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ROSANA MIRANDA FERREIRA O PROCESSO PENAL E A BUSCA PELA VERDADE MESTRADO EM DIREITO PUC/SP São Paulo 2006

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ROSANA MIRANDA FERREIRA

O PROCESSO PENAL E A BUSCA PELA VERDADE

MESTRADO EM DIREITO

PUC/SP

São Paulo

2006

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ROSANA MIRANDA FERREIRA

O PROCESSO PENAL E A BUSCA PELA VERDADE

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM Direito Processual Penal, sob a orientação do Prof. Dr. Hermínio Alberto Marques Porto.

PUC/SP

São Paulo

2006

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Banca Examinadora

________________________________________

________________________________________

________________________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta

Dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________

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A Newton, meu marido, que me apontou o caminho e ajudou-me a prosseguir,

A Samuel, meu pequeno, que me ensina a olhar além do óbvio,

A meu querido pai (in memoriam) cuja lembrança excede o tempo

À minha querida mãe, por todo amor e paciência incondicional, durante toda minha vida:

(...)“Podeis ter tangíveis e incontáveis riquezas

Caixas de jóias e cofres de ouro

Mais rico do que eu, porém, jamais sereis-

Eu tive uma mãe que lia para mim !”(*)

(*) Strickland Gililand, “The Reading

mother”, The best loved Poems of the American People, 1936, p.376.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela inspiração, força constante na concretização deste projeto.

Agradeço de modo especial :

A Thomas S. Monson, por suas palestras, discursos, pensamentos e obras que me

motivaram a permanecer constante na busca dos meus objetivos !

Ao Dr. Hermínio Alberto Marques Porto, meu professor e orientador, cujas lições

jurídicas e de vida, sem reservas, sempre foram uma palavra certa para mim;

À Professora Maria Garcia, cujas atitudes demonstram que o brilho da jurista não turva

nem um pouco a grandeza do ser humano, que de maneira peculiar, tem me ajudado em

todo percurso nesta pós-graduação;

Ao Professor Jacy de Souza Mendonça por sua dedicação na preparação de aulas

memoráveis;

A todos os professores de Direito que tive, notadamente os da pós -graduação da PUC/SP;

À minha querida irmã, Genoveva, que apesar de viver em outro Continente, está tão perto

por suas diretrizes de vida; sua ajuda concedida na pesquisa científica me foram de

extremo valor;

Ao meu irmão Alberto, sempre pronto em prestar-me o auxílio que necessito;

À Bianca, minha amada sobrinha, por todo empenho na organização final deste projeto

investigativo.

A todos que de uma maneira ou outra me deram uma palavra de incentivo, coragem e me

ajudaram a caminhar!

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RESUMO

Nessa dissertação apresentamos a atuação do processo penal como um instrumento de busca pela verdade. Para alicerçar nosso conhecimento sobre a verdade, buscamos o enfoque filosófico, começando pela Grécia, em Sócrates e finalizando em solo pátrio com Miguel Reale, e em síntese descrevemos como cada um formula o conhecimento da verdade. A partir disso, apresentamos a verdade no processo. Destacamos a verdade real como inatingível e de impossível alcance, outrossim, ao presidente da persecução penal, posto que a aferição de uma situação fática e suas circunstâncias, tal e qual ocorreram, jamais se conseguirão reproduzir. Conceituamos as verdades: formal, material, processual, a aproximativa e a verossimilhança apontando a tendência mais moderna da busca da certeza próxima da verdade judicial, essa última advinda não da prova mas de um juízo, sendo demarcada pela justiça como fundamento. Ressaltamos que apesar da conquista da verdade ser improvável, o empenho na busca da verdadeira reconstituição dos fatos é um valor que legitima a própria persecução penal. Da síntese histórica apresentada buscamos aferir a maneira de apuração da verdade, desde os modos mais violentos da Inquisição até os nossos dias, onde o cidadão, chega a esperar por anos, pela resposta estatal. Para ilustrar a idéia apresentamos Franz Kafka, retratando em sua obra alguém “Diante da Lei”. Ao discorrer do direito fundamental do acesso à justiça, apontamos a supremacia do princípio da dignidade da pessoa humana, que também deve estar refletido no processo, ante o dever do Estado de “dizer o direito”. Descrevemos algumas noções de prova, as alegações, os ônus e alguns dos óbices dentro do próprio processo que se interpõem como entraves à busca da verdade. Aventamos do papel do julgador investido do poder- dever de valorar todas as provas levantadas, e até de outras, que no seu entender, ache necessário que se produza. A decisão, por fim, emanada do livre convencimento com aportes argumentativos e transparência nas elucidações, representa a verdade almejada e perseguida, que presta, outrossim, uma função social, no sentido de efetivar o direito, exercitar a ética, apaziguar a sociedade e buscar o bem comum. Palavras-Chave: Verdade Processual - Prova - Proteção à Privacidade - Óbices à busca da verdade - Princípio da proporcionalidade - Verossimilhança - Sentença - Justiça.

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ABSTRACT

In this paper we present the performance of the criminal proceeding as an instrument of search for the truth. To base our knowledge on the truth we search the philosophical approach, starting in Greece with Socrates, and finishing on native grounds with Miguel Reale, and in synthesis we describe as each one formulates the knowledge of the truth. For this, we present the truth in the process. We detach real truth as unattainable and impossible to reach, as well as to the president of criminal prosecution, rank that the gauging situation and circumstances, such and which had occurred, never will be obtained to reproduce. We appraise the truths: formal, material, procedural, by approximation and the probability pointing out the most modern trend of the search for certainty close to the judicial truth, this last one happened not of evidence but of a judgment being demarcated by justice primarily. We stress, however, the conquest of the truth, improbable for the criminal proceeding; the persistence in the search of the true reconstitution of the facts is a value that legitimizes the proper criminal persecution. From the presented historical synthesis we search to survey the way of the verification of the truth, ever since the most violent ways of the Inquisition until our days, where a civilian has to wait years for the federal reply. To illustrate the idea we present Franz Kafka, portraying in his workmanship somebody "Before the Law”. When disserting the basic right of the access to justice we point out the supremacy of the principle of dignity of the human being, who also must be reflected in the process before the duty of the State "administer justice". We describe some notions of proof, the allegations, the responsibilities, and some of the obstacles inside of the proceeding that interpose as barriers for the search of the truth. We discuss the question of the determined judge to be able or have to evaluate all raised found evidences and even other ones he believes important to include. The decision, finally, emanated from free conviction through arguments and transparency in the briefings, represents the longed for and pursued truth, that exercises, likewise, a social function in the sense of accomplishing the right, applying ethics, to reconcile the society, and to look for the common good. Keywords: Procedural Truth - Proofs- Privacy Protection- Barriers for the search of the truth- Proportionality Principle- Probability- Justice- Sentence.

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LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ap. - Apelação

Art(s). - Artigo(s)

Cap. - Capítulo

CC - Código Civil Brasileiro( Lei n. 10.406, de 10/01/2002)

CF - Constituição da República Federativa do Brasil( 05/10/1988)

Cód. - Código

Coord(s). - coordenador(es)

CP - Código Penal ( DL n.2.848, de 07/11/1940)

CPC - Código de Processo Civil ( Lei n.5.869, de 11/11/1973)

CPP - Código de Processo Penal ( DL n.3.689, de 03/10/ 1941)

D - Decreto

DL - Decreto- lei

Des. - Desembargador

EC - Emenda Constitucional

Ed. - Editora

ed. - edição

EOAB - Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil(L.n. 8.906, de 04/07/1994)

fasc. - fascículo

fig. - figura

HC - Habeas Corpus

IBCCrim - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual

Inq. - Inquérito

ITEC - Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais

j. - Julgado

L. - Lei

Leg. - Legislação

LC - Lei Complementar

Min. - Ministro

MP - Ministério Público

MS - Mandado de Segurança

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n. - número

ob.cit. - obra citada

org(s). - organizador(es)

p. - página(s)

proc. - processo

par. - parágrafo

p.u. - parágrafo único

RBCCrim - Revista Brasileira de Ciências Criminais

Rec. - Recurso

Rel. - Relator

RT - Revista dos Tribunais

RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência (STF)

RTJE - Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados

s/d - sem data

ss. - seguintes

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

Súm. - Súmula(s)

t. - tomo

Trad. - Tradução

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

UFPR - Universidade Federal do Paraná

V. - Veja

v.g - verbi gratia

vol. - volume

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SUMÁRIO

Prólogo............................................................................................................ 12

Introdução...................................................................................................... 14

Capítulo I - Noções Introdutórias sobre a verdade................................... 20 1.1. A busca dos filósofos .......................................................................... 20

1.1.1. Sócrates .................................................................................... 21 1.1.2. Platão ........................................................................................ 23 1.1.3. Aristóteles................................................................................. 25 1.1.4. Nietzsche .................................................................................. 27 1.1.5. René Descartes ......................................................................... 29 1.1.6. Miguel Reale ............................................................................ 30

1.2. A Verdade e a Verossimilhança.......................................................... 33

1.2.1. A Verdade................................................................................. 33 1.2.1.1. A verdade formal ........................................................ 42 1.2.1.2. A verdade material e verdade judicial ........................ 45

1.2.2. A Verossimilhança ................................................................... 50

Capítulo II - Síntese histórica...................................................................... 55

2.1. Notas Iniciais ...................................................................................... 55 2.2. Algumas noções da busca da verdade na Antiga Grécia.................... 58 2.3. Algumas noções da busca da verdade no Império Romano............... 61 2.4. Algumas noções da busca da verdade no direito germânico ............. 62 2.5. A busca da verdade sob o prisma do Direito Canônico ..................... 63 2.6. Sistema Acusatório............................................................................. 66 2.7. Sistema Inquisitório e as provas legais ............................................ 69 2.8. A tortura e a confissão........................................................................ 72 2.9. Reação iluminista e a intime conviction............................................. 76 2.10. A Legislação Revolucionária: a introdução do Júri na busca da verdade ............................................................................................. 80 2.11. Sistema Misto do Code d’instruction criminelle ............................. 83

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Capítulo III - A prestação jurisdicional e o princípio da dignidade da pessoa humana .................................................................... 86

3.1. O princípio da dignidade da pessoa humana e o humanismo ........... 86 3.2. A prestação jurisdicional ................................................................... 93

3.2.1. Elementos da jurisdição........................................................... 97 3.2.2. A prestação jurisdicional e as portas do Poder Judiciário ....... 98

Capítulo IV - A busca da verdade e a liberdade do acusado ................. 102 4.1. O acusado como portador de direitos .............................................. 111 4.2. O direito ao silêncio ......................................................................... 119

Capítulo V - A prova e alguns aspectos da teoria geral do ônus da Prova ..................................................................................... 131

5.1. Noções iniciais sobre a prova.......................................................... 131 5.2. Elementos da prova .......................................................................... 134 5.3. Juria novit curia ............................................................................... 136 5.4. Meios de prova ................................................................................. 138 5.5. Ônus da prova................................................................................... 140

Capítulo VI - Alguns óbices para o alcance da verdade no processo..... 146 6.1. Prova quanto ao estado das pessoas............................................... 146 6.2. Provas Ilícitas .................................................................................. 147 6.3. Coisa Julgada e presunção da verdade............................................. 153 6.4. A desvinculação do juiz ................................................................... 155 6.5. Violação do contraditório................................................................. 156

Capítulo VII - A decisão ............................................................................. 159 7.1. A questão do princípio da ponderação de interesses ...................... 159 7.2. A ponderação das provas como instrumento de verdade............... 163 7.3. O dever de motivação nas questões de fato .................................... 168 7.4. Função social da sentença ............................................................... 172

Conclusões.................................................................................................... 178

Bibliografia................................................................................................... 184

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PRÓLOGO A) A Verdade e o polígono (fig. 1)

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B) A Verdade e o polígono (fig. 2)

(...) a verdade está no todo, mas ele não pode, pelo homem, ser apreensível, ao depois, a não ser por uma, ou algumas das partes que o compõem. Seria, enquanto vislumbrável como figura geométrica, como um polígono, do qual só se pode receber à percepção algumas faces. Aquelas da sombra, que não aparecem, fazem parte - ou são integrantes - do todo, mas não são percebidas porque não refletem no espelho da percepção. (*)

Francesco Carnelutti

(*) Texto originalmente publicado na Revista di Diritto Processuale. Verità, dubbio e certezza. Padova:

Cedam, 1965, vol.XX (II Série), p.4-9.

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INTRODUÇÃO

“Se a lei positiva, não exprime o justo,

não merece esse nome.

Uma lei injusta não é uma lei, como um instrumento

não é um instrumento se não cumpre

efetivamente a função

correspondente à sua essência”.1

Michel Villey

A processualística penal dispõe de recursos e meios advindos de um

ordenamento estatuído e positivado, um conjunto de leis. As palavras da lei

segundo Jeremias Bentham, “devem ser sopesadas como diamantes”2 e como

tais vão conferir ao aplicador do direito a possibilidade de apuração da

conduta delitiva sub judice bem como das circunstâncias que ocorreram ao

seu redor.

Este estudo objetiva demonstrar o processo penal como instrumento de

busca pela verdade, bem como tratar de diversas implicações dessa tarefa

árdua que se efetiva na colheita de elementos que indiciem, reproduzam ou

restaurem a realidade dos fatos.

Demonstramos no decorrer do trabalho que essa busca da verdade,

utilizando-se do processo como meio, caminha paralelamente a este

1 VILLEY, Michel. Seize Essais de Philosophie du Droit, Dalloz, Paris, 2001, p. 90. 2 Jeremias Bentham, filósofo inglês do século XIX, citação feita por Capitant no prefácio do “Vocabulaire

Juridique”(Les paroles de la loi doivent se peser comme dês diamants).

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propósito, não vai em direção a tal, mas pelo contrário tangencia-o, por mais

que caminhe nunca encontra no fim do seu percurso, o propósito primeiro,

qual seja, a verdade integral dos fatos tal e qual ocorreram.

No primeiro capítulo apresentamos noções introdutórias sobre a

verdade, a busca dos filósofos desde a Grécia com Sócrates até René

Descartes, com seu modelo matemático de formulação da verdade,

alcançando Miguel Reale aludindo da linha entre a verdade e a conjetura.

Traçamos, outrossim, contornos sobre verdade formal, verdade

material, verdade judicial e verossimilhança ou verdade aproximativa. Não

pudemos alijar do estudo a análise da busca da verdade sob a óptica dos novos

caminhos quanto ao escopo do Processo Penal advindos da mudança de

posicionamento da doutrina processualística.

A par disso apresentamos a retomada de entendimento de Francesco

Carnelutti, no final de sua carreira, a partir de escritos de 1965, quanto a

verdade, afirmando diferentemente de outrora onde aludia que a busca da

verdade substancial ou material do processo terminava por resultar na

obtenção da verdade formal. Da nova concepção externamos sua posição de

que a verdade não é, e nem pode ser senão uma só e aquela que ele ou

outros chamava de verdade formal, não é a verdade e nem com o

processo, nem por algum outro modo, a verdade como um todo poderia

ser alcançada pelo homem.(V. Cap.I, 1.2.1). Apresentamos sua assertiva de

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que essa busca deveria ser substituída pela investigação da certeza, que

advém de uma escolha, pois de cernere proveniente da mesma fonte de

discernir, que é optar, separar, resultará a decisão que tem como precedente

a avaliação.

Procuramos trazer um paralelo entre a verdade histórica, científica e

jurisdicional, mostrando que a partir dessa última emanam implicações e

conseqüências determinantes e limitadoras de direitos individuais

indisponíveis.

Passamos, então a uma síntese histórica no sentido de apresentar o

caminho percorrido na busca da verdade, mesmo que só a título de abordagem

na antiga Grécia, no Império Romano, no direito germânico.

Buscamos na seqüência demonstrar a maneira como ocorriam os meios

toscos e violentos nas perquirições da verdade à luz do Direito Canônico que

se imiscuía com os ditames da Inquisição que não sendo um tribunal

meramente eclesiástico, tinha a participação do poder régio, visto que os

assuntos religiosos eram assuntos de interesse do Estado.

Continuando nosso percurso apontamos a prestação jurisdicional e a

sua conexão com o princípio da dignidade humana, que se perfaz num

limitador a interpretações restritivas de direitos fundamentais, então fizemos

um liame desse primado ante o direito fundamental do acesso à justiça.

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Com o fito de ilustrar as intercorrências inadmissíveis dessa prestação

do Estado soberano, no que tange ao seu dever “de dizer o direito”

apresentamos os escritos de Franz Kafka como que buscando advertir do

anseio perturbador dos indivíduos que aguardam por anos “Diante da lei” a

resposta estatal.

Na seqüência discorremos sobre a busca da verdade em face à liberdade

do acusado. Neste afã em atingir a verdade, pelo processo penal, relega-se ao

ocaso a premissa de que mesmo o infrator faz parte do “pacto social”, e como

tal, é sujeito dos ideais libertários.

Abordamos dos limites materiais da liberdade o que também conduzem

à conduta delitiva, deixando firmado que não compactuamos com pré-

determinismo da Escola Positiva do século XIX que fulmina a liberdade de

escolha, mas o não cumprimento das tarefas precípuas do Estado limita, por

certo, direitos individuais.

Apresentamos, ainda, o direito ao silêncio no mesmo capítulo onde

tratamos da liberdade do acusado; posto que ele pode calar-se quando isso lhe

parecer mais conveniente para sua defesa, focado no direito protegido pela

Carta de 1988 que reza pelo “nemo tenetur ipsum accusare”.

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Apontamos as abrangências desse direito, no tocante às interpretações

de derivação, como a não imposição na realização de exames ou na exibição

de documentos ou até da recusa em se apresentar.

Ao prosseguir na direção do processo penal trabalhando na busca da

verdade, atingimos à prova, seus elementos e meios, bem como aspectos da

teoria geral do ônus da prova. Firmamos a relevante participação das partes e

do julgador que, a qualquer tempo, pode determinar a elucidação de questões

obscuras no caminho indelegável que terá que percorrer para atingir, ao

menos, a verdade processual, posto que a verdade no todo fica inalcançável

para as raias do processo penal e conforme Carnelutti o todo é demais para o

homem.

Superada essa etapa apontamos alguns dos óbices que se afiguram no

deslinde da verdade, tais como das impossibilidades de investigações quanto

ao estado das pessoas e quanto às provas ilegais: as ilegítimas que violam

premissas de natureza processual e as ilícitas que maculam regras de natureza

material. Abordamos outros óbices, como a coisa julgada e a respectiva

presunção juris tantum de verdade, não podendo ser mitigada se não por

habeas corpus, mandado de segurança e revisão criminal. Invocamos a

desvinculação do juiz da instrução ao juiz da sentença, a violação do

contraditório como entraves efetivos à busca da verdade no processo.

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Por derradeiro chegamos num dos pontos cruciais para a ratificação da

busca da verdade perseguida. A decisão se enseja após ponderação, cotejo de

interesses onde a pena do julgador, sob o aporte do livre convencimento, deve

deixar registrada a motivação de seu entendimento.

A sentença, deixamos claro, dentre outros objetivos presta também um

serviço social, se não também em reprimenda ao crime estabelece a chancela

da absolvição, deixando ínsito que o processo penal, encontrou a verdade

atingível, a certeza de Carnelutti, advinda de criteriosa escolha do julgador,

no sentido de condenar ou absolver a quem de direito.

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CAPÍTULO I - NOÇÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A VERDADE

“Magnífica justiça que um

regato divide: justiça aquém dos Pirineus,

injustiça além dos Pirineus”.

Pascal 3

1.1 A busca dos filósofos

Não é propósito de nosso estudo esgotar a matéria no que concerne

ao pensamento filosófico de cada um dos pensadores que pesquisamos. Os

filósofos que citaremos apenas nos darão suporte na idéia de que a discussão

sobre a verdade não é um tema recente e de fácil resolução. Propomo-nos

conhecer de forma sucinta, a maneira que cada um deles formulou o

conhecimento da verdade, pois essa dissertação prossegue em elucidar a

compreensão da verdade no processo. É forçoso, no entanto, reconhecer que a

verdade bem como as implicações que envolvem sua descoberta e alcance

se constitui em um dogma que mereceu ao longo dos séculos sérias reflexões

que remontam desde a antiga Grécia, até a época dos primeiros cristãos,

quando se questionou sobre a verdade4, essa busca chega até nossos dias e a

perquirição para seu deslinde resiste continuadamente.

3 PASCAL, Pensées, texto da edição de Brunchvicg, Paris: Garnier, 1925. 4 Disse-lhe pois Pilatos: Logo, tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei.Eu para isso nasci e para

isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que ama a verdade, ouve a minha voz”. Pergunta-lhe então Pilatos: “Que é a verdade” (Evangelho narrado por João 18: 37-38- Bíblia Sagrada, Trad. João Ferreira de Almeida, Brasília: Soc. Bíblica do Brasil, 1969).

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1.1.1. Sócrates (470 a.C – 399 a.C )(?)

“Conhece-te a ti mesmo”

(preceito do oráculo de Delfos difundido por Sócrates)

Tudo que sabemos do pensamento de Sócrates foi o que temos

proveniente dos comentários de filósofos que seguiram suas idéias, não tendo

deixado nada escrito.

O diálogo dividido em duas etapas sucessivas foi o instrumento de sua

atividade filosófica; a primeira delas se chamou ironia, ou seja o filósofo

insiste em que nada conhece, leva o interlocutor a apresentar opiniões

envolvendo-o numa estrutura confusa, trazendo à tona toda a ignorância

desse interlocutor a respeito do que até então o mesmo acreditava ser verdade.

Essa ironia era uma dissimulação onde Sócrates fingia desconhecer o

assunto até levar o interlocutor chegar a uma contradição. A segunda fase do

diálogo socrático, denomina-se maiêutica ou “parto das idéias’, onde o

interlocutor era levado a elaborar as próprias idéias, ir ao encontro da própria

alma e a partir de então, obter uma existência e verdadeiramente original.

Essa prática permitiu que Sócrates levasse até um escravo-que era

desprovido de qualquer instrução- à demonstração do teorema de Pitágoras. A

popularidade de Sócrates era grande e percorria a cidade, no entanto, sua

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ironia causou conseqüência funesta, acusaram-no de desrespeitar os deuses, a

religião e de conduzir os jovens a se comportarem impropriamente.

Diante dos juízes, Sócrates rebateu os argumentos dos acusadores, foi

condenado, mesmo assim, à morte por envenenamento. Teve a oportunidade

de desmentir suas idéias diante do Tribunal e teria, assim, a chance de escapar

ou alguns amigos fizeram um plano para que ele fugisse de Atenas, mas ele

não aceitou nenhuma das alternativas, desonrosas para ele. Foi morto por

meio da ingestão de cicuta, veneno extraído de uma planta do mesmo nome.

Para o filósofo conhecer a verdade teria a conseqüência do agir bem,

os maus atos só seriam cometidos por ignorância; o bem e a verdade estariam

intimamente ligados. Agir conforme o bem seria igual a conhecer o bem e

ocorria em decorrência ao conhecimento; uma ação danosa decorria da

ignorância ou desconhecimento.

A finalidade da vida para ele seria a felicidade, isso ocorreria quando o

ser humano tivesse a capacidade em estabelecer por si suas próprias regras de

conduta. Nessa tônica contemplaríamos um homem verdadeiramente livre.5

5 Consultar para melhor entendimento CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. São Paulo: Atual, 2002, p.48.

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23

1.1.2. Platão (428 a.C.- 348 a.C.)

“É decididamente indispensável aos

homens atribuírem-se leis e

viverem conforme essas leis”

Platão

Para compreender a doutrina platônica o que primeiro deve-se

considerar é o do mundo das idéias, segundo ele haveria um mundo imaterial,

imutável e eterno totalmente separado do universo sensível (ou mundo

material que se percebe pelos sentidos). Para ele o mundo material era mera

aparência, e por ele não se chegaria a nenhum conhecimento verdadeiro.

Para se alcançar a verdade, o homem deveria dirigir sua inteligência,

para as idéias, para além do mundo sensível. Faz a comparação ao mundo das

aparências com interior de uma caverna que é escuro, e o exterior da mesma

ao mundo das idéias.

Para Platão o ser humano é composto de alma e corpo, sendo a alma o

mais importante no indivíduo.Uma vez o homem tendo chegado a este mundo

sensível o seu conhecimento do mundo das idéias passa por uma espécie de

esquecimento, que poderá fazê-lo recordar-se pelo processo de reminiscência

(anámnesis, em grego). Todo aprendizado seria uma lembrança.

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24

A alma para Platão se divide em três partes: a racional, (cabeça), a

emocional (peito) e a sensual (abdômen e partes adjacentes). A racional, o

guia da alma, conheceria a verdade e reuniria a inteligência, a moral e a

lógica. A emocional conteria as emoções superiores, como a honra e o ódio à

injustiça, e obedeceria fielmente à parte racional da alma. A última

corresponderia aos desejos inferiores, carnais, então desordenada e inquieta.

Platão também procurou delinear um projeto político, no qual o

governo da polis representaria a felicidade de todos os seus habitantes. Na

cidade, os filósofos tendo conhecido a verdade através da contemplação do

mundo das idéias e eles se ocupariam de decidir o que teria que ser feito na

polis criando as leis e controlando os membros da sociedade, que se formaria

por grupos de guerreiros, que se caracterizavam pelos sentimentos mais

nobres, no entendimento de Platão, a fidelidade, a bravura, e a aversão à

torpeza. Apesar de delinear a doutrina política em sua obras “A república” e

“O Político”, nunca tentou chegar ao poder em Atenas”6.

6 CHALITA, Gabriel, ob.cit., p.53-57.

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25

1.1.3. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C)

“Na justiça se resume toda a excelência”

Aristóteles

Conforme Eudes Oliveira7 Aristóteles trata da dialética, na arte de

argumentação, no Livro VIII do seu Tópicos. Primeiramente aventa da

primeira providência a se tomar por parte do inquiridor, no sentido de extrair

a verdade; este deverá, a priori, fazer a escolha das perguntas, do método e a

estratégia a adotar na inquirição. Após isso deverá escolher qual o terreno em

que lançará o ataque, ou a quem formulará as perguntas, depois dispô-las

mentalmente uma por uma; e, por fim, passar a apresentá-las ao seu

adversário.

Aristóteles ainda especifica que ao inquirir convém:

(...) formular a proposição como se não fizéssemos por ela mesma,

mas a fim de conseguir alguma outra coisa, porque as pessoas

evitam conceder o que requer realmente o argumento do adversário,

porque quando incertas sobre o verdadeiro objetivo visado pelo

adversário, as pessoas mostram-se mais dispostas a dizer o que

realmente pensam”.8

A metodologia para se chegar a verdade para Aristóteles consta da

observação, que deve ser fiel aos fenômenos naturais, bem como o uso do 7 OLIVEIRA, Eudes. A Ténica do Interrogatório- O interrogatório em Aristóteles. 3.ed.rev.e atual. São

Paulo: RT, 1993, p.117. 8 OLIVEIRA, Eudes, ob.cit., p.116-117.

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rigor nos processos dedutivos e indutivos, estabelecendo linguagem técnica

própria e criteriosa.

Para se atingir a verdade, em Aristóteles, um inquiridor não deve

demonstrar aparente parcialidade, pois gera no interrogado prevenção contra

quem o aborda. Em sua obra “Dos argumentos sofísticos” citada por Eudes de

Oliveira9 são apontados processos defensivos para vencer os sofistas, que

argumentam com falsidade:

• Técnica da exaustão (prolongar-se a argumentação, cansando o

depoente, a fim de fazê-lo admitir a verdade).

• Irritação (os que perdem a calma são menos capazes de vigiar o que

dizem e envoltos na emoção caem em contradições).

• Alternância de perguntas (conforme o autor, que é juiz, para a

adoção do interrogatório, v.g. pode ser chamado de “baralhamento”

da inquirição. A verdade realmente memorizada pelo indivíduo

(testemunha, depoente, etc) não é omitida pelo fato de ser abordada

alternativamente com dados de outros fatos.

Essa dinâmica aristotélica parece à primeira vista, (incluindo também a

argumentação capciosa que se segue às apresentadas) que o inquiridor quer

levar o interrogado a erro.

9 OLIVEIRA, Eudes, ob.cit., p.118.

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Entretanto, em Aristóteles essa era a tônica usada, evidentemente, se

seguem outros argumentos aristotélicos extraídos de sua obra “Dos Argumentos

Sofísticos”, para que um inquiridor possa extrair a verdade de seu interrogado,

mas as linhas mestras do que queríamos apresentar, qual seja, a formulação da

busca da verdade, nos moldes aristotélicos, acreditamos tê-lo feito.

1.1.4 Nietzsche (1844-1900)

“A base da natureza humana é o poder”

Nietzsche

Nietzsche, passou a vida atormentado por doenças e sensação de

solidão, talvez por isso seu pensamento denota tanta dureza, descrença e

negatividade. Em 1899 sofreu um colapso psíquico do qual nunca se

recuperou.

Para o filósofo a palavra “aparência” é muito sedutora, notoriamente

não se perfaz em verdade porque a essência das coisas não aparece

necessariamente no mundo empírico, v.g. um pintor a quem faltassem as

mãos e que quisesse exprimir pelo canto a imagem que tem na mente, sempre

revelaria mais coisas nessa permuta entre esferas do que o mundo empírico

revela da essência das coisas.

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A própria relação entre um estímulo nervoso e a imagem produzida não é

em si mesma necessária: se, porém, a mesma imagem for milhões de vezes

produzida e legada através de várias gerações e aparecer ao conjunto da

humanidade sempre na seqüência do mesmo motivo, acaba por adquirir para o

homem o mesmo significado como se este significado fosse a imagem única e

necessária e como se essa relação entre o estímulo nervoso inicial e a imagem

produzida fosse uma rigorosa relação de causalidade; tal como um sonho que,

eternamente repetido, seria sentido inegavelmente como a realidade em absoluto.

Mas o endurecimento e a solidificação de uma metáfora para Nietzsche

em nada garantem a necessidade e a justificação exclusiva dessa metáfora.10.

A repetição de um fato ou de reações semelhantes diante dele não

definem o fato e se houve, em dado momento repetição dele, não significa

que por certo ela sempre ocorrerá e da mesma forma. Parecer, tender não aduz

a verdadeiramente ser, existir ou ocorrer, verbos que transcendem o ilusório, o

pertinente, o provável ou o plausível.

10 NIETZSCHE, F. Acerca da verdade e da mentira, São Paulo: Rideel, 2005, p.16 -17.

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1.1.5 René Descartes ( 1596-1630)

“A faculdade de julgar bem e distinguir o verdadeiro

do falso, que é propriamente aquilo que se chama bom senso

ou razão, é, naturalmente, igual em todos os homens”

Descartes

Descartes pertencia a uma família de burgueses enobrecidos e estudou

nas melhores instituições de ensino na Europa. Construiu seu método de

investigação calcado no modelo matemático de demonstração, no sentido de

que “quando se tem dois ou três primeiros termos, não é difícil encontrar os

outros”.11

O método cartesiano, sintetizado em “Discurso do Método”, conforme

citado por Gabriel Chalita12 sintetiza 04 preceitos para a busca do

conhecimento verdadeiro.

• Jamais acolher, com precipitação, alguma coisa como verdadeira, e

ainda se não for clara e distinta ao seu espírito (critério: evidência)

• Dividir cada uma das dificuldades examinadas quantas possíveis e

quantas necessárias para resolvê-las,

• Conduzir por ordem os pensamentos, primeiramente iniciar pelos

objetos mais simples e fáceis de conhecer, até os degraus mais

compostos do conhecimento, 11 CHALITA, ob. cit., p. 234-238. 12 CHALITA, ob. cit., p. 238.

