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Revista Vaidapé #03

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  • Nossas ideias so controladas. O mecanismo complexo, mas o objetivo claro: reprimir e inibir eventos que abalem a estrutura do sistema de dominao. A civilizao impe limites produo material e difuso do pensamento, aos quais a Revista Vaidap est sujeita e sempre far oposio.

    Um aspecto do controle dos discursos a segregao da loucura. As ideias dos loucos so consideradas nulas e invlidas. So apagadas e abafadas pelo discurso dos ho-mens de bem: aqueles que tm o aval do cheiro azedo da velha mdia para fazer justia com as prprias mos.

    Os loucos, no entanto, representam algo maior na crise da sociedade: so o cmulo da marginalidade, afinal, o que falam no verdadeiro. A obsesso pela verdade outro fator que controla o que dizemos e ouvimos: os discursos so neutralizados por no corresponderem aos conceitos e valores que mantm o atual estado das coisas.

    Como as ocupaes que eclodem na zona sul de So Paulo, focos de resistncia surgem e se consolidam na luta contra as opresses. Nesta edio, a Revista Vaidap traz as li-es de vida da arte de rua, a carga histrica da capoei-ra como manifestao cultural, o futebol como elemento de mobilizao popular e o desafio dirio das mulheres negras.

    A terceira edio da Revista Vaidap que voc tem agora em mos a conquista de um coletivo que visto na con-tramo da histria por alguns, por publicar uma revista em papel, algo no lucrativo. Distribuir gratuitamente do centro s periferias de forma independente? Muito menos.

    O papo sem curva. Informao no mercadoria.

  • colaboradoresaMANDA mIRANDAbreno ferreirabrunna soaresfabrizio pepeGreta rodriguesjoo rabellojulia mentelAURA MOTTAlUCAS PAZETTOmarco oliveirapedro lopes do valthiago micheluccithomas conti

    joo mirandaVincius pereira

    diagramao

    caio arrudadeco napchan

    gabriel guerra

    marketing

    www.revistavaidape.com.brfacebook.com/revistavaidape

    acesse

    arthur amaraljanana viegas

    matheus bagaioloHelena Obersteiner

    ilustrao

    grfica cillpresspapel: 420 x 277

    gramatura: 90

    alyne silvaantonio amaral

    cAROLINA PIAIisabel harari

    Joo M. PreviatelliPaulo Motoryn

    roberto oliveirathiago gabriel

    ubirajara igleciovictor santos

    Redaao

    IMPRESSO & distribuio

    ong ao educativa

    TIRAGEM: 1.000 EXEMPLARES

  • colaboradoresaMANDA mIRANDAbreno ferreirabrunna soaresfabrizio pepeGreta rodriguesjoo rabellojulia mentelAURA MOTTAlUCAS PAZETTOmarco oliveirapedro lopes do valthiago micheluccithomas conti

    joo mirandaVincius pereira

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    arthur amaraljanana viegas

    matheus bagaioloHelena Obersteiner

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    grfica cillpresspapel: 420 x 277

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    alyne silvaantonio amaral

    cAROLINA PIAIisabel harari

    Joo M. PreviatelliPaulo Motoryn

    roberto oliveirathiago gabriel

    ubirajara igleciovictor santos

    Redaao

    IMPRESSO & distribuio

    ong ao educativa

    TIRAGEM: 1.000 EXEMPLARES

  • REVISTA #03VA DAP

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  • Artista Convidado

    Valendo nota

    meu trampo

    a rua grita

    brasil barraca

    quadrinhos

    colunistas

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    56

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    24

    66

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    74

    Entrevista com Arthur Amaral

    Segurana e Controle

    A arte da resistncia

    Capoeira e cultura negraDe Ibicara ao Jd. MarajoaraBola e lutaTodos precisam de afetoUma noite qualquerOcupaes da Zona Sul

    Alforria Mental

    263034404446

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    a r t h u r a m a r a lENTREV ISTA COM O ART ISTA CONVIDADO

    Mais conhecido como Tuta, tem 22 anos e mora na Lapa, So Paulo. Desenha desde pequeno e desde cedo se envolve com o graffiti, primeiramente por causa do seu pai, Rui Amaral, um dos pioneiros do movimento no Brasil.

    fOTOS pOr JOO MIrAnDA E vInCIUS pErEIrA

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    VAIDAP_Como voc comeou a grafitar?

    _Quando eu nasci, meu pai, o Rui Amaral, j era um famoso artista plstico. Eu era mole-quinho e ele j me levava [para grafitar], mas eu s fui levar a srio h uns dois, trs anos. A primeira vez que eu grafitei foi um desenho muito tosco, mas o louco que eu ia para escola todo dia e passava na frente do poste, via meu trampo

    VDP_Quais so suas maiores in-fluncias?

    _Eu trabalho com animao, sempre pirei em desenho anima-do, desde criana assistia TV depois da escola, ento mais do que grandes nomes do grafite, essa uma das minhas maiores influncias.

    VDP_Quais os materiais mais utilizados para a construo de suas obras?

    _Sou f do nanquim. Gosto de no poder arrumar, conviver com o erro. No usar borracha e conviver com o inusitado. Quando vou pra rua costumo usar o rolinho e o spray.

    VDP_Voc tem preferncia por cores?

    _Cor um negocio complicado. Acho que voc no pode ficar res-trito a uma cor s e pintar ape-nas personagem laranja ou azul a vida inteira. um negcio ilimitado, ns mesmos no vemos todas as cores que existem.

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    VDP_Gosta de criar personagens, certo?

    _Tenho mais vontade de dese-nhar personagens do que cen-rios, paisagens. Rola um ne-gcio comigo dum autorretrato, querer me colocar na rua, mos-trar que estou vivo. At nos meus cadernos, se qualquer um abrir vai perceber que a maior parte so personagens.

    VDP_Est sempre ouvindo algo enquanto desenha?

    Curto escutar um rock, mas no tenho muita preferncia, a no ser por Led, Doors, Sabbah... Cada momento um momento. Tem hora que voc escuta e tem hora que no. No sou desses que falo: S vou desenhar ouvindo msica, ou s vou desenhar fu-mando um!

    VDP_O que voc prefere: a li-berdade de grafitar um grande muro ou desenhar nos cadernos? _Muro um trampo que demora mais, d mais emoo por ser um trabalho que exige muito mais tempo e dedicao. Mas o de-senho no nanquim ou at mesmo no computador um estudo para poder grafitar bem.

    VDP_O que ser um artista para voc, Tuta?

    _A voc me fode. Cada um tem sua viso sobre a arte, mas para mim acho que artista aquele que consegue viver ape-nas da sua arte. Animao, meu trampo, uma arte. Posso no estar apenas grafitando, mas trabalho numa empresa de de-senho animado, ento, tecnica-mente eu vivo da arte.

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  • laura motta

  • laura motta

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    a arte daresistncia

    Em samba antigo, o poeta dizia: S quem mexe na terra, sabe o cheiro do cho. No tome por absoluto, mas, quem estaria mais apto a falar do cheiro do cho bra-sileiro, como algum que passou pela seca do serto nordestino, pela violncia das ruas de So Paulo, alm do vcio do crack e do lcool, e hoje ainda mora na peri-feria da capital paulistana, traba-lhando nas ruas do centro?Figura resistente no cotidiano

    de um dos maiores smbolos do sistema capitalista da Amrica Latina, a avenida Paulista, An-tonio Jos da Silva, o Piau, saiu da pequena cidade de Picos, no serto do Estado do Piau, com 14 anos, sozinho. Ele recorda que, na infncia, morava numa casa de taipa, feita de farinha e barro, uma esteira de palha servia de porta. Foi nesse con-

    texto que iniciou a sua trajetria artstica: Quando eu morava l no nordeste fazia a maior arte de todas as artes. Trabalhava com a arte de encher a barriga dos outros: eu plantava, lembra.Nessa poca ainda no sabia ler e

    nem fazer artesanato. Na estrada, que foi longa, onde se deu seu aprendizado: Conheo todas as capitais brasileiras. Viajei sem dinheiro, o que j uma arte. Viajei nos maiores rios do Brasil, aprendi um pouco da cultura bra-sileira coisa que muita gente, que se diz artista, s conhece a cultura internacional.Por 16 anos, Piau foi morador de

    rua: J mijaram em cima de mim, jogaram merda em cima de mim, to-caram fogo na minha coberta. As drogas entraram na sua vida antes mesmo da arte, lamenta: Eu usei crack, maconha, cigarro eu fumava 70 por dia, fui alcolatra... A vida de drogado sofrimento. Quando eu era criana tinha vontade de tocar violo, mas eu no tinha um.Preso pelas autoridades em quatro

    situaes diferentes, Piau faz 50 anos em outubro, casado e tem duas filhas, 17 e 18 anos.

    por victor santos

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    meu Trampoentrevista com Piau

    fOTOS pOr grETA rODrIgUES

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    Hoje morador

    da periferia paulistana, no

    Jardim Vista Alegre, localizado na Zona

    Norte. Quase todos os dias vende seu trabalho em,

    principalmente, dois lugares: a esquina da avenida Paulista com a Rua Augusta e o vo livre do MASP. O trampo vai alm daquilo que ele produz, de repente eu me preocupo em ganhar dinheiro aqui, moldando algo, de repente eu no ganho. Mas de repente atravs de uma expresso l do outro lado eu ganho um amigo. Ento a arte no s ganhar dinheiro.Reclama dos oito duros anos que

    os artistas de rua sofreram com a represso promovida pelas gestes do PSDB e do DEM. Teve um amigo meu, na poca do Kassab, que foi preso porque estava tocando gui-tarra na rua! Tem at vdeo na internet, comentando o caso do msico Rafael Pio. Sobre a gesto atual, do PT, comenta que a si-tuao melhorou um pouco, se refe-rindo lei n 15.776, aprovada em maio de 2013, que facilitou o tra-balho dos artistas de rua e alterou a orientao das foras coerci-

    Aqui no MASP, quantas vezes a mdia mostrou os malucos fumando um? Mas nunca veio mostrar o nosso trabalho!

