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  • unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

    Faculdade de Cincias e Letras Campus de Araraquara - SP

    ROSEANE ANDRELO

    PPPOOOLLLTTTIIICCCAAA EEEDDDUUUCCCAAACCCIIIOOONNNAAALLL EEE AAASSS TTTEEECCCNNNOOOLLLOOOGGGIIIAAASSS DDDEEE IIINNNFFFOOORRRMMMAAAOOO EEE CCCOOOMMMUUUNNNIIICCCAAAOOO::: O RDIO NA

    EDUCAO ESCOLAR

    ARARAQUARA SP 2008

  • ROSEANE ANDRELO

    POLTICA EDUCACIONAL E AS TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAO: O RDIO NA

    EDUCAO ESCOLAR

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Escolar da Faculdade de Cincias e Letras Unesp/Araraquara, como requisito para obteno do ttulo de Doutor em Educao Escolar.

    Linha de pesquisa: Poltica e Gesto Educacional

    Orientador: Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy

    ARARAQUARA SP 2008

  • Andrelo, Roseane Poltica educacional e as tecnologias de informao e

    comunicao: o rdio na educao escolar / Roseane Andrelo 2008

    292 f. ; 30 cm

    Tese (Doutorado em Educao Escolar) Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Cincias e Letras, Campus de Araraquara

    Orientador: Maria Teresa Miceli Kerbauy

    l. Educao -- Brasil. 2. Ensino. 3. Rdio na educao. I. Ttulo.

  • ROSEANE ANDRELO

    POLTICA EDUCACIONAL E AS TECNOLOGIAS DE INFORMAO E COMUNICAO: O RDIO NA

    EDUCAO ESCOLAR

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao Escolar da Faculdade de Cincias e Letras Unesp/Araraquara, como requisito para obteno do ttulo de Doutor em Educao Escolar.

    Linha de pesquisa: Poltica e Gesto Educacional

    Orientador: Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy

    Data de aprovao: ___/___/____

    MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:

    Presidente e Orientadora: Profa. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    Membro Titular: Prof. Dr. Juliano Maurcio de Carvalho Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    Membro Titular: Prof. Dr. Jos Vaidergorn Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho

    Membro Titular: Prof. Dr. Laurindo Leal Filho Universidade de So Paulo

    Membro Titular: Prof. Dr. Luiz Barco Universidade de So Paulo

    Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Cincias e Letras UNESP Campus de Araraquara

  • Para Izaura, Ovdio e Gilmar

  • AGRADECIMENTOS

    Uma tese de doutorado, embora seja um trabalho individual, s possvel de ser realizada a partir da ajuda de muitas pessoas. Algumas contribuies so mais tcnicas, outras vm na forma de palavras de carinho ditas no momento certo. Portanto, agradeo:

    minha orientadora, Teresa. Uma pessoa aberta, com uma incrvel capacidade de circulao pelas diversas reas de conhecimento. Nesses quatro anos, sempre esteve pronta a ajudar, inclusive durante todo o processo de estgio de doutorado na Frana.

    minha famlia, que sempre confiou em mim, me apoiando em cada passo e tolerando minhas ausncias. s minhas irms, cunhados, sobrinhos e, especialmente, aos meus pais, Izaura e Ovdio.

    Ao Gilmar, companheiro de todas as horas, que sabe estar prximo, mas d espao para meus projetos pessoais e torce por eles.

    Aos amigos, sempre indispensveis. Alexandra Bujokas, pronta para contribuir com seus conhecimentos em mdia-educao. Lgia Beatriz, inquieta por levar as pesquisas para dentro das escolas. Daniela Bochembuzo, com o ombro sempre disposio.

    Sharon, que partiu antes, e Nina, atenta e presente em todos os momentos.

    direo e aos colegas da Universidade do Sagrado Corao, pelas oportunidades que tive e pelo apoio de sempre. Ao Goiano, em especial, pelo trabalho de edio do CD.

    Capes, pela bolsa de estgio de doutorado realizada na Frana, o que permitiu um salto qualitativo na realizao da pesquisa e na minha formao cultural e pessoal.

    Ao professor Guy Lochard, diretor do CREDAM (Centre de Recherche sur lducation aux Mdias) da Universit Paris III Sorbonne Nouvelle e co-orientador da tese no perodo de estgio na Frana. Disposto a acolher uma pesquisadora brasileira, deu apoio minha empreitada desde o incio do processo de solicitao da bolsa.

    Aos amigos do CLEMI (Centre de Liaison de lEnseignement et des Mdias dInformation), que me receberam com carinho, facilitando minha pesquisa e minha vida na Frana. Destaco France Renucci, Evelyne Bevort, Benot Menu, Pierre Frmont e meus queridos amigos Christophe Pacaud, Faouzia Cherifi e Bruno Rigotard, que me adotaram por 4 meses.

    Unesp, que me fez conhecer o Interior de So Paulo e permitiu a minha formao em nvel superior.

    A todos os professores que tive nesses mais de vinte anos de estudos.

    educao pblica de qualidade, que permitiu toda a minha formao escolar.

    queles que, embora no citados aqui, tambm contriburam de alguma forma com meu trabalho.

  • RESUMO

    O cenrio que delineia este trabalho marcado pela centralidade que as tecnologias da informao e comunicao ocupam na sociedade e pela necessidade de incorpor-las na educao, seja a distncia ou presencial. Entre as TICs, foi escolhido para anlise o rdio, pela penetrao que tem no Brasil e pela histria de mais de oitenta anos de aes pontuais educativas. Porm, muitas delas foram focadas nas concepes mais conservadoras, como o processo centrado no professor-emissor, na transmisso de contedos estagnados e na avaliao que cobrava do aluno a memorizao, enquanto que as novas exigncias para o rdio na educao solicitam a formao de ouvintes crticos, cidados conscientes, pessoas com sensibilidade esttica, tica etc. Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo principal avaliar a capacidade do rdio em atender as novas exigncias educacionais, sobretudo no que diz respeito linguagem radiofnica e, em caso positivo, discutir as especificidades do gnero educativo no rdio, de forma que essa discusso fornea parmetros para a produo radiofnica com finalidade educativa. Para isso, foram analisados programas veiculados em quatro emissoras educativas universitrias que, segundo legislao vigente, devem atuar em conjunto com os sistemas de ensino de qualquer nvel ou modalidade. Entre os resultados, ficou comprovado que a linguagem radiofnica tem potencial educativo, trabalhando a imaginao e contribuindo para a concentrao. Ao serem veiculados em emissoras com sinal aberto, os programas contribuem para a educao permanente. Quando levados para a educao formal, podem fornecer elementos de organizao prvios, introduzindo o aluno no novo contedo do programa escolar e assegurando um componente afetivo nova temtica discutida. Foram criados parmetros para a elaborao de programas educativos e, baseado neles, foi realizada uma emisso focada no teatro e voltada a alunos e professores do ensino fundamental. O material, gravado em CD, encontra-se anexo a este trabalho.

    Palavras-chave: educao s mdias; rdio na educao; TICs na educao.

  • RSUM

    Cette tude est marque par la place centrale que les technologies dinformation et de communication (TICs) occupent dans notre socit et par le besoin de les incorporer dans lducation, soit dans lenseignement distance, soit dans celui prsentiel. Parmi les TICs, la radio a t choisie en fonction de la pntration quelle a au Brsil et de son histoire de plus de quatre-vingts ans dactions ducatives ponctuelles. Beaucoup de ces actions ont t souvent envisages dans des conceptions plutt conservatrices, cest--dire, dans un processus centr dans lenseignant-metteur, avec la transmission de contenus stagns et dont valuation demande de lapprenant la mmorisation, tandis que les nouvelles exigences pour la radio dans lenseignement rclament la formation dauditeurs critiques, de citoyens conscients, de gens avec une sensibilit esthtique, thique etc. Ainsi, cette recherche a eu lobjectif principal dvaluer la capacit de la radio correspondre aux nouvelles exigences ducationnelles, surtout en ce qui concerne le langage radiophonique, et de discuter des spcificits du genre ducatif dans la radio, lintention de trouver des paramtres pour la production radiophonique un but ducatif. Donc, on a analys des missions diffuses dans quatre radios ducatives universitaires qui, daprs la lgislation en vigueur, doivent aller de pair avec les systmes denseignement du niveau ou de la modalit en question. Parmi les rsultats, on a pu constater que le langage radiophonique a un potentiel ducatif, quil dveloppe limagination et quil contribue la concentration. On a aussi remarqu que, quand elles sont diffuses par des radios avec signal ouvert, les missions contribuent la formation permanente. Aussi, quand les missions sont diriges lenseignement formel, elles peuvent fournir des lments dorganisation pralables en introduisant llve dans le nouveau contenu du programme scolaire et en assurant une composante affective la nouvelle thmatique discute. Finalement, on a cr des paramtres pour llaboration dmissions ducatives sur lesquels on sest appuy pour raliser une mission centre sur le thtre et dirige des lves et des enseignants de lenseignement fondamental brsilien. Le matriel a t enregistr sur un CD et se trouve joint ce travail.

    MOTS-CLS: ducation aux mdias. Radio dans lenseignement. Technologies dinformation et de communication (TIC) dans lenseignement. Radio ducative. ducation non formelle. Mdias-enseignement.

