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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
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Universidade de São Paulo
Instituto de Física Instituto de Química
Instituto de Biociências Faculdade de Educação
O conteúdo de Cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930
Roberto Bovo Nicioli Junior
Orientador: Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Universidade de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM ENSINO DE CIÊNCIAS (MODALIDADE FÍSICA), sob a orientação do Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos.
São Paulo
2007
BANCA EXAMINADORA Cristiano Rodrigues de Mattos
Circe Maria Fernandes Bittencourt
Alberto Gaspar
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 2
FICHA CATALOGRÁFICA Preparada pelo Serviço de Biblioteca e Informação do Instituto de Física da Universidade de São Paulo
Nicioli Junior, Roberto Bovo O Conteúdo de Cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930. São Paulo, 2007. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo. Instituto de Física Depto. Física Experimental Orientador: Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos
Área de Concentração: Ensino de Ciências
Unitermos: 1. História da Educação; 2. Livros didáticos; 3. Cinemática USP/IF/SBI-085/2007
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 3
Agradecimentos À FAPESP pelo apoio financeiro concedido.
Ao meu orientador Prof. Dr. Cristiano Rodrigues de Mattos que, com sua
competência e paciência, soube me orientar nos momentos decisivos desse trabalho.
Levo como ensinamento a sinceridade na realização de um trabalho, além de ter se
tornado um amigo por toda minha vida.
À Profa. Dra. Circe Maria Fernandes Bittencourt que, com sua vasta experiência
em pesquisas históricas, colaborou com informações que foram cruciais para êxito desse
trabalho.
À Profa. Dra. Yassuko Hossoume que, no início do mestrado, depositou em mim
a confiança da capacidade em atingir esse objetivo.
Ao Prof. Wagner Rodrigues Valente, pesquisador da história do ensino da
matemática, pelas dicas com relação às entidades educacionais a serem pesquisadas e
sobre a organização estrutural do conteúdo de Cinemática.
À Glads Maria D`Elia Sampaio que, com muita prestação, forneceu fotos de seu
arquivo pessoal dos livros didáticos que analisou em sua dissertação de mestrado.
À professora Vera Cabana, professora de História, responsável pelo NUDOM-
Núcleo de documentação do Colégio Pedro II pelo acesso à biblioteca do Colégio.
À Bibliotecária Luciana Goes da Biblioteca do Livro Didático, sempre prestativa
com relação aos livros do acervo.
À Bibliotecária Maria Luiza de Souza do acervo histórico da Escola Politécnica
que disponibilizou toda documentação do acervo.
Às Bibliotecárias Marlene de Fátima Ferreira e Regina Elena Pereira da
Biblioteca Central da Escola Politécnica da USP que permitiram o livre acesso ao
acervo para a pesquisa, bem como autorizaram as fotos dos livros didáticos.
À Bibliotecária Maria Celina que disponibilizou o acervo histórico da Faculdade
de Medicina.
Aos integrantes do grupo LIVRES (Livros Escolares) que colaboram de diversas
formas para o sucesso desse trabalho.
Aos integrantes do grupo ECCo (Grupo de Pesquisa em Educação Ciência e
Complexidade) que pacientemente assistiram aos meus seminários e contribuíram com
importantes observações.
À minha amiga Scott pelos momentos de reflexão.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 4
Dedico este trabalho aos meus pais
que sempre me incentivaram e mostraram que
com fé, esforço e humildade podemos atingir objetivos inimagináveis...
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 5
Resumo
Neste trabalho procuramos resgatar a trajetória do conteúdo de Cinemática nos
livros didáticos de Física utilizados no ensino brasileiro desde o século XIX até a
década de 1930. Mostramos que para realizar esse levantamento é necessária a
investigação de outras vertentes, já que os livros didáticos não se explicam por si só. Tal
trajetória pode ser analisada por meio de um recorte sobre a história da disciplina Física,
mostrando uma forte relação do conteúdo dos livros com a disciplina. Além disso, ficam
claras outras ligações quando consideramos a história das instituições educacionais e o
sistema de exames para ingresso no ensino superior. Por exemplo, durante quase todo o
século XIX o ensino científico estava nas instituições militares superiores, tendo pouca
expressão no ensino secundário escolar. Isso se devia ao currículo humanístico-literário
da época cuja ênfase era em disciplinas como retórica, línguas, filosofias etc. Essas
influências foram determinantes na abordagem do conteúdo dos livros didáticos,
principalmente na Física. Nesse trabalho, identificamos quatro momentos distintos para
a descrição do conteúdo de Cinemática. No primeiro, a abordagem do conteúdo foi
“descritiva”, baseada na Filosofia Natural, e os fenômenos naturais tinham como
responsável o “Ente Supremo”. Na metade do século XIX temos o segundo momento no
qual a descrição ainda está presente, porém baseada em aparelhos ou aparatos físicos, ao
qual nomeamos como “descritiva-experimental”. É também, no segundo momento, que
pudemos identificar os “agentes físicos” como os regentes pelos fenômenos naturais. O
terceiro momento é marcado pela abordagem “demonstrativa-experimental”, pois passa
da descrição para a demonstração algébrica dos conceitos, porém ainda com
experimentos, estamos na virado do século. Por último, nas primeiras décadas do século
XX, temos a “algebrização” do conteúdo, momento que são dispensados os
experimentos e as figuras, sendo substituídos por situações hipotéticas. É nesse período
que importantes estabelecimentos, como a Escola Politécnica e a Faculdade de
Medicina, ambas de São Paulo, introduziram importantes modificações no ensino de
Física, já que o ensino de ciências de nível secundário se encontrava nas disciplinas
introdutórias desses cursos. Esses estabelecimentos remodelaram o conteúdo de Física
que iria ser incorporado pelo ensino secundário na reforma Francisco Campos em 1931.
Palavras chaves: Livro Didático, História da Educação, Cinemática
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 6
Abstract
In this work we tried to recover the path of the kinematics content in textbooks
of Physics used in the Physics teaching in Brazil since the 19th century to the decade of
1930. We showed that to carry out that assessment is necessary investigating other
sources, since the textbooks are not explained by itself. Such changes can be justified
through a cut off on the history of the discipline of Physics, showing a strong relation
between the content of the textbooks and the discipline. Besides the connection between
textbook and discipline, it is clear that are other connections when we considered the
history of the education institutions and the system of exams for entrance in the higher
education. For instance, during almost the whole 19th century the Science teaching was
in the superior military institutions, practically being ignored in the traditional
secondary teaching. That was due to the humanistic-literary epoch curriculum that had
emphasis in disciplines as rhetoric, languages, philosophies etc. Those influences were
decisive to the approaches of the textbooks contents. On the different approaches we
detected four different moments. In a first moment the approach of the content was
"descriptive", based on the Natural Philosophy, and the natural phenomena had as
responsible a "Supreme Being". In the middle of the 19th century we detected a second
moment where the descriptive function is still present, however based on instruments or
physical apparatus, moment we called as "descriptive-experimental". It is also in the
second moment we could identify the change of the responsibility of the phenomena,
which leave the "Supreme Being" and become the "physical agents". In the third
moment the approach is still experimental, however no more descriptive but algebraic.
We named that moment as "demonstrative-experimental", occurred at the turning of the
19th century. At last, in the first decades of the 20th century, we have the "algebrization"
of the content, time when it was dispensed the illustrations and the experiments, which
are substituted by hypothetical situations. It is in that period that important
establishments, as the Polytechnic School of São Paulo, acted directly in the Physics
teaching, since the Science teaching of secondary level was found in the introductory
disciplines of their courses. Those establishments "molded" Physics contents that were
incorporated at the secondary level in the Francisco Campos Reform in 1931.
Key words: Text book, Education History, Cinematic
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 7
Sumário
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10 Estrutura da dissertação .......................................................................................... 14 Problema da pesquisa.............................................................................................. 14 Desenho da pesquisa............................................................................................... 17
CAPITULO 1.................................................................................................................. 19 1. O livro didático: algumas reflexões ........................................................................ 19
1.1. O que é o livro didático?.................................................................................. 19 1.2. Disciplina, currículo e livro didático ............................................................... 23 1.3. Um pouco sobre a história do livro didático no Brasil .................................... 30
CAPITULO 2.................................................................................................................. 35 2. História da disciplina: um recorte para a Física...................................................... 35
2.1 O ensino secundário: Liceus, preparatórios e o Colégio Pedro II .................... 36 2.2. Ensino Militar e Politécnico ............................................................................ 52
2.3. Ensino médico .................................................................................................70 CAPÍTULO 3.................................................................................................................. 77
3. Os livros didáticos: levantamento e análise ............................................................ 77 3.1. Critérios de análise........................................................................................... 79 3.2. Análise dos livros didáticos ............................................................................. 81 3.2.1 A Física descritiva e a Filosofia do movimento ............................................ 81 3.2.2.1 As inovações nos livros didáticos de Física................................................ 89 3.2.2 Da Física descritiva para a descritiva-experimental ...................................... 92 3.2.3 Da descritiva-experimental para a demonstrativa-experimental ................... 96 3.2.3.1 A coleção F.T.D........................................................................................ 113 3.2.4 A algebrização da Cinemática ..................................................................... 116
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 120 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 124
Documentos oficiais consultados.......................................................................... 128 Bibliografia dos livros didáticos analisados ......................................................... 128
ANEXO 1 ..................................................................................................................... 131 Programas curriculares do Colégio Pedro II............................................................. 131
ANEXO 2 ..................................................................................................................... 144 O livro didático a partir de 1930............................................................................... 144
ANEXO 3 ..................................................................................................................... 150 Outros currículos encontrados na escola politécnica ................................................ 150
ANEXO 4 ..................................................................................................................... 152 Conteúdos das provas da Faculdade de Medicina .................................................... 153
ANEXO 5 ..................................................................................................................... 162 Tabela de classificação dos livros............................................................................. 162
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 8
Índice de Tabelas
Tabela 3.1: Número de alunos formados por ano no Colégio Pedro II .......................... 43 Tabela 3.2: Total de inscrições nos respectivos anos no Liceu Literário Português. ..... 46 Tabela 3.3: Total de inscrições nos estabelecimentos de ensino do ano de 1883........... 47 Tabela 3.4: Quadro de disciplinas da Academia Real Militar até o quarto ano.............. 57 Tabela 3.5: Quadro de disciplinas do curso fundamental da Escola Politécnica............ 67 Tabela 3.6: Quadro de conteúdos do curso fundamental da Faculdade de Medicina..... 75 Tabela 4.1: Livros didáticos levantados e analisados. .................................................... 78 Tabela A1.1: Programas curriculares do Colégio Pedro II ........................................... 131 Tabela A2.1: Quadro descritivo das múltiplas influências sobre o livro didático no Brasil ............................................................................................................................. 149 Tabela A5.1a: Tabela de classificação dos livros. ........................................................ 162 Tabela A5.1b: Tabela de classificação dos livros......................................................... 165 Tabela A5.1c: Tabela de classificação dos livros. ........................................................ 168
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 9
Índice de Figura
Figura 2.1: Prova de movimento uniformemente variado .............................................. 75
Siglas: BLD – Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP; EPBC – Escola Politécnica Biblioteca Central da USP; IF – Biblioteca do Instituto de Física da USP; IAG – Biblioteca do Instituto Astronômico e Geofísico da USP; PB – Biblioteca Paulo Bourroul; BN – Biblioteca Nacional; PII – Biblioteca do Colégio Pedro II; UFRJ – Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ............................................... 79
Figura 3.2: Equações no conteúdo de Cinemática do livro de Guedes (1868) ............... 90
Figura 3.3: ilustrações da Máquina de Atwood e da Máquina de Morin (GANOT 1872, p.43) ................................................................................................................................ 93
Figura 3.4: (a) tubo de Newton; (b) Máquina de Atwood; (c) Máquina de Morin, in Physica (Langlebert, 1892, p. 35, 37 e 40). .................................................................... 96
Figura 3.6: Ganot (1894) introduz formulas mais elaboradas na página 15. .................. 97
Figura 3.7: Ilustração da queda dos corpos (GANOT 1894, p. 51). ............................... 98
Figura 3.9: Desenvolvimentos algébricos no livro de Ch. Drion et É Fernet (1880) ... 100
Figura 3.10: Nobre (1896) realiza desenvolvimentos algébricos na página 28............ 101
Figura 3.11: Conteúdo de Cinemática em GOUVEIA (1902 e 1907, p. 18)................ 106
Figura 3.12: (a) Máquina de Morin; (b) Máquina de Atwood; (c) Tubo de Newton (Gouveia 1902 e 1907, p. 88, 90 e 92).......................................................................... 107
Figura 3.13: Semelhança das imagens e tratamento nos de (a) Gouveia (1902 e 1907, p. 93) e (b) Ganot (1894, p. 49) ........................................................................................ 108
Figura 3.14: Cálculo da força centrípeta que por fim se torna em uma abordagem de toda Cinemática do movimento circular (ROMANO 1928, p. 22 e 23)....................... 110
Figura 3.15: Conteúdo de movimento circular uniforme é acrescentado no livro de Dias (1920, p. 20 e 21). ......................................................................................................... 111
Figura 3.16: Semelhanças entre os livros “Curso elementar de Física” de Dias (1933, p. 25) e a 31ª edição do “Traité Èlémentaire de Physique” de Ganot (1923, p. 47). ........ 112
Figura 3.17: Semelhanças no tratamento do movimento circular nos livros (a) “Tratado de Physica Elementar” de Romano (1928, p.18) e (b) “Tratado de Physica Elementar” Nobre (1911, p. 20)....................................................................................................... 113
Figura 3.18: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para ilustrar o movimento uniformemente variado (FTD 1927, p. 14)................................................ 115
Figura 3.19: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para exemplificação do fenômeno (FTD 1927, p. 40) ................................................................................... 116
Figura 3.20: Livro de W. Watson (1932) sobre a discussão do conceito de integral e a dedução da fórmula dos espaços do movimento uniformemente variado. ................... 118
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 10
INTRODUÇÃO
Desde que adquiri o gosto por ensinar, pouco sabia como o livro didático iria
estar presente em minha vida. Logo no início da minha carreira de professor, deparei-
me com um problema. A diretora do colégio pelo qual fui contratado perguntou-me qual
livro didático eu preferia para ser adotado nas minhas aulas de Física. O problema é que
eu ainda era estudante universitário, não tinha tido contato com nenhum sistema de
avaliação de livros e, até então, só conhecia sistemas apostilados no qual o principal
foco era (e vem sendo) o vestibular. Respondi que iria analisar alguns livros e depois
daria o nome de qual seria escolhido. Minha escolha foi muito difícil tendo em vista a
diversidade de livros e o estilo de abordagem de cada um deles. A solução foi conversar
com meus colegas da Universidade, que já eram professores, sobre quais livros eles
adotavam e quais eles preferiam. Depois de muitas discussões, perguntas e análises dos
livros, acabei adotando o livro pelo qual lecionei o ano todo.
Algum tempo depois tive contato com disciplinas em meu curso de graduação
que avaliaram inúmeros materiais didáticos, desde projetos de ensino até livros
didáticos escritos pelos mais diversos professores. Nessa disciplina percebi que desde a
produção até sua adoção, inúmeros processos e pessoas estão envolvidos. Durante o
curso foram elaborados inúmeros critérios que serviram para eu entender como
devemos ser criteriosos na escolha de nossa principal ferramenta de trabalho na sala de
aula. A partir daí sempre tive (e tenho) precauções quanto ao livro didático que adotei e
consultei para a preparação das minhas aulas.
No final do meu curso de licenciatura realizei uma monografia. Apesar de não
ser com livros didáticos percebi que tinha adquirido um novo gosto, o da pesquisa.
Decidi então me candidatar no programa de mestrado e encarar essa nova etapa da
minha vida. Já no mestrado, logo no início, fui apresentado pela orientadora de minha
monografia Profa. Dra. Yassuko Hossoume ao meu atual orientador Prof. Dr. Cristiano
Rodrigues de Mattos. Já tendo trabalhado como revisor, editor e avaliador de livros
didáticos, logo percebi sua longa experiência nessa área e que nossa parceria poderia
resultar em bons trabalhos. Logo fomos encaminhados ao grupo de pesquisa em livros
didáticos na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, coordenado pela
Profa. Dra. Circe Maria Fernandes Bittencourt. Lá existe o projeto temático “Educação e
Memória: Organização de acervos de livros didáticos” financiado pela Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) do qual este trabalho faz parte.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 11
Há também uma biblioteca que contém uma grande quantidade de livros didáticos e um
sistema via web de busca de livros escolares (LIVRES) no qual inúmeros pesquisadores
do grupo e do Brasil realizam pesquisas em livros didáticos.
Pensei, “estou no lugar certo, mas o que vou pesquisar?”. Conversando com os
professores que me ajudaram nesse caminho, logo surgiu uma questão: “do ponto de
vista da avaliação atual que se faz do conteúdo de Cinemática, porque não pesquisamos
como seu ensino se modificou ao longo do tempo?”.
Lembramos que a Cinemática, de acordo com a definição dos livros atuais, é a
“parte da Mecânica que descreve o movimento, através de suas funções matemáticas,
sem investigar suas causas” (RAMALHO et. al, 2002) e é exatamente isso que é
ensinado nas salas de aula. As investigações sobre o movimento são feitas mediante
equações, podendo as partículas assumir diversos tipos de movimentos: retilíneo,
circular, uniforme, uniformemente variado, etc. Nesses movimentos, entre inúmeras
variáveis, são explorados o espaço, tempo, velocidade, aceleração e gravidade. Além
disso, existem os exercícios no qual são expostas situações de ultrapassagem e encontro
de carros, ultrapassagem de túneis e pontes, queda dos corpos, gráficos dos
movimentos, lançamento de projéteis etc. Aliás, sempre muito difíceis de entender. Na
maioria das vezes a abstração necessária para o nível intelectual do aluno é muito
grande, levando-o a se basear apenas na memorização das equações e na substituição de
variáveis sendo, raramente, relacionada com a experimentação ou o cotidiano (DA
ROSA & DA ROSA 2005). Como podemos esquecer aqueles tradicionais exercícios de
velocidade média que “aprendemos” a resolver na sala de aula:
Um carro parte do km 50 de uma estrada e verifica que, no km 200, gastou 3 horas para percorrer este trajeto. Calcule a velocidade média do carro durante esse percurso?
Essas críticas acabaram por se traduzir nos documentos oficiais, como podemos
observar nos Parâmetros Curriculares Nacionais, no qual se afirma que o ensino de
Cinemática vem sendo feito “apenas para dar significações às variações dos
movimentos, através dos conceitos de velocidade e aceleração” (BRASIL 2002, 72).
Partindo dessas argumentações é que ficamos interessados por esse conteúdo.
Mais especificamente, queremos compreender como esse conteúdo se articulou e se
desenvolveu em uma parte de sua história e adquiriu o formato que existe até os dias de
hoje.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 12
Enfim, agora eu tinha o meu objeto de pesquisa. Definido o que iríamos
pesquisar logo fui à Biblioteca do Livro Didático localizada na Faculdade de Educação
da USP, em busca de alguns livros antigos que possuíssem o conteúdo de Cinemática.
Meu primeiro livro analisado foi o de Nerval de Gouveia de 1902, professor do Colégio
Pedro II na época. Foi intrigante ver que, nesse livro, a Cinemática era tratada em
apenas duas páginas e não apresentava sequer um exercício e pouquíssimas fórmulas.
Logo indagamos: “Como ocorreu tal transformação nesse conteúdo a ponto de tornar-se
um capítulo com inúmeras páginas, no qual predominam equações, gráficos e deduções
algébricas?”.
A partir daí, definimos alguns parâmetros. Primeiro foi o período a ser estudado.
Iniciamos com um período de dois séculos, mas nos vimos obrigados a restringir as
datas devido ao grande número de variáveis que deveríamos levar em consideração e ao
curto espaço de tempo de análise para isso. Ficamos então com o período que vai de
meados do século XIX até a década de 1930 foi, como veremos neste trabalho, de
grandes transformações do livro didático brasileiro. Num segundo momento fizemos
uma revisão bibliográfica sobre pesquisas na área e, na medida do possível, aquelas que
trabalham com livros didáticos de Física. Destacamos, por exemplo, a dissertação de
Glads Maria D`Elia Sampaio1 (2004) que realiza um estudo sobre toda a estrutura do
Colégio Pedro II de 1837 até 1925. Para explorar o ensino de Física no Colégio,
Sampaio (2004) analisa os livros didáticos elencados nos programas curriculares
concluindo que existem dois momentos nesse ensino, um antes (marcado pela
abordagem descritiva do conteúdo) e outro após 1870 (marcado pela abordagem
matemática). Algumas dessas descrições foram utilizadas nesse trabalho. Acreditamos
ser o fato de não aprofundarmos somente no Colégio Pedro II e buscarmos a Física nos
diferentes estabelecimentos da mesma época, o que diferencia nosso trabalho com
relação ao de Sampaio (2004) nos dando informações mais gerais sobre a disciplina
Física.
Outros trabalhos também podem ser destacados. Por exemplo, a pesquisa de
Karl M. Lorenz2 (1986) sobre os livros didáticos e o ensino de Ciências no ensino
secundário do século XIX no qual são identificados todos os livros de ciências que
foram utilizados no Colégio Pedro II no período de 1838 até 1900. Seu trabalho
1 Glads Maria D`Elia Sampaio é professora de Física do Colégio Pedro II e atualmente está cursando doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Karl M. Lorenz é professor doutor da Sacret Heart University- Fairfeld-EUA
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 13
apresenta uma bibliografia muito vasta de livros didáticos além de importantes
informações sobre os autores dos livros. Destaco também o artigo de Antonio Moreno
Gonzáles3 que trata dos livros didáticos adotados na Espanha no período de 1845 até
1900. Além de uma análise ampla da organização educacional e política da Espanha,
Gonzáles (2000) analisa, por meio dos livros didáticos, os principais autores, a
concepção de ciência e mostra porque os livros foram um meio de resistência às
descobertas científicas que surgiram nesse período. Destaca, principalmente, a
preocupação dos autores em serem didáticos como um dos fatores para não incorporar
as complicadas descobertas científicas que iam surgindo. Outros trabalhos também
foram encontrados colaborando com importantes informações e que poderão ser
apreciados ao longo da leitura.
Depois de delimitar o campo da pesquisa e do levantamento bibliográfico fomos
para o levantamento dos livros. Visitei diversas bibliotecas de São Paulo e Rio de
Janeiro passando por situações interessantes como, por exemplo, a leitura de livros do
século XIX. É claro que a curiosidade falou mais alto e algumas olhadelas em outros
conteúdos além da Cinemática foram feitas, tornando a pesquisa cada vez mais
empolgante e contemplativa.
Aprendi também com meus colegas de pesquisa que devido à complexidade do
livro, outras vertentes de análise devem ser verificadas como, por exemplo, a história
das disciplinas. Buscando informações sobre a disciplina Física, fui a alguns acervos
históricos de bibliotecas, encontrando documentos do século XIX e início do século XX
que são cuidadosamente guardados pelos bibliotecários. Alguns desses documentos não
são encontrados em parte alguma.
Com certeza foi uma grande experiência fazer uma pesquisa desse tipo, até pelo
fato de não ser formado em História. Inúmeras vezes recorri à informações sobre a
história do Brasil e aos colegas de pesquisa para me localizar temporalmente. Muitos
acontecimentos educacionais ocorreram e compreendê-los foi um ponto crucial dessa
pesquisa.
Infelizmente, por falta de tempo, somente analisamos o conteúdo de Cinemática,
mas com certeza outras perguntas surgiram e que pretendemos respondê-las em
pesquisas futuras.
3 Antonio Moreno Gonzáles é doutor em Ciências Físicas e professor titular de Didática das Ciências Experimentais na Faculdade de Educação da Universidade Complutense em Madri.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 14
Estrutura da dissertação
Problema da pesquisa
Neste tópico pretendemos discutir sobre como se articulam as idéias neste
trabalho. Faremos uma justificativa do porquê de determinadas análises e como se
encaixam na explicação da história do conteúdo.
Primeiramente queremos deixar claro o problema da pesquisa. Com já
salientamos, escolhemos o conteúdo de Cinemática por dois motivos: devido à grande
importância que é dada ao conteúdo atualmente e pela aparente desvalorização em
épocas anteriores. Sendo assim temos como pergunta:
Que transformações ocorreram com a abordagem didática da Cinemática nos
livros didáticos no período de 1810 a 1930?
Ou seja, verificar como os livros didáticos usados no Brasil no início do século
XIX, que tinham uma abordagem reduzida da Cinemática e com base na Filosofia, se
transformaram em livros com um extenso conteúdo, totalmente apoiado na matemática.
Dessa forma pretendemos compreender em que medida foram acrescentadas figuras,
experimentos, descrição de aparatos físicos, álgebra e como os exercícios, que
inicialmente não existiam, passam a fazer parte inicialmente como perguntas e,
posteriormente, como aplicações de fórmulas. O desejo de buscar razões para essa
transformação foi refreado com a diversidade e a quantidade de livros produzidos
durante o século XIX e início do século XX.
Para isso, escolhemos o período que vai desde o século XIX até a década de
1930. Esse extenso período é necessário para que tenhamos uma visão geral de como o
conteúdo de Cinemática nos livros foi se modificando. Optamos por iniciar em meados
do século XIX, porque foi quando o ensino brasileiro começou a se estruturar. Antes
desse período, as aulas eram realizadas de maneira avulsa e sem estabelecimentos
oficiais de ensino, chamadas aulas régias (CARDOSO 2004). O enfoque educacional
nessa época teve uma forte implicação no ensino de Física nesse período. Com uma
base humanístico-literária o currículo nacional tinha grande tempo destinado ao ensino
de disciplinas como retórica, latim, francês, filosofia racional e moral etc. A exceção era
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 15
o Ensino Militar e Médico que, por motivos de formação, apresentavam disciplinas de
caráter científico em seus currículos. Somente no final do século, com a necessidade de
mão de obra especializada devido aos desenvolvimentos industriais e tecnológicos, o
currículo científico começa a fazer parte no ensino secundário escolar. Concluímos o
trabalho na década de 1930 porque o ensino de Física já ocupava um expressivo papel
no secundário e os livros didáticos já possuíam uma abordagem do conteúdo tradicional
e que iriam prevalecer pelas décadas seguintes (NICIOLI & MATTOS 2006).
Portanto, pretendemos discutir, entre outras coisas, as características do
conteúdo dos livros de determinados períodos, quais obras estrangeiras e nacionais eram
utilizadas no ensino de Física, porque determinadas obras eram adotadas em alguns
estabelecimentos de ensino e em outros não, como elas acabaram influenciando os
autores brasileiros de livros didáticos, como e quando os livros brasileiros começaram a
adquirir sua própria abordagem didática e a ganhar expressão no ensino.
A fim de fundamentar essas idéias partimos da relação entre três eixos:
Disciplina, Currículo e Livro Didático. Para esse embasamento teórico utilizamos as
concepções de André Chervel (1990, 1992 e 1999) sobre as disciplinas escolares, Ivor
Goodson (1991 e 1999) sobre Currículo e Circe Maria Fernandes Bittencourt (1997,
2003 e 2004) sobre análise, definições e história da disciplina e do livro didático
brasileiros.
Por exemplo, sobre a importância da disciplina no sistema escolar, Chervel
(1990) destaca mostrando que podemos questionar pontos internos da própria natureza
escolar por meio das disciplinas escolares.
“Desde que se compreenda em toda a sua amplitude a noção de disciplina, desde que se reconheça que uma disciplina escolar comporta não somente as práticas docentes de aula, mas também as grandes finalidades que presidiram sua constituição e os fenômenos de aculturação de massa que ela determina, então a história das disciplinas escolares podem desempenhar um papel importante não somente na história da educação mas também na história cultural. Se se pode atribuir um papel “estruturante” à função educativa da escola na história do ensino, é devido a uma propriedade das disciplinas escolares”
(CHERVEL 1990, p. 184)
Por isso devemos levar em consideração o estudo da história das disciplinas
escolares, pois é por meio delas que iremos compreender o sistema escolar e também
quais os objetivos de seus instrumentos de trabalho como, por exemplo, o livro didático.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 16
Segundo Chervel (1990, p. 194) é evidente a ligação dos livros didáticos com as
disciplinas, pois “as condições materiais nas quais se dá o ensino estão estreitamente
ligadas aos conteúdos disciplinares”.
Além disso, o livro didático por ser um elemento fundamental no ensino, sofre
diversas influências de natureza legal técnica, política e organizacional, decorrente das
mudanças ao longo do cenário educacional que está inserido. As influências podem ser
de várias naturezas como, por exemplo, a introdução de um sistema de co-edição
público-privado ou por meio das propostas curriculares que, normalmente, vêm
acompanhadas de um conjunto de determinações.
Bittencourt (1997, 72) destaca ainda mais a forte relação entre livro e currículo
mostrando que “o livro didático é um depositário dos conteúdos escolares, suporte
básico e sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados pelas propostas
curriculares (...) o livro didático realiza uma transposição do saber acadêmico para o
saber escolar no processo da explicitação curricular. Nesse processo, ele cria padrões
lingüísticos e formas de comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulários
próprios, ordenando capítulos e conceitos, selecionando ilustrações, fazendo resumos,
etc” (grifos do autor). Dessa forma o livro didático elabora as estruturas e condições do
ensino para o professor, pois não só apresenta o conteúdo mas, também, como devem
ser trabalhados.
Por sua vez, tentando identificar e caracterizar a disciplina e o currículo de
Física, realizamos uma longa revisão bibliográfica nos mais diversos sistemas de ensino
do período estudado e que iremos abordá-lo com mais detalhes adiante. Esse
levantamento nos trouxe citação de inúmeros livros didáticos. Para sua seleção, nosso
critério foi a citação em programas curriculares ou documentos oficiais, além de serem
produzidos por autores que foram professores de colégios consagrados na época.
Procuramos também localizar o maior número de obras desses autores a fim de
identificar as mudanças ocorridas no conteúdo de Cinemática desses livros ao longo dos
anos. Além disso, muitos programas curriculares que foram encontrados ajudaram a
identificar os conteúdos que apareceram e desapareceram no decorrer do tempo que, em
parte, definiam as dinâmicas dos conteúdos dos livros didáticos.
Desse ponto de vista deixamos algumas lacunas em nossa análise, a principal
delas é a análise de como estes livros eram utilizados em sala de aula e que também
pode ser um determinante das modificações ao longo do tempo no tratamento da
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 17
Cinemática. Este objeto de análise será tema de pesquisas futuras, nas quais serão
necessárias investigações não só dos livros didáticos, mas do cotidiano escolar como
notas de aula produzidas pelos professores das disciplinas que diversas vezes
substituíam os livros. Um exemplo disso está nos prefácios das obras de Nerval de
Gouveia de 1902 e 1907 no qual essas notas deram origem ao seu livro didático:
“A necessidade de um livro organizado de accordo com o programma do ensino da Physica no curso secundário official, professado no Gymnasio Nacional, e capaz de servir de paradygma ao estudo em todos os Estados da União, despertou em alguns antigos alumnos do Externato do Gymnasio o desejo de coordenar apontamentos dispersos em mãos dos differentes alumnos das turmas, que successivamente ouviram o meu curso de Physica, e publical-os despretenciosamente como um auxilio à cultura scientifica das classes estudiosas...”
(GOUVEIA 1902 e 1907, p. VI)
Com o objetivo de tornar claras as idéias apresentadas em cada capítulo da
dissertação, fizemos a seguir uma descrição resumida dos objetivos de todos os
capítulos.
Desenho da pesquisa
O trabalho consta de três capítulos.
No Capítulo 1 tratamos do livro didático. Temos como intenção problematizar
sua figura e mostrar que, compreendê-lo não é uma tarefa fácil. Definindo suas várias
funções de uso em sala de aula e como veículos de pesquisa, complementamos essas
idéias apresentando algumas maneiras que o livro pode ser usado para o
desenvolvimento de pesquisas tais como: caracterização da história das disciplinas,
história do passado de uma nação, transformação da escolarização, correntes
pedagógicas, ensino específico de línguas, etc.
Em seguida discutimos a relação entre o livro didático, o currículo e a disciplina.
É nesse tópico que fundamentaremos a metodologia empregada nesse trabalho. A partir
da relação entre essas três vertentes iremos discutir as variáveis que devem ser levadas
em consideração na pesquisa com conteúdo de livros didáticos. Mostraremos a
importância da história da disciplina e do currículo na caracterização do livro.
Ainda nesse capítulo tratamos também da história do livro didático desde sua
origem em 1810 com a instalação da impressão régia no Brasil, mostrando as funções
assumidas por meio da caracterização de seus autores. Sobre os autores, ainda
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 18
discutimos as duas gerações que surgiram durante o século XIX e como a função do
autor foi se modificando ao longo do tempo.
O Capítulo 2 trata da história da disciplina Física. Inicialmente faremos uma
discussão mais detalhadamente dos objetivos que pretendemos alcançar nesse capítulo.
Em seguida faremos uma discussão sobre a disciplina Física nos principais
estabelecimentos de ensino da época em questão tentando identificar onde se encontrava
o ensino de Física. Dividimos nossa análise em duas partes. A primeira diz respeito ao
ensino secundário escolar ressaltando quais as influências que modificaram esse ensino.
Na segunda parte trataremos do Ensino Militar e Médico percebendo como seu enfoque
educacional ia contra a tendência humanístico-literária da época. Mostraremos como
ambos atuaram na difusão dos estudos das ciências, principalmente com a Física. Nas
duas partes teremos como principal idéia a forte tradição humanístico-literária que
vigorava no século XIX e como isso afetou o ensino nos dois casos.
O terceiro capítulo diz respeito à análise detalhada do conteúdo de Cinemática
dos livros levantados. Fizemos nesse capítulo uma introdução dos objetivos e
metodologias, além de um critério de análise no qual apresentamos todos os conceitos
assumidos ao longo do tempo pelo conteúdo dos livros que dizem respeito à
Cinemática. Isso foi necessário pois, se vamos investigar as transformações de um
conteúdo, nada mais sensato do que destacar todos os conceitos assumidos a fim de
detectar os conteúdos que apareceram e desapareceram ao longo do tempo. Procuramos,
sempre que necessário, transcrever ou apresentar imagens de parte dos livros no intuito
de ilustrar e evidenciar certas afirmativas.
Por último, fizemos algumas considerações a respeito de todas as informações
levantadas. A idéia é unir todos os capítulos desse trabalho ligando os fatos às
observações realizadas nos livros.
Nos anexos temos uma descrição do conteúdo de Cinemática no currículo do
Colégio Pedro II com o intuito de salientar o grande volume adquirido pelo conteúdo ao
longo do tempo. Apresenta também uma discussão sobre as influências na história do
livro a partir de 1930, ambos com o intuito de servir de fonte de dados a futuras
pesquisas. Também estão alguns currículos de estabelecimentos de ensino que iremos
nos referir ao longo desse trabalho. Por fim, apresentamos também uma tabela com
pontos detalhados sobre a estrutura dos livros didáticos elencados tais como: número de
páginas de Cinemática, quantidade de exercícios, número de imagens, etc.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 19
CAPITULO 1
1. O livro didático: algumas reflexões
1.1. O que é o livro didático?
“É necessário que livros elementares claros, precisos, metódicos, distribuídos com profusão, convertam em universalmente familiar todas as verdades e economizem esforços inúteis para aprendê-las”
(TALLEYRAND 1791 in CHOPPIN 2001, 209).
A preocupação em tentar definir as funções e características dos livros didáticos
não é dos tempos atuais, como podemos ler no pronunciamento oficial de Talleyrand,
realizado em 10 de setembro de 1791, no início da Revolução Francesa, perante a
Assembléia Constituinte, em um informe sobre a instrução pública realizada em nome
do Comitê da Constituição.
Desde as épocas passadas até os tempos atuais muitas coisas mudaram com
relação às definições e funções do livro didático. Atualmente o livro didático vem sendo
considerado como um dos instrumentos que mais influência tem na educação escolar.
Desde muito tempo sua importância expressa uma grande parcela do ensino na
aprendizagem das mais diversas ciências. Por ser um importante agente na formação
dos estudantes, muitas pesquisas estão sendo realizadas sobre os livros didáticos,
destacando-se os aspectos educativos e o papel na configuração da escola
contemporânea (BITTENCOURT 2004). Para Choppin (2004, 512), esse dinamismo da
pesquisa resulta da convergência de uma série de fatores, destacando-se:
• O crescente interesse manifestado pelos que se interessam pela história ou por
historiadores profissionais em relação às questões da educação.
• Área cuja demanda social se torna cada vez maior.
• O interesse de inúmeras populações em criar ou recuperar uma identidade
cultural.
• Os avanços ocorridos na história do livro didático desde o início dos anos 80.
• A constituição de equipes ou centros de pesquisa e de redes científicas
internacionais que se dedicam às questões específicas do livro e das edições
didáticas.
Essa atividade científica tão variada se deve ao fato da complexidade de
definição do livro didático, a multiplicidade de funções que adquiriu e a diversidade de
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 20
agentes que ele suporta. Por exemplo, o livro didático se divide em aspectos como a
natureza do público (alunos, professores, etc), utilização (individual, coletiva, classe,
casa, etc), características do público (homogêneo ou heterogêneo), limitações
(tecnológicas, financeiras e comerciais) etc (CHOPPIN 2001).
Assim, como afirma Bittencourt (2004, 472), é devido a essa diversidade que o
livro didático pode assumir “múltiplas facetas” e pode ser analisado enquanto:
• produto cultural;
• mercadoria ligado ao mundo editorial e dentro da lógica capitalista;
• suporte das diversas disciplinas e matérias;
• veículo de valores ideológicos e cultural.
Sobre sua função Choppin (2004) destaca que o livro didático exerce 4 funções
essenciais:
• função de referencial – manual (cópia fiel dos programas oficiais);
• função instrumental – instrumento para prática de métodos, por exemplo, de
memorização (exercícios, habilidade, etc).
• função ideológica-cultural – instrumento que serve como um dos vetores
essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes.
• função documental – fornecer documentos textuais ou icônicos que despertem o
estado crítico do aluno.
Apesar de acumular essas funções o livro didático não é o único instrumento que
faz parte da educação escolar. Um conjunto de outros materiais didáticos (CD-ROM,
enciclopédias, quadros, mapas, etc) faz com que o livro didático não tenha mais
existência independente, sendo um elemento constitutivo de um conjunto de multimídia.
Isso faz com que as pesquisas em livros didáticos sejam cada vez mais
diversificadas, gerando trabalhos isolados o que torna difícil abrangê-los em seu
conjunto. Apesar disso Choppin (2004, 554) arrisca duas categorias de pesquisa em
livros didáticos:
• aquelas que consideram o livro didático como um documento histórico igual a
qualquer outro no qual analisam o conteúdo em busca de informações estranhas
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 21
a ele mesmo, ou as que só se interessam pelo conteúdo ensinado por meio do
livro didático4;
• aquelas que consideram o livro didático como um objeto físico, ou seja, como
produto fabricado, comercializado e distribuído concebido como utensílio de
consumo em determinado contexto.
Dessas duas categorias classificamos nosso trabalho na primeira. Porém, além de
encontrarmos informações sobre o conteúdo podemos, por exemplo, caracterizar a
história da disciplina Física, sendo seu conteúdo explícito um objeto exclusivo para esse
tipo de pesquisa. Para o caso das ciências há uma tendência em denotar o caráter
ideológico implícito pelas necessidades apontadas no papel da formação de gerações
preparadas para o mundo tecnológico e, por vezes, destaca as funções profissionais e
pragmáticas das disciplinas das ciências da natureza, como Física, Química, Biologia
etc (BITTENCOURT, 2003). Essa tendência é muito importante e será destacada no
capítulo seguinte quando explorarmos a disciplina Física no ensino secundário do
século XIX. Veremos que inicialmente a Física não era uma disciplina inclusa nas
escolas justamente pelo enfoque humanístico-literário do currículo da época e que
somente no final do mesmo século se tornou uma disciplina integrante no currículo
nacional devido, entre outras coisas, principalmente às necessidades tecnológicas e ao
desenvolvimento industrial que estava ocorrendo.
Dessa forma o livro didático acaba sendo uma “fonte privilegiada para estudos
sobre os conteúdos escolares e pode-se inclusive, identificar pesquisas que se
interligam, realizando uma história das disciplinas e, ao mesmo tempo, a do livro
didático” (BITTENCOURT 2003, 32). Não só as ciências como também outras
disciplinas podem ser caracterizadas pelos conteúdos dos livros didáticos. No caso das
disciplinas relacionadas a temas sociais (história, geografia, etc) esse tipo de prática se
torna ainda mais claro. A partir do final da segunda guerra esses tipos de livros se
tornaram preocupação especial das autoridades governamentais e os livros didáticos se
tornaram autobiografias dos “estados-nação” (BITTENCOURT, 2003).