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    tivas. Piau j teve seu trabalho apreendido 14 vezes na Paulista, o que hoje no acontece mais. Mas ele pede apoio: Hoje deixam a gente trabalhar, s que ningum chega pra nos ajudar. Tambm fala da fala da mdia, Aqui no MASP, quantas vezes a mdia mostrou os malucos fumando um? Mas nunca veio mostrar o nosso trabalho!. No tem religio, mas cr em

    Deus: Se Deus no existisse esse sistema que olha pra ns com des-prezo j tinha passado a bor-racha. Piau ainda assegura que os artistas de rua so unidos. Conjuntamente, promovem a Feira de Troca de Livros, com trocas no monetarizadas e apresen-taes, a programao pode ser acompanhada atravs da pgina do Facebook chamada Invaso Cul-tural. Eu quero chegar l, mas quero que todos os meus irmos venham comigo, resume Piau.Ainda protesta contra o precon-

    ceito reproduzido pela mdia e diz que os hippies so pessoas de res-ponsabilidade. A riqueza material no sua prioridade, assim con-segue dedicar bastante tempo para desenvolver sua arte. Piau critica os grandes designers: Eles vm aqui na Paulista, vo l em Co-pacabana, no Rio, onde os hippies esto, copiam nosso trabalho e levam para joalheria. Eles no tm tempo de criar, so capitalistas, a colocam na vitrine e dizem que foi o designer que criou.Piau cria petecas, sandlias,

    bolsas, carrinhos de madeira, brincos, colares, entre outros objetos. Sobre o processo de pro-duo, d o exemplo da peteca, que custa cerca de 20 reais. O couro fruto do descarte de grandes em-presas de bolsas e sapatos e as penas so as sobras de grandes granjas, que levam o alimento para

    61MSICOS

    16ESTTUASvIvAS

    8DAnA

    ArTISTASplSTICOSE OUTrOS

    74pOESIA

    lITErATUrAMgICA

    2pAlhAOS,MAlABArISMOE DESEnhO

    vAlOrES EM pOrCEnTAgEM (pArA CADA CATEgOrIA)

    distribuio dasartes de rua em sp

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    Quando eu morava l no nordeste, fazia a maior artede todas as artes. Trabalhava com a arte de encher a barriga dos outros: eu plantava!

    o supermercado e a ma-tria prima vai para o aterro sanitrio.No existem dados

    sobre o nmero de ar-tistas de rua atuantes na cidade de So Paulo, porm, a So Paulo Tu-rismo, por meio do Instituto de Pes-quisa, Estudos e Ca-pacitao em Turismo, fez um estudo (ao lado) com 104 artistas e 20 grupos de rua, em que os artistas pls-ticos, como Piau, fi-cavam em quarto lugar.Ao andar pela cidade

    de So Paulo, abra os olhos para a arte de rua. o pedido de Piau: Voc v um malabarista aqui no sinal, p, abre o vidro do carro, d uma moeda pro cara. O cara t tocando um violo na rua, p ele t tocando, cara. No se paga 300, 400 reais para assistir um show do Black Sa-bbath sem o Ozzy? Por que que voc no d 1, 2, 5 reais para o cara que t tocando ali na rua?.

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    22 brunna soares

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    23brunna soares

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    pilares da histria do Brasil, capoeira e a cultura negraPor Patricia iglecio, isabel Harari e Bira iglecio

    A importncia histrica da capoeira, um dos maiores movimentos de resistncia negra, se encontra na Ocupao

    So Joo e na histria de D, mestra de capoeira da Angola.

    fOTOS pOr JUlIA MEnTE

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    pilares da histria do Brasil, capoeira e a cultura negraPor Patricia iglecio, isabel Harari e Bira iglecio

    Uma vez invadida as terras brasileiras, seus colonos foram em busca de mo de obra para erguer a colonizao do Bra-sil. Foi o povo sequestrado do continente Africano, subordinado aos selvagens colonos que busca-vam mais terras, destinado para a realizao do trabalho rduo em baixo do sol. A partir da, nasce a cultura afro-brasileira, e dela nasce um dos movimentos de resis-tncia mais importantes em toda a histria do pas, a capoeira.A escravido tornou-se mola pro-

    pulsora do projeto de desenvolvi-mento da colnia recm-descober-ta. Frente opresso a que eram submetidos, os negros se mostra-vam. Insatisfeitos por justa cau-sa suicidavam-se, evitavam a re-produo e fugiam constantemente, para demonstrar que lutariam pela liberdade. Foi nas senzalas que o negro conseguiu fugir da dura realidade: a dana e a reza dei-xavam a frica mais perto.Acredita-se que assim nasceu a

    capoeira, com intuito de usar o corpo como arma para a liberdade. O jogo nada mais que a essn-cia da resistncia da cultura ne-gra. Sutil, a capoeira conseguia disfarar seus ataques, confundir capites do mato e unir cada vez mais os negros escravos. No demo-rou muito, contudo, para associa-rem o capoeirista com o malandro, ladro, preguioso, comeando as-sim, uma caa aos praticantes. Ma-rechal Deodoro da Fonseca crimina-lizou a capoeira: em 1890 colocou em vigor a lei n 487, que proibia a prtica, com pena de dois a seis meses de trabalho forado em Fer-nando de Noronha. A criminalizao se estendeu por anos, marginali-zando-a por um nico motivo: a cor da pele dos esportistas. Em 1932, mestre Bimba leva a ca-

    poeira de rua para as academias e no demora para que o governo reconhea a capoeira como espor-te e no mais como crime. Desde ento, a maior herana da cultu-ra afro-brasileira comeou a ser reconhecida como um dos maiores tesouros da histria do Brasil. Capoeiristas tentam se enquadrar no novo perfil da capoeira, agora tambm jogada por brancos e pela classe mdia para aprimorar con-dicionamento fsico, porm ainda permanece como smbolo de resis-tncia e luta contra as opresses. Logo no incio da Avenida So

    Joo, regio central de So Paulo, um edifcio de 1910, abandonado h 20 anos, tomou vida novamente em 2010, poca em que seu interior foi ocupado pelo movimento FLM (Frente de Luta por Moradia). O grupo j ocupa 19 prdios no cen-tro de So Paulo. Aqui tem muita gente que pagava aluguel, que en-trou para o movimento porque no aguentava mais os altos preos. Tem muita gente que faz faculda-de, que trabalha, mas que no tem dinheiro para pagar esses preos ou para financiar uma casa. mui-ta gente esperando moradia, no d pra suportar, tem muita gente na rua, tem muito barraco...t um caos!, explica Nazar Brasil, que mora na ocupao h quatro anos. Hoje o edifcio tombado e exis-

    te um projeto de reforma destinado construo de moradia popular no local. A luta por habitao segue em paralelo com projetos cultu-rais, foi criado um centro cultu-ral que comporta aulas de capoeira, saraus, biblioteca, atividades de contao de histrias, exposio de arte, cineclube, dentre tantas outras atividades. Ns mantemos a resistncia, tanto cultural quan-to de mediao com a Prefeitura, continuou Nazar.