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• Fazer em todas essas classificações enumerações completas e

revisões gerais para se ter a certeza de nada omitir.

Da dúvida metódica Descartes cria a geometria analítica, que combina

geometria e álgebra, equaciona a representação do quadrado e do cubo,

introduz o uso do expoente e o símbolo da raiz quadrada.

Por suas pesquisas na área de óptica resultaram-se as leis de reflexão e

refração da luz.

1.1.6 Miguel Reale

“(…)discutem até hoje filósofos e cientistas no que tange

à definição de verdade, e os conceitos que

se digladiam não são mais do que conjeturas,

o que demonstra que a conjetura habita no

âmago da verdade,

por mais que nossa vaidade de homo sapiens

pretenda sustentar o contrário”.

Miguel Reale13

O pensamento filosófico e complexo de Miguel Reale, no que concerne

a formulação da verdade, não é explorado nesta síntese, em todas as suas

13 REALE, Miguel. Verdade e conjetura. 3. ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p.18.

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implicações. Não obstante, buscaremos algumas alusões que fundamentam o

objetivo do trabalho investigativo que, ora, desenvolvemos.

Por se pretender, pelo pensamento filosófico atingirmos bases para

conceituação da verdade no processo, é pertinente a sucinta demonstração de

Celso Lafer14 feita a partir da idéia do filósofo quando ensina: “Não há ato

decisório absoluto, não condicionado em maior grau, pelo conjunto de fatos e

valores prevalecentes em cada conjuntura (...).”

Por conexão a sentença, é ato decisório, e é prolatada após o empenho

na busca da verdade, não pode, então, deixar de ser valorativa, o que

estabelece um nível de segurança nas expectativas sociais.

Continuando Celso Lafer temos: “Reale aponta por meio do

tridimensionalismo jurídico do poder (...) as insuficiências tanto do puro

decisionismo, ao modo de Carl Schmitt, quanto do puro normativismo à

maneira de Kelsen”.15

Dessa alusão fica perfeitamente aplicável a linha de raciocínio que

buscaremos desenvolver nesse estudo, no que concerne ao processo penal

como um instrumento da busca da verdade (atingível), e essa busca se

refletindo no ato decisório do julgador, que há de levar o selo valorativo para

14 LAFER, Celso.Reale aos 95. Estado de São Paulo. A2 Espaço Aberto, 16.10.2005, p.1. 15 LAFER, Celso, ob.cit., p.2.

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cumprir o seu papel de garantia ao indivíduo e prestar a sua função social. (V.

Cap. VII, 7.4)

No que concerne à verdade Reale ainda afirma que o homem

empenhado na procura da verdade, consciente ou inconscientemente se

conduz , e não apenas na vida comum, por uma série de conjeturas, e ainda

alude que o pensamento conjetural não tem recebido a devida atenção por

parte dos filósofos, tão forte é o propósito de só se conferir status ao que é

certo e verificável.16

Para Reale se a verdade não é a expressão do real, ou se é algo

logicamente entre o pensamento e realidade, é de se reconhecer que o mundo

dos conceitos e o da realidade, (mesmo nas ciências exatas) deixa-nos claros

ou vazios que o homem não pode deixar de pensar.17

As conjeturas, no entendimento do filósofo, preenchem esses vazios

referidos e fazem parte essencial do nosso modo de ser pessoal e se inserem

na discussão da verdade. Ainda alude que essa linha que passa entre a

verdade e a conjetura não é a de dois opostos que se repelem, mas “de dois

termos distintos que se complementam”.18

O filósofo deixa claro que na discussão da verdade, a conjetura, cumpre

papel relevante, seja pelo ponto de partida hipotético e provisório, para depois 16 REALE, Miguel, ob.cit., p.17. 17 REALE, Miguel, ob.cit., p.18. 18 REALE, Miguel, ob.cit., p.19.

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se firmar por outros processos cognoscitivos, seja valendo como verdades

práticas, que superam o sempre insatisfatório estado de dúvida, e ainda

completa:

“Das asserções que andam por aí como “verdades” assentes, no

campo da sociologia ou da economia, das ciências exatas, não

passam de conjeturas inevitáveis.(..)mesmo porque são elas que,

feitas as contas, compõem o horizonte englobante da maioria de

nossas convicções e atitudes”.19

1.2 A Verdade e a Verossimilhança

1. 2.1 A Verdade

“ The journey of a thousand

miles begins with one step”

Laotse

A verdade, via de regra, é “a conformidade da noção ideológica com a

realidade”20. Para o processo penal, diz Jorge Figueiredo Dias, a verdade que

se busca não é a formal, mas sim a material, “ que há de ser tomada em duplo

sentido: no sentido de uma verdade subtraída à influência que, através do seu

comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela:

19 REALE, Miguel, ob.cit., p.26. 20 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. Lógica das provas em matéria penal.Trad. Paolo Capitanio, 3.ed.,

Bookseller, 2004, p.25.

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mas também no sentido de uma verdade judicial, prática e, sobretudo, não

uma verdade obtida a todo o preço mas processualmente válida”.21

No magistério de Rogério Lauria Tucci, temos que “a certeza corresponde

à consciência de cognição segura da verdade do fato”22. No entanto, o caminho

que entremeia a ignorância e a certeza, conforme Leão Bruno:

(...) é longo e o espírito pode achar-se no estado de:

1.Ignorância = ausência de qualquer conhecimento;

2.Dúvida= conhecimento alternativo, incluindo o sim e o não;

3.Improbabilidade= prevalência do conhecimento negativo;

3.a. Probabilidade = prevalência do conhecimento positivo;

4.Convicção= quando os motivos afirmativos já não podem ser

abalados por motivos contrários;

5.Certeza=Conhecimento afirmativo absolutamente triunfante.23

Francesco Carnelutti24 é o articulador moderno do conceito de lide e

deixa ricas contribuições a todos que se embrenham nas searas do direito

processual, mas em nada supera o que trouxe à tona a partir de seus estudos

sobre a verdade.

21 FIGUEIREDO DIAS, Jorge. Direito Processual Penal. Coimbra: Ed.Coimbra, vol.1, 1974, p.193-194. 22 TUCCI, José Rogério Lauria. Do corpo de Delito no Direito Processual Penal Brasileiro. São Paulo:

1978, p. 91. 23 LEÃO BRUNO Antonio, Psicologia do Testemunho, Separata dos Arquivos da Polícia Civil de São Paulo,

14:51, 2º semestre 1947. 24 Francesco Carnelutti possui “um largo trajeto por vários ramos do direito até terminar sua carreira na

cátedra de Diritto Processuale Penale da Università degli Studi di Roma “La Sapienza” in COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do Direito In: Anuário Ibero Americano de Direitos Humanos 2001-2002. (coord. David Sanches Filho e outros) Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2002, p.173.

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Pela busca mais profunda da Filosofia angariou uma riqueza peculiar,

no final de sua carreira, “(...) comprometida com a interdisciplinaridade, a

multidisciplinaridade , (...) mais propriamente, a transdisciplinaridade”25. Em

1965, com bases científicas, evoluiu em seu pensamento, sobre a matéria,

demonstrado em seus escritos “Verdade, dúvida e certeza”:

Nos meus estudos sobre processo, com a Prova Civile, falei de

verdade, assinalando, como escopo do processo, a investigação da

verdade substancial e, como resultado, a obtenção de uma verdade

formal. Mas não era embora algo comum, uma distinção fundada.

A verdade não é, e nem pode ser senão uma só: aquela que eu,

como outros, chamava de verdade formal, não é a verdade. Nem eu

sabia, naquele tempo, que coisa fosse e por que, sobretudo, nem

com o processo, nem através de algum outro modo, a verdade

jamais pode ser alcançada pelo homem.26

O autor também cita o filósofo Heidegger que o ajuda a concluir que

a verdade de uma coisa nos foge até que não possamos conhecer todas as

outras coisas e, assim, não podemos conseguir senão um conhecimento

parcial dessa coisa. Carnelutti passa a admitir que para conhecer a verdade da

coisa, necessita-se conhecer, (tomando-se uma moeda) tanto a sua cara como

sua coroa e tanto como é a coisa como o que ela não é . O autor pontua:

(...) que a verdade está no todo, não na parte; e o todo é demais

para nós (...)Mais tarde isso me serviu para compreender, ou ao

25 MAILE, Michel. Uma Introdução Crítica ao Direito. Trad. Ana Prata.Lisboa: Moraes, 1979, p.56. 26 Textos originalmente publicados na Revista di Diritto Processuale. Verità, dubbio e certezza. Padova:

Cedam, 1965, vol.XX (II Série), p.4-9.

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menos a tentar compreender, por que Cristo disse “Eu sou a

verdade”.

Portanto, a minha estrada, começada por atribuir ao processo a

busca da verdade, deveria ter substituído a investigação da verdade

pela da certeza.27

Mesmo o conceito de certeza para Carnelutti adveio após, a polêmica

com Calamandrei, advinda da obra de Lopez de Oñadena, na contraposição

entre certeza e justiça, na época cita o autor que o seu conceito ainda não

estava formado e ele mesmo escreve:

Já naquela época tinha intuído a virtude das palavras, mas a

evidente derivação de “certeza” do latim cernere, uma vez que

traduzi cernere como ver, enganou-me. Necessitaram os anos,

muitos anos, até os últimos, isto é, até que escrevi Diritto e

Processo, até que me acolhesse o significado originário de cernere,

não aquele de ver, mas o de escolher. A certeza, escreveria então,

implica em uma escolha: e isso provavelmente, foi o passo decisivo

para compreender, não só o verdadeiro valor do seu conceito, mas

também o drama do processo.

Carnelutti cede a vitória a Calamandrei, que como se sabe, falava em

um juízo da verossimilhança à coisa julgada (V.Cap. I, 1.2.2) e não verdade

formal. Notável, entretanto, é a grandeza de Carnelutti que reconhece no final

de sua carreira o acatamento de novo posicionamento, negando a verdade

formal, porque a verdade em si “jamais pode ser alcançada pelo homem”, a

27 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao Verdade, dúvida e certeza de Francesco Carnelutti

para os operadores do Direito, Revista de Estudos Criminais- ITEC, Notadez, vol IV, n.14, 2004, p.78.

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dita formal, por evidente, em sendo um mero reflexo no espelho, não é

verdade. O processo, porém, continua tendo conteúdo, mas é de outra coisa

que se trata”.28

O rompimento de Carnelutti com o passado externa em seus escritos

um espírito não acomodado e assentado em falso patamar intocável,

sobretudo envolvido por uma relevante responsabilidade ética. Sua obra

testemunha a veemente preocupação com seu tempo e sua gente .

É reconhecido pelo autor que a investigação da verdade (impossível ao

alcance humano) deveria ser substituída pela investigação da certeza, advinda

ao julgador a partir de discernimento criterioso, o qual impenderia na escolha

de opção cabível ao caso concreto. É mister, se reafirmar para essa dinâmica,

os conceitos pré- citados, nas seguintes palavras:

(...) a verdade está no todo, mas ele não pode, pelo homem, ser

apreensível, ao depois, a não ser por uma, ou algumas das partes

que o compõem. Seria, enquanto vislumbrável como figura

geométrica, como um polígono, do qual só se pode receber à

percepção algumas faces. Aquelas da sombra, que não aparecem,

fazem parte- ou são integrantes- do todo, mas não são percebidas

porque não refletem no espelho da percepção. Ademais, esta figura

multifacetada, por evidente, não pode ser tomada- ou confundida-

28COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, ob.cit., p.79.

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com apenas uma das suas faces. Por isto, sem que se fira o

princípio da não contradição.29 (V. Prólogo)

Em que pese a nova formulação preconizada por Carnelutti, imbuída de

responsabilidade ética que fica externada quando rompe com posições do

passado, optando em não acomodar-se em falsa segurança e notoriedade

intocável; apresentaremos a posição de outras vozes eminentes que se

dispuseram também ao estudo da verdade.

Propondo um paralelo entre a busca da verdade processual e a verdade

histórica ou científica temos no entendimento de Luigi Ferrajoli, quando cita

John Dewey, que a busca da verdade histórica, é “seletiva” no sentido de que

está sempre orientada por pontos de vista, interesses historiográficos e

hipóteses interpretativas que induzem o historiador a evidenciar alguns fatos

pretéritos em lugar de outros, a acentuar como significativos apenas alguns

aspectos, a privilegiar algumas fontes e a descuidar de ou, inclusive ignorar

outras, sem estar sequer em condições de reconhecer as distorções operadas.

O mesmo pode valer para a investigação científica, “que está condicionada

pela enorme bagagem de teorias preexistentes, que costumam resistir

tenazmente a serem desmentidas por novas observações” .30

29 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda, ob.cit p.81.“ O mesmo atributo não pode, ao mesmo tempo,

pertencer e não pertencer ao mesmo sujeito com relação à mesma coisa”V. ARISTÓTELES. Metafísica.Trad. de Leonel Vallano, Porto Alegre: Globo, 1969, Livro IV, p.86 e ss.: Livro X, p.206 e ss.

30 FERRAJOLI, LUIGI. Direito e Razão-Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p.47.

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Para Ferrajoli, as distorções involuntárias produzidas na atividade

jurisdicional pela subjetividade do juiz resultam agravadas por três elementos:

1º) A investigação judicial costuma afetar mais no plano moral e

emocional do que os da investigação histórica ou científica:

(...) ainda que não de modo maior porque o conhecimento judicial

deve chegar necessariamente a uma decisão prática. Isto intensifica

o distanciamento do juiz para com os eventos que tem a tarefa de

comprovar, e torna mais árdua sua serenidade de decisão, a qual

resulta mais diretamente influenciada por suas convicções morais e

políticas pessoais e pelos condicionamentos culturais e sociais

exercidos sobre ele pelo ambiente externo.31

2º) A historiografia e as ciências naturais são capazes de autocorreção,

consoante a críticas da comunidade de historiadores e cientistas, o mesmo não

ocorre com a jurisdição.

O juiz é investigador exclusivo, no sentido de que sua competência

para investigar e julgar lhe está reservada por lei, e “salvo o

contraditório entre as partes que precede a sentença e afora os

sucessivos graus de jurisdição, suas interpretações dos fatos e das

leis não podem ser refutadas por hipóteses interpretativas mais

adequadas e controladas e que se tornam ao final do processo

consagradas ainda pela autoridade da coisa julgada”.32

Dessa forma o erro judiciário diversamente do historiográfico ou

científico tem conseqüências irreparáveis, especialmente se produzidas em

prejuízo do acusado, no âmbito do processo penal. 31 FERRAJOLI, LUIGI, ob.cit., p.47. 32 FERRAJOLI, LUIGI, ob.cit., p.48.

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Completa ainda Luigi Ferrajoli, pontuando que :

(...) por causa da exclusividade das competências, do sigilo da

instrução e da relativa irreparabilidade do erro judicial (salvo os

graus de julgamento e as hipóteses extraordinárias da revisão) nem

a revisão, nem a ciência jurídica nem a jurisprudência são idôneas

para exercer sobre o juiz um controle comparável ao desenvolvido

sobre o cientista ou o historiador pela comunidade dos estudiosos.

Isto torna tanto mais indispensável o controle sobre a jurisdição por

meio da crítica externa, livre e isenta de preconceitos, e tanto mais

intoleráveis os obstáculos opostos ao seu exercício: normas sobre

desacato aos juízes, sigilo no sumário, (...).33

3º)O último elemento destacado pelo autor, no que concerne a distorção

subjetiva da verdade processual, está ligado à:

(...) deformação profissional específica do juiz”, isto advindo dos

filtros jurídicos interpostos entre o juiz e a realidade do mundo das

normas, dentro dos quais deverão estar subsumidos os fatos que se

têm a comprovar. (...), isto equivale a um sistema de esquemas

interpretativos do tipo seletivo, que recorta os únicos elementos do

fato que reputa penalmente “relevantes”e ignora todos os demais;

esta disposição de ler a realidade sub specie juris gera uma forma

especial de incompreensão, às vezes de cegueira a respeito dos

eventos julgados, cuja complexidade resulta por isso mesmo

simplificada e distorcida” .34

Pelo observado, reiteramos a tese inicial de que é inatingível a

reconstrução dos fatos, que corresponde à verdade processual, ou à judicial,

33 FERRAJOLI, LUIGI, ob.cit., p.68. 34 FERRAJOLI, LUIGI, ob.cit., p.48.

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41

que quando muito representa a certeza judiciária não absoluta ou a verdade

provável, senão a possível.

Entretanto, se o objetivo do processo é efetivar a justiça, e que hoje é

descrita por alguns autores como fim social e nesse sentido é considerada

como noção ética fundamental e não determinada 35, não se pode falar em

produção de justiça sem que se busque descortinar a verdade atingível.

Contudo, a busca da verdade não significa o fim do processo e não

pode-se concluir que o juiz apenas deva decidir quando a tiver encontrado,

nas palavras de Ada Pellegrini Grinover “verdade e certeza são conceitos

absolutos, dificilmente atingíveis no processo ou fora dele”.36

A despeito do que vimos sobre o conceito de certeza apresentado por

Carnelutti, e o exercício de discernimento esperado do julgador para a obtenção

de um caminho antes de prolatar a sentença, é forçoso ressaltar que o intelecto

desconhece certeza. As faíscas da dúvida por certo, não lhe deixam sossegar.

No que tange à persecução penal, como então aquiescer-se diante de

uma sentença condenatória que se perpetua com todos os sucedâneos que dela

35 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco (coords.) Dicionário de

Política.Trad. Carmem C. Varrialle e outros 5.ed..Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000, p.660-661.

36 GRINOVER. Ada Pellegrini. A marcha do processo. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório (Relatório da autora preparado para XVI Congresso. Mexicano de Direito Processual, abril de 1999). Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.80.

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advém sem a verdade íntegra ter sido perquirida, nem a certeza plena

atingida?

Segundo a melhor doutrina o processo se destina a assegurar a

efetividade do direito e esse direito não pode ser confundido com o direito

subjetivo da parte, posto que o julgador, na marcha do procedimento criminal,

faz incidir normas jurídicas que não têm a ver com direitos subjetivos. No

entanto, essa óptica não satisfaz a outras correntes37 que sustentam ser o

processo um instrumento da Justiça em garantia da liberdade, mas mesmo

nesse último entendimento não há também sentido a premissa de que o

processo penal tem como fim único a busca de verdade mas sim que ele é um

instrumento ou meio para alcance da verdade processual estampada de forma

criteriosa pela pena do julgador.(V. Cap. VII)

1.2.1.1 A verdade formal

Antes de nos depararmos com o conceito de Carnelutti de que a

verdade formal não é verdade, parecia firmada a idéia de que verdade formal

era representada pela reprodução jurídica dos fatos a serem perquiridos se

exaurindo com as provas e manifestações trazidas pelas partes, sendo mínima

ou até inexistente a iniciativa do juiz na produção das provas. 37 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro:Forense, 1970, p.61-

62. PONTES DE MIRANDA, Cavalcanti Francisco.Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, t. II, 1958, p.369.

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Esse entendimento residia no fato de ser o processo um instrumento de

encerramento de litígios e restabelecimento da paz social. Para verdade

formal ser obtida o Estado-Juiz contenta-se com a verdade projetada pelas

partes não usa de sua energia no sentido de apurar ex officio a veracidade dos

fatos.

O acolhimento desse pensamento teve certo predomínio no âmbito do

processual civil, e o próprio Código de Processo Civil deixa-o transparecer

em vários de seus dispositivos, pois a regra geral, é a de que se o réu não

contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor

(art.319 do CPC). Há outros exemplos ínsitos nesse ordenamento que

arrimam o conceito: quanto ao depoimento pessoal da parte, em esta

recusando-se a depor, aplica-se a pena de confissão (art.343, par.2º, do CPC);

ou até quando não for feita impugnação, por uma das partes do processo, no

que diz respeito à autenticidade de assinatura e veracidade de documento

produzido pela parte adversa, do seu silêncio se firma presunção de que o tem

como verdadeiro (art. 372 do CPC).

Apesar da legislação apresentada, é bom que se ressalte, que não se

trata, a verdade formal, de verdade destituída de qualquer suporte probatório,

até porque a presunção em espécie deve ser fruto de dedução lógica

condizente com um fundo de verdade extraído das provas apresentada por

uma das partes.

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No entanto, na linha processual moderna Ada P.Grinover, aduz que

(...) diante da colocação publicista do processo, não é mais

possível manter o juiz como mero espectador da batalha judicial.

Afirmada a autonomia do direito processual e enquadrado como

ramo do direito público (...)sua função jurisdicional evidencia-se

como um poder-dever do Estado, em torno do qual se reúnem os

interesses dos particulares e do próprio Estado.38

Novamente na lição de Ada P. Grinover temos:

(...) no campo do processo civil, embora o juiz não mais se limite a

assistir inerte à produção das provas, pois em princípio pode e deve

assumir a iniciativa destas (CPC, arts. 130, 341), na maioria dos

casos (direitos disponíveis) pode satisfazer-se com a verdade

formal, limitando-se a acolher o que as partes levam ao processo e

eventualmente rejeitando a demanda ou a defesa por falta de

elementos probatórios .39

Já no processo penal essa verdade formal não se resulta em efetiva

aplicação, não se gera confissão presumida de fato delituoso, pois o silêncio

do réu é amparado por garantia constitucional de permanecer calado, art.5º,

LXIII da CF ( Cap. IV, 4.2), mesmo no tocante a fatos incontroversos, não se

impede ao juiz penal em proceder a investigação, já que lhe cabe colher a

prova com o objetivo de conhecer a realidade dos fatos.

38 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Candido R.Teoria

Geral do Processo.14.ed..rev.e atual. São Paulo: Malheiros, 1998, p.64. 39 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, ob.cit., p.64-65.

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Está pacificado que no direito processual penal se busca a verdade não

formal, mas isto não impede que esta também encontre guarida em nosso

ordenamento processual penal; v.g. quando fatos evidenciam, por novas provas,

a responsabilidade do réu que tinha sido absolvido. Transitada em julgado a

sentença absolutória, é incabível falar-se em revisão pro societate, pois o

ordenamento em seu artigo 621 do CPP e ss não acolhe tal procedimento.

Na intenção de firmarmos ainda mais esse conceito de verdade formal

aludido acima, temos, outrossim, o perdão do ofendido, manifestado nas

ações penais privadas, bem como a possibilidade de transação penal,

introduzida pela Lei do Juizado Especial Criminal (Lei 9.099/1995) onde as

partes e o poder judiciário declinam da tarefa de melhor instruir o processo,

na busca da verdade sobre o fato determinado, em detrimento até da

realização da Justiça, que se consubstanciaria nessa descoberta da verdade, o

qual só se alcançaria por meio do devido processo legal.40

1.2.1.2 A verdade material e a judicial

Na doutrina mais antiga a verdade material é um dos mais

significativos princípios do processo penal, mais conhecido por “verdade

40 “A transação penal implicaria admissão de culpa e aceitação de pena, sem apuração da verdade material,

em desobediência aos princípios constitucionais do contraditório, de ampla defesa, do devido processo legal e da presunção de inocência” In: MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. A transação penal nos juizados especiais. São Paulo: Boletim IBCCrim, ano 1, n.7, agosto de 1993, p.1.

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real” ou “verdade substancial”. O seu valor jurídico impendia na aplicação

certeira desse princípio. Procedia-se na busca da verdade com o propósito de

ir ao encontro de um porto seguro e superior ao do território no qual assenta-

se a verossimilhança fática.41

Prevaleceu-se por tempos o entendimento de que o princípio da verdade

material, ou princípio da investigação42 correspondia à regra em razão da qual

o juiz velava pela conformidade da postulação das partes com a verdade real,

a ele revelada pelos resultados da instrução criminal.

É notório que na missão da persecutio criminis pode o processo penal

vulnerar inestimáveis direitos, dentre outros, o status libertatis; então nunca

foi exauriente, apenas, a aparência de verdade.

Na adoção do princípio da verdade material, pretendia-se reproduzir o

fato objeto de acusação, que pertencia ao mundo externo, sem artifício,

presunção ou ficção, pois só assim o juiz passaria a conhecer a verdade como

era, despida de qualquer artificialismo.43

Nesse entendimento matemático, que relembra as formulações de

verdade defendidas por Descartes (V. Cap.I, 1.1.5.) preleciona Nicola F.

41 BIANCHINI, Alice. Verdade real e Verossimilhança fática. São Paulo: Boletim IBCCRIM, ano 6, n. 67,

junho 1998, p.10. 42 DOTTI, René Ariel. Princípios do processo penal. Revista dos Tribunais 687:258. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, janeiro de 1993. 43 ACKEL FILHO, Diomar. Verdade formal e verdade real. São Paulo: RTJESP, Lex n.111, março- abril

1988, p. 9.

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Malatesta que em matéria penal não se pode contentar com quaisquer provas

fornecidas, se não em que elas sejam as melhores que se possam ter em

concreto e ainda quando a lógica das coisas não autorizem a acreditar que

devam existir outras bem melhores.44

Nessa linha de raciocínio há também a sustentação de que o processo

por ser movido no interesse público, a condenação deve ser imposta como

providência jurisdicional justa e solução pertinente ao pedido do autor da

ação.

Nessa busca da verdade material, também está repercutido que, no

sistema probatório de livre convicção ou da persuasão racional acolhido pelo

processo penal, está vinculada a decisão do julgador à avaliação e ponderação

das provas apresentadas e existentes nos autos (quod non este in actis non est

in mundo). E ainda para que essa busca da verdade material fique mais

reforçada, considera-se ainda a prova da alegação que incumbe a quem a

fizer, e o próprio juiz nos termos do art. 156 do CPP poderá no curso da

instrução ou antes de proferir a sentença determinar,“de ofício”, diligências

para dirimir dúvida sobre ponto relevante, e ainda após encerramento da fase

instrutória, ordenar diligências para sanar qualquer nulidade ou suprir falta

que prejudique os esclarecimentos da verdade nos termos do art. 502 do CPP.

44 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria penal. Trad. Paolo Capitanio. 3.ed

Campinas: Bookseller, 2004, p.107.

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Há de se reconhecer, entretanto, que é perversa, mesmo que por mais se

tente negar, a robotização atribuída ao julgador, por vezes até lhe alijando da

condição humana indescartável também em um juiz45, o que não lhe imuniza

de qualquer deslize, e não lhe garante o encontro de decisões justas na medida

em que envidar maior esforço para tal.(Capítulo VII, 7.4)

Por décadas prevaleceu-se o entendimento de que o ideal de justiça

somente seria atingido quando a sentença estivesse fundada na “verdade

material”. Essa busca era como a espinha dorsal do processo, reiterando-se,

era tida como fim dele e não meio, hoje a verdade a ser atingida pelo processo

penal segue alguns parâmetros que por vezes sacrificam-na, mas resguardam

direitos e garantias protegidos pela Constituição Federal. (V.Cap. VI, 6.2)

Nesse entendimento mais recente, considera-se igualmente que a

verdade deve ser alcançada; inclusive a seriedade de tal perquirição, no curso

do processo penal, impende sacrifício e esforços extenuantes, entretanto, fica-

se patente a impossibilidade de reprodução fática completa no campo

probatório.

O emprego da verdade “substancial”, “real”, ou “material” que retrata

as minúcias indissociáveis não se afina com a realidade processual em que

atuamos. É de raridade a sua contemplação em toda a sua pureza.

45 Nesse sentido BRUM, NILO Barros. Requisitos retóricos da sentença penal. São Paulo: Ed. Revista dos

Tribunais, 1980, p.69.

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Mutatis mutandis já que mencionamos haver no processo penal também

nuances de verdade formal (Ver Cap.I, 1.2.1.1), no processo civil, no mesmo

compasso, há presença da verdade material, nos moldes já especificados;

citamos o art.130 do CPC onde temos que o juiz poderá de ofício ou a

requerimento das partes determinar provas necessárias à instrução do

processo 46, portanto não é lógico mais afirmar que o processo civil prima tão

somente pela verdade formal e o processo penal pela verdade material.

A investigação diligente permite anular a participação iníqua das partes,

quando tendem a desvirtuar o verdadeiro significado e conhecimento das provas,

e ainda dosar os limites dessa participação então, terminando na mesma linha

que começamos “a verdade material há de ser uma verdade judicial

processualmente válida”47 nas palavras de Jorge Figueiredo Dias; de modo que

completa Ada Pellegrini Grinover o princípio da verdade material significa hoje

simplesmente a tendência a uma certeza próxima da verdade judicial.48

Pelo exposto os dogmas da verdade formal e material parecem meio

estremecidos na óptica moderna, porque já brilharam numa época de

46 Há vários outros dispositivos que mencionam a verdade material também na seara do Processo Civil. V.

alguns deles: art. 342, 255, 440 do CPC; Lei n. 5.478/68, que dispõe de alimentos art.5º, par.7º. 47 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal.Coimbra.Ed.Coimbra, v.1º, 1974, p.193-194. 48 GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal

acusatório.Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.83.

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intervenção estatal mais premente49, então a verdade é atributo obtido de um

juízo, não de uma prova50, sendo demarcado pela justiça como fundamento.51

1.2.2. A Verossimilhança

“A realidade não é

uma régua, nem uma série de caixas:

não tem marcas distintas, nem conhece

separações absolutas52”.

Fernando Pessoa

A expressão “verossimilhança” (verisimilitude) é significativamente

empregada por alguns juristas a propósito da “verdade” no processo, como

prelecionou Piero Calamandrei.53

Já K. R. Popper 54 escreve que : o “poder de explicação”, “relevância”

ou conteúdo de “verdade” de uma proposição é o elemento da definição da

“verossimilhança” ou de aproximação da verdade, o que permite elucidar a

atividade científica, ou priorizando o fulcro deste estudo, a atividade

49 Nesta escola processual mais contemporânea temos na lição de Ada Pellegrini Grinover: “ o poder- dever

do juiz ao esclarecer os fatos( consiste em) aproximar-se do maior grau possível de certeza...(efetivando assim sua) missão de pacificar com justiça” in ob.cit., p.80.

50 CARNELUTTI, Francesco. Principi del processo penale. Napoli: Morano, 1960. 51 COSSIO, Carlos. Teoria de la verdad jurídica. Buenos Aires: Editorial Losada, 1954, p.215. 52 PESSOA, Fernando. A essência do comércio- Teoria e prática do comércio in “Obras em prosa”, Rio de

Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p.626. 53 CALAMANDREI Piero. Veritá e verosimiglianza nel processo civile. Rivista de Diritto Processuale,

1955, p.6 e ss. 54Karl Popper apud FERRAJOI, Luigi, LUIGI. Direito e Razão-Teoria do Garantismo Penal. São Paulo:

RT, 2002, p.65.

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51

jurisdicional primando por elucidar os fatos que estão sendo perquiridos na

seara do processo penal.

A reconstituição dos fatos sub judice, a ser buscada pelo julgador, se

constitui em uma missão sujeita a equívocos, no entender de Alice

Bianchini55, já que sempre será feita de forma indireta, por meio de uma

atividade probatória que não é imaculada ou isenta.

No entendimento da autora, sanada a fase da instrução criminal, surgem

para o juiz diversas possibilidades de configurações verossímeis, muitas vezes

contraditórias. O magistrado, no entanto, na posse desses materiais

heterogêneos tem por tarefa proclamar a verdade fática.

O fato, tão logo, é apresentado ao juiz, este elabora um juízo preliminar

que deveria ter um valor provisório ou elementar. Esta primeira hipótese pode

ir se reforçando e vir a tornar-se probabilidade para mais tarde transformar-se

em certeza.

