência
em relação às transferências intergovernamentais (BRITO; MATOS FILHO; COSTA,
2014; GIUBERTI, 2005).
Para realização deste objetivo, foram coletados dados dos municípios
potiguares para os anos de 2012 e 2017 na página virtual do Sistema de Informações
Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi). Para construção da análise
adotou-se o método multivariado denominado análise de cluster. Ele foi escolhido
porque consegue, a partir de procedimentos estatísticos, agrupar indivíduos que
apresentam semelhanças, construindo assim grupos homogêneos que possibilitam
análises intra e intergrupos (MINGOTI, 2005).
A originalidade deste estudo se fundamenta na visão teórica adotada, que
defende a existência de um desequilíbrio fiscal efetivo, caracterizado pela diferença
entre a arrecadação tributária municipal e suas obrigações com despesas correntes e
investimento (BRITO, 2017), e a compreensão de que as transferências camuflam essa
problemática, mitigando a autonomia dos governos locais e criando a ilusão da
disponibilidade de recursos.
Espera-se contribuir com a literatura ao proporcionar uma leitura atual da gestão
fiscal dos municípios norte-rio-grandenses e por apresentar uma análise alternativa ao
problema do desequilíbrio. Acredita-se que a análise das transferências como sendo a
solução para o preenchimento da brecha vertical causa uma situação ilusória e
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reducionista do tamanho desequilíbrio e mascara a falta de autonomia decisória dos
municípios.
Além desta introdução, este trabalho está estruturado em quatro outras seções:
revisão da literatura que apresenta os fundamentos teóricos que fundamentam a
discussão e a análise dos dados; caracterização metodológica da investigação;
apresentação dos dados e a análise dos resultados; e, por fim, considerações finais,
onde o objetivo da pesquisa é revisitado, os achados são apresentado e as limitações
e contribuições da pesquisa são explicitadas.
2 REVISÃO DA LITERATURA
A despeito de se reconhecer a relevância dos fatos históricos e dos aspectos
políticos que construíram a trajetória federativa do Brasil, este estudo se concentrará
nos aspectos vigentes a partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88), tendo em vista
que este e o marco fundamental da construção das relações atuais no sistema
brasileiro.
2.1 FEDERALISMO FISCAL À BRASILEIRA
Ao longo dos anos de 1980, o Brasil passou por um processo de “reformas das
instituições políticas” que culminou com o novo pacto federativo e que se contrapôs a
perspectiva centralizadora do período anterior (ARRETCHE, 2005). Dentre outras
mudanças, esse processo elevou o poder político dos governos locais, tornando-os os
principais executores de políticas sociais (ARRETCHE, 2004; SOUZA, 2004).
De modo geral, o pacto federativo preconizou a uniformidade de
desenvolvimento entre os entes federados e a lógica da defesa dos direitos da
coletividade. A proposta era que o regime federativo garantisse que os estados e
municípios mais desenvolvidos auxiliassem os demais para que estes pudessem
atingir o mesmo nível econômico, social e de oportunidades (BRANDAO, 2013). Assim,
Horta (1995) afirma que, o federalismo instituído no país tem caráter cooperativo e de
equilíbrio, foram distribuídas competências entre os entes federados, de forma a não
agrupar a responsabilidade de todas elas na mesma esfera de governo. Para Cunha
(2006), a cooperação do modelo brasileiro e evidenciada por meio da atuação
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compartilhada entre os entes para se atingir os objetivos propostos na Constituição
Federal.
Franzese (2010) afirma que a diretriz decentralizadora assumida pela CF/1988
no tocante a distribuição de recursos instalou na federação brasileira uma lógica
concorrencial na busca pelos recursos, isso tanto entre entes da mesma esfera quanto
nas diferentes esferas de governo.
Essa compreensão e defendida e comparada com a perspectiva cooperativa por
diversos outros autores (ABRUCIO, 2005b; KUGELMAS; SOLA, 1999; REZENDE, 1995;
SANO, 2008). Eles argumentam que o modelo brasileiro não apresenta instrumentos de
cooperação eficazes, o que resulta em um cenário mais competitivo do que
cooperativo. Souza (2005) e ainda mais incisiva ao afirmar que o federalismo brasileiro
e altamente competitivo e que a cooperação se encontra longe de ser atingida em
função tanto da inexistência dos mecanismos de cooperação, como também de
aspectos específicos dos governos subnacionais que os fazem diferir entre si em
termos de capacidades técnicas, financeiras e de gestão.
