Rinotraqueite Viral Felina - Guilherme Bastos de Siqueira

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Guilherme Bastos de Siqueira

Rinotraquete Viral Felina (Herpesvrus Felino tipo I)

So Paulo 2007

Guilherme Bastos de Siqueira

Rinotraquete Viral Felina (Herpesvrus Felino tipo I)

Trabalho apresentado para o cumprimento das atividades referentes concluso do curso de Especializao Lato sensu em Clnica Mdica de Pequenos Animais Qualittas

So Paulo 2007

Sumrio

1. INTRODUO 2. REVISO DE LITERATURA 2.1 - Sistema Imunolgico Felino 2.1.1 - Componentes do Sistema Imunolgico 2.2 - Generalidades Sobre os Vrus 2.2.1 - Morfologia e Estrutura Viral 2.2.2 Mecanismos de Penetrao I. Adsoro II. Penetrao III. Desnudamento IV. Replicao do Genoma Viral V. Expresso dos Genes Virais VI. Sntese dos Componentes Virais VII. Montagem e Maturao VIII. Liberao 2.3 - Herpervrus Felino tipo 1 2.3.1 - Biologia do Vrus 2.3.2 Epidemiologia 2.3.3 Patognese 2.3.4 Imunidade 2.3.5 - Sinais Clnicos 2.3.6 Diagnstico 2.3.7 - Controle e Tratamento da Doena 2.3.8 - Protocolo Vacinal I. Vacinao Primria II. Reforos Vacinais 2.3.9 - Controle da Doena por HVF-1 em Casos Especficos I. Abrigos/Gatis II. Filhotes em Amamentao III. Vacinao de Gatos Imunocomprometidos 3. CONCLUSO 4. REFERNCIAS BIBIOGRFICAS

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LISTA DE FIGURAS

Pg. Figura 1. Esquematizao das diferentes estruturas das imunoglobulinas (fonte: http://www.immunology.klimov.tom.ru/IGs.jpg) Figura 2. Estrutura clssica de um herpesvrus (fonte: http://users.wfu.edu/butlrs4/images/Virusdrawing.jpg) Figura 3. Felino com HVF-1. Observar sinais oftalmolgicos e corrimento nasal seroso (fonte: http://de.wikipedia.org/wiki/Bild: Katzenschnupfen_Herpes.jpg) Figura 4. Deteco de anticorpos especficos atravs de imunofluorescncia (fonte:http://www.cosmobio.co.jp/export_e/products/kits/products_sml_20061120/sml_roik01ex_3.jpg) Figura 5. Leses ulcerativas na cavidade oral de um gato acometido pelo HVF-1 (fonte: http://www.odontoveterinaria.com.br/imagens/gato2.jpg) 27 26 21 12 6

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1. INTRODUO

A rinotraquete viral felina similar ao resfriado comum em seres humanos. especialmente comum em gatos que foram expostos ao contato com muitos outros gatos, principalmente em ambientes fechados, como gatis e abrigos de animais. Essa doena raramente fatal e se resolve no intervalo de uma a trs semanas. (Binns et al, 2000). O tratamento geralmente consiste em cuidados de suporte. Em adio, antibiticos so fornecidos para proverem tratamento a possveis infeces bacterianas secundrias. Entretanto, apesar dessas infeces bacterianas secundrias poderem agravar o quadro e levar a complicaes, deve-se ter em mente que a causa primria da rinotraquete possui etiologia viral, sendo o herpes vrus felino tipo 1 o agente desta enfermidade, e infeces virais no so curadas pela administrao de antibiticos; da mesma forma que o resfriado comum em seres humanos, no h nenhum tipo de tratamento completamente efetivo. Alm de repouso, torna-se fundamental que o sistema imunolgico do animal acometido pela infeco possa reagir adequadamente. Em casos raros, a doena poder atingir o sistema respiratrio inferior, ocasionando complicaes mais graves, como pneumonia. Sinais oftlmicos e na cavidade oral tambm so freqentemente vistos em quadros de infeco pelo herpesvrus. Tambm se apresenta o fato de que os gatos doentes iro se alimentar e/ou ingerir lquidos em menor quantidade (ou no iro faz-lo), podendo apresentar quadros de desnutrio e/ou desidratao. Em casos assim, ser necessria a internao e fluidoterapia endovenosa.

2. REVISO DE LITERATURA

2.1 - Sistema Imunolgico Felino

O sistema imunolgico um dos sistemas mais complexos do organismo dos animais, sendo responsvel por proteger e agir contra agentes externos causadores de infeces e doenas (Janeway et al., 2001). O sistema imunolgico dos felinos compreende alguns componentes e sistemas intimamente interligados, como pele, imunidade de mucosas, lisoenzima, fagcitos, imunoglobulinas, imunidade mediada por clulas, sistema complemento e interferon, dentre outros (Mayr & Guerreiro, 1981). H dois tipos de imunidades conhecidas: a imunidade adaptativa ou especfica e a imunidade natural ou no-adaptativa (Janeway et al., 2001). A imunidade natural combate muitas infeces diferentes, no permitindo assim que estas evoluam e levem a alteraes no estado de sade do animal. Quando o sistema natural no consegue lidar com tais infeces, acionado, ento, o sistema imunolgico adaptativo, atuando os dois sistemas em conjunto e provendo, assim, uma ao altamente eficaz no combate aos agentes invasores do organismo. A imunidade natural compreende a primeira linha de defesa

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do corpo, consistindo em barreiras fsicas (pele, epitlio e tecidos mucosos), substncias de secreo (cido gstrico, muco e lisoenzimas) e tambm clulas, como fagcitos (neutrfilos e macrfagos), clulas natural killers (NK) e mediadores antiinflamatrios. A imunidade adaptativa envolve um mecanismo um pouco mais complexo, com ativao de clulas linfides T e B, que so especficas para cada agente invasor, seguido pela ao de anticorpos patgeno-especficos ou clulas efetoras. Aps uma agresso, em geral, ocorre formao de uma memria adaptativa, fazendo com que a memria imunolgica especfica a um patgeno especfico seja preservada (Janeway et al., 2001). No caso de infeces virais, os linfcitos T sero aqueles que iro se destacar. Essas clulas reconhecem antgenos de patgenos intracelulares expressos na superfcie de clulas corporais, como os vrus, e agem destruindo essas clulas. Os linfcitos B produzem anticorpos que reconhecem e destroem os antgenos extracelulares, como as bactrias. Os linfcitos T tambm tm importncia quanto ativao de clulas B, as quais produzem imunoglobulinas (Mayr & Guerreiro, 1981). Os rgos do sistema imunolgico podem ser divididos em rgos linfides centrais (ou primrios) e rgos linfides perifricos (ou secundrios). A medula ssea e o timo so os rgos linfides centrais; as clulas do sistema imunolgico so originadas inicialmente das clulas-tronco, comuns na medula ssea. J os rgos linfides perifricos podem ser divididos em estruturas encapsuladas (bao e linfonodos) e as no-encapsuladas (placas de Peyer, amgdalas e superfcie cutnea) (Janeway et al., 2001). Dentre as clulas que compem o sistema imunolgico, destacam-se fagcitos, basfilos e mastcitos (clulas mielides). Os fagcitos (leuccitos, eosinfilos e moncitos) tm a sua maturidade alcanada na medula ssea, so circulantes no sangue por um curto perodo e adentram os tecidos por meio de diapedese. Os basfilos e mastcitos so responsveis pela liberao de mediadores de hipersensibilidade imediata, como a histamina, com efeitos tanto vasculares como antiinflamatrios. Os basfilos se fazem presentes na circulao e os mastcitos esto presentes apenas em tecidos. (Janeway et al., 2001). A clula mielide a precursora dos granulcitos (neutrfilos, eosinfilos e basfilos), macrfagos, mastcitos e clulas dendrticas. Os neutrfilos so os principais componentes celulares em termos de destruio bacteriana, sendo tambm os leuccitos mais abundantes na circulao. Possuem natureza fagoctica e so divididos em dois tipos, os neutrfilos primrios, que caracterizam as clulas imaturas e muito jovens, e que contm protenas catinicas, defensinas, proteases, lisoenzimas e mieloperoxidase. J os neutrfilos secundrios representam os granulcitos maduros (Mayr & Guerreiro, 1981). Os eosinfilos apresentam-se em nmero bem reduzido no sangue, porm, infeces/infestaes por parasitas ou doenas alrgicas/inflamatrias fazem com que seu nmero aumente de forma drstica. Possuem limitada habilidade fagoctica, responsveis pela eliminao de parasitas revestidos por anticorpos. Algumas substncias liberadas pelos eosinfilos e oriunda de seus grnulos citoplasmticos so de caractersticas citotxicas, podendo ocasionar danos membrana do parasita (Mayr & Guerreiro, 1981). Os basfilos tambm possuem seu nmero bastante elevado durante as infeces e reaes alrgicas. Eles deixam o sangue e se aglomeram no foco infeccioso ou inflamatrio. Uma vez nesses

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stios, ocorre a liberao de substncias mediadoras, como histamina, serotonina, prostaglandinas e leucotrienos. Com isso o fluxo sangneo para a rea aumenta, incrementando, assim, o processo inflamatrio em si (Mayr & Guerreiro, 1981). Os moncitos so clulas circulantes no sangue perifrico, antes de adentrarem nos tecidos. Os moncitos recebem nomes especficos de acordo com o tecido em que se situam, como no fgado (clulas de Kupfer), no crebro (micrglia), nos rins (clulas mesangiais) e nos ossos (osteoclastos) (Mayr & Guerreiro, 1981). Em outros tecidos so chamados de macrfagos teciduais. So eles responsveis pela resposta primria aos agentes invasores. Quando no possuem especificidade de antgeno, fagocitam micrbios e fazem o transporte de antgenos para as clulas T e B, funcionando como clulas apresentadoras de antgenos, para assim ocorrer ativao da imunidade especfica, alm da resposta pela secreo de citocinas (Janeway et al., 2001). As clulas dendrticas, por sua vez, ao encontrarem um patgeno, sofrem rpido amadurecimento e migram para os linfonodos. Elas so responsveis pela captao de antgenos em locais perifricos, funcionando, tambm, como clulas apresentadoras de antgenos nos linfonodos. Os mastcitos se localizam nas proximidades de pequenos vasos e liberam substncias que iro aumentar a permeabilidade vascular, o edema, os espasmos musculares e a secreo de muco. Essas clulas liberam grnulos que contm histamina, alm de outros agentes importantes no processo inflamatrio. Os leuccitos altamente especializados responsveis pela identificao e destruio de agentes invasores so os linfcitos T, B e NK. Eles constituem cerca de 20 a 30% do total no nmero de leuccitos, sendo oriundos da medula ssea (Mayr & Guerreiro, 1981). Os linfcitos fazem o reconhecimento de antgenos por meio de receptores expressos em sua superfcie. Um nico linfcito, e o clone de clulas que deste se desenvolveram, possui a capacidade de reconhecer e agir a apenas um nico determinante antignico. As clulas B so estruturas redondas, de grandes ncleos e citoplasma e algumas organelas celulares mnimas. Sofrem ativao pela citocina secretada por clulas-ajudantes T (clulas T Helper), passando assim a serem chamadas de clulas plasmticas. Os linfcitos B e as clulas plasmticas, juntos, produzem anticorpos (imunidade humoral). So capazes tambm de fazerem o papel de clulas apresentadoras de antgenos. Clulas T possuem seu amadurecimento no timo e tem como caracterstica a no-produo de imunoglobulinas. Essas clulas de defesa se dividem em subpopulaes distintas: as clulas-ajudantes T (T Helper) e clulas citotxicas. A distino se faz com base em molculas de superfcie celular nicas, expressas por cada subconjunto, assim como pelas diferentes funes desempenhadas por cada tipo. Ambas expressam receptores de antgenos de clulas T. As clulas T Helper agem na funo de reconhecimento do antgeno processado e auxiliam na coordenao da resposta imunolgica. Produzem linfocinas, as quais auxiliam na ativao de clulas B. As clulas citotxicas so efetoras do sistema imunolgico que tem importante papel, especialmente na eliminao de clulas j infectadas por vrus (Janeway et al., 2001). J as clulas NK correspondem a cerca de 10 a 15% de todos os linfcitos. So clulas linfocticas granulares grandes, no possuindo receptores especficos de antgenos. Elas so capazes de eliminar as

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clulas-alvo sem que haja sensibilizao prvia, agindo em conjunto com as clulas T para oferecer imunidade mediada por clulas e matando clulas tumorais e algumas clulas infectadas por vrus. (Mayr & Guerreiro, 1981).

