19
Fronteiras fluidas, religiosidades e os desafios contemporâneos Geórgia Pereira Lima Resumo: O foco deste artigo é apresentar a religiosidade na interamazônia latina, no contexto fronteiriço da tríplice fronteira: BrasilPeruBolívia, especificamente, a fronteira entre Brasil e Bolívia, onde os elementos complexos de religiosidades permitem analisar, nos silêncios e silenciamentos advindo a colonização europeia, as recriações do universo social, cultural, religioso e plural, daquele espaço de fronteiras binacional. Assim, a experiência de famílias brasileiras em território boliviano, a chamada comunidade “brasiviana”, particularmente, a partir das reflexões acerca da católica e protestante/evangélica. Na igreja, elementos culturais e religiosos em alémfronteiras, extrapola limites geopolíticos de países latino-amazônicos. De tal modo, a bíblia e harpas em espanhol, os cânticos como manifestação da fé, bem como, a devoção popular a “Virgem de Santa Rosa” e seus elementos de representações (CHARTIER, 1990) produzidos durante esse festejo popular, analisados através da interpretação das imagens como “mapa mentais” (KOZEL, 2007). Portanto, o universo religioso e das fronteiras fluidas apresentadas individual e socialmente permitem analisar que o continuo e descontinuo colonial fazem parte de sentidos de vidas através da fé, possibilitando uma (re)construções de fronteiras simbólicas e perceber os desafios e as complexidades do vivido nos contextos contemporâneos. Palavras chave: Brasivianos, Fronteira simbólica e Religiosidades. Professora e pesquisadora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas Área de História (UFAC). Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal de Pernambuco UFPE, 2002. Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo USP, 2014. Coordenadora do PIBID/UFAC e membro do Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores (CAPES); Coordenadora do Curso de História Bacharelado, professora dos cursos de História graduação em Bacharelado e Licenciatura e do curso de pós-graduação em Ciências da Religião. [email protected] Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ANPUH

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Fronteiras fluidas, religiosidades e os desafios contemporâneos

Geórgia Pereira Lima

Resumo: O foco deste artigo é apresentar a religiosidade na

interamazônia latina, no contexto fronteiriço da tríplice fronteira:

Brasil–Peru–Bolívia, especificamente, a fronteira entre Brasil e

Bolívia, onde os elementos complexos de religiosidades

permitem analisar, nos silêncios e silenciamentos advindo a

colonização europeia, as recriações do universo social, cultural,

religioso e plural, daquele espaço de fronteiras bi–nacional.

Assim, a experiência de famílias brasileiras em território

boliviano, a chamada comunidade “brasiviana”, particularmente,

a partir das reflexões acerca da fé católica e

protestante/evangélica. Na igreja, elementos culturais e

religiosos em além–fronteiras, extrapola limites geopolíticos de

países latino-amazônicos. De tal modo, a bíblia e harpas em

espanhol, os cânticos como manifestação da fé, bem como, a

devoção popular a “Virgem de Santa Rosa” e seus elementos de

representações (CHARTIER, 1990) produzidos durante esse

festejo popular, analisados através da interpretação das imagens

como “mapa mentais” (KOZEL, 2007). Portanto, o universo

religioso e das fronteiras fluidas apresentadas individual e

socialmente permitem analisar que o continuo e descontinuo

colonial fazem parte de sentidos de vidas através da fé,

possibilitando uma (re)construções de fronteiras simbólicas e

perceber os desafios e as complexidades do vivido nos contextos

contemporâneos.

Palavras chave: Brasivianos, Fronteira simbólica e

Religiosidades.

Professora e pesquisadora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas – Área de História (UFAC). Mestre em

História do Brasil pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, 2002. Doutora em História Social pela

Universidade de São Paulo – USP, 2014. Coordenadora do PIBID/UFAC e membro do Laboratório Interdisciplinar

de Formação de Educadores (CAPES); Coordenadora do Curso de História Bacharelado, professora dos cursos de

História graduação em Bacharelado e Licenciatura e do curso de pós-graduação em Ciências da Religião.

[email protected]

Revista Tempo

Amazônico

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

107

Abstract: The focus of this article is to present religiosity in the

Latin interamazonia, in the border context of the triple border:

Brazil – Peru – Bolivia, specifically, the border between Brazil

and Bolivia, where the complex elements of religiosity allow to

analyze, in the silences and silences resulting from colonization

European, the recreations of the social, cultural, religious and

plural universe, of that bi-national frontier space. Thus, the

experience of Brazilian families in Bolivian territory, the so-

called “Brasivian” community, particularly, based on reflections

on the Catholic and Protestant / evangelical faith. In the church,

cultural and religious elements across borders, go beyond the

geopolitical limits of Latin Amazon countries. In such a way, the

bible and harps in Spanish, the songs as a manifestation of the

faith, as well as the popular devotion to the “Virgin of Santa

Rosa” and its elements of representations (CHARTIER, 1990)

produced during this popular celebration, analyzed through the

interpretation of images as a “mind map” (KOZEL, 2007).

Therefore, the religious universe and the fluid borders presented

individually and socially allow us to analyze that the continuous

and discontinuous colonial are part of the meanings of lives

through faith, enabling a (re) construction of symbolic borders

and perceiving the challenges and complexities of what we have

lived in. contemporary contexts.

Keywords: Brasivianos, Symbolic frontier and Religiosities.

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

108

INTRODUÇÃO

A região acreana representa no arco norte das fronteiras brasileiras amazônicas um

significativo processo de exposição de uma tríplice fronteira Brasil–Bolívia e Peru que

representa um desafio contemporâneo a nível regional, nacional e internacional no contexto

latino americano seja como processo de integração para o desenvolvimento político–econômico

ou ainda nos aspectos socioculturais em razão da diversidade regional que envolve os espaços

interamericanos e amazônicos desses países. Expondo nesse contexto pensar as Amazônias e

seus múltiplos espaços. Se referindo ao espaço amazônico Almeida (2003, p. 71):

[..] além de ser produto das atividades humanas, tem múltiplas valorizações e

caracteriza-se por atributos funcionais, estruturais e afetivos. Esse espaço pode ser,

então, considerado como o lugar onde homens e mulheres, ideologicamente diferentes,

procuram impor suas representações, suas práticas e seus interesses. Cada espaço,

tornando se social, está possuído de símbolos e afetividades atribuídos pelas pessoas.