É claro que, no caso da caracterização da história de uma disciplina escolar, o
uso do livro didático como fonte de dados deve ser cuidadoso já que envolve muitas
variáveis, dados os diferentes sujeitos na caracterização da disciplina e no uso do livro:
4 Nesse tipo de pesquisa Choppin destaca que o livro didático tem suas edições e história desenvolvidas nos dois últimos séculos, período em que as identidades nacionais são transmitidas de maneira forjada, ou seja, o livro participa do processo de construção nacional ou do processo de sua preservação.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 22
(...) a utilização dos livros didáticos como fonte para a história da educação, do currículo ou disciplina escolar deve ser cautelosa, dada suas limitações e suas múltiplas facetas. Com um pouco de sorte, conseguimos dispor de relações mais ou menos completas dos livros publicados em uma época concreta e para determinada matéria. Mais raramente podemos determinar em quais instituições educativas foram adotadas realmente e é ainda mais difícil saber com exatidão como foi utilizado nas aulas pelos professores e alunos”
(TIANA FERRER 2000, p. 179-194 apud BITTENCOURT 2003)
Sendo assim, cabe ressaltar que os conteúdos escolares analisados pelos
currículos, textos normativos e livros didáticos expressam apenas uma parcela na
caracterização de uma disciplina sendo necessárias pesquisas sobre o cotidiano das salas
de aula.
Além da caracterização da história das disciplinas escolares, o livro didático
pode ser usado para realizar estudos em diversas outras vertentes como novas temáticas,
questões legislativas, ideológicas e institucionais que interessam em outras épocas,
penetrar no interior escolar buscando novas fontes que permitam conhecer a cultura
escolar do passado, os valores, práticas, conteúdos e métodos que circulam o espaço
escolar. Nessas linhas, o livro didático se torna um objeto fundamental de estudo.
Atualmente, em pesquisas sobre a história da educação o livro didático tem se
tornado uma fonte de ótima referência. Nesse caso o livro didático é uma rica fonte de
informação, pois concebe e pratica o ensino dos tempos passados (CORRÊA 2000). Sua
textualidade constitui sem dúvida uma forma de escritura que expressa teorias
pedagógicas, padrões de comunicação, valores, atitudes, estereótipos, ideologias, etc.
Devido o livro didático ser um espaço para a expressão de vários tipos de “idéias” ele é
considerado uma fonte imprescindível para aproximarmos o conhecimento empírico de
alguns “silêncios” da história da educação servindo para estudos sobre o
desenvolvimento do ensino e revelar o passado da educação (BENITO 2001).
Benito (2001), historiador do currículo e livro didático, classifica o livro,
enquanto espaço de memória, com três funções em relação à construção da história da
educação:
• Primeiro, o livro didático é um suporte curricular através do qual se veicula a
vulgata escolar, ou seja, o conhecimento acadêmico que as instituições
transmitem. Essa vulgata seria uma redução da cultura materializada nos limites
de um livro didático.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 23
• Segundo, o livro didático é um espaço de memória, como um espelho da
sociedade (valores, ideologias, atitudes, etc) que o produziu e ainda apresenta os
modos de comunicação pedagógicos, as estratégias didáticas que os professores
usavam nas escolas do passado.
• Por último, o livro didático, também como um espaço de memória, oferece uma
escritura que a retórica do historiador pode interpretar desde sua própria cultura.
O leitor (no caso do historiador) poderia fazer a leitura com várias visões
(segundo sua retórica), porém sem mudar o verdadeiro sentido do conteúdo.
Nesse caso, a estrutura do livro só permitiria jogos retóricos com os
componentes da memória.
Na Espanha, por exemplo, as investigações em História da Educação têm
valorizado os livros didáticos para fundamentar uma nova visão do passado. “A edição e
venda massiva de edições de livros e enciclopédias escolares que vem proliferando nos
últimos anos, junto com a presença freqüente da escola como tema da literatura, tem
confrontado, sobretudo, a geração que assistiu a escola durante a era franquista”
(OSSENBACH 2001, 390). Nesse caso o livro didático serviu para uma caracterização
histórica da era pré e pós franquista definindo suas correntes pedagógicas, indo além das
análises ideológicas indagando os métodos de ensino e seus fundamentos sociais e
pedagógicos.
A pesquisa em livros didáticos se estende ainda por outras vertentes. Por
exemplo, sobre as origens e desenvolvimento do ensino da escrita, adequação de textos
e inovações pedagógicas. Até em análises sobre conteúdos ideológicos o livro didático é
colocado como objeto e fonte podendo ser utilizado em estudos sobre modernizações
pedagógicas de determinadas épocas. Além disso, o livro pode ser usado em análises em
pesquisas sobre o papel do professor na modernização dos métodos educativos
(software, enciclopédias, etc). O livro didático também auxilia em pesquisas como a
evolução da escolarização, as correntes pedagógicas e o ensino específico de línguas em
distintos territórios e também como contribuição ao estudo do nacionalismo.
1.2. Disciplina, currículo e livro didático
Atualmente damos o nome das matérias que estudamos no ensino médio e
superior como disciplina. Porém o termo “disciplina” também teve sua história.
Inicialmente esse nome estava associado à boa conduta e a ordem que deveria haver nos
estabelecimentos de ensino. No sentido de educador que usamos, o termo esteve ausente
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 24
durante todo o século XIX, sendo utilizados termos como “objetos, partes, ramos, ou
ainda matérias de ensino” (CHERVEL 1990, p. 178).
Sua aparição no ensino secundário é bem tardia e datada da primeira década do
século XX. Chervel (1990, p. 179) explica o motivo desse atraso “até 1880, mesmo até
1902, para a Universidade não há senão um modo de formar os espíritos, não mais do
que uma ‘disciplina’, no sentido forte do termo: as humanidades clássicas. Uma
educação que fosse fundamentalmente matemática ou científica não deveria ser antes do
começo do século XX, plenamente reconhecida como uma verdadeira formação de
espírito. É somente quando a evolução da sociedade e dos espíritos permite contrapor à
disciplina literária uma disciplina científica, que se faz sentir a necessidade de um termo
genérico” (CHERVEL 1990, p. 180).
Após a primeira guerra mundial o termo “disciplina” perde forças se referindo
somente como às matérias de ensino porém, os educadores se dirigiam a esse termo
sempre como uma maneira de disciplinar o intelecto, ou seja, “lhe dar os métodos e as
regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte”
(CHERVEL 1990, p. 180). Podemos então entender que os conteúdos escolares são
apresentados aos nossos alunos por meio de vulgarizações do que é produzido no meio
acadêmico. Por exemplo, na Física ensinamos as comprovações científicas realizadas
pela comunidade científica, ou melhor, por meio dos professores vulgarizamos esse
conhecimento aos jovens já que não podemos apresentar na maneira como foram
comprovados. Compreendendo dessa forma, as disciplinas se reduzem às metodologias,
ou seja, “ao lado da disciplina-vulgarização é imposta a imagem da pedagogia-
lubrificante, encarregada de lubrificar os mecanismos e de fazer girar a máquina”
(CHERVEL 1990, p. 181).
Porém a pedagogia solicita tudo que é parte integrante no processo de ensino-
aprendizagem fazendo com que a disciplina não se constitua como um simples lugar de
transmissão da ciência de referência. Ou seja, é ela que transforma os ensinos em
aprendizagens (métodos pedagógicos) caracterizando os conteúdos escolares e as
disciplinas com uma forte ligação com o sistema escolar5. As disciplinas não se
reduzem somente à vulgarização, se não considerarmos as transformações internas que
5 Chervel (1990, p. 182) destaca que essa característica não é exclusiva de determinadas disciplinas. Por exemplo, na matemática demonstrou-se que alguns conceitos “introduzidos há uns vinte anos no primeiro ciclo do secundário não tem muito em comum com seus homônimos eruditos que lhe serviriam de sustentação: os didáticos da matemática medem hoje a distância existente entre o `saber erudito` e o `saber ensinado`”.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 25
ocorrem dentro da disciplina, em virtude da necessidade pedagógica para se transmitir o
conhecimento, estaremos perdendo uma variável muito importante em nossa análise.
Porém as idéias mudam a partir do momento que não consideramos, em sua
origem, os conteúdos de ensino como vulgarizações do conhecimento científico.
Chervel (1990, p. 183) destaca alguns questionamentos quando pensamos dessa forma e
mostra que a função de escola e disciplina que conhecemos desaparece.
• Como a escola, desqualificada em toda outra instância nesse tipo de produção,
começa a agir para produzir o conhecimento científico?
• Se a escola vulgariza a ciência (e não o conteúdo) a transparência de seus
conteúdos e a evidencia de seus objetivos seriam totais. Já que ela ensina a
própria ciência não poderíamos questionar para que então ela foi criada?
• Se a escola propagasse a vulgarização para reproduzir a ciência (o saber) iria
ensinar as práticas dos adultos aos jovens, ou seja, uma imagem idêntica ou
aproximada da ciência e do objetivo cultural visado, e isso não se passa no
quadro das disciplinas.
Isso coloca a disciplina como um ponto que deve ser explorado para o
entendimento do sistema escolar. Chervel (1990) ainda destaca que a história da
disciplina não deve ser realizada com um caráter amplo, pois problemas de natureza
específica podem passar despercebidos. Um exemplo dessas limitações está na idade
escolar sendo esse um fator de especificidade. É pela idade que diferenciamos o ensino
secundário do superior e, conseqüentemente, suas finalidades.
Dessa forma Chervel (1990) destaca além da função de peça chave das
disciplinas o sentido valorizado do sistema escolar, pois além de formar cidadão ele
forma uma cultura que vai ser diluída na sociedade ao qual está inserida modificando-a.
Mostra que o sistema escolar é um poderoso veículo de formação de culturas com
finalidades específicas que irão participar da formação de uma nação e, por isso, estão
cheios de objetivos e ideologias.
“A instituição escolar é, em cada época, tributária de um complexo de objetivos que se entrelaçam e se combinam numa delicada arquitetura da qual alguns tentaram fazer um modelo. É aqui que intervém a oposição entre educadores e instrução. O conjunto dessas finalidades consigna à escola sua função educativa. Uma parte somente entre elas obriga-a a dar uma instrução. Mas essa instrução está inteiramente integrada ao esquema educacional que governa o sistema escolar, ou o ramo estudado. As disciplinas escolares estão no centro desse dispositivo. Sua função consiste em
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 26
cada caso em colocar um conteúdo de instrução a serviço de sua finalidade educativa.”
(CHERVEL 1990, p. 188).
Chervel (1990) destaca que no estudo dessas finalidades deve-se levar em
consideração dois pontos: a dos objetivos fixados pelas políticas educacionais
(finalidades de objetivo) e a da realidade pedagógica (finalidades reais), ou seja, não
podemos nos basear somente em textos oficiais para descobrir as finalidades educativas.
Para explorar as finalidades reais, por exemplo, devemos nos basear em livros didáticos,
prefácios de livros, conteúdos, debates parlamentares, artigos, provas etc.
Para nosso trabalho, o período que estudamos, no que diz respeito às finalidades,
é uma fonte privilegiada de dados, pois é exatamente nessa época que a escola tem sua
finalidade ampliada do ensino humanístico-literário para o novo currículo humanístico
moderno ou científico. Devido a isso as finalidades do ensino científico ainda devem ser
definidas e trilhadas pelos seus envolvidos, apresentando informações explícitas para o
historiador das disciplinas.
Para compreendermos essas mudanças e identificarmos os agentes
transformadores das disciplinas devemos entender sua estrutura e seus constituintes, ou
seja, “sua organização interna é, numa certa medida, produto de uma história, que
procedeu aqui pela adição de camadas sucessivas” (CHERVEL 1990, p. 200). Para
Chervel (1990) dos diversos componentes de uma disciplina o primeiro na ordem
cronológica e que põe em evidência as grandes tendências é o conteúdo exposto pelo
professor ou pelo manual (pedagógico ou explícito). Estudando o conteúdo podemos
encontrar evidências de mudanças e admitir que a disciplina mudou porque sua
finalidade mudou. Na análise dos livros didáticos tentaremos relacionar essas mudanças
ocorridas nos conteúdos com as finalidades adquiridas pela disciplina Física ao longo do
tempo. Mais precisamente tentaremos identificar o fenômeno da “vulgata”, ou seja, em
cada época o conteúdo dos livros tende a seguir um padrão que se instala, mas que
evolui e se transforma.
“Quando uma nova vulgata toma o lugar da precedente, um período de estabilidade se instala, que será apenas perturbado, também ele, pelas inevitáveis variações. Os períodos de estabilidade são separados pelos períodos ‘transitórios’, ou de ‘crise’ em que a doutrina ensinada é submetida a turbulências (...) mas pouco a pouco, um manual mais audacioso, ou mais sistemático, ou mais simples do que os outros, destaca-se do conjunto, fixa os ‘novos métodos’, ganha gradualmente os setores mais recuados do território, e se impõe. É a
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 27
ele que doravante se imita, é ao redor dele que se constitui a nova vulgata”.
(CHERVEL 1990, p. 204)
Por sua vez, se o conteúdo explícito é o central da disciplina, os exercícios são
quase indispensáveis. Sem os exercícios não há fixação dos conteúdos e,
conseqüentemente, da disciplina. Considera-se como exercício toda atividade observada
pelo professor estando o sucesso da disciplina diretamente relacionado com a qualidade
do exercício. Suas mudanças também representam a história das disciplinas.
O último ponto importante da história da disciplina é a avaliação. O estudo das
provas de natureza decimológica nos mostra a função de certos exercícios como
exercícios de controle e a importância que os exames finais exercem sobre a disciplina.
“A história dos exames (...) faz aparecer um esforço constante para reaproximar as
provas de avaliação das grandes finalidades da disciplina” (CHERVEL 1990, p. 207).
Esses constituintes da disciplina funcionam mediante uma combinação sendo
cada um ligado, de seu modo, às finalidades. Se essas finalidades são impostas pela
sociedade, as políticas educacionais, os programas e os planos de estudo irão se
organizar diante dessas finalidades. A disciplina é uma variável da escolarização, sua
função é promover uma aculturação dos alunos conforme as finalidades impostas. O
livro didático por ser um elemento fundamental no ensino, também sofre diversas
influências decorrente das finalidades ao longo do tempo do cenário educacional que
está inserido. As influências podem ser de várias naturezas como, por exemplo, a
introdução de um sistema de co-edição público-privado ou por meio das propostas
curriculares que, normalmente, vêm acompanhadas de um conjunto de determinações.
Tratando sobre o currículo, Goodson (1991) cita duas classificações de
currículos: preativo e escrito. O currículo preativo são as normas vindas do Estado, o
conjunto de determinações citado anteriormente e o currículo escrito são os documentos
que contém essas influências já que foi criado em um ambiente com diversos interesses.
Goodson (1991, p.10) define os currículos escritos como o lugar onde está presente o
testemunho “visível, público e das mudanças dos fundamentos racionais selecionados e
a retórica legitimadora da escolarização (...) o currículo escrito proporciona um guia
para a retórica legitimadora da escolarização, promovida através de modelos de fixação
de recursos, atribuição de status e de distribuição profissional. Em resumo, o currículo
escrito nos proporciona um testemunho, uma fonte documental, um mapa variável do
terreno: é também um dos melhores guias oficiais sobre a estrutura institucionalizada da
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 28
escolarização”. Indo mais além, Goodson (1991) explica que se queremos entender as
influências que modificam o currículo devemos entender não só as influências internas
do sistema educativo, mas também as influências externas, ou seja, as funções preativas.
Aliás, as influências externas têm mais importância nas disciplinas de caráter mais
aplicado, com interesses industriais e comerciais. Goodson (1991, p. 24) destaca a
importância do livro didático nessa ligação expondo que “os livros didáticos são
claramente um fator ‘externo’ importante, mas dependem do estabelecimento interno e
podem completar-se internamente. Em última instância, voltamos a encontrar com a
questão referente ao como os modelos de currículos internos podem se manter: para que
se produza essa manutenção, as relações externas são de vital importância”.
Entretanto as influências internas também devem ser levadas em consideração,
principalmente na análise do livro didático. Nos prefácios de alguns livros didáticos
pudemos observar inferências à sua construção ligada às práticas da sala de aula. Como
já salientamos anteriormente as práticas pedagógicas são um elemento importante na
análise da história da disciplina, assim como o currículo interativo está relacionado na
análise do livro didático. O currículo interativo é a realização, em maior ou menor grau,
dos currículos externos (preativo e escrito) na sala de aula sendo os livros didáticos,
com suas limitações, uma medida desse currículo. Por isso, a pesquisa deve envolver as
vertentes internas e externas do currículo:
“Isto não significa, desde já, que sugerimos a existência de um vínculo direto ou claramente discernível entre o preativo e o interativo, nem que em ocasiões o interativo não possa desestabilizar ou transceder o preativo. Mas sim é defender que a construção preativa pode estabelecer parâmetros importantes significativos para a realização interativa em aula”.
(GOODSON 1991, p. 24)
Acumulando essas funções podemos afirmar que o livro didático serve como
mediador entre as propostas expressas nos programas curriculares e o conhecimento
ensinado pelo professor, ou seja, por seu intermédio o conteúdo programático da
disciplina se torna explícito e, dessa forma, tem condições de auxiliar a aquisição de
conceitos básicos do saber acumulado pelos métodos e rigor científico
(BITTENCOURT, 1997).
O livro didático é “mais que uma imagem da estrutura do currículo, pode ser
visto como um espaço de memória do grupo social que o produz, um espelho do
imaginário coletivo da cultura dominante em uma época determinada e também como
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 29
uma ‘marca’ dos modos e processos de comunicação pedagógica, isto é, uma
representação da racionalidade didática que implementa a gestão de uma classe”
(BENITO 2001, 41). Ou seja, o livro didático pode servir para observar as mudanças
que se produzem nas apresentações dos textos que são, por sua vez, reflexos das
reformas curriculares e das tendências educacionais.
Esses tipos de adaptações ocorreram em toda a história do livro didático, cada
qual realizada em sua época. Nos livros que analisamos pudemos observar claramente
esse efeito no qual no século XIX, em seu conteúdo, são discutidos conceitos de ciência
e descrições de experimentos. Porém, atualmente, podemos observar que, na grande
maioria, os livros didáticos brasileiros expõem a Física cada vez mais como um
conjunto de fórmulas que não passam de aplicações e cálculos em exercícios inibindo
discussões e exposições de opiniões por parte dos alunos. Um exemplo claro é o ensino
atual de mecânica nos livros. Apesar de ser desaconselhável, a prática de restringir o
ensino de mecânica à Cinemática tem sido uma constante. Muitos professores dedicam
praticamente um semestre do ano letivo ao ensino da Cinemática baseando-se em
métodos ultrapassados como o da memorização (DA ROSA & DA ROSA, 2005).
Assim é possível perceber que autores e editores, para simplificar as questões
complexas, impedem que os textos dos livros provoquem reflexões ou possíveis
discordâncias por parte dos leitores. O livro didático, assim, se transforma em “um
objeto padronizado, com pouco espaço para textos originais, condicionando formatos e
linguagens, com interferências múltiplas em seu processo de elaboração...”
(BITTENCOURT 1997, 74).
Porém pesquisas estão sendo realizadas para melhorias das abordagens do
conteúdo dos livros. Há indícios que os professores se sentem incapacitados para
desenvolverem os currículos e programas presentes e, quando questionados, se dizem
incapazes de elaborar um programa de ensino para sua sala de aula melhor do que os
presentes nos livros didáticos. A elaboração do conteúdo pelo professor se torna
fundamental quando observamos, cada vez mais, a diversidade dos alunos em nossas
salas de aula. O ensino uniforme coloca em crise a idéia de grupo homogêneo e requer
como imprescindível a flexibilização do trabalho do professor (FERNANDEZ, 1989).
Alguns critérios para que o livro didático seja útil para professores e alunos foram
levantados por Fernandez (1989) e que valem a pena serem destacados aqui:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 30
• Modificar a ênfase dos conteúdos conceituais com relação aos procedimentos e
atitudes. Os aspectos não devem relacionar-se com a área acadêmica, mas
veicular-se à realidade imediata como meio ambiente, saúde, consumo, meio de
comunicação etc.
• A aprendizagem de conceitos deve fundamentar-se na identificação dos atributos
críticos e não-críticos do conceito, na exemplificação e identificação de
exemplos e na comparação ou relação com outros conceitos.
• Os textos e as atividades devem estar dispostos graficamente de tal maneira que
não se apresentem como uma obrigatoriedade e sim a serviço da compreensão de
textos e atividades estando coerentemente dispostos dentro da unidade temática.
A maioria dos alunos deve trabalhar as partes mais gerais e simples e apenas
alguns alunos devem trabalhar as partes mais detalhadas e complexas.
• As atividades devem estar categorizadas nos tipos de funções de operação que
requerem o aluno.
• Adequação entre conteúdos e atividades trabalhadas em sala de aula. Uma oferta
ampla e categorizada de atividades permite adaptações fáceis em função das
particularidades dos alunos.
Apresentando esses critérios os livros ajudam os professores, por meio de
modelos, a organizar suas explicações, a trabalhar atividades significativas, a adequar
conteúdos e atividades às particularidades dos alunos e ainda ser suscetíveis de uso
autônomo pelos alunos.
1.3. Um pouco sobre a história do livro didático no Brasil
No Brasil, a publicação dos primeiros livros didáticos tem data certa, eles
apareceram com a instalação da Impressão Régia em 1810. Antes disso, por exemplo,
para o ensino elementar Pfromm Neto (2004, 169) observa que “o abandono em que
permaneceu a escola elementar no país, do Descobrimento ao Império, e os objetivos
extremamente modestos desta, limitada à simples alfabetização e os rudimentos da
aritmética, permitem supor que, de modo geral, o ensino elementar do Brasil foi um
ensino sem livro, durante três séculos e meio de história”.
A Impressão Régia foi o marco inicial da produção didática brasileira que, desde
então, cresceu exageradamente gerando discussões sobre sua importância econômica e
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 31
sobre o papel do Estado como agente controlador e consumidor dessa produção
(BITTENCOURT 2003).
Em sua história, o livro didático, sempre esteve diretamente ligado aos seus
autores que, em sua grande maioria, sempre seguiam os programas oficiais propostos
pelas políticas educacionais. “Os conflitos, tensões, acordos, discriminações,
satisfações, fazem parte da história dos autores dos livros...” (BITTENCOURT 2004,
479).
Desde o século XIX até o início do século XX, período inicial de sua produção,
existiam preconceitos com relação aos autores de obras didáticas, uma vez que o livro
escolar era considerado uma obra “menor”. Dessa forma, se torna justo perguntar:
“Estariam nossos primeiros autores motivados pelas vantagens financeiras que a
empreitada poderia oferecer ou seriam outros motivos que os levaram à realização de
um trabalho intelectual considerado inferior na hierarquia da produção do
conhecimento?” (BITTENCOURT 2004, 479).
Para responder a essas perguntas deve-se explorar a historicidade dos autores e
suas concepções, ou seja, para eles o livro didático era uma ferramenta de trabalho ou
servia para substituí-lo? Quais seriam suas concepções sobre livro didático em uma
época que praticamente inexistiam instituições de formação de professores?
Bittencourt (2004) observa que no Brasil houve, inicialmente, um grupo de
autores que produziu algumas obras nos anos seguintes à chegada da família real e que,
em parte, compunham uma primeira geração de autores que estavam preocupados com a
organização dos cursos secundário e superior e pouco preocupados com as séries
iniciais. Posteriormente, pôde identificar uma segunda geração, que se organizou por
volta de 1880 mais preocupados com o tema do nacionalismo, discutindo a necessidade
da disseminação do saber escolar para outros setores da sociedade.
1.3.1. Primeira geração de autores
As primeiras décadas, a partir da chegada da família real em 1808, foram
marcadas por inúmeros autores pertencentes à elite intelectual e política, destacando-se,
entre outros, marqueses, viscondes, etc. Esses autores tinham a preocupação com a
formação moral e estavam atentos aos textos destinados aos jovens integrantes da elite
da época, o que nos permite concluir que não estavam preocupados com uma
empreitada financeira da produção dos livros, mas sim, estavam interessados na
formação de uma elite dominante (BITTENCOURT 2004).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 32
Muitos desses autores, responsáveis por conhecidas obras didáticas, eram
membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e professores do
Colégio D. Pedro II, indicando uma vinculação significativa entre ciência e cultural,
tendência que durou da época do Império até as primeiras décadas da República
(BITTENCOURT 2004).
Observa-se que tais autores possuíam estreita ligação com o poder institucional e
suas obras representavam as tendências dominantes, não porque eram obrigados a seguir
os programas estabelecidos, mas porque estavam onde o próprio conhecimento era
produzido. “O lugar de sua produção situava-se junto ao poder e realizava-se para
consolidar o poder instituído por intermédio dos colégios destinados à formação das
elites, dialogando com intelectuais e políticos responsáveis pela política educacional”
(BITTENCOURT 2004, 481).
Sendo assim o IHGB teve um papel importante na produção de obras didáticas,
deixando textos escolares como contribuições culturais. Outra instituição com papel
relevante, que abrigou autores de livros didáticos foi a Escola Militar, instalada no Rio
de Janeiro, em 1810. Quando instalada no Brasil, a Escola Militar tinha como função
definir quais livros didáticos iriam ser usados. Muitos autores, nomeados como
“sábios”, traduziam essas obras ou, na maioria, optava-se pelos livros portugueses.
Em 1822, com o fim do monopólio da impressão régia, teve início a
transferência dos encargos editoriais para os setores privados fazendo com que marcas
estrangeiras passassem a ocupar a produção nacional. “As marcas editoriais francesas,
em especial, foram se consolidando em razão de nossa dependência das técnicas de
produção e das políticas de importação. Um dos fatores era que o preço do papel e da
tinta brasileiros variavam muito e por isso a opção de muitos autores pela impressão dos
livros na Europa” (BITTENCOURT 2004, 482). Também como conseqüência desse
desequilíbrio, muitos livros portugueses foram utilizados na educação brasileira durante
o século XIX e meados do século XX (PFROMM NETO 1974) 6.
A partir de 1840 com as disputas políticas e sociais da fase regencial, houve a
necessidade de uma produção de obras locais que estivessem dedicadas à formação da
“nacionalidade” surgindo, então, os primeiros compêndios nacionais7. Dessa forma,
6 Também citamos como exemplo o livro de Francisco Ribeiro Nobre. Esse livro foi citado nas provas realizadas pelos alunos da Faculdade de Medicina de São :Paulo como fonte de consulta. 7 O livro do Dr. Saturnino de Meirelles, professor do Colégio Pedro II, é um exemplo da busca da “nacionalidade” dessa época. Esse livro será descrito no capítulo 4.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 33
percebemos que não só o Colégio D. Pedro II, mas, também, a Escola Militar teve um
importante papel na construção do currículo nacional.
Com o aumento na década de 1850 do público consumidor as editoras
começaram a disputar o mercado. Inicialmente com uma disputa entre a editora B. L.
Garnier e a dos irmãos Laemmert houve um grande incentivo ao surgimento de novos
autores. Até 1885, três editoras se destacavam no cenário nacional:
• B. L. Garnier
• Nicolau & Francisco Alves
• Irmão Laemmert
Os livros didáticos produzidos nessa época necessitavam da aprovação
institucional para circular nas escolas e isso acabava por direcionar a opção dos editores
para a escolha de autores do Colégio D. Pedro II e Escola Militar. Conseqüentemente,
os livros praticamente nunca eram recusados, até porque os avaliadores eram membros
do IHGB.
Portanto os livros didáticos desse período eram praticamente determinações do
poder político institucional, produzidos por figuras próximas ao governo, escritores de
obras literárias, etc. Muitos desses autores se inspiravam ou mesmo adaptavam obras
estrangeiras (principalmente francesas) para o ensino brasileiro. Muitas vezes, até os
programas curriculares franceses eram usados para determinar as disciplinas e os
conteúdos a serem trabalhados.
1.3.2. Segunda geração de autores
Essa geração foi marcada por um expressivo crescimento do cenário educacional
brasileiro. Isso fez com que autores das mais diversas esferas sociais se tornassem
produtores de livros didáticos e, conseqüentemente, mudassem o perfil das obras.
“Em 1836, não ia além de 640 o número de alunos das escolas
primárias no município da Corte. De meados do século a 1870, o total
de alunos matriculados elevou-se de pouco mais de setenta mil para
quase cento e noventa mil. Em 1886, o país contava com 213670
alunos matriculados em 6605 escolas primárias públicas”.
(PFROMM NETO 1974, 170)
Nesse mesmo período, começaram as criticas à qualidade de “sábio”, atribuída
aos autores que traduziam obras estrangeiras. Como conseqüência as editoras
começaram a se preocupar, não mais com a formação da elite, mas com as preferências
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 34
dos educadores. Livros com sucesso de vendas eram, na verdade, proveniente das aulas
dadas pelos seus autores e, como eram professores sem formação específica, eles
representavam o método de ensino a ser aplicado (BITTENCOURT 2004).
A partir da segunda metade do século XIX os editores começam a se preocupar
com os alunos, principalmente com sua capacidade de leitura dos livros. Assim,
aperfeiçoaram a linguagem dos livros introduzindo ilustrações e novos gêneros
literários, destacando-se os livros “lições de coisas” e “lições de leitura”. Vale citar aqui
os comentários de Langlois e Segnobos (in PFROMM NETO 1974, 124) sobre os
compêndios de história de épocas anteriores: “Dava-se ao aluno um livro, ‘o compêndio
de história’: mas o compêndio, redigido do mesmo modo que o curso do professor, não
combinava com o ensino oral, de maneira a servir-lhe de instrumento; na realidade,
dobrava-o; e, quase sempre, dobrava-o mal, por ser ininteligível para o aluno”.
Dessa forma as editoras passaram a valorizar a experiência pedagógica do
escritor e a figura de autor “sábio” deslocou-se do tradutor para os melhores educadores,
mudança representada pela escolha de suas obras para uso nas escolas. A
heterogeneidade caracterizou a “nova geração”, por divergências inevitáveis, já que
eram produzidas obras tanto para os filhos dos grandes proprietários rurais como para os
alunos de classes menos favorecidas. Inicia-se, também, nesse período uma ênfase no
ensino primário no qual “o amparo ao ensino, antes limitado aos níveis superiores e
secundários, começou a favorecer a escola primária. Projetos de reforma, leis e medidas
adotadas durante o Império refletem a preocupação com esta última”. (PFROMM
NETO 1974, 169)
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 35
CAPITULO 2
2. História da disciplina: um recorte para a Física
Como salientamos, para realizar a análise do conteúdo dos livros didáticos
devemos levar em consideração as influências que participaram na sua caracterização.
Uma das principais influências é a disciplina, uma vez que o livro foi criado em função
e a partir dela. Além disso, sabemos que a disciplina está diretamente relacionada com
as tendências educacionais de cada época já que ela é organizada de acordo com suas
necessidades.
Levando em consideração esses pontos pretendemos explorar nesse capítulo as
várias transformações que a disciplina Física sofreu ao longo dos anos. Isso se torna
necessário, pois insere o livro didático no contexto de cada época, ou seja, não podemos
classificar o livro como superficial ou complexo uma vez que ele foi criado para
satisfazer necessidades de estabelecimentos específicos de épocas específicas. Uma
forma de analisar essa influência em particular é explorar como a disciplina Física era
tratada nos estabelecimentos de ensino.
No período escolhido para análise neste trabalho surgiram muitos
estabelecimentos importantes, principalmente àqueles ligados ao Ensino Militar,
Médico e Jurídico, assim como instituições importantes na caracterização do currículo
disciplinar brasileiro como o Colégio Pedro II e os Liceus Provinciais. Dividimos a
discussão sobre esses estabelecimentos em duas partes. A primeira sobre o ensino
secundário escolar representado pelos Liceus, estabelecimentos particulares e o Colégio
Pedro II no qual inicialmente a Física teve uma singela presença curricular e a segunda
com o Ensino Militar, Politécnico e Médico, no qual a Física sempre esteve presente. A
análise está em ordem cronológica em cada uma das partes. A divisão se tornou
necessária devido ao enfoque do ensino científico ser diferente em cada grupo. Fizemos
o levantamento, na medida do possível, a partir de visitas às bibliotecas na Escola
Politécnica, na Faculdade de Direito e na Faculdade de Medicina todas, atualmente, da
Universidade de São Paulo, uma vez que são referências em seu ensino desde sua
criação. Para complementar, foram realizadas pesquisas em fonte secundárias que
auxiliaram na caracterização da disciplina Física em outros estabelecimentos.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 36
Além disso, como já destacamos, na medida do possível apresentaremos os
programas curriculares que foram encontrados em nossas visitas e alguns currículos
encontrados em bibliografias secundárias.
Trabalhando dessa forma queremos deixar claro como se articulou o ensino e
buscar evidencias para compreender algumas particularidades dos livros adotados, tais
como: a quem se destina, que tipo de ensino pretendiam alcançar, a que nível de ensino
ele estava destinado e se satisfaziam as necessidades intelectuais da época. Isso é
necessário para que tenhamos informações suficientes para posteriormente analisar o
conteúdo de Cinemática dos livros, evitando conclusões precipitadas e anacronismos.
2.1 O ensino secundário: Liceus, preparatórios e o Colégio Pedro II
Como salientamos no capítulo 1 a idade é um dos fatores primordiais que
diferenciam as finalidades de uma disciplina. A principal diferença na transmissão do
saber está entre as crianças e adolescentes de um lado e os adultos do outro, ou seja, o
saber do primário e secundário diferem do superior. As disciplinas de ensino superior
transmitem diretamente o saber “o mestre ignora a necessidade de adaptar a seu público
os conteúdos de acesso difícil, e de modificar esses conteúdos em função das variações
de seu público: nessa relação pedagógica o conteúdo é invariante (...) não leva em
consideração o fenômeno recente da ‘secundarização’ do ensino superior: mas
justamente esta expressão ilustra bem a consciência profunda de uma diferenciação
clara entre esses dois tipos de ensino” (CHERVEL 1990, p. 185).
Do outro lado temos as disciplinas escolares, preocupadas com a mistura cultural
e a formação do espírito e seu funcionamento não é exclusivamente efeito das
exigências dos processos de comunicação, mas também de uma pedagogia. Partindo
desse pressuposto percebemos que a história da disciplina não deve abranger a
totalidade dos ensinos, pois sua especificidade encontra-se na idade escolar. Por isso,
inúmeras vezes nesse trabalho iremos nos restringir somente às disciplinas de caráter
secundário encontradas nos currículos do ensino superior, principalmente nos currículos
dos ensinos Politécnico, Militar e Médico.
O termo “secundário”, ao longo da história, assumiu designações para diversos
níveis de ensino. Na França, por exemplo, foi utilizado para representar esses diferentes
níveis durante o século XIX. Em alguns casos ia até as classes de gramática e, em
outros, até ensinos do nível ginasial (CHEVEL 1992).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 37
A principal denominação do termo secundário foi utilizada para designar os
estudos da Universidade criada por Napoleão pelos decretos de 1806 e 1808 e que
distinguiam o primário do secundário por meio das disciplinas que ensinavam e de uma
taxa paga pelos estabelecimentos e pelos alunos8. A intenção era criar uma barreira
sócio-cultural estendendo o limitado ensino primário e gratuito somente à classe
trabalhadora enquanto que o secundário se destinava às classes ricas, fato que iria
perdurar por muitas décadas (CHERVEL 1992).
Essa divisão de classes sociais por meio dos níveis de ensino e da especificidade
das disciplinas ensinadas não foi exclusividade só da França. Na década de 1840, na
Grã-Bretanha, um projeto chamado “A Ciência das coisas simples” criado por Richard
Dawes teve um início promissor no ensino elementar daquele país. Com o intuito de
ensinar ciência a partir do conhecimento das coisas familiares provou ser muito bem
sucedido parecendo se tornar a versão mais importante do currículo científico do ensino
elementar. Porém seu sucesso, na década de 1850, foi suprimido por meio de diversas
modificações. Entre elas destacamos a passagem das ciências de obrigatória para
optativa no currículo e a drástica diminuição da oferta de professores que resultaram na
destruição do projeto. Segundo Goodson (1999, p. 123) podemos concluir que a escola
foi “gradativamente reconstruída e reorganizada de forma a solapar todos os esforços
que visassem a educação das classes inferiores (...) uns vinte anos mais tarde, a matéria
de ciências reapareceu no currículo da escola elementar (...) uma versão de ciências pura
de laboratório fora aceita como a forma correta de ciência, forma que suprimia os
objetivos utilitários e destacava o saber, a pesquisa pela pesquisa e as diferenças entre
conceitos físicos abstratos e o mundo da experiência cotidiana”.
No Brasil esse caráter em formar a elite também esteve presente. Iniciado pelos
jesuítas no século XVI, o ensino no Brasil toma novo rumo em 1759 quando o ministro
Sebastião José de Carvalho e Mello, conhecido como D. José I, tira o direito dos jesuítas
de ensinar, decretando sua expulsão e ocasionando uma desorganização das estruturas já
montadas. No mesmo ano são criadas as aulas régias que eram ministradas na casa dos
próprios educadores sendo eventualmente usadas algumas instalações que foram
ocupadas pelos jesuítas. Em 1772 houve uma reforma que reforça e amplia as
8 Quem pagava essa taxa eram somente os estabelecimentos e os alunos que estudavam o latim, ficando bem definido quem estava no primário ou secundário. Isso reprimia os donos dos estabelecimentos que se beneficiavam do termo “ensino secundário” para se promoverem, pois agora deveriam decidir se suas escolas iam ou não ensinar o latim.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 38
providências das aulas régias criadas em 1759, caracterizando essas duas datas como os
momentos que efetivaram o sistema (CARDOSO 2004).
Em 1800, o Seminário Episcopal de Olinda apresentou, por intermédio de seu
fundador, o Bispo Azeredo Coutinho, um projeto no qual dava ordenação lógica e
gradual às disciplinas, a duração do curso e o regime de agrupar os alunos em classes.
Esse documento foi um marco na renovação educacional, principalmente pela ênfase e
introdução no currículo das cadeiras de Física, Química, Mineralogia, Botânica e
Desenho (ALMEIDA JUNIOR 1979; VECHIA 2005).
Porém, o ensino das ciências não teve um expressivo papel no ensino, afinal
havia uma grande necessidade de formar a elite intelectual que iria governar o país.
Nesse período de todas as ciências exatas a única que compunha o currículo era a
matemática e isso se explica devido essa disciplina estar diretamente relacionada com as
atividades cotidianas. Disciplinas como Física, Química e Biologia quando faziam parte
de algum quadro de disciplinas, ou eram pouco freqüentadas ou simplesmente não eram,
ou seja, o ensino nesse período tinha fortes raízes nas disciplinas de base humanística,
pois o estado imperial estava preocupado com a formação de uma elite burguesa. Foi
em função de atender essas necessidades que as disciplinas necessárias para ingresso no
ensino superior, chamadas preparatórios, e as aulas lecionadas eram necessariamente de
caráter humanístico-literário, não exigindo, portanto, os estudos das ciências naturais.
Foi a chegada de D. João VI que iniciou esse processo, através do ensino
superior e da autonomia política que iria culminar na independência do Brasil. A partir
do governo de D. Pedro I inicia-se a transferência de poder para um grupo de elitistas,
com acréscimo dos "letrados" aos cargos administrativos e políticos do quadro
funcional do Estado. As Faculdades de Direito, de São Paulo e Recife, criadas em 1827,
passam a formar esses futuros funcionários do governo preparando-os para os encargos
político-burocráticos e as profissões liberais. Devido a essa necessidade o ensino
secundário tinha um forte caráter humanístico9 (OLIVEIRA 2007). Disciplinas como
retórica, línguas, filosofias etc tinham como função desenvolver o intelecto dos
indivíduos a fim de capacitá-los para o ensino superior, dando ao ensino secundário um
caráter propedêutico. Disciplinas de caráter científico não tinham uma função nesse
processo ficando praticamente excluídas do currículo. Ou seja, o currículo dessa época
9 Tudo indica que essa tradição humanística já vem do século XVII por meio do ensino jesuítico. A valorização para o estudo das letras pelos jesuítas é destacada por Valente (1997) além do ensino científico e matemático representarem estudos inúteis e desnecessários.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 39
tinha um enfoque “em textos de longa tradição e sobre a língua necessária à
comunicação, à persuasão, suporte indispensável, até mesmo consubstancial, do
pensamento. A língua integra o indivíduo em uma elite, em uma nação, em uma cultura,
que ele partilha ao mesmo tempo com seus ancestrais e com seus contemporâneos10”
(CHERVEL 1999, p. 149).
Vale ressaltar ainda que nessa época não era necessária a formação de
indivíduos para um desenvolvimento tecnológico, já que a mão-de-obra era
exclusivamente escrava, inibindo a necessidade de um desenvolvimento na área
tecnológica11. A economia nacional estava apoiada a algum tempo na exploração da
lavoura de café e na cana de açúcar inibindo qualquer tipo de instrução técnica e de
pesquisa científica (TELLES 1984)12.