Analisando as diferentes perspectivas teóricas, Cunha (2006) conclui que parece
ser factual a existência de um incentivo natural ao processo concorrencial entre os
entes da federação brasileira. Todavia, tal aspecto não apresenta, normativamente,
conflito com o caráter cooperativo das ações conjuntas entre os diferentes níveis de
governo, tendo em vista que a concorrência produz o desenvolvimento de capacidades
e não afeta a ação colaborativa dos entes federados na oferta de bens e serviços.
A ideia da ocorrência efetiva e simultânea de situações cooperativas e
concorrenciais na estrutura brasileira – indicando a existência de uma linha tênue entre
a cooperação e competição – e também argumentada por Abrucio (2005a). Essa
perspectiva, que se estabelece por meio da atuação de uma coordenação federativa
mais ou menos efetiva, pode conduzir a um desenvolvimento do pacto federativo e seu
aprimoramento.
De modo geral, analisando os aspectos federativos e a perspectiva brasileira
relativa a este sistema de governo, o estado da arte não define de maneira consensual
qual o tipo de federalismo brasileiro. Ao que parece o modelo federalista praticado
neste país não e único apenas no que diz respeito ao poder outorgado a esfera
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municipal, mas também ao formato de seu posicionamento quanto a
(des)centralização do poder entre os níveis de governo, comportando-se ora como
mais cooperativo, ora como mais concorrencial.
Em síntese, no que diz respeito ao caráter descentralizado do pacto federativo,
a premissa fundamental e a distribuição de competências entre as esferas de governo
(ABRUCIO, 2000; AFONSO; LOBO, 2009; AFFONSO, 2016; TOMIO, 2005). E diante desse
contexto idiossincrático do federalismo brasileiro que se estabelece as normas da
estrutura fiscal, as competências tributárias e, por conseguinte, a base orçamentária
dos entes federados.
Essa caracterização quanto às questões de centralização e ao aspecto
cooperativo são importantes nesta análise por deixar evidente que a composição
orçamentária parece indicar um cenário de centralização orçamentária, tendo as
transferências como instrumento de descentralização realizado por meio de ações de
cooperação entre as esferas de governo. Tal arranjo parece ser oportuno, todavia não
reflete o interesse dos governos subnacionais garantidos pelo texto Constitucional.
2.2 ESTRUTURA FISCAL DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS
Aspectos fundamentais do federalismo brasileiro como os níveis de governo, a
lógica da autonomia e a perspectiva da descentralização, destacam-se como questões
evidenciadas no estado da arte do tema. Dentre tais, considerando o objetivo deste
estudo, a autonomia administrativa dada aos governos subnacionais é evidenciada.
Essa autonomia tem sido cada vez mais questionada porque a despeito do
pacto federativo ter consolidado a separação de fontes tributárias e distribuído as
funções entre os entes federados, ele também designou a maior parte da arrecadação
para a União, o que comprometeu a liberdade dos municípios em termos de gestão
orçamentária (ARRETCHE, 2005).
De modo geral, do ponto de vista da arrecadação tributária, existe uma
concentração de poder por parte da União, a quem compete a arrecadação dos
principais tributos. A defesa desse modelo se fundamenta em alguns argumentos.
Primeiramente, conforme aponta Weissert (2007) e Rezende (2010), embora o modelo
preconize descentralização de poder, há uma necessidade de que o governo central
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influencie e direcione a formulação e implementação de políticas públicas em função
da existência de grandes disparidades regionais.
Um segundo argumento em defesa da concentração arrecadatória por parte da
União é que ao estender a descentralização sob a perspectiva tributária, promover-se-
ia a elevação dos níveis de competição entre os governos subnacionais, de modo que
a integração nacional seria afetada (REZENDE, 2010).
Além destes, há ainda outros argumentos associados ao controle, ao
desempenho, à eficiência, à efetividade e à eficácia da gestão fiscal. Os governos
subnacionais, no contexto atual, não dispõem de sarvoir-faire de gerir seus aspectos
fiscais e tributários (BRITO, 2017; REZENDE, 2010), o que levanta dúvida sobre a
capacidade técnica deles apresentarem uma gestão fiscal efetiva numa situação em
que dispusessem de maior competência arrecadatória.