2.1.1 - Componentes do Sistema Imunolgico A imunidade devida aos anticorpos uma importante ferramenta do sistema imune. Os anticorpos so protenas geradas a partir de uma reao imunolgica e secretadas pelos linfcitos B. Aps sua formao, so capazes de bloquear antgenos (Dawson & Lappin, 1998). Os anticorpos so glicoprotenas em forma de Y constitudos por dois tipos de cadeias polipeptdicas: duas cadeias pesadas e duas cadeias leves. As cadeias pesadas se dividem em cinco formas: IgG, IgA, IgM, IgD e IgE (Figura 1). Cada uma possui um papel importante na proteo contra organismos invasores (Mayr & Guerreiro, 1981).

Figura 1. Esquematizao das diferentes estruturas das imunoglobulinas (fonte:http://www.immunology.klimov.tom.ru/IGs.jpg)

A IgG proporciona a principal imunidade baseada em anticorpos contra os patgenos que invadem o corpo. Como incapaz de atravessar a barreira placentria, a imunidade s passar para os neonatos via colostro. A IgM expressa na superfcie das clulas B. Elimina patgenos nos estgios iniciais da imunidade mediada pelas clulas B antes que haja IgG suficiente. muito eficaz no processo de aglutinao de antgenos, possuindo mais de dez stios de ligao. A IgA encontrada em reas de mucosas, como os intestinos, trato respiratrio e sistema urogenital, prevenindo sua colonizao por

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patgenos. estvel degradao enzimtica quando em secrees de mucosas. A IgD funciona, principalmente, como uma receptora de antgenos nas clulas B. encontrada predominantemente na superfcie de linfcitos B maduros. Suas funes so menos definidas que as dos outros isotipos. Finalmente, a IgE se liga a alrgenos e desencadeia a liberao de histaminas dos mastcitos, estando envolvida nos processos alrgicos e nas infestaes por vermes parasitas. amplamente ligada a receptores superficiais, principalmente em mastcitos e basfilos (Mayr & Guerreiro, 1981). A imunidade fagocitria se divide em componentes fixos e circulantes. Os fagcitos do primeiro componente so as clulas de Kupfer, macrfagos esplnicos e alveolares pulmonares e clulas microgliares cerebrais. J as clulas circulantes com capacidade fagoctica incluem os granulcitos, moncitos e tambm os eosinfilos. Para que ocorra a destruio e fagocitose adequadas de um antgeno so necessrios diversos mecanismos interligados, como movimentos aleatrios, quimiotaxia, opsonizao e fixao ao material estranho e sua posterior ingesto, ativao metablica do fagcito para a destruio do material estranho e destruio completa do mesmo (Janeway et al., 2001). A imunidade mediada por clulas realizada por linfcitos T e macrfagos, requerendo clulas intactas que realizem sua funo imunolgica por contato direto clula-clula, assim como pela produo de fatores solveis para funes imunolgicas especficas. A heterogenicidade dos linfcitos T a responsvel direta pela imunidade mediada por clulas, respondendo pelas reaes de hipersensibilidade retardada, sensibilidade de contato, imunidade a organismos intracelulares e a antgenos fngicos e virais, eliminao de enxertos de tecido estranho e, tambm, pela formao de granulomas crnicos. As citocinas compreendem um grupo de mediadores solveis da reao imunolgica e tambm inflamatria liberadas por uma clula e, em geral, exercendo efeito sobre essa mesma clula ou sobre uma clula prxima. Algumas destas citocinas podem circular sobre a corrente sangunea e ter efeitos longe do stio de produo. Citocinas individuais podem ser sintetizadas e agir sobre muitas clulas diferentes. As interleucinas, por exemplo, so citocinas produzidas pelos linfcitos. Elas possuem ao em diferentes rgos, tecidos e clulas, exercendo importante papel na ligao entre nutrio e reao imunolgica. Podem estimular a ativao de macrfagos e interagir com clulas B para ativ-las e produzir anticorpos. Citocinas e clulas T podem tambm ativar outras clulas (clulas NK, citotxicas e granulcitos), aumentando, assim, a reao imunolgica. As citocinas possuem distintas funes em hematopoiese e desenvolvimento, ativao de linfcitos T e B, clulas NK e leuccitos auxiliares, quimiotaxia de leuccitos, na segregao/supresso de linfcitos T e B e no processo inflamatrio (Mayr & Guerreiro, 1981). O sistema complemento uma srie com aproximadamente trinta protenas que, quando ativadas, interagem em seqncia formando uma cascata enzimtica, que tem um raio de efeitos finais importantes em reaes imunolgicas e inflamatrias. Possui um importante papel na amplificao da defesa especfica e no-especfica do hospedeiro, ajudando na mediao de funes como, por exemplo, aderncia imunolgica, fagcitos, quimiotaxia e citlise. Em geral, um nmero de protenas de controle est presente para inibir uma possvel ativao descontrolada do sistema complemento. (Janeway et al., 2001). As protenas do complemento podem ser agrupadas em quatro divises funcionais: a) via clssica

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de ativao, podendo ser ativada na ausncia de imunidade especfica; b) ativao pela presena de bactrias ou leveduras; c) ativao por amplificao; e d) ativao por mecanismos efetores. A reao imunolgica a um antgeno engloba ao sincrnica de clulas inflamatrias e imunolgicas, mediadores reguladores solveis (citocinas), anticorpos (imunoglobulinas) e molculas do complemento. A reao imunolgica tem incio no tecido regional linfide aps a translocao de um antgeno em linfa, havendo recirculao de clulas ativadas no local de infeco atravs de vasos sanguneos (Mayr & Guerreiro, 1981). O fator nutricional tambm possui um papel de suma importncia como sendo um dos componentes que fortalecem o sistema imunolgico felino, conseguindo, assim, um desempenho satisfatrio. Protenas, aminocidos, cidos graxos essenciais, nutrientes antioxidantes (vitamina E, vitamina C, beta-caroteno e selnio), microminerais (inclusive ferro, cobre e zinco) e as vitaminas do complexo B, possuem funes importantes no apoio manuteno de um sistema protetor imunolgico competente (Mayr & Guerreiro, 1981). 2.2 - Generalidades sobre os Vrus Dadas as suas caractersticas estruturais e por serem metabolicamente inertes, com replicao por montagem de partes pr-formadas ao invs de se multiplicarem por fisso binria, os vrus no se ajustam a nenhum dos sistemas de classificao biolgica (Mayr & Guerreiro, 1981). Atualmente, os critrios para a classificao dos vrus abrangem o tipo e a estrutura do cido nuclico, a seqncia de nucleotdeos, o modo de replicao, morfologia, presena ou ausncia de envelope, gama de hospedeiros e relaes filogenticas (Mayr & Guerreiro, 1981). O Comit Internacional para Taxonomia dos Vrus, rgo oficial que se rene a cada quatro anos, props um sistema de classificao viral que reconhecido cientificamente. Nesse sistema, os vrus conhecidos esto classificados e distribudos em 71 famlias, 11 subfamlias e 175 gneros. Embora muitos dos vrus conhecidos tenham sido classificados em gneros, um nmero significativo ainda no foi alocado em um gnero reconhecido; outros nem foram distinguidos suficientemente dos gneros reconhecidos, de modo a formarem novos gneros. Desses vrus faltam dados de biologia molecular e informao sobre seus modos de replicao. Dentre os cerca de 30 mil vrus em estudo, apenas cerca de trs mil vrus esto classificados (Mayr & Guerreiro, 1981). Os vrus so um dos menores agentes produtores de molstias at agora encontrados nos homens, animais e plantas. Os vrus so muito pequenos, menores do que o comprimento de onda da luz visvel por isso no so vistos em microscpios pticos. O que determina a forma e o tamanho (entre 20 e 250 nanmetros) so as quantidades e arranjos de protenas e cidos nuclicos (Mayr & Guerreiro, 1981). Biologicamente se caracterizam pelo fato de no se reproduzirem por meio prprios. Somente quando chegam a uma clula viva e fazem uso do metabolismo necessrio manuteno da vida dessa