Nesses contextos, a religiosidade expõem um campo de análise acerca da

reorganização político social do pluralismo cultural, particularmente do território boliviano,

uma vez em que experiências envolvendo famílias brasileiras em seringais bolivianos

evidenciando a fé católica e protestante1. Entre outros mostrou que a igreja se constituiu em um

dos marcos, sobretudo, culturais e religiosos de além–fronteiras extrapolando os limites

geopolíticos de países latino-amazônicos.

Nesse sentido, o mundo religioso e das fronteiras simbólicas/fluidas apresentadas

pelas memórias constituídas individual e, ou, socialmente daqueles sujeitos que permitem

analisar as representações2 as perspectivas da interpretação de “falas” e “imagens” a partir dos

chamados “mapas mentais3”, entrevendo as temporalidades de conflitos, onde continuo e

descontinuo fazem parte de sentidos de vidas através da fé e permite entender como o

pluriculturalismo expõem a religiosidade boliviana.

1 Geórgia P. Lima, ao expor as experiência de famílias brasileiras em seringais bolivianos afirma que “A atividade

religiosa permite a recolocação continua dos processos de descontínuos da fronteira limite. [...]Desta forma, o

mundo religioso apresentado pelos “brasivianos” se compõe de histórias e linguagens do sujeito que ao narras

apresentam a diversidade dos sentidos de estar presente numa fronteira limite e, ao expor o protagonismo social

de vivências e relações, demonstra a dimensão simbólica que o espaço-lugar representa no viver entre-fronteiras

internacionais e amazônicas” In: “Brasivianos”: Culturas, Fronteiras e Identidades. Tese. Pós-graduação em

História Social da Universidade de São Paulo (USP), p. 110, 2014. 2 [...] a representação é instrumento de um conhecimento mediato (cic) que faz ver um objecto ausente através da

sua substituição por uma «imagem» capaz de o reconstituir em memória e de o figurar tal como ele é. (CHARTIER,

1990, p.20) 3 1 Interpretação quanto à forma de representação dos elementos na imagem; 2. Interpretação quanto à distribuição

dos elementos na imagem; 3. Interpretação quanto à especificidade dos ícones: a) Representação dos elementos

da paisagem natural, b) Representação dos elementos da paisagem construída, c) Representação dos elementos

móveis, d) Representação dos elementos humanos; 4. Apresentação de outros aspectos ou particularidades.

(KOZEL, p133)

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

109

Portanto, ao pensar as fronteiras simbólicas das religiosidades que expõe os desafios

para entender e (re) interpretá-las em razão das complexidades do vivido e das perspectivas dos

sujeitos nos contextos contemporâneos da América Latina, particularmente, o estado boliviano.

FRONTEIRAS SIMBÓLICAS DE RELIGIOSIDADES LATINAS

A fronteira amazônica entre Brasil - Bolívia no contexto das experiências dos

brasivianos se evidencia os interstícios dos rios Abunã e Acre, se convertem em espaços de

representações contraditórias onde as fronteiras políticas entre os Estados Nacionais estão

consolidadas a partir de elementos culturais significativos que sinalizam a constituição de uma

fronteira simbólica4.

Nesse sentido, é importante destacar mudanças políticas a partir do final do século XX

e início do XXI com a republica boliviana sob as presidências de Victor Hugo Cárdenas, vice-

presidente de 1993 a 1997; Juan Evo Morales Ayma, 2006/2019 representantes dos chamados

pueblos originários. Contudo, vale ressaltar que a questão da representatividade política das

comunidades indígenas de todo pais, mostrando que haviam valores culturais divergências

internas entre o Altiplano e as “terras baixas”, expõem as chamadas “minorias étnicas”.

Esse aspecto é importante para expor as fronteiras simbólicas das religiosidades a

partir de um mosaico sociocultural acerca da diversidade étnica e pluricultural que se

constituíram em aspectos reconhecidos pela constituição boliviana indicando um país

multiétnico e pluricultural a partir de 2009.

Assim, como em território brasileiro, a Bolívia também apresenta diferentes grupos

étnicos indígenas que historicamente5 interagiram com os outros grupos étnicos europeus,

asiáticos e africanos. Esses grupos representam diferentes formas de pensar os valores sociais

e culturais, particularmente, religiosos e as religiosidades. Sob a perspectiva da secularização

da religião constituída pelo Estado para a Nação. Ao comparar as constituições bolivianas de

1967 e 2009, assevera RIBEIRO (2014. P. 113/14):

A questão religiosa na Constituição boliviana de 1967 era bastante problemática, sendo

que o Estado boliviano se declarava católico apostólico romano no artigo 3º. Em um

4 Estamos compreendendo fronteira simbólica como sendo espaços constituídos a partir da lógica de pensar a

experiência cultural dos sujeitos e nesse sentido é uma fronteira imprecisa e indefinida antagônica a constituição

do território de soberania nacional, por ser permeável, elástica, flexível, fluída, líquida, como pensa Zygmunt

BAUMAN, na obra Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 7. 5 Segundo Charupá, expondo o contexto histórico boliviano afirma que “La llegada de las tradiciones religiosas y

culturales españolas supuso un cambio radical en la concepción de vida de los antiguos pobladores del oriente

boliviano, tanto por la radical novedad de contenidos como por la imposición forzosa y la conquista sociopolítica

de los espacios indígenas (Tomichá Charupá, 2005, p. 05).

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

110

país pluricultural, a religiosidade varia muito, e mesmo com a ampla catequização

imposta no período colonial pelos espanhóis, houve um processo de aculturação

enorme, com a adequação e adaptação de elementos litúrgicos. Assim, a pretensão de

um cristianismo uníssono é incoerente com a variedade de costumes religiosos, quanto

mais um catolicismo captado pelo Estado. Ao institucionalizar uma religião o Estado

exerce um constrangimento velado, pois põem à sua margem as demais religiões

professadas na sociedade, como se fossem ilegítimas ou menos legítimas. Assim, a

liberdade de culto concedida no artigo 3º da Constituição de 1967 era limitada. A

Constituição de 2009, por outro lado, declara em seu artigo 4º o Estado independente

de religião, o que amplia o campo de manifestação de outras religiões, sem o

constrangimento de estar desconforme com a religião oficial do Estado, fazendo com

que as diversas celebrações de cultos, credos e seitas, além de permitidas, sejam

também legítimas.