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1: Atividade: da escuta produo radiofnica..........................................................89

    Quadro 2: Atividade: Identificar os componentes da mensagem radiofnica (denotao e conotao).................................................................................................................................90

    Quadro 3: Atividade: a publicidade radiofnica e os pblicos visados...................................90

    Quadro 4: Experincia do projeto Radio Clype (Frana)........................................................92

    Quadro 5: Experincia de professora com rdio escolar (Frana)...........................................93

    Quadro 6: Experincia de professora com alunos de 6 anos (Frana).....................................94

    Quadro 7: Experincia de escola com circuito fechado de rdio (Frana)..............................95

    Quadro 8: Experincia de escola com rdio em sistema aberto, na Blgica...........................96

    Quadro 9: Diferenas entre a lngua oral e escrita.................................................................175

    Quadro 10: Temticas abordadas no programa O Teatro no Mundo.................................194

    Quadro 11: Programas especiais veiculados pela Rdio UFMG...........................................231

    Quadro 12: Modalidades utilizadas na mensagem radiofnica didtica...............................250

    Quadro 13: Informaes sobre o programa...........................................................................259

    Quadro 14: Ficha pedaggica................................................................................................260

    Quadro 15: Roteiro do programa...........................................................................................262

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Natureza da programao oferecida pelas FMs educativas..................................100

    Tabela 2 - Domiclios particulares permanentes, por existncia de alguns bens durveis, segundo as Unidades da Federao 2006.............................................................................104

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ABERT (Associao Brasileira de Emissoras de Rdio e Televiso) AM (Amplitude Modulada) ANJ (Associao Nacional dos Jornais) BBC (British Broadcasting Corporation) BG (Back ground) BibVirt (Biblioteca Virtual do Estudante de Lngua Portuguesa) BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) CBN (Central Brasileira de Notcias) CLEMI (Centre de Liaison de l'Enseignement et des Mdias d'Information) CNBB (Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil) CSA (Conseil Suprieur de l'Audiovisuel) CUT (Central Unitria de Trabalhadores) DASP (Departamento Administrativo do Servio Pblico) DCNs (Diretrizes Curriculares Nacionais) DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) DJs (disque jqueis) EaD (Educao a distncia) ECA (Escola de Comunicaes e Artes) E-TEC (Escola Tcnica Aberta do Brasil) FM (Freqncia Modulada) IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) IES (Instituies de Educao Superior) INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) IPEA (Instituto de Planejamento Econmico e Social) IPLAN (Instituto do Planejamento) ITC (Independent Television Commission) LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional) MEB (Movimento de Educao de Base) MEC (Ministrio da Educao) MIR (Movimento de Esquerda Revolucionria) Multirio (Empresa Municipal de Multimeios) OC (Ondas Curtas) OCD (Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico) PAPED (Programa de Apoio Pesquisa em Educao a Distncia) PCNs (Parmetros Curriculares Nacionais) ProInfo (Programa Nacional de Informtica na Educao) Projeto Saci (Sistema Avanado de Comunicaes Interdisciplinares) Projeto SATE (Sistema Avanado de Tecnologias Educativas) Radiobrs (Empresa Brasileira de Radiodifuso) RCA (Radio Corporation of America) RIVED (Rede Interativa Virtual de Educao) SAEB (Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica) SEED (Secretaria de Educao a Distncia) SENAC (Servio Nacional de Aprendizagem Comercial) SENAI (Servio Nacional de Aprendizagem Industrial) SESC (Servio Social do Comrcio) SIREN (Sistema de Rdio Educativo Nacional)

  • TICs (Tecnologias da Informao e Comunicao) UFG (Universidade Federal de Gois) UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Unb (Universidade de Braslia) UNESCO (Organizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a cultura) UNESP (Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho) USP (Universidade de So Paulo) WebEduc (Portal de Contedos Educacionais do MEC)

  • SUMRIO

    INTRODUO ................................................................................................................................12 1 EDUCAO E COMUNICAO..............................................................................................23

    1.1 A interface um dilogo possvel ................................................................................................................... 24 1.1.1 A Comunicao ................................................................................................................................... 25 1.1.2 A Educao ......................................................................................................................................... 33 1.1.3 Educao a distncia .......................................................................................................................... 44 1.1.4 A mdia na escola ................................................................................................................................ 47

    1.2 Experincias educativas no rdio .................................................................................................................... 69 1.2.1 Rdio educativa .................................................................................................................................. 98

    2 TECNOLOGIAS DA INFORMAO E COMUNICAO .................................................102 2.1 A presena da tecnologia na sociedade ......................................................................................................... 103

    2.1.1 Tecnologia na escola ......................................................................................................................... 112 2.2 Rdio da inveno da tcnica ao uso social ................................................................................................ 121

    2.2.1 Do surgimento ao meio de comunicao de massa ........................................................................ 121 2.2.2 Da popularizao atualidade ........................................................................................................ 126 2.2.3 Rdio, Estado e Poltica.................................................................................................................... 134 2.2.4 As caractersticas do meio................................................................................................................ 144 2.2.5 Modos de recepo ........................................................................................................................... 147 2.2.6 Linguagem radiofnica .................................................................................................................... 150 2.2.7 Texto oralizado ................................................................................................................................. 155 2.2.8 A voz .................................................................................................................................................. 160

    3 LINGUAGEM O POTENCIAL DIALGICO DO RDIO................................................167 3.1 Anlise do discurso radiofnico .................................................................................................................... 168

    3.1.1 Oralidade aparente........................................................................................................................... 174 3.1.2 Interatividade.................................................................................................................................... 177

    3.2 Mtodo de anlise de dispositivos radiofnicos ............................................................................................ 182 3.2.1 Orientao temtica ......................................................................................................................... 183 3.2.2 Estruturao ..................................................................................................................................... 184 3.2.3 Quadro situacional ........................................................................................................................... 187 3.2.4 Encenaes ........................................................................................................................................ 188 3.2.5 Estratgia didtica............................................................................................................................ 190 3.2.6 Consideraes sobre as estratgias e efeitos de sentido ................................................................. 191

    3.3 Anlise dos programas .................................................................................................................................. 192 3.3.1 Programa 1: O teatro do mundo a cano (Rdio USP FM) ................................................. 192 3.3.2 Programa 2: Sopa de letras Rdio Universitria 870 AM (UFG).......................................... 206 3.3.3 Programa 3: Poesia e Prosa Rdio Unesp FM (105,7)............................................................ 218 3.3.4 Programa 4: Direito msica Rdio UFMG Educativa (104,5 FM)..................................... 230

    4 EDUCAO PELAS ONDAS DO RDIO..............................................................................242 4.1 O gnero educativo........................................................................................................................................ 243

    4.1.1 Caractersticas do gnero educativo no rdio ................................................................................ 244 4.2 Proposta de programa .................................................................................................................................... 257

    4.2.1 Ficha pedaggica .............................................................................................................................. 259 4.2.2 Roteiro do programa ........................................................................................................................ 261 4.2.3 Pauta das entrevistas ........................................................................................................................ 267

    CONSIDERAES FINAIS.........................................................................................................268 REFERNCIAS..............................................................................................................................274

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    INTRODUO

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    1 Introduo

    O papel de destaque que as tecnologias de informao e comunicao (TICs) assumiram na sociedade, sobretudo a partir dos anos 1990, coloca cada vez mais em pauta a discusso sobre seu uso na educao. Sob as mais diversas perspectivas, discute-se a utilizao das TICs, seja na educao a distncia ou presencial, como metodologia de ensino ou como contedo escolar, ao reconhecer a necessidade de formao para uma leitura crtica das tecnologias.

    Essa discusso garantida por documentos oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1998), que sugerem a apropriao de novas linguagens e tecnologias de comunicao, e a Lei de Diretrizes e Bases no. 9.394/96 que salienta a importncia do conhecimento das formas contemporneas de linguagem no ensino mdio e formaliza a proposta de educao a distncia. H, tambm, fatores situacionais, como a prpria centralidade das tecnologias na sociedade e o papel inegvel da escola de preparar os alunos para um mundo cada vez mais midiatizado, segundo um dos pressupostos do presente trabalho.

    Mais do que um modismo, a apropriao das TICs no universo escolar merece uma discusso aprofundada. Caso contrrio, elas correm o risco de tornarem-se meros recursos didticos para ensinar determinados contedos, sem que haja qualquer reflexo sobre suas caractersticas, ou sejam encaradas como o fim do processo, em uma viso tecnicista da educao. A questo deve ser pensada de forma macro em nvel de poltica pblica e, mais especificamente na escola, do ponto de vista da organizao e gesto. Afinal, a escola, enquanto unidade bsica do sistema escolar, o local de convergncia entre as polticas e as diretrizes do sistema e o trabalho direto em sala de aula (LIBNEO et al, 2003).

    Apesar da atualidade da temtica, uma rpida olhada na histria da educao no Brasil permite verificar vrias aes envolvendo TICs antes mesmo da regulamentao do setor, na dcada de 1930. No caso especfico do uso do rdio, objeto da presente pesquisa, a primeira emissora regular brasileira surgiu em 1923 com o objetivo de levar a cada canto um pouco de educao, de ensino e de alegria. A Rdio Sociedade do Rio de Janeiro tinha como meta a difuso cultural, embora a partir de parmetros elitistas. No incio, veiculava conferncias artsticas e cientficas e, a partir de 1925, deu incio parte instrucional, com aulas de francs, portugus, geografia, histria do Brasil, higiene, silvicultura, qumica, histria natural e fsica.

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    A experincia da Rdio Sociedade do Rio de Janeiro no foi singular, uma vez que outras emissoras surgiram com o mesmo objetivo, como a Rdio Educadora de So Paulo. Todas essas iniciativas fizeram parte de um contexto de impulso setorizao do campo da educao, que teve como marco a fundao, em 1924, da Associao Brasileira de Educao, que reunia pessoas da sociedade civil. Com o objetivo de implantar uma poltica nacional de educao, a entidade elaborou propostas que versavam, entre outros tpicos, sobre a universalizao do ensino primrio leigo, obrigatrio e gratuito, sob responsabilidade do Estado (AZEVEDO, 2001).

    A dcada de 1930 chegou com uma srie de transformaes na sociedade brasileira. Com a crise econmica internacional do final dos anos 1920, diminuram as exportaes e as atenes voltaram-se ao mercado interno. Os capitais acumulados no setor cafeeiro passaram a ser investidos em outros setores produtivos, num movimento que assinalou a passagem do modelo agroexportador, vigente desde a Colnia, para o modelo de substituio de importaes. (AZEVEDO, 2001, p. 32). Desta forma, produtos acabados, que antes eram importados, passaram a ser fabricados no Pas. Alm disso, aumentou a produo agrcola destinada ao mercado interno. Esse cenrio, marcado pelo crescimento urbano, interferiu na questo educacional, uma vez que cresceu a presso para aumento da oferta de ensino. A escolarizao bsica nesse contexto, tomada como o meio de qualificao da fora de trabalho e como um dos requisitos para a formao de um mercado consumidor. (AZEVEDO, 2001, p.32).

    Foi ento que aconteceu a regulamentao nacional do setor educativo, tendo como marco, em 1930, a criao do Ministrio da Educao e Sade. Apesar da mobilizao da sociedade no debate sobre a educao, especialmente por ocasio da elaborao da Constituio Federal de 1934, o endurecimento do regime poltico de Getlio Vargas, a partir do Estado Novo, [...] oficializou o dualismo educacional: ensino secundrio para as elites e ensino profissionalizante para as classes populares. (LIBNEO et al, 2003, p. 143).