Contudo, o modelo fiscal federativo vigente no Brasil e a validade dos
argumentos que o defendem são questionáveis por provocar alguns efeitos nocivos ao
desenvolvimento dos governos subnacionais.
Essa conjuntura fez com que os municípios passassem a depender das
transferências intergovernamentais, dado que a arrecadação municipal não é suficiente
para sustentar todas as obrigações financeiras que eles passaram a possuir. Segundo
Afonso (2016), a baixa capacidade de arrecadação própria prejudica o avanço da
autonomia financeira destes entes. Isso se deve fundamentalmente à estreiteza da
base econômica e à falta de capacidade institucional e de uma gestão tributária eficaz,
gerando problemas de planejamento, execução e controle na gestão fiscal dos
municípios (AFONSO, 2016).
Souza (2004) aponta que a descentralização não implicou na transferência de
capacidades, apenas de responsabilidades, ela instalou um "sistema lubrificado por
recompensas e sanções" que restringe a autonomia fiscal e de gasto dos governos
locais. Tal constatação e também observada por Arretche (2004), que aponta a
existência de um problema fundamental no modelo brasileiro no que diz respeito a
coordenação e autonomia fiscal dos municípios.
Em termos gerais, a ideia e que, proporcionalmente, os governos subnacionais
são aqueles com maiores necessidades financeiras, mas os que menos arrecadam
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(FFEB, 2009). Ruggeri et al. (1993), discorrem que as diferenças entre o que os
diferentes níveis de governo gastam e arrecadam caracterizam o chamado
desequilíbrio vertical, cuja solução indicada pelo modelo são as transferências.
Assim, o papel das transferências no modelo fiscal-federativo e de grande
importância no que diz respeito ao reequilíbrio das contas dos entes federados.
Todavia, pontua-se que elas são previstas para auxiliar e ajustar as contas, e não como
fator preponderante para formação das receitas orçamentárias dos entes (REZENDE,
2007).
O ponto que se busca discutir nesse contexto diz respeito aos potenciais
desdobramentos que as transferências podem causar aos entes federados. Ao obter
dos demais entes federados os recursos necessários para o suprimento de suas
necessidades orçamentárias, os governos locais podem apresentar certo comodismo
no que diz respeito a aplicação de suas obrigações tributarias e com isso se implantar
um quadro de preguiça fiscal.
Segundo Afonso e Lobo (2009), num ambiente de descentralização fiscal, o
excessivo aporte de transferências pode implicar em situações contrárias a perspectiva
democrática e criar negligência quanto a arrecadação dos governos locais, tendo em
vista sua confortável dependência já que as contrapartidas exigidas para o recebimento
de tais recursos não passam do cumprimento da lei e prestação de informações
contábeis.
Outro aspecto que decorre desta situação e que, em função das transferências,
os entes federados ‐ que recebem significativa soma de tais recursos ‐ não dispõem de
incentivo ao desenvolvimento de suas capacidades tributárias, sobretudo pelo fato de
que tais esforços depreendem de custos administrativos (AFONSO et al, 1998), o que
faz com que sua estrutura tributária seja cada vez mais inerte, acentuando ainda mais
o quadro de dependência (MENDES, 2002).
Diante dessas questões, admite-se que o contexto de descentralização
associado ao elevado volume de transferências pode causar situações nas quais os
governos receptores das transferências se sintam mais dispostos a abrir mão de sua
autonomia de decisão quanto aos investimentos e serviços públicos a serem
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oferecidos, simplesmente pela comodidade de se auferir recursos financeiros
aplicando pouco ou nenhum esforço para isso.
E bem verdade que algumas dessas políticas desenvolvidas em outras esferas
de governo e assumidas pelos municípios geram potenciais orçamentários e
capacidades administrativas, como são os casos do FUNDEF e FUNDEB na educação
e das políticas voltadas a saúde. Todavia, o recebimento de tais recursos não gera
nenhum reflexo no aumento da capacidade de gestão fiscal, haja vista que esses
recursos possuem gasto vinculado e previamente definido.
