revista_retratosdaescola_07_2010

Embed Size (px)

Citation preview

EDITORIAL

Educao bsica obrigatria e gratuita Estratgias e perspectivasA situao educacional brasileira no se dissocia do quadro poltico, econmico e cultural mais amplo, que , ainda, marcado por desigualdades sociais e regionais significativas, em que pesem os esforos da ltima dcada. Na educao bsica, vrias aes, programas e polticas se realizaram, envolvendo sociedade civil e poltica, bem como entre os entes federados (Unio, estados/Distrito Federal e municpios), para a ampliao do acesso e a melhoria da qualidade. No mbito federal, houve uma srie de iniciativas: a busca da ruptura lgica de focalizao do Fundef (apenas ao ensino fundamental), por meio da criao do Fundeb, direcionado a toda a educao bsica, incluindo as modalidades educativas; a efetivao de polticas e programas de apoio s diferentes etapas desse nvel de ensino, incluindo as direcionadas formao inicial e continuada, ampliao dos programas suplementares de material didtico escolar, do transporte, alimentao e assistncia sade, s polticas ligadas incluso e diversidade, entre outros. A aprovao da Emenda Constitucional n 59/09 constituiu-se em instrumento normativo de grande importncia, medida em que alterou a Constituio Federal, dispondo sobre a reduo anual do percentual da Desvinculao das Receitas da Unio (DRU), incidente sobre os recursos destinados manuteno e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituio Federal; a obrigatoriedade e gratuidade do ensino de quatro a 17 anos; a ampliao da abrangncia dos programas suplementares para toda a educao bsica; a definio de que os entes federados devero estabelecer formas de colaborao, de modo a assegurar a universalizao do ensino obrigatrio; a definio da durao decenal do Plano Nacional de Educao e o estabelecimento de meta de aplicao de recursos pblicos em educao como proporo do Produto Interno Bruto (PIB). As anlises deste dossi nos remetem problematizao das estratgias de melhoria da educao bsica, em especial da educao obrigatria, objetivando contribuir para a consolidao de processos de organizao e gesto, bem como as regulaes que lhes do contornos, pautados na defesa de uma educao democrtica e deRevista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 179-181, jul./dez. 2010. Disponvel em:

179

qualidade. As reflexes aqui apresentadas devem contribuir para os debates, aes e mobilizaes a serem desencadeados em prol da educao como direito social. Em consonncia com sua proposta editorial, Retratos da Escola reitera as seguintes sees: Entrevista, Artigo, Resenha e Documento. Na Entrevista, convidamos trs educadores cuja histria e trajetria em defesa da educao pblica de qualidade os legitima como profissionais engajados nos diferentes espaos da dinmica pedaggica, incluindo a gesto e organizao da educao bsica, bem como na discusso e proposio de polticas pblicas no campo educacional. Na seo Artigos, as temticas situam o quadro complexo da organizao e gesto da educao nacional, visando a garantia da ampliao dos direitos, em particular, educao obrigatria, constitucionalmente compreendida como a educao de quatro a 17 anos. Em que pese este marco e avano legal, as reflexes situam os significativos desafios efetivao desse direito pblico subjetivo, incluindo questes como acesso, permanncia com qualidade, dinmica curricular e de gesto, modalidades educativas. Tais desafios se apresentam para todas as etapas da educao bsica, mesmo no ensino fundamental que, historicamente, foi priorizado. As reflexes levantam questes referentes construo de novos marcos para a educao nacional, especialmente para o necessrio engajamento na construo do Plano Nacional de Educao como poltica de Estado. Na seo Resenha, foram abordadas duas coletneas: 1) Polticas Pblicas e Gesto da Educao Bsica: o Distrito Federal em foco; e 2) A qualidade da Educao Bsica Municipal: sistemas e escolas em Gois. A apresentao das obras nos permite uma viso das pesquisas direcionadas investigao da educao bsica, seus processos organizativos e de gesto. Na seo Documentos temos dois textos: 1) Anlise da Confederao Nacional dos Trabalhadores em Educao (CNTE) EC n 59, de 2009, em que a entidade apresenta seu estudo sobre a educao bsica obrigatria; e 2 ) Resoluo n 7 do CNE, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de nove anos. So dois importantes documentos que contribuem para a discusso proposta neste Dossi. A capa da edio estudando o futuro de autoria do arquiteto e artista plstico Carlos Alexandre Lapa de Aguiar, cuja expresso artstica nos convida reflexo e busca da compreenso das mltiplas linguagens que retratam a contemporaneidade. Como peridico da rea, como espao plural de discusses, reflexes e proposies no campo das polticas e da gesto da educao objetiva, Retratos da Escola, neste Dossi, prope-se compreender e problematizar, sobretudo, as perspectivas para a educao bsica obrigatria de quatro e 17 anos. A discusso sobre as polticas, o180

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 179-181, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Educao bsica obrigatria e gratuita

financiamento, a gesto, a dinmica curricular, a relao pblico e privado, o dualismo estrutural entre ensino mdio e educao profissional, a consolidao do ensino fundamental de nove anos e da expanso com qualidade, sem reduo da educao infantil mera escolarizao, se apresentam como desafios aos novos e atuais gestores da educao no Pas e sociedade em geral. O estabelecimento de polticas de Estado, em prol da melhoria da qualidade dos diferentes nveis e modalidades de educao, por meio de um novo Plano Nacional de Educao amplamente discutido, constitui-se em parmetro fundamental para deslindarmos novos horizontes para a educao nacional, o que implicar a ampliao dos recursos para a educao, a criao de um sistema nacional de educao e a regulamentao do regime de colaborao entre os entes federados como passos fundamentais para o processo de mudana. Esperamos que este nmero contribua para a reflexo e engajamento dos leitores nos diferentes espaos de construo e gesto da educao bsica de qualidade no Pas. Luiz Fernandes Dourado Editor

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 179-181, jul./dez. 2010. Disponvel em:

181

ENTREVISTA

Educao bsica obrigatria e gratuita Avanos e desafiosNos ltimos anos, vrios esforos, aes e polticas vm sendo realizados, para garantir educao bsica de qualidade a todos: as mudanas na lgica e alcance do financiamento, com a criao do Fundeb, a ampliao dos programas suplementares de material didtico escolar, transporte, alimentao e assistncia sade, as polticas ligadas incluso e diversidade e, em 2009, a aprovao da Emenda Constitucional n 59, de 2009, que prev a reduo anual do percentual da Desvinculao das Receitas da Unio (DRU), incidente sobre os recursos destinados manuteno e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituio Federal; a obrigatoriedade e gratuidade do ensino de quatro a dezessete anos; a ampliao da abrangncia dos programas suplementares para todas as etapas da educao bsica; a definio de que os entes federados estabeleam formas de colaborao, de modo a assegurar a universalizao do ensino obrigatrio; a definio da durao decenal do Plano Nacional de Educao e a meta de aplicao de recursos pblicos em educao como proporo do Produto Interno Bruto (PIB). Situar esses avanos legais e problematizar os desafios e possibilidades para a garantia da obrigatoriedade e universalizao da educao de quatro a 17 anos o foco desta entrevista, com Francisco das Chagas Fernandes1, Lisete Regina Gomes Arelaro2 e Regina Vinhaes Gracindo3, realizada pelo editor de Retratos da Escola, Luiz Fernandes Dourado.

Considerando o papel dos entes federados, quais so os principais problemas para a garantia de acesso e permanncia educao bsica no Brasil? Chagas Fernandes - H muitos problemas, que interferem no acesso e na permanncia - desigualdades regionais ainda muito fortes, formao de nossos profissionais e, tambm, em relao ao financiamento da educao. Mas h um problema maior: como articular os trs entes federados na garantia da qualidade da educao bsica? Nesse cenrio, fundamental garantir a regulamentao do regime de colaborao e instituir novos parmetros de cooperao na relao entre os entes federados. A efetivao do sistema nacional de educao contribuir para o estabelecimento de aes e polticas articuladas e, desse modo, para o acesso e permanncia educao bsica de qualidade.

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

183

Francisco das Chagas Fernandes, Lisete Regina Gomes Arelaro e Regina Vinhaes Gracindo

Lisete Arelaro - O principal problema que no temos tradio de cooperao entre as esferas pblicas e, em consequncia, os governos federal e estaduais costumam impor suas polticas aos municpios para que eles as realizem, independentemente das suas condies reais. Apesar de sermos, constitucionalmente, uma federao, o governo federal comporta-se como se fssemos, no mximo, Estados Unidos do Brasil. H pouca considerao sobre as diferenas brutais entre os municpios, especialmente os menores, do ponto de vista demogrfico, e os mais pobres. Apesar de se ter informaes objetivas de que 75% dos 5.563 municpios dependem dos recursos do Fundo de Participao Municipal (FPM o que um indicador de pobreza e, portanto, de falta de independncia poltico-financeira), as propostas de reforma tributria no respondem questo. Regina Vinhaes - Em primeiro lugar, a concretizao do Sistema Nacional de Educao que a EC 59/09 consignou, de forma original e inovadora, na Constituio Federal (art. 214). Com isso, o regime de colaborao entre os entes federados ficar estabelecido, garantindo financiamento e gesto democrtica para a educao bsica, alm da necessria unidade na diversidade curricular. Outra questo a ser dimensionada para a garantida do acesso, permanncia e sucesso dos estudantes a melhoria da formao dos profissionais da educao e sua consequente valorizao.

