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Universidade de São Paulo Instituto de Física Instituto de Química Instituto de Biociências Faculdade de Educação O conteúdo de Cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 Roberto Bovo Nicioli Junior Orientador: Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM ENSINO DE CIÊNCIAS (MODALIDADE FÍSICA), sob a orientação do Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos. São Paulo 2007 BANCA EXAMINADORA Cristiano Rodrigues de Mattos Circe Maria Fernandes Bittencourt Alberto Gaspar

Roberto Bovo Nicioli Junior

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

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Page 1: Roberto Bovo Nicioli Junior

Universidade de São Paulo

Instituto de Física Instituto de Química

Instituto de Biociências Faculdade de Educação

O conteúdo de Cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930

Roberto Bovo Nicioli Junior

Orientador: Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM ENSINO DE CIÊNCIAS (MODALIDADE FÍSICA), sob a orientação do Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos.

São Paulo

2007

BANCA EXAMINADORA Cristiano Rodrigues de Mattos

Circe Maria Fernandes Bittencourt

Alberto Gaspar

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FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo

Nicioli Junior, Roberto Bovo O Conteúdo de Cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo. Instituto de Física Depto. Física Experimental Orientador: Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos

Área de Concentração: Ensino de Ciências

Unitermos: 1. História da Educação; 2. Livros didáticos; 3. Cinemática USP/IF/SBI-085/2007

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Agradecimentos À FAPESP pelo apoio financeiro concedido.

Ao meu orientador Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos que, com sua

competência e paciência, soube me orientar nos momentos decisivos desse trabalho.

Levo como ensinamento a sinceridade na realização de um trabalho, além de ter se

tornado um amigo por toda minha vida.

À Profa. Dra. Circe Maria Fernandes Bittencourt que, com sua vasta experiência

em pesquisas históricas, colaborou com informações que foram cruciais para êxito desse

trabalho.

À Profa. Dra. Yassuko Hossoume que, no início do mestrado, depositou em mim

a confiança da capacidade em atingir esse objetivo.

Ao Prof. Wagner Rodrigues Valente, pesquisador da história do ensino da

matemática, pelas dicas com relação às entidades educacionais a serem pesquisadas e

sobre a organização estrutural do conteúdo de Cinemática.

À Glads Maria D`Elia Sampaio que, com muita prestação, forneceu fotos de seu

arquivo pessoal dos livros didáticos que analisou em sua dissertação de mestrado.

À professora Vera Cabana, professora de História, responsável pelo NUDOM-

Núcleo de documentação do Colégio Pedro II pelo acesso à biblioteca do Colégio.

À Bibliotecária Luciana Goes da Biblioteca do Livro Didático, sempre prestativa

com relação aos livros do acervo.

À Bibliotecária Maria Luiza de Souza do acervo histórico da Escola Politécnica

que disponibilizou toda documentação do acervo.

Às Bibliotecárias Marlene de Fátima Ferreira e Regina Elena Pereira da

Biblioteca Central da Escola Politécnica da USP que permitiram o livre acesso ao

acervo para a pesquisa, bem como autorizaram as fotos dos livros didáticos.

À Bibliotecária Maria Celina que disponibilizou o acervo histórico da Faculdade

de Medicina.

Aos integrantes do grupo LIVRES (Livros Escolares) que colaboram de diversas

formas para o sucesso desse trabalho.

Aos integrantes do grupo ECCo (Grupo de Pesquisa em Educação Ciência e

Complexidade) que pacientemente assistiram aos meus seminários e contribuíram com

importantes observações.

À minha amiga Scott pelos momentos de reflexão.

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Dedico este trabalho aos meus pais

que sempre me incentivaram e mostraram que

com fé, esforço e humildade podemos atingir objetivos inimagináveis...

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Resumo

Neste trabalho procuramos resgatar a trajetória do conteúdo de Cinemática nos

livros didáticos de Física utilizados no ensino brasileiro desde o século XIX até a

década de 1930. Mostramos que para realizar esse levantamento é necessária a

investigação de outras vertentes, já que os livros didáticos não se explicam por si só. Tal

trajetória pode ser analisada por meio de um recorte sobre a história da disciplina Física,

mostrando uma forte relação do conteúdo dos livros com a disciplina. Além disso, ficam

claras outras ligações quando consideramos a história das instituições educacionais e o

sistema de exames para ingresso no ensino superior. Por exemplo, durante quase todo o

século XIX o ensino científico estava nas instituições militares superiores, tendo pouca

expressão no ensino secundário escolar. Isso se devia ao currículo humanístico-literário

da época cuja ênfase era em disciplinas como retórica, línguas, filosofias etc. Essas

influências foram determinantes na abordagem do conteúdo dos livros didáticos,

principalmente na Física. Nesse trabalho, identificamos quatro momentos distintos para

a descrição do conteúdo de Cinemática. No primeiro, a abordagem do conteúdo foi

“descritiva”, baseada na Filosofia Natural, e os fenômenos naturais tinham como

responsável o “Ente Supremo”. Na metade do século XIX temos o segundo momento no

qual a descrição ainda está presente, porém baseada em aparelhos ou aparatos físicos, ao

qual nomeamos como “descritiva-experimental”. É também, no segundo momento, que

pudemos identificar os “agentes físicos” como os regentes pelos fenômenos naturais. O

terceiro momento é marcado pela abordagem “demonstrativa-experimental”, pois passa

da descrição para a demonstração algébrica dos conceitos, porém ainda com

experimentos, estamos na virado do século. Por último, nas primeiras décadas do século

XX, temos a “algebrização” do conteúdo, momento que são dispensados os

experimentos e as figuras, sendo substituídos por situações hipotéticas. É nesse período

que importantes estabelecimentos, como a Escola Politécnica e a Faculdade de

Medicina, ambas de São Paulo, introduziram importantes modificações no ensino de

Física, já que o ensino de ciências de nível secundário se encontrava nas disciplinas

introdutórias desses cursos. Esses estabelecimentos remodelaram o conteúdo de Física

que iria ser incorporado pelo ensino secundário na reforma Francisco Campos em 1931.

Palavras chaves: Livro Didático, História da Educação, Cinemática

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Abstract

In this work we tried to recover the path of the kinematics content in textbooks

of Physics used in the Physics teaching in Brazil since the 19th century to the decade of

1930. We showed that to carry out that assessment is necessary investigating other

sources, since the textbooks are not explained by itself. Such changes can be justified

through a cut off on the history of the discipline of Physics, showing a strong relation

between the content of the textbooks and the discipline. Besides the connection between

textbook and discipline, it is clear that are other connections when we considered the

history of the education institutions and the system of exams for entrance in the higher

education. For instance, during almost the whole 19th century the Science teaching was

in the superior military institutions, practically being ignored in the traditional

secondary teaching. That was due to the humanistic-literary epoch curriculum that had

emphasis in disciplines as rhetoric, languages, philosophies etc. Those influences were

decisive to the approaches of the textbooks contents. On the different approaches we

detected four different moments. In a first moment the approach of the content was

"descriptive", based on the Natural Philosophy, and the natural phenomena had as

responsible a "Supreme Being". In the middle of the 19th century we detected a second

moment where the descriptive function is still present, however based on instruments or

physical apparatus, moment we called as "descriptive-experimental". It is also in the

second moment we could identify the change of the responsibility of the phenomena,

which leave the "Supreme Being" and become the "physical agents". In the third

moment the approach is still experimental, however no more descriptive but algebraic.

We named that moment as "demonstrative-experimental", occurred at the turning of the

19th century. At last, in the first decades of the 20th century, we have the "algebrization"

of the content, time when it was dispensed the illustrations and the experiments, which

are substituted by hypothetical situations. It is in that period that important

establishments, as the Polytechnic School of São Paulo, acted directly in the Physics

teaching, since the Science teaching of secondary level was found in the introductory

disciplines of their courses. Those establishments "molded" Physics contents that were

incorporated at the secondary level in the Francisco Campos Reform in 1931.

Key words: Text book, Education History, Cinematic

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Sumário

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10 Estrutura da dissertação .......................................................................................... 14 Problema da pesquisa.............................................................................................. 14 Desenho da pesquisa............................................................................................... 17

CAPITULO 1.................................................................................................................. 19 1. O livro didático: algumas reflexões ........................................................................ 19

1.1. O que é o livro didático?.................................................................................. 19 1.2. Disciplina, currículo e livro didático ............................................................... 23 1.3. Um pouco sobre a história do livro didático no Brasil .................................... 30

CAPITULO 2.................................................................................................................. 35 2. História da disciplina: um recorte para a Física...................................................... 35

2.1 O ensino secundário: Liceus, preparatórios e o Colégio Pedro II .................... 36 2.2. Ensino Militar e Politécnico ............................................................................ 52

2.3. Ensino médico .................................................................................................70 CAPÍTULO 3.................................................................................................................. 77

3. Os livros didáticos: levantamento e análise ............................................................ 77 3.1. Critérios de análise........................................................................................... 79 3.2. Análise dos livros didáticos ............................................................................. 81 3.2.1 A Física descritiva e a Filosofia do movimento ............................................ 81 3.2.2.1 As inovações nos livros didáticos de Física................................................ 89 3.2.2 Da Física descritiva para a descritiva-experimental ...................................... 92 3.2.3 Da descritiva-experimental para a demonstrativa-experimental ................... 96 3.2.3.1 A coleção F.T.D........................................................................................ 113 3.2.4 A algebrização da Cinemática ..................................................................... 116

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 120 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 124

Documentos oficiais consultados.......................................................................... 128 Bibliografia dos livros didáticos analisados ......................................................... 128

ANEXO 1 ..................................................................................................................... 131 Programas curriculares do Colégio Pedro II............................................................. 131

ANEXO 2 ..................................................................................................................... 144 O livro didático a partir de 1930............................................................................... 144

ANEXO 3 ..................................................................................................................... 150 Outros currículos encontrados na escola politécnica ................................................ 150

ANEXO 4 ..................................................................................................................... 152 Conteúdos das provas da Faculdade de Medicina .................................................... 153

ANEXO 5 ..................................................................................................................... 162 Tabela de classificação dos livros............................................................................. 162

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 8

Índice de Tabelas

Tabela 3.1: Número de alunos formados por ano no Colégio Pedro II .......................... 43 Tabela 3.2: Total de inscrições nos respectivos anos no Liceu Literário Português. ..... 46 Tabela 3.3: Total de inscrições nos estabelecimentos de ensino do ano de 1883........... 47 Tabela 3.4: Quadro de disciplinas da Academia Real Militar até o quarto ano.............. 57 Tabela 3.5: Quadro de disciplinas do curso fundamental da Escola Politécnica............ 67 Tabela 3.6: Quadro de conteúdos do curso fundamental da Faculdade de Medicina..... 75 Tabela 4.1: Livros didáticos levantados e analisados. .................................................... 78 Tabela A1.1: Programas curriculares do Colégio Pedro II ........................................... 131 Tabela A2.1: Quadro descritivo das múltiplas influências sobre o livro didático no Brasil ............................................................................................................................. 149 Tabela A5.1a: Tabela de classificação dos livros. ........................................................ 162 Tabela A5.1b: Tabela de classificação dos livros......................................................... 165 Tabela A5.1c: Tabela de classificação dos livros. ........................................................ 168

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 9

Índice de Figura

Figura 2.1: Prova de movimento uniformemente variado .............................................. 75

Siglas: BLD – Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP; EPBC – Escola Politécnica Biblioteca Central da USP; IF – Biblioteca do Instituto de Física da USP; IAG – Biblioteca do Instituto Astronômico e Geofísico da USP; PB – Biblioteca Paulo Bourroul; BN – Biblioteca Nacional; PII – Biblioteca do Colégio Pedro II; UFRJ – Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ............................................... 79

Figura 3.2: Equações no conteúdo de Cinemática do livro de Guedes (1868) ............... 90

Figura 3.3: ilustrações da Máquina de Atwood e da Máquina de Morin (GANOT 1872, p.43) ................................................................................................................................ 93

Figura 3.4: (a) tubo de Newton; (b) Máquina de Atwood; (c) Máquina de Morin, in Physica (Langlebert, 1892, p. 35, 37 e 40). .................................................................... 96

Figura 3.6: Ganot (1894) introduz formulas mais elaboradas na página 15. .................. 97

Figura 3.7: Ilustração da queda dos corpos (GANOT 1894, p. 51). ............................... 98

Figura 3.9: Desenvolvimentos algébricos no livro de Ch. Drion et É Fernet (1880) ... 100

Figura 3.10: Nobre (1896) realiza desenvolvimentos algébricos na página 28............ 101

Figura 3.11: Conteúdo de Cinemática em GOUVEIA (1902 e 1907, p. 18)................ 106

Figura 3.12: (a) Máquina de Morin; (b) Máquina de Atwood; (c) Tubo de Newton (Gouveia 1902 e 1907, p. 88, 90 e 92).......................................................................... 107

Figura 3.13: Semelhança das imagens e tratamento nos de (a) Gouveia (1902 e 1907, p. 93) e (b) Ganot (1894, p. 49) ........................................................................................ 108

Figura 3.14: Cálculo da força centrípeta que por fim se torna em uma abordagem de toda Cinemática do movimento circular (ROMANO 1928, p. 22 e 23)....................... 110

Figura 3.15: Conteúdo de movimento circular uniforme é acrescentado no livro de Dias (1920, p. 20 e 21). ......................................................................................................... 111

Figura 3.16: Semelhanças entre os livros “Curso elementar de Física” de Dias (1933, p. 25) e a 31ª edição do “Traité Èlémentaire de Physique” de Ganot (1923, p. 47). ........ 112

Figura 3.17: Semelhanças no tratamento do movimento circular nos livros (a) “Tratado de Physica Elementar” de Romano (1928, p.18) e (b) “Tratado de Physica Elementar” Nobre (1911, p. 20)....................................................................................................... 113

Figura 3.18: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para ilustrar o movimento uniformemente variado (FTD 1927, p. 14)................................................ 115

Figura 3.19: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para exemplificação do fenômeno (FTD 1927, p. 40) ................................................................................... 116

Figura 3.20: Livro de W. Watson (1932) sobre a discussão do conceito de integral e a dedução da fórmula dos espaços do movimento uniformemente variado. ................... 118

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 10

INTRODUÇÃO

Desde que adquiri o gosto por ensinar, pouco sabia como o livro didático iria

estar presente em minha vida. Logo no início da minha carreira de professor, deparei-

me com um problema. A diretora do colégio pelo qual fui contratado perguntou-me qual

livro didático eu preferia para ser adotado nas minhas aulas de Física. O problema é que

eu ainda era estudante universitário, não tinha tido contato com nenhum sistema de

avaliação de livros e, até então, só conhecia sistemas apostilados no qual o principal

foco era (e vem sendo) o vestibular. Respondi que iria analisar alguns livros e depois

daria o nome de qual seria escolhido. Minha escolha foi muito difícil tendo em vista a

diversidade de livros e o estilo de abordagem de cada um deles. A solução foi conversar

com meus colegas da Universidade, que já eram professores, sobre quais livros eles

adotavam e quais eles preferiam. Depois de muitas discussões, perguntas e análises dos

livros, acabei adotando o livro pelo qual lecionei o ano todo.

Algum tempo depois tive contato com disciplinas em meu curso de graduação

que avaliaram inúmeros materiais didáticos, desde projetos de ensino até livros

didáticos escritos pelos mais diversos professores. Nessa disciplina percebi que desde a

produção até sua adoção, inúmeros processos e pessoas estão envolvidos. Durante o

curso foram elaborados inúmeros critérios que serviram para eu entender como

devemos ser criteriosos na escolha de nossa principal ferramenta de trabalho na sala de

aula. A partir daí sempre tive (e tenho) precauções quanto ao livro didático que adotei e

consultei para a preparação das minhas aulas.

No final do meu curso de licenciatura realizei uma monografia. Apesar de não

ser com livros didáticos percebi que tinha adquirido um novo gosto, o da pesquisa.

Decidi então me candidatar no programa de mestrado e encarar essa nova etapa da

minha vida. Já no mestrado, logo no início, fui apresentado pela orientadora de minha

monografia Profa. Dra. Yassuko Hossoume ao meu atual orientador Prof. Dr. Cristiano

Rodrigues de Mattos. Já tendo trabalhado como revisor, editor e avaliador de livros

didáticos, logo percebi sua longa experiência nessa área e que nossa parceria poderia

resultar em bons trabalhos. Logo fomos encaminhados ao grupo de pesquisa em livros

didáticos na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, coordenado pela

Profa. Dra. Circe Maria Fernandes Bittencourt. Lá existe o projeto temático “Educação e

Memória: Organização de acervos de livros didáticos” financiado pela Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) do qual este trabalho faz parte.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 11

Há também uma biblioteca que contém uma grande quantidade de livros didáticos e um

sistema via web de busca de livros escolares (LIVRES) no qual inúmeros pesquisadores

do grupo e do Brasil realizam pesquisas em livros didáticos.

Pensei, “estou no lugar certo, mas o que vou pesquisar?”. Conversando com os

professores que me ajudaram nesse caminho, logo surgiu uma questão: “do ponto de

vista da avaliação atual que se faz do conteúdo de Cinemática, porque não pesquisamos

como seu ensino se modificou ao longo do tempo?”.

Lembramos que a Cinemática, de acordo com a definição dos livros atuais, é a

“parte da Mecânica que descreve o movimento, através de suas funções matemáticas,

sem investigar suas causas” (RAMALHO et. al, 2002) e é exatamente isso que é

ensinado nas salas de aula. As investigações sobre o movimento são feitas mediante

equações, podendo as partículas assumir diversos tipos de movimentos: retilíneo,

circular, uniforme, uniformemente variado, etc. Nesses movimentos, entre inúmeras

variáveis, são explorados o espaço, tempo, velocidade, aceleração e gravidade. Além

disso, existem os exercícios no qual são expostas situações de ultrapassagem e encontro

de carros, ultrapassagem de túneis e pontes, queda dos corpos, gráficos dos

movimentos, lançamento de projéteis etc. Aliás, sempre muito difíceis de entender. Na

maioria das vezes a abstração necessária para o nível intelectual do aluno é muito

grande, levando-o a se basear apenas na memorização das equações e na substituição de

variáveis sendo, raramente, relacionada com a experimentação ou o cotidiano (DA

ROSA & DA ROSA 2005). Como podemos esquecer aqueles tradicionais exercícios de

velocidade média que “aprendemos” a resolver na sala de aula:

Um carro parte do km 50 de uma estrada e verifica que, no km 200, gastou 3 horas para percorrer este trajeto. Calcule a velocidade média do carro durante esse percurso?

Essas críticas acabaram por se traduzir nos documentos oficiais, como podemos

observar nos Parâmetros Curriculares Nacionais, no qual se afirma que o ensino de

Cinemática vem sendo feito “apenas para dar significações às variações dos

movimentos, através dos conceitos de velocidade e aceleração” (BRASIL 2002, 72).

Partindo dessas argumentações é que ficamos interessados por esse conteúdo.

Mais especificamente, queremos compreender como esse conteúdo se articulou e se

desenvolveu em uma parte de sua história e adquiriu o formato que existe até os dias de

hoje.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 12

Enfim, agora eu tinha o meu objeto de pesquisa. Definido o que iríamos

pesquisar logo fui à Biblioteca do Livro Didático localizada na Faculdade de Educação

da USP, em busca de alguns livros antigos que possuíssem o conteúdo de Cinemática.

Meu primeiro livro analisado foi o de Nerval de Gouveia de 1902, professor do Colégio

Pedro II na época. Foi intrigante ver que, nesse livro, a Cinemática era tratada em

apenas duas páginas e não apresentava sequer um exercício e pouquíssimas fórmulas.

Logo indagamos: “Como ocorreu tal transformação nesse conteúdo a ponto de tornar-se

um capítulo com inúmeras páginas, no qual predominam equações, gráficos e deduções

algébricas?”.

A partir daí, definimos alguns parâmetros. Primeiro foi o período a ser estudado.

Iniciamos com um período de dois séculos, mas nos vimos obrigados a restringir as

datas devido ao grande número de variáveis que deveríamos levar em consideração e ao

curto espaço de tempo de análise para isso. Ficamos então com o período que vai de

meados do século XIX até a década de 1930 foi, como veremos neste trabalho, de

grandes transformações do livro didático brasileiro. Num segundo momento fizemos

uma revisão bibliográfica sobre pesquisas na área e, na medida do possível, aquelas que

trabalham com livros didáticos de Física. Destacamos, por exemplo, a dissertação de

Glads Maria D`Elia Sampaio1 (2004) que realiza um estudo sobre toda a estrutura do

Colégio Pedro II de 1837 até 1925. Para explorar o ensino de Física no Colégio,

Sampaio (2004) analisa os livros didáticos elencados nos programas curriculares

concluindo que existem dois momentos nesse ensino, um antes (marcado pela

abordagem descritiva do conteúdo) e outro após 1870 (marcado pela abordagem

matemática). Algumas dessas descrições foram utilizadas nesse trabalho. Acreditamos

ser o fato de não aprofundarmos somente no Colégio Pedro II e buscarmos a Física nos

diferentes estabelecimentos da mesma época, o que diferencia nosso trabalho com

relação ao de Sampaio (2004) nos dando informações mais gerais sobre a disciplina

Física.

Outros trabalhos também podem ser destacados. Por exemplo, a pesquisa de

Karl M. Lorenz2 (1986) sobre os livros didáticos e o ensino de Ciências no ensino

secundário do século XIX no qual são identificados todos os livros de ciências que

foram utilizados no Colégio Pedro II no período de 1838 até 1900. Seu trabalho

1 Glads Maria D`Elia Sampaio é professora de Física do Colégio Pedro II e atualmente está cursando doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Karl M. Lorenz é professor doutor da Sacret Heart University- Fairfeld-EUA

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 13

apresenta uma bibliografia muito vasta de livros didáticos além de importantes

informações sobre os autores dos livros. Destaco também o artigo de Antonio Moreno

Gonzáles3 que trata dos livros didáticos adotados na Espanha no período de 1845 até

1900. Além de uma análise ampla da organização educacional e política da Espanha,

Gonzáles (2000) analisa, por meio dos livros didáticos, os principais autores, a

concepção de ciência e mostra porque os livros foram um meio de resistência às

descobertas científicas que surgiram nesse período. Destaca, principalmente, a

preocupação dos autores em serem didáticos como um dos fatores para não incorporar

as complicadas descobertas científicas que iam surgindo. Outros trabalhos também

foram encontrados colaborando com importantes informações e que poderão ser

apreciados ao longo da leitura.

Depois de delimitar o campo da pesquisa e do levantamento bibliográfico fomos

para o levantamento dos livros. Visitei diversas bibliotecas de São Paulo e Rio de

Janeiro passando por situações interessantes como, por exemplo, a leitura de livros do

século XIX. É claro que a curiosidade falou mais alto e algumas olhadelas em outros

conteúdos além da Cinemática foram feitas, tornando a pesquisa cada vez mais

empolgante e contemplativa.

Aprendi também com meus colegas de pesquisa que devido à complexidade do

livro, outras vertentes de análise devem ser verificadas como, por exemplo, a história

das disciplinas. Buscando informações sobre a disciplina Física, fui a alguns acervos

históricos de bibliotecas, encontrando documentos do século XIX e início do século XX

que são cuidadosamente guardados pelos bibliotecários. Alguns desses documentos não

são encontrados em parte alguma.

Com certeza foi uma grande experiência fazer uma pesquisa desse tipo, até pelo

fato de não ser formado em História. Inúmeras vezes recorri à informações sobre a

história do Brasil e aos colegas de pesquisa para me localizar temporalmente. Muitos

acontecimentos educacionais ocorreram e compreendê-los foi um ponto crucial dessa

pesquisa.

Infelizmente, por falta de tempo, somente analisamos o conteúdo de Cinemática,

mas com certeza outras perguntas surgiram e que pretendemos respondê-las em

pesquisas futuras.

3 Antonio Moreno Gonzáles é doutor em Ciências Físicas e professor titular de Didática das Ciências Experimentais na Faculdade de Educação da Universidade Complutense em Madri.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 14

Estrutura da dissertação

Problema da pesquisa

Neste tópico pretendemos discutir sobre como se articulam as idéias neste

trabalho. Faremos uma justificativa do porquê de determinadas análises e como se

encaixam na explicação da história do conteúdo.

Primeiramente queremos deixar claro o problema da pesquisa. Com já

salientamos, escolhemos o conteúdo de Cinemática por dois motivos: devido à grande

importância que é dada ao conteúdo atualmente e pela aparente desvalorização em

épocas anteriores. Sendo assim temos como pergunta:

Que transformações ocorreram com a abordagem didática da Cinemática nos

livros didáticos no período de 1810 a 1930?

Ou seja, verificar como os livros didáticos usados no Brasil no início do século

XIX, que tinham uma abordagem reduzida da Cinemática e com base na Filosofia, se

transformaram em livros com um extenso conteúdo, totalmente apoiado na matemática.

Dessa forma pretendemos compreender em que medida foram acrescentadas figuras,

experimentos, descrição de aparatos físicos, álgebra e como os exercícios, que

inicialmente não existiam, passam a fazer parte inicialmente como perguntas e,

posteriormente, como aplicações de fórmulas. O desejo de buscar razões para essa

transformação foi refreado com a diversidade e a quantidade de livros produzidos

durante o século XIX e início do século XX.

Para isso, escolhemos o período que vai desde o século XIX até a década de

1930. Esse extenso período é necessário para que tenhamos uma visão geral de como o

conteúdo de Cinemática nos livros foi se modificando. Optamos por iniciar em meados

do século XIX, porque foi quando o ensino brasileiro começou a se estruturar. Antes

desse período, as aulas eram realizadas de maneira avulsa e sem estabelecimentos

oficiais de ensino, chamadas aulas régias (CARDOSO 2004). O enfoque educacional

nessa época teve uma forte implicação no ensino de Física nesse período. Com uma

base humanístico-literária o currículo nacional tinha grande tempo destinado ao ensino

de disciplinas como retórica, latim, francês, filosofia racional e moral etc. A exceção era

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 15

o Ensino Militar e Médico que, por motivos de formação, apresentavam disciplinas de

caráter científico em seus currículos. Somente no final do século, com a necessidade de

mão de obra especializada devido aos desenvolvimentos industriais e tecnológicos, o

currículo científico começa a fazer parte no ensino secundário escolar. Concluímos o

trabalho na década de 1930 porque o ensino de Física já ocupava um expressivo papel

no secundário e os livros didáticos já possuíam uma abordagem do conteúdo tradicional

e que iriam prevalecer pelas décadas seguintes (NICIOLI & MATTOS 2006).

Portanto, pretendemos discutir, entre outras coisas, as características do

conteúdo dos livros de determinados períodos, quais obras estrangeiras e nacionais eram

utilizadas no ensino de Física, porque determinadas obras eram adotadas em alguns

estabelecimentos de ensino e em outros não, como elas acabaram influenciando os

autores brasileiros de livros didáticos, como e quando os livros brasileiros começaram a

adquirir sua própria abordagem didática e a ganhar expressão no ensino.

A fim de fundamentar essas idéias partimos da relação entre três eixos:

Disciplina, Currículo e Livro Didático. Para esse embasamento teórico utilizamos as

concepções de André Chervel (1990, 1992 e 1999) sobre as disciplinas escolares, Ivor

Goodson (1991 e 1999) sobre Currículo e Circe Maria Fernandes Bittencourt (1997,

2003 e 2004) sobre análise, definições e história da disciplina e do livro didático

brasileiros.

Por exemplo, sobre a importância da disciplina no sistema escolar, Chervel

(1990) destaca mostrando que podemos questionar pontos internos da própria natureza

escolar por meio das disciplinas escolares.

“Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noção de disciplina, desde que se reconheça que uma disciplina escolar comporta não somente as práticas docentes de aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e os fenômenos de aculturação de massa que ela determina, então a história das disciplinas escolares podem desempenhar um papel importante não somente na história da educação mas também na história cultural. Se se pode atribuir um papel “estruturante” à função educativa da escola na história do ensino, é devido a uma propriedade das disciplinas escolares”

(CHERVEL 1990, p. 184)

Por isso devemos levar em consideração o estudo da história das disciplinas

escolares, pois é por meio delas que iremos compreender o sistema escolar e também

quais os objetivos de seus instrumentos de trabalho como, por exemplo, o livro didático.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 16

Segundo Chervel (1990, p. 194) é evidente a ligação dos livros didáticos com as

disciplinas, pois “as condições materiais nas quais se dá o ensino estão estreitamente

ligadas aos conteúdos disciplinares”.

Além disso, o livro didático por ser um elemento fundamental no ensino, sofre

diversas influências de natureza legal técnica, política e organizacional, decorrente das

mudanças ao longo do cenário educacional que está inserido. As influências podem ser

de várias naturezas como, por exemplo, a introdução de um sistema de co-edição

público-privado ou por meio das propostas curriculares que, normalmente, vêm

acompanhadas de um conjunto de determinações.

Bittencourt (1997, 72) destaca ainda mais a forte relação entre livro e currículo

mostrando que “o livro didático é um depositário dos conteúdos escolares, suporte

básico e sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados pelas propostas

curriculares (...) o livro didático realiza uma transposição do saber acadêmico para o

saber escolar no processo da explicitação curricular. Nesse processo, ele cria padrões

lingüísticos e formas de comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulários

próprios, ordenando capítulos e conceitos, selecionando ilustrações, fazendo resumos,

etc” (grifos do autor). Dessa forma o livro didático elabora as estruturas e condições do

ensino para o professor, pois não só apresenta o conteúdo mas, também, como devem

ser trabalhados.

Por sua vez, tentando identificar e caracterizar a disciplina e o currículo de

Física, realizamos uma longa revisão bibliográfica nos mais diversos sistemas de ensino

do período estudado e que iremos abordá-lo com mais detalhes adiante. Esse

levantamento nos trouxe citação de inúmeros livros didáticos. Para sua seleção, nosso

critério foi a citação em programas curriculares ou documentos oficiais, além de serem

produzidos por autores que foram professores de colégios consagrados na época.

Procuramos também localizar o maior número de obras desses autores a fim de

identificar as mudanças ocorridas no conteúdo de Cinemática desses livros ao longo dos

anos. Além disso, muitos programas curriculares que foram encontrados ajudaram a

identificar os conteúdos que apareceram e desapareceram no decorrer do tempo que, em

parte, definiam as dinâmicas dos conteúdos dos livros didáticos.

Desse ponto de vista deixamos algumas lacunas em nossa análise, a principal

delas é a análise de como estes livros eram utilizados em sala de aula e que também

pode ser um determinante das modificações ao longo do tempo no tratamento da

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 17

Cinemática. Este objeto de análise será tema de pesquisas futuras, nas quais serão

necessárias investigações não só dos livros didáticos, mas do cotidiano escolar como

notas de aula produzidas pelos professores das disciplinas que diversas vezes

substituíam os livros. Um exemplo disso está nos prefácios das obras de Nerval de

Gouveia de 1902 e 1907 no qual essas notas deram origem ao seu livro didático:

“A necessidade de um livro organizado de accordo com o programma do ensino da Physica no curso secundário official, professado no Gymnasio Nacional, e capaz de servir de paradygma ao estudo em todos os Estados da União, despertou em alguns antigos alumnos do Externato do Gymnasio o desejo de coordenar apontamentos dispersos em mãos dos differentes alumnos das turmas, que successivamente ouviram o meu curso de Physica, e publical-os despretenciosamente como um auxilio à cultura scientifica das classes estudiosas...”

(GOUVEIA 1902 e 1907, p. VI)

Com o objetivo de tornar claras as idéias apresentadas em cada capítulo da

dissertação, fizemos a seguir uma descrição resumida dos objetivos de todos os

capítulos.

Desenho da pesquisa

O trabalho consta de três capítulos.

No Capítulo 1 tratamos do livro didático. Temos como intenção problematizar

sua figura e mostrar que, compreendê-lo não é uma tarefa fácil. Definindo suas várias

funções de uso em sala de aula e como veículos de pesquisa, complementamos essas

idéias apresentando algumas maneiras que o livro pode ser usado para o

desenvolvimento de pesquisas tais como: caracterização da história das disciplinas,

história do passado de uma nação, transformação da escolarização, correntes

pedagógicas, ensino específico de línguas, etc.

Em seguida discutimos a relação entre o livro didático, o currículo e a disciplina.

É nesse tópico que fundamentaremos a metodologia empregada nesse trabalho. A partir

da relação entre essas três vertentes iremos discutir as variáveis que devem ser levadas

em consideração na pesquisa com conteúdo de livros didáticos. Mostraremos a

importância da história da disciplina e do currículo na caracterização do livro.

Ainda nesse capítulo tratamos também da história do livro didático desde sua

origem em 1810 com a instalação da impressão régia no Brasil, mostrando as funções

assumidas por meio da caracterização de seus autores. Sobre os autores, ainda

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 18

discutimos as duas gerações que surgiram durante o século XIX e como a função do

autor foi se modificando ao longo do tempo.

O Capítulo 2 trata da história da disciplina Física. Inicialmente faremos uma

discussão mais detalhadamente dos objetivos que pretendemos alcançar nesse capítulo.

Em seguida faremos uma discussão sobre a disciplina Física nos principais

estabelecimentos de ensino da época em questão tentando identificar onde se encontrava

o ensino de Física. Dividimos nossa análise em duas partes. A primeira diz respeito ao

ensino secundário escolar ressaltando quais as influências que modificaram esse ensino.

Na segunda parte trataremos do Ensino Militar e Médico percebendo como seu enfoque

educacional ia contra a tendência humanístico-literária da época. Mostraremos como

ambos atuaram na difusão dos estudos das ciências, principalmente com a Física. Nas

duas partes teremos como principal idéia a forte tradição humanístico-literária que

vigorava no século XIX e como isso afetou o ensino nos dois casos.

O terceiro capítulo diz respeito à análise detalhada do conteúdo de Cinemática

dos livros levantados. Fizemos nesse capítulo uma introdução dos objetivos e

metodologias, além de um critério de análise no qual apresentamos todos os conceitos

assumidos ao longo do tempo pelo conteúdo dos livros que dizem respeito à

Cinemática. Isso foi necessário pois, se vamos investigar as transformações de um

conteúdo, nada mais sensato do que destacar todos os conceitos assumidos a fim de

detectar os conteúdos que apareceram e desapareceram ao longo do tempo. Procuramos,

sempre que necessário, transcrever ou apresentar imagens de parte dos livros no intuito

de ilustrar e evidenciar certas afirmativas.

Por último, fizemos algumas considerações a respeito de todas as informações

levantadas. A idéia é unir todos os capítulos desse trabalho ligando os fatos às

observações realizadas nos livros.

Nos anexos temos uma descrição do conteúdo de Cinemática no currículo do

Colégio Pedro II com o intuito de salientar o grande volume adquirido pelo conteúdo ao

longo do tempo. Apresenta também uma discussão sobre as influências na história do

livro a partir de 1930, ambos com o intuito de servir de fonte de dados a futuras

pesquisas. Também estão alguns currículos de estabelecimentos de ensino que iremos

nos referir ao longo desse trabalho. Por fim, apresentamos também uma tabela com

pontos detalhados sobre a estrutura dos livros didáticos elencados tais como: número de

páginas de Cinemática, quantidade de exercícios, número de imagens, etc.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 19

CAPITULO 1

1. O livro didático: algumas reflexões

1.1. O que é o livro didático?

“É necessário que livros elementares claros, precisos, metódicos, distribuídos com profusão, convertam em universalmente familiar todas as verdades e economizem esforços inúteis para aprendê-las”

(TALLEYRAND 1791 in CHOPPIN 2001, 209).

A preocupação em tentar definir as funções e características dos livros didáticos

não é dos tempos atuais, como podemos ler no pronunciamento oficial de Talleyrand,

realizado em 10 de setembro de 1791, no início da Revolução Francesa, perante a

Assembléia Constituinte, em um informe sobre a instrução pública realizada em nome

do Comitê da Constituição.

Desde as épocas passadas até os tempos atuais muitas coisas mudaram com

relação às definições e funções do livro didático. Atualmente o livro didático vem sendo

considerado como um dos instrumentos que mais influência tem na educação escolar.

Desde muito tempo sua importância expressa uma grande parcela do ensino na

aprendizagem das mais diversas ciências. Por ser um importante agente na formação

dos estudantes, muitas pesquisas estão sendo realizadas sobre os livros didáticos,

destacando-se os aspectos educativos e o papel na configuração da escola

contemporânea (BITTENCOURT 2004). Para Choppin (2004, 512), esse dinamismo da

pesquisa resulta da convergência de uma série de fatores, destacando-se:

• O crescente interesse manifestado pelos que se interessam pela história ou por

historiadores profissionais em relação às questões da educação.

• Área cuja demanda social se torna cada vez maior.

• O interesse de inúmeras populações em criar ou recuperar uma identidade

cultural.

• Os avanços ocorridos na história do livro didático desde o início dos anos 80.

• A constituição de equipes ou centros de pesquisa e de redes científicas

internacionais que se dedicam às questões específicas do livro e das edições

didáticas.

Essa atividade científica tão variada se deve ao fato da complexidade de

definição do livro didático, a multiplicidade de funções que adquiriu e a diversidade de

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 20

agentes que ele suporta. Por exemplo, o livro didático se divide em aspectos como a

natureza do público (alunos, professores, etc), utilização (individual, coletiva, classe,

casa, etc), características do público (homogêneo ou heterogêneo), limitações

(tecnológicas, financeiras e comerciais) etc (CHOPPIN 2001).

Assim, como afirma Bittencourt (2004, 472), é devido a essa diversidade que o

livro didático pode assumir “múltiplas facetas” e pode ser analisado enquanto:

• produto cultural;

• mercadoria ligado ao mundo editorial e dentro da lógica capitalista;

• suporte das diversas disciplinas e matérias;

• veículo de valores ideológicos e cultural.

Sobre sua função Choppin (2004) destaca que o livro didático exerce 4 funções

essenciais:

• função de referencial – manual (cópia fiel dos programas oficiais);

• função instrumental – instrumento para prática de métodos, por exemplo, de

memorização (exercícios, habilidade, etc).

• função ideológica-cultural – instrumento que serve como um dos vetores

essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes.

• função documental – fornecer documentos textuais ou icônicos que despertem o

estado crítico do aluno.

Apesar de acumular essas funções o livro didático não é o único instrumento que

faz parte da educação escolar. Um conjunto de outros materiais didáticos (CD-ROM,

enciclopédias, quadros, mapas, etc) faz com que o livro didático não tenha mais

existência independente, sendo um elemento constitutivo de um conjunto de multimídia.

Isso faz com que as pesquisas em livros didáticos sejam cada vez mais

diversificadas, gerando trabalhos isolados o que torna difícil abrangê-los em seu

conjunto. Apesar disso Choppin (2004, 554) arrisca duas categorias de pesquisa em

livros didáticos:

• aquelas que consideram o livro didático como um documento histórico igual a

qualquer outro no qual analisam o conteúdo em busca de informações estranhas

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 21

a ele mesmo, ou as que só se interessam pelo conteúdo ensinado por meio do

livro didático4;

• aquelas que consideram o livro didático como um objeto físico, ou seja, como

produto fabricado, comercializado e distribuído concebido como utensílio de

consumo em determinado contexto.

Dessas duas categorias classificamos nosso trabalho na primeira. Porém, além de

encontrarmos informações sobre o conteúdo podemos, por exemplo, caracterizar a

história da disciplina Física, sendo seu conteúdo explícito um objeto exclusivo para esse

tipo de pesquisa. Para o caso das ciências há uma tendência em denotar o caráter

ideológico implícito pelas necessidades apontadas no papel da formação de gerações

preparadas para o mundo tecnológico e, por vezes, destaca as funções profissionais e

pragmáticas das disciplinas das ciências da natureza, como Física, Química, Biologia

etc (BITTENCOURT, 2003). Essa tendência é muito importante e será destacada no

capítulo seguinte quando explorarmos a disciplina Física no ensino secundário do

século XIX. Veremos que inicialmente a Física não era uma disciplina inclusa nas

escolas justamente pelo enfoque humanístico-literário do currículo da época e que

somente no final do mesmo século se tornou uma disciplina integrante no currículo

nacional devido, entre outras coisas, principalmente às necessidades tecnológicas e ao

desenvolvimento industrial que estava ocorrendo.

Dessa forma o livro didático acaba sendo uma “fonte privilegiada para estudos

sobre os conteúdos escolares e pode-se inclusive, identificar pesquisas que se

interligam, realizando uma história das disciplinas e, ao mesmo tempo, a do livro

didático” (BITTENCOURT 2003, 32). Não só as ciências como também outras

disciplinas podem ser caracterizadas pelos conteúdos dos livros didáticos. No caso das

disciplinas relacionadas a temas sociais (história, geografia, etc) esse tipo de prática se

torna ainda mais claro. A partir do final da segunda guerra esses tipos de livros se

tornaram preocupação especial das autoridades governamentais e os livros didáticos se

tornaram autobiografias dos “estados-nação” (BITTENCOURT, 2003).