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clula, que os vrus se reproduzem. A reproduo no se processa por diviso, como ocorre com as bactrias, mas sim por uma srie de processos separados (Mayr & Guerreiro, 1981). Os vrus so parasitas, dependendo da clula hospedeira para todas as suas funes biolgicas. Ao contrrio de verdadeiros seres vivos, eles no podem sintetizar protenas, pois no possuem ribossomos (organela celular responsvel pela transcodificao RNA-protena); para isso, utilizam os ribossomos das clulas hospedeiras. Eles to pouco podem gerar ou armazenar energia na forma de trifosfato de adenosina. Como no possuem mitocndrias, toda a energia consumida pelos vrus vem das clulas hospedeiras. Os vrus tambm utilizam os nucleotdeos e aminocidos da clula parasitada para sintetizar seus prprios cidos nuclicos e protenas, respectivamente. Alguns vrus, mais qualificados, utilizam tambm lipdeos e acares da clula hospedeira para formar suas membranas e glicoprotenas (Mayr & Guerreiro, 1981). Na grande maioria das viroses, apenas o material gentico, sem o capsdio, j capaz de causar infeco, embora menos eficientemente do que o vrus completo. O capsdio tem vrias funes, como proteger os cidos nuclicos virais da digesto feita por certas enzimas (nucleases), acoplar a certos stios receptores na superfcie da clula hospedeira e penetrar na sua membrana ou, em alguns casos, injetar o cido nuclico infeccioso no interior da clula. Muitos vrus possuem, ainda, uma membrana lipoprotica envolvendo o capsdio, chamada de envelope. O envelope facilita a interao do vrus com a membrana citoplasmtica e aumenta a proteo do vrus contra o sistema de defesa do organismo (Mayr & Guerreiro, 1981). Todo vrus essencialmente patognico, uma vez que, para continuar existindo, tem que invadir uma clula viva e, a expensas do seu metabolismo, ser replicado. Toda infeco viral, em maior ou menor extenso, provoca danos clula hospedeira. A patognese viral est diretamente relacionada aos ciclos infecciosos dos vrus (Mayr & Guerreiro, 1981). A infeco viral o fenmeno da invaso de uma clula por um vrion ou por seu cido nuclico, seguido de domnio do metabolismo celular, replicao e montagem de componentes virais e liberao de novos vrions. Uma infeco viral que produza reaes adversas em um hospedeiro susceptvel denominada de doena viral ou virose (Mayr & Guerreiro, 1981). A virulncia de um vrus est diretamente relacionada capacidade do vrus causar doena a despeito dos mecanismos de defesa do hospedeiro. H vrus mais virulentos, como o vrus da varola, e menos virulentos, como o vrus do resfriado comum. A virulncia afetada por diversas variveis como a quantidade de unidades infectantes, a rota de entrada no corpo e as defesas inatas e adaptativas do hospedeiro. A virulncia no depende s do vrus. Um vrus pouco virulento em adultos sadios pode ser muito virulento em crianas, em idosos e em indivduos imunossuprimidos por deficincias imunolgicas inatas, adquiridas por infeco com o vrus da imunodeficincia humana ou resultante de terapias imunossupressivas (quimioterapia anticncer ou ps-transplantes), queimaduras extensas, desnutrio grave ou depresso (Mayr & Guerreiro, 1981).

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Uma infeco viral no implica obrigatoriamente em doena. Se as defesas do corpo funcionarem eficazmente, o vrus pode no provocar uma doena. O hospedeiro pode destruir o patgeno ou permanecer como portador assintomtico por um longo perodo (Mayr & Guerreiro, 1981). Uma vez ocorrida a contaminao, a possibilidade de ocorrer uma infeco diretamente proporcional ao nmero de vrus infectantes multiplicado por sua virulncia, e inversamente proporcional resistncia local, celular e humoral do hospedeiro. Portanto, para que uma infeco ocorra necessrio que haja uma fonte de vrus de determinada virulncia e em determinado nmero, contagiando um hospedeiro com maior ou menor resistncia. A doena viral ocorre somente se o vrus se replica em nmero suficiente para danificar ou destruir diretamente clulas essenciais, causar a liberao de toxinas pelos tecidos infectados, danificar genes celulares ou comprometer funes orgnicas como resultado indireto da resposta imune do hospedeiro presena de antgenos virais (Mayr & Guerreiro, 1981). Durante o ciclo de reproduo h um estgio em que o vrus se encontra em uma forma noinfecciosa, conservando sua capacidade de reproduo ao chegar a uma clula apropriada; sua viabilidade pode durar por tempo muito variado, dependendo do tipo de vrus em questo. Por isso, os vrus so considerados altamente infecciosos e contagiosos. Em sua estrutura, esses agentes se assemelham a molculas que compem uma clula, por sua vez possuidoras de capacidade de auto-reproduo. Todos os vrus possuem o fato comum de constiturem-se de, ao menos, dois componentes macromoleculares: o cido nuclico (RNA ou DNA) e protenas (Mayr & Guerreiro, 1981). O cido nuclico ou os componentes ricos em cido nuclico so os portadores das informaes genticas e da infecciosidade. Eles se encontram no interior das partculas vricas, representando sua parte principal. A infecciosidade do cido nuclico do vrus, mesmo isolado, foi constatada em vrias espcies de pequenos vrus. O ncleo, com seu contedo de cido nuclico, cercado por uma camada perifrica que, em vrus menores, constituda apenas por protenas macromoleculares, compostas de vrias subunidades idnticas. J no caso de vrus maiores, essas subunidades so de carter variado. Alm de servir para a estabilizao do vrus no exterior da clula e proteo do material gentico, a estrutura protica parece tambm ter funo importante quando na penetrao na clula. A protena superficial determinante das propriedades fsico-qumicas, especificidade sorolgica e espectro infeccioso (Mayr & Guerreiro, 1981). A infecciosidade de uma partcula viral possibilitada por ser a sntese do cido nuclico do vrus e da protena, em sua cintica, to harmoniosamente conduzida, que os componentes do vrus se unem para formarem uma nova unidade funcional, de forma que o cido nuclico envolto por um envelope (cepa). O vrus, assim equipado, pode deixar o stio de sua sntese e ao para infectar outras clulas. Quando o vrus ataca uma clula, as modificaes decorrentes de sua sntese agem sobre o metabolismo da clula que o hospedou. Imediatamente aps a infeco de uma clula, segue-se uma quase completa inibio da sntese do RNA no ncleo. Uma vez no citoplasma, sintetizam RNA cujas funes ainda no esto totalmente elucidadas. Paralelamente inibio da sntese do RNA do ncleo, tem-se incio um significativo retrocesso da sntese de todas as protenas e do DNA. Lentamente modifica-

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se o metabolismo das clulas infectadas pelo vrus, Somente quando quase todos os componentes do vrus sintetizam-se, que todo o RNA e o metabolismo protico da clula so alterados. compreensvel que as perturbaes e destruies do metabolismo geral da clula, que se d por ocasio da sntese viral, sejam uma causa para o desenvolvimento de uma virose. Assim, de se esperar que cada cido nuclico estranho que seja ao menos portador de uma informao gentica significativa, tenha a capacidade de produzir um distrbio na clula que o hospeda (Mayr & Guerreiro, 1981). A primeira caracterstica biolgica significativa comum a todos os vrus a total inatividade biolgica (faculdade de reproduo, ausncia de metabolismo), quando fora de um corpo celular. As atividades enzimticas somente so comprovadas nos chamados vrus maiores, altamente organizados e mais complexos, embora essas atividades no possuam nenhuma funo no metabolismo e tenham significado somente no que diz respeito adsoro do vrus na clula ou para sua penetrao nessa mesma clula. A segunda caracterstica que os vrus se comportam, em muitos aspectos, como genes, o que pode ser explicado em razo da semelhana entre essas duas estruturas (Mayr & Guerreiro, 1981). Os vrus so, em parte, de formao realmente complexa. Em geral no apresentam apenas uma espcie de protena; alguns possuem estruturas auxiliares acessrias que contm, ao lado de protenas, ainda hidratos de carbono e lipdios. O cido nuclico do vrus possui, por isso, uma maior ao que um gene isolado, que apresenta apenas uma parte da informao que age na formao de uma determinada caracterstica. Assim pode-se concluir que o cido nuclico do vrus compe-se de uma significativa srie de diferentes genes, correspondendo, assim, a um genoma. Os genes do vrus-genoma esto dispostos em seqncia regular, cuja situao pode ser cartograficamente registrada de forma similar como j conhecida nos mapas genticos dos cromossomos. Por isso, no surpresa de que os vrus possam sofrer mudanas arbitrrias da informao que possuem, podendo, em alguns casos mais simples, ser notada pela troca de um nucleotdeo. (Mayr & Guerreiro, 1981). O terceiro e ltimo fenmeno biolgico em relao aos vrus que, como portadores de propriedades genticas ao lado do DNA, encontra-se tambm o RNA. Muitos dos vrus contm, ao invs de DNA como mediador das informaes genticas completas, o RNA, que somente se apresenta em cadeia nica. Estudos comparativos demonstram que um maior nmero de vrus possui RNA como componente integrante de sua infecciosidade, ao invs do DNA. , assim, de vital importncia para a gentica, que a ordem normal do mecanismo de crescimento da clula DNA-RNA-protena no ocorra na reproduo dos vrus que contm RNA, que podem armazenar e transmitir informaes genticas (Janeway et al., 2001).

2.2.1 - Morfologia e Estrutura Viral

Sob o ponto de vista morfolgico e estrutural, compreendem-se sob a denominao de vrus, formaes estticas submicroscpicas, de nfimas dimenses, menores que as menores estruturas celulares comprovadas (Mayr & Guerreiro, 1981).

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Apesar dos vrus serem pequenos, as propores de tamanhos entre os mesmos so to variadas como em nenhuma outra esfera de microrganismos. Quanto forma, como ocorre tambm com a estrutura, os vrus so muito diversos. Existem vrus com formato quadrangular, oval, arredondado (Figura 2) e em basto.

Figura 2. Estrutura clssica de um herpesvrus (fonte: http://users.wfu.edu/butlrs4/images/Virusdrawing.jpg)

Seria falso conceber uma partcula de vrus como uma estrutura uniforme. Sabe-se hoje que tais partculas representam sempre um complexo constitudo de vrios componentes, conhecido como vrion, e que corresponde forma infectiva do vrus. (Mayr & Guerreiro, 1981). Cada vrus contm, como participante gentico, o cido nuclico. Esse cido (DNA ou RNA) encontra-se no centro do vrion. Em torno do cido nuclico se concentra a protena, servindo como substncia de proteo e apoio e disposta em forma de uma cpsula fechada. Essa cpsula denominada de capsdeo, um cristal de superfcie, formado por muitas subunidades proticas, conhecidas como unidades estruturais. As unidades estruturais so as menores partes que constituem o capsdeo e parecem estar ordenadas de tal forma que cada uma fique praticamente na mesma zona. O capsmero um grupo de subunidades proticas, que pode ser considerado o menor componente vrico visualizado microscopia eletrnica (Mayr & Guerreiro, 1981). O cido nuclico e o capsdeo formam, juntos, o ncleo-capsdeo. O capsdeo pode conter mais componentes distintos, especialmente polianina ou outras protenas (Mayr & Guerreiro, 1981). O ncleocapsdeo se apresenta sob duas formas: ou est nu ou possui um envelope externo que envolve o capsdeo, constitudo principalmente do material da clula hospedeira, mas tambm pode ser formado por material de origem vrus-especfica (Janeway et al., 2001). De acordo com a disposio das subunidades de protenas no capsdeo, resultam diferentes padres estruturais. Da tm-se estruturas diferenciadas, como cbica, helicoidal (em forma de caracol), estruturas complexas e estruturas combinadas.