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    L, o mestre Zelo coordena as lies de capoeira da Angola, que acontecem trs vezes por semana. Crianas, jovens e adultos se re-vezam na roda, no berimbau, pan-deiro e atabaque: o movimento de resistncia da prtica da capoei-ra encontra-se com a resistncia da ocupao So Joo. A ocupao no um espao seu, um espao que a gente est ocupando por uma questo poltica. Isso que a gen-te faz um movimento de resistn-cia tanto da capoeira quanto do movimento, colocou Zelo. Para o mestre, a capoeira de An-

    gola em si j uma resistncia frente realidade cada vez mais rpida e mecanizada, a proposta de fazer mais lento, no en-trar numa paranoia de rapidez, de levar as pessoas a pensar com o corpo e no mecanizar o movimen-to. A capoeira angolana est mais

    enraizada com a questo do negro, tem esse papel de trazer a questo do negro junto com o discurso e a prtica poltica da capoeira. A mestra de capoeira de Angola,

    D, nasceu no dia 4 e novembro de 1951. Conheceu Zelo atravs das rodas de capoeira do mestre Cavaco e tornaram-se grandes amigos. Ape-sar de ter nascido em So Paulo, se considera baiana, pois ainda mui-to nova foi para Salvador com os pais adotivos. Cresceu na perife-ria da capital junto com os irmos de considerao, e ainda moleca, como diz ela, comeou a jogar ca-poeira nas ruas de Salvador.Por volta de seus 15 anos, D

    se mudou para o Rio de Janeiro para arranjar emprego, trabalhava limpando casas de famlia. Ficava entre a rua e as casas que tra-balhava, sempre envolvida com a capoeira, o candombl e os tam-bores da cultura negra. Casou-se e teve quatro filhos, um morreu ainda muito beb, e o outro foi assassinado com 25 anos.Mudou para So Paulo antes dos

    30 anos, onde passou a frequen-tar rodas de capoeira e conheceu o mestre Alcides, que foi quem deu para Dolfona (como D tam-bm conhecida) a medalha que lhe garantiu o ttulo de mestra de capoeira. D deu aula na Es-cola Paulo Freire, para crianas da periferia, na antiga IBGI (a primeira escola a dar capoeira para crianas de dois anos), e no colgio Equipe, onde ensina at hoje. Para D a capoeira continua resistente, embora ela ache erra-do academias que cobram caro para

    Alunos do mestre Zelo jogando capoeira durante aula na ocupao So Joo.

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    os aprendizes. A capoeira para todos, eu sempre digo para os do-nos de academia: se a criana pode pagar um pouco, deixe ela fazer pagando um pouco. A mestra considera que a ca-

    poeira no pode ser apenas um exerccio fsico, deve trabalhar noes de coordenao, espao e equilbrio. A capoeira me sal-vou, se no eu estaria na margi-

    nalidade, afirma Dolfona, com os olhos profundos e que transmitem muita experincia. Assim, a ca-poeira continua a representar a cultura negra e sua resistncia, seja em ocupaes, seja na aca-demia. A capoeira mais do que um aprimoramento fsico, ela a expresso da histria negra no Brasil, atravs de movimentos do corpo. A resistncia continua.

    Mestre Zelo explicando para seus alunosa origem do berimbau.

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    de ibicara ao jd. Marajoara

    Em Ibicara, Aureliza Alves do Nascimento queria se divorciar do marido, com quem tivera seis filhos. Aureliza descobriu que o pai de seus filhos saa com outra mulher. Mas, a separao lhe foi negada: o marido prometera-lhe a morte. Fugiu ento das terras baianas, que lhe eram originrias, e teve como rumo So Paulo. Queria fazer a vida ali e recuperar suas crias. Ao se es-tabilizar como domstica na cidade, regressou sua ci-dade natal para recuperar os filhos, que foram, ainda que temporariamente, abandonados com o pai. Das seis, quatro crianas voltaram a ser suas.Em Madureira, Cludia Silva Ferreira saiu para comprar

    po. No cruzar de uma esquina, foi, por surpresa, baleada. Uma operao policial, por engano, cravou-lhe o peito. Depois de ser desajeitadamente colocada no porta-malas da viatura para que fosse levada ao hospital, caiu para fora do compar-timento no meio do caminho. Cludia teve, assim, seu corpo arrastado pelo quente e spero concreto das cariocas ruas da zona norte durante extensos 250 metros. Os policiais, ao serem alertados da situao, no fizeram nada mais do que ignorarem-na.Em So Remo, Clariane Maria de Jesus Santos alisava os cabelos

    e passava p branco no rosto at que no houvesse mais nenhuma frestinha parda. Clariane nunca se vira como negra, at que a in-sultaram na escola. A tradio de sua famlia era assim: sua me aprendera que tinha que ser mais clara que os pais, que seus filhos deveriam ser mais claros que ela e os netos ainda mais claros. Logo, para a me, Clariane no podia ser negra. Ainda assim, a jovem garota sentia na pele a opresso imposta por sua cor: mico mico macaco era seu apelido para alguns. J percebia que era uma agresso, mas eu no entendia isso dessa forma, ento o que eu fazia era chorar, conta.

    Por carolina piaiDESEnhO pOr JAy vIEgAS

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    Clariane s fazia chorar.No Jardim Marajoara, Luciana San-

    tos Barbosa era a nica aluna negra de sua srie. Luciana tambm alisa-va os cabelos. Alm do p, passava batom para afinar os lbios. Luciana era xingada pelos colegas de sa-la. Tentava ser branca, mas no o era. Ao se reconhecer como negra, foi marginalizada por pessoas do movimento negro que a consideravam menos negra por no ser perifrica.Aureliza na Bahia nos anos 60.

    Cludia no asfalto das favelas do Rio, em 16 de maro de 2014. Clariane na favela So Remo, em So Paulo, hoje. Luciana, pe-dagoga, na gua Branca, em So Paulo, hoje. Aureliza, Cludia, Clariane e Luciana so retratos do que ter a pele negra no Bra-sil, do que ser atacada por ser mulher, do que ser atacada por causa da cor de sua pele.Antes da luta contra essas opres-

    ses, veem-se a postos contra elas mesmas: h um conflito per-turbador no reconhecimento de si mesma como negra. Para Clariane Santos, 19 anos, militante do co-letivo feminista Levante Mulher, a agresso contra sua identidade comeava em casa: Minha me nunca aceitou meu cabelo. Com Luciana Barbosa, 31 anos, que realizou um

    mestrado contando a histria de sua av, Aureliza do Nasci-mento, tudo se deu de uma forma um pouco diferente, mas igualmente violento. Como nica aluna negra de escola particular, relata: Voc no s se acha infe-rior, como se acha anor-mal. No tem mais ningum que tem o cabelo, a pe-le, a boca iguais os seus. Passei por um processo de mutilao. Passado o so-frimento, aproximando-se

    da cultura negra, essas mulheres comearam a se reconhecer mais. Clariane, hoje, v-se co-mo negra. Luciana, como mestia.Apesar de toda a complexidade desse reconhe-

    cimento, para o Estado e para a maior parte da sociedade as coisas so claras. De acordo com o Mapa da Violncia 2012, em 2010, 139% mais ne-gros foram assassinados do que brancos no pas. No mesmo ano, quase 50 mil pessoas foram vtimas de homicdio 70,6% eram negras, certificam os dados do Sistema de Informaes sobre Mortali-dade do Ministrio da Sade. O genocdio contra a populao negra e parda estarrecedor, o que aconteceu com Cludia prova da enftica pos-tura racista do Estado e de suas instituies.A postura opressiva no encontra seu fim a.

    O Brasil um dos principais exportadores de corpos para o mercado do sexo internacional e a maioria das vtimas so jovens negras, segundo a Pesquisa sobre Trfico de Mulheres, Crianas e Adolescentes para fins de Explorao Sexual Co-mercial (Pestraf). Acredito que o maior drama da mulher negra ou da mulher mestia no Brasil vem dessa hiper-sexualizao da mulher. Isso comeou na colonizao, quando as mulheres es-cravas eram colocadas nas casas e eram estupra-das sempre, comenta Luciana, que enxerga, na mdia, a mulher negra e mestia sendo represen-tadas como estuprveis.Voc percebe que os interesses vo sempre

    pras meninas mais brancas, de cabelo liso, olho claro. Quando voc olha pra mulher negra, ela a carne mais barata. No carnaval, por exemplo, rola muito assdio, relata Clariane, fazendo coro ao que afirma Luciana. A jovem ainda d voz Elza Soares e relembra: A carne mais barata do mercado a carne negra.Isso acontecia j no tempo de Aureliza, av

    de Luciana Barbosa. Naquele contexto, espe-rava-se inclusive que ela seria prostituta, era esse o destino da maior parte das baia-nas negras ou mestias e desquitadas. Porm, transgrediu essa conveno social. A neta, orgulhosa, assegura: Essa mulher no se-xualizada, essa mulher guerreira, tem uma opinio forte, uma forma de entender o mundo e lutar para no ser mais oprimida. Cludia, Clariane e Luciana tambm so guerreiras.