2.3 AUTONOMIA, DESEQUILÍBRIO E EFETIVIDADE FISCAL
As características do federalismo fiscal brasileiro, observadas nas seções
anteriores, conferem a este particularidades duais no que diz respeito à sua prática. O
mesmo pacto federativo que define descentralização de governo, estabelece o modelo
de equalização com concentração orçamentária na União. A CF/1988 define uma lógica
compartilhada de competências compondo um quadro cooperativo inter e
intragovernamental, mas cria um ambiente concorrencial na busca por recursos
(OLIVEIRA, 2007).
Assim, o que se verifica é a construção de um federalismo que oferece
autonomia aos municípios, mas os torna dependentes dos recursos de transferência
para a composição orçamentária e desempenho de suas funções, desde as mais
simples até as mais complexas.
Considerando que a autonomia só pode ser exercida se houver condições
mínimas de atuação independente, verifica-se que as transferências oferecem um
papel ilusório no que diz respeito à gestão dos municípios. Nesse contexto, duas
perguntas são propostas à discussão: (1) Como se pode ser autônomo quando a maior
parte do orçamento dos municípios é condicionado? e (2) Como falar de equilíbrio das
contas públicas, quando, em média, mais de 70% do orçamento vem por meio de
transferências?
Esse cenário é discutido por Brito (2017), em sua tese de doutorado quando o
autor aponta aspectos relativos às questões de autonomia orçamentária, desequilíbrio
e efetividade fiscal. Dada a semelhança temática, neste trabalho serão tomadas por
base algumas ponderações e os indicadores criados pelo mesmo, quais sejam: o Índice
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de Autonomia Orçamentária (IAO), o qual mede a participação relativa das receitas
tributárias nas receitas orçamentárias dos municípios; o Índice de Desequilíbrio Fiscal
Efetivo (IDFE), que mensura o tamanho da brecha vertical desconsiderando o montante
de recursos oriundos das transferências; e o Coeficiente de Efetividade Fiscal dos
Municípios (CEFM), cuja função é demonstrar os níveis do quanto a autonomia é baixa
em função desequilíbrio e que, por isso, o desempenho fiscal dos municípios é
diminuto.
Em síntese, a análise das teorias observadas aponta para a ideia de que a
estrutura do federalismo fiscal brasileiro, com seus instrumentos e suas prerrogativas,
configura-se como um modelo que restringe as ações dos municípios e estabelece
para estes um arquétipo comportamental, solapando a autonomia e tornando-os
sujeitos passivos do sistema.
3 METODOLOGIA
Os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa assumem por
característica uma abordagem quantitativa. Adotou-se o levantamento como
estratégia de investigação por ela possibilitar uma descrição quantitativa ou numérica
de uma população, ao se estudar uma amostra (CRESWELL, 2010). Essa descrição
permite que sejam realizadas inferências sobre características e comportamentos
dessa população.
No caso deste estudo, foi realizado um levantamento de corte transversal, com
a coleta de dados de dois momentos distintos, os anos de 2012 e 2017. o Ano de 2012
é o último ano da análise apresentada por Brito (2017), o trabalho que definiu os
indicadores de autonomia, desequilíbrio e efetividade aqui utilizados. Já o ano de 2017
corresponde ao ano mais recente de consolidação de dados em fontes oficiais.
Os dados foram coletados na página "Contas Anuais" do Siconfi, utilizando-se
filtros apresentados na Figura 1, e posteriormente foram organizados por meio do
software MS Excel. É possível visualizá-los neste link: https://bit.ly/dadosmunRN-12-
17. Optou-se por essa coleta de dados em razão da ampla quantidade de informações
dos municípios disponibilizadas na plataforma, bem como pela sua acessibilidade.
Figura 1 – Protocolo de levantamento dos dados
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Filtro Critério selecionado
Exercício 2012; 2017
Escopo Municípios do Estado
Municípios do Estado Rio Grande do Norte
Tabela Receitas orçamentárias (anexo I - C); Despesas orçamentárias (anexo I - D)
Fonte: elaboração própria (2020).
A população do estudo é representada por todos os 167 municípios do Rio
Grande do Norte. A amostra investigada foi composta por todos aqueles que
disponibilizaram as informações no banco de dados para os dois anos selecionados.
Após a coleta e organização dos dados, apenas 144 compuseram a amostra. Esse
processo de coleta e organização dos dados foi realizado conforme o procedimento
ilustrado na Figura 2.
