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Maio/2011 - edição 50 www.sesctv.org.br ARTES VISUAIS A DIVERSIDADE DE TEMAS E LINGUAGENS NA ARTE CONTEMPORÂNEA SALA DE CINEMA O HUMOR E OS CLICHÊS NA OBRA DE JOSÉ ROBERTO TORERO MÚSICA UM PANORAMA DO MOVIMENTO HIP HOP EM TRÊS ESPETÁCULOS

Revista SescTV - Maio de 2011

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O curador e professor Agnaldo Farias em entrevista sobre arte contemporânea. No artigo, o jornalista e documentarista Cacá Vicalvi fala escreve sobre artes visuais.

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Maio/2011 - edição 50www.sesctv.org.br

ARTES VISUAISA dIVERSIdAdE dE

TEMAS E lIngUAgEnS nA ARTE conTEMpoRânEA

SAlA dE cInEMAo hUMoR E oS clIchêS

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MoVIMEnTo hIp hop EM TRêS ESpETácUloS

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Hermeto PascoalEm junho, no Instrumental SESC Brasil

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EnTREVISTA - Agnaldo Farias 8

ARTIgo - Cacá Vicalvi 10

São infinitas as possibilidades de exploração das artes visuais contemporâneas. Artistas e criadores surpreendem o seu público diariamente mostrando que não há limites na produção artística, seja na escolha de temas, seja na exploração de técnicas. Aliás, se há uma característica comum a este momento democrático da arte é o uso dos mais diferentes suportes, rompendo com a ideia de que, para existir como tal, ela precisa estar acomodada a telas, exibida em museus ou galerias. Ao apreciar, sentir, explorar e refletir por meio de uma obra, o espectador também transforma o universo ao seu redor.

Nesse sentido, o audiovisual adota um papel duplo: por um lado, é ferramenta divulgadora das artes visuais contemporâneas, aproximando arte e artistas de seus espectadores. Por outro, funciona como suporte da própria arte, a exemplo da videoarte. O SescTV propõe esse debate com a série Artes Visuais, exibida todas as quartas feiras. Cada episódio apresenta o processo de criação artística sob o ponto de vista de seus próprios autores. Como numa visita guiada, eles abrem as portas de seus locais de trabalho e falam sobre seus métodos, técnicas, inspirações e motivações.

Outro destaque do SescTV é a programação musical, que neste mês focaliza o movimento hip hop, com três espetáculos: Racionais MC´s; Indie Hip Hop; e Mos Def, exibido em duas partes. O Sala de Cinema apresenta entrevista com o diretor e roteirista José Roberto Torero, que relembra sua trajetória e revela como se inspira para tratar, com humor, temas como o amor e a morte.

A Revista do SescTV deste mês traz entrevista com o professor e curador Agnaldo Farias, responsável pela curadoria da Bienal Internacional de Arte de São Paulo de 2010. O artigo do documentarista Cacá Vicalvi discute o papel da televisão na divulgação das artes visuais. Boa leitura!

Danilo Santos de MirandaDiretor Regional do Sesc SP

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Mar de dengo

“Quando eu era criança, queria ser astronauta”. A revelação é de Ernesto Neto, artista inquieto que en-controu na escultura uma ferramenta para comunicar--se com o mundo. “Vejo escultura em tudo. Para mim, tudo é escultura”, diz. O primeiro contato com essa arte foi aos 16 anos de idade. “Fiz um curso no Parque Laje. Quando olhei para minha primeira escultura, eu disse: é isso que eu quero fazer na vida”. No final da década de 1980, Ernesto Neto fez sua primeira expo-sição. Na época, ele seguia na contramão dos artistas de sua geração e buscava nos criadores dos anos 1970 referências para seu trabalho.