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    Quantas mulheres negras voc conhece ocupando cargos de mdicas, advogadas, engenhei-ras, arquitetas, psiclogas etc.? Quantas mulheres negras voc conhece ocupando cargos de cobradoras de ni-bus, auxiliares de limpeza, empre-gadas domsticas?No, no estou dizendo que as primei-ras profisses so melhores ou mais importantes que as segundas, mas com esse questionamento comeo a puxar o novelo da opresso da mulher negra que, se esticadinho, chega a quil-metros e quilmetros de comprimento: so sculos de opresso.Ser mulher negra carregar na

    pele, nas ancas e na carteira de trabalho as centenas de anos da escravido que se mantm atados aos nossos ps, como as bolas de ferro que nossas antepassadas tinham pre-sas aos seus tornozelos. O nosso papel na sociedade machis-

    ta e racista , desde a Casa Gran-de, de satisfazer os fetiches sexuais de homens brancos e mesmo de homens negros, afinal ns, mulheres negras, temos a cor do pecado, ns temos o requebrado, ns somos quentes na cama, nossos corpos so quase que uma afronta. Sim, a abolio veio, mas ainda somos escravas dos fetiches sexuais que circundam o imaginrio popular. No toa que estatisti-camente somos as maiores vtimas de abusos sexuais e violncia domstica.

    E, ento, surge um primeiro gran-de impasse: como, ao mesmo tempo, ns somos sexualmente desejadas e esteticamente rejeitadas? Afinal de contas, o nosso cabelo crespo, o nosso nariz largo e a nossa tes-ta grande no esto enquadrados no padro de beleza eurocntrico que se perpetua pelo mundo inteiro, mas as nossas ancas largas, os nossos lbios e coxas grossos so deseja-dos, muitas vezes em segredo, no mesmo? Logo, a menina negra entende que existe a diferena em ser a moa bonita pra casar e a moa gostosa pra transar.A mesma moa negra come-

    a a tomar conscincia de quantas coisas lhe foram privadas pela cor da sua pele e, com isso, algu-mas delas conhecem um movimento que levan-ta a bandeira de luta pelas mulheres, pensan-do, por alguns minutos, que talvez tenha encon-trado voz e vez, que agora talvez o caldo ganhe corpo e as coisas possam mudar. O movi-mento feminis-ta, sem dvi-das, contribui muito para que a tomada de

    muLHer neGra no vive

    um manifesto por alyne silva

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    conscincia acontea, afinal, ser mulher no fcil e fica um pou-co mais leve quando temos outras mulheres lutando conosco.Mas, em dado momento, o feminis-

    mo comea a despertar alguns inc-modos, afinal, todas somos mulhe-res e temos opresses em comum. Mas a cada vez que nos sentamos para discutir igualdade salarial entre homens e mulheres, acende aquela luzinha, afinal na escala salarial qual lugar eu, mulher negra, estou em relao s mulheres brancas que muitas vezes protagonizam os dis-cursos? A minha luta pela igualdade salarial, em primeira instncia, pela igualdade com a mulher branca, que ganha mais que eu, e ocupa car-gos os quais dificilmente mulheres negras acessam. Em algumas posi-es, elas ganham mais, inclusive, que os homens negros.O movimento feminista preci-

    sa ter recorte de classe, preci-sa ter recorte de raa, precisa ter recorte de orientao sexual, precisa falar de mulheres trans, precisa falar tambm das mulhe-res com deficincia e se despren-der desse histrico que um femi-nismo burgus, branco, heterosse-xual, cisgnero e capacitista.Muitas vezes dentro do prprio

    feminismo, o apagamento das ques-tes relativas s mulheres negras, a massificao das demandas sem

    distinguir as necessidades espe-cficas das mulheres negras, e de muitos outros grupos marginali-zados no prprio movimento, fez com que o espao que supostamente deveria ser de segurana e amparo fosse mais um espao de opresso. necessrio enegrecer o feminis-

    mo e necessrio que isso aconte-a para ontem. Afinal, se dentro da luta feminista ainda formos mar-ginalizadas, e as nossas demandas diludas em um discurso com uma falsa simetria, a luta fora do cr-culo chamado feminismo continuar cada dia mais difcil. Por um feminismo mais negro.

    eu sou mulher no luto em vocontra o racismo e pela revoluo

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    por Paulo motoryn e roberto oliveira

    bola e lutaNo apenas os avanos sociais do governo de Pepe Mujica fazem o Uruguai servir de inspirao ao Brasil: entenda como o Mundialito de 1981 pode servir de inspirao para

    as lutas populares durante a Copa do Mundo de 2014.

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    Assim que o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo da Fifa de 2014, numa tera-feira, 30 de outubro de 2007, em Zurique, na Sua, o pas se voltou apaixo-nadamente para acompanhar o processo de construo do segundo Mundial a ser jogado em solo nacional. Mas foi entre junho e julho do ano passado, justamente durante a Copa das Confede-raes, evento de teste um ano antes da Copa, que o assunto se acirrou a ponto de virar pauta na agenda poltica nacional.Desde a confirmao do Brasil como sede, no faltam cr-

    ticas construo do torneio, como tambm sobram opinies que evocam o orgulho e o desenvolvimento nacional. O dile-ma impe os prximos meses como determinantes no processo de construo histrica da identidade brasileira: afinal, as grandes empresas patrocinadoras do evento e o prprio governo confiam que a populao sucumbir diante dos encan-tos dos modernos estdios e do espetculo.Denaldo Alchorne de Souza mais um desses brasileiros

    que ter sua essncia colocada prova durante a Copa do Mundo. Sua dedicao ao futebol tanta que o carioca cur-sa ps-doutorado, das mais altas graduaes acadmicas, estudando justamente a paixo nacional. J do passado a viso de que o futebol pio do povo, segundo a qual o futebol serve para distanciar a populao de seus reais interesses, que seriam as lutas sociais, ele diz.Eu trabalho o futebol discutindo identidade nacional.

    nos livros de histria e em anlises documentais que ele baseia seus argumentos sobre a relao entre esporte e mani-festaes populares. Como eu vejo o futebol? O futebol faz parte da sociedade, e as contradies sociais o permeiam. O futebol sim, por vezes, utilizado de cima para baixo, como controle social. iluso, no entanto, achar que a populao aceita isso automaticamente, argumenta Denaldo.Um exemplo que comprova a tese do pesquisador quando,

    em 1981, a Ditadura no Uruguai resolveu criar e sediar um grande evento, o Mundialito. Ele explica: O Uruguai j no era a seleo vitoriosa das dcadas anteriores, mesmo assim foi campeo aps uma final contra o Brasil. O que os militares esperavam? Receber um bnus poltico pelo investimento. O que receberam? A torcida e a socie-dade gritando juntas pela primeira vez: Vai passar, vai passar, a Ditadura vai acabar.Denaldo espera um processo similar no Brasil: A geral era

    um lugar no Maracan em que o torcedor podia pagar o in-gresso com o preo de um bilhete de nibus. Isso no existe mais. Se antes nesse espao havia um cidado desdentado, rindo de um drible de Garrincha, agora h a elite celebran-do. Ele entende que a populao no se sentir parte da festa e, bem como no ano passado, ter na ocupao do espao pblico sua melhor alternativa: No toa que a Copa das Confederaes virou a Copa das Manifestaes.

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    7 argumentos

    CONTRA A COPA DO MUNDO NO BRASIL

    Os operrios que constroem os estdios da Copa trabalham sob condies precrias. At o ms de maro de 2014, seis operrios da construo civil j haviam falecido em acidentes de traba-lho: trs na Arena Amaznia, em Manaus; dois na Arena Itaque-ra, So Paulo; e um no Man Garrincha, no Distrito Federal.

    As obras da Copa resultam em um modelo de cidade neoliberal. Nela, alm do malabarismo jurdico, decises polticas e urbansticas esto subordinadas aos interesses privados. Existe um controle do espao pblico para atender aos patrocinadores e empresas privadas.

    Um estudo da fundao francesa Scelles comprova que as grandes competi-es internacionais permitem que as redes de prostituio criminosas aumentem a oferta. O Brasil possui um dos maiores nveis de explora-o sexual infanto-juvenil do mundo, o que deve aumentar com a Copa.

    Estudos efetuados posteriormente s Copas da Alemanha (2006) e da frica do Sul (2010) indicam que os efeitos positivos para a economia nacional foram insignificantes, seja em relao ao cres-cimento do PIB ou gerao de empregos. Mesmo o setor de tu-rismo teve ganhos muito aqum dos projetados antes do torneio.

    Projetos de Lei que tipificam o crime de terrorismo e atacam diretamente o direito constitucional de manifestao tramitam no Congresso. Crimina-lizam os movimentos sociais e reforam a violncia contra a populao.

    Como se j no bastasse o deficit habitacional no Brasil e o contingente populacional em situao de rua, segundo a Articulao Nacional dos Comi-ts Populares da Copa, entre 150 e 200 mil pessoas foram removidas de suas casas e territrios para construo de estdios e obras de infraestrutura.

    A Fifa exige que se crie um tribunal de exceo com raio de ao de um quilmetro ao redor dos estdios com suas prprias regras, ferin-do artigos e incisos da Constituio. Nesse permetro s podero ser comercializados produtos de patrocinadores.

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    A Copa vai consumir quase 26 bilhes de reais. A construo de estdios (8 bi) cerca de 30% desse valor. Cerca de 70% dos gastos da Copa no so em estdios, mas em infraestrutura, servios e formao de mo de obra.