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2.2.2 - Mecanismos de Penetrao A penetrao nas clulas animais pelo vrus envolve processos diferentes, principalmente devido ao fato das clulas do hospedeiro serem protegidas por uma camada de fosfolipdios e lipoprotenas. A maioria dos vrus penetra nesta membrana por um processo chamado de endocitose, em que se forma uma invaginao da membrana que "engole" o vrus; isso ocorre, geralmente, em uma rea da membrana que contm uma protena conhecida como clatrina (Janeway et al., 2001). A membrana, ento, injeta o vrus envelopado por um pedao da membrana plasmtica, resultando em uma vescula, que funde com os endossomas citoplasmticos (outro tipo de vesculas) e, ento, com os lisossomos, uma das organelas celulares ricas em enzimas. A membrana que envolve o agente infeccioso se funde com os lisossomos e libera o vrus no citoplasma. Para aquelas viroses em que o genoma um RNA-mensageiro, o terceiro passo a traduo desse cido nuclico para formar protenas virais; algumas dessas protenas so enzimas que sintetizam novos cidos nuclicos (polimerases). Aps um tempo, a clula j produz protenas e genoma virais para formar outras unidades do vrus. As etapas da infeco viral seguem, basicamente, os seguintes passos:

I. Adsoro

Denomina-se adsoro o fenmeno da aderncia de um vrion superfcie de uma clula hospedeira viva mediante interao de suas protenas de ligao ou ligantes com receptores celulares especficos. A adsoro um processo independente de energia e o primeiro passo para a penetrao do vrion no interior da clula hospedeira para o estabelecimento de uma infeco (Janeway et al., 2001). A adsoro acontece aps a coliso casual de um vrion com a superfcie de uma clula e depender da disponibilidade de receptores especficos em sua superfcie. Estima-se que ocorra apenas uma adsoro em cada mil colises (Mayr & Guerreiro, 1981). A adsoro , na maioria dos casos, reversvel. Se a penetrao no prossegue, o vrion pode se desassociar da superfcie celular. Mas, a dissociao pode acarretar alteraes no vrion que diminuam ou eliminem a possibilidade deste se adsorver em outra clula.

II. Penetrao

A penetrao de um vrion no citoplasma da clula hospedeira atravs da membrana plasmtica ocorre quase que instantaneamente aps a adsoro. Trata-se de um processo dependente de energia e, por isso, ocorre somente em clulas metabolicamente ativas. Portanto, a infeco viral requer um hospedeiro vivo (Mayr & Guerreiro, 1981).

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Nem todas as partculas virais que penetram em uma clula so infectantes; a proporo de partculas no-infectantes para infectantes de cem para um. Os mecanismos envolvidos na penetrao so: a) translocao simples do vrion inteiro atravs da membrana da clula hospedeira, acontecendo em vrus envelopados ou no; b) invaginao da membrana celular em torno da partcula viral, com endocitose do vrion em vacolos intracelulares, ocorrendo em vrus envelopados ou no; e, finalmente, c) fuso do envelope viral com a membrana plasmtica, requerendo a presena de uma protena de fuso viral no envelope do vrion. Esse ltimo processo s ocorre em vrus da famlia Retroviridae.

III. Desnudamento

O desnudamento ou decapsidao a desintegrao do capsdio com exposio do genoma viral, s ocorrendo quando o vrion penetra inteiro na clula. O fenmeno acontece nos primeiros minutos aps a infeco. A desagregao das subunidades proticas do capsdio pode ocorrer espontaneamente ou pela ao de enzimas digestivas dos lisossomos celulares. Aps o desnudamento, o vrion deixa de existir como entidade infecciosa (Janeway et al., 2001). O cido nuclico viral usualmente liberado na forma de um complexo nucleoprotico (Janeway et al., 2001). Essa associao importante porque muitas protenas so requeridas para a sntese do cido nuclico viral ou permitem a ligao do RNAm viral aos ribossomos. Nos Picornaviridae o complexo nucleoprotico simples, com um pequeno peptdeo de 23 aminocidos covalentemente ligado extremidade 5' do RNA viral. Os ncleos dos Retroviridae contm, em adio ao seu genoma de RNA de cadeia simples diplide, a enzima transcriptase reversa, que responsvel pela converso do RNA viral no provrus de DNA, processo que ocorre no centro da partcula viral (Mayr & Guerreiro, 1981). Para os vrus que se replicam no citoplasma, o genoma simplesmente liberado na clula; para os que se replicam no ncleo, o genoma, freqentemente associado com nucleoprotenas, transportado atravs da membrana nuclear. O processo feito por interaes das nucleoprotenas (ou do capsdio) com o citoesqueleto. O capsdio removido nos poros nucleares e o genoma viral penetra no ncleo (Janeway et al., 2001).

IV. Replicao do Genoma Viral

A replicao viral um fenmeno altamente complexo e seus detalhes variam grandemente conforme o vrus envolvido. H vrus que se replicam no citoplasma, como os membros da famlia Picornaviridae (por exemplo, o vrus da poliomielite), e os que se replicam no ncleo, como os da famlia Herpesviridae (por exemplo, o vrus do herpes). A estratgia de replicao do genoma viral depende do tipo de cido nuclico do vrion infectante (Janeway et al., 2001).

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Os membros da famlia Retroviridae, ou retrovrus, compem um grupo especial de vrus no que concerne ao modo de replicao de seu genoma. Sua constituio genmica nica entre os vrus por ser diplide e no servir como RNAm, mas como molde para a sntese de uma molcula de DNA de cadeia dupla em um processo denominado transcrio reversa. Esse processo mediado pela enzima transcriptase reversa, uma DNA polimerase RNA-dependente que transcreve seqncias de RNA em DNA. Essa enzima parte integrante dos vrions dos retrovrus. A molcula de DNA de cadeia dupla resultante integrada ao genoma do hospedeiro e, nessa forma, denominada provrus. A incorporao do provrus no genoma da clula hospedeira, fenmeno denominado virogenia, pode acarretar a transformao tumoral das clulas infectadas, resultando no desenvolvimento de cncer (Mayr & Guerreiro, 1981). Aps a integrao do provrus no genoma da clula infectada, enzimas celulares transcrevem o DNA do provrus em RNA genmico (para ser incorporado nos novos capsdios) e em RNAm (para a traduo das protenas estruturais do capsdio e da transcriptase reversa).

V. Expresso dos Genes Virais

Nessa etapa, o metabolismo da clula subvertido pelo genoma viral e sua maquinaria biossinttica passa a trabalhar muito mais em funo de produzir componentes virais ao invs dos elementos normais da clula. O cido nuclico viral transcrito e traduzido nas diversas protenas virais enzimas e protenas estruturais alm de ser replicado para empacotamento no interior dos capsdios (Janeway et al., 2001).

VI. Sntese dos Componentes Virais

Os vrios componentes do vrion so sintetizados separadamente pela clula hospedeira e ento montados para formar novas partculas. A replicao por montagem de componentes pr-formados exclusiva dos vrus e os distingue de todas as outras formas de parasitos intracelulares obrigatrios (Mayr & Guerreiro, 1981). A biossntese dos componentes virais segue os seguintes passos: a) sntese de enzimas para a replicao do genoma viral, b) replicao do genoma viral e c) sntese das protenas dos capsmeros. Para replicar seu genoma, o vrus deve apresentar seu RNAm clula hospedeira de forma que possa ser reconhecido e traduzido em protenas virais, o que pode acontecer de diversos modos. Um exemplo desse processo ocorre quando o vrus de DNA de cadeia simples ou dupla libera seu genoma no ncleo da clula e a maquinaria celular realiza a transcrio. Os genomas dos vrus de RNA de cadeia simples positiva servem diretamente como RNAm (Janeway et al., 2001). O controle da replicao viral est sob regulao gnica. Os mecanismos envolvidos dependem da estratgia de replicao do genoma viral.

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Os genomas monocatenrios so normalmente transcritos em RNAm policistrnicos, que por sua vez so traduzidos para formar uma poliprotena que ser clivada para formar os diferentes produtos gnicos maduros. J os genomas segmentados so normalmente transcritos para produzir RNAm monocistrnicos; uma vantagem dos genomas segmentados que as diversas protenas virais podem ser produzidas em quantidades diferentes, ao invs de taxas constantes para todas elas (Janeway et al., 2001). Para utilizar a maquinaria biossinttica celular, os RNAm virais devem conter sinais de controle que so reconhecidos pela clula, como stios de ligao a ribossomos, sinais de processamento do RNA e sinais de poliadenilao. Alguns vrus de DNA (como os Papovaviridae) codificam uma protena que se liga origem de replicao, estimulando a DNA polimerase celular a replicar o genoma viral. Outros vrus codificam sua prpria DNA polimerase, como os Adenoviridae, mas so ainda dependentes de outros fatores celulares para a sua replicao. Vrus mais complexos, como os Herpesviridae, codificam um grande nmero de protenas envolvidas na sntese de DNA e so grandemente independentes da maquinaria biossinttica celular (Mayr & Guerreiro, 1981).

VII. Montagem e Maturao

A montagem das subunidades proticas (e dos componentes da membrana no caso dos vrus envelopados) e o posterior empacotamento do cido nuclico viral, com formao de novas partculas virais completas, ocorrerem em um determinado stio da clula. Os stios de montagem variam para diferentes vrus, ocorrendo no citoplasma (Picornaviridae, Poxviridae, Reoviridae), no ncleo (Adenoviridae, Papovaviridae, Parvoviridae) ou na superfcie interna da membrana plasmtica (Retroviridae). (Janeway et al., 2001). A maturao a finalizao do processo de formao de vrions completos e infecciosos. O processo comea quando as molculas de cido nuclico viral so empacotadas no interior dos capsdios. A maturao geralmente envolve alteraes estruturais na partcula viral resultante da clivagem especfica de protenas do capsdio para formar produtos maduros, o que leva a mudanas de conformao no capsdio ou a associao de nucleoprotenas ao genoma. Para alguns vrus a montagem e a maturao so eventos inseparveis, enquanto que, para outros a maturao pode ocorrer aps o vrion ter deixado a clula (Mayr & Guerreiro, 1981).

VIII. Liberao

No final da montagem ou na maturao, partculas virais completas so liberadas por lise da clula ou por exocitose (brotamento). Para vrus lticos (a maioria dos vrus no-envelopados) a liberao ocorre por lise simples da clula. Os vrus envelopados carregam consigo uma poro da membrana plasmtica

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da clula hospedeira que envolve o vrion quando este emerge da clula pelo processo do brotamento. As protenas do envelope viral so colhidas medida que o vrion liberado (Janeway et al., 2001). A interao fsica das protenas do capsdio com a superfcie interna da membrana plasmtica fora a partcula viral a atravessar a membrana. Este processo pode ou no ser letal para a clula. Em outras situaes, como por exemplo, no caso do vrus do herpes simples, que montado no ncleo da clula hospedeira, o envelope viral origina-se do envoltrio nuclear e no da membrana plasmtica.