Figura 2 – Procedimento de coleta e organização dos dados
Fonte: elaboração própria (2020).
A análise dos dados foi conduzida por meio da adoção do método multivariado
de análise de cluster, com o apoio do software estatístico STATA (v.15). Esse modelo
de análise agrupa indivíduos com base em seus níveis de similaridade.
Acesso ao site do Siconfi
Filtragem e seleção dos dados
desejados
Organização dos dados
União das informações em
uma planilha única
Identificação dos municípios que
não apresentavam dados para os dois anos e sua retirada
Banco de dados composto por 144
municípios
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O método de agrupamento utilizado foi o Ward linkage que tem como
característica a forma hierárquica aglomerativa e que, por meio da análise da mínima
variância, constrói os grupos por meio da dispersão dos elementos com base no
cálculo da soma dos desvios ao quadrado a partir da média do grupo. Faz uso ainda do
cálculo da distância euclidiana, para observar o quanto cada um dos indivíduos dista
do valor médio da amostra, e da técnica de amplitude, que considera a extensão entre
as variáveis na definição dos clusters e que é útil em casos de existir variáveis com
escalas de medidas diferentes. A escolha do modelo ocorreu em função dele ser
robusto a presença de outliers e por isso controlar possíveis ruídos (JAIN; DUBES, 1988;
MINGOTI, 2005).
Após a estimação do modelo, definiu-se, com base nas características
observadas por meio dos outputs obtidos, definiu-se o total de 3 clusters para este
estudo. Após essa definição, aplicaram-se os testes de semelhança das médias (T2 de
Hotelling), de simetria da matriz de covariância, de simetria da matriz de correlação e
de normalidade (Doornik-Hansen). Por fim, aplicou-se a análise de variância
multivariada (MANOVA), que realiza uma análise simultânea das relações entre as
variáveis do modelo a fim de detectar capacidade preditiva das variáveis exógenas e o
nível de dissimilaridade das variáveis respondentes (RENCHER, 2003; HAIR et al, 2009).
Para viabilizar a análise comparativa entre os anos, estimou-se o modelo para
cada um dos anos. As variáveis estabelecidas como definidoras dos agrupamentos
foram: i) população; ii) PIB; iii) Receita orçamentária; iv) Receita tributária; v)
Transferências correntes; vi) FPM; vii) Gastos, que corresponde a soma entre a
componente Despesa Corrente e a componente Investimento; e viii) Coeficiente de
Efetividade Fiscal dos Municípios.
Por fim, ressalta-se que os dados utilizados que correspondem a valores
monetários estão em valores constantes de 2017. Tal correção foi realizada com base
na aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor – Amplo (IPCA).
4 QUADRO FISCAL DOS MUNICÍPIOS POTIGUARES
Conforme metodologia indicada, os municípios do Rio Grande do Norte que
compõem a amostra foram agrupados considerando as variáveis estabelecidas e os
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dois anos definidos para a análise. O modelo retornou como output a composição dos
três clusters. O cluster 1 apresenta os municípios com baixo dinamismo econômico e
elevada participação das transferências no orçamento e população média abaixo de 10
mil habitantes; o cluster 2 se caracteriza por ter uma média dessas variáveis superior
que a do cluster 1; já o cluster 3 tem resultados mais elevados que os demais, de modo
que, em termos de valores médios, tem-se que: Cluster 3 > Cluster 2 > Cluster 1.
A figura 3 apresenta o gráfico de dissimilaridade dos 3 agrupamentos. No eixo
das abscissas são dispostos os três clusters de municípios, já o eixo y define o nível de
dissimilaridade dos grupos.
Figura 3 – Dendograma representativo dos clusters
2012 2017
Fonte: dados da pesquisa (2020).
Os gráficos demonstram que entre os dois anos analisados não houve
mudanças significativas no tocante ao grau de dissimilaridade. A ligação entre os
clusters G1 e G2 permanece, inclusive com suas diferenças reduzidas, mas quase que
inalteradas. Contudo, as diferenças das características entre esses dois grupos e o G3
se acentuaram um pouco mais.