É claro que, no caso da caracterização da história de uma disciplina escolar, o

uso do livro didático como fonte de dados deve ser cuidadoso já que envolve muitas

variáveis, dados os diferentes sujeitos na caracterização da disciplina e no uso do livro:

4 Nesse tipo de pesquisa Choppin destaca que o livro didático tem suas edições e história desenvolvidas nos dois últimos séculos, período em que as identidades nacionais são transmitidas de maneira forjada, ou seja, o livro participa do processo de construção nacional ou do processo de sua preservação.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 22

(...) a utilização dos livros didáticos como fonte para a história da educação, do currículo ou disciplina escolar deve ser cautelosa, dada suas limitações e suas múltiplas facetas. Com um pouco de sorte, conseguimos dispor de relações mais ou menos completas dos livros publicados em uma época concreta e para determinada matéria. Mais raramente podemos determinar em quais instituições educativas foram adotadas realmente e é ainda mais difícil saber com exatidão como foi utilizado nas aulas pelos professores e alunos”

(TIANA FERRER 2000, p. 179-194 apud BITTENCOURT 2003)

Sendo assim, cabe ressaltar que os conteúdos escolares analisados pelos

currículos, textos normativos e livros didáticos expressam apenas uma parcela na

caracterização de uma disciplina sendo necessárias pesquisas sobre o cotidiano das salas

de aula.

Além da caracterização da história das disciplinas escolares, o livro didático

pode ser usado para realizar estudos em diversas outras vertentes como novas temáticas,

questões legislativas, ideológicas e institucionais que interessam em outras épocas,

penetrar no interior escolar buscando novas fontes que permitam conhecer a cultura

escolar do passado, os valores, práticas, conteúdos e métodos que circulam o espaço

escolar. Nessas linhas, o livro didático se torna um objeto fundamental de estudo.

Atualmente, em pesquisas sobre a história da educação o livro didático tem se

tornado uma fonte de ótima referência. Nesse caso o livro didático é uma rica fonte de

informação, pois concebe e pratica o ensino dos tempos passados (CORRÊA 2000). Sua

textualidade constitui sem dúvida uma forma de escritura que expressa teorias

pedagógicas, padrões de comunicação, valores, atitudes, estereótipos, ideologias, etc.

Devido o livro didático ser um espaço para a expressão de vários tipos de “idéias” ele é

considerado uma fonte imprescindível para aproximarmos o conhecimento empírico de

alguns “silêncios” da história da educação servindo para estudos sobre o

desenvolvimento do ensino e revelar o passado da educação (BENITO 2001).

Benito (2001), historiador do currículo e livro didático, classifica o livro,

enquanto espaço de memória, com três funções em relação à construção da história da

educação:

• Primeiro, o livro didático é um suporte curricular através do qual se veicula a

vulgata escolar, ou seja, o conhecimento acadêmico que as instituições

transmitem. Essa vulgata seria uma redução da cultura materializada nos limites

de um livro didático.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 23

• Segundo, o livro didático é um espaço de memória, como um espelho da

sociedade (valores, ideologias, atitudes, etc) que o produziu e ainda apresenta os

modos de comunicação pedagógicos, as estratégias didáticas que os professores

usavam nas escolas do passado.

• Por último, o livro didático, também como um espaço de memória, oferece uma

escritura que a retórica do historiador pode interpretar desde sua própria cultura.

O leitor (no caso do historiador) poderia fazer a leitura com várias visões

(segundo sua retórica), porém sem mudar o verdadeiro sentido do conteúdo.

Nesse caso, a estrutura do livro só permitiria jogos retóricos com os

componentes da memória.

Na Espanha, por exemplo, as investigações em História da Educação têm

valorizado os livros didáticos para fundamentar uma nova visão do passado. “A edição e

venda massiva de edições de livros e enciclopédias escolares que vem proliferando nos

últimos anos, junto com a presença freqüente da escola como tema da literatura, tem

confrontado, sobretudo, a geração que assistiu a escola durante a era franquista”

(OSSENBACH 2001, 390). Nesse caso o livro didático serviu para uma caracterização

histórica da era pré e pós franquista definindo suas correntes pedagógicas, indo além das

análises ideológicas indagando os métodos de ensino e seus fundamentos sociais e

pedagógicos.

A pesquisa em livros didáticos se estende ainda por outras vertentes. Por

exemplo, sobre as origens e desenvolvimento do ensino da escrita, adequação de textos

e inovações pedagógicas. Até em análises sobre conteúdos ideológicos o livro didático é

colocado como objeto e fonte podendo ser utilizado em estudos sobre modernizações

pedagógicas de determinadas épocas. Além disso, o livro pode ser usado em análises em

pesquisas sobre o papel do professor na modernização dos métodos educativos

(software, enciclopédias, etc). O livro didático também auxilia em pesquisas como a

evolução da escolarização, as correntes pedagógicas e o ensino específico de línguas em

distintos territórios e também como contribuição ao estudo do nacionalismo.

1.2. Disciplina, currículo e livro didático

Atualmente damos o nome das matérias que estudamos no ensino médio e

superior como disciplina. Porém o termo “disciplina” também teve sua história.

Inicialmente esse nome estava associado à boa conduta e a ordem que deveria haver nos

estabelecimentos de ensino. No sentido de educador que usamos, o termo esteve ausente

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 24

durante todo o século XIX, sendo utilizados termos como “objetos, partes, ramos, ou

ainda matérias de ensino” (CHERVEL 1990, p. 178).

Sua aparição no ensino secundário é bem tardia e datada da primeira década do

século XX. Chervel (1990, p. 179) explica o motivo desse atraso “até 1880, mesmo até

1902, para a Universidade não há senão um modo de formar os espíritos, não mais do

que uma ‘disciplina’, no sentido forte do termo: as humanidades clássicas. Uma

educação que fosse fundamentalmente matemática ou científica não deveria ser antes do

começo do século XX, plenamente reconhecida como uma verdadeira formação de

espírito. É somente quando a evolução da sociedade e dos espíritos permite contrapor à

disciplina literária uma disciplina científica, que se faz sentir a necessidade de um termo

genérico” (CHERVEL 1990, p. 180).

Após a primeira guerra mundial o termo “disciplina” perde forças se referindo

somente como às matérias de ensino porém, os educadores se dirigiam a esse termo

sempre como uma maneira de disciplinar o intelecto, ou seja, “lhe dar os métodos e as

regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte”

(CHERVEL 1990, p. 180). Podemos então entender que os conteúdos escolares são

apresentados aos nossos alunos por meio de vulgarizações do que é produzido no meio

acadêmico. Por exemplo, na Física ensinamos as comprovações científicas realizadas

pela comunidade científica, ou melhor, por meio dos professores vulgarizamos esse

conhecimento aos jovens já que não podemos apresentar na maneira como foram

comprovados. Compreendendo dessa forma, as disciplinas se reduzem às metodologias,

ou seja, “ao lado da disciplina-vulgarização é imposta a imagem da pedagogia-

lubrificante, encarregada de lubrificar os mecanismos e de fazer girar a máquina”

(CHERVEL 1990, p. 181).

Porém a pedagogia solicita tudo que é parte integrante no processo de ensino-

aprendizagem fazendo com que a disciplina não se constitua como um simples lugar de

transmissão da ciência de referência. Ou seja, é ela que transforma os ensinos em

aprendizagens (métodos pedagógicos) caracterizando os conteúdos escolares e as

disciplinas com uma forte ligação com o sistema escolar5. As disciplinas não se

reduzem somente à vulgarização, se não considerarmos as transformações internas que

5 Chervel (1990, p. 182) destaca que essa característica não é exclusiva de determinadas disciplinas. Por exemplo, na matemática demonstrou-se que alguns conceitos “introduzidos há uns vinte anos no primeiro ciclo do secundário não tem muito em comum com seus homônimos eruditos que lhe serviriam de sustentação: os didáticos da matemática medem hoje a distância existente entre o `saber erudito` e o `saber ensinado`”.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 25

ocorrem dentro da disciplina, em virtude da necessidade pedagógica para se transmitir o

conhecimento, estaremos perdendo uma variável muito importante em nossa análise.

Porém as idéias mudam a partir do momento que não consideramos, em sua

origem, os conteúdos de ensino como vulgarizações do conhecimento científico.

Chervel (1990, p. 183) destaca alguns questionamentos quando pensamos dessa forma e

mostra que a função de escola e disciplina que conhecemos desaparece.

• Como a escola, desqualificada em toda outra instância nesse tipo de produção,

começa a agir para produzir o conhecimento científico?

• Se a escola vulgariza a ciência (e não o conteúdo) a transparência de seus

conteúdos e a evidencia de seus objetivos seriam totais. Já que ela ensina a

própria ciência não poderíamos questionar para que então ela foi criada?

• Se a escola propagasse a vulgarização para reproduzir a ciência (o saber) iria

ensinar as práticas dos adultos aos jovens, ou seja, uma imagem idêntica ou

aproximada da ciência e do objetivo cultural visado, e isso não se passa no

quadro das disciplinas.

Isso coloca a disciplina como um ponto que deve ser explorado para o

entendimento do sistema escolar. Chervel (1990) ainda destaca que a história da

disciplina não deve ser realizada com um caráter amplo, pois problemas de natureza

específica podem passar despercebidos. Um exemplo dessas limitações está na idade

escolar sendo esse um fator de especificidade. É pela idade que diferenciamos o ensino

secundário do superior e, conseqüentemente, suas finalidades.

Dessa forma Chervel (1990) destaca além da função de peça chave das

disciplinas o sentido valorizado do sistema escolar, pois além de formar cidadão ele

forma uma cultura que vai ser diluída na sociedade ao qual está inserida modificando-a.

Mostra que o sistema escolar é um poderoso veículo de formação de culturas com

finalidades específicas que irão participar da formação de uma nação e, por isso, estão

cheios de objetivos e ideologias.

“A instituição escolar é, em cada época, tributária de um complexo de objetivos que se entrelaçam e se combinam numa delicada arquitetura da qual alguns tentaram fazer um modelo. É aqui que intervém a oposição entre educadores e instrução. O conjunto dessas finalidades consigna à escola sua função educativa. Uma parte somente entre elas obriga-a a dar uma instrução. Mas essa instrução está inteiramente integrada ao esquema educacional que governa o sistema escolar, ou o ramo estudado. As disciplinas escolares estão no centro desse dispositivo. Sua função consiste em

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 26

cada caso em colocar um conteúdo de instrução a serviço de sua finalidade educativa.”

(CHERVEL 1990, p. 188).

Chervel (1990) destaca que no estudo dessas finalidades deve-se levar em

consideração dois pontos: a dos objetivos fixados pelas políticas educacionais

(finalidades de objetivo) e a da realidade pedagógica (finalidades reais), ou seja, não

podemos nos basear somente em textos oficiais para descobrir as finalidades educativas.

Para explorar as finalidades reais, por exemplo, devemos nos basear em livros didáticos,

prefácios de livros, conteúdos, debates parlamentares, artigos, provas etc.

Para nosso trabalho, o período que estudamos, no que diz respeito às finalidades,

é uma fonte privilegiada de dados, pois é exatamente nessa época que a escola tem sua

finalidade ampliada do ensino humanístico-literário para o novo currículo humanístico

moderno ou científico. Devido a isso as finalidades do ensino científico ainda devem ser

definidas e trilhadas pelos seus envolvidos, apresentando informações explícitas para o

historiador das disciplinas.

Para compreendermos essas mudanças e identificarmos os agentes

transformadores das disciplinas devemos entender sua estrutura e seus constituintes, ou

seja, “sua organização interna é, numa certa medida, produto de uma história, que

procedeu aqui pela adição de camadas sucessivas” (CHERVEL 1990, p. 200). Para

Chervel (1990) dos diversos componentes de uma disciplina o primeiro na ordem

cronológica e que põe em evidência as grandes tendências é o conteúdo exposto pelo

professor ou pelo manual (pedagógico ou explícito). Estudando o conteúdo podemos

encontrar evidências de mudanças e admitir que a disciplina mudou porque sua

finalidade mudou. Na análise dos livros didáticos tentaremos relacionar essas mudanças

ocorridas nos conteúdos com as finalidades adquiridas pela disciplina Física ao longo do

tempo. Mais precisamente tentaremos identificar o fenômeno da “vulgata”, ou seja, em

cada época o conteúdo dos livros tende a seguir um padrão que se instala, mas que

evolui e se transforma.

“Quando uma nova vulgata toma o lugar da precedente, um período de estabilidade se instala, que será apenas perturbado, também ele, pelas inevitáveis variações. Os períodos de estabilidade são separados pelos períodos ‘transitórios’, ou de ‘crise’ em que a doutrina ensinada é submetida a turbulências (...) mas pouco a pouco, um manual mais audacioso, ou mais sistemático, ou mais simples do que os outros, destaca-se do conjunto, fixa os ‘novos métodos’, ganha gradualmente os setores mais recuados do território, e se impõe. É a

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 27

ele que doravante se imita, é ao redor dele que se constitui a nova vulgata”.

(CHERVEL 1990, p. 204)

Por sua vez, se o conteúdo explícito é o central da disciplina, os exercícios são

quase indispensáveis. Sem os exercícios não há fixação dos conteúdos e,

conseqüentemente, da disciplina. Considera-se como exercício toda atividade observada

pelo professor estando o sucesso da disciplina diretamente relacionado com a qualidade

do exercício. Suas mudanças também representam a história das disciplinas.

O último ponto importante da história da disciplina é a avaliação. O estudo das

provas de natureza decimológica nos mostra a função de certos exercícios como

exercícios de controle e a importância que os exames finais exercem sobre a disciplina.

“A história dos exames (...) faz aparecer um esforço constante para reaproximar as

provas de avaliação das grandes finalidades da disciplina” (CHERVEL 1990, p. 207).

Esses constituintes da disciplina funcionam mediante uma combinação sendo

cada um ligado, de seu modo, às finalidades. Se essas finalidades são impostas pela

sociedade, as políticas educacionais, os programas e os planos de estudo irão se

organizar diante dessas finalidades. A disciplina é uma variável da escolarização, sua

função é promover uma aculturação dos alunos conforme as finalidades impostas. O

livro didático por ser um elemento fundamental no ensino, também sofre diversas

influências decorrente das finalidades ao longo do tempo do cenário educacional que

está inserido. As influências podem ser de várias naturezas como, por exemplo, a

introdução de um sistema de co-edição público-privado ou por meio das propostas

curriculares que, normalmente, vêm acompanhadas de um conjunto de determinações.

Tratando sobre o currículo, Goodson (1991) cita duas classificações de

currículos: preativo e escrito. O currículo preativo são as normas vindas do Estado, o

conjunto de determinações citado anteriormente e o currículo escrito são os documentos

que contém essas influências já que foi criado em um ambiente com diversos interesses.

Goodson (1991, p.10) define os currículos escritos como o lugar onde está presente o

testemunho “visível, público e das mudanças dos fundamentos racionais selecionados e

a retórica legitimadora da escolarização (...) o currículo escrito proporciona um guia

para a retórica legitimadora da escolarização, promovida através de modelos de fixação

de recursos, atribuição de status e de distribuição profissional. Em resumo, o currículo

escrito nos proporciona um testemunho, uma fonte documental, um mapa variável do

terreno: é também um dos melhores guias oficiais sobre a estrutura institucionalizada da

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 28

escolarização”. Indo mais além, Goodson (1991) explica que se queremos entender as

influências que modificam o currículo devemos entender não só as influências internas

do sistema educativo, mas também as influências externas, ou seja, as funções preativas.

Aliás, as influências externas têm mais importância nas disciplinas de caráter mais

aplicado, com interesses industriais e comerciais. Goodson (1991, p. 24) destaca a

importância do livro didático nessa ligação expondo que “os livros didáticos são

claramente um fator ‘externo’ importante, mas dependem do estabelecimento interno e

podem completar-se internamente. Em última instância, voltamos a encontrar com a

questão referente ao como os modelos de currículos internos podem se manter: para que

se produza essa manutenção, as relações externas são de vital importância”.

Entretanto as influências internas também devem ser levadas em consideração,

principalmente na análise do livro didático. Nos prefácios de alguns livros didáticos

pudemos observar inferências à sua construção ligada às práticas da sala de aula. Como

já salientamos anteriormente as práticas pedagógicas são um elemento importante na

análise da história da disciplina, assim como o currículo interativo está relacionado na

análise do livro didático. O currículo interativo é a realização, em maior ou menor grau,

dos currículos externos (preativo e escrito) na sala de aula sendo os livros didáticos,

com suas limitações, uma medida desse currículo. Por isso, a pesquisa deve envolver as

vertentes internas e externas do currículo:

“Isto não significa, desde já, que sugerimos a existência de um vínculo direto ou claramente discernível entre o preativo e o interativo, nem que em ocasiões o interativo não possa desestabilizar ou transceder o preativo. Mas sim é defender que a construção preativa pode estabelecer parâmetros importantes significativos para a realização interativa em aula”.

(GOODSON 1991, p. 24)

Acumulando essas funções podemos afirmar que o livro didático serve como

mediador entre as propostas expressas nos programas curriculares e o conhecimento

ensinado pelo professor, ou seja, por seu intermédio o conteúdo programático da

disciplina se torna explícito e, dessa forma, tem condições de auxiliar a aquisição de

conceitos básicos do saber acumulado pelos métodos e rigor científico

(BITTENCOURT, 1997).

O livro didático é “mais que uma imagem da estrutura do currículo, pode ser

visto como um espaço de memória do grupo social que o produz, um espelho do

imaginário coletivo da cultura dominante em uma época determinada e também como

Page 29: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 29

uma ‘marca’ dos modos e processos de comunicação pedagógica, isto é, uma

representação da racionalidade didática que implementa a gestão de uma classe”

(BENITO 2001, 41). Ou seja, o livro didático pode servir para observar as mudanças

que se produzem nas apresentações dos textos que são, por sua vez, reflexos das

reformas curriculares e das tendências educacionais.

Esses tipos de adaptações ocorreram em toda a história do livro didático, cada

qual realizada em sua época. Nos livros que analisamos pudemos observar claramente

esse efeito no qual no século XIX, em seu conteúdo, são discutidos conceitos de ciência

e descrições de experimentos. Porém, atualmente, podemos observar que, na grande

maioria, os livros didáticos brasileiros expõem a Física cada vez mais como um

conjunto de fórmulas que não passam de aplicações e cálculos em exercícios inibindo

discussões e exposições de opiniões por parte dos alunos. Um exemplo claro é o ensino

atual de mecânica nos livros. Apesar de ser desaconselhável, a prática de restringir o

ensino de mecânica à Cinemática tem sido uma constante. Muitos professores dedicam

praticamente um semestre do ano letivo ao ensino da Cinemática baseando-se em

métodos ultrapassados como o da memorização (DA ROSA & DA ROSA, 2005).

Assim é possível perceber que autores e editores, para simplificar as questões

complexas, impedem que os textos dos livros provoquem reflexões ou possíveis

discordâncias por parte dos leitores. O livro didático, assim, se transforma em “um

objeto padronizado, com pouco espaço para textos originais, condicionando formatos e

linguagens, com interferências múltiplas em seu processo de elaboração...”

(BITTENCOURT 1997, 74).

Porém pesquisas estão sendo realizadas para melhorias das abordagens do

conteúdo dos livros. Há indícios que os professores se sentem incapacitados para

desenvolverem os currículos e programas presentes e, quando questionados, se dizem

incapazes de elaborar um programa de ensino para sua sala de aula melhor do que os

presentes nos livros didáticos. A elaboração do conteúdo pelo professor se torna

fundamental quando observamos, cada vez mais, a diversidade dos alunos em nossas

salas de aula. O ensino uniforme coloca em crise a idéia de grupo homogêneo e requer

como imprescindível a flexibilização do trabalho do professor (FERNANDEZ, 1989).

Alguns critérios para que o livro didático seja útil para professores e alunos foram

levantados por Fernandez (1989) e que valem a pena serem destacados aqui:

Page 30: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 30

• Modificar a ênfase dos conteúdos conceituais com relação aos procedimentos e

atitudes. Os aspectos não devem relacionar-se com a área acadêmica, mas

veicular-se à realidade imediata como meio ambiente, saúde, consumo, meio de

comunicação etc.

• A aprendizagem de conceitos deve fundamentar-se na identificação dos atributos

críticos e não-críticos do conceito, na exemplificação e identificação de

exemplos e na comparação ou relação com outros conceitos.

• Os textos e as atividades devem estar dispostos graficamente de tal maneira que

não se apresentem como uma obrigatoriedade e sim a serviço da compreensão de

textos e atividades estando coerentemente dispostos dentro da unidade temática.

A maioria dos alunos deve trabalhar as partes mais gerais e simples e apenas

alguns alunos devem trabalhar as partes mais detalhadas e complexas.

• As atividades devem estar categorizadas nos tipos de funções de operação que

requerem o aluno.

• Adequação entre conteúdos e atividades trabalhadas em sala de aula. Uma oferta

ampla e categorizada de atividades permite adaptações fáceis em função das

particularidades dos alunos.

Apresentando esses critérios os livros ajudam os professores, por meio de

modelos, a organizar suas explicações, a trabalhar atividades significativas, a adequar

conteúdos e atividades às particularidades dos alunos e ainda ser suscetíveis de uso

autônomo pelos alunos.

1.3. Um pouco sobre a história do livro didático no Brasil

No Brasil, a publicação dos primeiros livros didáticos tem data certa, eles

apareceram com a instalação da Impressão Régia em 1810. Antes disso, por exemplo,

para o ensino elementar Pfromm Neto (2004, 169) observa que “o abandono em que

permaneceu a escola elementar no país, do Descobrimento ao Império, e os objetivos

extremamente modestos desta, limitada à simples alfabetização e os rudimentos da

aritmética, permitem supor que, de modo geral, o ensino elementar do Brasil foi um

ensino sem livro, durante três séculos e meio de história”.

A Impressão Régia foi o marco inicial da produção didática brasileira que, desde

então, cresceu exageradamente gerando discussões sobre sua importância econômica e

Page 31: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 31

sobre o papel do Estado como agente controlador e consumidor dessa produção

(BITTENCOURT 2003).

Em sua história, o livro didático, sempre esteve diretamente ligado aos seus

autores que, em sua grande maioria, sempre seguiam os programas oficiais propostos

pelas políticas educacionais. “Os conflitos, tensões, acordos, discriminações,

satisfações, fazem parte da história dos autores dos livros...” (BITTENCOURT 2004,

479).

Desde o século XIX até o início do século XX, período inicial de sua produção,

existiam preconceitos com relação aos autores de obras didáticas, uma vez que o livro

escolar era considerado uma obra “menor”. Dessa forma, se torna justo perguntar:

“Estariam nossos primeiros autores motivados pelas vantagens financeiras que a

empreitada poderia oferecer ou seriam outros motivos que os levaram à realização de

um trabalho intelectual considerado inferior na hierarquia da produção do

conhecimento?” (BITTENCOURT 2004, 479).

Para responder a essas perguntas deve-se explorar a historicidade dos autores e

suas concepções, ou seja, para eles o livro didático era uma ferramenta de trabalho ou

servia para substituí-lo? Quais seriam suas concepções sobre livro didático em uma

época que praticamente inexistiam instituições de formação de professores?

Bittencourt (2004) observa que no Brasil houve, inicialmente, um grupo de

autores que produziu algumas obras nos anos seguintes à chegada da família real e que,

em parte, compunham uma primeira geração de autores que estavam preocupados com a

organização dos cursos secundário e superior e pouco preocupados com as séries

iniciais. Posteriormente, pôde identificar uma segunda geração, que se organizou por

volta de 1880 mais preocupados com o tema do nacionalismo, discutindo a necessidade

da disseminação do saber escolar para outros setores da sociedade.

1.3.1. Primeira geração de autores

As primeiras décadas, a partir da chegada da família real em 1808, foram

marcadas por inúmeros autores pertencentes à elite intelectual e política, destacando-se,

entre outros, marqueses, viscondes, etc. Esses autores tinham a preocupação com a

formação moral e estavam atentos aos textos destinados aos jovens integrantes da elite

da época, o que nos permite concluir que não estavam preocupados com uma

empreitada financeira da produção dos livros, mas sim, estavam interessados na

formação de uma elite dominante (BITTENCOURT 2004).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 32

Muitos desses autores, responsáveis por conhecidas obras didáticas, eram

membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e professores do

Colégio D. Pedro II, indicando uma vinculação significativa entre ciência e cultural,

tendência que durou da época do Império até as primeiras décadas da República

(BITTENCOURT 2004).

Observa-se que tais autores possuíam estreita ligação com o poder institucional e

suas obras representavam as tendências dominantes, não porque eram obrigados a seguir

os programas estabelecidos, mas porque estavam onde o próprio conhecimento era

produzido. “O lugar de sua produção situava-se junto ao poder e realizava-se para

consolidar o poder instituído por intermédio dos colégios destinados à formação das

elites, dialogando com intelectuais e políticos responsáveis pela política educacional”

(BITTENCOURT 2004, 481).

Sendo assim o IHGB teve um papel importante na produção de obras didáticas,

deixando textos escolares como contribuições culturais. Outra instituição com papel

relevante, que abrigou autores de livros didáticos foi a Escola Militar, instalada no Rio

de Janeiro, em 1810. Quando instalada no Brasil, a Escola Militar tinha como função

definir quais livros didáticos iriam ser usados. Muitos autores, nomeados como

“sábios”, traduziam essas obras ou, na maioria, optava-se pelos livros portugueses.

Em 1822, com o fim do monopólio da impressão régia, teve início a

transferência dos encargos editoriais para os setores privados fazendo com que marcas

estrangeiras passassem a ocupar a produção nacional. “As marcas editoriais francesas,

em especial, foram se consolidando em razão de nossa dependência das técnicas de

produção e das políticas de importação. Um dos fatores era que o preço do papel e da

tinta brasileiros variavam muito e por isso a opção de muitos autores pela impressão dos

livros na Europa” (BITTENCOURT 2004, 482). Também como conseqüência desse

desequilíbrio, muitos livros portugueses foram utilizados na educação brasileira durante

o século XIX e meados do século XX (PFROMM NETO 1974) 6.

A partir de 1840 com as disputas políticas e sociais da fase regencial, houve a

necessidade de uma produção de obras locais que estivessem dedicadas à formação da

“nacionalidade” surgindo, então, os primeiros compêndios nacionais7. Dessa forma,

6 Também citamos como exemplo o livro de Francisco Ribeiro Nobre. Esse livro foi citado nas provas realizadas pelos alunos da Faculdade de Medicina de São :Paulo como fonte de consulta. 7 O livro do Dr. Saturnino de Meirelles, professor do Colégio Pedro II, é um exemplo da busca da “nacionalidade” dessa época. Esse livro será descrito no capítulo 4.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 33

percebemos que não só o Colégio D. Pedro II, mas, também, a Escola Militar teve um

importante papel na construção do currículo nacional.

Com o aumento na década de 1850 do público consumidor as editoras

começaram a disputar o mercado. Inicialmente com uma disputa entre a editora B. L.

Garnier e a dos irmãos Laemmert houve um grande incentivo ao surgimento de novos

autores. Até 1885, três editoras se destacavam no cenário nacional:

• B. L. Garnier

• Nicolau & Francisco Alves

• Irmão Laemmert

Os livros didáticos produzidos nessa época necessitavam da aprovação

institucional para circular nas escolas e isso acabava por direcionar a opção dos editores

para a escolha de autores do Colégio D. Pedro II e Escola Militar. Conseqüentemente,

os livros praticamente nunca eram recusados, até porque os avaliadores eram membros

do IHGB.

Portanto os livros didáticos desse período eram praticamente determinações do

poder político institucional, produzidos por figuras próximas ao governo, escritores de

obras literárias, etc. Muitos desses autores se inspiravam ou mesmo adaptavam obras

estrangeiras (principalmente francesas) para o ensino brasileiro. Muitas vezes, até os

programas curriculares franceses eram usados para determinar as disciplinas e os

conteúdos a serem trabalhados.

1.3.2. Segunda geração de autores

Essa geração foi marcada por um expressivo crescimento do cenário educacional

brasileiro. Isso fez com que autores das mais diversas esferas sociais se tornassem

produtores de livros didáticos e, conseqüentemente, mudassem o perfil das obras.

“Em 1836, não ia além de 640 o número de alunos das escolas

primárias no município da Corte. De meados do século a 1870, o total

de alunos matriculados elevou-se de pouco mais de setenta mil para

quase cento e noventa mil. Em 1886, o país contava com 213670

alunos matriculados em 6605 escolas primárias públicas”.

(PFROMM NETO 1974, 170)

Nesse mesmo período, começaram as criticas à qualidade de “sábio”, atribuída

aos autores que traduziam obras estrangeiras. Como conseqüência as editoras

começaram a se preocupar, não mais com a formação da elite, mas com as preferências

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 34

dos educadores. Livros com sucesso de vendas eram, na verdade, proveniente das aulas

dadas pelos seus autores e, como eram professores sem formação específica, eles

representavam o método de ensino a ser aplicado (BITTENCOURT 2004).

A partir da segunda metade do século XIX os editores começam a se preocupar

com os alunos, principalmente com sua capacidade de leitura dos livros. Assim,

aperfeiçoaram a linguagem dos livros introduzindo ilustrações e novos gêneros

literários, destacando-se os livros “lições de coisas” e “lições de leitura”. Vale citar aqui

os comentários de Langlois e Segnobos (in PFROMM NETO 1974, 124) sobre os

compêndios de história de épocas anteriores: “Dava-se ao aluno um livro, ‘o compêndio

de história’: mas o compêndio, redigido do mesmo modo que o curso do professor, não

combinava com o ensino oral, de maneira a servir-lhe de instrumento; na realidade,

dobrava-o; e, quase sempre, dobrava-o mal, por ser ininteligível para o aluno”.

Dessa forma as editoras passaram a valorizar a experiência pedagógica do

escritor e a figura de autor “sábio” deslocou-se do tradutor para os melhores educadores,

mudança representada pela escolha de suas obras para uso nas escolas. A

heterogeneidade caracterizou a “nova geração”, por divergências inevitáveis, já que

eram produzidas obras tanto para os filhos dos grandes proprietários rurais como para os

alunos de classes menos favorecidas. Inicia-se, também, nesse período uma ênfase no

ensino primário no qual “o amparo ao ensino, antes limitado aos níveis superiores e

secundários, começou a favorecer a escola primária. Projetos de reforma, leis e medidas

adotadas durante o Império refletem a preocupação com esta última”. (PFROMM

NETO 1974, 169)

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 35

CAPITULO 2

2. História da disciplina: um recorte para a Física

Como salientamos, para realizar a análise do conteúdo dos livros didáticos

devemos levar em consideração as influências que participaram na sua caracterização.

Uma das principais influências é a disciplina, uma vez que o livro foi criado em função

e a partir dela. Além disso, sabemos que a disciplina está diretamente relacionada com

as tendências educacionais de cada época já que ela é organizada de acordo com suas

necessidades.

Levando em consideração esses pontos pretendemos explorar nesse capítulo as

várias transformações que a disciplina Física sofreu ao longo dos anos. Isso se torna

necessário, pois insere o livro didático no contexto de cada época, ou seja, não podemos

classificar o livro como superficial ou complexo uma vez que ele foi criado para

satisfazer necessidades de estabelecimentos específicos de épocas específicas. Uma

forma de analisar essa influência em particular é explorar como a disciplina Física era

tratada nos estabelecimentos de ensino.

No período escolhido para análise neste trabalho surgiram muitos

estabelecimentos importantes, principalmente àqueles ligados ao Ensino Militar,

Médico e Jurídico, assim como instituições importantes na caracterização do currículo

disciplinar brasileiro como o Colégio Pedro II e os Liceus Provinciais. Dividimos a

discussão sobre esses estabelecimentos em duas partes. A primeira sobre o ensino

secundário escolar representado pelos Liceus, estabelecimentos particulares e o Colégio

Pedro II no qual inicialmente a Física teve uma singela presença curricular e a segunda

com o Ensino Militar, Politécnico e Médico, no qual a Física sempre esteve presente. A

análise está em ordem cronológica em cada uma das partes. A divisão se tornou

necessária devido ao enfoque do ensino científico ser diferente em cada grupo. Fizemos

o levantamento, na medida do possível, a partir de visitas às bibliotecas na Escola

Politécnica, na Faculdade de Direito e na Faculdade de Medicina todas, atualmente, da

Universidade de São Paulo, uma vez que são referências em seu ensino desde sua

criação. Para complementar, foram realizadas pesquisas em fonte secundárias que

auxiliaram na caracterização da disciplina Física em outros estabelecimentos.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 36

Além disso, como já destacamos, na medida do possível apresentaremos os

programas curriculares que foram encontrados em nossas visitas e alguns currículos

encontrados em bibliografias secundárias.

Trabalhando dessa forma queremos deixar claro como se articulou o ensino e

buscar evidencias para compreender algumas particularidades dos livros adotados, tais

como: a quem se destina, que tipo de ensino pretendiam alcançar, a que nível de ensino

ele estava destinado e se satisfaziam as necessidades intelectuais da época. Isso é

necessário para que tenhamos informações suficientes para posteriormente analisar o

conteúdo de Cinemática dos livros, evitando conclusões precipitadas e anacronismos.

2.1 O ensino secundário: Liceus, preparatórios e o Colégio Pedro II

Como salientamos no capítulo 1 a idade é um dos fatores primordiais que

diferenciam as finalidades de uma disciplina. A principal diferença na transmissão do

saber está entre as crianças e adolescentes de um lado e os adultos do outro, ou seja, o

saber do primário e secundário diferem do superior. As disciplinas de ensino superior

transmitem diretamente o saber “o mestre ignora a necessidade de adaptar a seu público

os conteúdos de acesso difícil, e de modificar esses conteúdos em função das variações

de seu público: nessa relação pedagógica o conteúdo é invariante (...) não leva em

consideração o fenômeno recente da ‘secundarização’ do ensino superior: mas

justamente esta expressão ilustra bem a consciência profunda de uma diferenciação

clara entre esses dois tipos de ensino” (CHERVEL 1990, p. 185).

Do outro lado temos as disciplinas escolares, preocupadas com a mistura cultural

e a formação do espírito e seu funcionamento não é exclusivamente efeito das

exigências dos processos de comunicação, mas também de uma pedagogia. Partindo

desse pressuposto percebemos que a história da disciplina não deve abranger a

totalidade dos ensinos, pois sua especificidade encontra-se na idade escolar. Por isso,

inúmeras vezes nesse trabalho iremos nos restringir somente às disciplinas de caráter

secundário encontradas nos currículos do ensino superior, principalmente nos currículos

dos ensinos Politécnico, Militar e Médico.

O termo “secundário”, ao longo da história, assumiu designações para diversos

níveis de ensino. Na França, por exemplo, foi utilizado para representar esses diferentes

níveis durante o século XIX. Em alguns casos ia até as classes de gramática e, em

outros, até ensinos do nível ginasial (CHEVEL 1992).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 37

A principal denominação do termo secundário foi utilizada para designar os

estudos da Universidade criada por Napoleão pelos decretos de 1806 e 1808 e que

distinguiam o primário do secundário por meio das disciplinas que ensinavam e de uma

taxa paga pelos estabelecimentos e pelos alunos8. A intenção era criar uma barreira

sócio-cultural estendendo o limitado ensino primário e gratuito somente à classe

trabalhadora enquanto que o secundário se destinava às classes ricas, fato que iria

perdurar por muitas décadas (CHERVEL 1992).

Essa divisão de classes sociais por meio dos níveis de ensino e da especificidade

das disciplinas ensinadas não foi exclusividade só da França. Na década de 1840, na

Grã-Bretanha, um projeto chamado “A Ciência das coisas simples” criado por Richard

Dawes teve um início promissor no ensino elementar daquele país. Com o intuito de

ensinar ciência a partir do conhecimento das coisas familiares provou ser muito bem

sucedido parecendo se tornar a versão mais importante do currículo científico do ensino

elementar. Porém seu sucesso, na década de 1850, foi suprimido por meio de diversas

modificações. Entre elas destacamos a passagem das ciências de obrigatória para

optativa no currículo e a drástica diminuição da oferta de professores que resultaram na

destruição do projeto. Segundo Goodson (1999, p. 123) podemos concluir que a escola

foi “gradativamente reconstruída e reorganizada de forma a solapar todos os esforços

que visassem a educação das classes inferiores (...) uns vinte anos mais tarde, a matéria

de ciências reapareceu no currículo da escola elementar (...) uma versão de ciências pura

de laboratório fora aceita como a forma correta de ciência, forma que suprimia os

objetivos utilitários e destacava o saber, a pesquisa pela pesquisa e as diferenças entre

conceitos físicos abstratos e o mundo da experiência cotidiana”.

No Brasil esse caráter em formar a elite também esteve presente. Iniciado pelos

jesuítas no século XVI, o ensino no Brasil toma novo rumo em 1759 quando o ministro

Sebastião José de Carvalho e Mello, conhecido como D. José I, tira o direito dos jesuítas

de ensinar, decretando sua expulsão e ocasionando uma desorganização das estruturas já

montadas. No mesmo ano são criadas as aulas régias que eram ministradas na casa dos

próprios educadores sendo eventualmente usadas algumas instalações que foram

ocupadas pelos jesuítas. Em 1772 houve uma reforma que reforça e amplia as

8 Quem pagava essa taxa eram somente os estabelecimentos e os alunos que estudavam o latim, ficando bem definido quem estava no primário ou secundário. Isso reprimia os donos dos estabelecimentos que se beneficiavam do termo “ensino secundário” para se promoverem, pois agora deveriam decidir se suas escolas iam ou não ensinar o latim.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 38

providências das aulas régias criadas em 1759, caracterizando essas duas datas como os

momentos que efetivaram o sistema (CARDOSO 2004).

Em 1800, o Seminário Episcopal de Olinda apresentou, por intermédio de seu

fundador, o Bispo Azeredo Coutinho, um projeto no qual dava ordenação lógica e

gradual às disciplinas, a duração do curso e o regime de agrupar os alunos em classes.

Esse documento foi um marco na renovação educacional, principalmente pela ênfase e

introdução no currículo das cadeiras de Física, Química, Mineralogia, Botânica e

Desenho (ALMEIDA JUNIOR 1979; VECHIA 2005).

Porém, o ensino das ciências não teve um expressivo papel no ensino, afinal

havia uma grande necessidade de formar a elite intelectual que iria governar o país.

Nesse período de todas as ciências exatas a única que compunha o currículo era a

matemática e isso se explica devido essa disciplina estar diretamente relacionada com as

atividades cotidianas. Disciplinas como Física, Química e Biologia quando faziam parte

de algum quadro de disciplinas, ou eram pouco freqüentadas ou simplesmente não eram,

ou seja, o ensino nesse período tinha fortes raízes nas disciplinas de base humanística,

pois o estado imperial estava preocupado com a formação de uma elite burguesa. Foi

em função de atender essas necessidades que as disciplinas necessárias para ingresso no

ensino superior, chamadas preparatórios, e as aulas lecionadas eram necessariamente de

caráter humanístico-literário, não exigindo, portanto, os estudos das ciências naturais.

Foi a chegada de D. João VI que iniciou esse processo, através do ensino

superior e da autonomia política que iria culminar na independência do Brasil. A partir

do governo de D. Pedro I inicia-se a transferência de poder para um grupo de elitistas,

com acréscimo dos "letrados" aos cargos administrativos e políticos do quadro

funcional do Estado. As Faculdades de Direito, de São Paulo e Recife, criadas em 1827,

passam a formar esses futuros funcionários do governo preparando-os para os encargos

político-burocráticos e as profissões liberais. Devido a essa necessidade o ensino

secundário tinha um forte caráter humanístico9 (OLIVEIRA 2007). Disciplinas como

retórica, línguas, filosofias etc tinham como função desenvolver o intelecto dos

indivíduos a fim de capacitá-los para o ensino superior, dando ao ensino secundário um

caráter propedêutico. Disciplinas de caráter científico não tinham uma função nesse

processo ficando praticamente excluídas do currículo. Ou seja, o currículo dessa época

9 Tudo indica que essa tradição humanística já vem do século XVII por meio do ensino jesuítico. A valorização para o estudo das letras pelos jesuítas é destacada por Valente (1997) além do ensino científico e matemático representarem estudos inúteis e desnecessários.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 39

tinha um enfoque “em textos de longa tradição e sobre a língua necessária à

comunicação, à persuasão, suporte indispensável, até mesmo consubstancial, do

pensamento. A língua integra o indivíduo em uma elite, em uma nação, em uma cultura,

que ele partilha ao mesmo tempo com seus ancestrais e com seus contemporâneos10”

(CHERVEL 1999, p. 149).