Qual a importncia da aprovao da emenda constitucional 59/09 e quais os principais desafios para a universalizao da educao obrigatria e gratuita dos quatro aos 17 anos? Lisete Arelaro - Sinceramente, a importncia da EC 59 no est na ampliao da educao obrigatria no Pas, mas na DRU em relao educao. Tentamos vrias vezes convencer o MEC de que as duas propostas eram muito diferentes nos seus objetivos, havendo consenso sobre a DRU e no sobre a proposta de extenso da educao bsica. No defendo obrigatoriedade para a educao infantil, mas direito das famlias a este atendimento. Obrigar no significa necessariamente e os estudos mostram isso atendimento de qualidade, nem efetiva ampliao das matrculas. Pode gerar, simplesmente, privatizao ou comunitarizao do atendimento. Regina Vinhaes - Uma das maiores conquistas educacionais dos ltimos anos foi, certamente, a aprovao da EC 59/2009, que trouxe significativos avanos para o desenvolvimento da educao brasileira. Alm da ampliao da gratuidade e obrigatoriedade da educao, do alargamento da responsabilidade da Unio para com a educao bsica e da extenso do acesso a programas suplementares por todas as184

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Educao bsica obrigatria e gratuita: avanos e desafios

etapas do ensino obrigatrio, h trs outras expressivas alteraes constitucionais, decorrentes dessa EC, que incidem sobre ambos os nveis educacionais (educao bsica e a educao superior). Uma est voltada para a progressiva reduo da DRU, incidente sobre os recursos destinados educao, outra se refere ao Plano Nacional de Educao (PNE), tanto em sua durao (10 anos), quanto no que lhe conferido para estabelecer os recursos pblicos, em termos de proporo do PIB, e, outra, que inscreve, como j antecipei, o termo Sistema Nacional de Educao (SNE) nos cnones constitucionais (art. 214). Chagas Fernandes - A Emenda 59 ficou conhecida e foi muito debatida graas Desvinculao de Receitas da Unio (DRU), os 20% desvinculados da educao brasileira. Alm da DRU (avano significativo porque traz para a educao em torno de R$ 9 bilhes), h outros pontos importantssimos, como a universalizao da educao bsica dos quatro aos 17 anos, a mudana estruturante dos seis aos 14 anos. A Emenda 59 tambm constitucionalizou o Plano Nacional da Educao e, alm de colocar na Constituio o prazo de dez anos, garantiu a vinculao de um percentual do PIB para as metas do PNE. So questes importantssimas para a educao brasileira, porque, alm do financiamento, faz-se a previso de que, at 2016, todas as crianas e jovens de quatro a 17 anos estejam na escola.

...com as especificidades de cada rgo de governo e de cada movimento social, a sociedade civil e a sociedade poltica precisam identificar em quais aspectos podem contribuir para que a escola pblica venha a cumprir seus objetivos.(Regina Vinhaes)

Qual o papel do CNE, das associaes sindicais e acadmicas, secretarias de educao e escolas para a universalizao da educao bsica obrigatria com qualidade? Regina Vinhaes - A educao um direito humano e social e, como tal, necessita da adeso e participao de todos na sua implementao. Dessa forma, com as especificidades de cada rgo de governo e de cada movimento social, a sociedade civil e a sociedade poltica precisam identificar em quais aspectos pode contribuir para que a escola pblica venha a cumprir seus objetivos. Ao CNE, por exemplo, cabe estabelecer normas e sugestes para o bom andamento do Sistema Nacional de Educao. Cabe a ele, tambm, acompanhar e avaliar a implantao do PNE, alm de articular os rgos colegiados dos diversos sistemas de ensino. Chagas Fernandes - Cada um desses segmentos tem suas atribuies. O CNE, a de garantir regras para o bom funcionamento da universalizao. As entidades sindicais, o de mobilizao, no apenas dos profissionais da educao, mas da sociedade brasileira, para cobrar qualidade. As secretarias de educao e as escolas esto mais diretamente ligadas comunidade escolar, atravs da gesto, e tambm tm o papel185

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Francisco das Chagas Fernandes, Lisete Regina Gomes Arelaro e Regina Vinhaes Gracindo

de garantir o acesso, a permanncia, a aprendizagem e, consequentemente, a qualidade social. Mas eles podem trabalhar junto, para fazer com que a educao tenha prioridade em relao universalizao com qualidade. Lisete Arelaro - Bem, no Brasil, o Executivo e o Legislativo no costumam respeitar conselhos, em geral. A EC 59 foi uma deciso poltica unilateral do Executivo e no contou com prvia consulta nem ao CNE, nem aos movimentos e associaes educacionais. O comportamento dbio do CNE sobre vrias posies tambm no facilita sua atuao vide a deciso de manter, em carter excepcional, durante trs anos, as crianas de cinco anos na 1 srie do ensino fundamental, apesar disto contrariar sua prpria deliberao anterior. Ele no ter papel de destaque neste assunto. As associaes sindicais podem ter papel essencial, pois lidam, cotidianamente, com as denncias de professores e pais sobre salas fechadas, no atendimento demanda escolar, falta de professores e/ou ampliao indevida de alunos em salas de aula . As associaes acadmicas, com seus estudos e pesquisas, seus cursos de formao de dirigentes, especialistas e professores podem ser muito teis. As secretarias de educao devero viabilizar a obrigatoriedade prevista, mas, sem presso, podem adi-la sine die. s escolas, hoje com pouca autonomia sobre o atendimento da demanda escolar, restar proceder s matrculas e obrigatoriamente manter livro de demanda no atendida, para o controle da populao e dos movimentos sociais sobre ela. Quando discuto atendimento demanda, entendo que a qualidade do atendimento est implcita, uma vez que democratizao do acesso s existe com qualidade social.

A EC 59 foi uma deciso poltica unilateral do Executivo e no contou com prvia consulta nem ao CNE, nem aos movimentos e associaes educacionais. O comportamento dbio do CNE sobre vrias posies tambm no facilita sua atuao...(Lisete Arelaro)

As lutas em prol do piso salarial, carreira, formao inicial e continuada e valorizao se articulam melhoria da educao bsica? Por qu? Chagas Fernandes - Piso salarial, carreira, formao - significam valorizar os profissionais. Se valorizamos os profissionais em relao ao piso, tendo como perspectiva o desenvolvimento da carreira, levamos em considerao que ele precisa ser implementado e ao mesmo tempo corrigido com ganho real, para que nos prximos anos no permanea no mesmo valor de hoje. A formao inicial e continuada est dentro do trip da valorizao, mas h um diferencial, porque muitas vezes os profissionais tm problemas na formao inicial ou desistem da formao inicial porque no tero garantido um bom salrio. Desistem ou at se formam mas no vo ser professor. A formao continuada tambm importante, porque todos precisam estar atualizados, com formao permanente. O piso salarial em lei uma conquista importante da categoria no governo do presidente Lula, as Diretrizes Nacionais de Carreira dos Profissionais de Magistrio e as Diretrizes Nacionais de Carreiras dos Profissionais de186

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Educao bsica obrigatria e gratuita: avanos e desafios

...a Capes passou a ser, neste governo, tambm para a educao bsica e o governo federal passou a ter mais responsabilidade sobre a formao dos profissionais.(Chagas Fernandes)

Educao Bsica tambm, pois contribuem para que os municpios e os estados reorganizem seus planos em sintonia s diretrizes nacionais. E o MEC fez mudanas importantssimas na formao - a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) passou a ser, nesse governo, tambm para a educao bsica e o governo federal passou a assumir mais responsabilidade sobre a formao dos profissionais. Foi aprovada a Lei n 12.014, de 2009, que garante os funcionrios como profissionais de educao. O CNE criou a rea 21 de profissionalizao de nvel mdio para os funcionrios de escola e o MEC criou o Programa de Formao Profissionalizante para os Funcionrios de Escola. Est se instituindo um Decreto sobre a Poltica Nacional de Formao de Funcionrios de Escola. H um avano significativo em relao formao dos profissionais e o trip salrio, carreira e formao significativo para a melhoria da educao. Lisete Arelaro - Necessariamente, a luta pelo piso salarial nacional com a disposio na lei de 1/3 da jornada para atividades extraclasse condio fundamental para a qualidade de ensino. A possibilidade de uma carreira atrativa aos profissionais de educao garante sua permanncia nas redes pblicas de ensino. A luta por uma formao inicial e continuada, necessariamente presencial, outra condio de qualidade, pois sabemos que uma formao slida permite a escolha e a deciso sobre mtodos e tcnicas de ensino, nas diferentes condies de ensino e aprendizagem. Nossa profisso exige contnua formao, pois, muitas vezes, em cinco anos de prtica nossa formao pode estar superada. As leituras permanentes, os encontros entre pares, as horas coletivas de trabalho, a frequncia a cursos de atualizao e especializao, a elaborao do projeto poltico-pedaggico de cada escola so momentos fundamentais de nossa formao que garantem que a qualidade social das escolas pblicas seja construda. Regina Vinhaes - Certamente que sim. A formao e valorizao dos professores e dos demais profissionais da educao - uma das principais condicionalidades para a existncia de uma educao de qualidade.

Temos polticas de governo e poucas polticas de Estado para a educao. Para avanar nesta direo, os movimentos sociais precisam ser motivados a participarem mais e terem maior representao nos conselhos institucionais.(Lisete Arelaro)

A Conferncia Nacional de Educao, realizada em 2010, enfatizou que no Brasil preciso avanar nas polticas de Estado para a educao. Qual a importncia da participao da sociedade civil organizada na proposio e materializao de polticas e nas demais lutas por uma educao pblica, democrtica e de qualidade? Lisete Arelaro - No tenho dvidas de que sem uma sociedade civil forte no haver escola pblica de qualidade e, muito menos, democrtica. Temos polticas de187

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Francisco das Chagas Fernandes, Lisete Regina Gomes Arelaro e Regina Vinhaes Gracindo

governo e poucas polticas de Estado para a educao. Para avanar nesta direo, os movimentos sociais precisam ser motivados a participarem mais e terem maior representao nos conselhos institucionais. Tome-se como exemplo negativo os conselhos estaduais de educao: pouco ou nada se reformulou de sua composio desde o governo militar e a participao dos movimentos sociais e educacionais pouco significativa. Por outro lado, para que a participao deles seja expressiva necessrio dar condies materiais e financeiras, bem como formao tcnica para que possam exercer com competncia poltica seu papel. Regina Vinhaes - A Conae foi, sem dvida, um marco divisor para a educao brasileira. Ela, dentre tantos outros encaminhamentos, demonstrou a necessidade das polticas pblicas serem compreendidas como polticas de Estado e, portanto, no se esgotarem em um governo. Alm disso, por entender a importncia da participao social props o fortalecimento dos colegiados escolares, municipais, estaduais e nacional, alm da criao do Frum Nacional de Educao (FNE), por meio do qual a sociedade indicar as grandes polticas educacionais para o Brasil. Chagas Fernandes - Poltica de Estado significa garantir o direito educao para todos e todas, com qualidade. E necessrio que uma das caractersticas da poltica de Estado seja a continuidade para alm das polticas de governo. A sociedade civil organizada tem papel significativo, propor e acompanhar as polticas, por meio da efetiva participao e controle social. A Conae, em 2010, alm de ter aprovado muitas polticas pblicas, levando em considerao o Sistema Nacional Articulado de Educao, aprovou algo que h muitos anos reivindicado pela sociedade civil organizada, o Frum Nacional de Educao, que acompanhe a educao brasileira no seu desenvolvimento. A Conae props e o governo j instituiu o Frum Nacional da Educao, pela Portaria do ministro da Educao. O Frum tem como base a Comisso que organizou a Conferncia. No significa que vai ser apenas essa Comisso, mas ela a base do Frum, composto pelos entes federados, atravs de suas representaes e da sociedade civil organizada. A participao da sociedade na mobilizao, na construo coletiva de polticas pblicas e no acompanhamento muito importante no contexto da melhoria da educao.