Apesar disso no início do século XIX, nos Liceus ou escolas de segundo grau
encontramos a Física no quadro de disciplina do ensino secundário: “No segundo ano se
ensinarão os princípios de álgebra ordinária, os elementos de trigonometria, os
princípios gerais de trigonometria, os princípios gerais de mecânica e física geral, dando
de todas essas ciências noções puramente elementares” (MOACYR 1936, p. 151).
Mesmo existindo cadeiras de Física, seu ensino tinha uma pequena expressão na
época. Ainda nas primeiras décadas do século XIX, observamos no quadro das
disciplinas preparatórias do curso Jurídico e Médico que a Física ou Química não foram
citadas. Por exemplo, na matrícula do curso Jurídico de 1825 era necessária “certidão de
exame e aprovação das línguas francesa e latina; de retórica, filosofia racional e moral;
aritmética e geometria” (MOACYR 1936, p. 322). Em 1830 para a matrícula na
10Dessa forma, decorava-se, em latim, textos de grandes autores clássicos como Ovídio, Horácio, Virgílio, Homero, Tito Lívio, Cícero etc além de serem exercícios de composição. Tratava-se portanto de formar a elite social, formar homens e não somente bacharéis. (CHERVEL 1999). 11 Apesar do grande empenho para o desenvolvimento industrial no Brasil foram inúmeros os fatores que contribuíram para que esses objetivos fossem ofuscados. Temos como principais fatores: Falta completa de pessoal habilitado, tanto no Brasil como em Portugal; falta de capitais internacionais; falta de carvão; falta quase total de meios de transporte terrestre o que encarecia tanto as matérias-primas como a produção industrial; resistência dos senhores de terra que por muito tempo dominaram nosso cenário político; e por último e mais influenciador estavam os contratos comerciais com a Inglaterra que favoreciam enormemente os produtos vindos daquele país (TELLES 1984). 12 Apesar disso temos algumas exceções. A Escola de Minas de Ouro Preto que fundada em 1872 foi um exemplo e teve como principal motivo uma decisão política do Imperador D. Pedro II. Com certeza seu apoio decidido em manter a escola foi crucial para que a escola sobrevivesse às inúmeras críticas dos políticos e à falta de tradição desse tipo de ensino (TELLES 1984). Em anexo apresentamos um programa curricular da Escola de Minas de Ouro Preto encontrado na Biblioteca da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Apesar de transcrevermos somente a parte de cinemática podemos perceber o enciclopédico currículo e também o detalhamento na abordagem do conteúdo.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 40
Medicina exigia-se “ter pelo menos 15 anos e feito exames de latim, francês, inglês,
lógica, aritmética, geometria e álgebra” (MOACYR 1936, p. 322).
Em 1841, por exemplo, o ensino de matemática e ciências (aritmética, álgebra,
zoologia e botânica, geometria, trigonometria retilínea, física e química, geografia,
matemática e cronologia, mineralogia e geologia, zoologia filosófica) tinha apenas 19
aulas semanais, representando 10,2% do total das disciplinas semanais (PILETTI 1987).
Aos médicos bastavam “saber latim, qualquer das línguas francesa ou inglesa, filosofia
racional e moral, aritmética e geometria” (BRASIL 183213 apud HAIDAR 1972, p. 48).
Os estudantes pretendentes ao curso jurídico de São Paulo e Olinda não precisariam
saber geografia e ciências naturais, pois não haviam exames dessas matérias (PILETTI
1987).
Dessa forma o ensino secundário tinha um objetivo específico e de grande
importância para o Império influenciando tudo que o cercava. O objetivo era capacitar,
ou preparar, indivíduos para o ensino superior. Sendo assim, o “grau” inferior acaba
tendo uma função de preparatórios. Foram os “exames parcelados” que determinavam o
que seria ensinado nos preparatórios e, obviamente, quem controlava esses exames era o
Império. O que se viu então foi uma educação que se restringia somente às disciplinas
preparatórias. O ensino era realizado por meio de estabelecimentos provinciais ou
particulares que, no início, ajustavam-se de acordo com essas disciplinas (PILLETI
1987).
“A função atribuída aos estudos secundários, encarados no Império, quase que
exclusivamente, como canais de acesso aos cursos superiores, os reduziram de fato aos
preparatórios exigidos para a matrícula nas Faculdades. Consubstanciando os requisitos
mínimos necessários ao ingresso nos estudos maiores, os conhecimentos requeridos nos
exames preparatórios constituíram o padrão ao qual procuraram ajustar-se os
estabelecimentos provinciais e particulares de ensino secundário” (HAIDAR 1972,
p.47).
No ano de 1834 importantes mudanças aconteceram no quadro educacional do
país. Surgiram no século XIX os liceus provinciais atendendo a reivindicações de
descentralizações que abalaram o país na forma de movimentos separatistas. O ato
13 Lei de 3 de outubro de 1832.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 41
Adicional de 1834 deu aos grupos radicais a responsabilidade de manter a ordem e a
integridade do Império14 (VECHIA 2005).
Esse Ato, em seu artigo 10, instituía uma competência do Império e outra local,
provincial, que possibilitava a criação de dois sistemas paralelos: o geral e o provincial.
A Assembléia provincial tinha a liberdade para atuar em sua área com exceção do
ensino superior. Além disso, o Ato conservava à Assembléia geral o direito de legislar
sobre qualquer instrução pública e estabelecimentos próprios (HAIDAR 1972).
Porém, a participação direta do Império se restringiu somente ao Município da
Corte e, para manterem as influências no ensino secundário, proibiram as províncias de
criarem estudos superiores, conservando a exclusividade. Como o ensino secundário se
destinava exclusivamente em preparar o candidato para as escolas superiores, eram
reproduzidas em seu currículo o conjunto de disciplinas fixadas pelo Centro. De uma
forma geral a descentralização provocada pelo Ato Adicional era “controlada”, mesmo
que indiretamente, pelos exames e disciplinas preparatórias para o ingresso no ensino
superior (PILETTI 1987).
Pegando o ensino de humanidades sem nenhuma estrutura, em suas primeiras
tentativas de dar organicidade, criaram-se colégios e liceus, sendo um deles o Colégio
Pedro II. Ex-seminário São Joaquim, o Colégio Pedro II introduziu, por meio do
regulamento de 31 de janeiro de 1838, o estudo seriado e organizado de 6 a 8 anos, a
exemplo dos colégios franceses. Sendo o primeiro colégio de instrução secundária no
Brasil, o Colégio Pedro II foi criado para ser modelo para os demais estabelecimentos
de ensino, das aulas avulsas e dos estabelecimentos de ensino particular.
“Após a inauguração, em 1838, o Colégio Pedro II passou a desempenhar o importante papel de preparar alunos para os cursos de nível superior. O grau de Bacharel por ele conferido dava ao aluno o direito de ingressar em qualquer curso superior do Império sem prestar novos exames (...) Para admissão no Colégio, em 1838, era exigida idade de 8 a 12 anos, saber ler, escrever e as quatro primeiras operações, atestado de bom procedimento dos Professores ou Diretores da Escola que houvesse frequentado e ter tido ‘bexigas naturaes ou vaccinadas’. Só era permitido o ingresso de alunos do
14 Após a abdicação de D. Pedro I em 1831, sob o regime Regencial, o Império estava convulsionado por movimentos separatistas – as Cabanagens, a Balaiada e a Revolução Praieira reivindicavam ações descentralizadoras que ameaçavam a integridade da nação. O Ato Adicional de 1834 conseguiu unir tendências radicais e conservadoras, mantendo o poder Moderador, a vitaliciedade do Senado, extinguindo o Conselho de Estado; deu maior autonomia às províncias, criou as Assembléias Legislativas Provinciais, atribuindo-lhes deveres com respeito à educação, desta forma descentralizando o sistema educacional (VECHIA 2005, p. 82).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 42
sexo masculino, em todo o período deste trabalho”. (SAMPAIO 2004, p. 28)
O Colégio Pedro II representa a primeira tentativa oficial de introduzir o ensino
das ciências exatas, porém pelo fato de não serem disciplinas preparatórias não tiveram
expressão em seu currículo até 1870. O regimento do Colégio explicitava a função de
cada um, desde o diretor até os empregados. Também estava descrito minuciosamente o
programa curricular de cada disciplina e até os livros didáticos que deveriam ser
adotados. Podemos observar a fidelidade ao modelo francês quando observamos os
programas curriculares e também os livros sugeridos. Dos 23 livros, 18 eram franceses
(SAMPAIO 2004).
Na verdade a partir do Ato Adicional criaram-se dois sistemas paralelos: o
regular, oferecido pelo Colégio Pedro II, e eventualmente pelos Liceus provinciais; e o
irregular, mantido pelos estabelecimentos particulares, constituídos pelos preparatórios
e exames parcelados (PILETTI 1987). Esse sistema se estendeu por todo o período
monárquico até o início da República.
A partir disso, o que tivemos foi um grande domínio dos cursos preparatórios,
pois era a maneira mais rápida de se ingressar no curso superior sem as dificuldades do
Colégio Pedro II. “As disposições do Governo relativas aos preparatórios não se
limitaram a tolher a iniciativa provincial, invalidando seus esforços no sentido de
ampliar o plano de estudo dos Liceus. O sistema de exames parcelados, propiciando a
fragmentação dos estudos, os desmandos das bancas examinadoras favorecendo a
fraude e estimulando a descúria e a não validade dos exames realizados nos Liceus
provinciais para a matrícula nos cursos superiores, acabaram por aniquilar totalmente o
ensino público provincial” (HAIDAR 1972, p. 71).
Na verdade a influência dos preparatórios era tão grande que influenciava até o
ensino no Colégio padrão da época, o Colégio Pedro II. Devido ao seu enciclopédico
ensino muitos alunos ou migravam para os estabelecimentos particulares que
lecionavam as disciplinas preparatórias ou prestavam os exames parcelados e
ingressavam no ensino superior sem concluir o curso no Colégio Pedro II. A seguir
temos a tabela 3.1 organizada por Sampaio (2004, p. 31) com o total de alunos formados
nos respectivos anos:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 43
Tabela 3.1: Número de alunos formados por ano no Colégio Pedro II ANO EXTERNATO INTERNATO TOTAL 1843 08 1844 05 1845 11 1846 06 1847 08 1848 10 1849 32 1850 19 1851 20 1852 14 1853 22 1854 14 1855 08 1856 11 1857 05 1858 10 02 12 1859 06 00 06 1860 06 04 10 1861 05 01 06 1862 08 06 14 1863 10 08 18 1864 08 08 16 1865 07 17 24 1866 09 10 19 1867 10 07 17 1868 03 04 07 1869 03 05 08 1870 06 06 12 1871 07 05 12 1872 05 03 08 1873 03 03 06 1874 08 04 12 1875 06 07 13 1876 09 07 16 1877 07 09 16 1878 03 02 05 1879 00 04 04 1880 04 04 08 1881 06 06 12 1882 08 08 16 1883 02 02 04 1884 01 01 02 1885 01 01 02 1886 00 00 00 1887 07 05 12 1888 06 05 11 1889 13 11 24
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 44
Podemos perceber que o ensino no Colégio Pedro II foi fortemente influenciado
pelos exames preparatórios. No anexo 1 do trabalho organizamos os currículos do
Colégio Pedro II destacando o conteúdo de Cinemática. Lá podemos perceber mais
claramente como o fato da disciplina ser preparatória ou não está diretamente ligada à
ênfase que se dá em seu currículo. Por exemplo, no programa de 1858 são elencados 20
tópicos enquanto no ano de 1926 temos 144 tópicos para o conteúdo total de Física
(VECHIA & LORENZ 1998).
Apesar de menos expressivo, na década de 1850 já havia preocupações em
preparar os alunos para as carreiras industriais e comerciais. A idéia não era criar Liceus
paralelos, mas reservar aos primeiros anos do curso do Colégio Pedro II ao ensino
científico e para as séries superiores o aprimoramento da formação clássica. Com o
tempo o enfoque humanístico sofreu inúmeras influências que visavam uma abordagem
mais científica do currículo. Devido às necessidades do desenvolvimento crescente da
indústria na Europa, a abordagem de ensino naqueles países tinha uma forte tendência à
formação comercial, industrial e agrícola15. Porém essas reivindicações tinham pouca
expressão devido à cultura humanística que dominava a época.
Em 1852, por exemplo, o então ministro Antônio Gonçalves Dias foi
encarregado pelo Imperador de visitar algumas das principais províncias do Norte e
relatar sobre a instrução pública. Em seu relatório encontramos dados importantes no
que diz respeito ao ensino de Física. Sobre os Liceus, Dias constatou que apenas no
Liceu da Bahia existia Física (ensinada juntamente com Química)16 e ainda ressalta que
“em todos estes Liceus, ainda mesmo no da Bahia, no qual confere o grau de Bacharel,
não são as matérias distribuídas por diferentes anos. Cada aluno estuda o que quer e
como quer (salvo uma variável subordinação de matérias) e concluindo os seus estudos
no tempo em que pode. O grau, concedido pelo Liceu da Bahia, não dá senão
preferência para provimento de empregos provinciais” (ALMEIDA 1989, p. 349). Ele
ainda destaca que:
15
A influência européia no ensino científico teve um importante papel no ensino brasileiro inclusive nos livros didáticos. O decreto de 24 de janeiro de 1856, por exemplo, fixou os programas e indicou os compêndios. Os programas, muitas vezes, eram uma descrição exata do que se encontrava nos livros franceses. No caso particular da Física esses currículos tiveram um importante papel no desenvolvimento dos estudos científicos com a introdução das experiências e demonstrações. Nessa época como não existiam livros didáticos brasileiros de Física “adotaram-se para o estudo das ciências físicas e naturais, da história e geografia e da filosofia, compêndios franceses” (HAIDAR 1972, p. 116). 16 Fizeram parte de seu relatório os Liceus da Paraíba, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará e Rio Grande.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 45
“o grande inconveniente da nossa instrução secundária é de não se ocupar de outra coisa senão de preparar moços para a carreira médica ou jurídica. Os nossos Liceus são escolas preparatórias das Academias, e escolas más; porque além de se não exigir para encetar as carreiras científicas o grau de Bacharel em Letras, os exames de preparatórios na Academias são feitos por tal forma que a maior parte dos Acadêmicos no fim do 2º ou 3º ano esqueceram totalmente, ou apenas conservam noções superficiais do que nas escolas secundárias aprenderam. A insuficiência destes estudos, a facilidade de tais exames nas Academias, o meio por que sabemos que se podem fazer, são outros tantos obstáculos para que prosperem os Liceus. Se algum deles tem querido introduzir no quadro do ensino secundário noções de ciências naturais e exatas como as matemáticas puras, a química, a física, a botânica, a agricultura, a agrimensura, vêem definhar esses estudos, porque não são necessárias para nenhum grau literário. As duas cadeiras de química e física e a botânica e agricultura da Bahia contam com um aluno apenas”.
(Gonçalves Dias apud ALMEIDA 1989, p. 349)
Gonçalves Dias comenta também sobre o curso de Mecânica aplicada às artes do
Arsenal de Guerra da Bahia.
“O professor leciona em dias alternados em um ano as matérias do 1º e 3º, e no seguinte as do 2º e 4º. Conta esta escola dois alunos apenas, e há 6 anos só dois concluíram o curso, que é o seguinte:
1º ano – Aritmética e Álgebra – Bejout
2º ano – Geometria
3º ano – Estática Dupin
4º ano – Dinâmica
Esta aula é pouco freqüentada, talvez por estar colocada em um recanto da cidade, mas principalmente, por nenhuma vantagem se oferece aos que completam o curso; e porque o ensino, além de ser todo teórico é – em Matemáticas – muito superficial, e em Estática e Dinâmica – não passa do que se pode aprender em qualquer aula de Física”.
(Gonçalves Dias apud ALMEIDA 1989, p. 349).
Em outra colocação Gonçalves Dias ressalta que “a Química, a Física, o desenho
de Arquitetura, paisagem e figuras, não são simultaneamente proveitosos em todos os
ofícios: para uns são algumas dessas matérias – inúteis – e para outros bastariam destas
ciências os princípios e regras práticas, que em uma boa oficina se aprendem”
(Gonçalves Dias apud ALMEIDA 1989, p. 352).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 46
Em outro relatório de 1870, o conselheiro Paulino José Soares de Souza
identificou vários detalhes sobre a instrução pública no Brasil. Por exemplo, “os
estabelecimentos públicos de instrução secundária foram supressos nas províncias de
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Sergipe, que conservavam apenas os currículos isolados
de Latim, Francês e Inglês (...) na maior parte das províncias, o ensino secundário
limita-se ao estudo das línguas modernas mais usuais e línguas mortas como preparação
às diversas áreas e humanidades. As noções de Física, Química e outras são pouco
ensinadas.” (ALMEIDA 1989, p. 121).
Apesar de ser uma disciplina sem expressão, o ensino das ciências naturais era
requisitado por pessoas do Império. Na década de 1870 o conselheiro João Alfredo
pedia o ensino das ciências até mesmo no ensino primário. Segundo Almeida (1989, p.
166) João Alfredo recusava o argumento de que “a tenra idade dos alunos oponha-se à
extensão do ensino primário. Nas escolas já existentes, aprende-se a ler, a escrever e a
contar. Pedimos que em Física, Química, História Natural, conduzam-se até as quatro
operações matemáticas de Aritmética. Os elementos destas ciências não são mais
difíceis que os da ciências matemáticas (...) em muitos estabelecimentos estrangeiros,
franceses, suíços, alemães, há muito, ensinam-se as noções elementares que nós
reclamamos”.
Apesar disso a falta de freqüência e interesse pela disciplina Física se estendeu
por mais alguns anos. A tabela 3.2 abaixo representa as inscrições dos alunos em Física
nos respectivos anos no Liceu Literário Português (HAIDAR 1972).
Tabela 3.2: Total de inscrições nos respectivos anos no Liceu Literário Português. ANOS FÍSICA TOTAL DE INSCRIÇÕES
1881 0 724
1882 0 885
1883 0 1080
1884 7 2375
1885 7 2526
1886 0 1211
1887 0 2127
Outra tabela 3.3 organizada por Haidar (1972, p. 75) sobre as matrículas do ano
de 1883 mostra que a pouca freqüência não é uma particularidade do Liceu português.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 47
Tabela 3.3: Total de inscrições nos estabelecimentos de ensino do ano de 1883 DESIGNAÇÃO DOS
ESTABELECIMENTOS FÍSICA TOTAL DE INSCRIÇÕES
Liceus ou colégios do Estado 0 9 Liceus ou Ateneus provinciais 4 204
Aulas públicas avulsas do ensino secundário ou clássico
0 57
Pensionatos ou Colégios particulares
1 615
Aulas particulares do ensino secundário ou clássico
2 48
Escolas Normais 9 186 Seminários menores 2 91
Institutos de ensino profissional 2 30
Isso mostra que a disciplina Física era pouco freqüentada e difundida no ensino
secundário, já que não era exigida como preparatória na época. Sendo assim, até esse
período o ensino secundário em todo o país ficou reduzido, em geral, às disciplinas
exigidas para ingresso nos cursos superiores, mantinha ainda um caráter
predominantemente humanístico e literário dos primeiros tempos do Império. De fato,
permaneceram praticamente os mesmos até a República os preparatórios exigidos para a
matrícula nas Faculdades de Direito e Medicina. Somente em 1887, de acordo com as
disposições dos Estatutos de 1884 foram acrescentadas aos preparatórios para Medicina
a língua alemã e noções de ciências físicas e naturais17.
Segundo o Ministério dos negócios do Império de 14 de outubro de 1886
“findando no próximo mez o prazo marcado no art. 562 dos estatutos da Faculdade de
Medicina relativamente a exigência dos preparatórios de allemão, trigonometria
retilínea e elementos de physica, chimica e história natural, necessários, nos termos do
art. 372 dos ditos estatutos, para a matrícula na 1ª série dos cursos da mesma
faculdade...” (EXAMES PREPARATÓRIOS 1886, p. 6). Ressalta ainda que os exames
que irão contar a partir de 1887 obedecerão a “ordem em que se mencionam aquellas
sciencias no plano de estudos do Imperial Collegio” (EXAMES PREPARATÓRIOS
1886, p. 9). Apesar de ser introduzida a disciplina Física nos preparatórios, demorou
algum tempo para que os alunos resolvessem encará-la no preparatório e também
seguissem carreiras de caráter científico. Isso aconteceu devido ao grande prestígio
adquirido ao longo do século pelo curso jurídico. 17 Os Estatutos da Faculdade de Medicina baixados com o decreto nº 9311 de 25 de outubro de 1884 fixaram os seguintes preparatórios para o curso de médico: português, latim, francês, inglês, alemão, italiano, aritmética, álgebra até equações do 2º grau, geometria, geografia, história, filosofia, retórica e poética. (HAIDAR 1972, p. 88).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 48
Agora o currículo científico começa a fazer parte do currículo nacional. Em um
primeiro momento nos vem a pergunta: quais os fatores influenciaram para que as
disciplinas científicas fossem introduzidas no ensino?
No final do século XIX inúmeros acontecimentos históricos ajudaram no
desenvolvimento das ciências exatas. A abolição da escravatura, a chegada de grande
contingente de imigrantes e a experiência de um novo regime político (República)
aconteceram exatamente na época do primeiro surto industrial. “O incremento da
industrialização, a crescente urbanização e a introdução de um contingente cada vez
maior de estratos médios e populares vão resultar na transformação da demanda social
pela educação, que organizada em distintos movimentos políticos, reclama a
organização de um sistema nacional de ensino” (OLIVEIRA 2007). Isso justifica a
introdução das disciplinas científicas no ensino secundário escolar, uma vez que, como
o mercado necessitava de pessoas com conhecimento científico, seus estudos passaram
a fazer parte da formação do estudante secundarista brasileiro. Ou seja, o enfoque
passou da retórica e escrita para a observação, fato que é contemplado no currículo
científico18.
Vemos então que inicialmente o currículo científico é inserido no secundário
visando suprir uma necessidade profissional, com formação específica para o emergente
mercado de trabalho que começara a surgir. Mais ainda “a ciência, com efeito, ensina a
seus adeptos que a felicidade e seu bem estar não se conquistam com vãs palavras, nem
por uma via puramente contemplativa e com práticas místicas e estéreis, não só para o
indivíduo como para a sociedade. Chega-se a ela pelo conhecimento exato dos fatos,
pela conformidade de nossos atos com leis verificadas sobre as coisas, e
conseqüentemente pelo exercício do poder humano sobre a natureza” (OLIVEIRA
2007). Carreiras como a dos engenheiros e dos médicos ganham ascensão e adeptos
entre os estudantes.
Algumas reformas atuaram na inserção do currículo científico. Por exemplo, a
Reforma de Benjamin Constant (decreto nº 891 de 8 de novembro de 1890), marcou-se
o início da ruptura com uma tradição de ensino humanístico (ALMEIDA JUNIOR
18 Esse novo currículo não abandona o ensino das humanidades, porém apresenta uma reestruturação em seu método de ensino. Na França, por exemplo, discute-se que esse currículo deveria se assemelhar à produção de cultura das línguas antigas, ou seja, destaca-se o papel dos exercícios de versão, tradução e composição para a formação intelectual do aluno. Então, essas línguas antigas são substituídas pelas línguas vivas estrangeiras e os textos oferecidos aos alunos são outros clássicos como Shakespeare, Goethe, Dante e Cervantes (CHERVEL 1999).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 49
1980). Porém, sobre essa Reforma Almeida Junior (1980, p. 56) destaca três críticas que
podem ser feitas em relação ao ensino científico promovido:
• “a primeira, se refere ao prejuízo que o estudo das ciências exatas sofreria
devido a diversidade e a abrangência do currículo;
• a segunda, diz respeito à idade dos alunos para os quais se lecionava Física. O
nível de abstração no estudo dos cálculos diferencial e integral estava fora do
alcance e da capacidade da maioria dos estudantes;
• a terceira, o ensino de Física se limitava a noções gerais com grande
superveniência de cálculos matemáticos sem nenhuma implicação
experimental”.
Apesar de haver ementas posteriores à reforma de 1890 a fim de promover um
ensino científico com implicações experimentais, a educação “ficou longe de realizar
uma legitima formação de cientistas por meio de profundos estudos das ciências exatas,
sem detrimento da parte experimental, que é a própria instrumentalização dessas
ciências” (ALMEIDA JUNIOR 1980, p. 59).
Não podemos esquecer que o ensino brasileiro ainda estava dividido em dois
regimes paralelos: o regular, pouco freqüentado e sustentado pelo Colégio Pedro II e o
regime dos cursos parcelados, isto é, por disciplinas, sendo este o ensino que
predominava.
“Durante toda a república velha perdurou a luta entre o regime regular e o regime parcelado. O primeiro regulamentado por decreto do Poder Executivo, baixados com autorização do Poder Legislativo, e o segundo sempre protelado por leis do Legislativo, geralmente atendendo aos interesses particulares”.
(PILETTI 1987, p. 51)
Nessa época o governo ainda exercia o controle do ensino secundário de forma
indireta, através do controle do ingresso nos cursos superiores e da equiparação
concedida aos estabelecimentos que seguissem as normas federais19. Várias tentativas
19 Em linhas gerais, no que diz respeito à equiparação de estabelecimentos de ensino secundário ao estabelecimento padrão da Capital PILETTI (1987,p. 45) identifica 4 fases: “1ª) De 1892 a 1911: a equiparação foi concedida tanto a estabelecimentos estaduais quanto a particulares, mediante o atendimento de determinadas condições. 2ª) De 1911 a 1915: Diante da total autonomia concedida aos estabelecimentos de qualquer tipo, a equiparação tornou-se desnecessária; 3ª De 1915 a 1931: Equiparação apenas para os estabelecimentos públicos estaduais e, a partir de 1928, municipais, e exames nos estabelecimentos equiparados ou juntas examinadoras oficiais para os estabelecimentos particulares; 4ª) A partir de 1931: oficialização, através da inspeção oficial, de todo o ensino secundário. A reforma Gustavo Capanema de 42 estabeleceu 3 tipos de estabelecimentos de ensino secundário: federais,
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 50
foram feitas para excluir os preparatórios e incluir o exame de madureza, que seria
prestado no final do curso integral e destinado a verificar se o aluno tinha condições
intelectuais para ingressar no ensino superior. Porém inúmeros adiamentos foram feitos
pelo legislativo e “de 1891 a 1900 uma seqüência de decretos, regulamentos e portarias,
instruções e avisos modifica substancialmente o plano de estudos e o regime de
equiparação adotado por Benjamin Constant (SAMPAIO 2004, p. 82 apud NAGLE
2001, p.188).
“Chega-se assim, ao ano de 1910, com o ensino secundário completamente dominado pelos preparatórios, cujos exames podiam ser feitos tanto nos estabelecimentos oficiais quanto nos particulares equiparados, o que resultava em verdadeira mercantilização de exames e títulos”.
(PILETTI 1987, p. 55)
Na década de 20 começou a se instalar no Brasil um grande movimento
ideológico que abriu novos horizontes para a democratização do ensino brasileiro
(ALMEIDA JUNIOR 1980). Por exemplo, a Reforma Rocha Vaz pelo decreto nº
16.782-A de 13 de janeiro de 1925 tornou obrigatória a cursar o ensino secundário para
ingresso no ensino superior. Até então essa etapa era determinada pelos preparatórios
(MACHADO 2002). Para o ensino de Física essa reforma também é importante pois
separa as disciplinas Física e Química20. Além disso, essa reforma “suprimiu o regime
de exames parcelados (art. 54), só permitindo exames nas matérias de cada ano do curso
seriado (art. 273) e facultou a constituição de juntas examinadoras, para cada série dos
cursos dos estabelecimentos particulares (art. 270), que não poderiam ser equiparados
(art 278)” (PILETTI 1987, p. 56) e garantiu a inscrição no vestibular21 para quem
obtivesse aprovação a partir do 5º ano do ginasial.
Outra reforma importante não só para o ensino de Física, mas para todo o ensino
brasileiro, foi a Reforma Francisco Campos de 18 de abril de 1931 (decreto nº 19890),
pois deu ao exame de admissão um caráter nacional, ou seja, em todo o país começou a
ocorrer uma seleção para ingresso no curso secundário (MACHADO, 2002). Dessa equiparados e reconhecidos consumando-se a total intervenção do Governo Federal no ensino secundário”. 20 É também a partir dessa data que os livros didáticos nacionais começam a mudar seu perfil. A axiomatização por meio da forte matematização começa a dominar a maior parte do conteúdo. Em nossas análises consideramos que a partir de 1925 os livros didáticos de Física começam a construção de seu conteúdo. Por exemplo, inicia-se a inclusão de exercícios, exemplos numéricos como ilustração, deduções matemáticas e gráficos. 21 O vestibular foi instituído na Reforma Rivadávia Correa (decreto nº 8659, de 5 de abril de 1911 e mantida pela Reforma Carlos Maximiliano (decreto nº 11530 de 18 de março de 1915) e nunca mais abolido.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 51
forma só seria oficialmente reconhecido o ensino secundário ministrado no Colégio
Pedro II e estabelecimentos sob regime de inspeção oficial e só poderiam escrever-se no
vestibular quem garantisse aprovação nos exames parciais e finais no curso regular de 7
anos. Com isso, o ensino secundário passa de “simples curso de passagem e
preparatório a uma instituição de caráter educativo-formativo” (ALMEIDA JUNIOR,
1980).
Além disso, a Reforma de 1931 dividiu o curso secundário em fundamental e
complementar. “Concluído o curso fundamental os alunos podiam optar por uma das
três alternativas oferecidas no curso complementar de acordo com a carreira pretendida:
1º curso jurídico; 2º curso de medicina, farmácia e odontologia; 3º curso de engenharia
e arquitetura. O curso complementar era na verdade um curso pré-universitário, no
sentido de que preparava os alunos para o ensino superior, com disciplinas obrigatórias
ligadas às suas diversas áreas” (PILETTI 1987, p. 62).
Apesar dessa Reforma ter como intenção o caráter formador dos cursos
secundários, o ensino continuava sem esse objetivo já que se tornava, cada vez, mais um
mecanismo de preparação ao curso superior. Dessa forma o ensino secundário brasileiro
se viu novamente como um preparatório para o ensino superior (ALMEIDA JUNIOR
1980).
Portanto, o ensino de Física no ensino secundário foi introduzido de forma lenta
adquirindo finalidades diferentes. Isso nos remete ao capítulo 1 no qual destacamos a
importância em se estudar a história da disciplina e explorar suas finalidades.
Analisando dessa forma podemos ter uma idéia da função que assume a disciplina e
perceber que a Física só torna-se importante quando adquire a finalidade específica de
formar o cidadão com um conhecimento científico para o emergente mercado industrial
e comercial. Dessa forma o ensino secundário torna-se uma introdução à formação
profissional para o curso superior subseqüente.
Observando o trajeto da disciplina Física no ensino secundário escolar,
levantamos a seguinte questão: Se a Física praticamente não participava desse currículo
durante todo o século XIX, existia algum estabelecimento que adotava os ensinamentos
científicos? Se existia qual era a finalidade de suas disciplinas? É o que vermos no
próximo tópico.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 52
2.2. Ensino Militar e Politécnico
O ensino científico no meio militar teve inicialmente uma forte ligação com as
táticas de guerra e com os armamentos bélicos uma vez que buscavam cada vez mais
poder nas armas e também uma maior eficácia em suas defesas. No século XVIII, já
com uma artilharia desenvolvida com armas e canhões, esses armamentos ganham
alcance e pontaria que no século XIX iriam participar do exército napoleônico. Essa
evolução implica também nas formas de fortificação já que a potência bélica ganhava
cada vez mais força. Com um nível técnico maior houve a necessidade de pessoas
qualificadas fazendo com que surgissem as aulas de artilharia e fortificação (VALENTE
1997, p. 31).
“O profissional formado pelas aulas de ‘Artilharia e Fortificações’ dá origem ao
engenheiro moderno. De seu ofício são exigidos: rapidez, solidez e economia. Tais
exigências representam frutos diretos de seus conhecimentos matemáticos. Do século
XVI até o final do século XIX, os dicionários são unânimes: o nome engenheiro se
aplica inicialmente ao engenheiro militar que é um oficial e um ‘matemático’”
(VALENTE 1997, p. 34).
No Brasil o início dessas aulas tem origem com sua própria necessidade de se
defender dos constantes ataques e possíveis guerras com países estrangeiros, sendo em
1648 feita a “contratação pela Corte Portuguesa de estrangeiros especialistas em cursos
militares, para virem ao Brasil ensinar e formar pessoal capacitado para trabalhar com
fortificações” (VALENTE 1997, p. 36).
Já no século XVIII com o Ensino Militar difundido foram criados vários cursos
dando espaço aos manuais didáticos. O interessante é que a Física se encontrava nos
livros de matemática. No livro “Novo curso de matemática” de 1725 escrito por Bélidor
nas últimas 3 lições do livro aborda-se conteúdos de Física.
“14. do movimento dos corpos e do lançamento das bombas
15. mecânica estatística
16. Hidrostática e hidráulica”.
(BÉLIDOR 1725 apud VALENTE 1997, p. 64)
Segundo Valente (1997) o texto reúne lições que hoje encontramos nos cursos
do ensino fundamental e médio.
Outro livro que também foi usado no Ensino Militar é o livro de matemática de
Bézout que é encarregado de escrever um curso de matemática, sendo sua obra dividida
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 53
em 6 partes das quais a quinta trata de Física: “I. Aritmética, II. Geometria, III. Álgebra,
IV. Mecânica, V. Continuação do curso de matemáticas. Tratado de navegação”
(VALENTE 1997, p. 72). Sendo assim, podemos perceber que, como a matemática, a
Física ensinada nas escolas também originou-se através dos estudos militares e, como
iremos ressaltar adiante, seu ensino teve grande expressão no ensino Militar brasileiro.
Vemos então que o curso militar tinha uma abordagem diferenciada do ensino
humanístico da época e foi criado para atender as necessidades específicas do meio
militar22.
“No campo educacional, pela necessidade de criar pessoal preparado para atender ao exército, o governo investiu no ensino superior. Foram criadas as Escolas de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador (1808), surgidas, inicialmente, como cursos de Anatomia e Cirurgia; a Academia de Guardas Marinhas (1808) e a Real Academia Militar (1810); a Academia de Artes criada originalmente como “de Ciências, Artes e Ofícios” e cursos esparsos de Comércio, Desenho, Mineralogia e Agricultura”.
(VECHIA 2005, p. 80)
No caso da Academia da Marinha, inaugurada em 1808, o curso tinha
“Matemática, Física, Artilharia, Navegação e Desenho. Exigia-se o conhecimento de
Francês para ser admitido” (ALMEIDA 1989, p. 47). Para a Academia Militar Real do
Rio de Janeiro fundada em 1810 “o plano de estudo era bem extenso e compreendia as
Ciências Matemáticas, a Física, a Química e Metalurgia, a História Natural,
Fortificação, Artilharia e Tática” (ALMEIDA 1989, p. 47).
Segundo Valente (1997) o ensino Militar teve um papel crucial na organização
das ciências exatas no ensino secundário e superior. É por meio dele que são feitos os
primeiros programas e definidos o conteúdo, ou seja, a separação do que é elementar do
que é superior. Valente (1997, p. 102) cita o exemplo da matemática “A criação da
Academia Real Militar estabelece no Brasil, a separação matemática
elementar/matemática superior. Já que a Academia Real dos Guardas-Marinha vai
solidificando um programa de estudos e conteúdos de nível elementar. Tanto uma como
outra dão contribuições decisivas para o que podemos chamar de matemática escolar
secundária (...) os conteúdos da matemática secundária ficam definidos quer seja pela
Academia Real Militar, através da matemática elementar necessária ao aprendizado da
22 Devido a isso foram inúmeras as resistências sofridas por esse ensino, não só por parte do chamado partido português do governo de D. João VI que não via qualquer progresso para o país e principalmente pela cultura da época no qual se predominava o ensino humanístico-literário (TELLES 1984).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 54
matemática superior, quer seja pela Academia Real dos Guardas-Marinha pela
necessidade de formação de profissionais do mar”.
Inicialmente os livros utilizados no Ensino Militar eram franceses, porque não
havia livros nacionais para esse ensino e, na maioria das vezes no idioma de origem, já
que os alunos estavam familiarizados com a língua francesa. Alguns livros adotados
são: “Lacroix, Legendre, Monge, Franceour, Bossuet, Lalande, Biot, Lacille, Puissant,
Haüy, Gay de Vernon, Chaptal, Flourcroy, de la Marillière, Curvier e outros”
(ALMEIDA 1989, p. 47). Uma exceção é o próprio livro de Física “Tratado Elementar
de Física” (1810) do Abade francês F. J. Haüy (1810) que foi traduzido para o
português. Sugerido desde a criação do Ensino Militar, sua adoção se estendeu por
várias décadas quando foi substituído em 1860 pelo livro de Ganot (MOTTA 1976).
Em 1810, a Academia Real Militar, criada por meio de uma iniciativa do
ministro dos negócios estrangeiros e da Guerra D. Rodrigo de Souza Coutinho a fim de
capacitar comandantes, visava além de um curso de ciências militares tanto na tática
como na fortificação e artilharia, um curso de ciências matemáticas e observação. No
dia 23 de abril de 1811, eram ministradas as primeiras aulas na escola do largo São
Francisco no Rio de Janeiro (MOTTA 1976).
A criação da Academia estava ligada primeiramente na qualificação de pessoas
para o exército, mas também em suprir as necessidades que iam aparecendo com o
inevitável desenvolvimento que ia se formando. A construção de estradas, rios largos,
pontes, portos etc era um verdadeiro desafio às técnicas de engenharia. Com isso a
mesma escola que cuidava das técnicas da guerra militar, se responsabilizou por outra
formação, a dos engenheiros (MOTTA 1976). Além disso, havia o desenvolvimento de
cunho bélico em função “de uma necessidade prática colocada pela sofisticação do
armamento. Dominar o uso dos novos artefatos de guerra implicava conhecer os
princípios da Física e da Química” (ALVES 2000, p. 126). Formação essa que ficou sob
a responsabilidade do Ministério da Guerra até 1874, quando foi criada a Escola
Politécnica.
Segundo Alves (2000), podemos afirmar que foi o Ensino Militar, ao lado do
Ensino Médico, foram os grandes pioneiros da introdução do ensino das ciências
naturais em nosso currículo. No Rio de Janeiro, muitos alunos dos cursos de Medicina
iam na Academia Militar buscar aulas de Química. Em uma época que predominava o
ensino humanístico essa posição por meio dos militares foi muito audaciosa devido ao
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 55
grande prestígio do curso de Direito e, como veremos, sofreu inúmeras restrições e
barreiras para seu desenvolvimento. Observando o Estatuto de 1810 da Academia
podemos verificar a forte abordagem no ensino das ciências exatas e também o estudo
da Física somente no 3º ano por meio da Mecânica e da Balística:
“1º ano: Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria e Desenho.
2º ano: Álgebra, Geometria, Geometria Analítica (com a designação de “aplicações da Álgebra à Geometria), Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Descritiva e Desenho.
3º ano: Mecânica, Balística e Desenho.
4º ano: Trigonometria esférica, Física, Astronomia, Geodésia, Geografia Geral e Desenho.
5º ano: 1) Tática, Estratégia, Castramentação, Fortificação de campanha e reconhecimento de terreno. 2) Química.
6º ano: 1) Fortificação regular e irregular, ataque e defesa de praças, Arquitetura civil, Estradas, Portos e canais. 2) Mineralogia e desenho.
7º ano: 1) Artilharia, Minas. 2) História Natural.
O primeiro ano era uma espécie de “curso preparatório”, um preâmbulo matemático de nível ginasial e colegial, destinado ao preparo para os estudos posteriores de Geometria Analítica, de Física e de Mecânica. Os segundo, terceiro e quarto anos constituíam um período de estudos acadêmicos, de grau superior, propedêutico para os estudos militares e de engenharia, situado nos três anos seguintes”.
(MOTTA 1976, p. 19, destaque nosso)
O primeiro ano era uma espécie de preâmbulo que servia de preparação para as
disciplinas nível superior dos próximos anos, incluindo as de Física. Esse modelo se
estendeu por muitas décadas, quando a escola militar se torna escola politécnica.
Apesar da Academia Real existir a partir de 1810 seus primeiros anos passaram
por dificuldades devido a falta de professores titulares, chamados lentes. “Em 1816 as
aulas de Física foram suspensas por falta de professores até que pudesse vir de Coimbra
um opositor ou bacharel. Em 1824 havia seis lentes para 12 cadeiras. Em 1828
afirmava-se a impossibilidade de se iniciarem as aulas por falta de professores. Em
1831, de treze cadeiras, só quatro possuíam lentes próprios. A convocação no meio
clerical tornou-se prática corrente para sanar as dificuldades” (ALVES 2000, p. 127).