Vale ressaltar ainda que nessa época não era necessária a formação de

indivíduos para um desenvolvimento tecnológico, já que a mão-de-obra era

exclusivamente escrava, inibindo a necessidade de um desenvolvimento na área

tecnológica11. A economia nacional estava apoiada a algum tempo na exploração da

lavoura de café e na cana de açúcar inibindo qualquer tipo de instrução técnica e de

pesquisa científica (TELLES 1984)12.

Apesar disso no início do século XIX, nos Liceus ou escolas de segundo grau

encontramos a Física no quadro de disciplina do ensino secundário: “No segundo ano se

ensinarão os princípios de álgebra ordinária, os elementos de trigonometria, os

princípios gerais de trigonometria, os princípios gerais de mecânica e física geral, dando

de todas essas ciências noções puramente elementares” (MOACYR 1936, p. 151).

Mesmo existindo cadeiras de Física, seu ensino tinha uma pequena expressão na

época. Ainda nas primeiras décadas do século XIX, observamos no quadro das

disciplinas preparatórias do curso Jurídico e Médico que a Física ou Química não foram

citadas. Por exemplo, na matrícula do curso Jurídico de 1825 era necessária “certidão de

exame e aprovação das línguas francesa e latina; de retórica, filosofia racional e moral;

aritmética e geometria” (MOACYR 1936, p. 322). Em 1830 para a matrícula na

10Dessa forma, decorava-se, em latim, textos de grandes autores clássicos como Ovídio, Horácio, Virgílio, Homero, Tito Lívio, Cícero etc além de serem exercícios de composição. Tratava-se portanto de formar a elite social, formar homens e não somente bacharéis. (CHERVEL 1999). 11 Apesar do grande empenho para o desenvolvimento industrial no Brasil foram inúmeros os fatores que contribuíram para que esses objetivos fossem ofuscados. Temos como principais fatores: Falta completa de pessoal habilitado, tanto no Brasil como em Portugal; falta de capitais internacionais; falta de carvão; falta quase total de meios de transporte terrestre o que encarecia tanto as matérias-primas como a produção industrial; resistência dos senhores de terra que por muito tempo dominaram nosso cenário político; e por último e mais influenciador estavam os contratos comerciais com a Inglaterra que favoreciam enormemente os produtos vindos daquele país (TELLES 1984). 12 Apesar disso temos algumas exceções. A Escola de Minas de Ouro Preto que fundada em 1872 foi um exemplo e teve como principal motivo uma decisão política do Imperador D. Pedro II. Com certeza seu apoio decidido em manter a escola foi crucial para que a escola sobrevivesse às inúmeras críticas dos políticos e à falta de tradição desse tipo de ensino (TELLES 1984). Em anexo apresentamos um programa curricular da Escola de Minas de Ouro Preto encontrado na Biblioteca da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Apesar de transcrevermos somente a parte de cinemática podemos perceber o enciclopédico currículo e também o detalhamento na abordagem do conteúdo.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 40

Medicina exigia-se “ter pelo menos 15 anos e feito exames de latim, francês, inglês,

lógica, aritmética, geometria e álgebra” (MOACYR 1936, p. 322).

Em 1841, por exemplo, o ensino de matemática e ciências (aritmética, álgebra,

zoologia e botânica, geometria, trigonometria retilínea, física e química, geografia,

matemática e cronologia, mineralogia e geologia, zoologia filosófica) tinha apenas 19

aulas semanais, representando 10,2% do total das disciplinas semanais (PILETTI 1987).

Aos médicos bastavam “saber latim, qualquer das línguas francesa ou inglesa, filosofia

racional e moral, aritmética e geometria” (BRASIL 183213 apud HAIDAR 1972, p. 48).

Os estudantes pretendentes ao curso jurídico de São Paulo e Olinda não precisariam

saber geografia e ciências naturais, pois não haviam exames dessas matérias (PILETTI

1987).

Dessa forma o ensino secundário tinha um objetivo específico e de grande

importância para o Império influenciando tudo que o cercava. O objetivo era capacitar,

ou preparar, indivíduos para o ensino superior. Sendo assim, o “grau” inferior acaba

tendo uma função de preparatórios. Foram os “exames parcelados” que determinavam o

que seria ensinado nos preparatórios e, obviamente, quem controlava esses exames era o

Império. O que se viu então foi uma educação que se restringia somente às disciplinas

preparatórias. O ensino era realizado por meio de estabelecimentos provinciais ou

particulares que, no início, ajustavam-se de acordo com essas disciplinas (PILLETI

1987).

“A função atribuída aos estudos secundários, encarados no Império, quase que

exclusivamente, como canais de acesso aos cursos superiores, os reduziram de fato aos

preparatórios exigidos para a matrícula nas Faculdades. Consubstanciando os requisitos

mínimos necessários ao ingresso nos estudos maiores, os conhecimentos requeridos nos

exames preparatórios constituíram o padrão ao qual procuraram ajustar-se os

estabelecimentos provinciais e particulares de ensino secundário” (HAIDAR 1972,

p.47).

No ano de 1834 importantes mudanças aconteceram no quadro educacional do

país. Surgiram no século XIX os liceus provinciais atendendo a reivindicações de

descentralizações que abalaram o país na forma de movimentos separatistas. O ato

13 Lei de 3 de outubro de 1832.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 41

Adicional de 1834 deu aos grupos radicais a responsabilidade de manter a ordem e a

integridade do Império14 (VECHIA 2005).

Esse Ato, em seu artigo 10, instituía uma competência do Império e outra local,

provincial, que possibilitava a criação de dois sistemas paralelos: o geral e o provincial.

A Assembléia provincial tinha a liberdade para atuar em sua área com exceção do

ensino superior. Além disso, o Ato conservava à Assembléia geral o direito de legislar

sobre qualquer instrução pública e estabelecimentos próprios (HAIDAR 1972).

Porém, a participação direta do Império se restringiu somente ao Município da

Corte e, para manterem as influências no ensino secundário, proibiram as províncias de

criarem estudos superiores, conservando a exclusividade. Como o ensino secundário se

destinava exclusivamente em preparar o candidato para as escolas superiores, eram

reproduzidas em seu currículo o conjunto de disciplinas fixadas pelo Centro. De uma

forma geral a descentralização provocada pelo Ato Adicional era “controlada”, mesmo

que indiretamente, pelos exames e disciplinas preparatórias para o ingresso no ensino

superior (PILETTI 1987).

Pegando o ensino de humanidades sem nenhuma estrutura, em suas primeiras

tentativas de dar organicidade, criaram-se colégios e liceus, sendo um deles o Colégio

Pedro II. Ex-seminário São Joaquim, o Colégio Pedro II introduziu, por meio do

regulamento de 31 de janeiro de 1838, o estudo seriado e organizado de 6 a 8 anos, a

exemplo dos colégios franceses. Sendo o primeiro colégio de instrução secundária no

Brasil, o Colégio Pedro II foi criado para ser modelo para os demais estabelecimentos

de ensino, das aulas avulsas e dos estabelecimentos de ensino particular.

“Após a inauguração, em 1838, o Colégio Pedro II passou a desempenhar o importante papel de preparar alunos para os cursos de nível superior. O grau de Bacharel por ele conferido dava ao aluno o direito de ingressar em qualquer curso superior do Império sem prestar novos exames (...) Para admissão no Colégio, em 1838, era exigida idade de 8 a 12 anos, saber ler, escrever e as quatro primeiras operações, atestado de bom procedimento dos Professores ou Diretores da Escola que houvesse frequentado e ter tido ‘bexigas naturaes ou vaccinadas’. Só era permitido o ingresso de alunos do

14 Após a abdicação de D. Pedro I em 1831, sob o regime Regencial, o Império estava convulsionado por movimentos separatistas – as Cabanagens, a Balaiada e a Revolução Praieira reivindicavam ações descentralizadoras que ameaçavam a integridade da nação. O Ato Adicional de 1834 conseguiu unir tendências radicais e conservadoras, mantendo o poder Moderador, a vitaliciedade do Senado, extinguindo o Conselho de Estado; deu maior autonomia às províncias, criou as Assembléias Legislativas Provinciais, atribuindo-lhes deveres com respeito à educação, desta forma descentralizando o sistema educacional (VECHIA 2005, p. 82).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 42

sexo masculino, em todo o período deste trabalho”. (SAMPAIO 2004, p. 28)

O Colégio Pedro II representa a primeira tentativa oficial de introduzir o ensino

das ciências exatas, porém pelo fato de não serem disciplinas preparatórias não tiveram

expressão em seu currículo até 1870. O regimento do Colégio explicitava a função de

cada um, desde o diretor até os empregados. Também estava descrito minuciosamente o

programa curricular de cada disciplina e até os livros didáticos que deveriam ser

adotados. Podemos observar a fidelidade ao modelo francês quando observamos os

programas curriculares e também os livros sugeridos. Dos 23 livros, 18 eram franceses

(SAMPAIO 2004).

Na verdade a partir do Ato Adicional criaram-se dois sistemas paralelos: o

regular, oferecido pelo Colégio Pedro II, e eventualmente pelos Liceus provinciais; e o

irregular, mantido pelos estabelecimentos particulares, constituídos pelos preparatórios

e exames parcelados (PILETTI 1987). Esse sistema se estendeu por todo o período

monárquico até o início da República.

A partir disso, o que tivemos foi um grande domínio dos cursos preparatórios,

pois era a maneira mais rápida de se ingressar no curso superior sem as dificuldades do

Colégio Pedro II. “As disposições do Governo relativas aos preparatórios não se

limitaram a tolher a iniciativa provincial, invalidando seus esforços no sentido de

ampliar o plano de estudo dos Liceus. O sistema de exames parcelados, propiciando a

fragmentação dos estudos, os desmandos das bancas examinadoras favorecendo a

fraude e estimulando a descúria e a não validade dos exames realizados nos Liceus

provinciais para a matrícula nos cursos superiores, acabaram por aniquilar totalmente o

ensino público provincial” (HAIDAR 1972, p. 71).

Na verdade a influência dos preparatórios era tão grande que influenciava até o

ensino no Colégio padrão da época, o Colégio Pedro II. Devido ao seu enciclopédico

ensino muitos alunos ou migravam para os estabelecimentos particulares que

lecionavam as disciplinas preparatórias ou prestavam os exames parcelados e

ingressavam no ensino superior sem concluir o curso no Colégio Pedro II. A seguir

temos a tabela 3.1 organizada por Sampaio (2004, p. 31) com o total de alunos formados

nos respectivos anos:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 43

Tabela 3.1: Número de alunos formados por ano no Colégio Pedro II ANO EXTERNATO INTERNATO TOTAL 1843 08 1844 05 1845 11 1846 06 1847 08 1848 10 1849 32 1850 19 1851 20 1852 14 1853 22 1854 14 1855 08 1856 11 1857 05 1858 10 02 12 1859 06 00 06 1860 06 04 10 1861 05 01 06 1862 08 06 14 1863 10 08 18 1864 08 08 16 1865 07 17 24 1866 09 10 19 1867 10 07 17 1868 03 04 07 1869 03 05 08 1870 06 06 12 1871 07 05 12 1872 05 03 08 1873 03 03 06 1874 08 04 12 1875 06 07 13 1876 09 07 16 1877 07 09 16 1878 03 02 05 1879 00 04 04 1880 04 04 08 1881 06 06 12 1882 08 08 16 1883 02 02 04 1884 01 01 02 1885 01 01 02 1886 00 00 00 1887 07 05 12 1888 06 05 11 1889 13 11 24

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 44

Podemos perceber que o ensino no Colégio Pedro II foi fortemente influenciado

pelos exames preparatórios. No anexo 1 do trabalho organizamos os currículos do

Colégio Pedro II destacando o conteúdo de Cinemática. Lá podemos perceber mais

claramente como o fato da disciplina ser preparatória ou não está diretamente ligada à

ênfase que se dá em seu currículo. Por exemplo, no programa de 1858 são elencados 20

tópicos enquanto no ano de 1926 temos 144 tópicos para o conteúdo total de Física

(VECHIA & LORENZ 1998).

Apesar de menos expressivo, na década de 1850 já havia preocupações em

preparar os alunos para as carreiras industriais e comerciais. A idéia não era criar Liceus

paralelos, mas reservar aos primeiros anos do curso do Colégio Pedro II ao ensino

científico e para as séries superiores o aprimoramento da formação clássica. Com o

tempo o enfoque humanístico sofreu inúmeras influências que visavam uma abordagem

mais científica do currículo. Devido às necessidades do desenvolvimento crescente da

indústria na Europa, a abordagem de ensino naqueles países tinha uma forte tendência à

formação comercial, industrial e agrícola15. Porém essas reivindicações tinham pouca

expressão devido à cultura humanística que dominava a época.

Em 1852, por exemplo, o então ministro Antônio Gonçalves Dias foi

encarregado pelo Imperador de visitar algumas das principais províncias do Norte e

relatar sobre a instrução pública. Em seu relatório encontramos dados importantes no

que diz respeito ao ensino de Física. Sobre os Liceus, Dias constatou que apenas no

Liceu da Bahia existia Física (ensinada juntamente com Química)16 e ainda ressalta que

“em todos estes Liceus, ainda mesmo no da Bahia, no qual confere o grau de Bacharel,

não são as matérias distribuídas por diferentes anos. Cada aluno estuda o que quer e

como quer (salvo uma variável subordinação de matérias) e concluindo os seus estudos

no tempo em que pode. O grau, concedido pelo Liceu da Bahia, não dá senão

preferência para provimento de empregos provinciais” (ALMEIDA 1989, p. 349). Ele

ainda destaca que:

15

A influência européia no ensino científico teve um importante papel no ensino brasileiro inclusive nos livros didáticos. O decreto de 24 de janeiro de 1856, por exemplo, fixou os programas e indicou os compêndios. Os programas, muitas vezes, eram uma descrição exata do que se encontrava nos livros franceses. No caso particular da Física esses currículos tiveram um importante papel no desenvolvimento dos estudos científicos com a introdução das experiências e demonstrações. Nessa época como não existiam livros didáticos brasileiros de Física “adotaram-se para o estudo das ciências físicas e naturais, da história e geografia e da filosofia, compêndios franceses” (HAIDAR 1972, p. 116). 16 Fizeram parte de seu relatório os Liceus da Paraíba, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará e Rio Grande.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 45

“o grande inconveniente da nossa instrução secundária é de não se ocupar de outra coisa senão de preparar moços para a carreira médica ou jurídica. Os nossos Liceus são escolas preparatórias das Academias, e escolas más; porque além de se não exigir para encetar as carreiras científicas o grau de Bacharel em Letras, os exames de preparatórios na Academias são feitos por tal forma que a maior parte dos Acadêmicos no fim do 2º ou 3º ano esqueceram totalmente, ou apenas conservam noções superficiais do que nas escolas secundárias aprenderam. A insuficiência destes estudos, a facilidade de tais exames nas Academias, o meio por que sabemos que se podem fazer, são outros tantos obstáculos para que prosperem os Liceus. Se algum deles tem querido introduzir no quadro do ensino secundário noções de ciências naturais e exatas como as matemáticas puras, a química, a física, a botânica, a agricultura, a agrimensura, vêem definhar esses estudos, porque não são necessárias para nenhum grau literário. As duas cadeiras de química e física e a botânica e agricultura da Bahia contam com um aluno apenas”.

(Gonçalves Dias apud ALMEIDA 1989, p. 349)

Gonçalves Dias comenta também sobre o curso de Mecânica aplicada às artes do

Arsenal de Guerra da Bahia.

“O professor leciona em dias alternados em um ano as matérias do 1º e 3º, e no seguinte as do 2º e 4º. Conta esta escola dois alunos apenas, e há 6 anos só dois concluíram o curso, que é o seguinte:

1º ano – Aritmética e Álgebra – Bejout

2º ano – Geometria

3º ano – Estática Dupin

4º ano – Dinâmica

Esta aula é pouco freqüentada, talvez por estar colocada em um recanto da cidade, mas principalmente, por nenhuma vantagem se oferece aos que completam o curso; e porque o ensino, além de ser todo teórico é – em Matemáticas – muito superficial, e em Estática e Dinâmica – não passa do que se pode aprender em qualquer aula de Física”.

(Gonçalves Dias apud ALMEIDA 1989, p. 349).

Em outra colocação Gonçalves Dias ressalta que “a Química, a Física, o desenho

de Arquitetura, paisagem e figuras, não são simultaneamente proveitosos em todos os

ofícios: para uns são algumas dessas matérias – inúteis – e para outros bastariam destas

ciências os princípios e regras práticas, que em uma boa oficina se aprendem”

(Gonçalves Dias apud ALMEIDA 1989, p. 352).

Page 46: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 46

Em outro relatório de 1870, o conselheiro Paulino José Soares de Souza

identificou vários detalhes sobre a instrução pública no Brasil. Por exemplo, “os

estabelecimentos públicos de instrução secundária foram supressos nas províncias de

Rio de Janeiro, Minas Gerais e Sergipe, que conservavam apenas os currículos isolados

de Latim, Francês e Inglês (...) na maior parte das províncias, o ensino secundário

limita-se ao estudo das línguas modernas mais usuais e línguas mortas como preparação

às diversas áreas e humanidades. As noções de Física, Química e outras são pouco

ensinadas.” (ALMEIDA 1989, p. 121).

Apesar de ser uma disciplina sem expressão, o ensino das ciências naturais era

requisitado por pessoas do Império. Na década de 1870 o conselheiro João Alfredo

pedia o ensino das ciências até mesmo no ensino primário. Segundo Almeida (1989, p.

166) João Alfredo recusava o argumento de que “a tenra idade dos alunos oponha-se à

extensão do ensino primário. Nas escolas já existentes, aprende-se a ler, a escrever e a

contar. Pedimos que em Física, Química, História Natural, conduzam-se até as quatro

operações matemáticas de Aritmética. Os elementos destas ciências não são mais

difíceis que os da ciências matemáticas (...) em muitos estabelecimentos estrangeiros,

franceses, suíços, alemães, há muito, ensinam-se as noções elementares que nós

reclamamos”.

Apesar disso a falta de freqüência e interesse pela disciplina Física se estendeu

por mais alguns anos. A tabela 3.2 abaixo representa as inscrições dos alunos em Física

nos respectivos anos no Liceu Literário Português (HAIDAR 1972).

Tabela 3.2: Total de inscrições nos respectivos anos no Liceu Literário Português. ANOS FÍSICA TOTAL DE INSCRIÇÕES

1881 0 724

1882 0 885

1883 0 1080

1884 7 2375

1885 7 2526

1886 0 1211

1887 0 2127

Outra tabela 3.3 organizada por Haidar (1972, p. 75) sobre as matrículas do ano

de 1883 mostra que a pouca freqüência não é uma particularidade do Liceu português.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 47

Tabela 3.3: Total de inscrições nos estabelecimentos de ensino do ano de 1883 DESIGNAÇÃO DOS

ESTABELECIMENTOS FÍSICA TOTAL DE INSCRIÇÕES

Liceus ou colégios do Estado 0 9 Liceus ou Ateneus provinciais 4 204

Aulas públicas avulsas do ensino secundário ou clássico

0 57

Pensionatos ou Colégios particulares

1 615

Aulas particulares do ensino secundário ou clássico

2 48

Escolas Normais 9 186 Seminários menores 2 91

Institutos de ensino profissional 2 30

Isso mostra que a disciplina Física era pouco freqüentada e difundida no ensino

secundário, já que não era exigida como preparatória na época. Sendo assim, até esse

período o ensino secundário em todo o país ficou reduzido, em geral, às disciplinas

exigidas para ingresso nos cursos superiores, mantinha ainda um caráter

predominantemente humanístico e literário dos primeiros tempos do Império. De fato,

permaneceram praticamente os mesmos até a República os preparatórios exigidos para a

matrícula nas Faculdades de Direito e Medicina. Somente em 1887, de acordo com as

disposições dos Estatutos de 1884 foram acrescentadas aos preparatórios para Medicina

a língua alemã e noções de ciências físicas e naturais17.

Segundo o Ministério dos negócios do Império de 14 de outubro de 1886

“findando no próximo mez o prazo marcado no art. 562 dos estatutos da Faculdade de

Medicina relativamente a exigência dos preparatórios de allemão, trigonometria

retilínea e elementos de physica, chimica e história natural, necessários, nos termos do

art. 372 dos ditos estatutos, para a matrícula na 1ª série dos cursos da mesma

faculdade...” (EXAMES PREPARATÓRIOS 1886, p. 6). Ressalta ainda que os exames

que irão contar a partir de 1887 obedecerão a “ordem em que se mencionam aquellas

sciencias no plano de estudos do Imperial Collegio” (EXAMES PREPARATÓRIOS

1886, p. 9). Apesar de ser introduzida a disciplina Física nos preparatórios, demorou

algum tempo para que os alunos resolvessem encará-la no preparatório e também

seguissem carreiras de caráter científico. Isso aconteceu devido ao grande prestígio

adquirido ao longo do século pelo curso jurídico. 17 Os Estatutos da Faculdade de Medicina baixados com o decreto nº 9311 de 25 de outubro de 1884 fixaram os seguintes preparatórios para o curso de médico: português, latim, francês, inglês, alemão, italiano, aritmética, álgebra até equações do 2º grau, geometria, geografia, história, filosofia, retórica e poética. (HAIDAR 1972, p. 88).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 48

Agora o currículo científico começa a fazer parte do currículo nacional. Em um

primeiro momento nos vem a pergunta: quais os fatores influenciaram para que as

disciplinas científicas fossem introduzidas no ensino?

No final do século XIX inúmeros acontecimentos históricos ajudaram no

desenvolvimento das ciências exatas. A abolição da escravatura, a chegada de grande

contingente de imigrantes e a experiência de um novo regime político (República)

aconteceram exatamente na época do primeiro surto industrial. “O incremento da

industrialização, a crescente urbanização e a introdução de um contingente cada vez

maior de estratos médios e populares vão resultar na transformação da demanda social

pela educação, que organizada em distintos movimentos políticos, reclama a

organização de um sistema nacional de ensino” (OLIVEIRA 2007). Isso justifica a

introdução das disciplinas científicas no ensino secundário escolar, uma vez que, como

o mercado necessitava de pessoas com conhecimento científico, seus estudos passaram

a fazer parte da formação do estudante secundarista brasileiro. Ou seja, o enfoque

passou da retórica e escrita para a observação, fato que é contemplado no currículo

científico18.

Vemos então que inicialmente o currículo científico é inserido no secundário

visando suprir uma necessidade profissional, com formação específica para o emergente

mercado de trabalho que começara a surgir. Mais ainda “a ciência, com efeito, ensina a

seus adeptos que a felicidade e seu bem estar não se conquistam com vãs palavras, nem

por uma via puramente contemplativa e com práticas místicas e estéreis, não só para o

indivíduo como para a sociedade. Chega-se a ela pelo conhecimento exato dos fatos,

pela conformidade de nossos atos com leis verificadas sobre as coisas, e

conseqüentemente pelo exercício do poder humano sobre a natureza” (OLIVEIRA

2007). Carreiras como a dos engenheiros e dos médicos ganham ascensão e adeptos

entre os estudantes.

Algumas reformas atuaram na inserção do currículo científico. Por exemplo, a

Reforma de Benjamin Constant (decreto nº 891 de 8 de novembro de 1890), marcou-se

o início da ruptura com uma tradição de ensino humanístico (ALMEIDA JUNIOR

18 Esse novo currículo não abandona o ensino das humanidades, porém apresenta uma reestruturação em seu método de ensino. Na França, por exemplo, discute-se que esse currículo deveria se assemelhar à produção de cultura das línguas antigas, ou seja, destaca-se o papel dos exercícios de versão, tradução e composição para a formação intelectual do aluno. Então, essas línguas antigas são substituídas pelas línguas vivas estrangeiras e os textos oferecidos aos alunos são outros clássicos como Shakespeare, Goethe, Dante e Cervantes (CHERVEL 1999).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 49

1980). Porém, sobre essa Reforma Almeida Junior (1980, p. 56) destaca três críticas que

podem ser feitas em relação ao ensino científico promovido:

• “a primeira, se refere ao prejuízo que o estudo das ciências exatas sofreria

devido a diversidade e a abrangência do currículo;

• a segunda, diz respeito à idade dos alunos para os quais se lecionava Física. O

nível de abstração no estudo dos cálculos diferencial e integral estava fora do

alcance e da capacidade da maioria dos estudantes;

• a terceira, o ensino de Física se limitava a noções gerais com grande

superveniência de cálculos matemáticos sem nenhuma implicação

experimental”.

Apesar de haver ementas posteriores à reforma de 1890 a fim de promover um

ensino científico com implicações experimentais, a educação “ficou longe de realizar

uma legitima formação de cientistas por meio de profundos estudos das ciências exatas,

sem detrimento da parte experimental, que é a própria instrumentalização dessas

ciências” (ALMEIDA JUNIOR 1980, p. 59).

Não podemos esquecer que o ensino brasileiro ainda estava dividido em dois

regimes paralelos: o regular, pouco freqüentado e sustentado pelo Colégio Pedro II e o

regime dos cursos parcelados, isto é, por disciplinas, sendo este o ensino que

predominava.

“Durante toda a república velha perdurou a luta entre o regime regular e o regime parcelado. O primeiro regulamentado por decreto do Poder Executivo, baixados com autorização do Poder Legislativo, e o segundo sempre protelado por leis do Legislativo, geralmente atendendo aos interesses particulares”.

(PILETTI 1987, p. 51)

Nessa época o governo ainda exercia o controle do ensino secundário de forma

indireta, através do controle do ingresso nos cursos superiores e da equiparação

concedida aos estabelecimentos que seguissem as normas federais19. Várias tentativas

19 Em linhas gerais, no que diz respeito à equiparação de estabelecimentos de ensino secundário ao estabelecimento padrão da Capital PILETTI (1987,p. 45) identifica 4 fases: “1ª) De 1892 a 1911: a equiparação foi concedida tanto a estabelecimentos estaduais quanto a particulares, mediante o atendimento de determinadas condições. 2ª) De 1911 a 1915: Diante da total autonomia concedida aos estabelecimentos de qualquer tipo, a equiparação tornou-se desnecessária; 3ª De 1915 a 1931: Equiparação apenas para os estabelecimentos públicos estaduais e, a partir de 1928, municipais, e exames nos estabelecimentos equiparados ou juntas examinadoras oficiais para os estabelecimentos particulares; 4ª) A partir de 1931: oficialização, através da inspeção oficial, de todo o ensino secundário. A reforma Gustavo Capanema de 42 estabeleceu 3 tipos de estabelecimentos de ensino secundário: federais,

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 50

foram feitas para excluir os preparatórios e incluir o exame de madureza, que seria

prestado no final do curso integral e destinado a verificar se o aluno tinha condições

intelectuais para ingressar no ensino superior. Porém inúmeros adiamentos foram feitos

pelo legislativo e “de 1891 a 1900 uma seqüência de decretos, regulamentos e portarias,

instruções e avisos modifica substancialmente o plano de estudos e o regime de

equiparação adotado por Benjamin Constant (SAMPAIO 2004, p. 82 apud NAGLE

2001, p.188).

“Chega-se assim, ao ano de 1910, com o ensino secundário completamente dominado pelos preparatórios, cujos exames podiam ser feitos tanto nos estabelecimentos oficiais quanto nos particulares equiparados, o que resultava em verdadeira mercantilização de exames e títulos”.

(PILETTI 1987, p. 55)

Na década de 20 começou a se instalar no Brasil um grande movimento

ideológico que abriu novos horizontes para a democratização do ensino brasileiro

(ALMEIDA JUNIOR 1980). Por exemplo, a Reforma Rocha Vaz pelo decreto nº

16.782-A de 13 de janeiro de 1925 tornou obrigatória a cursar o ensino secundário para

ingresso no ensino superior. Até então essa etapa era determinada pelos preparatórios

(MACHADO 2002). Para o ensino de Física essa reforma também é importante pois

separa as disciplinas Física e Química20. Além disso, essa reforma “suprimiu o regime

de exames parcelados (art. 54), só permitindo exames nas matérias de cada ano do curso

seriado (art. 273) e facultou a constituição de juntas examinadoras, para cada série dos

cursos dos estabelecimentos particulares (art. 270), que não poderiam ser equiparados

(art 278)” (PILETTI 1987, p. 56) e garantiu a inscrição no vestibular21 para quem

obtivesse aprovação a partir do 5º ano do ginasial.

Outra reforma importante não só para o ensino de Física, mas para todo o ensino

brasileiro, foi a Reforma Francisco Campos de 18 de abril de 1931 (decreto nº 19890),

pois deu ao exame de admissão um caráter nacional, ou seja, em todo o país começou a

ocorrer uma seleção para ingresso no curso secundário (MACHADO, 2002). Dessa equiparados e reconhecidos consumando-se a total intervenção do Governo Federal no ensino secundário”. 20 É também a partir dessa data que os livros didáticos nacionais começam a mudar seu perfil. A axiomatização por meio da forte matematização começa a dominar a maior parte do conteúdo. Em nossas análises consideramos que a partir de 1925 os livros didáticos de Física começam a construção de seu conteúdo. Por exemplo, inicia-se a inclusão de exercícios, exemplos numéricos como ilustração, deduções matemáticas e gráficos. 21 O vestibular foi instituído na Reforma Rivadávia Correa (decreto nº 8659, de 5 de abril de 1911 e mantida pela Reforma Carlos Maximiliano (decreto nº 11530 de 18 de março de 1915) e nunca mais abolido.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 51

forma só seria oficialmente reconhecido o ensino secundário ministrado no Colégio

Pedro II e estabelecimentos sob regime de inspeção oficial e só poderiam escrever-se no

vestibular quem garantisse aprovação nos exames parciais e finais no curso regular de 7

anos. Com isso, o ensino secundário passa de “simples curso de passagem e

preparatório a uma instituição de caráter educativo-formativo” (ALMEIDA JUNIOR,

1980).

Além disso, a Reforma de 1931 dividiu o curso secundário em fundamental e

complementar. “Concluído o curso fundamental os alunos podiam optar por uma das

três alternativas oferecidas no curso complementar de acordo com a carreira pretendida:

1º curso jurídico; 2º curso de medicina, farmácia e odontologia; 3º curso de engenharia

e arquitetura. O curso complementar era na verdade um curso pré-universitário, no

sentido de que preparava os alunos para o ensino superior, com disciplinas obrigatórias

ligadas às suas diversas áreas” (PILETTI 1987, p. 62).

Apesar dessa Reforma ter como intenção o caráter formador dos cursos

secundários, o ensino continuava sem esse objetivo já que se tornava, cada vez, mais um

mecanismo de preparação ao curso superior. Dessa forma o ensino secundário brasileiro

se viu novamente como um preparatório para o ensino superior (ALMEIDA JUNIOR

1980).

Portanto, o ensino de Física no ensino secundário foi introduzido de forma lenta

adquirindo finalidades diferentes. Isso nos remete ao capítulo 1 no qual destacamos a

importância em se estudar a história da disciplina e explorar suas finalidades.

Analisando dessa forma podemos ter uma idéia da função que assume a disciplina e

perceber que a Física só torna-se importante quando adquire a finalidade específica de

formar o cidadão com um conhecimento científico para o emergente mercado industrial

e comercial. Dessa forma o ensino secundário torna-se uma introdução à formação

profissional para o curso superior subseqüente.

Observando o trajeto da disciplina Física no ensino secundário escolar,

levantamos a seguinte questão: Se a Física praticamente não participava desse currículo

durante todo o século XIX, existia algum estabelecimento que adotava os ensinamentos

científicos? Se existia qual era a finalidade de suas disciplinas? É o que vermos no

próximo tópico.

Page 52: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 52

2.2. Ensino Militar e Politécnico

O ensino científico no meio militar teve inicialmente uma forte ligação com as

táticas de guerra e com os armamentos bélicos uma vez que buscavam cada vez mais

poder nas armas e também uma maior eficácia em suas defesas. No século XVIII, já

com uma artilharia desenvolvida com armas e canhões, esses armamentos ganham

alcance e pontaria que no século XIX iriam participar do exército napoleônico. Essa

evolução implica também nas formas de fortificação já que a potência bélica ganhava

cada vez mais força. Com um nível técnico maior houve a necessidade de pessoas

qualificadas fazendo com que surgissem as aulas de artilharia e fortificação (VALENTE

1997, p. 31).

“O profissional formado pelas aulas de ‘Artilharia e Fortificações’ dá origem ao

engenheiro moderno. De seu ofício são exigidos: rapidez, solidez e economia. Tais

exigências representam frutos diretos de seus conhecimentos matemáticos. Do século

XVI até o final do século XIX, os dicionários são unânimes: o nome engenheiro se

aplica inicialmente ao engenheiro militar que é um oficial e um ‘matemático’”

(VALENTE 1997, p. 34).

No Brasil o início dessas aulas tem origem com sua própria necessidade de se

defender dos constantes ataques e possíveis guerras com países estrangeiros, sendo em

1648 feita a “contratação pela Corte Portuguesa de estrangeiros especialistas em cursos

militares, para virem ao Brasil ensinar e formar pessoal capacitado para trabalhar com

fortificações” (VALENTE 1997, p. 36).

Já no século XVIII com o Ensino Militar difundido foram criados vários cursos

dando espaço aos manuais didáticos. O interessante é que a Física se encontrava nos

livros de matemática. No livro “Novo curso de matemática” de 1725 escrito por Bélidor

nas últimas 3 lições do livro aborda-se conteúdos de Física.

“14. do movimento dos corpos e do lançamento das bombas

15. mecânica estatística

16. Hidrostática e hidráulica”.

(BÉLIDOR 1725 apud VALENTE 1997, p. 64)

Segundo Valente (1997) o texto reúne lições que hoje encontramos nos cursos

do ensino fundamental e médio.

Outro livro que também foi usado no Ensino Militar é o livro de matemática de

Bézout que é encarregado de escrever um curso de matemática, sendo sua obra dividida

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 53

em 6 partes das quais a quinta trata de Física: “I. Aritmética, II. Geometria, III. Álgebra,

IV. Mecânica, V. Continuação do curso de matemáticas. Tratado de navegação”

(VALENTE 1997, p. 72). Sendo assim, podemos perceber que, como a matemática, a

Física ensinada nas escolas também originou-se através dos estudos militares e, como

iremos ressaltar adiante, seu ensino teve grande expressão no ensino Militar brasileiro.

Vemos então que o curso militar tinha uma abordagem diferenciada do ensino

humanístico da época e foi criado para atender as necessidades específicas do meio

militar22.

“No campo educacional, pela necessidade de criar pessoal preparado para atender ao exército, o governo investiu no ensino superior. Foram criadas as Escolas de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador (1808), surgidas, inicialmente, como cursos de Anatomia e Cirurgia; a Academia de Guardas Marinhas (1808) e a Real Academia Militar (1810); a Academia de Artes criada originalmente como “de Ciências, Artes e Ofícios” e cursos esparsos de Comércio, Desenho, Mineralogia e Agricultura”.

(VECHIA 2005, p. 80)

No caso da Academia da Marinha, inaugurada em 1808, o curso tinha

“Matemática, Física, Artilharia, Navegação e Desenho. Exigia-se o conhecimento de

Francês para ser admitido” (ALMEIDA 1989, p. 47). Para a Academia Militar Real do

Rio de Janeiro fundada em 1810 “o plano de estudo era bem extenso e compreendia as

Ciências Matemáticas, a Física, a Química e Metalurgia, a História Natural,

Fortificação, Artilharia e Tática” (ALMEIDA 1989, p. 47).

Segundo Valente (1997) o ensino Militar teve um papel crucial na organização

das ciências exatas no ensino secundário e superior. É por meio dele que são feitos os

primeiros programas e definidos o conteúdo, ou seja, a separação do que é elementar do

que é superior. Valente (1997, p. 102) cita o exemplo da matemática “A criação da

Academia Real Militar estabelece no Brasil, a separação matemática

elementar/matemática superior. Já que a Academia Real dos Guardas-Marinha vai

solidificando um programa de estudos e conteúdos de nível elementar. Tanto uma como

outra dão contribuições decisivas para o que podemos chamar de matemática escolar

secundária (...) os conteúdos da matemática secundária ficam definidos quer seja pela

Academia Real Militar, através da matemática elementar necessária ao aprendizado da

22 Devido a isso foram inúmeras as resistências sofridas por esse ensino, não só por parte do chamado partido português do governo de D. João VI que não via qualquer progresso para o país e principalmente pela cultura da época no qual se predominava o ensino humanístico-literário (TELLES 1984).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 54

matemática superior, quer seja pela Academia Real dos Guardas-Marinha pela

necessidade de formação de profissionais do mar”.

Inicialmente os livros utilizados no Ensino Militar eram franceses, porque não

havia livros nacionais para esse ensino e, na maioria das vezes no idioma de origem, já

que os alunos estavam familiarizados com a língua francesa. Alguns livros adotados

são: “Lacroix, Legendre, Monge, Franceour, Bossuet, Lalande, Biot, Lacille, Puissant,

Haüy, Gay de Vernon, Chaptal, Flourcroy, de la Marillière, Curvier e outros”

(ALMEIDA 1989, p. 47). Uma exceção é o próprio livro de Física “Tratado Elementar

de Física” (1810) do Abade francês F. J. Haüy (1810) que foi traduzido para o

português. Sugerido desde a criação do Ensino Militar, sua adoção se estendeu por

várias décadas quando foi substituído em 1860 pelo livro de Ganot (MOTTA 1976).

Em 1810, a Academia Real Militar, criada por meio de uma iniciativa do

ministro dos negócios estrangeiros e da Guerra D. Rodrigo de Souza Coutinho a fim de

capacitar comandantes, visava além de um curso de ciências militares tanto na tática

como na fortificação e artilharia, um curso de ciências matemáticas e observação. No

dia 23 de abril de 1811, eram ministradas as primeiras aulas na escola do largo São

Francisco no Rio de Janeiro (MOTTA 1976).

A criação da Academia estava ligada primeiramente na qualificação de pessoas

para o exército, mas também em suprir as necessidades que iam aparecendo com o

inevitável desenvolvimento que ia se formando. A construção de estradas, rios largos,

pontes, portos etc era um verdadeiro desafio às técnicas de engenharia. Com isso a

mesma escola que cuidava das técnicas da guerra militar, se responsabilizou por outra

formação, a dos engenheiros (MOTTA 1976). Além disso, havia o desenvolvimento de

cunho bélico em função “de uma necessidade prática colocada pela sofisticação do

armamento. Dominar o uso dos novos artefatos de guerra implicava conhecer os

princípios da Física e da Química” (ALVES 2000, p. 126). Formação essa que ficou sob

a responsabilidade do Ministério da Guerra até 1874, quando foi criada a Escola

Politécnica.

Segundo Alves (2000), podemos afirmar que foi o Ensino Militar, ao lado do

Ensino Médico, foram os grandes pioneiros da introdução do ensino das ciências

naturais em nosso currículo. No Rio de Janeiro, muitos alunos dos cursos de Medicina

iam na Academia Militar buscar aulas de Química. Em uma época que predominava o

ensino humanístico essa posição por meio dos militares foi muito audaciosa devido ao

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 55

grande prestígio do curso de Direito e, como veremos, sofreu inúmeras restrições e

barreiras para seu desenvolvimento. Observando o Estatuto de 1810 da Academia

podemos verificar a forte abordagem no ensino das ciências exatas e também o estudo

da Física somente no 3º ano por meio da Mecânica e da Balística:

“1º ano: Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria e Desenho.

2º ano: Álgebra, Geometria, Geometria Analítica (com a designação de “aplicações da Álgebra à Geometria), Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Descritiva e Desenho.

3º ano: Mecânica, Balística e Desenho.

4º ano: Trigonometria esférica, Física, Astronomia, Geodésia, Geografia Geral e Desenho.

5º ano: 1) Tática, Estratégia, Castramentação, Fortificação de campanha e reconhecimento de terreno. 2) Química.

6º ano: 1) Fortificação regular e irregular, ataque e defesa de praças, Arquitetura civil, Estradas, Portos e canais. 2) Mineralogia e desenho.

7º ano: 1) Artilharia, Minas. 2) História Natural.

O primeiro ano era uma espécie de “curso preparatório”, um preâmbulo matemático de nível ginasial e colegial, destinado ao preparo para os estudos posteriores de Geometria Analítica, de Física e de Mecânica. Os segundo, terceiro e quarto anos constituíam um período de estudos acadêmicos, de grau superior, propedêutico para os estudos militares e de engenharia, situado nos três anos seguintes”.

(MOTTA 1976, p. 19, destaque nosso)

O primeiro ano era uma espécie de preâmbulo que servia de preparação para as

disciplinas nível superior dos próximos anos, incluindo as de Física. Esse modelo se

estendeu por muitas décadas, quando a escola militar se torna escola politécnica.