Ernesto Neto mantém contato estreito com a cultura popular. Circula pelo Saara (região de comércio popular no centro do Rio de Janeiro) e, não raras vezes, encontra ali matéria-prima e inspiração para novos projetos. Foi assim que ele descobriu as cordas coloridas que resultaram na montagem Dengo, uma imensa instalação de crochê que ocupou os mil metros quadrados da Grande Sala do MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, em 2010. “Gosto do crochê

porque é feito em células. Ele é todo espiral. Você sai de um ponto e vai andando sobre ele mesmo. É um tempo espiralado e tem, por trás, um pensamento me-tafísico, meio filosófico”, reflete o artista. “Talvez o tempo da nossa história seja muito mais esse do que em linha reta”, analisa. “Depois que a exposição ficou pronta, passei a chamá-la de Mar de Dengo”.

Ernesto Neto conta que gosta da sonoridade da palavra dengo. “Gosto do inusitado, é uma palavra cheia de esperança”. Ele se inspirou em algumas músicas que citam a palavra, entre as quais Disritmia, de Martinho da Vila: “Preciso transfundir teu sangue / Pro meu coração, que é tão vagabundo./ Me deixa te trazer num dengo / Pra num cafuné fazer os meus apelos”.

A trajetória de Ernesto Neto está em episódio inédito da série Artes Visuais, que o SescTV exibe neste mês. A programação apresenta ainda o trabalho de Antonio Saggese, no dia 04/05; e dois episódios sobre a instalação Festival de Jardins do MAM-SP, em que artistas foram convidados para ocupar a área externa do museu. Com curadoria de Felipe Chamovich, a ex-posição realizada em 2010 foi a primeira versão fora da França do Festival Jardins de Chaumont-sur-Loire. A série Artes Visuais tem direção de Cacá Vicalvi.

Quartas, 21h30.

Antonio SaggeseDia 04/05

Ernesto netoDia 11/05

Festival de Jardins MAM-Sp – parte 1Dia 18/05

Festival de Jardins MAM-Sp – parte 2Dia 25/05

ARTeS ViSuAiS

ERnESTo nETo pRopõE REFlExão METAFíSIcA E FIloSóFIcA SobRE A VIdA A pARTIR dE MonTAgEM coM cRochê

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Mar de dengo

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Pesquisar os movimentos presentes nos ritmos po-pulares brasileiros é a base do trabalho da Cia. Aérea de Dança. Fundada no Rio de Janeiro em 1985, no Circo Voador – espaço cultural carioca de grande efer-vescência na década de 1980 –, a companhia apresen-tava-se nos projetos sociais do Circo, mas seu trabalho logo tomou outras dimensões e, após quatro anos, o grupo inaugurou sede própria.

Em 1992, a companhia apresentou a primeira versão do espetáculo Mistura e Manda, reverencian-do o samba e seu encontro com a dança contem-porânea, a partir do elemento comum que ambas trazem: a improvisação. Quase uma década depois, o grupo revisita o espetáculo, com movimentos solo, duos e de dança de conjunto. “Essa é a terceira ou quarta versão do Mistura e Manda. Não é um roteiro fechado. Ele é o primeiro resultado dessa pesquisa, da busca do samba-dança. Vira e mexe, a gente retoma o projeto”, explica o diretor e coreógrafo João Carlos Ramos. É no samba das ruas que ele vai buscar inspi-ração para a coreografia, e a mescla com criações dos

Samba-dançaDAnçA ContemporâneA

próprios bailarinos. “Existem contribuições bem obje-tivas, mas uma das maiores é a maneira como cada um se movimenta em sua particularidade. Sinto que eu capto muito ao perceber quando alguém está numa onda mais dele; e é aí que ele me revela algo que não iria mostrar quando eu digo: faça assim, faça assado”, afirma Ramos.

Dessa forma, a Cia. cria um diálogo com o público, a partir do imaginário comum sobre o tema. “A questão central é a comunicação. Porque a gente lida com o samba, mas não está fazendo um show de samba. E samba é comunicação. A gente quer sentir que as pessoas, recebendo isso, estão, de alguma forma, dançando com a gente”, diz o coreógrafo. Mistura e Manda presta também uma homenagem a um músico que morreu em 2010: Paulo Moura, responsável pelos arranjos e pela interpretação das músicas do espetáculo, com versões de canções de Dorival Caymmi, Gabriel Moura, Pixinguinha e Tom Jobim, entre outros. O espetáculo inédito será exibido pelo SescTV no dia 25/05.