Essas dificuldades se estenderam para os compêndios. Nesse Estatuto de 1810 foram
fixados os compêndios (franceses) que deveriam ser usados pelos professores a fim de
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 56
preparar seu próprio conteúdo ou seu “compêndio”. Como os lentes eram deputados,
sacerdotes e muitos ministravam mais de um curso isso não foi seguido, sendo apenas
traduzido os compêndios e na maioria das vezes sendo estudado pelos próprios alunos,
dificultando no entendimento já que os livros eram feitos para os professores. “De certa
forma o compêndio era o próprio programa” (MOTTA 1976, p. 96).
“Dois livros serviriam de base ao programa de Física, o de Hauy e o de Brisson e o lente deveria dar o máximo desenvolvimento ao estudo da ótica, com suas aplicações quanto aos óculos de refração e reflexão”.
(MOTTA 1976, p. 21)
A influência francesa não ficou somente nos compêndios. O decreto de 1839
manda organizar o Ensino Militar conforme os programas da Escola Politécnica de Paris
e a Escola de Aplicação de Metz. “Tomamos por norma dos nossos trabalhos os
programas das Escolas Politécnica e de Metz, como nos foi recomendando; mas apenas
podemos imitá-los quanto ao espírito que nele predomina, pela razão de que, podendo
considerar-se a escola brasileira como uma fusão de ambas aquelas, era seu mister
modificá-los quase na totalidade de suas disposições” (MOTTA 1976, p. 75).
Com isso o Ensino Militar ficou com dois enfoques, o militar e o das ciências
exatas. Percebemos isso na fala do Comandante da Academia Sebastião do Rego
Barros: “Veio ultimamente uma nova reforma; e a falar com franqueza não acho jeito na
tal reforma. Ou a escola é militar ou é uma academia de ciências, física e química; se é
academia física e química então não pode haver essa disciplina, essa ordem que deve
haver. A escola deve ser inteiramente militar; mas se acaso a assembléia lhe der nova
organização, então forme-se uma nova academia destacada, mas o que é militar deve ser
militar” (Anais da Câmara dos deputados 1843, p. 401 apud MOTTA 1976, p. 77).
Obcecado pela militarização da Academia, Barros chegou a mudar o currículo
no período de 1839 a 1842, incluindo disciplinas de caráter militar no primeiro ano.
Essa foi a única exceção do modelo curricular que foi criado em 1810 e perdurou até
1850. Na tabela 3.4 segue o currículo organizado por Motta (1976, p. 89) e que
reproduzimos somente até o quarto ano no qual estão as disciplinas de nosso interesse23:
23 O curso total é de 7 anos, com exceção do ano de 1833 e 1839 que são de 6 e 5 anos, respectivamente. Observamos que nesses dois anos há algumas disciplinas de caráter militar nos primeiros anos do currículo, sendo mais tarde deslocadas para os anos finais do curso. No quinto ano de 1832 há a disciplina Mecânica aplicada à artilharia e no sexto ano de 1833 há hidráulica e hidrodinâmica.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 57
Tabela 3.4: Quadro de disciplinas da Academia Real Militar até o quarto ano.
1º ANO 2º ANO 3º ANO 4º ANO
1832
Aritmética, Álgebra,
Geometria, Trigonometria e
Desenho.
Álgebra, Trigonometria,
Cálculo diferencial e integral, Geometria
Descritiva e Desenho.
Mecânica, Arquitetura, Física-
Química, Mineralogia e Pirotécnica.
Trigonometria Esférica, Ótica,
Astronomia, Geodésia,
Topografia e Navegação.
1833
Aritmética, Álgebra,
Geometria, Trigonometria e
Desenho.
Álgebra, Cálculo diferencial e integral,
Geometria Descritiva, Mecânica
e Desenho.
Tática, Estratégia, Castramentação, Fortificação de
Campanha, Artilharia, Física-
Química, Mineralogia e
Desenho.
Trigonometria Esférica, Ótica,
Astronomia, Geodésia e Desenho.
1839
Matemática Elementar, Operações
topográficas, Instrumentação
prática de infantaria e cavalaria e
desenho topográfico.
Tática, Fortificação passageria,
Castramentação, História Militar,
Instrução prática e Desenho Militar
Análise finita e infinitesimal,
Geometria Descritiva e Analítica e Física
experimental
Mecânica Racional, Cálculo das
probabilidades, Química-Botânica,
Desenho das Máquinas, Instrução Prática de Artilharia,
Engenharia e Estado-Maior.
1842
Aritmética, Álgebra,
Geometria, Trigonometria e
Desenho.
Álgebra superior, Geometria Analítica, Cálculo diferencial e
integral, Desenho.
Mecânica Racional e Aplicada, Física Experimental,
Desenho
Trigonometria Esférica,
Astronomia, Geodésia, Química-
mineralogia e Desenho.
1845
Aritmética, Álgebra,
Geometria, Trigonometria e
Desenho.
Álgebra superior, Cálculo diferencial e integral, Geometria
Descritiva, Geometria Analítica
e Desenho.
Mecânica Racional e Aplicada, Física Experimental,
Desenho
Trigonometria Esférica,
Astronomia, Geodésia, Química-
mineralogia e Desenho.
Observando o quadro de disciplinas de 1832 até 1850 percebemos que o ensino
de ciências foi efetuado basicamente nos terceiros e quartos anos. Concordamos com as
conclusões de Motta (1976) sobre o caráter preparatório dos primeiros anos e o ensino
propedêutico dos segundos, terceiros e quartos anos, em função das disciplinas militares
do restante das séries. A formação ainda era diversificada e dependia da carreira a ser
seguida:
“... o oficial de infantaria e cavalaria apenas necessitava de conhecimentos elementares de matemática e técnica profissional; que o de Artilharia e o de Engenharia deveriam acrescentar, a esses conhecimentos, estudos de Matemática superior, de Ciências da natureza, de Geodésia e de Astronomia, ao lado de estudos
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 58
profissionais-militares mais desenvolvidos (...) engenheiros e artilheiros estudavam tudo o que era ministrado à infantes e cavaleiros. Dir-se-ia que a noção de arma era menos de ramo, ou especialidade de ensino, do que de nível ou grau de ensino: para a infantaria e a cavalaria, nível elementar, para a artilharia e engenharia, nível superior. É possível, a esta luz, afirmar que todos se habilitavam par agir no âmbito da infantaria, que os artilheiros e engenheiros eram uma espécie de infantes com estudos profissionais mais extensos”.
(MOTTA 1976, p. 95)
Na década de 1850 o Ensino Militar cresce, sendo criada várias instituições.
Destacamos a unidade no Rio Grande do Sul criada em 1851, A Escola na Praia
Vermelha no Rio de Janeiro em 1855 e a Escola de Tiro em Campo Grande em 1859. A
unidade da Praia Vermelha, em particular, surgiu como um complemento à Escola do
Largo São Francisco recebendo o nome de Aplicação, referência ao seu destino que era
ministrar o ensino técnico-profissional. Entre 1855 e 1874 adquiriu grande expressão,
até chegar a assumir as responsabilidades da Escola Militar do Largo São Francisco que,
na época em questão, acabara se transformando na Escola Politécnica (ALVES 2000).
Em 1856, a escola da Praia Vermelha apresenta um currículo dividido em
prático e teórico, com ensinos de Física somente neste último:
“1. Ensino teórico:
1) Aula provisória: Aritmética, Álgebra elementar, Geometria Elementar, Metrologia, Princípios de Geometria Analítica a duas dimensões, compreendendo a Trigonometria Plana.
2) 1º ano: Topografia Militar, Tática, Castramentação, Estratégia, Fortificação de Campanha, Elementos de Estática e
Dinâmica com aplicação à balística no vácuo, História Militar, e noções de Direito das gentes e de Legislação Militar.
3) 2º ano: Balística no meio resistente. Fortificação Permanente. Ataque e defesa de praças e fortificação subterrânea, Arquitetura Militar.
(MOTTA 1976, p. 136, destaque nosso)
Nesse currículo, há algumas disciplinas do primeiro e segundo anos que foram
transferidas dos quinto e sexto anos da Escola Central do Largo São Francisco. Este
currículo mostra que os alunos militares teriam que freqüentar cursos nas duas escolas:
“1º) Os de infantaria e de cavalaria cursariam o primeiro ano do Largo São Francisco, para o estudo da matemática elementar, da Física, e do Desenho, e depois cursariam o primeiro ano da Escola de Aplicação.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 59
2º) Os de Artilharia e de Engenharia freqüentariam ambas as escolas na totalidade dos seus cursos”.
(MOTTA 1976, p. 138)
Posteriormente essa escola acabou assumirem outra função, a de preparar os
alunos para o curso na Escola Central (Largo São Francisco):
“O fato se deu a partir de 1858, quando o curso da Escola Central (Largo São Francisco)24, foi precedido de um ano preparatório, para o estudo do Francês, Latim, História, Geografia, Aritmética, Álgebra, Geometria e Metrologia. Em 1863 esses estudos se integrariam num verdadeiro curso, ou escola, a funcionar na Praia Vermelha e no Rio Grande do Sul (...) a princípio o problema era visto sob o ângulo da necessidade de assegurar, aos alunos matriculados na Escola, preparo capaz de lhes permitir enfrentar os estudos superiores, de matemática e ciências. Depois outro aspecto foi se juntando a esse: o dever do Estado de prover a educação secundária dos filhos de militares (...) São seus passos ou marcos crescentes: o ano preparatório, o curso preparatório, a escola preparatória e o colégio militar”.
(MOTTA 1976, p. 127)
Em 1863 houve uma reformulação na formação das carreiras do Ensino Militar e
conseqüentemente no currículo. Isso deu um caráter novo na função da Escola da Praia
Vermelha fortalecendo-a:
“(...) tanto os infantes e os cavaleiros como artilheiros, passam a cursar somente a Escola da Praia Vermelha, estes com três anos de duração e aqueles com dois anos. Os engenheiros, e os do curso de Estado-Maior, embora realizando ainda, parte de seu curso no Largo de São Francisco (Escola Central), o iniciam na Escola Militar, cujos três anos freqüentam. O currículo desta sofre, então, modificações necessárias ao atendimento deste plano, e ficam assim constituídos:
1º ano: 1ª cadeira: Álgebra superior e Geometria analítica.
2ª cadeira: Física experimental, Noções de Mecânica, Química inorgânica e suas aplicações à Pirotécnica; aula de Desenho Topográfico, Topografia e reconhecimento de terreno.
2º ano: 1ª cadeira: Tática, Estratégia, Castramentação, História Militar, Fortificação Passageira, noções de Fortificação Permanente, noções de Balística.
2ª cadeira: Direito das gentes, noções de Direito Natural e de Direito Publico, Legislação Militar; aula de desenho e de projeções, Geometria descritiva.
24 Pelo decreto no 2116 de primeiro de março de 1858 os cursos da Escola Central são: Curso de Matemática e de Ciências Físicas e Naturais e Curso de Engenharia Civil (TELLES 1984).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 60
3º ano: 1ª cadeira: Cálculo Diferencial e Integral, Mecânica, Balística teórica e aplicada.
2ª cadeira: Tecnologia Militar, Artilharia, Sistemas de fortificação permanente, Ataque e defesa de praças, Minas militares; aula de Desenho de Fortificação e de máquinas de guerra”.
(MOTTA 1976, p. 139, destaque nosso)
Observando as disciplinas duas coisas ficam claras: o caráter militar que queria
se dar na escola e a sua função de Escola Preparatória. Além disso, vemos a inclusão da
Física e Química no currículo dos cursos de infantaria e cavalaria aumentando o nível
dos estudos.
Gostaríamos de salientar que paralelamente a isso, nos Liceus e
estabelecimentos de ensino secundário, a Física e Química eram disciplinas sem
expressão com poucos alunos matriculados quando não havia nenhum. Diferentemente
o Ensino Militar com a expansão do ensino das ciências naturais (Física e Química)
tinha um sentido contrário ao que se pretendia na época. O ensino das ciências naturais
foi se concretizando de acordo com as necessidades da sociedade, pois as
modernizações e expansões de produção já se tornavam vigentes. Isso ajudou cada vez
mais na inclusão dessas disciplinas nas séries secundárias do final do século XIX, uma
vez que era necessário preparar cidadão para o ensino superior nessa área.
“Já não bastava que se formasse bacharéis em Direito e médicos; novas formas de atividades iam aos poucos surgindo, a exigir a presença do engenheiro. À proporção que essas novas atividades foram se tornando evidentes, passou a ser profissão rendosa, a acenar pela ambição dos jovens, essa de construir estradas, de calcular resistência de material, de lidar com máquinas”.
(MOTTA 1976, p. 151)
Sobre o livro didático, Motta (1976) comenta que em 1860 nosso ensino sofria
uma forte influência dos livros franceses citando, pela primeira vez, o livro de Ganot no
currículo Militar:
“É claro que esse esforço em prol do compêndio brasileiro, do trabalho elaborado na própria Escola [Praia Vermelha], não eliminaria o predomínio do livro estrangeiro, ou melhor dito, francês, que já nessa época dominava o cenário da Praia Vermelha, como já ocorrera no Largo do S. Francisco. O que vemos então, é Laurillard Fallot para a Arte Militar, Dion para a Balística, Bourbon para a Álgebra, Vicent para a Geometria, Ganot para a Física, Renault para a Química”.
(MOTTA 1976, p. 142)
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 61
Nessa época já percebemos a diferença entre essas escolas no intuito da
especificidade na formação. A Escola da Praia Vermelha com um caráter preparatório e
o currículo25 da Escola Central (Largo S. Francisco), no qual fica claro a formação do
engenheiro:
“1º ano: cadeira: Álgebra Elementar e Superior, Geometria, Trigonometria Retilínea e Esférica; aula de Desenho Linear e Topográfico, noções e Topografia.
2º ano: 1ª cadeira: Geometria Analítica, Teoria geral da projeções, Elementos do Cálculo Diferencia e Integral, Mecânica; 2ª cadeira: Física Experimental, Mecânica. Aula: resolução gráfica dos problemas de Geometria Descritiva e suas aplicações à teoria das sombras.
3º ano: 1ª cadeira: Cálculo Diferencial e Integral, Mecânica; 2ª cadeira: Química Inorgânica; aula: Desenho de máquinas..
4º ano: 1ª cadeira: Astronomia, Topografia e Geodésia; 2ª cadeira: Botânica e Zoologia; Química orgânica; aula: Desenho geográfico.
5º ano: 1ª cadeira: Mecânica aplicada às construções, Arquitetura Civil, Resistência dos Materiais, Rios, cainais e encanamentos, Navegação interior, Estradas, pontes, vias férreas e telégrafo; 2ª Cadeira: Mineralogia e Geologia; aula: desenho de arquitetura.
6º ano: 1ª cadeira: Hidrodinâmica, vias férreas, motores e máquinas hidráulicas, rios e canais, encanamentos, poços artesianos, portos, barras e ancoradouros; 2ª cadeira: Economia Política, Estatísitica, Direito Administrativo; aula: Desenho de Construção e máquinas hidráulicas”.
(MOTTA 1976, p. 152)
Dessa forma os currículos da Escola de Aplicação e da Escola Central se tornam
específicos passando a Escola Central a “destinar-se principalmente ao ensino das
matemáticas, das ciências naturais, e a completar a instrução teórica e prática dos alunos
que, após o curso da Escola Militar, obtiveram a permissão para freqüentar os estudos
complementares dos cursos de Estado-Maior e de Engenheiros. Esta reforma [de 1863]
foi um primeiro passo no processo que levaria a Escola a desligar-se do Exército”
(MOTTA 1976, p. 158).
25 Esse currículo gerou muita polêmica ganhando ênfase com os Lentes Gomes de Souza e Silva Paranhos. O primeiro critica o latim nos preparatórios e a extensão dos estudos (6 anos), enquanto que Paranhos defende o latim e critica o estudo simultâneo com cálculo e mecânica tal como foi estabelecido na reforma daquele ano. Gomes Filho foi um dos grandes defensores do ensino de Física e Química no currículo das Escolas Médias e Superiores.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 62
Com a guerra do Paraguai em 1865, os alunos militares desapareceram sendo as
escolas freqüentadas por alunos civis e a Escola Militar (Praia Vermelha) foi fechada.
“A solução veio em 1874, transferir para o ministério do Império a Escola Central com
o nome de Escola Politécnica, entregue exclusivamente aos problemas da Engenharia
Civil” (MOTTA 1976, p. 164). Veja que era uma questão de tempo que ocorresse essa
divisão, uma vez que o currículo da Escola Central era das Engenharias26.
Apesar da Escola Militar estar fechada, sua Escola Preparatória continuou
funcionando adquirindo um formato de curso preparatório com a Reforma de 1874.
Dessa forma os estudos preparatórios do Ensino Militar se organizaram de uma maneira
diferente dos cursos avulsos que havia no século XIX. Eles “tenderam a se organizar
gradativamente sob a forma de curso seriado, com a exigência de aprovação em todas as
matérias se tornando indispensável ao ingresso na Escola Militar. Elaborado
inicialmente com um curso de um ano, terminou por estender-se a três anos, numa
concepção seriada, de forma que o ultimo ano se aproximasse do primeiro da Escola”
(ALVES 2000, p. 293).
“1º ano: Gramática Nacional, Geografia, Francês, Aritmética e Desenho Linear.
2º ano: Língua Vernácula, Francês, Inglês, História antiga, Álgebra e Desenho Linear.
3º ano: Língua Vernácula, Inglês, História (Idade Média, Moderna, Contemporânea e Pátria), Geometria e Trigonometria Plana, Desenho Linear e Geometria Prática”.
(ALVES 2000, P. 309)
Esses cursos preparatórios não chegaram a dar nenhum título ou fazer parte da
formação superior e, ao final do curso, um novo exame deveria ser feito para ingresso
no ensino superior. Percebemos que não há nenhuma disciplina referente às ciências
naturais, que só seria alcançado no final da década de 1880 com a criação do Colégio
Militar que tomariam para si a questão dos preparatórios27. Esse Colégio funcionaria
como um internato e haveria um curso de adaptação dos alunos que apresentassem
26 Os cursos oferecidos compunham um curso geral seguido de cursos especiais: curso de Ciências Físicas e Naturais, curso de Ciências Físicas e Matemáticas, curso de Engenheiros e Geógrafos, curso de Engenheiros Civis, curso de Engenheiros de Minas e curso de Artes e Manufaturas (TELLES 1984). 27 A criação do Colégio Militar teve como intenção amparar os filhos de militares e “garantir que os estudos no seio do exército se tornasse bons oficiais, educados na corporação e na família com o mesmo espírito disciplinar” (ALVES 2000, p. 314). Além disso, o Colégio admitia alunos externos que pagariam uma taxa por seus estudos.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 63
alguma deficiência em seus estudos. O curso era de cinco anos e apresentava as
seguintes disciplinas:
1) Gramática Nacional.
2) Gramática, literatura e versão do francês.
3) Versão, temas e conversação do francês.
4) Estudo da língua Vernácula e literatura Nacional.
5) Inglês: gramática, leitura e tradução.
6) Alemão: gramática, literatura e tradução.
7) Aritmética.
8) Álgebra.
9) Geometria.
10) Resolução das equações de 3º e 4º grau.
11) História Antiga e Média.
12) História Moderna, Contemporânea e Pátria.
13) Geografia Universal.
14) Geografia e Corografia do Brasil.
15) Cosmografia.
16) Ciências Físicas e Naturais.
17) Desenho e Geometria prática.
18) Topografia”.
(ALVES 2000, p. 318)
Mantiveram-se também, junto às Escolas Militares, os preparatórios anexos,
porém com um novo formato. Distribuídos em 3 seções as disciplinas dividiam-se em:
“Primeira, ciências; a segunda, de línguas e a terceira de trabalhos gráficos. Com essas
modificações, retirou-se dos preparatórios a feição predominantemente literária que os
caracterizava” (ALVES 2000, p. 319).
Para esse trabalho acreditamos ser até aqui o nosso interesse em abordar a
disciplina Física no currículo militar. Apesar de haver algumas mudanças curriculares
nas próximas reformas, a Física sempre esteve presente quer seja nos preparatórios, quer
seja no ensino superior. Sua introdução nos preparatórios foi definitiva na Reforma de
Benjamin Constant em 1890 e na maioria das vezes foi citada nos currículos como
Física Experimental ou Mecânica Racional. Além disso, em alguns programas foi
melhor especificado, como é no caso do Regulamento de 1913:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 64
“Mecânica: serão evitados os excessos de cálculo e os largos desenvolvimentos analíticos.
Física e Química: o professor dar-se-á conta de que as idéias propedêuticas de uma e outra ciência já foram adquiridas pelo aluno, e que, na Escola Militar, se trata apenas de ministrar os conhecimentos indispensáveis às aplicações de ordem profissional. O ensino deve revestir-se de caráter eminentemente prático”.
(MOTTA 1976, p. 300)
O Programa de 1924 também segue o mesmo parâmetro. Para a Física são
discriminadas as seguintes instruções:
“Mecânica: São válidas as recomendações sobre as matemáticas, e mais: Várias teorias poderão ser ilustradas com exemplos referentes a assuntos de grande interesse militar. Nesse curso o aluno encontrará a explicação científica de múltiplas armas e engenhos, cujo funcionamento mais tarde deverá se familiarizar-se. Tendo presente as outras disciplinas e o destino do oficial, poderá o professor de Mecânica dosar o seu curso, de acordo com as necessidades e a orientação geral de ensino.
Física Experimental: Abrangerá a barologia, a termologia, a acústica, a ótica, a eletricidade, o magnetismo, e noções de meteorologia. O curso deverá ser ilustrado com o maior número possível de experiências demonstrativas. Os alunos efetuarão trabalhos práticos, sob a direção do professor, com o fito de se compenetrarem bem da teoria e das suas aplicações”.
(MOTTA 1976, p. 318)
Como buscamos o ensino de Física nas instituições brasileiras faremos a seguir
uma descrição do ensino da, então, Escola Politécnica de São Paulo. De uma maneira
geral veremos que seu currículo se assemelha muito à estrutura do antigo currículo
militar apresentando o ano preparatório às disciplinas do ensino superior.
2.2.1 Escola Politécnica de São Paulo
Neste tópico fizemos um levantamento da estrutura educacional da Escola
Politécnica a fim de buscar evidencias sobre como seu ensino se organizou ao longo do
tempo. Isso se tornou possível, graças a uma visita na própria escola que tem um acervo
histórico com inúmeros documentos, currículos, atas etc. Por meio dessa análise
tentamos esboçar como a disciplina Física se organizou após o ano de 1893, ano de
criação dessa escola. Seu ensino teve um importante papel na formação do currículo
cientifico do ensino secundário. Os cursos anexos a essas faculdades atuaram como um
preâmbulo do currículo científico. Foi o que depois se chamou curso complementar na
Reforma Francisco Campos como já destacamos anteriormente.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 65
Sua criação aconteceu graças a duas leis “uma que visava a formação de
engenheiros práticos, construtores e condutores de máquinas, mestres e oficinas,
diretores de indústria – lei nº 26 – e outra, que criou uma escola superior de matemática
e ciências aplicada às artes e indústrias – lei nº 64” (SANTOS 1985, p. 33). Todas essas
leis foram executas graças à criação de um regulamento (lei nº 191 de 24 de agosto de
1893) que garantia a criação da escola.
As condições para a matrícula foram fixadas no art. 131 e estabeleceu a
“exigência da apresentação da certidão de aprovação nas seguintes matérias: português,
francês, inglês ou alemão, geografia, história do Brasil, matemática elementar,
aritmética, álgebra, geometria e trigonometria retilínea, desenho geométrico e
elementar” (SANTOS 1985, p. 36).
Sendo assim, apresentado esses certificados de aprovação o aluno podia-se
matricular-se em um dos 5 cursos existentes: engenharia civil, engenharia industrial,
engenharia agrônomo, engenharia mecânica e agrimenssor. Porém, esse sistema foi
alterado no ano seguinte sendo criado 3 anos de um curso fundamental, visando “suprir
as deficiências na formação geral dos alunos egressos de um secundário deficiente”
(SANTOS 1985, p. 118). Nele o aluno cursava um ano de ensino preliminar e dois anos
de ensino geral que consistiam na reunião das matérias de formação básica necessária
para prosseguimento dos cursos superiores de engenharia. Por sua vez, esses cursos de
engenharia passaram a ser denominados cursos especiais e tinham duração média de três
anos. São nesses cursos anexos às engenharias que ocorre o remodelamento do
conteúdo e que mais tarde fará parte do secundário. Entendemos por remodelamento a
transformação dos conteúdos escolares, desvinculando-o da prática profissionalizante,
dando um caráter tradicional e de cultura geral que conhecemos hoje.
Para nossa pesquisa são os três anos do curso fundamental que nos interessam, já
que tinham como função dar uma sólida formação matemática e trabalhar conteúdos de
Física e Química do ensino secundário com os alunos interessados a cursar os cursos
especiais na Escola Politécnica. Em nosso levantamento pudemos explorar melhor
como era a organização do curso introdutório. Em 1894, primeiro ano de ensino da
escola, o currículo do curso fundamental consistia:
“Curso preliminar – (...) O 1º ano no curso geral seria composto de 4 cadeiras: a 1ª geometria analítica, a 2 e 3 dimensões e geometria superior; a 2ª, cálculo infinitesimal; a 3ª, geometria decritiva; a 4ª, física experimental e meteorologia e aula de desenho geométrico e ornamento. O 2º ano teria também 4 cadeiras; mecânica racional
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 66
(1ª); topografia e elementos de geometria e astonomia (2ª); aplicação de geometria descritiva e generalidades de arquitetura (3ª), química geral e noções de ciências naturais (4ª) e desenho topográfico e elementos de arquitetura (aula)”.
(Coleção de leis e decretos do Estado de São Paulo 1894-95 apud SANTOS 1985, p.61,
destaque nosso)
Encontramos na Escola Politécnica o currículo do curso de Engenharia Civil
contendo o programa completo da 3ª cadeira do 1º ano, intitulado Física experimental e
meteorologia e que está dividido em sete partes. Destacamos em negrito o que mais se
relaciona com os conceitos de Cinemática:
“Primeira parte - Matéria, movimentos e forças
Preliminares e noções de mecânica
Definições – matéria – corpo – propriedades dos corpos e da matéria – objecto e divisão da physica – methodo physico ou experimental – theorias physicas – átomos e moléculas – poros moleculares – estados physicos dos corpos – objectos e divisão da
mecânica – Cinemática – movimentos – composição de movimentos – estática – forças – equilibrio – medida e representação das forças – resusltantes e componente das forças – dynâmica – principio da inércia – acção e reacção – massa – trabalho da força – força e potência viva – theorema do trabalho – transformação do trabalho em força viva – energia – inidades métricas da energia e potência.
Gravidade
Definições – direcção e natureza da gravidade – caracteres da gravidade – leis da queda dos corpos e sua verificação experimental
– plano inclinado – machina de Atwood – apparelho de Morin – centro de gravidade dos corpos homogêneos, dos sólidos geométricos, das superfícies e das linhas – equilíbrio dos sólidos pesados – diversos estados de equilíbrio – determinação prática do centro de gravidade – pendulo simples e composto – leis experimentais do pêndulo composto – applicação do pendulo à medida da intensidade da gravidade – experiência de borda – pendulo reversível – variações da gravidade – applicação do pêndulo composto – attracção universal – leis de Kepler – lei da attracção”.
(Programa do curso de Engenharia Civil 1894. p. 1, destaque nosso)
Além disso, no final do programa curricular são elencados dois livros “ A. Ganot
– Traité Elementaire de Physique, vingt uniene édition, intieremente refondue et redigée
a nouveau par Georges Maneurier (Paris – Librairie Hachett & Cia 1894). Além d’este,
que foi o mais seguido, consultamos também os tratados elementares de Jamin e
Daguin” (Programa do curso de Engenharia Civil 1894. p. 1).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 67
Nos anos seguintes várias alterações ocorreram na estrutura curricular do curso
fundamental. As principais foram com relação às mudanças no ano de ensino do
conteúdo, ou seja, permanecendo de uma forma geral o mesmo conteúdo ensinado.
Abaixo segue a tabela 3.5 organizada por nós baseado nos programas curriculares do
curso da escola politécnica28:
Tabela 3.5: Quadro de disciplinas do curso fundamental da Escola Politécnica ANO PRELIMINAR 1º ANO – GERAL 2º ANO – GERAL
1897 II Cadeira – Physica experimental (barologia, acústica e óptica)
IV Cadeira – Physica experimental (thermologia, electrologia e meteorologia)
I Cadeira – Mecânica racional II Cadeira – Topographia. Elementos de geodesia e astronomia
1901
3ª Cadeira – Physica molecular. Óptica applicada à engenharia. Electro-technica. Meteorologia.
1ª Cadeira – Cálculo das variações. Mecânica racional
2ª Cadeira – Mecânica applicada: Cinemática e dynamica applicadas; theoria da resistência dos materiais. Grapho-estatica
1911 3ª Cadeira – Physica experimental (barologia, acústica e óptica)
2ª Cadeira – Physica experimental (thermologia, electrologia e meteorologia)
1ª Cadeira – Mecânica racional. Hydrostatica e Hydrodinamica 2ª Cadeira – Astronomia e geodesia29.
1918
3ª Cadeira – Physica experimental – 1ª parte (Elementos de Mecânica, Barologia e Acústica)
3ª Cadeira – Physica experimental – II parte – (Óptica e thermologia)
1ª Cadeira – Mecânica Racional 2ª Cadeira – Astronomia e geodesia30 4ª Cadeira – Physica experimental – III parte (Electricidade e Meteorologia)
1926 Não há disciplinas de Física
3ª Cadeira – Physica, I parte (Noções de Mecânica, propriedades da matéria, acústica e óptica)
1ª Cadeira – Mecânica Racional 2ª Cadeira – Astronomia e geodesia 3ª Cadeira – Physica, II parte (Calor, Electricidade e Meteorologia)
A partir de 1931 o ingresso na Escola Politécnica ocorreu por meio do exame
vestibular. Segundo o Ministério da Educação e Saúde Pública, no art. 184 do decreto nº
19.852 de 11 de abril de 1931(p. 4):
“o exame vestibular será exigido para a matrícula no 1º ano enquanto não forem efetivadas as disposições referentes ao curso
28 Se o aluno cursasse até somente até o curso preliminar teria o título de contador. Teria o titulo de agrimensor se fosse habilitado no curso preliminar e nas disciplinas: Física experimental e Meteorológica, Topografia e elementos de geodésia e astronomia e Desenho topográfico e elementos de arquitetura do curso geral. E teria o titulo de Engenheiro-Geógrafo par aos alunos aprovados nos cursos preliminar e geral (Brasil 1993). 29 Consta: Esta cadeira é obrigatória para o Curso de Engenheiros Civis e para os candidatos ao titulo de Agrimensor, sendo facultativo para os demais cursos. 30 Consta: Esta cadeira é obrigatória para o Curso de Engenheiros Civis e para os candidatos ao titulo de Agrimensor, sendo facultativo para os demais cursos.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 68
complementar do ensino secundário, com adaptação didática aos cursos de engenharia.
Parágrafo Único – O exame versará as seguintes disciplinas:
Álgebra Elementar e superior;
Geometria e trigonometria retilínea e esférica;
Elementos de geometria analítica;
Noções de geometria descritiva;
Física geral;
Química inorgânica e orgânica;
Desenho geométrico”.
(SANTOS 1985, p. 124)
Além disso, é salientado que o exame de Física será realizado por meio de uma
prova prático-oral e que o programa do vestibular será organizado pelo conselho
técnico-administrativo e submetido à aprovação da congregação. Dessa forma extingui-
se o curso fundamental, diminuindo o tempo de duração dos cursos que passaram de 6
para 5 anos pois as disciplinas básicas ficaram distribuídas entre os primeiros anos dos
vários cursos (SANTOS 1985, p. 124)31. O ensino secundário também se modificou
nesse período, pois as disciplinas do curso preliminar se deslocaram para o secundário
em dois anos de curso.
Em 1934 é criada a USP e anexada a Escola Politécnica “que continuou gozando
de personalidade jurídica própria e autonomia didática e administrativa, observando os
estatutos universitários. Nesse ano para o ingresso na Escola Politécnica exigia o
certificado do curso fundamental e de um curso complementar feito em secção adaptada
ao curso de engenharia no Colégio Universitário”32 (SANTOS 1985, p. 127).
Encontramos na Escola Politécnica o currículo do Colégio Universitário de
1934. Em um total de 34 itens todo o conteúdo de Física é elencado. Para a Cinemática:
31 “Houve deslocamento da aula de contabilidade do curso fundamental para o ultimo ano dos cursos especiais, o que implicou a extinção do título de contador ao fim do curso preliminar” (SANTOS 1985, p. 124). 32 Decreto Estadual no 6.430. Organizou o curso Complementar da USP criado pelo Decreto n.o 6.283/34, que passou a denominar-se Colégio Universitário, destinado à preparação dos candidatos das Faculdades ou Escolas da USP . O Colégio Universitário era dividido em 5 secções, destinadas à: 1a secção: Faculdade de Direito. Filosofia, Ciências Sociais e Políticas. Geografia e História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras - FFCL -2a secção: Faculdade de Medicina, Medicina Veterinária. Faculdade de Farmácia, Odontologia. Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Químicas da FFCL. 3a secção: Escola Politécnica e para a secção de Ciências Matemáticas, Ciências Físicas e Químicas da FFCL. 4a secção: Escola de Professores do Instituto Caetano de Campos. 5a secção: Letras Clássicas e Modernas da FFCL.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 69
“2 – Movimento de translação. Velocidade. Acceleração. Representação gráphica. Composição e decomposição de velocidades. Movimento circular. Movimento de rotação. Velocidade angular”.
(Programa do Colégio Universitário 1934, p.1)
Encontramos também nesse currículo o tópico “Propriedades da matéria.
Elasticidade. Estados da matéria. Constituição da matéria” (Programa do Colégio
Universitário 1934, p.1) o que acaba justificando ser encontrado esse tópico em alguns
livros da época. Além disso, o professor responsável pelo currículo Américo da Graça
Martins, apresenta a bibliografia usada citando sete livros didáticos de Física:
“W. Watson – Curso de Physica
C. Murani – Tratado de Physica
Ganot e Maneuvrieux – Tratado de Physica
Wiedermann – Physica
Manas y Bonvi – Physica geral
Mahler – Problemas de Physica
Jones – Problemas de Physica”.
(Programa do Colégio Universitário 1934, p.1)
Dessa forma a Física finalmente chega ao secundário na estrutura que
conhecemos hoje. Ao longo dessa história o conteúdo de Física foi sofrendo
modificações sendo os cursos anexos às Escolas Politécnicas, durante o início do século
XX, os responsáveis em remodelar o conhecimento que deveria se adquirir como pré-
requisito para uma boa formação superior. Na análise dos livros didáticos, iremos
explorar como se alterou o conteúdo de Cinemática frente a essas diferentes exigências
adquiridas pela Física ao longo do tempo.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 70
2.3 Ensino Médico
A carreira médica brasileira iniciou-se em meados do século XIX e também teve
sua particularidade ao longo dos acontecimentos sociais e políticos que marcaram essa
época. Como discutiremos mais adiante, apesar de nos ocuparmos tarde, todas as nossas
técnicas na área da medicina e saúde pública foram baseadas no continente europeu. Na
Europa, durante a primeira metade do século XIX estava ocorrendo um grande
desenvolvimento na área da saúde pública. “O rápido progresso das indústrias, o
desenvolvimento dos centros urbanos, no qual a população crescente requereu melhores
condições sanitárias, e outros fatores de natureza similar obrigaram os homens de estado
e os médicos a se ocuparem dos problemas de saúde pública que diariamente se
tornavam mais urgentes e importantes” (CASTIGLIONI 1947, p. 198).
Tudo isso se somava ao desenvolvimento da Química e da Física, o que
estimulou o desenvolvimento dos estudos que dependiam destas ciências sendo
importante na evolução da Medicina, pois propiciavam instrumentos mais precisos e
“acentuavam cada vez mais a tendência de colocar o centro da atividade médica mais no
laboratório do que na clínica e fazer girar o progresso médico em torna da biologia e
bacterologia” (CASTIGLIONI 1947, P. 199).
No Brasil, em 1808 foram criadas as Escolas de Cirurgia na Bahia e Rio de
Janeiro. A Escola de Cirurgia da Bahia que funcionou até 1815 no Hospital Real
Militar, ano em que foi transferido para o Hospital da Misericórdia. No Rio de Janeiro a
Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica funcionou no Hospital Real Militar sendo, no
ano de 1813, renomeado para Academia Médico-Cirúrgica do Rio de Janeiro e instalado
no Hospital da Misericórdia da mesma cidade.
Infelizmente o Brasil não sofreu inicialmente as influências que ocorriam na
Europa, pois “sob o Império, as mesmas dificuldades, os mesmos obstáculos oriundos
de precárias condições sócio-econômicas, continuam presentes. E o ensino sente e sofre
esses reflexos. Prático e rudimentar a principio, quando limitado à Anatomia e à
Cirurgia, tornou-se essencialmente teórico, livresco, nas Academias e Faculdades”
(SANTOS FILHO 1991, p. 10). Isso se deve, primeiramente e mais importante, devido
ao enfoque humanístico que se tinha na época e o grande prestígio das faculdades de
Direito e também ao fato da ocupação de médico não ser reconhecida como profissão,
coisa que só foi ser estabelecida no final do século XIX quando desenvolveu base
suficientemente científica dando-lhes superioridade em relação aos curadores sem
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 71
diploma. “Os médicos, por exemplo, foram ampliando seus prestígios, revelando a
capacidade de estabelecer padrões de julgamento em áreas especificas com saúde e
doença, ordem e justiça, remodelação higiênica das cidades, etc” (EDLER 1992, p. 18).
Muitas vezes tinham que se ligar a empregos públicos como professores, hospital
militar, Junta Central de Higiene e Saúde, etc para serem reconhecidos como médicos.
Em 1832 as Academias se transformam em Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro e Bahia. Além disso, esse decreto instituiu nas Faculdades os cursos de
Medicina, Farmácia e Partos, concedendo ao diplomado titulo de doutor em medicina,
farmácia e parteiro. “Não eram muito severas as exigências para a matrícula no primeiro
ano do curso. O candidato deveria ler e escrever corretamente. ‘Bom será que entendam
as línguas francesas e inglesa’ podendo, entretanto, efetuar os exames dessas duas
línguas no decorrer do curso, que se completava em cinco anos33” (EDLER 1992, p. 51).
Em 1846 os preparatórios já eram considerados insuficientes. Era exigido
somente conhecimento de latim, francês ou inglês. A necessidade do conhecimento das
línguas era explicada pelo fato de não haver bibliografia médica em português. “Nossa
ciência sendo toda emprestada, como é, sendo nos livros europeus que vamos buscar
todo o nosso saber desde as primeiras idéias da instrução elementar até o ensino
superior das academias, a ignorância das principais línguas da Europa é uma falta
imperdoável” (AMERICANO 1846, p. 184 apud EDLER 1992, p. 43). Além destas,
outras matérias foram exigidas nos preparatórios “a Geografia, base para o estudo de
topografia médica; o conhecimento de Álgebra, Trigonometria e Geometria Espacial,
essenciais à medicina por formarem a base para o estudo da Física e da Química
oferecidos pela Faculdade de Medicina” (AMERICANO 1846, p. 184 apud EDLER
1992, p. 43). No ano de 1848 foram exigidos “Francês, Latim, Filosofia, Aritmética e
Geometria. Os jovens que quisessem cursar Farmácia deveriam também contar
dezesseis anos de idade e saber Francês ou Inglês, Aritmética e Geometria” (SANTOS
33 No primeiro ano: Anatomia geral, prelecionada de março a setembro; Química farmacêutica e noções de Farmácia, nos meses de outubro e novembro, com repetições até o quinto ano, por um professor que fosse boticário. No segundo ano: Anatomia (repetição) e Fisiologia, com “explicação das entranhas e das mais partes necessárias a vida humana”, pelo Lente de anatomia. No terceiro ano: Higiene, etiologia, patologia e terapêutica, por um único professor médico. No quarto ano: Instruções cirúrgicas e operações, no período da manhã, e Arte obstétrica, teoria e prática, à tarde. No quinto ano: Medicina, com exercícios práticos, pela manhã, nas enfermarias e Arte obstétrica (repetição, em conjunto com os alunos do quarto ano).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 72
FILHO 1991, p. 91). Neste ano observamos a disciplina Física Médica no currículo do
ensino superior médico e farmacêutico.