Apesar da Academia Real existir a partir de 1810 seus primeiros anos passaram

por dificuldades devido a falta de professores titulares, chamados lentes. “Em 1816 as

aulas de Física foram suspensas por falta de professores até que pudesse vir de Coimbra

um opositor ou bacharel. Em 1824 havia seis lentes para 12 cadeiras. Em 1828

afirmava-se a impossibilidade de se iniciarem as aulas por falta de professores. Em

1831, de treze cadeiras, só quatro possuíam lentes próprios. A convocação no meio

clerical tornou-se prática corrente para sanar as dificuldades” (ALVES 2000, p. 127).

Essas dificuldades se estenderam para os compêndios. Nesse Estatuto de 1810 foram

fixados os compêndios (franceses) que deveriam ser usados pelos professores a fim de

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 56

preparar seu próprio conteúdo ou seu “compêndio”. Como os lentes eram deputados,

sacerdotes e muitos ministravam mais de um curso isso não foi seguido, sendo apenas

traduzido os compêndios e na maioria das vezes sendo estudado pelos próprios alunos,

dificultando no entendimento já que os livros eram feitos para os professores. “De certa

forma o compêndio era o próprio programa” (MOTTA 1976, p. 96).

“Dois livros serviriam de base ao programa de Física, o de Hauy e o de Brisson e o lente deveria dar o máximo desenvolvimento ao estudo da ótica, com suas aplicações quanto aos óculos de refração e reflexão”.

(MOTTA 1976, p. 21)

A influência francesa não ficou somente nos compêndios. O decreto de 1839

manda organizar o Ensino Militar conforme os programas da Escola Politécnica de Paris

e a Escola de Aplicação de Metz. “Tomamos por norma dos nossos trabalhos os

programas das Escolas Politécnica e de Metz, como nos foi recomendando; mas apenas

podemos imitá-los quanto ao espírito que nele predomina, pela razão de que, podendo

considerar-se a escola brasileira como uma fusão de ambas aquelas, era seu mister

modificá-los quase na totalidade de suas disposições” (MOTTA 1976, p. 75).

Com isso o Ensino Militar ficou com dois enfoques, o militar e o das ciências

exatas. Percebemos isso na fala do Comandante da Academia Sebastião do Rego

Barros: “Veio ultimamente uma nova reforma; e a falar com franqueza não acho jeito na

tal reforma. Ou a escola é militar ou é uma academia de ciências, física e química; se é

academia física e química então não pode haver essa disciplina, essa ordem que deve

haver. A escola deve ser inteiramente militar; mas se acaso a assembléia lhe der nova

organização, então forme-se uma nova academia destacada, mas o que é militar deve ser

militar” (Anais da Câmara dos deputados 1843, p. 401 apud MOTTA 1976, p. 77).

Obcecado pela militarização da Academia, Barros chegou a mudar o currículo

no período de 1839 a 1842, incluindo disciplinas de caráter militar no primeiro ano.

Essa foi a única exceção do modelo curricular que foi criado em 1810 e perdurou até

1850. Na tabela 3.4 segue o currículo organizado por Motta (1976, p. 89) e que

reproduzimos somente até o quarto ano no qual estão as disciplinas de nosso interesse23:

23 O curso total é de 7 anos, com exceção do ano de 1833 e 1839 que são de 6 e 5 anos, respectivamente. Observamos que nesses dois anos há algumas disciplinas de caráter militar nos primeiros anos do currículo, sendo mais tarde deslocadas para os anos finais do curso. No quinto ano de 1832 há a disciplina Mecânica aplicada à artilharia e no sexto ano de 1833 há hidráulica e hidrodinâmica.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 57

Tabela 3.4: Quadro de disciplinas da Academia Real Militar até o quarto ano.

1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO

1832

Aritmética, Álgebra,

Geometria, Trigonometria e

Desenho.

Álgebra, Trigonometria,

Cálculo diferencial e integral, Geometria

Descritiva e Desenho.

Mecânica, Arquitetura, Física-

Química, Mineralogia e Pirotécnica.

Trigonometria Esférica, Ótica,

Astronomia, Geodésia,

Topografia e Navegação.

1833

Aritmética, Álgebra,

Geometria, Trigonometria e

Desenho.

Álgebra, Cálculo diferencial e integral,

Geometria Descritiva, Mecânica

e Desenho.

Tática, Estratégia, Castramentação, Fortificação de

Campanha, Artilharia, Física-

Química, Mineralogia e

Desenho.

Trigonometria Esférica, Ótica,

Astronomia, Geodésia e Desenho.

1839

Matemática Elementar, Operações

topográficas, Instrumentação

prática de infantaria e cavalaria e

desenho topográfico.

Tática, Fortificação passageria,

Castramentação, História Militar,

Instrução prática e Desenho Militar

Análise finita e infinitesimal,

Geometria Descritiva e Analítica e Física

experimental

Mecânica Racional, Cálculo das

probabilidades, Química-Botânica,

Desenho das Máquinas, Instrução Prática de Artilharia,

Engenharia e Estado-Maior.

1842

Aritmética, Álgebra,

Geometria, Trigonometria e

Desenho.

Álgebra superior, Geometria Analítica, Cálculo diferencial e

integral, Desenho.

Mecânica Racional e Aplicada, Física Experimental,

Desenho

Trigonometria Esférica,

Astronomia, Geodésia, Química-

mineralogia e Desenho.

1845

Aritmética, Álgebra,

Geometria, Trigonometria e

Desenho.

Álgebra superior, Cálculo diferencial e integral, Geometria

Descritiva, Geometria Analítica

e Desenho.

Mecânica Racional e Aplicada, Física Experimental,

Desenho

Trigonometria Esférica,

Astronomia, Geodésia, Química-

mineralogia e Desenho.

Observando o quadro de disciplinas de 1832 até 1850 percebemos que o ensino

de ciências foi efetuado basicamente nos terceiros e quartos anos. Concordamos com as

conclusões de Motta (1976) sobre o caráter preparatório dos primeiros anos e o ensino

propedêutico dos segundos, terceiros e quartos anos, em função das disciplinas militares

do restante das séries. A formação ainda era diversificada e dependia da carreira a ser

seguida:

“... o oficial de infantaria e cavalaria apenas necessitava de conhecimentos elementares de matemática e técnica profissional; que o de Artilharia e o de Engenharia deveriam acrescentar, a esses conhecimentos, estudos de Matemática superior, de Ciências da natureza, de Geodésia e de Astronomia, ao lado de estudos

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 58

profissionais-militares mais desenvolvidos (...) engenheiros e artilheiros estudavam tudo o que era ministrado à infantes e cavaleiros. Dir-se-ia que a noção de arma era menos de ramo, ou especialidade de ensino, do que de nível ou grau de ensino: para a infantaria e a cavalaria, nível elementar, para a artilharia e engenharia, nível superior. É possível, a esta luz, afirmar que todos se habilitavam par agir no âmbito da infantaria, que os artilheiros e engenheiros eram uma espécie de infantes com estudos profissionais mais extensos”.

(MOTTA 1976, p. 95)

Na década de 1850 o Ensino Militar cresce, sendo criada várias instituições.

Destacamos a unidade no Rio Grande do Sul criada em 1851, A Escola na Praia

Vermelha no Rio de Janeiro em 1855 e a Escola de Tiro em Campo Grande em 1859. A

unidade da Praia Vermelha, em particular, surgiu como um complemento à Escola do

Largo São Francisco recebendo o nome de Aplicação, referência ao seu destino que era

ministrar o ensino técnico-profissional. Entre 1855 e 1874 adquiriu grande expressão,

até chegar a assumir as responsabilidades da Escola Militar do Largo São Francisco que,

na época em questão, acabara se transformando na Escola Politécnica (ALVES 2000).

Em 1856, a escola da Praia Vermelha apresenta um currículo dividido em

prático e teórico, com ensinos de Física somente neste último:

“1. Ensino teórico:

1) Aula provisória: Aritmética, Álgebra elementar, Geometria Elementar, Metrologia, Princípios de Geometria Analítica a duas dimensões, compreendendo a Trigonometria Plana.

2) 1º ano: Topografia Militar, Tática, Castramentação, Estratégia, Fortificação de Campanha, Elementos de Estática e

Dinâmica com aplicação à balística no vácuo, História Militar, e noções de Direito das gentes e de Legislação Militar.

3) 2º ano: Balística no meio resistente. Fortificação Permanente. Ataque e defesa de praças e fortificação subterrânea, Arquitetura Militar.

(MOTTA 1976, p. 136, destaque nosso)

Nesse currículo, há algumas disciplinas do primeiro e segundo anos que foram

transferidas dos quinto e sexto anos da Escola Central do Largo São Francisco. Este

currículo mostra que os alunos militares teriam que freqüentar cursos nas duas escolas:

“1º) Os de infantaria e de cavalaria cursariam o primeiro ano do Largo São Francisco, para o estudo da matemática elementar, da Física, e do Desenho, e depois cursariam o primeiro ano da Escola de Aplicação.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 59

2º) Os de Artilharia e de Engenharia freqüentariam ambas as escolas na totalidade dos seus cursos”.

(MOTTA 1976, p. 138)

Posteriormente essa escola acabou assumirem outra função, a de preparar os

alunos para o curso na Escola Central (Largo São Francisco):

“O fato se deu a partir de 1858, quando o curso da Escola Central (Largo São Francisco)24, foi precedido de um ano preparatório, para o estudo do Francês, Latim, História, Geografia, Aritmética, Álgebra, Geometria e Metrologia. Em 1863 esses estudos se integrariam num verdadeiro curso, ou escola, a funcionar na Praia Vermelha e no Rio Grande do Sul (...) a princípio o problema era visto sob o ângulo da necessidade de assegurar, aos alunos matriculados na Escola, preparo capaz de lhes permitir enfrentar os estudos superiores, de matemática e ciências. Depois outro aspecto foi se juntando a esse: o dever do Estado de prover a educação secundária dos filhos de militares (...) São seus passos ou marcos crescentes: o ano preparatório, o curso preparatório, a escola preparatória e o colégio militar”.

(MOTTA 1976, p. 127)

Em 1863 houve uma reformulação na formação das carreiras do Ensino Militar e

conseqüentemente no currículo. Isso deu um caráter novo na função da Escola da Praia

Vermelha fortalecendo-a:

“(...) tanto os infantes e os cavaleiros como artilheiros, passam a cursar somente a Escola da Praia Vermelha, estes com três anos de duração e aqueles com dois anos. Os engenheiros, e os do curso de Estado-Maior, embora realizando ainda, parte de seu curso no Largo de São Francisco (Escola Central), o iniciam na Escola Militar, cujos três anos freqüentam. O currículo desta sofre, então, modificações necessárias ao atendimento deste plano, e ficam assim constituídos:

1º ano: 1ª cadeira: Álgebra superior e Geometria analítica.

2ª cadeira: Física experimental, Noções de Mecânica, Química inorgânica e suas aplicações à Pirotécnica; aula de Desenho Topográfico, Topografia e reconhecimento de terreno.

2º ano: 1ª cadeira: Tática, Estratégia, Castramentação, História Militar, Fortificação Passageira, noções de Fortificação Permanente, noções de Balística.

2ª cadeira: Direito das gentes, noções de Direito Natural e de Direito Publico, Legislação Militar; aula de desenho e de projeções, Geometria descritiva.

24 Pelo decreto no 2116 de primeiro de março de 1858 os cursos da Escola Central são: Curso de Matemática e de Ciências Físicas e Naturais e Curso de Engenharia Civil (TELLES 1984).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 60

3º ano: 1ª cadeira: Cálculo Diferencial e Integral, Mecânica, Balística teórica e aplicada.

2ª cadeira: Tecnologia Militar, Artilharia, Sistemas de fortificação permanente, Ataque e defesa de praças, Minas militares; aula de Desenho de Fortificação e de máquinas de guerra”.

(MOTTA 1976, p. 139, destaque nosso)

Observando as disciplinas duas coisas ficam claras: o caráter militar que queria

se dar na escola e a sua função de Escola Preparatória. Além disso, vemos a inclusão da

Física e Química no currículo dos cursos de infantaria e cavalaria aumentando o nível

dos estudos.

Gostaríamos de salientar que paralelamente a isso, nos Liceus e

estabelecimentos de ensino secundário, a Física e Química eram disciplinas sem

expressão com poucos alunos matriculados quando não havia nenhum. Diferentemente

o Ensino Militar com a expansão do ensino das ciências naturais (Física e Química)

tinha um sentido contrário ao que se pretendia na época. O ensino das ciências naturais

foi se concretizando de acordo com as necessidades da sociedade, pois as

modernizações e expansões de produção já se tornavam vigentes. Isso ajudou cada vez

mais na inclusão dessas disciplinas nas séries secundárias do final do século XIX, uma

vez que era necessário preparar cidadão para o ensino superior nessa área.

“Já não bastava que se formasse bacharéis em Direito e médicos; novas formas de atividades iam aos poucos surgindo, a exigir a presença do engenheiro. À proporção que essas novas atividades foram se tornando evidentes, passou a ser profissão rendosa, a acenar pela ambição dos jovens, essa de construir estradas, de calcular resistência de material, de lidar com máquinas”.

(MOTTA 1976, p. 151)

Sobre o livro didático, Motta (1976) comenta que em 1860 nosso ensino sofria

uma forte influência dos livros franceses citando, pela primeira vez, o livro de Ganot no

currículo Militar:

“É claro que esse esforço em prol do compêndio brasileiro, do trabalho elaborado na própria Escola [Praia Vermelha], não eliminaria o predomínio do livro estrangeiro, ou melhor dito, francês, que já nessa época dominava o cenário da Praia Vermelha, como já ocorrera no Largo do S. Francisco. O que vemos então, é Laurillard Fallot para a Arte Militar, Dion para a Balística, Bourbon para a Álgebra, Vicent para a Geometria, Ganot para a Física, Renault para a Química”.

(MOTTA 1976, p. 142)

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 61

Nessa época já percebemos a diferença entre essas escolas no intuito da

especificidade na formação. A Escola da Praia Vermelha com um caráter preparatório e

o currículo25 da Escola Central (Largo S. Francisco), no qual fica claro a formação do

engenheiro:

“1º ano: cadeira: Álgebra Elementar e Superior, Geometria, Trigonometria Retilínea e Esférica; aula de Desenho Linear e Topográfico, noções e Topografia.

2º ano: 1ª cadeira: Geometria Analítica, Teoria geral da projeções, Elementos do Cálculo Diferencia e Integral, Mecânica; 2ª cadeira: Física Experimental, Mecânica. Aula: resolução gráfica dos problemas de Geometria Descritiva e suas aplicações à teoria das sombras.

3º ano: 1ª cadeira: Cálculo Diferencial e Integral, Mecânica; 2ª cadeira: Química Inorgânica; aula: Desenho de máquinas..

4º ano: 1ª cadeira: Astronomia, Topografia e Geodésia; 2ª cadeira: Botânica e Zoologia; Química orgânica; aula: Desenho geográfico.

5º ano: 1ª cadeira: Mecânica aplicada às construções, Arquitetura Civil, Resistência dos Materiais, Rios, cainais e encanamentos, Navegação interior, Estradas, pontes, vias férreas e telégrafo; 2ª Cadeira: Mineralogia e Geologia; aula: desenho de arquitetura.

6º ano: 1ª cadeira: Hidrodinâmica, vias férreas, motores e máquinas hidráulicas, rios e canais, encanamentos, poços artesianos, portos, barras e ancoradouros; 2ª cadeira: Economia Política, Estatísitica, Direito Administrativo; aula: Desenho de Construção e máquinas hidráulicas”.

(MOTTA 1976, p. 152)

Dessa forma os currículos da Escola de Aplicação e da Escola Central se tornam

específicos passando a Escola Central a “destinar-se principalmente ao ensino das

matemáticas, das ciências naturais, e a completar a instrução teórica e prática dos alunos

que, após o curso da Escola Militar, obtiveram a permissão para freqüentar os estudos

complementares dos cursos de Estado-Maior e de Engenheiros. Esta reforma [de 1863]

foi um primeiro passo no processo que levaria a Escola a desligar-se do Exército”

(MOTTA 1976, p. 158).

25 Esse currículo gerou muita polêmica ganhando ênfase com os Lentes Gomes de Souza e Silva Paranhos. O primeiro critica o latim nos preparatórios e a extensão dos estudos (6 anos), enquanto que Paranhos defende o latim e critica o estudo simultâneo com cálculo e mecânica tal como foi estabelecido na reforma daquele ano. Gomes Filho foi um dos grandes defensores do ensino de Física e Química no currículo das Escolas Médias e Superiores.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 62

Com a guerra do Paraguai em 1865, os alunos militares desapareceram sendo as

escolas freqüentadas por alunos civis e a Escola Militar (Praia Vermelha) foi fechada.

“A solução veio em 1874, transferir para o ministério do Império a Escola Central com

o nome de Escola Politécnica, entregue exclusivamente aos problemas da Engenharia

Civil” (MOTTA 1976, p. 164). Veja que era uma questão de tempo que ocorresse essa

divisão, uma vez que o currículo da Escola Central era das Engenharias26.

Apesar da Escola Militar estar fechada, sua Escola Preparatória continuou

funcionando adquirindo um formato de curso preparatório com a Reforma de 1874.

Dessa forma os estudos preparatórios do Ensino Militar se organizaram de uma maneira

diferente dos cursos avulsos que havia no século XIX. Eles “tenderam a se organizar

gradativamente sob a forma de curso seriado, com a exigência de aprovação em todas as

matérias se tornando indispensável ao ingresso na Escola Militar. Elaborado

inicialmente com um curso de um ano, terminou por estender-se a três anos, numa

concepção seriada, de forma que o ultimo ano se aproximasse do primeiro da Escola”

(ALVES 2000, p. 293).

“1º ano: Gramática Nacional, Geografia, Francês, Aritmética e Desenho Linear.

2º ano: Língua Vernácula, Francês, Inglês, História antiga, Álgebra e Desenho Linear.

3º ano: Língua Vernácula, Inglês, História (Idade Média, Moderna, Contemporânea e Pátria), Geometria e Trigonometria Plana, Desenho Linear e Geometria Prática”.

(ALVES 2000, P. 309)

Esses cursos preparatórios não chegaram a dar nenhum título ou fazer parte da

formação superior e, ao final do curso, um novo exame deveria ser feito para ingresso

no ensino superior. Percebemos que não há nenhuma disciplina referente às ciências

naturais, que só seria alcançado no final da década de 1880 com a criação do Colégio

Militar que tomariam para si a questão dos preparatórios27. Esse Colégio funcionaria

como um internato e haveria um curso de adaptação dos alunos que apresentassem

26 Os cursos oferecidos compunham um curso geral seguido de cursos especiais: curso de Ciências Físicas e Naturais, curso de Ciências Físicas e Matemáticas, curso de Engenheiros e Geógrafos, curso de Engenheiros Civis, curso de Engenheiros de Minas e curso de Artes e Manufaturas (TELLES 1984). 27 A criação do Colégio Militar teve como intenção amparar os filhos de militares e “garantir que os estudos no seio do exército se tornasse bons oficiais, educados na corporação e na família com o mesmo espírito disciplinar” (ALVES 2000, p. 314). Além disso, o Colégio admitia alunos externos que pagariam uma taxa por seus estudos.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 63

alguma deficiência em seus estudos. O curso era de cinco anos e apresentava as

seguintes disciplinas:

1) Gramática Nacional.

2) Gramática, literatura e versão do francês.

3) Versão, temas e conversação do francês.

4) Estudo da língua Vernácula e literatura Nacional.

5) Inglês: gramática, leitura e tradução.

6) Alemão: gramática, literatura e tradução.

7) Aritmética.

8) Álgebra.

9) Geometria.

10) Resolução das equações de 3º e 4º grau.

11) História Antiga e Média.

12) História Moderna, Contemporânea e Pátria.

13) Geografia Universal.

14) Geografia e Corografia do Brasil.

15) Cosmografia.

16) Ciências Físicas e Naturais.

17) Desenho e Geometria prática.

18) Topografia”.

(ALVES 2000, p. 318)

Mantiveram-se também, junto às Escolas Militares, os preparatórios anexos,

porém com um novo formato. Distribuídos em 3 seções as disciplinas dividiam-se em:

“Primeira, ciências; a segunda, de línguas e a terceira de trabalhos gráficos. Com essas

modificações, retirou-se dos preparatórios a feição predominantemente literária que os

caracterizava” (ALVES 2000, p. 319).

Para esse trabalho acreditamos ser até aqui o nosso interesse em abordar a

disciplina Física no currículo militar. Apesar de haver algumas mudanças curriculares

nas próximas reformas, a Física sempre esteve presente quer seja nos preparatórios, quer

seja no ensino superior. Sua introdução nos preparatórios foi definitiva na Reforma de

Benjamin Constant em 1890 e na maioria das vezes foi citada nos currículos como

Física Experimental ou Mecânica Racional. Além disso, em alguns programas foi

melhor especificado, como é no caso do Regulamento de 1913:

Page 64: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 64

“Mecânica: serão evitados os excessos de cálculo e os largos desenvolvimentos analíticos.

Física e Química: o professor dar-se-á conta de que as idéias propedêuticas de uma e outra ciência já foram adquiridas pelo aluno, e que, na Escola Militar, se trata apenas de ministrar os conhecimentos indispensáveis às aplicações de ordem profissional. O ensino deve revestir-se de caráter eminentemente prático”.

(MOTTA 1976, p. 300)

O Programa de 1924 também segue o mesmo parâmetro. Para a Física são

discriminadas as seguintes instruções:

“Mecânica: São válidas as recomendações sobre as matemáticas, e mais: Várias teorias poderão ser ilustradas com exemplos referentes a assuntos de grande interesse militar. Nesse curso o aluno encontrará a explicação científica de múltiplas armas e engenhos, cujo funcionamento mais tarde deverá se familiarizar-se. Tendo presente as outras disciplinas e o destino do oficial, poderá o professor de Mecânica dosar o seu curso, de acordo com as necessidades e a orientação geral de ensino.

Física Experimental: Abrangerá a barologia, a termologia, a acústica, a ótica, a eletricidade, o magnetismo, e noções de meteorologia. O curso deverá ser ilustrado com o maior número possível de experiências demonstrativas. Os alunos efetuarão trabalhos práticos, sob a direção do professor, com o fito de se compenetrarem bem da teoria e das suas aplicações”.

(MOTTA 1976, p. 318)

Como buscamos o ensino de Física nas instituições brasileiras faremos a seguir

uma descrição do ensino da, então, Escola Politécnica de São Paulo. De uma maneira

geral veremos que seu currículo se assemelha muito à estrutura do antigo currículo

militar apresentando o ano preparatório às disciplinas do ensino superior.

2.2.1 Escola Politécnica de São Paulo

Neste tópico fizemos um levantamento da estrutura educacional da Escola

Politécnica a fim de buscar evidencias sobre como seu ensino se organizou ao longo do

tempo. Isso se tornou possível, graças a uma visita na própria escola que tem um acervo

histórico com inúmeros documentos, currículos, atas etc. Por meio dessa análise

tentamos esboçar como a disciplina Física se organizou após o ano de 1893, ano de

criação dessa escola. Seu ensino teve um importante papel na formação do currículo

cientifico do ensino secundário. Os cursos anexos a essas faculdades atuaram como um

preâmbulo do currículo científico. Foi o que depois se chamou curso complementar na

Reforma Francisco Campos como já destacamos anteriormente.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 65

Sua criação aconteceu graças a duas leis “uma que visava a formação de

engenheiros práticos, construtores e condutores de máquinas, mestres e oficinas,

diretores de indústria – lei nº 26 – e outra, que criou uma escola superior de matemática

e ciências aplicada às artes e indústrias – lei nº 64” (SANTOS 1985, p. 33). Todas essas

leis foram executas graças à criação de um regulamento (lei nº 191 de 24 de agosto de

1893) que garantia a criação da escola.

As condições para a matrícula foram fixadas no art. 131 e estabeleceu a

“exigência da apresentação da certidão de aprovação nas seguintes matérias: português,

francês, inglês ou alemão, geografia, história do Brasil, matemática elementar,

aritmética, álgebra, geometria e trigonometria retilínea, desenho geométrico e

elementar” (SANTOS 1985, p. 36).

Sendo assim, apresentado esses certificados de aprovação o aluno podia-se

matricular-se em um dos 5 cursos existentes: engenharia civil, engenharia industrial,

engenharia agrônomo, engenharia mecânica e agrimenssor. Porém, esse sistema foi

alterado no ano seguinte sendo criado 3 anos de um curso fundamental, visando “suprir

as deficiências na formação geral dos alunos egressos de um secundário deficiente”

(SANTOS 1985, p. 118). Nele o aluno cursava um ano de ensino preliminar e dois anos

de ensino geral que consistiam na reunião das matérias de formação básica necessária

para prosseguimento dos cursos superiores de engenharia. Por sua vez, esses cursos de

engenharia passaram a ser denominados cursos especiais e tinham duração média de três

anos. São nesses cursos anexos às engenharias que ocorre o remodelamento do

conteúdo e que mais tarde fará parte do secundário. Entendemos por remodelamento a

transformação dos conteúdos escolares, desvinculando-o da prática profissionalizante,

dando um caráter tradicional e de cultura geral que conhecemos hoje.

Para nossa pesquisa são os três anos do curso fundamental que nos interessam, já

que tinham como função dar uma sólida formação matemática e trabalhar conteúdos de

Física e Química do ensino secundário com os alunos interessados a cursar os cursos

especiais na Escola Politécnica. Em nosso levantamento pudemos explorar melhor

como era a organização do curso introdutório. Em 1894, primeiro ano de ensino da

escola, o currículo do curso fundamental consistia:

“Curso preliminar – (...) O 1º ano no curso geral seria composto de 4 cadeiras: a 1ª geometria analítica, a 2 e 3 dimensões e geometria superior; a 2ª, cálculo infinitesimal; a 3ª, geometria decritiva; a 4ª, física experimental e meteorologia e aula de desenho geométrico e ornamento. O 2º ano teria também 4 cadeiras; mecânica racional

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 66

(1ª); topografia e elementos de geometria e astonomia (2ª); aplicação de geometria descritiva e generalidades de arquitetura (3ª), química geral e noções de ciências naturais (4ª) e desenho topográfico e elementos de arquitetura (aula)”.

(Coleção de leis e decretos do Estado de São Paulo 1894-95 apud SANTOS 1985, p.61,

destaque nosso)

Encontramos na Escola Politécnica o currículo do curso de Engenharia Civil

contendo o programa completo da 3ª cadeira do 1º ano, intitulado Física experimental e

meteorologia e que está dividido em sete partes. Destacamos em negrito o que mais se

relaciona com os conceitos de Cinemática:

“Primeira parte - Matéria, movimentos e forças

Preliminares e noções de mecânica

Definições – matéria – corpo – propriedades dos corpos e da matéria – objecto e divisão da physica – methodo physico ou experimental – theorias physicas – átomos e moléculas – poros moleculares – estados physicos dos corpos – objectos e divisão da

mecânica – Cinemática – movimentos – composição de movimentos – estática – forças – equilibrio – medida e representação das forças – resusltantes e componente das forças – dynâmica – principio da inércia – acção e reacção – massa – trabalho da força – força e potência viva – theorema do trabalho – transformação do trabalho em força viva – energia – inidades métricas da energia e potência.

Gravidade

Definições – direcção e natureza da gravidade – caracteres da gravidade – leis da queda dos corpos e sua verificação experimental

– plano inclinado – machina de Atwood – apparelho de Morin – centro de gravidade dos corpos homogêneos, dos sólidos geométricos, das superfícies e das linhas – equilíbrio dos sólidos pesados – diversos estados de equilíbrio – determinação prática do centro de gravidade – pendulo simples e composto – leis experimentais do pêndulo composto – applicação do pendulo à medida da intensidade da gravidade – experiência de borda – pendulo reversível – variações da gravidade – applicação do pêndulo composto – attracção universal – leis de Kepler – lei da attracção”.

(Programa do curso de Engenharia Civil 1894. p. 1, destaque nosso)

Além disso, no final do programa curricular são elencados dois livros “ A. Ganot

– Traité Elementaire de Physique, vingt uniene édition, intieremente refondue et redigée

a nouveau par Georges Maneurier (Paris – Librairie Hachett & Cia 1894). Além d’este,

que foi o mais seguido, consultamos também os tratados elementares de Jamin e

Daguin” (Programa do curso de Engenharia Civil 1894. p. 1).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 67

Nos anos seguintes várias alterações ocorreram na estrutura curricular do curso

fundamental. As principais foram com relação às mudanças no ano de ensino do

conteúdo, ou seja, permanecendo de uma forma geral o mesmo conteúdo ensinado.

Abaixo segue a tabela 3.5 organizada por nós baseado nos programas curriculares do

curso da escola politécnica28:

Tabela 3.5: Quadro de disciplinas do curso fundamental da Escola Politécnica ANO PRELIMINAR 1º ANO – GERAL 2º ANO – GERAL

1897 II Cadeira – Physica experimental (barologia, acústica e óptica)

IV Cadeira – Physica experimental (thermologia, electrologia e meteorologia)

I Cadeira – Mecânica racional II Cadeira – Topographia. Elementos de geodesia e astronomia

1901

3ª Cadeira – Physica molecular. Óptica applicada à engenharia. Electro-technica. Meteorologia.

1ª Cadeira – Cálculo das variações. Mecânica racional

2ª Cadeira – Mecânica applicada: Cinemática e dynamica applicadas; theoria da resistência dos materiais. Grapho-estatica

1911 3ª Cadeira – Physica experimental (barologia, acústica e óptica)

2ª Cadeira – Physica experimental (thermologia, electrologia e meteorologia)

1ª Cadeira – Mecânica racional. Hydrostatica e Hydrodinamica 2ª Cadeira – Astronomia e geodesia29.

1918

3ª Cadeira – Physica experimental – 1ª parte (Elementos de Mecânica, Barologia e Acústica)

3ª Cadeira – Physica experimental – II parte – (Óptica e thermologia)

1ª Cadeira – Mecânica Racional 2ª Cadeira – Astronomia e geodesia30 4ª Cadeira – Physica experimental – III parte (Electricidade e Meteorologia)

1926 Não há disciplinas de Física

3ª Cadeira – Physica, I parte (Noções de Mecânica, propriedades da matéria, acústica e óptica)

1ª Cadeira – Mecânica Racional 2ª Cadeira – Astronomia e geodesia 3ª Cadeira – Physica, II parte (Calor, Electricidade e Meteorologia)

A partir de 1931 o ingresso na Escola Politécnica ocorreu por meio do exame

vestibular. Segundo o Ministério da Educação e Saúde Pública, no art. 184 do decreto nº

19.852 de 11 de abril de 1931(p. 4):

“o exame vestibular será exigido para a matrícula no 1º ano enquanto não forem efetivadas as disposições referentes ao curso

28 Se o aluno cursasse até somente até o curso preliminar teria o título de contador. Teria o titulo de agrimensor se fosse habilitado no curso preliminar e nas disciplinas: Física experimental e Meteorológica, Topografia e elementos de geodésia e astronomia e Desenho topográfico e elementos de arquitetura do curso geral. E teria o titulo de Engenheiro-Geógrafo par aos alunos aprovados nos cursos preliminar e geral (Brasil 1993). 29 Consta: Esta cadeira é obrigatória para o Curso de Engenheiros Civis e para os candidatos ao titulo de Agrimensor, sendo facultativo para os demais cursos. 30 Consta: Esta cadeira é obrigatória para o Curso de Engenheiros Civis e para os candidatos ao titulo de Agrimensor, sendo facultativo para os demais cursos.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 68

complementar do ensino secundário, com adaptação didática aos cursos de engenharia.

Parágrafo Único – O exame versará as seguintes disciplinas:

Álgebra Elementar e superior;

Geometria e trigonometria retilínea e esférica;

Elementos de geometria analítica;

Noções de geometria descritiva;

Física geral;

Química inorgânica e orgânica;

Desenho geométrico”.

(SANTOS 1985, p. 124)

Além disso, é salientado que o exame de Física será realizado por meio de uma

prova prático-oral e que o programa do vestibular será organizado pelo conselho

técnico-administrativo e submetido à aprovação da congregação. Dessa forma extingui-

se o curso fundamental, diminuindo o tempo de duração dos cursos que passaram de 6

para 5 anos pois as disciplinas básicas ficaram distribuídas entre os primeiros anos dos

vários cursos (SANTOS 1985, p. 124)31. O ensino secundário também se modificou

nesse período, pois as disciplinas do curso preliminar se deslocaram para o secundário

em dois anos de curso.

Em 1934 é criada a USP e anexada a Escola Politécnica “que continuou gozando

de personalidade jurídica própria e autonomia didática e administrativa, observando os

estatutos universitários. Nesse ano para o ingresso na Escola Politécnica exigia o

certificado do curso fundamental e de um curso complementar feito em secção adaptada

ao curso de engenharia no Colégio Universitário”32 (SANTOS 1985, p. 127).

Encontramos na Escola Politécnica o currículo do Colégio Universitário de

1934. Em um total de 34 itens todo o conteúdo de Física é elencado. Para a Cinemática:

31 “Houve deslocamento da aula de contabilidade do curso fundamental para o ultimo ano dos cursos especiais, o que implicou a extinção do título de contador ao fim do curso preliminar” (SANTOS 1985, p. 124). 32 Decreto Estadual no 6.430. Organizou o curso Complementar da USP criado pelo Decreto n.o 6.283/34, que passou a denominar-se Colégio Universitário, destinado à preparação dos candidatos das Faculdades ou Escolas da USP . O Colégio Universitário era dividido em 5 secções, destinadas à: 1a secção: Faculdade de Direito. Filosofia, Ciências Sociais e Políticas. Geografia e História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - FFCL -2a secção: Faculdade de Medicina, Medicina Veterinária. Faculdade de Farmácia, Odontologia. Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Químicas da FFCL. 3a secção: Escola Politécnica e para a secção de Ciências Matemáticas, Ciências Físicas e Químicas da FFCL. 4a secção: Escola de Professores do Instituto Caetano de Campos. 5a secção: Letras Clássicas e Modernas da FFCL.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 69

“2 – Movimento de translação. Velocidade. Acceleração. Representação gráphica. Composição e decomposição de velocidades. Movimento circular. Movimento de rotação. Velocidade angular”.

(Programa do Colégio Universitário 1934, p.1)

Encontramos também nesse currículo o tópico “Propriedades da matéria.

Elasticidade. Estados da matéria. Constituição da matéria” (Programa do Colégio

Universitário 1934, p.1) o que acaba justificando ser encontrado esse tópico em alguns

livros da época. Além disso, o professor responsável pelo currículo Américo da Graça

Martins, apresenta a bibliografia usada citando sete livros didáticos de Física:

“W. Watson – Curso de Physica

C. Murani – Tratado de Physica

Ganot e Maneuvrieux – Tratado de Physica

Wiedermann – Physica

Manas y Bonvi – Physica geral

Mahler – Problemas de Physica

Jones – Problemas de Physica”.

(Programa do Colégio Universitário 1934, p.1)

Dessa forma a Física finalmente chega ao secundário na estrutura que

conhecemos hoje. Ao longo dessa história o conteúdo de Física foi sofrendo

modificações sendo os cursos anexos às Escolas Politécnicas, durante o início do século

XX, os responsáveis em remodelar o conhecimento que deveria se adquirir como pré-

requisito para uma boa formação superior. Na análise dos livros didáticos, iremos

explorar como se alterou o conteúdo de Cinemática frente a essas diferentes exigências

adquiridas pela Física ao longo do tempo.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 70

2.3 Ensino Médico

A carreira médica brasileira iniciou-se em meados do século XIX e também teve

sua particularidade ao longo dos acontecimentos sociais e políticos que marcaram essa

época. Como discutiremos mais adiante, apesar de nos ocuparmos tarde, todas as nossas

técnicas na área da medicina e saúde pública foram baseadas no continente europeu. Na

Europa, durante a primeira metade do século XIX estava ocorrendo um grande

desenvolvimento na área da saúde pública. “O rápido progresso das indústrias, o

desenvolvimento dos centros urbanos, no qual a população crescente requereu melhores

condições sanitárias, e outros fatores de natureza similar obrigaram os homens de estado

e os médicos a se ocuparem dos problemas de saúde pública que diariamente se

tornavam mais urgentes e importantes” (CASTIGLIONI 1947, p. 198).

Tudo isso se somava ao desenvolvimento da Química e da Física, o que

estimulou o desenvolvimento dos estudos que dependiam destas ciências sendo

importante na evolução da Medicina, pois propiciavam instrumentos mais precisos e

“acentuavam cada vez mais a tendência de colocar o centro da atividade médica mais no

laboratório do que na clínica e fazer girar o progresso médico em torna da biologia e

bacterologia” (CASTIGLIONI 1947, P. 199).

No Brasil, em 1808 foram criadas as Escolas de Cirurgia na Bahia e Rio de

Janeiro. A Escola de Cirurgia da Bahia que funcionou até 1815 no Hospital Real

Militar, ano em que foi transferido para o Hospital da Misericórdia. No Rio de Janeiro a

Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica funcionou no Hospital Real Militar sendo, no

ano de 1813, renomeado para Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro e instalado

no Hospital da Misericórdia da mesma cidade.

Infelizmente o Brasil não sofreu inicialmente as influências que ocorriam na

Europa, pois “sob o Império, as mesmas dificuldades, os mesmos obstáculos oriundos

de precárias condições sócio-econômicas, continuam presentes. E o ensino sente e sofre

esses reflexos. Prático e rudimentar a principio, quando limitado à Anatomia e à

Cirurgia, tornou-se essencialmente teórico, livresco, nas Academias e Faculdades”

(SANTOS FILHO 1991, p. 10). Isso se deve, primeiramente e mais importante, devido

ao enfoque humanístico que se tinha na época e o grande prestígio das faculdades de

Direito e também ao fato da ocupação de médico não ser reconhecida como profissão,

coisa que só foi ser estabelecida no final do século XIX quando desenvolveu base

suficientemente científica dando-lhes superioridade em relação aos curadores sem

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 71

diploma. “Os médicos, por exemplo, foram ampliando seus prestígios, revelando a

capacidade de estabelecer padrões de julgamento em áreas especificas com saúde e

doença, ordem e justiça, remodelação higiênica das cidades, etc” (EDLER 1992, p. 18).

Muitas vezes tinham que se ligar a empregos públicos como professores, hospital

militar, Junta Central de Higiene e Saúde, etc para serem reconhecidos como médicos.

Em 1832 as Academias se transformam em Faculdade de Medicina do Rio de

Janeiro e Bahia. Além disso, esse decreto instituiu nas Faculdades os cursos de

Medicina, Farmácia e Partos, concedendo ao diplomado titulo de doutor em medicina,

farmácia e parteiro. “Não eram muito severas as exigências para a matrícula no primeiro

ano do curso. O candidato deveria ler e escrever corretamente. ‘Bom será que entendam

as línguas francesas e inglesa’ podendo, entretanto, efetuar os exames dessas duas

línguas no decorrer do curso, que se completava em cinco anos33” (EDLER 1992, p. 51).

Em 1846 os preparatórios já eram considerados insuficientes. Era exigido

somente conhecimento de latim, francês ou inglês. A necessidade do conhecimento das

línguas era explicada pelo fato de não haver bibliografia médica em português. “Nossa

ciência sendo toda emprestada, como é, sendo nos livros europeus que vamos buscar

todo o nosso saber desde as primeiras idéias da instrução elementar até o ensino

superior das academias, a ignorância das principais línguas da Europa é uma falta

imperdoável” (AMERICANO 1846, p. 184 apud EDLER 1992, p. 43). Além destas,

outras matérias foram exigidas nos preparatórios “a Geografia, base para o estudo de

topografia médica; o conhecimento de Álgebra, Trigonometria e Geometria Espacial,

essenciais à medicina por formarem a base para o estudo da Física e da Química

oferecidos pela Faculdade de Medicina” (AMERICANO 1846, p. 184 apud EDLER

1992, p. 43). No ano de 1848 foram exigidos “Francês, Latim, Filosofia, Aritmética e

Geometria. Os jovens que quisessem cursar Farmácia deveriam também contar

dezesseis anos de idade e saber Francês ou Inglês, Aritmética e Geometria” (SANTOS

33 No primeiro ano: Anatomia geral, prelecionada de março a setembro; Química farmacêutica e noções de Farmácia, nos meses de outubro e novembro, com repetições até o quinto ano, por um professor que fosse boticário. No segundo ano: Anatomia (repetição) e Fisiologia, com “explicação das entranhas e das mais partes necessárias a vida humana”, pelo Lente de anatomia. No terceiro ano: Higiene, etiologia, patologia e terapêutica, por um único professor médico. No quarto ano: Instruções cirúrgicas e operações, no período da manhã, e Arte obstétrica, teoria e prática, à tarde. No quinto ano: Medicina, com exercícios práticos, pela manhã, nas enfermarias e Arte obstétrica (repetição, em conjunto com os alunos do quarto ano).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 72

FILHO 1991, p. 91). Neste ano observamos a disciplina Física Médica no currículo do

ensino superior médico e farmacêutico.