A Conae, em 2010, [...] aprovou algo que h muitos anos reivindicado pela sociedade civil organizada, o Frum Nacional de Educao, que acompanhar a educao brasileira no seu desenvolvimento.(Chagas Fernandes)

Quais as principais aes e polticas, na ltima dcada, direcionadas incluso e diversidade na educao bsica brasileira? Regina Vinhaes - Talvez este seja um dos campos da educao mais bem aquinhoados, em termos de polticas, nos ltimos anos. As polticas de incluso e188

...um dos campos da educao mais bem aquinhoados, [...] nos ltimos anos. As polticas de incluso e diversidade, alm da Seed/ MEC, ganharam novos espaos institucionais, tanto no MEC com a Secad, como nas secretarias de educao(Regina Vinhaes)

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Educao bsica obrigatria e gratuita: avanos e desafios

diversidade, alm da Seed/MEC, ganharam novos espaos institucionais, tanto no MEC com a Secad, como nas secretarias de educao. Com isso foi possvel a incluso de pessoas portadoras de deficincias nas escolas da rede pblica, assim como a implantao de inmeros projetos para as escolas do campo, quilombolas e de educao escolar indgena, com especial ateno aos programas de relaes tnico-raciais, de gnero e diversidade sexual, de crianas, adolescentes e jovens e situao de risco; e de educao ambiental. Chagas Fernandes Nos ltimos anos avanamos muito em aes, programas e polticas direcionadas a incluso e diversidade para toda a educao. Nesse sentido, destacam-se, tambm, aes direcionadas a educao especial, quilombolas, indgenas, campo, educao de jovens e adultos. Tais polticas, a serem consolidadas revelam os avanos percorridos e sinalizam para os desafios no tocante a garantia de educao bsica de qualidade para todos num pais com enormes desigualdades sociais e raciais. Lisete Arelaro - Avanamos nesta direo ainda que o caminho seja longo. Acredito que a formao integrada formao geral e tecnolgica - junto educao de jovens e adultos (EJA) e ao ensino mdio foram iniciativas importantes. O respeito s diversidades das diferentes tribos indgenas e quilombolas, bem como educao no campo so bons exemplos. O mesmo pode ser dito em relao educao especial, ainda que nesta rea seja necessrio, ainda, muito investimento e combate ao preconceito social. A expanso das universidades pblicas, em locais tradicionalmente sem acesso educao superior, mdio prazo, ter resultados significativos na incluso social.

A educao infantil vem sendo estruturada nos ltimos anos no Pas. A oferta desta etapa da educao bsica ainda incipiente se considerarmos os indicadores educacionais, sobretudo no que concerne a creche (zero a trs anos). Como garantir a expanso com qualidade da educao infantil e, especialmente, a universalizao da pr-escola, definida pela EC 59, 2009? Chagas Fernandes - Hoje ns pagamos o preo do passado. Negligenciaram a educao infantil, malgrado a experincia do Fundef para o ensino fundamental, e isto acarretou a falta de financiamento para esta etapa. A aprovao do Fundeb, um fundo para toda a educao bsica, da creche ao ensino mdio, um avano. Mas algumas providncias adicionais precisaram ser tomadas para estruturar melhor essas duas etapas da educao bsica. Crianas dos quatro e cinco anos j esto dentro189

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Francisco das Chagas Fernandes, Lisete Regina Gomes Arelaro e Regina Vinhaes Gracindo

da universalizao da educao bsica e o Pas tem cumprido a meta de matrcula na pr-escola. Em relao creche, ainda h muito a avanar , no cumprimos a meta do PNE em vigor, temos que consolidar aes articuladas para oferecer a opo da creche. O governo federal, atravs do Plano de Aes Articuladas, dentro do Plano de Desenvolvimento da Educao (PDE), tem ajudado bastante os municpios com o Programa Pr-Infncia, de construo de creches e de centros de educao infantil nas redes municipais. uma poltica significativa, porque como a creche se torna muito cara e o recurso do Fundeb ainda no suficiente, necessrio que o governo federal consolide aes de cooperao e colaborao com os municpios. Lisete Arelaro - Este um dos desafios mais complexos para a prxima dcada. Primeiro, porque foi precipitada a incluso das crianas de seis anos no ensino fundamental. Tnhamos experincias exitosas em relao educao infantil na faixa de quatro a seis anos, que no poderiam ter sido desprezadas. O Brasil tinha muito a ensinar a muitos pases europeus nesta rea. A segunda questo que, sem uma justificativa consistente, separamos a faixa etria de zero a trs, das de quatro e seis, desprezando, novamente, boas experincias de educao de crianas de zero a cinco/seis anos de idade. Uma boa formao inicial de professoras para os anos iniciais e a realizao de pesquisas que estudem mais e melhor as crianas pequenas brasileiras sero boas estratgias. Mas, sem superarmos a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que estabelece teto mximo para municpios e estados onerarem a folha de pessoal, no teremos condies reais de atendimento pblico direto em creches, pois eles j gastam o mximo que a lei permite (cerca de 60% dos oramentos). Ouvi a presidenta Dilma prometer, durante a campanha, que, se eleita, o governo federal colaboraria com a construo de creches que espero, sejam mantidas junto administrao direta. No entanto, isso no ser suficiente, pois o grosso dos gastos se concentra no pagamento de pessoal e, em consequncia, temos que alterar a LRF, para que ela se transforme em uma lei de responsabilidade pelo social. Regina Vinhaes - J avanamos significativamente ao incluirmos a creche no mbito da educao infantil, que antes estava limitada assistncia social. Outro avano se registra na ampliao do atendimento pr-escola (quatro e cinco anos). H, no entanto, o grande desafio de universalizar o acesso pr-escola e a oferta de creche (0 a trs anos) a todos que demandarem por ela. Este desafio ser enfrentado com: (1) eliminao progressiva dos convnios para esse fim; (2) a ampliao do financiamento da educao, proposto no PNE 2011-2020; (3) a deciso poltica, especialmente dos municpios, de construir prdios para esse fim; (4) a formao continuada e especfica para a educao infantil.

O governo federal, atravs do Plano de Aes Articuladas, dentro do PDE, tem ajudado bastante os municpios com o Programa PrInfncia, de construo de creches e de centros de educao infantil nas redes municipais.(Chagas Fernandes)

...sem superarmos a chamada LRF, que estabelece teto mximo para municpios e estados onerarem a folha de pessoal, no teremos condies reais de atendimento pblico direto em creches...(Lisete Arelaro)

190

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Os estudos iniciais do processo de implantao da escola fundamental de nove anos mostram que quase nada mudou e que, especialmente, em relao preparao dos professores, ao material escolar e aos livros didticos tudo ficou para depois(Lisete Arelaro)

Educao bsica obrigatria e gratuita: avanos e desafios

Quais so as principais demandas e desafios para a melhoria do acesso, permanncia e gesto do ensino fundamental de nove anos? Lisete Arelaro - Lamentando que esta tenha sido a opo brasileira, o desafio no repetir o tratamento inadequado das sries iniciais do ensino fundamental para com as crianas menores ainda. Os estudos iniciais do processo de implantao da escola fundamental de nove anos mostram que quase nada mudou e que, especialmente, em relao preparao dos professores, ao material escolar e aos livros didticos tudo ficou para depois. A deciso de alfabetizar todas as crianas at os oito anos de idade tambm pode ser catastrfica, pois teremos colocado as crianas mais cedo para carimb-las de incompetentes. E no se diga que a Provinha Brasil contribui com uma melhor avaliao da qualidade de ensino. Vivemos um momento histrico educacional delicado. O outro desafio tentarmos recuperar a idia de uma s escola de nove anos, pois com a diviso em falsos ciclos I e II, hoje, em todo o Pas, os anos/sries finais (6-9) no mantm nenhuma relao com os anos iniciais. So duas escolas sem relao entre si. Para superar esta situao, temos que parar de valorizar, com a primazia que foi dada, as provas nacionais de avaliao dos sistemas de ensino e das escolas. No se justifica, cientificamente, a realizao de provas anuais e muito menos o ranqueamento que o Inep incentivou entre cidades, redes pblicas, escolas e turmas. Regina Vinhaes - A instituio do custo-aluno-qualidade inicial (CAQI) tornou-se um dos grandes desafios aos dirigentes que buscam construir uma educao bsica de qualidade socialmente relevante. Nesse sentido, o atendimento pleno do ensino fundamental de nove anos dever t-lo como parmetro. Outra questo importante para a garantia do fluxo desses estudantes e da qualidade desse processo educativo a delimitao dos seis anos (completados em maro) como idade adequada ao incio dessa etapa da educao bsica. Chagas Fernandes - A perspectiva de o ensino fundamental mudar de oito para nove anos, com a entrada de crianas de seis anos, tanto estava na Lei de Diretrizes e Bases como no PNE, mas no tnhamos uma centralidade sobre isso. Foi aprovada uma Lei, que determinou o prazo de cinco anos, para que estados e municpios universalizassem o ensino fundamental de nove anos e o prazo 2010. As redes municipais e estaduais tiveram essa oportunidade. Voc tem muitas redes municipais e estaduais no Pas que, independentemente da Lei, j trabalhavam nessa perspectiva e j tinham o ensino fundamental de nove anos. Algumas providncias outros estados e municpios tiveram que tomar, como a formao dos professores para atender a criana de seis anos e, muitas vezes, reestruturar a escola. Mas, temos um pas com desigualdades191

[...] custoaluno-qualidade inicial (CAQI) tornou-se um dos grandes desafios aos dirigentes que buscam construir uma educao bsica de qualidade... [...] o atendimento do ensino fundamental de nove anos dever t-lo como parmetro.(Regina Vinhaes)

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Francisco das Chagas Fernandes, Lisete Regina Gomes Arelaro e Regina Vinhaes Gracindo

regionais, sociais e econmicas, e uma proposta com esta no acontece da mesma maneira para todos. H estados com quatro turnos - o matutino, o intermedirio, o vespertino e o noturno; como que, com quatro turnos, voc ainda vai fazer o ensino fundamental de nove anos? Quando cito os quatro turnos, para mostrar que h diferenas, ainda, em relao universalizao da educao bsica, tanto em relao ao ensino fundamental de nove anos, quanto perspectiva dos quatro aos 17 anos.