    Os estdios geraram, at a Copa das Confederaes, 24,5 mil empregos diretos. O megaevento, alis, aumenta a demanda do setor de cons-truo civil, um dos principais propulsores da economia nacional.

    Em 2014, a sade ter o maior oramento da sua histria, sen-do que o oramento de direitos bsicos, como sade e educa-o, so determinados pelo governo atravs de leis ora-mentrias anuais,que definem quanto do PIB vai para cada setor, independentemente de eventos pontuais como a Copa.

    A vinda de turistas estrangeiros pode no representar ganhos con-cretos para a grande maioria da populao, mas configura uma opor-tunidade de mostrar o Brasil como ele realmente : um pas repleto de problemas e diversidades no seu processo de desenvolvimento.

    O evento acelerou polticas sociais esportivas. Uma medida provis-ria enviada por Dilma e aprovada pelo Congresso (entrar em vigor em abril deste ano) limita o tempo de mandato de dirigentes esportivos. Os atletas tambm tero direito a voto e participao na direo.

    A Copa castrou a apatia dos governantes para realizar diversas obras pblicas de infraestrutura relevantes para a fluidez no territrio nacional.

    O sentimento anticopa fomentado pelos meios de comunicao e pe-las oposies de direita e de esquerda ao Governo Federal. H o receio de foras comprometidas com o resultado eleitoral, se apro-priarem do movimento.

    7 argumentos

    a favor dA COPA DO MUNDO NO BRASIL

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    por antonio amaral

    Chuva, violncia, lixo. No h nada que espante o fluxo dirio do crack no centro de So Paulo. As pessoas que perambulam pelas ime-diaes da alameda Dino Bueno com a rua Helvtia evidenciam o aban-dono social mascarado pelo trfi-co de drogas. A regio embelezada pela antiga arquitetura tornou-se palco de uma cidade sem lei: compras, vendas e trocas de obje-tos e eletrnicos pela pedra ocor-rem ao estilo livre-comrcio.

    todos precisam de afeto.

    Inspirado na relao afetiva do abrao, programa da prefeitura

    Braos Abertos vem reduzindo o uso do crack no centro de SP.

    Tina galvo, idealizadora do Movimento Aquele Abrao.

    fOTOS pOr fABrIZIO pEpE

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    A Feira do Crack, como foi de-nominada pela grande imprensa, vem recebendo cada vez mais ateno da mdia por conta de polticas sociais e episdios de represso policial. O projeto Braos Aber-tos foi implementado pelo prefei-to Fernando Haddad e vm conse-guindo reduzir o uso da droga na regio de acordo com os dados ofi-ciais. A iniciativa da Prefeitura foi inspirada no Movimento Aque-le Abrao, implementado h anos na regio. O trabalho feito de forma independente e voluntria,

    pela assistente social Tina Gal-vo, balizando o tratamento aos usurios no afeto, no dilogo e em um simples e poderoso abrao.Segundo um balano do programa

    realizado pela Prefeitura no dia 14 de fevereiro, desde que entrou em ao, houve uma reduo m-dia de 50% a 70% do uso da droga entre os inscritos no programa. Uma das participantes do projeto Dani. Ela reconhece a oportu-nidade de retomada da sua vida: O projeto uma chance pra todo mundo que quer sair do crack,

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    o primeiro passo. O mais difcil a escolha, conta.A poltica implementada por Tina

    na regio a principal mediadora da relao entre Dani, os demais usurios e a Prefeitura. Ela cr no fracasso da represso no com-bate s drogas. Um sonho nosso promover uma oficina de arte entre os usurios para que todos possam ver que eles tm capacidade, que so pessoas, e no os olhem s como viciados. Eu j vi trabalhos incrveis feitos por eles, no h nada mais justo do que pensar em uma exposio, afirma.Segundo Tina, as polticas so-

    ciais do Estado conduzem o tra-tamento e o contato de maneira equivocada, o que alimenta des-confiana. Dani ainda relatou re-correntes confrontos com poli-ciais e guardas metropolitanos que, segundo ela, no so mostra-dos pela mdia. No ltimo dia 13 de maro, houve correria e diver-sos estabelecimentos fecharam as portas por conta das bombas de gs lacrimognio lanadas pela Guarda Civil Metropolitana.

    De acordo com comerciantes, a Prefeitura tem o dever de se em-penhar para acabar com o uso de crack na regio, principalmen-te durante o dia, por conta de escolas prximas. Para que isso ocorra, Tina Galvo pea fun-damental: popular e querida en-tre os dependentes. Na base da violncia sempre mais difcil, eles sabem que conversando se resolve mais fcil e por isso me procuram, conta. Dani reforou a importncia de Tina no local: Ela traz alegria por aqui, a nossa rainha, brinca. O poder pblico tambm diz estar

    gastando energias para concreti-zar a filosofia do afeto. O balano do programa Braos Abertos apon-tou que j foram feitas mais de 3 mil abordagens por agentes de sade e 355 atendimentos mdicos para o tratamento dos usurios. O progra-ma atende cerca de 400 pessoas que esto frequentando cursos de capa-citao e trabalhando em frentes de trabalho definidas pela Prefeitura. Os beneficiados ganham cerca de R$ 15 por dia trabalhando.

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    uma noite quaLquerpor joo marcos previattelli

    DESEnhO pOr MAThEUS BAgAIOlO rAphAEllI

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    Quando cai a noite, as primei-ras malocas so erguidas sob a proteo das lajes de ban-cos ou lojas, verdadeiros castelos para usurios. Em um dos templos montados, entra um rapaz com rou-pa simples, trabalhador: sai com o rosto avermelhado, os olhos vidra-dos. Entram dois jovens com roupa de marca: saem olhando para bai-xo, apressam o passo. Chega por ali mais um jovem e pergunta: A, Ska, quebra essa para mim e troca uma?Na altura da Rua Haddock Lobo,

    passam personagens carimbados das noites nas ruas do centro expandido de So Paulo. Uma delas Ska, que, com uns 18 ou 20 anos, tem um lindo sorriso. Chega agitando o lugar, a dona da maloca que fica na marqui-se de um banco na avenida Paulista. Entra na banca de jornal ao lado, pede uma vassoura, varre sua malo-ca, tudo com muita naturalidade e, sim, dignidade. Come algo, fuma um cigarrinho... Mesmo descala e no frio, sabe que no vai ficar doente, algo quase inexplicvel. Respirar sua resistncia. Depois entra na maloca, usa o cachimbo e sai pulan-do, gritando, pilhada: Quitria, troca dez para mim?.Comprar crack com moeda no algo

    muito fcil. Com Quitria, caixa e responsvel por aquela banca de jornal h treze anos, no f-cil conseguir troco. Ela fala for-te, explica que as vendas no esto boas na madrugada, que no tem como trocar. Pede para Ska no causar l dentro. Resiste mantendo o lugar na maior perfeio, como deveria ser toda banca de jornal. Quem chega por l, sabe que lugar de respei-to. No senta no degrau, no bagun-a as revistas e no fuma dentro. Mas quem chega l tambm sabe que lugar de ser respeitado tambm.Seu Carlos faz companhia Qui-

    tria. Ele a resistncia de uma

    So Paulo que j no existe mais, expulsa do centro pela poltica hi-gienista, pela especulao imobili-ria. Apesar de seu baixo salrio, ainda mora em um prdio nos arre-dores da Paulista. Ele logo conta como a noite na avenida mudou. Sabe que agora durante as madrugadas o crack que corre pelas ruas e cala-das. Sabe onde compra, conhece quem compra e onde se usa. Assim como Carlos, Alice outra que conhece como ningum o universo do crack.J beirando o cinquentenrio,

    Alice trabalha h dez anos nas es-quinas da rua Augusta, em uma das profisses mais antigas da humani-dade. Ela demonstra em cada gesto simplicidade e uma vontade de aju-dar quem no conhece. Seus olhos ficam tristes ao ver professores, advogados, pedreiros, jornalis-tas que simplesmente desaparece-ram por trs da dependncia. Ela tambm no tem casa. Dorme todos os dias no metr. Volta para a banca e come alguma coisa. Para e conversa. Comer, conversar e dor-mir tambm resistir. Chega mais uma pessoa na banca, alto, forte, sujo e desconfiado: Quitria, no da para arranjar um cigarrinho?O homem se chama Camilo. Ele no usa

    crack h quatro meses, trocou pela maconha. Agora j pensa em voltar a trabalhar. Mas, antes disso, passou madrugadas dedicadas exclusivamente ao crack. Passar trs dias sem dor-mir era comum para Camilo, mesmo que implicasse em dormir durante o dia seguinte inteiro. Lembra da primei-ra vez na antiga Cracolndia, onde foi enganado e teve que aprender a lutar por seu espao. A larica bate, come algumas bolachas e volta a fa-lar alto. Faz graa da sua desgraa, mas resiste: morrer no uma opo.A rua uma escola da resistn-

    cia: qumica, aos outros, soli-do, So Paulo.