    Essa nova perspectiva da educao percebida na atuao do Servio de Radiodifuso Educativa, criado em 1937 a partir da doao da Rdio Sociedade do Rio de Janeiro ao Ministrio da Educao e Sade Pblica. A emissora veiculava um misto de cursos, lies e palestras seriadas. Ao sintoniz-la era possvel aprender desde literatura francesa e inglesa at silvicultura prtica. Alm disso, apesar das diretrizes estritamente educativas defendidas pelo rgo, grande parte dos projetos sofreu interferncia do DIP (Departamento de Imprensa e

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    Propaganda), fazendo com que a emissora tambm transmitisse solenidades oficiais e semi-oficiais (MOREIRA, 1991).

    De 1942 a 1946, foram editadas vrias leis orgnicas do ensino, a chamada Reforma Capanema que, entre outros itens, deu incio a iniciativas visando ao ensino tcnico-profissional. Nesse perodo foram criados o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Servio Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). E foi o sistema Senac e Servio Social do Comrcio (Sesc) que, em 1947, lanou, em So Paulo, o Universidade no Ar, que visava atingir a classe operria do Interior. Os professores liam suas lies ao microfone e os alunos, reunidos em ncleos de recepo, ouviam a aula e depois debatiam sobre o assunto, sob orientao de um professor-assistente. Depois das aulas, os estudantes recebiam textos pelo correio e faziam provas (COSTA, 1956). A discusso sobre a educao continuou em cena no perodo ps-guerra e aspectos como a complexificao das atividades urbano-industriais, o aumento demogrfico e a crescente migrao urbana contribuam para isso. Afinal, a oferta de emprego aumentou, com a criao de infra-estrutura de comunicaes, transporte e energia, porm, faltava mo-de-obra qualificada e a educao passou a ser vista como o nico meio [...] para as classes mdias, de conquistar postos e, para as empresas, de preencher seus quadros. (ROMANELLI, 1988, p. 206). Do ponto de vista estrutural, foi nesse perodo, de 1930 a 1950, que o governo federal criou dois novos ministrios do Trabalho e da Educao e Sade Pblica, cujas legislaes antes cabiam aos Estados. A medida foi um reflexo de uma nova fase, que trocou as oligarquias estaduais pela centralizao poltica (CUNHA, 1963).

    As discusses tambm giraram em torno da difuso do papel da educao como instrumento de mobilizao poltica (AZEVEDO, 2001). Surgiram vrios movimentos de alfabetizao de massa, como o Movimento de Educao de Base (MEB) que, em 1961, criou escolas radiofnicas, marcando a participao da Igreja Catlica nas experincias com o rdio educativo. O Norte, Nordeste e Centro-Oeste brasileiros foram o palco de atuao do MEB que, alm da alfabetizao, tinha como meta a conscientizao, a mudana de atitudes e a instrumentao das comunidades receptoras.

    Nesse mesmo ano, parte da sociedade civil participou do debate sobre a votao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, no. 4.024, que determinou a descentralizao da educao, uma vez que cada Estado deveria organizar seu sistema de ensino. Contudo, a via democrtica com que as discusses foram feitas durou pouco. O golpe militar de 1964 instaurou a ditadura e, com ela, o centralismo de governo (LIBNEO et al, 2003).

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    No que diz respeito ao uso do rdio nesse perodo, o governo federal implantou o Projeto Minerva, um programa dirio com cunho informativo-cultural e educativo, visando o ensino a distncia, com transmisso obrigatria por todas emissoras. No ar de 1970 a 1989, o projeto tinha uma viso de educao tecnicista, no sentido de instrumentalizar o indivduo para o trabalho, sem propor reflexes crticas sobre a realidade, alm de contar com produo regionalizada (eixo Sul-Sudeste).

    Com o fim da ditadura militar e o incio do processo de retomada da democracia, a sociedade civil se reorganiza. Somado a isso, partidos polticos propem polticas educacionais e pedagogias mais sistematizadas. Desta forma, [...] fizeram com que o Estado brasileiro reconhecesse a falncia da poltica educacional, especialmente a profissionalizante, como evidencia a promulgao da Lei 7.044/82, que acabou com a profissionalizao compulsria em nvel de segundo grau. (LIBNEO et al, 2003, p. 138).

    No incio dos anos 1990, o governo comeou a delinear a base da reforma educacional brasileira, segundo orientaes de organismos internacionais, o que inclui a insero de TICs nas escolas. Em 1995, um dos cinco pontos para aes no ensino fundamental, tido como prioridade naquele momento, era o aporte de kits eletrnicos para as escolas. No ano seguinte, considerado o Ano da Educao, foi instaurada a TV Escola. Porm, essas e outras aes na pasta da Educao, com exceo da destinao de recursos financeiros diretamente s escolas, [...] caracterizam-se por certo tipo de centralismo entendido at como antidemocrtico, uma vez que no ocorreram discusses com a sociedade como as relativas avaliao da educao bsica e da superior, instaurao da TV Escola e aos kits eletrnicos nas escolas [...]. (LIBNEO et al, 2003, p. 140).

    Outro problema que pode ser apontado diz respeito formao de professores. Colocar materiais disposio essencial, mas desde que os atores sociais envolvidos no processo tenham acesso a ele e qualificao adequada para utiliz-lo. Caso contrrio, haver salas de informtica trancadas ou subutilizadas. O governo de Lus Incio Lula da Silva tem demonstrado preocupao com a questo. Um exemplo o Programa de Formao Continuada em Mdias na Educao, realizado a distncia, desde 2005 e com objetivo de formar docentes para o uso pedaggico das diferentes TICs. A iniciativa recente e parece vlida, mas no basta. Como a perspectiva deve ir alm do ensino do manuseio das tecnologias, o assunto deve ser trabalhado ainda nos cursos de formao de professores e no apenas em nvel de formao continuada.

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    Esse breve resgate de como as mdias foram atreladas educao aponta o papel que o rdio desempenhou nesse processo. Desde 1922, quando o veculo surgiu oficialmente no Brasil, este veculo de comunicao visto como um meio propcio para a irradiao de programas educativos. Nas oito dcadas de sua existncia, foram elaborados e colocados em prtica vrios projetos de radiodifuso educativa, sejam eles baseados na educao formal ou no-formal. Atualmente, o governo tem demonstrado interesse em ampliar o foco da educao e prope o uso do rdio para isso.

    O Ministrio da Educao, atravs da Secretaria de Educao a Distncia, mantm o programa Rdio Escola, que [...] desenvolve aes que utilizam a linguagem radiofnica para o aprimoramento pedaggico de comunidades escolares, o desenvolvimento de protagonismos cidados e o treinamento de grupos profissionais (MEC, 2006). Segundo o Ministrio, na rea educacional, essas novas tecnologias potencializam as mais antigas, integrando-se a elas e proporcionando uma democratizao da produo e recepo do conhecimento e das informaes (informaes aqui entendidas como patrimnio pblico, de acesso aberto a todo o povo brasileiro).

    Apesar de todas essas experincias, sabe-se que o rdio no como os outros instrumentos pedaggicos com que a educao, historicamente, tem lidado. Trata-se de uma tecnologia marcada por caractersticas prprias e por um uso social especfico: entretenimento, com pequenos espaos para informao; oralidade; instantaneidade, j que a mensagem precisa ser ouvida no momento da emisso; alm de uma recepo marginal da mensagem, uma vez que o produto radiofnico disputa a ateno da audincia com vrias outras atividades. Soma-se a isso o fato de o veculo de comunicao divulgar mensagens diversas, de forma fragmentada, em tempo reduzido e intercalando informaes e peas publicitrias. Para os ouvintes, essa experincia, marcada pela pouca coerncia interna das mensagens retidas, o que elimina todo processo de ao filosfica ou mesmo de argumentao, leva a conviver com uma cultura mosaica (MOLES, 1984).

    Vale ressaltar que o rdio tem servido historicamente educao, mas parece ter atendido com eficincia as concepes mais conservadoras, como o processo centrado no professor-emissor, na transmisso de contedos estagnados e na avaliao que cobrava do aluno a memorizao de aspectos pontuais do contedo ensinado. Porm, o sistema educacional brasileiro sofreu reformas importantes nos anos 1990 e esse quadro traz novas exigncias para o rdio na educao, que devem ser transpostas do papel s prticas

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    educativas formar ouvintes crticos, cidados conscientes, pessoas com sensibilidade esttica, tica etc.

    Portanto, necessria uma avaliao sistemtica das reais possibilidades educativas do veculo, considerando as tendncias educacionais, que privilegiam a formao do cidado, do leitor crtico e socialmente responsvel. As questes que motivaram o presente trabalho foram: a linguagem radiofnica, resultado de uma combinao entre a palavra escrita, msicas, efeitos sonoros e silncio, tem potencial educativo? Como utilizar um meio de comunicao unilateral de forma que no se limite s concepes mais conservadoras da educao, cujo processo centra-se na transmisso de contedos?

    Dentre os veculos de comunicao de massa, o rdio foi escolhido pela sua histria de utilizao concreta na educao brasileira e tambm pelas suas caractersticas, apontadas por Ortriwano (1985): baixo custo ( o mais barato, em relao s demais mdias); mobilidade que permite ao receptor (que pode ouvi-lo em casa, no trabalho ou no carro, inclusive fazendo outras atividades); oralidade (basta ouvi-lo, portanto atinge tambm quem no tem o hbito da leitura); penetrao (em termos geogrficos, o mais abrangente, chegando, inclusive, a pontos remotos) e sensorialidade (envolve o ouvinte, fazendo com ele participe de um dilogo mental com o receptor).

    A hiptese levantada que a linguagem radiofnica, resultado de uma combinao entre a palavra escrita, msicas, efeitos sonoros e silncio, tem potencial educativo, desde que elaborada em consonncia com o gnero educativo.

    O problema que no Brasil, a radiodifuso, embora seja um servio pblico, voltada quase que totalmente ao gnero de entretenimento e, com menor espao, ao gnero informativo. Sua finalidade principal a comercializao de publicidade e, para isso, a elaborao de programas pautada, muitas vezes, em pesquisas de audincia.