Ainda este mês, o canal apresenta outros quatro programas inéditos de Dança Contemporânea: Lugar Algum, da In Saio Cia. de Dança, dia 04/05; Escapada, da Cia. Mario Nascimento, dia 11/05; e Dysiquilibrio, de Duduche Rearman, dia 18/05. Direção de Antonio Carlos Rebesco “Pipoca”.

DAnçA ConTeMPoRâneA

Quartas, às 24h

lugar Algum – In Saio cia. de dançaDia 04/05

Escapada – cia. Mario nascimentoDia 11/05

dysiquilibrio – duduche RearmanDia 18/05

Mistura e Manda – cia. Aérea de dançaDia 25/05

cIA. AéREA dE dAnçA REVISITA ESpETácUlo MISTURA E MAndA, InSpIRAdo no RITMo E noS MoVIMEnToS do SAMbA

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sAlA De CinemA

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A desconstrução das crenças e o humor a partir dos clichês são características presentes no trabalho de José Roberto Torero. Escritor, roteirista e diretor de cinema, Torero constrói suas histórias com um tom crítico e irreverente, na abordagem de temas como o amor e a morte. Formado em Letras, Jornalismo e Cinema pela USP, ele começou a produzir ainda nos tempos da faculdade. Dirigiu o curta-metragem Amor! (1994), em que busca uma definição para esse sentimento, apresentando a história de vários casais não convencionais. “O filme mostra casais ‘tortos’ que se dão bem, enquanto um casal que teria tudo para um final feliz não dá certo. Gosto de inverter os clichês, acho muito divertido”, conta ele. O filme rendeu-lhe um convite da diretora Sandra Werneck para fazer o roteiro do longa-metragem Pequeno Di-cionário Amoroso (1997). Um de seus trabalhos mais recentes é o roteiro da série Somos1Só, uma realiza-ção do SescTV e da TV Cultura de São Paulo sobre socioambientalismo.

A morte, outro assunto recorrente em sua obra,

Clichês com irreverência

o dIREToR E RoTEIRISTA JoSé RobERTo ToRERo FAlA dE SUA TRAJETóRIA EM EpISódIo InédITo do SAlA dE cInEMA

é retratada nos curtas-metragens A inútil morte de S. Lira (1989), com Paulo Autran no elenco; e Morte (2002), em que Paulo José e Laura Cardoso são um casal que se prepara para morrer. “Aos 14 anos comecei a pensar na morte: tive uma fixação pelo assunto. Metade da população acredita em ressurrei-ção; a outra metade, em reencarnação. Então significa que uma metade está errada. Talvez as duas! Lá pelos 20 anos virei ateu de vez, e hoje acredito que a morte é o fim de tudo. E talvez eu tente vencer a morte com a ideia de escrever sobre ela”, pensa.

Entre os longas-metragens que roteirizou estão Memórias Póstumas (2001), de André Klotzel, numa adaptação da obra de Machado de Assis; Pelé Eterno (2004), de Aníbal Massaini Neto; e O Contador de Histórias (2009), de Luiz Villaça. “A diferença entre escrever um roteiro ou um livro é o cuidado com a imagem. Fica muito melhor quando se pensa primeiro na imagem e depois se escreve. Já ao escrever um livro, não existe essa relação, e se pensa no verbo: é mais puro, limpo e simples”, compara Torero. Ele avalia uma considerável melhora no mercado de roteiros para cinema no Brasil. “Hoje temos roteiristas bons, como o Bráulio Mantovani. Temos visto roteiros redondos, consistentes, com bons diálogos”, analisa.

Torero é entrevistado no programa Sala de Cinema, que o SescTV exibe no dia 05/05. Ainda este mês, epi-sódios inéditos com José Joffily, dia 12/05; Mariza Leão, dia 19/05; e Alain Fresnot, dia 26/05. Direção de Luiz R. Cabral.

