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Nº3-2015 Brasília | novembro | 2015

Revista VARAU #3 - Outubro de 2015

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Número 03 da revista eletrônica do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Brasília.

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Brasília | maio | 2015 | ISSN 2359-0084

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ISSN

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Brasília | Novembro | 2015 | ISSN 2359-0084

Revista CAU/UCB | 2015 | Editorial

EDITOR CHEFE

CONSELHO EDITORIAL

PROJETO GRÁFICO

COLABORADORES

Marcio Oliveira

Aline Zim | Carolina da R. L. Borges

Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi

Foto capa: CPAB- UnB| Jaime G. de Almeida

Perfil: Aline Zim | Carla Freitas

| Carolina da R. L. Borges

Artigos: Fernanda Capdeville Fajardo de

Queiroz | Frederico Rosalino da Silva | Tacia-

ne Cristine Guimarães Campelo

Explicando: Carolina da R. L. Borges

Acontece no CAU: Hugo Fernandes | Paula

Yaemi Uesato

Arqcartoon: Daniel C. Brito | Thiago P. Turchi

Arq Cartoon: Daniel C. Brito

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PERFIL MATHEUS GOROVITZ | PROFESSOR TITULAR FAU-UNB

ARTIGOS 1- A SUSTENTABILIDADE NAS CONSTRUÇÕES 2- PROCESSO DE EXECUÇÃO DE GRANDES OBRAS EM BAMBU 3- PALÁCIO DO ITAMARATY

EXPLICANDO 1- SOBRE O BELO NA ARQUITEURA CLÁSSICA

ACONTECE NO CAU 1- MUSEU DA ÁGUA 2- MUSEU KASATUMARU

ARQ CARTOON VIDA DE ARQUITETO

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PROF. CARLA FREITAS:

Considerando seus estudos que apon-tam Brasília como uma cidade plane-jada com ideais de cidadania que se-riam atingidos, dentre outras coisas, pela separação entre as escalas, tanto fisicamente quanto conceitualmente, de modo que tal organização contri-buiria para a formação do homem in-dividual, atendendo às necessidades daquilo que é particular do sujeito, e do homem enquanto ser coletivo, for-mando um cidadão livre. E perceben-do que atualmente Brasília enfrenta atualmente vários problemas de mo-bilidade urbana, gerados principal-mente pelo uso excessivo do automó-vel e pelos poucos espaços destinados ao pedestre. Como, na sua opinião, o que deu certo em Brasília e o que não funcionou? Como você vê o desen-volvimento da arquitetura de Brasília hoje?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Fico gratificado e agradecido por vocês terem me chamado para uma conversa. E gostaria de acreditar que vocês me cha-

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maram porque acreditam que o tipo de abordagem que a gente adotava na épo-ca em que nos encontrávamos na UnB ti-nha alguma importância, uma relevância.

Acredito que a conversa deveria se dire-cionar no modo como vocês formularam a questão, basicamente sobre a cidade de Brasília e sobre o ensino da arquitetu-ra, e vocês já acenaram para a reposta. O ensino da arquitetura implica em uma formação artística. Deve-se considerar a arquitetura como uma modalidade de manifestação artística e a cidade tratada como obra de arte, considerada como bela além de confortável e eficiente. (De-ve-se considerar a arquitetura como uma modalidade de manifestação artística e a cidade ser tratada como obra de arte, considerada como bela além de confortá-vel e eficiente)

É gratificante ver a questão ser retomada, mas ao mesmo tempo frustrante consta-tar a dificuldade das pessoas enxergarem a beleza. Escrevem-se textos, insiste-se sobre isso e não há rebatimento. A gente não vê a cidade respeitada ou bem cuida-da. A integridade que distingue a obra de arte deveria ser considerada e não, como está sendo, degradada.

Eu acho que os problemas que vocês le-vantaram decorrem da atual conjuntura da cidade, uma evidência, a configuração da cidade é diferente daquela que foi ori-ginalmente proposta. A cidade foi pro-posta para meio milhão de habitantes e agora....

Vindo de avião aqui para Brasília, levei um susto com o tamanho da mancha urbana, a cidade está se conurbando. É um negó-cio assustador! O Plano Piloto relegado a ser um mero bairro, problema que eu não me arriscaria a tentar resolver... resolver um problema de uma cidade que já não é mais aquela que foi proposta por Lucio Costa.

Outro aspecto é a incompreensão do que a cidade propõe. Lucio Costa diz: Brasília não é só o desenho de uma cidade, é um conceito de cidade. Então que conceito de cidade? Vocês mesmo já responderam, é a cidade feita para promover a consci-ência de cidadania. Resta perguntar o que seria a cidadania? Aristóteles ajuda ao de-finir não o que é a cidadania, mas o que é o cidadão. Nos diz que é aquele que toma parte na ação de governar e de ser gover-nado, e ao dizer isso, na verdade ele dis-tingue duas condições do ser humano, do indivíduo. Uma é a condição do indivíduo particular, como pessoa e a outra é esse mesmo indivíduo como um ser coletivo, que é governado, e, portanto, reconhe-ce regras de conduta na qual se insere. Quem diz isso de uma forma muito bo-nita é Machado de Assis num conto que se chama O Espelho onde diz: todo indi-víduo tem duas almas, uma que é de den-tro para fora e outra de fora para dentro, e o indivíduo se completa através dessas duas. A condição moderna de cidadania considera a condição individual e a condi-ção coletiva. Se a condição coletiva predo-mina, emerge um regime totalitário que desconsidera o indivíduo. Se o indivíduo

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é que prevalece, então, se tem uma anar-quia. A partir daí é que as duas condições deveriam ser consideradas. Bom, como é que Lucio Costa aborda a questão? Ele diz que a cidade foi imaginada, desenhada para conciliar o indivíduo, o ser humano como pessoa e como ser coletivo. E tem um texto dele que eu gosto que diz: O interesse do ser humano como ser coleti-vo nem sempre coincide com os interesses deste mesmo ser como sujeito, como pes-soa, compete ao urbanista resolver essa contradição fundamental.

Concretamente como se faz isso? Faz-se isso decodificando, ou desenhando uma cidade onde essas condições do indivíduo enquanto ser coletivo e ser particular, ou como pessoa, encontre o seu lugar. O su-jeito deve poder se encontrar na cidade nestas condições.

Então aquela ideia dos dois eixos que se cruzam basicamente configura dois ter-ritórios diferenciados e articulados e se tem uma leitura nítida daquilo que é o espaço coletivo, o espaço de celebração, este espaço que ele chama de escala mo-numental, e aquele da escala particular ou doméstica que é o outro eixo, o eixo curvo. Na verdade, ele diz que a cidade foi pensada em 3 escalas, monumental, doméstica e gregária. Na escala gregária, que seria o centro da cidade, as pessoas poderiam se encontrar em função de um impulso afetivo com outras pessoas. E por fim, como os 3 mosqueteiros que são 4, a outra seria a escala bucólica, aquele ter-ritório onde o indivíduo se encontre en-quanto ser natural, que se identifica com

a natureza. Na época era o único projeto do concurso que não encostava a cidade à beira do lago, todos os outros beiravam o lago como um fator de ambientação. Ele a afasta para criar esta outra escala (escala bucólica).

A escala é uma medida, só que uma me-dida não comensurável, é uma medida da consciência, incomensurável. Escala da consciência do ser humano como um ser coletivo e como ser individual. Acho um golpe de mestre o centro da cidade sem uma configuração emblemática. E ele re-fere-se à plataforma da rodoviária que não devia estar bem no eixo, mas descentrali-zada para não ser um centro de simetria do projeto. E dá um aspecto mais discreto porque já é o centro, por ser o centro da cidade já tinha importância.

Dai aquela polêmica que surgiu quando Oscar Niemeyer queria implantar um obe-lisco inclinado, eu realmente acho que aquilo poderia contrariar o conceito da ci-dade porque marcava um centro. Era um monumento, um obelisco entre a plata-forma da rodoviária e a esplanada, então marcava um centro. E acho que o que o Lucio Costa pretendia era uma equiva-lência das escalas, uma não deveria pre-valecer sobre a outra. Uma contribuição inédita, porque se você pegar essas cida-des que a gente considera como cidades obras de arte, como Paris, Washington... Paris, por exemplo, você tem a escala mo-numental e a escala do cotidiano, só que quem rege a composição é a escala mo-numental. Por exemplo, o Arco do Triunfo que é um centro onde todas as vias con-

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vergem. E quando você tem um centro você tem um predomínio, a questão da centralidade é que as coisas se organi-zam em função deste centro e então tem uma importância maior, estabelece uma hierarquia. Lucio Costa promove a escala residencial, segundo ele, com uma certa monumentalidade, sem ter mais ou me-nos importância do que as outras escalas.

Bom, agora porque obra de arte, quer dizer como é que ou em que aspectos a gente evidência o fato de ser uma obra de arte (cidade). Lucio Costa usa todos os recursos da criação da obra de arte, basi-camente a composição plástica. Ele com-põe! Reúne aspectos distintos através de certas normas da composição. A simetria, por exemplo é uma delas, um caso parti-cular da proporção. E é na proporcionali-dade onde a gente entende, por exemplo o tamanho da superquadra. Por que a su-perquadra é superquadra? É maior! Nor-malmente nas cidades as quadras são de 100 a 150 metros essas daqui tem 300, o dobro. Porque deveria ser proporcional, proporcionar o particular ao geral. E Lucio Costa propõe uma forma de se perceber isso, uma envoltória de árvores de tal o modo que promove a leitura do conjunto. Ele reclama nos seus escritos, a implanta-ção das palmeiras imperiais no eixo. Não pode! Porque a palmeira imperial, o nome já diz, tem a escala generosa dos espaços de celebração e que não é o caso aqui. Outra coisa que ele diz é que junto às en-tradas das quadras, nas tesourinhas, não se deveria plantar vegetação para que o quadrado dessa muralha verde, como ele

chama, possa ser percebido. Outra coisa, por exemplo, logo no início não tinha o código de obras, mas algumas indicações sugeridas por ele de como deveria ser tra-tada a arquitetura das quadras. Ele diz: evitem usar materiais e formas dos espa-ços monumentais, como granitos e már-mores, ou frontões e capitéis, que é o que distingue a escala monumental e, por-tanto, não deveriam ser usados. Aí toda quadra, todo síndico resolve tirar aquelas magníficas cerâmicas São Caetano que duram a vida toda para botar granito! Você fica ofuscado com aqueles espelha-mentos de granito! Então ele (Lucio Cos-ta) tinha uma visão clara da necessidade de preservar o conceito.

Um aspecto que ele considera importan-tíssimo na composição é a modenatura. E ele explica o que é a modenatura e dá um exemplo bem bonito: todo rosto humano tem a mesma disposição, os olhos mais ou menos no meio do rosto além do eixo de simetria. Mas cada rosto é diferente e a diferença está no tratamento dado às par-tes, a boca, os olhos, o nariz. Isso é o que distingue cada rosto. E Le Corbusier diz: a modenatura é a chave da arquitetura, ou seja, o modo como você trata as partes. E é o que ele (Lucio Costa) fez aqui, ele tratou as partes de uma forma diferencia-da, os espaços monumentais não tem a mesma maneira, ou o mesmo aspecto das superquadras.

PROF. CAROL BORGES:

E como você analisa a arquitetura atual aqui em Brasília, os prédios de

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superquadras que estão sendo cons-truídos, os prédios novos de 7 pavi-mentos?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

É triste, mas isso acontece porque há uma incompreensão da necessidade do equilí-brio dessa relação entre o que é o geral e o particular.

E onde está o problema? O problema é que não há uma consciência da diferença entre o que é particular e o que é geral, se confundem o interesse do homem como ser coletivo e os interesses particulares. É só você abrir o jornal toda hora e se tem a corrupção que nada mais é do que al-guém particular se apropriando de uma riqueza que é coletiva. Rui Barbosa já re-clamava: isso não vai mudar nunca?

Então, em Brasília acontece exatamente isso, é o comerciante do comércio local que invade uma área pública, é o síndico que trata o bloco como se fosse o quin-tal da casa dele. Eu fiquei doente quan-do tiveram que reformar o bloco onde eu morava na 308 Sul, o bloco I. De fato o revestimento estava caindo e e tinha que ser reposto. Eu e um vizinho também ar-quiteto nos propusemos a participar da comissão de obras, achávamos que tí-nhamos uma certa responsabilidade e pesquisamos qual material disponível no mercado pudesse preservar o caráter do bloco. Explicávamos tudo isso e as pesso-as vinham dizer: olha se a gente fizer isso que vocês estão falando não vão perceber que foi reformado. Durma-se com um ba-

rulho desses! E finalmente acabaram por botar uma pastilha vitrificada. Na época, eu reclamei para o IPHAN, mas acho que também não deram muita bola e aí ficou por isso mesmo.

Quem percebe a dificuldade de distinguir o coletivo do privado é o Sérgio Buarque de Holanda e vale a pena ler este capítulo de Raízes do Brasil sobre o homem cor-dial. Ele aponta que é enraizada no Brasil essa dificuldade de diferenciar o que é in-teresse coletivo do que é pessoal. A ques-tão da cidadania depende da capacidade de diferenciar essas duas dimensões e é na possibilidade de coabitar que podemos vislumbrar uma sociedade mais generosa, harmoniza e feliz.

Acho que uma questão que pode ser lem-brada é que Brasília foi considerada um patrimônio da humanidade. Por que ela poderia interessar para quem não mora na cidade? E interessar não só esta, mas outras gerações. O inglês traduz melhor essa ideia de patrimônio, human herita-ge – herança da humanidade, é o que se deixa como legado para os outros. E por isso Lucio Costa se refere à obra de arte como tendo um caráter de permanência. A gente aprecia as pirâmides, as catedrais e etc. até hoje embora não se tenha mais o mesmo ideário nem as mesmas certezas dessas épocas. Daí a gente poderia fazer o link com outro aspecto que vocês trou-xeram que é a questão do ensino, não é?!

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PROF. CARLA FREITAS:

Sim, a questão que você coloca em seu trabalho “Da construção do olhar sensível” e aponta para as transforma-ções artísticas ocorridas entre a anti-guidade e a arte moderna e como isso evidencia um processo de continuida-des e rupturas.

“As transformações artísticas analisadas no lapso de tempo decorrido entre a Antiguidade e a Arte Moderna evidenciam um processo de continuida-des e rupturas historicamente estruturadas. Cada momento desta trajetória é lastreado em condi-ções concretas que o precedem e contém simul-taneamente, em germe, as sementes do desenvol-vimento futuro.” (Gorovitz, M. Da construção do olhar sensível)

Aponta também para a importância e a necessidade do estudo e ensino das artes e de sua história para a educa-ção do arquiteto e para a formação de cidadãos. Indica ainda que este estu-do/ensino consiste em educar o juízo de gosto, e isto seria instrumentali-zar o arquiteto a identificar a beleza como expressão da totalidade huma-na. Frente a realidade brasileira atu-al que optou por massificar o ensino superior, priorizando a quantidade e não qualidade como você analisa o ensino para esta “utopia” de formar cidadãos, “nascida da esperança de transformação social, da promessa de emancipação do ser e da criação de uma natureza propriamente huma-na”?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Então o que é o ensino na arquitetura? O ensino na arquitetura não é ensinar a empilhar tijolo sobre tijolo, mas dar uma consciência de cidadania, e um dos re-cursos que a gente tem é através da arte. Dostoievski diz isso de uma forma muito bonita, acho que é em Crime e Castigo: a beleza salvará o mundo! Parece meio in-gênuo, né? Mas eu acho que arte é uma maneira de construir o humano, a condi-ção humana, de uma forma mais gene-rosa, Kant diria desinteressada, e quando Lucio Costa diz que para fazer uma cida-de capital você tem que estar imbuído de uma certa nobreza e dignidade de inten-ção, o que é essa dignidade? E por que dignidade?