2.3 - Herpervrus Felino tipo 1

2.3.1 - Biologia do Vrus

O herpervrus tipo 1 (HVF -1) o agente da rinotraquete viral felina, uma doena com distribuio mundial. O vrus pertence famlia Herpesviridae, subfamlia Alphavirinae, gnero Varicellovirus. um DNA vrus. (Mayr & Guerreiro, 1981). Apesar de apenas um sorotipo ser descrito, a virulncia pode diferir entre as diferentes cepas virais (Gaskell et al., 2007). Algumas diferenas tambm podem ser observadas em anlise restrita da endonuclease do DNA viral (Hamano et al. 2005). O HFV-1 um tpico herpesvirus; o DNA genoma de cadeia dupla empacotado no interior de um capsdio icosadrico envolto em tegumento proteinceo e envelope fosfolipdico. Aos menos dez diferentes glicoprotenas esto presentes no envelope. (Mayr & Guerreiro, 1981). Os vrus se replicam tanto nas clulas epiteliais da conjuntiva e do trato respiratrio superior como tambm em neurnios. A infeco neural permite ao vrus estabelecer longo estado de latncia aps a infeco primria. O HVF-1 relacionado antigenicamente ao herpesvirus canino, entretanto no se sabe ainda de infeco cruzada entre as espcies (Gaskell et al., 2007). O vrus inativado em perodo de trs horas temperatura de 37C e susceptvel maioria dos desinfetantes comumente utilizados e facilmente encontrados no comrcio. Segundo relatos de Pedersen (1987), o vrus se mostra infectante por cerca de cinco meses em baixas temperaturas (154 dias a 4C), mas sua sobrevivncia menor em temperaturas elevadas (33 dias a 25C; 4 a 5 minutos a 56C).

2.3.2 - Epidemiologia

Os gatos domsticos so os principais hospedeiros do HVF-1, mas o vrus j foi previamente isolado de outros felinos, incluindo guepardos (Acinonyx jubatus) e lees (Panthera leo); anticorpos anti-HVF-1 j foram detectados em pumas (Felis concolor) (Binns et al, 2000). No h sinal evidente ainda de infeco humana. A infeco crnica latente a manifestao tpica deste vrus. Infeces agudas e reativaes intermitentes provocam um aumento da carga viral em secrees oronasal e conjuntival. Com exceo de gatis e abrigos de animais, a contaminao ambiental no a fonte primria de transmisso (Gaskell & Povey, 1997).

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Na prtica no se comprovou sinais de infeco transplacentria. Animais com infeces latentes podem transmitir o HVF-1 para suas crias, devido ao fato de que o parto e a fase de lactao so considerados fatores tipicamente indutores de estresse, ocasionando uma reativao viral. Gatinhos podem, portanto, adquirir infeco pelo herpervrus em idade muito nova, antes de serem vacinados. Tudo depender muito do nvel de anticorpos maternos presentes. Quando altos nveis se fazem presentes, os filhotes estaro protegidos da doena, porm desenvolvem infeco subclnica, levando ao estado de latncia em que, se houver uma falta/baixo nmero de anticorpos maternos, a doena clnica poder se manifestar (Gaskell & Povey, 1997) Em pequenas populaes sadias, a prevalncia de disseminao viral para o ambiente ser menor que 1%, enquanto que em grandes populaes, especialmente quando h doena clnica presente, a prevalncia poder ser maior do que 10 a 20% (Coutts et al., 1994; Binns et al., 2000; Helps et al., 2005). Em abrigos e gatis, o risco de contaminao ser bem maior. Com apenas 4% de gatos eliminando o vrus no mesmo ambiente, 50% ou mais dos animais presentes j podero estar secretando o vrus uma semana aps a infeco (Pedersen et al., 2004). Esta prevalncia est refletindo a natureza intermitente da eliminao durante a fase de latncia.

2.3.3 - Patognese

O vrus penetra por via nasal, oral ou conjuntival, causando infeco primria do epitlio nasal com subseqente proliferao para o saco conjuntival, faringe, traquia, brnquio e bronquolos. As leses so caracterizadas por necrose multifocal do epitlio, com infiltrao neutroflica e inflamao (Binns et al, 2000). Uma viremia transitria associada com clulas sanguneas mononucleares pode, raramente, ser observada aps a infeco natural. Este fato excepcionalmente detectado em neonatos, ou tambm em indivduos com hipotermia, em que a replicao viral usualmente rasteia para tecidos com baixas temperaturas (Gaskell et al., 2007). As excrees virais tm incio 24 horas aps a infeco e, geralmente, duram cerca de uma a trs semanas. Os quadros agudos so resolvidos em 10 a 14 dias. Alguns animais podem desenvolver leses crnicas no trato respiratrio superior e tecidos oculares. Durante a infeco, o vrus se espalha ao longo dos nervos sensoriais e alcana os neurnios, particularmente o gnglio trigmio, ao qual o principal stio de latncia. Quase todos os gatos que experimentaram uma infeco primria se tornaro portadores assintomticos para o resto da vida. No h mtodos diagnsticos diretos para identificao do estado de latncia porque o vrus persiste com o DNA no ncleo dos neurnios infectados, sem sinal de replicao viral. (Binns et al, 2000). A reativao do quadro de eliminao viral pode ser induzida experimentalmente por tratamentos longos com uso de glicocorticides em cerca de 70% dos gatos. Outros fatores estressantes que podem levar reativao incluem lactao (40%) e mudana de ambiente e/ou

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proprietrios (18%), segundo apontamentos de Ellis (1981), Gaskell & Povey (1997) e Pedersen et al., (2004). Alguns gatos adultos podero demonstrar leses agudas no momento da reativao viral. A conjuntivite pode estar associada com lceras de crnea, com posterior desenvolvimento de uvete crnica. A ceratite uma reao secundria imunomediada que poder ocorrer devido presena do vrus no epitlio ou estroma. Em alguns casos, danos na cavidade nasal tambm ocorrem, podendo os animais desenvolver um quadro de rinite crnica (Gaskell & Povey, 1997).

2.3.4 - Imunidade

A imunidade passiva adquirida pela ingesto de colostro materno. Os filhotes so protegidos contra doenas na presena de anticorpos maternos durante as primeiras semanas de vida; Todavia, nveis de anticorpos maternos para infeco por HFV-1 so baixos (Coutts et al., 1994). J se demonstrou que anticorpos maternos podem persistir por duas a dez semanas (Johnson & Povey, 1985), porm, em estudos mais recentes, nveis de anticorpos maternos se mostraram baixos, com aproximadamente 25% dos filhotes sendo negativos para esses anticorpos quando com seis semanas de idade (Dawson et al., 2001) Ao se considerar a resposta imune ativa contra o HVF-1, sabe-se que as glicoprotenas embebidas na membrana dos herpervrus so de fundamental importncia na induo de imunidade; infeces posteriores deteco de anticorpos neutralizadores de vrus esto correlacionadas com o reconhecimento de glicoprotenas HVF-1 (Burgener & Maes, 1988). A imunizao de coelhos com o vrus leva produo de altos ttulos de anticorpos neutralizadores do vrus, indicando um papel dessas protenas na induo desse tipo especial de anticorpos (Spatz et al., 1994). Uma imunidade slida no ser induzida aps infeco natural; no geral, a resposta imunolgica protege contra doenas e aparecimento de sinais clnicos, mas no quanto manifestao do quadro infeccioso em fases de reativao viral. Sinais clnicos brandos foram observados seguidos de reinfeco, cerca de 150 dias aps a infeco primria (Binns et al, 2000). Os ttulos de anticorpos neutralizadores de vrus induzidos aps infeco natural so freqentemente baixos e aumentam vagarosamente com o tempo. De fato, esses anticorpos podem estar ausentes cerca de 40 dias aps a infeco. Esses anticorpos, na maioria das vezes, contribuem para proteo contra infeces agudas. Outros mecanismos mediadores de anticorpos, como a celularidade citotxica mediada por anticorpos e lise do complemento indutor de anticorpos, j foram demonstrados (Burgener & Maes, 1988). Entretanto, como ocorre em outros alfa-herpesvrus, a imunidade mediada por clulas desempenha um importante papel, desde que a ausncia de nveis de anticorpos sricos detectveis em gatos vacinados no indica necessariamente que esses animais esto susceptveis doena. Por outro lado, a soroconverso correlacionada com a proteo aps desafio por HVF-1 (Lappin et al., 2002).

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importante se levar em considerao que a presena de anticorpos contra qualquer agente infeccioso poder prover uma indicao indireta de resposta imunolgica celular, j que os linfcitos T so requeridos para a manuteno da funo citoltica. Embora exista correlao geral entre a presena de anticorpos para o HVF-1 e proteo contra sinais clnicos, no h teste confivel que demonstre o grau de proteo em gatos individualmente. Desde que o HVF-1 um patgeno do trato respiratrio superior, ambas as respostas imunolgicas, celular e humoral, so importantes. Vrios estudos com vacinas intranasais mostram benefcios clnicos aps 26 dias de vacinao (Lappin et al., 2006, Burgener & Maes, 1988).

2.3.5 - Sinais Clnicos

A doena aguda clssica (doena citoltica) apresenta sinais como rinite, conjuntivite, lceras de crnea (superficiais ou profundas), secreo nasal, hiperemia conjuntival e corrimento seroso. Na doena atpica aguda, podero aparecer distrbios dermatolgicos, viremia e pneumonia. Tambm so relatadas lceras e crostas nasofaciais, tosse, sinais multi-sistmicos e, finalmente, o bito (morte sbita em gatinhos muito jovens e neonatos). Na doena crnica (doena imunomediada), observa-se ceratite estromal, sinusite crnica, edema de crnea, cegueira, lise vascular, corrimento nasal crnico e uvete. A infeco por HVF-1 causa tipicamente doena aguda do trato superior, assim como doenas oculares, que podem ser particularmente graves em animais jovens. A replicao viral leva a leses ulcerativas e erosivas das mucosas superficiais, produzindo rinite, conjuntivite e, ocasionalmente, lceras de crnea. De acordo com Gaskell (2001), outros sinais clnicos que ocorrem na doena so anorexia, depresso, descarga serosa nasocular (por vezes sero-sanguinolenta), hiperemia conjuntival e, com menos freqncia, sialorria e tosse (Figura 3). O aparecimento de infeces bacterianas secundrias comum e, nesse caso, as secrees purulentas se tornam achados freqentes.