No ano de 1854 houve uma Reforma que, com um caráter de oposição à
Reforma de 1832, as Faculdades perdiam sua autonomia e, durante 30 anos, ficou
submetida a um regime de subordinação ao Império, pois queriam “evitar que se
cristalize, nas instituições que transmitem um ensino superior, um poder paralelo que se
oponha de alguma forma à orientação política do centro do poder” (EDLER 1992, p.
52). Entre as imposições estava a rejeição pelo governo dos professores apresentados
pela Faculdade e a rejeição dos exames por pontos. “Segundo o poderoso Visconde de
Olinda, um dos responsáveis pela confecção dos Estatutos retrucou quanto aos
concursos dos Lentes que daria à Faculdade um poder imenso e quanto aos exames
vagos asseverou que não poderia deixar a mocidade aos caprichos dos Lentes” (EDLER
1992, p. 53). Além disso, as metodologias didáticas adotadas eram antiquadas e
ultrapassadas, além dos cursos serem baseados em livros franceses, caracterizando aulas
teóricas e livrescas.
Dessa forma o decreto de 1854 “consolida o poder do diretor frente a
congregação; compromete-se a criar uma escola prática como e quando se julga
conveniente (...) promete a criação de um horto botânico, quatro gabinetes – Física,
História natural, Anatomia, e Matéria Médica – um laboratório de Química, oficina
farmacêutica ... e outras disposições que nunca saíram do papel. Era clara a derrota dos
projetos propostos pelos Lentes, inspirados na memória de Azevedo Americano”
(EDLER 1992, p. 53).
Soma-se a isso a grande migração dos candidatos a médicos para os cursos
jurídicos, devido à grande exigência que se fez nos preparatórios. Entre os anos de 1850
e 1870 a Faculdade passa por mais dificuldades devido a Guerra do Paraguai. Muitos
professores foram voluntários no serviço de saúde e outros eram oficiais do Exercito da
Marinha. Esse quadro só foi ser alterado com a Reforma Sabóia em 1879, que entre
outras propostas, estabelecia-se o ensino prático criando um regime especial para os
laboratórios34.
“Onze laboratórios foram construídos ou aparelhados: anatomia descritiva,
medicina operatória, fisiologia e terapêutica experimentais, física e farmácia, histologia
34 Já em 1876 uma comissão de Lentes propunha inúmeras propostas e entre elas estava um aumento dos preparatórios, com maior ênfase nos currículos dos cursos de Física e Química do curso secundário.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 73
normal e patológica, botânica e zoologia, química mineral e mineralogia, química
orgânica e biológica, medicina legal e toxicologia. O laboratório de higiene só seria
criado após a aprovação da lei Orçamentária de 1882” (EDLER 1992, p. 214). Sobre o
laboratório de Física Edler (1992) transcreve do jornal “União Médica” de 1881:
“Quanto ao laboratório de Física, João Martins Teixeira, em comissão do governo para
estudo de Física nas Universidades européias, foi incumbido de comprar todo o material
necessário para esta seção (...) Três salas espaçosas e com muitos aparelhos que foram
mandados buscar durante o ministério do Conselheiro João Alfredo (1871-1874) e que
só agora foram removidos do lugar em que se achava intocados” (U.M: Vol.1-1881;
388/396 apud EDLER 2002, p. 217).
Apesar do governo ainda manter certo controle como, por exemplo, a escolha do
Diretor, houve reformas em 1884 que foram solicitadas pelos Lentes como o aumento
das cadeiras de 18 para 26, preparadores fixos para os laboratórios, etc. Também nesse
período foi inaugurada a Policlínica e são instituídas as Faculdades livres que tinha os
mesmos privilégios e garantias das Faculdades Oficiais. Estava se caracterizando o
ensino médico no Brasil.
2.3.1 A Faculdade de Medicina de São Paulo
A Faculdade de Medicina de São Paulo foi um resultado da necessidade e do
reconhecimento que já se instalara no século XX. Com um desenvolvimento econômico
e político digno das cidades grandes, São Paulo sofria com a falta de médicos. Apesar
disso, mesmo com sua criação em 1912, a Faculdade sofreu diversas dificuldades, já
que não dispunham de um prédio para ministrar as aulas.
Em 1912, o então responsável pela implantação do primeiro curso de Medicina
do Estado de São Paulo, Arnaldo Vieira de Carvalho, ocupava o importante cargo de
Diretor Clínico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e não queria vincular a
Faculdade ao hospital. Como era amigo do diretor da Escola Politécnica, Antonio
Francisco de Paula Souza, conseguiu assegurar algumas salas para o novo curso. Foi
somente em 1931, depois de parcerias para a construção do prédio, que foi inaugurado a
cede localizada na avenida Dr. Arnaldo, em frente ao cemitério do Araçá. No dia 25 de
janeiro de 1934 a Faculdade de Medicina passou a integrar a Universidade de São Paulo
através do decreto 6.283 e a partir dessa data a Escola recebeu a denominação que
mantém até os dias de hoje.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 74
Para o ensino secundário, mais especificamente o ensino de Física, a Faculdade
de Medicina teve um importante função. Em nossa visita ao seu acervo histórico
pudemos encontrar importantes informações sobre a organização do curso. Esse acervo
não se encontra no prédio da Faculdade de Medicina, mas em um Pólo Cultural onde há
um espaço para o “arquivo permanente da FMUSP”. Em nosso primeiro contato com o
arquivo encontramos somente os prontuários dos alunos com seus históricos,
documentos, provas etc. Foi uma grande surpresa encontrar provas dos anos iniciais do
curso. Infelizmente houve um incêndio em 1999 e uma parte desse documento foi
perdido. Através dos prontuários consultados, pudemos mapear como se organizava o
curso. Foram consultados 35 prontuários que, dependendo do ano, continham de 2 a 4
provas cada um, totalizando 96 provas35. Muitas provas do mesmo ano são iguais, já
que foram realizadas pelos alunos da mesma turma do curso. Logo indagamos:
- Como a Física estava organizada nesse curso?
- Quais eram os conteúdos solicitados? A Cinemática estava presente?
- Essas provas seguiam um modelo de exercícios ou as questões eram
dissertativas?
- Essas provas tiveram diferentes abordagens ao longo do tempo?
Sobre o curso pudemos observar que, como na Escola Politécnica, o curso
superior da Faculdade de Medicina também apresentava um ano preliminar no qual
eram ministradas as disciplinas de Física, Química, História Natural e algumas
introdutórias ao curso médico. As provas eram realizadas através de “pontos sorteados”
dos quais os alunos deveriam discorrer sobre o assunto. Em 1925 foi instituído o exame
de vestibular para ingresso na Faculdade e eram cobradas Física, Química e Biologia.
As provas do vestibular obedeciam o mesmo padrão dos anos anteriores, através dos
“pontos sorteados”. Mesmo com o vestibular, a Física com conteúdo de nível
secundário, ainda era cobrada no primeiro ano do curso superior médico. Sobre
mecânica, no período que corresponde de 1913 até 1930, encontramos as seguintes
provas:
35 A organização dos conteúdos dessas provas se encontram no anexo 4. Para efeito de arquivamento fotografamos a maioria dessas provas.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 75
Tabela 3.6: Quadro de conteúdos do curso fundamental da Faculdade de Medicina 14/05/14 O que é trabalho mecânico? Sua fórmula; efeitos das balas modernas nos organismos
15/04/15 Trabalho da gravidade quando, por exemplo, um corpo de peso P cai de uma altura H
11/04/16 Elasticidade dos corpos sólidos. Trabalho das forças. Suas aplicações ao estudo do papel que representa a elasticidade dos choques
30/04/17 Dinâmica. Principio fundamental da mecânica e seus corolários. Elasticidade dos corpos sólidos e suas aplicações
16/04/18
Quais as fórmulas do movimento uniformemente variado. Como são as mesmas deduzidas. Trabalho. Força viva. Força centrífuga, suas leis.
26/04/22 Trabalho e força viva. Papel da elasticidade nos choques
Somente uma prova diz respeito aos conteúdos de Cinemática, o que mostra que,
ao menos, o conteúdo era incluído nos pontos sorteados. Mesmo aparecendo somente
uma vez, não podemos afirmar se a Cinemática era pouco cobrada ou se isso é resultado
do acaso. Outra observação é que essas provas são realizadas no início do ano letivo,
mostrando que o ensino de Física era iniciado pela mecânica.
Sobre as provas vimos que seus conteúdos eram quase que exclusivamente
dissertativos, com muito poucas resoluções de exercícios. Quando se cobravam
resoluções, se faziam em sua maioria pela ótica, pela calorimetria (um exercício) e pela
segunda lei de ohm (um exercício). Por exemplo, na prova de 1918 sobre o movimento
uniformemente variado, foi cobrado a dedução das fórmulas. Abaixo temos um trecho:
Figura 2.1: Prova de movimento uniformemente variado
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 76
Outro ponto importante é que essa abordagem dissertativa de avaliação
permaneceu a mesma, muito similar aos livros da mesma época. Em algumas provas
foram citados os livros usados pelos alunos para estudo do conteúdo. Esses livros foram
encontrados em nosso levantamento e foram analisados a seguir.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 77
CAPÍTULO 3
3. Os livros didáticos: levantamento e análise
Das obras analisadas todas foram selecionadas a partir de citações em programas
curriculares e provas ou são livros de professores de importantes estabelecimentos da
época. Dessa forma analisamos obras que eram referência na época, seja para uso em
sala de aula ou para preparação de conteúdos.
Tentamos também encontrar livros do mesmo autor buscando perceber como os
conteúdos iam se modificando. Para a busca fizemos um levantamento no banco de
dados LIVRES (Livros Escolares) criado pelo Projeto temático “Educação e Memória:
Organização de acervos de livros didáticos” financiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa (FAPESP). O projeto inicial do Banco de Dados LIVRES foi feito através de
um convênio com o Instituto Nacional de Recherche Pedagogique da França (INRP),
integrado à rede EMMANUELLE, criado por Alain Choppin pesquisador do INRP e
hoje já conta com aproximadamente 10000 livros cadastrados.
No Brasil, o Banco de Dados LIVRES fez vários contatos com pesquisadores de
outras universidades nacionais e possui cadastrados acervos de livros didáticos
localizados em diferentes lugares como: Biblioteca Municipal de São Paulo Mário de
Andrade, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Biblioteca do Colégio Pedro II e
outras36. Nosso levantamento se estendeu em outros sistemas de busca, como a base de
dados DEDALUS da Universidade de São Paulo e a base de dados MINERVA da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Todos os livros didáticos levantados se encontram nas seguintes bibliotecas:
• Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP
• Biblioteca Paulo Bourroul da Faculdade de Educação da USP
• Biblioteca da Escola Politécnica da USP
• Biblioteca do Instituto de Física da USP
• Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
• Biblioteca do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro
• Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro
36 Informações extraídas do Livres (2005) GUIA de preenchimento da ficha do banco de dados LIVRES (Livros Escolares Brasileiros 1810 – 2005).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 78
Depois dessa triagem os seguintes livros foram organizados:
Tabela 4.1: Livros didáticos levantados e analisados.
Nº ANO ORIGEM
EDITORIAL AUTOR
(ES) TÍTULO EDIÇÃO LOCAL CONTEÚDO
1. 1798 Paris BARRUEL
La Physique réduite en Tableaux Raissonés
------- UFRJ Completo
2. 1810 Impressão Régia HAUY, F.
J.
Tratado Elementar de Physica
-------- BN Completo
3. 1840 Paris: Chez L.
Hachette GUERIN-VARRY
Nouveaux Éleménts de
Chimie: Théorique et pratique
10ª edição
UFRJ Completo
4. 1856 Typografia Nacional
MEIRELLES, S.
Lições Elementares
de Física 1ª edição PII Completo
5. 1868 Lisboa: Nacional GUEDES,
J. R.
Curso de Physica
Elementar ------- EPBC
Mecânica e acústica.
6. 1870 Paris Imprimier
de Gauthier-Villars
JAMIM, J. M.
Petit Traité de Physique
------- EPBC Completo
7. 1872 Chez L`Auteur-
Éditeur GANOT, A.
Traité élémentaire de Physique Experiment.
15ª edição
EPBC Completo
8. 1876 Rio de Janeiro:
Casa dos Editores
GAMA, A. A.
Noções de Physica e Chimica
------- P.B Completo
9. 1880 G. Masson,
Editeur
DRION, CH. e
FERNET, É
Traité de Physique
Élémentaire 7ª edição EPBC Completo
10. 1892 Paris: Librairie
Classiques LANGLEB
ERT, J. Physique
47ª edição
EPBC Completo
11. 1894 Paris: Hachette
et Cia. GANOT, A.
Traité de Physique
21ª edição
IF Completo
12. 1896 Rio de Janeiro: Livraria Garnier
LANGLEBERT, J.
Physica 51ª
edição IF Completo
13. 1896 ------- NOBRE,
F.R.
Tratado de Physica
Elementar 2ª edição IF Completo
14. 1901 Editore-libraio della real casa
MURANI, O.
Tratado Elementar de Física
2ª edição EPBC Completo
15. 1902 Rio de Janeiro: Francisco Alves
& Cia.
GOUVEIA, N.
Lições de Physica
------- BLD Completo
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 79
16. 1904 Rio de Janeiro: Livraria Garnier
LANGLEBERT, J.
Physica – Curso
elementar de estudos científicos
58ª edição
BLD Completo
17. 1904 ------- NOBRE,
F.R.
Tratado de Física
Elementar 3ª edição IF Completo
18. 1907 Rio de Janeiro: Francisco Alves
e Cia.
GOUVEIA, N.
Lições de Physica
------- EPBC Completo
19. 1912 FTD FTD Physica ------- EPBC Completo
20. 1911 Porto: Livraria
Chardron & Casa do autor
NOBRE, F.R.
Tratado de Física
Elementar 7ª edição EPBC Completo
21. 1920 São Paulo: Vanorden
DIAS, P. A Curso
elementar de Physica
------- EPBC Completo
22. 1923 Paris: Librairie
Hachette GANOT,
M.
Traité élémentaire de Physique
31ª edição
BLD Completo
23. 1926 Editora Labor MAHLER,
G. Problemas de Física
2ª edição EPBC Completo
24. 1927 FTD FTD Física ------- BLD Completo
25. 1927 Editorial Labor MAÑAS e
BONVI Física
general ------- EPBC Completo
26. 1928 São Paulo:
Melhoramentos ROMANO
R. Tratado de
Física ------- EPBC Completo
27. 1932 Editora Labor, S.
A.
WATSON, W. trad. Por MAÑAS e
BONVI
Curso de Física
2ª edição EPBC Completo
28. 1933 São Paulo:
Salles Oliveira Rocha & Cia.
DIAS, P. A Curso
elementar de Physica
3ª edição BLD Completo
29. 1934 Porto: Aillaud &
Lelo, Ltda NOBRE,
F.R.
Tratado de Física
Elementar
23ª edição
BLD Completo
Siglas: BLD – Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da USP; EPBC – Escola Politécnica Biblioteca Central da USP; IF – Biblioteca do Instituto de Física da USP; IAG – Biblioteca do Instituto Astronômico e Geofísico da USP; PB – Biblioteca Paulo Bourroul; BN – Biblioteca Nacional; PII – Biblioteca do Colégio Pedro II; UFRJ – Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
3.1. Critérios de análise
Para uma análise coerente do conteúdo de Cinemática dos livros didáticos
levamos em consideração todos os tópicos que apareceram ao longo do tempo relativos
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 80
à Cinemática. Dessa forma, consideramos como Cinemática os seguintes conteúdos que
foram abordados pelos livros aqui analisados:
• Mobilidade
• Fundamentos da Cinemática (Ponto Material, Corpo Extenso, Referencial,
trajetória, Repouso e Movimento)
• Movimento Uniforme
• Movimento Uniformemente Variado
• Cinemática Vetorial (hodógrafo)
• Queda livre
• Movimento Circular
• Composição de Movimentos
• Lançamento de Projéteis
A fim de ter uma melhor visualização da estrutura do conteúdo adquirida ao
longo do tempo nos livros analisados, organizamos a tabela abaixo:
LIVRO ESTRANGEIRO LIVRO NACIONAL ANO
CONTEÚDO LIVROS CONTEÚDO LIVROS Meados do século XIX
Mobilidade Conteúdo apenas por meio de definições (qualitativo).
Abade francês René Just Haüy.
Não há livros nacionais Não há livros nacionais
Até década de 1850
Mobilidade, MU, Queda dos corpos (MUV) Conteúdo qualitativo
Guerin-Varry Mobilidade. Conteúdo qualitat.
Livro Lições Elementares de Física do Dr. Saturnino de Meirelles.
1850 de 1910
Mobilidade, Cinemática: M.U; MUV; Composição de movimentos; Queda dos corpos. Exercícios (apêndice). Conteúdo quantitat.
Ganot; Langlebert; Nobre; Adoção pelos militares e depois pelo secundário
Mobilidade. MU, MUV e queda dos corpos Conteúdo qualitat.
Livros de A.A. Gama; J. R. Guedes, N. Gouveia e FTD.
Até década de 1930
Cinemática: M.U; MUV; MCU; Composição de movimentos e Queda dos corpos. Exercícios. Conteúdo quantitativo
Livros ingles, italiano, alemão como: Watson, Murani, Mahler e outros.
Cinemática: MU; MUV; MCU; Composição de mov. e queda dos corpos. Exercícios (no conteúdo). Conteúdo quantitat. “Importação” de conteúdos.
Livros de A. P. Dias, R. Romano e FTD
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 81
Dividimos a tabela em estrangeiros e nacionais a fim de identificar a inicial
diferença entre os livros e que ao longo do tempo foi diminuindo, principalmente os
estilos qualitativos e quantitativos de abordagem. Isso não significa que os estrangeiros
eram mais completos, pois cada um estava inserido em um sistema educacional
diferente. Podemos perceber que é a partir de 1910 que as estruturas se tornam
similares. Além disso, organizamos uma tabela (anexo 5) que nos mostra mais
detalhadamente a estrutura da Cinemática nos livros levantados. Nossa intenção é deixar
claro como ela surgiu e se organizou nas diferentes épocas, além de evidenciar como
aparecem ou desaparecem os conteúdos que a compõe. Por exemplo, o nome
“Cinemática” não aparece nos livros mais antigo sendo a organização da tabela útil na
visualização de datas ou períodos no qual aparecem certos conceitos auxiliando, assim,
na construção da história do conteúdo. Nessa tabela também coletamos dados referentes
a outros aspectos da Cinemática, tais como: número de páginas de Cinemática, número
de figuras e número de exercícios.
Mesmo levando em consideração os dados expostos ainda temos como
perguntas: Como era a abordagem do conteúdo ao longo do tempo? Como o conteúdo
do livro foi se modificando? Qual o papel dos livros estrangeiros e nacionais no ensino?
Essas são as principais questões que tentaremos responder a seguir.
3.2. Análise dos livros didáticos
3.2.1 A Física descritiva e a Filosofia do movimento
Nos primórdios das descrições dos fenômenos da natureza as explicações
sempre estiveram apoiadas na Filosofia. É a partir do século XVI e XVII que
aconteceram as primeiras revoluções científicas. Antes disso predominava uma visão
aristotélica que tinha como base uma explicação divina, ou seja, relacionada com o
poder religioso. Com as novas descrições sobre os fenômenos naturais, se produz um
contraste entre o pensamento medieval e o pensamento moderno. Inicia-se um
movimento para uma descrição da natureza baseada na matemática, o que “para Mario
Schenberg, se inicia com o desenvolvimento da geometria (...) ‘o ramo mais antigo da
Física’, quando atribui às observações dos astros o ponto de partida da Cinemática,
entendida como a combinação entre as idéias geométricas e o conceito de tempo”
(WUO 2003, p. 300).
Entre aqueles que realizaram pesquisas sobre os fenômenos naturais a carreira
de cientista não existia até o século XVII sendo citados como filósofos da natureza. Os
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 82
conceitos estavam ligados à Filosofia Natural quando se referiam à natureza como um
todo e à Filosofia Experimental quando se referiam aos aspectos experimentais da
ciência. Por exemplo, livros como de Etienne Barruel37 (1798) intitulado “La physique
réeduite en tableaux raisonnés ou programme du cours de physique fait à l’École
Polytechnique” tratavam somente dos conceitos de Física, sem nenhuma aplicabilidade
real ou relação com experimentação. Composta de quarenta e três páginas, sendo as
cinco primeiras de apresentação do livro e as trinta oito restantes em quadros,
apresentados em folhas dobradas devido ao tamanho (SAMPAIO 2004).
No prefácio desse livro o autor salienta que as recém descobertas estão sendo
desvendadas, já que “dentro da ordem metódica que adotei, creio que uma ciência que,
em geral, tem por objeto as propriedades dos corpos, é obrigada a criar alguns nomes
que não existem dentro da mesma (…)” (BARRUEL 1798 apud SAMPAIO 2004, p.
45). Sobre o conteúdo de Cinemática, é citada somente a definição de mobilidade.
Segundo Barruel (1798) a mobilidade é uma das propriedades constantes e essenciais,
sem as quais é impossível conceber a existência de algum corpo. Sendo assim, o autor
classifica a mobilidade como “a propriedade em virtude da qual os corpos podem trocar
de lugar no espaço” (BARRUEL 1798, p. VI apud SAMPAIO 2004, p. 23).
Por meio de novos conceitos as observações e as explicações da natureza
estavam mudando drasticamente. Por exemplo, a lei da inércia, teoria consolidada no
século XVII, trocou um mundo governado por espíritos sutis, por outro preciso, como
um mecanismo articulado (GONZÁLES 2000). Porém não abandonaram a crença a um
Deus, passando de um Deus geometra para um Deus relojoeiro. Ainda no século XIX
vemos a necessidade de uma crença divina para a explicação dos conceitos, como no
livro didático “Tratado Elementar de Physica” do Abade René J. Haüy38 de 1810, que
cita o “Ente Supremo” como quem rege a natureza:
“Physica tem por objeto o conhecimento dos phenomenos da natureza. Na produção destes phenomenos, os corpos manifestão diversas propriedades, cujo estudo deve particularmente excitar nossa atenção; e indagando as leis estabelecidas pelo Ente Supremo para regular o exercício destas mesmas propriedades, he que nos elevamos
37 Esse livro foi recomendado pelo Ministro Bernardo de Vasconcelos e traduzido pelo Cônego Francisco Vieira Goulart (SAMPAIO 2004) 38 Consta na capa: Conego honorário da igreja metropolitana de Paris, Membro da legião de honra, do instituto das Sciências e arte; professor de mineralogia no Museo de História Natural; da Academia real das Sciências, e da Sociedade dos indagadores da natureza, de Berlin, da Universidade Fena; da Sociedade Italiana das Sciências; da Sociedade Batava das Sciências Halem, etc.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 83
até as theorias que servem de ligar os factos entre si, e de mostrar-nos sua mutua dependência”.
(HAÜY 1810, p. 27).
Gonzáles (2000), ao tratar do ensino de Física na Espanha, mostra que os livros
do começo do século XIX também tinham como referência uma manifestação divina na
regência das leis naturais. No caso do livro “Tratado de Física Completo y Elemental
presentado bajo un nuevo orden com los descubrimientos modernos” de Libes, A.
(1818) “o Criador estabelecendo essas leis [naturais], as cobriu com um véu
impenetrável, para gozar de um privilégio exclusivo de conhecer a cadeia inteira do que
foram os primeiros elos. O físico sempre prevenido contra os deslizes de uma
imaginação exaltada, sábio e atento respeita essa sagrada barreira” (LIBES 1818 apud
GONZÁLES 2000, p. 61). Isso mostra a forte base dos antigos conceitos e que
demorou-se a aceitar as novas idéias.
Nos séculos XVI e XVII, as novas teorias baseadas em experimentos e
elaboradas artificialmente, tinham como intuito falsear as antigas teorias aristotélicas.
Dessa forma cria-se uma revolução científica uma vez que o espaço entre a teoria para a
explicação da natureza que existia e a recém descoberta era muito grande,
“concretamente os fundamentos da Física moderna se assentam na: revisão conceitual
dos antigos; uma nova metodologia; e o uso de instrumentos de observação e medida”
(GONÇALVES 2000, p. 56).
Outra variável que revolucionou o conhecimento científico foi a de tempo. Sua
consideração como variável no cálculo infinitesimal por Newton e Leibniz introduziu a
relação de função para descrever os fenômenos. Além da experimentação e
matematização, outro fator que contribuiu para o desenvolvimento de uma revolução
científica foi o uso dos modelos físicos que, favorecidos pela abstração matemática,
aumentaram a possibilidade de calcular em função de hipotéticas manifestações naturais
(GONZÁLES 2000). Por último, a construção de instrumentos científicos ajudou na
objetividade da atividade científica para que explicasse com cada vez mais detalhes a
realidade natural.
Isso levou os estudos para que primeiro fossem realizados em fatos isolados para
depois relacioná-los a fatos mais gerais (teorias globais e unitárias). Na introdução do
livro de Haüy (1810), vemos mais claramente essa idéia:
“O fim de huma theoria eh ligar a hum facto geral ou ao menor número possível de factos geraes, todos os factos particulares que
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 84
delles dependem. A indagação dos factos tem sido sempre nossos primeiros passos das sciências”.
(HAÜY 1810, p. VII)
Definindo o conceito de teoria, o autor também expõe a idéia de origem comum
dos fatos:
“Assim a theoria da gravitação universal conduz os movimentos dos corpos celestes, o achatamento da Terra e os maiores phenomenos da natureza, a este único facto provado antecipadamente pela observação, e vem a ser, que a força da gravidade obra na razão inversa do quadrado da distância; com o auxilio de huma semelhante lei, demonstrada pela experiência, relativamente as acções eléctricas e magnéticas, se observa que os differentes efeitos, que apresentam os corpos incitados por estas acções nascem, por assim dizer, huns dos outros, partindo de huma origem comum”.
(HAÜY 1810, p. VIII).
Logo após o autor discuti a relação entre observação e teoria, na qual ambas tem
como resultado a explicação de uma teoria global:
“Desta forma a observação e a theoria concorrem igualmente para a certeza e desenvolvimento dos nossos conhecimentos, cada huma tem na mão seu luzeiro; o da observação dirige os seus raios sobre cada facto em particular, de modo que seja totalmente conhecido, claramente determinada, e exposta na sua verdadeira forma; o da theoria aclara a reunião de factos, antecedentemente dispersos, o que parecião não ter nada de comum entre si, todos eles se reúnem; tomando hum ar de família e parecendo não ser mais do que as differentes faces de hum facto único”.
(HAÜY 1810, p. IX).
Nesse livro percebemos claramente uma herança da Filosofia Natural que,
segundo Valente (1997, p. 17), era onde se tentava mostrar, através de descrições, que a
astronomia e a matemática tinham um valor importante por meio de tal filosofia e que
“nada mais era do que outra forma de designar a ‘física’”. Por exemplo, sobre a
Mobilidade, Haüy (1810) faz de uma maneira descritiva, pela filosofia do movimento:
“II. Da Mobilidade
XIII. A mobilidade he aquela faculdade que hum corpo tem de poder ser transportado de hum para outro lugar. Este estado se chama movimento suppõe a ação de huma cauza a que se deu o nome de força ou potência. Para que esta causa exista não he precizo que o corpo que ella solicita tenha um movimento real. Deste modo quando dois corpos se equilibrão nas duas extremidades da alavanca de huma balança, elles conservão este estado por meio de forças realmente existentes, mas que seus effeitos se destroem mutuamente, ou se limitão produzir nos corpos huma tendência a mover-se.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 85
XIV. O movimento he uniforme, quando o móvel corre sempre o mesmo espaço no mesmo tempo; he acelerado ou retardado, quando o móvel corre, em tempos iguais, espaços que vão sucessivamente augmentando ou diminuindo”.
(HAÜY 1810, p. 31 e 32).
Para os conceitos de velocidade o autor utiliza-se apenas de uma aritmética
simples:
“Da velocidade
Dividindo o número que reprezenta o espaço pelo qual reprezenta o tempo, tem-se a velocidade de cada corpo. Suppondo-se, por exemplo, que hum dos corpos tem corrido 35 metros em 7 segundos, e o outro 24 metros em 6 segundos a velocidade do primeiro será 35/7 e a do segundo 24/6 ...”.
(HAÜY 1810, p. 33)
No tópico da Mobilidade não é descrito o movimento uniformemente variado
sendo abordado mais adiante com o título de “Da aceleração do movimento produzido
pela gravidade”.
“XXXVII. Deste gênero he o movimento que produz a gravidade dos corpos que ella solicita. Para bem concebermos a lei da acceleração que resulta, supponhamos que hum corpo emprega hum tempo finito com 3 ou 4 segundos em cahir de huma certa altura; podemos considerar este tempo como composto de muitos instantes infinitesimalmente pequenos, e faltaria conceber que no primeiro instante o móvel recebia da gravidade hum grão de velocidade infinitesimalmente pequeno, e que em cada hum dos instantes seguintes se ajunta hum igual grão de velocidade à velocidade precedente; de sorte que as velocidades do móvel durante diversos instantes consecutivos de sua queda crescerão como os números naturais 1, 2, 3 ...”.
(HAÜY 1810, p. 43)
Mais adiante o autor generaliza o conceito de movimento uniformemente
variado. Segue abaixo um trecho da dedução geométrica como exemplo de sua
utilização e posteriormente, na íntegra, a definição específica do movimento:
“Suppondo-se agora o triângulo s e b subdividido por muitas linhas comprehendidas entre segh, eil, il e kn, etc estas linhas, partindo do ponto s, representarão as velocidades durante os instantes sucessivos infinitamente pequenos que compõe os tempos representados por sh, sl, sn, etc ...”.
“ Sendo assim he fácil obter-se a razão que seguem os espaços corridos em differentes tempos consecutivos iguais entre si; porque se designamos o primeiro destes espaços pela unidade, he bem claro que os seguintes seguirão representados pela diferença entre os termos das séries 1, 4, 9, 16, 25, etc que designão os espaços, desde a origem
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 86
dos movimentos. Logo os espaços corridos em tempos iguais e consecutivos, contendo desta mesma origem, estarão entre si como os números impares 1, 3, 5, 7, etc entre os quaes todos os seguem os primeiros dão as diferenças do que se trata”.
(HAÜY 1810, p. 44 e 45)
Nesse livro não há figuras, exercícios, esquemas etc que, evidentemente, se deve
às limitações gráficas da época, sendo todo o livro descritivo apresentando em alguns
momentos exemplos numéricos como os citados anteriormente.
Outro livro que tem a mesma característica descritiva é “Novos Elementos de
Química Teórica e Prática” de Guerin-Varry39 de 1840 e citado no programa curricular
do Colégio Pedro II. Esse livro tem como característica específica o ensino de Química,
apresentando alguns conceitos de Física no início do livro como base para o
entendimento da Química. Segundo o autor “os alunos não tendo, ordinariamente,
nenhuma noção de Física, quando chegam aos estudos da Química, eu coloquei no
começo dessa obra aqueles que são indispensáveis à compreensão dos fenômenos
químicos. Eu sempre me vejo forçado a só dar umas definições porque as
demonstrações exigem muitos desenvolvimentos” (GUERIN-VARRY 1840, p. 2).
Pelas nossas análises podemos perceber que esse tipo de abordagem se estendeu
por várias décadas como, por exemplo, o livro “Lições Elementares de Physica” de
Saturnino de Meirelles de 1856. De acordo com o programa do Colégio Pedro II esse foi
o primeiro livro de um autor brasileiro adotado nesse estabelecimento40.
Segundo Sampaio (2004, p. 58) o livro está “desenvolvido em 50 páginas e
dividido em 24 lições, o livro não dispõe de sumário, introdução e não possui nenhuma
fórmula, gráfico, figura ou esquema, em nenhuma página. Também não apresenta
problemas, exercícios ou perguntas. Os objetivos e a metodologia de trabalho não foram
apresentados no livro, nem nos programas”. Nesse livro o conteúdo é tratado em lições
que são descrições dos conceitos das partes constituintes da Física.
39 Consta na capa: Doutor em ciências, mestre de conferências na Escola Normal na França. 40 Em 1856 uma Reforma no ensino do Colégio Pedro II escrita pelo ministro do Império Couto Ferraz, reformulou todo o ensino no colégio. Com uma ênfase nos estudos científicos foram adotados currículos e livros franceses. Vigorando por apenas dois anos, foi instituída uma nova Reforma que teve o intuito de resgatar um ensino mais tradicional, tendo a área das ciências uma ênfase aos estudos das riquezas naturais do país e por isso adotado um livro nacional. Dr. Meirelles foi “médico, colaborador da Gazeta do Instituto Hahneumanianno e autor de vários tratados sobre medicina homeopática, gases e vapores” (LORENZ 1984, p. 429). Muito provavelmente este livro tenha sido usado pelos alunos como uma forma de estudo das lições, já que foi escrito pelo único professor de Física no Colégio Pedro II e citado no programa curricular do Colégio Pedro II como livro adotado (VECHIA & LORENZ 1998). Além disso, na sua capa encontramos a ressalva: “para uso de seus discípulos do Colégio Pedro II” (MEIRELLES 1856, p. 1 apud SAMPAIO 2004, p. 58).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 87
Na primeira lição pode-se perceber quais são os critérios de abrangência dos
estudos da Física para o autor. Percebemos também que a explicação dos fenômenos
físicos desloca-se do “Ente Supremo” citado por Haüy (1810) para os Agentes Físicos,
mudando, portanto, o responsável pelos fenômenos naturais:
“A physica he a sciencia que tem por objeto o estudo dos phenomenos que apresentão os corpos, em quanto estes não experimentão mudanças em sua composição. Chama-se Phenomenos physicos toda alteração produzida em hum corpo, sem mudança em sua composição. Exemplo: A queda de hum corpo, a produção de hum som.”(...) As causas productoras dos phenomenos que apresentão os corpos são os Agentes Physicos. Estes agentes são a attracção universal, o calorico, a luz, o magnetismo, a eletricidade”.
(MEIRELLES 1856, p. 1 apud SAMPAIO 2004, p. 58).
Outro livro que explica os fenômenos naturais dessa mesma forma é “Noções de
Physica e Chimica” de Ayres Albuquerque Gama de 187641. Para Gama (1876) a figura
dos Agentes Físicos também está presente e são os responsáveis pelas modificações na
natureza:
“a sciencia tem por objecto o estudo das propriedades geraes dos corpos, e das modificações passageiras que elles soffrem, sob a influência dos grandes agentes naturaes. Esses agentes são: a attracção, o calor, a eletricidade, o magnetismo, o som e a luz. A physica occupa-se unicamente das propriedades exteriores e apreciáveis (organolepticas) dos corpos; sem penetrar, como faz a chimica, no interior de sua constituição molecular”
(GAMA 1876, p. 9)
Segundo Gonzáles (2000) houve um movimento científico nas décadas de 1850
e 1860 na Espanha para que as antigas idéias que explicavam os fenômenos naturais por
meio de Deus fossem modificadas para a hipótese dos fluídos imponderáveis, chamados
de Agentes Físicos. “Essa versão mecanicista dos fenômenos era um sintoma da
modernidade introduzida na Espanha pela via dos programas e textos franceses
principalmente”. Como vimos, o ensino brasileiro estava fortemente apoiado no
esquema educacional francês, sendo refletida muito dessas modernidades no ensino e
possivelmente, mais tarde, nos livros brasileiros.
Sobre o conteúdo de Cinemática, mesmo sendo da década de 1870 o livro de
Gama (1876) trata dos conceitos de movimento através da descrição, sem nenhuma
fórmula ou expressão matemática:
41 Consta na capa: Professor do curso anexo da Faculdade de Direito de Olinda na disciplina Aritmética (BEVILAQUE 1977).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 88
“a sciencia que tem por objetivo o estudo dos movimentos que devem tomar os corpos em virtude das forças que os podem solicitar, toma o nome de mecânica. A mecânica divide-se em statica e dynamica, segundo trata do equilíbrio ou do movimento dos corpos (...) Os movimentos são rectilíneos ou curvilíneos, segundo o móvel descreve uma linha reta ou uma linha curva.
Quer rectilineo, quer curvilíneo, o movimento se diz uniforme ou variado, segundo percorre ou não, em tempos iguaes, espaços também iguaes. A serie de posições que o móvel vai sucessivamente occupando em seu movimento cosntitue a trajectoria do móvel.
No movimento curvilíneo de um corpo exerce elle continuamente sobre a curva uma reacção que tende a afastal-o na direção do raio; é o que se chama de força centrífuga, e se o corpo não estiver submettido a outra acção, essa força é directamente opposta á força centrípeta ou productora da inflexão da trajectória”
(GAMA 1876, p. 15)
De um modo geral podemos perceber que esses livros representam um reflexo
das explicações dos fenômenos baseados na Filosofia Natural. O livro de Haüy (1810),
por ser de meados do século XIX, evidentemente expressa a filosofia científica do
século XVIII nas descrições do movimento. O fato do autor ser um abade, pode
justificar a gênese da ciência ter como origem um “Ente Supremo”.
Os livros de Meirelles (1856) e Gama (1876) apóiam suas explicações nos
“Agentes Físicos”, mostrando uma nova concepção de ciência. O conteúdo desses
livros, quando descrevem o movimento, o faz por meio da escrita e aritmética, sem
formulações matemáticas, o que poderíamos justificar pela história das disciplinas, uma
vez que nessa época os estudos se baseavam na leitura e na composição criando
barreiras para os desenvolvimentos matemáticos.
Outra observação é a localização dos conceitos de movimento nos livros. Apesar
de já estarem bem desenvolvidos na ciência esses conceitos se encontram no início dos
livros, sempre agregados às noções preliminares. Isso se deve ao fato de que na época
“a atenção está mais centrada na eletricidade, magnetismo, acústica e ótica, campos que
estavam “na ordem do dia” da pesquisa e neste sentido os livros enfatizavam um caráter
de atualização para o ensino científico da época” (WUO 2003, p. 316). Nessa época
inúmeros acontecimentos estavam ocorrendo no meio científico, inclusive a maneira de
expor esses acontecimentos.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 89
Uma citação curiosa sobre isso foi encontrada no prefácio do livro “Curso de
Physica Elementar” de Joaquim Rodriues Guedes42 (1868). Devido Guedes ter falecido
antes da publicação de sua obra, outra pessoa (não identificada) escreveu seu prefácio
fazendo alguns comentários sobre o livro. Sobre a adequação do livro às inovações
tecnológicas da época comenta-se que “pareceu também conveniente ao autor,
attendendo ao progressivo desenvolvimento da physica e á applicação quotidiana que se
faz dos princípios d’esta sciencia, tratar mais detidamente de algumas matérias cuja
importância esta acima de toda duvida, e taes como a barometria, thermometria,
aerometria, hygrometria e meteorologia, e de outras que se têem tornado, por assim
dizer, populares, como são por exemplo, a photografia, as machinas de vapor, a
galvanoplastia e a telegraphia electrica” (GUEDES 1868, p.VI). As modernidades
científicas estavam sendo introduzidas no cotidiano das pessoas nessa época e
compreendê-las era importante. Isso fez com que os livros de ciências, principalmente
os de Física, assumissem esse papel adquirindo uma nova forma de expor a ciência. No
próximo tópico faremos uma discussão dessa nova metodologia.
3.2.2.1 As inovações nos livros didáticos de Física
A partir da segunda metade do século XIX a abordagem dos livros didáticos
expõe uma nova metodologia na abordagem da ciência. Essa mudança observa-se
claramente nos livros portugueses e franceses que eram adotados para compor o ensino
brasileiro. Percebemos nesses livros que a Física até então descritiva, agora contém
fórmulas do movimento, figuras de aparelhos e aparatos físicos.
Os livros estrangeiros estavam se adequando à nova visão positivista da ciência
e assim, “o conteúdo deixa de oferecer os elementos filosóficos e históricos que
traduzem os embates em torno dos conceitos e teorias, e passa a analisar equipamentos
fotográficos, fonógrafos, telégrafos, telefones, microfones, instrumentos de
meteorologia e climatologia, bombas hidráulicas, motores, geradores etc” (WUO 2003,
p. 317). Esses livros estrangeiros vieram a influenciar os poucos autores de livros
didáticos brasileiros que existiam na época como o livro de Guedes (1868). Percebemos
em seu livro além de figuras de experimentos e aparatos físicos uma descrição do
conteúdo que leva, como resultado, às equações dos movimentos:
42 Consta na capa: Lente do Colégio Militar do Rio de Janeiro, antigo aluno da escola politécnica e sócio correspondente da Academia Real da Ciências.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 90
Figura 3.2: Equações no conteúdo de Cinemática do livro de Guedes (1868)
No livro de Guedes (1868) ainda podemos perceber a presença de Deus como
criador pois “o conjunto de todos os seres creados por Deus forma o Universo. Os
principaes d’estes seres são os astros (...) e a Terra com todos os entes racionais e
irracionais, sensíveis e insensíveis que a povoam ou entram na sua constituição”
(GUEDES 1868, p.1). Porém, a figura dos agentes naturais também são ressaltadas pois,
“pondo de parte os phenomenos que se referem a vida, e que cujo estudo pertence à
História Natural, as causas primárias ou agentes naturaes são apenas a gravitação ou
attração mútua dos differentes corpos, e a origem dos phenomenos luminosos,
caloríficos, electricos e magnéticos” (GUEDES 1868, p. 4).
