14
"CULTU POPUL": revisitando um conceito historiográfico 1. lra popular é u lego edi. Por que enuncr, no meço u conrênc, 0 abpta pio? E ptde men - lembr que dates em tomo da próp definio l popular f (e ) tYd a ppósito de um conceito que quer dtar, e nomr práti que nun desig- nadas pel us ator mo cen- do "culru popular". Pro como u legor edim dtina a ru- ns e de r pruçs e con- du siruadas fo da culw edita, o nceilO culw popuL tem do, n su múltiplas e nrs acepçs, laçs IJti peJ in- aisidl (e, enue eles, os- ) com uma lcrade ltul ainda Roger Chartier dcil de pensada que a dos mundos "exóticos". s umindo o ro de simpr o, é posvel dir as inúmer defin daltu popular. dois gran- d l de derio e inteccm- ção. O primei, no intui de abolir for de emenlmo lrural, conce- a cultu popuJac como um s simbólico coerente e aUlônomo, que funciona segundo u ló abIUL�- men alhe e irduúveJ da culru le O gundo, ppado em Ic bcac a islênc da s laçs de domina- ção que onm o mundo , per- ce a hu popuc em su depen- dêncs e cs em relao à culru d dominantes. Temos, então, de um do, u cultu popular que constitui um mundo à pane, encerdo em si me mo, dependte, c, de out, uma cul- ru popula r teimente definida pela NoJo: Esu� ICO foi aprnlado DO mio Po Culttlre, D Interdllln nlercnce. rdo 00 uus Wlllle ofTenolo de 16 a 17 de oUlubro de 1992 A lduo é de Aone-Nie Mia0 Ole E Hl, deJan, . 8, D° 16, 1995, p. 1192.

Roger Chartier Cultura popular revisitando um conceito historiográfico

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"CULTURA POPULAR": revisitando um conceito

historiográfico

1.

cultura popular é uma calegoria erudita. Por que enunciar, no ro­

meço de uma conferência, .00 abrupta proposição? Ela pretende somente re­lembrar que os debates em tomo da própria definição de cultura popular fo­ram (e são) tc:\Y.ldos a propósito de um conceito que quer delimitar, cacaoecizar e nomC:Jr prátiCls que nunca são desig­nadas pelos seus atores como pectcncen­do il "culruca popular". Prodllzido como uma calegoria erudim destinada a ru­cunscreveJ' e descre>er produções e con­dutas siruadas foca da culwca erudita, o conceilO de culwca popuL11" tem lC3d •• zi. do, nas suas múltiplas e conlrndilÓrias acepções, as relações m:lIJtidas peJos in­leCtuaisocidenl;tls (e, enue eles, osscho­lars) com uma .llcridade cultural ainda

Roger Chartier

mais difícil de ser pensada que a dos mundos "exóticos".

Assumindo o risco de simplificar ao extcerno, é possível red1lzir as inúmer.lS definições dacultuca popular. dois gran­des modelos de descrição e intecpccm­ção. O primeiro, no intuito de abolir toda forma de emocenlCismo culrural, conce­be a cultura popuJac como um sistema simbólico coerente e aUlônomo, que funciona segundo uma lógica abSOIUL�­mente alheia e irccduúveJ il da culruca lelrada. O segundo, preocupado em Icrn­bcac a exislência das relações de domina­ção que organizam o mundo social, per­cebe a cuhura popuJac em suas depen­dências e cacências em relação à culrura dos dominantes. Temos, então, de um lado, uma cultura popular que constitui um mundo à pane, encerrado em si mes­mo, independente, c, de outro, uma cul­ruca popular inteiramente definida pela

NoJo: Esu� ICJJO foi apresc:nlado DO semin:icio Popular Culttlre, Df! Interdlsclpllnary Conlercnce. re31iZ2do 00 "bsnchuscus Wlilllle ofTechnology de. 16 a 17 de oUlubro de 1992

A lt'adução é de Aone-N:uie Mia0 Olivein.

ESllfdol HlslÓt'kos, Ilio deJanciro, voI. 8, D° 16, 1995, p. 179-192.

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sua distância da legitimid'lde cultural da qual ela é privada.

Estes dois moddos de intel igibilidade, portadores de estratégias de pesquisa, de estilos de descrição e de propostas IeÓri­ClS completamente opostas, atravessa­ram todas as disciplinas que pesquisam a cultura popular, seja a história, a antro­pologia ou a sociologia. Recentemente, Jean-Claude Passeron mostrou os peri­gos metodológicos de ambos: "Da mes­ma forma que as cegueiras sociológicas do relativismo cultural, quando apliCldo às culruras popubres, encorajam o popu­lIsmo, para quem o sentido das práticas populares cumpre-se integralmente na felicidade monádica da auto-suficiência simbólica, assim também a teoria da legi­timidade cultural corre sempre O risco ( ... ] de levar ao legitún{smo, que, sob a fonna extrema do m/serab//lsmo, niio fiz seniio descontar, com um ar compungi­do, as diferenças como se fossem carên­cia s, ou as alterid�des como se fossem Un) menos.ser ... J

A oposição se fiz termo a termo: a celebração de uma cultura popular em sua majestade se inverte em uma descri­ção "em negativo"; o reconhecimento da igual dignidade de todos os universos simbólicos dá lugar à lembranÇ1 das Im­placiveis hierarquias do mundo social.

Pode-se acompanhar Jean-Claude Pas­seron quando de noL� que, mesmo sen­do lógica e metodologicamen te contradi­tórias, estas definições da cultura popu­lar não são por isso fundadoras de um princípio cômodo de classificação das pesquisas e dos pesqui,sadores: "a oscila­ção entre as duas formas de descrever uma cultura popular pode ser observada numa mesma obra, num mesmo aUlOr', e a fronteira entre amb:Is "atravessa si­nuosamente toda descrição das culturas populares, dividindo-a quase sempre em movimentos alternativos de interpreta­çio".2

Como historiador, pode·se acresce fi­tar que o contraste entre estas duas pers­pectivas - a que enf"iZ3 a autonomia simbólica da L"Ulrura popular e a que insiste na sua dependência da culrura dominante - tem servido de hase para todos os modelos cronológioos que opõ­em uma suposta idade de ouro da culrura popular, onde esta aparece como matri­cial e independente, a épocas onde vigo­ram censura e coação, quando ela é des­qualificada e desmantelada.