No dizer de Luis Alberto Warat temos que:

A verossimilitude mostra a ilusão da verdade, porém não os seus

determinantes. O raciocínio retórico é eficaz pela ilusão de verdade

provocada, sendo pelo valor que está por trás da miragem, fazendo-

a manifestar-se desta forma, a verdade que é estabelecida através

de um processo, não necessariamente corresponde à verdadeira

55 BIANCHINI, Alice, Verdade real e Verossimilhança fática. Boletim IBCCRIM, ano 6, nº.67, junho 1998,

p.10-11.

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forma como os fatos se deram. No entanto, ela é a única alcançável,

e é virtual .56

Calamandrei57 reconduz a verossimilhança a três sentidos distintos:

1º) Atribui o sentido de afirmação correspondente a uma situação

de normalidade, e tem um significado independente e preliminar ao

procedimento probatório58.

2º) Mistura os conceitos de verossimilhança e probabilidade,

atribui a verossimilhança o sentido correspondente a o de

probabilidade, no entanto, em um grau não elevado de

probabilidade59 (Probabilidade mínima).

3º) Afirma que no processo a verossimilhança-probabilidade é

usada como sub-rogado de verdade60 (Probabilidade máxima).

A verdade processual, segundo Calamandrei61, portanto, é uma verdade

histórica obtida através de um juízo histórico sobre os fatos ocorridos. Nesta

56 WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito. Porto Alegre: Fabris Editor, 1994, p.115. 57 CALAMANDREI, Piero. Veritá e verosimiglianza nel proceso civile, in “Opere Giuridiche, vol V, p. 616. 58 O juízo de verossimilhança corresponde, justamente, ao primeiro momento da análise abstrata das

alegações da parte, antes do procedimento probatório e baseia-se em momento anterior ao da produção e análise das provas. Está calcado sob uma máxima de experiência que diz respeito a freqüência com que fatos tais como os alegados são reproduzidos na realidade (Calamandrei, ob. cit., vol. V, p.618).

59 Ao lado da concepção de verossimilhança assimilada à verdade processual na medida em que psicologicamente o juízo da verdade dos fatos é um juízo histórico e, portanto, de verossimilhança, a lei estabelece uma diferenciação e contraposição entre verdade processual e verossimilhança. Em determinadas situações, a lei estabelece outra concepção de verossimilhança que seria contraposta à verdade, para permitir a produção de efeitos num juízo de cognição sumária contraposto ao juízo exauriente e definitivo, o que impõe a verificação do que seria a verossimilhança processual contraposta à verdade processual, bem como das distinções dos demais graus de aproximação da verdade (Calamandrei,ob.cit.,vol. V, p. 618).

60 Pelo observado Calamandrei dá então três sentidos a verossimilhança: primeiro, um sentido restrito (afirmação qualificada pela idéia de normalidade obtida pelas máximas de experiência): segundo, um sentido de probabilidade mínima; terceiro, um sentido de probabilidade máxima (certeza judicial).

61 CALAMANDREI, ob.cit. vol V, p.616.

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esteira quando se diz que um fato é verdadeiro, diz-se em substância que ele

alcançou na consciência do julgador um grau máximo de verossimilhança,

suficiente para dar a certeza subjetiva do acontecimento.

Conforme Taruffo62 a verossimilhança diz respeito à afirmação do fato

sem qualquer consideração com a prova, inclusive não se refere a sinônimo de

prova frágil do fato; pois não exprime conhecimento ou grau de

conhecimento, uma vez que o conhecimento é dado apenas pelos elementos

de prova da afirmação do fato. (V. Cap V, 5.2)

A partir do que discorremos a respeito de verossimilhança não

podemos colocá-la, tão somente, como sinônimo de probabilidade, mas a uma

situação na qual o fato não tendo sido provado de maneira plena, porta

elementos aptos a julgá-lo credível.

Ainda apontado por Taruffo, um fato é verossímil não quando existem

elementos de prova para julgar aceitável a sua afirmação, mas sim quando a

afirmação do fato, em si mesma, aparece conforme a normalidade das coisas

(máxima da experiência).

62 TARUFFO, Michele. “La prova dei Fatti Giuridici.. Giuffrè Editore, 1992, p.160.

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A verossimilhança, na óptica de Taruffo, em síntese ocorre quando

pode- se utilizar a máxima da experiência, independente de prova. Entretanto,

corroborando com essa análise, temos que um fato reproduzido guarda

verossimilhança, quando tende demonstrar a verdade aproximada, no sentido

de que a realidade desse fato deve estar inserta na normalidade, perfeitamente

correspondente ao que habitualmente acontece em determinado setor da

experiência.

Pelo exposto a verossimilhança63 se dissemina na noção de

“aproximação”,“acercamento” da verdade objetiva entendida como “modelo”

ou uma “idéia reguladora” que “somos incapazes de igualar”mas da qual

podemos nos aproximar.

O caminho da persecução criminal que se alberga no bojo do processo

penal é árduo, pois seu escopo é atingir, após extenuante esforço, a verdade

alcançável, da qual temos buscado tratar neste estudo.

Na lição de Antonio Magalhães Gomes Filho:

63 Karl.R.Popper apud FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão-Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: RT,

2002, p.63 – Popper comenta que a palavra “verossimilhança” é também aplicada por alguns juristas a propósito da “verdade”no processo. Popper sempre se declara devedor da tese de Tarski da verdade objetiva , “como expressão de um ideal” atribui a ele a influência para a gênese do seu conceito de “verossimilhança” ou de “aproximação da verdade (objetiva); e ainda assevera que: “Muitos tem sido induzidos a afirmar que, ainda que não saibamos quão afastados ou quão próximos estamos da verdade, temos a possibilidade de nos aproximar cada vez mais da verdade. Sentia que, na realidade, deveria escrever Verdade com “v” maiúsculo, para deixar bem claro que se tratava de uma noção vaga e metafísica em alto grau diferente da “verdade” de Tarski, que podemos escrever de consciência tranqüila- da maneira ordinária, quer dizer com minúscula. Só há pouco tempo é que me pus a refletir sobre a idéia fundamental de Tarski não apresentava qualquer dificuldade particular. Pois, hoje, não há razão alguma pela qual não devamos dizer que uma teoria corresponde aos fatos melhor do que outra”( cf. K.R. Popper, Congetture, p. 397).

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As noções de verossimilhança e probabilidade, como sucedâneos

da verdade objetivada no processo, embora útil à identificação de

certas características da pesquisa probatória, não implica a

aceitação de que uma reconstituição verdadeira dos fatos seja

impossível ou desnecessária: além de ser teórica e praticamente

viável, a busca da verdade traduz um valor, que legitima a

atividade jurisdicional penal.64

CAPÍTULO II – SÍNTESE HISTÓRICA

“Este Direito não

foi por mim concebido, veio do

passado até nós, mediante os nossos

bons antepassados”

Saxe 65

2.1 Notas Iniciais

Os direitos e garantias fundamentais elencados em nossa Constituição

tão divulgados e defendidos nasceram como frutos de conquistas históricas e

foram disseminados a partir de movimentos iluministas do século XVIII.

Norberto Bobbio preleciona a respeito:

64 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, p.53. 65 Citado por RADBRUCH Gustav In: Revista Forense, Publicação Nacional de Doutrina, Jurisprudência e

Legislação, julho-agosto, 1956, vol.166, fasc. 637 e 638, p.480.

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Do ponto de vista teórico, sempre defendi e continuo a defender,

fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por

mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja,

nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em

defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de

modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.66

Cesar Bonesana67, um abolicionista da pena de morte, cujos escritos

denunciavam o absolutismo e os excessos do século XVII, no que concerne

aos suplícios advindos dos julgamentos criminais, aduz que à medida que, a

história do homem se desenrola, ele mesmo foi estabelecendo seus meios para

reprimir as condutas que feriam o “contrato social” aventado por Rousseau.

Segundo Rousseau,68 o homem em seu primeiro estado é naturalmente

bom, mas sua existência condicionada à sociedade, onde conhece o

confronto, a disputa, a reflexão, o corrompe. Na construção teórica do filósofo

o homem transforma-se a partir do desenvolvimento científico, tecnológico e ,

notadamente, com o surgimento do trabalho e sua divisão fica apontado o

início da desigualdade e o afastamento do homem de sua formação original .

66 BOBBIO, Norberto A era dos direitos. 11.ed. Trad. Carlos Nelson Coutinho. RJ: Ed. Campus, 1992, p. 5. 67 Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, nasceu em 15 de março de 1738, em Milão e em 1763 começou

escrever Dei Dellitti e delle Pene, livro em que critica as brechas do sistema penal do seu tempo para os arbítrios dos juízes em razão de leis imprecisas e arcaicas in BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas.Trad. Torrieri Guimarães, São Paulo, 2004, perfil biográfico.

68 Rousseau apud PINTO, Maurício. O Animal Político, Curso de Ciências Sociais, Universidade Federaluminense, 2001, p.45.

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57

Ao fazermos uma retomada aos escritos de Beccaria69 veremos que há

mais consonância em suas alusões ao que preconiza Thomas Hobbes70, do que

o preconizado por Rousseau; pois temos que no início o homem se encontrava

em estado selvagem, sendo forçado a se agrupar, e o fez primeiramente em

bandos.

Esses indivíduos, encontrando-se em permanente estado de

beligerância, estado esse que precedeu a reunião dos homens em sociedade,

demarcaram leis que traçavam as suas condições de agrupamento, assinala

Beccaria, entretanto, que reside no coração humano os preceitos essenciais do

direito de punir.

Na teoria de Thomas Hobbes71 a natureza humana é negativa. Em

essência o homem seria egoísta, maléfico, ganancioso, predador. Esse

comportamento visava sustentar a auto-preservação. Segundo Hobbes,

somente através da razão os homens vislumbraram que o “direito natural” os

levariam à extinção. “Reagindo contra a concepção jusnaturalista, repetia

ainda a miúdo: law is not counsel, but command ”.72

Em sua obra “Leviatã”, Hobbes aponta como solução para conter essa

natureza humana um Estado forte, capaz de comandar os homens 69 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004,

p.18 e ss. 70 HOBBES, Thomas.Vida e Obra-Os pensadores, 3.ed., São Paulo: Abril Cultural, 1983. ( Hobbes, filósofo

inglês, autor de “Leviatã ” - 1588-1679). 71 PINTO, Maurício, ob.cit., p, 50. 72 RADBRUCH, Gustav. Revista Forense, ob.cit.p. 480.

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autoritariamente, pois somente assim temeriam algo capaz de neutralizar sua

tendência homicida.

Conforme assinala Fabio Konder Comparato:

O caráter essencialmente sociável do ser humano foi enfatizado

por Aristóteles em sua “Política”, mas essa argumentação do

grande estagirita parece, hoje demasiadamente formalista. Partindo

da premissa lógico metafísica de que o todo precede sempre as

partes que o compõem, afirma ele que a polis é, por natureza,

anterior ao indivíduo. Cada indivíduo, uma vez isolado, não é

auto-suficiente, ele há de se relacionar com a polis como um todo,

assim como as partes devem sê-lo em relação ao todo: enquanto o

homem incapaz de viver em sociedade, ou aquele que é tão auto-

suficiente a ponto de não ter necessidade disto, não é parte da polis,

e deve portanto ser uma besta ou um deus.73

É despiciendo em nossa síntese histórica analisarmos se o homem

dependia ou não da polis, no que tange à sua conduta, o que se faz relevante,

por ora, é em que termos se poderia aferir essa conduta delitiva a fim de que

a respectiva persecução criminal e o juízo dela pudesse ser feito em paridade

com a verdade dos fatos a ser levantada.

2.2 Algumas noções da busca da verdade na antiga Grécia

73 COMPARATO, Fabio Konder. Fundamentos dos Direitos Humanos. Maria Luiza Marcílio & Lafaiete

Pussoli (orgs), A Cultura dos Direitos Humanos, Ed. LTR, São Paulo, 2002, p.71.

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Com o objetivo de iniciarmos breve estudo acerca da evolução do

processo no tempo, esse visto como instrumento próprio à apuração da

verdade, temos como fonte o entendimento de Michel Foucault, que em seu

trabalho fornece-nos informações relevantes à presente investigação que

levamos a efeito.74

O autor identifica, na antiga Grécia, na obra Ilíada, de Homero, a mais

primitiva forma de apuração da verdade de que se tem notícia. O sistema da

prova, nesta época, era o procedimento utilizado com o fito de solucionar uma

contestação apresentada.

Para tanto, diante de uma controvérsia, os adversários lançam um

desafio e invocam o testemunho dos deuses a fim de que estes se manifestem

indicando qual é a verdade. Assevera Foucault que, por esse sistema, a prova

da verdade é estabelecida "(...) Judiciariamente não por uma constatação, uma

testemunha, um inquérito ou uma inquisição, mas por um jogo de prova".75

O procedimento calcado na prova é característico da Grécia no período

arcaico, ressurgindo, porém, em alguns sistemas jurídicos da alta Idade

Média.

Alguns séculos depois, já na época clássica retratada na tragédia Édipo

Rei, de Sófocles, surge um procedimento de pesquisa da verdade denominado

74 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996, p.27 e ss. 75 FOUCAULT, Michel, ob.cit., p.31-33.

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por Foucault de "lei das metades" 76, segundo o qual se busca construir a

verdade através da junção de respostas. É uma fase em que ainda se verifica

forte influência do pensamento mítico, sendo a maioria das respostas

encontradas decorrentes das informações prestadas por oráculos ou adivinhos.

Entretanto, nesse ínterim surge a figura da testemunha, ou seja, aquele

que conhece o passado e, assim, pode “(...) contestar e abater o orgulho do rei

ou a presunção do tirano”. 77

O poder da testemunha decorre não da força divina ou de sua posição

na sociedade, mas do conhecimento que possui da verdade. Sua importância é

tamanha a ponto de Sófocles conceder tal saber a um pastor que, ao invocá-lo,

provocou a queda de Édipo, o soberano de Tebas.

Foucault prossegue, em sua citada obra, afirmando que:

Esta grande conquista da democracia grega, este direito de

testemunhar, de opor a verdade ao poder, se constituiu em um

longo processo nascido e instaurado de forma definitiva, em

Atenas, ao longo do século V (a.C.). Este direito de opor uma

verdade sem poder a um poder sem verdade deu lugar a uma série

de grandes formas culturais características da sociedade grega. 78

76 FOUCAULT, Michel, ob.cit., p.34. 77 FOUCAULT, Michel, ob.cit., p.53-54 78 FOUCAULT, Michel., ob.cit., p.54.

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Em função dessa inovação cultural decorreu a inovação procedimental

na forma de apuração da verdade. Paulatinamente, o povo se apoderou do

direito de dizer a verdade e de opô-la a seus senhores e governantes.

Iniciou-se, destarte, um processo de elaboração de formas racionais de

prova e demonstração da verdade, de onde decorrem a “(..) Filosofia, os

sistemas racionais, os sistemas científicos (...) e então desenvolveu-se uma

arte de persuadir, de convencer as pessoas da verdade do que se diz, de obter

a vitória para a verdade ou, ainda, pela verdade" 79 : traduzida na retórica

grega. Destaca-se, ainda, o reconhecimento do saber decorrente do

testemunho, da lembrança, o que vem a possibilitar a instauração do inquérito.

Esse modelo grego de inquérito, originado inicialmente como forma de

descoberta judiciária, acaba por fornecer o modelo de pesquisa a ser utilizado

por outros ramos do saber, como a filosofia ou a retórica. Em âmbito jurídico,

desenvolve-se a figura do inquérito até alcançar seu apogeu já no período de

dominação do império romano, em cujo sistema jurídico, variadas formas de

tutela dos interesses privados foram elaboradas.

2.3 Algumas noções da busca da verdade no Império Romano

79 FOUCAULT, Michel, ob.cit., p.54.

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Como forma de solução dos conflitos desenvolveu-se em Roma a idéia

da actio, instrumento de invocação de uma primitiva tutela estatal, exercida

por meio de um sistema de ações específicas. O procedimento de apuração da

verdade atingiu alto nível de sofisticação, tendo passado por várias etapas

evolutivas, incluindo-se a elaboração do sistema probatório e a inserção da

figura do julgador como terceiro imparcial.80

Essa figura do julgador imparcial, porém, somente era convocada para

dirimir conflitos após a atuação de um dos litigantes impondo ao outro a

realização de sua vontade. Desta feita, o recurso ao árbitro tinha o condão de

chancelar o exercício privado do direito, não se reconhecendo a competência

deste para, previamente, estabelecer a titularidade e os limites para a

realização dos direitos subjetivos, autorizando ou se substituindo ao particular

neste papel.81 Há que se ressaltar, que nessa época não se falava em

publicização da atividade jurisdicional nos moldes atualmente conhecidos.

Após a era de apogeu do império romano do ocidente e de influência da

cultura grega, o inquérito é deixado ao esquecimento e substituído por outras

formas de apuração da verdade que, entretanto, mantêm elos com algumas das

práticas desenvolvidas por estes dois povos, o romano e o grego.

80 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 222-226. 81 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio; GOMES, Fábio.Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2002, p.11.

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2.4 Algumas noções da busca da verdade no direito germânico

O direito germânico possuía muitos pontos em comum com o direito

grego arcaico, não buscava propriamente a busca da verdade, mas ao se

utilizar, em especial, do recurso do jogo da prova era o bastante, pois essa era

uma forma de solução germânica dos litígios.

Caracterizava-se o sistema germânico no embate direto entre indivíduos

sem qualquer forma de intervenção da sociedade ou dos detentores do poder,

assemelhando-se a uma vingança ritualizada, "(...) uma forma singular e

regulamentada de conduzir uma guerra entre os indivíduos e de encadear os

atos de vingança". 82

Com o trânsito do mundo greco-romano para o medieval a fé religiosa

marcou a tônica entre os povos, o que antes, na época antiga se buscava

satisfazer as diversas divindades, agora a satisfação era diante de um Deus

único, e uma interpretação confusa se dava entre crime e pecado. À medida

que o indivíduo era castigado também estava sendo expiado do pecado e isso

lhe concederia a salvação para a vida eterna. É nessa linha que discorremos a

seguir o nosso estudo, visando demonstrar as maneiras cruéis de apuração da

verdade diante de condutas reprováveis em cada núcleo de convivência que

será apresentado.

82 FOUCAULT, Michel, ob.cit., p.56.

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2.5 A busca da verdade sob o prisma do Direito Canônico

Entre os séculos VIII e XV, o cristianismo se estabeleceu em toda a

Europa Ocidental e o direito canônico foi praticamente o único escrito durante

quase todo esse período medieval.

A Igreja alia-se ao poder secular passando a Igreja a exercer influência

decisiva nas questões de Estado:

(...) através da Inquisição unem-se mais fortemente os dois Poderes

e reafirma-se a doutrina política baseada na idéia das “duas

espadas”: a da Igreja e a do rei, delegadas ambas por Deus para o

exercício da autoridade nas duas esferas, espiritual e temporal, com

supremacia da primeira.Tanto a justiça comum como a canônica

devem trabalhar conjugadamente, somando esforços no sentido de

manter a fé, a ordem e a moralidade.83

O desejo de juntar a população da península ibérica, composta de

judeus e mulçumanos, levou os reis daqueles dois países a pedir e obter do

papa a instalação da Inquisição em seus territórios, e com o tempo após vários

conflitos passou esse a não ser mais um Tribunal eclesiástico, mas sim

Instituição Régia.

Na visão de João Bernardino Gonzaga o Santo Ofício atuava como

justiça criminal comum, ou laica, e era revestida “ por profundo atraso, com

83 GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição e seu mundo.3.ed. São Paulo:Saraiva, 1993, p.20.

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métodos toscos e violentos, mas por todos encarada com naturalidade (..) e

defendida pelos mais sábios juristas de então”.84

Nesse momento da história, a busca da verdade da conduta

criminosa, a qualquer custo, fica representada pelas palavras de Bernardo de

Gui aos inquisidores, que v.g. deveriam seguir algumas diretrizes:

(...) Nos casos duvidosos, seja circunspecto: não dê fácil crédito ao

que parece provável e muitas vezes não é verdade, também não

rejeite obstinadamente a opinião contrária, pois o que parece

improvável, frequentemente acaba por ser comprovado como

verdade (..) o amor da verdade e a piedade, que devem residir no

coração de um juiz, brilhem nos seus olhos, a fim de que suas

decisões jamais possam parecer ditadas pela cupidez e a

crueldade.85

A primitiva justiça feudal e eclesiástica, se estendeu até fins do século

XVIII, e sua maneira de constatar e coibir o crime, mostrada pela história

denota lesão às garantias individuais e reflexos de extrema afronta a noções

de direitos fundamentais ainda não cogitados abertamente.

A Inquisição não sendo um tribunal eclesiástico tinha sempre a

participação do poder régio, posto que os assuntos religiosos eram, na

Antiguidade e na Idade Média, assuntos de interesse do Estado que também

84 GONZAGA, João Bernardino, ob.cit., p. 21. 85 Este é um retrato do Inquisidor traçado por Bernardo de Gui ( século XIV- Prática VI, Douis 232s ) tido

como um dos mais severos inquisidores in GONZAGA, João Bernardino, ob.cit, p.12.

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reprimia as heresias, abusando de sua autoridade. Dois casos significativos

demonstram isso:

1) “Em 1312 houve a condenação dos Templários, contra os quais

o rei Felipe IV, o Belo da França, moveu a Inquisição. O rei estava

desejoso de possuir os bens da ordem desses Templários, pois ao

serem condenados a ordem seria abolida;

2) em 1431 a condenação de Joana D’Arc, a jovem guerreira que

incomodava a coroa da Inglaterra pelo seu zelo cristão e

patriótico”.86

86 GONZAGA, João Bernardino, ob.cit, p.15.

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2.6 Sistema acusatório

O processo acusatório, que se vislumbrou, desde cedo nas legiões

orientais, floresceu na Grécia e em Roma e extinguiu-se durante o Baixo

Império, encontrando-o, posteriormente, ainda que de forma tosca no direito

dos povos germânicos, nos Foros Municipais espanhóis e nas cidades italianas

durante sua época de apogeu medieval.87

No regime feudal as regras processuais adotadas eram as mesmas tanto

nos assuntos civis como nas questões criminais; a jurisdição pertencia ao

senhor da terra. Vigorou por um período o “sistema acusatório”, que versa

em: a) Separação entre os órgãos que assumem as três funções fundamentais

no processo penal: a de acusar, a de defender e a de julgar, b) Liberdade de

acusação, por iniciativa da vítima, c) Igualdade de direitos entre os litigantes,

d) Instrução contraditória, oral e pública, e) Provas livremente propostas

pelos adversários e livremente apreciadas pelo julgador, f) Debate entre

litigantes baseado na concentração e) Sentença não passível de apelação, g)

Juiz carecendo de atribuições para investigar ou para decidir o que não foi

pedido pelas partes, h) Participação acentuada do elemento popular na justiça

penal .88

87 NUCCI, Guilherme de Souza O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997, p.145. 88 NUCCI, Guilherme de Souza, ob.cit., p.145.

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O procedimento era público, oral e formalista onde os litigantes deviam

prestar juramento de que diziam a verdade ante pessoas de bem, que

ratificavam suas posições, estes eram os chamados conjuratores.

João Bernardino Gonzaga assinala:

As partes compareciam pessoalmente perante a assembléia formada

pelos seus pares, sob a presidência do senhor feudal ou de um

representante. O autor apresentava sua queixa de viva voz, através

de rígidas fórmulas tradicionais, sem cometer nenhuma falha que

permitisse ao adversário proclamar nula a demanda. Em seguida,

competia ao acusado responder de imediato, uma vez que o silêncio

equivalia a confissão. A defesa tinha de consistir em negações

exatamente ajustadas aos termos da acusação, refutando-a palavra

por palavra, de verbo ad verbum.89

No que se refere à prova testemunhal, quando havia, também tinha

caráter formalista, importava mais número de testemunhas concordes do que

o que constasse no conteúdo de suas declarações. Existiam regras para indicar

quantos depoimentos bastassem para que se desse como provado certo fato.

Se não fossem os depoimentos aceitos e o número de testemunhas

insuficientes se utilizavam de duas modalidades para se chegar nas soluções

dos julgamentos: 1) o duelo, ou 2) os “juízos de Deus” ou ordálios.

89GONZAGA, João Bernardino, ob.cit., p.22.

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No duelo se confrontavam acusador e acusado, e a razão estava com o

que vencesse, e o perdedor, no entendimento deles, era mentiroso, pois sabia

da própria culpa, lutou com menos ardor e foi facilmente derrotado.

Se não fosse optado pelo duelo, recorria-se aos ordálios, cujos métodos

variavam muito, mas normalmente eram as “provas de fogo” e sobre elas o

autor assinala:

(...) O réu deveria transportar com as mãos nuas, por determinada

distância, uma barra de ferro incandescente. Enfaixavam-se as

feridas, e deixavam transcorrer um número de dias(...)Se as

queimaduras houvessem desaparecido, considerava-se inocente o

acusado: se apresentassem infeccionadas, isso demonstrava a sua

culpa.90

Também havia a “prova de água”, o réu deveria submergir, durante um

tempo fixado, seu braço numa caldeira cheia de água fervente. O que se

esperava com isso era que o culpado, acreditando no ordálio e por temor às

suas conseqüências, pudesse preferir confessar o crime, dispensando, assim, o

teste de sofrimento.

Esse sistema processual “acusatório”, com as características acima

citadas, era aplicado aos nobres, cavaleiros e homens livres, os de classe

servis estavam sujeitos a medidas punitivas discricionárias, e à vontade dos

seus senhores.

90 GONZAGA, João Bernardino, ob.cit., p. 23-24.

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2.7 Sistema inquisitório e as provas legais

O período que se seguiu à época feudal, se tornou inaceitável o sistema

acusatório. O sistema inquisitório retrata uma processualística de vingança.

Simultaneamente foi estruturada a justiça da Igreja, que possuía o

“sistema processual inquisitório”.

No Direito Canônico o procedimento, por ofício, era a regra, na Igreja

nasce o procedimento per inquisitionem, onde o juiz sem acusador, poderia

iniciar um processo e nele de forma livre colher provas que lhe conduziriam

ao julgamento.

Nesse procedimento de atos secretos a autoridade, possuindo poderes

para iniciar a ação penal, colhia as provas que achasse necessárias, avultando

no interesse para a obtenção da confissão do réu, posto que por meio dela, se

entendia, estar suscitada a esperança de regeneração.91

Aos nobres dificilmente aplicava-se a tortura na Inquisição, as penas

também eram executadas diferentemente, a morte consistia na decapitação.

Os plebeus eram levados à forca, as acusações podiam ser secretas, as

garantias de defesa desapareciam pouco a pouco, e todo o acusado devia

permanecer detido durante o processo.

91 “A Inglaterra foi exceção na Europa Ocidental, pois foi imune ao Direito Romano, lá se manteve o sistema

acusatório, publicidade dos atos processuais, oralidade dos debates, instituição do júri., o réu julgado por seus pares. Em regra não se empregando a tortura”. V. GONZAGA, João Bernardino, ob.cit., p.26.

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Ínsitas no modelo inquisitório estavam as provas legais; com elas se

procurava racionalizar as técnicas do acertamento dos fatos, por intermédio

de um complexo sistema em que cada prova tinha um valor previamente

determinado, além do que somente a combinação delas, resultaria em uma

certa quantidade de prova, que poderia autorizar a condenação criminal.

Para exemplificar o caráter complexo desse sistema de provas, exigia-

se um mínimo de duas testemunhas (testis unus, testis nullus), mas

precisavam ser oculares e seus depoimentos deveriam ser firmes em três

inquirições sucessivas, também havia extenso rol de pessoas reprováveis, os

indícios tinham regulamentação especial, constituíam uma semiprova, capaz

de autorizar a penas aflitivas, infamantes e pecuniárias.92

Pode parecer até que essas provas legais, poderiam favorecer a posição

do acusado, mas pelo contrário essas exigências levavam à maior severidade

da investigação, posto que a tortura, tornava verdadeiro instrumento para a

obtenção do convencimento, sempre que os meios ordinários não

propiciassem a certeza ou não se exaurissem como aptos a desvendarem a

verdade.

De acordo com a Ordenação de 1670, reforçando a severidade da

época, era impossível ao acusado ter acesso às peças do processo, impossível

92 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, p.22.

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conhecer a identidade dos denunciadores, impossível saber o sentido dos

depoimentos antes de recusar as testemunhas, impossível fazer valer, até os

últimos momentos do processo, seja para participar da defesa.93

A seu turno, conforme Michel Foucault, o magistrado tinha o direito de

receber denúncias anônimas, de esconder ao acusado a natureza da causa, de

interrogá-lo de maneira capciosa, de usar insinuações. Ele sozinho e com

pleno poder, atingia a uma “verdade” com a qual acompanhava o julgamento

e a conduta atribuída era tida como conduta certa e praticada pelo acusado.

Essa “verdade”, os juízes recebiam pronta, sob a forma de peças e de

relatórios escritos; para eles, esses documentos sozinhos comprovavam os

fatos; só encontravam o acusado uma vez para interrogá-lo antes de dar a

sentença.

A forma secreta e escrita do processo conferia-se com o princípio

existente de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era para o

soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo.

Reiterando o entendimento de João Bernardino Gonzaga94, faltavam, na

época, meios processuais e expedientes para cortar os abusos .

Existiam outros institutos subsidiários que conferiam menor rigor à

repressão, eram eles: a pena extraordinária, ou pena do suspeito, aplicável em 93 FOULCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Ed.Vozes, 1987, p.33-35. 94 GONZAGA, João Bernardino, ob.cit., 26.

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casos de apesar da existência de fortes indícios ou provas que autorizassem a

convicção pessoal do juiz, não atingiam a constatação da prova legal. Havia

também a prova privilegiada, que era apta a “qualificar como plena uma

prova indiciária” , quando se tratasse de apurar crimes de essencial gravidade,

como, por exemplo, lesa-majestade, falsificação de moedas, porte de armas,

bruxaria e outros”.95

2.8. A tortura e a confissão

Com o início da época moderna, os ideais novos do renascentismo se

imiscuíam com as práticas contrárias em vigência e que já foram supra

destacadas.

A tortura judiciária, no século XVII, funciona nessa estranha

economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par

com o ritual que impõe a punição.O corpo interrogado no suplício

constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da

verdade. E do mesmo modo que a presunção é solidariamente um

elemento de inquérito e um fragmento de culpa, o sofrimento

regulado da tortura é ao mesmo tempo uma medida para punir e um

ato de instrução.96 (grifo nosso)

Para se efetivar a confissão, a “probatio probatissima” se recorria a

várias espécies de tortura, o que Beccaria, em 1764, reservou os mais

95 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.25. 96 FOUCAULT, Michel, ob.cit., p.38.

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candentes ataques, qualificando-a de “fria atrocidade”, “industriosa

crueldade”, “inútil prodigalidade de suplícios”; posto que nas ordenações de

1254 na França, e em todas subseqüentes adotou-se o interrogatório com

tormentos.

Na Alemanha, na Itália, e em Portugal, por toda parte, se torturavam

normalmente os acusados e até as testemunhas não merecedoras de fé; e ainda

mais, nos crimes atrozes os juízes ficavam livres para condenar em base de

elementos bem precários.