Destacamos como um dos idealizadores dessa nova abordagem experimental nos
livros o autor Adolf Ganot. Em inúmeras bibliografias que pesquisamos encontramos
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 91
citações a esse autor como referência e para termos um panorama de sua importância
faremos uma breve descrição sobre esse autor e seu “tratado”.
Adolf Ganot e o “Traité Élémentaire de Physique”
Ganot foi doutor em ciências físicas, diretor de estudos do laboratório de
pesquisas físicas da escola prática de Hautes Études e foi bacharel em matemática e
filosofia e professor de matemática e ciências físicas e naturais. O livro de Ganot Traité
élémentaire de Physique foi sugerido em inúmeros programas. Esse livro foi “publicado
em 1851 e três anos mais tarde foi ampliado passando a incluir conceitos de
meteorologia. O novo texto agora intitulado Traité élémentaire de Physique
experimentale et appliqueé et de météorologie (1851) teve dezoito reedições até o final
do século. A 17ª edição foi muito importante, visto que inclui experiências práticas e
informações sobre os materiais e instrumentos necessários para o desenvolvimento das
mesmas. O segundo é o Cours de physique purement expérimentale, à l’usage des
personnes étrangéres aux connaissances mathématiques (1859), que também passou
por inúmeras edições até 1887. Dado o forte prestígio do Traité Élémentaire e o forte
programa de matemática desenvolvido no colégio [Pedro II], é possível que este tenha
sido adotado na escola até a Reforma de Benjamim Constant, quando foi substituído em
1898, novamente pela obra de Ganot citada anteriormente” grifos do autor (LORENZ
1984, p. 431). Além disso, esse livro foi fortemente adotado em outros paises. No
Uruguai, Parella (2005, p. 7) comenta que “em relação aos textos de Adolphe Ganot, é
muito provável que os estudantes da época estudaram o livro em seu idioma original”.
Sobre a grandiosidade da obra Parella (2005, p. 7) comenta:
“O livro de Ganot, mais conhecido como “Traité Élémentaire de Physique”, em 1887 tinha na França várias edições. Esse livro é um tratado de Física de mais de 1000 páginas. Encontra-se um exemplar dessa edição em francês de 1887 na biblioteca do Liceu de San Carlos. É uma obra monumental, pela extensão e o conteúdo. Os temas gerais que trata são: Noções preliminares, gravidade, hidrostática, estática dos gases, calórico, magnetismo, eletricidade e meteorologia. Cada um dos temas é estudado com maior detalhe. Inclui apêndices com valores de constantes físicas, conversões de unidades e um especial com problemas e perguntas (com soluções). Alguns desses problemas foram extraídos de provas reais propostas. As descrições e explicações de funcionamento dos aparatos e instrumentos de laboratório são realizadas em detalhe incluem também sugestões para o uso desses aparatos de laboratório. É um texto que se projeta o laboratório, fazendo uma forte ligação às observações experimentais sem deixar de fazer menção às aplicações
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 92
cotidianas da Física. As ilustrações (em sua maioria desenhos e na edição de 1924 também se incluem fotografias) somam mais de 1000 e são realizadas com um grande detalhe. As explicações incluem algumas poucas definições apelando para cálculo diferencial, não aparecem excessivas demonstrações teóricas e em sua maioria se explica com elementos de geometria. Ganot diferencia no texto as idéias centrais necessárias para os cursos das idéias auxiliares utilizando dois tipos de letra”.
(PARELLA 2005, p. 7)
Em uma outra citação sobre Ganot, agora em uma tradução americana, o
tradutor comenta:
“O Elementos de Física, do qual este presente trabalho é uma tradução, adquiriu alta reputação na introdução das Ciências Físicas. Na França passou para a extensa nona edição em poucos anos e tem sido traduzido na Alemanha e Espanha. Esta reputação é muito provável deve-se à clareza e concisão com as principais leis físicas e explicações dos fenômenos, sistemáticos arranjos e excelentes ilustrações”.
(ATKISON 1872, p. 1)
Gonzáles (2000) ainda comentando sobre a grande difusão de Ganot na Espanha,
salienta que o primeiro livro foi em francês, sendo a primeira edição em castelhano
produzida em 1853 e em 1923 o livro ainda era editado, chegando a sua 18ª edição.
Sobre sua importância Gonzáles (2000, p. 76) ressalta que “se não o primeiro, é um dos
iniciadores na intercalação de gravuras no texto, no acréscimo de exercícios resolvidos
no final, salvo nas primeiras edições. Sem segurança, mas apoiado em referências e
impressões de outros colegas estrangeiros, talvez seja este livro que mais tenha
influenciado na organização dos ensinos de Física na Europa e América, desde que tais
ensinos tiveram caráter curricular nos estudos secundários, profissionais e incluso nos
primeiros anos das Faculdades de Ciências”.
3.2.2 Da Física descritiva para a descritiva-experimental
Como destacamos, a partir da segunda metade do século XIX inúmeras
inovações tecnológicas ocorreram e Ganot foi um dos autores que lançou em seu livro
essas inovações por meio de gravuras de aparelhos do cotidiano e de aparatos físicos.
Nas primeiras edições de seu livro a explicação desses conceitos foi realizada através de
descrições de exemplos hipotéticos ou de aparelhos do cotidiano.
Muitas dessas descrições foram realizadas em letras menores o que significava
que esses conceitos eram para um grau superior fazendo com que a utilização do livro
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 93
expandisse para alunos de diversas séries (GONZÁLES 2000). A seguir temos um
exemplo desse tipo de letra:
“Sua lei [movimento uniforme] pode ser representada por uma fórmula muito simples. Por exemplo, seja v a velocidade, t o tempo, e e o espaço percorrido. Temos que v representa o espaço percorrido por unidade de tempo, o espaço percorrido por 2, 3... unidades de tempo, será 2v, 3v...; e, enfim, para o tempo t ele será vt; então temos que e = vt. Daí temos a fórmula v = s/t...”.
(GANOT 1872, p. 18)
Para a queda livre foram colocadas figuras de aparatos físicos que, por meio de
descrições do fenômeno, descrevem as leis e equações da queda livre:
(a) (b)
Figura 3.3: ilustrações da Máquina de Atwood e da Máquina de Morin (GANOT 1872, p.43)
Outra inovação, nesse livro de Ganot, é a presença de exercícios no qual eram
cobrados cálculos matemáticos para a resolução dos problemas. Apesar da edição
apresentar 98 exercícios, nenhum é de Cinemática.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 94
Outro autor que também foi muito difundido no mundo é Joseph Langlebert43.
Seu livro “Physica” apresenta uma abordagem muito similar aos livros de Ganot. Na
edição de 189244 a mobilidade se encontra nas propriedades gerais da matéria:
“20. A mobilidade é a propriedade que possui os corpos de poderem ser postos em movimento, isto é, de ocuparem sucessivas porções no espaço.
21. O movimento é o estado de um corpo que muda de posição no espaço. O repouso é o estado de um corpo que persiste no mesmo lugar do espaço. Divide-se o movimento em absoluto e retilíneo. O mesmo acontece com o repouso.
O movimento absoluto é o que se supõe efetuar-se em relação a certos pontos fixos no espaço. O repouso absoluto é a ausência completa de movimento. O movimento relativo é o de um corpo que se desloca em relação a outro corpo que está em movimento; exemplo: uma bola sobre o tombadilho de um navio em marcha. O repouso relativo é o de um corpo que se conserva a mesma posição em relação a outro que se move; exemplo: um objeto que fica parado sobre um navio em marcha. O movimento e o repouso absolutos não existem no sistema do mundo; nele não se observa senão o movimento e repouso relativos.
(LANGLEBERT 1892, p. 6)
Nesse mesmo livro de Langlebert (1892) são discutidos os estudos que
englobam a Física. Esse mesmo conceito é repetido em todos os livros de Langlebert
encontrados em nossa análise. Para ele a Física:
“é a sciencia que tem por objecto o estudo das propriedades geraes dos corpos e as modificações passageiras que elles experimentam sob a influencia dos grandes agentes naturaes. Estes agentes naturaes, também denominados causas geraes, e que provavelmente não são senão manifestações variáveis de uma força única universal, classificam-se na ordem seguinte, a qual correspondem as principaes divisões da Physica: a gravidade, o calor, a eletricidade, o magnetismo, o som e a luz”
(LANGLEBERT 1892, p. 5)
43 Consta na capa: Professor de Ciências Physicas e Naturais, Doutor em Medicina e Official da Academia 44 Nesse livro de Langlebert, em suas primeiras páginas, há 3 programas curriculares franceses no qual pudemos observar a organização da escola francesa. Está dividido em: classes de Matemática Elementar (Liceus), classe de Filosofia (superior de letras) e as terceira, segunda e primeira classes (secundário). Entre esses currículos os conceitos de Cinemática são apresentados no curso de Matemática Elementar (Liceus) e na primeira classe (secundário). No curso de matemática elementar apresentado no currículo os conceitos de movimento não são elencados, porém aparecem nos complementos “Lei da queda dos corpos – Máquina de Atwood – Máquina de Morin” (LANGLEBERT 1892, p. VII). No currículo da primeira classe do secundário temos: movimentos, forças, proporção das forças com aceleração, massa, trabalho, força viva, lei da queda dos corpos, máquina de Atwood, pêndulo e aplicações.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 95
A Cinemática apresenta uma abordagem descritiva que leva à dedução das
fórmulas do movimento.
“Fórmulas – Designando-se por e o espaço percorrido por um móvel animado por um movimento uniforme; por t o tempo empregado em percorre-lo, e por v a sua velocidade, isto é, o espaço percorrido na unidade de tempo, ter-seha as fórmulas:
e = vt e v = e/t
que representam as leis do movimento uniforme”.
(LANGLEBERT 1892, p. 14)
Os conteúdos “Lei da queda dos corpos”, “Maquina de Atwood” e “Máquina de
Morin”, também são tratados neste livro, porém apresentados em um capítulo a parte
denominado “Complementar”. O conteúdo é ilustrado por desenhos de aparatos físicos
que, inclusive, são utilizados por diversos livros da mesma época. Na figura 4.2 estão
representados, por meio de ilustrações, as figuras usadas. Podemos perceber que em (b)
máquina de Atwood e (c) maquina de Morin existem letras que são usadas pelo autor na
explicação do fenômeno da queda livre. Além dos aparelhos de Morin e Atwood,
também foi usada a figura do tubo de Newton (a). Abaixo o exemplo usado para
descrever a figura (c):
“Este aparato (fig 25) se compõe de um cilindro de madeira C, que gira ao redor de um eixo vertical, e cuja superfície está coberta com uma folha de papel, com riscos verticais eqüidistantes. O cilindro gira em virtude da queda do peso P’ pendurado por um cordão, que se enrola em um pequeno carretel horizontal, que tem uma roda dentada R, que gira por meio de um parafuso, com um eixo C e com um eixo V com quatro aletas ...”.
(LANGLEBERT 1892, p. 14)
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 96
(a) (b) (c)
Figura 3.4: (a) tubo de Newton; (b) Máquina de Atwood; (c) Máquina de Morin, in Physica (Langlebert, 1892, p. 35, 37 e 40).
Depois de descrita as figuras acima, o autor apresenta as leis para a queda dos
corpos:
“1ª Lei – Todos os corpos caem no vácuo com a mesma velocidade.
2ª Lei (lei dos espaços) – Os espaços percorridos por um corpo que cae livremente no vácuo augmentam proporcionalmente aos tempos decorridos desde o começo da queda.
3ª Lei (lei das velocidades) – As velocidades adquiridas por um corpo que cae livremente augmentam proporcionalmente aos tempos decorridos desde o começo da queda.
Demonstra-se experimentalmente estas duas leis por meio da machina de Atwood e do aparelho de Morin”.
(LANGLEBERT 1892, p. 56)
3.2.3 Da descritiva-experimental para a demonstrativa-experimental
É na passagem do século XIX para o século XX que consideramos essa
mudança de abordagem. Entendemos isso como uma descrição matemática e exemplos
hipotéticos mais detalhados, sendo o início do caminho da algebrização da Cinemática e
que vai fazer parte dos livros brasileiros das primeiras décadas do século XX. Não
pudemos detectar exatamente quando ocorre essa transição de abordagens uma vez que
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 97
não localizamos todas as edições dos livros analisados. Por exemplo, na edição de 1894
de Ganot, podemos perceber que esse novo tipo de abordagem inclui além de esquemas
para a descrição dos movimentos, possui conceitos mais avançados:
Figura 3.6: Ganot (1894) introduz formulas mais elaboradas na página 15.
Podemos perceber que as letras menores da edição de 1872 agora estão no corpo
do texto. Outra mudança é na descrição da mobilidade como “todo corpo que está em
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 98
movimento” (GANOT 1894, p. 13) e aparecendo na introdução dos conceitos de
Cinemática. Toda a definição de movimento e repouso (relativo e absoluto) foi
deslocada para o corpo principal do capítulo. Para a queda dos corpos, Ganot (1894)
apresenta uma gravura que não foi encontrada em nenhum outro livro:
Figura 3.7: Ilustração da queda dos corpos (GANOT 1894, p. 51).
No apêndice do livro 1894 pela primeira vez observamos exercícios de
Cinemática. De um total de 116 exercícios, 5 são sobre Cinemática. Na introdução do
apêndice, Ganot (1894) apresenta uma metodologia de resolução desses exercícios:
“Assunto e resolução dos problemas de Física – Os problemas de Física propostos nos exames são, em geral, verdadeiros problemas de álgebra, nos quais uma lei Física ou uma definição liga as quantidades conhecidas às incógnitas.
Que os dados de um problema sejam representados por letras ou números, sua resolução se compõe sempre de duas operações bem distintas:
1 – A tomada da equação do problema, quer dizer, a tradução algébrica da relação existente entre a incógnita do problema e as quantidades conhecidas.
2 – A resolução da equação.
A segunda operação, completamente algébrica, exige o conhecimento das operações e das regras da álgebra. Para a tomada
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 99
da equação é necessário antes todo o conhecimento das leis e das definições da Física”.
(GANOT 1894, p. 1180)
Os exercícios são aplicações das fórmulas apresentadas no conteúdo. A seguir
alguns desses exercícios exemplificam a abordagem utilizada pelo autor:
“I – Durante quanto tempo deve cair um corpo no vazio para adquirir, em Paris, uma velocidade de 600m, que é aquela de uma bala de canhão?
Solução: t=61,16 s.
II – Qual é o tempo necessário a um corpo para cair, no vazio, de uma altura de 100m?
Solução: t=14,28 s.
(...)
IV – Sobre um plano inclinado cujo o comprimento AB é igual a 1000m, e a altura BC 5m, qual é o esforço necessário para arrastar um peso de 2500 kg, abstração feita frontalmente?
Solução: f = 12,500 kg”.
(GANOT 1894, p. 1180)
Nos livros de Langlebert dessa mesma época (1896 e 1904) também foram
realizadas algumas mudanças. O capítulo “Lei da queda dos corpos - Plano inclinado de
Galileo - Máquina de Atwood - Máquina de Morin” (1896, p. 26; 1904, p. 26) não estão
mais na parte complementar sendo agora o capítulo 2. São também incluídos exercícios
no apêndice do livro porém nenhum é de Cinemática. A estrutura do conteúdo não
muda, mas deduções matemáticas são acrescentadas no texto em letras menores, como
nota de rodapé.
Podemos observar que alguns conceitos de Cinemática apenas trocam de lugar e
outros são acrescentados. Interpretamos isso como uma tentativa dos autores em tornar
os livros cada vez mais de acordo com as necessidades educacionais em que está
inserido visando tornar o livro mais completo, e não devido às novas descobertas
cientificas. Isso mostra o importante papel da disciplina destacado no primeiro capítulo
por Chervel (1990) no qual a exposição dos conceitos não ocorre somente na
vulgarização da ciência erudita, mas também no funcionamento da disciplina por meio
de sua pedagogia. Os diferentes estilos de abordagem que estamos ressaltando aqui
representam uma evidencia clara da influência da disciplina na transmissão do saber, já
que entendemos as transformações no livro como adequações às novas pedagogias
impostas pelas novas finalidades da disciplina escolar.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 100
Outros autores apresentam uma álgebra que envolve grande parte do conteúdo,
além de conter descrições de experimentos e aparatos físicos. Por exemplo, nos livros
de “Petit Traité de Physique” de Jamim (1870)45 e “Traité de Physique Élémentaire” Ch.
Drion et É Fernet (1880)46. Como exemplo dessa abordagem segue abaixo uma foto de
uma das páginas do livro de Ch. Drion et É. Fernet (1880):
Figura 3.9: Desenvolvimentos algébricos no livro de Ch. Drion et É Fernet (1880)
Outro autor que utiliza os desenvolvimentos algébricos e exemplos
experimentais para tratar do conteúdo é o português Francisco Ribeiro Nobre47 nos
livros “Tratado de Physica Elementar”. Em comparação a todos os livros analisados, é o
que mais utiliza dessa ferramenta.
45 Consta na capa: Professor da Escola Politécnica e da Faculdade de Ciência de Paria 46 Consta na capa: É Fernet – Professor de Física do Liceu Saint-Louis, Inspetor geral de Instrução Pública e Professor da Escola Politécnica. 47 Consta na capa do livro que o autor é Bacharel em Matemática e Filosofia pela Universidade de Coimbra, Professor do Liceu Central do Dr. José Falcão, em Coimbra, Professor do antigo Liceu Central de Beja, do Liceu Central do Porto, do Liceu Central de Alves Martins em Vizeu. Sócio efetivo do Instituto de Coimbra, da Sociedade de Geografia de Lisboa, etc.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 101
Figura 3.10: Nobre (1896) realiza desenvolvimentos algébricos na página 28.
Apesar de um livro com predominância em desenvolvimentos algébricos
também são tratados conceitos que são idênticos em todos os livros. A Mobilidade é
tratado por Nobre (1896; 1904; 1911; 1934) em seus livros dentro do tópico
Propriedades Gerais da Matéria e sua definição se assemelha muito à definição citada
anteriormente para Langlebert:
“A mobilidade é a propriedade que possuem os corpos de poderem ser postos em movimento. Diz-se que um corpo está em movimento quando occupa successivamente diversas posições no espaço.
O movimento divide-se em movimento absoluto e movimento relativo. O repouso abrange as mesmas divisões.
Chama-se movimento absoluto aquelle que suppomos effectuar-se em relação a pontos fixos no espaço. Repouso absoluto é a ausência completa de movimento.
Movimento relativo é o movimento de que um está animado quando se desloca em relação a outro que também está em
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 102
movimento. Repouso relativo é o estado d’um corpo que se conserva a mesma posição em relação ao outro que se move.
O movimento e o repouso absolutos são concepções theoricas que não existem no systema do mundo: apenas se observa o movimento relativo e o repouso relativo”.
(NOBRE 1896, p. 12)
No livro de Nobre também podemos perceber os agentes naturais como os
grandes causadores das modificações:
“Diz phenômeno toda a modificação que um corpo experimenta, quer seja o resultado da acção dos agentes naturais: gravidade, calor, luz, eletricidade; quer de uns corpos sobre os outros”.
(NOBRE 1896, p. 4)
Sobre os exercícios, no apêndice do livro de 1896, são apresentados 60
exercícios sendo 3 de Cinemática que estão descritos abaixo:
“3. Durante que tempo deve cahir um corpo no vácuo para adquirir a velocidade de 856m,6, sabendo-se que a acceleração da gravidade é 9m,8?...
4. Suppondo que um projectil foi impellido verticalmente de baixo para cima com uma velocidade vertical de 245m, calcular a duração da ascensão e a altura que se elevou o projectil. ...
6. Calcular o espaço percorrido durante 8 segundos por um corpo que escorrega sem attrito sobre um plano inclinado, cujo comprimento é 150m, 20 e a altura 22m, 70. A Acceleração da gravidade é de 9m, 8”
(NOBRE 1896, p. 550).
Os livros de 1904, 1911 e 1934 apresentam a mesma lista de exercícios.
Expostos no final do livro são elencados 211 exercícios, sendo 10 sobre Cinemática.
Podemos perceber que entre parênteses o autor coloca o resultado e a fórmula (que se
encontra no conteúdo) que deve ser usada para a resolução do exercício:
“2. Um móvel animado de movimento uniforme percorre 55 Km, 800 em 5h 6m. Calcular sua velocidade por unidade de tempo a hora. (42, fórmula 1)...
5. Determinar o espaço percorrido em 12 segundos por um corpo que parte do repouso com movimento uniformemente variado acelerado, sabendo que no fim de 5 segundos tem a velocidade de 36 metros. (49, fórmula 1 e 4)”.
(NOBRE 1904, 1911 e 1934, p. 764)
Um exercício envolve conceitos de Cinemática e dinâmica:
“14. Um corpo que tem uma massa de 5kg é submettido durante 5 segundos à acção d`uma força constante. No fim de 5 segundos a
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 103
força cessa e o móvel percorre livremente 475 metros em 18 segundos. Qual é a intensidade da força e que espaço percorreu o corpo durante os 5 segundos em que a força actuou? (38, fórmula 1; 45 fórmula 1 e 4; e 72, fórmula 4.)
(NOBRE 1904, 1911 e 1934, p. 764)
Também são apresentados exercícios de queda livre:
“Determinar a duração da queda d`um corpo no vácuo para adquirir a velocidade de 855m, suppondo que é 9m,8 a aceleração da gravidade nesse local. (106, fórmula 1).
(NOBRE 1904, 1911 e 1934, p. 764)
A matematização apresentada nos livros do começo do século XX não é
exclusividade de Nobre. Podemos perceber essa abordagem em outro livro de Ganot,
agora de 1923:
“Aceleração – Hodógrafo – São M e M’ (fig. 44) as posições do móvel nos instantes t e t + ∆t, e são V e V’ as velocidades nesses instantes. Para um ponto O qualquer, seja dois vetores Om e Om’ respectivamente iguais e paralelos a V e V’. A medida que o móvel realiza o percurso da trajetória, m descreve uma curva que se chama hodógrafo do movimento. A corda mm’ e o aumento
geométrico da velocidade entre os tempos t e t + ∆t, enquanto Om’ é a soma geométrica de Om e de mm’.
A velocidade mJ1 do móvel m é o hodógrafo, que é igual ao lim mm’/∆t, mede, por definição, a aceleração do movimento do móvel; por último é um vetor MJ igual e paralelo a mJ1.
No caso de um movimento retilíneo, sua definição se reduz àquela que é determinada acima”.
(GANOT 1923, p. 39)
A definição de velocidade instantânea segue também um padrão bem parecido:
“Velocidade instantânea qualquer – Por definição, a velocidade a um tempo t (ou a um ponto M) é o limite para aquela que tende à velocidade instantânea entre os instantes t e t + ∆t, quando ∆t tende a zero. Temos:
v = lim ∆e/∆t, ou v = de/dt = f’(t)
A velocidade provém da razão do espaço com o tempo”.
(GANOT 1923, p. 37)
No capítulo da queda livre também há uma descrição detalhada desse tipo de
fenômeno. Muitas figuras e aparatos físicos representam esse capítulo. O tubo de
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 104
Newton e o aparelho de Morin são representados auxiliando a queda dos corpos e o
gráfico desse tipo de movimento. Alguns desenvolvimentos algébricos são apresentados
a fim de se obter determinadas conclusões.
Fig. 52 – Imagem obtida por uma fotografia cronometrada de um corpo em queda livre.
“... supondo que a figura 52 representa as posições do móvel em várias medidas e seja O o ponto de partida; designamos por θ o intervalo constante de duas fotografias consecutivas. Seja A um instante qualquer t; B, C, D, E são os instantes t + θ, t + 2θ, t + 3θ , t + 4θ. Então:
AO = at2, OB = a (t + θ)2;
ou AB = OB – AO = 2atθ + aθ 2;
OC = a (t + 2θ)2;
ou BC = OC – OB = 2atθ + 3aθ 2;
OD = a (t + 3θ)2;
ou CD = OD – OC = 2atθ + 5aθ 2;
OE = a (t + 4θ)2;
ou DE = OE – OD = 2atθ + 7aθ 2;
Temos que, se a lei e = at2 é verdadeira, as distâncias crescentes das imagens sucessivas seguintes são uma progressão aritmética (razão 2aθ 2)”.
(GANOT 1923, p. 47)
Lembramos que no início do século XX inúmeros acontecimentos
impulsionaram o ensino das ciências exatas. Já existiam escolas de engenharia em São
Paulo e Rio de Janeiro e também os cursos introdutórios a essas faculdades que
preparavam os alunos para as disciplinas dos próximos anos de engenharia. Mas e o
ensino secundário? Como era a abordagem dos livros didáticos usados nesse ensino?
Apesar dos livros estrangeiros, como Ganot, Langlebert e Nobre, apresentarem
uma maior matematização, o ensino secundário escolar estava atento aos conceitos mais
gerais de Física. Para isso, alguns autores escreviam (ou adaptavam dos estrangeiros)
livros didáticos com outro enfoque, como é o caso do professor Oscar Nerval de
Gouveia. Ilustre professor do Colégio Pedro II48. Sampaio (2004, p. 87) ressalta a
formação desse professor:
48 O Professor Nerval de Gouveia ingressou no Colégio Pedro II em 1883 com a tese “Dupla refracção”, sendo inclusive essa a primeira tese apresentada para a cadeira de “Physica e Chimica”
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 105
“Bacharel sciencias physicas e mathematicas e engenheiro civil pela escola polytechica, doutor em medicina pela faculdade desta cidade, e ainda bacharel em sciencias sociais e juridicas pela faculdade livre de sciencias sociaes e juridicas, obtendo em taes cursos si não em todas as materias, em quase todas, approvação com distincção, é lente substituto desta faculdade, de direito, lente do Gymnasio nacional, lente da escola polytechnica, professore do Gymnasio Brasileiro, estabelecimento por elle fundado em 1898 com outros professores de escolas superiores, dando à instrucção secundaria modelo para o sexo feminino e ainda exerce com solicitude, com caridade evangelica a clinica pelo systema de Hahnemann. Exerceu varios cargos, como o de membro do Conselho da instrucção publica municipal, de delegado da escola de minas de Ouro Preto ao conselho superior instrucção publica, onde defendeu as prorogativas das escolas livres, etc.
(SAMPAIO 2004, p. 87)
Esse livro é um exemplo claro da segunda geração de autores que destacamos no
capítulo 1, no qual as editoras começam a valorizar a figura do educador e os livros com
sucesso de vendas eram aqueles provenientes das aulas dadas pelos próprios autores.
Intitulado de “Lições de Physica”, encontramos dois livros idênticos de Gouveia
datados de 1902 e 1907. “Esse compêndio foi elaborado a partir de transcrições de uma
coletânea de aulas ministradas pelo professor Nerval e organizadas para publicação,
com a colaboração de dois ex-alunos: o professor José de Castro Nunes e o professor
Dr. Guilherme Augusto de Moura. Neste caso, em que o livro já é uma transcrição do
que ocorreu, consideramos que a obra represente com fidelidade o conteúdo e a
metodologia versada na sala de aula” (SAMPAIO 2004, p. 14).
Nesses livros, nos prefácios o autor explica como surgiu a obra nos chamando a
atenção da necessidade de um livro desse tipo e como ele foi elaborado:
“A necessidade de um livro organizado de accordo com o programma do ensino da Physica no curso secundário official, professado no Gymnasio Nacional, e capaz de servir de paradygma ao estudo em todos os Estados da União, despertou em alguns antigos alumnos do Externato do Gymnasio o desejo de coordenar apontamentos dispersos em mãos dos differentes alumnos das turmas, que successivamente ouviram o meu curso de Physica, e publical-os despretenciosamente como um auxilio à cultura scientifica das classes estudiosas.
(...)
Os ensaios d’esse gênero são raramente lucrativos no Brasil: nada ambicioso, portanto, senão auxiliar aos estudantes em meu paiz, com um livro, que se propõe apenas ser um programma desenvolvido.
Rio, 23 de setembro de 1902.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 106
NERVAL DE GOUVEIA”
(GOUVEIA 1902, p. VI)
O curioso é que quando fomos analisar o livro, a parte de Cinemática se resume
a apenas duas páginas de quase 450 páginas do livro! Fica claro que, diferentemente do
que acontece hoje, a Cinemática tinha pouca expressão no ensino secundário daquela
época. Novamente vemos a importância da descrição de aparelhos tecnológicos nos
livros, não tendo os conceitos de movimento grande importância. Segue abaixo uma das
páginas de Cinemática do livro.
Figura 3.11: Conteúdo de Cinemática em GOUVEIA (1902 e 1907, p. 18)
Percebemos também que o método utilizado pelo autor para descrever um
fenômeno físico segue o mesmo padrão do livro de Ganot, porém evitando grandes
formalismos matemáticos. Dessa forma vemos, como no livro do Dr. Meirelles (1856),
mais uma vez a inspiração nos livros franceses para a elaboração do conteúdo de livros
didáticos de Física nacionais e que podemos perceber na foto acima. Por exemplo, com
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 107
as mesmas figuras e o estilo descritivo do fenômeno por meio de aparatos físicos, o
autor descreve as leis da queda dos corpos. A seguir as fotos utilizadas por Gouveia
(1902 e 1907) nos livros:
(a) (b) (c)
Figura 3.12: (a) Máquina de Morin; (b) Máquina de Atwood; (c) Tubo de Newton (Gouveia 1902 e 1907, p. 88, 90 e 92).
Outra similaridade que pudemos perceber foi com relação aos gráficos usados
por Gouveia (1902 e 1907) evidenciando a inspiração do autor no livro de Ganot:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 108
(a) (b)
Figura 3.13: Semelhança das imagens e tratamento nos de (a) Gouveia (1902 e 1907, p. 93) e (b) Ganot (1894, p. 49)
Nas fotos acima fica claro o caráter descritivo dos livros de Gouveia (1902 e
1907). Nos livros brasileiros das décadas seguintes percebemos um outro tipo de
abordagem do conteúdo. Por exemplo, alguns autores brasileiros da década de 1920
apresentavam um conteúdo mais algebrizado e com uma abordagem mais próxima dos
livros estrangeiros, porém com menos descrições de aparelhos e aparatos físicos. Esses
autores foram sugeridos nos programas curriculares do próprio Colégio Pedro II e
também na Escola Politécnica. Vimos no segundo capítulo a importância dos cursos
introdutórios da Politécnica atuando no remodelamento do ensino de Física, ou seja,
desvinculando o conteúdo da prática profissionalizante e dando um caráter tradicional e
de cultura geral que conhecemos hoje. Como tinham a função de preparar os alunos
para as disciplinas de engenharia dos próximos anos o curso, e conseqüentemente os
livros didáticos, adquiriram um outro tipo de abordagem. Começa nessa época a
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 109
homogeneização dos conteúdos dos cursos anexos das escolas de engenharia e medicina
com o ensino secundário escolar.
Destacamos dois autores: Antonio de Pádua Dias49 com o livro “Curso de
Physica” e Raul Romano50 com o livro “Tratado de Physica”. Em seu prefácio Romano
(1928, p. 1) expõe a metodologia de seu livro ressaltando que “não pertencemos ao
número d’aquelles que pensam dever o ensino ser exclusivamente prático, e por isso
mesmo todas as vezes que na exposição do assumpto não foi possível fazer rápidas
divulgações philosophicas e mathematicas, fizemol-as, mas procurando manter sempre
um justo equilíbrio entre a vantagem de habituar os alumnos ao raciocínio (...)
procuramos expor o assumpto com a máxima clareza, mas sem prolixidade, e por isso
mesmo achamos de boa norma não perdermos muito tempo com enfadonhas
descripções de aparelhos que, não sendo vistos no original, de nada valem”.
Observamos também que a figura dos Agentes Físicos desaparece, tendo a
discussão dos fenômenos uma explicação mais na razão. Segundo Dias (1920, p.7)
“quando observamos um phenomeno, procuramos, naturalmente, descobrir a sua causa;
para isso raciocinamos, formulando varias hypotheses. Estas conduzem-nos á
experiência na qual procuramos reproduzir o phenomeno em condições favoráveis ao
estudo do mesmo. Observação, hipothese e experiência são os meios que nos conduzem
á descoberta das leis physicas, isto é, das relações constantes e invariáveis que existem
entre um phenomeno e sua causa geradora”. Romano (1928) não apresenta em seu livro
nenhuma introdução que expõe esse tipo de conceito, apenas faz alguns comentários do
que ele chama como “nova mechanica ou einsteniana” (ROMANO 1928, p. 1).
Sobre o conteúdo de Cinemática fica claro nos dois autores a inclusão de
equações, juntamente com as descrições, para a explicação dos fenômenos. Por
exemplo, na queda dos corpos, o autor não apresenta somente as leis da queda dos
corpos, são também acrescentadas as fórmulas que descrevem esse movimento.
No conteúdo de movimento circular podemos perceber a quase exclusividade da
álgebra na apresentação desse conteúdo. Com o título “Cálculo da fórmula da força
centrípeta” (ROMANO 1928, p. 22) o autor desenvolve todo movimento circular.
49 Consta na capa de seu livro: Formado em engenharia civil e professor catedrático de Física do Estado de São Paulo. 50Consta na capa de seu livro: Romano (1928) teve como formação engenharia química, foi diretor e professor de Física e Química em diversos colégios.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 110
Figura 3.14: Cálculo da força centrípeta que por fim se torna em uma abordagem de toda Cinemática do movimento circular (ROMANO 1928, p. 22 e 23)
Outro destaque importante do livro de Romano (1928) é a inclusão dos
exercícios nos livros. É muito importante ressaltar que a metodologia de aplicação dos
exercícios nos livros brasileiros é iniciada nessa época, porém não como nos livros
franceses no qual era realizado como apêndice, mas diretamente no conteúdo. Essa nova
proposta altera o conteúdo dos livros didáticos de Física para sempre. O que vemos a
partir daqui é a introdução dos exercícios no conteúdo dos livros na função de exemplos
e na fundamentação do conteúdo. Como exemplo, citamos abaixo um exercício do livro
de Romano (1928):
“Exemplo numérico – Um cyclista, cuja massa total é de 90 Krg lança-se numa pista circular de 25m de raio, com velocidade de 15 metros por segundo.
Qual é a força centrífuga?
M = 90.000 = 9 x 104
V = 15 x 102
R = 25 x 102
Logo:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 111
F = mv2/R = 9 × 104 × (15 × 102)2 ”.
25 x 102
(ROMANO 1928, p. 21)
Por exemplo, Dias (1933) acrescenta em outro livro, o conteúdo de movimento
circular. Como podemos perceber na foto abaixo, o conteúdo está em letras menores o
que presumimos ser um tipo de conteúdo “extra”. Além disso, há um exemplo numérico
para tratar o conteúdo.
Figura 3.15: Conteúdo de movimento circular uniforme é acrescentado no livro de Dias (1920, p. 20 e 21).
Outro ponto importante é que nos livros de Gouveia (1902 e 1907), Dias (1920 e
1933) e Romano (1928) foram apresentadas muitas figuras e esquemas que já estavam
presentes em obras estrangeiras. O fato dos livros franceses e portugueses terem sido
referência por inúmeras décadas, muitas dessas semelhanças são exatamente com os
livros de Ganot, Langlebert e Nobre. Como o próprio Dias (1933, p. 1) salienta “nas
últimas páginas encontrarão os leitores a lista das obras consultadas e a das figuras
reproduzidas com a indicação da origem”. Por exemplo, apresentamos abaixo uma
semelhança do livro de Dias (1933) com o de Ganot (1923):
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 112
(a)
(b)
Figura 3.16: Semelhanças entre os livros “Curso elementar de Física” de Dias (1933, p. 25) e a 31ª edição do “Traité Èlémentaire de Physique” de Ganot (1923, p. 47).
Outra semelhança é com os livros de Romano (1928) e Nobre (1911) para
descrever o movimento circular:
(a)
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 113
(b)
Figura 3.17: Semelhanças no tratamento do movimento circular nos livros (a) “Tratado de Physica Elementar” de Romano (1928, p.18) e (b) “Tratado de Physica Elementar” Nobre
(1911, p. 20).
3.2.3.1 A coleção F.T.D
No início do século XX, alguns livros que marcaram o ensino brasileiro foram
da coleção FTD. Com a proclamação da república em 1890 o Brasil ficou a mercê das
influências de outras religiões, principalmente ao protestantismo vindo dos norte-
americanos. Segundo (AZZI 1999) esse foi um dos principais motivos para que o
episcopado fosse procurar na Europa quem viesse dirigir os colégios católicos e formar
a elite católica no Brasil. Entre as inúmeras preocupações dos religiosos, o que mais se
destaca é o setor educacional. A partir da segunda metade do século XIX foi dada
prioridade à educação e eram raríssimos os institutos que não estavam envolvidos de
alguma forma com a educação. “Durante o período da monarquia, houve sempre
restrições muitos fortes à presença dos religiosos estrangeiros no Brasil. Com a
República o governo não mais interferiu nesse aspecto e, já em fins do século XIX,
novas congregações européias, como os maristas, se uniram às que já estavam aqui
instaladas” (AZZI 1999, p. 16).
Na França, no final do século XIX os Pequenos Irmãos de Maria, já tinham
criado a coleção FTD. A sigla significava o nome do superior geral Frère (irmão)
Teofânio Durand. No Brasil o grande promotor da coleção foi Isidoro Dumont e devido
à semelhança houve quem sugerisse que as siglas FTD deveriam significar Frère Tiago
Dumont.
A coleção no Brasil tinha como pontos principais: tradução para o português das
obras francesas, adaptação dessas obras às necessidades pedagógicas do país e produção
de alguns textos próprios para o público brasileiro. Outro detalhe das obras é que não
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 114
vinham as inscrições dos autores, sempre se referindo como FTD. Isso se devia ao fato
dos autores serem fiéis aos propósitos de humildade e, por isso, não assinavam suas
obras. Outra preocupação dos religiosos era que suas obras tivessem preços reduzidos e
os lucros que houvessem eram convertidos em fundos para aumentar a qualidade dos
livros.
No início do século XX a Física e Química ainda eram ensinadas juntas em
nosso currículo e, por isso, essas obras eram traduzidas dos livros de Branly e Bazin,
autores muito conhecidos na França. Ao todo foram publicados para a Física, Química e
História Natural 7 títulos até 1917 (AZZI 1999). Em nossa pesquisa analisamos dois
livros da coleção FTD, um de 1912 e outro de 1927. A diferença entre os dois livros é
clara.
A edição de 1912 não possui Cinemática e o conteúdo sobre a queda dos corpos
tem uma abordagem descritiva dos fenômenos. As figuras utilizadas no livro são o tubo
de Newton e aparelho de Morin, já apresentados anteriormente. Os exercícios estão no
final do livro no formato de questionário.
“Que é gravidade? Quais as leis da queda dos corpos? Como se verificam? Qual o espaço percorrido após 1, 2, 3 segundos de queda livre? Enunciar as Leis de Kepler”.
(FTD 1912, p. 23)
Já a edição de 1927 apresenta além de uma abordagem descritiva, exercícios e
exemplos hipotéticos que confirmam as explicações realizadas para o fenômeno. Para o
movimento uniformemente variado, por exemplo, dados da queda dos corpos foram
utilizados para ilustrar o conceito:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 115
Figura 3.18: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para ilustrar o movimento uniformemente variado (FTD 1927, p. 14)
Outra característica importante foi a inclusão de exercícios no conteúdo como
exemplo de aplicações numéricas. Já que sempre estiveram no apêndice do livro ou no
final de cada capítulo. Podemos identificar a FTD como uma das grandes precursoras
desse tipo de metodologia. Por exemplo, no tópico da queda dos corpos um desses
exercícios foi utilizado:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 116
Figura 3.19: Exercício de queda livre é acrescentado ao conteúdo para exemplificação do fenômeno (FTD 1927, p. 40)
Podemos notar então que diversos livros de Física adotados no ensino brasileiro
se inspiraram em obras estrangeiros para a produção dos conteúdos. Mas é também
nessa época que autores de outras nacionalidades surgem em nosso ensino. Como
estamos tratando das diferentes abordagens do conteúdo de Cinemática, logo cabe a
pergunta: Qual a abordagem do conteúdo de Cinemática desses novos livros adotados?
Eles seguiam a mesma metodologia de exposição do conteúdo dos livros franceses e
portugueses? É isso que iremos tratar no tópico seguinte.
3.2.4 A algebrização da Cinemática
Os livros que iremos analisar a seguir foram todos sugeridos nos programas
curriculares da Escola Politécnica. A Cinemática em seus livros tem como abordagem
principal a dedução das equações dos movimentos a partir de exemplos hipotéticos, mas
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 117
sem a descrição de aparelhos ou aparatos físicos. Em nenhum momento são citados ou
apresentados os aparelhos que até agora eram o centro das explicações dos fenômenos.