Nesse sentido, respeitadas as diversidades étnicas e pluriculturais das fronteiras

religiosas6 que expressão os grupos sociais, no caso da Bolívia os Aymará, os Quéchua e os

Guaranis e, ainda. um expressivo contingente de “minorias étnicas” entre outros: Chiquitano,

os Chiriguano e os Ayoreo para entender as interações religiosas nesse espaço, não como uma

simplificação representada pela superioridade do colonizador sobre o colonizado, mas perceber

a tênue fronteira simbólica entre o preconceito e (in)tolerância religiosa como enfrentamentos

num estado plurinacional7.

Assim, as culturas nativas da Bolívia podem ser agrupadas em três regiões geográficas

habitadas pelos respectivos povos nativos: a) habitantes localizados ao oeste, o altiplano e nas

montanhas da Cordilheira dos Andes; b) habitantes, leste e nordeste, na Amazônia boliviana e,

c) habitantes sudeste do país, na região seca do Chaco. Essa distribuição geoespacial de

localidades possibilita entrever aspectos contínuos e descontínuos do domínio colonial na

Amazônia latina.

O processo colonizador no campo das religiosidades impôs crenças e rituais do mundo

católico desconhecidas dos povos originários, em razão do processo de cristianização

realizadas pelos jesuítas tanto no Brasil quanto na Bolívia. Somado a esse cenário as imigrações

6 Roberto Balza expõem: “En efecto, la presencia de los jesuitas en lo que hoy es el departamento de Santa Cruz

– en Bolivia, representó para las diferentes parcialidades chiquitas y otros pueblos indígenas vecinos, la

oportunidad de sobrevivir al régimen colonial, que dominado por españoles y portugueses, condenaba el destino

de los indígenas del lugar al exterminio físico o a la esclavitud. Alarcón, (2008, p. 271) 7 Vívian Lara Cáceres Dan, ao refletir sobre o plurinacional do estado boliviano: “A constituição política da Bolívia

elaborada por uma assembleia constituinte foi aprovada por referendu em 2009, a qual teve a participação de

diferentes setores sociais e políticos desse país incluindo representantes de dezesseis nacionalidades indígenas, ou

seja, participação popular e indígena ampla. Houve ainda, o reconhecimento dos primeiros direitos políticos de

terras e territórios e sua livre-determinação de acordo com os preceitos internacionais dos direitos humanos. O

atual governo na Bolívia, tendo como objetivo a descolonização tem implantado uma série de reformas estruturais

a partir do próprio estado tendo como elemento central dessa nova política a definição da Bolívia como um estado

plurinacional. O preâmbulo da constituição enfatiza que esse novo estado seria uma unidade social de direito

plurinacional comunitário e intercultural para fazer avançar uma Bolívia democrática (Constituição política da

Bolívia, 2009, p. 3)” Civitas, Rev. Ciênc. Soc. vol.15 no.3 Porto Alegre jul./Sept. 2015.

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

111

forçadas de grupos europeus, africanos e de asiáticos expõem diversos contextos e

temporalidades históricos dos contatos, as interações e as rupturas8 de religiosidades latinas.

A conjuntura geocultural boliviana do altiplano e das “terras baixas” constituem uma

história com significados colonial e decolonial9 destacando o Art. 4º da constituição boliviana

de 2009, em razão da visão ideológica e cultural dos representantes dos “Andes e que remetem

ao passado incaico, estruturados sob a forma de ayllus [...] legítimas comunidades indígenas na

Bolívia, [...] e outros grupos seriam categorizados como comunidades campesinas

agrupadas10”.

Considerando os aspectos históricos que envolvem a expressão religiosa boliviana,

afirma Tomichá Charupa (2005, p 05):

La llegada de las tradiciones religiosas y culturales españolas supuso un cambio radical

en la concepción de vida de los antiguos pobladores del oriente boliviano, tanto por la

radical novedad de contenidos como por la imposición forzosa y la conquista

sociopolítica de los espacios indígenas.

Considerar o art. 4º da Constituição boliviana: “O Estado respeita e garante a liberdade

de religião e de crenças espirituais, em concordância com sua visão de mundo. O Estado é

independente da religião”, isso reflete no mosaico que o censo de 2001 (Instituto Nacional de

Estatística da Bolívia) mostrou: a) 78% da população boliviana seguia o catolicismo romano;

b) 19% o protestantismo, c) 3% são representantes de diferentes crenças cristãs e, d) Cerca de

3% da população do país se identifica como agnóstico ou ateu.

Nesse sentido, é importante expor a diversidade sociocultural, principalmente da

Amazônia boliviana e atentar para a região de Pando-BO, uma vez que esta compõem o cenário

das fronteiras interamazônicas envolvendo Acre-Brasil e Cobija-Pando/BO. A Tabela 1 a

seguir, expõem a complexidade e impactos da colonização desse espaço e nos recoloca a

questão das religiosidades.

8 A exemplo do que afirma a antropóloga Stearman acerca de Camba y Colla: “Los bolivianos de las tierras bajas

rechazarán en lo posible cualquier influencia andina sustantiva en la formación de su cultura y tradición. La

filosofía separatista de los cambas comenzó y se cultivó durante los tempos coloniales y continúa hasta el día de

hoy“ (Stearman, 1987, p. 41). 9 Vívian Lara Cáceres Dan, ao refletir sobre o plurinacional do estado boliviano: “Partindo de um movimento

denominado “descolonização” e “neoconstitucionalismo latino-americano” [...] uma reflexão sobre os avanços,

limites e possibilidades do estado boliviano rumo ao estado plurinacional desde que foi implantado em 2009. [...]

perspectiva da descolonização e restituição de direitos indígenas. Civitas, Rev. Ciênc. Soc. vol.15 no.3 Porto

Alegre jul./Sept. 2015. 10 SILVA, Giovani José da. A Bolívia, a Chiquitania e as populações indígenas em um mosaico étnico e

cultural. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, vol.6, No 2/ 2012

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

112

Tabela 1: Amazônia boliviana: território e territorialidades culturais

Denominação População Principais

regiões habitada Língua Obs.