    Nas rdios comerciais, onde impera a venda de espaos publicitrios, difcil encontrar iniciativas feitas em sintonia com a educao escolar. Por outro lado, esse quesito um dos critrios para outorgas de concesses, permisses e autorizaes dos servios de radiodifuso sonora com finalidade exclusivamente educativa. A Portaria Interministerial no. 651 (BRASIL, 1999) determina que

    por programas educativo-culturais entendem-se aqueles que, alm de atuarem conjuntamente com os sistemas de ensino de qualquer nvel ou modalidade, visem educao bsica e superior, educao permanente e formao para o trabalho, alm de abranger as atividades de divulgao

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    educacional, cultural, pedaggica e de orientao profissional, sempre de acordo com os objetivos nacionais.

    Assim, se h uma preocupao com a educao para os princpios estticos da sensibilidade, da criatividade, e da diversidade de manifestaes artsticas e culturais, conforme consta das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1998), e as emissoras de rdio educativas produzem programas sobre artes visuais, msica, dana e teatro, as quatro linguagens da Arte, segundo os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1997), cabe verificar se o formato e o contedo deles esto afinados com as atuais tendncias em educao, ou se ainda repetem a frmula da pura transmisso de contedos.

    Para a anlise foram selecionados quatro programas veiculados por emissoras educativas universitrias brasileiras, que abordam essas linguagens da arte. As emissoras foram escolhidas a partir de trs critrios: so educativas e, portanto, se enquadram na Portaria Interministerial no. 651; esto ligadas a universidades que tm cursos de comunicao social e de licenciaturas, ou seja, possuem profissionais com conhecimentos para a elaborao de materiais radiofnicos educativos; e divulgam programas com esse perfil. Os programas foram gravados diretamente do rdio, no caso da Unesp FM, ou via computador, j que os demais esto disponveis para download no site das emissoras. So eles:

    1) O teatro no mundo, veiculado pela Rdio USP FM 93,7, de So Paulo. Definido como uma revista potico-social vista pelo ngulo da msica, trata temas atuais da sociedade, abordando-os [...] por meio da sensibilidade esttica, das aluses que remetem aos sentimentos, do envolvimento pela emoo." (RDIO USP FM, 2007);

    2) Poesia e Prosa, veiculado pela Rdio Unesp FM 105,7, de Bauru. Trata-se de um mini-programa sobre literatura que, a cada semana, aborda um poeta ou ficcionista. Apresenta o enredo, a importncia da obra, alguns de seus trechos e um resumo sobre o escritor;

    3) Direito Msica, veiculado pela Rdio UFMG Educativa (104.5 FM), de Belo Horizonte. O programa aborda os diversos aspectos do direito, ilustrados por canes e contextualizados historicamente;

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    4) Sopa de Letras, apresentado pela Rdio Universitria de Goinia, ligada UFG. Direcionado ao pblico infantil, definido como um programa feito por crianas e para crianas. Tem foco na literatura, misturada contao de histrias.

    As anlises e o referencial terico compem a base para atingir os objetivos deste trabalho, divididos entre gerais e especficos. O objetivo geral avaliar se o rdio tem a capacidade de atender as novas exigncias educacionais, sobretudo no que diz respeito linguagem radiofnica. Os objetivos especficos so: 1) discutir as especificidades do gnero educativo no rdio, de forma que essa discusso fornea parmetros para a produo radiofnica com finalidade educativa; 2) elaborar, a partir desses parmetros, um roteiro de programa radiofnico educativo, baseado o ensino da educao para a sensibilidade, a criatividade e a diversidade de manifestaes artsticas e culturais, e 3) discutir o impacto das TICs na sociedade, buscando compreender o contexto no qual elas so apropriadas pela educao formal.

    Um dos pressupostos defendidos que, ao inserir as tecnologias da informao e comunicao na escola, preciso aliar a educao pelas TICs educao s TICs. Essa vertente comea a se delinear notadamente a partir da dcada de 1960, no mundo em geral, e dos anos 1980, no Brasil. Trata-se da formao para a leitura crtica das mdias, em todo o seu processo - da produo recepo, incluindo tambm o uso criativo dos meios de comunicao de massa. Com referenciais tericos distintos, essa corrente recebe os nomes de educao s mdias, mdias na educao, media literary e educomunicao. Em pases como a Frana, a Blgica e a Inglaterra, h polticas educacionais claras envolvendo essa rea, seja abordando-a de forma transversal (caso francs) ou como disciplina (caso ingls).

    No Brasil, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, ao trazerem definies sobre fundamentos e procedimentos para orientar as escolas, na organizao, articulao, desenvolvimento e avaliao de suas propostas pedaggicas, determinam que as instituies de ensino devem nortear suas aes pedaggicas nos princpios ticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; dos direitos e deveres da cidadania, do exerccio da criticidade e do respeito ordem democrtica e estticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de manifestaes artsticas e culturais. Mesmo que no diretamente, eles fazem referncias aos PCNs, sobretudo no que diz respeito aos temas transversais, como tica, sade, meio ambiente, orientao sexual e pluralidade cultural.

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    A insero desses temas traz em seu bojo um questionamento sobre qual o papel da escola dentro de uma sociedade plural e tambm sobre quais devem ser os contedos abordados. Pergunta-se porque trabalhar apenas a biologia, a fsica, a lngua nacional e a matemtica (ARAJO, 1998). Temas como tica e mdias tambm merecem destaque, embora no precisem ser tratados de forma compartimentada. Nesse sentido, prope-se uma abordagem transversal, fazendo com que eles possam ser abordados em todas as disciplinas. A proposta interessante, porm, traz implcita a idia de que os professores so formados para isso, o que na grande maioria das vezes no verdade.

    A perspectiva defendida neste trabalho vai de encontro noo isolada de disciplina, caminhando em direo ao conceito de competncia. Ou seja, na capacidade de o ser humano, apoiado em conhecimentos, agir em diversas situaes. Essa viso deve estar contemplada na formao docente. Mas, alm disso, preciso que as temticas ditas transversais faam parte do plano poltico pedaggico, levando em considerao o cidado que a escola pretende formar. No se trata, apenas, de acrescentar contedos e metodologias, mas de, na medida do possvel, articular as vrias reas do conhecimento, inserindo o processo de ensino aprendizagem em prticas sociais. Muda o agir individual do docente, mas altera tambm a poltica organizativa das escolas. A educao pelas mdias e s mdias pressupe o uso de novas linguagens e novos modos de gesto dos conhecimentos e do ensino.

    A pesquisa foi desenvolvida a partir de uma abordagem multidisciplinar, afinal tem um objeto de estudo que coloca em relao os campos da educao e comunicao. Alm disso, se prope a analisar o objeto inserido nos contextos social, econmico e cultural. Para a anlise, foram utilizados preceitos da anlise de discurso (ORLANDI, 2000, p. 15); sobretudo da anlise do discurso miditico (CHARAUDEAU, 2005, 2006); de dialogismo (BAKHTIN, 2002) e da linguagem oral (REYZBAL, 1999). A utilizao pedaggica do audiovisual foi baseada em Jacquinot (1977) e nos conceitos sobre as caractersticas, a linguagem e a esttica radiofnica (CABELLO, 1999; FERRARETTO, 2001; FUZELLIER, 1965) e sobre paisagem sonora (SCHAFER, 1979, 1991). Por fim, como o pressuposto deste trabalho que a educao pela mdia deve estar atrelada educao s mdias, foi usado referencial francs e ingls sobre o tema (GONNET, 1999, 2001; BEVORT, 1997; BOECKMANN, 1992). Para a anlise dos programas, foram utilizados os procedimentos metodolgicos propostos por Lochard (2000).

    O presente trabalho composto de quatro sees, divididas em itens. A primeira analisa a interface entre educao e comunicao do ponto de vista terico e da aplicabilidade

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    dessa relao e resgata as principais experincias educativas no rdio, analisando-as a partir dos fatos que marcaram a histria da educao.

    A segunda seo discute o impacto das TICs na sociedade, buscando compreender as demandas educacionais no contexto da revoluo tecnolgica, e analisa os vrios aspectos do rdio, como a evoluo tcnica e histrica, as caractersticas do meio, as formas de recepo e a linguagem radiofnica.

    A terceira trata das teorias da linguagem, especificamente a anlise do discurso miditico, as caractersticas da linguagem oral e a capacidade de interao do discurso radiofnico. Tambm so apresentadas a metodologia e a anlise dos programas selecionados.

    A quarta seo traz a construo de parmetros para a produo educativa no rdio, o roteiro de um programa elaborado com base nesses critrios e uma ficha pedaggica com sugestes para a utilizao do material.

    O material sonoro foi gravado em CD e anexado a este trabalho.

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    EDUCAO E COMUNICAO

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    1 Educao e comunicao

    1.1 A interface um dilogo possvel

    Um dos desafios de realizar pesquisa na esfera educativa envolvendo meios de comunicao traar um quadro terico que abarque as duas reas, a Educao e a Comunicao. O pressuposto deste trabalho que so esferas abrangentes e que se interpenetram, at porque ambas so reas sociais, uma vez que acontecem no mbito das relaes humanas.

    Trata-se de dois campos de natureza interdisciplinar, que compartilham alguns elementos, tais como as linguagens, os discursos, a informao e os valores que compem os sentidos e a geratividade de comportamentos (VASCONCELOS; MAGNO, 2004, p. 3). Mais do que isso, h uma relao de interdependncia entre os dois campos.

    Educao, cultura e sociedade fazem parte da vida humana, se interpenetrando e se alimentando mutuamente. As sociedades possuem cultura e educao, pois dependem delas para se desenvolver, se conservar ou mesmo mudar. J cultura, independente da definio que possa ter, elaborada por homens que vivem em sociedade, sendo transmitida ou estendida socialmente por alguma forma de educao. Fechando a cadeia, pode-se dizer que no h educao sem contedos culturais e educandos membros de uma sociedade (GRANDE, 199-).

    A autora define sociedade como o universo da trade composto pelos seres humanos no seu viver coletivo, sendo as relaes humanas marcadas pela interdependncia e pela diversidade. J cultura entendida como os meios de vida criados pelos homens, em determinada sociedade. Ao mesmo tempo que o homem cria cultura, depende dela para viver, seja intelectualmente, emocionalmente ou fisicamente.