Não é possível aceitar sem numa: 5 a periodização dássica que >ê na primeira metade do século XVII um momento de corte m:úor, de con traste muito forte entre uma idade de ouro, onde a cultura popu­lar teria sido viva, livre, profusa, e urna époCl regida pela disciplina edesial e es­taral, onde ela teria sido reprimida e sub­jugada Este esquenta p31eceu pertinente quando se tratava de dar conta da trajelÓ­ria cultural da Europa ociden raI: após 1600 ou 1650, as ações conjugadas dos ESL�dos absolutistas, centralizadores e un iHcadores, e das Igrejas das Reformas protestante e Cltólica, repN'SSivas e acuI­tur.1l1tes, teriam abafudo ou recJado a exuberância in"enLiw. de lima antiga cuJ.. rum do povo. Ao impor disciplinas inéditas e novas submissões, ao inculcar novos modelos de comportamento, os Estados e as Igrejas leriam destruído eOl S"35 raízes e seus antigos equilíbrios um modo tradi­cional de ver e de viver o mundo.

liA cultura popular, tanao rural como urbana, sofreu um eclipse quase total na época do Rej.SoI. Sua coerência interna desapareceu definitivamente. Nunca mais poderia constiwir um sistema de sobrevida, uma filosofia da existência",' escreve Robert Muchcmbled, descreven­do a "repress5.o da cultura popular" na FranÇ1 dos séculos XVII e XVID. De forma O\!lis sutil, Peaer Bude assim descreve OS dois movimentos que desenraiZ3r:lm a culrura popular tradicional: de um bdo, o esforço sistemático das elites, e particu-

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"QJLTUll POP\J..Jr 181

larmente dos cleros protestante e alÓÜ-00, "para mudar as atitudes e valOles do (csto da população" e i'para suprimir, ou ao menos purificar, vários dementos da cultura popular tradicional"; de outro. o abandono, pelas dasses superiores, de uma cullura até en rão comum a IOdos. O resultado é claro: "Em 1500. a cultura popular era a cultura de IOdo mundo; uma segunda cultura para os insuuídos e a única cultura para os demais. Por volla de 1800, contudo, em muiaas panes da Europa, o dero, a nobl< 111, os romenian· 1eS, os homens de oficio - e suas mulhe­res -haviam abandonado a cultura popu­lar, da qual estavam agora separados, como nunt;a _anleS, por p�fndas dife­renças de VISaO de mundo.

Existem várias razões para só se reto-­ma r com muita prudência esta pericx1i7!1· ção e este dbgnóstico que concluem pda desqualificação da cultura popular ou pelo seu desaparecimento. Em primeiro lugar, está da ro que o esquema que opõe, em tomo de um momento<have (1600 ou 1650), o esplendor e a miséria da cultura da maioria, reitera para a itbde moderna um contraste que outros hislO­rodores estlbe.leceram para outros tem­pos. É o que ocolle. por exemplo, com o anleS e O depois de 1200, quando a imposição de uma ordem aeológia, cien­tifia e filosófia isola a cultura erudita das tradições folclóricas, censurando as práticas dornvante tidas como supersti­ciosas ou heterodoxas, e constituindo como objeto posto à distância, sedutor ou teuúvel, a cultura dos humlldes. Se Jacques Le Golf reconhece anleS de 1200 o " ar §cimento de uma wltura popular leiga que vai aproveitar o espaço criado, nos séculos XI e XI1, pela cultura da aristocracia leiga, da mesma lOda im­pregnada do único sistema cultural então disponível fora do sistema cleriml, preci­samente o das tradições folclóricas",' se­gundo Jean-CIaude Schmin, o século X 111 inaugura a époa de uma verdadeira

"acu1ruração": Ué preciso indagar se a suspeição Cf" "-"COte que pesou sobre as práticas folclóricas do cOIpO (a dança, por exemplo), a pefSOl)ali>ação cada .ez maior da pastoral. com o uso cada ;;ez ma Is general i>ado do saCI amen to da pe­nitência 1 ... 1, a instituição, no século XV, de uma educação religiosa para as crian­ças (ver GelSon), não contribuiram con­juntunente para interiorizar o sentido de p<:'jjdo e para 'culpabili>ar' IOdos aque­les homens, para mascarar aos seus olhos a 'aculturação' de que eram vitimas, con­vencendo-os da imoralidade da sua pró­pria cultura. ,.6

Semelhan te rcvertério parece ler ocorrido na França (e em outros lugares da Europa) durante os cinco decênios que separam a guelT:l de 1870 da de 1914. Considera-se que, naquda fasc, as culturas tradicionais, amponl'sas ou p0-pulares, s:úram do isolamento, e ponan­to se desenraizaram. em proveito de uma cultura nacional e republiana? Outra transformação radicaI situa-se antes e de­pois do surgimento de uma cultura de massa: supõe-se que os novos instru­mentos da núdia lenham destruído uma cultura antiga, oral e comunilária, festiva e folclória, que era, ao mesmo tempo, criadora, plural e livre. O destino hislO­riográfico da cultura popular é portanto ser sempre .bafuda, remlcada, arrasada, e, ao mesmo tempo, sempre renascer das cinzas. Isto indica, sem dúvida, que o verdadeiro problema não é tanto datar seu desaparecimento, supostamente ir­remediável, e sim ronsiderar, para cada época, como se elaboram as relações compleos entre formas impostas, mais ou menos constrangedoras e imperati­vas, e identidades aGrmadas, mais ou me· nos desenvolvidas ou reprimidas.

Daí dccolle mais uma razão para não se 01g"0 i23r toda a descrição das culturas do Antigo Regime a partir do corte iden­tificado no século xvn. pois a força com a qual os moddos culturais impõem sen-

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tido não anula o espaço próprio da sua recepção, que pode ser resisten te, ma· treira ou rebelde. A descrição das nonnas e das disciplinas, dos textoS ou das pala­vras com os quais a cultura reformada (ou contra-reformada) e absolutista pre­IeIldia submeter os povos não significa que estes foram real, lOtai e universal­mente submetidos. É preciso, ao contrá­rio, postubr que existe um espaço entre a norma e o vivido, entre a injunção e a prática, entre o sen tido visado e o sentido produzido, um espaço onde podem insi­n uar-se reformulações e deturpações. Nem a cultura de rn."1.SS3 do nosso tempo, nem a cultura imposta pelos antigos p0-deres foram capazes de redllzir as identi· dades singulares ou as práticas enraiza­das que lhes resis.bm. O que mudou, evidentemente, foi a maneira peb qual essas identidades puderam se enunciar e se afirmar, fa-rendo uso inclusive dos pró­prios meios destinados a aniquilá-ruo Re­conhecer eSL'l mumção incontesláve1 não significa romper as continuidades cultu­rais que atravessam OS três séculos da icL-ule moderna, nem tampouco decidir que, após o corte da metade do século xvn, não há mais lugar para gestos e pensamentos diferentes daqueles que os homens da Igreja, os servidores do Esta­do ou as elites letracL"lS prelelldiarn incul­car em todos.

2.