O ensino mdio e a educao profissional no Brasil tm sido marcados pela disssociao, ou seja, por um dualismo estrutural, que no contribui para o acesso a esta etapa da educao bsica. Que aes e polticas devem ser realizadas, para garantir a universalizao desta etapa com qualidade? Regina Vinhaes - A educao uma totalidade social com mltiplas mediaes histricas. Nesse sentido, pode-se pensar na extino do dualismo estrutural entre o ensino mdio e a educao profissional, por meio de uma profunda integrao entre ambos, fazendo com que a educao geral se torne parte inseparvel da educao profissional. Este o sentido do trabalho entendido como princpio educativo, pois incorpora a dimenso intelectual ao trabalho produtivo. Nessa medida, um currculo integrado organiza o conhecimento para que os conceitos sejam apreendidos como sistema de relaes de uma totalidade concreta. Como consequncia, os trabalhadores dotados dessa concepo ampliada de mundo podem ser capazes de atuar como dirigentes e como cidados. Chagas Fernandes - O Governo Lula tomou a providncia de revogar decretos que impediam praticamente a profissionalizao de nvel mdio pelo poder pblico e tambm de fazer o ensino mdio integrado educao profissional. Alm disso, a Rede Federal, atravs dos institutos federais de educao, deu um salto em sua expanso. So vrios institutos federais criados nas diversas regies para garantir a profissionalizao de nvel mdio. Foi criado o Brasil Profissionalizante, programa do governo federal junto s redes estaduais, para que se tenha o ensino mdio profissionalizante tambm na Rede Estadual. Foi reorganizada a perspectiva de educao profissionalizante em relao ao Sistema S, o governo conseguiu fazer um acordo para avanar em relao a essa garantia. E h uma proposta do governo federal junto s redes estaduais do ensino mdio inovador, para uma mudana de qualidade no ensino mdio. Lisete Arelaro - A garantia de universalizao do ensino mdio no depende diretamente da rea educacional, pois, se no houver um projeto de desenvolvimento192

...pode-se pensar na extino do dualismo estrutural entre o ensino mdio e a educao profissional, por meio de uma profunda integrao entre ambos, fazendo com que a educao geral se torne parte inseparvel da educao profissional.(Regina Vinhaes)

O Governo Lula tomou a providncia de revogar decretos que impediam praticamente a profissionalizao de nvel mdio pelo poder pblico e tambm de fazer o ensino mdio integrado educao profissional.(Chagas Fernandes)

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Educao bsica obrigatria e gratuita: avanos e desafios

nacional consistente que possibilite aos jovens brasileiros investir tempo e suor na sua formao, com perspectivas de bons empregos no mercado de trabalho, os nmeros no se alteraro substantivamente. No por acaso, os dados estatsticos do MEC mostram uma relativa estagnao nos nmeros de matrculas nesta etapa de ensino, no necessariamente por falta de vagas, mas por falta de perspectiva futura dos jovens. Agora, a possibilidade de formao terica consistente o que implica investimento em salrios e formao de professores - um outro desafio. H muito tempo nossas escolas pblicas no tm bibliotecas e as existentes, alm de pobres em livros, CDs, DVDs e outros materiais de consulta bibliogrfica, no tm seu funcionamento mantido em todos os perodos. No temos nem laboratrios ou oficinas para a prtica de conceitos cientficos. E os salrios dos professores so to baixos que, apesar de formarmos em nmero suficiente para o estgio atual de atendimento, professores de fsica, qumica, biologia ou matemtica acabam no permanecendo na rede pblica. A atualizao cientfica e tcnica dos equipamentos e profissionais das escolas aspecto fundamental. A possibilidade da formao geral consistente, combinada com atualizada formao tcnica e tecnolgica pode se constituir em frmula motivadora juventude.

Vivenciamos um momento poltico de discusso do novo Plano Nacional de Educao. Que metas e estratgias devem ser asseguradas para garantir a educao obrigatria e gratuita dos quatro aos 17 anos, levando em conta o ensino regular e as modalidades de ensino? Chagas Fernandes - O governo props 20 metas para o PNE ao Congresso Nacional, que pode fazer ajustes, mudanas, porque sua prerrogativa. Uma das metas a que a Constituio Brasileira, com a Emenda 59, incorporou: a universalizao da educao bsica de quatro a 17 anos. Vrias outras metas e estratgias tm a ver com a universalizao dos quatro aos 17 anos, como a do financiamento que prev 7% do PIB para a educao. Temos pelo menos seis, das 20, que tratam da valorizao profissional. H metas sobre piso, carreira, formao. H metas sobre o Ideb - daqui a dez anos poderemos medir o ndice de qualidade, tanto no ensino fundamental quanto no ensino mdio. Enquanto o Plano que termina em 2010 no tinha estratgias para as metas, este Plano tem. Todas as metas tero indicadores, vo ser medidas e, portanto, acompanhadas. A estrutura proposta para o novo Plano vai ajudar a sociedade brasileira a acompanh-lo. O mais significativo em relao ao prximo PNE que ele se desdobre nos planos estaduais e municipais. No basta ter o PNE, so necessrios os estaduais e os municipais, porque, do contrrio, no se vo atingir as metas nacionais. Os planos estaduais e municipais tm que entrar na ordem do dia e a sociedade193

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Francisco das Chagas Fernandes, Lisete Regina Gomes Arelaro e Regina Vinhaes Gracindo

civil tem um papel significativo no debate. As entidades de profissionais da educao, no Brasil, tambm j comearam a debat-lo. O congresso da CNTE tem como tema o PNE. As prprias entidades tambm vo comear a paut-lo, os estudantes, logo em seguida ao Congresso da CNTE, tero o Congresso Nacional e este um dos pontos a ser debatido. O PNE far com que tenhamos, nos prximos dez anos, uma outra educao no Pas. Lisete Arelaro - Em primeiro lugar, se pretendemos alguma ampliao do atendimento e educao de qualidade, temos que garantir mais investimentos financeiros na rea, pois, de fato, ainda, se fala muito e se gasta pouco, em todas as etapas de ensino. Defender o aumento da aplicao de recursos financeiros de forma gradativa, at atingir os 10% do PIB pode ser uma bela motivao para a mobilizao dos setores sociais e educacionais. Ser atravs dessa meta que a valorizao do magistrio inadivel! poder ser garantida ou, pelo menos, viabilizada. O segundo aspecto fundamental que o sistema nacional de educao ainda em gestao no se viabilizar enquanto um acordo, pacto ou negociao (no necessariamente s atravs de regulamentao) no for feito para se estabelecer procedimentos e condutas para um verdadeiro sistema de cooperao entre as esferas pblicas, hoje, inexistente ou pfio. O terceiro aspecto, decorrente do anterior, a real implantao de gesto democrtica da educao e do ensino pblico, pois, para alm da falcia, a cada dia, os governos imprimem aes de monitoramento que sufocam ou reduzem a autonomia das escolas e desestimulam uma ao mais incisiva dos conselhos existentes de escolas, de educao, de acompanhamento do Fundeb, dentre outros. A pretenso de melhoria da qualidade de ensino e valorizao dos profissionais de educao vem sendo acompanhada de controles que mais desresponsabilizam do que ajudam as escolas em sua tarefa essencial: a busca e a construo de um projeto de ensino instigante que interesse aos alunos das comunidades atendidas. Mas, sem dvida, uma meta que no poder ser adiada, pela manuteno do desrespeito populao brasileira pobre o enfrentamento do analfabetismo, que vem se reduzindo, mas que ainda significativo no Pas. Esta meta e o atendimento aos cerca de 50 milhes de brasileiros que no concluram o ensino fundamental nas suas diferentes especificidades - so as tarefas mnimas e os compromissos intransferveis de todos ns na nova dcada do sculo XXI. Regina Vinhaes - Dentre os diversos documentos elaborados por entidades acadmicas, movimentos sociais, pela Conae e por rgos de Estado (como exemplo o CNE), parece haver alguns consensos, dentre os quais destaco: A implantao do Sistema Nacional de Educao, integrando, por meio da gesto democrtica, os planos de educao dos diversos entes federados e das instituies de ensino, em regime de194

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Educao bsica obrigatria e gratuita: avanos e desafios

colaborao entre a Unio, estados, Distrito Federal e municpios. A ampliao do investimento em educao pblica em relao ao PIB, estabelecendo padres de qualidade para cada etapa e modalidade da educao, com definio dos insumos necessrios qualidade do ensino, delineando o custo-aluno-qualidade como parmetro para seu financiamento. A universalizao do atendimento pblico, gratuito, obrigatrio e de qualidade da pr-escola, ensino fundamental de nove anos e ensino mdio, alm de ampliar significativamente esse atendimento nas creches. A garantia de oportunidades, respeito e ateno educacional s demandas especficas de: estudantes com deficincia, jovens e adultos defasados na relao idade escolaridade, indgenas, afro-descendentes, quilombolas e povos do campo. A implantao da escola de tempo integral na educao bsica, com projeto poltico-pedaggico que melhore a prtica educativa, com reflexos na qualidade da aprendizagem e da convivncia social. E valorizar os profissionais da educao, garantindo formao inicial e continuada, alm de salrio e carreira compatveis com sua importncia social e com os dos profissionais de outras carreiras equivalentes.

Notas1 2 Graduado em Letras. Professor da Rede Pblica de Ensino do Rio Grande do Norte (RN); Secretrio Executivo Adjunto do Ministrio de Educao (MEC) desde 2007; foi dirigente da CNTE. Doutora em Educao. Diretora da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (FEUSP); conselheira do Conselho Tcnico-Cientfico (CTC-EB) da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes). Doutora em Educao. Conselheira da Cmara de Educao Bsica do Conselho Nacional de Educao (CNE); Secretria de Estado de Educao do Distrito Federal.