    Por educao, de uma forma geral, pode-se entender o universo que compe as condies de acesso cultura para os membros de uma determinada sociedade (GRANDE, 199-). E, entre essas condies, esto os meios de comunicao de massa, cada um com suas regras, recursos tcnicos e alcance educativo. Da mesma forma, todos os assuntos verificados na sociedade, de alguma forma, so relacionados educao, podendo ser objetos de ensino e aprendizagem, assim como so relativos s interaes sociais, sejam elas mediatizadas ou no, [...] que compem, como comunicao social, o processo simblico/prtico das atividades do ser humano em sociedade. (BRAGA; CALAZANS, 2001, p.10).

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    Sabe-se que a cada inveno tecnolgica, a sociedade atribui aos processos comunicacionais, desenvolvidos em torno da inveno, uma expectativa educacional. (BRAGA; CALAZANS, 2001, p. 10). o caso do rdio que, como ser discutido neste trabalho, surgiu no Brasil com propostas educativas. Edgard Roquette-Pinto, pioneiro da radiodifuso brasileira, definia o veculo de comunicao como [...] o mestre de quem no pode ir escola [...]. (FERRARETTO, 2001, p. 97). De uma forma menos idealista, ainda h iniciativas, inclusive governamentais, do uso do rdio na educao, seja presencial ou a distncia, embora impere sua utilizao comercial, visando o entretenimento.

    Ao tentar traar a interface entre comunicao e educao, torna-se importante salientar que no se trata de enxergar as duas reas como tendo uma mesma lgica. At porque, no se pode generalizar e unificar o sistema educacional ou mesmo as comunicaes sociais. Ambas vm sofrendo alteraes, seja em decorrncia de processos tecnolgicos de acelerada inveno, seja em funo de modificaes polticas, sociais e econmicas ou outras, os dois sistemas apresentam um processo de reconstruo permanente[...]. (BRAGA; CALAZANS, 2001, p.11). Desta forma, admite-se, h riscos ao atuar na interface de esferas especficas.

    A relao entre comunicao e educao j foi traada por diversos tericos, em vrios momentos histricos, sem que isso caracterize uniformidade de pensamento ou de apropriao desta interface na educao escolar. O presente trabalho, antes de esboar uma interseo, julga necessrio separ-las, para discutir os vrios conceitos que essas reas tm. Ambas so interdisciplinares, detentoras de um objeto complexo e com abordagens tericas conflituosas. Segue, ento, uma descrio sucinta das duas para, em um segundo momento, traar a interface entre elas.

    1.1.1 A Comunicao

    A comunicao est presente na vida dos homens desde os perodos mais remotos. Seja por palavras, rudos ou desenhos, os seres humanos sempre interagiram. E justamente este ponto a interao que marca a comunicao como um campo social. Isso no

    significa, contudo, que seja fcil a tarefa de defini-la. A palavra comunicao tem sua origem etimolgica no substantivo latino communicationem, que significa a ao de tornar comum. Nesse ponto, Lima (2001) j encontra ambigidade a comunicao inclui dois processos que

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    atuam em plos opostos, de transmitir (que unidirecional) e de compartilhar (que participativo).

    O autor aponta que, alm da ambigidade original, a definio de comunicao encontra outro obstculo, formado pelas mutaes que a palavra sofreu. Ela pode significar os meios tecnolgicos de transmisso de informao, como a mdia; os meios fsicos de transporte, como as estradas de ferro; ou o objeto tornado comum, como um comunicado. Essas vrias possibilidades de uso permitem fazer algumas distines do conceito de comunicao. Pode ser interpretada como algo inerente natureza humana e exemplificada pela linguagem ou pode ser mediada por algum tipo de tecnologia. Esse segundo aspecto permite outra diviso essa tecnologia pode ser do tipo um para um (como o telefone), um para muitos (a televiso convencional) ou muitos para muitos (a internet).

    No caso do presente trabalho, o que importa a anlise da comunicao de massa. Mesmo esse recorte no suficiente para singularizar a discusso terica. O estudo da comunicao no recente, um exemplo Aristteles com a retrica. Mas as teorias da comunicao propriamente ditas fazem parte de uma tradio de pesquisas do incio do sculo XX, sobretudo nos Estados Unidos, e que surgem como conseqncia do avano das tecnologias aliadas s mdias, como o rdio (BARBOSA FILHO, 2003).

    Esses estudos tiveram diferentes abordagens, que esto relacionadas a trs fatores: ao contexto histrico, social e econmico no qual surgiu determinado modelo terico; ao tipo de teoria social mencionada, explicitamente ou no, pelas teorias da mdia e ao modelo de processo de comunicao que cada uma delas apresenta (WOLF, 2005). A anlise das relaes entre os trs fatores permite articular as conexes entre as diversas teorias da mdia e determinar qual foi (e por qu) o paradigma dominante em perodos diversos na communication research. (WOLF, 2005, p. 3).

    Em um primeiro momento, queria-se conhecer os efeitos que a mdia produzia na audincia. Baseados no behaviorismo, que analisa o comportamento humano com os mtodos de experincia e observao, comum nas cincias naturais e biolgicas, esses estudos entendiam as comunicaes, a priori, como um instrumento de manipulao. Um exemplo a teoria da agulha hipodrmica. A metfora que usa termos da medicina baseava-se no corolrio de que os meios de comunicao tinham um poder absoluto sobre a sociedade. Como uma seringa, a mdia injetava suas mensagens e inoculava idias na audincia que, completamente passiva, no possua anticorpos para ficar imune s intenes da instncia produtora da mdia (POLISTCHUK; TRINTA, 2003).

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    A teoria traada no momento em que h a difuso em larga escala de meios de comunicao de massa, que coincide com o perodo de duas guerras mundiais e de governos totalitrios. o momento de surgimento e consolidao do rdio. A principal pergunta qual buscava-se resposta era qual efeito tem a mdia numa sociedade de massa?. (WOLF, 2005, p. 5).

    ainda nesse contexto, mais precisamente em 1948, que surge o modelo de Lasswell, segundo o qual uma maneira de descrever um ato de comunicao responder s perguntas quem, diz o qu, por qual canal, a quem, com qual efeito. Para muitos aspectos, esse modelo representa contemporaneamente uma sistematizao orgnica, uma herana e uma evoluo

    da teoria hipodrmica. (WOLF, 2005, p. 11). Esse modelo traz implcita a idia de que a iniciativa exclusiva do comunicador e os efeitos se do exclusivamente sobre o pblico, sem mencionar o contexto em que se d a comunicao.

    A partir da dcada de 1940, surge outra abordagem, ainda com base no esquema de estmulo-resposta, que avaliava as comunicaes como instrumento de persuaso. Parte do princpio de que a persuaso possvel, desde que haja o reconhecimento das especificidades do pblico, j que caractersticas psicolgicas da audincia determinam fatores como o interesse em adquirir informao, a exposio seletiva provocada por opinies existentes, entre outros. Sua estrutura lgica, tambm mecanicista como na teoria hipodrmica, pode ser representada da seguinte forma: causa (estmulo) processos psicolgicos intervenientes efeito (resposta). H, basicamente, duas diretivas para a abordagem da persuaso: os estudos sobre o carter do destinatrio e as pesquisas sobre como melhor organizar as mensagens persuasivas (WOLF, 2005).

    Ainda ligada s pesquisas experimentais, a abordagem dos efeitos limitados marca o comeo da pesquisa sociolgico-emprica sobre comunicaes de massa. Embora se refira capacidade de influncia sobre o pblico e no mais manipulao e persuaso -, reconhece que ela limitada e especfica de acordo com a mdia. Destacam-se duas correntes: do estudo da formao diferenciada dos pblicos e de seus modelos de consumo de comunicao de massa e as pesquisas sobre a mediao social que caracteriza o consumo. Um exemplo a pesquisa feita em 1940 por Lazarsfeld sobre o papel do rdio em relao aos tipos de audincia, correlacionando as caractersticas dos destinatrios aos programas preferidos pelo pblico com os motivos que fazem a audincia preferir esses programas em detrimento a outros (WOLF, 2005).

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    Outro modelo avalia as comunicaes a partir da perspectiva da mdia como um sistema. Com inspirao na sociologia funcionalista, embora reconhea questes internas, especficas aos gneros e meios, [...] a importncia mais significativa est voltada a explicitar as funes desenvolvidas pelos sistemas das comunicaes de massa. (WOLF, 2005, p. 50). Assim, as pesquisas que centravam-se primeiro na manipulao, depois na persuaso e na influncia, passam a preocupar-se com as funes. Alm disso, na teoria funcionalista, as funes so analisadas em situaes cotidianas e no em contextos particulares, j que os modelos anteriormente mencionados se preocupavam em estudar campanhas eleitoral, publicitria etc.

    [...] a teoria funcionalista ocupa uma posio muito precisa, que consiste em definir a problemtica da mdia a partir do ponto de vista da sociedade e do seu equilbrio, da possibilidade do funcionamento total do sistema social e da contribuio que os seus componentes (inclusive os meios de comunicao de massa) lhe trazem. (WOLF, 2005, p. 51).

    J a teoria da informao origina-se na engenharia de telecomunicaes e volta-se eficcia da transmisso, sem que haja preocupao com o contedo. Concebida como uma formulao matemtica, se concentra na medio quantitativa da informao em mensagens e do fluxo de informao entre emissores e receptores. Transmitir rapidamente as mensagens, evitando perdas e distores de informao so seus objetivos. Tem aplicaes muito prticas nas cincias eletrnicas da comunicao, nas quais necessrio computar quantidades de informao e projetar canais, transmissores, receptores e cdigos que facilitem a manipulao eficiente da informao. (LITTLEJOHN, 1988, p.152).

    Destacam-se, tambm, os estudos das comunicaes centrados na lingstica e que introduzem a noo de significao. o caso da semiologia, da semitica e da anlise de discurso. Embora a linguagem, enquanto objeto de estudo, seja o ponto em comum, h vrias maneiras de estud-la. Para a lingstica, a lngua entendida como um sistema de signos ou um sistema de regras formais; para a gramtica normativa, como normas de bem dizer; para a semitica, a comunicao acontece atravs do uso de signos e, para a anlise de discurso, [...] procura-se compreender a lngua fazendo sentido, enquanto trabalho simblico, parte do trabalho social geral, constitutivo do homem e da sua histria. (ORLANDI, 2000, p.15).