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Figura 3. Felino com HVF-1. Observar sinais oftalmolgicos e corrimento nasal seroso (fonte: http://de.wikipedia.org/wiki/Bild:Katzenschnupfen_Her pes.jpg). Em alguns filhotes mais susceptveis, a doena poder ser mais grave. Nesses casos, a infeco por HVF-1 freqentemente est associada com pneumonia primria e estado de viremia, que por sua vez produziro sinais generalizados e, eventualmente, morte (Binns et al, 2000). Sinais clnicos menos freqentes so os quadros de ulcerao da cavidade oral, dermatites e lceras de pele (Hargis et al., 1999) e sinais neurolgicos (Gaskell, 2001). Abortamentos podero ocorrer como sinais clnicos secundrios, embora, em contraste com outros tipos de herpesvrus, no uma conseqncia direta replicao viral. Aps reativao viral e reaparecimento da doena, alguns gatos podem demonstrar quadro de doena citoltica aguda, enquanto outros podem aparentar doena ocular crnica imunomediada em resposta presena do vrus nestes locais. Fortes evidncias experimentais sugerem ceratite estromal associada com edema de crnea, infiltrados de clulas inflamatrias e lises vasculares e, eventualmente, cegueira (Nasisse & Weigler,1998; Maggs & Clarke, 2005). O edema de crnea e a ceratite eosinoflica em gatos tm sido associados presena do HVF-1 na crnea ou no sangue de alguns animais acometidos. Entretanto, a associao definitiva no pode ser feita desde que alguns gatos afetados so negativos para presena de DNA de HVF-1 (Nasisse & Weigler, 1998; Cullen et al., 2005). O vrus tambm foi detectado no humor aquoso em grande proporo nos animais que sofrem de uvete quando comparados com gatos saudveis, sugerindo assim que o vrus pode levar inflamao da crnea (Maggs et al., 1999). A sinusite crnica, uma conseqncia freqente do corrimento nasal crnico em gatos, tem sido associada tambm com a presena do DNA viral em alguns gatos afetados, mas tambm encontrada em grupos sem quaisquer sinais clnicos (Henderson et al., 2004). Estudos recentes demonstram que o vrus no ativamente replicante em tais gatos, sugerindo que a sinusite crnica pode ser iniciada pelo vrus,

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mas perpetuada por mecanismos imunomediados produzidos pela inflamao e fenmeno de remodelamento, levando a permanente destruio e deformidade dos seios paranasais, e se agravando devido a infeces bacterianas secundrias (Johnson et al., 2005). Muito freqentemente, a infeco por HVF-1 ocorre em combinao com calicivrus, Chlamydia felis, Bordetella bronchiseptica e Mycoplasma spp., dentre outros microrganismos, incluindo Staphylococcus spp. e Escherichi coli, que podem, freqentemente, ocasionar infeces secundrias do trato respiratrio, causando uma sndrome conhecida como doena respiratria infecciosa dos felinos (Gaskell, 2001).

2.3.6 - Diagnstico

O mtodo de PCR (Polymerase Chain Reaction, ou reao em cadeia da polimerase) encontra sua principal aplicao em situaes em que a quantidade de DNA disponvel reduzida. O mtodo rotineiramente utilizado para identificao de patgenos que esto presentes em amostras clnicas diversas, em especial para vrus (Helps et al., 2003; Marsilo et al., 2004). O PCR um mtodo muito sensvel de anlise e por isso realizado com muito cuidado para evitar contaminaes que possam inviabilizar ou tornar errneo o resultado. Em primeiro lugar, deve-se extrair o material gentico da clula sem danific-lo. Normalmente o material extrado o DNA, mas pode-se trabalhar com o RNA em uma TRPCR (reao de PCR em que se utiliza a transcriptase reversa), que um desdobramento do PCR e possui outras aplicaes (Maggs & Clarke, 2005). Depois de extrado o DNA, a este adicionada uma mistura (tambm conhecida como premix) que contm os DNTPs (desoxirribonucleotdeos trifosfatos - bases nitrogenadas ligadas com trs fosfatos), os primers (tambm chamados de oligonucleotdeos) e a enzima DNA-polimerase em uma soluo tampo. Essa mistura colocada na mquina de PCR - o termociclador - que faz ciclos de temperatura prestabelecidos em tempos exatos. (Binns et al, 2000). Na primeira etapa do ciclo a temperatura elevada de 94 a 96C por pouco tempo para que haja a separao da dupla cadeia de DNA (fase de desnaturao). Na segunda etapa a temperatura reduzida entre 50 a 60C, dependendo da quantidade de bases citosina e guanina encontradas no primer, para que os mesmos se anelem com o DNA (fase de anelamento). Na terceira e ltima etapa do ciclo a temperatura elevada a 72C para que a enzima possa funcionar sintetizando a nova molcula (fase de extenso), em seguida um novo ciclo iniciado. Normalmente so realizados de 25 a 40 ciclos para cada reao na qual a taxa de replicao exponencial (2ciclos). O resultado analisado por meio de eletroforese em gel de agarose ou de poliacrilamida (Vogtlin et al., 2002) Um mtodo alternativo para o diagnstico da infeco por HVF-1 o isolamento viral. A identificao de vrus por meio de seu isolamento em um sistema biolgico (cultivo celular, ovo embrionado) permanece como o mtodo diagnstico clssico. Como os vrus freqentemente esto em pequenas quantidades no material clnico, a sua inoculao em clulas susceptveis permite a sua multiplicao e posterior identificao. Adicionalmente, o isolamento do vrus a partir de material clnico permite que se obtenha o

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agente vivel para ser utilizado em estudos posteriores. A maior restrio quanto utilizao do isolamento para diagnstico virolgico o tempo necessrio para se obter o diagnstico, que pode ser bastante demorado (Gaskell & Povey, 1997; Maggs et al., 1999). O isolamento uma tcnica boa, mas com uma sensibilidade menor do que o PCR. O material suspeito inoculado em clulas animais cultivadas in vitro e a replicao do vrus evidenciada pela produo de efeito citoptico ou pela deteco de protenas ou cidos nuclicos virais nas clulas infectadas. O material enviado ao laboratrio deve ser acompanhado de histrico clnico que permita a formulao de hipteses sobre os possveis vrus suspeitos (dentre eles, o HVF-1); esse procedimento facilita a tomada de deciso com relao ao tipo de clula e da tcnica utilizada para a identificao. A escolha do tipo celular e o monitoramento do efeito citoptico (ou deteco de produtos virais) so crticos para o sucesso da identificao do agente (Brooks et al., 1994). Dentre as vantagens do isolamento destacam-se a universalidade (aplicvel a quase todos os vrus), a boa sensibilidade e a simplicidade (Brooks et al., 1994). O custo tambm no to alto quando comparado com outras tcnicas de diagnstico laboratorial. Alm disso, permite a obteno e manuteno do vrus para estudos posteriores. As principais restries referem-se ao longo tempo necessrio para a obteno dos resultados (em alguns casos), contaminao e toxicidade do material clnico, e a incapacidade de detectar vrus que estejam inviveis (devido colheita e conservao inadequadas). (Binns et al, 2000). Os materiais mais freqentemente enviados para a deteco do HVF-1 so tecidos (especialmente aqueles oriundos dos pulmes e colhidos em necropsias), swabs conjuntival, (Brooks et al., 1994), nasal ou farngeo, alm de secrees nasais (Nasisse & Weigler, 1998). Os tecidos so inicialmente desintegrados (macerados com areia estril) para romper as clulas e liberar as partculas vricas; em seguida so re-suspendidos em meio de cultivo. Fluidos e secrees so centrifugados para a remoo de sujidades, bactrias e restos celulares. O sangue integral pode ser inoculado diretamente ou centrifugado para a separao dos leuccitos. Esses so aspirados e inoculados, no requerendo qualquer tratamento prvio para essa inoculao. Aps a preparao apropriada, o material estar pronto para ser inoculado. O isolamento pode ser realizado em clulas cultivadas em frascos de cultivo, tubos ou em placas de poliestireno. A escolha do sistema depende fundamentalmente do nmero de amostras a serem examinadas. As clulas a serem inoculadas devem estar em fase exponencial de multiplicao. Para isso, devem ter sido subcultivadas 24 horas antes e apresentarem-se semi-confluentes (70% de confluncia). Os tapetes celulares confluentes apresentam o metabolismo celular reduzido, o que pode dificultar a replicao do vrus, j que este depende do metabolismo celular para reproduzir-se (Brooks et al., 1994). O meio de cultivo removido e a suspenso do material suspeito adicionada ao cultivo e incubada em estufa de CO2 a 37C por uma a duas horas. Essa fase denominada de adsoro. O volume do inculo deve ser o menor possvel, o suficiente para cobrir o tapete, para permitir um contato maior entre o inculo e a superfcie das clulas. Aps completada a adsoro, o inculo deve ser aspirado e o tapete celular deve ser lavado, contendo

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cinco vezes a concentrao normal de antibiticos e antifngicos, pois o material clnico freqentemente est contaminado com fungos ou bactrias (Gaskell, 2001). Aps a lavagem, o meio de cultivo adicionado e os frascos incubados em estufa de CO2 a 37 C. Os cultivos devem ento ser monitorados diariamente ao microscpio invertido (Gaskell, 2001). A presena de vrus no material suspeito pode ser evidenciada pela produo de efeito citoptico ou por meio da deteco de produtos da replicao viral (protenas ou cidos nuclicos). A replicao do herpesvrus em cultivo altera a fisiologia das clulas, ocasionando patologias que resultam em alteraes na morfologia celular. Essas alteraes podem ser identificadas pela observao ao microscpio ptico convencional. As alteraes morfolgicas resultantes da replicao viral so chamadas genericamente de efeito citoptico (ECP) ou citopatognico. Os vrus que causam citopatologias so chamados de citopticos (ou citopatognicos); os que causam morte celular so chamados de citolticos (Brooks et al., 1994). Os efeitos citopticos mais freqentes associados replicao de vrus em cultivo so: arredondamento celular, vacuolizao, fuso celular, formao de sinccios (clulas gigantes

multinucleadas), corpsculos de incluso, agrupamento de clulas e desprendimento do tapete. Como a velocidade de replicao varivel, a progresso do efeito citoptico segue o mesmo padro. Em resumo, o efeito citoptico pode aparecer dentro de poucas horas quando h grande quantidade de vrus no inoculo. O HVF-1 replica bem em cultivo (com ciclo de replicao curto) e produz ECP facilmente identificvel. Por outro lado, o aparecimento de ECP pode levar dias ou at semanas para ser evidenciado quando h pouco vrus vivel no inoculo. Nesses casos, o vrus pouco adaptado e replica lentamente no cultivo, produzindo ECP discreto e de difcil identificao. Como regra, observa-se diariamente o cultivo inoculado durante cinco a sete dias. Se ao final desse perodo no for evidenciada citopatologia deve-se proceder a uma nova inoculao a partir do cultivo atual. Para isso, colhe-se o sobrenadante do cultivo (ao final de cinco a sete dias) e inocula-se em um tapete celular fresco, fazendo-se a adsoro, repondo o meio de cultivo e incubando-o por mais cinco a sete dias, com monitoramento dirio. Se ao final do segundo perodo de cinco a sete dias ainda no houver o aparecimento de ECP, procede-se a uma terceira inoculao e monitoramento por mais cinco a sete dias adicionais. Em geral, s considera-se o material negativo para vrus aps trs passagens em cultivo com ausncia de ECP. Essas trs inoculaes (ou passagens) so realizadas para dar oportunidade aos vrus que esto em pequenas quantidades no inculo, ou que replicam lentamente no cultivo, de multiplicar-se e produzir patologias celulares em um nmero considervel de clulas de modo a serem reconhecidas. A produo de ECP aps a inoculao do material suspeito indicativo da presena do HVF-1 no material. Por razes de logstica, e apesar de sua boa sensibilidade em quadros agudos, a tcnica de isolamento viral no usada rotineiramente para diagnstico de HVF-1 (Binns et al, 2000). A tcnica de imunofluorescncia (IF) utiliza anticorpos marcados com uma substncia fluorescente (fluorescena) para a deteco de antgenos (protenas) de agentes infecciosos, como o caso do HVF-1. Portanto, essencialmente uma tcnica de deteco de antgenos. Essa tcnica consiste em usar anticorpos (policlonais ou monoclonais) produzidos especificamente contra o HVF-1, conjugado a uma