Retornando ao objeto deste trabalho que clama em reafirmar que, a

busca alcançável da verdade fática, dentro de regras processuais pré-

estabelecidas, por certo, deve preceder a aplicação do direito, fica nesse

contexto histórico alijada, e ademais no status quo ante “o fim justifica

qualquer tipo de meios”97. O suplício se inseriu tão fortemente na prática

judicial da época porque:

(...) é revelador da verdade e agente do poder, promovendo a

articulação do escrito com o oral, do secreto com o público, do

processo de inquérito com a operação da confissão(...).Faz também

do corpo do condenado o local da vindita soberana, o ponto sobre o

97 Este posicionamento é atribuído a Nicolau Machiavel (1469-1527).O pensamento de Machiavel contribuiu

para a criação de justificativas para os governos absolutistas e divinizados dos séculos XVII e XVIII, rompendo com a política medieval; e a sua obra “O príncipe”, é uma espécie de manual da arte de governar, onde se coloca a lógica do poder como a lógica da força, nesta dinâmica o príncipe virtuoso será o que aproveitar a situação par realizar as mudanças necessárias e alcançar seus objetivos (V. Gabriel Chalita, Vivendo a Filosofia .São Paulo:Atual, 2002, p.100-103).

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qual se manifesta o poder, a ocasião de afirmar a dissimetria das

forças.98

Esse sistema prestigia o espírito vingativo por ocasião dos julgamentos

propiciando simultaneamente a emergência do inconformismo de alguns

iluministas. Beccaria, em 1764 inspirado em ideais que se preconizarão na

Declaração do Homem e do Cidadão em 1789, relata com argumentos

plausíveis uma necessária transformação das crueldades dos julgamentos da

época assinalando sobre a origem do direito de punir.

O autor ao aludir a respeito do “pacto social” e de seu surgimento,

preleciona que, fatigados os indivíduos de só encontrarem inimigos sacrificam

parte de sua liberdade, para usufruirem o restante dela com mais segurança.

Com a finalidade de sufocar o espírito despótico de cada indivíduo, este

concede parte dessa liberdade, surgindo, entrementes, as penas para os

infratores das leis.

Do pensamento de Beccaria temos então que a somatória dessas partes

de liberdades sacrificadas ao bem geral, constitui a soberania das nações, e o

fundamento do direito de punir, onde o soberano fica encarregado das leis e

se mantém como depositário dessas liberdades.

Portanto, mais justas serão as leis quanto mais inviolável for a

segurança e maior a liberdade. Todo exercício de poder que se afasta dessa

98 FOUCAULT, Michel, ob.cit., p. 47.

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dinâmica se constitui em abuso e não justiça ou “usurpação e não poder

legítimo”.99

Rousseau, em Discursos100, completando a idéia e atribuindo um

sentido mais amplo se expressa: “fundamental de todo direito político”, que

os povos deram a si mesmos chefes para defender sua liberdade e não para

sujeitar (“se temos um príncipe”-dizia Plínio a Trajano-“é para nos preservar

de ter um senhor”), afirma que, relativamente à liberdade, ocorre o mesmo

que com a inocência e a virtude, “cujo preço só se sabe quando as gozamos

nós mesmos e cujo gosto se perde logo que a perdemos”.

Os julgamentos, à época, acompanhavam um ambiente hostil e de

crueldades onde na praça pública se assistia os espetáculos do horror, da

tortura, e de suplício o que era um acontecimento, para o embrutecimento

popular.

Conforme Nicolau Maquiavel101 quando trata da “Crueldade e da

Piedade” escreve :

(...) importar ao príncipe a qualificação de cruel para manter seus

súditos unidos e com fé, porque, com raras exceções, é ele mais

piedoso do que aqueles que por muita clemência deixam acontecer

99 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas .Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004,

p.18-20. 100 ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes e sobre a origem da desigualdade,

Atena: São Paulo, p.153. 101 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe.Os Pensadores. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983, p. 70

(Machiavel 1469-1527).

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desordens, das quais podem nascer assassinos ou rapinagem. É que

estas conseqüências prejudicam todo um povo, e as execuções que

provêm do príncipe ofendem apenas um indivíduo.

O direito de punir, como meio de estabelecer a força absoluta do poder,

passou a incluir a presença do povo, que se fazia primordial como espectador,

sendo convocado para assistir às exposições, às confissões públicas onde os

pelourinhos, as forcas e os cadafalsos eram erguidos nas praças públicas ou à

beira dos caminhos, onde, normalmente, os condenados eram executados nos

próprios lugares que cometiam os delitos, pelos quais pagavam, e sob o

clamor do público e com a presença de carrascos e cavalos, que contribuíam

para que a saga de sangue e horror se desenrolasse.102

2.9 Reação Iluminista e a intime conviction

Beccaria e outras vozes duramente se levantaram contra as práticas

utilizadas na aplicação de penas para coibir o crime e as condutas infratoras,

no entanto, o que temos a observar é que desse sistema de terror, o fim do

processo criminal tal qual hodiernamente vislumbra-se, fica empalidecido.103

102 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Ed.Vozes, 1987, p.32. 103.... ou seja um juízo mais perto da certeza, não de uma prova, sendo demarcado pela justiça como fundamento. Nesse sentido V.CARNELUTTI, Francesco. Revista di Diritto Processuale. Verità,dubbio e certezza. Padova: Cedam, 1965, vol.XX (II Série), p.4-9; COSSIO, Carlos. Teoria de la verdad jurídica, Buenos Aires: Editorial Losada, 1954, p. 215; GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p.83.

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As condições indignas de um julgamento, realçando métodos díspares

de suplícios, com desalinhadas regras pré-estabelecidas, marcam essa fase da

história de excessos garantindo a reboque uma economia de um poder

totalitário.

Por volta de 1764, já se propunham inúmeros projetos de reformas,

para uma nova teoria da lei e do crime, nova justificação moral ou política do

direito de punir, bem como a abolição das antigas ordenanças e supressão dos

costumes.

A reação ao sistema inquisitório e à doutrina das provas legais

correspondia um novo estágio do pensamento filosófico resultante da

substituição do abstratismo escolástico e cartesiano pela observação direta e

crítica dos fatos, própria das escolas experimentais e indutivas; daí o

conseqüente reclamo em favor de um processo informativo, voltado à

“ricerca indifferente del fatto”, cujos resultados deveriam ser submetidos à

livre apreciação dos julgadores, sem o apriorismo consbstanciado das regras

de avaliação aritmética das provas”.104

A pena de morte e a tortura passaram a ser veementemente contestadas

na nova óptica iluminista que portava nova formatação de relações entre o

Estado e o cidadão. Para a reprovação do sistema inquisitório no âmbito do 104 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, p 26. O autor faz citações de PISANI, Mario. Becaria e il processo penale In: Cesare Beccaria and modern crimianl policy, Milano, Giuffrè, 1990, p.116.

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processo penal, advinda dessas novas propostas iluministas, bem como pela

introdução do modelo inglês de julgamento advindo do júri popular (V.Cap.II,

2.10) e a tônica de um processo público, oral e com a participação da defesa,

único compatível com a presunção de inocência, temos como suporte os

escritos de Cesare Beccaria “(...) um uomo può chiamarsi reo prima della

sentenza del giudice, né la società può togliergli la pubblica protezione se

non quando sai deciso ch’egli abbia violato i patti, coi quali gli fu

accordata”.105

Como um reflexo direto da atrocidade e do terror, em solo pátrio, que

se distancia substancialmente do princípio de dignidade da pessoa humana e

desses novos ideais precursores do iluminismo, temos a execução do Alferes

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, cujo julgamento é exemplo, na

visão de Oswaldo Henrique Duek Marques 106, de perseguição post mortem

em nome da vingança pública.

Tiradentes após ser enforcado, teria sua cabeça cortada e levada a Vila

Rica, onde seria pregada num poste alto, para ser consumida pelo tempo, seu

corpo seria dividido em quatro quartos e pregado em partes pelo caminho de

Minas Gerais.107

A certidão do cumprimento da sentença foi lançada dessa forma: 105 Cesare Beccaria apud MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.26. 106 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da Pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p.48. 107 O acórdão encontra-se transcrito no livro de Augusto de Lima Júnior. História da Inconfidência de Minas

Gerais, 3.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1968, p.161 In: Oswaldo Henrique Duek Marques, ob.cit., p.48.

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(...) certifico que o Réu Joaquim José da Silva Xavier, foi levado

ao lugar da forca levantada no Campo de São Domingos, e nella

padeceu morte natural, e lhe foi cortada a cabeça, e o corpo

dividido em quatro quartos; e de como assim passou na verdade

lavrei a presente certidão, e dou minha fé. Rio de Janeiro, 21 de

abril de mil setecentos e noventa e dois.108

Este procedimento representa, uma maneira de intimidação a qualquer

força contrária ao poder estatuído, funcionando como instrumento de

contenção de um povo.

Nos princípios do século XIX o grande espetáculo é escamoteado,

exclui-se do castigo a encenação da dor, já havendo a sobriedade punitiva. A

Inglaterra foi o país mais sensível ao cancelamento dos suplícios, talvez por

causa da função de modelo na instituição do júri, no processo público, no

habeas corpus que haviam inserido à sua justiça criminal.

Então, a carroça foi sendo substituída pela carruagem fechada, as

execuções se davam a horas tardias, para que fossem inacessíveis ao público,

e deixasse de ser um espetáculo.

Paradoxalmente ao cenário de um direito penal do terror traduzido

pelo processo da conjurada rebelião de Minas Gerais- a devassa foi

aberta em 15 de junho de 1789 e encerrada em 24 de maio de 1794-

o mundo já estava conhecendo e fruindo algumas das mais

libertárias expressões de garantia aos direitos do Homem e a

reprovação dos meios e métodos cruéis de combate ao delito. A

108 Dotti, René Ariel. Sobre a Condenação de Tiradentes. Revista Brasileira de Ciências Criminais, Revista

dos Tribunais, ano I, janeiro-fevereiro, 1993, p.131-135.

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Declaração dos Direitos de Virginia (16.06.1776); A Declaração de

Independência dos Estados Unidos (04.07.1776); A Constituição

dos EUA (17.09.1787); a declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão (26.08.1789) e os dez primeiros aditamentos à

Constituição americana (aprovados em 25.09.1789 e ratificados em

15.12.1791), além de outros documentos contemporâneos

aparecem com um formidável contraste com os ritos e a violência

praticados nos autos de devassa da Inconfidência Mineira” e na

história de terror e suplício “na negação do direito à sepultura, na

punição além da pessoa do delinqüente, a violação do princípio da

reserva legal denunciados (...) e de outras sanções cruéis que

caracterizavam a face brutal do regime punitivo contra o qual tanto

lutaram os iluministas, tendo a frente Cesare di Bonnesana, o

Marquês de Beccaria, em sua obra imortal: Dei deliti e delle pene-

Milão, 1764.109

2.10 A Legislação Revolucionária: a introdução do Júri na busca

da verdade

Dos ideais iluministas se faz efetivar propriamente a ruptura do sistema

inquisitório herdado do Ancien Regime com a Lei de 16 de setembro de 1792,

sobre a organização da justiça criminal; esse texto, cujo projeto provocou

intensos debates fundamentais de reforma, pois as forças políticas se

posicionaram contra, foi apresentado à Assembléia Constituinte por Duport.

Com a regulamentação do procedimento por jurados em matéria

criminal, introduzido pelo Décret de 16-24 de agosto de 1790 se introduzem

109 DOTTI, René Ariel, ob.cit., 133-135.

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as garantias em favor do acusado, notadamente a publicidade e o direito a

assistência de um defensor.

A consagração irrestrita da oralidade, confere aberta oposição ao

precedente, nesse procedimento110 após uma fase de informação conduzida

pelo juiz de paz do lugar, a causa era encaminhada a um júri de acusação

distrital, composto de oito jurados, que devia deliberar sobre a

admissibilidade da acusação.

Quando houvesse essa deliberação passava-se então ao julgamento

perante o tribunal criminal, instituído em cada departamento por doze jurados,

que decidiam sobre os fatos além de outros três juízes togados e um

presidente, aos quais incumbia a fixação da pena.111

Nesse procedimento conforme Paulo Ferrua Esmein112 os depoimentos

eram prestados pelas testemunhas de viva voz, tanto perante o júri de

acusação como o de julgamento, e os jurados, embora, tivessem acesso a 110 As origens dos julgamentos populares teve origens históricas remotas, no caso inglês tratava-se de um

procedimento investigatório de natureza fiscal e administrativa, onde o rei determinava a convocação de certo número de pessoas da localidade a fim de apurar e depois testemunhar determinados fatos da coroa. A função dos jurados inicialmente era recolher informações e prestar testemunhos sobre os fatos investigados (jury of proof). Dessa prática parece ter resultado em matéria criminal, a instituição do grand jury, composto por doze homens de boa reputação e sem antecedentes criminais, que buscavam apurar crimes e apresentar comunicações a respeito, mais tarde a tarefa desse órgão transformou-se em resolver a admissibilidade das acusações (júri de acusação). O juri (petty jury) com a função de decidir a culpabilidade ou inocência do acusado, só apareceu após Concílio de Latrão ( 1215) ter abolido os juízos de Deus, pois antes os acusados eram submetidos às ordálias. No início, era esse grand jury que decidia da procedência da imputação, o que havia remotas chances, para o acusado, de ser reconhecido como inocente. Em 1350, um estatuto de Eduardo III, de 1350, garantiu ao acusado a possibilidade de recusar qualquer jurado que tivesse participado do júri de acusação, então se feita a acusação por um júri, outro decidiria sobre os fatos.( V. Rogério Lauria Tucci, Significado e importância das quaestiones perpetuae em direito penal e processual penal. Ciência penal, 2(2):68-87, 1975, esp. p.77); MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.36.

111 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob. cit., p.28. 112 Paulo Ferrua Esmein apud MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.28.

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determinadas peças escritas dos autos, jamais poderiam consultar as

transcrições de testemunhos tomados nas fases precedentes.

Nesse novo sistema em vigência, liberto agora das penas legais, legava-

se liberdade total e absoluta aos juízes e jurados, dispensava “a indicação dos

motivos de convicção e estava a salvo, também, de quaisquer regras de

exclusão, ao contrário do que ocorria com o próprio modelo inglês, inspirador

da reforma”.113

O Júri de Imprensa representou o aparecimento do Tribunal Popular no

Brasil114. A instituição do Júri, em solo pátrio, conforme Hermínio Alberto

Marques Porto apareceu em 1822, com sentido libertário moldado pelo

Decreto de 25-5-1821, do Príncipe Regente D. Pedro, e assim pontua:

“(...) o que inaugurou a autonomia da distribuição da justiça no Brasil,

e por isso abriu a fase da preparação de uma constituição liberal.

Melancolicamente, sem reclamos por volta, embora como o primeiro

Tribunal do Júri em nossa história, o Júri de Imprensa, com a mesma

fundamentação constitucional do destinado a julgar os crimes dolosos

contra a vida foi extinto pela Lei n. 5.250 de 09-02-1967 – Lei de

Imprensa, que introduziu o julgamento do juiz togado.115

113 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob. cit., p.29. 114 PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri - Procedimentos e aspectos do julgamentos.Questionários.11. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 41. 115 PORTO, Hermínio Alberto Marques, ob.cit., p. 38. “Desde a Constituição de 1946, par. 28 do art. 141, a instituição do júri enunciou o sigilo das votações como proteção à formação e manifestação, livres e seguras, do convencimento pessoal dos jurados pela incomunicabilidade protegidas de eventuais envolvimentos para arregimentação de opiniões favoráveis ou desfavoráveis ao réu, e pelo sigilo das votações, tendo a garantia do resguardo da opinião pessoal e individual, que pode não ser a majoritária, que é a expressão das decisões do Júri (art. 488 do CPP) tem, portanto, o cidadão sorteado para o exercício das relevantes funções de jurado na posição de integrante de um dos órgãos que exercem a Jurisdição Penal no País, garantias para livre formação de seu convencimento e livre expressão de sua decisão”. (V. PORTO, Hermínio Alberto Marques, ob.cit., p.41-42).

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2.11 Sistema Misto do Code d’instruction criminelle

Após o ímpeto do movimento revolucionário onde os limites do

Estado se estabeleciam em prevalência ao indivíduo, os objetivos da

burguesia se fizeram sentir com o Code des délits et des peines, de 25 de

outubro de 1795. Sementes, que provocaram a involução do sistema

acusatório, herdadas das Ordonnances de 1539 e 1670 foram lançadas e da

união que formou-se do recrudescimento de um sistema e o ressurgimento

do outro emerge o Code d’instruction criminelle de 1808, onde se chega a

um sistema misto, e até hoje se constitui na base dos ordenamentos ligados à

tradição continental.

Conforme Guilherme de Souza Nucci suas principais características

são: divisão do processo penal em duas fases: a instrução ou sumário, com

elementos do procedimento inquisitivo, e o plenário ou fase de julgamento,

com a forma do sistema acusatório; b) se num primeiro momento predomina

o procedimento secreto, escrito e de iniciativa judicial, num segundo, estão

presentes a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração e a

intervenção dos juízes populares numa livre apreciação de provas.116

O cerne de nossa pesquisa que se firma na busca da verdade pelo

processo penal, alia o eixo resultante da conciliação dos dois modelos que

116 NUCCI, Guilherme de Souza. O valor da confissão como meio de prova no processo penal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997, p.147.

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está na manutenção do critério da íntima convicção117 do julgador na

apreciação das provas, o que imprime as premissas do processo acusatório,

público e oral mas esse procedimento probatório é regulado por prescrições

legais, com participação dos interessados, em contraditório. Essa dinâmica

atualmente não legitima o arbítrio judicial, na medida em que as

informações da fase precedente, obtidas sem quaisquer regras de garantia,

possam ser valoradas livremente, como material idôneo à formação do

convencimento.

No Brasil hoje vige o sistema misto porque há uma fase necessária e

preliminar que é constituída pelo inquérito policial, onde se verifica o sigilo,

a livre colheita da prova por quem preside a investigação, a falta de

contraditório e de publicidade, e o procedimento é escrito, enfim, um

sistema nitidamente inquisitório. Depois, ajuizada a ação penal, há maior

vigor do sistema acusatório- que entretanto, não é puro, - onde impera a

igualdade entre as partes, um juiz imparcial, que pode buscar a prova para

atingir a verdade material, os atos primam pela publicidade, oralidade das

partes, do contraditório e da ampla defesa.118

117 Nessa esteira ao revés da estrita legalidade dos ideais iluministas que se consubstanciava quanto aos

delitos e penas, se substituiria “ o juiz livre na aplicação das penas, mas limitado quanto à apreciação das provas, por um juiz desvinculado das regras probatórias mas submetido as prescrições legais no tocante à definição dos crimes e respectivas sanções; à afirmação da certeza do direito, alternava-se o arbítrio do juiz em relação às questões de fato”. (Antonio Magalhães Gomes Filho, ob.cit., 26-27 In: Massimo Nobili, Il principio del libero convincimento del giudice, Milano Giuffrè, 1974, p.131-134).

118 Guilherme Nucci, ob.cit., p.147.

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Na lição de Rogério Lauria Tucci, “o moderno processo penal

delineia-se inquisitório, substancialmente, na sua essencialidade: e,

formalmente, no tocante ao procedimento desenrolado na segunda fase da

persecução penal, acusatório”.119

119 Rogério Lauria Tucci apud NUCCI, Guilherme de Souza, ob. cit., p. 148.

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CAPÍTULO III - A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E O PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

“Age de tal maneira que uses a

humanidade,

tanto da tua pessoa como na pessoa

de qualquer outro,

sempre e simultaneamente como fim

e nunca simplesmente como meio.”

Kant. Metafísica dos Costumes.

3.1 O princípio da dignidade da pessoa humana e o Humanismo

Neste capítulo enfatizaremos a importância dada à pessoa humana,

mesmo em face a uma imputação penal. Na busca da verdade o processo

segue em normas e princípios pré-estabelecidos que buscarão aferir, por meio

de atos que lhe incorporam, a busca da verdade dos fatos que culminaram

e/ou giraram na órbita do ilícito penal apontado.

Figueiredo Dias se manifesta dizendo que “o próprio pensamento

filosófico mais recente veio mostrar que toda a verdade autêntica passa pela

“liberdade” da pessoa, pelo que a sua obtenção à custa da dignidade do

homem é impensável”.120

120 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Direito Processual Penal, vol.1º, Coimbra, 1974, p.194.

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A dignidade da pessoa humana é :

(...) irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica

o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte

que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser

titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Esta,

portanto, como qualidade integrante e irrenunciável da própria

condição humana, pode ser reconhecida, respeitada, promovida e

protegida, não podendo, contudo ser criada, concedida ou retirada,

já que existe em cada ser humano como algo que lhe é inerente.121

O valor da pessoa humana, no magistério de Miguel Reale, consiste em

colocá-lo sob a óptica de duas correntes, a do Direito Natural transcendente e

a do Direito Natural transcendental que assim preleciona:

Segundo os primeiros, o valor da pessoa humana não seria mais

que a expressão da natureza humana mesma (...), visto estar assente

numa verdade reconhecida a priori como expressão perene e

absoluta da vontade divina transfundida à sua criatura, e, como tal,

insuscetível de mutação histórica. É manifesto, penso eu, o sentido

implicitamente religioso do Direito Natural transcendente, que é

inseparável da idéia do homem criado por Deus, à sua imagem e

semelhança, e, desse modo, considerado uma pessoa dotada ab

origine de dignidade intocável. Bem diversa é a colocação do

problema à luz do Direito Natural transcendental, cuja a idéia

mestra remonta a Kant, ao apresentar a pessoa humana como

“condição transcendental de possibilidade” da experiência jurídica,

uma vez que “a autonomia da vontade é o único princípio de todas

as leis morais e dos deveres que lhes correspondem”, sendo este um

corolário da lei fundamental da razão pura prática, que determina:

121 WOLFGANG SARLET, Ingo. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição

Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.41.

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“Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa sempre valer,

em todo tempo, como princípio de uma legislação universal.122

Não há como falar de dignidade humana sem citar os artigos trazidos

pela Constituição Federal de 1988, quais sejam: 1º, III, 170, caput e 226

parágrafo 7º, pois é notório que ela se constitui o eixo a partir do qual todos

os sistemas constitucionais devem ser aplicados, e o processo penal não deixa

de ser efetivamente o direito constitucional aplicado.123

Não podemos falar desse imperativo categórico, mesmo em sede de

uma persecução penal, sem aventar o termo humanismo que Guido Gonella

assim conceitua:

O caráter humanístico do Direito foi claramente demonstrado pela

jurisprudência romana, a qual declara que o Direito é constituído

“hominum causa” (Digesto, 1, 5) e que o homem é não somente

causa eficiente do Direito, mas ainda, causa final. Ou seja, o

Direito é do homem e para o homem (...) A humanidade do Direito

é condição de sua ética: os que negam a eticidade do Direito,

consequentemente são aqueles que, partindo da negação do

primado e da dignidade da pessoa, terminam por considerar

naturalisticamente todo o mundo jurídico: analisam e classificam as

normas de Direito como se classificam os estratos geológicos, sem

levar em conta que o Direito observa, sim, fatos reais, mas não

fatos da natureza, fatos do homem, porém, isto é, atos humanos,

relações entre os homens.124

122 REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.60-61. 123 HASSEMER, Winfried. Fundamentos de Derecho Penal. Trad. de Francisco Munhoz Conde e Luiz

Arroyo Zapatero Barcelona: Bosch Casa Editorial S.A., 1984, p.150. 124 GONELLA, Guido. Bases de uma ordem social.. Rio de Janeiro: Vozes, 1947, 13, capítulo IV, p.29-30.

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O discurso do humanismo foi ganhando consistência ao longo dos

séculos, recebendo, na atualidade, uma codificação mais verticalizada por

parte de Emmanuel Mounier e especialmente de Jacques Maritain, no

“humanismo integral”.

A construção do humanismo é obra da humanidade aberta, ecumênica e

inteira, cujos reflexos, poderão fazer brilhar todos os recônditos mais

escondidos e esquecidos deste mundo, que abriga uma gama imensa de

povos, culturas, e modos de vida.

A tradição do humanismo atingiu sua expressão máxima na obra dos

grandes teólogos do século XIII, sobretudo na obra de Santo Tomás de

Aquino que já falava expressamente em dignitas humana.

A idéia fixou-se definitivamente no século XV nas academias eruditas

da Renascença italiana, onde alcançou plena maturidade com algumas figuras

proeminentes, tais como Marsílio Ficino, Erasmo de Rotterdam, São Tomás

Moro, Pico della Mirandola e Concordia125 que apresentou a sua tese, segundo

a qual (...) “partindo da racionalidade como qualidade peculiar, inerente ao ser

humano, advogou ser esta a qualidade que lhe possibilita construir de forma

livre e independente sua própria existência, seu próprio destino”.126

125 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2000,

p.4. 126 WOLFGANG SARLET, Ingo, ob.cit., p.30.

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A grandeza original do homem, independendo de onde

geograficamente se encontre, o faz “participar de tudo quanto pode enriquecê-

lo na natureza e na história; e também possa desenvolver as virtualidades nele

contidas, as suas forças criadoras e a vida da razão, labutando assim por fazer

das forças do mundo físico instrumentos de sua liberdade”.127

A idéia de ser humano, embora em tempos recentes tendo sido

contestadas pela filosofia e as ciências humanas em geral, fundiram-se na

síntese da tradição grega, tradição latina e a tradição bíblico-cristã.

A tradição grega, advinda do conceito socrático da interioridade

racional “alma” (psyhé), na sequência doutrina platônica da inteligência

(Noûs), o mundo transcendente da idéias ou do inteligível puro. Já Aristóteles

elabora o conceito de uma “natureza humana” como substância (ousía), dando

origem a definição clássica “animal possuidor da razão”.

A partir desses três conceitos a imagem ocidental do homem guardará

estes traços marcantes e helênicos; o ser humano é interioridade espiritual, é

inteligência aberta às realidades transcendentes, e é natureza racional

adequada, pela razão, no que concerne ao conhecimento do ser em sua

universalidade.

127 MARITAIN, Jacques. O crepúsculo da civilização. Trad. Arlindo Veiga dos Santos. São Paulo: Cultura

do Brasil, 1939, p.5.

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Destas origens, a tradição latina (romana) recebe a cultura de um outro

mundo (grego), não perdendo, contudo, suas características essenciais. Os

pais do humanismo latino são Cícero, Virgílio, Sêneca, Horácio e outros.

Da herança romana não podemos deixar de mencionar a noção

fundamental de humanitas, daí a expressão ciceroniana de studia humanitatis,

que passou a designar a tradição do humanismo, os estudos que contribuíam

para formar ao jovem as qualidades próprias da humanitas, enfim humanizá-lo.

Edgar Morin expandindo o significado da essência da natureza humana

deixa a idéia de traços humanos universais se referindo que:

(...) apesar da diáspora etnocultural, todos os seres se exprimem

fundamentalmente pelo sorriso, pelas lágrimas. Eles dispõem não

só dos mesmos meios de expressão, mas também exprimem uma

mesma natureza afetiva, e isto apesar dos floreados, das variações,

dos estereótipos, das codificações, das ritualizações que as culturas

introduziram no sorriso, no riso e nas lágrimas.128

É claro que a dignidade da pessoa humana não se perfaz em um

conceito transcendental, mas de imprescindibilidade à condição humana. Sua

concretização é imposição dos tempos atuais, do grau de desenvolvimento das

sociedades e do nível de aprofundamento da investigação científica a que se

propõe a nascente dogmática dos direitos fundamentais.

128 MORIN, Edgar. O Paradigma Perdido. A Natureza Humana. Trad. Hermano Neves. Europa América: Mem Martins, 1975.

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O sistema de direitos fundamentais, segundo Canotilho, assenta-se sobre

uma base antropológica, que é constitucionalmente estruturante do Estado de

Direito. Pela análise dos direitos fundamentais “constitucionalmente

consagrados, deduz-se que a raiz antropológica se reconduz ao homem como

pessoa, como cidadão, como trabalhador e administrado”.129

Das premissas apresentadas a dignidade da pessoa humana atua

também como limite a interpretações restritivas de direitos fundamentais, e

independente de texto da norma é conteúdo da Constituição de 1988, e como

tal capitaneia a interpretação concretizadora dos direitos fundamentais. O

acesso à justiça, como discorreremos infra se constitui em um deles,

conforme assente Marco Antonio Marques da Silva:

A partir da Constituição Federal de 1988 que no seu art. 1º afirma

ser o Brasil um Estado Democrático de Direito, isto implica na

necessária oferta, como decorrência daquela condição, a todo

cidadão, pelo Estado. De um serviço judicial que possibilite a

composição pacífica dos conflitos ocorridos dentro da sociedade.

De outro lado, além do oferecimento de um serviço judicial capaz

de atender e compor os conflitos sociais, ele deve ser acessível a

todo o cidadão, isto é, não podem existir obstáculos jurídicos e,

principalmente, econômicos, a impedir que o cidadão,

efetivamente, exerça seu direito de pedir ao Estado, por meio do

Poder Judiciário, uma prestação jurisdicional.130

129 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 367 . 130 MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 95.

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3.2 A prestação jurisdicional

Fazendo um liame entre o que estamos nos dispondo a mostrar e a

forma que convencionamos prosseguir no estudo temos no dizer de Marco

Antonio Marques da Silva um condensado das idéias:

A dignidade da pessoa humana é o reconhecimento constitucional

dos limites fundamentais, no âmbito do poder de punir do Estado,

dela decorrem, determinando que a função judicial seja um fator

relevante para conhecer-se o alcance real desses direitos. Desta

forma, a concretização e a eficácia jurídica de um direito ocorrem

com a manifestação dos órgãos do poder judiciário que lhe dão

eficácia.131

Se o acesso à justiça é direito fundamental, consequentemente a

prestação jurisdicional, nos ditames de nossa Carta maior, nos termos do

artigo 5ºXXXV jamais deve deixar de ser concedida, pois a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito;

dessa forma prestigiado está o princípio maior, o da dignidade da pessoa

humana.

Retomando o fulcro do estudo desta dissertação, que fica girando de

forma dinâmica em todas as implicações que colaboram na busca da verdade

pelo processo penal, o princípio supra neste capítulo tratado prevê, antes de

tudo, unidade material aos sistemas constitucionais e rege a todos os demais

se efetivando, tão somente, na concretização da existência digna e esta não se 131 MARQUES DA SILVA, Marco Antonio, ob.cit., p.5.

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alcança sem legítima e laborativa resposta estatal, a prestação ao

jurisdicionado.

José Frederico Marques preleciona:

(...) que a jurisdição, como atividade específica de um dos órgãos

da soberania nacional, é poder essencialmente idêntico, qualquer

que seja a natureza jurídica do conflito que deva resolver. Dessa

identidade essencial, dimana o conceito da unidade e

homogeneidade da função jurisdicional do Estado. Distingue-se,

porém, em relação à matéria que constitui objeto do poder de

julgar, da jurisdição civil e da jurisdição penal.132

Na vida em sociedade, diante das múltiplas relações do homem, surgem

conflitos, que quando não resolvidos pelas próprias partes, havendo

resistência de uma das partes à pretensão de outra, vedada a auto- tutela, surge

a necessidade de que o Estado, através do processo resolva esse conflito de

interesses opostos trazido à sua apreciação, dando a cada um o que é seu e

reintegrando a ordem e a paz no grupo.

Dessa importante tarefa se desincumbe o Estado da Jurisdição,

jurisdictio, “dizer o direito”; poder-dever, reflexo da sua soberania,

substituindo-se à atividade das partes, coativamente age em prol da ordem ou

segurança jurídica.