Esses livros, através dessa nova abordagem, podem até ter influenciado os futuros livros
nacionais que seriam escritos, mas queremos deixar claro, mais uma vez, que o principal
modificador não só dos livros, mas do ensino de Física, foram os cursos introdutórios
dessas faculdades, pois atuaram diretamente no remodelamento do ensino de Física até
o início da década de 40, quando a Física realmente chega ao secundário.
No prefácio do livro “Curso de Física” de W. Watson51 (1932) o autor comenta,
sobre a não inclusão das figuras de aparelhos e aparatos físicos, que “como nenhum
livro de texto pode substituir as lições explicadas com experimentos e a dos trabalhos
práticos no laboratório, não se tentou descrever ilustrações experimentais dos diversos
fenômenos. Pela mesma razão as figuras oferecem um caráter totalmente diagramático e
não se pretendem ser uma exibição de instrumentos experimentais; o objetivo dos
desenhos, neste caso, é tornar claro o texto e não substituir os aparatos atuais”. Essa é
uma resposta clara à não adoção da metodologia dos livros franceses ou portugueses
que por décadas se basearam em aparelhos e aparatos físicos para o desenvolvimento
dos conceitos.
Dessa forma esses novos autores lançam uma nova metodologia de ensino de
Física por meio da descrição de figuras geométricas e exemplos hipotéticos utilizando-
se da álgebra para o desenvolvimento dos conceitos. A seguir vemos uma discussão do
autor sobre o cálculo da distância percorrida por um móvel em movimento
uniformemente variado e que, sem citar, envolve o conceito de integral.
51 Consta na capa do livro: Membro da Royal Society, professor de Física do Imperial Colégio de Ciência e Tecnologia de Londres. Outros autores também são citados: Hebert Moss que, trabalhou na ampliação do livro, foi Doutor em Ciência e professor de Física do Imperial Colégio de Ciências e Tecnologia de Londres. Além dele foi citado D José Mañas y Bonvi, que traduziu o livro, foi engenheiro industrial, catedrático de Física e Química geral na Escola de Engenheiros Industriais de Barcelona.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 118
Figura 3.20: Livro de W. Watson (1932) sobre a discussão do conceito de integral e a dedução da fórmula dos espaços do movimento uniformemente variado.
Esse tipo de descrição também está presente no livro “Física General” de José
Mañas y Bonvi52. Por exemplo, para discutir o movimento uniformemente acelerado o
autor cita um exemplo de queda livre. Nesse caso podemos fazer dois comentários. O
primeiro é o deslocamento do conceito de queda livre para dentro do tópico de
movimento uniformemente variado, muito parecido com o que temos hoje nos livros
didáticos. E segundo, que nenhum aparelho, como aqueles citados nos livros franceses,
portugueses e citado pelos autores brasileiros, foram expostos. Partiu-se somente de um
exemplo hipotético para a explicação do conteúdo.
“Ao deixar cair livremente um peso percorre durante o primeiro segundo um espaço de 4,9m. em direção vertical; durante o segundo segundo o caminho percorrido é de 14,7m., que somados com os 4,9 nos dá um total de 19,6. Durante o terceiro segundo o corpo percorre 24,5m., que somados aos 19,6 dá um total de 44,1., etc...”
(MAÑAS & BONVI 1927, p. 17)
52 Este autor é o tradutor do livro de W. Watson e já comentado anteriomente.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 119
Nos currículos da Politécnica também foi citado o autor G. Mahler53 (1926) e
encontramos com sua autoria o livro “Problemas de Física” que, como o próprio nome
se refere, é somente de exercícios e de todos os assuntos. Para os conceitos de
movimento e queda dos corpos são oferecidos no total 45 exercícios. A seguir
destacamos alguns exercícios como exemplos do tipo de abordagem dada pelo autor:
“1. Que espaço percorre um soldado de infantaria em 1,75 horas, sendo sua velocidade 1,7 m.?
8. Um pontão atravessa um rio de 54 m. de largura com uma velocidade v = 1,8 m. Ao chegar à margem oposta, foi arrastado 15 m. pela correnteza. Calcule a velocidade do rio.
15. Um trem rápido tem uma velocidade de 18 m. Freia-se e pára em 15 segundos. Calcular a aceleração negativa a e o espaço s que percorre o trem desde que começa a frear até quando pára”.
(MAHLER 1926, p. 7)
Há também exercícios sobre queda livre e lançamento de projéteis:
“85. A torre principal da Catedral de Ulm tem s = 161 m. de altura. Quanto tempo demora ao cair livremente desta altura? Com que velocidade chegará ao solo?
90. Se lança um corpo para cima com a velocidade v = 4 gr. Ao mesmo tempo, com a mesma velocidade e do ponto mais alto da trajetória de tal corpo, se lança outro para baixo. Quando e onde se encontrarão ambos os corpos?
110. Demonstrar que quando se lança um corpo para cima com uma inclinação qualquer, a velocidade em qualquer ponto de sua trajetória é a mesma que iria adquirir ao cair livremente desde a altura máxima da parábola até o ponto considerado”.
(MAHLER 1926, p. 20)
Na década de 40 uma grande quantidade de livros didáticos escritos por autores
brasileiros chegam ao ensino secundário. A algebrização como está colocada
anteriormente foi sendo incorporada lentamente. Encontramos livros com abordagens
experimentais, mas como não foram citados em nenhum documento oficial não
incluímos em nossa pesquisa. Acreditamos que os livros citados anteriormente
representavam uma tendência do conteúdo e influenciaram na abordagem da Cinemática
desenvolvidas pelos autores brasileiros. Isso mostra o papel importante da disciplina e
do livro didático, uma vez que são vias de acesso para a modificação de nosso ensino.
53 Consta na capa: G Mahler, professor de matemática e física do ginásio de Ulm.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 120
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como destacamos em todo este trabalho o foco principal foi expor a história de
um conteúdo escolar nos livros didáticos de Física adotados no ensino brasileiro.
Primeiramente destacamos o caráter complexo na história do livro didático e que
classificá-lo não é uma tarefa fácil devido às diferentes facetas. Depois ressaltamos o
forte vínculo da história de um conteúdo com a disciplina. Logo, compreendê-la é de
vital importância para o entendimento das influências sofridas pelo livro e que afetaram
seu conteúdo. Destacamos como marco principal para a disciplina de Física, o momento
em que se torna obrigatória nos preparatórios na década de 1880 começando, a partir
daí, a ser introduzida no ensino e a alterar o caráter exclusivamente humanístico-
literário. Exceção feita às escolas militares que, juntamente com o ensino médico, já
apresentavam as disciplinas Física e Química, porém somente no currículo do ensino
superior.
No que diz respeito ao conteúdo de Cinemática, partimos do início do século
XIX com os livros estrangeiros adotados no Colégio Pedro II e na Escola Militar.
Vimos que esses livros trazem em sua abordagem uma herança da Filosofia Natural
(VALENTE 1997) apresentando o conteúdo de uma forma descritiva a partir de
exemplos hipotéticos. Chamamos essa abordagem de “Física descritiva”. Outro
destaque importante é a figura do Ente Supremo na explicação dos fenômenos naturais
colocando sob sua responsabilidade o motivo das manifestações. Os livros brasileiros de
Meirelles (1856), Gama (1876), Gouveia (1902 e 1907) e os estrangeiros Barruel
(1798), Haüy (1810) e Guerin-Verry (1840) possuem o formato de lições, no qual a
ciência é descrita na forma de textos. Devemos lembrar que o livro de Gouveia (1902 e
1907) apresenta os mesmos conteúdos do livro de Ganot, porém sem os formalismos
matemáticos. Explicamos esse fato devido o livro de Gouveia (1902 e 1907) ser
destinado ao ensino secundário escolar e que na época não tinha um enfoque tão
profundo do ensino de Física com relação aos colégios anexos às faculdades.
Na metade do século XIX, percebemos uma mudança de abordagem nos livros
estrangeiros adotados no Brasil a partir da publicação dos livros de Langlebert, Ganot e
Nobre. Principalmente a partir dos livros de Ganot. Colocamos esse autor como o
grande responsável pela nova abordagem “descritiva-experimental”. A partir da
descrição dos aparelhos e aparatos físicos esses autores apresentam o conteúdo e
também as fórmulas do movimento. Destacamos como o principal motivo dessa
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 121
mudança as modernidades científicas que estavam acontecendo na época tornando-se
importante a descrição de aparelhos que estavam no cotidiano.
Além disso, destacamos os exercícios apresentados no apêndice como exemplos
de utilização dos conceitos abordados no conteúdo. O aparecimento dos exercícios
como metodologia para compreensão do conteúdo, se deve à renovação pedagógica de
1880 que, segundo Chervel (1990, p. 204):
“proscreve os exercícios passivos e dá preferência aos exercícios ativos. Nessa hierarquia, as práticas da memorização e da recitação do curso se situam preferencialmente num degrau modesto, e não é raro que a evolução se faça à suas custas. A terminologia pedagógica dá um testemunho disso. Assim, a palavra lição não designava, até o fim do século XIX, nada além de lição aprendida de cor e recitada em classe. Era então um equivalente exato de recitação, que designava o desempenho do aluno recitando em classe sua ‘lição’ de história, de catecismo, de gramática, etc”.
Já no início do século XX, surge uma nova abordagem do conteúdo. Ainda
baseado nos experimentos e aparatos físicos o conteúdo começa a ser tratado por meio
da álgebra ao invés da descrição. Consideramos esse período como o início da
algebrização do conteúdo de Cinemática. Chamamos esse momento de abordagem
“demonstrativa-experimental”. Outros autores brasileiros como Romano (1928) e Dias
(1920 e 1933) apresentam uma abordagem “demonstrativa-experimental” (e mais tarde
no Colégio Pedro II) e inclusive são sugeridos nos cursos introdutórios da Escola
Politécnica de São Paulo. Esses livros também tinham um enfoque similar aos livros
estrangeiros apresentando, algumas vezes, figuras idênticas.
Essa “importação” de conteúdos é apontada por Chervel (1990, p. 203), já que:
“em cada época o ensino dispensado pelos professores é, grosso modo, idêntico para a mesma disciplina e para o mesmo nível. Todos os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso. Os conceitos ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus de conhecimento, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações aproximadas. São apenas essas variações, aliás, que podem justificar a publicação de novos manuais e, de qualquer modo, não apresentam mais do que desvios mínimos: o problema do plágio é uma das constantes das edições escolares”.
Isso pode ser observado nos livros analisados quando dividimos a análise do
conteúdo em quatro momentos. Todos os livros de um mesmo momento são muito
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 122
similares e, quando surge um novo livro, com um novo enfoque, outros autores seguem
sua abordagem, aparecendo novos livros, porém similares.
Destacamos, também como um importante dado, nos livros brasileiros da década
de 1920 e 1930, o início da inclusão de exercícios como escolha metodológica. Essa
mudança provoca uma alteração permanente da exposição do conteúdo no livro didático
brasileiro. Essa influência não acontece somente no livro didático de Física. Nessa
mesma época Valente (1997, p. 192) comenta que:
“o livro didático de matemática passará obrigatoriamente, no desenvolvimento de seu texto, a incluir não mais exercícios como uma espécie de anexo. Os exercícios integrarão o próprio andamento da teoria escolar. A forma expositiva da apresentação da teoria escolar oriunda dos colégios dará lugar à forma redundante. Isto é, a pedagogia da escola, da prática dos exercícios, rompe com a forma expositiva que se caracteriza por evitar a redundância, a repetição. O texto escolar matemático dos colégios trás consigo a herança da forma precisa; com ela não havia necessidade de retomada de assuntos, de repetição de exercícios. Essa é a escrita própria dos matemáticos profissionais”.
Nos livros de Física os exercícios começaram fazer parte dos livros estrangeiros
como anexo. No conteúdo desses livros havia somente descrição e, dependendo da
época, desenvolvimentos matemáticos. A resolução da grande maioria dos exercícios
necessita de desenvolvimentos matemáticos. Exceção feita ao livro da editora FTD de
1912, o único livro a apresentar questionários como exercícios. Isso nos leva às provas
da Faculdade de Medicina no qual a grande maioria das questões são dissertativas, ou
seja, igual ao conteúdo dos livros, mas diferente dos exercícios propostos pelos
mesmos. Consequentemente nos cabe a seguinte pergunta:
Vimos que a Cinemática possui um caminho para a algebrização, mas quem é o
responsável por essa abordagem, os exames ou os livros didáticos?
Se considerarmos as provas da Faculdade de Medicina (dissertativas)
concluímos que o principal viés para a algebrização do conteúdo de Cinemática é o livro
didático. Acreditamos ser está pergunta muito importante porém, para respondê-la,
precisamos de mais pesquisas sobre o nosso cotidiano escolar e sobre os livros didático.
O que podemos afirmar é que os exercícios, a partir do momento que surgiram, tiveram
um caráter muito importante para o ensino. Sobre os exercícios Chervel (1990, p. 204)
comenta:
“Sem o exercício e seu controle, não há fixação possível de uma disciplina. O sucesso das disciplinas depende fundamentalmente da
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 123
qualidade dos exercícios aos quais elas podem apresentar (...) a redação ou a composição, a análise gramatical, a tradução do latim, o problema da aritmética, colocam em jogo a inventividade, a criatividade, a espontaneidade, ou o espírito de rigor nas deduções ou na aplicação das regras. Os exercícios podem então se classificar em uma escola qualitativa; e a história das disciplinas descobre uma tendência constante que elas apresentam melhorar a posição de suas baterias de exercícios (...) conteúdos explícitos e baterias de exercícios constituem o núcleo central da disciplina”.
Outro fator para acreditarmos no livro didático como o grande influenciador da
algebrização da cinemática são os livros de outras nacionalidades (italiano, inglês,
alemão etc) adotados no ensino brasileiro a partir da década de 1920 e o
desaparecimento dos livros franceses e portugueses que foram referência por todo
século XIX. Esses livros são adotados nos cursos anexos e introdutórios às escolas de
Engenharia. A abordagem desses livros é predominantemente algébrica e a partir de
exemplos hipotéticos. Esse é o último momento que detectamos.
Além da algebrização do conteúdo vale destacar o curso Fundamental da Escola
Politécnica de São Paulo, ministrado nos primeiros anos do curso de engenharia. Sua
aprovação era obrigatória para a continuidade dos estudos. Esse curso atuou no
remodelamento do conteúdo de Física, ou seja, tornou-o de uma forma que deveria
satisfazer as necessidades das disciplinas dos anos seguintes do curso de engenharia.
Sendo assim, o conteúdo adquiriu um caráter de cultura geral e a forma tradicional que
conhecemos hoje. Em 1931, com a Reforma Francisco Campos, é extinto o curso
fundamental e as disciplinas desse curso são, em sua maioria, introduzidas no ensino
secundário. São criadas séries especificas de humanas, exatas e biológicas já no
secundário. Na Escola Politécnica, por exemplo, é criado o Colégio Universitário que
adquire as mesmas funções do curso introdutório extinto. Finalmente a Física se
estrutura como disciplina escolar na função que conhecemos hoje e chega ao
secundário.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 124
BIBLIOGRAFIA
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1863, 1865, 1870, 1877, 1879, 1881, 1882, 1892, 1893, 1895, 1897, 1898, 1912,
1916, 1917, 1926, 1929, 1931, 1942 e 1951.
Bibliografia dos livros didáticos analisados
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 129
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O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 131
ANEXO 1
Programas curriculares do Colégio Pedro II
Os programas do Colégio Pedro II foram facilmente encontrados, sendo
elencado os conteúdos de todas as disciplinas. Por isso fizemos uma análise geral de
todas as informações encontradas relacionada à disciplina Física e uma análise
minuciosa do conteúdo da Cinemática. Os programas foram levantados baseando-se em
VECHIA & LORENZ, 1998 e nos programas originais do Colégio Pedro II,
encontrados na biblioteca do Colégio Pedro II. Durante sua vigência os programas
sofreram muitas mudanças. No caso dos programas do Colégio Pedro II houve pelo
menos 20 mudanças sendo reelaborado de acordo com os objetivos e interesses de cada
época. Esse colégio foi muito importante na construção do currículo brasileiro.
Principalmente nos anos de 1931, 1942 e 1951 quando, elaborados pelo Colégio Pedro
II e aprovados pelo Ministério da Educação e Saúde, serviram como referência nos
estabelecimentos de ensino secundário público de todo o país.
“Na portaria de 1951, notamos que os programas do ensino secundário brasileiro são elaborados por comissões designadas pelo Ministério da Educação e que após a reivindicação do Colégio Pedro II em elaborar seus próprios programas de suas matérias ensinadas, além da confirmação do pedido, este também passa a fornecer os programas oficiais aos demais estabelecimentos secundários do país”.
(PRADO 2003, p.49)
A implementação de cada programa ocorreu, na maioria das vezes, no mesmo
ano ou no ano seguinte ao da reforma conforme podemos observar na tabela abaixo:
Tabela A1.1: Programas curriculares do Colégio Pedro II Ano da Reforma
Ano do Programa Decreto/Portaria
1841 1850 1855 1856 Portaria de 24 de janeiro de 1856. 1857 1858 Decreto nº 2006 de 24 de outubro de 1857
1862 1862 Artigo 29 do regulamento de 24 de outubro de 1857 e Decreto nº 2883 de 1º de fevereiro de 1862
1862 1863 Artigo 29 do regulamento de 24 de outubro de 1857 e Decreto nº 2883 de 1º de fevereiro de 1862
1862 1865 Artigo 29 do regulamento de 24 de outubro de 1857 e Decreto nº 2883 de 1º de fevereiro de 1862
1870 1870 Decreto nº 4468 de 1º de fevereiro de 1870 1876 1877 Decreto nº 6130 de 1º de março de 1876
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 132
1878 1879 Art. 10 do regulamento anexo ao decreto nº 6884 de 20 de abril de 1878.
1881 1881 Art. 8 do regulamento anexo ao decreto nº 8051 de 24 de março de 1881
1881 1882 Conformidade com parágrafo 1º do art. 2º do decreto nº 8227 de 24 de agosto de 1881.
1890 1892 Art. 6º do regulamento de 22 de novembro de 1890. 1892 1893 Reforma de 28 de dezembro de 1892. 1894 1895 Decreto nº 1652 de 15 de janeiro de 1894. 1897 1897 Decreto nº 1652 de 15 de janeiro de 1894. 1897 1898 Regulamento nº 2857 de 30 de março de 1898 1911 1912 1915 1916 Decreto nº 11530 de 18 de março de 1915. 1915 1917 Decreto nº 11530 de 18 de março de 1915. 1925 1926 1929 1929 1931 1931 Art. 10 do decreto nº 19890 de 18 de abril de 1931. 1942 1942/46 Portaria Ministerial nº 170 de 13 de março de 1943 (Física) 1951 1951 Portaria nº 996 de 2 de outubro de 1951.
Os programas de ensino, de um modo geral, contêm informações sobre:
• os itens dos conteúdos de todas as matérias e sua distribuição nas séries ou anos,
podendo conter ou não o número de lições atribuídas a cada tópico.
• a carga horária semanal de cada disciplina.
• a referência do livro e autor utilizado nos respectivos anos.
A fim de deixar mais claro os livros adotados em cada ano organizamos a tabela
abaixo a partir dos currículos analisados:
Programa curricular Livro sugerido
1856 Guerin-Verry
1857 Saturnino Soares de Meirelles – Lições
Elementares de Física.
1862 Dr. Meirelles – Compêndio de Física
1863 Dr. Meirelles – Compêndio de Física
1865 Dr. Meirelles – Compêndio de Física
1870 Ganot - Traité Elementaire de Physique
1877 D. Pouille (d’ Amiens) – Lições Normaes
de Physica
1878 D. Pouille (d’ Amiens) – Lições Normaes
de Physica
1881 Ganot (última edição)
1892 Drion e Fernet
1893 Ganot
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 133
1897 Ganot
1926 Ganot
1929 Ganot; Dias; Romano
O primeiro programa curricular apresentado foi publicado em 1850 e é
considerado o primeiro documento curricular impresso para o Colégio Pedro II. O fato
de não haver nenhuma reforma até 1850 esse programa reflete os conteúdos estudados
desde o início do Colégio Pedro II (VECHIA & LORENZ 1989). Nesse programa o
conteúdo de Física está classificado juntamente com o programa de Química para o
sétimo ano. São tratados todos os conteúdos, porém sem nenhuma menção ao conteúdo
específico de Cinemática. O mesmo acontece no programa de 1856. As únicas citações
que se relacionam com o que nos interessa é o tópico “gravidade” (VECHIA &
LORENZ 1989, p. 7) e “demonstração do centro de gravidade” (VECHIA & LORENZ
1989, p. 30).
Nesse outro programa é citado o livro de “Guerin – Verry – Elementos de
Chimie, precédes de notions de Physique” (VECHIA & LORENZ 1998, p. 30). O livro
é de “Roch Théogéne Guerin (Guerin-Varry), publicado em 1833 e reeditado em 1840,
com o título de “Nouveaux éléments de chimie théorique et pratique à l’usage dês
établissements de l’université, precedes dês notions de physique nécessaires à
l’intelligence dês phenoménes chimiques” (1833)” grifos do autor (LORENZ 1984, p.
429). Nesse ano o programa de Física aparece, individualmente no segundo ano.
No programa curricular de 1858 são elencados 20 tópicos para o conteúdo de
Física no quinto ano. É também nesse programa que surge a primeira menção sobre o
conteúdo de Cinemática intitulado como “Noções sobre as forças e o movimento” e
“Lei da queda dos corpos – intensidade da gravidade” (VECHIA & LORENZ 1998, p.
61). Ambos os tópicos são repetidos no programa de 1862. Nesse outro programa é
citado o compêndio do Dr. Meirelles – “Lições Elementares de Physica” (Programa do
Colégio Pedro II 1862, p. 21). O conteúdo era ensinado no quinto ano com uma hora-
aula/semana de teoria e uma hora-aula/semana de experiência sendo, em ambos os
casos, juntamente com química. Com o intuito de dar ênfase aos estudos das riquezas
naturais do Brasil foram introduzidos textos e livros de autores do Colégio Pedro II,
justificando a exceção da adoção da única obra brasileira de Física no século XIX
(LORENZ 1984).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 134
Os programas de 1863 e 1865 apresentam conteúdos idênticos ao de 1862,
apenas com alterações nos horários e número de aulas, sendo todo o conteúdo ensinado
no quinto ano. Em 1863, Física possui somente 3 hora-aula/semana sendo que, em
1865, volta a ter 6 hora-aula/semana. Não há discriminação sobre as características das
aulas (teóricas ou experimentais), porém no sumário das instruções, que deve ser
observado pelos professores no ensino das matérias, fica bem definido o que deveria ser
feito:
“Os professores de Mathemática, Philosofia e das Sciências Naturaes devem exigir dos alumnos, além de lições, explicações, e experiências, feitas nas respectivas aulas, dissertações que tenhão relação com a matéria estudada...”.
(Programa do Colégio Pedro II 1863, p. 4)
No programa curricular de 1870, observamos um maior detalhamento nos
conteúdos elencados. Enquanto nos programas anteriores todo o programa era
apresentado em 16 tópicos, no programa de 1870 foram necessários 25 tópicos para
elencar os conteúdos. Apesar disso o conteúdo de Cinemática continua com a mesma
descrição superficial intitulado “Noções sobre movimento” e “Lei da queda dos
corpos”. Neste ano o número de aulas está discriminado em dois tipos de ensino:
internato e externato. São 3 horas-aula/semana e 2,5 horas-aula/semana
respectivamente.
O compêndio sugerido nesse programa é o “Traité élémentaire de Physique” de
Ganot (Programa do Colégio Pedro II 1870, p.46). Esse livro foi “publicado em 1851 e
três anos mais tarde foi ampliado passando a incluir conceitos de meteorologia. O novo
texto agora intitulado “Traité élémentaire de Physique experimentale et appliqueé et de
météorologie” (1851) teve dezoito reedições até o final do século. A 17ª edição foi
muito importante, visto que inclui experiências práticas e informações sobre os
materiais e instrumentos necessários para o desenvolvimento das mesmas. O segundo é
o “Cours de physique purement expérimentale, à l’usage des personnes étrangéres aux
connaissances mathématiques” (1859), que também passou por inúmeras edições até
1887. Dado o forte prestígio do Traité Élémentaire e o forte programa de matemática
desenvolvido no colégio, é possível que este tenha sido adotado na escola até a Reforma
de Benjamim Constant, quando foi substituído em 1898, novamente pela obra de Ganot
citada anteriormente” grifos do autor (LORENZ 1984, p. 431).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 135
No decreto de 1º de fevereiro de 1870 podemos perceber que a Física não tinha
um peso muito importante na época. No artigo 9 são publicadas as matérias que são
finais, ou seja, que necessitava de aprovação para ingresso no ano seguinte. Nesse caso
só aparecem as disciplinas Latim, Geometria e História Média. Segundo o artigo 10 a
aprovação nessas matérias eram muito importantes pois davam “os mesmos direitos que
as efetuadas perante a Inspetoria Geral da Instrução Pública” (Programa do Colégio
Pedro II 1870, p. 8).
No programa de 1877 o conteúdo de Física torna-se mais detalhado que o
anterior. Nesse programa a Física é ensinada no sexto ano, em um total de 30 tópicos e
ministrada uma hora-aula/semana por dia de Física e Química. O conteúdo de
Cinemática em particular ainda é bem reduzido no programa sendo citado apenas
“Generalidades sobre forças e movimentos, alavancas”. A queda livre não é citada
diretamente, mas acreditamos ser representada pelo tópico “gravidade, pêndulo, centro
de gravidade, equilíbrio dos corpos”. O livro citado é “Lições Normaes de Physica” de
D. Pouille (D’ Amiens) (Programa do Colégio Pedro II 1877, p. 59). Para esse autor e
sua obra adotada não foram encontradas informações concretas, mas LORENZ (1984)
acredita que, se o autor citado é o famoso professor da École Politéchinique Caude
Matthias Poulliet, a obra adotada no Colégio deve ser “Notions générales de physique et
de météorologie à l’usage de la jeunesse” de 1850.
No programa de 1879 não há muitas mudanças. Todo o conteúdo elencado é
idêntico ao programa anterior, com exceção de não estar incluído o último tópico
“Noções sobre instrumentos mais simples da óptica, fotografia e estereoscopia”. Uma
mudança nesse programa é que a Física volta a ser ensinada no quinto ano.
Nos programas de 1881 e 1882 mudanças consideráveis acontecem no currículo
de Física. Os programas apresentam uma descrição detalhada do conteúdo de Física e ao
todo são necessários 90 tópicos para descrever todo o conteúdo. Abaixo o trecho que
elenca o conteúdo de Cinemática:
“4. Movimento. Equilíbrio. Principio da Inércia. Principio da independência dos movimentos. Principio da igualdade da ação e reação.
5. Movimento de translação e rotação. Movimento Uniforme e sua velocidade. Movimento Variado e sua velocidade. Movimento Uniformemente Variado. Aceleração”.
(Programa do Colégio Pedro II 1881 e 1882, p. 48 e 21)
A queda livre é elencada separadamente:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 136
“9. Equilíbrio dos corpos. Leis da queda dos corpos. Plano inclinado. Machina de Atwood. Machina de Morin”.
(Programa do Colégio Pedro II 1881 e 1882, p. 48 e 21)
Para os exames finais de 1881, segundo decreto nº 8051 de 24 de março do
mesmo ano, há uma mudança na forma de avaliação pois “haverá para os exames finais
de Física e Química e nos de história natural uma prova prática, na qual, por tempo
nunca excedente de 5 minutos para cada examinado, mostrará o examinando os objetos
cujo reconhecimento lhe for exigido, respondendo às questões que lhe forem feitas a
semelhante respeito” (Programa do Colégio Pedro II 1881, p. 6). No programa de 1882
é observada a grade horária da época. Um grande número de aulas é destinado ao ensino
de Física, são 6 horas-aula/semana. O livro sugerido em ambos os programas é o francês
“Traité Élémentaire de Physique” de Ganot, última edição (programas do Colégio Pedro
II 1881 e 1882, p. 26 e 56) . No capitulo sobre a análise dos livros didáticos esse livro é
comentado com detalhes.
Posterior aos anos de 1881 e 1882 houve um decreto de 2 de outubro de 1886
muito importante para o ensino da Física. Nesse decreto é definido que a aprovação em
Física, e outras matérias, era necessária para matrícula na Faculdade de Medicina e os
exames deverão ser feitos “na ordem em que estas matérias se mencionam no plano de
estudos do Imperial Collegio de Pedro II” (exames gerais preparatórios 1886, p.6). É a
partir dessa data que o ensino de Física começa a ser exigido no exame de admissão das
principais Faculdades de todo o país.
No programa de 1892, novamente o conteúdo é alterado e com apenas 24
tópicos todo o conteúdo é elencado. Não há o nome do livro sugerido no programa,
sendo citado o nome dos autores “Drion e Fernet” porém no trabalho de Lorenz (1984,
p. 431) a obra é intitulada como “Traité de physique élémentaire, suivi de problèmes”.
Para a Cinemática observamos pela primeira vez nos programas curriculares o conteúdo
composição e decomposição de movimentos, uma vez que era presente nos livros e
ausente nos programas.
“2. Características gerais da matéria. Movimento: simples. Composição e decomposição de movimentos”.
(Programa do Colégio Pedro II 1892, p.21)
No tópico seguinte é citada a gravidade, porém não é destaca a queda dos
corpos:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 137
“3. Da gravidade – Peso dos corpos – condições de equilíbrio dos sólidos – balanças”.
(Programa do Colégio Pedro II 1892, p.21)
No programa de 1893 o conteúdo de Física é elencado por meio de lições em um
total de 42. Na terceira lição o conteúdo de Cinemática é citado:
“3ª LIÇÃO
a) Movimento simples – Composição e decomposição de movimentos – Dinamômetro – Diferentes expressões da Velocidade.
b) Leis físicas do movimento – máquinas simples e compostas – Trabalho e rendimento”.
(Programa do Colégio Pedro II 1893, p. 31)
Posteriormente é citada, pela primeira vez a Barologia, tópico que trata da
gravidade:
“4ª Lição
a) Da barologia: sua divisão em estática e dynâmica – centro de gravidade – direção da gravidade – equilíbrio dos corpos suspensos e apoiados.
b) peso relativo. Balanças”.
(Programa do Colégio Pedro II 1893, p. 31)
Nesse programa o ensino de Física, juntamente com química, era ensinado em 6
horas-aula/semana. Nesse programa o livro sugerido foi o “Traité Élémentaire de
Physique” de Ganot (Programa do Colégio Pedro II 1893, p. 36)
No programa de 1895 a Astronomia é inserida no ensino da mecânica. Intitulado
“Mecânica e Astronomia” seu ensino se resume a três partes, sendo na segunda parte
elencado o conteúdo de Cinemática:
“Estudo do movimento retilíneo
Estudo do movimento curvilíneo. Força centrífuga.
Movimento dos sistemas invariáveis.
Propriedades gerais do movimentos.
Idéias gerais sobre o movimento de rotação”.
(Programa do Colégio Pedro II 1895, p. 26)
Todo esse conteúdo foi elaborado para ao quinto ano. Curiosamente não foi
elencado o restante do conteúdo de Física nesse programa, o que foi encontrado
somente no programa do ano seguinte (1897), porém sendo ensinado no sexto ano. Para
a Cinemática temos:
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 138
“3ª LIÇÃO
a) Movimento simples – Composição e decomposição de movimentos – Dinamômetro – Diferentes expressões da Velocidade.
b) Leis físicas do movimento – máquinas simples e compostas – Trabalho e rendimento”.
(Programa do Colégio Pedro II 1897, p. 33)
Nesse programa de 1897 a astronomia continua com a mesma descrição para o
quinto ano. Ao todo são 42 lições, como nos anos anteriores, e nenhum livro é citado
para o ensino de Física no sexto ano. Para o ensino de Física em conjunto com a
Astronomia o compêndio citado é “Materiais para o estudo da Mecânica Geral” de
Eulálio da Silva Oliveira.
Além disso, no programa de 1897, a Física é ensinada no sexto e sétimo ano por
meio de revisões. Para o conteúdo de Cinemática do sexto ano são sugeridos
“Problemas sobre movimento retilíneo e curvilíneo” e para o sétimo ano, a queda dos
corpos sendo citada dentro do tópico “Barologia Dinâmica” (Programa do Colégio
Pedro II 1897, p. 71).
Iniciando esse período a partir do programa de 1898 observamos que o ensino
dos conteúdos de Física ainda é tratado em conjunto com astronomia. Nessa época o
ensino estava dividido em realista e clássico. No 5º ano do curso realista há 29 lições,
completando no 6º ano com mais 13 lições. Na 3ª lição é elencado o conteúdo de
Cinemática:
“3ª Lição
Summario: a) Movimentos simples – Composição e decomposição de movimentos – Dynamometro – Differentes expressões da velocidade; - b) Leis Physicas do movimento –Machina simples e machina composta – Trabalho e rendimento nas machina”.
(Programa do Colégio Pedro II 1898, p.31)
No 6º ano do curso realista o programa descreve na 5ª cadeira, mecânica e
Astronomia, sendo no tópico de mecânica (noções preliminares) descrita a Cinemática:
“Cinemática
Differentes espécies de movimento; lei do movimento; representação gráphica.
Do movimento Uniforme.
Do movimento uniformemente variado. Queda dos corpos.
Do movimento variado de um modo qualquer.
Theoria do movimento curvilíneo.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 139
Noções sobre o movimento de um systema material invariável.
Composição dos movimentos. Do movimento dos projéctis.
Noções sobre transformação dos movimentos”.
(Programa do Colégio Pedro II 1898, p. 45)
Nesse mesmo programa está descrito o programa de Física do curso clássico.
Elencado para o 7º ano tem uma abordagem mais resumida, totalizando 15 lições. Para a
Mecânica é sugerido uma recapitulação e desenvolvimento do programa do 6ª ano
[curso realista]” (Programa do Colégio Pedro II 1898, p. 60).
O próximo programa curricular analisado é de 1912 e, apesar dos conteúdos
serem elencados separadamente, Física e Química são apresentados juntos. Isso se deve
ao fato de que as duas disciplinas ainda eram ensinadas conjuntamente na sala de aula.
O conteúdo de Física é descrito em 40 tópicos com uma descrição detalhada de cada um
deles. Para a Cinemática temos:
“Preâmbulo sobre o estudo do movimento – Movimento simples e composto – Composição e decomposição dos movimentos – Classificação dos movimentos, sua expressão algébrica e geométrica – Trajectórias – Base lógica da mecânica – Leis physicas do movimento”.
(Programa do Colégio Pedro II, p. 18)
Podemos observar o tipo de abordagem do conteúdo sugerido pelo programa
curricular, quando ele cita “classificação dos movimentos, sua expressão algébrica e
geométrica”. Além desse conteúdo a queda dos corpos é citada separadamente na 11ª
lição:
“Barologia dynamica, seu objeto e divisão – Leis da queda dos corpos – Apparelhos de verificação...”.
(Programa do Colégio Pedro II, p. 18)
No programa de 1916, Física e Química são ensinadas na 4ª e 5ª série com 3
horas em cada uma. Para a 4ª série tem-se 40 lições, enquanto na 5ª série 60 lições,
totalizando 100 lições de Física! Apesar de extenso, pudemos observar nesse programa
e nos anteriores que os conteúdos citados são apenas os títulos do que se devem ser
trabalhado sem uma descrição detalhada. Para a Cinemática temos:
“4ª Lição
Movimento – Repouso – Inércia – Forças – Equilíbrio – Princípio da Inércia – Principio de independência de movimentos – Princípio de igualdade de acção e reacção.
5ª Lição
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 140
Movimento de translação e Rotação – Força centrífuga – Movimento Uniforme e sua velocidade – Movimento Variado – Movimento Uniformemente Variado e sua velocidade – Acceleração”.
(Programa do Colégio Pedro II, p. 76)
Além disso, separadamente, é citada na 9ª lição a queda dos corpos: “Leis da
queda dos corpos – Demonstração experimental” (Programa do Colégio Pedro II, p. 76).
Acreditamos que a “demonstração experimental” seja os aparelhos de Atwood e Morin,
presente inicialmente nos livros estrangeiros.
Também foi encontrado o programa curricular de 1917 e, para o conteúdo de
Física, os conteúdos e lições são os mesmos que o programa anterior.
O próximo programa curricular encontrado é de 1926. Os conteúdos de Física
estão elencados para o 4º e 5º anos por meio de tópicos. Em cada tópico é sugerido o
número de lições que devem ser realizadas para tratar os conteúdos. Para o 4º ano há um
total de 80 lições, sendo 12 lições destinadas ao estudo prático da Física. No 5º ano há
um total de 64 lições, totalizando 144 lições de Física em 2 anos de estudo. Nesse
programa é indicado o livro de “Ganot-Physique (última edição)” (ARICLE &
VECHIA 1998, p. 262). Observamos também que os conteúdos de Química não são
mais elencados conjuntamente com Física já que nessa reforma as disciplinas foram
separadas.
No caso do conteúdo de Mecânica são citadas 26 lições para trabalhar o tópico.
O conteúdo de Cinemática está diluído dentro do tópico da Mecânica:
“Mecânica (16 lições)
Concepção geral de Mecânica e sua definição. Base lógica da Mecânica: instituição da inércia e das forças”.
“Dynâmica
Theoria do movimento do ponto: movimento uniforme e variado, ponto livre e sujeito a mover-se sobre uma linha e uma superfície.
Movimento de systemas invariáveis e variáveis.
Apreciação summaria da theoria da rotação”.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 261)
No tópico Barologia é elencada a queda dos corpos:
“2ª parte Barologia Dynâmica
Movimento dos corpos sólidos sob a ação do peso. Queda dos corpos. Pêndulo. Determinação da intensidade da gravidade pelo pêndulo”.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 261)
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 141
O próximo programa é de 1929. Diferente do programa anterior, a Física é
elencada para o 4º, 5º e 6º anos. Numerados um a um os tópicos se somam em 43 para o
4º ano, 23 para o 5º ano e mais 23 para o 6º ano, totalizando 89 tópicos. Três livros são
indicados nesse programa: Physica – Ganot; Tratado de Physica – Raul Romano;
Elementos de Physica – Pádua Dias (VECHIA & LORENZ 1998, p. 307), todos já
analisados. Para a Cinemática temos:
“Cinemática. Movimento Uniforme. Velocidade. Movimento variado. Aceleração. Translação e rotação. Representações geométricas”.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 306)
Nesse programa é citada pela primeira vez a Barologia no qual é tratado, entre
outras coisas, da gravidade, peso dos corpos, balança, etc. A queda livre está elencada
nesse tópico:
“Queda dos corpos. Verificação experimental de suas leis”.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 306)
Posterior a esse programa chegamos à importante Reforma Francisco Campos
decreto 19.890 de 18 de abril de 1931. Nessa época o ensino está dividido em 5 séries.
Pelo que observamos na análise do programa curricular os conteúdos da 1ª e 2ª séries é
o das ciências, e aborda conteúdos de ensino fundamental como água, atmosfera, calor,
luz, seres vivos, etc. Para as 3ª, 4ª e 5ª séries são elencados conteúdos de Física do
ensino secundário. Nesse programa somente os tópicos são numerados, totalizando 6
capítulos, porém em uma análise geral a quantidade de tópicos é muito semelhante ao
programa curricular anterior. A mecânica é elencada para a 4ª série. Sobre a Cinemática
temos:
“I – Mecânica
Cinemática: movimento retilíneo, movimento curvilíneo de um ponto. Equação do movimento, velocidade e aceleração. Composição de movimentos.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 340)
No tópico Barologia é elencada a queda dos corpos:
Estudo da gravidade; queda dos corpos. Pêndulo. Medida de tempo”.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 340)
Como já vimos anteriormente por meio da Reforma Gustavo Capanema o ensino
secundário ficou dividido em clássico e científico. Por meio da portaria ministerial nº
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 142
170, de 13 de março de 1943 são expedidos os programas desses cursos. Pela análise do
currículo pudemos perceber que para o curso clássico a Física faz parte somente dos
segundo e terceiro anos, enquanto que no curso científico dos três anos. Observamos
também, que o currículo de ambos os anos são bem enciclopédicos tendo em cada
tópico uma descrição detalhada dos conteúdos. Para a Cinemática observamos que seu
conteúdo é tratado dentro do tópico “Energia Cinética” apresentando algumas
diferenças entre os cursos. A seguir transcrevemos na íntegra o programa curricular de
cada curso destacando em negrito as diferenças para uma melhor distinção. Para o curso
clássico temos:
“A ENERGIA CINÉTICA
Unidade XVIII – Cinemática: 1. Movimento Retilíneo Uniforme. Velocidade. 2. Movimento uniformemente Variado. Aceleração. Queda dos corpos no vácuo. 3. Movimento Circular Uniforme.