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substncia fluorescente (isotiocianato de fluorescena - FITC). Esse anticorpo conjugado, quando incubado com o antgeno, liga-se especificamente a este ltimo. Ao ser exposta luz ultravioleta, a FITC emite luz fluorescente (amarelo-esverdeada) que pode ser observada ao microscpio. Logo, quando h presena de protenas virais no material examinado, h emisso de fluorescncia. A IF pode ser executada em uma variedade de materiais clnicos, sempre que houver a presena de clulas que potencialmente possam estar infectadas com o vrus de interesse. Os materiais mais comumente utilizados so clulas de cultivo (aps a inoculao com o material suspeito), tecidos de necropsia ou biopsia (impresso direta de tecido na lmina), tecidos congelados e cortados no criostato, tecidos fixados em formol e includos em parafina, clulas sangneas (leuccitos) e clulas presentes em secrees (leite, secrees nasais, prepuciais, vaginais). Essas tcnicas geralmente so realizadas no material distendido em lminas de microscopia ou em placas de poliestireno onde as clulas so cultivadas. Na IF indireta (IFI) incuba-se inicialmente o material suspeito com o anticorpo especfico contra as protenas do HVF-1. Esse anticorpo chamado de anticorpo primrio e, geralmente, produzido em camundongos, coelhos, cabras ou na espcie de interesse. Aps incubao de uma hora, lava-se para remover o anticorpo que no se ligou ao antgeno. Em seguida, incuba-se o material por hora adicional com um anticorpo produzido contra o anticorpo primrio, que chamado de anticorpo secundrio. Se foram utilizados anticorpos de camundongo como anticorpo primrio, utilizam-se anticorpos de outra espcie (como de cabra) contra IgG de camundongo. O anticorpo secundrio (anti-espcie) conjugado com FITC. Aps a incubao, lava-se para remover o anticorpo secundrio que no se ligou e monta-se a lmina para observao no microscpio. O anticorpo primrio no marcado. O anticorpo secundrio, marcado, vai ligar-se especificamente no anticorpo primrio, emitindo fluorescncia quando exposto luz UV. Primeiro, faz-se o preparo da lmina (esfregao, cultivo ou corte histolgico). Deve-se fixar em acetona (gelada) por cinco a dez minutos, secar em temperatura ambiente e adicionar o anticorpo primrio (produzido contra o vrus suspeito). O anticorpo primrio deve ser mantido na lmina por uma hora a 37C. Em seguida, lava-se com PBS e gua destilada, deixando secar. Acrescenta-se o anticorpo secundrio (anti-IgG da espcie do anticorpo primrio) conjugado com FITC, pelo perodo de uma hora a 37 C. Lava-se novamente com PBS e gua destilada. Uma opo de colorao da lmina pode ser feita com azul de Evans, deixando o corante agir por um minuto, lavando em seguida e deixando secar o conjunto. Finalmente, a lmina submetida a uma soluo mista de glicerol e PBS (em partes iguais, v/v) e examinada ao microscpio. A reao positiva caracterizada por uma colorao esverdeada/azulada (presena de antgenos virais Figura 4). J a reao negativa aponta uma colorao avermelhada (ausncia de antgenos virais). A IF indireta, embora mais demorada que a IF direta, tem as vantagens de maior especificidade e sensibilidade. Pode utilizar tanto anticorpos policlonais (soro hiperimune) ou monoclonais, como anticorpo primrio. Ambas as tcnicas so relativamente baratas e simples de ser executadas. uma das tcnicas

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mais utilizadas em virologia, utilizada no somente em diagnstico, mas tambm em pesquisa e estudos de patogenia.

Figura 4. Deteco de anticorpos especficos atravs de Imunofluorescncia (Fonte: http://www.cosmobio.co.jp/export_e/products/kits/produ cts_SML_20061120/SML_ROIK01EX_3.jpg) A deteco da infeco pelo teste de ELISA (enzime-linked immunosorbant assay teste de imunossorbncia ligado a enzimas) por meio de soro, humor aquoso ou lquido cerebroespinhal possui um valor limitado no diagnstico do HVF-1 devido ao fato que a deteco de anticorpos especficos no est diretamente correlacionada com a presena da doena e infeco ativa. A soroprevalncia costuma ser elevada em gatos devido infeco natural e vacinao O teste de ELISA utilizam anticorpos secundrios marcados com uma enzima para detectar anticorpos contra um antgeno especfico. Esses testes so realizados em placas de poliestireno, nos quais o antgeno imobilizado. A presena de anticorpos no material testado revelada pela ao da enzima no substrato, ocasionando mudana de cor do lquido sobrenadante. O teste possui muitas variaes e pode ser tambm utilizado para detectar antgenos. Basicamente, o ELISA consiste na sensibilizao da placa de poliestireno com o antgeno em questo. Posteriormente, adiciona-se o soro suspeito, buscando-se a presena de anticorpos contra o antgeno fixado na placa. Pode-se utilizar como antgenos somente protenas virais ou bacterianas, como tambm partculas virais ntegras. Os anticorpos presentes no soro-teste iro se ligar ao antgeno imobilizado na placa e no sero removidos pela lavagem. Em seguida, adiciona-se o anticorpo secundrio

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antiespcie do primrio, conjugado com a peroxidase. Incuba-se e lava-se novamente. Adiciona-se o substrato. Na presena de anticorpos no soro suspeito, esses se ligam no antgeno, os secundrios se ligam no primrio e a enzima age no substrato, resultando em mudana de colorao (reao positiva). Na ausncia de anticorpos especficos, os anticorpos secundrios com a enzima sero removidos pela lavagem e no haver mudana de colorao no substrato (reao negativa).

2.3.7 - Controle e Tratamento da Doena

A reposio de fluidos, eletrlitos e manuteno do equilbrio cido-bsico (reposio de perdas de potssio e carbonatos devido sialorria e inapetncia), preferencialmente por administrao endovenosa, requerida em gatos com sinais clnicos graves (Binns et al, 2000). A administrao de alimentos tambm de extrema importncia. Muitos gatos infectados por HVF-1 no se alimentam corretamente devido diminuio ou at mesmo ausncia de sensao olfativa (congesto nasal presente). Na presena de quadros ulcerativos na cavidade oral (o que leva dor quando h alimento na boca), ocorre inibio da ingesto de alimentos (Figura 5).

Figura 5. Leses ulcerativas na cavidade oral de um gato acometido pelo HVF-1 (fonte: http://www.odontoveterinaria.com.br/imagens/gato2.jpg) O uso de antiinflamatrios no-esteroidais, alm de ajudar no controle do quadro febril, pode tambm auxiliar reduzindo a sensao de dor na cavidade oral (Binns et al, 2000). A comida poder ser oferecida liquefeita, facilitando na mastigao. O alimento oferecido dever ser altamente palatvel, e de preferncia levemente aquecido, aumentando assim o odor exaurido. Caso o gato no se alimente por si s dentro de, no mximo, trs dias, o uso de uma sonda nasogstrica para alimentao forada dever ser considerado.

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Antibiticos tambm devero ser administrados para o tratamento de todos os quadros agudos da doena do trato respiratrio superior dos felinos, visando a preveno de infeces bacterianas secundrias. Os antibiticos de amplo espectro e boa penetrao no trato respiratrio e cavidade oral devero ser preferidos, como a amoxicilina associada ao clavulanato de potssio. Gatos gravemente acometidos pelo HVF-1 necessitam de intensos cuidados de enfermagem e terapia de suporte adequada. Se h descarga nasal, esta dever ser freqentemente limpa com soluo salina a 0,9%, vrias vezes ao dia, conforme a gravidade do quadro, e tratada com medicao local para evitar ulcerao extensa. Alm de antibiticos, tambm preconizado o tratamento com frmacos antivirais. A maioria destas substncias antivirais apenas inibe a replicao do DNA viral. In vitro, a ribavirina foi um dos poucos agentes antivirais capazes de inibir a replicao do HVF-1 (alm do interferon felino). Mas em termos de resultados prticos, muito pouco sucesso se obteve com esses agentes. Frmacos de efeito mucoltico, como a bromexina, podero tambm ser teis. Os colrios para a limpeza oftlmica tambm so recomendveis. A nebulizao com soluo salina pode ser usada para combater o ressecamento das vias areas superiores. Por vezes, suplementos vitamnicos e minerais ajudaram na melhora da resposta imunolgica.

2.3.8 - Protocolo Vacinal

A infeco por HVF-1 relativamente comum e pode predispor a vrias outras doenas. recomendado, portanto, que todos os gatos sejam ser vacinados contra a doena. As vacinas oferecem proteo por induo tanto da imunidade humoral, associada resposta sorolgica, como imunidade celular. As vacinas provm boa proteo contra doenas clnicas, mas no atingem 100% de eficcia (aproximadamente 90% de reduo de casos clnicos foram observados em desafios experimentais logo aps a vacinao), como afirmam Gaskell & Povey (1997). Uma proteo menos efetiva poder ser observada em alguns indivduos vacinados sob circunstncias particulares, como imunodeprimidos ou submetidos a desafio intenso. A vacinao protege contra o desenvolvimento dos sinais clnicos, mas no necessariamente da infeco. Entretanto, h alguma evidncia que a prtica vacinal diminui a eliminao do vrus para o ambiente (Gaskell et al., 2007). Atualmente, existem no mercado vacinas HVF-1 combinadas com outros agentes (panleucopenia, calicivirose felina, leucose). Ambas os tipos de vacinas, inativadas e vivo-modificadas, esto comercialmente disponveis, tendo, cada uma, suas vantagens e desvantagens. Geralmente, h poucas razes para se dar preferncia a qualquer uma dessas vacinas no esquema de vacinao rotineiro, especialmente pelo fato delas serem baseadas em um nico sorotipo. Vacinas vivas-modificadas retm algum potencial patognico e podem, muito raramente, induzir ao aparecimento de doenas se erroneamente aplicadas ou as condies do hospedeiro assim o permitirem (imunossupresso). O valor dos testes sorolgicos em prever o grau de proteo controverso. Questes metodolgicas podem complicar a comparao de ttulos, e alguns autores sugerem que titulaes no so bons

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indicadores de proteo. Em outros estudos, gatos sem qualquer sinal de soroconverso parecem demonstrar certo grau de proteo (Lappin et al., 2002; Mouzin et al 2004). Os felinos que foram vacinados usualmente desenvolveram uma resposta deletria seguida da exposio.