No ano de 1854 houve uma Reforma que, com um caráter de oposição à

Reforma de 1832, as Faculdades perdiam sua autonomia e, durante 30 anos, ficou

submetida a um regime de subordinação ao Império, pois queriam “evitar que se

cristalize, nas instituições que transmitem um ensino superior, um poder paralelo que se

oponha de alguma forma à orientação política do centro do poder” (EDLER 1992, p.

52). Entre as imposições estava a rejeição pelo governo dos professores apresentados

pela Faculdade e a rejeição dos exames por pontos. “Segundo o poderoso Visconde de

Olinda, um dos responsáveis pela confecção dos Estatutos retrucou quanto aos

concursos dos Lentes que daria à Faculdade um poder imenso e quanto aos exames

vagos asseverou que não poderia deixar a mocidade aos caprichos dos Lentes” (EDLER

1992, p. 53). Além disso, as metodologias didáticas adotadas eram antiquadas e

ultrapassadas, além dos cursos serem baseados em livros franceses, caracterizando aulas

teóricas e livrescas.

Dessa forma o decreto de 1854 “consolida o poder do diretor frente a

congregação; compromete-se a criar uma escola prática como e quando se julga

conveniente (...) promete a criação de um horto botânico, quatro gabinetes – Física,

História natural, Anatomia, e Matéria Médica – um laboratório de Química, oficina

farmacêutica ... e outras disposições que nunca saíram do papel. Era clara a derrota dos

projetos propostos pelos Lentes, inspirados na memória de Azevedo Americano”

(EDLER 1992, p. 53).

Soma-se a isso a grande migração dos candidatos a médicos para os cursos

jurídicos, devido à grande exigência que se fez nos preparatórios. Entre os anos de 1850

e 1870 a Faculdade passa por mais dificuldades devido a Guerra do Paraguai. Muitos

professores foram voluntários no serviço de saúde e outros eram oficiais do Exercito da

Marinha. Esse quadro só foi ser alterado com a Reforma Sabóia em 1879, que entre

outras propostas, estabelecia-se o ensino prático criando um regime especial para os

laboratórios34.

“Onze laboratórios foram construídos ou aparelhados: anatomia descritiva,

medicina operatória, fisiologia e terapêutica experimentais, física e farmácia, histologia

34 Já em 1876 uma comissão de Lentes propunha inúmeras propostas e entre elas estava um aumento dos preparatórios, com maior ênfase nos currículos dos cursos de Física e Química do curso secundário.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 73

normal e patológica, botânica e zoologia, química mineral e mineralogia, química

orgânica e biológica, medicina legal e toxicologia. O laboratório de higiene só seria

criado após a aprovação da lei Orçamentária de 1882” (EDLER 1992, p. 214). Sobre o

laboratório de Física Edler (1992) transcreve do jornal “União Médica” de 1881:

“Quanto ao laboratório de Física, João Martins Teixeira, em comissão do governo para

estudo de Física nas Universidades européias, foi incumbido de comprar todo o material

necessário para esta seção (...) Três salas espaçosas e com muitos aparelhos que foram

mandados buscar durante o ministério do Conselheiro João Alfredo (1871-1874) e que

só agora foram removidos do lugar em que se achava intocados” (U.M: Vol.1-1881;

388/396 apud EDLER 2002, p. 217).

Apesar do governo ainda manter certo controle como, por exemplo, a escolha do

Diretor, houve reformas em 1884 que foram solicitadas pelos Lentes como o aumento

das cadeiras de 18 para 26, preparadores fixos para os laboratórios, etc. Também nesse

período foi inaugurada a Policlínica e são instituídas as Faculdades livres que tinha os

mesmos privilégios e garantias das Faculdades Oficiais. Estava se caracterizando o

ensino médico no Brasil.

2.3.1 A Faculdade de Medicina de São Paulo

A Faculdade de Medicina de São Paulo foi um resultado da necessidade e do

reconhecimento que já se instalara no século XX. Com um desenvolvimento econômico

e político digno das cidades grandes, São Paulo sofria com a falta de médicos. Apesar

disso, mesmo com sua criação em 1912, a Faculdade sofreu diversas dificuldades, já

que não dispunham de um prédio para ministrar as aulas.

Em 1912, o então responsável pela implantação do primeiro curso de Medicina

do Estado de São Paulo, Arnaldo Vieira de Carvalho, ocupava o importante cargo de

Diretor Clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e não queria vincular a

Faculdade ao hospital. Como era amigo do diretor da Escola Politécnica, Antonio

Francisco de Paula Souza, conseguiu assegurar algumas salas para o novo curso. Foi

somente em 1931, depois de parcerias para a construção do prédio, que foi inaugurado a

cede localizada na avenida Dr. Arnaldo, em frente ao cemitério do Araçá. No dia 25 de

janeiro de 1934 a Faculdade de Medicina passou a integrar a Universidade de São Paulo

através do decreto 6.283 e a partir dessa data a Escola recebeu a denominação que

mantém até os dias de hoje.

Page 74: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 74

Para o ensino secundário, mais especificamente o ensino de Física, a Faculdade

de Medicina teve um importante função. Em nossa visita ao seu acervo histórico

pudemos encontrar importantes informações sobre a organização do curso. Esse acervo

não se encontra no prédio da Faculdade de Medicina, mas em um Pólo Cultural onde há

um espaço para o “arquivo permanente da FMUSP”. Em nosso primeiro contato com o

arquivo encontramos somente os prontuários dos alunos com seus históricos,

documentos, provas etc. Foi uma grande surpresa encontrar provas dos anos iniciais do

curso. Infelizmente houve um incêndio em 1999 e uma parte desse documento foi

perdido. Através dos prontuários consultados, pudemos mapear como se organizava o

curso. Foram consultados 35 prontuários que, dependendo do ano, continham de 2 a 4

provas cada um, totalizando 96 provas35. Muitas provas do mesmo ano são iguais, já

que foram realizadas pelos alunos da mesma turma do curso. Logo indagamos:

- Como a Física estava organizada nesse curso?

- Quais eram os conteúdos solicitados? A Cinemática estava presente?

- Essas provas seguiam um modelo de exercícios ou as questões eram

dissertativas?

- Essas provas tiveram diferentes abordagens ao longo do tempo?

Sobre o curso pudemos observar que, como na Escola Politécnica, o curso

superior da Faculdade de Medicina também apresentava um ano preliminar no qual

eram ministradas as disciplinas de Física, Química, História Natural e algumas

introdutórias ao curso médico. As provas eram realizadas através de “pontos sorteados”

dos quais os alunos deveriam discorrer sobre o assunto. Em 1925 foi instituído o exame

de vestibular para ingresso na Faculdade e eram cobradas Física, Química e Biologia.

As provas do vestibular obedeciam o mesmo padrão dos anos anteriores, através dos

“pontos sorteados”. Mesmo com o vestibular, a Física com conteúdo de nível

secundário, ainda era cobrada no primeiro ano do curso superior médico. Sobre

mecânica, no período que corresponde de 1913 até 1930, encontramos as seguintes

provas:

35 A organização dos conteúdos dessas provas se encontram no anexo 4. Para efeito de arquivamento fotografamos a maioria dessas provas.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 75

Tabela 3.6: Quadro de conteúdos do curso fundamental da Faculdade de Medicina 14/05/14 O que é trabalho mecânico? Sua fórmula; efeitos das balas modernas nos organismos

15/04/15 Trabalho da gravidade quando, por exemplo, um corpo de peso P cai de uma altura H

11/04/16 Elasticidade dos corpos sólidos. Trabalho das forças. Suas aplicações ao estudo do papel que representa a elasticidade dos choques

30/04/17 Dinâmica. Principio fundamental da mecânica e seus corolários. Elasticidade dos corpos sólidos e suas aplicações

16/04/18

Quais as fórmulas do movimento uniformemente variado. Como são as mesmas deduzidas. Trabalho. Força viva. Força centrífuga, suas leis.

26/04/22 Trabalho e força viva. Papel da elasticidade nos choques

Somente uma prova diz respeito aos conteúdos de Cinemática, o que mostra que,

ao menos, o conteúdo era incluído nos pontos sorteados. Mesmo aparecendo somente

uma vez, não podemos afirmar se a Cinemática era pouco cobrada ou se isso é resultado

do acaso. Outra observação é que essas provas são realizadas no início do ano letivo,

mostrando que o ensino de Física era iniciado pela mecânica.

Sobre as provas vimos que seus conteúdos eram quase que exclusivamente

dissertativos, com muito poucas resoluções de exercícios. Quando se cobravam

resoluções, se faziam em sua maioria pela ótica, pela calorimetria (um exercício) e pela

segunda lei de ohm (um exercício). Por exemplo, na prova de 1918 sobre o movimento

uniformemente variado, foi cobrado a dedução das fórmulas. Abaixo temos um trecho:

Figura 2.1: Prova de movimento uniformemente variado

Page 76: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 76

Outro ponto importante é que essa abordagem dissertativa de avaliação

permaneceu a mesma, muito similar aos livros da mesma época. Em algumas provas

foram citados os livros usados pelos alunos para estudo do conteúdo. Esses livros foram

encontrados em nosso levantamento e foram analisados a seguir.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 77

CAPÍTULO 3

3. Os livros didáticos: levantamento e análise

Das obras analisadas todas foram selecionadas a partir de citações em programas

curriculares e provas ou são livros de professores de importantes estabelecimentos da

época. Dessa forma analisamos obras que eram referência na época, seja para uso em

sala de aula ou para preparação de conteúdos.

Tentamos também encontrar livros do mesmo autor buscando perceber como os

conteúdos iam se modificando. Para a busca fizemos um levantamento no banco de

dados LIVRES (Livros Escolares) criado pelo Projeto temático “Educação e Memória:

Organização de acervos de livros didáticos” financiado pela Fundação de Amparo à

Pesquisa (FAPESP). O projeto inicial do Banco de Dados LIVRES foi feito através de

um convênio com o Instituto Nacional de Recherche Pedagogique da França (INRP),

integrado à rede EMMANUELLE, criado por Alain Choppin pesquisador do INRP e

hoje já conta com aproximadamente 10000 livros cadastrados.

No Brasil, o Banco de Dados LIVRES fez vários contatos com pesquisadores de

outras universidades nacionais e possui cadastrados acervos de livros didáticos

localizados em diferentes lugares como: Biblioteca Municipal de São Paulo Mário de

Andrade, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Biblioteca do Colégio Pedro II e

outras36. Nosso levantamento se estendeu em outros sistemas de busca, como a base de

dados DEDALUS da Universidade de São Paulo e a base de dados MINERVA da

Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Todos os livros didáticos levantados se encontram nas seguintes bibliotecas:

• Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP

• Biblioteca Paulo Bourroul da Faculdade de Educação da USP

• Biblioteca da Escola Politécnica da USP

• Biblioteca do Instituto de Física da USP

• Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

• Biblioteca do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro

• Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro

36 Informações extraídas do Livres (2005) GUIA de preenchimento da ficha do banco de dados LIVRES (Livros Escolares Brasileiros 1810 – 2005).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 78

Depois dessa triagem os seguintes livros foram organizados:

Tabela 4.1: Livros didáticos levantados e analisados.

Nº ANO ORIGEM

EDITORIAL AUTOR

(ES) TÍTULO EDIÇÃO LOCAL CONTEÚDO

1. 1798 Paris BARRUEL

La Physique réduite en Tableaux Raissonés

------- UFRJ Completo

2. 1810 Impressão Régia HAUY, F.

J.

Tratado Elementar de Physica

-------- BN Completo

3. 1840 Paris: Chez L.

Hachette GUERIN-VARRY

Nouveaux Éleménts de

Chimie: Théorique et pratique

10ª edição

UFRJ Completo

4. 1856 Typografia Nacional

MEIRELLES, S.

Lições Elementares

de Física 1ª edição PII Completo

5. 1868 Lisboa: Nacional GUEDES,

J. R.

Curso de Physica

Elementar ------- EPBC

Mecânica e acústica.

6. 1870 Paris Imprimier

de Gauthier-Villars

JAMIM, J. M.

Petit Traité de Physique

------- EPBC Completo

7. 1872 Chez L`Auteur-

Éditeur GANOT, A.

Traité élémentaire de Physique Experiment.

15ª edição

EPBC Completo

8. 1876 Rio de Janeiro:

Casa dos Editores

GAMA, A. A.

Noções de Physica e Chimica

------- P.B Completo

9. 1880 G. Masson,

Editeur

DRION, CH. e

FERNET, É

Traité de Physique

Élémentaire 7ª edição EPBC Completo

10. 1892 Paris: Librairie

Classiques LANGLEB

ERT, J. Physique

47ª edição

EPBC Completo

11. 1894 Paris: Hachette

et Cia. GANOT, A.

Traité de Physique

21ª edição

IF Completo

12. 1896 Rio de Janeiro: Livraria Garnier

LANGLEBERT, J.

Physica 51ª

edição IF Completo

13. 1896 ------- NOBRE,

F.R.

Tratado de Physica

Elementar 2ª edição IF Completo

14. 1901 Editore-libraio della real casa

MURANI, O.

Tratado Elementar de Física

2ª edição EPBC Completo

15. 1902 Rio de Janeiro: Francisco Alves

& Cia.

GOUVEIA, N.

Lições de Physica

------- BLD Completo

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 79

16. 1904 Rio de Janeiro: Livraria Garnier

LANGLEBERT, J.

Physica – Curso

elementar de estudos científicos

58ª edição

BLD Completo

17. 1904 ------- NOBRE,

F.R.

Tratado de Física

Elementar 3ª edição IF Completo

18. 1907 Rio de Janeiro: Francisco Alves

e Cia.

GOUVEIA, N.

Lições de Physica

------- EPBC Completo

19. 1912 FTD FTD Physica ------- EPBC Completo

20. 1911 Porto: Livraria

Chardron & Casa do autor

NOBRE, F.R.

Tratado de Física

Elementar 7ª edição EPBC Completo

21. 1920 São Paulo: Vanorden

DIAS, P. A Curso

elementar de Physica

------- EPBC Completo

22. 1923 Paris: Librairie

Hachette GANOT,

M.

Traité élémentaire de Physique

31ª edição

BLD Completo

23. 1926 Editora Labor MAHLER,

G. Problemas de Física

2ª edição EPBC Completo

24. 1927 FTD FTD Física ------- BLD Completo

25. 1927 Editorial Labor MAÑAS e

BONVI Física

general ------- EPBC Completo

26. 1928 São Paulo:

Melhoramentos ROMANO

R. Tratado de

Física ------- EPBC Completo

27. 1932 Editora Labor, S.

A.

WATSON, W. trad. Por MAÑAS e

BONVI

Curso de Física

2ª edição EPBC Completo

28. 1933 São Paulo:

Salles Oliveira Rocha & Cia.

DIAS, P. A Curso

elementar de Physica

3ª edição BLD Completo

29. 1934 Porto: Aillaud &

Lelo, Ltda NOBRE,

F.R.

Tratado de Física

Elementar

23ª edição

BLD Completo

Siglas: BLD – Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP; EPBC – Escola Politécnica Biblioteca Central da USP; IF – Biblioteca do Instituto de Física da USP; IAG – Biblioteca do Instituto Astronômico e Geofísico da USP; PB – Biblioteca Paulo Bourroul; BN – Biblioteca Nacional; PII – Biblioteca do Colégio Pedro II; UFRJ – Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

3.1. Critérios de análise

Para uma análise coerente do conteúdo de Cinemática dos livros didáticos

levamos em consideração todos os tópicos que apareceram ao longo do tempo relativos

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 80

à Cinemática. Dessa forma, consideramos como Cinemática os seguintes conteúdos que

foram abordados pelos livros aqui analisados:

• Mobilidade

• Fundamentos da Cinemática (Ponto Material, Corpo Extenso, Referencial,

trajetória, Repouso e Movimento)

• Movimento Uniforme

• Movimento Uniformemente Variado

• Cinemática Vetorial (hodógrafo)

• Queda livre

• Movimento Circular

• Composição de Movimentos

• Lançamento de Projéteis

A fim de ter uma melhor visualização da estrutura do conteúdo adquirida ao

longo do tempo nos livros analisados, organizamos a tabela abaixo:

LIVRO ESTRANGEIRO LIVRO NACIONAL ANO

CONTEÚDO LIVROS CONTEÚDO LIVROS Meados do século XIX

Mobilidade Conteúdo apenas por meio de definições (qualitativo).

Abade francês René Just Haüy.

Não há livros nacionais Não há livros nacionais

Até década de 1850

Mobilidade, MU, Queda dos corpos (MUV) Conteúdo qualitativo

Guerin-Varry Mobilidade. Conteúdo qualitat.

Livro Lições Elementares de Física do Dr. Saturnino de Meirelles.

1850 de 1910

Mobilidade, Cinemática: M.U; MUV; Composição de movimentos; Queda dos corpos. Exercícios (apêndice). Conteúdo quantitat.

Ganot; Langlebert; Nobre; Adoção pelos militares e depois pelo secundário

Mobilidade. MU, MUV e queda dos corpos Conteúdo qualitat.

Livros de A.A. Gama; J. R. Guedes, N. Gouveia e FTD.

Até década de 1930

Cinemática: M.U; MUV; MCU; Composição de movimentos e Queda dos corpos. Exercícios. Conteúdo quantitativo

Livros ingles, italiano, alemão como: Watson, Murani, Mahler e outros.

Cinemática: MU; MUV; MCU; Composição de mov. e queda dos corpos. Exercícios (no conteúdo). Conteúdo quantitat. “Importação” de conteúdos.

Livros de A. P. Dias, R. Romano e FTD

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 81

Dividimos a tabela em estrangeiros e nacionais a fim de identificar a inicial

diferença entre os livros e que ao longo do tempo foi diminuindo, principalmente os

estilos qualitativos e quantitativos de abordagem. Isso não significa que os estrangeiros

eram mais completos, pois cada um estava inserido em um sistema educacional

diferente. Podemos perceber que é a partir de 1910 que as estruturas se tornam

similares. Além disso, organizamos uma tabela (anexo 5) que nos mostra mais

detalhadamente a estrutura da Cinemática nos livros levantados. Nossa intenção é deixar

claro como ela surgiu e se organizou nas diferentes épocas, além de evidenciar como

aparecem ou desaparecem os conteúdos que a compõe. Por exemplo, o nome

“Cinemática” não aparece nos livros mais antigo sendo a organização da tabela útil na

visualização de datas ou períodos no qual aparecem certos conceitos auxiliando, assim,

na construção da história do conteúdo. Nessa tabela também coletamos dados referentes

a outros aspectos da Cinemática, tais como: número de páginas de Cinemática, número

de figuras e número de exercícios.

Mesmo levando em consideração os dados expostos ainda temos como

perguntas: Como era a abordagem do conteúdo ao longo do tempo? Como o conteúdo

do livro foi se modificando? Qual o papel dos livros estrangeiros e nacionais no ensino?

Essas são as principais questões que tentaremos responder a seguir.

3.2. Análise dos livros didáticos

3.2.1 A Física descritiva e a Filosofia do movimento

Nos primórdios das descrições dos fenômenos da natureza as explicações

sempre estiveram apoiadas na Filosofia. É a partir do século XVI e XVII que

aconteceram as primeiras revoluções científicas. Antes disso predominava uma visão

aristotélica que tinha como base uma explicação divina, ou seja, relacionada com o

poder religioso. Com as novas descrições sobre os fenômenos naturais, se produz um

contraste entre o pensamento medieval e o pensamento moderno. Inicia-se um

movimento para uma descrição da natureza baseada na matemática, o que “para Mario

Schenberg, se inicia com o desenvolvimento da geometria (...) ‘o ramo mais antigo da

Física’, quando atribui às observações dos astros o ponto de partida da Cinemática,

entendida como a combinação entre as idéias geométricas e o conceito de tempo”

(WUO 2003, p. 300).

Entre aqueles que realizaram pesquisas sobre os fenômenos naturais a carreira

de cientista não existia até o século XVII sendo citados como filósofos da natureza. Os

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 82

conceitos estavam ligados à Filosofia Natural quando se referiam à natureza como um

todo e à Filosofia Experimental quando se referiam aos aspectos experimentais da

ciência. Por exemplo, livros como de Etienne Barruel37 (1798) intitulado “La physique

réeduite en tableaux raisonnés ou programme du cours de physique fait à l’École

Polytechnique” tratavam somente dos conceitos de Física, sem nenhuma aplicabilidade

real ou relação com experimentação. Composta de quarenta e três páginas, sendo as

cinco primeiras de apresentação do livro e as trinta oito restantes em quadros,

apresentados em folhas dobradas devido ao tamanho (SAMPAIO 2004).

No prefácio desse livro o autor salienta que as recém descobertas estão sendo

desvendadas, já que “dentro da ordem metódica que adotei, creio que uma ciência que,

em geral, tem por objeto as propriedades dos corpos, é obrigada a criar alguns nomes

que não existem dentro da mesma (…)” (BARRUEL 1798 apud SAMPAIO 2004, p.

45). Sobre o conteúdo de Cinemática, é citada somente a definição de mobilidade.

Segundo Barruel (1798) a mobilidade é uma das propriedades constantes e essenciais,

sem as quais é impossível conceber a existência de algum corpo. Sendo assim, o autor

classifica a mobilidade como “a propriedade em virtude da qual os corpos podem trocar

de lugar no espaço” (BARRUEL 1798, p. VI apud SAMPAIO 2004, p. 23).

Por meio de novos conceitos as observações e as explicações da natureza

estavam mudando drasticamente. Por exemplo, a lei da inércia, teoria consolidada no

século XVII, trocou um mundo governado por espíritos sutis, por outro preciso, como

um mecanismo articulado (GONZÁLES 2000). Porém não abandonaram a crença a um

Deus, passando de um Deus geometra para um Deus relojoeiro. Ainda no século XIX

vemos a necessidade de uma crença divina para a explicação dos conceitos, como no

livro didático “Tratado Elementar de Physica” do Abade René J. Haüy38 de 1810, que

cita o “Ente Supremo” como quem rege a natureza:

“Physica tem por objeto o conhecimento dos phenomenos da natureza. Na produção destes phenomenos, os corpos manifestão diversas propriedades, cujo estudo deve particularmente excitar nossa atenção; e indagando as leis estabelecidas pelo Ente Supremo para regular o exercício destas mesmas propriedades, he que nos elevamos

37 Esse livro foi recomendado pelo Ministro Bernardo de Vasconcelos e traduzido pelo Cônego Francisco Vieira Goulart (SAMPAIO 2004) 38 Consta na capa: Conego honorário da igreja metropolitana de Paris, Membro da legião de honra, do instituto das Sciências e arte; professor de mineralogia no Museo de História Natural; da Academia real das Sciências, e da Sociedade dos indagadores da natureza, de Berlin, da Universidade Fena; da Sociedade Italiana das Sciências; da Sociedade Batava das Sciências Halem, etc.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 83

até as theorias que servem de ligar os factos entre si, e de mostrar-nos sua mutua dependência”.

(HAÜY 1810, p. 27).

Gonzáles (2000), ao tratar do ensino de Física na Espanha, mostra que os livros

do começo do século XIX também tinham como referência uma manifestação divina na

regência das leis naturais. No caso do livro “Tratado de Física Completo y Elemental

presentado bajo un nuevo orden com los descubrimientos modernos” de Libes, A.

(1818) “o Criador estabelecendo essas leis [naturais], as cobriu com um véu

impenetrável, para gozar de um privilégio exclusivo de conhecer a cadeia inteira do que

foram os primeiros elos. O físico sempre prevenido contra os deslizes de uma

imaginação exaltada, sábio e atento respeita essa sagrada barreira” (LIBES 1818 apud

GONZÁLES 2000, p. 61). Isso mostra a forte base dos antigos conceitos e que

demorou-se a aceitar as novas idéias.

Nos séculos XVI e XVII, as novas teorias baseadas em experimentos e

elaboradas artificialmente, tinham como intuito falsear as antigas teorias aristotélicas.

Dessa forma cria-se uma revolução científica uma vez que o espaço entre a teoria para a

explicação da natureza que existia e a recém descoberta era muito grande,

“concretamente os fundamentos da Física moderna se assentam na: revisão conceitual

dos antigos; uma nova metodologia; e o uso de instrumentos de observação e medida”

(GONÇALVES 2000, p. 56).

Outra variável que revolucionou o conhecimento científico foi a de tempo. Sua

consideração como variável no cálculo infinitesimal por Newton e Leibniz introduziu a

relação de função para descrever os fenômenos. Além da experimentação e

matematização, outro fator que contribuiu para o desenvolvimento de uma revolução

científica foi o uso dos modelos físicos que, favorecidos pela abstração matemática,

aumentaram a possibilidade de calcular em função de hipotéticas manifestações naturais

(GONZÁLES 2000). Por último, a construção de instrumentos científicos ajudou na

objetividade da atividade científica para que explicasse com cada vez mais detalhes a

realidade natural.

Isso levou os estudos para que primeiro fossem realizados em fatos isolados para

depois relacioná-los a fatos mais gerais (teorias globais e unitárias). Na introdução do

livro de Haüy (1810), vemos mais claramente essa idéia:

“O fim de huma theoria eh ligar a hum facto geral ou ao menor número possível de factos geraes, todos os factos particulares que

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 84

delles dependem. A indagação dos factos tem sido sempre nossos primeiros passos das sciências”.

(HAÜY 1810, p. VII)

Definindo o conceito de teoria, o autor também expõe a idéia de origem comum

dos fatos:

“Assim a theoria da gravitação universal conduz os movimentos dos corpos celestes, o achatamento da Terra e os maiores phenomenos da natureza, a este único facto provado antecipadamente pela observação, e vem a ser, que a força da gravidade obra na razão inversa do quadrado da distância; com o auxilio de huma semelhante lei, demonstrada pela experiência, relativamente as acções eléctricas e magnéticas, se observa que os differentes efeitos, que apresentam os corpos incitados por estas acções nascem, por assim dizer, huns dos outros, partindo de huma origem comum”.

(HAÜY 1810, p. VIII).

Logo após o autor discuti a relação entre observação e teoria, na qual ambas tem

como resultado a explicação de uma teoria global:

“Desta forma a observação e a theoria concorrem igualmente para a certeza e desenvolvimento dos nossos conhecimentos, cada huma tem na mão seu luzeiro; o da observação dirige os seus raios sobre cada facto em particular, de modo que seja totalmente conhecido, claramente determinada, e exposta na sua verdadeira forma; o da theoria aclara a reunião de factos, antecedentemente dispersos, o que parecião não ter nada de comum entre si, todos eles se reúnem; tomando hum ar de família e parecendo não ser mais do que as differentes faces de hum facto único”.

(HAÜY 1810, p. IX).

Nesse livro percebemos claramente uma herança da Filosofia Natural que,

segundo Valente (1997, p. 17), era onde se tentava mostrar, através de descrições, que a

astronomia e a matemática tinham um valor importante por meio de tal filosofia e que

“nada mais era do que outra forma de designar a ‘física’”. Por exemplo, sobre a

Mobilidade, Haüy (1810) faz de uma maneira descritiva, pela filosofia do movimento:

“II. Da Mobilidade

XIII. A mobilidade he aquela faculdade que hum corpo tem de poder ser transportado de hum para outro lugar. Este estado se chama movimento suppõe a ação de huma cauza a que se deu o nome de força ou potência. Para que esta causa exista não he precizo que o corpo que ella solicita tenha um movimento real. Deste modo quando dois corpos se equilibrão nas duas extremidades da alavanca de huma balança, elles conservão este estado por meio de forças realmente existentes, mas que seus effeitos se destroem mutuamente, ou se limitão produzir nos corpos huma tendência a mover-se.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 85

XIV. O movimento he uniforme, quando o móvel corre sempre o mesmo espaço no mesmo tempo; he acelerado ou retardado, quando o móvel corre, em tempos iguais, espaços que vão sucessivamente augmentando ou diminuindo”.

(HAÜY 1810, p. 31 e 32).

Para os conceitos de velocidade o autor utiliza-se apenas de uma aritmética

simples:

“Da velocidade

Dividindo o número que reprezenta o espaço pelo qual reprezenta o tempo, tem-se a velocidade de cada corpo. Suppondo-se, por exemplo, que hum dos corpos tem corrido 35 metros em 7 segundos, e o outro 24 metros em 6 segundos a velocidade do primeiro será 35/7 e a do segundo 24/6 ...”.

(HAÜY 1810, p. 33)

No tópico da Mobilidade não é descrito o movimento uniformemente variado

sendo abordado mais adiante com o título de “Da aceleração do movimento produzido

pela gravidade”.

“XXXVII. Deste gênero he o movimento que produz a gravidade dos corpos que ella solicita. Para bem concebermos a lei da acceleração que resulta, supponhamos que hum corpo emprega hum tempo finito com 3 ou 4 segundos em cahir de huma certa altura; podemos considerar este tempo como composto de muitos instantes infinitesimalmente pequenos, e faltaria conceber que no primeiro instante o móvel recebia da gravidade hum grão de velocidade infinitesimalmente pequeno, e que em cada hum dos instantes seguintes se ajunta hum igual grão de velocidade à velocidade precedente; de sorte que as velocidades do móvel durante diversos instantes consecutivos de sua queda crescerão como os números naturais 1, 2, 3 ...”.

(HAÜY 1810, p. 43)

Mais adiante o autor generaliza o conceito de movimento uniformemente

variado. Segue abaixo um trecho da dedução geométrica como exemplo de sua

utilização e posteriormente, na íntegra, a definição específica do movimento:

“Suppondo-se agora o triângulo s e b subdividido por muitas linhas comprehendidas entre segh, eil, il e kn, etc estas linhas, partindo do ponto s, representarão as velocidades durante os instantes sucessivos infinitamente pequenos que compõe os tempos representados por sh, sl, sn, etc ...”.

“ Sendo assim he fácil obter-se a razão que seguem os espaços corridos em differentes tempos consecutivos iguais entre si; porque se designamos o primeiro destes espaços pela unidade, he bem claro que os seguintes seguirão representados pela diferença entre os termos das séries 1, 4, 9, 16, 25, etc que designão os espaços, desde a origem

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 86

dos movimentos. Logo os espaços corridos em tempos iguais e consecutivos, contendo desta mesma origem, estarão entre si como os números impares 1, 3, 5, 7, etc entre os quaes todos os seguem os primeiros dão as diferenças do que se trata”.

(HAÜY 1810, p. 44 e 45)

Nesse livro não há figuras, exercícios, esquemas etc que, evidentemente, se deve

às limitações gráficas da época, sendo todo o livro descritivo apresentando em alguns

momentos exemplos numéricos como os citados anteriormente.

Outro livro que tem a mesma característica descritiva é “Novos Elementos de

Química Teórica e Prática” de Guerin-Varry39 de 1840 e citado no programa curricular

do Colégio Pedro II. Esse livro tem como característica específica o ensino de Química,

apresentando alguns conceitos de Física no início do livro como base para o

entendimento da Química. Segundo o autor “os alunos não tendo, ordinariamente,

nenhuma noção de Física, quando chegam aos estudos da Química, eu coloquei no

começo dessa obra aqueles que são indispensáveis à compreensão dos fenômenos

químicos. Eu sempre me vejo forçado a só dar umas definições porque as

demonstrações exigem muitos desenvolvimentos” (GUERIN-VARRY 1840, p. 2).

Pelas nossas análises podemos perceber que esse tipo de abordagem se estendeu

por várias décadas como, por exemplo, o livro “Lições Elementares de Physica” de

Saturnino de Meirelles de 1856. De acordo com o programa do Colégio Pedro II esse foi

o primeiro livro de um autor brasileiro adotado nesse estabelecimento40.

Segundo Sampaio (2004, p. 58) o livro está “desenvolvido em 50 páginas e

dividido em 24 lições, o livro não dispõe de sumário, introdução e não possui nenhuma

fórmula, gráfico, figura ou esquema, em nenhuma página. Também não apresenta

problemas, exercícios ou perguntas. Os objetivos e a metodologia de trabalho não foram

apresentados no livro, nem nos programas”. Nesse livro o conteúdo é tratado em lições

que são descrições dos conceitos das partes constituintes da Física.

39 Consta na capa: Doutor em ciências, mestre de conferências na Escola Normal na França. 40 Em 1856 uma Reforma no ensino do Colégio Pedro II escrita pelo ministro do Império Couto Ferraz, reformulou todo o ensino no colégio. Com uma ênfase nos estudos científicos foram adotados currículos e livros franceses. Vigorando por apenas dois anos, foi instituída uma nova Reforma que teve o intuito de resgatar um ensino mais tradicional, tendo a área das ciências uma ênfase aos estudos das riquezas naturais do país e por isso adotado um livro nacional. Dr. Meirelles foi “médico, colaborador da Gazeta do Instituto Hahneumanianno e autor de vários tratados sobre medicina homeopática, gases e vapores” (LORENZ 1984, p. 429). Muito provavelmente este livro tenha sido usado pelos alunos como uma forma de estudo das lições, já que foi escrito pelo único professor de Física no Colégio Pedro II e citado no programa curricular do Colégio Pedro II como livro adotado (VECHIA & LORENZ 1998). Além disso, na sua capa encontramos a ressalva: “para uso de seus discípulos do Colégio Pedro II” (MEIRELLES 1856, p. 1 apud SAMPAIO 2004, p. 58).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 87

Na primeira lição pode-se perceber quais são os critérios de abrangência dos

estudos da Física para o autor. Percebemos também que a explicação dos fenômenos

físicos desloca-se do “Ente Supremo” citado por Haüy (1810) para os Agentes Físicos,

mudando, portanto, o responsável pelos fenômenos naturais:

“A physica he a sciencia que tem por objeto o estudo dos phenomenos que apresentão os corpos, em quanto estes não experimentão mudanças em sua composição. Chama-se Phenomenos physicos toda alteração produzida em hum corpo, sem mudança em sua composição. Exemplo: A queda de hum corpo, a produção de hum som.”(...) As causas productoras dos phenomenos que apresentão os corpos são os Agentes Physicos. Estes agentes são a attracção universal, o calorico, a luz, o magnetismo, a eletricidade”.

(MEIRELLES 1856, p. 1 apud SAMPAIO 2004, p. 58).

Outro livro que explica os fenômenos naturais dessa mesma forma é “Noções de

Physica e Chimica” de Ayres Albuquerque Gama de 187641. Para Gama (1876) a figura

dos Agentes Físicos também está presente e são os responsáveis pelas modificações na

natureza:

“a sciencia tem por objecto o estudo das propriedades geraes dos corpos, e das modificações passageiras que elles soffrem, sob a influência dos grandes agentes naturaes. Esses agentes são: a attracção, o calor, a eletricidade, o magnetismo, o som e a luz. A physica occupa-se unicamente das propriedades exteriores e apreciáveis (organolepticas) dos corpos; sem penetrar, como faz a chimica, no interior de sua constituição molecular”

(GAMA 1876, p. 9)

Segundo Gonzáles (2000) houve um movimento científico nas décadas de 1850

e 1860 na Espanha para que as antigas idéias que explicavam os fenômenos naturais por

meio de Deus fossem modificadas para a hipótese dos fluídos imponderáveis, chamados

de Agentes Físicos. “Essa versão mecanicista dos fenômenos era um sintoma da

modernidade introduzida na Espanha pela via dos programas e textos franceses

principalmente”. Como vimos, o ensino brasileiro estava fortemente apoiado no

esquema educacional francês, sendo refletida muito dessas modernidades no ensino e

possivelmente, mais tarde, nos livros brasileiros.

Sobre o conteúdo de Cinemática, mesmo sendo da década de 1870 o livro de

Gama (1876) trata dos conceitos de movimento através da descrição, sem nenhuma

fórmula ou expressão matemática:

41 Consta na capa: Professor do curso anexo da Faculdade de Direito de Olinda na disciplina Aritmética (BEVILAQUE 1977).

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“a sciencia que tem por objetivo o estudo dos movimentos que devem tomar os corpos em virtude das forças que os podem solicitar, toma o nome de mecânica. A mecânica divide-se em statica e dynamica, segundo trata do equilíbrio ou do movimento dos corpos (...) Os movimentos são rectilíneos ou curvilíneos, segundo o móvel descreve uma linha reta ou uma linha curva.

Quer rectilineo, quer curvilíneo, o movimento se diz uniforme ou variado, segundo percorre ou não, em tempos iguaes, espaços também iguaes. A serie de posições que o móvel vai sucessivamente occupando em seu movimento cosntitue a trajectoria do móvel.

No movimento curvilíneo de um corpo exerce elle continuamente sobre a curva uma reacção que tende a afastal-o na direção do raio; é o que se chama de força centrífuga, e se o corpo não estiver submettido a outra acção, essa força é directamente opposta á força centrípeta ou productora da inflexão da trajectória”

(GAMA 1876, p. 15)

De um modo geral podemos perceber que esses livros representam um reflexo

das explicações dos fenômenos baseados na Filosofia Natural. O livro de Haüy (1810),

por ser de meados do século XIX, evidentemente expressa a filosofia científica do

século XVIII nas descrições do movimento. O fato do autor ser um abade, pode

justificar a gênese da ciência ter como origem um “Ente Supremo”.

Os livros de Meirelles (1856) e Gama (1876) apóiam suas explicações nos

“Agentes Físicos”, mostrando uma nova concepção de ciência. O conteúdo desses

livros, quando descrevem o movimento, o faz por meio da escrita e aritmética, sem

formulações matemáticas, o que poderíamos justificar pela história das disciplinas, uma

vez que nessa época os estudos se baseavam na leitura e na composição criando

barreiras para os desenvolvimentos matemáticos.

Outra observação é a localização dos conceitos de movimento nos livros. Apesar

de já estarem bem desenvolvidos na ciência esses conceitos se encontram no início dos

livros, sempre agregados às noções preliminares. Isso se deve ao fato de que na época

“a atenção está mais centrada na eletricidade, magnetismo, acústica e ótica, campos que

estavam “na ordem do dia” da pesquisa e neste sentido os livros enfatizavam um caráter

de atualização para o ensino científico da época” (WUO 2003, p. 316). Nessa época

inúmeros acontecimentos estavam ocorrendo no meio científico, inclusive a maneira de

expor esses acontecimentos.

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Uma citação curiosa sobre isso foi encontrada no prefácio do livro “Curso de

Physica Elementar” de Joaquim Rodriues Guedes42 (1868). Devido Guedes ter falecido

antes da publicação de sua obra, outra pessoa (não identificada) escreveu seu prefácio

fazendo alguns comentários sobre o livro. Sobre a adequação do livro às inovações

tecnológicas da época comenta-se que “pareceu também conveniente ao autor,

attendendo ao progressivo desenvolvimento da physica e á applicação quotidiana que se

faz dos princípios d’esta sciencia, tratar mais detidamente de algumas matérias cuja

importância esta acima de toda duvida, e taes como a barometria, thermometria,

aerometria, hygrometria e meteorologia, e de outras que se têem tornado, por assim

dizer, populares, como são por exemplo, a photografia, as machinas de vapor, a

galvanoplastia e a telegraphia electrica” (GUEDES 1868, p.VI). As modernidades

científicas estavam sendo introduzidas no cotidiano das pessoas nessa época e

compreendê-las era importante. Isso fez com que os livros de ciências, principalmente

os de Física, assumissem esse papel adquirindo uma nova forma de expor a ciência. No

próximo tópico faremos uma discussão dessa nova metodologia.

3.2.2.1 As inovações nos livros didáticos de Física

A partir da segunda metade do século XIX a abordagem dos livros didáticos

expõe uma nova metodologia na abordagem da ciência. Essa mudança observa-se

claramente nos livros portugueses e franceses que eram adotados para compor o ensino

brasileiro. Percebemos nesses livros que a Física até então descritiva, agora contém

fórmulas do movimento, figuras de aparelhos e aparatos físicos.

Os livros estrangeiros estavam se adequando à nova visão positivista da ciência

e assim, “o conteúdo deixa de oferecer os elementos filosóficos e históricos que

traduzem os embates em torno dos conceitos e teorias, e passa a analisar equipamentos

fotográficos, fonógrafos, telégrafos, telefones, microfones, instrumentos de

meteorologia e climatologia, bombas hidráulicas, motores, geradores etc” (WUO 2003,

p. 317). Esses livros estrangeiros vieram a influenciar os poucos autores de livros

didáticos brasileiros que existiam na época como o livro de Guedes (1868). Percebemos

em seu livro além de figuras de experimentos e aparatos físicos uma descrição do

conteúdo que leva, como resultado, às equações dos movimentos:

42 Consta na capa: Lente do Colégio Militar do Rio de Janeiro, antigo aluno da escola politécnica e sócio correspondente da Academia Real da Ciências.