Fui encontrar em um texto de Kant como ele define dignidade, como aquela re-lação desinteressada, quer dizer você se corresponde com os outros afetivamente não buscando um retorno. O comercian-te que te dá um sorriso, te trata bem e te diz bom-dia, tem um interesse. Nada contra, mas é uma forma interessada. Maria quando concebe o Cristo, ela o faz de uma forma desinteressada, sem a in-tervenção digamos de uma relação mais interessada.

PROF. CAROL BORGES:

Cheia de graça!

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Sim, cheia de graça, exatamente! Vocês lembraram bem, o que é a graça, vem de

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gratuito, de algo que se faz de uma for-ma onde a afetividade comparece não em função de algum retorno, como o amor e a amizade. É isso que eu acredito e fico muito satisfeito por vocês estarem nesta cruzada comigo, né?

Na apreciação da obra de arte você aju-íza, avalia, aprecia em função das suas capacitações pessoais sem a intervenção de fatores extrínsecos, por isso desinte-ressadamente. E ao pé da letra o que é interesse? Inter – est, colocar alguma coi-sa entre você e outra coisa ou pessoa. O desinteressamento não coloca ao ajuizar, o fator histórico, sociológico, ou econô-mico na leitura da obra de arte, então é um modo de exercer a tua sensibilidade, a tua afetividade... se descobrir enquanto ser humano.

PROF. CARLA FREITAS:

Matheus, e isso é ensinado?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

É uma boa pergunta. Eu que lhe devolvo a questão! (Risos) A ideia era sempre de tornar as pessoas melhores...

PROF. CARLA FREITAS:

Aí vem outra questão, como hoje com uma realidade tão adversa que cami-nha talvez na direção oposta dessa utopia, poderíamos chamar atenção para essas questões?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Não sei. Gostaria de ter a resposta, está acontecendo não só na arquitetura, mas acho que na música, no cinema, na litera-tura, na política ... onde estão os grandes estadistas nossos, né? Por que não temos um outro Rui Barbosa?

É um pouco frustrante, né? Uma vez em um seminário sobre o ensino pergunta-ram por que não formamos um outro Os-car Niemeyer? Aí ele morre e onde está a herança disso? Eu não sei, eu não sei a resposta. Se eu tivesse a resposta me can-didataria a algum cargo público.

Saí de Brasília, mas acho que tive o privi-légio de viver aqui. Aliás tive o privilégio muito grande em todo o meu percurso, porque do Brasil eu fui para Israel, morei em Jerusalém que é uma cidade obra de arte, de lá fui para Londres que também é uma cidade que pode ser considerada como obra de arte, depois Paris e Brasí-lia. Então tenho uma certa.... Sei lá, per-cebo a importância de você se identificar com a cidade. Só que estas cidades, Pa-ris, Londres, Washington estão cada dia melhores. Os prédios são bem tratados, a herança, é reconhecida, preservada e ce-lebrada.

Então sobre a pergunta de vocês, me pa-rece que na Brasília atual se desconsidera esse legado. Eu acho que tenho até um viés um pouco conservador, por que ela não vai mudar nunca, vai ter que fazer o que os outros fizeram? Eu acho que não. Eu não acho que a arte avança por ruptu-ras, mas sim por continuidade. Lucio Cos-ta diz isso de uma forma legal: a melhor

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forma de prever é olhar para trás. É tentar ver o que distingue essa arquitetura que a gente gosta e fazer diferente, mas preser-vando a qualidade.

Acho importante a questão da composi-ção. A composição não é só em arquitetu-ra, você tem composição na música, mas também tem composição na química. Se você colocar duas moléculas de hidrogê-nio e uma de oxigênio, o que vai acon-tecer? Vai dar água. É uma composição molecular que vai dar sempre o mesmo resultado. E é bom que dê, se você botar 2H mais 1O e der outra coisa, a gente está lascado, né?

A composição na arquitetura e nas artes em geral é uma composição que não é predeterminada. No modo como você reúne as coisas, permite uma expressão do particular. Na música isso é claro. É um jogo, Le Corbusier define arquitetura como o jogo sábio e magnífico dos volu-mes sob o sol, mas por que jogo? No jogo o resultado é indefinido, você nunca sabe se é o Flamengo ou o Fluminense que vai ganhar, quer dizer, você tem as mesmas regras do jogo. Então, na construção da obra de arte você tem as regras, as nor-mas da composição que você usa sempre, a proporção, a harmonia, o ritmo, a ca-dência, etc. São essas normas que você utiliza para que o resultado seja, ou o jogo, seja jogado de uma forma justa.

PROF. CAROL BORGES:

Sobre as tendências da arquitetura contemporânea, quais arquitetos vi-

vos você considera que estão produ-zindo uma obra de qualidade e como deveria ser o diálogo que o novo es-tabelece com o antigo no espaço ur-bano?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Bom, aqueles que todo mundo gosta, os vivos, né? Oscar Niemeyer já não posso citar, que era o artista brasileiro, o único artista brasileiro que quando vivo tinha uma projeção internacional. Hoje é aque-le escritor, o Paulo Coelho! (Risos) Bom, mas tem o Sebastião Salgado, que tudo bem! Mas aqui dentro ainda temos o nos-so Paulo Mendes da Rocha que está vivo e fazendo coisas bonitas. Eu tenho uma certa dificuldade de citar alguém. Em São Paulo tem alguns escritórios que eu gosto muito, MMBB, por exemplo, e uma série de escritórios que acho que tem uma ar-quitetura de qualidade porque reconhe-cem uma herança, pegam o bastão que o Artigas deixou, um fio da meada sem fazer igual, e estão fazendo coisas novas, não é necessário fazer igual. Mas é neces-sário ter um lastro.

Acho que a gente tem o papel superim-portante de mostrar como reconhecer e como a beleza transparece, por quais meios, para que se possa fazer o belo sem fazer igual. Porque fazer igual você está cerceando, reprimindo a condição da criatividade. Picasso sabia disto ao dizer: se sabemos exatamente o que fazer, para que então faze-lo?

E fora do Brasil realmente tenho uma cer-

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ta dificuldade, tenho visto por exemplo, em Paris uma série de obras que foram inauguradas, como a Filarmônica, é um horror! Jean Nouvel, acho, que tem aque-le museu lá de antropologia, acho muito ruim.

PROF. CAROL BORGES:

E aquele de arte contemporânea de Paris, o Pompidou? O que você acha?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Ah, na verdade sabe que eu participei do concurso? (Estou ficando velho, risos). Na época, o Paulo Mendes da Rocha tinha também um projeto. Eu achei que eles ti-veram uma bela sacada, eu gosto. O Fos-ter e o Piano criaram uma bela praça que é rampada, é quase um anfiteatro e fun-ciona muito bem. A arquitetura é uma ar-quitetura que eu não me identifico muito. É uma arquitetura cuja a forma, decorre da função, da técnica e da estrutura, quer dizer, os elementos pelos quais o prédio transparece são a grande estrutura de vi-gas enormes e aquela escada rolante ex-posta. Mas acho que foi feito com muita sabedoria. No Rio, não sei se vocês pas-saram naquele calçadão onde tem o MIS, Museu da Imagem e do Som, que está em fase de construção. Eu não sei de quem é, mas por que estou mencionando isso? Porque parte do mesmo princípio, ele tem a circulação que vai por fora e assim você pode apreciar aquela magnífica baia. A ideia é boa, só que ficou confuso, como é feito em concreto se confunde com o que está atrás e não tem como você reunir os

dois. É uma questão de modenatura.

Acho que lá no Pompidou, eles consegui-ram criar um evento bonito, você sobe pelas escadas rolantes e os telhados de Paris vão surgindo. Foi realizado de uma forma que acho muito clara, correta. Par-ticularmente, eu acho que a arquitetura que se expressa pela técnica, como toda técnica, se torna obsoleta em algum mo-mento. Você tem uma televisão preto e branco, depois uma colorida, aquela em preto e branco você não quer nem ver. Depois tem uma de plasma... então aquilo...a técnica tem essa condição de se tornar obsoleta. Tanto é que o museu Pompidou ficou não sei quanto tempo fechado porque estava enferrujando. Eu olho para aquilo, gosto! Por dentro acho que não tem nenhum atrativo, diferente, por exemplo, dos museus do Niemeyer que você por dentro tem uma leitura de um espaço único. Aquele museu de Curi-tiba, por exemplo.

PROF. CARLA FREITAS:

E o museu de Bilbao teria essa leitura inusitada por dentro?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

O de Bilbao é confuso por dentro, ele de alguma forma dialoga com a paisagem, com o rio e marca a paisagem. Agora ele (Frank Gehry) repetiu a solução em Paris, naquele museu Louis Vuiton e é horroro-so! É de uma grosseria, é desproporcio-nal, é desmesurado, não tem medida. E usa muitos materiais; madeira, não sei o

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que... E virou uma confusão, então não é um arquiteto que digamos parte de um conceito. É só olhar os croquis dele. Se você vê os croquis dele são rabiscos, não riscos!

No risco de Oscar Niemeyer todos os as-pectos essenciais da arquitetura estão presentes, há uma coerência. Bom, eu não sei acho um pouco conservador, mas ainda fico assim achando que eu posso ti-rar mais lições dessa geração dos anos 50.

Quando eu fiz o concurso de titular (da Fau-UnB), uma das professoras que estava na banca, esqueci o nome dela, falou as-sim: você só está mostrando Picasso, Van Gogh, e os contemporâneos, os novos?! Respondi: os valores da obra de arte per-manecem, eles são válidos até hoje, por que eu tenho que me referir só aos con-temporâneos para, digamos, falar da nos-sa época atual? Acho que cada leitura de uma obra de arte é sempre atual. Se você olha para Noite Estrelada de Van Gogh sempre vai descobrir algo novo. O exem-plo mais claro, a Mona Lisa é considerada uma das obras mais icônicas da humani-dade. Será por que é resultado mercado-lógico, ou por que ela tem uma história de que foi roubada, ou por que é do Leo-nardo da Vinci? Ele usa recursos pictóricos que sempre deixam em aberto a leitura, a começar pelo sorriso que é irônico. E o que que é a ironia? É você dizer alguma coisa, se referindo a outra, e aí o lado di-reito é diferente do esquerdo, a paisagem é diferente, ela está em uma posição que você não sabe se está de frente ou não. É

uma obra que permite uma leitura sem-pre tão nova que eu acho que sim merece essa condição de ícone.

PROF. CARLA FREITAS:

Matheus você começou a comentar agora sobre arte, e a prof. Aline esta começando a desenvolver um traba-lho sobre o trágico dentro da obra do Hélio Oiticia é uma relação com as fa-velas.

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Fala um pouco para eu saber mais porque conheço pouco a obra do Hélio Oiticica.

PROF. ALINE ZIM:

Estou tentando um deslocamento das categorias literárias para arquitetura, por exemplo, a ficção, a tragédia, o romance.

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Bacana isso é muito bonito...

PROF. CARLA FREITAS:

em algumas aulas você tentou intro-duzir estes conceitos do trágico, do sublime...

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Sim, as categorias do sublime e do belo, são algumas das que ajudam a gente. E do trágico acho que usei um pouco o dra-ma e a tragédia. Deixa eu ver se lembro um pouco...

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Bom, o belo e o sublime na verdade a gen-te associava muito como categorias que são úteis para distinguir uma condição da composição harmônica de uma composi-ção dissonante, falando da obra da Mona Lisa a gente se vale do conceito de subli-me, parte-se até da definição da física, o que é sublimar? É passar de um estado sólido para um estado gasoso sem atra-vessar o estado líquido, e o estado gasoso sempre tem contornos mais indefinidos. O sublime se prestaria mais a você expres-sar um conflito entre o objetivo e o sub-jetivo, entre o geral e o particular... não sei se no drama também se teria isso, o drama é a condição da problemática mais pessoal, enquanto a tragédia fala de uma condição coletiva. Eu me lembro até que a gente usava o exemplo do Hamlet, por que que o Hamlet pode ser considerado como um herói trágico moderno? Porque ele introduz o tempo todo a dúvida, quer dizer ele tem a consciência do coletivo, mas ele tem uma consciência lúcida da subjetividade, daí angustiante, da condi-ção dele como sujeito da ação. Ser ou não ser? É uma identidade como ser, a ques-tão do ser não como substantivo, mas sim como verbo, da identidade tributária da ação. Do conflito diante da condição de príncipe (coletiva) e da condição afetiva, filho do pai assassinado, do choque entre a liberdade e a necessidade. Esse conflito dele como pessoa e como ser coletivo é a condição da tragédia, da tragédia grega, do Édipo que se vê nesta situação con-flitante e deseja romper com a predesti-nação divina, daí sua grandeza, heróica. E é o conflito que promove a mudança.

E na arquitetura eu gostaria de ver o teu trabalho (prof. Aline) porque gostaria de ver isso rebatido. Se a gente retomar a questão da diferença entre o barroco e o clássico acho que você vai realmente encontrar algumas categorias que vão te ajudar a situar isso. E o Hélio Oiticica eu já vi a obra dele, mas conheço pouco.

PROF. CARLA FREITAS:

E sobre a educação do juízo de gosto – a qualidade interna versus a massifi-cação do ensino – não é quantidade, é qualidade interna...

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Outro dia a prof. Claudia Garcia me dis-se que entram por semestre 70 alunos na UnB! Se o que a gente fazia na aula, abrir um espaço onde cada indivíduo possa se encontrar, como é que você faz isso com tanta gente? Não dá. Então o que está prevalecendo é a mesma coisa que pre-valece em Brasília ... A ganância, o lucro, o tirar vantagem, que as escolas particu-lares estão aí com o objetivo comercial! Mas se devia ter essa consciência de que a escola está aí para ensinar cidadania e não para colocar no mercado técnicos de edificação. E a faculdade de arquitetura, na verdade, e vocês sabem disso, a gente (referência ao grupo de pesquisa em esté-tica) era um estranho no ninho, a gente poderia resolver?! Uma matéria isolada dentro de um ensino que é todo direcio-nado para, digamos, formar técnicos – e se ainda fosse direcionado para formar bons técnicos em edificação, tudo bem!

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Mas nem isto! E artistas nem se fala! Dá uma olhada no campus da Universidade de Brasília para ver o que está acontecen-do. Eu me envolvi num projeto que era o Centro das Artes, para suprir espaços para o departamento de Desenho Industrial que precisa de espaço, e eu me envolvi nisso. Tem um terreno lá na extremidade sul do Minhocão, um terreno grande, em-baixo da Biologia. E a gente pegou aquele terreno para implantar um centro das ar-tes: a Música, o Desenho Industrial, Artes Visuais e Artes Cênicas. E a Faculdade de Arquitetura estava com necessidade de reformar o espaço físico. Eu perguntei por que Arquitetura não está neste Cen-tro das Artes? E não tem resposta... não é considerada uma profissão artística e a consequência está aí, o que a gente vê na cidade. A cidade está sendo desfigurada. Fazendo uma arquitetura que é de pés-sima qualidade, aquele setor hoteleiro é horroroso, apesar da bela referência do Hotel Nacional, lá do lado. Acho que o ensino não está se preocupando com essa formação cidadã e acaba se refletindo no que a gente está vendo aí na cidade. Os exemplos são inúmeros, me ocorre agora o shopping center Brasília, quer dizer apa-rece um prédio que realmente não tem di-álogo nenhum com nada e que só chama a atenção para ele mesmo pelas formas mais inusitadas, para não dizer ostenta-tória!