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    vila nova palestinaAo lado do Parque Guarapiranga, 30 mil pessoas reivindicam

    moradia em uma rea de um milho de metros quadrados.

    fotos por carolina piai, victor santos e vincius pereira. texto roberto oliveira.

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    O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) ocupa um terreno de quase 1 milho de metros quadrados ao lado da rua Clamecy, na regio do Jardim ngela: a Vila Nova Palestina. Hoje, a ocupao tem cerca de 30 mil pessoas divididas em 21 grupos. Cada grupo tem uma mdia de cinco coordenadores que ajudam a organizar as tare-fas do cotidiano, como fazer a coleta do lixo, buscar gua e manter a infraestrutura. O MTST reivindica que a Prefeitura revogue o Decreto de Interesse Social lanado na gesto Kassab, que determina a construo de um parque na re-gio e assegura apenas 10% de rea edificada. A luta pela mudana do tipo de zoneamento para uma Zona Especial de Interesse Social 4, em que 30% da rea possa ser habitada.

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    jardim unioNo Graja, distrito mais populoso de So Paulo,

    com 450 mil habitantes, o Jardim Unio apresenta novas estratgias de luta por moradia digna.

    fotos por carolina piai, isabel harari, joo miranda e victor santos. texto de isabel harari.

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    No dia 12 de outubro de 2013, cerca de 250 pessoas ocuparam um terreno na regio do Graja, zona Sul de So Paulo. Hoje a ocupao Jardim Unio, nome escolhido pelos moradores, abriga 1200 famlias em uma rea de 85 mil mteros quadrados. A rea ocupada sofre com ameaas de reintegraes de posse e com o descaso da Prefeitura Municipal e da CDHU frente questo da moradia. O dficit habitacional latente: estima-se que 1 milho e 200 mil pessoas estejam na lista por moradia, sendo que o Plano Diretor promete a construo de apenas 55 mil edificaes. A luta se d nas ruas e no interior da prpria ocupao.

    A Rede Extremo Sul, movimento popular atuante na zona Sul, auxilia na desconstruo de princpios de hierar-quizao e burocratizao da luta. Tudo decidido cole-tivamente e de forma horizontal, por meio de reunies e mutires semanais.

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    valendo notaPor tHiaGo micHeLucci

    o texto uma verso reduzida de um trabalho de concluso de curso, apresentado em 2013 na Faculdade de cincias sociais da Puc de so Paulo.

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    A necessidade do Estado surge, segundo Thomas Hobbes, fil-sofo ingls do sculo XVII, a partir da compreenso de que os indivduos se unem em uma organi-zao com a finalidade de evitar a morte violenta e a desordem. a partir do medo e do desespero que os indivduos se unem e optam por algo que seria uma espcie de opo-sio ao medo: a segurana. Pode-mos dizer que desde Hobbes a preo-cupao central da poltica est na questo da segurana, e esse o princpio regente do Estado Mo-derno. segurana atribuda uma necessidade constante de aperfei-oamento e de expanso de sua rea de alcance. O ponto de partida para a anlise e para a compreen-so dos dispositivos de segurana a anlise da noo de governo.Com o aparecimento de um certo

    tipo de literatura acerca da arte de governar, que surge entre os sculos de XVI e XVII, o filsofo francs do sculo XX, Michel Fou-cault, aponta uma mudana no modo de se pensar a poltica. A poltica como se pensava at ento tinha como pressupostos bsicos as reflexes a respeito de como gerir, de maneira a ser justo e prudente, respeitando os costumes humanos, para um l-gica preocupada em como desenvolver o Estado. Da em diante a racionali-dade que vigora e se desenvolve no se relaciona tanto com a lgica de ser soberano sobre seu territrio: a que procura inteirar e aperfei-oar o poderio do Estado.O desenvolvimento de uma razo

    do Estado criou as condies para a criao de tecnologias polti-cas que desenvolvam o Estado tanto externamente como internamente. Alm da tecnologia diplomtico-militar, h a polcia. A lgica desse movimento a de aumento po-

    pulacional e, com isso, aumento da produo devido ao aumento da mo-de-obra, da exportao e da produo de riqueza, voltada para obteno de maior poderio armamen-tcio. Comea a uma ascenso da segurana como ponto a ser priori-zado nas polticas estatais. A partir do sculo XVIII, por

    meio de uma lgica econmica dos fisiocratas, a segurana torna-se um instrumento de governo que tem ca-ractersticas prprias e que no se assemelha aos outros instrumentos utilizados. Em vez de criar um es-tado de isolamento a partir de uma disciplina aplicada de maneira a evitar e prevenir possveis vulne-rabilidades, esse modo de ao vi-sava a regulao de consequncias.As questes relativas seguran-

    a funcionam sempre com o auxlio da lei e da disciplina, no h nenhuma sucesso de uma outra e a aplicao dos dispositivos de segurana que vai tornar os outros dispositivos, da lei ou discipli-nar, auxiliares. E no somente a segurana com relao ao inimi-go, mas em relao direta com as questes relativas medicina, por exemplo. A segurana se relaciona regulao de consequncias e por isso precisa de um desenvolvimen-to da situao para, ento, regu-lar seus escapes, suas desordens. Onde esse princpio de segurana o motor, os inimigos so aque-les que precisam ser exterminados, pois so uma ameaa comunidade, populao e raa. Por isso no se refere mais ao que me far mal ou me afetar individualmente, mas ao inimigo que afeta a vida de toda sociedade. Nesse momento comea-se a perceber que no Estado onde a segurana ascende cria-se um estado onde o que se produz so as crises e emergncias.

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    Atualmente, mais do que em ou-tros tempos, a segurana adquiriu um papel central de direo das polticas de Estado. A proporo que a ideia de segurana tomou fez com que, onde existe Estado, todos so potenciais terroristas. Gior-gio Agamben, filsofo italiano con-temporneo, ressalta que um esta-do que faz da segurana sua nica tarefa e fonte de legitimidade um organismo frgil; ele sempre passvel de ser provocado pelo ter-rorismo, at se tornar ele mesmo terrorista. A relao entre se-gurana e terrorismo abre uma nova discusso: para quem ela serve?Para compreender a maneira como

    Agamben conduz seu pensamento im-portante entender os dispositivos que operam essas polticas de segu-rana. Dispositivo um conceito de que Agamben se apropria e que Fou-cault desenvolve. Na compreenso de Agamben, um dispositivo tem, resu-midamente, trs caractersticas:

    Para Agamben, no existe um uso correto de um dispositivo, com-preendendo que o modo de uso do dispositivo no pode ser utiliza-do contra essa maneira de funcio-namento do Estado perante a so-ciedade. E a cada dispositivo de controle, somos submetidos de ma-neira mais profunda a uma priso que controla as nossas vidas. Ao mesmo tempo, cada vez mais os se-res viventes se tornam potenciais terroristas, do ponto de vista do poder. O neoliberalismo trouxe consigo uma forma de se gerir a vida humana de maneira a atingir um grau de controle das condutas como nunca houve antes.Essa nova forma de governar a so-

    ciedade que Gilles Deleuze, filsofo francs do sculo XX, denomina so-ciedade de controle foi tomando o lugar das sociedades disciplinares e, a cada dia mais, vai refinando a maneira como ela exerce esse modo de governar. Essa mudana no capi-talismo crucial para o mundo da segurana. Essa mudana se d no mercado como comeo e fim das rela-es de poder. Os dispositivos de segurana estabelecem quais so as emergncias que se deve regular. O projeto neoliberal das socieda-

    des de controle, pautado na segu-rana como seu principal instrumen-to de governo, tem nos levado a um mundo de medo onde em nome da se-gurana se constri uma vida humana cada vez mais vigiada, rastreada e controlada. O estado de exceo tornou-se o modo como o Estado im-plementa suas medidas e se coloca a cada instante em nossas vidas.Vemos que os dispositivos de se-

    gurana utilizados na sociedade de controle conduzem a poltica uma forma de utilizao da segurana que no contempla grande parte da populao que ela diz contemplar. Ela a segurana do poder de es-

    a. um conjunto heterogneo, lingustico e no-lingustico, que inclui virtualmente qualquer coisa no mesmo ttulo: discursos, instituies, edifcios, leis, medidas de polcia, proposies filosficas etc. O dispositivo em si mesmo a rede que se estabe-lece entre esses elementos.

    b. O dispositivo tem sempre uma funo estratgica concreta e se inscreve sempre numa relao de poder. c. Como tal, resulta do cru-zamento de relaes de poder e de relaes de saber.