Unidade IX – Dinâmica: 1. Dinâmica das translações. Massa. Proporcionalidade entre força e a aceleração angular. 2. Teorema das forcas vivas. 3. Dinâmica das rotações e oscilações. Proporcionalidade entre o conjugado e a aceleração angular. Energia cinética de rotação. 4. Sistemas de unidades coerentes.
Fórmulas dimensionais. Legislação metodológica brasileira”.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 362)
Para o curso científico temos:
“A ENERGIA CINÉTICA
Unidade XVIII – Cinemática do ponto: 1. Movimento Retilíneo Uniforme. Conceito de Velocidade. 2. Movimento uniformemente Variado. Conceito de Aceleração. 3. Movimento Circular Uniforme. Velocidade angular.
Unidade IX – Dinâmica dos movimentos de translação: 1. Conceito de massa. Conceito vetorial de aceleração. 2. Proporcionalidade entre força e aceleração. 3. Teorema das forcas vivas. 4. Choque mecânico.
Unidade X – Dinâmica dos movimentos de rotação e oscilação: Movimento de inércia. Aceleração Angular. 2. Proporcionalidade entre conjugado e a aceleração angular. 3. Energia Cinética de rotação”.
(VECHIA & LORENZ 1998, p. 363)
O último programa curricular é de 1951 sendo elencado os programas por meio
da portaria nº 996 de 2 de outubro de 1951. Observando o currículo percebemos que a
Física se apresenta nas mesmas séries que o programa anterior, ou seja, segundo e
terceiro anos para o curso clássico e primeiro, segundo e terceiro anos para o curso
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 143
científico. A diferença está na distribuição dos conteúdos. Para o curso científico a
Cinemática passa a ser ensinada no primeiro ano, separadamente da energia cinética:
“3. Movimento retilíneo. Velocidade e aceleração. Gráficos. Composição de movimentos. Movimento circular”.
(VECHIA & LORENZ 1989, p. 404)
A queda dos corpos é tratada separado do conteúdo de Cinemática, juntamente
com a gravitação:
“5. Gravitação Universal. Gravidade. Peso e massa. Equilíbrio dos corpos. Balanças. Queda dos corpos. Pêndulos”.
(VECHIA & LORENZ 1989, p. 404)
Para o curso clássico a Cinemática é tratada no segundo ano, sendo a energia
cinética um item a ser tratado e não um tópico formado por conteúdos:
“2. Movimento retilíneo. Velocidade e aceleração. Gráficos. Movimento circular. Força e aceleração. Quantidade de movimento e impulsão. Energia cinética. Forças no movimento curvilíneo”.
(VECHIA & LORENZ 1989, p. 405)
A queda dos corpos é tratada da mesma forma que no programa do curso
científico:
“3. Gravidade. Peso e massa dos corpos. Pendulo. Sistemas de unidades. Legislação metrológica brasileira”.
(VECHIA & LORENZ 1989, p. 405)
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 144
ANEXO 2
O livro didático a partir de 1930
Como se percebe, a análise do livro didático não pode ser feita focando-se
somente no objeto livro. Seus determinantes e o contexto geral do sistema educacional
são fatores e condições que afetam e determinam o perfil e o caráter das obras. Dessa
forma podemos observar que o século XIX e início do século XX foi uma época
decisiva na formação do currículo e no perfil das obras brasileiras. Enquanto nessa
época o currículo era formado e o livro didático ganhava cada vez mais importância na
educação do país, sua história a partir de 1930 não passa de uma seqüência de decretos,
leis e medidas sendo a história desse período fortemente entrelaçada com a política. “A
partir deste período que se desenvolveu no Brasil uma política educacional consciente,
progressista, com pretensões democráticas e aspirando a um embasamento científico”
(FREITAG 1989, 12).
As primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado sobre o livro didático são
datadas de 1937. Nessa época foi criado o INL (Instituto Nacional do Livro), órgão
subordinado ao MEC, que tinha interesse em assegurar a distribuição de obras de
interesse educacional e cultural. No ano seguinte é criada a Comissão Nacional do Livro
Didático (CNLD) que tinha, entre outras funções, a de examinar e julgar os livros
didáticos ainda não existentes no país e indicar livros para tradução, ou seja, tinha muito
mais a função de um controle político-ideológico que propriamente uma função
didática. No artigo 20 desse decreto 1006/38 (OLIVEIRA 1984, 35) podemos observar
os onze impedimentos à autorização do livro:
• o livro que atente, de qualquer forma, contra a unidade, a independência ou a
honra nacional;
• que contenha, de modo explícito ou implícito, pregação ideológica ou indicação
da violência contra o regime político adotado pela Nação;
• que envolva qualquer ofensa ao Chefe da Nação, ou às autoridades constituídas,
ao Exército, à Marinha, ou às demais instituições nacionais;
• que despreze ou escureça as tradições nacionais, ou tente deslustrar as figuras
dos que se bateram ou se sacrificaram pela pátria;
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 145
• que encerre qualquer afirmação ou sugestão que induza o pessimismo quanto ao
poder e ao destino da raça brasileira;
• que inspire o sentimento da superioridade e inferioridade do homem de uma
região do país com relação ao das demais regiões;
• que incite ódio contra as raças e as nações estrangeiras;
• que desperte ou alimente a oposição e a luta entre as classes sociais;
• que procure negar ou destruir o sentimento religioso, ou envolva combate a
qualquer confissão religiosa;
• que atente contra a família, ou pregue ou insinue contra a indissolubilidade dos
vínculos conjugais;
• que inspire os desamos à virtude, induza o sentimento individual, ou combata as
legítimas prerrogativas da personalidade humana.
Em seus mais de 20 anos de atuação, o poder da CNLD é várias vezes
contestado. Mesmo assim o decreto 8460/45 consolida a legislação 1006/38
deliberando-a em três grandes blocos (FREITAG 1989, 14):
• deliberações relativa ao processo de autorização para adoção e uso do livro
didático;
• deliberações relativas ao problema de atualização e substituição dos mesmos;
• deliberações que representam algumas precauções em relação à especulação
comercial.
Em 1947, na gestão do ministério da educação de Clemente Mariani, há um
parecer jurídico a respeito da legalidade da CNLD dirigidos ao ministério da Educação
quanto à liberdade cátedra, de reforço à qualificação profissional do magistério, enfim à
reformulação do ensino pelo viés da pedagogia e não da política com estava
acontecendo à época por meio da CNLD (OLIVEIRA 1984).
No período da década de 50 até os anos iniciais da década de 80, as
manifestações políticas não aparecem de forma regular. Destacam-se principalmente nas
décadas de 60 e 70, quando convergem com relação ao alto custo a que chegam os
livros para as famílias pobres brasileiras. “Fala-se em comercialização da educação, da
industrialização da pedagogia, do truste dos livros, e do abuso da exploração daqueles
que procuram a educação” (OLIVEIRA 1984, 47).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 146
Nos anos 50, em particular, destaca-se a discussão do projeto do deputado
Aurélio Vianna proibindo a substituição do livro didático por 4 anos. Na época houve
quem colocasse a questão sobre outra perspectiva e segundo o deputado Ruy Santos, o
problema tem que ser resolvido pelos próprios órgãos técnicos do Poder Político
colocando livros didáticos a preços populares e evitar a série de exploração que vinha
sendo feita em torno do livro (OLIVEIRA 1984).
Na década de 60 as discussões parlamentares tratavam do mesmo assunto. Em
63 o deputado Braga Ramos salientava o fato que a renovação constante do livro
didático abria frentes para novas especulações comerciais. Os pronunciamentos na
época davam, quase sempre, indícios de uma padronização do livro ao que sempre era
relativo com os perigos de estatização, da oficialização e da excessiva centralização.
Em 1966 o Brasil teve uma política de financiamento de livro didático por meio
do acordo MEC/USAID (governo americano). Nesse convênio foi criado o Conselho do
Livro Técnico e Didático (COLTED) que tratou da distribuição dos livros nas escolas.
No decreto nº 59355 se torna clara sua função:
“Fica instituída, diretamente subordinada ao Ministério de Estado, a Comissão do Livro Técnico Didático (COLTED), com a finalidade de incentivar, orientar, coordenar e executar as atividades do Ministério da Educação e Cultura relacionadas com a produção, a edição, o aprimoramento e a distribuição de livros técnicos e de livros didáticos”54
(OLIVEIRA 1984, 53)
Nesse caso a COLTED compraria todo o estoque da produção que lhe
interessava já que o financiamento era farto devido ao acordo MEC/USAID. O interesse
era tanto do MEC (pois tinha limitações de recursos) como para o governo americano
(pois tinha interesse em impedir a doutrina comunista e manter um elo com o novo
regime estabelecido em 64). Devido a muitas irregularidades e principalmente ao caráter
comercial que adquiriu a COLTED em 1971 ela foi extinta transferindo toda a
responsabilidade (incluindo o pessoal, acervo e outros recursos financeiros) para o INL
(FREITAG 1989).
Para o INL foram estabelecidas atribuições de definir “diretrizes para a
formulação de programa editorial e planos de ação do MEC e autorizar a celebração de
contatos, convênios e ajustes com entidades públicas e particulares e com autores
tradutores e editores, gráficos, distribuidores e livreiros” (OLIVEIRA 1984 57). De 54 Nesse decreto há a mudança do termo “conselho” para “comissão”.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 147
todas essas atividades talvez seja o da co-edição o de maior relevância. Por meio do
Plano do Livro Didático (PLID), que foi criado devido a extinção do COLTED,
desenvolveu-se o Programa do Livro Didático – Ensino Fundamental (PLIDEF), Ensino
Médio (PLIDEM), Ensino Superior (PLIDES), Ensino Supletivo (PLIDESU) e Ensino
de Computação (PLIDECOM), que tinham a função de co-editar livros didáticos para os
respectivos níveis barateando os custos (OLIVEIRA 1984).
Em 1968 foi criada a Fundação Nacional de Material Escolar (FENAME) que
em 1976 sofreu modificações sendo encarregada de assumir o PLID até então
responsabilidade do INL (FREITAG 1989). Ao FENAME passou a ser competência:
a) definir as diretrizes para a produção de material escolar e didático e assegurar sua distribuição em todo o território nacional;
b) formular programa editorial;
c) executar os programas do livro didático e
d) cooperar com instituições educacionais, científicas e culturais, públicas e privadas, na execução de objetivos comuns.
(MEC/FENAME. Programa Nacional do Livro Didático. Brasília, 1976 apud FREITAG
1989).
Esse programa tinha como objetivo auxiliar o país em seu desenvolvimento de
assistência ao alunado carente de recursos financeiros (FREITAG 1989). Em 1983 foi
criado a FAE (Fundação de Assistência ao Estudante) onde foram reunidos vários
programas de assistência do governo como o PLIDEF e o PNAE (Programa Nacional de
Alimentação Escolar). Apesar de amplos poderes e centralização na FAE esta fundação
nunca chegou a ter poderes como a CNLD e a COLTED.
Em 1985 foi criado o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) que tinha como
principal orientação a escolha do livro no âmbito da escola. Esta escolha era feita com a
participação dos professores do ensino do fundamental após uma análise, seleção e
indicação dos títulos. O Plano tinha por objetivo a universalização do atendimento a
todos os alunos do ensino fundamental e fornecimento de livros reutilizáveis para
adoção (NABIHA 2001).
Em 1993 foi instituído um grupo de trabalho encarregado de analisar a qualidade
dos conteúdos programáticos e os aspectos pedagógicos-metodológicos de livros do
ensino fundamental publicados em 1991. Nessa avaliação, muitos problemas foram
identificados pelas equipes responsáveis. Problemas que iam desde gráficos
inadequados à boa leitura até erros conceituais (NABIHA 2001).
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 148
Segundo Nabiha (2001, p. 02) “em face dos resultados desses estudos, a questão
[da adoção de livros didáticos] passa a ter uma relevância social suficiente para
demandar a atuação do Estado, não mais apenas sobre sua acessibilidade e
disponibilidade, mas também sobre sua qualidade material, de conteúdo conceitual e
pertinência social”.
Assim, passou-se a ter indicadores qualitativos para subsidiar o início do intenso
processo de avaliação do livro didático a partir de 1996. Nesse ano também são
incorporadas ao processo outras duas etapas de caráter pedagógico: a avaliação e, mais
recentemente, a orientação para os professores escolherem os livros didáticos (PNLD
1997, PNLD 1998, PNLD 1999, PNLD 2000, PNLD 2002, PNLD 2004, PNLD 2005).
Esse novo PNLD classificou os livros, nas suas primeiras avaliações, com uma, duas ou
três estrelas, numa representação de sua qualidade55. Sendo assim, o Guia do livro
didático era distribuído a todos os professores do ensino fundamental pretendendo
informar as características dos livros para que na hora da escolha, o professor optasse
pelo livro que melhor se adequasse às suas necessidades (MATTOS et al. 2002).
Em 1998, foram estabelecidos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que
serviram como referência de reorientação curricular do ensino fundamental e como um
guia da política educativa no Brasil, buscando estabelecer um referencial curricular para
todo o país (MATTOS et al. 2002). Em 2000 foram publicados os Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2000) e mais tarde o
PCN+ (BRASIL, 2002) com o mesmo objetivo dos PCN, porém para o ensino médio.
Nessa cronologia da história do livro didático é possível observar os vários
interesses políticos e ideológicos que setores governamentais e agentes sociais exercem
no livro didático. Fracalanza (1993, 43) apresenta um quadro descritivo das múltiplas
influências que diversos segmentos exercem sobre o livro didático no Brasil:
55 Os livros aos quais foram atribuídas três estrelas eram considerados “Recomendados com distinção”, aqueles que receberam duas estrelas eram considerados "Recomendados", e os livros que receberam uma estrela eram aqueles "Recomendados com ressalvas".
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 149
Tabela A2.1: Quadro descritivo das múltiplas influências sobre o livro didático no Brasil
Instituições Segmentos Ações
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS (Executivo-Legislativo)
Políticos – Governantes – Membros de Equipes
Técnicas
ELABORAM E/OU EXECUTAM NORMAS E POLÍTICAS PÚBLICAS DE:
• Seleção de títulos e censura • Padronização e editorial • Financiamento à produção/
distribuição das obras • Financiamento de estudos e pesquisa.
EDITORAS Editores e autoras
EXECUTAM AÇÕES DE: • Produção editorial • “Marketing” • Pressão para a definição de normas,
políticas e ações públicas.
ESCOLAS Técnicos – Professores –
Alunos e pais
EXECUTAM AÇÕES DE:
• Seleção/avaliação • Utilização • Produção de propostas alternativas
ao LD ou ao seu uso no ensino.
GRUPOS/IES OU INSTITUIÇÕES DE PESQUISAS
Pesquisadores
EXECUTAM AÇÕES DE: • Produção de propostas
metodológicas e/ou de material alternativo
• Assessoria à elaboração de propostas curriculares
• Atualização de professores em conteúdos e metodologias
EXECUTAM TAMBÉM: • Análise e divulgação de diversos
aspectos relacionados ao LD.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 150
ANEXO 3
Outros currículos encontrados na escola politécnica
Além dos currículos específicos dos cursos da Escola Politécnica, em seu
arquivo histórico foram encontrados dois currículos de outras instituições. Não temos as
informações da forma como eram usados pelos professores, mas sabemos que
representavam a tendência da época já que eram de importantes estabelecimentos de
ensino.
Um deles é o Colégio de Minas de Ouro Preto de 1905. O conteúdo está
elencado para a 3ª Cadeira do 1º ano do Curso fundamental e contém: propriedades
gerais da matéria (com alguns conceitos de mecânica), calor e óptica em um total de 7
páginas! Sobre o conteúdo de nosso interesse temos:
“Propriedades essenciais da matéria. Noções de mecânica: cynemática, estática, dynâmica. Unidades absolutas. Systemas. C G.S.
Gravidade.
Acção da gravidade sobre os corpos. Direcção da gravidade. Definição do peso e do centro de gravidade dos corpos. Leis da queda dos corpos. Machina de Atwood. Plano inclinado. Apparelho de Morin - Pêndulo. Movimento do pendulo simples. Caso das pequenas oscilações. Fórmula. Conseqüências tiradas da formula. Pendulo composto.
Determinação da acceleração devida a gravidade – Balança. Condições geométricas de justesa e de sensibilidade. Realisação pratica dessas condições. Balanças de precisão. Dupla fenda.
Propriedades geraes
Impenetrabilidade – Extensão; apparelho de medida. Compressibilidade. Divisibilidade – constituição da matéria”.
(Programa da Escola de Minas 1905, p.1)
Outro documento encontrado na Escola Politécnica é o “Programa das diversas
disciplinas do gynásio do Estado em Ribeirão Preto” de 1922. Nele todo o programa de
Física é elencado para o 5º e 6º anos em um total de 80 itens. Para o conteúdo de
Cinemática e as propriedades gerais temos:
“4- Propriedades essências dos corpos: extensão e impenetrabilidade. Propriedades geraes: divisibilidade, porosidade, compressibilidade, elasticidade, mobilidade e inércia. Propriedades particulares: estado physico, cor, brilho, etc; dureza, forma chistallina, etc; sabor e odor. Divisão da physica: Mechanica em geral ou abstracta; gravidade comprehendendo a mechanica dos
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 151
sólidos, mechanica dos líquidos (hydrostática) e mechanica dos gases (pneumática). Somnologia e acústica. Thermologia-Photologia ou Óptica-Electrologia e Magnetismo- Metheorologia e Climatologia.
5- Noções de Mechanica geral. Definição da Mechanica. Princípios fundamentaes da mechanica; leis de Galileu, de Kepler e de Newton. Divisão da Mechanica em Cinemática ou estudo dos movimentos; Estática ou estudo das forças em si; Dynamica ou estudo das forças e suas relações com os movimentos produzidos.
6- Movimento. Sua relatividade. Ponto Material. Vector. Trajectoria, direccção e velocidade. Divisão dos movimentos. Quanto a trajectoria e direcção: rectilineo e curvilíneo; translação, rotação e helicoidal. Quanto a velocidade: uniforme e variado.
7- Movimento rectilíneo uniforme. Sua equação e representação. Movimento variado: Acceleração e retardação. Equação e representação do movimento uniformemente variado. Movimento curvilíneo. Movimento circular uniforme. Sua equação. Movimento periódico simples, oscilações. Período e freqüência. Movimento de rotação e translação”.
(Programa do Gynasio do Estado de Ribeirão Preto 1922, p. 38)
Sobre a Barologia o currículo apresenta:
“Barologia
11- Gravitação Universal. Leis de Kepler. Gravidade, lei de Newton. Direcção da gravidade, fio de prumo. Definição da vertical e horizontal. Centro de gravidade dos corpos homogêneos. Determinação empírica do centro de gravidade dos corpos. Equilíbrio dos sólidos.
12- Intensidade da gravidade. Peso de um corpo. Peso absoluto e relativo. Cousas da variação da intensidade. Força centrifuga, suas leis e formulas.
13- Balança, sua theoria. Diversos typos de balanças. Balança ordinária e de Roberval. Methodo de pesagem. Condições de pressão e de sensibilidade.
14- Queda dos corpos. Leis de Newton. Tubo de Newton, martello d’água, machina de Atwood e do general Morin, plano inclinado de Galileu. Expressão das leis da queda dos corpos; leis dos espaços e das velocidades verificadas pela experiência. Resistência dos fluídos aos movimentos. Queda dos corpos no ar. Velocidade limite de um corpo que cahe no ar”.
(Programa do Gynasio do Estado de Ribeirão Preto 1922, p. 38)
Além disso, é apresentado o programa de Mecânica e Astronomia com 14 itens
para cada um. Nesse caso, sobre o conteúdo de Cinemática temos:
“2- Lei da persistência dos movimentos. Movimento uniforme.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 152
3- Lei da coexistência dos movimentos. Composição dos movimentos.
4- Lei da acção e reacção. Noção de massa. Theoria dos choques.
5- Movimento variado. Movimento uniformemente variado. Lei da queda dos corpos. Movimento circular”.
(Programa do Gynasio do Estado de Ribeirão Preto 1922, p. 36)
No final desse currículo é citado como livro adotado Physica de Langlebert. Esse
livro foi provavelmente adotado no Colégio Pedro II pois “O livro adotado pela
disciplina de Química da mesma cadeira Physica e Chimica é a obra do francês Joseph
Langlebert; o de Física muito provavelmente também é, como todos os outros, Francês”
(SAMPAIO 2004, p. 78).
Nesse último currículo podemos observar a extensão do conteúdo de mecânica e
as inúmeras citações aos conteúdos correspondentes à Cinemática, isso é um reflexo de
como a mecânica já ocupa certo espaço no ensino brasileiro. Também pelo livro citado
de Langlebert podemos perceber que a Física abordada se assemelha muito do enfoque
atual no qual são apresentadas figuras, extenso conteúdo, forte base matemática e
exercícios.
ANEXO 4
A tabela está dividida pelos anos e os respectivos dias que foram realizadas as
provas. Cada grupo de conteúdos representa grupo de provas encontradas, ou seja,
quando em um ano são apresentados mais de um grupo de conteúdo, foram organizadas
turmas que faziam as provas em dias diferentes e, evidentemente, as provas possuíam
conteúdos diferentes. Em alguns casos foram encontrados mais de 3 provas em um
grupo. Acreditamos que sejam provas substitutivas para alunos que perderam provas ou
não atingiram notas suficientes nas provas titulares.
Conteúdos das provas da Faculdade de Medicina
ANO DISCIPLINA CURSO CONTEÚDO 1913 Física Médica Preliminar 16/jul Capilaridade, Isotonia, Colóides orgânicos
11/ago 4 exercícios de ótica (foto) e 1 questão de calorimetria (foto) Indução magneto-electrica Dissociação electrolítica
27/out Cataphorese
11/jul 4 Exercícios de lentes (cálculo e construção gráfica)
Estudo dos elementos indispensáveis à construção do dioptro equivalente ao dioptro que forma o globo ocular
Ângulo refringente de um prisma
1/out
Ângulo de desvio de um prisma
1914 Física Médica Preliminar Limites dos sons perceptíveis Sons equimoleculares, concetração molecular Variação da pressão atmosférica
15/jul
Dissolução dos gases, suas aplicações 9/set Calorimetria e suas aplicações no estudo do calor animal Prismas à reflexão total, suas aplicações Acuidade Visual
22/out unidades elétricas
14/mai Definição de unidades electricas, antrophometria (ponto 1) força, aceleração da gravidade
O que é trabalho mecânico? Sua fórmula; efeitos das balas modernas nos organismos
14/mai
Qual a densidade normal da urina? Causas da submersão do corpo na água
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 154
Qual a pressão sanguínea média. O que é pulso? Quais os sygnais physicos pelos quais se manifesta systale neutricular cardiaca?
Qual o número normal de pulsação em um minuto? Machina acustica
17/jul Influência da variação atmosférica sobre o organismo
9/set Propagação de calor. Variação da temperatura nos homens e animais Reflexão e Refração da luz Formação das imagens no globo ocular Unidades electricas e fórmulas visuais
23/out Composição da luz e das cores dos objetos. Acromatismo, Resistência e suas aplicações
1915 Física Médica Preliminar 15/abr Transmissão das pressões no interior das massas liquidas. Demonstração do teorema de Pascal.
15/abr Trabalho da gravidade quando, por exemplo, um corpo de peso P cai de uma altura H
11/jun Descontinuidade das colunas liquidas nos capilares. Absorção dos gases pelos líquidos. Difusão. Suas aplicações.
31/ago Causas que influenciam sobre os poderes refletores, absorventes e emissão dos corpos pelo calor. Calor específico dos gases
26/out 2 exercícios de calculo da imagem no espelho côncavo e 1 exercício da 2ª lei de ohm 17/abr Demonstração teórica dos corolários do princípio de Pascal 14/jun Tensão superficial nos tubos capilares
14/jun Difusão dos gases. Sua absorção pelos líquidos. Principio de Arquimedes aos gases. Determinar a tensão no recipiente da máquina pneumática após um movimento do êmbolo
Dilatação e densidade dos líquidos Teoria da ebulição
31/ago Tensão dos vapores
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 155
26/out Microscópio simples e 1 exercício da 2ª lei de ohm
1916 Física Médica Preliminar 11/abr Elasticidade dos corpos sólidos. Trabalho das forças. Suas aplicações ao estudo do papel que representa a elasticidade dos choques
13/jun Difusão dos gases. Sua absorção pelos líquidos. Principio de Arquimedes aos gases. Determinar a tensão no recipiente da máquina pneumática após um movimento do êmbolo
29/ago Vapores: sua tensão e mistura com os gases. Higrometria. 10/out Prismas e espelhos curvos. Seus estudos sob o ponto de vista da ótica médica.
1917 Física Médica Preliminar 30/abr Dinâmica. Principio fundamental da mecânica e seus corolários. Elasticidade dos corpos sólidos e suas aplicações
12/jun Imbibição capilar dita constitucional dos corpos orgânicos. Dissolução dos sólidos, suas propriedades e concentração molecular
14/set Qualidade do som e fenômenos físicos da audição
31/out Aplicações das lentes biconvexas ao estudo da ótica fisiológica. Fenômenos electro chimicos
1918 Física Médica Preliminar Quais as fórmulas do movimento uniformemente variado
Como são as mesmas deduzidas Trabalho. Força Viva
16/abr
Força centrífuga, suas leis 3/set Corolário a tirar da lei de Dalton sobre a mistura dos gases e vapores Definir peso específico e densidade. Dar as respectivas fórmulas
16/out Pelo processo da balança hidrostática encontrou-se para o chumbo a densidade de
11,35. Demonstrar qual a razão porque a densidade pode ser confundida com o peso específico da substância
21/1/1919 Indução geral
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 156
1919 Física Médica Preliminar 11/jun Elasticidade dos corpos sólidos. Dissolução dos sólidos e dos gases líquidos. Suas aplicações
19/set Termogenese. Regulação Térmica 22/out Higrometria. Corrente elétrica
1920 Física Médica Preliminar Explicação da tensão superficial Imbibição constitucional das substâncias orgânicas
14/abr Membranas asmáticas e pressão asmática
23/ago Aberração dos espelhos e das lentes, acuidade visual,ângulo limite, dioptria, espectro dos gases e dos vapores incandescentes
Definição da capacidade. Definição da unidade de capacidade
27/out Resistências em derivações. Leis a elas aplicadas. Leis da eletrólise. Corrente de
indução e suas leis
14/abr Tensão superficial. Emulsões. Propriedades das soluções dependente da concentração molecular
24/ago Acromatismo dos prismas e das lentes, cor dos corpos, coloração por difusão e por transparência. Campo visual.
Como avaliar a potência e a energia absorvida em um condutor O que são correntes de polarização? Quais são as aplicações das ações eletromagnéticas?
28/out
O que se deve entender por força eletromotora das extra correntes
1921 Física médica Preliminar 8/jun Tensão superficial. Imbibição capilar e constituição das substâncias orgânicas 12/set Exercício sobre associação de espelhos (60°) 10/nov Tensão e quantidade. Derivações. Eletromagnetismo 6/jun Dissolução. Suas propriedades características. Pressão osmótica 9/set Exercício de ótica (calcular posição da imagem) 10/nov Resistência. Potencial. Efeitos químicos das correntes elétricas
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 157
10/jun Hidrodinâmica. Teorema de Torricelli. Escoamento dos líquidos nos tubos retilíneos e nos tubos capilares
14/set Acuidade visual. Ângulo limite 10/nov Tensão e quantidade. Derivações. Eletromagnetismo
1922 Física Médica Preliminar 26/abr Trabalho e força viva. Papel da elasticidade nos choques 9/jun concentração molecular. Pressão osmótica. Cryoscopia. 12/jun Tensão superficial. Teoria dos gases 12/out Refração da luz pelos prismas. Aplicações 8/nov Termogenese. Indução
1923 Física Médica Preliminar 4/mai Imbibição constitucional das substâncias orgânicas. Osmose 11/jun Pressão atmosférica. Sua aplicação ao estudo físico da respiração 19/set Lentes convergentes. Aplicação à Medicina 29/out Efeitos magnéticos das correntes elétricas. Resistência
1924 Física Médica Preliminar Demonstração do teorema de Torricelli
28/abr Escoamento dos líquidos nos tubos retilíneos e nos capilares
9/set Mistura, dissolução dos gases: sua aplicação ao estudo da respiração 27/out Indução eletromagnética 21/out RELATÓRIO (ALGUNS DATILOGRAFADO): Termodinâmica e termogenese
1925 Física Médica Preliminar 2/jun Imbibição constitucional das substâncias orgânicas e colóides 29/out Higrometria. Termodinâmica 1/nov liquefação dos gases aparelhos empregados 7/nov Resistência elétrica. Unidade de resistência. Lei de Ohm
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 158
10/nov EXAME PRÁTICO: Experiência para demonstrar a diferença dos calores específicos nos sólidos
s/d Calorimetria. Calor específico dos líquidos e dos sólidos. Método de determinação
VESTIBULAR
1926 Física vestibular 3/mar Capilaridade, seus efeitos, leis dos fenômenos capilares. Difusão, osmose, diálise (ponto 2)
Física Médica 1° ano 22/jun Osmose e diálise Física Médica 1° ano 16/out Eletrólise, ionização, suas aplicações
Física vestibular 3/mar Capilaridade, seus efeitos, leis dos fenômenos capilares. Difusão, osmose, diálise (ponto 2)
Física Médica 1° ano 19/jun Influência da pressão atmosférica sobre a vida. Compressão e descompressão Física Médica 1° ano 14/out Eletromagnetismo, indução. Correntes farádicas, meios de produção (ponto 8)
1927 Física vestibular 3/mar Som, propagação do som, velocidade, produção. Qualidade do som Física Médica 1° ano 21/jul Estática e locomoção do corpo humano Física Médica 1° ano 18/out Natureza e propriedade dos raios catódicos
1928 Física vestibular 1/mar Leis da refração, ângulo limite, reflexão total. Espectroscopia, espectro de emissão e absorção. Fraunhofer
Física Médica 1° ano 23/jun Osmose. Analogia dos corpos dissolvidos com os corpos gasosos. Determinação da concentração molecular com a cryoscopia (ponto 6)
Física Médica 1° ano 25/out Fenômenos físicos da respiração. Pneumografos. Ventilação pulmonar. Capacidade vital pulmonar. Capacidade vital (ponto 22a)
1929 Física vestibular 2/fev Leis da refração. Ângulo limite. Reflexão total. Construção das imagens produzidas pelas lentes divergentes. Aberração cromática
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 159
Física vestibular 2/fev Definir peso absoluto e peso relativo. Condições de sensibilidade e justeza de uma balança. Métodos de pesar. Determinação de densidade dos líquidos pela balança hidrostática.
Física médica 1° ano 10/jun Marcha. Movimento dos membros inferiores. Principais noções musculares do membro oscilante e de apoio. Relações entre a velocidade da marcha e o comprimento do passo. Diferença entre a marcha e a carreira.
Física médica 1° ano 31/out Natureza e propriedades dos raios catódicos (comparação entre raios catódicos e raios X)
1930 Física vestibular 1/fev Unidades de temperatura e calor. Princípios fundamentais da calorimetria. Diferentes métodos calorimétricos (ponto2)
Física vestibular 4/fev Dispersão da luz. Espectroscopia. Espectro de absorção. Dupla refração. Polarização da luz. Polarímetros (ponto 12)
Física médica 1° ano 11/jun Solução eletrolítica. Íons. Transporte de íons. Ionsterapia.
1931 Física vestibular 5/fev Aplicação dos barômetros. Estados higormétricos do ar. Higrômetros.
Física vestibular 4/fev Condições de sensibilidade e justeza de uma balança. Métodos de pesar. Densidade absoluta. Densidade relativa, sua determinação pela balança hidrostática.
Física vestibular 10/fev Distinção entre calor e temperatura. Coeficiente de dilatação dos corpos sólidos, suas determinações. Leis de Gay-Lussac sobre a dilatação dos gases
Física médica 1° ano 29/out Propriedades óticas e químicas dos raios X. Absorção dos raios X. Radiocroismo. Leis de Benoit.
Física médica 1° ano 10/jun Quais os processos para o reconhecimento da polaridade de uma máquina estática. Determinação do centro de gravidade do corpo humano. Descrever o movimento dos membros inferiores durante a marcha.
1932 Física vestibular 29/jan Determinação da densidade dos líquidos. Refração simples. Ângulo Limite de refração. Indução eletromagnética.
Física médica vestibular 1/fev Queda dos corpos. Determinação do valor de g. Tensão máxima de vapores e sua medida. Higrometria. Leis de Ohm, medida da resistência de um condutor.
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 160
Física médica 1° ano 18/jun Composição de movimentos vibratórios. Difração nas grades. Medida da distância focal de uma lente
1933 Física vestibular 1/fev
Composição das forças resultantes de um sistema de forças concorrentes. Composição de forças paralelas. Reflexão da luz. Formação de imagens com espelhos planos e com espelhos esféricos. Leis de Ohm. Lei de Joule. Campo magnético de uma corrente retilínea, de uma corrente circular.
Física vestibular 1/mar
Propriedades gerais da matéria, estados de agregação. O estado sólido. Cristalização. Dureza. Atrito. Tensão, solidificação, calor de fusão. Estudo elementar do microscópio. Traçado geométrico da fórmula de imagem com o microscópio. Focalização.
Física médica 1° ano 19/jun Idéias gerais sobre o movimento das moléculas no caso de um gás perfeito. Significado de temperatura. Zero absoluto. Definição de liquido perfeito. Significado do teorema de Bernoulli. Compressibilidade dos líquidos. Noções de viscosidade.
Física médica 1° ano 31/out
Leis fundamentais da cristalografia. Explicação pela concepção de uma rede cristalina. Composição de dois movimentos harmônicos simples do mesmo período, efetuando-se na mesma direção. Regra de Fresnel. Reflexão em concordância ou em oposição de fase. Explicação desses dois casos com um exemplo concreto.
COLÉGIO UNIVERSITÁRIO
1934 Física 1° ano 1/fev Barômetros e micrometros metálicos
1° ano 26/nov
Que movimento se atribui às moléculas nos gases perfeitos? Dizer porque. Leis gerais da vaporização: diagrama PT. Explicação da existência faces planas, de direções de clivagem natural e da lei de Romé de L`Isle segundo a teoria da rede cristalina.
1° ano 10/dez Composição de forças concorrentes. Definir ligações e deslocamento virtual. Trabalho virtual. Quais são os dois principais sistemas de unidade mecânica baseado na equação fundamental da Dinâmica (expressão 2° princípio)
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 161
1935 Física 2° ano 17/jun Espectro de absorção. Regra de Kirchhoff. Polarização retilínea da luz mediante reflexão. Principio das dosagens polarimétricas
Física 2° ano 6/nov Equilíbrio de um corpo rígido móvel em torno de um ponto fixo. Vibração das cordas. Lei de Mersenne. Problema: Calculo do trabalho.
Física 2° ano 8/nov Resistência dos fluídos ao movimento dos corpos imersos. Mecanismo da corrente elétrica nos condutores de 2ª classe. Corrente senoidal
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 162
ANEXO 5
Tabela de classificação dos livros
Tabela A5.1a: Tabela de classificação dos livros. Palavra
Cinemática Mobilidade Fundamentos da Cinemática Mov. Uniforme Mov. Unif. Variado
Ano Autor Usa
Não usa
Nas PGM
Na Mecân.
Não Possui isolado
Na Mecân.
Não possui isolado
Na Mecân.
Não possui isolado
Na Mecân.
Não possui
1798 BARRUEL X X X X X
1810 HAUY X isolado X Na
mobilid.
Na mobilid.
1840 GUERIN-VARRY
X X X X X
1856 MEIRELLES X X X X X
1868 GUEDES X X X X X
1870 JAMIM X X X X X
1872 GANOT X X X X X
1876 GAMA X X X Na PMG Na PMG
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 163
1880 DRION e
FERNET * X --- --- --- --- --- --- X X
1892 LANGLEBERT X X X X X
1894 GANOT X X X X X
1896 LANGLEBERT X X X X X
1896 NOBRE X X X X X
1901 MURANI X X X X X
1902 GOUVEIA X X X X X
1904 LANGLEBERT X X X X X
1904 NOBRE X X X X X
1907 GOUVEIA X X X X X
1912 FTD X X X X X
1911 NOBRE X X X X
1920 DIAS X X X X X
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 164
1923 GANOT X X X X X
1926 MAHLER (exercícios) X X X X X
1927 FTD X X X X X
1927 MAÑAS e
BONVI X X X X X
1928 ROMANO X X X X X
1932 WATSON
(trad. Mañas & Bonvi)
X X X X X
1933 DIAS X X X X X
1934 NOBRE X X X X X
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 165
Tabela A5.1b: Tabela de classificação dos livros. Cinemática vetorial
(hodógrafo) Queda livre Movimento Circular Composição de mov.
Ano Autor isolado
Na mecân.
Não Possui
isolado Na
Mecân. Não
possui Isolado
Na Mecân.
Não possui
isolado Na
Mecân. Não possui
1798 BARRUEL X X X X
1810 HAUY X X X X
1840 GUERIN-VARRY X X X X
1856 MEIRELLES X X X X
1868 GUEDES X X X X
1870 JAMIM X X X X
1872 GANOT X X X X
1876 GAMA X X Na PGM X
1880 DRION e
FERNET * --- --- --- X --- --- --- --- --- ---
1892 LANGLEBERT X X X
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 166
1894 GANOT X X X X
1896 LANGLEBERT X X X X
1896 NOBRE X X X X
1901 MURANI X X X
1902 GOUVEIA X X X X
1904 LANGLEBERT X X X X
1904 NOBRE X X X X
1907 NERVAL X X X X
1911 NOBRE X X X X
1912 FTD X X X X
1920 DIAS X X X X
1923 GANOT X X X X
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 167
1926 MAHLER (exercícios)
X X X
1927 FTD X X X X
1927 MAÑAS e BONVI X X X X
1928 ROMANO X X X X
1932 WATSON
(trad. Mañas & Bonvi)
X X X X
1933 DIAS X X X X
1934 NOBRE X X X X
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 168
Tabela A5.1c: Tabela de classificação dos livros. Lançamento de projéteis Exercícios
Ano Autor isolado
Na cinem.
Não Possui
Apêndice No
conteúdo Não
Possui
Quant. Exerc.
Cinemát.
No fig. ou desen./
pg de Cinem.
N o pg. de Cinem. / Total
pg.
Equações de movimento
1798 BARRUEL X X 0/0 0/0 0/43 NÃO
1810 HAUY X X 0/0 0/0 6/426 NÃO
1840 GUERIN-VARRY X X 0/0 0/0 0/41 NÃO
1856 MEIRELLES X X 0/0 0/0 0/50 NÃO
1868 GUEDES X X 0/0 5/10 10/372 SIM
1870 JAMIM X X 0/0 8/12 12/683 SIM
1872 GANOT X X 0/98 13/14 14/948 SIM
1876 GAMA X X 0/0 0/1 1/82 NÃO
1880 DRION e
FERNET* --- --- --- X 1/42 12/20 20/860 SIM
1892 LANGLEBERT X X 0/0 5/12 12/568 SIM
1894 GANOT X X 5/116 24/22 22/1211 SIM
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 169
1896 LANGLEBERT X X 0/26 6/10 10/486 SIM
1896 NOBRE X X 3/60 8/15 15/560 SIM
1901 MURANI X X 0/0 19/28 28/405 SIM
1902 GOUVEIA X X O 8/10 10/446 SIM
1904 LANGLEBERT X X 0/26 9/12 12/554 SIM
1904 NOBRE X X 10/211 11/21 21/748 SIM
1907 GOUVEIA X X 0 8/10 10/446 SIM
1911 NOBRE X X 10/211 11/21 21/764 SIM
1912 FTD X X 1/10 4/6 6/239 NÃO
1920 DIAS X X 0 0/8 8/460 SIM
1923 GANOT Queda corpos
X 8/234 13/17 17/1197 SIM
1926 MAHLER (exercícios)
X X 43/609 0 --- NÃO
(exercícios)
1927 FTD X X 11/335 5/8 8/633 SIM
O conteúdo de cinemática nos livros didáticos de 1810 até 1930 170
1927 MAÑAS e BONVI X X 0/0 7/13 13/365 SIM
1928 ROMANO X X 1/1 4/10 10/323 SIM
1932 WATSON
(trad. Mañas & Bonvi)
X 30/727 38/35 35/977 SIM
1933 DIAS X X 1/1 4/12 12/480 SIM
1934 NOBRE X X 10 /289 16/20 20/807 SIM
* O livro não possui da página 1 até a 17, no qual está o conteúdo de mecânica. Alguns dados puderam ser extraídos do índice do livro.