AcreclilO que Lawrence W. Levine m­loca questões da mesma ordem ao desen­volver a tese da "cultural bifurcatkm" para caracteri:mr a trajetória cultural americana no século XIX. Esta tese se baseia num contraste cronológico maior, que opõe um tempo antigo -caracteriza­do pela partilha, pela mistura e pela exu­beráncia cultural - a um tempo moderno - caracterizado pela separação entre os públicos, os espaços, os gêneros, os esti-

los etc. "Por toda parte, na sociedade da segunda metade do século XIX, a cultura americana eslava passando por um pl&' cesso de fragmentação [ ... ) . Ele se mani­festava no declinio relativo de uma cultu­ra pública compartilhada que, na segun­da metade do século XIX, se estilhaçou numa série de culturas especificas que cada vez tinham menos a ver umas com as outraS. Os le3lJ"OS, os museus, os audi­tórios, que antes abrigavam um público misturado que consumia uma mistura eclética de cultura expressiva, estavam cada vez mais filtrando sua clientela e seus progrnrnas, de maneira que carla vez menos se podia encontrar públicos que atravessassem o espectro social e econô­mico consumindo uma cultura expressi­va que unisse elementos hibridos do que hoje chamaríamos de cultura erucliaa e cultura poPular'.s Uma dupb evolução leva da "cultura pública compartilhada" à "cultura bifurcada": de um bdo, um p=sso de retraimento e de subtração que atribui às práticas culturais um valor distintivo tanto mais forte quanto menos elas são compartilhadas; de Outro lado, um processo de desquaIifição e de exclu­s50 que lança para fora da cultura consa­grada e canônica as obras, os objetos, as fonnas daí em di:ulte relegadas ao diver­timento popular.

Este modelo de compreensão impres­siona pela sua homologia com aquele proposlO para descrever a trajetória cul­turai das socieebdes ocidentais entre os séculos XVI e xvrn. Também nessa épo­ca, já nessa época, uma bifurcação cultu­ral, originada no retraimento das elites e no içoIamenlO da cultura populor, teria ocasionado a destruição de uma base ancestral comum - a cultura "bakhtinia­na" da praça pública, folclórica, festiva, carnavalesca. Nos dois casos, as mesmas questões podem ser colocadas. Será que a cultura compartilhada, dada como pri­meira, era t50 homogênea como parece? E quando ocone a separação, será que a

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fronteira entre cultura legítima e cultura desqualillCld. era tão marcada e estan­que como ap:lH:nta? Para a América do século XIX, David D. Hall responde ne­gativamenle às duas perguntaS. Segundo ele, de um Lwo, a "cultura pública com­pacti1hada" do início do século XIX não era isenta de exclusões, clivagens inter­nas e concorrências externas; de outro lado, a "mercadorização" dos bens sim­b6Ucos aparentemente mais eslr.lO.bos ao mercado e • captura pela cultura c0-merciai de massa dos signos e valores da legitimidade cultural preservaram um forte inlercimbio entre cultura letrada e cultura popular.9

Ou tra questão é • da articulação cr0-nológica entre as duas II:ljet6rias, a euro­péia e a ameriCln •. Devemos supor que a cultura americana percolle, com um Ou dois séculos de atraso, o caminho das sociedades do Antigo Regime da Europ. Ocidental? Ou, ao contrário, devemos considcr.lr que as evoluções culturais da segunda meL .. de do século XIX, que le­VJ.m as elites a desprezar uma cultura popular identificada com uma cultura industrial, são idênticas no conjunto de um mundo ocidental unificado pelas mi­grações transatl.'intiClS? Exisle, sem dúvi­da, um f Orle laço entre, de um lado, a reivindicação de uma cultura "pura" (ou purificl(b), distanciada dos gostos vulga­res, subtraída às leis da produção econô­mica, sustentada por uma cumplicidade estética entre os criadores e o público por eles escolhido e, dc outro lado, as con­quistaS d .. cultur.l comerci.ll, dominada pela empresa capiL1lista e destinada à maiori.'l. Como o mostrOu rccenlCmente Pierre Bourdleu, a constituição na FranÇl da segunda meL .. de do século XIX de um campo Iiter:irio definido como um mun­do à parle e a definição de uma posição estética fund .. da na autonomia, no des-

prendimento e na absoluta liberdade de criação são fatos diretamen Ie ligados à rejeição das servidões da "lileratura in­dustrial" e das preferências populares que garantem seu sucesso: uAs relações

. . -que os escntores e os artlSW man tem com o mercado, cuja sanção anônima pode criar entre eles disparidades seUl precedenteS, contrwuem, sem dúvida, para orientar a representação ambivalen­te que eles têm do 'grande público', ao mesmo lempo fuscinanle e desplczí.eI, no qual eles confundem o 'burguês', ... b­jugado pelas precupaçôes vulgares dos negócios, co 'povo', entregue ao embru­tecimento das atividades produtivas." to

3.

Durante muito lempo, a concepção clássica e dominaole da cultura popular teVe por base, na Europa e, talvez, nos Est ados-Unidos, três idéias: que a cultura popul"lr podia ser definida por contrasle com o que ela não era, a saber, a cuhura letrada e domina0 Ie; que era possível caracterÍZlr como "popular" O público de certas produçôes culturais; que as expressôes culturais podem ser tidas como sociaImenle puras e, algumas de­las, como intrinsecamenle popu1ares. Foram estes três postulados que funda­mentaram os trabalhos clássicos reaJi2:!­dos na França (e em outros lugares) so­bre a "lileratura popular", assimilada ao repertório da "/ittéralure de colporltv ge",· e sobre a "religião popular", isto é, o conjunto d"lS crenças e dos gestos con­siderados próprios da religiosidade da

• • maJor!.'l.

Mas ficou claro agora que estas afirnu­ções devem ser postas em dúvida. A "li­teratura popubr" e a "religião popular" não são tão radicalmenle diferentes da

• Nome d:&do ls obr.u popuJ:uc:s difundidas por veodedores 2.Ulbulanle5 do século XVI ao XIX. �u

eQu i�eDlc DO Brasj;J seria a lilcr.uun de cordel.

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literatura da elite ou da religião do clero, que impõem seus repen6rios e modelos. Elas sãO compartilhadas por meios sa­cia is diferentes, e não apenas pelos meios populares. Elas são, ao mesmo tempo, aculturadas e acultucuues,

É portanto inútil querer ideotifocar a cuhura popular a partir da distrib"içío suposra !\len te específica de certos objetos ou modelos culturais. O que importa, de fato, tanto quanto sua repaniçio, scmpre mais comple .. do que parece, é sua apro­priação pelos grupos ou indhiduos. Não se pode mais aceirar am,i<'aIlKllte uma sociolngja da distribuição que supõe im­plicitunente que à hierarquia das dass< • ou grupos cone SjlOnde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos cul­turais. Em toda sociedade, as formas de apropriação dos textos, dos códigos, dos modelos comparti1bados são tão ou mais geradoras de distinção queas pr:íricas pró­prias de cada grupo social.

O "popular" não está con lido till con­juntos de elementos que hastaria idenU­flca r, repenoriar e descrc:>er. Ele qualifi­ca, antes de mais nada, um tipo de rela­ção, um modo de utilizar objetos ou normas que circulam na socied1de, mas que são iecebidos, compreendidos e ma­nipulados de diversas maneir.ls. Tal cons­tat:lção desloca necessariamente o tr:Iba­Ibo do historiador, já que o obriga a caracteÚz;u, não conjuntos culturais da· dos como "populares" em si, mas as mo­dalidades diferenciacl:Js peL-ts quais eles são apropriados.