SAlA De CineMA

José Roberto ToreroDia 05/05, às 22h

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Foi no contexto de luta inter-racial que o hip hop nasceu. Não por acaso, o movimento se firmou como um instrumento de resistência e de denúncia a pro-blemas sociais, em especial os resultantes de confli-tos entre brancos e negros norte-americanos. O hip hop tem origem em Nova Iorque, nos anos de 1970. O movimento é organizado a partir de quatro pilares: DJ (disk jockey); rap (rhythm and poetry – ritmo e poesia), break (dança); e grafite. Uma das explicações dadas para o nome do movimento é atribuída ao DJ Grandmaster Flash, que se referia ao som rítmico da marcha dos soldados do exército: “hip / hop / hip / hop”. Considerado um dos pioneiros do movimen-to, Flash foi o criador do scratch, ou seja, a prática de arranhar o vinil com a agulha do toca-discos, inverten-do a rotação do aparelho, obtendo assim o efeito de som característico do rap. Outros representantes do início do movimento foram o grupo Sugarhill Gang e o DJ Lovebug Starski.

O hip hop chega ao Brasil na década de 1980, a partir de São Paulo, onde grupos se reuniam na região

espeCiAl Hip Hop

Dança, ritmo e poesia

pRogRAMAção MUSIcAl REVEREncIA o MoVIMEnTo hIp hop coM ApRESEnTAçõES doS RAcIonAIS Mc´S E do noRTE-AMERIcAno MoS dEF

da rua Vinte e Quatro de Maio e da estação São Bento do metrô, no centro. Ali surgiu o principal grupo de rap do País: Racionais MC´s. Em 1999, o movimento adquire outro patamar com a realização do festival Dulôco (posteriormente renomeado Indie Hip Hop), evento que reunia representantes do hip hop do País e do exterior nos palcos do Sesc Itaquera e da unidade provisória do Sesc Belenzinho. Com dez edições, as últimas no Sesc Santo André, o evento foi um divisor de águas do movimento, dando-lhe visibilidade e pro-movendo encontros entre brasileiros e estrangeiros.

O SescTV apresenta, este mês, uma programação especial de hip hop com espetáculos gravados no Sesc Santo André. Entre as atrações, o rapper norte-ame-ricano Mos Def, que se apresentou no Brasil em 2009, com um repertório em que mescla as batidas do rap com outras referências musicais, como o rock, o punk e a música brasileira. Entre suas criações, Supermagic; Auditorium; Life in Marvelous Times; e Close Edge. O show é exibido em duas partes, nos dias 18/05 e 25/05.

Compõem a programação também o show dos Ra-cionais MC´s, no dia 04/05; e o especial Indie Hip Hop, gravado na edição de 2009, com apresentações do DJ Mista Sinista e do b-boy Ken Swift, dia 11/05.

Quartas, 22h

Racionais Mc´sDia 04/05

Indie hip hopDia 11/05

Mos def – parte 1Dia 18/05

Mos def – parte 2Dia 25/05

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A efervescência da arte contemporâneaentreVistA

o senhor tem uma trajetória versátil: já atuou como crítico de música; foi roadie de os novos Baianos e de Hermeto Pascoal; estudou Arquitetura. De que forma essas atividades dialogam em sua carreira? Não creio que seja de modo direto. Nessa minha trajetória de vida versátil, cheia de idas e vindas, fui travando contato com aspectos da cul-tura bastante diferentes: já trabalhei com cinema, com música, com literatura... e tudo isso me fez ficar atento a aspectos muito distintos, o que é positivo para uma curadoria – entendendo-a como ponto final de um pro-cesso que já começa numa visita ao ateliê, numa leitura visual, na compreensão total daquelas obras: que mun-do elas tocam, com que elas conversam, quais as dife-rentes referências dos artistas. Então, nesse sentido eu acho que fui muito ajudado, porque minha gama de re-ferências é bastante ampla. As experiências variadas são importantes para essa ocupação. E há também o fato de que sou professor. Em todos os campos que atravesso tenho uma inclinação natural de tentar compreender as coisas de um modo passível de ser traduzido. Há sempre dentro de mim uma vontade de interpretar, de tentar buscar um fio. Olhando de um modo seco, penso que o trabalho do curador é construir uma narrativa, é ter noção de espaço. E tenho me envolvido com o fato de que a arte contemporânea é multidisciplinar e transdis-ciplinar. Isso frequentemente tem se travado dentro de mim, com aspectos muito diferentes um do outro. E aí uma formação ampla também acaba ajudando.