3

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 183-195, jul./dez. 2010. Disponvel em:

195

A Emenda da obrigatoriedade Mudanas e permannciasNal Farenzena*

RESUMO: O artigo trata do ordenamento jurdico da educao obrigatria no Brasil, relacionando-o ao direito educao. Contempla uma sntese desse ordenamento no perodo republicano, bem como da tramitao e contedos da Emenda Constitucional (EC) n 59/09 Constituio Federal, que fixou a obrigatoriedade na educao bsica da populao entre quatro e 17 anos de idade. O direito educao bsica extrapola a educao obrigatria e, portanto, dever do Estado garantir a toda a educao bsica padres de qualidade escolar que contemplem acesso, permanncia e concluso das etapas da escolaridade. Palavras-chave: Obrigatoriedade escolar. Direito educao. Cidadania e educao. Legislao da educao. Polticas pblicas de educao.

m sua obra Cidadania no Brasil - o longo caminho, Carvalho (2001) analisa o processo descontnuo, tortuoso e limitado de reconhecimento, de concesso e de conquista de direitos sociais, polticos e civis em nosso Pas, atravs da reconstituio de sua trajetria histrica. Tratando do perodo mais recente, adverte sobre as consequncias da falta de confiana nas instituies resultante da frustrao de expectativas, como as de participao e justia social, geradas no contexto da transio democrtica, principalmente com a Constituio de 1988. No que concerne aos direitos sociais de educao escolar, as prescries, entre outras, da Constituio Federal (CF), de 1988, da Lei n 8.069/90 (Estatuto da Criana e do Adolescente ECA) e da Lei n 9.394/96 (Diretrizes e Bases da Educao Nacional LDB) tm sido apontadas como avanos no reconhecimento do direito

E

*

Doutora em Educao. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: .

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

197

Nal Farenzena

educao escolar. Frustraes que digam respeito concretizao desse direito podem alimentar a falta de confiana de que nos fala Carvalho, o que influencia os padres de relaes entre cidados, cidadania e instituies polticas. Como nos adverte Bobbio (1992), no campo dos direitos sociais, do qual faz parte a educao, intensa a defasagem entre a posio das normas jurdicas e a sua efetiva aplicao. Ao referir-se Constituio Italiana, ele diz que as normas sobre os direitos sociais foram chamadas de programticas, e pergunta que gneros de normas so essas que ordenam, probem e permitem num futuro indefinido e sem prazo claramente delimitado. Ele pergunta, ainda, se pode ser chamado de direito aquele cuja efetiva proteo adiada indefinidamente. Deparamo-nos, no Brasil, com um ordenamento constitucional-legal que especifica direitos educao e deveres para com a educao. Alm do enunciado mais amplo do direito/dever A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade [...] (art. 205 da CF) h uma especificao de garantias a serem oferecidas pelo Estado. O art. 208 da Constituio Federal, recentemente modificado pela Emenda Constitucional n 59 (EC n 59/09), prescreve, entre outras, as seguintes garantias: de educao bsica obrigatria e gratuita dos quatro aos 17 dezessete anos de idade; de educao bsica para jovens e adultos; de atendimento educacional aos portadores de deficincia; de educao infantil. Entre direitos educao/deveres do Estado e sua efetiva aplicao, encontramos a defasagem, da qual fala Bobbio (1992), como uma permanncia inadmissvel na sociedade brasileira. Tm havido mutaes nas normas jurdicas, como tambm nos quantitativos das defasagens, que resistem e representam mais uma face das incompletudes de nossa cidadania. At a promulgao da EC n 59/09, o marco constitucional-legal brasileiro delimitava a obrigatoriedade escolar no ensino fundamental e para crianas (a partir dos seis anos de idade) e adolescentes. Com a EC n 59/09, a obrigatoriedade escolar combina um nvel da educao com uma faixa etria (educao bsica de adolescentes e crianas de quatro a 17 anos de idade), obrigatoriedade essa a ser implementada progressivamente, at 2016. Cabe um esclarecimento sobre a obrigatoriedade escolar. Com base em literatura sobre o direito educao, Horta (1998) pondera que a educao se distingue de outros direitos sociais por constituir direito e obrigao, quer dizer, em vista da exigncia de educao obrigatria, no negociada com a populao atingida pela obrigatoriedade, ou com seus responsveis, a dispensa da educao; no existe o direito de prescindir da educao obrigatria. Portanto, embora seja indispensvel evidenciar a dimenso de obrigao/dever do Estado em assegurar a escolaridade obrigatria, deve-se tambm considerar a dimenso de obrigao de matrcula e frequncia escola que atinge crianas, adolescentes e seus responsveis.198

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

A emenda da obrigatoriedade: mudanas e permanncias

Feitas essas consideraes, passo a tratar da delimitao da educao obrigatria no Brasil. Na prxima seo, apresento uma sntese dessa delimitao no ordenamento jurdico, numa perspectiva histrica. Em seguida, enfoco a tramitao da EC n 59/09 e contedos que circularam nesse processo. Na seo que encerra o artigo, acentuo a relevncia de pensar o direito educao, seja ela obrigatria ou no, como abrangendo condies de oferta e condies/padres de qualidade escolar, que contemplem acesso, permanncia e concluso das etapas da escolaridade.

O ordenamento constitucional-legal republicano A primeira Constituio republicana, de 1891, continha poucas referncias educao. Como demonstra Cury (1996a), a educao aparece no texto constitucional atravs dos preceitos de laicidade do ensino pblico, de manuteno do ensino e do diploma oficial e de competncias especificadas para a Unio das quais podiam ser deduzidas as competncias dos estados. Conforme o autor, a obrigatoriedade do ensino foi debatida, mas o texto constitucional, omisso, quanto a esse aspecto, dados os argumentos do federalismo e do princpio liberal-oligrquico de que a educao seria uma demanda individual. O mesmo autor, Cury (1996b), expe os debates da reviso constitucional de 1926; apesar de no ter havido mudanas no texto da Constituio no que concerne ao ensino, suas ideias e propostas anteciparam a concepo da educao como direito social e coadjuvante na construo da coeso nacional; o estabelecimento da obrigatoriedade do ensino primrio encontrava-se no bojo dessa concepo. A Constituio de 1934 consagrou um captulo educao e cultura, cujo art. 150 estabelecia como competncia da Unio fixar um plano nacional de educao; este, que deveria constar em lei federal, obedeceria a vrias normas, entre elas: a) ensino primrio integral gratuito e de freqncia obrigatria extensivo aos adultos; b) tendncia gratuidade do ensino educativo ulterior ao primrio [...]. Essa Constituio afirmava a educao como direito de todos, devendo ser ministrada pela famlia e pelos poderes pblicos. Concepes que emergiram nas discusses da reviso constitucional de 1926, ganham abrigo no texto constitucional de 1934. educao como um direito de todos associou-se o dever de frequncia obrigatria ao ensino primrio e o dever das famlias e dos poderes pblicos de ministrar a educao; uma composio passvel de gerar interpretaes diversas quanto aos deveres/responsabilidades (a esse respeito ver ROCHA, 1996). Outorgada na vigncia de um regime ditatorial, a Constituio dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, manteve o preceito do ensino primrio obrigatrio e gratuito; abrigava, contudo, duas formulaes que retrocediam no percurso da afirmao do199

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Nal Farenzena

direito educao e da responsabilidade pblica quanto oferta educacional. Uma delas foi prescrever que o Estado asseguraria educao escolar apenas infncia e juventude que no tivessem recursos para estudar em instituies particulares. Outra diz respeito exigncia de contribuies para a caixa escolar por parte de alunos que tivessem condies de faz-lo, um apelo ao dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados (art. 130). Em 1946, outra carta magna foi promulgada, declarando a educao como direito de todos, a ser dada no lar e na escola; j o ensino seria ministrado pelos poderes pblicos, e, respeitada a sua regulamentao, poderia ser ofertado pela iniciativa particular. A obrigatoriedade do ensino primrio estava posicionada entre os princpios da legislao do ensino. A gratuidade do ensino ficava garantida a todos no ensino primrio pblico; nas etapas seguintes da educao, a gratuidade seria garantida para aqueles que provassem insuficincia de recursos. Oliveira (1996), ao tratar da Assembleia Constituinte de 1946, esclarece que se tratava da obrigatoriedade de quatro anos de instruo, no havendo posies contrrias a essa delimitao, embora tenha havido manifestaes de constituintes que problematizaram acesso-oferta educacional versus concluso do ensino primrio e qualidade da educao. A Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 1967, elaborada por um Congresso Nacional transformado em congresso constituinte no marco de um governo ditatorial, manteve as mesmas disposies da CF de 1946 quanto declarao da educao como direito de todos e a oferta de ensino pelos poderes pblicos e iniciativa particular. A obrigatoriedade escolar novamente figurou entre as normas e princpios da legislao, sendo assim delimitada: o ensino dos sete aos quatorze anos obrigatrio para todos [...] (art. 168). Ou seja, a delimitao anterior, de obrigatoriedade do ensino primrio, substituda pela definio da escolarizao obrigatria de crianas e adolescentes entre sete e 14 anos de idade. Conforme expe Horta (1996), na Assembleia Constituinte de 1966-67, fez-se presente uma discusso que j era recorrente na histria brasileira: o sujeito da obrigao escolar, se os pais ou o Estado. A Emenda n 1/69 CF de 1967 estabelece formulao diferente para a obrigatoriedade, pois associa uma etapa da educao a uma faixa etria: o ensino primrio obrigatrio para todos, dos sete aos quatorze anos [...] (art. 176). Estabeleceu, ainda, a educao como direito de todos e dever do Estado. A edio da Lei n 5.692/71 de diretrizes e bases do ensino de 1 e 2 graus colocou a obrigatoriedade em novo patamar: com a fuso entre o ensino primrio e o ensino ginasial, criou o 1 grau, o qual, com oito anos de durao, deveria ser entendido como o substituto do ensino primrio referido na Constituio. Ou seja, a obrigatoriedade escolar passou a vigorar para crianas e adolescentes de sete a 14 anos, no ensino de 1 grau. No contexto da transio democrtica, e emblema maior dessa transio, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 1988, prescreveu a educao como200

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

A emenda da obrigatoriedade: mudanas e permanncias

direito de todos e dever do Estado e da famlia. As constituies anteriores posicionaram o ensino obrigatrio como norma do plano nacional de educao (1934), ou como norma e princpio da legislao do ensino (1946, 1967, 1969); a CF de 1988, em seu art. 208, incluiu o ensino fundamental obrigatrio e gratuito [...]1, entre as garantias a serem asseguradas pelo Estado no cumprimento de seu dever para com a educao2. O Estatuto da Criana e do Adolescente reproduziu o texto constitucional nessa matria. A LDB, em 1996, determinou uma estrutura educacional com dois nveis: educao bsica e educao superior. A educao bsica integrada pela educao infantil, ensino fundamental e ensino mdio. Ficou estabelecida a durao mnima de oito anos para o ensino fundamental (correspondendo, portanto, ao 1 grau), alm da obrigao de pais ou responsveis matricularem seus filhos ou pupilos no ensino fundamental, a partir dos sete anos de idade. Na CF de 1988, na LDB e no ECA o ensino obrigatrio foi declarado direito pblico subjetivo. Conforme Duarte (2004, p. 113), o direito pblico subjetivo um instrumento de controle da atuao do poder estatal, pois permite ao seu titular constranger o Estado a executar o que deve. A autora argumenta que, no contexto de um Estado social de direito, o direito pblico subjetivo educao obrigatria autoriza exigir judicialmente do poder pblico a proteo/atendimento (uma vaga na escola); contudo, sendo um direito social, no apenas uma prestao individual requerida, como tambm a realizao de polticas pblicas. Horta (1998, p. 31) diz que a CF de 1988fecha o crculo com relao ao direito educao e obrigatoriedade escolar na legislao educacional brasileira, recuperando o conceito de educao como direito pblico subjetivo, abandonado desde a dcada de 30 [quando esse conceito constitui proposta durante a assemblia constituinte de 1933-34].