Uns estudantes lá da FAU de São Paulo também me pediram uma entrevista e aí estávamos comentando, porque o Nie-meyer não deixou discípulos. Em nada

ajuda o viés crítico da obra de Niemeyer, Lucio Costa, no sentido de que Brasília se-grega, impede o exercício da condição de cidadania, um discurso que na Fau-UnB vocês conhecem! Que os espaços são muito amplos, as pessoas não se encon-tram! Que Niemeyer já era, só está fazen-do projeto que não tem mais qualidade! Então se você descarta essas referências... eu não acho que se deva fazer uma nova cidade, exatamente como é Brasília, mas acho necessário compreender que a cida-de além de um funcionamento bom em termos de circulação, de conforto, boa e segura, tem que ser bela. Retomando a tríade de Vitruvius: além da firmitas e da comoditas, a venustas; quer dizer é uma tríade que deve ser considerada, e quan-do a gente fala que tem que ser uma obra de arte a gente não está dizendo que não tem que ser bem resolvida, formulada em termos técnicos e funcionais. Tem que ser sólida, resistir às intempéries, mas o que eu acho é que esse aspecto das artes está sendo negligenciado. E acho que isso é uma das razões pelas quais não estão sur-gindo outros Niemeyers por aí. Acho que a gente reprime o estudante.

PROF. CAROL BORGES:

essas últimas obras do Niemeyer o que você acha?

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Bom, menciono essa última que ele fez e acho que foi um equívoco, aquela do obelisco. Aqui em Brasília, qual que a gente poderia lembrar?

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PROF. CAROL BORGES:

A procuradoria, o museu da república e a torre digital

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

A torre digital eu realmente não achei bo-nita, não gostei do modo como são arti-culados aqueles balanços, achei grosseiro. É só comparar a torre do Lucio Costa que tem uma delicadeza e tem uma relação entre a estrutura metálica e a base, aquilo é uma obra de mestre. Acho que talvez o melhor daquela torre é ver a cidade de dentro dela, não é?! Como o Vitor Hugo que era contra a torre Eiffel e ele ia tomar seu café da manhã debaixo da torre e di-zia é o único lugar que eu não a enxergo. Hoje sabemos que ele estava errado, por-que de fato ela é linda e dá um caráter à cidade. Nem todas as obras do Picasso tem o valor da Guernica. Acho que tem que dar um desconto para o artista que pode nem sempre fazer uma obra mestra. Mas acho que no conjunto a obra do mes-tre é coerente. Ele deu uma cara a Brasí-lia, e mesmo da arquitetura brasileira, e tem uma diferença, sempre se fala dele como discípulo do Le Corbusier, mas não, ele tem uma maneira de fazer arquitetura que incorpora como legado, o barroco, e uma das coisas mais admiráveis é o modo de inserção no espaço.

PROF. CARLA FREITAS:

Me lembro de uma frase que você fa-lava muito pra gente, dizendo que ele (Oscar Niemeyer) responde ao Le Cor-

busier dizendo não é o ângulo reto que me atrai, mas é a curva, eu me lembro muito disso.

PROF. CAROL BORGES:

o Niemeyer era mais do barroco...

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Sim, e o Le Corbusier detestava o barroco, porque ele dizia que no barroco você vê tudo de uma vez e parece que é um mon-te de gente falando ao mesmo tempo. Para a arquitetura ser apreciada é preciso andar, tem que se andar. Você vai vê um trecho, e aí continua ...

PROF. ALINE ZIM:

Podemos talvez levantar a questão do patrimônio, Matheus. Eu estive em Pa-ris em janeiro e vi numa revista alguns ensaios sobre essa questão de modifi-car o patrimônio, verticalizar a cidade, essas questões de se manter ou de se deixar a cidade evoluir. Vi umas cida-de futuristas por cima da própria Paris histórica, uns ensaios muito ousados e como isso fica em Brasília? Porque ao mesmo tempo que nós como seres mó-veis com a comunicação globalizada, com computadores e celulares enfim, o Photoshop e toda essa questão das técnicas estamos muito velozes e ao mesmo tempo a arquitetura se torna densa e pesada, ela não acompanha o nosso ritmo enquanto seres mutantes como lidar com a questão do patrimô-nio em Brasília?

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Page 21: Revista VARAU #3 - Outubro de 2015

PROF. MATHEUS GOROVITZ:

Sim, não se trata de engessar a cidade. Bom, acho que a questão é a responsa-bilidade de permitir que aquilo que tem um valor universal possa ser preservado e transmitido. Possa ser herdado por outras gerações. Alois Riegl levanta a questão de distinguir entre o patrimônio histórico e o patrimônio artístico, e ele preconiza que o patrimônio artístico é subordina-do ao patrimônio histórico. Eu não acho, senão a Casa da Dinda, iria ser tombada por que foi a residência de um presidente (o Collor). Acho que a questão do patri-mônio se insere nesta discussão que é o reconhecimento daquilo que deve perma-necer, aquilo que tem o caráter de perma-nência e tratar de que isso não se desfi-gure. Me parece que a questão é simples assim, mas para isso é necessário também que os responsáveis pelo patrimônio te-nham uma formação artística. Acho que numa palestra de uns italianos que vieram aqui, no final da palestra me perguntaram se Brasília é fruto da criação de um indi-víduo e como é que você faz uma cida-de, se você precisa que essa criação saia do traço de um indivíduo, que é o artis-ta... na época eu não consegui responder muito bem, mas pensando hoje acho que normalmente uma cidade é fruto de uma equipe, né? Você tem uma série de pro-fissionais de diversas áreas que intervêm ali, em termos de transporte, em termos ambientais, enfim. Eu acho que sim, essa consciência artística deve estar presente na equipe, acho que tudo passa então para mim por isso. Quer dizer eu acho

que sim a beleza salvará o mundo. E ou-tro aspecto que acho que a gente poderia assim levantar é a questão do conceito de humanidade, Schiller que diz que a con-dição humana é um horizonte do qual a gente se aproxima mais e mais sem nunca a alcançar. Então a condição humana é uma condição de transformação é sem-pre possível ficar melhor. Harry Bertoia, o designer de móveis, daquelas cadeiras bonitas que tem uma trama de aço, res-pondeu à pergunta: qual é o segredo de se fazer um projeto. E ele diz: o segredo de fazer um projeto é o mesmo de se vi-ver, é que sempre é possível fazer melhor. Então acho que a arte é aspiração e envol-ve a questão do tempo. A transformação é função do tempo. O ser tributário do tempo, o Heidegger desenvolve o tema. Então é isso aí!18

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A composição na arquitetura e nas artes em geral é uma com-

posição que não é predeter-minada. No modo como você reúne as coisas, permite uma

expressão do particular. Matheus Gorovitz

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RESUMO

A indústria da construção, se por um lado é uma das principais responsáveis pelo impacto socioambiental, é também um segmento que tem um grande potencial de contribuição. A inserção de critérios de sustentabilidade nas definições de proje-to representa uma oportunidade de mu-dança da realidade e de contribuição para desafios globais, como a preservação do meio ambiente, o respeito à cultura local, o desenvolvimento regional sustentável e, até mesmo, a redução da desigualdade social. A despeito das boas práticas de ar-quitetura e dos modelos históricos existen-tes, que procuram garantir o conforto do usuário, assegurando a minimização dos impactos sobre o meio ambiente e sobre a sociedade, hoje torna-se indispensável refletir sobre o que estamos verdadeira-mente construindo em relação a espaços e em relação a modelos de produção e de desenvolvimento.

Palavras-chave

sustentabilidade, impacto socioambiental e modelos históricos existentes.

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O rápido avanço industrial e tecnológico proporcionou melhores condições para o desenvolvimento humano no ambien-te urbano. Porém a busca insaciável pelo bem-estar e pelo crescimento vem esgo-tando os recursos naturais, gerando po-luição e grande volume de resíduos, dei-xando para as próximas gerações a difícil tarefa de solucionar os problemas socio-ambientais gerados e de encontrar alter-nativas para seu próprio sustento.

O conceito de “Desenvolvimento Sus-tentável” surgiu nas últimas décadas do século XX para traduzir ideias e preocu-pações em relação à gravidade dos pro-blemas que causam riscos às condições de vida no planeta. O termo foi consagrado no relatório da Organização das Nações Unidas (ONU): Nosso Futuro Comum, em 1987, que ficou conhecido como Rela-tório Brundtland. Nesse relatório, a ONU destacou a importância de se considerar os limites no uso de recursos naturais e conceituou o desenvolvimento sustentá-vel como “aquele que satisfaz as necessi-dades presentes sem comprometer o su-primento das gerações futuras”.

O conceito de desenvolvimento susten-tável apoia-se na integração de questões sociais, ambientais e econômicas, consti-tuindo o tripé conhecido como Triple Bot-tom Line. Contudo, ao longo dos anos, as dimensões da sustentabilidade foram se ampliando à medida que novas questões foram sendo incorporadas ao conceito. Em 2000, Ignacy Sachs apresenta sete di-mensões a serem consideradas.

O discurso em torno da sustentabilidade ainda tende a uma perspectiva antropo-cêntrica, centrado no homem, em suas necessidades e uma visão utilitária da natureza. Porém é importante lembrar que, sob uma visão sistêmica, o “desen-volvimento sustentável” interliga diversas questões, como: justiça social, equidade, gênero, ética, alimentação, saúde, edu-cação, segurança, direitos humanos e re-dução de emissões. Sob esta perspectiva, somos parte do mundo e toda escolha que fizermos terá repercussões que se es-tendem para além de nós. Desta forma, o ambiente natural configura-se não ape-nas como espaço de usufruto, mas como lugar de existência justa e plena.

Atualmente a preocupação com a sus-tentabilidade perpassa todas as formas de produção e consumo. No caso da pro-dução do espaço não é diferente, com o agravante de que indústria da construção civil é uma das principais responsáveis pe-las ações de impacto socioambiental no mundo.

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Dimensões da Sustentabilidade

Ambiental ou Ecológica• Abrange o uso dos recursos naturais visando a minimização dos danos aos sistemas de sustentação da vida, garantindo assim a sua preservação, a redução do volume de resíduos e de poluição e a utilização de tecnologias limpas e de maior eficiência.

Social• Aborda a equidade na distribuição de renda, a diminuição das diferenças sociais e a

possibilidade de emprego que assegure qualidade de vida e igualdade no acesso aos

recursos e serviços sociais.

Econômica• Defende uma eficácia econômica avaliada em termos macrossociais e não apenas

na lucratividade empresarial, aborda o desenvolvimento econômico intersetorial

equilibrado e a capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção.

Cultural• Considera o respeito à cultura e especificidades locais, garantindo continuidade e

equilíbrio entre a tradição e a inovação.

Espacial ou Territorial• Busca de equilíbrio na configuração rural-urbana e melhor distribuição territorial

dos assentamentos humanos e atividades econômicas; superação das disparidades

inter-regionais e elaboração de estratégias ambientalmente seguras para áreas ecolo-

gicamente frágeis a fim de garantir a conservação da biodiversidade e do ecodesen-

volvimento.

Política• No âmbito nacional baseia-se na democracia, apropriação universal dos direitos

humanos; desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto

nacional em parceria com empreendedores e em coesão social.

• No aspecto internacional tem sua eficácia na aplicação do princípio da precaução

na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais; prevenção da biodiversidade e

da diversidade cultural; gestão do patrimônio global como herança da humanidade;

cooperação científica e tecnológica internacional.Fonte: MENDES, Jefferson Marcel Gross. Dimensões da Sustentabilidade.Disponível em: http://www.santacruz.br/v4/download/revista-academica/13/cap5.pdf (Adaptado pelo autor)

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IMPACTOS DA INDÚSTRIA DA CONS-TRUÇÃO

A história da vida de uma edificação co-meça bem antes de ela estar pronta: to-dos os materiais nela utilizados requerem que suas matérias-primas sejam extraídas e processadas, antes de serem fabrica-dos. São comercializados, transportados, e aí sim utilizados. E, depois de prontas, as edificações passam pela fase de uso, manutenção e eventuais transformações. E em sua fase final, os elementos ainda continuam sua história, podendo ser rea-proveitados, ser decompostos na nature-za, reciclados ou incinerados.

A indústria da construção, se por um lado é uma das principais responsáveis pelas ações de impacto socioambiental, é tam-bém um segmento que tem um grande potencial de contribuição na área. De acordo com o relatório do UNEP (Progra-ma das Nações Unidas para o Meio Am-biente), publicado em março de 2007, uma boa arquitetura e a economia de energia em prédios poderiam fazer mais pelo combate ao aquecimento global do que todas as restrições de emissão de ga-ses de efeito estufa definidas no Protocolo de Kyoto. (SOBREIRA et al, 2007)

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Extração de recursosrenováveis enão renováveis

Construções novas Habitação

Escritórios

Comércio

Demolição

IncineraçãoResíduo

Reciclagem

Renovação ereabilitação

Fabricação demateriais

Infra-estruturapública

A construção civil uti-liza mais da metade dos recursos naturais extraídos do planeta na produção e ma-nutenção do am-biente construído.

Após a extração, as matérias--primas são processadas in-dustrialmente, o que requer energia e implica em emissões de gases do efeito estufa e ou-tros tóxicos.

O transporte da grande massa de materiais e dos resíduos de construção tem impactos am-bientais não desprezíveis: emi-tem gases de efeito estufa e elevam a energia incorpora-da1 do material.

A construção e o uso dos edifícios consomem 16,6% do fornecimento mundial de água pura. (WINES apud LAMBERTS)

A informalidade que atinge muitos setores da cadeia produtiva da construção im-plica em baixa qualidade de materiais e serviços o que, além de agravar os proble-mas ambientais, cria proble-mas sociais com o desres-peito aos direitos dos traba-lhadores e a sonegação dos impostos

Pesquisas realizadas pela Eletrobrás demonstram que o consumo de energia elétrica nas edifica-ções corresponde a 45% do total faturado no país. No caso de prédios comerciais ou públicos, o acondicionamento de ar é responsável por 48% desse consumo e iluminação, de 24%.Estima-se que é possível reduzir o consumo de energia em 50% para novas edificações e em 30% para aquelas que promovam reformas que contemplem os conceitos de eficiência energéti-ca2 em edificações.

Estima-se que mais de 50% do resíduo urbano é constituído de entu-lho de obra, sendo que grande parte é passível de ser reciclado. No en-tanto, reciclar é uma exceção. As perdas de materiais se dão nas fases de transporte, de comercialização, de construção, manutenção a e de-molição. A geração de resíduo é intensificada pela falta de coordena-ção modular dos projetos e dos componentes, pelo baixo grau de in-dustrialização e pelas deficiências de gestão em todo o processo.

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Extração de recursosrenováveis enão renováveis

Construções novas Habitação

Escritórios

Comércio

Demolição

IncineraçãoResíduo

Reciclagem

Renovação ereabilitação

Fabricação demateriais

Infra-estruturapública

A construção civil uti-liza mais da metade dos recursos naturais extraídos do planeta na produção e ma-nutenção do am-biente construído.

Após a extração, as matérias--primas são processadas in-dustrialmente, o que requer energia e implica em emissões de gases do efeito estufa e ou-tros tóxicos.