Afro-

bolivianos Cerca de 20 mil

Floresta tropical

de Yungas, ao

norte de La Paz

Espanh

ol ou

Aimará

Propriamente não são

considerados um povo

nativo, mas

descendentes de

escravos africanos que

perderam os vínculos

com suas tradições

africanas há séculos

Ayoreos

Inferior a 1.800

Região dos

Chiquitos no

Departamento de

Santa Cruz de la

Sierra

Língua

Ayoreo

-

Baures

Estima-se que

sua população,

na época das

missões

jesuíticas, era de

mais de 16 mil

indivíduos,

entretanto, sua

população atual é

inferior a mil

Proximidades do

Rio Iténez, -

Departamento de

Beni

Língua

Arauqu

e

-

Cavineños Cerca de 1.700

Departamentos de

Beni e de Pando,

nas proximidades

dos rios Madre de

Dios e Manuripi

Língua

Tacana

Agricultura de

subsistência, pecuária e

coleta

Chiquitos

Superior a 180

mil

3º maior povo

nativo.

Região de

chiquitos no

Departamento de

Santa Cruz

Língua

Chiquit

ana

Agrupados pelos

jesuítas em diversas

reduções que

atualmente tem sua

importância histórica

reconhecida pela

Unesco

Esse-ejjas Inferior a 500

Proximidades do

Rio Madre de

Dios, no

Departamento de

Pando

Língua

Tacana

Caça, pesca e coleta de

ovos de tartaruga, mel e

frutas

Machineris Menos de 200

Cidade de San

Miguel no

Departamento de

Pando

Língua

Arauqu

e

Nahuas Pequena Proximidades do

Rio Manuripi-

Língua

Nahua

Caça e coleta

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

113

Departamento de

Pando

Pacahuaras Inferior a 30

Aldeias de

"Tujuré" e "Santa

Ana" nas

proximidades de

Riberalta, na

fronteira entre os

departamentos

de Beni e de

Pando.

Língua

Pano

Coleta de castanhas do

Pará [...] - Estima-se

foram numerosos, mas

resistiram ferozmente

às tentativas de

evangelização e sua

população foi dizimada

pelos espanhóis que os

escravizaram para

trabalhar em fazendas

produzindo borracha.

Yaminahuas Inferior a 150

Província de

Nicolás Suárez -

Departamento de

Pando

Língua

Pano

Caça, pesca e coleta

Fonte: Quadro constituída das informações https://pt.wikipedia.org/wiki/Povos_nativos_da_Bolivia

O quadro (1) Amazônia boliviana: território e territorialidades culturais criado a partir

das 30 comunidades indígenas da Amazônia boliviana aqui o destaque aos grupos Cavineños,

Esse-ejjas, Machineris, Nahuas, Pacahuaras, Yaminahuas que contextualizam a região pandina

sob a perspectiva da análise das fronteiras das religiosidades nas interamazonias.

Contudo, esse mesmo quadro possibilita entrever na Amazônia boliviana a presença

de diversos grupos indígenas e, somados a esses tem-se os descendentes africanos e europeus,

de acordo com o censo de 2001, entre os elementos culturais predominante no campo da

religião, a expressão cristã europeia, se apresenta como principais impactos da colonização

latina americana.

Nesse contexto, o departamento de Pando-Bolívia região limítrofe do Estado do Acre

é, também representante das comunidades campesinas agrupadas, traz à tona as implicações

sócio históricas do duplo cenário boliviano da diversidade cultural e social que refletiram nos

conflitos político-ideológicos entre o altiplano e a zona tropical boliviana (LIMA, 2014, p. 122)

internos e além-fronteiras amazônica. No mapa da Bolívia a seguir (Figura 1), é possível

localizar e identificar os espaços socioculturais:

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

114

Figura 1: Diversidade cultural. Fonte: mapa

http://boliviabalcanica.blogspot.com/2012/11/boliviauna-fragmentacion-politica.html

Assim, torna-se importante destacar os interstícios dos seringais e colocações às

margens dos rios abunã e acre e ainda, as comunidades circunscritas na região fronteiriça do

Departamento de Pando-BO, como espaços interamericanos de fronteiras amazônicas onde as

experiências sociais dos chamados brasivianos, famílias de trabalhadores brasileiros que

ocuparam o território boliviano em condições de clandestinidade. Abaixo, o mapa da tríplice

fronteira Brasil, Bolívia e Peru (Figura 2), representação do espaço latino amazônico

compartilhado.

Figura 2: Acre – Brasil e Pando – Bolívia. Fonte: mapa

https://www.google.com/search?q=Acre%2FPando&tbm

Portanto, os “brasivianos” homens e mulheres constituíam famílias brasileiras que no

interior da floresta amazônica boliviana são protagonistas de histórias e evidenciam elementos

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

115

culturais complexos, entre outros, de religiosidades e permitem analisar as recriações do

universo social, cultural, religioso e plural, naquele espaço fronteiriço binacional através da fé

católica e protestante.

AS REPRESENTAÇÕES DE RELIGIOSIDADES NA INTERAMAZÔNIA LATINA

Entender o universo religioso das fronteiras fluidas apresentadas pelos sujeitos,

permite analisar as temporalidades de conflitos, onde continuo e descontinuo ganham sentido

nas experiências de famílias brasileiras legalizadas ou não, no interior pandino-BO. Uma vez

em que o sincretismo religioso do catolicismo romano e, ou, o complementos de visões de

mundo e tradições antigas presentes no espaço interamericano.

Importante destacar que homens e mulheres de nacionalidade brasileira vivenciavam

uma experiência clandestina ou não na zona fronteiriça de Pando-BO, em áreas rurais das

províncias de Santa Rosa do Abunã (Abunã) Bella Flor, Frederico Gusman e, ainda, nos espaços

urbanos da cidade de Cobija e, nos pequenos vilarejos de Maparo, Evo Moralles e em

comunidade, entre outras, de São Luiz na região de Porvenir.