É importante salientar que dos 144 municípios da amostra, apenas 1 faz parte
do cluster 3. Apesar disso ser questionável, não se pode dizer que este se caracteriza
como outlier do modelo, tendo em vista que a sensibilidade da variação do CEFM é
pequena, o que torna importante a análise dos resultados de um agrupamento unitário.
Passando à análise geral dos resultados do modelo, se observa que o IAO ‒ um
dos indicadores que definem o CEFM ‒ apresentou uma redução dos valores mínimos
e máximos, muito embora sua média tenha permanecido praticamente inalterada. Isso
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indica que o nível de autonomia, nos termos utilizados neste trabalho, não sofreu
alterações entre os anos de 2012 e 2017.
No que diz respeito à análise do desequilíbrio, o IDFE médio também não
apresentou mudanças significativas e o CEFM também permanece inalterado. Disso se
infere que a situação fiscal dos municípios, em geral, não apresentou mudanças e o
quadro de dependência orçamentária das transferências continua semelhante ao do
início da década de 2010. Tais informações podem ser observadas na Tabela 1.
Tabela 1 – Informações estatísticas dos clusters
IAO IDFE CEFM
2012 2017 2012 2017 2012 2017
Média 0,0414 0,0410 0,9566 0,9534 0,0469 0,0462
Valor mínimo 0,0064 0,0016 0,5983 0,7135 0,0064 0,0016
Valor máximo 0,3748 0,2501 0,9934 0,9979 0,6265 0,3505
Desvio padrão 0,0482 0,0457 0,0508 0,0525 0,0689 0,0589
Fonte: dados da pesquisa (2020).
Diante dos aspectos gerais, resta observar quais as mudanças ocorreram nos
clusters no que diz respeito aos seus parâmetros definidores. Tal aspecto é importante,
pois os dados observados na Tabela 1 evidenciam mudanças entre os valores
máximos e mínimos dos indicadores, o que pode ter ocorrido em função de alterações
nas demais variáveis que caracterizam os clusters.
A Tabela 2 apresenta o resumo estatístico de cada um dos clusters para os
dois anos analisados. Os outputs demonstram que a quantidade de municípios que os
constituem é diferente em cada um dos momentos, passando de 115 para 124 no
cluster 1, e de 28 para 19 no cluster 2. Somente o cluster 3 não sofreu alterações e
permaneceu com apenas 1 componente.
Tabela 2 – Dados estatísticos dos clusters (2012 e 2017)
Ano: 2012 (N cluster 1 = 115, N cluster 2 = 28, N cluster 3 = 1)
Clus Parâmetro
s Pop PIB* Rec_Orc Rec_Trib Trf_Cor FPM Gastos CEFM
1
Média 7.398 83.454 1,92E+07 698.315 1,71E+07 9.360.754 1,84E+07 0,0359
Valor mín. 1.633 15.780 1,02E+07 77.814 9.644.106 7.189.686 7.264.341 0,0064
Valor máx. 20.511 472.272 4,13E+07 9.329.713 3,45E+07 2,45E+07 3,71E+07 0,6265
Desvio pad. 3.863 78.737 6.826.872 1.117.987 5.818.364 2.332.371 6.511.372 0,0644
2 Média 49.179 1.005.962 1,05E+08 1,06E+07 8,19E+07 2,66E+07 9,88E+07 0,0814
Valor mín. 12.462 101.532 4,10E+07 410.060 3,30E+07 1,14E+07 3,88E+07 0,0091
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Valor máx. 266.758 7.806.190 6,03E+08 9,32E+07 4,31E+08 9,23E+07 5,34E+08 0,1873
Desvio pad. 57.782 1.611.681 1,20E+08 1,97E+07 8,29E+07 1,98E+07 1,10E+08 0,0501
3 Média 817.590 2,26E+07 1,91E+09 4,93E+08 1,10E+09 2,97E+08 1,86E+09 0,3505
Ano: 2017 (N cluster 1 = 124, N cluster 2 = 19, N cluster 3 = 1)
Clus Parâmetro
s Pop PIB* Rec_Orc Rec_Trib Trf_Cor FPM Gastos CEFM
1
Média 8.610 1,02E+05 2,34E+07 8,43E+05 2,11E+07 9,99E+06 2,08E+07 0,0341
Valor mín. 1.731 15.769 1,18E+07 23.738 1,17E+07 7,54E+06 9,13E+06 0,0016
Valor máx. 24.220 422.975 5,50E+07 8,03E+06 4,42E+07 2,54E+07 4,68E+07 0,2826
Desvio pad. 4.979 87.444 9,68E+06 1,17E+06 8,26E+06 3,08E+06 8,91E+06 0,0437
2
Média 70.681 1,22E+06 1,42E+08 1,76E+07 1,10E+08 3,23E+07 1,22E+08 0,1096
Valor mín. 26.068 3,57E+05 5,98E+07 1,67E+06 5,16E+07 1,92E+07 5,34E+07 0,0263
Valor máx. 295.61
9 6,17E+06 5,69E+08 9,74E+07 4,19E+08 8,72E+07 4,85E+08 0,2500
Desvio pad. 75.308 1,59E+06 1,38E+08 2,70E+07 9,73E+07 2,04E+07 1,16E+08 0,0643
3 Média
885.180 2,35E+07 2,17E+09 5,42E+08 1,24E+09 2,94E+08 1,89E+09 0,3505
Fonte: dados da pesquisa (2020).