    A teoria crtica surge a partir da Escola de Frankfurt, em um contexto marcado pela ascenso do nazismo, a Segunda Guerra Mundial e o stalinismo. Propondo-se como teoria da sociedade como um todo, avalia os objetos cientficos como produtos de um contexto

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    histrico e social, indo contra a idia de especializao da cincia, com suas disciplinas setorizadas. Seu ponto de partida a anlise do sistema da economia de troca. Denunciando na separao e na oposio entre indivduo e sociedade o resultado histrico da diviso de classe, a teoria crtica afirma a prpria orientao em direo crtica dialtica da economia poltica. (WOLF, 2005, p. 73).

    Nessa perspectiva, a Escola de Frankfurt analisa temticas consideradas novas para a sociedade da poca, como a indstria cultural, expresso utilizada, pela primeira vez, por Horkheimer e Adorno em Dialtica do Esclarecimento, texto publicado em 1947. O termo refere-se anlise da produo de bens simblicos em escala industrial o que, somado promoo publicitria, leva homogeneizao dos padres de gosto. A racionalidade tcnica havia subordinado os fatos de cultura a um princpio de serializao e a uma padronizao, massificando-os. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 112).

    Assim, h uma explorao e mercantilizao da cultura e dos processos de formao de conscincia. O cinema e o rdio no tm mais necessidade de serem empacotados como arte. A verdade de que nada so alm de negcios lhes serve de ideologia. Esta dever legitimar o lixo que produzem de propsito. (ADORNO, 2002, p.8). Cinema e rdio so vistos como indstria e o rendimento financeiro propiciado pela publicidade para seus diretores-gerais comprovam isso.

    Considerado como remanescente da Escola de Frankfurt, Jrgen Habermas criou o modelo terico do agir comunicacional, ao associar a comunicao a uma prtica tica. Como, segundo ele, nem o positivismo nem a teoria crtica definem adequadamente a relao entre saber especializado (ou tecnologias) e seu uso poltico, sugere um modelo pragmtico, caracterizado pelo formato circular, de inter-relao. Em um cenrio marcado pelo crescimento de uma lgica de sistemas integrados, organizados ao redor da tecnologia e do mercado, Habermas prope o agir comunicativo, concretizado nos atos discursivos, pelo qual sujeitos concretos pudessem orientar suas aes, tendo por base um sentido comunitrio. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 117).

    O destaque dado competncia dialgica, como base do agir comunicacional. Agir comunicacionalmente quer dizer corrigir as distores de uma conscincia tecnocrtica, sempre suficiente em si mesma, fazendo o mesmo com o seu modo de se expressar como razo instrumental. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003, p. 118). Importa refletir sobre a racionalizao proposta pelas estratgias do discurso institucional, fazendo

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    girar o debate em torno, por exemplo, da progressiva perda de identidade do sujeito histrico na poca da telepresena. (p. 118).

    Habermas (1989) estabelece a conscincia moral como a base do agir comunicativo. Segundo ele, o desenvolvimento moral da criana ao adulto acontece por seis estgios. No primeiro deles, a obedincia s regras feita de forma bastante pragmtica, apenas para evitar a punio. As razes para fazer o que direito so o desejo de evitar o castigo e o poder superior das autoridades. (HABERMAS, 1989, p. 152). No segundo estgio, segue-se as regras quando houver um interesse imediato, ou seja, satisfazendo seus prprios interesses e necessidades e permitindo que os outros faam o mesmo.

    O terceiro estgio de desenvolvimento moral est relacionado s expectativas dos outros. As razes para fazer o que de direito so: ter necessidade de ser bom a seus prprios olhos e aos olhos dos outros, importar-se com os outros e porque, se a gente se pusesse no lugar do outro, a gente ia querer um bom comportamento de si prprio [...]. (HABERMAS, 1989, p. 153). No quarto estgio, surge a noo de dever na sociedade, apoiando a ordem social e ajudando a manter o bem-estar geral.

    J o quinto estgio o primeiro do nvel ps-convencional, pelo qual os direitos, valores ou princpios que levam uma sociedade a ter prticas leais so a base para as decises morais. Nessa fase, as razes para fazer o que de direito so em geral: sentir-se obrigado a obedecer lei porque a gente fez um contrato social de fazer e respeitar leis, para o bem de todos e para proteger seus prprios direitos e os direitos dos outros. (HABERMAS, 1989, p. 154). No sexto estgio, o indivduo orientado por princpios ticos universais. A razo para fazer o que direito que a gente, enquanto pessoa racional, percebeu a validade dos princpios e comprometeu-se com eles. (p. 154).

    Esses seis estgios do desenvolvimento moral podem ser entendidos como um processo, um caminhar que depende de aprendizado e que pressupe a tomada de conscincia dos erros cometidos em julgamentos feitos em estgios anteriores. A tica do discurso est relacionada com essa concepo de aprendizagem

    [...] na medida em que compreende a formao discursiva da vontade (assim como a argumentao em geral) como uma forma de reflexo do agir comunicativo e na medida em que exige, para a passagem do agir para o Discurso, uma mudana de atitude da qual a criana em crescimento e que se v inibida na prtica comunicacional quotidiana no pode ter um domnio nativo. (HABERMAS, 1989, p. 155).

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    Desta forma, a tica do discurso solicita o agir comunicativo, que deve gerar o entendimento mtuo, e no a obteno do sucesso pessoal, entre os participantes de um dilogo. A interao , afinal, orientada por juzos morais, realizando-se de forma lingstica no cotidiano, e as pretenses de validez de cada enunciado so assumidas dentro do quadro do mundo social consentido, o que exige, por sua vez, que a compreenso da sociedade seja descentralizada do prprio ego. (ROTHBERG, 2006, p. 95).

    Outra forma de olhar a comunicao de massa atravs da teoria culturolgica, que teve seu bero na Frana e que surge com a obra Lesprit du temps, escrita em 1962 por Edgar Morin. Ela nasce em um contexto marcado pela pop art e pelo interesse de intelectuais europeus em conhec-la. Entende-se que a cultura de massa inerente atmosfera cultural daquele momento histrico e que nessa cultura circulam imagens, smbolos, ideologias e mitos relativos ao imaginrio e ao cotidiano. justamente os aspectos da cultura difundida pela mdia que interessam aos tericos (POLISTCHUK; TRINTA, 2003).

    Atravs dela possvel estudar a cultura de massa, apontando seus principais elementos antropolgicos e a relao nela instaurada entre consumidor e objeto consumido. No se trata de focar a pesquisa nos meios de comunicao ou nos efeitos que possam causar. O objeto de anlise programaticamente perseguido a definio da nova forma de cultura da sociedade contempornea. (WOLF, 2005, p. 94). De acordo com essa teoria, s possvel analisar a cultura de massa pela sua totalidade, no reduzindo-a a dados essenciais. De fato, porm, aquilo que Morin prope uma fenomenologia sistemtica, sustentada por uma pesquisa emprica. (p. 95).

    A perspectiva do cultural studies, nascido entre as dcadas de 1950 e 1960, na Inglaterra, embora reconhea haver um sistema cultural dominante, manifestado pela interposio da mdia, reconhece que o pblico, nos variados contextos socioculturais, decodifica as mensagens de acordo com situaes sociais especficas (POLISTCHUK; TRINTA, 2003). A tendncia [...] analisar uma forma especfica de processo social, relativa atribuio de sentido realidade, ao desenvolvimento de uma cultura de prticas sociais compartilhadas, de uma rea comum de significados. (WOLF, 2005, p. 102;103). A cultura entendida por significados e valores, surgidos e difundidos na sociedade, e tambm pelas prticas, que expressam e contm esses significados e valores. Os meios de comunicao tm papel relevante por atuarem de forma ativa nas construes coletivas, entendidas como definies e modos de vida.

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    No paradigma midiolgico, destaca-se o canadense Herbert Marshall McLuhan, criador do modelo terico do meio como mensagem, que preocupa-se com os efeitos do processo da comunicao sobre a sensibilidade da audincia. Descartava assim a eficcia tcnica da comunicao e os efeitos ideolgicos. Defendia que o meio a mensagem. Isto apenas significa que as conseqncias sociais e pessoais de qualquer meio [...] constituem o resultado do novo estalo introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extenso de ns mesmos. (MCLUHAN, 1974, p. 21). A nfase dada ao meio e no ao uso que feito dele. Em termos da mudana que a mquina introduziu em nossas relaes com outros e conosco mesmos, pouco importava que ela produzisse flocos de milho ou Cadillacs. (MCLUHAN, 1974, p. 21).

    McLuhan dividia os meios entre quentes e frios. Um meio quente aquele que prolonga um nico de nossos sentidos e em alta definio. Alta definio se refere a um estado de alta saturao de dados. (MCLUHAN, 1974, p.38). Eles deixam pouco para o pblico preencher ou completar. o caso do rdio, do livro e do jornal. J os meios frios, como as histrias em quadrinhos, o telefone e a televiso, proporcionam informaes mal definidas, exigindo do receptor maior participao sensorial para a apreenso de suas mensagens. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003).

    Com o surgimento e o posicionamento cada vez mais central da internet na sociedade, o ciberespao tambm torna-se objeto cientfico. Entre os autores que se dedicaram a estud-lo, destacam-se Pierre Lvy, Paul Virilio e Manuel Castells, embora a partir de perspectivas diferenciadas. Lvy (2000, p. 17) conceitua o ciberespao como o novo meio de comunicao que surge da interconexo mundial dos computadores e que vai alm da infra-estrutura material, incluindo o universo de informaes que abriga e os seres humanos que nele transitam. Destaca-se, ainda, a noo de cibercultura, considerada o conjunto de tcnicas (materiais e intelectuais), prticas, atitudes, modos de pensar e valores que se desenvolvem junto com o crescimento do ciberespao.

    A hiptese levantada por Lvy que a cibercultura leva a co-presena das mensagens de volta a seu contexto, como acontecia nas sociedades orais, embora em outra escala. A nova universalidade no depende mais da fixao propiciada pelo texto escrito, j que construda via interconexo das mensagens em si, de sua vinculao permanente com as comunidades virtuais em criao, que lhe conferem sentidos diferentes e em constante renovao. Reconhece o papel cada vez mais central da internet, mas critica a idia de impacto causado pelas tecnologias de informao e comunicao. O pressuposto que as tcnicas no so

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    estranhas significao e valor humano; so imaginadas, fabricadas e reinterpretadas durante seu uso pelo homem. Sendo assim, a tcnica no autnoma, isolada da sociedade e da cultura e tampouco uma entidade real, que existiria independente do restante.