132 MARQUES, José Frederico. Da competência em Matéria penal, Saraiva: São Paulo, 1952, p.14.

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A jurisdição, como manifestação da soberania do Estado, é una e

indivisível e é o poder conferido às autoridades judiciárias regularmente

investidas para aplicar o direito ao caso concreto e na mesma linha conforme

Ada Pellegrini Grinover “os objetivos (da jurisdição ) e do seu instrumento, o

processo, não se colocam com vistas à parte, a seus interesses e a seus direitos

subjetivos, mas em função do Estado e dos objetivos deste”.133

A lei penal contém previsões abstratas e indeterminadas de

imputabilidade para os delitos. A sua aplicação, por isso, necessita que essas

previsões abstratas se individualizem e se convertam em inculpações

concretas, com eventual imposição de penas, ou absolvição. O conceito de

jurisdição, no que tange ao processo penal, surge exatamente dessa

necessidade de concretização do direito penal.

A aplicação da pena ao violador da lei penal depende da jurisdição. A

pena somente pode ser imposta mediante um processo regular, ou uma

sucessão de atos, e como temos reiteradamente enfatizado neste estudo,

tendente em todas as suas fases, como um instrumental, ao alcance da verdade

atingível.

133 GRINOVER, Ada Pellegrini. A marcha do processo. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal

acusatório.Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.79.

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O magistrado, investido dessa atribuição e competência estatal, está

apto a “dizer o direito” e, assim, poder julgar as causas que lhes são

submetidas.

A Constituição Federal em seu primeiro artigo reconhece a formação de

nosso país em Estado Democrático de Direito tendo como fundamento a

soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.

Arrimando-nos desse pilar, o Estado não pode se subsumir à noção simplista

de que deve prevalecer tão somente, na vontade da maioria mas no conceito

avançado do respeito ao indivíduo, mesmo que, em posição minoritária, como

se posiciona Norberto Bobbio: “(..) nenhuma decisão tomada por maioria

deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se

maioria, em paridade de condições”.134

Os limites que o Estado Democrático de Direito impõe a seu próprio

jus puniendi que está plasmado nas páginas do processo penal, não poderá ser

exercido, por essa linha de raciocínio que estamos operando, sem:

(...) leis que representam o produto da vontade da maioria, sem

possibilidade de tangenciar liberdades fundamentais das minorias, a

134 BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco (coords) Dicionário de política, 3.ed.

Trad. Carmen C. Varriale e outros. Brasília: Universidade de Brasília, 2000, p.327 - Criticando a idéia de identidade entre vontade de maioria e democracia: “El planteamineto democrático no sólo debe servir a la mayoria, sino tambiém respetar y atender a toda minoria e todo ciudadano, em la medida em que ello sea compatible com la paz social” (SANTIAGO Mir Puig, El derecho penal em estado social y democrátic, p.40.)

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ênfase da operação estatal voltada à primazia do indivíduo e a

aplicação da lei geral e abstrata por juízes independentes.135

A partir dessa óptica apresentada aliada na observância dos princípios

que norteiam o processo penal (onde todo o seu caminhar fica delimitado à

dignidade da pessoa humana), se a conduta delitiva a ser aferida se subsumiu

ao comando legalmente estatuído após conferência, constatação, prova,

valoração poderá obter a chancela da decisão motivada.(V. Cap.VII, 7.3)

3.2.1 Elementos da jurisdição

A jurisdição se compõe de elementos, que são atos processuais

necessários para que se chegue a uma decisão. Então vejamos:

A) Notio ou Cognitio compreende o poder atribuído para conhecer o

litígio, prover à regularidade do processo e recolher o material probatório

indispensável à decisão. Esta é a fase do conhecimento.

B) Vocatio é a faculdade de forçar o comparecimento a juízo de todos

aqueles que forem importantes para o regular desenvolvimento do processo.

Trata-se do chamamento.

135 JUNQUEIRA, Gustavo Finalidades da Pena, São Paulo: Ed. Manole, São Paulo, 2004, p.8.

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C) Coertio configura-se, ao magistrado, à possibilidade de aplicação de

medidas coativas no curso do processo, como meio para garantir a função

jurisdicional, v.g. intimar testemunhas, decretar prisão preventiva136, etc.

D) Judicium é o poder de julgar e pronunciar o direito ao caso

concreto. Ainda, o poder de decidir a demanda criminal.

E) Executium é a possibilidade de executar-se o julgado, forçando o

cumprimento do que se decidiu. No direito penal o cumprimento da sentença

é automático.

3.2.2 A prestação jurisdicional e as portas do Poder Judiciário

Com as bases solidificadas no conceito de dignidade da pessoa humana

e o trabalho de relevante perspicácia do operador do direito imbuído a presidir

a persecução penal, temos no pensamento de Enrico Altavilla que:

(...) o importante é que quem julga compreenda aquilo que o

acusado diz, e saiba apreciar as suas mudanças de cor, as suas

perplexidades, as suas contradições, sem leis fixas, mas caso por

caso, com o auxílio de uma cultura psicológica que torne possível,

em cada delito, estudar um homem como se fosse um caso clínico

digno de ser atentamente examinado. 137

136 V. o posicionamento de Luigi Ferrajoli sobre prisão preventiva ( Cap. IV, p. 113). 137 ALTAVILLA, Enrico. Psicologia Judiciária. Trad. Fernando Miranda, São Paulo: Acadêmica, 1948, v.2, p.55.

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Ada Pellegrini Grinover assim se posiciona:

(...) o princípio constitucional da inafastabilidade do controle

jurisdicional-hoje inserido, com fórmulas próprias, em todos os

ordenamentos- não somente possibilita o acesso à justiça, mas

também assegura a garantia efetiva contra qualquer forma de

denegação de tutela.138

Nessa esteira, Beccaria escreve:

(...) é, assim necessário que um terceiro julgue a verdade do fato: e

vereis aqui a necessidade de um magistrado, cujas

sentenças...consistam em meras afirmações ou negações de fatos

particulares”139(grifo nosso) e complementando pontua “onde as

leis são claras e precisas o ofício do juiz não consiste mais que

assegurar um fato.140

E ainda temos como imprescindível para atingir-se o fim a que nos

dispomos a perquirir nas páginas do processo penal, o argumento de autoria

de Geraldo Ataliba:

De nada vale o conhecimento de uma seara, se se desconhece sua

articulação com as demais. De pouco vale a familiaridade com

certas informações, se não se as coordena com o universo do

direito, se não se sabe filiá-las e concatená-las com os fundamentos

em geral, e com o todo sistemático onde inseridas. É inútil o

138 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, Abuso do processo e resistência às ordens judiciárias: O Contempt

of Court. Revista de Processo, IBDP, São Paulo: RT, ano 26- abril-junho, 2002, p.229. 139 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas .Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004,

p.18-20. 140 BECCARIA, Cesare, ob.cit., p.35.

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conhecimento que se limita à superfície dos fenômenos (...), sem

buscar penetrar seus fundamentos explicativos e justificativos.141

Resolvemos destacar o episódio relatado por Franz Kafka, somente

com o fito de ilustrar o distanciamento completo do princípio da dignidade da

pessoa humana, vivido por alguém que está a invocar, por anos, a prestação

jurisdicional. A tônica do escrito demonstra o que estamos procurando

acentuar neste capítulo, no sentido que há de se efetivar os direitos teorizados,

conhecidos, garantidos, aludidos, no entanto, por uma série de fatores, estão

ainda longe de serem vividos no cotidiano:

Diante da lei está um porteiro.Um homem do campo dirige-se a

este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o porteiro diz que agora

não pode permitir-lhe a entrada. O homem do campo reflete e

depois pergunta se não pode entrar mais tarde. “É possível”, diz o

porteiro, “mas agora não”. Uma vez que a porta da lei continua

como sempre aberta, e o porteiro se posta ao lado, o homem se

inclina para olhar o interior através da porta. Quando nota isso, o

porteiro ri e diz: “Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha

proibição. Mas veja bem: eu sou poderoso. E sou o último dos

porteiros. De sala para sala, porém, existem porteiros cada um mais

poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do

terceiro.” O homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei

deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele; agora, no

entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, com o seu casaco de

pele, o grande nariz pontudo e a longa barba tártara, rala e preta, ele

decide que é melhor aguardar até receber a permissão de entrada. O

porteiro lhe dá um banquinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta.

Ali fica sentado dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser 141 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo. S.Paulo: Revista dos Tribunais,

1977, prefácio, p.XIII.

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admitido, e cansa o porteiro com os seus pedidos. Às vezes o

porteiro submete o homem a pequenos interrogatórios, pergunta-lhe

a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são perguntas

indiferentes, como as que costumam fazer os grandes senhores, e

no final repete-lhe sempre que ainda não pode deixá-lo entrar. O

homem, que se havia equipado bem para a viagem, lança mão de

tudo, por mais valioso que seja, para subornar o porteiro. Este

aceita tudo, mas sempre dizendo: “Eu só aceito para você não achar

que deixou de fazer alguma coisa.” Durante todos esses anos o

homem observa o porteiro quase sem interrupção. Esquece os

outros porteiros e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a

entrada na lei. Nos primeiros anos amaldiçoa em voz alta e sem

consideração o acaso infeliz; mais tarde, quando envelhece, apenas

resmunga consigo mesmo. Torna-se infantil e uma vez que, por

estudar o porteiro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua

gola de pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião.

Finalmente sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato está

escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. Contudo,

agora reconhece no escuro um brilho que irrompe inextinguível da

porta da lei. Mas já não tem mais muito tempo de vida. Antes de

morrer, todas as experiências daquele tempo convergem na sua

cabeça para uma pergunta que até então ainda não havia feito ao

porteiro. Faz-lhe um aceno para que se aproxime, pois não pode mais

levantar o corpo enrijecido. O porteiro precisa curvar-se

profundamente até ele, já que a diferença de altura mudou muito em

detrimento do homem. “O que é que você agora ainda quer saber?”,

pergunta o porteiro, “você é insaciável”. “Todos aspiram à lei”, diz o

homem, “Como se explica então que em tantos anos ninguém além de

mim pediu para entrar?” O porteiro percebe que o homem já está no

fim, e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: aqui

ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada

só a você. Agora eu vou embora e fecho-a.142

142 KAFKA, Franz. Um médico rural.Trad. Modesto Carone.São Paulo:Companhia das Letras, 1999, p.27-9.

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CAPÍTULO IV - A BUSCA DA VERDADE E A LIBERDADE DO

ACUSADO

“Albatroz! Albatroz!

águia do oceano

Tu que dormes das nuvens entre as gazas, :

Sacode as penas,

Leviatã do espaço!

Albatroz!

Albatroz! Dá-me estas asas...”

Castro Alves. Navio Negreiro,Tragédia no mar

Em sede deste estudo não podemos deixar de registrar, mesmo que de

forma sucinta, sobre a liberdade, um dom inalienável da criatura humana, que

lhe confere um patamar de dignidade incomparável ante todas as outras

criaturas que existem no universo, a despeito de se encontrar “diante da

lei”143onde terá que ver provada, ou avaliada criteriosamamente por um juízo

a conduta criminosa a ela imputada.

O instinto de liberdade acompanha o homem desde suas origens.

Liberdade diante das forças hostis da natureza e liberdade na convivência das

sociedades primitivas, ainda que o imperativo da sobrevivência e o sentido da

solidariedade do grupo faziam prevalecer o domínio da comunidade.

143 Forma escrita por Franz Kafka, ob. cit., p.27.

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As sementes da liberdade foram plantadas por nossos antecessores, que

jogaram-nas à beira do caminho por onde percorriam, ante solos pedregosos

ou espinhosos. No entanto, algumas delas caíram na “boa terra” e produziram,

e produzem ainda alguns frutos.144

A história das liberdades públicas e liberdades individuais têm suas

sementes na luta contra o absolutismo e a conseqüente afirmação de direitos

oponíveis ao Poder.

A primeira marca dessa limitação da autoridade absoluta imprime-se na

Magna Carta (1215), que vai ser confirmada na Carta de Henrique III (1225).

É, todavia, nas terras do Novo Mundo que a semente da liberdade civil

e política atinge o máximo desenvolvimento e consagração. As primícias são

alcançadas ainda no período colonial e, após a Declaração de Virgínia, em

1776, vão-se expandir e se consumarem com a independência, na

Constituição Americana promulgada em 1788.

Na inspiração libertária norte-americana, a Revolução Francesa vai-se

abeberar para a formulação do seu ideário de liberdades fundamentais. No

depoimento de Duguit:

(...)il faut bien dire que ce que determine surtout l’Assemblée

Nationale à rédigier une déclaration que sera placée em tête de la

144 Fazendo uma alusão à Parábola do Semeador. Bíblia Sagrada, Trad. João Ferreira de Almeida, Mateus

13:1-23; Marcos 4:1-20; Lucas 8:4-15. rev.atual. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

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constitution qu’elle va rédiger, c’est l’exemple dês États Unis de

l’Amerique du Nord .145

O Estado de Direito consolida-se com o princípio da supremacia da lei,

oposto ao arbítrio da autoridade, fazendo nascer o conceito de direitos

públicos subjetivos oponíveis ao Estado, que se deve submeter às leis que ele

próprio estabelece.

Gustav Radbruch já no final da vida, criticando de forma imperiosa o

regime nazista, que se afastou, por completo, das premissas e ideais libertários

questiona:

Devem manter-se em vigor as medidas adotadas em cumprimento

de leis raciais de Nüremberg? Tem validez jurídica, hoje, os atos de

confiscação das propriedades dos judeus, realizados em sua época

no amparo do Direito vigente no Estado nazista? Deveríamos

considerar firme e juridicamente válida a sentença emanada do

Estado nazista, em face à legislação vigente, em condenar a morte,

como delito de alta traição, o simples fato de escutar uma emissora

de rádio inimiga.(...) Merece a qualificação de “Estado”, no sentido

jurídico da palavra, um Estado que equivale a dominação de um só

partido, que condena à morte a todos os demais e que representa,

em geral a negação do próprio direito.146

Por outro lado mesmo vivendo em um sistema onde a liberdade

humana parecia ter se reduzido a uma lenda utópica, Victor Frankl, um

prisioneiro em Auschwitz, diante desse cenário de desrespeito ao homem, e

145 Tratité de Droit Constitutionnel – deuxième edition, p. 229. 146 RADBRUCH, Gustav. Introducción a la Filosofia Del Derecho. México: Fondo de Cultura, 1955, p.

178.

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por conseguinte à humanidade ante o poder totalitário escreve “(...) tudo pode

ser tirado do homem, menos uma coisa, a última das liberdades humanas: a de

escolher nossa atitude e em qualquer situação, escolher nosso próprio

caminho” .147

No dizer de Savigny:

A ciência do direito, considerada historicamente, será plenamente

falsa e descontínua se, como freqüentemente acontece, for

concebida como se, nessa, a forma jurídica transmitida pelo

passado fosse colocada como absoluta, servindo para conservar o

império imutável do presente e do por vir148.

As experiências passadas nos fornecem um condão grandioso, no

sentido de balizarmos procedimentos que perfeitamente poderão se adequar

em nossos dias. Entretanto, é notório que o mundo jurídico deve

incontestavelmente se adequar e mobilizar-se, e mais especialmente à guisa

do direito processual penal, que ora tratamos, em tornar efetivo a plêiade de

direitos e garantias(constitucionais e legais) que lhe dão respaldo.

Para prestigiar a situação fática da conduta delitiva, e atingir o fim do

processo, não há que se deixar estanque os limites pré–estatais, bem como seu

ofício na tutela de direitos individuais, que por tempos a história denegou,

147 FRANKL, Viktor E. Em busca de Sentido, Rio de Janeiro: Vozes, 1991. 148 Frederich Karl von Savigny apud DAL RI JÚNIOR, Arno e outro. O Humanismo Latino no Brasil de

hoje. Pontifícia Universidade Católica- Fondazione Cassamarca PUC Minas, Instituto Jacques Maritain, Belo Horizonte, 2001, p.164.

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alegando que a presença das partes, o contraste das forças, não abrigavam um

método de investigação objetiva e conscienciosa da verdade, dessa forma no

processo penal os sujeitos participantes não tinham qualquer poder dispositivo

sobre as provas, limitando-se a fornecer uma ajuda149 ao juiz para o

acertamento da verdade.

Essa “ajuda limitada” nos soa como afronta, se não vejamos; devemos a

Baracho o conceito de que o processo significa o conjunto de atos, fatos ou

operações que se agrupam de acordo com certa ordem, para atingir um fim,

cujo objetivo fundamental é a decisão de um conflito de interesses

jurídicos150. Dessa premissa, vemos já firmada uma estrutura objetiva no

tocante ao processo penal que não pode ser dissociada da ação humana do

processo, elemento que se não for bem trabalhado impossibilita que o

processo alcance o seu objetivo instrumental, e mais especificadamente para

esse estudo, ser um veículo para o encontro da verdade processual.

Hanna Arendt quando analisa noções de liberdade, autoridade e

educação traça as coordenadas onde avalia a história da antiguidade até a

moderna, aponta o homem moderno arregimentando a totalidade de suas

próprias capacidades, pois esse homem está certo de que não encontraria a

verdade “ através de mera contemplação, e, ao fazê-lo, não podia deixar de se

149 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1997, p.35. 150 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p.117.

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tornar consciente de que, onde quer que exista, o homem inicia processos. A

noção de processo não denota qualidade objetiva, quer da história, quer da

natureza; ela é o resultado inevitável da ação humana.151”

Ser livre é agir, segundo a autora, e na seara do processo penal isso é

visível e claríssimo. Quando as partes (indivíduos) agem no sentido v.g.de

buscar nas provas do que alegam (isso é ação humana) ou quando participam

de um interrogatório, ou pelo depoimento de uma testemunha, ou até mesmo

quando o juiz determina uma específica diligência para esclarecer ponto

obscuro estão todos exercitando sua liberdade, então estão agindo e

seguramente contribuindo para que o deslinde da verdade ou da certeza, nos

moldes de Carnelutti (V.Cap. I, 1.2.1), não apareça apenas por mera

contemplação como o traçado feito por Hanna Arendt.

“O homem é livre enquanto age, nem antes nem depois, pois ser livre e

agir é a mesma coisa”152, logo o processo é manifestação pura e autêntica da

liberdade, porque impende ação.

Nessa óptica há que se atentar para a história que estamos escrevendo, a

liberdade concede asas para se trabalhar pelo próprio destino, mesmo nas

malhas de uma imputação penal, onde a ação delitiva do infrator se subsume

à norma penal incriminadora que consta de um ordenamento formado por 151 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 94. 152 ARENDT, Hannah, ob.cit., p.95.

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normas, que inclusive também lhe permitem promover sua defesa. Está,

também o próprio infrator, no exercício de sua liberdade quando age no

processo. Mesmo a defesa, acusação e julgador estão livres quando atuam nos

momentos processuais que lhes cabem; consubstanciando assim o

balizamento das normas atuais com perspectivas para outras, necessárias, a

serem inseridas no ordenamento, em prol também do levantamento mais

efetivo da verdade processual.

Na lição de Miguel Reale, comentando sobre a norma jurídica como

ela deve ser sensível, às necessidades do tempo, temos:

(A norma) não pode ser pensada como um inventário de atos

passados: a destinação é reger atos futuros, o que demonstra não

poder ser estudada segundo os padrões das ciências naturais. Não

disciplina, por outro lado, os fatos futuros como um esquema: ela

não pode deixar de sofrer o impacto de novos e imprevistos eventos

e valores, cuja superveniência implica uma nova compreensão

normativa.153

Analisando liberdade, Maria Garcia denomina um capítulo em seu livro

de “A Aventura da liberdade”, e por que não uma aventura? Sua efetividade

exige ação ! Ainda a autora ao citar Erich Fromm em sua obra “ O medo à

liberdade” apresenta seus questionamentos, se essa seria fardo demais

pesado para alguns? Objetivo cobiçado para muitos ou ameaça para outros ?

153 REALE, Miguel. O direito como experiência. São Paulo: Saraiva, 1999, p.61.

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Não haverá igualmente, paralela ao desejo de liberdade, uma aspiração

instintiva à submissão? 154

Entretanto, a natureza humana e sua realização não pode ser analisada

como um simples determinismo ou falta de vontade, ela tem no seu âmago o

livre-arbítrio, uma capacidade de escolha que a torna diferente e peculiar. O

animal, dotado de instinto, não sente vontade, mas sim impulsos e os exerce,

tão somente, pela potência locomotiva do corpo e não do pensamento.

De forma sui-generis o ponto de partida para o homem é o pensamento,

a inteligência. Conforme James Allen, o homem é senhor e dono de seus

pensamentos, e “o homem é aquilo que ele pensa”155 e se alterar radicalmente

seus pensamentos, ficará atônito com a rápida transformação que efetuará nas

condições materiais de sua vida.

O paradigma do caráter humano, “define-se por seu próprio sonho, ou

pelo seu próprio projeto, independentemente de um casulo animal”156 ou até

do sistema interessante de algumas espécies, como, menciona Amyr Klink,

um navegador que já empreendeu algumas expedições para Antártida, pois

154 GARCIA, Maria. Desobediência Civil- Direito Fundamental, 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004, p.13-14. 155 ALLEN, James. O homem é aquilo que ele pensa, Trad. Gulnara Lobato de Moraes Pereira. São Paulo:

Ed. Pensamento, p. 47. 156 CUNHA, Paulo Ferreira. Natureza Humana e Filosofia Jurídica: Universidade do Minho, Universidade

Portucalense, Ensaio Primeiro.

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considera que aprendeu mais sobre planejamento observando os pingüins do

que estudando na universidade.157

Em que pese o aludido pelo navegador é notório a capacidade de

escolha do homem que lhe difere em suas especificidades da natureza animal,

se esse homem fosse instinto, não teria valores, pois estes não encontram

campo para se originarem, em terrenos de impulsos autônomos e primários.

A aplicação jurídica do tema é indiscutível, ademais para o processo

penal, que justifica a limitação do status libertatis do sujeito condenado por

meio do devido processo legal bem como ao acusado quando se enquadra em

um rol de requisitos pré-fixados e permissíveis ao seu encarceramento.

Em efeito ao exposto temos que da ação delitiva do acusado, dos seus

atos de defesa, dos atos cabíveis às partes adversas, e mediante também aos

atos determinados pelo julgador, todos na linha de Hannah Arendt estão livres

conquanto agem. Essa liberdade, objeto desse capítulo, é elemento crucial

para a busca da verdade processual e sua obtenção por parte do julgador após

157Citando o tipo de organização dos pingüins, diz o autor:“ Todos os anos a partir do mês de agosto ...

quando o sol retorna... eles têm dezesseis semanas para encontrar um par, escolher um lugar e construir um ninho.O ninho é feito com pedrinhas: o problema é que o pingüim carrega só uma pedrinha por vez e, .....a urgência em formar pares é grande, pois os pares que se unirem mais cedo vão escolher os melhores lugares para a construção dos ninhos....aí começa o impressionante trabalho da coleta de pedrinhas....trabalham dezesseis semanas, vinte e quatro horas por dia, sem parar um minuto, transportando pedrinhas para fazer o ninho. Existem vias de acesso principal e secundárias.As normas são muito claras e eles obedecem a elas. Se um pingüim transita sem pedrinha pela passagem principal, é imediatamente atacado pelos outros. É um trabalho engraçado porque às vezes eles descobrem um monte de pedrinhas e não adianta nada, pois só carregam uma de cada vez. Quando alguns casais afoitos ...descobrem muitas pedrinhas em algum lugar, saem os dois juntos para pegá-las de duas em duas...Em síntese, os pingüins têm organização social muito eficaz.Em determinadas etapas do ano, as tarefas a cumprir são muito difíceis, como a da construção dos ninhos, que tem prazo de início e conclusão. Quando queimam esses prazos, eles acabam matando a geração seguinte”. KLINK, Amyr. Gestão de Sonhos, riscos e oportunidades ( Sérgio Almeida, entrevista): Salvador, Casa da Qualidade, 2000, p.18.

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discernimento criterioso do juízo de certeza mais próxima da verdade judicial

pautado na justiça como fundamento.

4.1 O acusado como portador de direitos

A postura do poder jurisdicional do Estado, sofre limitações quanto ao

poder punitivo e seus procedimentos, diante do indivíduo acusado

criminalmente, que é portador de direitos subjetivos indisponíveis,

conquistados a partir desses ideais libertários que narramos até então.

Essas limitações de tratamentos tem reflexo direto para esse indivíduo

que figura nas páginas do processo penal, o qual é formado por atos que se

sucedem, que figuram nesse veículo onde o direito será dito, e onde a

“verdade” qual seja, processual, judicial, ou alcançável será sustentada.

Há nesse contexto, a premissa, exaustivamente tratada no discurso dos

iluministas, notadamente Beccaria, que mesmo infrator é o indivíduo também

participante, deste “pacto social” sujeito de todos esses nobres ideais,

corolários de direitos, que paulatinamente temos engajado em nossos

ordenamentos. Vejamos:

(...) do espírito antagônico aos ideais mais nobres que a

humanidade poderia sonhar no que concerne aos ideais de

equilíbrio e razoabilidade, se tornam incabíveis vozes que se ergam

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a fim de preconizar os direitos deste ser humano, mesmo infrator e

sujeito de condutas condenáveis.158

Karl Engisch159 assevera que:

(...) nos apercebemos da meramente negativa libertação do

desprazer quando a perdemos, assim como só aprendemos a

apreciar a frescura da juventude, a saúde e a energia para o trabalho

quando estas vão gradualmente desaparecendo, também só damos

conta da bênção que representa a concessão de direitos quando os

imperativos cada vez mais nos limitam a liberdade.

Abordando direitos e as implicações que envolvem a sua efetividade

prática Canotilho lança mão do argumento da participação do indivíduo, no

processo político. Podemos estender o entendimento, em face da liberdade, no

sentido de administrá-la inserindo novas contextualizações, então temos:

(...) que da mesma maneira que os direitos fundamentais são um

dos elementos constitutivos do Estado de Direito, também o são de

um Estado Democrático, então os direitos fundamentais têm uma

função democrática. Destarte todos os cidadãos devem contribuir

para o exercício do poder para que seja democrático com

participação livre e contribuindo assim para a abertura do processo

político, e assim podendo haver a criação de direitos sociais,

direitos econômicos e direitos culturais.160

158 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004,

p.125. 159 ENGISCH, Karl. Introdução ao Pensamento Jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001,

p.43. 160 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional. 5.ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p.431.

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Caio Tácito, ainda corroborando na questão, apresenta um modo amplo

de entendimento:

Os direitos individuais e coletivos estão enunciados no art. 5º da

Constituição Federal em setenta e sete incisos e em dois parágrafos.

Em confronto com a Constituição anterior (a de 1967, emendada

em 1969), na qual a Declaração de Direitos correspondia a trinta e

seus parágrafos, teria havido aparentemente um alargamento de

direitos fundamentais. Em verdade, os direitos e liberdades são

praticamente os mesmos, com desdobramentos e particularismos

que visam a coibir abusos de direito. De outra parte diversas

garantias e direitos que tradicionalmente figuram no direito comum

passam a ter status constitucional.161

A intervenção penal, a partir de uma conduta que está criminalizada;

em face a intolerância do corpo social, ante a lesão a determinado bem

jurídico, deve receber a proteção antecipada com medidas punitivas, e na

lição de Alice Bianchini, ainda em atos preparatórios do inter criminis se esta

lesão imponha risco de se concretizar.162

A tutela penal que será promovida no âmbito do processo penal deve

ser invocada quando os outros ramos do direito e outras forças controladoras

do Estado forem insuficientes, pois a utilização exacerbada do direito penal

provoca efeito contrário, a penalização de qualquer bagatela, não abriga o que

modernamente se vislumbra, a ultima ratio do Direito Penal e seu caráter

subsidiário. 161 TÁCITO, Caio. Constituições Brasileiras, A Constituição de 1988 “Os direitos Fundamentais, Senado

Federal, Ministério de Ciências e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, Brasília, 1999. 162 BIANCHINI, Alice. Pressupostos Materiais Mínimos de Tutela Penal, São Paulo: RT, 2002.

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Por outro lado no dizer de Celso Lafer citado por Maria Garcia163

“temos óbices que tolhem os meios adequados para a vida ( pré-requisitos

materiais para participar na vida da comunidade, por exemplo, habitação e

alimentação)”, incluo outro, a educação, que é responsabilidade do estado em

termos do art.205 e ss da CF, o que de certa forma, não explica a

criminalidade de uma forma simplista mas confirma o elucidado por Ortega y

Gasset “o homem (também) é a sua circunstância”.164 (acréscimo nosso)

Não partilhamos da idéia de um pré-determinismo, da Escola

Positivista Criminológica, do final do século XIX, que suplantava as raias da

liberdade, fulminando o livre arbítrio induzindo o homem ao crime.

Partilhamos do entendimento que por este direito indisponível do homem lhe

é facultado a opção de escolha, mas é pertinente que se ressalte que o não

cumprimento das tarefas precípuas do Estado faz-se certo a limitação da tutela

desses direitos individuais.

Já que estamos no capítulo que trata da liberdade, não podemos deixar

de colocar o posicionamento de Luigi Ferrajoli, tratando do cerceamento da

liberdade quando aborda da prisão como medida preventiva, antes do

julgamento, de modo resoluto pontua:

A admissão da prisão ante iudicium , qualquer que seja o fim que

se lhe queira associar, contradiz na raiz o princípio de submissão à 163 Celso Lafer apud GARCIA, Maria Garcia, Desobediência Civil- Direito Fundamental, 2.ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004, p.38. 164 REALE, Miguel. Nova Fase do Direito Moderno. São Paulo: Saraiva, 2001, p.38.

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jurisdição. Que não consiste na possibilidade de detenção apenas

por ordem de um juiz, mas na possibilidade de sê-lo só com base

em um julgamento. Além disso, toda prisão sem julgamento ofende

o sentimento comum de justiça, sendo entendido como um ato de

força de arbítrio. Não há de fato qualquer provimento judicial e

mesmo qualquer ato dos poderes públicos que desperte tanto medo

e insegurança e solape a confiança no direito quanto o

encarceramento de um cidadão, às vezes por anos, sem processo. E

é um mísero paralogismo dizer que o cárcere preventivo não

contradiz o princípio nulla poena sine iudicio- ou seja a submissão

à jurisdição em seu sentido mais lato- pois não se trata de uma

pena, mas de outra coisa: medida cautelar, ou processual ou, seja

como for, não penal.Com semelhantes trapaças nas formalidades,

(...) dissolveu-se- em nosso e em outros ordenamentos- a função de

tutela do direito penal e o papel mesmo da pena enquanto medida

preventiva exclusiva, alternativa a outras medidas certamente mais

efetivas mas não tão garantistas.165

Em corroboração ao posicionamento autor, no que concerne à limitação

da liberdade física, relacionada ao uso indiscriminado de algemas, também

antes de um julgamento, que é vedado conforme o art. 284 do Código de

Processo Penal quando desta se prescinde, pois: “Não será permitido o

emprego da força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa

de fuga do preso” e ainda o artigo 292 do CPP esclarece que somente no caso

em que houver resistência à prisão em flagrante ou determinada por

autoridade competente,(...) “o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão

usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência (...)”.

165 FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão-Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: RT, 2002, p.80.

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Conforme Luiz Flávio Borges D”Urso166, temos que nos nortear por

essas duas normas, posto que o artigo 199, da Lei de Execução Penal (Lei

7.210/84) afirma que “o emprego de algemas será disciplinado por Decreto

Federal”, o que ainda não ocorreu, passados 20 anos da promulgação dessa

lei. Tramita na Câmara um projeto de lei que estabelece casos específicos

para o uso de algemas durante o cumprimento de prisão, proibindo sua

utilização, quando o réu for primário e com bons antecedentes, não resistente

à prisão, ou não se tratar de prisão em flagrante e não empreender fuga.