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Figura 3.2: Equações no conteúdo de Cinemática do livro de Guedes (1868)

No livro de Guedes (1868) ainda podemos perceber a presença de Deus como

criador pois “o conjunto de todos os seres creados por Deus forma o Universo. Os

principaes d’estes seres são os astros (...) e a Terra com todos os entes racionais e

irracionais, sensíveis e insensíveis que a povoam ou entram na sua constituição”

(GUEDES 1868, p.1). Porém, a figura dos agentes naturais também são ressaltadas pois,

“pondo de parte os phenomenos que se referem a vida, e que cujo estudo pertence à

História Natural, as causas primárias ou agentes naturaes são apenas a gravitação ou

attração mútua dos differentes corpos, e a origem dos phenomenos luminosos,

caloríficos, electricos e magnéticos” (GUEDES 1868, p. 4).

Destacamos como um dos idealizadores dessa nova abordagem experimental nos

livros o autor Adolf Ganot. Em inúmeras bibliografias que pesquisamos encontramos

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citações a esse autor como referência e para termos um panorama de sua importância

faremos uma breve descrição sobre esse autor e seu “tratado”.

Adolf Ganot e o “Traité Élémentaire de Physique”

Ganot foi doutor em ciências físicas, diretor de estudos do laboratório de

pesquisas físicas da escola prática de Hautes Études e foi bacharel em matemática e

filosofia e professor de matemática e ciências físicas e naturais. O livro de Ganot Traité

élémentaire de Physique foi sugerido em inúmeros programas. Esse livro foi “publicado

em 1851 e três anos mais tarde foi ampliado passando a incluir conceitos de

meteorologia. O novo texto agora intitulado Traité élémentaire de Physique

experimentale et appliqueé et de météorologie (1851) teve dezoito reedições até o final

do século. A 17ª edição foi muito importante, visto que inclui experiências práticas e

informações sobre os materiais e instrumentos necessários para o desenvolvimento das

mesmas. O segundo é o Cours de physique purement expérimentale, à l’usage des

personnes étrangéres aux connaissances mathématiques (1859), que também passou

por inúmeras edições até 1887. Dado o forte prestígio do Traité Élémentaire e o forte

programa de matemática desenvolvido no colégio [Pedro II], é possível que este tenha

sido adotado na escola até a Reforma de Benjamim Constant, quando foi substituído em

1898, novamente pela obra de Ganot citada anteriormente” grifos do autor (LORENZ

1984, p. 431). Além disso, esse livro foi fortemente adotado em outros paises. No

Uruguai, Parella (2005, p. 7) comenta que “em relação aos textos de Adolphe Ganot, é

muito provável que os estudantes da época estudaram o livro em seu idioma original”.

Sobre a grandiosidade da obra Parella (2005, p. 7) comenta:

“O livro de Ganot, mais conhecido como “Traité Élémentaire de Physique”, em 1887 tinha na França várias edições. Esse livro é um tratado de Física de mais de 1000 páginas. Encontra-se um exemplar dessa edição em francês de 1887 na biblioteca do Liceu de San Carlos. É uma obra monumental, pela extensão e o conteúdo. Os temas gerais que trata são: Noções preliminares, gravidade, hidrostática, estática dos gases, calórico, magnetismo, eletricidade e meteorologia. Cada um dos temas é estudado com maior detalhe. Inclui apêndices com valores de constantes físicas, conversões de unidades e um especial com problemas e perguntas (com soluções). Alguns desses problemas foram extraídos de provas reais propostas. As descrições e explicações de funcionamento dos aparatos e instrumentos de laboratório são realizadas em detalhe incluem também sugestões para o uso desses aparatos de laboratório. É um texto que se projeta o laboratório, fazendo uma forte ligação às observações experimentais sem deixar de fazer menção às aplicações

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cotidianas da Física. As ilustrações (em sua maioria desenhos e na edição de 1924 também se incluem fotografias) somam mais de 1000 e são realizadas com um grande detalhe. As explicações incluem algumas poucas definições apelando para cálculo diferencial, não aparecem excessivas demonstrações teóricas e em sua maioria se explica com elementos de geometria. Ganot diferencia no texto as idéias centrais necessárias para os cursos das idéias auxiliares utilizando dois tipos de letra”.

(PARELLA 2005, p. 7)

Em uma outra citação sobre Ganot, agora em uma tradução americana, o

tradutor comenta:

“O Elementos de Física, do qual este presente trabalho é uma tradução, adquiriu alta reputação na introdução das Ciências Físicas. Na França passou para a extensa nona edição em poucos anos e tem sido traduzido na Alemanha e Espanha. Esta reputação é muito provável deve-se à clareza e concisão com as principais leis físicas e explicações dos fenômenos, sistemáticos arranjos e excelentes ilustrações”.

(ATKISON 1872, p. 1)

Gonzáles (2000) ainda comentando sobre a grande difusão de Ganot na Espanha,

salienta que o primeiro livro foi em francês, sendo a primeira edição em castelhano

produzida em 1853 e em 1923 o livro ainda era editado, chegando a sua 18ª edição.

Sobre sua importância Gonzáles (2000, p. 76) ressalta que “se não o primeiro, é um dos

iniciadores na intercalação de gravuras no texto, no acréscimo de exercícios resolvidos

no final, salvo nas primeiras edições. Sem segurança, mas apoiado em referências e

impressões de outros colegas estrangeiros, talvez seja este livro que mais tenha

influenciado na organização dos ensinos de Física na Europa e América, desde que tais

ensinos tiveram caráter curricular nos estudos secundários, profissionais e incluso nos

primeiros anos das Faculdades de Ciências”.

3.2.2 Da Física descritiva para a descritiva-experimental

Como destacamos, a partir da segunda metade do século XIX inúmeras

inovações tecnológicas ocorreram e Ganot foi um dos autores que lançou em seu livro

essas inovações por meio de gravuras de aparelhos do cotidiano e de aparatos físicos.

Nas primeiras edições de seu livro a explicação desses conceitos foi realizada através de

descrições de exemplos hipotéticos ou de aparelhos do cotidiano.

Muitas dessas descrições foram realizadas em letras menores o que significava

que esses conceitos eram para um grau superior fazendo com que a utilização do livro

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expandisse para alunos de diversas séries (GONZÁLES 2000). A seguir temos um

exemplo desse tipo de letra:

“Sua lei [movimento uniforme] pode ser representada por uma fórmula muito simples. Por exemplo, seja v a velocidade, t o tempo, e e o espaço percorrido. Temos que v representa o espaço percorrido por unidade de tempo, o espaço percorrido por 2, 3... unidades de tempo, será 2v, 3v...; e, enfim, para o tempo t ele será vt; então temos que e = vt. Daí temos a fórmula v = s/t...”.

(GANOT 1872, p. 18)

Para a queda livre foram colocadas figuras de aparatos físicos que, por meio de

descrições do fenômeno, descrevem as leis e equações da queda livre:

(a) (b)

Figura 3.3: ilustrações da Máquina de Atwood e da Máquina de Morin (GANOT 1872, p.43)

Outra inovação, nesse livro de Ganot, é a presença de exercícios no qual eram

cobrados cálculos matemáticos para a resolução dos problemas. Apesar da edição

apresentar 98 exercícios, nenhum é de Cinemática.

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Outro autor que também foi muito difundido no mundo é Joseph Langlebert43.

Seu livro “Physica” apresenta uma abordagem muito similar aos livros de Ganot. Na

edição de 189244 a mobilidade se encontra nas propriedades gerais da matéria:

“20. A mobilidade é a propriedade que possui os corpos de poderem ser postos em movimento, isto é, de ocuparem sucessivas porções no espaço.

21. O movimento é o estado de um corpo que muda de posição no espaço. O repouso é o estado de um corpo que persiste no mesmo lugar do espaço. Divide-se o movimento em absoluto e retilíneo. O mesmo acontece com o repouso.

O movimento absoluto é o que se supõe efetuar-se em relação a certos pontos fixos no espaço. O repouso absoluto é a ausência completa de movimento. O movimento relativo é o de um corpo que se desloca em relação a outro corpo que está em movimento; exemplo: uma bola sobre o tombadilho de um navio em marcha. O repouso relativo é o de um corpo que se conserva a mesma posição em relação a outro que se move; exemplo: um objeto que fica parado sobre um navio em marcha. O movimento e o repouso absolutos não existem no sistema do mundo; nele não se observa senão o movimento e repouso relativos.

(LANGLEBERT 1892, p. 6)

Nesse mesmo livro de Langlebert (1892) são discutidos os estudos que

englobam a Física. Esse mesmo conceito é repetido em todos os livros de Langlebert

encontrados em nossa análise. Para ele a Física:

“é a sciencia que tem por objecto o estudo das propriedades geraes dos corpos e as modificações passageiras que elles experimentam sob a influencia dos grandes agentes naturaes. Estes agentes naturaes, também denominados causas geraes, e que provavelmente não são senão manifestações variáveis de uma força única universal, classificam-se na ordem seguinte, a qual correspondem as principaes divisões da Physica: a gravidade, o calor, a eletricidade, o magnetismo, o som e a luz”

(LANGLEBERT 1892, p. 5)

43 Consta na capa: Professor de Ciências Physicas e Naturais, Doutor em Medicina e Official da Academia 44 Nesse livro de Langlebert, em suas primeiras páginas, há 3 programas curriculares franceses no qual pudemos observar a organização da escola francesa. Está dividido em: classes de Matemática Elementar (Liceus), classe de Filosofia (superior de letras) e as terceira, segunda e primeira classes (secundário). Entre esses currículos os conceitos de Cinemática são apresentados no curso de Matemática Elementar (Liceus) e na primeira classe (secundário). No curso de matemática elementar apresentado no currículo os conceitos de movimento não são elencados, porém aparecem nos complementos “Lei da queda dos corpos – Máquina de Atwood – Máquina de Morin” (LANGLEBERT 1892, p. VII). No currículo da primeira classe do secundário temos: movimentos, forças, proporção das forças com aceleração, massa, trabalho, força viva, lei da queda dos corpos, máquina de Atwood, pêndulo e aplicações.

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A Cinemática apresenta uma abordagem descritiva que leva à dedução das

fórmulas do movimento.

“Fórmulas – Designando-se por e o espaço percorrido por um móvel animado por um movimento uniforme; por t o tempo empregado em percorre-lo, e por v a sua velocidade, isto é, o espaço percorrido na unidade de tempo, ter-seha as fórmulas:

e = vt e v = e/t

que representam as leis do movimento uniforme”.

(LANGLEBERT 1892, p. 14)

Os conteúdos “Lei da queda dos corpos”, “Maquina de Atwood” e “Máquina de

Morin”, também são tratados neste livro, porém apresentados em um capítulo a parte

denominado “Complementar”. O conteúdo é ilustrado por desenhos de aparatos físicos

que, inclusive, são utilizados por diversos livros da mesma época. Na figura 4.2 estão

representados, por meio de ilustrações, as figuras usadas. Podemos perceber que em (b)

máquina de Atwood e (c) maquina de Morin existem letras que são usadas pelo autor na

explicação do fenômeno da queda livre. Além dos aparelhos de Morin e Atwood,

também foi usada a figura do tubo de Newton (a). Abaixo o exemplo usado para

descrever a figura (c):

“Este aparato (fig 25) se compõe de um cilindro de madeira C, que gira ao redor de um eixo vertical, e cuja superfície está coberta com uma folha de papel, com riscos verticais eqüidistantes. O cilindro gira em virtude da queda do peso P’ pendurado por um cordão, que se enrola em um pequeno carretel horizontal, que tem uma roda dentada R, que gira por meio de um parafuso, com um eixo C e com um eixo V com quatro aletas ...”.

(LANGLEBERT 1892, p. 14)

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(a) (b) (c)

Figura 3.4: (a) tubo de Newton; (b) Máquina de Atwood; (c) Máquina de Morin, in Physica (Langlebert, 1892, p. 35, 37 e 40).

Depois de descrita as figuras acima, o autor apresenta as leis para a queda dos

corpos:

“1ª Lei – Todos os corpos caem no vácuo com a mesma velocidade.

2ª Lei (lei dos espaços) – Os espaços percorridos por um corpo que cae livremente no vácuo augmentam proporcionalmente aos tempos decorridos desde o começo da queda.

3ª Lei (lei das velocidades) – As velocidades adquiridas por um corpo que cae livremente augmentam proporcionalmente aos tempos decorridos desde o começo da queda.

Demonstra-se experimentalmente estas duas leis por meio da machina de Atwood e do aparelho de Morin”.

(LANGLEBERT 1892, p. 56)

3.2.3 Da descritiva-experimental para a demonstrativa-experimental

É na passagem do século XIX para o século XX que consideramos essa

mudança de abordagem. Entendemos isso como uma descrição matemática e exemplos

hipotéticos mais detalhados, sendo o início do caminho da algebrização da Cinemática e

que vai fazer parte dos livros brasileiros das primeiras décadas do século XX. Não

pudemos detectar exatamente quando ocorre essa transição de abordagens uma vez que

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não localizamos todas as edições dos livros analisados. Por exemplo, na edição de 1894

de Ganot, podemos perceber que esse novo tipo de abordagem inclui além de esquemas

para a descrição dos movimentos, possui conceitos mais avançados:

Figura 3.6: Ganot (1894) introduz formulas mais elaboradas na página 15.

Podemos perceber que as letras menores da edição de 1872 agora estão no corpo

do texto. Outra mudança é na descrição da mobilidade como “todo corpo que está em

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movimento” (GANOT 1894, p. 13) e aparecendo na introdução dos conceitos de

Cinemática. Toda a definição de movimento e repouso (relativo e absoluto) foi

deslocada para o corpo principal do capítulo. Para a queda dos corpos, Ganot (1894)

apresenta uma gravura que não foi encontrada em nenhum outro livro:

Figura 3.7: Ilustração da queda dos corpos (GANOT 1894, p. 51).

No apêndice do livro 1894 pela primeira vez observamos exercícios de

Cinemática. De um total de 116 exercícios, 5 são sobre Cinemática. Na introdução do

apêndice, Ganot (1894) apresenta uma metodologia de resolução desses exercícios:

“Assunto e resolução dos problemas de Física – Os problemas de Física propostos nos exames são, em geral, verdadeiros problemas de álgebra, nos quais uma lei Física ou uma definição liga as quantidades conhecidas às incógnitas.

Que os dados de um problema sejam representados por letras ou números, sua resolução se compõe sempre de duas operações bem distintas:

1 – A tomada da equação do problema, quer dizer, a tradução algébrica da relação existente entre a incógnita do problema e as quantidades conhecidas.

2 – A resolução da equação.

A segunda operação, completamente algébrica, exige o conhecimento das operações e das regras da álgebra. Para a tomada

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da equação é necessário antes todo o conhecimento das leis e das definições da Física”.

(GANOT 1894, p. 1180)

Os exercícios são aplicações das fórmulas apresentadas no conteúdo. A seguir

alguns desses exercícios exemplificam a abordagem utilizada pelo autor:

“I – Durante quanto tempo deve cair um corpo no vazio para adquirir, em Paris, uma velocidade de 600m, que é aquela de uma bala de canhão?

Solução: t=61,16 s.

II – Qual é o tempo necessário a um corpo para cair, no vazio, de uma altura de 100m?

Solução: t=14,28 s.

(...)

IV – Sobre um plano inclinado cujo o comprimento AB é igual a 1000m, e a altura BC 5m, qual é o esforço necessário para arrastar um peso de 2500 kg, abstração feita frontalmente?

Solução: f = 12,500 kg”.

(GANOT 1894, p. 1180)

Nos livros de Langlebert dessa mesma época (1896 e 1904) também foram

realizadas algumas mudanças. O capítulo “Lei da queda dos corpos - Plano inclinado de

Galileo - Máquina de Atwood - Máquina de Morin” (1896, p. 26; 1904, p. 26) não estão

mais na parte complementar sendo agora o capítulo 2. São também incluídos exercícios

no apêndice do livro porém nenhum é de Cinemática. A estrutura do conteúdo não

muda, mas deduções matemáticas são acrescentadas no texto em letras menores, como

nota de rodapé.

Podemos observar que alguns conceitos de Cinemática apenas trocam de lugar e

outros são acrescentados. Interpretamos isso como uma tentativa dos autores em tornar

os livros cada vez mais de acordo com as necessidades educacionais em que está

inserido visando tornar o livro mais completo, e não devido às novas descobertas

cientificas. Isso mostra o importante papel da disciplina destacado no primeiro capítulo

por Chervel (1990) no qual a exposição dos conceitos não ocorre somente na

vulgarização da ciência erudita, mas também no funcionamento da disciplina por meio

de sua pedagogia. Os diferentes estilos de abordagem que estamos ressaltando aqui

representam uma evidencia clara da influência da disciplina na transmissão do saber, já

que entendemos as transformações no livro como adequações às novas pedagogias

impostas pelas novas finalidades da disciplina escolar.

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Outros autores apresentam uma álgebra que envolve grande parte do conteúdo,

além de conter descrições de experimentos e aparatos físicos. Por exemplo, nos livros

de “Petit Traité de Physique” de Jamim (1870)45 e “Traité de Physique Élémentaire” Ch.

Drion et É Fernet (1880)46. Como exemplo dessa abordagem segue abaixo uma foto de

uma das páginas do livro de Ch. Drion et É. Fernet (1880):

Figura 3.9: Desenvolvimentos algébricos no livro de Ch. Drion et É Fernet (1880)

Outro autor que utiliza os desenvolvimentos algébricos e exemplos

experimentais para tratar do conteúdo é o português Francisco Ribeiro Nobre47 nos

livros “Tratado de Physica Elementar”. Em comparação a todos os livros analisados, é o

que mais utiliza dessa ferramenta.

45 Consta na capa: Professor da Escola Politécnica e da Faculdade de Ciência de Paria 46 Consta na capa: É Fernet – Professor de Física do Liceu Saint-Louis, Inspetor geral de Instrução Pública e Professor da Escola Politécnica. 47 Consta na capa do livro que o autor é Bacharel em Matemática e Filosofia pela Universidade de Coimbra, Professor do Liceu Central do Dr. José Falcão, em Coimbra, Professor do antigo Liceu Central de Beja, do Liceu Central do Porto, do Liceu Central de Alves Martins em Vizeu. Sócio efetivo do Instituto de Coimbra, da Sociedade de Geografia de Lisboa, etc.

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Figura 3.10: Nobre (1896) realiza desenvolvimentos algébricos na página 28.

Apesar de um livro com predominância em desenvolvimentos algébricos

também são tratados conceitos que são idênticos em todos os livros. A Mobilidade é

tratado por Nobre (1896; 1904; 1911; 1934) em seus livros dentro do tópico

Propriedades Gerais da Matéria e sua definição se assemelha muito à definição citada

anteriormente para Langlebert:

“A mobilidade é a propriedade que possuem os corpos de poderem ser postos em movimento. Diz-se que um corpo está em movimento quando occupa successivamente diversas posições no espaço.

O movimento divide-se em movimento absoluto e movimento relativo. O repouso abrange as mesmas divisões.

Chama-se movimento absoluto aquelle que suppomos effectuar-se em relação a pontos fixos no espaço. Repouso absoluto é a ausência completa de movimento.

Movimento relativo é o movimento de que um está animado quando se desloca em relação a outro que também está em

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movimento. Repouso relativo é o estado d’um corpo que se conserva a mesma posição em relação ao outro que se move.

O movimento e o repouso absolutos são concepções theoricas que não existem no systema do mundo: apenas se observa o movimento relativo e o repouso relativo”.

(NOBRE 1896, p. 12)

No livro de Nobre também podemos perceber os agentes naturais como os

grandes causadores das modificações:

“Diz phenômeno toda a modificação que um corpo experimenta, quer seja o resultado da acção dos agentes naturais: gravidade, calor, luz, eletricidade; quer de uns corpos sobre os outros”.

(NOBRE 1896, p. 4)

Sobre os exercícios, no apêndice do livro de 1896, são apresentados 60

exercícios sendo 3 de Cinemática que estão descritos abaixo:

“3. Durante que tempo deve cahir um corpo no vácuo para adquirir a velocidade de 856m,6, sabendo-se que a acceleração da gravidade é 9m,8?...

4. Suppondo que um projectil foi impellido verticalmente de baixo para cima com uma velocidade vertical de 245m, calcular a duração da ascensão e a altura que se elevou o projectil. ...

6. Calcular o espaço percorrido durante 8 segundos por um corpo que escorrega sem attrito sobre um plano inclinado, cujo comprimento é 150m, 20 e a altura 22m, 70. A Acceleração da gravidade é de 9m, 8”

(NOBRE 1896, p. 550).

Os livros de 1904, 1911 e 1934 apresentam a mesma lista de exercícios.

Expostos no final do livro são elencados 211 exercícios, sendo 10 sobre Cinemática.

Podemos perceber que entre parênteses o autor coloca o resultado e a fórmula (que se

encontra no conteúdo) que deve ser usada para a resolução do exercício:

“2. Um móvel animado de movimento uniforme percorre 55 Km, 800 em 5h 6m. Calcular sua velocidade por unidade de tempo a hora. (42, fórmula 1)...

5. Determinar o espaço percorrido em 12 segundos por um corpo que parte do repouso com movimento uniformemente variado acelerado, sabendo que no fim de 5 segundos tem a velocidade de 36 metros. (49, fórmula 1 e 4)”.

(NOBRE 1904, 1911 e 1934, p. 764)

Um exercício envolve conceitos de Cinemática e dinâmica:

“14. Um corpo que tem uma massa de 5kg é submettido durante 5 segundos à acção d`uma força constante. No fim de 5 segundos a

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força cessa e o móvel percorre livremente 475 metros em 18 segundos. Qual é a intensidade da força e que espaço percorreu o corpo durante os 5 segundos em que a força actuou? (38, fórmula 1; 45 fórmula 1 e 4; e 72, fórmula 4.)

(NOBRE 1904, 1911 e 1934, p. 764)

Também são apresentados exercícios de queda livre:

“Determinar a duração da queda d`um corpo no vácuo para adquirir a velocidade de 855m, suppondo que é 9m,8 a aceleração da gravidade nesse local. (106, fórmula 1).

(NOBRE 1904, 1911 e 1934, p. 764)

A matematização apresentada nos livros do começo do século XX não é

exclusividade de Nobre. Podemos perceber essa abordagem em outro livro de Ganot,

agora de 1923:

“Aceleração – Hodógrafo – São M e M’ (fig. 44) as posições do móvel nos instantes t e t + ∆t, e são V e V’ as velocidades nesses instantes. Para um ponto O qualquer, seja dois vetores Om e Om’ respectivamente iguais e paralelos a V e V’. A medida que o móvel realiza o percurso da trajetória, m descreve uma curva que se chama hodógrafo do movimento. A corda mm’ e o aumento

geométrico da velocidade entre os tempos t e t + ∆t, enquanto Om’ é a soma geométrica de Om e de mm’.

A velocidade mJ1 do móvel m é o hodógrafo, que é igual ao lim mm’/∆t, mede, por definição, a aceleração do movimento do móvel; por último é um vetor MJ igual e paralelo a mJ1.

No caso de um movimento retilíneo, sua definição se reduz àquela que é determinada acima”.

(GANOT 1923, p. 39)

A definição de velocidade instantânea segue também um padrão bem parecido:

“Velocidade instantânea qualquer – Por definição, a velocidade a um tempo t (ou a um ponto M) é o limite para aquela que tende à velocidade instantânea entre os instantes t e t + ∆t, quando ∆t tende a zero. Temos:

v = lim ∆e/∆t, ou v = de/dt = f’(t)

A velocidade provém da razão do espaço com o tempo”.

(GANOT 1923, p. 37)

No capítulo da queda livre também há uma descrição detalhada desse tipo de

fenômeno. Muitas figuras e aparatos físicos representam esse capítulo. O tubo de

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 104

Newton e o aparelho de Morin são representados auxiliando a queda dos corpos e o

gráfico desse tipo de movimento. Alguns desenvolvimentos algébricos são apresentados

a fim de se obter determinadas conclusões.

Fig. 52 – Imagem obtida por uma fotografia cronometrada de um corpo em queda livre.

“... supondo que a figura 52 representa as posições do móvel em várias medidas e seja O o ponto de partida; designamos por θ o intervalo constante de duas fotografias consecutivas. Seja A um instante qualquer t; B, C, D, E são os instantes t + θ, t + 2θ, t + 3θ , t + 4θ. Então:

AO = at2, OB = a (t + θ)2;

ou AB = OB – AO = 2atθ + aθ 2;

OC = a (t + 2θ)2;

ou BC = OC – OB = 2atθ + 3aθ 2;

OD = a (t + 3θ)2;

ou CD = OD – OC = 2atθ + 5aθ 2;

OE = a (t + 4θ)2;

ou DE = OE – OD = 2atθ + 7aθ 2;

Temos que, se a lei e = at2 é verdadeira, as distâncias crescentes das imagens sucessivas seguintes são uma progressão aritmética (razão 2aθ 2)”.

(GANOT 1923, p. 47)

Lembramos que no início do século XX inúmeros acontecimentos

impulsionaram o ensino das ciências exatas. Já existiam escolas de engenharia em São

Paulo e Rio de Janeiro e também os cursos introdutórios a essas faculdades que

preparavam os alunos para as disciplinas dos próximos anos de engenharia. Mas e o

ensino secundário? Como era a abordagem dos livros didáticos usados nesse ensino?

Apesar dos livros estrangeiros, como Ganot, Langlebert e Nobre, apresentarem

uma maior matematização, o ensino secundário escolar estava atento aos conceitos mais

gerais de Física. Para isso, alguns autores escreviam (ou adaptavam dos estrangeiros)

livros didáticos com outro enfoque, como é o caso do professor Oscar Nerval de

Gouveia. Ilustre professor do Colégio Pedro II48. Sampaio (2004, p. 87) ressalta a

formação desse professor:

48 O Professor Nerval de Gouveia ingressou no Colégio Pedro II em 1883 com a tese “Dupla refracção”, sendo inclusive essa a primeira tese apresentada para a cadeira de “Physica e Chimica”

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 105

“Bacharel sciencias physicas e mathematicas e engenheiro civil pela escola polytechica, doutor em medicina pela faculdade desta cidade, e ainda bacharel em sciencias sociais e juridicas pela faculdade livre de sciencias sociaes e juridicas, obtendo em taes cursos si não em todas as materias, em quase todas, approvação com distincção, é lente substituto desta faculdade, de direito, lente do Gymnasio nacional, lente da escola polytechnica, professore do Gymnasio Brasileiro, estabelecimento por elle fundado em 1898 com outros professores de escolas superiores, dando à instrucção secundaria modelo para o sexo feminino e ainda exerce com solicitude, com caridade evangelica a clinica pelo systema de Hahnemann. Exerceu varios cargos, como o de membro do Conselho da instrucção publica municipal, de delegado da escola de minas de Ouro Preto ao conselho superior instrucção publica, onde defendeu as prorogativas das escolas livres, etc.

(SAMPAIO 2004, p. 87)

Esse livro é um exemplo claro da segunda geração de autores que destacamos no

capítulo 1, no qual as editoras começam a valorizar a figura do educador e os livros com

sucesso de vendas eram aqueles provenientes das aulas dadas pelos próprios autores.

Intitulado de “Lições de Physica”, encontramos dois livros idênticos de Gouveia

datados de 1902 e 1907. “Esse compêndio foi elaborado a partir de transcrições de uma

coletânea de aulas ministradas pelo professor Nerval e organizadas para publicação,

com a colaboração de dois ex-alunos: o professor José de Castro Nunes e o professor

Dr. Guilherme Augusto de Moura. Neste caso, em que o livro já é uma transcrição do

que ocorreu, consideramos que a obra represente com fidelidade o conteúdo e a

metodologia versada na sala de aula” (SAMPAIO 2004, p. 14).

Nesses livros, nos prefácios o autor explica como surgiu a obra nos chamando a

atenção da necessidade de um livro desse tipo e como ele foi elaborado:

“A necessidade de um livro organizado de accordo com o programma do ensino da Physica no curso secundário official, professado no Gymnasio Nacional, e capaz de servir de paradygma ao estudo em todos os Estados da União, despertou em alguns antigos alumnos do Externato do Gymnasio o desejo de coordenar apontamentos dispersos em mãos dos differentes alumnos das turmas, que successivamente ouviram o meu curso de Physica, e publical-os despretenciosamente como um auxilio à cultura scientifica das classes estudiosas.

(...)

Os ensaios d’esse gênero são raramente lucrativos no Brasil: nada ambicioso, portanto, senão auxiliar aos estudantes em meu paiz, com um livro, que se propõe apenas ser um programma desenvolvido.

Rio, 23 de setembro de 1902.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 106

NERVAL DE GOUVEIA”

(GOUVEIA 1902, p. VI)

O curioso é que quando fomos analisar o livro, a parte de Cinemática se resume

a apenas duas páginas de quase 450 páginas do livro! Fica claro que, diferentemente do

que acontece hoje, a Cinemática tinha pouca expressão no ensino secundário daquela

época. Novamente vemos a importância da descrição de aparelhos tecnológicos nos

livros, não tendo os conceitos de movimento grande importância. Segue abaixo uma das

páginas de Cinemática do livro.

Figura 3.11: Conteúdo de Cinemática em GOUVEIA (1902 e 1907, p. 18)

Percebemos também que o método utilizado pelo autor para descrever um

fenômeno físico segue o mesmo padrão do livro de Ganot, porém evitando grandes

formalismos matemáticos. Dessa forma vemos, como no livro do Dr. Meirelles (1856),

mais uma vez a inspiração nos livros franceses para a elaboração do conteúdo de livros

didáticos de Física nacionais e que podemos perceber na foto acima. Por exemplo, com

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 107

as mesmas figuras e o estilo descritivo do fenômeno por meio de aparatos físicos, o

autor descreve as leis da queda dos corpos. A seguir as fotos utilizadas por Gouveia

(1902 e 1907) nos livros:

(a) (b) (c)

Figura 3.12: (a) Máquina de Morin; (b) Máquina de Atwood; (c) Tubo de Newton (Gouveia 1902 e 1907, p. 88, 90 e 92).

Outra similaridade que pudemos perceber foi com relação aos gráficos usados

por Gouveia (1902 e 1907) evidenciando a inspiração do autor no livro de Ganot:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 108

(a) (b)

Figura 3.13: Semelhança das imagens e tratamento nos de (a) Gouveia (1902 e 1907, p. 93) e (b) Ganot (1894, p. 49)

Nas fotos acima fica claro o caráter descritivo dos livros de Gouveia (1902 e

1907). Nos livros brasileiros das décadas seguintes percebemos um outro tipo de

abordagem do conteúdo. Por exemplo, alguns autores brasileiros da década de 1920

apresentavam um conteúdo mais algebrizado e com uma abordagem mais próxima dos

livros estrangeiros, porém com menos descrições de aparelhos e aparatos físicos. Esses

autores foram sugeridos nos programas curriculares do próprio Colégio Pedro II e

também na Escola Politécnica. Vimos no segundo capítulo a importância dos cursos

introdutórios da Politécnica atuando no remodelamento do ensino de Física, ou seja,

desvinculando o conteúdo da prática profissionalizante e dando um caráter tradicional e

de cultura geral que conhecemos hoje. Como tinham a função de preparar os alunos

para as disciplinas de engenharia dos próximos anos o curso, e conseqüentemente os

livros didáticos, adquiriram um outro tipo de abordagem. Começa nessa época a

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 109

homogeneização dos conteúdos dos cursos anexos das escolas de engenharia e medicina

com o ensino secundário escolar.

Destacamos dois autores: Antonio de Pádua Dias49 com o livro “Curso de

Physica” e Raul Romano50 com o livro “Tratado de Physica”. Em seu prefácio Romano

(1928, p. 1) expõe a metodologia de seu livro ressaltando que “não pertencemos ao

número d’aquelles que pensam dever o ensino ser exclusivamente prático, e por isso

mesmo todas as vezes que na exposição do assumpto não foi possível fazer rápidas

divulgações philosophicas e mathematicas, fizemol-as, mas procurando manter sempre

um justo equilíbrio entre a vantagem de habituar os alumnos ao raciocínio (...)

procuramos expor o assumpto com a máxima clareza, mas sem prolixidade, e por isso

mesmo achamos de boa norma não perdermos muito tempo com enfadonhas

descripções de aparelhos que, não sendo vistos no original, de nada valem”.

Observamos também que a figura dos Agentes Físicos desaparece, tendo a

discussão dos fenômenos uma explicação mais na razão. Segundo Dias (1920, p.7)

“quando observamos um phenomeno, procuramos, naturalmente, descobrir a sua causa;

para isso raciocinamos, formulando varias hypotheses. Estas conduzem-nos á

experiência na qual procuramos reproduzir o phenomeno em condições favoráveis ao

estudo do mesmo. Observação, hipothese e experiência são os meios que nos conduzem

á descoberta das leis physicas, isto é, das relações constantes e invariáveis que existem

entre um phenomeno e sua causa geradora”. Romano (1928) não apresenta em seu livro

nenhuma introdução que expõe esse tipo de conceito, apenas faz alguns comentários do

que ele chama como “nova mechanica ou einsteniana” (ROMANO 1928, p. 1).

Sobre o conteúdo de Cinemática fica claro nos dois autores a inclusão de

equações, juntamente com as descrições, para a explicação dos fenômenos. Por

exemplo, na queda dos corpos, o autor não apresenta somente as leis da queda dos

corpos, são também acrescentadas as fórmulas que descrevem esse movimento.

No conteúdo de movimento circular podemos perceber a quase exclusividade da

álgebra na apresentação desse conteúdo. Com o título “Cálculo da fórmula da força

centrípeta” (ROMANO 1928, p. 22) o autor desenvolve todo movimento circular.

49 Consta na capa de seu livro: Formado em engenharia civil e professor catedrático de Física do Estado de São Paulo. 50Consta na capa de seu livro: Romano (1928) teve como formação engenharia química, foi diretor e professor de Física e Química em diversos colégios.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 110

Figura 3.14: Cálculo da força centrípeta que por fim se torna em uma abordagem de toda Cinemática do movimento circular (ROMANO 1928, p. 22 e 23)

Outro destaque importante do livro de Romano (1928) é a inclusão dos

exercícios nos livros. É muito importante ressaltar que a metodologia de aplicação dos

exercícios nos livros brasileiros é iniciada nessa época, porém não como nos livros

franceses no qual era realizado como apêndice, mas diretamente no conteúdo. Essa nova

proposta altera o conteúdo dos livros didáticos de Física para sempre. O que vemos a

partir daqui é a introdução dos exercícios no conteúdo dos livros na função de exemplos

e na fundamentação do conteúdo. Como exemplo, citamos abaixo um exercício do livro

de Romano (1928):

“Exemplo numérico – Um cyclista, cuja massa total é de 90 Krg lança-se numa pista circular de 25m de raio, com velocidade de 15 metros por segundo.

Qual é a força centrífuga?

M = 90.000 = 9 x 104

V = 15 x 102

R = 25 x 102

Logo:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 111

F = mv2/R = 9 × 104 × (15 × 102)2 ”.

25 x 102

(ROMANO 1928, p. 21)

Por exemplo, Dias (1933) acrescenta em outro livro, o conteúdo de movimento

circular. Como podemos perceber na foto abaixo, o conteúdo está em letras menores o

que presumimos ser um tipo de conteúdo “extra”. Além disso, há um exemplo numérico

para tratar o conteúdo.

Figura 3.15: Conteúdo de movimento circular uniforme é acrescentado no livro de Dias (1920, p. 20 e 21).

Outro ponto importante é que nos livros de Gouveia (1902 e 1907), Dias (1920 e

1933) e Romano (1928) foram apresentadas muitas figuras e esquemas que já estavam

presentes em obras estrangeiras. O fato dos livros franceses e portugueses terem sido

referência por inúmeras décadas, muitas dessas semelhanças são exatamente com os

livros de Ganot, Langlebert e Nobre. Como o próprio Dias (1933, p. 1) salienta “nas

últimas páginas encontrarão os leitores a lista das obras consultadas e a das figuras

reproduzidas com a indicação da origem”. Por exemplo, apresentamos abaixo uma

semelhança do livro de Dias (1933) com o de Ganot (1923):

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 112

(a)

(b)

Figura 3.16: Semelhanças entre os livros “Curso elementar de Física” de Dias (1933, p. 25) e a 31ª edição do “Traité Èlémentaire de Physique” de Ganot (1923, p. 47).

Outra semelhança é com os livros de Romano (1928) e Nobre (1911) para

descrever o movimento circular:

(a)

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 113

(b)

Figura 3.17: Semelhanças no tratamento do movimento circular nos livros (a) “Tratado de Physica Elementar” de Romano (1928, p.18) e (b) “Tratado de Physica Elementar” Nobre

(1911, p. 20).

3.2.3.1 A coleção F.T.D

No início do século XX, alguns livros que marcaram o ensino brasileiro foram

da coleção FTD. Com a proclamação da república em 1890 o Brasil ficou a mercê das

influências de outras religiões, principalmente ao protestantismo vindo dos norte-

americanos. Segundo (AZZI 1999) esse foi um dos principais motivos para que o

episcopado fosse procurar na Europa quem viesse dirigir os colégios católicos e formar

a elite católica no Brasil. Entre as inúmeras preocupações dos religiosos, o que mais se

destaca é o setor educacional. A partir da segunda metade do século XIX foi dada

prioridade à educação e eram raríssimos os institutos que não estavam envolvidos de

alguma forma com a educação. “Durante o período da monarquia, houve sempre

restrições muitos fortes à presença dos religiosos estrangeiros no Brasil. Com a

República o governo não mais interferiu nesse aspecto e, já em fins do século XIX,

novas congregações européias, como os maristas, se uniram às que já estavam aqui

instaladas” (AZZI 1999, p. 16).

Na França, no final do século XIX os Pequenos Irmãos de Maria, já tinham

criado a coleção FTD. A sigla significava o nome do superior geral Frère (irmão)

Teofânio Durand. No Brasil o grande promotor da coleção foi Isidoro Dumont e devido

à semelhança houve quem sugerisse que as siglas FTD deveriam significar Frère Tiago

Dumont.

A coleção no Brasil tinha como pontos principais: tradução para o português das

obras francesas, adaptação dessas obras às necessidades pedagógicas do país e produção

de alguns textos próprios para o público brasileiro. Outro detalhe das obras é que não

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 114

vinham as inscrições dos autores, sempre se referindo como FTD. Isso se devia ao fato

dos autores serem fiéis aos propósitos de humildade e, por isso, não assinavam suas

obras. Outra preocupação dos religiosos era que suas obras tivessem preços reduzidos e

os lucros que houvessem eram convertidos em fundos para aumentar a qualidade dos

livros.

No início do século XX a Física e Química ainda eram ensinadas juntas em

nosso currículo e, por isso, essas obras eram traduzidas dos livros de Branly e Bazin,

autores muito conhecidos na França. Ao todo foram publicados para a Física, Química e

História Natural 7 títulos até 1917 (AZZI 1999). Em nossa pesquisa analisamos dois

livros da coleção FTD, um de 1912 e outro de 1927. A diferença entre os dois livros é

clara.

A edição de 1912 não possui Cinemática e o conteúdo sobre a queda dos corpos

tem uma abordagem descritiva dos fenômenos. As figuras utilizadas no livro são o tubo

de Newton e aparelho de Morin, já apresentados anteriormente. Os exercícios estão no

final do livro no formato de questionário.

“Que é gravidade? Quais as leis da queda dos corpos? Como se verificam? Qual o espaço percorrido após 1, 2, 3 segundos de queda livre? Enunciar as Leis de Kepler”.

(FTD 1912, p. 23)

Já a edição de 1927 apresenta além de uma abordagem descritiva, exercícios e

exemplos hipotéticos que confirmam as explicações realizadas para o fenômeno. Para o

movimento uniformemente variado, por exemplo, dados da queda dos corpos foram

utilizados para ilustrar o conceito:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 115

Figura 3.18: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para ilustrar o movimento uniformemente variado (FTD 1927, p. 14)

Outra característica importante foi a inclusão de exercícios no conteúdo como

exemplo de aplicações numéricas. Já que sempre estiveram no apêndice do livro ou no

final de cada capítulo. Podemos identificar a FTD como uma das grandes precursoras

desse tipo de metodologia. Por exemplo, no tópico da queda dos corpos um desses

exercícios foi utilizado:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 116

Figura 3.19: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para exemplificação do fenômeno (FTD 1927, p. 40)

Podemos notar então que diversos livros de Física adotados no ensino brasileiro

se inspiraram em obras estrangeiros para a produção dos conteúdos. Mas é também

nessa época que autores de outras nacionalidades surgem em nosso ensino. Como

estamos tratando das diferentes abordagens do conteúdo de Cinemática, logo cabe a

pergunta: Qual a abordagem do conteúdo de Cinemática desses novos livros adotados?

Eles seguiam a mesma metodologia de exposição do conteúdo dos livros franceses e

portugueses? É isso que iremos tratar no tópico seguinte.