É por isso que esta noção parece cen­tr.lI para toda história cultural - com a condição, tal.ex, de ser reformulada. EsJa reformulação, que enfuin a pluralidade dos usos e dos entendimentos, se afasla, de saída, do senlido dado ao conceito por Michel FoucauJt quando coloca "a apro­priação social dos di,scursos" como um dos mais importantes procedimentos por meio dos quais OS discursos são do­minados e confiscados pelas instituições

ou pelos grupos que se arrogam o direito de exercer um con trole exclusim sobre elesl1

FJa se afasla, também, do sentido que a hermenêutica dá à apropriação, quan­do a representa como o momento em que a "aplicação" de uma configuração narratiVol particular à situação do sujeilO transforma, pela in terpretação, a com­preensão que este tenl de si mesmo e do mundo, transformando assim, também, sua experiência fenomenológica tida como universal. 12

A apropriação tal como a entendemos visa a elaboração de uma história social dos usos e das interpretações, relacjona­dos às suas determinações funcl:Jmentais e inscritos nas prátõcas espeáficas que os constroem Prestar, assim, atenção às condições e aos processos que muito concrelamente são portadores das ope­rações de produção de sentido, significa reconhecer, em oposição à an liga histó­ria intelectual, que nem a idéi."\S nem as interpretações são desencarnad."\S, e que, conlrariamente ao que colocam os pen­samentos universa1izantes, as categorias dadas como invariantes, sejam elas fen� menológicas ou filosóficas, devem ser pensadas em função da descontinuidade das· trajetórias históricas.

Se permite romper com uma defini­ção ilusória da cultura popuL-tr, a noção de apropriação, Ulilizada como instru· menlO de conhecimento, pode lamhém reintroclllzir urna nova ilusão: a que leva. a considerar o leque das práticas cultu­rais como um sistema neutro de difelen­ças, como um conjunto de práticas diver­S!lS, porém eq,livaientes. Adotar tal pers­pectiVol significaria esquecer que tanto os bens simbólicos como as práticas cultu­rais continuam sendo objeto de lutlS sociais onde estão em jogo sua dassifica­ção, sua hierarquização, sua conS!lgração (ou, ao contrário, sua desqualificação).

Compreender a "cultura popula r" sig­niflC'l, então, siruat neste espaço de en-

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"(lJLTW fOPlllr 185

flentlmentos as relações que unem dois conjuntos de dispositims: de um lado, os mecanismos da dominação simbólica, cujo objetim é tomar aceitáveis, pelos próprios dominados, as reprcsenraçãoes e os modos de consumo que, pw:jsa­mente, qualifl('3m (ou antes desqualif .. caro) sua culrura como inferior e ilegíti­ma, e, deoutro lado, as lógicas específ)cas em funcionamento nos usos e nos mo­dos de apropriação do que é imposto.

A distinção estabelecida por Michel de Ceneau entre estratégias e táticas consti--

• • rut um recurso preaoso para se pensar

esta tensio (e evitar a oscilação entre as abordagens que insistem no caráter de­pendente da culrura popular e aquelas que exaltam sua autonomia). As estraté­gias supõem a existéncia de lugares e instituições, prodllum objetos, normas e m<Xldos, acumulam e ClpÍlalizam. &i táticas, desprovidas de lugar próprio e de domínio do tempo, são "m<Xlos de f:17er" ou, melhor dito, de ufazer com".

As formas "popuL"\tcS" da culrura, des­de as práticas do quotidiano até às formas de consumo cultural, podem ser pensa­das como tálicas produtoras de sentido, embora de um sentido possivelmente estranho àquele visado pelos produlO­res: liA uma produção rncionalizada, ex· pansionista e centraliZlda, baculhentl e espetacular, corresponde uma outra produção, chamada 'consumo'. Ela é ma­lrCira e dispersa, mas se insinua em todos OS lugares, silendosa e quase invisível, pois não se manifesta através de produ­tos próprios e sim através de modos de usar os produtos imposlOS pela ordem - . d ' .. 13 econorruca onunante.

4.

Este tipo de modelo de inte1lgibilida­de permite transformar profundamen te a compreensão que se tem de uma práti­ca ao mesmo tempo exemplar e central:

a leitura Aparentemente passiva e su� missa, a leitura é, na realidade, e à sua maneira, inicntiw e abdora. Falando da sociC"dade contemporânea, Michel de Certeau sublinha magroilicamente este paradoxo: "A leitura (da imagem ou do 1C<1O) parcce consLirulr o ponto m:!ximo da passividade que supostamente carac­teriza o consumidor, instituído em tJOyeUr (troglodita ou Itinerante) numa 'sociedade do espetáculo'. Na realidade, a atividade de leirura apresenta, ao con­trário, todos OS traÇOS de uma produção silendosa: é uma deriva ao longo das páginas, uma metamorfose do lC<1O pelo olho viajante, uma improvisação e uma espera de signilicações ind. tzidas a panir de algumas palavras, um prolongamento de espaços escritos, uma daoça efêmera ( ... J. (O IcirorJ insinua as manhas do prazer e de uma .capropriação no texto do outro: invade a propriedade alheia, transpona-se para ela, toma-se nela plu­ral como os barulhos do corpo. ,,14

Esla imagem do leitor, invadindo uma terra que não lhe pertence, evidencia uma qucslão fun,bment:J.I para todo tra­balho de hislÓria ou de sociologia culru­raI: a da variação, em função dos tempos e dos lugares, dos gupos sociais e das "/nIerprettve communltles", das condi­ções de possibilidade, das modalidades e dos efeitos dessa invasão. Na Inglatetla dos anOS 50, segundo a descrição de Richard Hoggart, a lcirura (ou a escuta) popular dos jornais de grande tiragem, das canções, dos anúndos publidtários, das fotonovelas, dos horóscopos, se ca­raclerizava por uma atenção "obliqua" ou "distr.úda", por uma "a,ks:ío entre· conada de eclipses" que levava a crer ou a descrer, a aderir � verdade do que se lia (ou ouvia) sem que jamais desaparecesse a desconOança, a dúvida sobre sua auten­Liddade.15 A noção de atenção "obliqua" permite assim entender como a culrura da maioria fuz para manter à dislftncia, ou então para se apropriar, inscrevendo ne-

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les sua própria coerência, dos modelos que os poderes ou os grupos domina0 teS lhe impõem pela au toridade ou pelo merC:ldo. Esla perspec1ÍY.l contrabalança valiosamenle aquelas que acentuam, de uma forma por dem.1is exclusiva, os dis-­positivos discursivos e institucionais que, numa dada sociedade, visam a disciplinar os corpos e as práticas ou a modelar as condu laS e os pensamentos. A mídia mo­derna não impõe, como se acreditou apressadamente, um condicionamento homogeneizan te, destruidor de uma identidade popular, que seria preciso buscar no mundo que perdemos. A von­tade de inculcação de modelos culturais nunca anula o espaço próprio da sua recepção, do seu uso e da sua inaerprela-

-çao.