Na falta da lei específica, sistemicamente encontramos o respaldo

necessário, em uma das Declarações Internacionais de Direito, pois sendo o

Brasil signatário do pacto de São José da Costa Rica, lá temos previsto: “Toda

pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade

inerente ao ser humano” (Art 5, 2).

Voltando ao veio fulcral deste estudo o encontro da verdade no

processo fica prejudicado, não só por falta de lei como no exemplo acima

descrito mas convenhamos: a lei não é a única fonte de decisões jurídicas. Na

lição de Roxin167, “atualmente, porém, a tarefa da lei não se esgota mais nesta

função garantista ” e dessa forma se contrapõe a antiga idéia positivista que

hoje já reconhece a influência de valores políticos.

166 D’URSO, Luiz Flávio Borges, “Sobre o uso de algemas ”. Jornal do Advogado, Ano XXXI, n. 299.

outubro de 2005, p.15. 167 ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. para o espanhol de Diego Manuel Luzón

Pena et alli. Madrid: Civitas, 1999, p.13.

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Quando escrevi sobre “A função essencial do Direito” observei esse

embate entre o legal e o justo, assim temos:

(...) o juízo da legalidade se distingue do juízo da justiça, pois das

atrocidades que a humanidade tem vivido, quais sejam (...) na

Inquisição, nos campos de concentração, na Inconfidência Mineira,

nos terrores da escravidão e na vigência dos regimes totalitários, a

despeito da lei posta, refletindo um regime formal e legalista, a

injustiça emergiu revestida de terror, sangue e força notável que

infestou o propósito maior do Direito estatuído, deixando marcas

indeléveis na história.168

Na busca da verdade processual ou da judicial há que se socorrer da

dogmática atual, nos moldes do consagrado tridimensionalidade jurídico de

Miguel Reale, ou seja a aferição da conduta não pode apenas manter um

silogismo com a norma, mas com ênfase a influência de valores e realidade

dos fatos devem presenciar com equivalência essa dinâmica.

No entanto, afirma Gustavo Junqueira:

No Brasil pode ser percebida uma visão avalorativa do Direito,

influenciada pela escola técnico-jurídica de Rocco,(...) divorciando-se

da filosofia e da política: (...) sempre è vero que se deve tenere distinta

l’indagine propriamente e strettamente giuridica de quella filosófica e

politica, se si vuol evitare uma periculosa intrusione ed inframettenza

di elementi filosofici e politici nella lógica limpidezza della ricerca.169

168 FERREIRA, Rosana Miranda. A função essencial do Direito. Revista Prática Jurídica. Brasília: Ed.

Consulex, ano IV, n. 34, janeiro de 2005, p.12. 169 JUNQUEIRA, Gustavo. Finalidades da Pena, São Paulo: Manole, 2004, p. 13.

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Continua o autor a discorrer que não é coincidência que a idéia toma força

com as barbáries do holocausto, entretanto, com a guerra o homem toma

novamente ciência de sua importância e busca exigir respeito por sua esfera

mínima de direitos. Há de se ressaltar que vigora muito em nosso País a cultura

da lei posta como a solução completa de todo conflito apresentado, numa leitura

pouco contextualizada da escola técnico-jurídica, ou relegando à extinção a

máxima plausível ao contexto“ a letra mata mas o espírito vivifica”.170

Realçando apenas esse tratamento técnico da questão criminal deságua-se

na aplicação de um sistema inquisitório, visto conforme Ferri como uma “forma

superior de ordenamento processual”171 , pois reconhecia na visão de Garofalo

“verdadeira essência do processo, isto é uma indagação crítica e imparcial da

verdade”.172

Florian173, um dos mais notáveis expoentes desse pensamento onde a

pesquisa da verdade efetiva, material, histórica constituía o escopo específico

do processo subordinado ao escopo geral da defesa social contra a

delinqüência, se expressa:

(...) alto interesse público, que inspira e move o processo penal, coloca

uma exigência à qual o mesmo deve prover o mais eficientemente

170 Bíblia Sagrada , , II Coríntios 3:6 Trad. João Ferreira de Almeida. rev.atual. Brasília: Sociedade Bíblica

do Brasil, 1969. 171 Ferri apud MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova no processo penal. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1997, p. 34 172 Garofalo apud MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit. p. 34. 173 Florian apud MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit. p. 34.

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possível: a realidade dos acontecimentos (...) deve aparecer inteira,

genuína, sincera, sem manipulações, nem restrições.

A busca obsessiva dessa verdade advém da inquisição, e presencia o

Direito canônico, conforme estudado no Cap. II desta dissertação,

caracterizando os Estados Absolutos, que encontravam no Positivismo

Criminológico a realização indisfarçável de objetivos políticos.

Temos procurado demonstrar que a busca da verdade não é o fim do

processo mas o meio de fazer-se efetivar o Direito e se fazer brotar dele as

sementes da Justiça. Essa dinâmica advém não só da prova mas de um juízo

translúcido advindo da valoração, ponderação argumentativa que agregue,

também, elementos valorativos.

4.2 O Direito ao Silêncio

“É cousa (sic) tão natural o responder, que até os penhascos duros

respondem, e para as vozes têm ecos. Pelo contrário, é tão grande

violência não responder, que aos que nasceram mudos fez

a natureza também surdos porque se ouvissem, e não

pudessem responder, rebentariam(sic) de dor”.

Pe. Vieira174

O direito ao silêncio ficou inserto neste capítulo porque representa uma

amostragem de um sistema constitucional que garante e prestigia a liberdade

174 VIEIRA, Padre Antonio.Cartas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1971, t. III, p.680.

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do indivíduo. João Baptista Vilela pode, em sua lição, respaldar nossa linha

de entendimento, sobre a matéria:

O direito de manter-se calado é a expressão ao mesmo tempo mais

apurada e mais radical do direito à privacidade (...) faz, do foro

interior o reduto inexpugnável da identidade. Se a casa é o “asilo

inviolável do indivíduo”, como declara a CF (art.5º, XI) o que não

dizer da consciência, uma espécie de morada espiritual, onde o

mais íntimo do “self” de cada um encontra abrigo e agasalho?175

Como direito preconizado por nossa carta maior, o direito ao

silêncio se constitui num dos temas

(...) mais emblemáticos do processo penal, sublinhando a diferença

entre uma concepção inquisitória, que vê o saber do acusado como

fonte de prova que não pode ser desprezada- até porque se culpado,

ele é um detentor privilegiado de informações-, e uma posição mais

ligada à preservação das garantias processuais, para a qual o seu

reconhecimento constitui decorrência inarredável da presunção de

inocência e da amplitude do direito de defesa.176

A defesa no processo penal se apresenta sob dois aspectos a defesa

técnica e a auto defesa. A defesa técnica é indisponível, e imprescindível para

a concreta atuação do contraditório (Cap.VI, 6.5). Já a autodefesa apresenta

duas características importantes que deverão ser observadas pelo juízo: a)

direito de audiência, b) direito de presença.

175 VILELA, João Baptista. Habeas Corpus para manter-se calado? O Sino de Samuel: Jornal da Faculdade

de Direito da UFMG, n. 83, julho- agosto de 2005, p.13. 176 COUCEIRO, João Cláudio. .A Garantia Constitucional do Direito ao Silêncio. São Paulo: RT, 2004, de

prefácio de Antonio Magalhães Gomes Filho, p.11.

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O primeiro ocorre na possibilidade do imputado influir na formação do

convencimento da autoridade e o segundo acontece quando na oportunidade

de tomar ele posição, a todo momento, ante as alegações e as provas

produzidas.177

Representada a autodefesa, como direito de audiência no interrogatório,

este passa não ser mais necessariamente meio de prova, como ainda o

considera o Código de Processo Penal nos seus artigos 185 e seguintes, a

despeito das modificações da Lei 10.792, de 1º.12.2003.

No caminhar desse estudo, (V. Cap V, 5.4) quando falamos de meios de

prova, inserimos interrogatório, nesse rol, justamente por ele estar ainda ínsito

no CPP, no Título VII, “Da prova”. Achamos por bem seguir essa linha

metodológica, mas isso não nos impede de apresentarmos posições diversas

desse entendimento.

Entretanto, parece que em assentimento a essa metodologia escolhida,

José Cláudio Couceiro178, comenta que com a introdução da Lei 10.792 de

01.12.2003, é negado de vez a oportunidade da nova lei em atribuir qualquer

efeito ao silêncio, ou seja valorá-lo como elemento de prova o que contraria

dispositivo expresso no Código de Processo Militar (Lei 1002/69 art.305) e 177 Não se pode esquecer, também, com aspecto da autodefesa, a manifestação pessoal do acusado quando

intimado da sentença, sobre seu desejo de recorrer. (GRINOVER, Ada Pellegrini, MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio e FERNANDES, Antonio Scarance. As nulidades no processo penal. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 95), ou a possibilidade do mesmo ajuizar sem advogado, certos tipo de ação, como a revisão criminal (artigo 623 do CPP) e o habeas corpus (artigo 654 do CPP). Essas hipóteses são casos de autodefesa.

178 COUCEIRO, op.cit., p. 363.

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também a faculdade concedida aos jurados no julgamento do Tribunal do Júri,

ferindo-se assim o princípio da isonomia.

O autor preleciona ainda que optando o acusado em se manifestar,( e

ainda o interrogatório não sendo ato obrigatório), deveria deixar de ser livre

para se dizer o que quer.

Se optou em falar, continua Couceiro, não pode o interrogado se eximir

de dizer, a versão real dos fatos, não estando livre para mentir, pondo-se fim

no sistema inquisitivo, que o encara como meio de defesa, então quando

realizado passaria a ser efetivamente um meio de prova.

Diferentemente pensa Ferrajoli e externa assim seu posicionamento:

O interrogatório do imputado, em uma visão não inquisitória de

processo, não é uma necessidade da acusação, mas um direito de

defesa, que deve servir não para formar prova da culpabilidade,

mas só para contestar a imputação e para permitir a defesa do

acusado. Sua coercitividade é não só um escopo desnecessário, mas

um propósito francamente ilegítimo, cuja realização “para arrancar

a confissão do réu” nas palavras de Francesco Carrara- mostra “

não estar morta a semente daqueles que secretamente lamentam a

abolição da tortura: já que a masmorra, utilizada no sentido como

acima se ensina, não é outra coisa que uma tortura disfarçada.179

179 FERRAJOLI, Luigi. Direito. Direito e Razão . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.447.

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Em uníssono ao entendimento de Ferrajoli temos a posição de Antonio

Magalhães Gomes Filho180 no sentido de que valorar o silêncio como

elemento probatório seria negar-lhe o caráter profilático como instrumento

apto a evitar as conhecidas pressões para obter-se a confissão a todo preço e a

todo o custo, além de dificultar o seu uso como estratégia de defesa.

É de se afirmar, entretanto, que mesmo com as mudanças efetuadas,

pela lei supra citada, permanece ainda no Diploma Processual Penal, o artigo

198 que aduz: “o silêncio do acusado não importará em confissão, mas poderá

constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”.

O direito ao silêncio do acusado, não pode ser valorado pelo julgador,

provavelmente por alguma omissão a Lei 10.792/ 2003 não alcançou esse

dispositivo, se faz mister, então, buscar amparo em nossa Carta Magna no art.

5º, LXIII. Desse direito fica implícito efetivamente a liberdade do acusado em

se defender, da forma que lhe aprouver, estando presente ou ausente na

audiência, falando ou calando-se. Da não valoração desse emudecimento, ou

premissa conferida em abster-se de participar em um ato processual consagra-

se ainda mais a presunção de sua inocência.

No entendimento de Ennio Amodio181, temos que a regra procura evitar

a obtenção de declarações pela coerção exercida contra a liberdade moral do

180 COUCEIRO, João Cláudio, ob, cit., prefácio, p.12. 181 AMODIO, Ennio. Diritto al silenzio o dovere di colaborazione. Rivista di Diritto Processuale. Pádua, n.3,

julho-setembro.1974, p.411.

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imputado, ainda que tal represente sacrificar o interesse da informação do

”fato-delito” com a exclusão do uso de declarações que poderiam revelar-se

úteis no plano probatório.

Dessas declarações úteis que o acusado poderia revelar, no seguimento

da linha desse estudo, pendemos mais, e forçosamente, no sentido que o

direito ao silêncio, pode vir a ser considerado como um óbice ao

estabelecimento da verdade, posto, que o acusado deixando de falar, poderá

omitir o que em algum aspecto pudesse contribuir para o convencimento do

juiz, na valoração das provas.

No entanto, o autor, pontua ainda mais sobre o direito ao silêncio :

(...) é o selo que garante o enfoque do interrogatório como meio de

defesa e que assegura a liberdade de consciência do acusado e

dessa forma deixa de ser somente meio ou objeto da investigação e

passa a adquirir a qualidade de efetivo sujeito do processo.182

Na mesma esteira João Baptista Vilela:

(...) outra forma de exercitar a verdade, é manter-se calado.Quem o

faz está preservando a verdade, embora apenas de modo passivo,

isto é, não a está lesando nem agredindo. Por que não colaborar

ativamente para trazê-la a luz? Aqui penetramos no sacrossanto

recinto da intimidade individual.Cada pessoa pode ter variados

motivos para não fazê-lo ou simplesmente não ter motivo algum.

Pelo exercício do que constitui a projeção jurídica de nós próprios

182 AMODIO, Ennio. Diritto, ob. cit., p.411.

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não devemos explicação. Calamos ou falamos porque somos

pessoas. E porque somos pessoas também detemos a soberania

única e intransferível de nosso destino individual”.183

Na liberdade de declaração consagra-se o estatuto do imputado de

autêntico sujeito processual e mesmo assim isso não significa que o mesmo

deixe de ser “objeto de prova” 184.

Portanto, o imputado aparece atualmente nessa visão democrática do

processo penal, de um lado como sujeito, enquanto é parte processual e, assim

titular de direitos, obrigações e ônus processuais e de outro lado, como objeto,

pois, como se verá existem diversos atos de investigação e de prova que se

desenvolvem tomando como base indispensável precisamente o próprio

imputado, em diferentes perspectivas.

No entanto, há limitações no que tange a utilização do imputado como

objeto de prova, nesse sentido Figueiredo Dias ensina:

(...) princípio da presunção de inocência, ligado agora diretamente

ao princípio- primeiro de todos os princípios jurídico-

constitucionais- da preservação da dignidade pessoal, conduz a

que a utilização do argüido como meio de prova seja sempre

limitada pelo integral respeito pela sua decisão de vontade – tanto

no inquérito como na instrução ou no julgamento: só no exercício

de uma plena liberdade da vontade pode o argüido decidir se e

183 VILELA, João Baptista, ob.cit. p.13. 184 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1961. vol.2,

p.62.

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como deseja tomar posição perante matéria que constitui objecto

(sic) do processo.185

Há de se observar que qualquer “coerção estatal contra seu direito de

liberdade deve observar o princípio da proporcionalidade e a proteção de sua

dignidade como já assentimos, pode até submeter-se a medidas coercitivas,

mas jamais está obrigado a participar ativamente em sua aplicação e possui a

possibilidade de optar pelo silêncio, quando este caminho lhe parecer mais

conveniente para a sua defesa”. 186

Literalmente preconizado por nossa Constituição está o princípio nemo

tenetur se ipsum accusare “ninguém é obrigado a acusar-se a si mesmo” e já

é praticamente pacífico o reconhecimento de outros advindos deste primeiro

que avocam a autopreservação, tais como : nemo tenetur se detegere”

ninguém é obrigado a se manifestar”, ou nemo contra se edere tenetur “

ninguém é obrigado a se denunciar, ou “nemo testis contra se ipsum “

ninguém testemunhe contra si mesmo”, ou “ nemo tenetur detegere propriam

turpitudinem” ninguém é obrigado a declarar a própria torpeza, é uma

conquista dos tempos modernos e das democracias liberais.

185 FIGUEIREDO Dias, Jorge de. Sobre os sujeitos processuais.Jornadas de direito processual penal- O

Novo Código de Processo Penal. Coimbra: Livraria Almedina, 1988, p. 27. 186 DIAS NETO, Theodomiro.O Direito ao Silêncio: Tratamento nos direitos alemão e norte – americano

RBCCrim, São Paulo: RT, n.19, julho - setembro, 1997, p.185.

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Ademais, não é só por meio de declarações que uma pessoa pode se

auto-incriminar, por vezes sua presença na audiência para reconstituição de

crime, reconhecimento da vítima, para verificação de sua versão dos fatos

pode até impender na sua condenação, e com o incremento da tecnologia,

outros meios de prova foram descobertos, os quais implicam em impor ao

imputado determinadas condutas que podem permitir sua incriminação

(extração de sangue para verificação de dosagem alcoólica, a emissão de

palavras para exame de voz, ou extração de cabelo ou de esperma, para a

realização de exame de DNA).

O princípio nemo tenetur se ipsum accusare passou a ter significados

distintos, relacionados entre si a) direito genérico a não se auto-incriminar b)

um direito de não ser interrogado pelo juiz e c) um direito de, quando

interrogado, se manter em silêncio.

Do direito a não se auto incriminar que se referia, no início, apenas ao

direito de não ser obrigado de emissão de declaração que pudesse incriminar o

acusado, passou-se atingir outros tipos de condutas, conquistando

abrangências mais extensas, por exemplo a não imposição na realização de

qualquer exame ou exibição de documento e recusa em apresentar-se.

Hoje já colhemos os resultados, ainda não de forma geral e pacífica

mas do direito da não incriminação que impõe limites à atividade do Estado.

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Tratando da matéria o STF decidiu que:

(...) qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos

investigatórios policiais, ou que ostente, em juízo penal, a condição

jurídica de imputado, tem dentre as várias prerrogativas que lhe são

constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer

calado.”Nemo tenetur detegere”. Ninguém pode ser constrangido a

confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em

silêncio insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do

devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se, até

mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado

negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou

judiciária, a prática da infração penal. (STF-1ªT-HC 68.929-SP-

rel.Min.Celso de Mello- j. 22.20.1991-RTJ 141/512).

Em seu voto o Ministro Celso de Mello, afirmou que:

(...) o privilégio contra a auto-incriminação traduz direito público

subjetivo, de estatura constitucional, deferido e expressamente

assegurado, em favor de qualquer indiciado ou imputado, pelo

artigo 5º, inciso LXIII, da nossa Carta Política, de forma que

“qualquer indivíduo figure como objeto de procedimentos

investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição

jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe

são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer

calado. Esse direito- que se reveste de valor absoluto- é plenamente

oponível ao Estado e aos seus agentes. Atua como poderoso fator

de limitação das próprias atividades penais-persecutórias

desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério

Público, Juízes e Tribunais) RTJ 141/515.

Esse direito, a despeito de visível desenvolvimento, tanto no sistema

pátrio como nos tratados e convenções internacionais não pode impedir que o

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Estado, a seu turno, venha a explorar modernas tecnologias para a repressão

da criminalidade e com isso caminhar, também, na busca incessante do bem

comum e no equilíbrio das partes.

Em que pese, o que discorremos até então, e entendimentos diferentes,

é pacífico que consagrado está em nossa Carta Maior o direito ao silêncio,

portanto, acolhido está nas malhas do processo penal, mesmo até em

detrimento da verdade processual e do deslinde circunstâncias que giram em

torno do “fato-delito”.

Entretanto, por um princípio geral da ponderação, advindo das cortes

alemãs187(Cap. VII,7.1) que qualifica a realização efetiva da justiça penal

como sendo de transcendente interesse do Estado de Direito, admite que em

sua salvaguarda se sobreponha aos direitos fundamentais a ponto de legitimar

o sacrifício destes.

Não querendo relegar a plano inferior esse direito, ora tratado, mas

apenas no sentido de trazer a voz de alguém que pode lançar luz em

discussões sombrias ou, quiçá, ativar a chama da inconformação que invade o

espírito crítico, advindo da pesquisa que se arrima o trabalho científico, temos

a reflexão de Santo Tomas de Aquino ao falar da linguagem como o

receptáculo das grandes intuições de sabedoria do homem :

187 ANDRADE, Manuel da Costa Andrade. Sobre as proibições de prova em processo penal. Portugal.

Ed.Coimbra, 1992, p. 28.

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Nós não podemos expressar em uma única palavra tudo o que há

em nossa alma e, devemos valer-nos de muitas palavras

imperfeitas e, por isso, exprimimos fragmentária e setorialmente

tudo o que conhecemos.188(grifo nosso)

188 AQUINO, Tomas de. Verdade e Conhecimento .(Questões disputadas “Sobre a verdade” e “Sobre o

verbo” e “Sobre a diferença entre a palavra divina e a humana”). Trad.Luiz Jean Lauand e Mario Bruno Sproviero. São Paulo: Martins Fontes, 1999 p.1, “A linguagem é receptáculo das grandes intuições de sabedoria do homem: ao contrário de Deus, que tudo expressa em seu verbo”. ob.cit., p.80.

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CAPÍTULO V - A PROVA E ALGUNS ASPECTOS DA TEORIA

GERAL DO ÔNUS DA PROVA

“Quanto mais abominável é o crime,

tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social,

a obrigação de não aventurar

inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar

em conjecturas, de seguir passo a passo as circunstâncias,

deixando a elas a palavra, abstendo-se rigorosamente

de impressões subjetivas e não antecipando nada”.

Rui Barbosa189

5.1 Noções iniciais sobre prova

Procuraremos neste capítulo elucidar a prova e algumas de suas

implicações dentro do processo penal, tendo sempre como premissa básica

que o direito processual penal é o direito constitucional aplicado190 e

notadamente seguirá as determinações de nossa Carta maior.

189 BARBOSA, Rui. Novos Discursos e Conferências. São Paulo: Saraiva, 1933, p.75. 190 HASSEMER, WINFRIED. Fundamentos de Derecho Penal. Trad. de Francisco Munhoz Conde e Luiz

Arroyo Zapatero Barcelona: Bosch Casa Editorial S.A., 1984, p.150.

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A origem do vocábulo prova é encontrada nas raízes latinas probatio,

que advém de probus que deu em português, prova e probo, significando

bom, correto, honrado.191

Na lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr:

Provar significa não apenas constatação demonstrada de fato

ocorrido-sentido objetivo- mas também aprovar ou fazer aprovar-

sentido subjetivo. Fazer aprovar significa a produção de uma

espécie de simpatia, capaz de sugerir confiança, bem como a

possibilidade de garantir, por critérios de relevância, o

entendimento dos fatos em sentido favorável (o que envolve

questões de justiça, equidade, bem comum, etc.).192

“A prova visa, como fim último, incutir no espírito do julgador a

convicção da existência do fato perturbador do direito a ser restaurado”193e

no processo a prova resume-se a todo meio destinado a convencer o juiz a

respeito da verdade de uma situação de fato”.194

Ada Pellegrini Grinover195 comenta que não se pode olvidar a íntima

conexão que existe entre a participação das partes na produção das provas e

princípio de imediação-exatamente entendido como destaca Trocker, no

sentido de que a colheita das provas há de ser feita com a participação das

partes, perante o juiz, conforme, aliás, expressamente determina a ZPO alemã, 191 AQUINO, José Carlos G. Xavier, A Prova testemunhal no processo penal Brasileiro. São Paulo: Saraiva, p. 7. 192 FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 4.ed.. 4.

tiragem: Atlas, 2003, p. 319. 193 SANTOS, Moacyr Amaral, Prova judiciária no cível e comercial, São Paulo: Max Limonad,1952, p.15. 194 Essa definição é dada por GRECCO FILHO, Vicente. Manual de processo penal, São Paulo: Saraiva,

1995, p.196. 195 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito processual, Rio de Janeiro Forense, 1990, p.21.

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que enuncia o seguinte princípio geral: Parágrafo 355, caput: a produção das

provas ocorre perante o órgão chamado a decidir a controvérsia.

Prova na visão do processualista João de Castro Mendes é :

o pressuposto da decisão jurisdicional que consiste na formação

através do processo no espírito do julgador da convicção de que

certa alegação singular de facto (sic) é justificavelmente aceitável

como fundamento da mesma decisão.

Corroborando na idéia central desse estudo, a prova nada mais é do que

o rol de elementos de convicção fornecidos ao magistrado, com os quais ele

poderá reproduzir (guardando semelhança) os fatos a serem investigados.

Dessa forma, estabelecerá uma certeza judiciária ou verdade possível que já

tratamos. (V. Cap. I)

Francesco Carnelutti, diz que as provas:

son así um instrumento elemental no tanto del proceso como del

Derecho, y no tanto del proceso de conocimiento como del proceso

em general: sin ellas, em noventa y nueve por ciento de las veces,

el Dercho no podría alcanzar su finalidad.196

196 CARNELUTTI, Francesco. La prueba civil. Trad.Niceto Alcalá- Zamora y Castillo, Buenos Aires,

Depalma, 1979, p.227.

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5.2 Elementos da Prova

Sedimentada está em abalizada doutrina197 a classificação das provas

que se apresenta sob o prisma de três distintos critérios de verificação,

levando-se em conta: a) o objeto, b) o sujeito ou órgão, c) forma.

a) Para Manzini o objeto da prova são todos, “quei fatti principale o

accessori, che interessano la decisione del giudice, e che richiedono um

accertamento”.198

Do ponto de vista do objeto, diz-se prova direta ou indireta.

A primeira é que tem por objeto imediato o que se quer provar

provado, ou seja consiste no próprio fato ou se refere ao fato probando. Já a

prova indireta é aquela que afirma outro fato, e não se confunde com o fato a

que está sendo provado, mas por uma via de raciocínio chega-se ao fato que

se quer provar. Os indícios são provas indiretas.

Conforme José Carlos Aquino199, é desnecessário provar as evidências

e os fatos notórios notoria non egent probatione, (...) fato notório é aquele de

conhecimento público e diferentemente daquele que retrata a voz do povo,

pois esta pode traduzir o que não é verídico, porque como já vimos que a

197 TUCCI, Rogério Lauria, Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1993, p.335-338;

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas do direito processual civil. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2º vol., p. 239; CAMARGO ARANHA, Adalberto José de. Da prova no processo penal. 4.ed. São Paulo: Saraiva, p. 22-24.

198 MANZINI, Vincenzo. Istituzioni di DirittoProcessuale, 12. ed., Padova: Cedam, 1957, p.156. 199 AQUINO, José Carlos G. Xavier de. A prova Testemunhal no processo penal brasileiro, 3. ed. Saraiva,

São Paulo, 1995, p.10.

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decisão tomada pela maioria não pode limitar os direitos da minoria. (V. Cap.

III, 3.2)

Fazendo uma alusão v.g. a crimes que alcançam grande atenção

pública, atingindo repercussão na imprensa escrita e falada; a voz furiosa

daquela comunidade apesar de refletir a vontade da grande maioria, não está

diante de fato notório, como acima descrito, visto que não se fundamenta em

conhecimento público.

Segundo o autor, ainda temos que o objeto da prova testemunhal fica

adstrita aos lindes da imputação e da tese sustentada pela defesa; girando em

torno do fato criminoso e do possível autor da conduta delitiva, inclusive as

reperguntas devem versar no objeto da prova.

b) O sujeito ou órgão da prova é a pessoa ou coisa de quem ou de onde

deriva a prova, pode ser pessoal ou real. A prova pessoal consiste numa

afirmação de conhecimento (testemunha) ou na certificação de fato ou fatos

do processo (documento). A prova real equivale da atestação que advém da

própria coisa constitutiva da prova (a hematoma, o arrombamento). O

magistrado no entender de Manzini é o receptor, portanto sujeito ativo do

exame de prova.200

200 MANZINI, Vincenzo, ob.cit.p.313.

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c) A forma de prova é a maneira pela qual a prova chega a juízo, pode

ser documental (exemplo: escritura) material (corpo de delito)ou testemunhal

(manifestação pessoal oral).

A prova tem por objeto (thema probandum) que são os fatos da causa.

“Toda pretensão tem por fundamento um ponto de fato” 201e esse ponto de

fato é que constitui o objeto da prova, ou seja os fatos que ao se evidenciarem

no processo conferirão ao juiz a formação do seu convencimento .

A prova se faz necessária para a formação da convicção ao juiz, no que

concerne à verdade dos fatos narrados no processo, visto que é seu

destinatário direto. A prova também vai de encontro às partes, que são seus

destinatários indiretos, posto que também dela necessitam para aceitarem o

julgamento, que advirá após um caminho que se converge no deslinde dos

fatos, ao alcance da verdade possível.

5.3 Jura novit curia

Não se faz necessário produzir prova de direito, jura novit curia, por

legítima presunção está firmado que o magistrado conhece o direito.

Mihi factum dabo tibi jus, os romanos tinham plena convicção dessa

presunção, e legaram esse brocardo aos povos que se seguiram. Em poucas 201 SANTOS, Moacyr Amaral , ob.cit., p.235.

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exceções, no direito penal se faz prova do direito estadual, municipal ou

estrangeiro, entretanto, em caso de improbidade administrativa, com

conseqüências penais (crime contra a administração pública), pode ser

necessária v.g. a prova da lei municipal.

A presunção legal (absoluta- jure et de jure) sendo a conclusão

decorrente da lei revela a dedução extraída como conseqüência indireta da

reiteração de fatos que por se sucederem continuamente, prescindem,

portanto, de provas. No crime contra os costumes, existe a presunção legal de

violência quando a vítima for menor de 14 anos, alienada mental, etc.

Demonstrado o fato serve como alicerce à presunção estabelecida pela lei,

surge, então como provado o fato probando.202

Por outro lado há os fatos que sendo ou não verdadeiros não poderão

influenciar no convencimento do juiz, fatos criminosos, atentatórios aos bons

costumes e à ordem pública, não podem trazer vantagem em favor do seu

realizador, pois nemo turpitudinem suam allegans audiri potest. Destes fatos

a prova se torna inútil.203

202 CAMARGO ARANHA, Adalberto José de, ob.cit., p.27. 203 CAMARGO ARANHA, Adalberto José de, ob.cit., p.27.

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5.4 Meios de prova

“...a prova é o farol que deve guiar o juiz

nas suas decisões”

Ordenações Filipinas204

O Código de Processo Penal tratou da “Prova” no Livro I, Título VII,

composto o último de nove capítulos, que abrangem os arts. 155 a 250. Ao

todo, compreendendo 95 artigos.

Os meios de provas se constituem um veículo pelo qual a verdade do

processo poderá vir à tona, no entanto, na dogmática processual mais

moderna a finalidade desses meios é vista sob o prisma de conferir ao juiz a

possibilidade de formar seu convencimento sobre as afirmações formuladas

pelas partes, bem como dar o suporte das pretensões deduzidas e da própria

decisão do processo.205

O diploma processual penal elenca os meios de prova na seguinte

ordem: o exame de corpo de delito e das perícias em geral (arts.158 a 184); o

interrogatório do acusado (arts. 185 a 196); a confissão (arts.197 a 200): as

perguntas ao ofendido (art.201); as testemunhas (arts. 202 a 225); o

reconhecimento de pessoas ou coisas (arts.226 a 228); a acareação (arts. 229 e

204 Ordenações Filipinas, Livro III, título 63. 205 Nesse sentido V. ESTRAMPES, Manuel Miranda. La mínima actividad probatoria em el proceso penal.

Barcelona: J.M.Bosch Editor, 1997 p. 36-38.

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230): os documentos (arts. 231 a 238); os indícios (art.239) e a busca e

apreensão (arts. 240 a 250).