O transporte da grande massa de materiais e dos resíduos de construção tem impactos am-bientais não desprezíveis: emi-tem gases de efeito estufa e elevam a energia incorpora-da1 do material.

A construção e o uso dos edifícios consomem 16,6% do fornecimento mundial de água pura. (WINES apud LAMBERTS)

A informalidade que atinge muitos setores da cadeia produtiva da construção im-plica em baixa qualidade de materiais e serviços o que, além de agravar os proble-mas ambientais, cria proble-mas sociais com o desres-peito aos direitos dos traba-lhadores e a sonegação dos impostos

Pesquisas realizadas pela Eletrobrás demonstram que o consumo de energia elétrica nas edifica-ções corresponde a 45% do total faturado no país. No caso de prédios comerciais ou públicos, o acondicionamento de ar é responsável por 48% desse consumo e iluminação, de 24%.Estima-se que é possível reduzir o consumo de energia em 50% para novas edificações e em 30% para aquelas que promovam reformas que contemplem os conceitos de eficiência energéti-ca2 em edificações.

Estima-se que mais de 50% do resíduo urbano é constituído de entu-lho de obra, sendo que grande parte é passível de ser reciclado. No en-tanto, reciclar é uma exceção. As perdas de materiais se dão nas fases de transporte, de comercialização, de construção, manutenção a e de-molição. A geração de resíduo é intensificada pela falta de coordena-ção modular dos projetos e dos componentes, pelo baixo grau de in-dustrialização e pelas deficiências de gestão em todo o processo.

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A CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

As questões de sustentabilidade chega-ram à agenda da arquitetura e do urba-nismo, trazendo novos paradigmas, com maior ênfase na vertente ambiental e na limitação do uso de recursos naturais, em decorrência das discussões internacionais sobre a crise energética, na década de 1970. Posteriormente, o enfoque abran-ge materiais, componentes do edifício, tecnologias construtivas, além de concei-tos relacionados à energia. A seguir, ou-tros aspectos como as questões sociais e econômicas passaram a ser considerados para o desenvolvimento sustentável nas construções. E mais recentemente, os as-pectos culturais e as implicações do pa-trimônio cultural do ambiente construído também passaram a ser relevantes (Sjös-tröm apud LAMBERTS).

Em tempos de maior cobrança do mer-cado sobre a origem dos produtos e mé-todos de produção, conforme afirma BE-TIOL et al (2012), os critérios de decisão hoje devem transcender preço, estética e qualidade, e considerar também questões ambientais como substituição de fontes poluentes, redução e reciclagem de re-síduos, economia de água e energia, e questões de responsabilidade social como combate ao trabalho escravo, inclusão social e melhoria no relacionamento com comunidades.

Para ARAÚJO, construção sustentável não é um novo modelo, mas uma nova forma de pensar a construção e tudo o que a en-volve. Nela convergem tendências como

arquitetura ecológica, antroposófica, bio-climática, bioconstrução, arquitetura sus-tentável e permacultura.

O Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Sustentável – Idhea coloca como características de uma construção sustentável:

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1. Planejamento e gestão sustentável da implantação da obraConsiste no planejamento do ciclo de vida da edificação, de modo que ela seja eco-nomicamente viável, socialmente justa e ecologicamente correta, tenha longa vida útil. Considerar a sustentabilidade desde a fase de planejamento, evita que o projeto se torne mais caro devido às soluções alternativas de menor impacto ambiental.

2. Consumo racional de energia e água na implantação da obra e ao longo de sua vida útilBusca solucionar, reduzindo ou mitigando, as elevadas demandas por energia e água na edificação, preconizando dispositivos/sistemas economizadores, manutenção preventiva e ainda a utilização de energias alternativas, principalmente renováveis.

3. Aproveitamento passivo dos recursos naturaisSignifica aproveitar ao máximo os recursos naturais disponíveis, como o sol, a umida-de, os ventos e a vegetação, buscando confortar e gerar bem-estar aos usuários da edificação.

4. Uso de matérias-primas ecoeficientesUtiliza materiais de menor impacto social e ambiental, de preferência de baixa ener-gia incorporada, como os provenientes de recursos e mão-de-obra local ou reciclados. Além disso, deve conservar a saúde e a segurança dos usuários.

5. Gestão de resíduos e contaminação ao longo de sua vida útilVisa reduzir a geração de resíduos, pelo menos desde a fase de obra, uso e manuten-ção. Incluiria considerar também a fase de fabricação e transporte do material e a fase final do edifício. Pensar no destino final dos produtos após o término de sua vida útil e prever materiais com potencial para, ao término de sua vida útil, ser reciclados ou reutilizados.

6. Ocupação mínima do terreno e integração ao ambiente natural, com reduzido impacto no entorno

7. Adaptabilidadeàs necessidades atuais e futuras dos usuários

8. Ambiente interior saudável e confortável aos usuáriosSignifica prover condições de salubridade em termos de umidade, material particula-do, emissões de gases e/ou outros compostos orgânicos voláteis que podem prejudi-car a saúde ambiental e a qualidade de vida dos usuários.

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UMA NOVA ARQUITETURA?

A Arquitetura Sustentável é discutida por diversos autores sem haver um consenso global sobre seu significado. Embora haja discordância entre as definições para Ar-quitetura Sustentável, o que parece ser de comum acordo entre os diversos autores é que “(...) as preocupações devem come-çar desde o projeto, prosseguirem duran-te a construção e participarem da etapa de utilização” (LAMBERTS).

Historicamente, no Brasil, havia uma tra-dição de arquitetura que garantia confor-to térmico por ventilação natural ou pelo uso de estratégias de “modo misto”, uti-lizando ar condicionado apenas quando necessário. A arquitetura vernacular já fa-zia uso de recursos e mão-de-obra local garantindo o desenvolvimento regional e produtos de baixa energia incorporada e apropriados ao clima, antes de se falar em “sustentabilidade”.

A arquitetura modernista brasileira, du-rante o período de 1930 a 1960, também empregava amplamente brises, cobogós, claraboias, varandas, garantindo maior conforto ambiental ao mesmo tempo em que resgatava uma identidade histórica e cultural.

Fig 2 - Cidade de Ouro Preto / MG. Arquitetura colonial e, ao lado esquerdo da foto, o Grande Hotel de Ouro Preto, projetado pelo arqui-teto Oscar Niemeyer em meados de 1940.

Fonte: http://www.grandehotelouropreto.com.br

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“Entre os arquitetos brasileiros atu-antes nessa época, Lúcio Costa foi um dos que cumpriu um papel exemplar na educação e na prática arquitetô-nica, na medida em que ressaltava a importância da compreensão das condições climáticas e da geometria solar para a concepção de projetos. Além da adaptação ao clima, o inte-resse dessa arquitetura por recursos de projeto como os quebra-sóis era vinculado à influência corbusiana e às consequentes intenções estéticas.”

(GONÇALVES, 2006, p.52)

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Além disso, a modulação, uso de pré-fa-bricados e a flexibilidade do espaço – ca-racterísticas marcantes da arquitetura mo-dernista brasileira – atendem princípios da construção sustentável, uma vez que im-plicam em menor geração de resíduos du-rante obra, uso e manutenção do edifício.

Com relação às experiências mais re-centes, citam-se as obras do o arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé, vinculado ao desenvolvimento de edificações mais sus-tentáveis. Porém, Lelé afirmou não ter a intenção de fazer uma arquitetura susten-tável, mas sim praticar uma arquitetura de qualidade. Ele visava utilizar os recur-sos arquitetônicos para construir espaços agradáveis e saudáveis. Tentava explorar ao máximo do planejamento para evitar desperdícios, fazer uso racional dos re-cursos naturais e tomar decisões mais acertadas quanto ao tipo de material ou técnica a ser empregada, considerando o processo de fabricação dos materiais e seus benefícios ao longo do ciclo de vida útil da construção. (Arquitetura e Cons-trução, Especial Construção Sustentável, Lelé: o arquiteto do bem-estar, 12/2010. Disponível em: http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/cidade/lele-arquiteto--bem-estar-630033.shtml Acessado em 04/09/2015)

Quer dizer, os preceitos de uma constru-ção sustentável de uma certa forma já são atendidos pelas boas práticas de arquite-tura. Para CÂNDIDO (2012):

É necessário desmistificar: (...) Projetar para o lo-cal, estudando os condicionantes específicos e res-pondendo satisfatoriamente a eles, não é caracte-rística de Arquitetura Sustentável. É simplesmente Arquitetura.

Porém o desenvolvimento em larga escala de edificações ineficientes e de baixa qua-lidade, trouxe à tona as discussões sobre a sustentabilidade nas construções. A proli-feração de edifícios de vidro, pouco ade-quados ao clima e ao entorno, faz com que o Brasil hoje seja o quinto maior com-prador mundial de condicionadores de ar (PEREIRA apud CBCS, 2014). Logo, a despeito das boas práticas de arquitetura e dos modelos históricos existentes, hoje se torna indispensável refletir sobre o que estamos verdadeiramente construindo em relação a espaços e em relação a modelos de produção e de desenvolvimento.

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CONCLUSÃO

A construção civil, devido à sua larga es-cala, utiliza uma grande quantidade de re-cursos naturais e movimenta diversos ser-viços, pessoas e setores produtivos. Assim, a inserção de critérios de sustentabilidade na escolha dos métodos construtivos, dos materiais utilizados e de projeto de uma forma geral, representa uma oportunida-de de mudança ao longo de uma cadeia produtiva de relevante impacto socioam-biental.

Construir de forma sustentável não é no-vidade, visto que as boas práticas de ar-quitetura procuram garantir o conforto do usuário, assegurando a minimização dos impactos sobre o meio ambiente e so-bre a sociedade. No entanto a produção de edificações ineficientes nos últimos anos e a percepção dos grandes impactos da atividade humana trouxeram à tona a discussão da sustentabilidade na constru-ção civil.

Como participantes ativos da produção dos espaços construídos, arquitetos e en-genheiros devem, por ética, considerar os impactos ao longo de todo o ciclo de vida da edificação. E antes de pensar na inser-ção de sistemas alternativos acoplados nas edificações que visam apenas reduzir o consumo de recursos durante a fase de uso, é preciso encarar a construção como parte de um sistema maior e refletir em como suas escolhas poderão gerar meno-res impactos, desde a extração de maté-rias-primas até a fase do descarte.

Percebemos que a prática da construção sustentável propõe alterar a realidade e contribuir para desafios globais, como a preservação do meio ambiente, o respeito à cultura local, o desenvolvimento regio-nal sustentável e, até mesmo, a redução da desigualdade social. Visto que isto é possível e desejável, torna-se importante conscientizar os profissionais da constru-ção civil sobre sua responsabilidade de construir não somente espaços, mas tam-bém uma realidade mais gentil com as pessoas desta e das próximas gerações.

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RESUMO

O presente trabalho apresenta o desen-volvimento da construção do Centro de Referência em Educação Ambiental do Sindicato dos Professores do Distrito Fe-deral -SINPRO-DF, o qual conta com a maior área de cobertura construída e, si-multaneamente, utilizando estruturas em bambu e tendo no salão principal o maior vão livre entre apoios já edificado no Brasil até a data de sua conclusão.

O projeto executivo teve início em agosto de 2012, quando o bioarquiteto e perma-cultor Sérgio Pamplona nos apresentou o audacioso projeto que nos encantou e logo foi abraçado por nossa equipe. O mesmo foi concluído em dezembro de 2013.

Palavras-chave

estruturas em bambu, engenharia de bai-xo impacto, sustentabilidade.

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INTRODUÇÃO

A construção de estruturas em bambu de grande porte já é muito comum em ou-tros países do mundo, tais como Colôm-bia, Indonésia, Vietnã e Índia. Esses paí-ses possuem a tradição de aproveitar as propriedades mecânicas dessa planta em estruturas na construção civil e já desen-volvem pesquisas na área civil há longas datas, além de dispor de grandes quanti-dades de matéria prima e alta qualidade em termos de padronização.

No Brasil, entretanto, as estruturas de bambu ainda possuem pouca aplicação na construção civil, se comparadas com a utilização de estruturas em concreto ar-mado, estruturas metálicas, e estruturas de madeira. Em contrapartida, o bambu é um material de construção que atende aos requisitos de resistência e já é conhe-cido, por meio de diversos estudos desen-volvidos pelo mundo, os seus parâmetros de resistência para um seguro dimensio-namento. É um material que caracteriza--se por ter sua seção transversal em forma de seção tubular oca e baixa e massa es-pecífica, conferindo uma excelente condi-ção de momento de Inércia.

Projetar estruturas de grande porte no Brasil não é o maior desafio, pois existem diversos excelentes calculistas em madei-ra que, com o auxilio de um conhecedor técnico profundo do material, no caso o bambu, teria condições de projetar uma estrutura sem maiores dificuldades. Con-tudo, esta seria apenas uma pequena e talvez a mais simples das etapas até que

a obra esteja concluída, pois os conheci-mentos daí em diante são mais práticos do que teóricos e dependem de uma série de fatores, que vão desde a dificuldade de se obter material de qualidade até a mão de obra experiente.

DESENVOLVIMENTO

Após a solicitação feita pelo bioarquiteto Sergio Pamplona, iniciaremos o calculo es-trutural, detalhamento e a execução das coberturas das edificações do Centro de Práticas Sustentáveis. Para tanto, foi assi-nado um contrato com o cliente, no caso o Sindicato dos Professores do Distrito Federal -SINPRO-DF, que contemplava ini-cialmente apenas a elaboração dos proje-tos, e somente após a conclusão de todas as peças gráficas, seria possível a elabo-ração do orçamento para a execução da obra. Os trabalhos de detalhamento das estruturas tiveram inicio em agosto 2012.

O projeto completo conta com uma área total de coberturas executadas com estru-turas em bambu de 1011 m², sendo com-posto por quatro edificações, a saber:

Prédio Principal (centro) - Paredes estrutu-rais em Taipa de pilão, vigas de amarração e fundações em concreto armado, estru-tura da cobertura em bambu Dendroca-lamus Asper com vão livre máximo de 17 metros, telhas de cavaco de madeira e área de projeção de cobertura de 460 m²

Coube a nossa equipe, projetar e executar, apenas as estruturas em bambu, por isso, relataremos apenas as questões referen-

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Fig 2 - Oca Prédio Multiuso - Paredes estruturais em Superadobe, vigas de amarração e fundações em concreto armado, estrutura da cobertura em bambu Dendrocalamus Asper com vão livre máximo de 9,50 metros, telhas de madeira e área de cobertura de 175 m²

Fig 3 - Prédio Multiuso Prédio de sanitários - Paredes em Superadobe, vigas de amarração e fundações em concreto armado, estrutura da cobertura em bambu Dendrocalamus Asper, telhas de madeira e área de cobertura de 116 m

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tes a estas estruturas. No entanto, como as outras atividades acabam sendo execu-tadas simultaneamente, situações de obra ocorreram e m erecem serem destacadas em situações de interferências relevantes.

Para melhor compreensão, o projeto com-pleto, do cálculo até a revisão, foi dividido em etapas, as quais serão descritas a se-guir. Serão apresentados os processos os quais foram desenvolvidos, tais como os principais desafios encontrados, discus-sões e recomendações

2.1 CALCULO ESTRUTURAL E DETA-LHAMENTO

Inicialmente foi realizado o ajuste da ar-quitetura para uma solução que pudesse ser exequível para a realidade do bambu, embora o arquiteto não tivesse tanta ex-periência com o material, a solução estru-tural arquitetônica era bem apropriada, o que resultou em pequenos ajustes. Estes ajustes foram desenvolvidos em ambiente CAD 3D por meio da ferramenta sólidos. Tratava-se de uma lançamento inicial ba-seado na experiência da equipe em cons-truções com bambu.