3.2.4 A algebrização da Cinemática

Os livros que iremos analisar a seguir foram todos sugeridos nos programas

curriculares da Escola Politécnica. A Cinemática em seus livros tem como abordagem

principal a dedução das equações dos movimentos a partir de exemplos hipotéticos, mas

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 117

sem a descrição de aparelhos ou aparatos físicos. Em nenhum momento são citados ou

apresentados os aparelhos que até agora eram o centro das explicações dos fenômenos.

Esses livros, através dessa nova abordagem, podem até ter influenciado os futuros livros

nacionais que seriam escritos, mas queremos deixar claro, mais uma vez, que o principal

modificador não só dos livros, mas do ensino de Física, foram os cursos introdutórios

dessas faculdades, pois atuaram diretamente no remodelamento do ensino de Física até

o início da década de 40, quando a Física realmente chega ao secundário.

No prefácio do livro “Curso de Física” de W. Watson51 (1932) o autor comenta,

sobre a não inclusão das figuras de aparelhos e aparatos físicos, que “como nenhum

livro de texto pode substituir as lições explicadas com experimentos e a dos trabalhos

práticos no laboratório, não se tentou descrever ilustrações experimentais dos diversos

fenômenos. Pela mesma razão as figuras oferecem um caráter totalmente diagramático e

não se pretendem ser uma exibição de instrumentos experimentais; o objetivo dos

desenhos, neste caso, é tornar claro o texto e não substituir os aparatos atuais”. Essa é

uma resposta clara à não adoção da metodologia dos livros franceses ou portugueses

que por décadas se basearam em aparelhos e aparatos físicos para o desenvolvimento

dos conceitos.

Dessa forma esses novos autores lançam uma nova metodologia de ensino de

Física por meio da descrição de figuras geométricas e exemplos hipotéticos utilizando-

se da álgebra para o desenvolvimento dos conceitos. A seguir vemos uma discussão do

autor sobre o cálculo da distância percorrida por um móvel em movimento

uniformemente variado e que, sem citar, envolve o conceito de integral.

51 Consta na capa do livro: Membro da Royal Society, professor de Física do Imperial Colégio de Ciência e Tecnologia de Londres. Outros autores também são citados: Hebert Moss que, trabalhou na ampliação do livro, foi Doutor em Ciência e professor de Física do Imperial Colégio de Ciências e Tecnologia de Londres. Além dele foi citado D José Mañas y Bonvi, que traduziu o livro, foi engenheiro industrial, catedrático de Física e Química geral na Escola de Engenheiros Industriais de Barcelona.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 118

Figura 3.20: Livro de W. Watson (1932) sobre a discussão do conceito de integral e a dedução da fórmula dos espaços do movimento uniformemente variado.

Esse tipo de descrição também está presente no livro “Física General” de José

Mañas y Bonvi52. Por exemplo, para discutir o movimento uniformemente acelerado o

autor cita um exemplo de queda livre. Nesse caso podemos fazer dois comentários. O

primeiro é o deslocamento do conceito de queda livre para dentro do tópico de

movimento uniformemente variado, muito parecido com o que temos hoje nos livros

didáticos. E segundo, que nenhum aparelho, como aqueles citados nos livros franceses,

portugueses e citado pelos autores brasileiros, foram expostos. Partiu-se somente de um

exemplo hipotético para a explicação do conteúdo.

“Ao deixar cair livremente um peso percorre durante o primeiro segundo um espaço de 4,9m. em direção vertical; durante o segundo segundo o caminho percorrido é de 14,7m., que somados com os 4,9 nos dá um total de 19,6. Durante o terceiro segundo o corpo percorre 24,5m., que somados aos 19,6 dá um total de 44,1., etc...”

(MAÑAS & BONVI 1927, p. 17)

52 Este autor é o tradutor do livro de W. Watson e já comentado anteriomente.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 119

Nos currículos da Politécnica também foi citado o autor G. Mahler53 (1926) e

encontramos com sua autoria o livro “Problemas de Física” que, como o próprio nome

se refere, é somente de exercícios e de todos os assuntos. Para os conceitos de

movimento e queda dos corpos são oferecidos no total 45 exercícios. A seguir

destacamos alguns exercícios como exemplos do tipo de abordagem dada pelo autor:

“1. Que espaço percorre um soldado de infantaria em 1,75 horas, sendo sua velocidade 1,7 m.?

8. Um pontão atravessa um rio de 54 m. de largura com uma velocidade v = 1,8 m. Ao chegar à margem oposta, foi arrastado 15 m. pela correnteza. Calcule a velocidade do rio.

15. Um trem rápido tem uma velocidade de 18 m. Freia-se e pára em 15 segundos. Calcular a aceleração negativa a e o espaço s que percorre o trem desde que começa a frear até quando pára”.

(MAHLER 1926, p. 7)

Há também exercícios sobre queda livre e lançamento de projéteis:

“85. A torre principal da Catedral de Ulm tem s = 161 m. de altura. Quanto tempo demora ao cair livremente desta altura? Com que velocidade chegará ao solo?

90. Se lança um corpo para cima com a velocidade v = 4 gr. Ao mesmo tempo, com a mesma velocidade e do ponto mais alto da trajetória de tal corpo, se lança outro para baixo. Quando e onde se encontrarão ambos os corpos?

110. Demonstrar que quando se lança um corpo para cima com uma inclinação qualquer, a velocidade em qualquer ponto de sua trajetória é a mesma que iria adquirir ao cair livremente desde a altura máxima da parábola até o ponto considerado”.

(MAHLER 1926, p. 20)

Na década de 40 uma grande quantidade de livros didáticos escritos por autores

brasileiros chegam ao ensino secundário. A algebrização como está colocada

anteriormente foi sendo incorporada lentamente. Encontramos livros com abordagens

experimentais, mas como não foram citados em nenhum documento oficial não

incluímos em nossa pesquisa. Acreditamos que os livros citados anteriormente

representavam uma tendência do conteúdo e influenciaram na abordagem da Cinemática

desenvolvidas pelos autores brasileiros. Isso mostra o papel importante da disciplina e

do livro didático, uma vez que são vias de acesso para a modificação de nosso ensino.

53 Consta na capa: G Mahler, professor de matemática e física do ginásio de Ulm.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 120

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como destacamos em todo este trabalho o foco principal foi expor a história de

um conteúdo escolar nos livros didáticos de Física adotados no ensino brasileiro.

Primeiramente destacamos o caráter complexo na história do livro didático e que

classificá-lo não é uma tarefa fácil devido às diferentes facetas. Depois ressaltamos o

forte vínculo da história de um conteúdo com a disciplina. Logo, compreendê-la é de

vital importância para o entendimento das influências sofridas pelo livro e que afetaram

seu conteúdo. Destacamos como marco principal para a disciplina de Física, o momento

em que se torna obrigatória nos preparatórios na década de 1880 começando, a partir

daí, a ser introduzida no ensino e a alterar o caráter exclusivamente humanístico-

literário. Exceção feita às escolas militares que, juntamente com o ensino médico, já

apresentavam as disciplinas Física e Química, porém somente no currículo do ensino

superior.

No que diz respeito ao conteúdo de Cinemática, partimos do início do século

XIX com os livros estrangeiros adotados no Colégio Pedro II e na Escola Militar.

Vimos que esses livros trazem em sua abordagem uma herança da Filosofia Natural

(VALENTE 1997) apresentando o conteúdo de uma forma descritiva a partir de

exemplos hipotéticos. Chamamos essa abordagem de “Física descritiva”. Outro

destaque importante é a figura do Ente Supremo na explicação dos fenômenos naturais

colocando sob sua responsabilidade o motivo das manifestações. Os livros brasileiros de

Meirelles (1856), Gama (1876), Gouveia (1902 e 1907) e os estrangeiros Barruel

(1798), Haüy (1810) e Guerin-Verry (1840) possuem o formato de lições, no qual a

ciência é descrita na forma de textos. Devemos lembrar que o livro de Gouveia (1902 e

1907) apresenta os mesmos conteúdos do livro de Ganot, porém sem os formalismos

matemáticos. Explicamos esse fato devido o livro de Gouveia (1902 e 1907) ser

destinado ao ensino secundário escolar e que na época não tinha um enfoque tão

profundo do ensino de Física com relação aos colégios anexos às faculdades.

Na metade do século XIX, percebemos uma mudança de abordagem nos livros

estrangeiros adotados no Brasil a partir da publicação dos livros de Langlebert, Ganot e

Nobre. Principalmente a partir dos livros de Ganot. Colocamos esse autor como o

grande responsável pela nova abordagem “descritiva-experimental”. A partir da

descrição dos aparelhos e aparatos físicos esses autores apresentam o conteúdo e

também as fórmulas do movimento. Destacamos como o principal motivo dessa

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 121

mudança as modernidades científicas que estavam acontecendo na época tornando-se

importante a descrição de aparelhos que estavam no cotidiano.

Além disso, destacamos os exercícios apresentados no apêndice como exemplos

de utilização dos conceitos abordados no conteúdo. O aparecimento dos exercícios

como metodologia para compreensão do conteúdo, se deve à renovação pedagógica de

1880 que, segundo Chervel (1990, p. 204):

“proscreve os exercícios passivos e dá preferência aos exercícios ativos. Nessa hierarquia, as práticas da memorização e da recitação do curso se situam preferencialmente num degrau modesto, e não é raro que a evolução se faça à suas custas. A terminologia pedagógica dá um testemunho disso. Assim, a palavra lição não designava, até o fim do século XIX, nada além de lição aprendida de cor e recitada em classe. Era então um equivalente exato de recitação, que designava o desempenho do aluno recitando em classe sua ‘lição’ de história, de catecismo, de gramática, etc”.

Já no início do século XX, surge uma nova abordagem do conteúdo. Ainda

baseado nos experimentos e aparatos físicos o conteúdo começa a ser tratado por meio

da álgebra ao invés da descrição. Consideramos esse período como o início da

algebrização do conteúdo de Cinemática. Chamamos esse momento de abordagem

“demonstrativa-experimental”. Outros autores brasileiros como Romano (1928) e Dias

(1920 e 1933) apresentam uma abordagem “demonstrativa-experimental” (e mais tarde

no Colégio Pedro II) e inclusive são sugeridos nos cursos introdutórios da Escola

Politécnica de São Paulo. Esses livros também tinham um enfoque similar aos livros

estrangeiros apresentando, algumas vezes, figuras idênticas.

Essa “importação” de conteúdos é apontada por Chervel (1990, p. 203), já que:

“em cada época o ensino dispensado pelos professores é, grosso modo, idêntico para a mesma disciplina e para o mesmo nível. Todos os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso. Os conceitos ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus de conhecimento, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações aproximadas. São apenas essas variações, aliás, que podem justificar a publicação de novos manuais e, de qualquer modo, não apresentam mais do que desvios mínimos: o problema do plágio é uma das constantes das edições escolares”.

Isso pode ser observado nos livros analisados quando dividimos a análise do

conteúdo em quatro momentos. Todos os livros de um mesmo momento são muito

Page 122: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 122

similares e, quando surge um novo livro, com um novo enfoque, outros autores seguem

sua abordagem, aparecendo novos livros, porém similares.

Destacamos, também como um importante dado, nos livros brasileiros da década

de 1920 e 1930, o início da inclusão de exercícios como escolha metodológica. Essa

mudança provoca uma alteração permanente da exposição do conteúdo no livro didático

brasileiro. Essa influência não acontece somente no livro didático de Física. Nessa

mesma época Valente (1997, p. 192) comenta que:

“o livro didático de matemática passará obrigatoriamente, no desenvolvimento de seu texto, a incluir não mais exercícios como uma espécie de anexo. Os exercícios integrarão o próprio andamento da teoria escolar. A forma expositiva da apresentação da teoria escolar oriunda dos colégios dará lugar à forma redundante. Isto é, a pedagogia da escola, da prática dos exercícios, rompe com a forma expositiva que se caracteriza por evitar a redundância, a repetição. O texto escolar matemático dos colégios trás consigo a herança da forma precisa; com ela não havia necessidade de retomada de assuntos, de repetição de exercícios. Essa é a escrita própria dos matemáticos profissionais”.

Nos livros de Física os exercícios começaram fazer parte dos livros estrangeiros

como anexo. No conteúdo desses livros havia somente descrição e, dependendo da

época, desenvolvimentos matemáticos. A resolução da grande maioria dos exercícios

necessita de desenvolvimentos matemáticos. Exceção feita ao livro da editora FTD de

1912, o único livro a apresentar questionários como exercícios. Isso nos leva às provas

da Faculdade de Medicina no qual a grande maioria das questões são dissertativas, ou

seja, igual ao conteúdo dos livros, mas diferente dos exercícios propostos pelos

mesmos. Consequentemente nos cabe a seguinte pergunta:

Vimos que a Cinemática possui um caminho para a algebrização, mas quem é o

responsável por essa abordagem, os exames ou os livros didáticos?

Se considerarmos as provas da Faculdade de Medicina (dissertativas)

concluímos que o principal viés para a algebrização do conteúdo de Cinemática é o livro

didático. Acreditamos ser está pergunta muito importante porém, para respondê-la,

precisamos de mais pesquisas sobre o nosso cotidiano escolar e sobre os livros didático.

O que podemos afirmar é que os exercícios, a partir do momento que surgiram, tiveram

um caráter muito importante para o ensino. Sobre os exercícios Chervel (1990, p. 204)

comenta:

“Sem o exercício e seu controle, não há fixação possível de uma disciplina. O sucesso das disciplinas depende fundamentalmente da

Page 123: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 123

qualidade dos exercícios aos quais elas podem apresentar (...) a redação ou a composição, a análise gramatical, a tradução do latim, o problema da aritmética, colocam em jogo a inventividade, a criatividade, a espontaneidade, ou o espírito de rigor nas deduções ou na aplicação das regras. Os exercícios podem então se classificar em uma escola qualitativa; e a história das disciplinas descobre uma tendência constante que elas apresentam melhorar a posição de suas baterias de exercícios (...) conteúdos explícitos e baterias de exercícios constituem o núcleo central da disciplina”.

Outro fator para acreditarmos no livro didático como o grande influenciador da

algebrização da cinemática são os livros de outras nacionalidades (italiano, inglês,

alemão etc) adotados no ensino brasileiro a partir da década de 1920 e o

desaparecimento dos livros franceses e portugueses que foram referência por todo

século XIX. Esses livros são adotados nos cursos anexos e introdutórios às escolas de

Engenharia. A abordagem desses livros é predominantemente algébrica e a partir de

exemplos hipotéticos. Esse é o último momento que detectamos.

Além da algebrização do conteúdo vale destacar o curso Fundamental da Escola

Politécnica de São Paulo, ministrado nos primeiros anos do curso de engenharia. Sua

aprovação era obrigatória para a continuidade dos estudos. Esse curso atuou no

remodelamento do conteúdo de Física, ou seja, tornou-o de uma forma que deveria

satisfazer as necessidades das disciplinas dos anos seguintes do curso de engenharia.

Sendo assim, o conteúdo adquiriu um caráter de cultura geral e a forma tradicional que

conhecemos hoje. Em 1931, com a Reforma Francisco Campos, é extinto o curso

fundamental e as disciplinas desse curso são, em sua maioria, introduzidas no ensino

secundário. São criadas séries especificas de humanas, exatas e biológicas já no

secundário. Na Escola Politécnica, por exemplo, é criado o Colégio Universitário que

adquire as mesmas funções do curso introdutório extinto. Finalmente a Física se

estrutura como disciplina escolar na função que conhecemos hoje e chega ao

secundário.

Page 124: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 124

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Page 131: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 131

ANEXO 1

Programas curriculares do Colégio Pedro II

Os programas do Colégio Pedro II foram facilmente encontrados, sendo

elencado os conteúdos de todas as disciplinas. Por isso fizemos uma análise geral de

todas as informações encontradas relacionada à disciplina Física e uma análise

minuciosa do conteúdo da Cinemática. Os programas foram levantados baseando-se em

VECHIA & LORENZ, 1998 e nos programas originais do Colégio Pedro II,

encontrados na biblioteca do Colégio Pedro II. Durante sua vigência os programas

sofreram muitas mudanças. No caso dos programas do Colégio Pedro II houve pelo

menos 20 mudanças sendo reelaborado de acordo com os objetivos e interesses de cada

época. Esse colégio foi muito importante na construção do currículo brasileiro.

Principalmente nos anos de 1931, 1942 e 1951 quando, elaborados pelo Colégio Pedro

II e aprovados pelo Ministério da Educação e Saúde, serviram como referência nos

estabelecimentos de ensino secundário público de todo o país.

“Na portaria de 1951, notamos que os programas do ensino secundário brasileiro são elaborados por comissões designadas pelo Ministério da Educação e que após a reivindicação do Colégio Pedro II em elaborar seus próprios programas de suas matérias ensinadas, além da confirmação do pedido, este também passa a fornecer os programas oficiais aos demais estabelecimentos secundários do país”.

(PRADO 2003, p.49)

A implementação de cada programa ocorreu, na maioria das vezes, no mesmo

ano ou no ano seguinte ao da reforma conforme podemos observar na tabela abaixo:

Tabela A1.1: Programas curriculares do Colégio Pedro II Ano da Reforma

Ano do Programa Decreto/Portaria

1841 1850 1855 1856 Portaria de 24 de janeiro de 1856. 1857 1858 Decreto nº 2006 de 24 de outubro de 1857

1862 1862 Artigo 29 do regulamento de 24 de outubro de 1857 e Decreto nº 2883 de 1º de fevereiro de 1862

1862 1863 Artigo 29 do regulamento de 24 de outubro de 1857 e Decreto nº 2883 de 1º de fevereiro de 1862

1862 1865 Artigo 29 do regulamento de 24 de outubro de 1857 e Decreto nº 2883 de 1º de fevereiro de 1862

1870 1870 Decreto nº 4468 de 1º de fevereiro de 1870 1876 1877 Decreto nº 6130 de 1º de março de 1876

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 132

1878 1879 Art. 10 do regulamento anexo ao decreto nº 6884 de 20 de abril de 1878.

1881 1881 Art. 8 do regulamento anexo ao decreto nº 8051 de 24 de março de 1881

1881 1882 Conformidade com parágrafo 1º do art. 2º do decreto nº 8227 de 24 de agosto de 1881.

1890 1892 Art. 6º do regulamento de 22 de novembro de 1890. 1892 1893 Reforma de 28 de dezembro de 1892. 1894 1895 Decreto nº 1652 de 15 de janeiro de 1894. 1897 1897 Decreto nº 1652 de 15 de janeiro de 1894. 1897 1898 Regulamento nº 2857 de 30 de março de 1898 1911 1912 1915 1916 Decreto nº 11530 de 18 de março de 1915. 1915 1917 Decreto nº 11530 de 18 de março de 1915. 1925 1926 1929 1929 1931 1931 Art. 10 do decreto nº 19890 de 18 de abril de 1931. 1942 1942/46 Portaria Ministerial nº 170 de 13 de março de 1943 (Física) 1951 1951 Portaria nº 996 de 2 de outubro de 1951.

Os programas de ensino, de um modo geral, contêm informações sobre:

• os itens dos conteúdos de todas as matérias e sua distribuição nas séries ou anos,

podendo conter ou não o número de lições atribuídas a cada tópico.

• a carga horária semanal de cada disciplina.

• a referência do livro e autor utilizado nos respectivos anos.

A fim de deixar mais claro os livros adotados em cada ano organizamos a tabela

abaixo a partir dos currículos analisados:

Programa curricular Livro sugerido

1856 Guerin-Verry

1857 Saturnino Soares de Meirelles – Lições

Elementares de Física.

1862 Dr. Meirelles – Compêndio de Física

1863 Dr. Meirelles – Compêndio de Física

1865 Dr. Meirelles – Compêndio de Física

1870 Ganot - Traité Elementaire de Physique

1877 D. Pouille (d’ Amiens) – Lições Normaes

de Physica

1878 D. Pouille (d’ Amiens) – Lições Normaes

de Physica

1881 Ganot (última edição)

1892 Drion e Fernet

1893 Ganot

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 133

1897 Ganot

1926 Ganot

1929 Ganot; Dias; Romano

O primeiro programa curricular apresentado foi publicado em 1850 e é

considerado o primeiro documento curricular impresso para o Colégio Pedro II. O fato

de não haver nenhuma reforma até 1850 esse programa reflete os conteúdos estudados

desde o início do Colégio Pedro II (VECHIA & LORENZ 1989). Nesse programa o

conteúdo de Física está classificado juntamente com o programa de Química para o

sétimo ano. São tratados todos os conteúdos, porém sem nenhuma menção ao conteúdo

específico de Cinemática. O mesmo acontece no programa de 1856. As únicas citações

que se relacionam com o que nos interessa é o tópico “gravidade” (VECHIA &

LORENZ 1989, p. 7) e “demonstração do centro de gravidade” (VECHIA & LORENZ

1989, p. 30).

Nesse outro programa é citado o livro de “Guerin – Verry – Elementos de

Chimie, precédes de notions de Physique” (VECHIA & LORENZ 1998, p. 30). O livro

é de “Roch Théogéne Guerin (Guerin-Varry), publicado em 1833 e reeditado em 1840,

com o título de “Nouveaux éléments de chimie théorique et pratique à l’usage dês

établissements de l’université, precedes dês notions de physique nécessaires à

l’intelligence dês phenoménes chimiques” (1833)” grifos do autor (LORENZ 1984, p.

429). Nesse ano o programa de Física aparece, individualmente no segundo ano.

No programa curricular de 1858 são elencados 20 tópicos para o conteúdo de

Física no quinto ano. É também nesse programa que surge a primeira menção sobre o

conteúdo de Cinemática intitulado como “Noções sobre as forças e o movimento” e

“Lei da queda dos corpos – intensidade da gravidade” (VECHIA & LORENZ 1998, p.

61). Ambos os tópicos são repetidos no programa de 1862. Nesse outro programa é

citado o compêndio do Dr. Meirelles – “Lições Elementares de Physica” (Programa do

Colégio Pedro II 1862, p. 21). O conteúdo era ensinado no quinto ano com uma hora-

aula/semana de teoria e uma hora-aula/semana de experiência sendo, em ambos os

casos, juntamente com química. Com o intuito de dar ênfase aos estudos das riquezas

naturais do Brasil foram introduzidos textos e livros de autores do Colégio Pedro II,

justificando a exceção da adoção da única obra brasileira de Física no século XIX

(LORENZ 1984).

Page 134: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 134

Os programas de 1863 e 1865 apresentam conteúdos idênticos ao de 1862,

apenas com alterações nos horários e número de aulas, sendo todo o conteúdo ensinado

no quinto ano. Em 1863, Física possui somente 3 hora-aula/semana sendo que, em

1865, volta a ter 6 hora-aula/semana. Não há discriminação sobre as características das

aulas (teóricas ou experimentais), porém no sumário das instruções, que deve ser

observado pelos professores no ensino das matérias, fica bem definido o que deveria ser

feito:

“Os professores de Mathemática, Philosofia e das Sciências Naturaes devem exigir dos alumnos, além de lições, explicações, e experiências, feitas nas respectivas aulas, dissertações que tenhão relação com a matéria estudada...”.

(Programa do Colégio Pedro II 1863, p. 4)

No programa curricular de 1870, observamos um maior detalhamento nos

conteúdos elencados. Enquanto nos programas anteriores todo o programa era

apresentado em 16 tópicos, no programa de 1870 foram necessários 25 tópicos para

elencar os conteúdos. Apesar disso o conteúdo de Cinemática continua com a mesma

descrição superficial intitulado “Noções sobre movimento” e “Lei da queda dos

corpos”. Neste ano o número de aulas está discriminado em dois tipos de ensino:

internato e externato. São 3 horas-aula/semana e 2,5 horas-aula/semana

respectivamente.

O compêndio sugerido nesse programa é o “Traité élémentaire de Physique” de

Ganot (Programa do Colégio Pedro II 1870, p.46). Esse livro foi “publicado em 1851 e

três anos mais tarde foi ampliado passando a incluir conceitos de meteorologia. O novo

texto agora intitulado “Traité élémentaire de Physique experimentale et appliqueé et de

météorologie” (1851) teve dezoito reedições até o final do século. A 17ª edição foi

muito importante, visto que inclui experiências práticas e informações sobre os

materiais e instrumentos necessários para o desenvolvimento das mesmas. O segundo é

o “Cours de physique purement expérimentale, à l’usage des personnes étrangéres aux

connaissances mathématiques” (1859), que também passou por inúmeras edições até

1887. Dado o forte prestígio do Traité Élémentaire e o forte programa de matemática

desenvolvido no colégio, é possível que este tenha sido adotado na escola até a Reforma

de Benjamim Constant, quando foi substituído em 1898, novamente pela obra de Ganot

citada anteriormente” grifos do autor (LORENZ 1984, p. 431).

Page 135: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 135

No decreto de 1º de fevereiro de 1870 podemos perceber que a Física não tinha

um peso muito importante na época. No artigo 9 são publicadas as matérias que são

finais, ou seja, que necessitava de aprovação para ingresso no ano seguinte. Nesse caso

só aparecem as disciplinas Latim, Geometria e História Média. Segundo o artigo 10 a

aprovação nessas matérias eram muito importantes pois davam “os mesmos direitos que

as efetuadas perante a Inspetoria Geral da Instrução Pública” (Programa do Colégio

Pedro II 1870, p. 8).

No programa de 1877 o conteúdo de Física torna-se mais detalhado que o

anterior. Nesse programa a Física é ensinada no sexto ano, em um total de 30 tópicos e

ministrada uma hora-aula/semana por dia de Física e Química. O conteúdo de

Cinemática em particular ainda é bem reduzido no programa sendo citado apenas

“Generalidades sobre forças e movimentos, alavancas”. A queda livre não é citada

diretamente, mas acreditamos ser representada pelo tópico “gravidade, pêndulo, centro

de gravidade, equilíbrio dos corpos”. O livro citado é “Lições Normaes de Physica” de

D. Pouille (D’ Amiens) (Programa do Colégio Pedro II 1877, p. 59). Para esse autor e

sua obra adotada não foram encontradas informações concretas, mas LORENZ (1984)

acredita que, se o autor citado é o famoso professor da École Politéchinique Caude

Matthias Poulliet, a obra adotada no Colégio deve ser “Notions générales de physique et

de météorologie à l’usage de la jeunesse” de 1850.

No programa de 1879 não há muitas mudanças. Todo o conteúdo elencado é

idêntico ao programa anterior, com exceção de não estar incluído o último tópico

“Noções sobre instrumentos mais simples da óptica, fotografia e estereoscopia”. Uma

mudança nesse programa é que a Física volta a ser ensinada no quinto ano.

Nos programas de 1881 e 1882 mudanças consideráveis acontecem no currículo

de Física. Os programas apresentam uma descrição detalhada do conteúdo de Física e ao

todo são necessários 90 tópicos para descrever todo o conteúdo. Abaixo o trecho que

elenca o conteúdo de Cinemática:

“4. Movimento. Equilíbrio. Principio da Inércia. Principio da independência dos movimentos. Principio da igualdade da ação e reação.

5. Movimento de translação e rotação. Movimento Uniforme e sua velocidade. Movimento Variado e sua velocidade. Movimento Uniformemente Variado. Aceleração”.

(Programa do Colégio Pedro II 1881 e 1882, p. 48 e 21)

A queda livre é elencada separadamente:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 136

“9. Equilíbrio dos corpos. Leis da queda dos corpos. Plano inclinado. Machina de Atwood. Machina de Morin”.

(Programa do Colégio Pedro II 1881 e 1882, p. 48 e 21)

Para os exames finais de 1881, segundo decreto nº 8051 de 24 de março do

mesmo ano, há uma mudança na forma de avaliação pois “haverá para os exames finais

de Física e Química e nos de história natural uma prova prática, na qual, por tempo

nunca excedente de 5 minutos para cada examinado, mostrará o examinando os objetos

cujo reconhecimento lhe for exigido, respondendo às questões que lhe forem feitas a

semelhante respeito” (Programa do Colégio Pedro II 1881, p. 6). No programa de 1882

é observada a grade horária da época. Um grande número de aulas é destinado ao ensino

de Física, são 6 horas-aula/semana. O livro sugerido em ambos os programas é o francês

“Traité Élémentaire de Physique” de Ganot, última edição (programas do Colégio Pedro

II 1881 e 1882, p. 26 e 56) . No capitulo sobre a análise dos livros didáticos esse livro é

comentado com detalhes.

Posterior aos anos de 1881 e 1882 houve um decreto de 2 de outubro de 1886

muito importante para o ensino da Física. Nesse decreto é definido que a aprovação em

Física, e outras matérias, era necessária para matrícula na Faculdade de Medicina e os

exames deverão ser feitos “na ordem em que estas matérias se mencionam no plano de

estudos do Imperial Collegio de Pedro II” (exames gerais preparatórios 1886, p.6). É a

partir dessa data que o ensino de Física começa a ser exigido no exame de admissão das

principais Faculdades de todo o país.

No programa de 1892, novamente o conteúdo é alterado e com apenas 24

tópicos todo o conteúdo é elencado. Não há o nome do livro sugerido no programa,

sendo citado o nome dos autores “Drion e Fernet” porém no trabalho de Lorenz (1984,

p. 431) a obra é intitulada como “Traité de physique élémentaire, suivi de problèmes”.

Para a Cinemática observamos pela primeira vez nos programas curriculares o conteúdo

composição e decomposição de movimentos, uma vez que era presente nos livros e

ausente nos programas.

“2. Características gerais da matéria. Movimento: simples. Composição e decomposição de movimentos”.

(Programa do Colégio Pedro II 1892, p.21)

No tópico seguinte é citada a gravidade, porém não é destaca a queda dos

corpos:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 137

“3. Da gravidade – Peso dos corpos – condições de equilíbrio dos sólidos – balanças”.

(Programa do Colégio Pedro II 1892, p.21)

No programa de 1893 o conteúdo de Física é elencado por meio de lições em um

total de 42. Na terceira lição o conteúdo de Cinemática é citado:

“3ª LIÇÃO

a) Movimento simples – Composição e decomposição de movimentos – Dinamômetro – Diferentes expressões da Velocidade.

b) Leis físicas do movimento – máquinas simples e compostas – Trabalho e rendimento”.

(Programa do Colégio Pedro II 1893, p. 31)

Posteriormente é citada, pela primeira vez a Barologia, tópico que trata da

gravidade:

“4ª Lição

a) Da barologia: sua divisão em estática e dynâmica – centro de gravidade – direção da gravidade – equilíbrio dos corpos suspensos e apoiados.

b) peso relativo. Balanças”.

(Programa do Colégio Pedro II 1893, p. 31)

Nesse programa o ensino de Física, juntamente com química, era ensinado em 6

horas-aula/semana. Nesse programa o livro sugerido foi o “Traité Élémentaire de

Physique” de Ganot (Programa do Colégio Pedro II 1893, p. 36)

No programa de 1895 a Astronomia é inserida no ensino da mecânica. Intitulado

“Mecânica e Astronomia” seu ensino se resume a três partes, sendo na segunda parte

elencado o conteúdo de Cinemática:

“Estudo do movimento retilíneo

Estudo do movimento curvilíneo. Força centrífuga.

Movimento dos sistemas invariáveis.

Propriedades gerais do movimentos.

Idéias gerais sobre o movimento de rotação”.

(Programa do Colégio Pedro II 1895, p. 26)

Todo esse conteúdo foi elaborado para ao quinto ano. Curiosamente não foi

elencado o restante do conteúdo de Física nesse programa, o que foi encontrado

somente no programa do ano seguinte (1897), porém sendo ensinado no sexto ano. Para

a Cinemática temos:

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 138

“3ª LIÇÃO

a) Movimento simples – Composição e decomposição de movimentos – Dinamômetro – Diferentes expressões da Velocidade.

b) Leis físicas do movimento – máquinas simples e compostas – Trabalho e rendimento”.

(Programa do Colégio Pedro II 1897, p. 33)

Nesse programa de 1897 a astronomia continua com a mesma descrição para o

quinto ano. Ao todo são 42 lições, como nos anos anteriores, e nenhum livro é citado

para o ensino de Física no sexto ano. Para o ensino de Física em conjunto com a

Astronomia o compêndio citado é “Materiais para o estudo da Mecânica Geral” de

Eulálio da Silva Oliveira.

Além disso, no programa de 1897, a Física é ensinada no sexto e sétimo ano por

meio de revisões. Para o conteúdo de Cinemática do sexto ano são sugeridos

“Problemas sobre movimento retilíneo e curvilíneo” e para o sétimo ano, a queda dos

corpos sendo citada dentro do tópico “Barologia Dinâmica” (Programa do Colégio

Pedro II 1897, p. 71).

Iniciando esse período a partir do programa de 1898 observamos que o ensino

dos conteúdos de Física ainda é tratado em conjunto com astronomia. Nessa época o

ensino estava dividido em realista e clássico. No 5º ano do curso realista há 29 lições,

completando no 6º ano com mais 13 lições. Na 3ª lição é elencado o conteúdo de

Cinemática:

“3ª Lição

Summario: a) Movimentos simples – Composição e decomposição de movimentos – Dynamometro – Differentes expressões da velocidade; - b) Leis Physicas do movimento –Machina simples e machina composta – Trabalho e rendimento nas machina”.

(Programa do Colégio Pedro II 1898, p.31)

No 6º ano do curso realista o programa descreve na 5ª cadeira, mecânica e

Astronomia, sendo no tópico de mecânica (noções preliminares) descrita a Cinemática:

“Cinemática

Differentes espécies de movimento; lei do movimento; representação gráphica.

Do movimento Uniforme.

Do movimento uniformemente variado. Queda dos corpos.

Do movimento variado de um modo qualquer.

Theoria do movimento curvilíneo.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 139

Noções sobre o movimento de um systema material invariável.

Composição dos movimentos. Do movimento dos projéctis.

Noções sobre transformação dos movimentos”.

(Programa do Colégio Pedro II 1898, p. 45)

Nesse mesmo programa está descrito o programa de Física do curso clássico.

Elencado para o 7º ano tem uma abordagem mais resumida, totalizando 15 lições. Para a

Mecânica é sugerido uma recapitulação e desenvolvimento do programa do 6ª ano

[curso realista]” (Programa do Colégio Pedro II 1898, p. 60).

O próximo programa curricular analisado é de 1912 e, apesar dos conteúdos

serem elencados separadamente, Física e Química são apresentados juntos. Isso se deve

ao fato de que as duas disciplinas ainda eram ensinadas conjuntamente na sala de aula.

O conteúdo de Física é descrito em 40 tópicos com uma descrição detalhada de cada um

deles. Para a Cinemática temos:

“Preâmbulo sobre o estudo do movimento – Movimento simples e composto – Composição e decomposição dos movimentos – Classificação dos movimentos, sua expressão algébrica e geométrica – Trajectórias – Base lógica da mecânica – Leis physicas do movimento”.

(Programa do Colégio Pedro II, p. 18)

Podemos observar o tipo de abordagem do conteúdo sugerido pelo programa

curricular, quando ele cita “classificação dos movimentos, sua expressão algébrica e

geométrica”. Além desse conteúdo a queda dos corpos é citada separadamente na 11ª

lição:

“Barologia dynamica, seu objeto e divisão – Leis da queda dos corpos – Apparelhos de verificação...”.

(Programa do Colégio Pedro II, p. 18)

No programa de 1916, Física e Química são ensinadas na 4ª e 5ª série com 3

horas em cada uma. Para a 4ª série tem-se 40 lições, enquanto na 5ª série 60 lições,

totalizando 100 lições de Física! Apesar de extenso, pudemos observar nesse programa

e nos anteriores que os conteúdos citados são apenas os títulos do que se devem ser

trabalhado sem uma descrição detalhada. Para a Cinemática temos:

“4ª Lição

Movimento – Repouso – Inércia – Forças – Equilíbrio – Princípio da Inércia – Principio de independência de movimentos – Princípio de igualdade de acção e reacção.

5ª Lição

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 140

Movimento de translação e Rotação – Força centrífuga – Movimento Uniforme e sua velocidade – Movimento Variado – Movimento Uniformemente Variado e sua velocidade – Acceleração”.

(Programa do Colégio Pedro II, p. 76)

Além disso, separadamente, é citada na 9ª lição a queda dos corpos: “Leis da

queda dos corpos – Demonstração experimental” (Programa do Colégio Pedro II, p. 76).

Acreditamos que a “demonstração experimental” seja os aparelhos de Atwood e Morin,

presente inicialmente nos livros estrangeiros.

Também foi encontrado o programa curricular de 1917 e, para o conteúdo de

Física, os conteúdos e lições são os mesmos que o programa anterior.

O próximo programa curricular encontrado é de 1926. Os conteúdos de Física

estão elencados para o 4º e 5º anos por meio de tópicos. Em cada tópico é sugerido o

número de lições que devem ser realizadas para tratar os conteúdos. Para o 4º ano há um

total de 80 lições, sendo 12 lições destinadas ao estudo prático da Física. No 5º ano há

um total de 64 lições, totalizando 144 lições de Física em 2 anos de estudo. Nesse

programa é indicado o livro de “Ganot-Physique (última edição)” (ARICLE &

VECHIA 1998, p. 262). Observamos também que os conteúdos de Química não são

mais elencados conjuntamente com Física já que nessa reforma as disciplinas foram

separadas.

No caso do conteúdo de Mecânica são citadas 26 lições para trabalhar o tópico.

O conteúdo de Cinemática está diluído dentro do tópico da Mecânica:

“Mecânica (16 lições)

Concepção geral de Mecânica e sua definição. Base lógica da Mecânica: instituição da inércia e das forças”.

“Dynâmica

Theoria do movimento do ponto: movimento uniforme e variado, ponto livre e sujeito a mover-se sobre uma linha e uma superfície.

Movimento de systemas invariáveis e variáveis.

Apreciação summaria da theoria da rotação”.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 261)

No tópico Barologia é elencada a queda dos corpos:

“2ª parte Barologia Dynâmica

Movimento dos corpos sólidos sob a ação do peso. Queda dos corpos. Pêndulo. Determinação da intensidade da gravidade pelo pêndulo”.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 261)

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 141

O próximo programa é de 1929. Diferente do programa anterior, a Física é

elencada para o 4º, 5º e 6º anos. Numerados um a um os tópicos se somam em 43 para o

4º ano, 23 para o 5º ano e mais 23 para o 6º ano, totalizando 89 tópicos. Três livros são

indicados nesse programa: Physica – Ganot; Tratado de Physica – Raul Romano;

Elementos de Physica – Pádua Dias (VECHIA & LORENZ 1998, p. 307), todos já

analisados. Para a Cinemática temos:

“Cinemática. Movimento Uniforme. Velocidade. Movimento variado. Aceleração. Translação e rotação. Representações geométricas”.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 306)

Nesse programa é citada pela primeira vez a Barologia no qual é tratado, entre

outras coisas, da gravidade, peso dos corpos, balança, etc. A queda livre está elencada

nesse tópico:

“Queda dos corpos. Verificação experimental de suas leis”.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 306)

Posterior a esse programa chegamos à importante Reforma Francisco Campos

decreto 19.890 de 18 de abril de 1931. Nessa época o ensino está dividido em 5 séries.

Pelo que observamos na análise do programa curricular os conteúdos da 1ª e 2ª séries é

o das ciências, e aborda conteúdos de ensino fundamental como água, atmosfera, calor,

luz, seres vivos, etc. Para as 3ª, 4ª e 5ª séries são elencados conteúdos de Física do

ensino secundário. Nesse programa somente os tópicos são numerados, totalizando 6

capítulos, porém em uma análise geral a quantidade de tópicos é muito semelhante ao

programa curricular anterior. A mecânica é elencada para a 4ª série. Sobre a Cinemática

temos:

“I – Mecânica

Cinemática: movimento retilíneo, movimento curvilíneo de um ponto. Equação do movimento, velocidade e aceleração. Composição de movimentos.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 340)

No tópico Barologia é elencada a queda dos corpos:

Estudo da gravidade; queda dos corpos. Pêndulo. Medida de tempo”.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 340)

Como já vimos anteriormente por meio da Reforma Gustavo Capanema o ensino

secundário ficou dividido em clássico e científico. Por meio da portaria ministerial nº

Page 142: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 142

170, de 13 de março de 1943 são expedidos os programas desses cursos. Pela análise do

currículo pudemos perceber que para o curso clássico a Física faz parte somente dos

segundo e terceiro anos, enquanto que no curso científico dos três anos. Observamos

também, que o currículo de ambos os anos são bem enciclopédicos tendo em cada

tópico uma descrição detalhada dos conteúdos. Para a Cinemática observamos que seu

conteúdo é tratado dentro do tópico “Energia Cinética” apresentando algumas

diferenças entre os cursos. A seguir transcrevemos na íntegra o programa curricular de

cada curso destacando em negrito as diferenças para uma melhor distinção. Para o curso

clássico temos:

“A ENERGIA CINÉTICA

Unidade XVIII – Cinemática: 1. Movimento Retilíneo Uniforme. Velocidade. 2. Movimento uniformemente Variado. Aceleração. Queda dos corpos no vácuo. 3. Movimento Circular Uniforme.