Cabe destacar, ainda, que obrigatoriedade do ensino fundamental correspondeu o preceito de sua priorizao: ao tratar do percentual da receita de impostos que importa manuteno e desenvolvimento do ensino, a CF estabelece que: A distribuio dos recursos pblicos assegurar prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatrio, nos termos do plano nacional de educao. (BRASIL, 1988, art. 212, 3)3. Em 2005 e 2006 houve mudanas no que diz respeito obrigatoriedade de matrcula e frequncia escola, bem como estrutura da educao bsica. As Leis ns 11.114/05 e 11.274/06 alteraram, respectivamente, a idade cronolgica na qual tem incio a obrigatoriedade escolar (passando dos sete anos aos seis anos de idade) e a durao do ensino fundamental (de oito para nove anos)4. Uma excelente sntese quanto obrigatoriedade do ensino fundamental para crianas e adolescentes feita por Horta (1998, p. 30):

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

201

Nal Farenzena

A obrigatoriedade do ensino fundamental diz respeito tanto aos pais ou responsveis quanto aos poderes pblicos. Quanto aos pais, o no-cumprimento da obrigao de matricular os filhos no ensino fundamental dos sete aos quatorze anos constitui crime de abandono intelectual (Cdigo Penal, art. 216). Caso o filho no tenha concludo o ensino fundamental at os quatorze anos, esta obrigatoriedade estende-se at a sua concluso ou at os 18 anos, e seu no atendimento constitui omisso, sujeito s medidas previstas no art. 129 do Estatuto da Criana e do Adolescente. Com relao aos poderes pblicos, o no-oferecimento do ensino fundamental ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente, podendo a mesma ser imputada por crime de responsabilidade.

Cabe referir aqui o ensino mdio. Mantendo contedo similar at 1996, a CF, a LDB e o ECA estabeleciam tambm como dever do Estado a garantia da progressiva extenso da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio. Com a EC n 14 de 1996, a redao da CF foi modificada, estabelecendo-se como dever do Estado a progressiva universalizao do ensino mdio gratuito, o que tambm foi colocado na LDB com a Lei n 12.061/09. O ECA, entretanto, manteve o preceito da progressiva extenso da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino mdio como dever do Estado para com a educao de crianas e adolescentes. Com a Emenda n 59/09 Constituio da Repblica, recoloca-se, como mandamento constitucional, a obrigatoriedade do ensino mdio, para os adolescentes que tiverem concludo o ensino fundamental5.

A tramitao e o contedo da Emenda n 59/09 A Proposta de Emenda Constituio (PEC) que originou a EC n 59/09 foi uma proposio apresentada ao Senado Federal pela senadora Ideli Salvati (PT/SC), em 2003. A PEC aprovada no Senado em meados de 2008 continha, apenas, a determinao de eliminar, progressivamente, a incidncia da Desvinculao das Receitas da Unio (DRU) sobre os recursos da manuteno e desenvolvimento do ensino da Unio os 18% que a Unio deve gastar em Manuteno e Desenvolvimento do Ensino (MDE) voltariam a ser calculados sobre 100% da sua receita, resultantes de impostos, e no sobre a base de 80%, autorizados pela incidncia da DRU nos recursos da MDE do governo federal (BRASIL, 2008). Recebida para apreciao na Cmara dos Deputados em julho de 2008, a PEC recebeu nesta casa legislativa o n 277/08. Em novembro de 2008 foi constituda uma comisso especial para tratar da proposio. O substitutivo do relator (deputado Rogrio Marinho, do PSB/RN) foi aprovado em maro de 2009 na comisso especial; o mesmo texto foi aprovado em segundo turno no plenrio da Cmara em setembro de 2009, retornou apreciao do Senado e a emenda constitucional 59/09 foi promulgada em novembro de 2009. No houve submisso de emendas comisso especial202

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

A emenda da obrigatoriedade: mudanas e permanncias

da Cmara, mas no substitutivo do relator foram inseridos contedos que no constavam na PEC. Ao que tudo indica, os novos dispositivos resultaram de propostas do Ministrio da Educao, apresentadas na nica audincia pblica realizada na Comisso Especial da PEC n 277/08, que j circulavam no Pas, de diversos modos, naquele perodo. A PEC da comisso especial, cujo texto coincide com a EC n 59/09, incorporou a retirada dos recursos da MDE da Unio da incidncia da DRU, mas acrescentou as seguintes determinaes: a obrigatoriedade da educao bsica na faixa etria dos quatro aos 17 anos de idade; a oferta de programas suplementares para a educao bsica como um dos deveres do Estado para com a educao; a colaborao entre a Unio, os estados, o Distrito Federal e os municpios, para assegurar a universalizao do ensino obrigatrio; a prioridade financeira ao ensino obrigatrio, balizada pelos objetivos de garantir sua universalizao, padro de qualidade e equidade; a durao decenal dos planos nacionais de educao, tendo como um de seus objetivos articular o sistema nacional de educao em regime de colaborao; e os planos nacionais estabelecendo meta de aplicao de recursos pblicos em educao como proporo do produto interno bruto. No parecer do relator da Comisso Especial, mencionada uma srie de indicadores relacionados ao acesso e cobertura da educao, bem como ao desempenho de estudantes em testes de larga escala; tais dados, que representam [...] milhes de jovens e crianas com escolarizao insuficiente, so confrontados com os gastos em educao, considerados insuficientes diante das necessidades educacionais e das recomendaes de organismos internacionais de investimento de pelo menos 6% do PIB ao longo de muitos anos para o alcance da qualidade. (BRASIL, 2009c, p. 9). acentuado o desafio de cumprir as metas do PNE de cobertura educacional das etapas da educao bsica e, diante deste quadro, consta no parecer:Felizmente, para alm desta meta [das metas do PNE], em entendimento com a Mesa desta Comisso, o Ministrio da Educao em conjunto com o parlamento prope a aprovao, por meio desta Emenda Constitucional, da ampliao da obrigatoriedade do ensino para a faixa de quatro a dezessete anos. (BRASIL, 2009c, p. 9).

A proposta de ampliao da obrigatoriedade, segundo o parecer, recupera o preceito do texto constitucional de 1988, que previa a progressiva obrigatoriedade do ensino mdio, e alinha-se com a ampliao do ensino fundamental para nove anos de durao, bem como com a delimitao da obrigatoriedade escolar no Uruguai e na Argentina, recentemente ampliada atravs das respectivas legislaes. Nas palavras que constam no Parecer: [...] a ampliao visa associar o financiamento garantia do direito, que constitui o fundamento da obrigao do Estado de financiar a educao, como reconhecido pelo PNE. (BRASIL, 2009c, p. 10).Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

203

Nal Farenzena

A justificativa para a obrigatoriedade da pr-escola ancora-se no argumento de que ela pode impactar positivamente o aproveitamento no ensino fundamental e no ensino mdio. O relator remete tal diagnstico ao depoimento do ministro Fernando Haddad na audincia pblica. Nesse depoimento, o ministro da Educao sublinhou que, no Brasil, esto fora da escola 30% das crianas de quatro a cinco anos e 18% dos jovens de 15 a 17 anos (BRASIL, 2009d). Relacionou as deficincias de cobertura da pr-escola ao fracasso escolar: justamente a falta de acesso pr-escola que induz ao fracasso escolar nos anos iniciais do ensino fundamental, repetncia elevada, ao analfabetismo de crianas de 8 a 14 anos. (BRASIL, 2009d, p. 7). Ponderou que h diferenas marcantes no acesso pr-escola conforme a faixa de renda da populao e que a falta de acesso concentra-se na populao de mais baixa renda. A argumentao do ministro, em linhas gerais, foi a de defesa da universalizao da pr-escola, do ensino fundamental e do ensino mdio, o que seria vivel pela convergncia de trs vetores: reduo da populao na faixa etria de quatro a 17 anos de idade, o fim da DRU (mais recursos) e a correo de fluxo no percurso escolar.

Direitos em construo Como vimos, atualmente, no Brasil, a extenso da obrigatoriedade escolar norma programtica, mas com a identificao de uma meta precisa em termos temporais: at 2016. Mesmo assim, a advertncia de Bobbio (1992), explicitada no incio deste texto, quanto ao descompasso entre direitos e sua efetiva proteo pertinente, haja vista a trajetria histrica de incompletude na efetivao dos direitos educao no Brasil. A garantia, pelo Estado, de educao infantil, ensino fundamental e ensino mdio, independente das mudanas recentes quanto obrigatoriedade escolar, desde 1988 no est posicionada em nosso ordenamento constitucional-legal como pretenso ou aspirao, mas como direito em sentido forte (direito das crianas, adolescentes ou jovens e adultos), objeto de proteo imediata, aqui e agora. A garantia, contudo, tem assumido, de fato, um carter programtico, seja pelos dficits de vaga em escola, seja pelos dficits nas condies do atendimento educacional. A Emenda n 59/09 Constituio da Repblica consagra uma inflexo nas prioridades de ao do poder pblico no setor educacional do ensino fundamental obrigatrio para a educao bsica obrigatria. Tanto antes, como agora, contudo, a garantia de educao nos segmentos no obrigatrios constitui direito de cidadania e dever do Estado, a ser concretizado mediante implementao de polticas pblicas. Os desafios de extenso da cobertura escolar e de oferta de padres de qualidade na educao, postos aos governos da Unio, do Distrito Federal, dos estados e dos municpios, portanto, no se restringem ao que prioritrio. O direito educao no204

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

A emenda da obrigatoriedade: mudanas e permanncias

se reduz ao segmento obrigatrio, proclamado direito pblico subjetivo; uma reduo como esta implicaria corromper o ordenamento jurdico do Pas6. Como lembra Horta (1998), conquistas relativas ao direito educao s adquirem o seu verdadeiro sentido quando os poderes pblicos se revestem da vontade poltica de torn-las efetivas e a sociedade civil organizada se mobiliza por defendlas e exige o seu cumprimento na justia e nas ruas, quando necessrio. A obrigatoriedade escolar como norma jurdica, ao longo da histria do Pas, tem correspondncia com a obrigao/dever do Estado para com a escolaridade, alm de sua face de obrigao de matrcula e frequncia escola. Contudo, para alm da educao considerada obrigatria, a delimitao de um nvel da educao como bsica tem consequncias no direito educao mais alargado, e de um dever do Estado, incluindo a oferta de vagas e de condies de qualidade que permitam o acesso, a permanncia e a concluso das etapas da escolaridade bsica. Cabe lembrar que a insero da educao bsica na legislao resulta, sobretudo, da luta de entidades, movimentos e educadores, que se mobilizaram, no processo de elaborao da LDB, para garantir uma concepo que reforasse a democratizao da educao. A ideia subjacente de que todos devem ter acesso educao de base, significando, de outra parte, que seletividades na oferta educacional, em qualquer das etapas, negam os direitos de cidadania e sonegam o desenvolvimento e a formao prometidos nos fins da educao bsica. A legislao nos oferece diretrizes e bases consistentes, resta a efetivao da extenso da educao bsica de qualidade a todos (ou a todos quanto demandarem, no caso da educao no obrigatria), atravs de polticas pblicas sistemticas e ousadas, que fraturem as persistentes desigualdades de escolarizao da populao brasileira.