Após a definição do sistema estrutural ajustado para a arquitetura, realiza-se a conversão para malha e inicia-se o lança-mento estrutural. A análise estrutural foi realizada utilizando o programa compu-tacional SAP2000 v.10.0.7, da empresa Computer and Structures Ind.(CSI), cuja formulação numérica é baseada no Méto-do dos Elementos Finitos (MEF).

Para análise da estrutura foram utilizadas as normas, ESTRUCTURAS DE MADERA Y ESTRUCTURAS DE GUADUA, TÍTULO G, da NSR-10- REGLAMENTO COLOMBIANO DE CONSTRUCCIÓN SISMO RESISTENTE, a NBR 7190/97 - Projeto de estruturas de madeira, a NBR 6123/88 - Forças devidas ao vento em edificações e a NBR 6120/80 - Cargas para o cálculo de estruturas de edificações.

Estas normas técnicas foram suficientes para subsidiar as análises de esforços, tanto para as barras quanto para as uni-ões, compostas em sua grande maioria, de barras roscadas.

Após o dimensionamento das peças e uni-ões definidas, iniciou-se o detalhamento das estruturas, etapa de extrema impor-tância para o sucesso do empreendimen-to. Nesta etapa, deve-se contar com a experiência prática do projetista, sempre auxiliado pelo carpinteiro, pois muitas das vivências de obra do carpinteiro não são passadas para o projetista, mesmo acom-panhando de perto a construção.

Esta etapa, além da definição das dimen-sões das peças, diâmetros, espessuras de parede e tipos de uniões, deve-se dedicar um tempo observando questões como a resolução da forma com que as uniões serão executadas, definição da sequência em que as peças serão executadas, defi-nição do posicionamento dos andaimes, projetação da estrutura, pensando no má-ximo de peças que possam ser pré fabrica-das em solo, e padronização do máximo de bocas e uniões.

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2.2 ORÇAMENTO

Após concluído todo o detalhamento das estruturas, chegava a hora de elaborar o orçamento para a execução da obra. Esta etapa exige um cuidado especial, e consi-derando uma obra de grande porte, um erro pode significar grande prejuízo para o construtor e para o proprietário da obra.

Considerando a inexistência de parâme-tros de custo do tipo PINI, SINAPI, ou qual-quer outra fonte de composição de custo, é fundamental que o construtor desenvol-va suas próprias composições. Portanto, a experiência prática é fundamental para se elaborar um orçamento mais próximo da realidade possível. O ato de se aventurar em uma grande obra de bambu sem o conhecimento de composições de custo e sem experiência em construções de bam-bu, pode ser bastante traumático.

2.3 AQUISIÇÃO DE MATERIAL

A aquisição do material não é tarefa mui-to simples para a realidade brasileira. Ad-quirir material de qualidade, ou seja, o bambu maduro, colhido em época certa, seco adequadamente, com uma mínima padronização de dimensões e tratado adequadamente, ainda é uma grande de-safio que precisa ser superado para que a atividade da construção com bambu in natura seja desenvolvida.

É muito comum a prática do “garimpo”, ou seja, a colheita de touceiras em sua maioria não manejadas, com colmos ma-duros e não maduros misturados, locali-

zadas em propriedades longes umas das outras. Tal operação encarece o custo do material, pois é necessário mais frete e mão de obra para a extração e transporte.

No caso estudado, o bambu utilizado nas coberturas foi a espécie dendrocalamus asper. A escolha se deu pelo fato de ser um bambu que apresenta características superiores aos outros bambus disponíveis na região, tais como menor quantidade de fissuras pós obra quando utilizado na região do DF, maiores diâmetros dos col-mos, maior disponibilidade na região do DF, menor gasto com frete e possibilidade de geração de renda aos agricultores da região. Considerando a realidade brasilei-ra no que se refere a falta de padroniza-ção dos colmos, até que esta questão seja equacionada, ou pelo menos minimizada, recomenda-se adquirir de 15 a 30% a mais de material.

Parte do material foi adquirido de “ga-rimpos” na região de Brazlândia-DF e parte de matas localizadas no estado de São Paulo-SP. Todo material adquirido foi transportado até o Sítio Bambuaçú, loca-lizado na cidade de Brazlandia-DF, e trata-do por imersão em tanque com Octobo-rato dissódicco tetrahidratado.

É Importante que os colmos estejam em uma umidade média em torno de 18% antes de serem utilizados. Quando utiliza--se peças com umidades acima de 25%, existe a necessidade de reaperto de por-cas e abraçadeiras depois da obra conclu-ída, gerando custos extras ao construtor.

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2.4 EXECUÇÃO DA OBRA

Trata-se da etapa mais complexa de todo o projeto. No entanto, baseando-se na experiência de projetos anteriores, quan-do se consegue detalhar os projetos pen-sando em todas as variáveis que podem ocorrer durante a execução da estrutura, é possível minimizar a grande maioria dos problemas que porventura apareçam. Para tanto, a experiência é fundamental. Além disso, a falta de uma equipe expe-riente no ato da execução de uma obra deste porte, é no mínimo imprudente.

Considerando a dificuldade de se obter matéria prima de qualidade, conforme co-mentado no item 2.3, assim que chegam os colmos na obra, recomenda-se que se inicie a seleção das peças de acordo com o projeto, buscando sempre as peças mais longas, com maiores diâmetros e mais re-tilíneas. Caso seja necessário a aquisição de mais material durante a obra, tal pro-cesso pode ser problemático, podendo ocorrer desde atrasos na obra, até a ne-cessidade de se instalar as peças com um grau de umidade inadequado.

Recomenda-se que, logo após a seleção das peças, se faça a lavagem, a passagem da lixa e aplicação de, pelo menos, uma demão de Stain impregnante. Esta opera-ção auxilia na proteção dos colmos, evi-tando possíveis fissuras de retração.

Conforme comentado no item 2.3, é im-portante utilizar peças com grau de umi-dade em torno de 18%. Para tanto, é es-sencial utilizar um equipamento medidor

de umidade para realizar esta verificação.

A fim de agilizar o processo de confecção de bocas e cortes, é importante criar ou adaptar ferramentas que agilizem o tra-balho. No caso da obra do SINPRO, por exemplo, uma furadeira horizontal indus-trial foi adaptada para confeccionar as bocas de peixe 45 e 90 graus. O tempo de produção de cada boca reduziu de 4 minutos para menos de 1 minuto, se con-siderarmos equipamentos manuais.

Em construções com um número grande de peças com cortes iguais, mesmo que tenham tamanhos diferentes, uma alter-nativa que agilizou o processo construtivo foi a adoção de alguns elementos em eu-calipto torneado para unir peças de bam-bu. A adoção desta prática, que consistiu em tornear pequenas peças de eucalipto tratado, fazendo com que todas as peças tivessem o mesmo diâmetro, e com isso, todas as bocas de bambu que se juntas-sem a esta peça seriam feitas com um única serra copo, sem a necessidade de ajuste da boca de peixe.

Antes de iniciar a pré fabricação das peças no solo, é importante conferir todas as medidas de fundação, estrutura e demais elementos já edificados da obra. Princi-palmente em se tratando de coberturas, deve-se ajustar o projeto dimensional das estrutura de bambu e, a partir daí, deve--se iniciar a fabricação dos elementos.

O ponto mais importante de toda a exe-cução da cobertura principal, a de maior dimensão, 17 metros de vão livre e 11

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Fig 5 - Detalhe de peças de eucalipto torneado para padronização das uniões

Fig 4 - Prédio de sanitários

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metros de altura, é o posicionamento das primeiras peças, responsáveis pelo alinha-mento de toda a cumeeira. Deve-se de-dicar muita atenção nesta etapa da exe-cução, pois a altura, a dimensão e peso das peças dificultam muito o trabalho, de modo que não deve-se economizar em andaimes e equipamentos de segurança.

2.4 REVISÃO GERAL

Recomenda-se em qualquer constru-ção a elaboração de um plano de manu-tenção preventiva, conforme preconiza a norma técnica NBR 5674 Manutenção de edificações - Procedimento. Este plano deve abordar aspectos importantes para maximizar a vida útil da edificação, evi-tando possíveis danos que impossibilitem a sua utilização.

No caso das construções em bambu, este plano deve prever uma revisão geral após um ano da obra finalizada, principalmen-te nas construções executadas em regiões com grande variação de umidade do am-biente. A revisão deve englobar o reaper-to de parafusos, fechamento de fissuras, instalação de abraçadeiras, eliminação de insetos, reaplicação de verniz, entre ou-tras ações.

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

A construção de grandes obras com es-truturas em bambu no Brasil não é tarefa fácil. São grandes os desafios e maiores ainda os aprendizados. Recomenda-se se-guir e cumprir algumas etapas essenciais para que o resultado final seja o melhor possível, possibilitando uma obra execu-tada com qualidade, segurança e retorno financeiro para o construtor, são elas:

• Projeto estrutural elaborado por espe-cialistas;

• Maquete física;

• Padronização de uniões priorizando a pré-fabricação em solo;

• Adaptação de equipamentos e ferra-mentas;

• Detalhamento executivo;

• Detalhamento do processo executivo (passo a passo da obra);

• Orçamento detalhado baseado em ex-periências anteriores e preços de fornece-dores reais;

• Definição de carpinteiro experiente e es-tudo do projeto em conjunto;

• Estudos das interfaces (instalações, ve-dações, coberturas, etc);

• Elaboração de Plano de Manutenção Preventiva.

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BIBLIOGRAFIA

ESTRUCTURAS DE MADERA Y ESTRUC-TURAS DE GUADUA, TÍTULO G, da NSR-10- REGLAMENTO COLOMBIANO DE CONSTRUCCIÓN SISMO RESISTENTE

NBR 7190/97 - Projeto de estruturas de madeira.

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O presente artigo tem por objetivo apre-sentar uma análise do Palácio do Itamara-ty enquanto obra de arte, enquadrando dentro das categorias da obra Conceito Fundamental da História da Arte, de Hein-rich Wolffin. Tal taxonômia tem como con-tribuição a aplicação de uma metodologia e o fornecimento de uma objetividade às expectativas estéticas da arquitetura. Por fim, traz-se à baila, através da assimila-ção das supracitadas categorias, atividade ponderativa, produzindo emissão de valor sobre as impressões que o objeto de estu-do emite ao observador.

Palavras-chaves

Estética, arquitetura, itamaraty e Oscar Niemeyer.

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Fig 2 - Palácio do Itamaraty – Projeto de Oscar Niemeyer, Brasília – DF, 1960/1970 Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/artigo275973-3.aspx

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1.METODOLOGIA

Para a compreensão da edificação en-quanto categoria estética, a análise se es-trutura nas seguintes etapas:

a) a descrição objetiva da edificação;

b) o enquadramento da edificação nas ca-tegorias estéticas de Heinrich Wolffin;

c) o enquadramento do objeto sob as li-nhas de leitura trazidas pela Gestalt;

d) a percepção do objeto como imagem (interpretação pessoal) e enquanto lin-guagem (obra vista enquanto suporte de significados universais).

Na primeira parte, intenta-se mostrar o contexto em que surge o Palácio do Ita-maraty. Elucidadas estas questões, to-mou-se a obra Conceito Fundamental da História da Arte, de Heinrich Wolffin, e, a partir das categorias ali elencadas, procu-rou-se enquadrar a edificação escolhida. Por fim, faz-se necessária a análise parti-cular e uma interpretação pessoal, a partir das elucidações anteriores.

2. CONTEXTO HISTÓRICO

O palácio do Itamaraty, também conhe-cido como Palácio dos Arcos, perfaz, se-gundo Guilherme Wisnik (WISNIK, p.1), parte da segunda leva de projetos do ilustre arquiteto Oscar Niemayer para pré-dios oficiais na nova capital federal. Sua construção data dos entremeios de 1963 a 1970, embora sua pedra fundamental e seus respectivos estudos e discussões ini-

ciais remontem ao ano de 1959.

Ronaldo Rossetti, no sentido de dissecar o contexto histórico à época do projeto e do desenvolvimento da obra do Palácio do Itamaraty, destaca que, embora Juscelino Kubistchek tenha de fato institucionali-zado, de forma irrevogável, o estabeleci-mento da nova capital, o cenário político – pós-golpe de 1964 – não se mostrava favorável ao programa e ao cronograma de atividades iniciais – os atrasos, os vetos projetuais e as inúmeras ingerências eram uma constante – postergando resultados.

Ocorre, todavia, que o chanceler em questão, tinha grande interesse na imple-mentação do Palácio. Para isso, mobilizou os aportes financeiros necessários, respal-dando toda a equipe técnica envolvida e legitimando ainda mais Brasília como nova capital: a transferência da chancela-ria para o planalto central importava na reafirmação dos valores republicanos, mas acima de tudo, de soberania nacional, afi-nal de contas, trata-se de um ministério cujo escopo está em revelar a política bra-sileira para além das fronteiras.

3. FORMA/DESCRIÇÃO DA EDIFICA-ÇÃO

O Palácio do Itamaraty encontra-se situa-do na Esplanada dos Ministérios, próximo à praça dos Três Poderes, em Brasília, fun-cionando como “transição entre o núcleo central da espacialização do poder, defi-nida pela Praça dos três poderes, com a Esplanada”.

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Como dito anteriormente, por se tratar de uma segunda etapa projetual do Nie-mayer, o Palácio precisou ser articulado dentro do contexto já edificado e, isto, sob o princípio de unidade arquitetônica enunciado pelo próprio arquiteto e desta-cado pelo Rossetti: “equivalência plástico- formal entre os diferentes projetos dos palácios” (ROSSETTI, p.4). Compreendia a grosso modo como uma espécie de diálo-go entre as hierarquias edificadas.

O projeto foi desenvolvido sob bases bas-tante claras: criar um contexto de articu-lação entre um ambiente extremamente administrativo, rijo; e outro, eminente-mente representativo, solene, cerimonia-lista. Desta forma, nada melhor do que criar essa conexão entre edifícios distin-tos. Essa explanação permite, portanto, assegurar que desde sua gênese o projeto previa a construção de um bloco horizon-tal de fundo, sobre o qual se sobrepõe edificação eivada de arcadas, afastando, pois, qualquer intenção desavisada de crí-tica ao programa.

O prédio principal - o palácio propriamen-te dito - é configurado por um conjunto de arcadas simétricas em concreto apa-rente – uma espécie de exoesqueleto que emoldura a caixa (cubo) de vidro (planta quadrada). Há quem diga que esse mo-vimento das arcadas é uma releitura dos casarões coloniais e vinculam a edificação ao estilo neoclássico, marcado pelos pi-lares de simetria, harmonia, pela modu-lação – também respeitada nos espaços internos; verdadeira regra projetual. Além disso, assevera Rossetti, que a estrutura

em análise faz referência à antiga sede do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro; mas o que de fato surpreende é a leveza que o supracitado exoesquele-to, embora de concreto aparente, confere ao conjunto edificado.

Por fim, da atividade descritiva objeti-va, o projeto presenteia as autoridades, os visitantes e seus usuários diretos com a cobertura que abriga o jardim suspen-so projetado por Burle Marx. Nesse nível, os arcos da colunata tocam a cobertura, formando uma imensa varanda. O jardim tem iluminação direta, através da aber-tura conferida pelas pérgolas, inserindo, assim, o elemento mais importante do conjunto: o céu da capital (presente no re-flexo do espelho d’água; é o elemento de contraste com o conjunto da edificação; e instrumento integrador da varanda).