AgnAldo FARIAS é professor e curador de artes plásticas. nascido em itajubá, Minas Gerais, Farias cresceu em São Paulo e formou-se em Arquitetura pela universi-dade de São Paulo. Dentre seus trabalhos mais recentes

está a curadoria da Bienal de Artes de São Paulo em 2010, realizada ao lado de Moacir dos Anjos. Com uma trajetória

versátil, Farias já foi crítico de música e roadie de grupos musicais como os novos Baianos.

em 2011, completa 30 anos como professor.

“TEMoS hoJE UM cEnáRIo FRESco E IRREqUIETo, dE qUE é MUITo dIFícIl conSEgUIR ExTRAIR conclUSõES. é

MARAVIlhoSo TER conTATo coM TA-MAnhA EFERVEScêncIA”

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“olhAndo dE UM Modo SEco, pEnSo qUE o TRAbAlho do cURAdoR é conSTRUIR UMA nARRATIVA, é TER noção dE ESpAço”

Qual sua motivação para cursar Arquitetura e como se deu a passagem para o trabalho com as artes? Eu queria traba-lhar com música. Pensava em ser engenheiro de som. Fui estudar Engenharia, mas me dei muito mal, por não ter nenhuma inclinação para as disciplinas exatas. Eu lia muito naquele período, foi o ano em que mais li na vida. E com isso, evidentemente tomei uma “bomba” no cur-so. Meio desesperado, sabendo o que eu não queria, um amigo me aconselhou a fazer Arquitetura, já que eu gostava muito de poesia. Foi um curso excelente, por-que também é muito aberto, variado, eclético, e dá uma formação bastante abrangente. Nesse período, fui parar em Filosofia, porque achava importante ter mais rigor e uma visão mais refinada, já que a Arquitetura às vezes é um pouco descuidada nesse sentido, acaba tendo essa deficiência por ser superficial. Na Filosofia acabei indo parar na Educação, dando aulas para o segundo grau. Depois, fui dar aulas de Humanidades no curso de Enge-nharia em São Carlos. Nesse curso, comecei a caminhar em direção à arte e resolvi oferecer um curso de História da Arte, como matéria optativa. Foi muito proveitoso. Em São Carlos, montei o curso de Arquitetura, do qual fui o primeiro coordenador e também o professor de História da Arte para as turmas de primeiro ano.

Quando e em que contexto realizou sua primeira curadoria? Eu costumava viajar para falar sobre o curso de Arquite-tura, e ficava impressionado com o baixo debate sobre artes. Esse trabalho aproximou-me de artistas. Certa oca-sião, fui convidado a escrever o catálogo de um deles. Um outro amigo, quando viu, me convidou a escrever numa revista de artes. Descobri que havia espaço e de-manda. Passei a ser convidado para mesas redondas, de-bates, até ser chamado a assumir a curadoria de exposi-ções temporárias do Museu de Arte Contemporânea, em 1990. Virei curador sem, praticamente, nunca ter feito nenhuma curadoria. Foi uma experiência incrível. Acabei ficando amigo do Ricardo Ohtake, que era diretor do Centro Cultural São Paulo e me convidou para trabalhar com ele. Ele se tornou Secretário do Estado da Cultura e me levou como assistente de artes plásticas. Em seguida, fui convidado a fazer a curadoria adjunta da Bienal de Artes de 1996, com Nelson Aguilar. De 1998 a 2000 fui curador do MAM, no Rio de Janeiro, e em 2001 fui convi-dado a ser curador do Instituto Tomie Ohtake.