    Ainda dentro das pesquisas em comunicao, mais recentemente, novos estudos esto reorientando a viso sobre o plo da recepo. Dentro desta linha, surge a teoria das mediaes, que tem na Amrica Latina seu bero. De acordo com esse eixo terico, o enfoque direcionado para as relaes entre comunicao e cultura, de forma que h um deslocamento do foco exclusivo dos meios de comunicao, privilegiando as mediaes prprias da recepo. Com os novos estudos sobre recepo, a reflexo passa a ser deslocada dos meios s mediaes. Essa tendncia comea, mais propriamente, na Colmbia com Jess Martn-Barbero, espanhol naturalizado colombiano. De acordo com a teoria das mediaes, os receptores no so mais guiados pelas indstrias culturais e a sociedade no s mdia. H outros dados que devem ser observados. No se trata de desprezar os veculos, mas de valorizar as mediaes.

    A premissa que, a rigor, no existe recepo sem mediao, definida como o lugar e suas condies interativas onde se produzem sentidos do processo significativo (SILVA a, 1999). Desta forma, entende-se que a produo de sentido no viabilizada apenas pelas indstrias culturais, uma vez que tambm envolve as mediaes. O sentido negociado, o que faz com que a comunicao implique em uma transao entre produtor e emissor.

    1.1.2 A Educao

    Essa multiplicidade de teorias exemplifica a complexidade que um pesquisador enfrenta ao escolher um objeto de estudo pertencente comunicao. E, assim como a comunicao, a educao tambm pode ser considerada como uma esfera de estudos complexos e em constante mutao. Manacorda (1999) traa o percurso histrico da Educao desde o antigo Egito e aponta diferentes objetivos dos ensinamentos, metodologias de ensino e, inclusive, dos atores do processo educativo. A semelhana entre os distintos perodos diz respeito ao fato de que a educao no algo isolado, mas fruto de um contexto e alvo de uma expectativa por parte da sociedade, mesmo que nem sempre correspondida.

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    Como se sabe, o contedo da educao varia de uma sociedade a outra segundo interesses de diversos segmentos sociais, interesses esses que se projetam em valores, aspiraes, objetivos. A pedagogia intervm na prtica educativa dando-lhe uma orientao de sentido e criando condies organizativas e metodolgicas para sua viabilizao, definindo seu trao mais caracterstico: a intencionalidade. (LIBNEO, 2001, p. 56).

    Um rpido olhar pela histria permite encontrar alguns exemplos (MANACORDA, 1999). Na Grcia antiga, os processos educativos eram separados segundo as classes sociais. Entre os governantes, a educao visava s tarefas do poder, como o pensar e o falar (poltica), alm do fazer (as armas). Para os produtores governados, cabia o treinamento ao trabalho. J s classes excludas e oprimidas, no havia escola ou treinamento, apenas a aculturao que vinha do alto para as classes subalternas. Na Roma antiga, a educao era responsabilidade da famlia e tinha como principais contedos a educao moral, religiosa e cvica. J na Idade Mdia, sobretudo no sculo VI, h a substituio gradual da escola clssica pela crist. Liam-se salmos, Sagradas Escrituras e sobre a vida dos santos. Outros contedos da educao, como o clculo, tinham apenas valor instrumental contar as estaes e as horas da liturgia.

    Entre os sculos XV e XVI, perodo da Reforma, a educao, ainda no difundida universalmente, comea a ganhar um carter de instruo til tambm para produtores e para classes subalternas. Na Alemanha, Martinho Lutero contribuiu para a implantao de um novo sistema escolar caracterizado pela utilidade social da instruo, que deveria formar homens capazes de governar o Estado e mulheres de dirigir a casa. Ele defendia escola para as coisas deste mundo. No sculo XVII, Jan Amos Comenius props uma escola para a vida toda, dividida em oito graus, que deveria ter como lema: ensinar tudo a todos. No plano da prtica didtica, mrito dele a pesquisa e a valorizao de todas as metodologias hoje chamadas de ativas.

    Com a Revoluo Industrial, o modo de produo de bens industriais alterado e o aprendizado terico-prtico dos artesos no mais suficiente. Os operrios precisam aprender a lidar com os novos instrumentos e processos. Desta forma, o mesmo impacto para a cultura e a instruo que teve a substituio do clero e da nobreza pela burguesia, no incio da Idade Mdia, teve o surgimento de uma outra fora, o proletariado industrial, nos Oitocentos, que avana com a universalizao. Alm dessas questes, h outra ligada ao mtodo.

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    Desde o momento em que a instruo tende, embora lentamente, a universalizar-se e a laicizar-se, mudando destinatrios, especialistas, contedos e objetivos, o como ensinar [...] assume propores gigantescas e formas novas; tanto mais se o problema do mtodo se entrelaa com o problema dos novos contedos da instruo concreta, que surgem com o prprio progresso das cincias e com sua relativa aplicao prtica. (MANACORDA, 1999, p. 280).

    No perodo que vai do final dos Oitocentos e do incio dos Novecentos, comea um movimento de renovao pedaggica na Europa e na Amrica. Ele tem como base a insero do trabalho na educao, sobretudo na tcnica-profissional, e na descoberta da psicologia infantil, com exigncias ativas. O trabalho entra, de fato, no campo da educao por dois caminhos, que ora se ignoram, ora se entrelaam, ora se chocam: o primeiro caminho o

    desenvolvimento objetivo das capacidades produtivas sociais (em suma, da revoluo industrial), o segundo a moderna descoberta da criana. (MANACORDA, 1999, p. 305). No primeiro caso, preciso formar pessoas com especializaes modernas, aptas a produzir segundo as mquinas.

    J no segundo caso, a noo de trabalho no diz respeito ao desenvolvimento industrial, mas sim ao desenvolvimento da criana. A Escola Nova fundamenta o ato pedaggico na ao, na atividade dos alunos (GADOTTI, 1993). Nas escolas novas, a espontaneidade, o jogo e o trabalho so elementos educativos sempre presentes: por isso que depois foram chamadas de ativas. (MANACORDA, 1999, p. 305). Procurando estimular e respeitar a personalidade da criana e, portanto, utilizando de conceitos da psicologia da idade evolutiva baseia-se no autogoverno e na cooperao, criticando fortemente a escola tradicional, com o adulto negando a autonomia da criana.

    Destaca-se, tambm, o desenvolvimento da psicologia e seu envolvimento com a pedagogia, sem que essa relao tenha sido uniforme. Pode-se citar correntes como comportamentalismo, associacionismo e gestaltismo. Dos vrios autores, Jean Piaget e

    Vygotsky tiveram papel importante na pesquisa e prtica pedaggicas relacionando personalidade e socialidade.

    Mais atualmente, sobretudo a partir da dcada de 1980, tem-se um contexto marcado pela recomposio do sistema capitalista mundial e, consequentemente, pelo processo de reestruturao global da economia. Crticos do neoliberalismo apontam trs de seus indicativos: mudana nos processos de produo associada a avanos cientficos e tecnolgicos, superioridade do livre funcionamento do mercado na regulao da economia e reduo do papel do Estado. (LIBNEO et al, 2003, p. 34).

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    A educao, por sua vez, no passa imune a essa situao. Sua prioridade, nos programas econmicos de pases industrializados, est em consonncia com polticas de ajuste e estabilizao do Banco Mundial. Postula-se que o desenvolvimento econmico, alimentado pelo desenvolvimento tcnico-cientfico, garante, por si s, o desenvolvimento social. (LIBNEO et al, 2003, p. 34).

    Alm disso, o conhecimento e a informao passam a constituir fora produtiva direta, afetando o desenvolvimento econmico. (p. 34). Baseados nisso, muitos pases realizam reformas dos sistemas educativos, atuando sobre a avaliao institucional, a gesto, educacional, o currculo nacional e a profissionalizao dos professores. Com esses temas amplos, os sistemas e as polticas educacionais introduzem estratgias como descentralizao, autonomia das escolas, reorganizao curricular, novas formas de gesto e direo das escolas, novas tarefas e responsabilidades do professorado. (LIBNEO et al, 2003, p. 35).

    Em nvel mundial, organismos como a Unesco e mesmo o Banco Mundial tm estabelecido metas para a educao. Um exemplo o conceito de educao para todos, defendido desde a Conferncia de Jomtien, realizada em 1990 na Tailndia, na qual foi estabelecido o compromisso mundial para garantir os conhecimentos bsicos necessrios a uma vida digna. Em decorrncia, os pases foram incentivados a elaborar planos decenais de educao para todos.

    O Relatrio para a Unesco da Comisso Internacional sobre a Educao para o Sculo XXI, elaborado entre 1993 e 1996 e conhecido como Relatrio Jacques Delors, enfatiza os quatro pilares da educao.

    Para poder dar resposta ao conjunto das suas misses, a educao deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, sero de algum modo para cada indivduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto adquirir os instrumentos da compreenso; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as trs precedentes. (DELORS et al, 2001, p. 90).

    Aprender a aprender significa no apenas a aquisio de contedos, mas tambm o domnio dos prprios instrumentos do conhecimento, para que cada um possa compreender melhor o mundo que o rodeia. Aprender a fazer est relacionado formao profissional, mas no se limita ao ensino de determinada tarefa material. Leva em considerao como colocar em prtica os conhecimentos e como adaptar a educao ao trabalho futuro, mesmo sem poder

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    prever qual ser sua evoluo. Aprender a viver juntos pressupe o conhecimento e o respeito diversidade dos seres humanos. descobrir o outro e, consequentemente, descobrir si mesmo. Aprender a ser segue o princpio do desenvolvimento total da pessoal esprito e corpo, inteligncia, sensibilidade, sentido esttico, responsabilidade social, espiritualidade. (DELORS et al, 2001, p. 99).