Não é objetivo da dissertação detalhar os meios acima anotados, mas

apenas examinar alguns dos dispositivos. Ao comentar nas próximas linhas

sobre os mesmos, é nosso intento, fazer valer o entendimento de nossa

proposta primeira, ou seja, o encontro com a verdade por intermédio do

processo penal.

Nessa linha de raciocínio temos a lição de Antonio Magalhães Gomes

Filho:

(...) a idéia de prova vem freqüentemente associada, numa relação

funcional, à de verdade, que, por sua vez, não só é portadora de

indiscutível carga emocional, mas também oferece outras tantas

perplexidades na exata delimitação de seu conceito. E isso fica

ainda mais evidente com a atribuição ao termo verdade de outras

qualidades, como real, material, objetiva, etc206 ( V.Cap.I, 1.2.1.2)

Manifestado novamente o propósito do que se busca para esta

dissertação, agregamos o entendimento de Marco Antonio Marques da Silva;

pois a verdade no processo penal deve ser examinado sob a perspectiva da

prova, não basta a verdade formal, entende-se que a verdade deve ser

material, o que permitiria até a busca pelo juiz de provas não colhidas na fase

instrutória.

206 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997,

p.42.

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Continuando na lição do autor temos que essa busca não se faz de

forma empírica, como ocorre nas ciências físicas, mas a valoração dos

elementos de prova determina que se busque uma correta análise dos fatos,

deduzindo assim o que podemos denominar de verdade judicial, ou citando

Gomes Filho, verdade processual, que não é extorquida inquisitoriamente,

“mas uma verdade obtida de provas e desmentidos.207

5.5 O ônus da prova

É atribuído às partes o ônus de provar o que alegaram na marcha do

processo. Ulpiano208 ensinava que a prova cabe ao autor; se a outra parte

apresentar um álibi, se converterá em autor e, por conseqüência deverá provar

a sua alegação.

Entretanto, foi Leibniz209 que formulou o “princípio da razão

suficiente” o qual toda proposição verdadeira pode ser demonstrada. Tal

demonstração tem a finalidade de fundamentar à verdade, a partir disso nos

afastamos da simples opinião ou do ouvir dizer para a convicção científica. A

“razão suficiente” dá sustentação à proposição.

207MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.35. 208 Ulpiano apud, AQUINO, José Carlos G. Xavier de, ob. cit., p.11. 209 RANSON GILES, Thomas. Dicionário de Filosofia.Termos e filósofos. São Paulo: EPU, 1993, p.221.

LEIBNITZ - pensador alemão (1646-1716).

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O art.156 do CPP que se ocupa do ônus da prova, atribui ao juiz a

faculdade de determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre

ponto relevante do processo, desde que, evidentemente, o faça antes de

prolatada a sentença.

Mas da formulação aventada por Leibniz, a quem incumbe fazer a

demonstração?

O ônus de provar, reiterando, pertence às partes “a prova da alegação

incumbirá a quem a fizer”, diz a lei, onus probandi incumbit ei qui dicit. No

entanto, o juiz deverá atuar de forma supletiva, desde que a parte deixe de

provar ponto relevante que interesse à decisão da causa. O julgador poderá

servir à acusação ou à defesa, e do texto do art. 156 do CPP “o juiz poderá” se

deduz que essa atribuição é uma faculdade conferida ao magistrado, mas a

nosso ver, baseado no princípio da investigação210 da verdade no processo,

isso se constitui um poder-dever211 do presidente da persecução penal.(V.

Cap.VII, 7.4)

Nessa nova tendência, a verdade a ser alcançada se traduz por uma

certeza próxima “da verdade judicial, uma verdade subtraída à exclusiva

210 René Ariel Dotti, assim preleciona quando argumenta que “ a investigação constitui um fenômeno

relativo ao impulso do procedimento e também à descoberta dos fatos. Daí a designação paralela de princípio da “ verdade material “ In: Princípios do processo penal, Revista dos Tribunais 687:258. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, janeiro de 1993.

211 LOPES, João Batista . “O ônus da prova no processo penal”. São Paulo: Revista de processo n.11-12, p.147-153, julho- dezembro, 1978, p.151.

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influência das partes pelos poderes instrutórios do juiz, diga-se uma verdade

ética, constitucional e processualmente válida”.212

Com efeito, a “Exposição de Motivos”, que acompanha o Código,

deixa claro, em seu nº VII, quando cogita da “Prova”, que “enquanto não

estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de

prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou

o non liquet”. Esse último, conforme Francesco Carnelutti, representa mesmo

de forma paliativa uma opção política: absolvição por insuficiência de provas

e continuando pontua:

(...) o que deixará o imputado, em tal condição pelo resto da vida

(...) (essa opção política), como é na coisa julgada e em tantas

outras; mas absolutamente necessária para, da melhor maneira

possível, nas questões limítrofes, tentar fixar alguns parâmetros e a

partir deles, exigir respeito, não fosse, antes, um comprometimento

ético. Nada disto, contudo, adianta, se os homens não tiverem a

grandeza de fazer valer a palavra do pactuado, daquilo

expressamente fixado no contrato.213

Por tratar-se de ônus e não de dever da parte de provar o alegado é que

se justifica a atuação supletiva do Juiz. A lei atribui às partes um legado que

se consubstancia em “direito subjetivo à prova”, portanto às partes são

212 GRINOVER, Ada Pellegrini.A marcha do processo. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal

acusatório.Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.86. 213 COUTINHO, Jacinto Nelson, Miranda, Glosas ao Verdade, dúvida e certeza de Franccesco Carnelutti

para os operadores do Direito, Revista de Estudos Criminais- ITEC, Notadez, vol IV, n.14, 2004, p.90.

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incumbidas da iniciativa, participação e controle do provimento

jurisdicional.214

Essa participação supletiva do magistrado, a nosso ver, só apresenta

sentido quando a ação penal for pública. Parece-me ilógico que, em crime de

ação penal de iniciativa privada, o juiz tome, suprindo a omissão da parte

autora, providência no sentido de complementar a prova. Em tal hipótese, isto

é, em caso de ação privada, sua atuação só se dará em favor do querelado que,

por qualquer razão, não tenha produzido prova que, em princípio, poderia lhe

trazer benefício.

Destarte, as partes na posse desse direito subjetivo da prova, deverão

provar o que alegam: se o órgão da acusação imputa ao réu a autoria de um

crime, incumbe-lhe provar as alegações pertinentes ao fato objeto da

pretensão punitiva, sem o que a ação penal será julgada improcedente. A seu

turno, se o réu nega a autoria do crime e deixa de apresentar a prova cabal que

evidenciaria essa alegação, poderá não ter sua inocência reconhecida em

juízo.

Quando da utilização pelas partes dos meios de provas (produzidas e

obtidas licitamente) há de serem aceitas, independentemente de quem as tenha

produzido, porque interessa tanto àqueles quanto ao julgador.

214 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.85.

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Nos moldes do artigo 188 do CPP o julgador, após o interrogatório,

indaga às partes se há algo a ser esclarecido, esse é um momento importante

do réu, v.g. fazer efetivo seu momento de defesa, poderá contrariar a

imparcialidade da prova dos autos, justificando os motivos alegados.

Vigorando entre nós o princípio nemo tenetur detegere com o que o réu

pode permanecer em silêncio (V.Cap.IV, 4.2) mas ele poderá também

confessar, negar ou conforme Adalberto José Camargo Aranha “até mentir”, o

que é discrepante ao que pensamos, mas continua o autor, “vale dizer que

mentir não é direito de ninguém, apenas ao réu interrogado não há

incriminação possível.(...) contudo, observe-se, a liberdade de mentir, por

resultar em impunidade, é no sentido de defender-se e não acusar-se, pois

quem assume falsamente crime praticado por outrem comete o delito do art.

341 do CP.”215

Em que pese tal entendimento, quanto ao dever de verdade na lição de

João Baptista Villela temos:

Deve-se distinguir entre o exercício ativo e o exercício passivo.

Exercita-o ativamente quem se manifesta de acordo com o que

julga ser a verdade. Pode até não ser, de fato, a verdade. Mas é o

que o declarante supõe que seja. Enunciamos um juízo metafórico

quando afirmamos estar dizendo a verdade. Em realidade, o

compromisso que podemos assumir é o de dizer “ o que supomos

215 ARANHA, Adalberto José Q.T. Da prova no Processo Penal. 5.ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva,

1999, p. 98.

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ser a verdade”. Se a informação não for efetivamente verdadeira,

isto é, não for coincidente com os fatos, não teremos, só por isso,

violado o dever de verdade. Nós o violamos, sim, quando faltamos

à lealdade. É somente este o compromisso que podemos ter a

pretensão de assumir, isto é, dizer o que supomos ser a verdade. E

se, ao contrário, pretendendo mentir, passamos informação

verdadeira, teremos, sim, ofendido o dever de lealdade. Quisemos

infringi-lo e a informação, embora convergente com a verdade,

carrega a cumplicidade original com a mentira.216

Baseando-nos no princípio da presunção da inocência do acusado, cabe

o ônus da demonstração da imputabilidade penal ao Estado, que então deverá

se empenhar a confirmar nas duas fases da persecução penal: a inquisitorial,

cabendo à Polícia Judiciária e em fase acusatória, ao Ministério Público.

Nessa segunda fase, em juízo, ao se estabelecer o actus trium

personarum, normalmente ao acusado caberá o ônus de provar o álibi que

apresentar e ao representante do Parquet provar a imputação feita contra o

acusado efetivando-se, assim, o yus puniendi.

O processo, nessa marcha, está formado pelos princípios éticos, (...)

deixando de ser visto como instrumento meramente técnico para assumir a

dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com justiça.217

216 VILLELA, João Baptista. Habeas Corpus para manter-se calado? In: O Sino de Samuel: Jornal da

Faculdade de Direito da UFMG, n. 83, julho- agosto de 2005, p.13. 217 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência à ordens judiciárias: O Contempt of

Court. Revista de Processo, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 26, abril-junho de 2001, p. 219.

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CAPÍTULO VI - ALGUNS ÓBICES AO DESLINDE DA VERDADE

“As coisas não são justas porque os

deuses querem, mas os deuses as

querem porque são justas”

Sócrates

6.1 Provas quanto ao estado das pessoas

Buscaremos discorrer neste capítulo que a marcha do processo,

encontra alguns entraves que se afiguram de modo a restringir o alcance da

verdade.

As limitações, no que tange à provas, no processo, vem do próprio

dogma constitucional de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude da lei. Nesse princípio, (art.5º, II da CF) o da

legalidade, se submete o próprio Estado-Juiz e toda administração pública em

só poder fazer o que a lei permite, enquanto o particular é permitido fazer

tudo o que a lei não proíbe.

As partes possuem ampla liberdade para provar as alegações trazidas

em juízo, como já mencionado, entretanto, pelo caráter público do direito

processual penal está firmado no CPP em seu art. 155 as limitações no

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tocante à prova, quanto ao estado das pessoas, cujas restrições obedece as

restrições ditadas pela lei civil.

Há de se reconhecer que essa é uma limitação legal ao descobrimento

da verdade; existem outras que retiram do processo as marcas da verdade

real, apresentando-se, em duas vertentes: as decorrentes da condição humana

dos perseguidores da verdade e as que provém de balizas ético-jurídicas

tuteladoras de valores de hierarquia superior, se cotejadas com a necessidade

da verdade no processo.

A prova, veículo da verdade, se limitada, acaba por impor limites

também à verdade almejada. O princípio da liberdade das provas não é amplo

e absoluto, visto que é cerceado pelo princípio da legalidade. Portanto, por

meios de provas, (Cap.V, 5.4), entendem-se todos os modos e instrumentos

não defesos em lei, e capazes de revelar a verdade.

O poder-dever do Estado em distribuir justiça, apurando a verdade,

também fica adstrito aos limites da lei, que hierarquizam direitos que a seguir

mencionaremos.

6.2 Prova ilícitas

Na lição de Ada Pellegrini Grinover a prova é ilegal quando viola,

normas legais ou princípios gerais do ordenamento de natureza material ou

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processual, porém quando a prova for produzida infringido lei processual a

prova é ilegítima (ou ilegitimamente produzida), ou quando a prova infringe

determinação de natureza material, ou seja princípios e normas colocados na

Constituição e presentes nas leis, frequentemente para a proteção das

liberdades públicas e dos direitos de personalidades e daquela sua

manifestação que é o direito à intimidade, a prova é ilícita (ilicitamente

obtida).218

As provas ilícitas poderão, caso acolhidas, eivar de nulidade o

processo, porém quando inadmitidas mitigam a verdade bem como o

princípio da investigação219das linhas do processo penal.

Os fins justificáveis, ou seja o desvendamento da verdade a ser

apurada, não podem proceder de meios que maculariam direitos preservados

constitucionalmente. Envidaria essa dinâmica, em regresso se equivalendo aos

abusos das práticas do Direito presentes na Inquisição. ( V.Cap.II, 2.5)

A instrução (processual...) cumpre, além da função jurídica, outra, de

natureza política e vital, ou seja, de permitir que tudo seja feito conforme o

devido processo legal ( art. 5º, LV, CF), fator imprescindível à

democratização. Instruir, então, pelo conhecimento do fato, tem um preço a

218 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As

nulidades no Processo Penal. 6. ed.rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p .131 . 219 René Ariel Dotti. Princípios do Processo Penal. Revista dos Tribunais 687:258. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, janeiro de 1993.

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ser pago pela democracia (não avançar nos direitos e garantias individuais),

mas que há de ser pago a qualquer custo, sob pena de continuarmos, em

alguns pontos, sob a égide da barbárie, em verdadeiro “estado de natureza”.220

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LVI, estabelece como

inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos. No resguardo de direitos e

garantias de supremo valor, no que tange, à preservação da intimidade, da

vida privada, da honra, da imagem (art.5º, X da CF) e da própria proteção ao

domicílio221 (art.5, XI da CF) se impõem óbices ao benefício do

descobrimento da verdade.

Há que se mencionar que pela Teoria da Proporcionalidade e a questão do

princípio da ponderação advindo das cortes alemãs (V. Cap.VII, 7.1) recorda-se

a construção jurisprudencial da razoabilidade, tão importante e significativa nas

manifestações da Suprema Corte Americana pois, quando estiverem na

berlinda direitos indisponíveis, do cotejo criterioso sempre haverá um em

supremacia ao outro. Há que se ressaltar que a prova ilícita poderá ser admitida

220 COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda, Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti,

para os operadores do Direito In: Anuário Ibero Americano de Direitos Humanos 2001-2002.(coord. David Sanches Filho e outros) Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2002, p.175.

V.HOBBES, Thomas .Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Os Pensadores. Trad.de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 2. ed., São Paulo: Abril Cultural, 1979, p.78 e ss.

221 Art.150 CP.

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em situações extraordinárias e quando sua inadmissibilidade poderia provocar

resultados desastrosos, desproporcionais, repugnantes.222

A tutela a direitos preservados com destaque ao sigilo chancelado nas

leis ordinárias223 e na Constituição Federal que concernem à

correspondência224, às comunicações telegráficas, de dados, de comunicações

telefônicas (art. 5º, XII), bem como o segredo profissional 225( art. 5º, XIV) do

juiz226, do promotor de justiça227, do advogado228, do médico229, dos

jornalistas, rádio-repórteres ou comentaristas230 e mesmo o sigilo de proposta

de concorrência púbica231, bancário232 e das instituições financeiras233

comprometem também o deslinde dos fatos e da verdade .

No que concerne a redação do artigo 5º, XII da CF e da Lei 9296/96

que veio regular o inciso em sua parte final, que excepciona só a

222 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães,

ob.cit., p.134. 223 Art. 153 CP 224 Art. 151 CP. 225 Art.154 CP; Art. 229, I CC; arts. 207 CPC, 347,II CPC e 363, IV CPC. 226 Art.252, II CPP. 227 Art.258 in fine CPP e Lei n.8.625/93, art.26, II e par. 2º. 228 Art. 7º, II, da Lei n. 8.906, de 04/07/1994; art. 26 do Cód.de Ética e Disciplina da OAB, em situações

excepcionais há a justa causa autorizadora da revelação de segredo nos termos do art.25 do Código e Ética e Disciplina da OAB.

229 Resolução n.1246, de 08/011988, do Conselho Federal de Medicina, art.11. 230 Art.7º, caput, da L. n. 5.250/ 67. 231 Art.325 caput 326 CP. 232 A quebra de sigilo bancário tem grande reflexo na tarefa de descobrimento da verdade no tocante à

repressão aos crimes do colarinho branco, quais sejam:contra o Sistema Financeiro Nacional (Lei n. 7.492, de 16/06/1986), de lavagem de dinheiro (Lei 9.613, de 01/03/1998), de sonegação de tributos (Lei n. 8.137, de 27/12/1990), outros crimes praticados por organizações criminosas (Lei n.9.034 de 03/05/1995).Todos esses crimes, normalmente, dependem de uma instrução processual que transita nessa seara. Por determinação judicial, que importará na ruptura da esfera privativa de direitos individuais, poderá o magistrado após cautela criteriosa determinar a quebra do sigilo, baseado no interesse público e na obtenção de informações indispensáveis para a persecução penal .

233 LC n.105 de 10.01.2001 - Dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências.

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inviolabilidade das comunicações telefônicas, por ordem judicial para fins de

investigação criminal ou instrução processual penal, se deflagram vários

posicionamentos na doutrina e pelos operadores do Direito, no sentido de que

esse meio possa vir a ser utilizado para fins estranhos ao processo criminal. A

determinação da violação do segredo é tarefa do julgador e a ele se transfere o

dever de impedir que o seu conteúdo seja utilizado tão somente dentro do

Processo Criminal que lhe deu origem.

Em que pese o acatamento total à supremacia da norma constitucional,

de incontestável autoridade, melhor seria se buscasse o constituinte inserir

todos os demais meios de comunicação na exceção e não somente à quebra

das comunicações telefônicas, buscando inspiração na Constituição da

República Portuguesa, art. 34, n.4, que assim reza: “É proibida toda a

ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações

e nos demais meios de comunicação, salvo nos casos previstos na lei em

matéria de processo criminal”.

Nessa linha de conduta uma outra barreira para o encontro da verdade

quando na necessidade da disposição de outros meios, além do telefônico,

dentro do processo penal, seria desfeita. O julgador teria a Constituição lhe

dando a retaguarda para determinar a quebra. A lei ainda especifica que a

quebra do sigilo telefônico, só pode ser determinada pelo juiz de ofício ou a

requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, todavia a

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violação deverá ser feito em segredo de justiça (art. 1º, caput, parte final, da

L.n.9.296/96).

Outra barreira há que se interpor ao encontro da verdade, quando a lei

mencionada, que vem regular a norma constitucional impõe algumas

restrições, que coloca o juiz a um controle legal, em seu artigo 2º, I a III. É

vedada a interceptação telefônica quando “o fato investigado constituir

infração penal punida, no máximo, com pena de detenção”. O que dizer de

crime de ameaça (art.147 do CP), onde o auxílio das comunicações

telefônicas são comumente praticadas, cuja pena não atinge 02 anos?

Conforme entendimento de Antonio Magalhães Gomes Silva234 se a

sentença estiver claramente amparada por prova inadmissível, não haverá

vício de motivação (V. Cap.VII, 7.3), o que deveria levar à invalidade de

decisão, aqui haverá erro de julgamento, que poderá levar à reforma da

sentença em sede de apelação.

Segundo o autor ocorreria a reforma da sentença porque, dois

princípios do ordenamento deveriam ser observados, o que veda a reformatio

in pejus contra o réu ( art. 617 CPP) e de outro lado a garantia do duplo grau

de jurisdição que está expressa em relação ao acusado na Convenção

Americana sobre os Direitos Humanos (art. 8, 2, h).

234 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Ed. Revista dos

Tribunais, 199, p.168.

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Primeiramente, no entendimento do autor, se a prova inadmissível foi

utilizada e tiver sido favorável à defesa, somente em fase de recurso o

Tribunal de segundo grau pode reformar a sentença, se a prova foi utilizada

para condenar o réu ou agravar sua situação, mas com a supressão dela for

possível a absolvição, ou a redução da pena agravada, essa deve ser a solução

com a reforma da sentença. Mas, se mesmo sem a prova inadmissível, houver

base para manter-se a condenação ou agravamento de pena, a invalidação

deve ser decretada, para que outra sentença possa ser proferida, somente com

base nas provas admissíveis, assegurando-se o duplo grau de jurisdição.

No caso do Júri, ainda completa o autor, como a motivação não é

explicitada a solução é óbvia, essas provas inadmissíveis não podem ser

referidas em plenário, sob pena de dissolução do conselho de sentença, ou de

anulação da sentença, ou de anulação de julgamento se o fato for conhecido a

posteriori.

6.3 Coisa Julgada e presunção da verdade

A coisa julgada está presente na Constituição Federal e insculpida no

capítulo dos Direitos e Garantias do art. 5º, XXXVI. Esse primado goza de

relevante proteção e produz grande reflexo no campo da demonstração da

verdade no processo penal visto que nem mesmo a lei pode prejudicá-la.

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O CPC em seu artigo 467 conceitua de sua eficácia tornando a sentença

imutável e indiscutível, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário

e fica intocável no processo.

A coisa julgada é soberana quando absolutória, mas quando

condenatória é presumível que seja justa, e que a verdade foi atingida, mas a

certeza é relativa, (yuris tantum), prevalece enquanto não demonstrar viciada.

Uma vez provado o erro, retira-se a eficácia da coisa julgada para que a

verdade que foi presumida235 venha ser substituída pela verdade (que fica

vulnerável a novo embate).

A coisa julgada presumidamente justa, não poderá resistir uma outra

prova, que demonstre a evidência contrária que foi até então insuspeitável.

A autoridade da coisa julgada é mitigada somente em face do habeas

corpus, mandado de segurança e revisão criminal, em prol do condenado, no

sentido de amenizar sua situação no processo e atingir a verdade que o

próprio processo visa alcançar.

235 TORNAGHI, Helio.Curso de processo penal- atualizado por Adalberto José Q.T. de Camargo.10.ed., vol.

2. São Paulo: Saraiva, 1997, p.362.

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6.4 A desvinculação do juiz

Entendemos que o juiz que participa da instrução do processo deveria

ser o mesmo que persegue até o fim a verdade processual, terminando por

prolatar a sentença.

O processo civil, que lida com causas de interesses patrimoniais e

individuais prestigia o princípio da identidade física do juiz, e no entanto, o

processo penal que lida com o interesse das sociedades e liberdade humana

não o faz. O juiz penal não está adstrito a vinculação da causa, ou seja o que

assistiu aos debates orais colhendo as provas e presidindo a instrução não está

vinculado a julgar o feito.

Essa identidade poderia favorecer, por demais, que o processo

conseguisse atingir mais de perto a reprodução fática, (o que não quer dizer

que o contrário sempre acabará por viciar a sentença). No entanto, o

julgamento da causa pelo magistrado que acompanhou a instrução, ou seja a

produção, o conhecimento e a apreciação da prova, poderá retratar com mais

acuidade o caminhar do processo atingindo mais seguramente a verdade

perseguida, ademais motivando o seu convencimento com mais precisão.

Conforme Min. Ary Franco citado por Marco Antonio Marques da

Silva temos:

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É bem diferente, ler uma peça de teatro e vê-la ser representada assim

também ler as peças de um processo e assistir à produção das provas,

notadamente os depoimentos das testemunhas. Estou em que melhor

teria andado o legislador se houvesse adotado para o processo criminal

o que fizera no processo cível, nesse particular, e não se limitar, com

evidente prejuízo de tempo e de economia processual, à providência

que consignou no par. único do artigo 502.236

6.5 A violação do Contraditório

Em decorrência do devido processo legal dá-se as partes o direito ao

contraditório e ampla defesa (...) e nesse sentido Marco Antonio Marques da

Silva citando Eduardo Couture pontua “ a justiça se serve de dialética porque

o princípio da contradição é o que permite, por confrontação de opostos

chegar à verdade”.237

A falta do contraditório para que as provas sejam apreciadas pelo

julgador inibe seriamente o alcance da verdade. Os fatos serão reproduzidos

por um olho ou em apenas uma via faltando a outra versão, ou a

contraposição.

Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover temos:

No processo penal com seu máximo de publicismo e mínimo de

disponibilidade, a reação não pode ser meramente eventual, mas há 236 MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. A vinculação do juiz no processo penal. São Paulo: Saraiva,

1993, p. 19-20. 237 Eduardo Couture apud MARQUES DA SILVA, Marco Antonio. Acesso à justiça penal e Estado

Democrático de Direito. São Paulo: Ed.Juarez de Oliveira p.18.

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de fazer-se efetiva. O contraditório, agora, não pode ser

simplesmente garantido, mas deve ser estimulado. E a contradição

dialógica das partes há de ser real e não apenas formal. O juiz

cuidará da efetiva participação das partes no contraditório,

utilizando, para tanto, seus amplos poderes, a fim de que não haja

desequilíbrios entre os ofícios da acusação e da defesa. Cabe ao

juiz penal, portanto, integrar e disciplinar o contraditório, sem que

com isso venha a perder sua imparcialidade, que sairá fortalecida,

no momento da síntese, pela apreciação do resultado de atividades

justapostas e paritárias, desenvolvidas pelas partes. 238

Assentimos que o princípio do contraditório não exercido de forma

efetiva pode afastar o alcance da verdade e favorecer uma parte, obviamente

em detrimento da outra, posto que o processo penal não se subsume a um

monólogo; é no diálogo produzido por acusação e defesa que se projeta a

necessária energia da qual se vale o juiz para prolatar a sentença.

As partes interessadas devem participar nos atos de admissão, produção

e crítica da prova. O magistrado, nesse diapasão, com a interveniência das

partes, (onde se completa a relação triangular: acusação, defesa e julgador)

valorará os elementos probatórios pelo crivo do contraditório. Essa dinâmica

auxiliará no primado da verdade.

Conforme Antonio Magalhães Gomes Filho é necessário que se faça a

distinção de violação de contraditório no que concerne a forma da prova, ou

seja como se realizaram alguns atos procedimentais probatórios ou o

238 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 22.

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159

desrespeito do contraditório na essência da prova considerada na decisão,

nesse caso não há prova irregular, na verdade, há uma não prova, ato sem

mínima aptidão para fundamentar o raciocínio judicial.

No primeiro caso, no pensamento do autor, há anulação da sentença

determinando-se a renovação do ato instrutório, v.g. se testemunha foi ouvida

sem defensor, poderá ser ouvida novamente de forma regular, se no entanto,

não houve prejuízo para a parte, não há porque invalidar. No entanto, se a

violação fere o próprio ato probatório, sua existência, a solução deve ser a

mesma das provas inadmissíveis, que não podem ser utilizadas pela

sentença.239 (V. Cap. VI, 6.2)

O autor ainda exemplifica para essa segunda categoria de alcance da

essência da prova: a utilização de dados obtidos no Inquérito Policial, que não

podem fundar convencimento judicial, porque não são obtidos pelo crivo do

contraditório, ou ainda a situação do membro do Ministério Público querer

juntar prova de testemunho obtido unilateralmente em seu gabinete, isso gera

impossibilidade total a ser considerada, pois a renovação do ato, para a

observância do contraditório se faz inviável.

239 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.169-170.

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160

CAPÍTULO VII - A DECISÃO

“A justiça é a excelência moral perfeita,

embora não o seja de modo irrestrito,

mas em relação ao próximo, nem a estrela

vespertina nem a matutina

é tão maravilhosa...na justiça se

resume toda excelência”

Aristóteles, Ética a Nicômano, Livro V

7.1 A questão do princípio da ponderação de interesses

O princípio da proporcionalidade, originado das cortes alemãs, deve ser

chamado em casos de excepcionalidade evidente, onde o juízo da causa

poderá fazer a ponderação sopesando interesses em confronto.

Elencamos no capítulo anterior alguns dos elementos que obstaculizam

a busca da verdade pelo processo, quer a verdade processual ou a judicial.240

Para equilibrar as forças do embate que se trava a partir do jus libertatis

e do jus puniendi se faz premente dentro de um Estado de Democrático de

Direito, que se propõe a distribuir justiça, para o desenvolvimento de uma

240 ...”aquela obtida através das provas e desmentidos”. Gomes Filho apud MARQUES DA SILVA, Marco

Antonio. Acesso à justiça penal e Estado Democrático de Direito. São Paulo: Ed.Juarez de Oliveira, p.35.

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sociedade feliz, livre e solidária; analisar princípios processuais derivados do

due process com a fixação de critérios, que respeite limites de incidência

para não tornar absolutos os direitos e garantias fundamentais, oponíveis a

tudo e a todos.(...)241

Do princípio da ponderação dos interesses, que também é chamado de

Princípio da Proporcionalidade, Verhältnismassigkeitsprinzip, advindo das

reiteradas decisões do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha temos

um norte para encaminhar algumas questões que surgem quando do

levantamento de provas para firmar o juízo mais próximo da verdade que

buscamos atingir no percurso do processo penal.

Apesar da dose de subjetividade ínsita no princípio da

proporcionalidade e dos riscos que poderá acarretar a sua aplicação “alguns

autores admitem que a sua utilização poderia transformar-se no instrumento

necessário para salvaguarda e manutenção de valores conflitantes”242, por

óbvio, se aplicado em situações cuja inadmissibilidade produzisse riscos

graves, inusitados e repugnantes.

Quais seriam os interesses tratados pela Teoria? A defesa de um direito

constitucionalmente resguardado e a necessidade de perseguir e punir o

criminoso. Diante da impossibilidade de dar guarida a ambos, a solução deve

241 NERY, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal, 8.ed, São Paulo: RT, 2004, p.41. 242 GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As

nulidades no Processo Penal. 6. ed. rev. e atual. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p .134 .

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ser consultar o “ interesse que preponderar e assim preservá-lo. É sob a luz do

princípio da ponderação que se instrumentaliza o Estado e se lhe oferece

melhores condições para dar resposta adequada à ameaça da criminalidade

mais grave.243

Desse modo, a jurisprudência alemã, conforme o autor português

Manuel Costa Andrade, passou a colecionar decisões francamente ditadas por

um princípio geral de ponderação que qualifica a realização efetiva da justiça

penal como sendo de transcendente interesse do estado de Direito, admitindo

que sua promoção ou salvaguarda se sobreponha aos direitos fundamentais, a

ponto de legitimar o sacrifício destes. Tal princípio converteu-se num dos

dogmas mais consolidados e determinantes da jurisprudência, sendo utilizado

como referência para uma “justiça funcionalmente capaz” ou como “arma

eficaz na luta contra o crime”.244

Não está se minimizando direitos, mas conforme Nelson Nery :

(...) almeja-se delimitar, com critério, o sentido de imperiosidade

das garantias assinaladas, já que não é lícito permitir ao infrator da

lei penal delas se utilizar como escudo protetor e fugídio da justiça.

Ou seja, na interpretação da norma jurídica, constitucional, devem

243 ANDRADE, Manuel Costa. Sobre as proibições de prova em processo penal. Portugal: Ed. Coimbra, 1992. p.31. 244 ANDRADE, Manuel Costa, ob.cit. p. 29.