O destaque observado nos dados estatísticos dispostos na Tabela 2 é que no
cluster 1, com exceção do CEFM que apresentou uma leve queda, os valores de todas
as demais variáveis aumentaram. No cluster 2 todas as médias aumentaram, inclusive
do Coeficiente de Efetividade Fiscal, isso ocorre pelo fato de que a participação relativa
da receita tributária nos gastos ser maior em 2017 do que em 2012. Por fim, no cluster
3, a proporcionalidade das mudanças das médias das variáveis confirmou um CEFM
idêntico para os dois anos.
Observando o panorama da relação entre as despesas e a atividade econômica
dos municípios, de um modo geral verifica-se que o crescimento do PIB em termos
percentuais (4,78%) é superior à variação da despesa (2,81%), o que indica um cenário
positivo, no qual há uma tendência de elevação da arrecadação superior ao gasto.
Contudo, ao analisar tal aspecto em cada um dos agrupamentos, percebe-se que no
cluster 2 as despesas cresceram mais que o PIB, uma constatação que caminha no
contrassenso do esperado.
Por fim, para validação das análises a partir dos resultados dos clusters,
aplicou-se os testes indicados também na metodologia, de modo que todos os
resultados apresentaram-se estatisticamente adequados, evidenciando a qualidade do
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ajuste do modelo e referendando o número dos agrupamentos e seus componentes.
Os outputs dos testes estão apresentados nas Tabelas 3 e 4.
Tabela 3 – Testes de validação dos clusters
Test that all means are the same
Yers 2012 2017
Hotelling T2 2235,89 1495,04
Hotelling F(6,138) 359,62 240,46
Prob > F 0,00 0,00
Test that covariance matrix is diagonal
Yers 2012 2017
Adjusted LR chi2(21) 4182,86 4227,15
Prob > chi2 0,00 0,00
Test that correlation matrix is compound symmetric (all correlations equal)
Yers 2012 2017
Lawley chi2(20) 1911,15 1880,78
Prob > chi2 0,00 0,00
Test for multivariate normality
Yers 2012 2017
Doornik-Hansen chi2(14) 2607,05 1494,93
Prob>chi2 0,00 0,00
Fonte: dados da pesquisa (2020).
Tabela 4 – Manova
Number of obs. = 144
W = Wilks' lambda L = Lawley-Hotelling trace
P = Pillai's trace R = Roy's largest root
2012
Source Statistics df F(df1, df2) = F Prob>F
Clusters
W 0,0017 2 14 270 454,34 0,00 e
P 1,6226 14 272 83,53 0,00 a
L 225,6166 14 268 2159,47 0,00 a
R 223,9353 7 136 4350,74 0,00 u
Residual 141
Total 143
2017
Source Statistics df F(df1, df2) = F Prob>F
Clusters
W 0,0012 2 14 270 526,29 0,00 e
P 1,6701 14 272 98,37 0,00 a
L 261,9780 14 268 2507,5 0,00 a
R 259,9108 7 136 5049,7 0,00 u
Residual 141
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Total 143
e = exact, a = approximate, u = upper bound on F Fonte: dados da pesquisa (2020).