É com uma conslalação semelhanle que Janice A. Radway condui seu minu­cioso estudo sobre a aproprbção, por uma deaerminada "/n/erprellve comlllU­n//y" (no caso, uma comunid,de de lei­toras), de um gênero maior do "mas/Y marke/ pub/tsbing", ou seja, os "roman­ces": "MefC'!1dorias como textos lhe MOS prodll7jdos em massa são selecionadas, compradas, construídas e usadas por pessoas reais com necessidades, desejos, inlenções e estratégias interprelativas pré-exisleOteS. Ao readmítirmos esses in­divíduos ativos e suas atividades criativas e construtivas no centro de nosso esforço inlerprelativo, evilamos nos cegar diante do fato de que a prática esscncialmenle humana de crbr sentido pressegue mes­mo num mundo crescentemente domi· nado pebs coiS:Js e pelo consumo. Lem­brando assim o car:íler interativo de ati­vidades como a leitura ( ... ( aumenlarnOS nossos chances de resolver ou de articu­br a diferença entre a imposição repres­siY.l de uma ideologia e as práticas de oposição que, embora lirrúladas em seu alcance e efeito, pelo menos dispu Iam ou con tesL,m o con trale das formas ideoló­gicas . .. 16

Se "ainda existem no processo de co­municação de massas oprllJnidades para os indivíduos resistirem, aIlerarem e se reaproprbrem de bens destinados, em outras esferas, a ser comprados por

I ,,17 ad . . fi ,-e es , temos que ffi.1l.J.r que, a orl� ri, semelhanteS possibiliclades eram ofe­recidas aos leitores das sociedades do Antigo Regime, num tempo em que a inlIuência dos modelos transmitidos pelo material impresso era menor (a não ser em situações peculbres) que 00 nos­so século xx. Devemos, pois, recusar toda abordagem que considere o reper­!Ório das I/llératures de co/por/age como expressão da "mentalid'lde" ou da "visão de mundo" dos seus supostos leitores populares. Tall�ção, comum nos traba­lhos sobre aBib/lo/beque 8leue francesa, os cbapbooks ing)ese� ou os p/Iegos de cordel castelhanos e calalães, não é mais admissível por várbs razões: porque os textos publicados em livros ou folhelOs pertencem a gêneros, épocas e tradições múhipbs e fragmenladas; porque exisle, freqüentemente, uma disL'incia (crono­lógica e social) considerável entre o con­texto da sua produção e os da sua recep­ção ao longo dos séculos; porque há sempre um espaço entre o que o texto propõe e o que o leitor faz dele. A proY.l disso são os textos que, num dado me> mento de sua existência impressa, entra­ram para o repertório da Blb/Io/beque 81eue. De origem letrada, perlencendo a gêneros muito diversos, eles consegui­ram atingir, graças à sua noY.l forma im­pressa (a das edições baratlS) e ao seu modo de distribuição (a venda ambulan­te), públicos muito diferenaes daqueles que garantiram seu sucesso inicial, reves­tindo-se assim de significações baslante afasL,das do objetivo inicial.

Para analisar a relação en tre os textos da I/ltérature de colportage e o mundo social das sociedades do Antigo Regime s,io pr ... "Cisos dois tipos complemenL"CS de procedimentos. O primeiro deles, in-

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""rtendo o sentido das causalidwes ba­bitualmente reconhecidas, sugere que se leia a "literatura popuLu" como um re­pertóriode modelos de comportamento, como um conjunto de representações que siio igualmente normas imitáveis (e possi\'elmente imiLwas). O segundo fo­cali"" a pluralidade e a mobilidade das significações que públicos diferenlCS atri­buem ao mesmo texto. Mais do que uma suposta adequação entre o repertório da IittératUre de rolportage e a "mentalida­de popular", que corre O risco de ser apenas uma tautologia (já que o sucesso da "literatura popular" costuma ser ex­plicado pela sua bomologia com uma mentalidade que é na ""rdade deduzida da temática livresca), o que importa é uma bistória social das formas pelas quais as diferentes comunidades de leitores que succs.sivamente se apoderam desses textos os usam e compreendem. Nume­rosas e complexas são as mediações entre t",,:tos que se tornam "steady sellers" graças às edições de rolportage e os in­vestimentos de sentido de que s50 objeto em diferentes situações bislÓricas e para diferentes leitores.

É preciso portanto reconhecer uma . . . -tensao unpoctanle entre as Ullençoes,

explicitas ou implícitas, que leY.lm a pro­por um texto a leitores numerosos e as formas de recepção deste texto, que se estendem, úcqüen temen te, a registros completamente diferenteS. Na Europa dos séculos XVI a XVIII, os impressos destinados ao público "popular" tinham uma ampla gama de intenções, que ma­nifestaVJ.m diversas vonLadcs: cris1ianiz:l­dora, com os textos de devoção da Con­tra-Reforma que entraram para o reper­tório da Blbl/lbeque BIeue francesa; re­formadora, com os almanaques do D/u­mln/smo italiano ou da Volksaufliirung alemã; didática, com os impressos de uso escolar ou os livros de prática; parodisti­ca, com todos os lexlOS da tradiçdo pica­resca ou burlesca; poética, com os TO-

187

mtlnces publicados nos p/iegos Clstelha­nos. Mas na sua recepção (evidentemen­te mais dificil de ser decifrada pelo histo­riador), estes conjuntos de te>.1Os eram úeqüentemente apreendidos e manipu­lados pelos seus leitores "populares" scm o menor respeito pelas intenções que direcionaram sua produção e distri­buição. Ora os leitores transpunham para o registro do im.�ginário o que lhes era dado no registro utilitário, ora, inver­samente, tomavam como descrições do cc:l1 as ficções que lhes eram proposL�. As coletâneas de modelos epistolares da Blbllotbeque Bleue, todos oriundas da literatura cortesã do início do século xvn e reedj'adas para um público maior no periodo compreendido entre a meL�de do século xvn e o início do XIX, ilustram o primeiro caso: já que não tinham ne­nhuma utilidade para leitores que nunca se encontravam na situac;:ío de ter que usar os modelos que lhes eram propos­tos, elas provavelcmente eram lidas como bislÓri.� fictícias, oferecidas sob a forma de esboços rudimentares d� no­vel:'as epislObres,18 No mesmo acervo, os textos que compõem O repertório da literatura picaresca apresenL�m uma si· tuação inversa: brincando com as con­venções e com as referencias carnavales­cas, parodísticas e burleSCls, foram, pos­sivelmente, compreendidos como uma descrição verdadeira da realidade inquie­tante e estranha dos L'IIsos mendigos e verdadeiros vagabundos.19

Diferenlemcnte d'lS IcilOrdS de rOlnan· ces de Smilhton que responderam à pcr­gun L� deJ:U1icc A. Radway, ou dos leitores e leitoras de New Soulh Wales entrevista­dos por Martyo Lyons e Lucy Taksa, 20 os da Blb/iatbeque BIeue e d� outras "litera­turas de ro/portage" européias (a n50 ser com raras exceções) não disseram nada acerca das SI las leilUr'aS - ou, pelo menos, não disseram nada que tenha sido conser­vado pelo bitoriador. Caracterizar, em sua diferença, uma prática popuLu dos lC>.1OS