Como avalia a realização da última Bienal de Artes de São Paulo, da qual foi curador, ao lado de Moacir dos Anjos? Acho que foi uma Bienal que deu certo. Minha avalia-ção é muito positiva. Trabalhar com o Moacir é um privi-légio. A diretoria da Bienal foi muito cooperativa e nos acolheu de uma maneira decisiva, muito aberta a suges-tões. Avalio que conseguimos realizar num tempo mui-to curto uma Bienal com novidades. Tivemos uma boa receptividade do público, em que pese parte da impren-sa, que está sempre apontando para o lado negativo.

Que diagnóstico o senhor faz sobre a arte contemporânea?Temos hoje um cenário fresco e irrequieto, de que é mui-to difícil conseguir extrair conclusões. É maravilhoso ter contato com tamanha efervescência. Não há preponde-rância de qualquer mídia hoje. Isso convoca a um ambien-te de muita abertura, generosidade e disponibilidade no campo não só da expressão, mas também dos suportes. Tudo isso é extraordinário, mas dá muito trabalho, e nos obriga a ficar atentos ao que está acontecendo. Não é simples. Como tudo é possível, a gente se pergunta, en-tão, como avaliar, como medir. É claro que o exercício da crítica é imediato, a queima-roupa, diferentemente do trabalho de um historiador. É fundamental avaliar o trabalho por aquilo que ele apresenta. Não adianta, por exemplo, medir um trabalho cobrando aquilo que ele não se propôs a oferecer. Mas é possível, sim, diagnosti-car sua coerência, consistência, seu domínio.

Como o senhor avalia a abordagem que a TV faz sobre as ar-tes plásticas? Existem várias TVs dentro da TV. A TV atual é essencialmente do entretenimento. Nos canais de TV por assinatura há mais caminhos dispostos a aprofun-dar-se nos assuntos. Mas o que predomina mesmo é a banalização. O jornalismo é muito mais factual, não é analítico, parte do princípio de que as pessoas não têm tempo. De modo geral, não tem respeito por seu pú-blico. A TV usa e abusa de seu poder de alcance. Penso que todos os meios poderiam fazer algo pelas artes. O problema não é a mídia, mas quem está por trás dela. Se a TV se interessa pelas artes, ela é capaz de fazer esse pa-pel. Há programas na TV de altíssimo nível. Existem tra-balhos de muita qualidade, mesmo no Brasil. Há espaço e há público, mas as TVs precisam fazer isso acontecer.

Além de atuar como curador, o senhor também se dedica à prática do ensino. Qual a importância de se focar em educa-ção de artes? Sou, acima de tudo, professor. Todo o resto é secundário. Mas é da visão que eu tenho de Educação. Para mim, o curador é um professor. Um compromisso ético e também estético. O que a gente faz é eminen-temente educativo, de aproximação, de pôr o maior número possível de pessoas em contato com produções de qualidade. Numa sociedade pautada pelas rotinas, a arte é crucial. É uma dádiva estar em contato com as pessoas, discutindo com elas. Isso alimenta, porque eu me coloco no lugar do outro.

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Artigo

Nada substitui a experiência do contato direto com a obra de arte. É desse embate que resulta o verdadei-ro sentido da obra. Mas o encontro entre o público, mesmo iniciado, e a arte contemporânea tem resulta-do em muitos desencontros.

Numa exposição de um dos mais significativos ar-tistas brasileiros ouviu-se, sem meias palavras e com assustadora convicção: “O que significa esse barban-tinho estendido nessa grande sala branca? Quem cedeu o espaço, pagou o curador, o montador, o ar-quiteto, o seguro desse barbantinho estendido nessa sala branca?”