Assim, os resultados demonstram que a condição dos municípios potiguares
em termos de efetividade fiscal, autonomia orçamentária e desequilíbrio fiscal
encontra-se, em 2017, no mesmo nível de 2012. Os clusters cumpriram com o papel de
agrupar os municípios conforme similaridades entre eles, permitindo que a análise do
agrupamento seja a interpretação média dos municípios o compõem.
Verificou-se ainda que a situação apontada por Brito (2017), no que diz respeito
à trajetória de melhoria no cenário fiscal dos municípios e avanço destes no tocante à
autonomia orçamentária ficou defasado neste período, apresentando, inclusive, uma
pequena piora na média dessa variável. Ademais, indica-se que o CEFM só não
apresentou uma redução média mais significativa, pois houve também uma
estagnação no IDFE em função da mudança nos gastos e não da lógica arrecadatória.
Observando as teorias que balizam a análise deste trabalho e aproximando-as
dos resultados obtidos, percebe-se ‐ por meio da verificação dos dados do IAO ‐ que a
lógica da autonomia prevista no federalismo fiscal de fato esbarra na dependência de
recursos de transferência em função da existência de um grande desequilíbrio fiscal,
mensurado por meio do IDFE. A relação desses indicadores corrobora com o campo
teórico que exalta a problemática dessa relação imposta pelo pacto federativo.
Em síntese, o que se depreende é que o desempenho fiscal dos municípios,
mensurado por meio do CEFM, permanece inalterado na comparação realizada para os
anos indicados. Não se verifica no cenário observado nenhuma tendência de
mudanças nos resultados desse índice analítico, implicando na continuidade de uma
situação que oferece aos municípios uma “autonomia aparente”, sujeitando-se às
prerrogativas de um pacto federativo que prega a descentralização, mas que ao mesmo
tempo condiciona a capacidade de atuação particular dos governos subnacionais.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo se dedicou a verificar se houve mudanças no quadro fiscal dos
municípios potiguares no tocante à autonomia orçamentária, desequilíbrio fiscal e nível
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de efetividade. Os dados analisados mostraram que o cenário observado em 2017 não
difere daquele que vigeu em 2012. Os municípios apresentaram desempenho
arrecadatório, em termos relativos, semelhantes ao do ano inicial. Houve ainda
pequenas mudanças na componente de gasto mas que não configuraram alterações
do quadro de 2012.
O entendimento dos aspectos que exercem influência na gestão fiscal dos
municípios contribui com o campo de pesquisa ao demonstrar uma visão sobre o
comportamento fiscal desses entes, o que corrobora com a evolução da discussão
sobre os aspectos do próprio federalismo fiscal brasileiro, com todas as suas
características e nuances. Compreender de forma mais detalhada essa complexa
relação entre autonomia e desequilíbrio instrumentalizada no próprio pacto federativo
é um passo importante para o aprimoramento do modelo.
Foram limitações à realização da pesquisa a disponibilização de dados
consistentes mais recentes sobre os municípios. Ademais, ressalta-se que o modelo
utilizado é um modelo generalista, que não possibilita tratar dos aspectos de cada um
dos municípios de forma individualizada.
Novas investigações podem ser realizadas com foco na análise das
especificidades de cada município, a fim de se compreender quais características
fazem com que estes apresentem os níveis de desempenho fiscal identificados por
meio do CEFM, considerando, fundamentalmente a componente de arrecadação
tributária e sua composição de gastos. Além dessas, sugere-se a realização de
pesquisas de cunho qualitativo que permitam compreender em profundidade o
complexo quadro fiscal dos municípios, a partir das perspectivas dos indivíduos que o
vivenciam e do ambiente natural onde a problemática se desenvolve.
Por fim, entende-se que, dentro do escopo estabelecido, a pesquisa avança o
conhecimento sobre a estrutura fiscal dos municípios, principalmente daqueles que
compõem o estado do Rio Grande do Norte, o que ratifica a relevância teórica do
trabalho e fortalece sua contribuição para a sociedade, tendo em vista que fomenta e
enriquece o debate acerca da estrutura fiscal dos municípios brasileiros. Além disso,
acredita-se que os indicadores adotados nesta análise podem gerar implicações
práticas para os gestores municipais que, ao identificarem os níveis de autonomia,
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desequilíbrio e efetividade fiscal, podem estabelecer ações voltadas ao
aperfeiçoamento de seus desempenhos.
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