    a quem a lgica da segurana contempla

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    tado e das grandes empresas que financiam esse tipo de governo.Noam Chomsky, filsofo estaduniden-

    se contemporneo, coloca a questo da segurana como conceito contro-verso. Para ele, no h momento em que a segurana esteja em nome do cidado. Muito claramente isso se manifesta em qualquer parte do mun-do. Os Estados e seus governantes a cada dia aperfeioam seu discurso acerca da segurana como forma de lidar com os mais diversos proble-mas e crises que possam surgir. A ideia de terrorismo foi a que sur-giu de forma a conseguir disseminar como nunca essa lgica da segurana para todo o mundo. Basta ver como os Estados se manifestam contra qual-

    quer infortnio que possa atingir o Poder de Estado com seus governan-tes e grandes empresrios, os ar-quitetos das polticas.Depois desse desenrolar que

    podemos ver os casos de Edward Snowden, Chelsea Manning e Julian Assange (veja na tabela ao lado) para perceber que a populao no est nos planos dos governantes e outros que exercem mais poder. As questes relativas segurana so sempre segredo de Estado sendo que muitas das pessoas envolvidas nos planos, como soldados em guerras, nem sabem quais so os reais in-teresses em questo. As revelaes de Snowden confrontam o governo dos Estados Unidos justamente por ele defender que as pessoas deve-riam ter direito de saber sobre seu destino. Graas a Snowden, tivemos acesso informao de que vrios pases, inclusive os Estados Uni-dos, foram espionados via internet e ligaes telefnicas pela CIA (em ingls, Central Intelligence Agency). O mais intrigante foi que Snowden foi considerado um traidor de sua ptria quando o que ele fez foi justamente mostrar como a se-gurana de que tanto falavam no inclua a segurana da populao e de outros povos espionados. Poderia citar mais de trinta in-

    tervenes feitas pelos Estados Unidos em nome da segurana nacio-nal. Mas basta ver os casos atuais do Iraque e Afeganisto para saber que, em nome da segurana, milha-res de vidas foram tiradas tanto de soldados dos Estados Unidos e dos pases invadidos, como de civis. Fica clara a posio dos Estados Unidos com relao aos povos dos pases invadidos: mata-se aleato-riamente e domina-se a regio. Nada tem a ver com a liberdade de um povo, e sim com os interesses geo-polticos e econmicos envolvidos.

    ChElSEA MAnnIngServiu ao exrcito estadunidense e, em maio de 2010, foi presa por divulgar informaes sigilosas. A acusao de que, enquanto militar, concedeu documentos sigilosos sobre episdios como a Guerra do Iraque, para o WikiLeaks.

    EDwArD SnOwDEnEx-analista da Agncia Nacional de Segurana dos Estados Unidos (NSA) e ex-tcnico da Agncia Central de Inteligncia (CIA) que denunciou aes de espionagem do governo estadunidense em 2012.

    JUlIAn ASSAngEFundador do WikiLeaks, organizao responsvel pela publicao de informaes sigilosas do governo de diversos pases, como os telegramas secretosda diplomacia dos Estados Unidos.

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    O que sabemos, com todos esses acontecimentos, que se caminha para um mundo onde as fronteiras estaro em srias mudanas, e no me parece que ser para um melhor arranjo para os povos. A populao no estar mais prxima de estar segura, at porque cada um de ns est mais prximo de ser trata-do como um terrorista do que como um cidado. O mundo no est ca-minhando para uma maior interao entre todos, a fim de que seja mais horizontal. Estamos cada vez mais distantes de um mundo democrti-co, ao contrrio do que dizem as grandes mdias e os polticos. O fato que esses interesses geo-polticos e econmicos foram os responsveis por milhares de vidas e por todo um desenvolvimento da segurana que no existe para pro-teo s pessoas, mas sim certas pessoas e ao capital.Enquanto acreditarem nessa de-

    mocracia neoliberal, que no tem nada de democrtico em seu conte-do, estaremos sujeitos todos os tipos de privao de liberdade que esse sistema prope. E as priva-es no so poucas. A sociedade de controle a cada dia aumenta sua viglia e os cidados se submetem a um novo dispositivo de controle e de segurana. Um lugar onde to-dos so virtuais terroristas no pode ser chamado de um lugar me-lhor. , no entanto, o lugar que est no limite para a barbrie. Alis, a barbrie me parece o ni-co lugar aonde esse modo de vi-ver conduzido. notrio que os dispositivos de segurana, quando tornam-se a principal tecnologia de governo, podem conduzir o mundo para um caminho sem volta.

    concluso notrio que os dispositivos de segurana,

    quando tornam-se a principal tecnologiade governo, podem conduzir o mundo

    a um caminho sem volta.

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    Brasil Barracacarava, LitoraL da BaHia

    Para um paulistano tpico, a fuga da selva de con-creto causa um adormecimento momentneo, um conge-lamento de sentidos, uma efusividade inexplicvel ao perceber que possvel viver sem meios de transpor-te motorizados, sem calados, sem camiseta, sem relgio e sem computador. O intenso ritmo de vida da cidade de So Paulo, contrastando com a calmaria de uma viagem de barraca pelos rinces do Brasil, por vezes cega o nosso olhar para questes marcantes do solo nacional.

    alforria mentalpor paulo motoryn

    fOTOS pOr vICTOr SAnTOS

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    Essa a sensao de pisar em Ca-rava, uma pequena vila de pesca-dores no sul da Bahia. A pennsula, isolada de um lado pelo Rio Carava e do outro pela reserva indgena de Barra Velha, um distrito de Porto Seguro e fica na Costa do Descobri-mento: nome dado faixa litornea onde Pedro lvares Cabral e sua em-barcao chegaram ao Brasil, em 22 de abril de 1500. No por acaso, perto de Carava fica o Monte Pas-coal, pedao de terra que motivou

    o lendrio grito: Terra vista.O charme das ruas de areia fofa,

    a rusticidade do vilarejo e a sim-patia dos moradores de Carava pe-trificam os turistas, que no se do conta que o genocdio contra os indgenas, promovido a partir da invaso europeia terra dos nati-vos, comeou ali pertinho. O fato: a Aldeia Barra Velha, composta por ndios da etnia Patax, apesar de ignorada pelos visitantes de Cara-va, um livro de histria a cu

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    aberto, contado pelos verdadeiros donos do territrio brasileiro.A Aldeia Barra Velha uma enorme

    faixa de areia, que vai de Carava Ponta do Corumbau, outra praia paradisaca da regio. L no exis-tem mais ocas: os ndios dormem em casas de alvenaria ou, no mximo, em construes de pau-a-pique. As tradies indgenas, durante os 514 anos de contato com europeus, foram aos poucos se ocidentalizando, mas ainda existem. Somos ndios. Quem diz que no somos mais porque est de olho em nossas terras, afirma Luan, nome aportuguesado de Uakiti, de 25 anos, indgena e estudante de cincias sociais em Porto Seguro.O que Luan diz faz sentido. Ape-

    sar de estar em plena Costa do Des-cobrimento, a regio ainda no foi totalmente explorada pelo turismo, sendo que a enorme faixa de areia onde se encontra a Aldeia Barra Ve-lha intocada, mas constantemente assediada para servir a grandes em-preendimentos imobilirios. O as-sdio, hoje feito por grandes em-presas, j foi protagonizado pela Polcia Militar, responsvel por um grande massacre de indgenas da tribo na dcada de 50, aps a acu-sao de que ndios teriam roubado uma casa na Ponta do Corumbau.A questo indgena, um dos aspec-

    tos mais marcantes de Carava, ain-da se confunde com outros traos do lugar: as duras condies de vida para os pescadores e a escalada de um turismo cada vez mais elitizado - fatos que se misturam e esto di-retamente ligados. Afinal, a subida dos preos de grande parte dos es-tabelecimentos da pennsula, obriga os locais a morarem do outro lado do rio: no mais na nobre e charmo-sa Carava, mas sim em uma improvi-sada, recente e pobre Nova Carava, outro distrito de Porto Seguro.Um dos moradores de Nova Carava

    Formiga. Entre gole e outro de seu Corote, como chama a cachaa fe-chada em uma pequena garrafa pls-tica, ele diz ter 35 anos e ter nas-cido no interior de Minas Gerais. Formiga, bem como seu amigo Joo do Po, uma das figuras conhecidas da regio. Na linha tnue entre a simpatia e a inconvenincia, exi-bem seus dotes etlicos para todos os grupos de turistas que esto na vila, sempre pedindo mais um troco para o prximo Corote.A comicidade dos malucos beleza

    do vilarejo contrasta com hist-rias de vida duras, sofridas e re-voltantes: uma aula de Brasil. No fim de uma noite de intenso desem-penho alcolico, Formiga, ao lado de um casal de argentinos e uma du-

    Somos ndios. Quem diz que no somos mais

    porque est de olho em nossas terrasLuan, nome aportuguesado de Uakiti, indgena de origem Patax

    e estudante de cincias sociais.