Vale ressaltar que as cidades de Povenir e Santa Rosa del Abuná por constituírem

espaços compartilhados entre nacionais brasileiros/as e bolivianos/as nos limites fronteiriços

dos rios Acre e Abunã, foram tomadas como chão habitado e do vivido onde as representações

de religiosidades expõem as interamazônias latinas do domínio da fé cristã em detrimento dos

silêncios culturais indígenas ora pela negação, ora ausência de elementos religiosidades nas

chamadas igrejas cristãs.

Porvenir é capital do Município de mesmo nome, pertencente a Província de Nicolás

Suárez - Departamento de Pando faz parte do contexto fronteiriço do rio Acre. Segundo censo

de 2012 sua população era de 4.267 habitantes (Instituto Nacional de Estadística de Bolivia -

INE). Nesse período, ocorreu os ajustes da reorientação dos espaços ocupados por famílias de

brasileiros em território boliviano pela Organização Internacional para as Migrações – OIM e,

algumas famílias de brasileiros foram repatriadas para a zona rural do estado do Acre.

Nesta região de Povenir–BO11, mais precisamente na comunidade de São Luiz vilarejo

a cerca de 70 km da fronteira, residiam famílias brasileiras e bolivianas (chamadas

11A imprensa brasileira e boliviana, veiculou através dos meios de comunicação e mídia o “Massacre de Porvenir”

2008. Carta Maior, sob a manchete: Governador boliviano acusado de chacinar 30 camponeses” escreveu: O

massacre camponês mais mortífero da história da Bolívia desde a democratização de 1980 foi obra de pistoleiros

a soldo do governo do departamento de Pando, no extremo norte do país. A emboscada na localidade de Três

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

116

camponeses). Embora sendo uma representação de um espaço multicultural, constituído por

comunidades indígenas e não indígenas, a religião cristão, sobretudo a protestante sobressaí

nessa localidade, e a Igreja Evangélica Assembleia de Deus se apresenta como um espaço social

de interação evidenciado em narrativas de famílias brasileiras.

Nesse contexto, a convivência entre “irmãos da igreja” sob a exortação da oração e da

fé, tem no texto bíblico as similaridades da cultura cristã professada no Brasil na representação

do mesmo “Senhor e Deus”. O culto consagrava uma unidade entre homens e mulheres de

nacionalidades distintas, embora a linguagem interpretativa dos textos lidos na igreja se reveste

em roupagem cultural do idioma espanhol revestindo os textos do evangelhos e os sermões

como fronteiras simbólicas de mediadores culturais.

Importa pensar enquanto os textos bíblicos estabelecem uma unidade pela ideia de que

os sujeitos são “irmãos/as em Cristo” as culturais plurais ali presentes, a harpa de cânticos

religiosos para além do domínio da palavra escrita constituiu em elemento da prática da fala e

o domínio da linguagem representada por Deus como composto da própria fé.

Neste sentido, os cânticos religiosos no contexto dos brasivianos representaram outro

conjunto de elementos que possibilitam entrever a interação sociocultural neste ambiente

fronteiriço, porque denotam marcar uma cumplicidade explicativa do modo como o

intercambio os cânticos parecem ter solucionado o hiato entre escrita e fala em espanhol. Entre

Barracas, município de Porvenir, deixou um saldo que já chega a 30 mortos e dezenas de feridos. Na noite de

sábado (13) o governo do presidente Evo Morales considerava que o governador de Pando, Leopoldo Fernández

colocou-se ''à margem da lei''. (www.cartamaior.com.br /14/09/2008 - https://www1.abi.bo/abi). Sob outra ótica

Noticias Bol noticiou “Bolívia pede a Brasil que detenha cidadãos armados” (notícias.bol.uol.com.br) Fernández

anunciou que pediu hoje a representantes das Nações Unidas, da Defensoria pública e da Igreja que tentem uma

mediação para que chegue a Cobija uma comissão de investigação, além de imprensa nacional e internacional.

(https://notícias.bol.uol.com.br/internacional/2008/09/14). O mesmo episódio noticiado Canal Rural, “Bolívia

indica Brasil como mediador em busca de trégua no país”, é descrito: “Foi próximo a Cobija que morreram 30

pessoas em confrontos entre opositores e defensores de Morales, na quinta-feira. Ontem, o governo federal

boliviano anunciou que foram encontrados 30 corpos nos rios da região de Porvenir. O ministro de governo Alfredo

Rada anunciou ordem de prisão para o prefeito de Cobija, Leopoldo Fernández, por “desacato”. Fontes

governamentais confirmaram ao Diário Catarinense que a detenção se dá porque o prefeito se recusou a obedecer

ao estado de sítio. Fernández tem sido qualificado por Rada como “genocida”, e sobre ele pesam as suspeitas de

ter usado pistoleiros brasileiros nos combates contra militantes do MAS, partido do presidente.” (15/09/2008 às

07h19 - DIÁRIO CATARINENSE - www.canalrural.com.br). Notícias Uol, expõem: Aumenta o número de

mortos na crise boliviana - 15/09/2008 (notícias.uol.com.br › midiaglobal) A violência assinala uma tensão

persistente quanto à tentativa de Morales de redistribuir os royalties do petróleo e reformular a Constituição para

acelerar a reforma agrária e criar um sistema legal separado para a maioria indígena da Bolívia. A crise que se

desenvolve reflete uma Bolívia polarizada com imensas diferenças de esperanças e interesses. Os esforços de

Morales para conferir direitos civis aos indígenas Aymaras e Quéchuas, há muito tempo negligenciados, que

povoam o altiplano[...](https://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2008/09/15). Informe 2012 - anistia

internacional o estado dos direitos (anistia.org.br) Apesar de atrasos, prosseguiram os processos judiciais

relacionados ao massacre de 2008, em Pando, no qual 19 pessoas, a maioria campesinos, foram mortas e 53 ficaram

feridas. (https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2013/07/Informe-anual-2012)

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

117

os cânticos o de nº 33 - “Grande gozo em minha alma”, demonstra que os sentidos bíblicos por

serem auto–explicativos extrapolam a leitura e a escrita para evidenciar a dimensão prática

modo particular como a religiosidade assume caráter integrador.