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183 IllIIIOS IUSTÓRlCOS -1195/11

e dos livros não é, portan lO, coisa flol A oper:lçio supõe a Uli1i:z;u;iio criúca de fon­tes que não podem se,. majs que repre­selllaçóes da leitura: rep'rsenl3çóes ico­n�ror""s de situações de leitur:l e dos objetos lidos pelo maior número de leito­iCS;21 repn=scntaçôes nOilualÍY.lS das prá· ticas de leitura e de escrila conticbs em

narraçócs, maD11ais, calendários ou alma·

naquesdestinados ao iuCiCado "popular";

represen1:lÇÕCS implíd'a5 das rompelên­das e das exp<."<lativas dos leilOles nIChOS habilidosos, mis como transparecem da o�o malerial das edições de aof, portage; repiCSeJllaÇÕ<:s das suas pró­prias leilUtaS por leilOres plebeus ou cam­

poneses prodl 'zem textos auto­ou quando wna aulOridade

(por ( ,empl o eclesiástica ou inquisilOriaI) os ob� a IndiCJ r os livros que leram - e a dizer o que acharam e emender:un. 24 Ficn te a esses h ""os ea C SS3S imagens, que

põem CiD cena as Icil1J.(aS popllla. es, � indispensável uma pre,,·allçio. Quaisquer que sejam, essas lepresentações nunca mantêm uma reL-.çiio imedi:ua e ttanspa­lente com as pcátiClS que permitem ver. Todas remelCm às moo:dicbdes espeáfi­C\S da sua:produçiio, e, ponanlO, às inten­ções e interesses que levaram :\ sua eJabo. r:lç'io, aos gêneros onde se inscre>em e aos destinatários visados. Reconslruir as regras e os limites que COO'<lnd1ffi as pd­tic3sda replC seu tação learada, ou pop' alar , do pop1daré, pocconseqüêntil, umapre­condiçio nece ssária para decifrar roerela­mente o Iaço f Orle, polém sutil, que une essas tepiCSC il tações e as prá'ÍCls sociais que ronstiruem seu objelO.Mantida esta prudência, as leituras populares oas socie­dades do Ar. ligo Regime podem ser rom­preendidos a partir das grandes oposições morfológiCls que comandomas formas de \iansmissiio dos texIDS - por exemplo, entre a leirura em voz alta e a leirura saenciosa, ou entre a leilui3 e a decI:una­ç'io. Este último contraSte tem uma perti­nência para sociedades onde a

oralidade ocupa um lugar essencial. De­signa, de um lado, a possÍ>cl submissão dos JeXIOS impressos aos procedimenlOS peculiares da "performance" oral No caso da França.. a Jeinua eu. MlZ alra, nas teu· niões noturnas em mlla da 1areira, dos JeXIOS difundidos pela littbature de coI-

só nranv 11 te é ateStMb antes da segunda me.adc: do século XIX. Mas a dedwtaçio destes JeXIOS - o que implica­va que fossem ronheddos de coe e iesti­ruídos por .. nra pala"", viva, livre da leilura do texIOe próxima da recitação dos coo tos - era wna das mais imponan tes formas de ttansmifi.los, e uma das fontes das varian­tes que modifnm a sua \'t:rsãn imprc ssa de umaediçio popularpara outra. Mas de outro lado ocnlleu, tunbérn, o in .... CiSO: a circuIaçio do iepenório impresso "ão dejxoOJ de ter efeiros sobre as trailiçõcs orais, que foram profuoda IllCnte ron tlmi­nadas e transfonmllbs (rumo o mostra o eU' mplo dos COlUOS de fuda) pelas versões letrados e erudilaS das narrativas tradicio­nais, f3isromoforam maàçamente difun­didas pela /Iltérature de ao/portage.2S

AlCibuir a CltegOrla de "popular" a modos de ler, e oão a classes de textos, é, ao mesmo tempo, essencial e arrisCl­do. Após o esrudo exemplar de Ca rio Ginzburg, tem sido muilO grande a fen­taçio de caraeteriZIt a leirura popular a partir da de Mcooccbio - ou seja, romo uma leitura descootinuaque desm .. mbra os tCXlOS, descoo" <lualº'" as palavras e as �,Iimi1a-se i literalidade do senti­do.2 Este tipo de diagnóstico enrontrou confirmação 03 análise das eslCUruras -

ao mesmo tempo textuais e matem is -

dos impressos destinados ao grande pú­blico, cuja organi2ação em seqüências breves e desconjuotadas, encerradas em si mesmas, repetitivas, parece adequar·se a uma leitura picorada, sem men16ria, susfenlada por frngmeolOS do texto.

Esla COOSlalaçio é seUl dúvida perti­nente, mas deve ser matizada Será que as pdtiCls de leirui3 que ela considera

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como especificamen te populares, enrai­zadas numa antiga cultura oral e campo­nesa, são (elas e outraS modalidades) diferentes das que, na mesma época, ca­racterizam a leitura dos letrados? Os dois objetos emblemáticos da leitura erudita nO Renascimento - a roda de livros, que permite man ter vários livros abenos ao mesmo tempo e, em conseqüência. coo· fron LV e extr.úr os trechos tidos como essenciais, e o caderno de lu�res c0-muns, que reúne em suas rubricas cita· ções. exemplos, sen tenças e experiências - L1.IDbém f3Z-t:m supor e inferir uma leitura que recorta, fragmenta, descon­textualiza, e que investe de uma absoluta aUlOridade o sentido literal do textO.27 A idcn tillcação dos traços morfológicos que organizam as práticas é, por conse­guinte, uma condiçío necess.ária, porém nio suficiente, para designar adequada­men te as diferenças culturais. As formas populares das prátiClS nunca se desen­volvem num universo simbólico separa­do e especifico; sua diferença é sempre construída através das medL1ÇÕes e das dependêncL1S que as unem aos modelos e às normas dominantes.

5.