I. Vacinao Primria Todos os gatinhos devem ser vacinados contra HVF-1. A imunidade passiva derivada da me poder interferir com a resposta da primeira vacinao e a primeira dose geralmente aplicada com nove semanas de idade (53 dias), embora algumas vacinas sejam licenciadas para o uso em idade mais precoces. Os filhotes devero receber uma segunda dose da vacina em duas a quatro semanas aps a primeira dose ter sido aplicada. Este protocolo foi desenvolvido para propiciar uma proteo mxima. Para intervalos maiores, no h informaes seguras disponveis quanto ao nvel de proteo, devendo ser considerada pelo mdico veterinrio uma nova srie de vacinao caso o intervalo entre as doses tenha sido maior que o recomendado. Em contraste com outros tipos de vacinas, em que uma nica dose aceitvel para gatos com status vacinal incerto, recomenda-se no caso do HVF-1 que se apliquem ao menos duas doses da vacina, com intervalo mdio de 21 dias entre as duas doses, independente do tipo da vacina (viva-modificada ou inativada).

II. Reforos Vacinais A vacinao contra o HVF-1 previne a doena, diminui a eliminao do vrus para o ambiente e o reaparecimento da doena. Embora os protocolos quanto ao intervalo entre os reforos seja controverso, vista das evidncias cientficas disponveis atualmente, a recomendao das doses de reforo que sejam aplicadas anualmente para a proteo dos gatos contra HVF-1. A exceo feita queles animais com situaes de baixo risco, como gatos que vivem isolados, em apartamentos, sem contato com o exterior das residncias e que no tenham contato com outros gatos. Nesses casos, um intervalo de trs anos seria o mais recomendado. Cada caso dever ser analisado individualmente, considerando os fatores de risco e custo-benefcio, mas no geral, o reforo anual recomendado para gatos com acesso ao meio exterior e que tenham contato direto com outros gatos. Estudos sorolgicos e experimentais em situaes de campo indicam que a imunidade contra HVF-1 dura menos do que um ano na maioria dos gatos vacinados (Lappin et al., 2002; Mouzin et al, 2004). Contudo h uma proporo significante de gatos em que essa situao no se aplica. Estudos de campo demonstram que praticamente 100% dos gatos possuem ttulos sorolgicos contra calicivrus felino e parvovirus felino ou demonstram uma resposta deletria em seguida administrao da dose de reforo vacinal, mas cerca de 30% da populao felina aparente no possui ttulos detectveis de anticorpos contra HVF-1 e aproximadamente 20% falharam em demonstrar uma resposta deletria logo aps a vacina ter sido aplicada (Lappin et al., 2002; Mouzin et al, 2004).

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A durao de proteo vacinal no bem conhecida devido falha da vacina em prover 100% de proteo clnica em um curto perodo aps a administrao do produto, mas em estudos experimentais a eficcia da proteo conferida pela vacinao claramente decai com o passar do tempo. Caso o reforo vacinal tenha sido esquecido, uma nica injeo considerada adequada se o intervalo desde a ltima dose for inferior a trs anos; caso esse perodo seja superior a trs anos, ento a aplicao de duas doses dever ser considerada. Reforos utilizando vacinas de diferentes fabricantes so aceitveis. Gatos que se recuperaram da doena por HVF-1 podem no possuir proteo vitalcia contra novos episdios da doena. Alm do mais, na maioria dos casos, a identificao definitiva do agente infeccioso pelos testes diagnsticos designados no realizada adequadamente, podendo o gato ser susceptvel infeco por outros patgenos que atacam o sistema respiratrio. Assim, a vacinao recomendada mesmo em gatos que se recuperaram da doena provocada pelo HVF-1.

2.3.9 - Controle da Doena por HVF-1 em Casos Especficos

I. Abrigos/Gatis

O HVF-1 pode representar um problema em ambientes como gatis e abrigos de animais. O manejo para prevenir e limitar o potencial de transferncia da infeco to importante quanto vacinao no que diz respeito ao controle (Binns et al, 2000). Em locais onde a chegada de novos animais no controlada, e naqueles casos em que animais recm-chegados so colocados juntamente com o restante dos animais, altos nveis de infeco por HVF-1 so encontrados. Novos animais devero ser colocados em quarentena pelo perodo mnimo de duas semanas, sendo mantidos isolados at mesmo de outros animais recmchegados, a menos que os animais j se encontrassem juntos anteriormente. A estrutura e manejo do abrigo devero ser direcionados para se evitar infeco cruzada dos gatos (Burgener & Maes, 1988). Novos gatos devem ser vacinados o mais rapidamente possvel, desde que estejam seguramente livres de doenas e nenhum fator contra a vacinao tenha sido identificado. Se houver risco elevado, como infeco recente por HVF-1 no local, uma vacina com vrus vivo-modificado ser prefervel, por prover proteo mais cedo. Caso a infeco respiratria aguda ocorra num abrigo, o diagnstico do agente envolvido com base na diferenciao entre HVF-1 e calicivirose felina poder ser til ao que se refere a medidas preventivas a serem tomadas.

II. Filhotes em Amamentao O vrus um problema considervel em casos de fmeas na fase de amamentao e sua prole. A infeco dos gatinhos ocorre tipicamente em quatro a oito semanas de idade, quando a proteo por anticorpos maternos entra em declnio. A fonte de infeco, em geral, a me, que portadora e

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apresenta reativao da infeco latente devido a fatores estressantes durante a gestao, parto e fase de amamentao. A infeco em gatinhos to jovens pode ser muito grave, e no raro, envolve todos os animais da mesma prole. A mortalidade poder ocorrer como conseqncia desse quadro, e aqueles que se recuperarem da fase aguda da enfermidade, com freqncia ficam com sinais de complicaes crnicas, mais notadamente, rinite crnica. A vacinao da me no impedir o problema, j que no previne o quadro de portador da mesma. Contudo, se a progenitora possui um alto ttulo de anticorpos, poder assegurar aos filhotes uma boa imunidade passiva (alto nmero de anticorpos presentes) por meio da adequada ingesto de colostro, provendo boa proteo, principalmente durante o primeiro ms ou at mesmo pelo resto da vida. Doses de reforo na fmea so, portanto, recomendadas para se assegurar boa transferncia de imunidade aos filhotes. A aplicao da vacina durante a gravidez pode ser considerada, mas com cautela, uma vez que vacinas especficas para HVF-1 no so licenciadas para situaes como estas; nestes casos, recomendase primariamente o uso de vacinas inativadas. O manejo adequado durante a fase de aleitamento da prole fundamental no controle da infeco por HVF-1. A gata e sua ninhada devero ser mantidas em ambiente isolado do restante dos animais; os filhotes no devero entrar em contato com outros gatos at que o esquema de vacinao esteja completo, evitando, assim, o risco de entrarem em contato com algum animal que seja portador e esteja em fase de disseminao do vrus. A idade mais nova para se vacinar os gatinhos de aproximadamente seis semanas, mas os filhotes podem se tornar susceptveis antes disso, quando a queda do nvel de anticorpos maternos se d mais cedo que o normal devido falha de transferncia de imunidade passiva (Lappin et al., 2006; Mouzin et al, 2004). Nesses casos, a vacinao a partir de quatro semanas dever ser considerada. Usualmente se repete a dose aps duas semanas at o curso de vacinao normal seja retomado. No existem testes confiveis que demonstrem quais gatas so portadoras e potenciais transmissoras do HVF-1 para sua prole.

III. Vacinao de Gatos Imunocomprometidos A vacinao poder no estimular a imunidade em animais imunocomprometidos. Tais situaes incluem a presena de doenas sistmicas concomitantes, imunodeficincia induzida por vrus, deficincias nutricionais, imunodeficincias genticas, administrao de substncias imunossupressivas e estresse grave por longos perodos. Esses pacientes devero ser protegidos de exposies a agentes infecciosos, quando possvel, mas poder ser necessrio considerar a vacinao para assegurar proteo. Sugere-se que uma vacina inativada seja utilizada nesses casos, baseado em consideraes sobre segurana, embora no haja evidncias para comprovar tal recomendao. Vacinaes de reforo devem ser mantidas em gatos sob condies mdias estabilizadas e que possuam doenas crnicas (como hipertireodismo e doena renal). Nos pacientes idosos, a conseqncia de uma infeco poder ser particularmente grave.

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Animais recebendo corticosterides ou outras substncias imunossupressivas devero ter o seu programa vacinal cuidadosamente avaliado. Dependendo da dose e durao do tratamento, corticosterides podero induzir uma supresso da resposta imunolgica. O efeito de tais medicamentos na eficcia vacinal no precisamente conhecido em gatos, contudo o uso de corticosterides no perodo de vacinao dever ser evitado (Binns et al, 2000).

3. CONCLUSO A maioria das infeces virais so subclnicas, sugerindo que as defesas do hospedeiro as detm antes da manifestao dos sintomas da doena. O reconhecimento de infeces subclnicas decorre de estudos sorolgicos, demonstrando que uma significante parte da populao tem anticorpos especficos contra um vrus, mesmo que o indivduo no tenha histrico da doena. Tais infeces no aparentes tm grande importncia epidemiolgica por constiturem as maiores fontes de disseminao viral atravs da populao e por conferir imunidade. Muitos fatores afetam os mecanismos da patognese viral e determinam se ocorrer infeco ou doena. Os fatores de virulncia capacitam o vrus a iniciar uma infeco, disseminar-se pelo corpo e replicar-se em quantidades suficientes para danificar o rgo-alvo. Um determinante inicial o grau de acessibilidade do vrus a tecidos e rgos, a qual afetado por barreiras fsicas (muco, principalmente), pela distncia a ser coberta no interior do corpo, pelas diferentes suscetibilidades celulares infeco e capacidade de replicao sob os efeitos inibitrios dos mecanismos de defesa do hospedeiro, em situaes como inflamao, febre e na presena de inibidores naturais como macrfagos, anticorpos especficos e interferon. Para causar doena, o vrus deve ser capaz de sobrepujar todas as barreiras de defesa. Mesmo que um vrus inicie a infeco de um tecido ou rgo susceptvel, a replicao de vrions em quantidades suficientes para produzir doena pode ser evitada pelas defesas do hospedeiro. Como os efeitos inibitrios do hospedeiro so geneticamente controlados, estes podem variar entre indivduos e grupos tnicos. Em uma populao de um determinado vrus, freqentemente ocorrem linhagens extremamente virulentas. Ocasionalmente, essas linhagens tornam-se dominantes, como resultado de presses seletivas incomuns. Providencialmente, para a sobrevivncia dos hospedeiros e at mesmo para os prprios vrus, a maioria das presses seletivas naturais favorece a dominncia de linhagens virais menos virulentas. Uma vez que tais linhagens no provocam quadros clnicos graves ou morte, sua replicao e transmisso no so prejudicadas por um hospedeiro debilitado. Infeces brandas ou assintomticas podem resultar da ausncia de um ou mais fatores de virulncia. Vacinas desenvolvidas com vrus vivos so compostas por linhagens virais deficientes em um ou mais fatores de virulncia, causando somente infeces subclnicas e se replicando apenas o suficiente para induzir imunidade.

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A ocorrncia de mutaes espontneas ou induzidas no genoma viral pode alterar a patognese de uma doena. Essas mutaes podem ser de particular importncia pelo emergncia de linhagens resistentes a medicamentos antivirais.

4. REFERNCIAS BIBIOGRFICAS

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