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Fig 3 - Planta Baixa – Palácio do Itamaraty | Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/artigo275973-3.aspx

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Modulação externa influencia e é base para a modulação dos espaços internos

da modulação.

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Fig 4 - Croquis Oscar Niemeyer | Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/artigo275973-3.aspx

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Esplanada dos Ministérios: o Ministério da Justiça e das Relações Exteriores quebram homogeneidade das edificações ministeriais e

funcionam como transição aos prédios sede dos Três Poderes.

Forma simples, equilibrada, regular, harmônica, leve e ao mesmo tempo austera, clara, una, sutil, dotada de pregnância e sobre a qual a atividade

de percepção mostra-se imediata e global.

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Fig 5 - Croquis Oscar Niemeyer | Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/artigo275973-3.aspx

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Os eixos reguladores marcam a simetria e a modulação da

edificação.

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4. DESCRIÇÃO DA EDIFICAÇÃO A PAR-TIR DAS CATEGORIAS DE HEINRICH WOLFFIN

Elucidadas as características objetivas da edificação em análise, tomaremos por de-senvolvimento estabelecer conexões entre o Palácio do Itamaraty e as categorias es-téticas, deflagradas na obra de Heinrich Wolffin, em Conceitos Fundamentais da História da Arte.

A primeira categoria em pauta é a da edi-ficação enquanto objeto pictórico ou não--pictórico (linear). Cumpre inicialmente destacar, que pictórico remete a imagem visual percebida pelo observador a partir de uma sobreposição de formas, oportu-nizando as ‘“vistas”’. O campo pictórico guarda, assim, intensa relação com o Bar-roco, visto estarem atadas à perspectiva de movimento; privilegiam-se as bordas, sua sinuosidade, a incapacidade de orde-nar as cenas, a existência de manchas (luz e sombra) e estas marcadas pela indepen-dência da forma.

De outro lado deve-se compreender a edificação como não-pictórica, ou sim-plesmente linear, como aquela que traba-lha com planos definidos e marcado pela finitude; a forma mostra-se clara, tangí-vel e suficiente em si mesma; se exaure na atividade da observação. Valoriza-se as linhas, os ângulos retos, a uniformidade e simetria; sombra e luz para serem consi-deradas lineares devem estar relacionadas diretamente à forma pura da edificação.

Assim como o Barroco está intimamente relacionado ao pictórico, o Classicismo faz-se facilmente apreendido como de-pósito de características do linear, senão vejamos:

No momento em que ressurge o Classi-cismo, as formas separam-se temporaria-mente umas das outras. Nas fachadas do palácio vemos janela ao lado de janela, cada uma podendo ser apreendida sepa-radamente. A aparência se evaporou. A forma concreta, sólida, perene, deve ser expressiva, e isto significa que os elemen-tos do mundo tangível – linha, superfície, corpo geométrico – devem remontar a li-derança. Toda a arquitetura clássica busca a beleza naquilo que é; a beleza barroca é a beleza do movimento. Na primeira, as formas ‘“puras”’ encontram a sua pátria, e os arquitetos procuram dar forma visível à perfeição das proporções eternamente válidas. Na segunda, o valor do ser per-feito perde em significado ao lado da no-ção da vida que respira. A constituição do corpo não é indiferente, mas a exigência básica é a de que ele se movimente; so-bretudo no movimento está o estímulo da vida. (WOLFFIN, p.89)

E é nesse exato contexto linear que o Pa-lácio do Itamaraty pode ser enquadrado. Isto, facilmente observado quando do uso intenso do privilégio às formas puras (planta quadrada, ângulos retos), uso de modulação, alicerçado em pilares fortes de simetria, harmonia e cujos critérios de luz e sombra são inerentes à forma tan-

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gível da edificação. O Palácio dos Arcos é bastante em si mesmo, haja vista ser plas-ticamente determinado.

A segunda categoria enunciada é a de plano e profundidade. Fala-se, aqui, na perspectiva da profundidade, própria da arte Barroca, segundo a qual, como dito alhures, tem seu pilar mestre na desvalori-zação da linha: “evita de antemão toda e qualquer expressão planimétrica; ele bus-ca a verdadeira essência do efeito, o cerne da imagem, na intensidade da perspecti-va em profundidade” (WOLFFIN, p.156). Ademais, Wolffin sobre a arte da profun-didade assevera:

A arte da profundidade nunca se reve-la por completo numa visão puramente frontal. Ela convida sempre a uma visão lateral tanto nos interiores como na parte externa dos edifícios. (WOLFFIN, p.160)

De outra forma, tem-se as bases do pla-no. Esta é a linha oriunda da arte clássi-ca. Desta herança, fala-se em camadas planas, gerando clareza na representação e ressaltando aspectos da forma básica pura. Sendo assim, temos:

A arte clássica, sensível à beleza das su-perfícies aprecia o tipo de decoração que permanece plana em todas as suas par-tes, seja atuando como uma ornamenta-ção que preenche os planos, seja como simples divisórias de campos. (WOLFFIN, p.164)

Tecidas as observações, resta claro a iden-tificação do Palácio do Itamaraty como ni-

tidamente planificada, haja vista se revelar puramente frontal, bastando-se na apre-ensão da forma básica do quadrado. As diferentes alturas da cobertura e da caixa de vidro representam um todo harmôni-co, dotado de unidade e completude que se justapõe de forma planimétrica. Embo-ra existam avanços e recuos na edificação, um não se faz mais importante do que o outro.

A terceira categoria perfaz a análise da forma: se fechada ou aberta. O Palácio dos Arcos nesse contexto de análise da forma compreende aspectos de tectonia; isto é, na “inevitabilidade da estrutura-ção; na absoluta imutabilidade.” (WOLF-FIN, p.202) Limitada e rígida, a forma é acabada e, como já dito, bastante em si mesma. Tal categoria remete a postulados advindos do Renascimento:

“O alto Renascimento italiano concreti-zou, no âmbito de seus valores particu-lares, o ideal da forma totalmente fecha-da...” (WOLFFIN,p.204)

A tectonia povoa áreas de relações simé-tricas e de contrastes bastante definidos, formas sequenciadas e justapostas. A isto, vê-se a atectonia como contraponto. Esta é marcada pelas formas abertas, busca a desarticulação de um eixo central e critica as linhas mestras dos ideais clássicos de ri-gidez, pois diz afastar-se da realidade. Ân-gulos retos são refutados, agregando-se valor às diagonais; a harmonia cede lugar à instabilidade; e a simetria torna-se mais flexível, fluida.

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Quanto a pluralidade e a unidade – quar-ta categoria elencada por Wolffin – resta claro que tanto nas perspectivas do Re-nascimento, quanto no Barroco a propos-ta de unidade se faz perseguido. Ocorre, todavia que dentro da concepção mais racional, próprio do caso mais racional, próprio do caso em análise, esta união se dá de forma múltipla sob a coordenação do todo edificado. Essa perspectiva faz–se claramente observada no Itamaraty quan-do da relação do exoesqueleto e do cubo de vidro: individualmente harmônico e globalmente também. A isto se contrapõe a proposição de uma unidade única, ab-soluta e indissociável, própria do Barroco, senão vejamos:

A unificação barroca acontece de várias maneiras. A unidade é obtida, por exem-plo, através de uma anulação uniforme da autonomia das partes; desse modo sur-gem motivos isolados, dominantes, que se impõe aos outros, os quais passam a figurar como motivos menores. Essa rela-ção de domínio e subordinação também existe na arte clássica, mas com a diferen-ça de que a parte subordinada ainda pre-serva o seu valor independente, enquanto que na arte barroca até mesmo a parte dominante perderia um pouco do seu sig-nificado, se fosse considerada separada-mente de seu contexto. (WOLFFIN, p.253)

O último critério categorizado no estudo em comento classifica o objeto – edifica-ção escolhida – sob os aspectos de clareza e obscuridade. Indubitavelmente temos a associação do Renascimento à clareza e do contraste (obscuridade) ao Barroco.

Aqui, contrapõe-se a realidade da carga dramática, carregada de manchas (claro e escuro) deste último e a realidade objetiva e detalhista do primeiro.

Nestas esteira, importa destacar que o Palácio do Itamaraty guarda certa capa-cidade de permear as duas situações ao mostra-se, no contexto externo (diante de todo conjunto edilício adjacente) vincula-do à categoria de clareza; mas, se toma-do em análise por percepção tão somente as estruturas que compõe o prédio em si mesmo, vê-se a expressa relação entre o claro (exoesqueleto, eivado de arcadas) e a caixa de vidro (escuro), esta influenciada diretamente pela projeção da iluminação e da sua respectiva sombra.

5. OBJETO SOB O OLHAR DA GESTALT

Antes de nos atermos especificamente às leis e categorias da Escola em questão, importa, inicialmente elucidarmos o que compreende a Gestalt, trazendo, assim, contexto e didática à análise.

A Gestalt é, como bem assevera João Gomes Filho, “uma escola de psicologia experimental” (GOMES FILHO, p.18); que teve suas linhas iniciais na Áustria, com Christian von Enrenfels e ganhou corpo, anos mais tarde, na Alemanha, em Frank-furt, com Max Wertheimer, Wolfgang Kohler e Kurt Koffka.

O intuito do grupo estava em, através de pesquisas experimentais, traçar linhas para a teoria da forma, com inteiras con-tribuições aos estudos sobre percepção,

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Fig 6 - Jardim/Varanda – Emoldurado pela cobertura do Palácio do Itamaraty Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/artigo275973-3.aspxFig 6 - Jardim/Varanda – Emoldurado pela cobertura do Palácio do Itamaraty Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/artigo275973-3.aspx

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opondo-se à ideia de que tais questões estariam restritas ao campo subjetivo do indivíduo; perspectiva esta refutada, de pronto, pela psicologia, haja vista ter como parâmetro os aspectos fisiológicos de funcionamento do sistema nervoso humano para a problemática do trinômio: sujeito, percepção e objeto.

A fundamentação teórica que baliza a Escola da Gestalt está na apropriação de uma nova leitura sobre o fenômeno da percepção da forma. Desta análise infe-riu-se pela sua imediata apreensão, pela sua completude (global) e unidade, o que comporta dizer:

Não vemos partes isoladas, mas relações. Isto é, uma parte na dependência de ou-tra parte. Para nossa percepção, que é re-sultado de uma sensação global, as partes são inseparáveis, do todo e são outra coi-sa que não elas mesmas, fora deste todo. (GOMES FILHO, p.19)

Deste parâmetro, Koffka enuncia sobre existência de duas forças – exteriores (es-tímulo da retina) e interiores - que movem a persecução da percepção. Desta última – força que organiza e estrutura a forma numa ordem determinada – surgem ca-racterísticas constantes, que as elevam ao patamar de princípios básicos da Gestalt, os quais permitem criar passos de leitu-ra, articulação, crítica e interpretação da forma dos objetos. São eles: a unidade, a segregação, a unificação, o fechamento, a continuidade, a proximidade, a seme-lhança e a pregnância da forma.

A unidade, aqui, consiste na percepção da forma em um único elemento, bas-tante em si mesmo e que mesmo quando apreendido como parte do todo, continua emitindo a configuração do todo. Este princípio encontra-se totalmente aplicado no objeto de estudo – o Palácio do Itama-raty – pois o conjunto de arcadas e o cubo de vidro alvo de sobreposição pelo primei-ro elemento não precisam ser dissociados para serem assimilados. Eles se encerram num só, uno

A segregação, por sua vez, entendida, aqui como a capacidade perceptiva de separa, identificar partes dentro do todo. Esta faceta também existe no contexto do Itamaraty. Isto se faz facilmente visuali-zado se tomado o complexo de prédios que compõe o conjunto do Ministério das Relações Exteriores: o prédio principal – o palácio propriamente dito – e o prédio ad-ministrativo. Eles se fazem destacáveis um do outro e passam para os leigos como edificações que em nada se comunicam.

Frise-se que o olhar em pauta nesse ponto específico é sim restritivo; pois se forem guardadas as relativas escalas de toda a Esplanada dos Ministérios, não há que se levantar hipótese de segregação, visto que o prédio administrativo configura-se, nesse contexto, como aquele que emol-dura e que é o respaldo da inserção do palácio ao conjunto, já que ele é, por si só, edificação de transição entre os pré-dios ministeriais e os palácios instituciona-lizados e sedes do poder.

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A unificação, nas palavras de João Gomes Júnior, é verificada “quando os princípios de harmonia e equilíbrio visual e, sobretu-do, a coerência do estilo formal das partes ou do todo estão presentes em um objeto ou numa composição”. (GOMES JÚNIOR, p.31).

De se notar, que outros dois princípios estão em plena consonância na persecu-ção da unificação: a proximidade e a se-melhança. Eles reforçam a ideia de que a igualdade e proximidade de elementos, oportunizam a leitura una do conjunto, agrupando partes semelhantes e próxi-mas.

O Palácio em comento, mais uma vez, traz consigo respeito às leis de unificação, pro-ximidade e semelhança, pois legitimam e tornam ainda mais evidente o já comen-tado postulado da unidade da edificação.

Outra lei da Gestalt que reforça essa pers-pectiva da unidade está no fechamento –intenta formação de unidades, através do agrupamento de elementos na cons-trução total da forma. O Itamaraty reflete como ninguém esse paradigma do fecha-mento.

O palácio principal embora composto de cubo em pele de vidro com a sobreposição do conjunto de arcadas, corroboram no sentido de ordenação do conjunto e via-bilizam a formação do prédio como uma unidade. O agrupamento de elementos faz a completude da edificação.

A continuidade remete à impressão de

como a sucessão de partes se organizam e se ordenam dentro da visual, garantin-do fluidez e evitando descontinuidade. O conjunto de arcadas, compondo módulos que se repetem em todo conjunto, sobre-postas ao cubo em pele de vidro e emol-durados pelo prédio anexo administrativo são características próprias desse cenário.

Os princípios até aqui destacados são im-portantíssimos, mas a pregnância da for-ma, lei básica da percepção visual da Ges-talt reforça todos os outros postulados já elencados e estabelece medida de eficiên-cia à sua aplicabilidade e, por conseguin-te, melhor apreensão do objeto.

Fala-se em pregnância quando o objeto tende, de forma espontânea, a uma es-trutura simples, equilibrada, harmônica, regular, homogênea, onde complicações visuais sejam suprimidas ao máximo, em que a organização das partes confira uni-dades compositivas coerentes e que trans-borde em clareza, facilitando a compre-ensão e a rapidez de leitura interpretativa pelo sujeito que a percebe.

Nesse sentido, resta claro que o Palácio do Itamaraty reflete com perfeição os cri-térios trazidos à baila para determiná-lo como pregnante; afinal de contas possui sim estrutura e simples (remete a imagem de um cubo), marcada pelo equilíbrio, si-metria, regularidade e suas partes com-positivas permitem uma absorção rápida desses valores quando da percepção. É, pois, um prédio que se comunica de for-ma imediata e tende a criar vínculos com o observador.

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Fig 7 - Jardim/Varanda – Emoldurado pela cobertura do Palácio do Itamaraty Fonte: http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/artigo275973-3.aspx

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Destacados os princípios da Gestalt im-porta destacar a criação de outras duas classes conceituais – as categorias concei-tuais fundamentais e as categorias como técnicas visuais aplicadas - cujo objetivo está em complementar o sistema de leitu-ra visual, diminuindo espaços e conferin-do ao processo de leitura maior eficácia.