Assim, a presença da Igreja Evangélica Assembleia Deus silencia a experiência do

xamã da cultura indígena, enquanto induz ao indivíduo brasileiro o sentido de pertencimento à

comunidade boliviana de São Luiz. Índios e não índios, convertidos pelo ato do batismo

“aceitar Jesus” denota continuidades de padrões ideológicos do colonizador e implica na

condição de sujeito naquela sociedade.

Estamos diante de um campo estritamente religioso “sentir na presença de Deus”,

preservando uma continuidade de ações sociais já cristalizadas, tanto no Brasil quanto na

Bolívia que mesmo identificando o outro “indígena” é pensado pelo não índio como destituído

de caracteres de valores culturais, pronto para absorver os ensinamentos morais de “Jesus

Cristo”, através da igreja.

Porquanto, sob o influxo da fé Protestante/Evangélica nacionais brasileiros e

bolivianos índios e não índios, não se apresentam divergentes, mas, o conecta sem aflitíssimo

o enredo de saber se “estar na presença de Deus” se manifesta sob substratos culturais que

aceitos desde o processo de colonização não ignora o silencio cultural que continua

promovendo na sociedade contemporânea.

Antes de continuar é importante visibilizar as mudanças na orientação da Igreja

Católica a partir de 1960 uma vez que a próxima área fronteiriça Santa Rosa do Abunã se

constituirá na análise da expressão da fé católica nessa região de fronteira. Bem como, entender

as implicações da visão católica sobre diversos processos históricos da instituição convergiram,

principalmente a partir da década de 1970, desvinculando e vinculando aspectos políticos e,

entre esses, as questões envolvendo compreensões das comunidades indígenas e demandaram

aceitação das culturas e o modo de vida.

No Brasil, tem-se a criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) em 1972,

articulou atitudes quanto ao trabalho com os indígenas, no que tange a cultural e a defesa da

terra. Nessa perspectiva, na Amazônia e em vários locais foram criadas organizações em defesa

aos povos indígenas, as chamadas Comissões Pró-Índio12.

12 CPI Acre, [...] Desde a fundação da Comissão Pró-Índio do Acre em 1979, os povos indígenas no Acre vêm

conquistando espaços nas cidades, no país e no mundo [...]No início de 1983, a CPI-Acre realizou, na cidade de

Rio Branco, o “I Curso de Formação de Monitores Indígenas”. Este primeiro curso contou com a participação de

25 representantes de 6 povos – Huni Kuĩ (Kaxinawá), Katukina, Manchineri, Apurinã, Yawanawá e Yaminawa

[...] Em fevereiro de 2014, a CPI-Acre completou 35 anos de existência” (http://cpiacre.org.br/conteudo/cpi-

acre/historia)

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

118

A província del Abunã, com cerca de 4.049 de habitantes, distribuídos entre as Cidades

de Ingavi - 1.654 habitantes e Santa Rosa del Abuná - 2.395 habitantes (INE - Censo 2012).

Considerando, o quadro (1) nesse espaço há ausência de comunidades indígenas13. Nessa

região, a fé cristã será representada pela religiosidade católica e aplicamos a ideia “mapas

mentais” (KOZEL, 2007) na leitura interpretativa das imagens.

A província Santa Rosa do Abunã integra a paisagem de fronteiras, entre margens do

rio Abunã fronteira da região do rio Abunã com a cidade acreana de Plácido de Castro (Ac/BR),

antes, o acesso era através do rio, com a construção da ponte em madeira e na entrada da cidade

encontramos a guarnição (segurança) armada com a presença da Comando da Marinha

boliviana e, na sequência de cerca de 100metros, há um corredor de casas de comercio a partir

daí a configuração de um núcleo urbano.

Nesse sentido, a festa religiosa a Virgem de Santa Rosa é um procissão de dois dias

que acontece na cidade de Santa Rosa do Abunã (Pando-BO) se constitui entre as diversas

representações do cultos bolivianos a divindades, a exemplo, à Pachamama ou "Mãe Terra", a

adoração à Virgem de Copacabana, Virgem de Urkupiña e Virgem de Socavon, são notáveis

no território boliviano, somados a outras formas de devoções com a Santiago Maior que entre

as divindades cultuadas na Bolívia incluem Ekeko, o deus aimará da abundância e prosperidade,

cujo dia é comemorado todo 24 de janeiro, bem como, Tupã, o deus do povo guarani.

Descrevendo as territorialidades latinas, elucida Almeida (2009, p 127):

La organización de las fiestas religiosas es obra de los fieles laicos, quienes para tal

efecto se encuentran organizados en mayordomías, o bien en comissiones para los

distintos aspectos relacionados con los festejos: recaudación de dinero; alquiler de

templete y lonas; contratación de las bandas de música y equipo de sonido; otra para

los cuetes y castillos, etcétera. La jerarquía católica tiene ya muy poca participación en

la preparación de estas fiestas que, aunque nacieron con un propósito evangelizador, la

comunidad se las ha apropriado. (LANDÁZURI; LÓPEZ; SÁNCHEZ, 2006).

O significado aos festejos a Virgem de Santa Rosa (29 e 30 de agosto) reelabora a

ideia de devoção aos santos da igreja católica por sua especificidade envolvendo a trânsito da

fé entre os devotos, brasileiros e bolivianos, na romaria que expressou a imagem da “Virgem”,

antes, durante e depois da cerimônia religiosa. Desde a organização dos espaços do culto e da

procissão, bem como, do próprio cortejo e dos sentidos que expõem o ofertório aos mortos, as

bênçãos recebidas e o lugar do batismo como parte de expressões litúrgicas desse momento.

13 Brian, ao apresentar no relatório “Expedição Fawcwtt” faz uma descrição sobre os índios “selvagens” que

habitavam a região do rio Abunã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S/A, 1954, p. 58.

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

119

O espaço urbanizado de Santa Rosa do Abunã (BO) se configura no entorno de uma

praça central (Foto 1) a partir da qual as instituições administrativas, comerciais e religiosas

são visibilizadas e interagem. Nessa praça acontecem as comemorações da comunidade e

representou a forma de marco divisor entre os festejos do profano e sagrado à Virgem de Santa

Rosa.