De fato, a arte mudou. Houve mesmo uma ruptura. Criar não é mais preencher uma tela, dar forma à argila e ao aço, perseguindo o novo, o original. Mas entrar nesse supermercado de referências que circu-lam no nosso cotidiano, e de lá tirar significados e pensamentos a partir de formas já construídas.

Assim, o “barbantinho” seja talvez a mais singela das intervenções inscritas atualmente no mundo da arte. Há trabalhos que já ocuparam essa sala branca, realizados com lixo, graxa, cachaça, restos de tudo. Trabalhos pensados a partir da psicologia, filosofia, física quântica, astronomia, geologia, informática. A escolha da matéria-prima só tem uma função: dar conta de uma ideia que quer se realizar. E aqui, não se espante de novo se a pintura, a escultura, o desenho, a gravura estiverem presentes. Não acredite na morte de nenhum desses suportes.

Decifrar esse universo de infinitas possibilidades e procedimentos. Aprender com ele. É a partir desses parâmetros que me posiciono quando realizo uma produção de Artes Visuais para TV. Uma empreitada que tem o vídeo como ferramenta. E o vídeo na televi-são tem uma relação cruel com o tempo. A velocidade, o excesso de imagens, que se prestam a tantas outras funções e experiências, reduzem o espaço do pensa-mento, fragmentam o olhar. É quase um não-ver. E arte, como dizia Leonardo Da Vinci, é coisa mentale – precisa de tempo para ser vista, ser sentida, enten-dida, mostrada. Um tempo desigual, sem medidas: o tempo do artista, do curador e da própria obra. Como administrar essa equação e ajustar o tempo da TV ao tempo de uma série que não quer ser videoarte, mas discutir a produção de arte?

Procuro, a par das limitações e especificidades da linguagem da TV, respeitar o movimento do pensa-

AlquimiA DAs Artes VisuAis nA tV

mento, das reflexões, do fazer artístico, e ir mudando com ele; a cada artista, a cada obra. Tão importante quanto a realização, o processo de construção é parte fundamental para o entendimento da obra. Por isso, é sempre muito rico mostrar como as ideias vão ga-nhando forma, deformando-se, desenvolvendo-se e estabelecendo conexões com a produção do artista. E essa intimidade do processo criativo deixa transpa-rente, não raras vezes, que atrás de um emaranhado de significados habitam a simplicidade, a clareza. Não menos contundentes e críticas.

A visita aos ateliês subverte a geografia e dessa-craliza a obra de arte. Lá, ainda inacabados, muitos trabalhos repousam sob o chão sujo até de tinta. Convivendo com recortes de outras experiências que estão nascendo nesses espaços – antigos galpões in-dustriais, oficinas mecânicas.

Tendo o artista como um guia da própria obra, adoto o documentário como linguagem nessa aven-tura. O documentário que quer ver e ouvir, mas ir além da passividade do registro puro e simples. Sendo também um meio de expressão a partir dessa experi-ência pelo universo da cor, do ritmo, do movimento, do vazio, da delicadeza minimalista do barbantinho que recorta triângulos na grande sala branca, num desenho espacial que o expectador pode habitar.

Nada substitui o contato com a Obra, nem a leitura de um texto crítico, nem uma visita à História da Arte. Mas é possível criar, na televisão, ferramentas de conhecimento e de divulgação da arte e do artista brasileiro. E usando o vídeo – esse território feito de tantas linguagens do cinema ao rádio, da literatura à computação gráfica. E onde Arte Contemporânea é apenas mais uma.

O tempo sempre será o espaço a ser administra-do. A construção do roteiro e da edição continuam seguindo no rastro da arte contemporânea lidando com o que foi processado e pode virar vídeo. É desse mercado cultural que tiramos a nossa substância; é ele que rege a nossa estética, da trilha sonora às vi-nhetas. Dessa alquimia que nasce, de forma inacaba-da, cada programa.

Cacá Vicalvi é jornalista, documentarista, diretor e roteirista do programa Artes Visuais, exibido pelo SescTV.

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A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de

Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios.