Unidade IX – Dinâmica: 1. Dinâmica das translações. Massa. Proporcionalidade entre força e a aceleração angular. 2. Teorema das forcas vivas. 3. Dinâmica das rotações e oscilações. Proporcionalidade entre o conjugado e a aceleração angular. Energia cinética de rotação. 4. Sistemas de unidades coerentes.

Fórmulas dimensionais. Legislação metodológica brasileira”.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 362)

Para o curso científico temos:

“A ENERGIA CINÉTICA

Unidade XVIII – Cinemática do ponto: 1. Movimento Retilíneo Uniforme. Conceito de Velocidade. 2. Movimento uniformemente Variado. Conceito de Aceleração. 3. Movimento Circular Uniforme. Velocidade angular.

Unidade IX – Dinâmica dos movimentos de translação: 1. Conceito de massa. Conceito vetorial de aceleração. 2. Proporcionalidade entre força e aceleração. 3. Teorema das forcas vivas. 4. Choque mecânico.

Unidade X – Dinâmica dos movimentos de rotação e oscilação: Movimento de inércia. Aceleração Angular. 2. Proporcionalidade entre conjugado e a aceleração angular. 3. Energia Cinética de rotação”.

(VECHIA & LORENZ 1998, p. 363)

O último programa curricular é de 1951 sendo elencado os programas por meio

da portaria nº 996 de 2 de outubro de 1951. Observando o currículo percebemos que a

Física se apresenta nas mesmas séries que o programa anterior, ou seja, segundo e

terceiro anos para o curso clássico e primeiro, segundo e terceiro anos para o curso

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 143

científico. A diferença está na distribuição dos conteúdos. Para o curso científico a

Cinemática passa a ser ensinada no primeiro ano, separadamente da energia cinética:

“3. Movimento retilíneo. Velocidade e aceleração. Gráficos. Composição de movimentos. Movimento circular”.

(VECHIA & LORENZ 1989, p. 404)

A queda dos corpos é tratada separado do conteúdo de Cinemática, juntamente

com a gravitação:

“5. Gravitação Universal. Gravidade. Peso e massa. Equilíbrio dos corpos. Balanças. Queda dos corpos. Pêndulos”.

(VECHIA & LORENZ 1989, p. 404)

Para o curso clássico a Cinemática é tratada no segundo ano, sendo a energia

cinética um item a ser tratado e não um tópico formado por conteúdos:

“2. Movimento retilíneo. Velocidade e aceleração. Gráficos. Movimento circular. Força e aceleração. Quantidade de movimento e impulsão. Energia cinética. Forças no movimento curvilíneo”.

(VECHIA & LORENZ 1989, p. 405)

A queda dos corpos é tratada da mesma forma que no programa do curso

científico:

“3. Gravidade. Peso e massa dos corpos. Pendulo. Sistemas de unidades. Legislação metrológica brasileira”.

(VECHIA & LORENZ 1989, p. 405)

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 144

ANEXO 2

O livro didático a partir de 1930

Como se percebe, a análise do livro didático não pode ser feita focando-se

somente no objeto livro. Seus determinantes e o contexto geral do sistema educacional

são fatores e condições que afetam e determinam o perfil e o caráter das obras. Dessa

forma podemos observar que o século XIX e início do século XX foi uma época

decisiva na formação do currículo e no perfil das obras brasileiras. Enquanto nessa

época o currículo era formado e o livro didático ganhava cada vez mais importância na

educação do país, sua história a partir de 1930 não passa de uma seqüência de decretos,

leis e medidas sendo a história desse período fortemente entrelaçada com a política. “A

partir deste período que se desenvolveu no Brasil uma política educacional consciente,

progressista, com pretensões democráticas e aspirando a um embasamento científico”

(FREITAG 1989, 12).

As primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado sobre o livro didático são

datadas de 1937. Nessa época foi criado o INL (Instituto Nacional do Livro), órgão

subordinado ao MEC, que tinha interesse em assegurar a distribuição de obras de

interesse educacional e cultural. No ano seguinte é criada a Comissão Nacional do Livro

Didático (CNLD) que tinha, entre outras funções, a de examinar e julgar os livros

didáticos ainda não existentes no país e indicar livros para tradução, ou seja, tinha muito

mais a função de um controle político-ideológico que propriamente uma função

didática. No artigo 20 desse decreto 1006/38 (OLIVEIRA 1984, 35) podemos observar

os onze impedimentos à autorização do livro:

• o livro que atente, de qualquer forma, contra a unidade, a independência ou a

honra nacional;

• que contenha, de modo explícito ou implícito, pregação ideológica ou indicação

da violência contra o regime político adotado pela Nação;

• que envolva qualquer ofensa ao Chefe da Nação, ou às autoridades constituídas,

ao Exército, à Marinha, ou às demais instituições nacionais;

• que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tente deslustrar as figuras

dos que se bateram ou se sacrificaram pela pátria;

Page 145: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 145

• que encerre qualquer afirmação ou sugestão que induza o pessimismo quanto ao

poder e ao destino da raça brasileira;

• que inspire o sentimento da superioridade e inferioridade do homem de uma

região do país com relação ao das demais regiões;

• que incite ódio contra as raças e as nações estrangeiras;

• que desperte ou alimente a oposição e a luta entre as classes sociais;

• que procure negar ou destruir o sentimento religioso, ou envolva combate a

qualquer confissão religiosa;

• que atente contra a família, ou pregue ou insinue contra a indissolubilidade dos

vínculos conjugais;

• que inspire os desamos à virtude, induza o sentimento individual, ou combata as

legítimas prerrogativas da personalidade humana.

Em seus mais de 20 anos de atuação, o poder da CNLD é várias vezes

contestado. Mesmo assim o decreto 8460/45 consolida a legislação 1006/38

deliberando-a em três grandes blocos (FREITAG 1989, 14):

• deliberações relativa ao processo de autorização para adoção e uso do livro

didático;

• deliberações relativas ao problema de atualização e substituição dos mesmos;

• deliberações que representam algumas precauções em relação à especulação

comercial.

Em 1947, na gestão do ministério da educação de Clemente Mariani, há um

parecer jurídico a respeito da legalidade da CNLD dirigidos ao ministério da Educação

quanto à liberdade cátedra, de reforço à qualificação profissional do magistério, enfim à

reformulação do ensino pelo viés da pedagogia e não da política com estava

acontecendo à época por meio da CNLD (OLIVEIRA 1984).

No período da década de 50 até os anos iniciais da década de 80, as

manifestações políticas não aparecem de forma regular. Destacam-se principalmente nas

décadas de 60 e 70, quando convergem com relação ao alto custo a que chegam os

livros para as famílias pobres brasileiras. “Fala-se em comercialização da educação, da

industrialização da pedagogia, do truste dos livros, e do abuso da exploração daqueles

que procuram a educação” (OLIVEIRA 1984, 47).

Page 146: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 146

Nos anos 50, em particular, destaca-se a discussão do projeto do deputado

Aurélio Vianna proibindo a substituição do livro didático por 4 anos. Na época houve

quem colocasse a questão sobre outra perspectiva e segundo o deputado Ruy Santos, o

problema tem que ser resolvido pelos próprios órgãos técnicos do Poder Político

colocando livros didáticos a preços populares e evitar a série de exploração que vinha

sendo feita em torno do livro (OLIVEIRA 1984).

Na década de 60 as discussões parlamentares tratavam do mesmo assunto. Em

63 o deputado Braga Ramos salientava o fato que a renovação constante do livro

didático abria frentes para novas especulações comerciais. Os pronunciamentos na

época davam, quase sempre, indícios de uma padronização do livro ao que sempre era

relativo com os perigos de estatização, da oficialização e da excessiva centralização.

Em 1966 o Brasil teve uma política de financiamento de livro didático por meio

do acordo MEC/USAID (governo americano). Nesse convênio foi criado o Conselho do

Livro Técnico e Didático (COLTED) que tratou da distribuição dos livros nas escolas.

No decreto nº 59355 se torna clara sua função:

“Fica instituída, diretamente subordinada ao Ministério de Estado, a Comissão do Livro Técnico Didático (COLTED), com a finalidade de incentivar, orientar, coordenar e executar as atividades do Ministério da Educação e Cultura relacionadas com a produção, a edição, o aprimoramento e a distribuição de livros técnicos e de livros didáticos”54

(OLIVEIRA 1984, 53)

Nesse caso a COLTED compraria todo o estoque da produção que lhe

interessava já que o financiamento era farto devido ao acordo MEC/USAID. O interesse

era tanto do MEC (pois tinha limitações de recursos) como para o governo americano

(pois tinha interesse em impedir a doutrina comunista e manter um elo com o novo

regime estabelecido em 64). Devido a muitas irregularidades e principalmente ao caráter

comercial que adquiriu a COLTED em 1971 ela foi extinta transferindo toda a

responsabilidade (incluindo o pessoal, acervo e outros recursos financeiros) para o INL

(FREITAG 1989).

Para o INL foram estabelecidas atribuições de definir “diretrizes para a

formulação de programa editorial e planos de ação do MEC e autorizar a celebração de

contatos, convênios e ajustes com entidades públicas e particulares e com autores

tradutores e editores, gráficos, distribuidores e livreiros” (OLIVEIRA 1984 57). De 54 Nesse decreto há a mudança do termo “conselho” para “comissão”.

Page 147: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 147

todas essas atividades talvez seja o da co-edição o de maior relevância. Por meio do

Plano do Livro Didático (PLID), que foi criado devido a extinção do COLTED,

desenvolveu-se o Programa do Livro Didático – Ensino Fundamental (PLIDEF), Ensino

Médio (PLIDEM), Ensino Superior (PLIDES), Ensino Supletivo (PLIDESU) e Ensino

de Computação (PLIDECOM), que tinham a função de co-editar livros didáticos para os

respectivos níveis barateando os custos (OLIVEIRA 1984).

Em 1968 foi criada a Fundação Nacional de Material Escolar (FENAME) que

em 1976 sofreu modificações sendo encarregada de assumir o PLID até então

responsabilidade do INL (FREITAG 1989). Ao FENAME passou a ser competência:

a) definir as diretrizes para a produção de material escolar e didático e assegurar sua distribuição em todo o território nacional;

b) formular programa editorial;

c) executar os programas do livro didático e

d) cooperar com instituições educacionais, científicas e culturais, públicas e privadas, na execução de objetivos comuns.

(MEC/FENAME. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília, 1976 apud FREITAG

1989).

Esse programa tinha como objetivo auxiliar o país em seu desenvolvimento de

assistência ao alunado carente de recursos financeiros (FREITAG 1989). Em 1983 foi

criado a FAE (Fundação de Assistência ao Estudante) onde foram reunidos vários

programas de assistência do governo como o PLIDEF e o PNAE (Programa Nacional de

Alimentação Escolar). Apesar de amplos poderes e centralização na FAE esta fundação

nunca chegou a ter poderes como a CNLD e a COLTED.

Em 1985 foi criado o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) que tinha como

principal orientação a escolha do livro no âmbito da escola. Esta escolha era feita com a

participação dos professores do ensino do fundamental após uma análise, seleção e

indicação dos títulos. O Plano tinha por objetivo a universalização do atendimento a

todos os alunos do ensino fundamental e fornecimento de livros reutilizáveis para

adoção (NABIHA 2001).

Em 1993 foi instituído um grupo de trabalho encarregado de analisar a qualidade

dos conteúdos programáticos e os aspectos pedagógicos-metodológicos de livros do

ensino fundamental publicados em 1991. Nessa avaliação, muitos problemas foram

identificados pelas equipes responsáveis. Problemas que iam desde gráficos

inadequados à boa leitura até erros conceituais (NABIHA 2001).

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 148

Segundo Nabiha (2001, p. 02) “em face dos resultados desses estudos, a questão

[da adoção de livros didáticos] passa a ter uma relevância social suficiente para

demandar a atuação do Estado, não mais apenas sobre sua acessibilidade e

disponibilidade, mas também sobre sua qualidade material, de conteúdo conceitual e

pertinência social”.

Assim, passou-se a ter indicadores qualitativos para subsidiar o início do intenso

processo de avaliação do livro didático a partir de 1996. Nesse ano também são

incorporadas ao processo outras duas etapas de caráter pedagógico: a avaliação e, mais

recentemente, a orientação para os professores escolherem os livros didáticos (PNLD

1997, PNLD 1998, PNLD 1999, PNLD 2000, PNLD 2002, PNLD 2004, PNLD 2005).

Esse novo PNLD classificou os livros, nas suas primeiras avaliações, com uma, duas ou

três estrelas, numa representação de sua qualidade55. Sendo assim, o Guia do livro

didático era distribuído a todos os professores do ensino fundamental pretendendo

informar as características dos livros para que na hora da escolha, o professor optasse

pelo livro que melhor se adequasse às suas necessidades (MATTOS et al. 2002).

Em 1998, foram estabelecidos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que

serviram como referência de reorientação curricular do ensino fundamental e como um

guia da política educativa no Brasil, buscando estabelecer um referencial curricular para

todo o país (MATTOS et al. 2002). Em 2000 foram publicados os Parâmetros

Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2000) e mais tarde o

PCN+ (BRASIL, 2002) com o mesmo objetivo dos PCN, porém para o ensino médio.

Nessa cronologia da história do livro didático é possível observar os vários

interesses políticos e ideológicos que setores governamentais e agentes sociais exercem

no livro didático. Fracalanza (1993, 43) apresenta um quadro descritivo das múltiplas

influências que diversos segmentos exercem sobre o livro didático no Brasil:

55 Os livros aos quais foram atribuídas três estrelas eram considerados “Recomendados com distinção”, aqueles que receberam duas estrelas eram considerados "Recomendados", e os livros que receberam uma estrela eram aqueles "Recomendados com ressalvas".

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 149

Tabela A2.1: Quadro descritivo das múltiplas influências sobre o livro didático no Brasil

Instituições Segmentos Ações

INSTITUIÇÕES PÚBLICAS (Executivo-Legislativo)

Políticos – Governantes – Membros de Equipes

Técnicas

ELABORAM E/OU EXECUTAM NORMAS E POLÍTICAS PÚBLICAS DE:

• Seleção de títulos e censura • Padronização e editorial • Financiamento à produção/

distribuição das obras • Financiamento de estudos e pesquisa.

EDITORAS Editores e autoras

EXECUTAM AÇÕES DE: • Produção editorial • “Marketing” • Pressão para a definição de normas,

políticas e ações públicas.

ESCOLAS Técnicos – Professores –

Alunos e pais

EXECUTAM AÇÕES DE:

• Seleção/avaliação • Utilização • Produção de propostas alternativas

ao LD ou ao seu uso no ensino.

GRUPOS/IES OU INSTITUIÇÕES DE PESQUISAS

Pesquisadores

EXECUTAM AÇÕES DE: • Produção de propostas

metodológicas e/ou de material alternativo

• Assessoria à elaboração de propostas curriculares

• Atualização de professores em conteúdos e metodologias

EXECUTAM TAMBÉM: • Análise e divulgação de diversos

aspectos relacionados ao LD.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 150

ANEXO 3

Outros currículos encontrados na escola politécnica

Além dos currículos específicos dos cursos da Escola Politécnica, em seu

arquivo histórico foram encontrados dois currículos de outras instituições. Não temos as

informações da forma como eram usados pelos professores, mas sabemos que

representavam a tendência da época já que eram de importantes estabelecimentos de

ensino.

Um deles é o Colégio de Minas de Ouro Preto de 1905. O conteúdo está

elencado para a 3ª Cadeira do 1º ano do Curso fundamental e contém: propriedades

gerais da matéria (com alguns conceitos de mecânica), calor e óptica em um total de 7

páginas! Sobre o conteúdo de nosso interesse temos:

“Propriedades essenciais da matéria. Noções de mecânica: cynemática, estática, dynâmica. Unidades absolutas. Systemas. C G.S.

Gravidade.

Acção da gravidade sobre os corpos. Direcção da gravidade. Definição do peso e do centro de gravidade dos corpos. Leis da queda dos corpos. Machina de Atwood. Plano inclinado. Apparelho de Morin - Pêndulo. Movimento do pendulo simples. Caso das pequenas oscilações. Fórmula. Conseqüências tiradas da formula. Pendulo composto.

Determinação da acceleração devida a gravidade – Balança. Condições geométricas de justesa e de sensibilidade. Realisação pratica dessas condições. Balanças de precisão. Dupla fenda.

Propriedades geraes

Impenetrabilidade – Extensão; apparelho de medida. Compressibilidade. Divisibilidade – constituição da matéria”.

(Programa da Escola de Minas 1905, p.1)

Outro documento encontrado na Escola Politécnica é o “Programa das diversas

disciplinas do gynásio do Estado em Ribeirão Preto” de 1922. Nele todo o programa de

Física é elencado para o 5º e 6º anos em um total de 80 itens. Para o conteúdo de

Cinemática e as propriedades gerais temos:

“4- Propriedades essências dos corpos: extensão e impenetrabilidade. Propriedades geraes: divisibilidade, porosidade, compressibilidade, elasticidade, mobilidade e inércia. Propriedades particulares: estado physico, cor, brilho, etc; dureza, forma chistallina, etc; sabor e odor. Divisão da physica: Mechanica em geral ou abstracta; gravidade comprehendendo a mechanica dos

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 151

sólidos, mechanica dos líquidos (hydrostática) e mechanica dos gases (pneumática). Somnologia e acústica. Thermologia-Photologia ou Óptica-Electrologia e Magnetismo- Metheorologia e Climatologia.

5- Noções de Mechanica geral. Definição da Mechanica. Princípios fundamentaes da mechanica; leis de Galileu, de Kepler e de Newton. Divisão da Mechanica em Cinemática ou estudo dos movimentos; Estática ou estudo das forças em si; Dynamica ou estudo das forças e suas relações com os movimentos produzidos.

6- Movimento. Sua relatividade. Ponto Material. Vector. Trajectoria, direccção e velocidade. Divisão dos movimentos. Quanto a trajectoria e direcção: rectilineo e curvilíneo; translação, rotação e helicoidal. Quanto a velocidade: uniforme e variado.

7- Movimento rectilíneo uniforme. Sua equação e representação. Movimento variado: Acceleração e retardação. Equação e representação do movimento uniformemente variado. Movimento curvilíneo. Movimento circular uniforme. Sua equação. Movimento periódico simples, oscilações. Período e freqüência. Movimento de rotação e translação”.

(Programa do Gynasio do Estado de Ribeirão Preto 1922, p. 38)

Sobre a Barologia o currículo apresenta:

“Barologia

11- Gravitação Universal. Leis de Kepler. Gravidade, lei de Newton. Direcção da gravidade, fio de prumo. Definição da vertical e horizontal. Centro de gravidade dos corpos homogêneos. Determinação empírica do centro de gravidade dos corpos. Equilíbrio dos sólidos.

12- Intensidade da gravidade. Peso de um corpo. Peso absoluto e relativo. Cousas da variação da intensidade. Força centrifuga, suas leis e formulas.

13- Balança, sua theoria. Diversos typos de balanças. Balança ordinária e de Roberval. Methodo de pesagem. Condições de pressão e de sensibilidade.

14- Queda dos corpos. Leis de Newton. Tubo de Newton, martello d’água, machina de Atwood e do general Morin, plano inclinado de Galileu. Expressão das leis da queda dos corpos; leis dos espaços e das velocidades verificadas pela experiência. Resistência dos fluídos aos movimentos. Queda dos corpos no ar. Velocidade limite de um corpo que cahe no ar”.

(Programa do Gynasio do Estado de Ribeirão Preto 1922, p. 38)

Além disso, é apresentado o programa de Mecânica e Astronomia com 14 itens

para cada um. Nesse caso, sobre o conteúdo de Cinemática temos:

“2- Lei da persistência dos movimentos. Movimento uniforme.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 152

3- Lei da coexistência dos movimentos. Composição dos movimentos.

4- Lei da acção e reacção. Noção de massa. Theoria dos choques.

5- Movimento variado. Movimento uniformemente variado. Lei da queda dos corpos. Movimento circular”.

(Programa do Gynasio do Estado de Ribeirão Preto 1922, p. 36)

No final desse currículo é citado como livro adotado Physica de Langlebert. Esse

livro foi provavelmente adotado no Colégio Pedro II pois “O livro adotado pela

disciplina de Química da mesma cadeira Physica e Chimica é a obra do francês Joseph

Langlebert; o de Física muito provavelmente também é, como todos os outros, Francês”

(SAMPAIO 2004, p. 78).

Nesse último currículo podemos observar a extensão do conteúdo de mecânica e

as inúmeras citações aos conteúdos correspondentes à Cinemática, isso é um reflexo de

como a mecânica já ocupa certo espaço no ensino brasileiro. Também pelo livro citado

de Langlebert podemos perceber que a Física abordada se assemelha muito do enfoque

atual no qual são apresentadas figuras, extenso conteúdo, forte base matemática e

exercícios.

ANEXO 4

A tabela está dividida pelos anos e os respectivos dias que foram realizadas as

provas. Cada grupo de conteúdos representa grupo de provas encontradas, ou seja,

quando em um ano são apresentados mais de um grupo de conteúdo, foram organizadas

turmas que faziam as provas em dias diferentes e, evidentemente, as provas possuíam

conteúdos diferentes. Em alguns casos foram encontrados mais de 3 provas em um

grupo. Acreditamos que sejam provas substitutivas para alunos que perderam provas ou

não atingiram notas suficientes nas provas titulares.

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Conteúdos das provas da Faculdade de Medicina

ANO DISCIPLINA CURSO CONTEÚDO 1913 Física Médica Preliminar 16/jul Capilaridade, Isotonia, Colóides orgânicos

11/ago 4 exercícios de ótica (foto) e 1 questão de calorimetria (foto) Indução magneto-electrica Dissociação electrolítica

27/out Cataphorese

11/jul 4 Exercícios de lentes (cálculo e construção gráfica)

Estudo dos elementos indispensáveis à construção do dioptro equivalente ao dioptro que forma o globo ocular

Ângulo refringente de um prisma

1/out

Ângulo de desvio de um prisma

1914 Física Médica Preliminar Limites dos sons perceptíveis Sons equimoleculares, concetração molecular Variação da pressão atmosférica

15/jul

Dissolução dos gases, suas aplicações 9/set Calorimetria e suas aplicações no estudo do calor animal Prismas à reflexão total, suas aplicações Acuidade Visual

22/out unidades elétricas

14/mai Definição de unidades electricas, antrophometria (ponto 1) força, aceleração da gravidade

O que é trabalho mecânico? Sua fórmula; efeitos das balas modernas nos organismos

14/mai

Qual a densidade normal da urina? Causas da submersão do corpo na água

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 154

Qual a pressão sanguínea média. O que é pulso? Quais os sygnais physicos pelos quais se manifesta systale neutricular cardiaca?

Qual o número normal de pulsação em um minuto? Machina acustica

17/jul Influência da variação atmosférica sobre o organismo

9/set Propagação de calor. Variação da temperatura nos homens e animais Reflexão e Refração da luz Formação das imagens no globo ocular Unidades electricas e fórmulas visuais

23/out Composição da luz e das cores dos objetos. Acromatismo, Resistência e suas aplicações

1915 Física Médica Preliminar 15/abr Transmissão das pressões no interior das massas liquidas. Demonstração do teorema de Pascal.

15/abr Trabalho da gravidade quando, por exemplo, um corpo de peso P cai de uma altura H

11/jun Descontinuidade das colunas liquidas nos capilares. Absorção dos gases pelos líquidos. Difusão. Suas aplicações.

31/ago Causas que influenciam sobre os poderes refletores, absorventes e emissão dos corpos pelo calor. Calor específico dos gases

26/out 2 exercícios de calculo da imagem no espelho côncavo e 1 exercício da 2ª lei de ohm 17/abr Demonstração teórica dos corolários do princípio de Pascal 14/jun Tensão superficial nos tubos capilares

14/jun Difusão dos gases. Sua absorção pelos líquidos. Principio de Arquimedes aos gases. Determinar a tensão no recipiente da máquina pneumática após um movimento do êmbolo

Dilatação e densidade dos líquidos Teoria da ebulição

31/ago Tensão dos vapores

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 155

26/out Microscópio simples e 1 exercício da 2ª lei de ohm

1916 Física Médica Preliminar 11/abr Elasticidade dos corpos sólidos. Trabalho das forças. Suas aplicações ao estudo do papel que representa a elasticidade dos choques

13/jun Difusão dos gases. Sua absorção pelos líquidos. Principio de Arquimedes aos gases. Determinar a tensão no recipiente da máquina pneumática após um movimento do êmbolo

29/ago Vapores: sua tensão e mistura com os gases. Higrometria. 10/out Prismas e espelhos curvos. Seus estudos sob o ponto de vista da ótica médica.

1917 Física Médica Preliminar 30/abr Dinâmica. Principio fundamental da mecânica e seus corolários. Elasticidade dos corpos sólidos e suas aplicações

12/jun Imbibição capilar dita constitucional dos corpos orgânicos. Dissolução dos sólidos, suas propriedades e concentração molecular

14/set Qualidade do som e fenômenos físicos da audição

31/out Aplicações das lentes biconvexas ao estudo da ótica fisiológica. Fenômenos electro chimicos

1918 Física Médica Preliminar Quais as fórmulas do movimento uniformemente variado

Como são as mesmas deduzidas Trabalho. Força Viva

16/abr

Força centrífuga, suas leis 3/set Corolário a tirar da lei de Dalton sobre a mistura dos gases e vapores Definir peso específico e densidade. Dar as respectivas fórmulas

16/out Pelo processo da balança hidrostática encontrou-se para o chumbo a densidade de

11,35. Demonstrar qual a razão porque a densidade pode ser confundida com o peso específico da substância

21/1/1919 Indução geral

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 156

1919 Física Médica Preliminar 11/jun Elasticidade dos corpos sólidos. Dissolução dos sólidos e dos gases líquidos. Suas aplicações

19/set Termogenese. Regulação Térmica 22/out Higrometria. Corrente elétrica

1920 Física Médica Preliminar Explicação da tensão superficial Imbibição constitucional das substâncias orgânicas

14/abr Membranas asmáticas e pressão asmática

23/ago Aberração dos espelhos e das lentes, acuidade visual,ângulo limite, dioptria, espectro dos gases e dos vapores incandescentes

Definição da capacidade. Definição da unidade de capacidade

27/out Resistências em derivações. Leis a elas aplicadas. Leis da eletrólise. Corrente de

indução e suas leis

14/abr Tensão superficial. Emulsões. Propriedades das soluções dependente da concentração molecular

24/ago Acromatismo dos prismas e das lentes, cor dos corpos, coloração por difusão e por transparência. Campo visual.

Como avaliar a potência e a energia absorvida em um condutor O que são correntes de polarização? Quais são as aplicações das ações eletromagnéticas?

28/out

O que se deve entender por força eletromotora das extra correntes

1921 Física médica Preliminar 8/jun Tensão superficial. Imbibição capilar e constituição das substâncias orgânicas 12/set Exercício sobre associação de espelhos (60°) 10/nov Tensão e quantidade. Derivações. Eletromagnetismo 6/jun Dissolução. Suas propriedades características. Pressão osmótica 9/set Exercício de ótica (calcular posição da imagem) 10/nov Resistência. Potencial. Efeitos químicos das correntes elétricas

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 157

10/jun Hidrodinâmica. Teorema de Torricelli. Escoamento dos líquidos nos tubos retilíneos e nos tubos capilares

14/set Acuidade visual. Ângulo limite 10/nov Tensão e quantidade. Derivações. Eletromagnetismo

1922 Física Médica Preliminar 26/abr Trabalho e força viva. Papel da elasticidade nos choques 9/jun concentração molecular. Pressão osmótica. Cryoscopia. 12/jun Tensão superficial. Teoria dos gases 12/out Refração da luz pelos prismas. Aplicações 8/nov Termogenese. Indução

1923 Física Médica Preliminar 4/mai Imbibição constitucional das substâncias orgânicas. Osmose 11/jun Pressão atmosférica. Sua aplicação ao estudo físico da respiração 19/set Lentes convergentes. Aplicação à Medicina 29/out Efeitos magnéticos das correntes elétricas. Resistência

1924 Física Médica Preliminar Demonstração do teorema de Torricelli

28/abr Escoamento dos líquidos nos tubos retilíneos e nos capilares

9/set Mistura, dissolução dos gases: sua aplicação ao estudo da respiração 27/out Indução eletromagnética 21/out RELATÓRIO (ALGUNS DATILOGRAFADO): Termodinâmica e termogenese

1925 Física Médica Preliminar 2/jun Imbibição constitucional das substâncias orgânicas e colóides 29/out Higrometria. Termodinâmica 1/nov liquefação dos gases aparelhos empregados 7/nov Resistência elétrica. Unidade de resistência. Lei de Ohm

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 158

10/nov EXAME PRÁTICO: Experiência para demonstrar a diferença dos calores específicos nos sólidos

s/d Calorimetria. Calor específico dos líquidos e dos sólidos. Método de determinação

VESTIBULAR

1926 Física vestibular 3/mar Capilaridade, seus efeitos, leis dos fenômenos capilares. Difusão, osmose, diálise (ponto 2)

Física Médica 1° ano 22/jun Osmose e diálise Física Médica 1° ano 16/out Eletrólise, ionização, suas aplicações

Física vestibular 3/mar Capilaridade, seus efeitos, leis dos fenômenos capilares. Difusão, osmose, diálise (ponto 2)

Física Médica 1° ano 19/jun Influência da pressão atmosférica sobre a vida. Compressão e descompressão Física Médica 1° ano 14/out Eletromagnetismo, indução. Correntes farádicas, meios de produção (ponto 8)

1927 Física vestibular 3/mar Som, propagação do som, velocidade, produção. Qualidade do som Física Médica 1° ano 21/jul Estática e locomoção do corpo humano Física Médica 1° ano 18/out Natureza e propriedade dos raios catódicos

1928 Física vestibular 1/mar Leis da refração, ângulo limite, reflexão total. Espectroscopia, espectro de emissão e absorção. Fraunhofer

Física Médica 1° ano 23/jun Osmose. Analogia dos corpos dissolvidos com os corpos gasosos. Determinação da concentração molecular com a cryoscopia (ponto 6)

Física Médica 1° ano 25/out Fenômenos físicos da respiração. Pneumografos. Ventilação pulmonar. Capacidade vital pulmonar. Capacidade vital (ponto 22a)

1929 Física vestibular 2/fev Leis da refração. Ângulo limite. Reflexão total. Construção das imagens produzidas pelas lentes divergentes. Aberração cromática

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 159

Física vestibular 2/fev Definir peso absoluto e peso relativo. Condições de sensibilidade e justeza de uma balança. Métodos de pesar. Determinação de densidade dos líquidos pela balança hidrostática.

Física médica 1° ano 10/jun Marcha. Movimento dos membros inferiores. Principais noções musculares do membro oscilante e de apoio. Relações entre a velocidade da marcha e o comprimento do passo. Diferença entre a marcha e a carreira.

Física médica 1° ano 31/out Natureza e propriedades dos raios catódicos (comparação entre raios catódicos e raios X)

1930 Física vestibular 1/fev Unidades de temperatura e calor. Princípios fundamentais da calorimetria. Diferentes métodos calorimétricos (ponto2)

Física vestibular 4/fev Dispersão da luz. Espectroscopia. Espectro de absorção. Dupla refração. Polarização da luz. Polarímetros (ponto 12)

Física médica 1° ano 11/jun Solução eletrolítica. Íons. Transporte de íons. Ionsterapia.

1931 Física vestibular 5/fev Aplicação dos barômetros. Estados higormétricos do ar. Higrômetros.

Física vestibular 4/fev Condições de sensibilidade e justeza de uma balança. Métodos de pesar. Densidade absoluta. Densidade relativa, sua determinação pela balança hidrostática.

Física vestibular 10/fev Distinção entre calor e temperatura. Coeficiente de dilatação dos corpos sólidos, suas determinações. Leis de Gay-Lussac sobre a dilatação dos gases

Física médica 1° ano 29/out Propriedades óticas e químicas dos raios X. Absorção dos raios X. Radiocroismo. Leis de Benoit.

Física médica 1° ano 10/jun Quais os processos para o reconhecimento da polaridade de uma máquina estática. Determinação do centro de gravidade do corpo humano. Descrever o movimento dos membros inferiores durante a marcha.

1932 Física vestibular 29/jan Determinação da densidade dos líquidos. Refração simples. Ângulo Limite de refração. Indução eletromagnética.

Física médica vestibular 1/fev Queda dos corpos. Determinação do valor de g. Tensão máxima de vapores e sua medida. Higrometria. Leis de Ohm, medida da resistência de um condutor.

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 160

Física médica 1° ano 18/jun Composição de movimentos vibratórios. Difração nas grades. Medida da distância focal de uma lente

1933 Física vestibular 1/fev

Composição das forças resultantes de um sistema de forças concorrentes. Composição de forças paralelas. Reflexão da luz. Formação de imagens com espelhos planos e com espelhos esféricos. Leis de Ohm. Lei de Joule. Campo magnético de uma corrente retilínea, de uma corrente circular.

Física vestibular 1/mar

Propriedades gerais da matéria, estados de agregação. O estado sólido. Cristalização. Dureza. Atrito. Tensão, solidificação, calor de fusão. Estudo elementar do microscópio. Traçado geométrico da fórmula de imagem com o microscópio. Focalização.

Física médica 1° ano 19/jun Idéias gerais sobre o movimento das moléculas no caso de um gás perfeito. Significado de temperatura. Zero absoluto. Definição de liquido perfeito. Significado do teorema de Bernoulli. Compressibilidade dos líquidos. Noções de viscosidade.

Física médica 1° ano 31/out

Leis fundamentais da cristalografia. Explicação pela concepção de uma rede cristalina. Composição de dois movimentos harmônicos simples do mesmo período, efetuando-se na mesma direção. Regra de Fresnel. Reflexão em concordância ou em oposição de fase. Explicação desses dois casos com um exemplo concreto.

COLÉGIO UNIVERSITÁRIO

1934 Física 1° ano 1/fev Barômetros e micrometros metálicos

1° ano 26/nov

Que movimento se atribui às moléculas nos gases perfeitos? Dizer porque. Leis gerais da vaporização: diagrama PT. Explicação da existência faces planas, de direções de clivagem natural e da lei de Romé de L`Isle segundo a teoria da rede cristalina.

1° ano 10/dez Composição de forças concorrentes. Definir ligações e deslocamento virtual. Trabalho virtual. Quais são os dois principais sistemas de unidade mecânica baseado na equação fundamental da Dinâmica (expressão 2° princípio)

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 161

1935 Física 2° ano 17/jun Espectro de absorção. Regra de Kirchhoff. Polarização retilínea da luz mediante reflexão. Principio das dosagens polarimétricas

Física 2° ano 6/nov Equilíbrio de um corpo rígido móvel em torno de um ponto fixo. Vibração das cordas. Lei de Mersenne. Problema: Calculo do trabalho.

Física 2° ano 8/nov Resistência dos fluídos ao movimento dos corpos imersos. Mecanismo da corrente elétrica nos condutores de 2ª classe. Corrente senoidal

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 162

ANEXO 5

Tabela de classificação dos livros

Tabela A5.1a: Tabela de classificação dos livros. Palavra

Cinemática Mobilidade Fundamentos da Cinemática Mov. Uniforme Mov. Unif. Variado

Ano Autor Usa

Não usa

Nas PGM

Na Mecân.

Não Possui isolado

Na Mecân.

Não possui isolado

Na Mecân.

Não possui isolado

Na Mecân.

Não possui

1798 BARRUEL X X X X X

1810 HAUY X isolado X Na

mobilid.

Na mobilid.

1840 GUERIN-VARRY

X X X X X

1856 MEIRELLES X X X X X

1868 GUEDES X X X X X

1870 JAMIM X X X X X

1872 GANOT X X X X X

1876 GAMA X X X Na PMG Na PMG

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 163

1880 DRION e

FERNET * X --- --- --- --- --- --- X X

1892 LANGLEBERT X X X X X

1894 GANOT X X X X X

1896 LANGLEBERT X X X X X

1896 NOBRE X X X X X

1901 MURANI X X X X X

1902 GOUVEIA X X X X X

1904 LANGLEBERT X X X X X

1904 NOBRE X X X X X

1907 GOUVEIA X X X X X

1912 FTD X X X X X

1911 NOBRE X X X X

1920 DIAS X X X X X

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 164

1923 GANOT X X X X X

1926 MAHLER (exercícios) X X X X X

1927 FTD X X X X X

1927 MAÑAS e

BONVI X X X X X

1928 ROMANO X X X X X

1932 WATSON

(trad. Mañas & Bonvi)

X X X X X

1933 DIAS X X X X X

1934 NOBRE X X X X X

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 165

Tabela A5.1b: Tabela de classificação dos livros. Cinemática vetorial

(hodógrafo) Queda livre Movimento Circular Composição de mov.

Ano Autor isolado

Na mecân.

Não Possui

isolado Na

Mecân. Não

possui Isolado

Na Mecân.

Não possui

isolado Na

Mecân. Não possui

1798 BARRUEL X X X X

1810 HAUY X X X X

1840 GUERIN-VARRY X X X X

1856 MEIRELLES X X X X

1868 GUEDES X X X X

1870 JAMIM X X X X

1872 GANOT X X X X

1876 GAMA X X Na PGM X

1880 DRION e

FERNET * --- --- --- X --- --- --- --- --- ---

1892 LANGLEBERT X X X

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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 166

1894 GANOT X X X X

1896 LANGLEBERT X X X X

1896 NOBRE X X X X

1901 MURANI X X X

1902 GOUVEIA X X X X

1904 LANGLEBERT X X X X

1904 NOBRE X X X X

1907 NERVAL X X X X

1911 NOBRE X X X X

1912 FTD X X X X

1920 DIAS X X X X

1923 GANOT X X X X

Page 167: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 167

1926 MAHLER (exercícios)

X X X

1927 FTD X X X X

1927 MAÑAS e BONVI X X X X

1928 ROMANO X X X X

1932 WATSON

(trad. Mañas & Bonvi)

X X X X

1933 DIAS X X X X

1934 NOBRE X X X X

Page 168: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 168

Tabela A5.1c: Tabela de classificação dos livros. Lançamento de projéteis Exercícios

Ano Autor isolado

Na cinem.

Não Possui

Apêndice No

conteúdo Não

Possui

Quant. Exerc.

Cinemát.

No fig. ou desen./

pg de Cinem.

N o pg. de Cinem. / Total

pg.

Equações de movimento

1798 BARRUEL X X 0/0 0/0 0/43 NÃO

1810 HAUY X X 0/0 0/0 6/426 NÃO

1840 GUERIN-VARRY X X 0/0 0/0 0/41 NÃO

1856 MEIRELLES X X 0/0 0/0 0/50 NÃO

1868 GUEDES X X 0/0 5/10 10/372 SIM

1870 JAMIM X X 0/0 8/12 12/683 SIM

1872 GANOT X X 0/98 13/14 14/948 SIM

1876 GAMA X X 0/0 0/1 1/82 NÃO

1880 DRION e

FERNET* --- --- --- X 1/42 12/20 20/860 SIM

1892 LANGLEBERT X X 0/0 5/12 12/568 SIM

1894 GANOT X X 5/116 24/22 22/1211 SIM

Page 169: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 169

1896 LANGLEBERT X X 0/26 6/10 10/486 SIM

1896 NOBRE X X 3/60 8/15 15/560 SIM

1901 MURANI X X 0/0 19/28 28/405 SIM

1902 GOUVEIA X X O 8/10 10/446 SIM

1904 LANGLEBERT X X 0/26 9/12 12/554 SIM

1904 NOBRE X X 10/211 11/21 21/748 SIM

1907 GOUVEIA X X 0 8/10 10/446 SIM

1911 NOBRE X X 10/211 11/21 21/764 SIM

1912 FTD X X 1/10 4/6 6/239 NÃO

1920 DIAS X X 0 0/8 8/460 SIM

1923 GANOT Queda corpos

X 8/234 13/17 17/1197 SIM

1926 MAHLER (exercícios)

X X 43/609 0 --- NÃO

(exercícios)

1927 FTD X X 11/335 5/8 8/633 SIM

Page 170: Roberto Bovo Nicioli Junior

O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 170

1927 MAÑAS e BONVI X X 0/0 7/13 13/365 SIM

1928 ROMANO X X 1/1 4/10 10/323 SIM

1932 WATSON

(trad. Mañas & Bonvi)

X 30/727 38/35 35/977 SIM

1933 DIAS X X 1/1 4/12 12/480 SIM

1934 NOBRE X X 10 /289 16/20 20/807 SIM

* O livro não possui da página 1 até a 17, no qual está o conteúdo de mecânica. Alguns dados puderam ser extraídos do índice do livro.