Foto 1: Praça central de Santa Rosa do Abunã (BO). Fonte:

http://www.conservacionamazonica.org.bo

A primeira representação de religiosidade é a edificação da capela da Virgem de Santa

Rosa, uma pequena construção na areal central do vilarejo. A localização está disposta numa

meia lua de formação de organização da ordem social do espaço em razão dos elementos que

adornam o acesso principal ao a administração pública centrada no poder executivo e setores

de atendimento público.

A localização da capela se torna um ícone para reconhecer as projeções da instituição:

a) a visão dos fieis quanto a importância da religião na comunidade de Santa Rosa; b) a

organização da festa religiosa pelos fies laicos; c) relações do corteja com a liturgia na

experiência social da comunidade. Esses três aspectos permitem entrever o processo de devoção

e os signos que advém do cortejo a Virgem de Santa Rosa.

O espaço físico da capela à “Virgem” na comunidade de Santa Rosa foi o primeiro

aspecto que nos chamou atenção, durante a participação nos dois dias do evento religioso, a

capela estava fechada e permaneceu até a noite do dia 29 de agosto. E nos diálogos

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

120

estabelecidos com devotas, pessoas “católicas”, “ex-católicas”, de outra religião e, ainda,

aquelas que se declarou sem vínculo com as religiosidades presentes no lugarejo.

Foram possíveis de serem agrupadas como frases: a) temos a chave e abrimos quando

necessário; b) o padre vem nos festejos e faz a missa, batismo e, casamentos e cumpri todos os

rituais litúrgicos da fé católica; c) o cortejo da “Virgem de Santa Rosa” faz parte dos festejos

da cidade, uma espécie de folclore cultural; d) a capela não tem objetividade evangelizadora e,

só nesse cortejo ela revive a romagem de uma “Santa” e, e) a festa faz o lugarejo explodir em

festas por dois dias.

Isso implica pensar o antes e o depois da noite do dia 29 de agosto mostrou que a

relação social da capela e da devoção a “Virgem de Santa Rosa” expõem os elementos

significativos entre presença na comunidade e a saída da “virgem” da capela e sua aparição

social tem uma relação uma forma de permanência e as implicações da idolatria religiosa

Contudo, enquanto calendário festivo, manifesta socialmente como tríade

representação sendo concebido como um evento religioso - cívico - cultural. A explicação

possível está na sua forma de ocupação e formação sócio espacial da Santa Rosa do Abunã14 é

uma comunidade que essa manifestação cultural de origem local, mas, que se articula com

experiências sociais de devoção brasileira e boliviana. Assumiu em diferentes temporalidades

e dinâmicas social, do seringal e organização urbana uma forma de manifesta a fronteira

simbólica pelas interações sociais entre nacionais15 nessa parte da interamazônia latina.

Durante os preparativos para o festejo religiosa destacamos importância das mulheres

devotas da “Virgem” que organizam e constituem a essência da religiosidade católica naquela

comunidade. As redes estruturas pelo relações familiares, de compadrio e amizades mantem o

cortejo e a expressão da fé. São as devotas que cuidam do espaço e tem sobre sua posse a

“chave” da capela é, essa chave que representa a autoridade sobre os sujeitos que entram no

salão da capela.

Nesse sentido, a ideia acerca da descontinuidade da fé católica entre as pessoas do

lugarejo, ainda precisa ser entendida, uma vez em que a capela “fechada” representa domínio

do sagrado sob um profano se institui até o momento em que o cortejo da Virgem de Santa Rosa

o silencia até a meia noite do dia 29 de agosto. O profundo silencio e escuridão imposto no

14 Historicamente é um espaço fronteiriço compartilhado por nacionais brasileiros e bolivianos, tem no

extrativismo vegetal, borracha e castanha, sendo que constituído de seringais e colocações habitados por

trabalhadores brasileiros (Lima, 2014, p 223). Indicamos a leitura do nosso trabalho de pesquisa para elaboração

da tese: “Brasivianos”: Culturas, Fronteiras e Identidades, Universidade de São Paulo – USP, 2014. 15 Ibidem, p 98 a 167.

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

121

princípio da noite desse dia é extraordinário. Este é rompido pelo cortejo em que a “Virgem”

se apresenta iluminando a sombra do profano humana pelas velas acesas nas mãos de homens

e mulheres: crianças, jovens, adultos, velhos e velhas que acompanham em cânticos e,

expressando em alguns rosto reflexivos por vezes envolto de choro ou de jubilo.

Consideradas as proporções que as machas de pés descalços ou não, impõem sob o

tempo do percurso da caminhada ao início da manifestação imagética do uso da indumentária

para celebrar a missa, constituindo a visão do sacerdote frente a comunidade cristã, os vasos

sagrados, o espaço constituído para esse fim, mostrando que a “virgem” estará entre os fieis

durante à passagem da escuridão da noite e o movimento litúrgico para realizações do culto.

Assim, a liturgia16 dos louvores aos mortos, o jubilo da vida em razão das bênçãos

recebidas e creditadas a Virgem de Santa Rosa, ao momento dos batismos de crianças de

nacionais brasileiros e bolivianos é, ainda, sem esquecer a eucaristia como parte da sequência

do velório que em seu conjunto representou uma viagem ao ritual da liturgia católica difundida

no Brasil e no restante da Bolívia católica se apresentando a mais rica experiência de ritos e

crenças próprias para pensar o sagrado e o profano.

O velório longe de representar encenações das peças teatrais das Igrejas Católicas

muito comum desde meados do século XVI na Europa e no Brasil, particularmente, a partir do

século XIX. O velório não trazia encenações de passagens bíblicas ou mesmo a temática do

ciclo da borracha circunstância do aparecimento fenomênico da “Virgem”. Entre os signos do

advento do catolicismo popular amazônico o velório correspondia ao momento da eucaristia da

igreja católica. O momento da Comunhão17 entre irmãos e irmãs que dividiam o “pão” o

alimento do corpo e suas experiências de devoção com a “Virgem” como alimento da alma.