Essas categorias ainda reúnem aspectos multidisciplinares, reunindo olhares de outras áreas do conhecimento sobre a forma (arte, design, psicologia e etc.) e não carregam consigo qualquer grau de fim determinístico:

Elas poderão ser utilizadas de modo positi-vo ou negativo na releitura e interpretação da forma, em função da melhor ou pior organização visual inscrita no objeto de leitura. Isto se justifica porque quase toda a formulação visual tem o seu contrário e também está naturalmente relacionada com o controle dos elementos visuais que dão lugar à configuração e à forma dos objetos. (GOMES JÚNIOR, p.49)

As categorias fundamentais – sob os pa-râmetros da harmonia, do contraste e do equilíbrio visual - tem por escopo con-ferir embasamento e maior consistência às leis da Gestalt, principalmente no que tange ao princípio da pregnância, além de alicerçar a construção de novas composi-ções. As categorias como técnicas visuais aplicadas, por sua vez, intentam ampliar os critérios de leitura do objeto e trazer a técnica para o incremento na expressivi-dade visual de projetos.

Não será feita aqui uma análise conceitual das múltiplas categorias, pois incorrería-mos num estudo vasto e profundo e que fatalmente nos afastaria do objeto des-te trabalho. Sendo assim, efetuaremos a imediata constatação da existência e apli-cação dos critérios categorizados no obje-to, no Palácio do Itamaraty.

Sob os critérios das categorias funcionais visualiza-se na obra em comento todos os postulados. O palácio é, pois, harmôni-co (pleno em equilíbrio) - formal, orga-nizado (uniforme em suas unidade, sem conflitos no padrão) e regular (sem desali-nhos e desproporções) – permitindo leitu-ra simples e clara, guardando articulação, integração das partes e coerência entre elas; é equilibrado visualmente, os pesos das partes na integralidade da edificação mostram-se em equilíbrio, com eixos ho-rizontais e verticais bastante definidos e simetricamente organizados; além de ser marcado pelo contraste – elemento que permite intensificar significados, articular visuais e organizá-las. Neste último pon-to deve-se destacar aspectos atinentes à cor (opaca – sobriedade necessária a um prédio público e de representatividade), à escala horizontal (pouca altura – solidez e austeridade) e à dinâmica e ao movimen-to (trazida pelo movimento e ritmo dos arcos sobrepostos à estrutura rija do cubo em pele de vidro), permitindo em toda a sua abrangência reafirmar aspectos pró-prios de um prédio institucional e símbo-lo de representatividade e alicerce de um dos pilares da soberania nacional.

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Quanto às técnicas visuais aplicadas, ob-servamos, por fim, no objeto de análise a presença das seguintes categorias:

a) Clareza – as formas da edificação, o cubo sobreposto pelo conjunto de ar-cadas, encontram-se bem organizadas, harmônicas e equilibradas, gerando uma compreensão imediata do todo.

b) Simplicidade – O Palácio do Itamaraty é o retrato da unidade e da harmonia e da organização das formas, a qual aparece livre de complicações oriundas de elabo-rações secundárias.

c) Coerência – O conjunto edilício que integra o Ministério das Relações Exte-riores mostra-se totalmente integrado, congruente e sem qualquer traço de con-tradição. A linguagem é uniforme tanto para a especificidade dos prédios em aná-lise, quanto para o conjunto macro da es-planada dos três poderes, marcado pela harmonia das formas das unidades e inte-grantes do todo e pela compatibilidade e unicidade de estilos.

d) Transparência e Opacidade – Embora os termos possam ser tidos como opostos, o Palácio do Itamaraty traz consigo um ar-ranjo construtivo e integralizador destas duas facetas. Ao mesmo tempo que a transparência confere leveza ao prédio, a opacidade do concreto dá o tom austero e sério próprio das atividades institucio-nais do lugar.

e) Sequencialidade – A sequencialidade da edificação em comento faz-se facil-

mente observada pelas unidades modula-das de arcos e dos módulos internos de organização do prédio, elas se repetem continuamente, reforçando os princípios da Gestalt de harmonia e equilíbrio visual.

f) Sobreposição - A já mencionada sobre-posição do opaco sobre a transparência evidenciam a referida característica.

g) Sutileza – A elegância e delicada inser-ção de jardim na cobertura do Palácio e sua integração ao céu do Planalto, mar-cam o grande refinamento visual da com-posição. Demarca, pois, o ingresso do que há de mais nacional dentro das portas do cenário nacional.

Diante dos princípios e categorias elenca-dos verificamos a importância de método à observação e à leitura da forma. Ele nos permite, portanto, trazer à tona a profun-didade da intenção e da ordenação dos elementos em uma cena, além de identifi-car problemas, na atividade da percepção. É sair da superficialidade do simples ver e imergir na possibilidade de apreender o que se ver.

6. DA DESCRIÇÃO DO OBJETO EN-QUANTO IMAGEM

De toda análise até aqui evidenciada, per-cebe-se que o Palácio em questão defla-gra o caminho de inserção de uma nova edificação à tríade do poder já implanta-da: prédios do poder executivo, legislativo e judiciário.

O desafio estava em trazer à edificação construída nuances de representativida-

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de e soberania sobre o ambiente externo (panorama internacional, inclusive), mas de acolhimento e inserção na perspectiva interna; ou seja, tem como escopo refletir poder, austeridade – daí o uso da rigidez, da simetria, do rigor formal, da exaltação às formas geométricas puras – em plena consonância com a necessidade de apre-sentar particularidades, riquezas e um convite para estar; fato este materializado no jardim projetado por Burle Marx e in-serido na varanda do Palácio, verdadeira extensão do solene e do nobre.

7. DA DESCRIÇÃO DO OBJETO EN-QUANTO LINGUAGEM

Compreender o objeto enquanto lingua-gem é tratá-lo a partir dos pilares de signi-ficação universal, sob os quais os olhares comuns possam perceber e sentir da mes-ma forma.

Assim, podemos inferir sob este ângulo, que o Palácio do Itamaraty corresponde a um elemento de transição entre a sequ-ência de prédios ministeriais e os palácios--sede dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário do país e, por suas caracterís-ticas representativas e protocolares tem forma diferente ante às edificações das demais pastas.

Em sendo um palácio, ganha a rigidez ne-cessária e refletida em pompa suntuosida-de e austeridade, mas ao mesmo tempo destaca a leveza de representar e apresen-tar um povo aos demais países do globo. É o início da extensão da casa para além mar.

8. CONCLUSÃO

O presente estudo viabiliza um olhar mais apurado sobre os objetos que podem ser referendados pelo olhar da estética. Cate-gorizá-los, a partir de concepções univer-salizadas oriundas do Renascimento e do Barroco é permitir a abstração temporal e legitimar um método e categorias aplicá-veis indistintamente.

Observar o Palácio do Itamaraty sob o olhar desses critérios metodológicos e im-putar-lhe categorização é, por fim, permi-tir-se imergir num contexto nunca antes imaginável e aprofundar-se na densidade lógica de informações reveladas só aos que se debruçam sobre eixos, cores, for-mas, profundidade e etc.

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BIBLIGRAFIA

GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. 9 ed. São Paulo: Escrituras Editora,2009.

ROSSETTI, Eduardo Perrotti. Palácio do Itamaraty: questões de história, projeto e documentação (1959-1970). Arquitextos, São Paulo, ano 09, n.106.02, Vitruvius, mar. 2009 < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.106/65>

WISNIK, Guilherme. O Itamaraty, em ar-tigo de Guilherme Wisnik. Edifícios. Os-car Niemayer. Brasília, DF, 1960/1970. ed. 226, Revista AU, jan. 2012. http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/226/arti-go275973-3.aspx

WOLFFLIN, Heinrich. Conceitos funda-mentais da história da arte: o problema da evolução dos estilos na arte mais recente. Tradução de João Azenha Jr. 4º edição. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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“As proporções são tão infinitas quanto as diversas melodias na

música, e criar belas proporções é tarefa que deve ser deixada à inspi-

ração do artista.”

John Ruskin

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O cânone grego nos deixou como heran-ça um padrão de beleza baseado no prin-cípio da razão, de proporções agradáveis e de harmonia. A simetria possuía um significado para os gregos e romanos di-ferente do que temos hoje, estando mais ligada ao equilíbrio e à proporção do que ao espelhamento. Vitruvio, sempre levan-do muito a sério essas questões, escreve um conjunto de dez livros onde estabe-lece relações de proporção, comodula-ção, modenatura, eurritmia, etc. Seria um modo de conceber a obra de arte a partir de postulados, pois existiriam regras para isso.

A divisão áurea produz uma impressão de harmonia linear, de equilíbrio na desigual-dade mais satisfatória do que qualquer outra combinação. É uma lei de propor-ções que está presente no corpo humano, nas espécies de animais, na botânica, em obras de arte e até na música. O retân-

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gulo áureo1, assim como a sequência de Fibonacci, estabelece uma infinitude no espaço onde vários retângulos são posi-cionados uns dentro dos outros, e con-ceitualmente se têm infinitos retângulos. Assim como os números irracionais desco-bertos pelos pitagóricos da Grécia antiga são infinitos e intangíveis. Ou seja, ten-do a matemática algumas formas de se demonstrar o infinito, e sendo os deuses dotados de vida eterna, logo, infinitos no tempo e talvez no espaço, a matemática poderia ser um modo de se chegar ao di-vino. O reconhecimento da infinitude do Universo revela ainda a finitude e a fragi-lidade própria do homem, estabelecendo assim uma relação de oposição entre am-bos. Essa eterna busca se dava em função de uma necessidade de respostas acerca do Universo e, de certa forma, era uma motivação para a criação das obras de ar-quitetura.

A harmonia, o equilíbrio, a simetria e a proporção são algumas das variantes para se alcançar o belo, de acordo com os prin-cípios clássicos de composição. Há de se perguntar sobre as variantes que geram tais princípios, tal como a harmonia. De acordo como Mário Ferreira dos Santos (1959, p.123), a harmonia é resultante do

1 A divisão áurea consiste no seguinte: em qualquer linha existente, ape-nas um ponto, o chamado ponto de ouro, a dividirá em duas partes desi-guais ou assimétricas, de forma harmoniosa e agradável. Os segmentos resultantes expressam a seguinte equação: A:B = B:(A+B). A razão, neste sentido, resulta em aproximadamente 0,618 e, no sentido inverso, resulta aproximadamente em 1,618, frequentemente representada pela letra gre-ga . Desta forma, para dividir um segmento em média e extrema razão, basta multiplicar o seu comprimento por 0,618 ou dividi-lo por 1,618 para encontrar a parte maior. “Esta é a fórmula da célebre seção áurea, a singular relação recíproca entre as duas partes desiguais de um todo, na qual ‘a parte menor está para a maior, assim como a parte maior está para o todo’” (Doczi, 1990, p. 2).

ajustamento de aspectos opostos. Dois iguais não se harmonizam, apenas se jun-tam. Para dar-se a harmonia, é necessário que exista a diferença, a distinção. Nessa síntese das diferenças, ou até das oposi-ções, existe um aspecto que vai além da racionalidade. Algo que reúne as partes e as completa, gerando uma unidade den-tro da diversidade. Sobre o assunto, Györ-gy Doczi nos dá uma explicação:

Se olharmos atentamente uma flor, assim como qualquer outra criação natural (...), encontraremos uma unidade e uma or-dem comuns a todos. Essa ordem tanto pode ser percebida em algumas propor-ções que se repetem sempre, como tam-bém na maneira do crescimento dinâmico de todas as coisas – naturais e construídas – pela união de opostos complementares. (...) Sol e Lua, macho e fêmea, eletricida-de positiva e negativa, Yin Yang. Desde a antiguidade a união dos opostos é um conceito importante nas mitologias e nas religiões herméticas. As medidas das duas partes da seção áurea são desiguais, sen-do uma menor e a outra maior. (...) Menor e maior aqui são opostos unidos por uma proporção harmoniosa.” (Doczi, 1990, pag. 1 a 3)

Para que essas combinações aconteçam de forma harmônica, existe um elemento subjetivo que não tem uma explicação tão fácil e cartesiana. A beleza e a dignidade de um Templo de Poseidon, por exemplo, vai além de explicações racionais. Esses aspectos subjetivos, que envolvem ques-tões de gosto e sensações de prazer, não são discutidos por Vitruvio ou por Leon

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Battista Alberti, séculos depois. Para Al-berti, a beleza estava ligada à perfeição: “a beleza é aquela ponderada harmonia entre todas as partes de um corpo, onde nada pode ser acrescentado, retirado, ou alterado, que não seja para piorar” (Al-berti, 2012, pag. 216). Dentro dessa uni-dade estabelecida pelo arquiteto italiano, elementos opostos, gerando a harmonia, deveriam estar presentes, assim como uma ordem matemática e proporcional que poderia ser percebida pelo olhar de um observador atento.

A harmonia deveria acontecer racional-mente a partir das relações entre as cores e os volumes, que seria a essência da be-leza para Alberti e seus contemporâneos. Nesse momento, coloca-se a questão de como se constitui o fundamento do pra-zer causado pela harmonia, mas sempre do ponto de vista racional. De acordo com Panofsky (2013, pag. 51), as respostas a essa questão, qualquer que seja a formu-lação em cada caso particular, coincidem no fato de que jamais a apreciação pu-ramente subjetiva e individual do artista pode servir de critério. Se não se apoiam em leis da matemática, perdem a legitimi-dade. Alberti e Leonardo da Vinci se ocu-param em buscar uma “norma” ou um “postulado”, opondo-se ao critério de gosto individual. Tal modo de ver a bele-za triunfou por muito tempo e foi muito combatida pela visão neoplatônica, por apreender apenas sinais exteriores, mas não o sentido do belo.

Para o mundo contemporâneo, uma com-posição excessivamente racional e simé-

trica, na maioria das vezes, não é consi-derada a mais interessante. Tendemos a considerar mais interessante aquela forma que subverte a lógica e a lei da gravidade, não pelo desequilíbrio, mas pelo equilí-brio dinâmico (compensação de pesos), que remete a uma sensação de instabili-dade da vida, onde temos mais dúvidas do que certezas, o que gera uma relação de identificação do sujeito com a obra. A arte clássica é marcada por uma força e uma potência que não sugere dúvidas, mostra certezas sobre o Universo e a sua infinitude, o que de certa forma estabe-lece uma oposição com a fragilidade da vida humana. A arquitetura clássica, nesse sentido, é austera e impõe respeito.

A arte Renascentista possuía um conceito semelhante, se ocupando em demons-trar, por meio das suas proporções, pers-pectivas e formas geométricas puras, que tinha um controle sobre o espaço, logo, um controle sobre a vida. Nesse sentido, o Barroco parece representar melhor o ho-mem, com todas as suas dúvidas, confli-tos, limitações e vulnerabilidade diante da vida. Além disso, o barroco parece apre-sentar maiores possibilidades de liberdade na criação artística.