Recebido e aprovado em dezembro de 2010.

Notas1 A redao completa do inciso I do art. 208 no texto original da CF de 1988 foi a seguinte: ensino fundamental obrigatrio e gratuito, inclusive para os que a ele no tiverem acesso na idade prpria. Posteriormente, a Emenda n 14 CF deu nova redao a esse inciso: ensino fundamental obrigatrio e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele no tiverem acesso na idade prpria;. evidente que a segunda formulao retira da obrigatoriedade jovens e adultos que no tenham tido acesso educao, o que foi amplamente associado a um enfraquecimento na obrigao, ou no dever, do Estado de priorizar a educao de jovens e adultos no ensino fundamental. Cabe lembrar, contudo, que a LDB mantm at hoje, a redao do texto constitucional de 1988, incluindo, portanto, o direito pblico subjetivo de jovens e adultos ao ensino fundamental (a esse respeito, ver HORTA, 1998). Uma anlise minuciosa do direito educao na Constituio da Repblica de 1988 encontra-se em Oliveira (1995); sobre a afirmao do direito educao obrigatria, ver tambm Mathias (2009).

2

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

205

Nal Farenzena

3

Mais objetivamente, a regra permanente, complementava-se, no texto constitucional original, por outra, contida no artigo 60 das disposies transitrias, de que por um perodo de 10 anos o Poder Pblico aplicaria pelo menos metade dos recursos da receita resultante de impostos vinculada educao no ensino fundamental e na erradicao do analfabetismo. A criao do Fundef tambm respondeu prioridade ao ensino fundamental, embora redefinidas a participao do governo federal e dos governos subnacionais nessa priorizao. Cabe realar que a antecipao e ampliao da obrigatoriedade escolar foram medidas que andaram em descompasso, quer dizer, o estabelecimento da matrcula e frequncia escola para crianas a partir dos seis anos de idade foi contemplado por lei de 2005 (11.114/05), enquanto que a ampliao do ensino fundamental para nove anos de durao foi determinada por lei de 2006 (11.274/06). A respeito da obrigatoriedade versus ou com universalizao do ensino mdio, ver Marchand (2007). No bojo das discusses sobre as mudanas da obrigatoriedade escolar, em que a incluso ou no das crianas de quatro e cinco anos de idade no mbito da obrigatoriedade escolar suscitou polmicas, defesas e contestaes, Vidal Didonet (2009) assim se manifestou: O que defendo em relao ao princpio do direito da criana que ele deve ser suficiente para que a educao infantil e a creche, por ser parte dela seja exigvel perante o Estado e que o princpio do dever do Estado bastante para pleitear recursos no oramento pblico. Cabe destacar, ainda, deste texto, a expresso de um posicionamento, compartilhado por diversos segmentos, de que o que deveria ser reforado, ou cumprido, o dever do Estado de garantir pr-escola, inclusive declarando-a direito pblico subjetivo, sem que fosse necessrio declar-la obrigatria, impondo aos pais uma nova obrigao.

4

5 6

RefernciasBOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Constituio (1891). Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Congresso Nacional Constituinte, 1891. BRASIL. Constituio (1934). Constituio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Assembleia Nacional Constituinte, 1934. ______. Constituio (1937). Constituio dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Presidncia da Repblica, 1937. ______. Constituio (1946). Constituio dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Assembleia Constituinte, 1946. ______. Constituio (1967). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Congresso Nacional, 1967. ______. Emenda Constitucional n 1, de 17 de outubro de 1969. Emenda Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 24 de janeiro de 1967. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 20 out. 1969. ______. Lei n 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1 e 2 graus e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 12 ago. 1971. ______. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988. ______. Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispe sobre o Estatuto da Criana e do Adolescente e d outras providncias. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 14 jul. 1990.

206

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

A emenda da obrigatoriedade: mudanas e permanncias

______. Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 23 dez. 1996a. ______. Emenda Constitucional n 14, de 12 de setembro de 1996. Modifica os arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituio Federal e d nova redao ao art. 60 do Ato das Disposies constitucionais Transitrias. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 13 set. 1996b. ______. Senado Federal. PEC n 96, de 2003: tramitao. Braslia: Senado Federal, 2003. Disponvel em: . Acesso em: 1 dez. 2010. ______. Lei n 11.114, de 16 de maio de 2005. Altera os arts. 6, 30, 32 e 87 da Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com o objetivo de tornar obrigatrio o incio do ensino fundamental aos seis anos de idade. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 17 maio 2005. ______. Lei n 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redao dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, dispondo sobre a durao de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrcula obrigatria a partir dos 6 (seis) anos de idade. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 7 fev. 2006. ______. Cmara dos Deputados. Andamento da PEC n 277/2008. Braslia: Cmara dos Deputados, 2008. Disponvel em: . Acesso em: 01 dez. 2010. ______. Emenda Constitucional n 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta 3 ao art. 76 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias para reduzir, anualmente, a partir do exerccio de 2009, o percentual da Desvinculao das Receitas da Unio incidente sobre os recursos destinados manuteno e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituio Federal, d nova redao aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangncia dos programas suplementares para todas as etapas da educao bsica, e d nova redao ao 4 do art. 211 e ao 3 do art. 212 e ao caput do art. 214, com a insero neste dispositivo de inciso VI. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 12 nov. 2009a. ______. Lei n 12.061, de 27 de outubro de 2009. Altera o inciso II do art. 4o e o inciso VI do art. 10 da Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para assegurar o acesso de todos os interessados ao ensino mdio pblico. Dirio Oficial da Unio, Braslia, 28 out. 2009b. ______. Cmara dos Deputados. Comisso Especial destinada a proferir parecer proposta de emenda constituio n. 277-a, de 2008 [...]. Parecer do relator. Braslia: Cmara dos Deputados, 2009c. Disponvel em: . Acesso em: 02 dez. 2010. ______. Cmara dos Deputados. Comisso Especial destinada a proferir parecer proposta de emenda constituio n. 277-a, de 2008 [...]. Notas taquigrficas de audincia pblica da PEC 277 de 2008. Braslia: Cmara dos Deputados, 2009d. Disponvel em: . Acesso em: 02 dez. 2010. CARVALHO, Jos Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2001. CURY, Carlos Roberto Jamil. A educao e a primeira constituinte republicana. In: FVERO, Osmar (Org.). A educao nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996a. p. 69-80. ______. A educao na reviso constitucional de 1926. In: FVERO, Osmar (Org.). A educao nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996b. p. 81-107.

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

207

Nal Farenzena

DIDONET, Vidal. Nota de esclarecimento sobre a PEC 277/08. OMEP, 2009. Disponvel em: . Acesso em: 30 nov. 2010. DUARTE, Clarice Seixas. Direito pblico subjetivo e polticas educacionais. So Paulo em Perspectiva, v. 18, n. 2, p. 113-118, 2004. HORTA, Jos Silvrio Baa. A educao no Congresso Constituinte de 1966-67. In: FVERO, Osmar (Org.). A educao nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996. p. 201-239. ______. Direito educao e obrigatoriedade escolar. Cadernos de Pesquisa, n. 104, p. 5-34, jul. 1998. MARCHAND, Patrcia. Direito ao ensino mdio no ordenamento jurdico brasileiro. RBPAE - Revista Brasileira de Poltica e Administrao da Educao, Porto Alegre, v. 23, n. 1, p. 81-104, jan./abr. 2007. MATHIAS, Fabiana Soares. Um estudo comparativo das trajetrias de afirmao do direito e de universalizao da educao obrigatria no Brasil e no Uruguai. 2009. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Educao, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. OLIVEIRA, Romualdo Portela de. Educao e cidadania: o direito educao na Constituio de 1988 da Repblica Federativa do Brasil. 1995. Tese (Doutorado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo. ______. A educao na Assemblia Constituinte de 1946. In: FVERO, Osmar (Org.). A educao nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996. p. 153-190. ROCHA, Marlos Bessa Mendes da. Tradio e modernidade na educao: o processo constituinte de 1933-34. In: FVERO, Osmar (Org.). A educao nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996. p. 119-138.

208

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

A emenda da obrigatoriedade: mudanas e permanncias

The compulsory education amendment What has changed and what will continueABSTRACT: The article deals with the legal system of compulsory education in Brazil and relates it to the right to education. It presents a synthesis of this system during the republican period and the procedural steps and contents of Amendment 59/2009 to the Federal Constitution, which made basic education compulsory for all between the ages of four and seventeen. The right to basic education extrapolates compulsory education and therefore it is the duty of the State to guarantee quality in basic education which includes access, permanence and completion of the schooling phases. Keywords: Compulsory schooling. The right to education. Citizenship and education. Educational legislation. Public educational policies.

Lamendement du caractre obligatoire Changements et permanencesRESUME: Larticle traite de lordonnancement juridique de lducation obligatoire au Brsil, le rapportant au droit lducation. Il contemple une synthse de cet ordonnancement dans la priode rpublicaine, ainsi que la dmarche et les contenus de lamendement n 59/09 la Constitution Fdrale, qui a fix le caractre obligatoiredans lducation de base de la population entre 4 et 17 ans. Le droit lducation de base extrapole lducation obligatoire et, donc, il est du devoir de ltat de garantir tous lducation de base standard de qualit scolaire qui inclut laccs, la permanence et la conclusion des tapes de la scolarit. Mots-cls: Obligation scolaire. Droit lducation. Citoyennet et ducation. Lgislation de lducation. Politique publique dducation.