Portanto, há ainda muitas nuanças a serem (re)interpretada acerca da religiosidade

interamazônica seja no campo da liturgia ou das simbologia das fronteira nacionais que

parafraseando Kozel, os elementos na imagem permitem a compreensão e formação ícones,

onde a representação dos elementos da paisagem natural ou da paisagem construída do lugar

dialogam com a “representação dos elementos móveis” e “humanos”. Permitindo entrever a

“apresentação de outros aspectos ou particularidades”. (KOZEL, 2007).

16 A liturgia da Igreja pressupõe, integra e santifica elementos da criação e da cultura humana, conferindo-lhes a

dignidade de sinais da graça, da nova criação em Cristo Jesus.” (CIC, n. 1149). 17 Como ser social, o homem precisa de sinais e de símbolos para se comunicar com os outros através de linguagem,

de gestos e de ações. O mesmo vale para o seu relacionamento com Deus.” (CIC, n. 1146)

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

122

CONCLUSÃO

A título da conclusão desse artigo podemos afirmar inicialmente que os estudos

mostram os mosaicos de religiosidades e os desafios contemporâneos latinos. Nesse sentido,

iremos apresenta alguns pontos considerados importante para tecer algumas considerações as

que foram possíveis interpretações acerca do tema em análise.

Primeiro, os espaços físicos da interamazônia latina mesmo sendo uma fronteira e

parte do jogo que representam dois discursos nacionalistas se configuram também, em razão da

experiência social de homens e mulheres, no âmbito do vivido os dinâmicos conceitos de “zona

de contato”, de espaço “hibrido” e, “porosidade”, “trânsito” e ainda, de “alteridade”.

Mostrando que a religiosidade na interamazônia latina permite recolocar o continuo e

descontinuo processo de manifestação colonial em razão dos silêncios das crenças indígenas.

Mostrando que o espaço da igreja se torna o lugar onde o sujeito socializa os múltiplos percursos

e dinâmicas de vidas entrecortadas pela sua própria história, mas, recompõe a legitimidade do

lugar socialmente constituído.

Nessa compreensão as diversas histórias de homens e mulheres, indígenas e não

indígenas conduziria a uma possível cultura hibrida onde seus elementos seriam ressignificados

e não mais negados. Acerca dessa hibridização revela Bauman, (2007, p. 45/46):

[...] Numa avaliação final, a "hibridização" significa um movimento em direção a uma identidade

eternamente "indeterminada", de fato "indeterminável" [...] A ausência de um alvo pré-selecionado só pode ser

compensada por um excesso de marcadores culturais e um esforço contínuo de cercar todas as apostas e manter

abertas todas as opções.

Segundo, os espaços de igrejas e festas religiosas manifestam a religiosidade popular

nas cidades e lugarejos pandinos-BO e, tem-se a possibilidade de perceber como a alteridade

entre homens e mulheres nacionais, brasileiros e bolivianos, convertem de modo simbólico a

fronteira em espaço que ao mesmo tempo é geográfico é também, étnico racial, espiritual,

psicológico e dinâmico, tendo entre outros elementos à religiosidade como uma forma de

interação entre culturas.

Terceiro, o protagonismo social da dimensão do vivido podem servir para explicar sob

o universo de fronteiras simbólicas, como homens e mulheres organizam, negociam e trocam

elementos culturais e, ainda, permite identificar a fronteira entre o Estado do Acre–Brasil e o

Departamento de Pando–Bolívia, para além-limites territoriais geopolíticos para perceber nos

interstícios a porosidade e flexibilidade que permitem observar que esta fronteira também é

simbólica e fluida.

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

123

Portanto, o mundo religioso exposto pelos “brasivianos” no interior do território

boliviano se compõe de histórias e linguagens de sujeitos, em seu conjunto apresenta uma

diversidade cultural, indígena e não-indígena. Constituindo sentidos de que, estar presente

numa fronteira limite em que ao mesmo tempo é, simbólica de um viver entre–fronteiras

interamericanas e amazônicas e sob, a perspectiva do desafio, sobretudo cultural e religioso,

que permita perceber os indícios de vidas além–fronteiras de continuidades e descontinuidades

geradores de respeito as identidades indígenas e não indígenas presentes.

Revista Tempo Amazônico

Revista Tempo Amazônico - ISSN 2357-7274| V. 7 | N.1 | jul-dez de 2019| p. 106-124.

124

REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, M. G. Em busca do poético do sertão: um estudo de representações. In: ALMEIDA, M.

G.; RATTS, A. J. P. (Org.). Geografias culturais. Goiânia: Alternativa, 2003.

_____________. Territorialidades na América Latina / Maria Geralda de Almeida. – Goiânia :

Universidade Federal de Goiás/FUNAPE, 2009.

Aurelius Marcus: Meditations, Books 1-6. https://books.google.com.br/books e CIC -

http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new (acessados em maio 2013)

BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2007;

____________. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001

Bhabha, Homi K. O local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003;

BLOCH, Marc. Apologia da Historia ou o oficio de historiador. R. Janeiro: Zahar. 2001.

FAWCET, Brian. Expedição Fawcett. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S/A, 1954;

KOZEL, Salete. Mapas mentais – uma forma de linguagem: perspectivas metodológicas In:

KOZEL, Salete; SILVA, Josué da Costa; GIL FILHO, Sylvio Fausto. (Orgs). Da percepção e

cognição a representação: reconstruções teóricas da Geografia Cultural e Humanista. São

Paulo: Terceira Margem; Curitiba: NEER, 2007.

LIMA, Geórgia P. “Brasivianos”: Culturas, Fronteiras e Identidades. (Tese) Doutora em História

Social, Universidade de São Paulo – USP, 2014;

SILVA, Giovani José da. A Bolívia, a Chiquitania e as populações indígenas em um mosaico étnico e

cultural. Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, vol.6, No 2/ 2012

FONTES ELETRÔNICAS:

www.cartamaior.com.br /14/09/2008 - https://www1.abi.bo/abi (acesso maio 2010)

CPI Acre - http://cpiacre.org.br/conteudo/cpi-acre/historia (acesso, Abril 2015)

https://notícias.bol.uol.com.br/internacional/2008/09/14 (acesso, abril 2015)

(https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2013/07/Informe-anual-2012)