Rua Cantagalo, 74, 13.º andar. Tel.: (11) 2227-6527

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Revisão: Maria Lucia Leão Supervisão Gráfica e Editorial: Hélcio Magalhães

Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini

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Redação: Adriana Reis Divulgação: Jô Santina e Jucimara Serra

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A VIdA dE RUTh RochA

A trajetória da escritora Ruth Rocha é contada em episódio inédito da série Autor por Autor, projeto realizado em parceria entre SescTV e TV Cultura. Passagens marcantes da vida da escritora são lembradas em entrevista e por meio de ficção. Graduada em Sociologia e Políti-ca pela Universidade de São Paulo, a escritora Ruth Rocha tem mais de 130 obras publicadas. Foi reconhecida com os mais importantes prêmios destinados à literatura infantil, como o da Fundação Nacio-nal do Livro Infantil, da Câmara Brasileira do Livro e da Academia Brasileira de Letras, além de cinco prêmios Jabuti. Dia 30/05, às 23h.

O SescTV exibe, neste mês, documentários sobre personalidades do teatro mundial. A trajetória do diretor e cenógrafo italiano Gianni Ratto é lembrada em Gianni Ratto – A Essência da Cena. Dia 03/05. Nascido em Mali, o griot, ator e diretor teatral Sotigui Kouyaté, mor-to em 2010, é tema do documentário Sotigui Kouyaté: um griot no Brasil. Dia 10/05. O brasileiro Antunes Filho, criador do método Prêt--à-Porter, é retratado em Antunes Filho – Mestre e Discípulos. Dia 17/05. O trabalho da francesa Ariane Mnouchkine está no documen-tário Ariane Mnouchkine e o Teatro Soleil. Dia 24/05. Um dos prin-cipais encenadores russos, Anatoli Vassiliev, está no documentário Vassiliev. Dia 31/05, às 20h.

Vanguardista e precursor do movimento Tropicália, José Agrippino de Paula está na programação deste mês do SescTV, com um ciclo de filmes dirigidos e produzidos por ele. Em Céu sobre Água (1972-1978), Agrippino reúne cenas de sua esposa Maria Esther Stockler nadando, grávida e nua, em uma paisagem na Bahia. Candomblé no Togo (1972) registra um povoado na África com costumes e origem tribais. Dia 14/05. Sinfonia Panamérica (1988) reúne três distintas imagens de vários fragmentos e nuances da saga e obra de Agrip-pino. Já em Maria Esther e as danças na África, o corpo é traduzido pelos movimentos da dança, numa clara interpretação de rituais mais primitivos. Dia 21/05. Em Hitler Terceiro Mundo (1968), Jô Soares e outros atores encenam em meio à multidão da metrópole paulista-na. Dia 28/05, às 23h. Curadoria de Lucila Meirelles.

A VAngUARdA dE AgRIppIno

Compreenderr o socioambientalismo pela ótica do trabalho, da es-piritualidade e da produção agrícola é a proposta dos episódios da série Somos1Só, que o SescTV exibe neste mês, com direção geral de Ana Dip. Em O Trabalho e o Português Gostoso, o debate sobre o pa-pel das empresas e do trabalhador na construção do equilíbrio socio-ambiental. Direção: Evaldo Mocarzel. Dia 06/05. Em A Espiritualidade e a Sinuca, Deus e o Diabo discutem frente a frente a espiritualidade do homem e as consequências para a natureza. Direção: Lírio Ferrei-ra. Dia 13/05. O agronegócio, a indústria e o comércio sob o olhar do desenvolvimento sustentável estão em A Produção e o Cocô de Minhoca, com direção de Dainara Toffoli.Dia 20/05, às 20h.

A RElAção do hoMEM coM o MEIo AMbIEnTERETRAToS do TEATRo MUndIAl

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Page 12: Revista SescTV - Maio de 2011

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A vida, a luta por direitos e a miscigenação dos índios Makuxi em Roraima.Direção de Marina Herrero e Ulysses Fernandes.

Estreia dia 21/05, às 20h

A vitória dos netos de Makunaimî

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