Na Antiguidade, uma arte que caminhava num sentido mais livre e conceitual, fugin-do das regras pré-estabelecidas de com-posição e espacialidade, não era vista com bons olhos por alguns teóricos, como Vi-trúvio, por exemplo. Tal forma de visão, muito difundida por Plotino, rejeitava uma representação fiel, de como as coisas são (mundo sensível), em prol de uma arte

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mais conceitual (mundo das Ideias):

Se a crítica platônica censura as artes por fixarem continuamente o olhar interior do homem nas imagens sensíveis, isto é, por lhe impedirem a contemplação do mun-do das ideias, a defesa que lhes consagra Plotino condena as artes a um trágico destino: dirigir o olhar interior do homem sempre para além das imagens sensíveis, ou seja, abri-lhe uma perspectiva para o mundo das Ideias (...). Enquanto imitação do mundo sensível, as obras de arte são desprovidas de uma significação mais ele-vada. (Panofsky, 2013, pag. 30)

Representações artísticas, como pintura ou escultura, sempre foram muito pre-sentes na arquitetura, principalmente em forma de ornamentos, pois a arte era en-tendida como elemento aderente à arqui-tetura – ou podemos pensar também na possibilidade de a arquitetura ser um su-porte para essa arte, sendo a ultima mais importante que a primeira. Tal hipótese pode ser bastante válida para a arquite-tura grega, que é conhecida por negar o espaço interno, configurando-se assim como uma escultura, mas para a arquite-tura romana, tal ideia não é válida.

De qualquer modo, essa arte, ou orna-mentos, fazendo parte de edifícios públi-cos, não era usada apenas para completar os espaços vazios, finalizando uma com-posição, apesar de que tais características estavam presentes e não tinham esse tom pejorativo e residual, como temos hoje. O ornamento possui um caráter simbóli-co e o ato de completar a composição de

um espaço público importante da cidade, gerando harmonia e equilíbrio e princi-palmente, conferindo caráter ao edifício, poderia inclusive estar relacionado com questões de cidadania e democracia. O lado negativo é que essas estátuas e es-tuques em edifícios públicos têm uma lin-guagem muito direta e literal, logo, um grande poder de convencimento e de per-suasão, principalmente para uma popula-ção menos educada. Podemos dizer que tais ornamentos também funcionavam como ferramentas ideológicas de domi-nação. A boa notícia é que essas questões ideológicas são superadas com o tempo, mas a capacidade do sujeito em ver a be-leza permanece, legitimando assim todos os estudos ligados à proporção e harmo-nia.

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O BELO, O UTILITÁRIO E O ORNAMEN-TO

Meu olhar procura o que é belo. Ao mes-mo tempo, minha alma, a salvação.

Michelangelo

Se a natureza é harmônica e perfeita, as-sim também deveria ser a arquitetura na Antiguidade Clássica. Vitruvio descreve a arquitetura como um reflexo do belo natural, fazendo associações de templos com o corpo humano, por exemplo, onde as colunas nos templos, assim como as pernas do corpo humano, deveriam ter números pares. O capitel jônico possui uma relação com o cabelo das mulheres, ou com o chifre dos carneiros, como su-gerem alguns críticos. Seu fuste é mais elegante e esbelto do que o da coluna dórica, que possui um caráter masculino. Ornamentos comparecem atribuindo ca-ráter ao templo conforme as divindades – aqueles dedicados aos deuses fortes, teriam pilares dóricos, pois são austeros, sóbrios e robustos; Deusas femininas, que para eles eram mais delicadas, teriam templos com pilares jônicos, pois são es-beltos, elegantes e fluidos.

Assim como as colunas egípcias e gregas, a coluna gótica se inspira no perfil da ár-vore e a ornamentação usa temas florais que se agregam à harmonia estática. (...) Além de dar maior resistência e cresci-mento harmonioso, as linhas de flores ou frutos são símbolos de germinação, flores-cência e fecundidade que sugerem tam-bém a ideia de oferenda. (Santos, 1959)

No Renascimento, o pintor, arquiteto e engenheiro Francesco di Giorgio (Siena, 1439 — 1501), inspirado por Vitruvio e Alberti, escreveu um tratado onde faz cor-respondências da arquitetura com o cor-po humano, sendo o primeiro a desenhar o perfil humano sobrepondo-o à seção de uma cornija (fig. 1 e 2). Posteriormente, relaciona todo o volume de uma igreja ao corpo humano – o tronco e a cabeça cor-responderiam à nave da igreja, os braços inclinados indicando a mesma direção dos telhados das naves laterais. A proporção da fachada seria a mesma do corpo hu-mano (divisão pela altura das cabeças), onde a cabeça estaria no frontão:

Descreverei agora como as fachadas e portas dos templos devem ser feitas. Visto que as fachadas dos templos são deriva-das do corpo humano, eu as determina-rei de acordo com os métodos e medidas que a ele pertencem. Você deve saber que o corpo é dividido em nove partes, ou em nove cabeças, do limite ou inclinação da testa até a ponta do queixo. (Francesco di Giorgio apud Rykwert, pag. 80)

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Alberti aconselhava que, na mensuração das proporções de um ser animado, um dos membros fosse escolhido e os outros a partir dele fossem medidos. Tal conse-lho recupera o exemplo de Vitrúvio, que contava a altura de um homem em pés, unidade que Alberti substitui pela cabe-ça. Em outro momento, Alberti substitui o corpo humano de Vitrúvio pelo corpo do cavalo, pois do mesmo modo com que não existe nenhum animal que se loco-mova de modo saudável com pernas em número ímpar, os templos deveriam ter pilares em número par, logo, espaços va-zios em número ímpar.

Sobre essas relações da arte com a natu-reza na Antiguidade Clássica, e posterior-mente no Renascimento, haviam dois te-mas contraditórios (Panofsky, 2013, pag. 18 e 19). No primeiro, a arte era conce-bida como sendo inferior à natureza, já que procurava imitá-la e, na melhor das hipóteses, produzir uma ilusão. Neste caso, a maior diferença entre as obras de arte e as produções da natureza é que a forma da arte, antes de penetrar na maté-ria, reside na alma humana. Já o segundo tema concebia a obra de arte como sendo superior à natureza, corrigindo as falhas e produzindo uma imagem renovada da beleza. De qualquer modo, o belo na arte seria uma imitação ou uma inspiração do belo natural, a questão que se coloca é saber se o artista trabalhava segundo um objeto real ou ideal. A noção do segundo tema ser superior ao primeiro poderia ser justificada pelo fato de que, enquanto no primeiro a “cópia fiel” faz uso da imita-

ção, no caso do segundo tema, temos a utilização da imaginação. A imitação só representa aquilo que se vê, já a imagina-ção alcança aquilo que não diretamente está presente aos sentidos. Dentro dessa perspectiva da imaginação, costuma-se afirmar que as obras de Policleto dão à aparência humana uma beleza mais ver-dadeira do que a natural. Tal tendência foi muito comum no Renascimento italiano, onde se tem o triunfo da arte sobre a na-tureza:

(...) Graças à imaginação, cuja liberdade criadora pode modificar as aparências ao se afastar das possibilidades e das va-riantes presentes na natureza, e inclusive produzir formas inéditas, (...) ordena-se que ele (o artista) escolha na diversidade dos objetos da natureza o que há de mais belo, que evite toda a deformidade, so-bretudo quanto às proporções, e de ma-neira geral se afaste da simples verdade natural para se elevar à representação da beleza. (Panofsky, 2013, pag. 46)

Pela sua extensa pesquisa em proporções e matemáticas, Alberti parece valorizar mais a capacidade do artista em produzir arte por meio da experiência e de postulados matemáticos adquiridos pela observação da natureza do que pela intuição e ima-ginação, que vai além do mundo sensível. No entanto, fica claro que ele não descon-siderava este último aspecto. Segundo ele, a beleza na arquitetura deveria ser atribu-ída pela estrutura em si, primada por re-gras canônicas de harmonia e equilíbrio, e pelos elementos que “completariam” essa estrutura – os ornamentos. Logo, só

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a estrutura não bastaria para uma arquite-tura estar finalizada. Podemos pensar que a chamada pulchritudo vaga – a beleza na estrutura, inata, inerente – estaria para o belo platônico2 , ou seja, a beleza que se encontra vagando no objeto; já a pul-chrituo adhaerens – a beleza integrada às estruturas, funcionando como instrumen-to de diferenciação dos tipos e das partes que identificam os edifícios, aprimorando suas formas e conferindo caráter, dignida-de – estaria para o belo material e formal.

O filósofo grego Plotino se preocupava com esse belo material simplesmente vi-sível por ter um potencial de persuadir e seduzir, podendo ser usado para fins de manipulação e dominação. No trecho a seguir (Eneadas, I, 6, 8), Plotino evoca o Narciso para exemplificar o problema:

Se corrêssemos para elas (as belezas cor-póreas) com o desejo de agarrá-las, como se fossem reais, faríamos como aquele que deseja capturar o reflexo de sua pró-pria beleza sobre as águas; é isso, parece--me, o que dá a entender a lenda daquele que, por ter se inclinado sobre as profun-dezas da água, desaparece dos olhares. O mesmo acontecerá com o que se ape-ga às belezas corporais e não renuncia à elas: não é seu corpo, mas sua alma que cairá nos abismos obscuros e desoladores para o espírito; como um cego habitando o Hades, ele será, já nesse mundo, uma sombra entre as sombras.

O ornamento, como dito, por ser bastan-2 “O que está no corpo, sem estar localizado em alguma parte, mas que existe em si, é aquilo que juntamente com Plotino e os idealistas pos-teriors, chamamos de ‘ideal’”. (J. Behn apud Panofsky, 2013, pag. 198)

te corpóreo, literal e figurativo, tem um poder de manipulação que muitas vezes pode ser aparentemente inocente, o que o torna ainda mais perigoso. No Renasci-mento, os estuques e estátuas não evoca-vam o pecado, a morte e o inferno como na Idade Média. O tom mais sobreo e até mais intelectualizado poderia ainda ter al-gumas mensagens, mas não eram tão ex-plicitas – afinal, a Igreja Católica ainda era uma grande patrona das artes. O discurso não era persuasivo e sedutor como no pe-ríodo antecessor. Agora o convencimento se daria pela demonstração.

Além dessas questões ideológicas e den-tro de uma tendência utilitária, os orna-mentos poderiam se enquadrar em uma função prática e imediata do dia a dia ou serem parte de uma outra necessida-de mais abstrata, como a de completar a composição e de lhe atribuir beleza. Em uma situação ideal, haveria a união desses dois aspectos. Nesse caso, na medida em que as necessidades e funções práticas e imediatas mudam, certos elementos ain-da continuam a ter um valor simbólico ou simplesmente remetem à ideia de beleza. A necessidade prática seria a motivação primeira para a existência de tais orna-mentos, mas num segundo momento, o esforço se voltaria para a formação de uma composição.

Podemos citar como exemplo o ângulo de inclinação do frontão de um templo grego. Este se mostra tão harmonioso e bem proporcionado com a fachada, mas obviamente foi pensado inicialmente pela necessidade de escoamento das águas.

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Ademais, as ordens gregas dos capiteis se diferenciavam para atribuir caráter aos templos, o que não deixa de ser uma ne-cessidade prática daquele período. Con-tudo, tais elementos permanecem e pos-suem caráter artístico não pela função, mas pela composição. Sobre o assunto, Cicero discorre:

Em templos e colunatas, os pilares devem suportar a estrutura, e ainda assim se-rem tão dignos na aparência como úteis. Aqueles frontões triangulares do Capitó-lio e os dos outros templos são o produto não da beleza, mas da real necessidade; pois foi em calcular como fazer a água da chuva cair nos dois lados do telhado que o digno design das cumeeiras resultou como um produto colateral das necessi-dades da estrutura. (...) Em um navio, o que é tão indispensável quanto os costa-dos, o porão, a proa, a popa, as vergas, as velas e o mastro? Ainda assim, todos eles têm tal graciosa aparência que é como se tivessem sido inventados não apenas com o propósito de segurança, mas também a fim de dar prazer. (Cicero apud Gombri-ch, 2012, pag. 20)

Sendo bem relacionado, integrado na composição e imbuído de um concei-to, o ornamento não seria secundário e residual. A funcionalidade quase não é percebida em casos em que a integração entre forma e função se encontram em perfeita sintonia. Em alguns casos bem sucedidos, elementos funcionais se pare-cem ornamentais, como se tivessem sido feitos para serem belos. Nessas situações em que o ornamento, a função e a es-

trutura (forma) se encontram em perfeita sintonia, o ornamento se torna legitima-do. Para que isso ocorra, é fundamental o entendimento do “funcional” como um aspecto que varia de acordo com a cultura e a sociedade. O que na antiguidade era entendido como uma necessidade práti-ca e imediata, para nós, atualmente, seria algo obscuro e fora de propósito.

Os “ornamentos” não são apenas está-tuas, estuques e elementos de fachada. Dentro do nosso contexto da arquitetura contemporânea, que muitas vezes subver-te questões espaciais tradicionais, pode-mos pensar em elementos que envolvem uma iluminação diferenciada, materiais, texturas, sons e aromas, já que possuí-mos espaços bastante sensoriais e nossa percepção espacial também é distinta dos antigos. No entanto, os fundamentos e a essência da beleza ainda são comuns.

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CONCLUSÃO

Conceitos sobre a beleza e o utilitário na arquitetura têm se alterado ao longo da história, assim como as necessidades de cada tempo e sociedade. Elementos ar-quitetônicos, se respondem unicamente a uma necessidade prática e imediata, tendem a se tornar descartáveis. Já aque-les gerados a partir de uma preocupação com o belo são propensos a permanecer, pois respondem a necessidades propria-mente humanas, como, por exemplo, a expressão de identidade. A consciência da individualidade acontece a partir da linguagem, que é expressa por meio de um objeto no qual o sujeito se identifica: “O olho a si mesmo não se enxerga senão por reflexo em outra coisa” (Shakespeare, Júlio César Ato I – Cena II: Bruto). É pela identidade (particular) que se percebe a diferença (coletivo), que é o primeiro indí-cio da consciência de cidadania.

O grande atributo da obra de arte é que esta consegue estabelecer um diálogo com o sujeito de modo que o mesmo nela se identifique. Nesse diálogo, o mais im-portante não é a obra em si, mas o sujeito e o modo como este se relaciona com a obra, pois esta se torna um veículo e uma ferramenta para que o sujeito se reconhe-ça. Nesse sentido, a arte teria uma “fun-ção”, ainda que abstrata, mas que não obstante, uma função. Em obras de arqui-tetura ou de objetos de design de uso co-tidiano, a motivação primeira para a sua realização é a função e o atendimento de uma necessidade prática e imediata, que no caso da arquitetura, é a construção de

um abrigo, só posteriormente se pensan-do em termos de formas belas.

Obras de arte operam com conceitos, mas transcendem esses conceitos: “a imagina-ção (do artista) cria imagens que ele preci-sa executar (...). Ele não pode explicar isso em conceitos. Se pudesse, escreveria um ensaio ou daria uma aula”3. A arte deve comunicar com o observador (receptor) de forma que este a recrie, a reconstrua, a partir de suas vivências. A obra de arte teria, como dito, um poder de fazer com que o observador se reconheça na obra e se transforme.

3 Kothe, F. Ensaios da semiótica da Cultura, 2011, pg. 117.

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BIBLIOGRAFIA

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Museu da ÁguaPA6 - Grandes Vãos2º 2014

Orientador:Milena Canabrava

Aluno:Hugo Fernandes

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Museu Kasatu-Maru PP1 - Projeto Paisagístico2º 2015

Orientadora:Yara Regina

Aluno:Paula Yaemi Uesato

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viva asustentabilidade!

Mas éclaro!

Nossa,um cliente

consciente!

no escritório dearquitetura...

Este projetotem que ser

100%sustentável!

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viva asustentabilidade!

Mas éclaro!

Nossa,um cliente

consciente!

no escritório dearquitetura...

Este projetotem que ser

100%sustentável!

mantém olavabo, né!!

a esta altura, oucortamos a pedra silestone

do lavabo ou o reservatóriode reaproveitamentoda água da chuva...

6 meses depois, na obra...

hummmmmm...

temos queconter os

gastosurgente!

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