La enmienda de la obligatoriedad Cambios y permanenciasRESUMEN: El artculo trata sobre la legislacin jurdica de la educacin obligatoria en Brasil, relacionada al derecho a la educacin. Tambin contempla una sntesis de esa legislacin en el perodo republicano, as como de la tramitacin y contenidos de la Enmienda n 59/09 a la Constitucin Federal, que determin la obligatoriedad de la educacin bsica para la poblacin entre cuatro y 17 aos de edad. El derecho a la educacin bsica extrapola la educacin obligatoria y, por tanto, es deber del Estado garantizar a toda la educacin bsica padrones de calidad escolar, que contemplen acceso, permanencia y conclusin de las etapas da escolaridad. Palabras clave: Obligatoriedad escolar. Derecho a la educacin. Ciudadana y educacin. Legislacin de la educacin. Polticas pblicas de educacin.

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 197-209, jul./dez. 2010. Disponvel em:

209

Ampliao da obrigatoriedade na educao bsica Como garantir o direito sem comprometer a qualidade?Jos Marcelino de Rezende Pinto* Thiago Alves**

RESUMO: Este artigo pretende avaliar o impacto da ampliao das redes pblicas pela aprovao da Emenda Constitucional n 59, que implanta a obrigatoriedade do ensino para a populao de quatro a 17 anos, na disponibilidade de recursos por aluno na educao bsica. Valendo-se dos dados da Pnad/IBGE, realizada em 2008, e da previso de recursos do Fundeb, para 2010, verificou-se que, para o cumprimento da emenda, 3,96 milhes de crianas e jovens devero ser includos no sistema educacional, at 2016 (expanso de 9,3% das matrculas), sendo necessrio aumentar o investimento na ordem de R$ 7,9 bilhes, para que no haja reduo no valor/aluno atualmente praticado. Palavras-chave: Ampliao da obrigatoriedade do ensino. Fundeb. Gasto por aluno. Desigualdade de acesso ao ensino. Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI).

Introduo previso em lei do ensino obrigatrio para uma parcela da populao durante um perodo determinado da infncia e juventude tem sido uma das estratgias adotadas por diversos pases para viabilizar o exerccio do direito educao a todos os segmentos da sociedade, uma vez que as oportunidades

A* **

Doutor em Educao. Professor Associado da Faculdade de Filosofia, Cincias de Letras de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo (USP). E-mail: . Doutorando em Administrao. Gestor Governamental de Finanas e Controle do Estado de Gois. E-mail: .

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 211-229, jul./dez. 2010. Disponvel em:

211

Jos Marcelino de Rezende Pinto e Thiago Alves

educacionais tm sido, com maior ou menor intensidade, tanto nos pases subdesenvolvidos quanto nos pases desenvolvidos, estratificadas, de acordo com o status econmico e social dos indivduos e, em muitos contextos, ainda por gnero, raa e local de moradia (BUCHMANN; HANNUM, 2001; REARDON; ROBINSON, 2008; SOARES; ALVES, 2003). Dessa forma, a educao compulsria tem sido um instrumento para que a educao deixe de ser um privilgio de classes ou grupos sociais e passe a ser garantida como direito fundamental para todos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a estratgia adotada desde 1852 e foi um dos mecanismos que, juntamente com leis que restringiram o trabalho infantil, contriburam para generalizar o acesso escola e elevar o nvel de escolarizao daquele povo (GOLDIN; KATZ, 2003; NCSL, 2010). Como tem-se mostrado uma estratgia atual e relevante, recentemente, no Reino Unido, uma lei (Education and Skills Bill, de 2007) aumentou a faixa etria do ensino obrigatrio, de cinco a 16, para cinco a 18 anos. Naquele contexto, a medida teve por base dois argumentos: (a) a baixa participao escolar da populao acima de 16 anos, comparativamente a pases assemelhados da Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (Organisation for Economic Co-Operation and Development OECD), fenmeno que poderia afetar a preparao da fora de trabalho e, consequentemente, a competitividade econmica do pas; e (b) o crescimento do nmero de jovens que no esto na escola e nem trabalhando, os denominados Neet (not in education, employment or training), com potencial de envolvimento com o abuso de drogas e com a criminalidade (SIMMONS, 2008). Igualmente, o Brasil tem se utilizado da definio da obrigatoriedade para uma etapa de ensino ou faixa etria, desde 1934. Atualmente (2010), o ensino obrigatrio para a populao de 6 a 14 anos. Contudo, com a aprovao da Emenda Constitucional n 59 de 11/11/2009 (EC n 59) (BRASIL, 2009), que amplia a obrigatoriedade do ensino para a populao de quatro a 17 anos, com prazo final at 2016 para sua integral implementao, o Pas passa a vislumbrar a garantia de 14 anos de estudo formal, o que, sem dvida, um importante passo para a ampliao do direito educao. Assim, no contexto brasileiro, o que se espera que a alterao constitucional represente um avano do acesso, sobretudo para a populao oriunda dos estratos menos favorecidos socioeconomicamente, a todas as etapas da educao bsica, uma vez que as polticas educacionais, at ento, no foram suficientes para garantir o acesso e permanncia dos estudantes nas demais etapas, tal como no ensino fundamental, obrigatrio desde 1967 (KRAMER, 2006; KRAMER; NUNES, 2007; OLIVEIRA, 2010; ZIBAS, 2005). H a expectativa de que a ampliao do acesso seja acompanhada da garantia da qualidade do ensino. Espera-se, portanto, que aqueles que foram excludos pelo acesso no o sejam novamente, em decorrncia da falta de condies de ensino que, da mesma forma, lhes retiraria o direito aos benefcios gerados pela212

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 211-229, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Ampliao da obrigatoriedade na educao bsica: como garantir o direito sem comprometer a qualidade?

educao. Somente uma educao de qualidade pode permitir ao estudante se inserir de maneira crtica na sociedade e desempenhar com autonomia seu papel poltico, social e econmico (FUENZALIDA, 1994). Diante das expectativas geradas pela nova emenda, este artigo pretende avaliar qual o impacto da ampliao da obrigatoriedade na disponibilidade de recursos disponibilizados por aluno na educao bsica. Inicialmente, revisa a evoluo normativa da educao compulsria durante o perodo republicano de nossa histria. Em seguida, estima o total de potenciais alunos que devero ingressar nas redes de ensino, at 2016. Por fim, verifica como o aumento das matrculas poder impactar o valor por aluno atualmente praticado no mbito do Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de Valorizao dos Profissionais da Educao (Fundeb) e qual seria o montante necessrio para cumprir as metas da nova emenda, sem reduzir o valor por aluno atualmente praticado.

Evoluo da obrigatoriedade do ensino no Pas A garantia do direito educao no Estado brasileiro no evoluiu de forma linear, constante e concomitante com outros aspectos igualmente importantes para a construo de nosso pas. Essa trajetria foi marcada por avanos, retrocessos e estagnao que passaram ao discurso oficial por meio de leis que traduziam o pensamento vigente em cada poca. O Quadro 1 apresenta uma sntese da evoluo normativa deste direito desde a Constituio Federal (CF) de 1891. O primeiro comentrio a se fazer, tendo por base o Quadro 1, que, em certo sentido, a EC n 59 recupera a lgica instituda pela CF de 1967, segundo a qual a obrigatoriedade era definida pela faixa etria das crianas e jovens, e no pela etapa de ensino a ser frequentada. Esse princpio, como vimos, foi alterado pela CF de 1988, em sua verso original, mas de certa forma, foi recuperado pela EC n 14/96. Portanto, cabe realar que, com exceo da pr-escola, que abriga a faixa etria de quatro e cinco anos, que passa ser obrigatria, tanto o ensino fundamental como o ensino mdio s sero obrigatrios para aquelas crianas e jovens entre seis e 17 anos. Para os que frequentarem essas etapas da educao bsica, mas com idade acima do limite constitucional, assegurado o direito ao acesso gratuito e o dever do Estado em fornecer as condies de oferta gratuita, mas no se trata de uma obrigao do jovem ou do adulto conclu-las. Ora, considerando que 34% dos jovens de 15 a 17 anos que frequentam a escola o fazem no ensino fundamental, principalmente em virtude da reprovao, possvel antever que o novo dispositivo constitucional no assegura, necessariamente, que boa parte dos jovens brasileiros, em princpio, ter acesso e concluir o ensino mdio, como se poderia pensar. De qualquer forma, h expectativa de que a213

Revista Retratos da Escola, Braslia, v. 4, n. 7, p. 211-229, jul./dez. 2010. Disponvel em:

Jos Marcelino de Rezende Pinto e Thiago Alves

ampliao da obrigatoriedade leve ao aumento da taxa de concluintes do ensino mdio, como aconteceu nos Estados Unidos, em meados do sculo XX, segundo Goldin e Katz (2003). Isso necessrio porque, como mostra a Tabela 1, elaborada com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio (Pnad) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) em 2008 e da OECD (2010), a proporo da populao brasileira entre 25 a 64 anos (faixa etria economicamente ativa) e 25 a 34 anos, que havia concludo pelo menos esta etapa, est muito abaixo da taxa alcanada pelos pases desenvolvidos. Na Amrica Latina, o Brasil est frente do Mxico e atrs do Chile. Tambm importante destacar, com auxlio da tabela, que o Brasil, com a EC n 59, ao elevar de nove para 14 anos o nmero de anos de ensino obrigatrio, estar posicionado apenas atrs do Chile (que mantm 16 anos de ensino obrigatrio) neste quesito, entre todos os pases do mundo1 (UNESCO, 2010).

Quadro 1 Evoluo da obrigatoriedade educacional no Brasil republicanoInstrumento normativo CF de 1891 CF de 1934 Natureza e abrangncia da obrigatoriedade Inexiste a obrigatoriedade ou o direito. Ensino primrio integral gratuito e de frequncia obrigatria, extensivo aos adultos. Ensino primrio obrigatrio e gratuito (cabendo, porm, para os que no alegarem ou notoriamente no puderem alegar escassez de recursos, uma contribuio mdica e mensal para a caixa escolar.). Ensino primrio obrigatrio. Ensino obrigatrio dos 7 aos 14 anos (no define etapa). Ensino de 1 grau obrigatrio de oito anos de durao. Ensino fundamental obrigat