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ser sopesados os interesses e direitos atingidos, de modo a dar-se a

solução concreta mais justa”.245

São nomes expoentes de nossa doutrina246, no processo penal, que

acolhem o entendimento de aplicação da ponderação de interesses em prol da

busca da verdade, quando há extrema gravidade ou relevância social. Isso não

significa fazer pender a balança da justiça apenas para um lado, nem

desprezar a paridade do processo tão priorizada nesse estudo. É, por certo,

diante de imprescindibilidade da providência judicial em caso sub judice e

selando o processo com o segredo de justiça, poderá o julgador determinar a

violação restrita, (isto é, acompanhada de medida cautelar), dos sigilos de

correspondência, de comunicação telegráfica, de dados e a inviolabilidade da

intimidade, da vida privada, honra e imagem. A prudência, no entanto, deve

acompanhar a decisão do julgador que só pode encontrar aceitação doutrinária

ou jurisprudencial quando os meios empregados tenham imanentes:

• Adequação (geegneitheit)

• Necessidade (erforderlichkeit)

• Proporcionalidade (verhäetnismassigkeit)

No direito brasileiro, a doutrina dominante se coloca em posição

contrária à admissibilidade processual das provas obtidas por meios ilícitos,

245 NERY JR, Nelson. Proibição da prova ilícita. Novas Tendências do Direito. In: Justiça Penal- Críticas e

Sugestões. Org. Jaques de Camargo Penteado. São Paulo: RT, 1997, vol. 04, p.16. 246 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio; GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES,

Antonio. As nulidades no Processo Penal. 6. ed.rev. e atual. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p.134.

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posição temperada, por muitos autores, pelo princípio da proporcionalidade, o

que entretanto, abre exceção, o processo penal, à prova ilícita quando

utilizada “pro reo”.247

7.2 A ponderação das provas como instrumento da verdade

A finalidade da prova, diferentemente do que se preconizava não tem

mais o condão de atingir o espírito do julgador e fazer brotar a convicção

racional da criminalidade.248

A prova não ambiciona atingir a verdade, a partir de todos os

problemas ditados pelos moldes filosóficos, mas essencialmente contribui

para a formação da convicção do julgador, que considerará a coerência das

afirmações e demonstrações apresentadas pelas partes durante o processo, a

partir de seu labor ponderativo.

“Da seleção, da crítica, da aceitação ou da rejeição do material

produzido”, conforme Antonio Magalhães Gomes Filho, “será possível

extrair-se uma convicção a respeito dos fatos investigados (...) é nessa fase 247 GRINOVER, Ada Pellegrini; SCARANCE FERNANDES, MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio.

ob.cit., p.136: “ As mesas de Processo Penal, atividade ligada ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tomaram posição sobre a matéria nas seguintes Súmulas: Súmula 48- Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material. Súmula 49- São processualmente inadmissíveis as provas ilícitas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa. Súmula 50- Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa

248 MALATESTA, Nicola Framarino Dei. A lógica das provas em matéria penal. Trad. Paolo Capitanio. 3.ed. Bookseller, 2004, p.23, 85, 106, 121 e 145.

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final, com efeito, que os dados objetivos resultantes dos procedimentos

probatórios podem se transformar, ou não, em uma crença sobre a veracidade

ou falsidade das proposições de fato afirmadas pelas partes”.249

A produção de provas passa a ser requisito básico e insubstituível para

a própria realização do direito material. É mister que as provas sejam aptas,

claras e seguras a transmitir ao magistrado, que livre de qualquer dúvida250,

possa firmar a convicção racional da existência do fato criminoso e de sua

autoria, pois em sentido inverso, restringindo-se o conjunto probatório aos

limites da verdade provável, forçosamente a aplicação da pena fica inviável,

restando apenas a solução da ação penal com base no “in dubio pro

reo”251.(V.Cap.V, 5.5)

As partes contribuem na colheita de provas, que se comporão para a

motivação do convencimento do julgador, conforme Ada P. Grinover temos

registrado:

(...) a atividade das partes, embora empenhadas em obter a vitória,

convencendo o juiz de suas razões, assume uma dimensão de

cooperação com o órgão judiciário, de modo que de sua posição

dialética no processo possa emanar um provimento jurisdicional o

mais aderente possível à verdade, sempre entendida como verdade

249 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito à prova no processo penal. São Paulo: Ed. Revista dos

Tribunais, 199, p.159. 250 “Livre convencimento não é faculdade absoluta discricionária do juiz. Essa liberdade de formar convicção obedece a certas regras clássicas, inclusive o benefício da dúvida em favor do réu”(grifo nosso).Voto Min. Aliomar Baleeiro. RTJ 46/312 apud PORTO, Hermínio Alberto Marques Júri- Procedimentos e aspectos do julgamento. Questionários. 11.ed., ampl. e atual., 2005, p. 20. 251 MALATESTA, Nicola Framarino Dei, ob.cit. p.107.

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processual e não ontológica, ou seja como algo que se aproxime ao

máximo da certeza, adquirindo um alto grau de probabilidade.252

Reiterando o que já abordamos, (V.Cap.II, 2.11) em nossa

processualística penal vige o sistema misto, no que tange à apreciação de

provas, (sistema esse que faz uma junção do sistema acusatório e

inquisitório), tal sistema se faz pelo livre convencimento ou persuasão

racional. Outrora, o julgador diante das provas legais, no sistema inquisitório,

para decidir exercia uma mera constatação de existência e dedução de seu

valor probatório com parâmetros fixados pelo legislador. A lei liberava o “juiz

do peso da escolha, escolhendo em seu lugar”.253

Ao contrário, na íntima convicção ou livre convencimento o julgador

ao apreciar as provas se investe de crítica e seleção de material probatório,

para extrair o seu julgamento dos fatos. Conforme Magalhães Gomes Filho, a

diferença de um sistema para outro é que naquele havia a delimitação do

caminho mental a ser percorrido pelo julgador (juiz, jurado ou Tribunal) e no

do livre convencimento pressupõe-se uma liberdade racionalizada, exercida

dentro de certos parâmetros ditados pela lógica, pela psicologia, pelas regras

da experiência comum, e outras, inclusive jurídicas.254

252 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, abuso do processo e resistência à ordens judiciárias: O Contempt of

Court. Revista de Processo, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, ano 26, abril-junho de 2001, p. 219. 253 COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda. Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti

para os operadores do Direito- Anuário Ibero Americano de Direitos Humanos 2001-2002.(coord. David Sanches Filho e outros) Rio de Janeiro : Lumem Juris, 2002, p. 90.

254 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.162.

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Muito apropriadamente o Min. Evandro Lins como relator em um

julgado aborda o livre convencimento especificando que:

(ele) não é emancipação absoluta da prova nem o julgamento

contrário ou a revelia da prova. Não é tampouco, julgamento “ex

informata conscientia”, com o qual não se confunde, porque

pressupõe unicamente, a livre apreciação da prova, jamais a

independência desta, no ensinamento de Manzini.255

Ada Pellegrini Grinover ainda acrescenta que “inválida é a prova

produzida sem presença do juiz (...) dessa afirmação básica decorre a

inarredável conseqüência de que não são provas, que o juiz possa utilizar para

a formação de seu convencimento, as que forem produzidas em

procedimentos administrativos prévios ou mesmo em outros processos

jurisdicionais (...) ainda que a prova seja produzida com a participação das

partes, a ausência do juiz natural impossibilita a convalidação do vício. É o

que a doutrina e jurisprudência denominam de impossibilidade de integração

extrajudicial do contraditório.”256(grifo da autora)

É evidente que nessa dinâmica o juiz, mesmo no livre convencimento,

está também limitado às restrições de admissibilidade de algumas provas.

Livre convencimento não aduz liberdade de provas a todo e qualquer material

probatório. A liberdade está circunscrita ao material admissível. Há alguns

255 Voto do Min. Evandro Lins, RTJ 46/313 apud PORTO, Hermínio Alberto Marques, ob.cit., p.20. 256 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p.

22-23.

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óbices que se interpõem nesse caminho, que limitam o alcance da verdade, o

que já tratamos. (V.Cap VI).

O labor dessa busca da verdade, no processo penal, é fruto do trabalho

de muitos operadores do processo, que a doutrina aponta como principais:

juiz, acusador, réu, defensor. Enquanto que o ofendido, testemunhas, órgãos

auxiliares da justiça e polícia judiciária, compõem a fileira dos sujeitos

processuais secundários.

Entretanto, quem preside a persecução penal é o juiz, que pode valer-se

de poderes instrutórios genéricos e imparciais, até não vinculados às pretensões

das partes, podendo inquirir, no âmbito da legalidade e imparcialidade, ouvir

testemunhas não arroladas, examinar documentos, determinar busca e

apreensão, realizar exames no sentido de reconstituir verdade dos fatos,

mesmo se tais determinações foram alegadas ou não, pelas partes.

Desse exercício, com fulcro na verdade atingível ou certeza judicial

sob o manto da livre convicção, o julgador deverá apreciar ou valorar os

elementos recolhidos como se manifesta José Renato Nalini, citando

Giuseppe Lumia :

Deve o juiz impregnar-se da deliberação interior de detectar a

verdade, sem iludir-se quanto a lhe ser oferecida de plano. Há de

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estar em guarda ante a tentação de absolutizar suas crenças e se

fazer consciente do fato de sua verdade- nunca é verdade total.257

Mas é bom relembrar que do conhecimento do caso concreto - notio,

cognitio - (V. Cap III, 3.2.1) à sentença, palavra que decorre do latim, sentire,

gerúndio sentiendo, para que não imaginemos máquinas judicantes, existem

um conjunto de atos preordenados a um fim.258 (grifo nosso)

7.3 O dever da motivação nas questões de fato

Na perseguição da verdade e em consonância aos novos enfoques de

garantias que ao processo penal hoje se imprime, no que concerne ao “devido

processo legal “ que se transmudou do individual para o social, é imperioso a

motivação das decisões judiciais.

A motivação não pode seguir, apenas, a linha de lógica e formalidade,

mas em efeito demonstrar argumentos, colocados de forma transparente,

indicando os fundamentos determinantes à decisão alcançada.

Não só se vislumbra com isso a garantia exclusiva das partes mas a

garantia do exercício da jurisdição, assumindo dimensão política, que transcende

257 Giuseppe Lumia apud José Renato Nalini. O juiz e a ética no processo. Lex- Jurisprudência do STJ e

TRF, ano 6, n.54, fev. de 1994, p.25-26. 258 COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda, Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti

para os operadores do Direito- Anuário Ibero Americano de Direitos Humanos 2001-2002.(coord. David Sanches Filho e outros) Rio de Janeiro : Lumem Juris, 2002, p.80.

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o âmbito tecnicista do processo cujos destinatários não apenas são as partes e o

juiz da causa, mas quisquis de populo, que tem a possibilidade de conferir em

concreto, a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça de decisão.

No dizer de Alice Bianchini temos:

(...) o núcleo retórico da decisão encontra-se no inciso III do art.

381 do CPP, o qual se refere à necessidade de indicação dos

motivos de fato e de direito que originaram a decisão. É neste

momento que o magistrado coteja e analisa as provas do autos,

optando por uma das tantas versões que se pode extrair do

processo. Faz-se necessário que o juiz explicite a forma como, ao

seu ver, ocorreram os fatos, os motivos que o levaram a tal

conclusão, e faça incidir a norma aplicável.259

O livre convencimento na apreciação das provas se alia de forma estreita à

motivação, ou seja a convicção do magistrado deve estar fundamentada, um

“convencimento transparente, justificado perante as partes e a sociedade”.260

Hermínio Alberto Marques Porto preleciona que:

(...) a sentença trata da reconstrução do fato, do descobrimento do

que ocorreu, para esta reconstrução está o juiz liberado de seguir

normas ou fórmulas com previsões legais, podendo pois valorar

livremente as provas que conhece, sempre com o encargo de

259 BIANCHINI, Alice, Verdade real e Verossimilhança fática. São Paulo: Boletim IBCCRIM, ano 6, n. 67,

junho de 1998, p.10. 260 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.163.

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apresentar na sentença relatório das fontes de influência na

formação de seu convencimento.261

Ferrajoli, sobre a matéria aduz que:

(...) o processo se configura como uma contenda entre hipóteses

em conflito, que o juiz tem a tarefa de dirimir: precisamente o ônus

da prova da acusação resulta integrado pelo ônus da contraprova ou

refutação das hipóteses em conflito; o direito de defesa ou

refutação está por sua vez, integrado pelo poder de apresentação de

contraprovas compatíveis com o conjunto dos dados disponíveis e

capazes de subministrar explicações alternativas; e a motivação do

juiz é uma justificação adequada da condenação só se, além de

apoiar a hipótese acusatória com uma pluralidade de confirmações

não contraditadas por qualquer contraprova, também estiver em

condições de desmentir com adequadas contraprovas todas as

contra-hipóteses formuladas e formuláveis (...). O juiz, cujos

hábitos são a imparcialidade e a dúvida, tem a tarefa de ensaiar

todas as hipóteses, aceitando a acusatória só se estiver provada e

não aceitando, conforme o critério pragmático do favor rei, não só

se resultar desmentida, mas também se não forem desmentidas

todas as hipóteses em conflito com ela.262

Na motivação do seu convencimento o magistrado deve especificar

todos os passos que percorreu para chegar à conclusão, devendo também

levantar as prescrições legais bem como efetivo exame das questões

apresentadas, no processo, pelas partes.

261 PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri- Procedimentos e aspectos do julgamento. Questionários. 11.ed., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p.20. 262 FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão.São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais p.122.

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Na lição de Magalhães Gomes Filho:

(...) especialmente em relação à reconstrução dos fatos, é a

motivação que garante a natureza cognitiva do julgamento penal,

necessariamente vinculado à prova da hipótese fática formulada

pela acusação; é por meio dela que será possível distinguir a

decisão arbitrária, fruto exclusivo do poder, daquela amparada pela

prova capaz de um saber; só através da indicação dos motivos da

decisão será viável constatar a existência de um nexo entre o

convencimento e as provas produzidas.263

As partes que figuram no processo penal têm o direito de serem ouvidas

e de verem examinadas pelo órgão julgador as questões que houverem

suscitado. Destarte as provas inidôneas( no sentido de incapazes e não ilegais)

para a formação do convencimento devem também ser apreciadas, assim há

de ficar aclarado, no processo, as verdadeiras razões das provas rejeitadas.

A falta de valoração de qualquer prova existente pode inibir o veículo

instrumental (processo) e afastá-lo do encontro da verdade por ele perseguida,

bem como poderá imprimir-lhe o vício de motivação acarretando nulidade

absoluta da sentença, nos termos do artigo 93, IX da CF.

Se o tribunal constatar esse tipo de irregularidade, no que tange a falta

de valoração de certa prova no julgamento de uma apelação ou revisão, a

solução não poderá ser uma reapreciação da causa em sede recursal ou

revisional, considerando-se a prova cuja apreciação tenha sido omitida, mas a

263 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, op.cit., p.165.

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anulação da sentença, para que outra possa ser e ainda, nessa nova sentença

há que se observar o duplo grau de jurisdição.264 (V. Cap. VI, 6.2)

7.4 Função social da sentença

Na lição de Tércio Sampaio Ferraz Jr. temos:

(...) o discurso dogmático sobre a decisão não é só um discurso

informativo sobre como a decisão deve ocorrer, mas também um

discurso persuasivo sobre como se faz para que a decisão seja

acreditada pelos destinatários.Visa despertar uma atitude de crença,

intenta motivar condutas, embora não se confunda com a eficácia

das próprias normas. Por isso, a verdade decisória acaba reduzindo-

se, muitas vezes, à decisão prevalecente, com base na motivação

que lhe dá suporte.265

No exercício que lhe compete em decidir, o Estado Juiz, por meio do

que deixa sentenciado, impõe comportamentos à comunidade, que receberá

por via mediata, as determinações que se aduzem do decisium.

Em face do caráter público do processo penal seu deslinde se perpetua

por toda a sociedade, entretanto, “toda decisão, para adquirir a devida coesão

social deve ser legítima, válida e justa adverte Alice Bianchini”.266

Nessa esteira Miguel Reale pontua:

264 MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio, ob.cit., p.167. 265FERRAZ JR. Tércio Sampaio Introdução ao estudo do Direito.Técnica, decisão, dominação. 4.ed. rev.

atual. São Paulo: Atlas, 2003, p. 344. 266 BIANCHINI, Alice, ob.cit., p.10. 266 REALE, Miguel. Nova fase do Direito Moderno. 2. ed. rev. 2. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2001, p.39.

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(...) em minha Filosofia do direito, procuro demonstrar que a

história da idéia de justiça assinala progressiva transladação da

compreensão subjetiva da justiça, como virtude individual, para o

plano intersubjetivo de sua realização social como bem comum”.267

Gustav Radbruch nesse sentido preleciona que:

(..) o juiz, ajudando e conduzindo na marcha do processo, intervém

na lide precisamente com o fim de proteger os litigantes (...)Em

direito penal reconhece-se agora no criminoso juízo discriminativo,

que lhe permite avaliar friamente da utilidade do comportamento

punível. O juiz do crime foi apetrechado, por isso, com poderes de

escolha da pena mais apropriada a melhorá-lo, a acordar nele a

consciência, não apenas do interesse bem entendido, mas o

interesse pessoal e social. (...) O novo direito penal, já alguém o

disse, merece o nome de Direito Penal sociológico, pois ele

reconhece a importância jurídica a muitos fatos até então tidos por

serem sociologicamente importantes (...) O novo esquema

pretende eliminar o construtivismo falsificador, para interpretar o

homem no duplo aspecto de sua vida- o social e o individual.

Concebe o sujeito de direitos, portanto não como o homem isolado

Adão ou Robinson, como individuo contraposto à sociedade, mas

como homem colocado no meio próprio, que é o social (...) O

homem social ocupa o centro de referência do direito. Antes de ser

reconhecido na qualidade de individuo, o homem é pelo direito

reconhecido na qualidade de “socius”.268

Conforme Alice Bianchini, a verdade a ser extraída do processo:

(...) como qualquer outra tem tênue valor, principalmente porque

chega através de arrastados depoimentos e interrogatórios,

suportando um largo trabalho de transformação, que vai desde a

268 RADBRUCH, Gustav. O homem no âmbito do direito. Revista Forense, Publicação Nacional de Doutrina,

Jurisprudência e Legislação. Ano 53, vol. 166, fasc. 637, 638, julho-agosto, 1956, p.478 – 479.

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sensação-momento inicial do processo decisório-até a elaboração

da sentença.....ainda aduzindo dos aspectos subjacentes da vida em

sociedade, tais como: idiossincrasias, ideologias, alinhamentos de

valores com dimensões inconscientes, aos quais, como não poderia

deixar de ser, o juiz não está imune (...). Temas como neutralidade

judicial e “verdade real”, dentre outros, não mais são possíveis de

serem abordados sem que se denuncie este arsenal de contradições

que a sentença penal encerra. 269

Apesar das limitações do homem- juiz, o magistrado, enquanto agente

estatal, detentor de função que exterioriza parcela da soberania popular, está

investido do poder-dever, de “dizer o direito”.

Há que se ressaltar, entretanto, que não tem o processo a capacidade de

fornecer ao julgador um invólucro que o imunize da condição humana, que

lhe robotize a fim de que certeiramente atinja, na medida de extenuante

esforço, a verdade ou até mesmo esperar dele decisões justas conforme a

valoração singular ou a ideologia dominante da comunidade científica.270

Na lição de Carnelutti, a verdade ( por mais extenuante esforço) fica

inalcançável, “ela está no todo, não na parte: e o todo é demais para nós”.271

269 BIANCHINI, Alice, ob.cit., p.10. 270 Nesse sentido V. BRUM, Nilo Barros. Requisitos retóricos da sentença penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, p.69. 271 MIRANDA, Jacinto Nelson Coutinho. Glosas ao Verdade, dúvida e certeza de Francesco Carnelutti para

os operadores do Direito, Anuário Ibero Americano de Direitos Humanos, 2001-2002 (coords. David Sanches Filho e outros) Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2002, p.174.

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Em que pese a humanidade indescartável272 do julgador a tarefa para a

qual está investido não tem destino silente, esquecido ou oculto, encontrará,

sua sentença, no tecido social um meio de se disseminar e produzir efeitos.

Esses efeitos se repercutirão no sentido de firmar entendimento que o

processo penal, ao atingir, mediante labor extremo, a efetividade do direito e

a certeza mais próxima da verdade judicial (se perpetuando dentro dos

princípios constitucionais que o protegem de quaisquer investidas) cumpre,

assim, sua tarefa.

Nessa linha de raciocínio e atuação deixa emanada a resposta estatal

aguardada, chancela como real a presunção de inocência, com a sentença

absolutória ou então decide inversamente condenando a quem de direito em

detrimento a essa presunção, que a priori, indubitavelmente era de inocência.

A resposta estatal soberana disse o direito e na lição de Vicente Ráo:

(...) o direito procura estabelecer, entre os homens, uma proporção

tendente a criar e a manter a harmonia na sociedade (..). Por este

modo, o limite do direito de cada um é o direito dos outros e todos

estes direitos são respeitados, por força dos deveres, que lhes

correspondem. É assim que o direito confere harmonia à vida e

assim é que só com o direito dignamente se vive. Constitui, pois, o

direito, o fundamento da ordem social.273

272 BRUM, Nilo Barros, ob.cit. , p.69. 273 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, ed. RT, São Paulo, 1999, p. 53.

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O processo penal, que culmina com a decisão presta com ela um

serviço social, entretanto, não terá o condão de reproduzir com exatidão os

acontecimentos da vida fática ou obter e promover o convencimento (que não

é absoluto) de que a verdade sem roupagens e alegorias foi, em sua

concretude, atingida.

A busca da verdade que se tornou a vida de todas as linhas desse estudo

se constitui em um dos princípios constitucionais do Processo Penal274, e

considera-se que princípio no sentido jurídico-científico é muito mais que um

início: é um marco, e preferencialmente um valor, que comanda toda a

possibilidade de sistematização e obriga uma tendência de operação do

sistema, trazendo harmonia no seu desempenho.275

Nessa linha o processo deve tender - mas tendência não é destino- à

reconstituição dos fatos e da situação jurídica tal como efetivamente, se

verificaram, ou se verificam.

Conforme o processualista do Paraná Jacinto Miranda Coutinho temos:

(...) a grande maioria da doutrina brasileira insiste em dizer que o

processo penal é regido pelo princípio da verdade material.

Contudo, não se dá conta que esta idéia vem legitimar o sistema

inquisitório e toda a barbárie que o acompanha, na medida em que

274 MARQUES DA SILVA, Marco Antonio, Acesso à justiça Penal e Estado Democrático de Direito. São

Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p.17. 275 Do entendimento de que se faz necessário um comando de orientação ao Estado:“Se o Estado não tem um

fim que postula sua existência, que regula sua atividade, que lhe delimita a esfera de ação, reduz-se tudo à autocracia: Estado e divindade do Estado são uma e a mesma coisa.Tudo se reduz à razão do Estado”. (V.NOGUEIRA, Ataliba. O Estado é meio e não fim. São Paulo: Saraiva, 1955, p.6.)

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tem o processo como meio capaz de dar conta “da verdade”, e não

de “uma verdade”, não poucas vezes completamente diferente

daquela que ali estar-se-ia a buscar. Assim, é preciso admitir que

no processo penal jamais se vai apreender a verdade como um todo

– porque ela é inafiançável – e, portanto, como se viu, o que se

pode – e deve – buscar nos julgamentos é um juízo de certeza,

pautado nos princípios e regras que asseguram o Estado

Democrático de Direito.276

O conceito de verdade, no processo, hoje já revisto aparece sob o

enfoque, tal e qual foi apresentado por Carnelutti, em final de sua carreira,

(V.Cap. I, 1.2.1). No mesmo diapasão se expressa Nicolau de Cusa:

A inteligência, que é limitada, não poderá jamais compreender com

precisão a verdade toda. O entendimento está para a verdade assim

como o polígono está para o círculo: quanto maior for o número

dos ângulos do polígono inscrito, tanto mais será semelhante ao

círculo. Nunca, porém, chegará a ser igual, embora os ângulos se

multipliquem, até o infinito, a não ser que assuma a identidade do

próprio círculo.277

Completa a matéria Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, e nos mesmos

moldes nos posicionamos, a partir da investigação e estudo do objeto de

pesquisa deste trabalho dissertativo: “tratamos, pois, da verdade possível; da

verdade, dita processual, ou atingível”.278

276COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos Princípios Gerais do Processo Penal Brasileiro,

Revista da Faculdade de Direito da UFPR, vol. n. 30, 1998, p. 195. 277CUSA, Nicolau de. De docta ignorantia. Trad. Gerardo Mello Mourão, trecho estampado em Folha de

S.Paulo, 11 de fevereiro de 1978, p. 3. 278 PORTO, Hermínio Alberto Marques, MARQUES DA SILVA, Marco Antonio (orgs). Processo Penal e

Constituição Federal, São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 74.

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CONCLUSÕES

Na escolha do objeto de pesquisa para este trabalho acadêmico já

possuía algumas convicções que se firmaram ao longo do estudo como

conclusivas e outras advieram a partir da busca sistêmica aliada a sérias e

vigilantes reflexões em torno do tema.

As conclusões que se seguem podem ensejar, por parte do leitor

estudioso novos posicionamentos, e muitas outras conclusões não

mencionadas, posto que o próprio estudo estabelece, no contexto, a premissa

de que a verdade como um todo é utópica.

1)Tratando da verdade, deixamos estabelecido que a verdade real, a

verdade substancial ou a verdade material no processo, se constitui em

um enigma que por mais se busque perquirir, encontrar, perseguir;

contempla um processo dinâmico inalcançável, de perseguição à toda

prova, de tarefa que não pertence ao horizonte dos possíveis,

inacessível, no todo, ao conhecimento humano e, por óbvio, para

aquele investido a presidir a persecução penal .

2) O instrumento processual penal não tem por fim precípuo somente a

busca da verdade também é um meio que visa assegurar com critérios

objetivos a efetividade do direito, por certo, arrimado na função

precípua de buscar a justiça e promover a paz social.

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3)Os dogmas da verdade formal e da verdade material não são buscas

personalíssimas do processo civil e do processo penal respectivamente.

Ficou demonstrado que ambas estão presentes tanto em um instrumento

processual como no outro, entretanto, pelo caráter publicista, conceito

mais moderno do processo, esses dogmas vão ceder espaço à verdade

processual válida, ou seja a tendência à certeza mais aproximada da

judicial, portanto, obtida de um juízo, não de uma prova, plasmada

pela justiça como fundamento.

5)As noções de verossimilhança, verdade aproximativa ou alcançável a

que nos referimos neste estudo, não podem relegar, pela premissa da

impossibilidade do alcance da verdade completa, que a busca da

reconstituição verdadeira dos fatos, por ser teórica é despicienda. Não !

Irradia um valor que legitima o exercício da persecução penal.

6)O Estado Democrático de Direito impõe ao seu jus puniendi limites

que gravitam ao redor do princípio-mor, o da dignidade da pessoa

humana, primado de nossa Carta Maior, inclusive a tal Estado se impõe

o dever de promulgar leis que tangenciem liberdades fundamentais das

minorias, com ênfase no indivíduo. O processo penal, como voz do

Estado-Juiz não pode se abster dos pressupostos constitucionais, posto

que ele também não deixa de ser o direito constitucional aplicado.

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7)A liberdade do indivíduo deve também ser prestigiada na tutela

penal, diga-se tutela promovida com a emergência do processo penal

quando todas as outras forças controladoras do direito forem

insuficientes. Mesmo cientes da subsdiariedade dessa intervenção, em

ela ocorrendo, será no prestígio da liberdade do indivíduo, que advém

da sua ação como elemento participador dos atos processuais.

8)A ação humana denota liberdade, “ser livre é agir”, então quando o

acusado, defesa, acusação, julgador, testemunhas, auxiliares da justiça

exercem sua liberdade, pois estão interferindo por suas ações, na

marcha do processo, que se não alcançar a verdade almejada, se

efetivará na decisão de conflito de interesses.

9)O Direito ao Silêncio, advindo do direito de não incriminar-se, atinge

hoje interpretações de derivação para outros tipos de condutas,

conquistando abrangências mais extensas, tais como a não imposição

na realização de qualquer exame ou exibição de documento e recusa

em apresentar-se. Estas interpretações de derivação não afetam o

conteúdo essencial da norma de natureza constitucional, entendemos

entretanto, que paritariamente o Estado, a seu turno, não está impedido

de explorar modernas tecnologias para a repressão da criminalidade e

caminhar sempre em direção à busca incessante do bem comum e do

equilíbrio das partes.

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10) Apesar da informação do “fato-delito” ficar mitigada pela

consagração do direito ao silêncio, bem como por outras garantias

protegidas pela Constituição Federal, (pois chegam a representar

entraves ao deslinde da verdade no processo); concluímos ser cabível a

aplicação da Teoria da Proporcionalidade, advinda das cortes alemãs,

que prevê que a salvaguarda da justiça penal, como interesse

transcendente do Estado de Direito, se sobreponha a direitos

fundamentais. Diga-se, no entanto, que isso é cabível, tão somente

quando sua inadmissão levaria a resultados repugnantes, desastrosos e

desproporcionais. Assim há que se legitimar o sacrifício de direitos,

pois quando em cotejo com outros, por certo sempre haverá um em

supremacia ao outro.

11) É pacífico que a busca da verdade processual examinada sob a

perspectiva da prova, requer que qualquer alegação feita por uma das

partes segue o ônus de prová-la. Enquanto não estiver averiguada

matéria de acusação ou de defesa e houver matéria de prova não

explorada, por óbvio, o julgador não pode prolatar a decisão. Segue-se,

então, não a faculdade do julgador, como se extrai do art.156 do CPP,

ou seja, não o exercício supletivo dele, mas o poder- dever de

esclarecer o ponto obscuro tanto do lado da defesa como na da

acusação. A verdade a ser perquirida, fica subtraída da influência

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exclusiva das partes pelos poderes instrutórios do julgador, pois o

processo visa atingir uma certeza próxima da verdade judicial,

deixando de ser um instrumento meramente técnico para assumir a

dimensão instrumental da ética para pacificar com paridade e justiça.

12) A Prova não ambiciona atingir a verdade, mas contribui muito para

o deslinde da causa e para a formação da convicção do julgador, pois

quando restrito o conjunto probatório forçosamente a aplicação da pena

fica inviável, restando a solução do in dubio pro reo ou o non liqued,

esse último, nos moldes de Carnelutti, constitui de forma paliativa,

uma opção política: absolvição por insuficiência de provas. No

sistema acusatório, ou o do livre convencimento se aduz ao julgador

uma liberdade racionalizada (adstrita ao material admissível) com

liberdade de valoração, contudo não lhe está disponibilizado uma

valoração arbitrária com liberdade completa na produção de qualquer

prova. Nesse exercício se pressupõem do julgador parâmetros da

lógica, psicologia, regras da experiência comum e outras, no entanto,

não há como colocá-lo em um patamar que o imunize de condição

humana e já em holocausto lhe atribua o fardo da decisão justa segundo

valoração particular ou até proveniente de ideologia dominante da

comunidade jurídica.

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13) Da valoração, da ponderação das provas segue a motivação do livre

convencimento do julgador nas questões de fato. Essa motivação deve

ser feita de forma clara perante os destinatários do processo que não

são apenas as partes e o juiz da causa, mas é endereçado a “quisquis de

populo”. Portanto, o julgador é investido do poder de iuris dictio ou

dicere ius e dessa tarefa dimana repercussões por todo tecido social.

14) A busca da verdade processual, como um princípio, um marco, um

valor, imbui a processualística penal de um espírito possibilitador da

certeza da punição quando da constatação de conduta delitiva. Do

juízo aferido, demonstrado na decisão prolatada, cuja função social

subjacente está nitidamente insculpida, quanto mais perto chegar de

um juízo de certeza, advindo do discernimento criterioso, sendo

demarcado pela justiça como fundamento, pautado em regras que

assegurem a dignidade da pessoa humana; se fará consolidar a

legitimação da atividade jurisdicional penal e do próprio Estado

Democrático de Direito.

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