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    pla de amigos paulistanos, contou como haviam sido seus ltimos meses de trabalho, em um lugar no muito distante de Carava. Os sorrisos, as risadas e as brisas em torno de uma fogueira, incandescente na es-curido da praia, cessaram assim que aquelas pessoas se deram conta do que Formiga dizia.Eu trabalhava na roa que nin-

    gum daqui tem coragem de ir, ele se gabava. a roa em que vrios amigos meus morreram, l eles no tem d. Levam a gente para casa branca e j era. A casa branca, segundo Formiga, o lugar onde moram, durante a poca da colhei-ta, os trabalhadores que pedem de-misso ou que assumem no querer trabalhar mais com os ps de caf. Eu dormi dois meses l. Todo mun-do morreu, s eu que fiquei porque sabia levar o Valdomiro [Formiga no explicou exatamente quem era Valdomiro, provavelmente um capa-taz da fazenda] na conversa. Na ltima semana, morei sozinho na casa branca, lembra.As condies de trabalho na roa

    de Formiga eram assustadoras: A gente acordava s quatro da manh, preparava a marmita e, s seis, quando entrava na plantao, todo mundo j tinha tomado um litro de cachaa, gargalha. Era o jeito, p? Voc acha que sbrio algum aceita ganhar 40 centavos por p de caf?, questiona. E o problema maior, para Formiga, no era nem o preo pago pelo servio, mas o quanto ele gastava na venda: s seis da tarde a gente chegava l no Seu Joaquim e bebia at onze da noite: todo mundo perdia mais di-nheiro bebendo que ganhava traba-lhando em um dia.A histria de Formiga em um traba-

    lho anlogo escravido tem contor-nos ainda mais dramticos. Depois de sua ltima fuga da roa, uma fazenda

    qual ele no sabia nem o nome nem o dono, no meio de uma madrugada em novembro do ano passado, ele chegou Carava e logo foi trabalhar em uma das barracas de comida e bebida na beira da praia. Um de seus primeiros clientes? Valdomiro, a quem tinha enganado para escapar da morte. Os olhos dele sangravam de raiva, ns dois ficamos paralisados na frente do outro. Mas a ele disfarou, no me enfrentou. Ele estava com a famlia inteira, no podia fazer nada. Eu servi ele a tarde inteira e ainda recebi um trocado de presente dele no final, explica.Eu no tenho medo de nada no.

    Quer apostar que eu volto pra roa assim que a turistada for embora?, disse, para desespero dos argenti-nos e brasileiros que o rodeavam, ainda entorpecidos pela histria de Formiga. No volta, Formiga, fica aqui em Carava trabalhando mes-mo, sugeriu um dos paulistanos, com os olhos vermelhos no por cau-sa da vela que ele j nem se impor-tava mais onde havia deixado, mas por lgrimas que ele no esperava que sassem de seus olhos.

    Voc acha que sbrio algum aceita ganhar 40 centavos

    por p de caf?Formiga, morador de

    Nova Carava. Durante a baixa temporada,

    trabalha em roas de caf na regio.

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    H no mundo moderno um mito to recor-rente que j quase tornou-se parte indisso-civel da nossa paisagem de sentimentos: o mito do fim da histria, do fim das utopias e do fim das grandes lutas para mudar o mundo. Esse mito, inventado nos anos 90 numa tentativa de descrever o novo pero-do da histria mundial que se iniciava, foi to criticado quanto passado adiante. Al-gum que olhasse o Brasil dos anos 90 at junho do ano passado diria que, realmente, a sociedade estava imersa num estado de insatisfao administrada, sem lutar por grandes rupturas, sem gritar por mudanas.

    Contudo, nada poderia ser mais falso. Enquanto ns olhamos para este texto, es-to em conflito em uma imensa gama de utopias diferentes, defendidas por pessoas tambm das mais variadas. Duas delas cha-mam-me particular ateno, no por seus mritos e sonhos mas, pelo contrrio, por serem dominantes e defenderem uma viso de mundo sofrvel para as geraes futuras, ao mesmo tempo em que o fazem de forma sutil e gradual, sem nunca dizer com hones-tidade o que est sendo proposto.

    A primeira dessas utopias a que eu cha-maria de utopia do homem exausto. Seus principais defensores so milionrios de capa de revista, governantes e economistas. O ob-jetivo da humanidade na utopia do homem exausto assegurar que todas as geraes futuras dediquem suas vidas ao trabalho. Os primeiros 20 e tantos anos de vida so para a preparao para o mercado, nos prximos 40 deve-se trabalhar no mnimo oito horas por dia, para enfim, aos 70, poder com mrito

    aposentar-se e aproveitar a vida, ou o que sobrou dela. Para eles, todo sacrifcio da po-pulao pouco em nome do aumento da confiana dos investidores no pas.

    A segunda dessas utopias ainda mais dis-simulada. a utopia do homem cansado. As coisas no vo bem, o trnsito est ruim, a educao pssima, os governantes alheios aos problemas da maioria, no h tempo li-vre para o lazer nem espaos de convivncia pblicos, mas... Sem baguna, pessoal!. No-vamente tivemos o nosso cotidiano incomo-dado por pessoas se mobilizando, querendo fazer algo diferente. Protestar para qu?, pensa o homem cansado. J to difcil ser massacrado diariamente pela realidade coti-diana, por que no me deixam descansar em paz? Descansem tambm, estamos todos cansados, vamos cuidar da nossa vida...

    Trabalhar at a exausto e praticar o cansao poltico o projeto utpico das elites de nos-sos tempos para que tudo fique como est.

    Porm, no existem tais lugares, esses mundos tal como descritos por essas uto-pias. O que no quer dizer que elas no estejam em projeto de construo e nos sendo propostas diariamente, que no es-tejamos resistindo sempre que nos posicio-namos contrrios aos seus ideais. A expe-rincia de junho mostrou que a histria no chegou ao fim, os conflitos para mudar a atual situao das coisas esto em ebulio e ningum est no controle desse processo. Resta pensarmos uma nova utopia.

    23 ANOS, mestrando em histria econmica pela UNICAMP e blogueiro.

    coluni

    sTas

    thomas contiUTOPIA

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    Todo ser humano culpado do bem que no fez Voltaire, escritor, ensasta, desta e filsofo iluminista francs.

    Mesmo com todas as ressalvas sobre o que Voltaire julgava ser esse bem, essa uma frase que merece reverncia. Isso porque traz luz a inerncia que h entre culpa e omisso. Voc j deve ter visto por a, das mesas de bar s reunies familiares, aque-le indivduo que se diz, orgulhosamente, apoltico: Ah, poltica no muito a minha praia, eu no ligo muito pra essas coisas.

    Eu espero que voc, leitor da Revista Vaidap, concorde comigo quando digo que isso muito triste. Porque mesmo. a crena mais escancarada que temos na ilusria e ignorante absteno. Ignorante, pois mostra um sujeito com dificuldades para estabelecer vnculos entre o espao que o rodeia e suas prprias necessidades. Ilusria, pois no se refere aos funciona-mentos concretos da realidade. Temos um indivduo que pensa adotar uma postura independente, quando na verdade se torna escravo de sua prpria inconsequncia.

    J dizia Plato: No h nada de errado com aqueles que no gostam de politica, simples-mente sero governados por aqueles que gostam. Quer dizer, realmente possvel ser nulo? Ao meu ver, s deixando de existir. O no fazer fazer algo. Ns trocamos figuri-nhas com o mundo at quando no quere-mos. Isso no uma opo. Mas quando re-solvemos participar, eventualmente pode ser.

    Quando damos um passo para trs diante de uma situao conflituosa, de duas uma: en-tregamos o poder nas mos de quem j o tem,

    ou damos chance para que algo seja feito sem nosso consentimento e possibilidade de luta.

    No dicionrio a palavra nulo aparece assim:adj (lat nullu) 1 Nenhum. 2 Que no vlido.

    3 Sem efeito ou valor: Contrato nulo. 4 Ineficaz. 5 Frvolo. 6 Vo. 7 Inerte. 8 Inepto; sem mrito.

    Repare que no h a ideia de indiferen-a ou neutralidade, mas sim a de invali-dez e ineficcia. Dois adjetivos perfeitos para expressar o peso que tais posiciona-mentos tm sobre o mundo.

    Uma vez que entendemos a fsica bsica de nosso cotidiano toda ao tem um efeito, por mais nfimo que seja compreendemos que cabe a ns sermos sujeitos ou sujeitados. Isso vale para a poltica, para nossas relaes inter-pessoais, para tudo. No h meio termo, no h absteno. O fato de existirmos j prev que faamos parte do jogo. No qual a verdadeira vitria se d no jogar dos prprios dados.

    Como conclura o educador Paulo Freire:A liberdade, que uma conquista, e no

    uma doao, exige permanente busca. Bus-ca permanente que s existe no ato respon-svel de quem a faz. Ningum tem liberdade para ser livre: pelo contrrio, luta por ela pre-cisamente porque no a tem. Ningum li-berta ningum, ningum se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunho.

    21 ANOS, graduando em psicologia pela UNESP.

    lucas pazettoE O KIKO?

  • Entrevista

    marcello gugu nocivo shomon

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