Na conjuntura intelectual atual, dois obstáculos ameaçam a abordagem que estamos defendendo aqui e que define as configurações culturais ("populares" ou não) a partir das práticas e, conseQÜente­mente, dos modos de aproprL�ção que llies são peculiares. O primeiro é consti­tuído pelo "lingulst/c tum" ou o "semlo­t /c cballenge" proposto à critica textual e às ciências sociais. São conhecidos seus três fundamen tos: considerar a lingua­gem como um sistema fechado de signos cujas relações prodll:rem sentido aulO­m:uic:J mente; considerar esta construção da signifiClção como isenta de qu.'Ilquer intenção ou controle subjetivos; pensar

189

a ""lidade como constituída pela pro. pria linguagem, independentemente de toda referência objetiva. ]ohn E. Toews fez um resumo doro desta posição radi­cai que, a partir da constatação de que "a linguagem é pensada como um sist< 111.0 autocontido de 'signos' cujos significa­dos s.'io determinados por S1!3S reIações uns com os outros, muito mais do que por suas relações com algum objeto ou sujeito 'transcendental' ou extt3Aingüís­tico", postula que "a criação do sentido é impessoal e opera 'pelas costas' dos usuários da linguagem, cujas ações lin­güístiCls podem apenas exemplificar as regras e os procedimen lOS das lingua­gens �e eles habitam, mas não contro­lam",

Contra essas formulações rac!iClis, acredito ser preciso relembrar que não é lícito restringir as prátiClS constitutivas do mundo social à lógica que govema a produção dos discursos. Afirmar que a realidade só é acesslvel através dos dis­cursos que querem o�nizá-la, submetê­la, ou representá-Ia (e, para o historiador, discursos que são sempre textos escri· lOS), não significa postular a identidwe entre a lógica logocêntrica e hermenêu­tica que comanda a produção desses dis­cursos e a t6gica prática, o "sentidp prá­tico" que regula as condutas cuja trama define as identidades e as relações s0-ciais. Toda análise cultural deve levar em conta esta illedutibilidade da experiên­cia ao discurso, resguardando-se de um uso incontroIado da categoria de texto, indevidamente apUcada a práticas (ordi­nárias ou rituais) cujas táticas e procedi­men tos não são, em nada, scmelhan tes às estratégias produtoras dos discursos. Man ter esta distinção é essencial, como assinala Bourdieu, para que se evite "pos­tularcomo principio da prát.ica dos agen­tes a teoria que se deve construir para dar conta dela" ou, ainda, projetar "nas prá­tiClS o que é função das práticas (não

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190 ISTUOOI HllTÓRKo\ - 1991nl -

para os alOres mas) para alguém �uc as estuda como algo a ser decifrado". 9

Por outro lado, o objclO fundamental de uma história ou de uma sociologia cultural compreendida como uma história da construção da slgnillcaçío reside na tens:io que aIticula as capacicbdes in"",­tivas doo; indivíduoo; ou das comunidades

• com os constranguncntos, as normas e as convenções que limitam - m:l js ou menos poderosamente segundo sua posiçío nas relações de dominaçío - o que lhes é lícilO pensar, enunci.v, fazer. Esta COnSI:lt'lÇão vale para uma história das obras letradas, pois elas se inscrevem sempre no campo dos possíveis que as IOmam pensáveis. Vale para uma história d"lS pr:íticas que são, clas L,mbém, in""'çõcs de sentido limiIadas pelas múltipL"lS dcterminaçõcs (sociais, religiosas, institucionais etc.) que definem, para Clda comunkbcle, os com· port:lmenlOs legítimos e as norm."lS incor­poradas. Ao caráter aUIOm.ítico e impcs­sool da produçío de sentido L-.J como poo;rula o "Iingu/sllc tum", é preciso opor outra pcrspectiY.l que enEuQe as diferen­ças, as liberdades cultural c soci.-.Jmente detcnn.inadas, que os " interstícios ineren­

tes aos si<tem."lS gerais de normas lou as contradições e:xistentcscntre elesl derom par� 00; alOres". 30

Uma segunda dificuladade reside nas definições implíci�LS de uma calCgoria como a de "cultura popular". Qucira-se ou não, esta calCgoria leY.l a perceber a cultura que ela designa como L10 aulÔno­m., quanlO as culturas longínquas e como siruad, simetricamcnte em rel,ção à cul­rura dominante, letrada, elítisL', com a qual fonna um par. É preciso dissipar eSSls duas ilusõcs complementares. De um lado, as culturas populares estão sempre inscritas numa ordem de legíti­midade cultural que lhes impõe uma rep­resentação da sua própria dependência. De outro, a relação de dominação, sim­bólica ou não, nunca é simétrica: "Uma culrura dominante não se define, em pri-

meiro lugar, por aquilo a que renuncia, enquanto os dominados sempre se con­frontam com aquilo que lhcs é recusado pelos dominantes - qualquer seja sua atitude depois: resignação, nega�o, con­testação, imiL,ção ou recalquc". t

Iw nos afustafmos do implícito espon­tâneo que babita o conceito de cultura popuhr somos leY.ldos dc volta à nossa pergunta inici.-.J: como articular (e não SÓ utili:cJf de fonna altemad,) esses dois modelos de in teligíbilidadc da cultura popuhr que são, de um lado, a descrição dos mecanismos que ICY.lm os domina­dos a interiorizar sua própria ilcgilimida­de cultural e, de outro lado, o reconhcci­mcn 10 d"lS expressões pelas quais uma cultura dominad .. "consegue organizar, Inuma) coerência simbólica cujo princi­pio lhe é próprio, as expcriências da sua condição,,�l A resposta nio é fácil e he­sita entre duas alternativas: operar uma trj.,gem entre as priticas rmis submcti­das à dominação e aqucL"lS quc usam de astúcia com ela ou a ignoram; ou, então, considerar que cada prática ou discurso "popular" podc ser objeto dc duas an,Ui­ses que mosu-cm, alternadamente, sua autonomia e sua hetcronoml.'l. O cami� nho é cstreito, dificil, instável nL"lS acredi-10 que seja, hojc em dia, o único possível.

Notas

1. Oaude Grignon e Jcan-Claude I':!ss.,. ron, Le SQIXlnI el le poplJafre. Mlsérabilisme el popu/lsme en 5OCiologle el el/ lilléralure (P:uis. G:illinurd / Le Scuil, liaUles ElUdcs, 1989), p.36. A tr.lduÇio espanhola inti,ula·se Lo ai/lo y lo popli/ar. Miserabillsmo e popu­lismo en 5OCiologla y ,m IIleraJura (I3arcelo­na. l.:l5 Edicionc:s de la I�queta, 1992).

2. lbid., p. 37.

3. Robcrt Muchcmblcd, Cli//ure popli/alre oi ai/lure des él/tes dans la France moderne (.We-X\IIIle �des) Essal (P:uis, Rammarion, 1978), p. 341. No prefácio de uma reedição

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"OJLTUlA POPUlAR" 191

do seu livro (paris, flammarion, 1991), o au­tor matiza fortemente seu ponto de vist!.

4. Peter Burkc, /'opular cW/ure in early modem Europe (London, Mawice Temple Smilh LId, 1968, reed., New York, Barper and Row, 1978), p. 207-208 e 270. Há traduo;iio brasileira, A adlura papwar naldat/e Moder· na: Europa, 1500-1800 (São P-"ulo, Campa·

oh;;' d!lS Letras, 1989).

5. Jacques Le GoO", "CuILure ccdési!lStique el cuJture folldorique au Moyen-Age: Saint Mareei de Paris et le dragon" (1970), em Jacques Le GoO", /'oIU Im auJre Moyen-�. Temps, travaü el cWlllre en Ocddel7l: 18 .. ",Is (p-.uis, Gallimard, 1977), p. 236-279 (dução p. 276). Há tradução portuguesa, Para wn novo concel/o de ldat/e Média: le,,,, pa, trabalho e aJllIra no Ocid",le (üsboo, Esumpa, 1979).

6.Jean-Oaude Schmi lt, "'Religion populai­re' CI rulture folkloriquc", AmulIes Es..C , 1976, p. 941-953.

7. Eugen Weber, Peasanl inIOFr.,u:bmet< lhe tnodemlzalkm of rural France, 1870-1914 (Sunford, Sunford Univcrsity Press, 1976).

8. LaV.Tcnce W. Lcvine, Higbbrow / Iorv-­brow, lhe emergence of aJlluw blerarcby In

America (Cambridge, Mass., tlarv.J.rd Ulliver­SiLY Press, 1988), p. 20&209.

9. David D. H:1I1, resenha do livro de law­rcnce W. Levine, Hlgbbrow l lowbrow, ap. eit, em Revlew$ In American, lJls/ory, mar

1990, p. 10-14.

10. Pierre Bourdieu, Les regles de I'arl. Genese el slrllClIue dll cbamp /üléraire (Pa­ris, Editions du Scuil, 1992), p. 89.

11 . Michel Foucaul� L'ordre du dlscours (Paris, G:illimard, 1971), p. 54. A tradução espan.hola se imitul::a F1 orden dei discurso (Barcelona, TusquclS EdiLores, 1987).

12. Paul Ricoeur, Du lexle à /'action. Es­sais d'bermélleullqzJe 11 (paris, EdiLions du Scuil, 1986), p.152-1S3. llá Lr"dução ponu­&\'esa,no le_'10àt1fM: ensaios de bermeneu­tica (porlD, Res, 1989).

13. Michel de CerLe:Lu, L 'Invention du qlll>­lidien, L. Arls de faire, (1980, rced. l"w, G:illimard, 1990), p.XXXVlI. I·lá tradu,lo bra­sileira, A invençi'/O do cotidiano, 1. Arles de

fa'P1 (pclJ'Ópolis, Vozes, 1994).

14. Ibid., p. XIlX. 15. Ricbard H� The uses of liIeracy.

aspecls of warking-c/ass life wl/b speckJ ref erence lo publicallons anti enlerlalnmenls (London, Cbauo and Windus, 1957). Ver, 1..3.rIlbém. a tradução frances::a deste li ...... o e a

apresentaçio de Je:J.n�laude Passeron, La cWlure du pauvre. ElUde SUT le slyle de vie des dasses papldaires en Anglelerre (Paris, Les EdiLions de Minui� 1970).

16. Janice A. Radway, Readú'8 lhe roman­ce. Women, palrlarcby anti popuku /ileral u­re (Qlapcl HilJ, The UniversiLy ofNorlh ea,." li"" Prcss, 1984), p. 221-222 .

17. lbid., p.17.

18. Roger Charticr, "Ocs 'scaét:tircs' pour le pcuple? Les modCles épisLolaircs de l'An­den Régirne entre littérature de cour el livre de colporlage", em La cofTespondallce. les usages de la lel/re au)(])(e si,de (obra dirigi­da por Reger CharLier, P:uis, 19') 1). p. 159-207. IIá Lndu,'ão esparlhola: "Los sccret:lJias. Modelos y pcictiClS L-pistolarcs", em Rogcr CharlÍer, Libros. leduras ylecloresen la Edad Moderna (Madrid, Ali3nu EdilDrial, I993), p. 2&1-3 14.

19. Rogcr Chartier, "Figures liltéraircs et cxpéricnccs soO:l1cs: la liuér.llurC de 13 gucu­serie duns la UibüOlbeque nteue", em Roger Charlier, leclure el lecleurs dons la France d'AncU.-'fI. Régíme (paris. EdiLiol1s du Seuil, 1987), p. 271-351. Há traduo;iio espanhola, "figuras üt.era.rias y experienci.as soci:l1cs: la litcr.Ltura picaresca en los libras de la Bibli" tcc' AzuJ" em Roger Charuer, Fl mundo como rejJresenlaciól1. Estudios sobre la blslOrm cwlurw (Barcelona, Gcdisa EdilOrial, 1992), p. 181-243.

20. Martyn Lyons c LucyTaksa, Auslrallan readers remember. Nl oral bls/ory of re� dll1& 1890-1930 (McU>ournc, Oxford UI,;""r­SiLY Press, 1992).

21. Friz Nies, BlIb" u"d Bell lUld 8/111.,,, dll/l. Eine Relse dlll'cb die Welt der Leserbü­der (D:u-msud� WissensdJ:Údiche Buchgc­sell.sch:Ú� 199 I).

22. Tessa Wat� Cbeap prlnl and paplJar jJiely 1550·1610 (Cambridge, Carnbridgc Un� versiLy Press, 1991).

23. Jean Hébrard, "Commenl Valentin Ja­meray-Duval appriL-il à lirc? L'autodidaxie

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27. I i", Jardine e Anthony Grafton, "'SIU­dicd for acuon': how Gabriel Harvey read bis li,,)''', Pasl anti Pres.,.I, 129, nov 1990, p. 30-78; Ano BIair, "Humanist melhod in natu­ral philosophy. ule eommon plaee book", journa/ of lhe fllslory of /deas, vaI. 53, nO 4, oUl-dcz 1992, p. 541-551.

28. ]obn E. T ocws, "lnte1leaual history afta the linguistic turno lhe autonomy oi ma­ning and lhe irreductibility oi up::riena:", Amerlcan fllslorlcal Rev/ew, 92, OUI 1987, p. 879-907 (citaçio p. 882). Ver, tlmbém, noo

dois pólos da disaos'io, David Harlan, "lntcl­Icctu:ll history and the retUm oiliter.lture", AmerIcan fllstorlcal JlmJlew, 94, jun 1989, p. 581-G09, e Gabrie1le M. Spiegel, "Ii;,to'Y, bis­toricism, and the social logie oi the tf:l<t in the Middle Ages", SpecuJum aJourna/ of Medie­val Stud/es, vai. 65, nO I, jan 1990, p. 5986.

29. Pierc Bourdieu, Cl>o.I:es dlles (Paris, Editions de Minuil), p. 76 e 137. Há tr.lduçio br.lSilc:ira: Coisas ditas (São Paulo, Brosilie ...

se, 1990).

30. Giov.mni I..e.,;. "Les 1IS.1ges de b bie> graphic", Anna/es ESC, 1989, p. 1325-1335, que discute a definiçio do ooncrito de repro­sentlção proposta por Roger Charticr em "Lc monde comme représcntation", Anna/es E.S.C, 1989, p. 1505-1520 (este último tem ttaduç50 em ponuguês: UO mundo como representaçio", Esludos Allançados, 5/11, j:ln-abt 1991, p. 17}.191).

31. Je .... Oaude \':!'<cron, op. ciL, p. 61.

32. Ibid., p. 92.

(Recebido para pllblicação em agoslo de 1994)

Roger Cbartler é diretor de esOldos na - -EeoIe dc:s Hautes Eludes en Scienees SociaIes.