    Outro conceito, bastante difundido pela Unesco, a educao ao longo de toda a vida. Hoje em dia, ningum pode pensar adquirir, na juventude, uma bagagem inicial de conhecimentos que lhe baste para toda a vida, porque a evoluo rpida do mundo exige uma atualizao contnua dos saberes, mesmo que a educao inicial dos jovens tende a prolongar-se. (DELORS et al, 2001, p. 103). Soma-se a isso fatos que aumentam o tempo disponvel para outras atividades, como o prolongamento da vida aps a aposentadoria. Desta forma, muda a noo da distino entre educao inicial e permanente. Esta ltima no pode ser definida em relao a um perodo, como a educao de adultos em oposio de jovens, ou de uma finalidade, como a formao profissional em detrimento da geral.

    A educao bsica bem-sucedida suscita o desejo de continuar a aprender. Este desejo leva a continuar os estudos no seio do sistema formal de ensino, mas os que o desejarem devem, tambm, poder ir mais alm. (DELORS et al, 2001, p. 105). O Relatrio Jacques Delors fala em sociedade educativa. Pode-se inserir aqui, embora no seja suscitado pelo documento, o papel dos meios de comunicao de massa na educao no-formal. Enquanto servio pblico, a mdia e, mais ainda a educativa, pode exercer a funo de oferecer contedos que vo alm do entretenimento e mesmo do jornalismo, contribuindo para a formao constante dos cidados.

    Nesse contexto internacional de reformas educacionais, destaca-se tambm o conceito de competncia como norteador do processo de ensino-aprendizagem. Na definio de Perrenoud (1999), trata-se de mobilizar, integrar ou utilizar recursos cognitivos para enfrentar um determinado tipo de situao. Em um exemplo fornecido pelo autor, um advogado deve conhecer mais do que leis, ele deve relacionar seu conhecimento, usando raciocnio e intuio propriamente jurdicos. Essa viso, contrria pedagogia dos objetivos, mais tecnicista, que preponderou na dcada de 1980, permeia os parmetros e as diretrizes curriculares brasileiros (THERRIEN; LOIOLA, 2001).

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    A abordagem pelas competncias no se ope cultura geral, a no ser que esta ltima receba uma orientao enciclopdica. Ao reduzir-se a cultura geral a uma acumulao de conhecimentos, por mais ricos e organizados que sejam, delega-se sua transferncia e a construo de competncias s formaes profissionalizantes, com a exceo de certas competncias disciplinares consideradas fundamentais. Essa no a nica concepo possvel. A prpria essncia de uma cultura geral no ser preparar os jovens para entender e transformar o mundo em que vivem? Por que a cultura iria tornar-se menos geral, se a formao no passasse apenas pela familiarizao com as obras clssicas ou pela assimilao de conhecimentos cientficos bsicos, mas tambm pela construo de competncias que permitem enfrentar com dignidade, com senso crtico, com inteligncia, com autonomia e com respeito pelos outros as diversas situaes da vida? Por que a cultura geral no prepararia para enfrentar os problemas da existncia?. (PERRENOUD, 1999, p. 35).

    Embora o autor defenda a idia de que as competncias permitem enfrentar conjuntos de situaes de carter transversal, no se trata de renunciar ou dissolver as disciplinas, apostando em competncias transversais. Primeiro, porque as competncias mobilizam conhecimentos, muitos de ordem disciplinar. Segundo, porque considera a total transversalidade como uma fantasia, o sonho de uma terra de ningum, na qual a mente seria construda fora de qualquer contedo ou, antes, utilizando os contedos como meros campos de exerccio mais ou menos fecundos de competncias transdiciplinares. (PERRENOUD, 1999, p. 40; 41).

    H situaes em que o domnio busca seus recursos em uma nica disciplina; outras em que precisar de vrias disciplinas identificveis e h, ainda, situaes cujo domnio no passa por nenhum conhecimento disciplinar exceto a lngua materna, que preexiste ao seu ensino e depende, unicamente, de conhecimentos fundados na experincia ou na ao [...]. (PERRENOUD, 1999, p. 42; 43).

    O conceito de competncia tem como pressupostos a associao do aprendizado a uma ou mais prticas sociais, permitindo fazer sentido aos alunos; baseia-se na pedagogia diferenciada, na focalizao sobre o aluno, nos mtodos ativos; no trabalho regular por problemas; em um planejamento flexvel, da parte do docente; em uma menor compartimentao disciplinar e em considerar os conhecimentos como recursos a ser mobilizados (PERRENOUD, 1999).

    Esse sucinto resgate histrico foi utilizado para assegurar a perspectiva de que a rea educacional mais ampla que o sistema escolar e permeia as relaes deste com toda a sociedade. A educao, na tradio mais longnqua, tem uma funo de sedimentar os

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    conhecimentos e valores desenvolvidos na sociedade, e assegurar sua manuteno no tempo, atravs de sua passagem s novas geraes. (BRAGA; CALAZANS, 2001, p. 46). Porm, a relao entre sociedade e escola marcada por linhas de tenso, que ficam ainda mais evidentes a partir do sculo XX, com as mudanas econmicas, polticas, tecnolgicas e culturais.

    Novas formas de sociedade fazem surgir novos problemas, estimulam novos agentes e novas percepes sobre o papel dos participantes da aventura educacional. As interaes entre a escola e a sociedade antes quase reduzidas ao ingresso do estudante e a sua devoluo posterior sociedade como pessoa qualificada so intensificadas e cotidianizadas. (BRAGA; CALAZANS, 2001, p. 46).

    Esse cenrio aponta para a complexidade das escolhas que a escola faz no que diz respeito aos objetivos, programas e procedimentos. Afinal, a escola busca na cultura os contedos a serem ensinados. H uma procura por equilbrio [...] entre o que a sociedade solicita e o que o seu sistema educacional seleciona e prope. (BRAGA; CALAZANS, 2001, p. 52). Fazer as selees, por si s, j uma tarefa difcil e torna-se ainda mais dinmica ao se levar em considerao a forte presena meditica no cotidiano, que resulta no aumento de informaes circulantes e tambm no crescente acesso a elas.

    Na maioria das vezes, a realidade conhecida atravs da mdia. Ou seja, rdio, televiso, internet, jornal e revista exercem o papel de mediadores entre o pblico e o que acontece no mundo. E isso no diz respeito apenas ao contedo do que divulgado, mas tambm forma como isso feito, principalmente nos meios eletrnicos. A montagem da programao chamada de edio usa elementos como velocidade, fragmentao e sonoridade. A linearidade trocada pela fragmentao. O resultado disso, principalmente no que refere-se aos jovens, so mudanas de sensibilidades para as linguagens tecnolgicas (BACCEGA, 2003).

    Moles (1984) chama essa experincia de cada indivduo de conviver com mensagens diversas, apresentadas de forma fragmentada, de cultura mosaica. O rdio e a TV, por exemplo, divulgam vrios assuntos em tempo extremamente reduzido e de forma intercalada por peas publicitrias. Ou seja, essa estrutura miditica contribui para a diminuio da coerncia interna das mensagens retidas, uma vez que elimina todo processo de ao

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    filosfica ou mesmo de argumentao. Assim, Moles aponta a necessidade de distinguir a cultura mosaica da cultura criativa, de forma que a agregao de conhecimentos diversos seja diferenciada do conhecimento estruturado, no qual os elementos da mensagem de base so ligados por um canal de contratos lgicos a algum outro elemento do discurso que ser transmitido.

    1Or, si nous voulons vivre dans um univers rgl par la pense scientifique, cest prcisment un minimum de cohrence du discours quil convient dacqurir ; cest cette structuration du champ des connaissances qui transforme une culture mosaique en une culture efficace et qui fait passer de l rudition la craton, du magique au systmatique. Cest donc bien sur ce facteur que devra porter lun des efforts principaux dune nouvelle ducation et cest partr de lui quon examinera laptitude des diffrents systmes de mdias convoyer et imprimer dans le cerveau des rcepteurs soit des messages, soit des modes de comportement plus ou moins cohrents. (MOLES, 1984, p. 39)

    Alm disso, mais do que um meio de transmisso cultural, a mdia pode ser considerada uma outra forma de cultura, a de massas, que se divulga mediante tcnicas de difuso massiva e se dirige a uma massa social. Um de seus princpios a quantidade, j que compartilhada por milhes de pessoas (PORCHER, 1976). Sua condio de cultura garantida no s pelo que veicula, mas tambm pela forma como o faz. Ao mesmo tempo que propicia a mediao entre aes culturais e o pblico em geral, realiza essa tarefa a partir de uma lgica prpria, que inclui aspectos econmicos, polticos e tcnicos.

    Com uma outra lgica, a escola tambm uma mediadora cultural e, para Porcher, a sua obrigatoriedade a promove categoria de responsvel por uma democratizao da cultura. Isso significa que os meios de comunicao devem fazer parte de seus contedos, como objetos a ser analisados e no meramente serem apropriados. O autor acrescenta que os professores devem ser convencidos de que a mdia funciona racionalmente, assim como os demais materiais utilizados em classe. Assim, caso haja uma formao adequada, os docentes podem domin-la, manej-la e coloc-la a seu servio com pleno conhecimento de causa.

    1 Ou, se ns quisermos viver em um universo regrado pelo pensamento cientfico, preciso um mnimo de

    coerncia do discurso que convm adquirir; esta estruturao do campo dos conhecimentos que transforma uma cultura mosaica em uma cultura eficaz e que faz passar da erudio criao, do mgico ao sistemtico. , portanto, sobre esse fator que dever se dirigir um dos esforos principais de uma nova educao e a partir dele que se examinar a aptido de diferentes sistemas de mdias em conviver e em imprimir no crebro dos receptores sejam mensagens ou modos de comportamento mais ou menos coerentes. (MOLES, 1984, p. 39, traduo nossa).

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    Frente a esse cenrio h que considerar as aprendizagens contedo e forma que esto alm da sala de aula. Braga e Calazans (2001, p. 38) apontam trs espaos de aprendizagem reconhecidos pela sociedade que no esto relacionados diretamente s instituies educacionais: a aprendizagem na famlia (espao privado), na cultura (espao pblico) e aprendizagens prticas, do fazer (como exemplo, as profissionais).

    Libneo et al (2003) avalia que a educao pode assumir diferentes modalidades. Uma delas informal, ou no intencional, que diz respeito s influncias do meio natural e social sobre o homem e interfere em sua relao com o meio social. Alguns exemplos so os costumes, as leis, a religio, o tipo de governo entre outros. Outra modalidade a educao no-formal, intencional, que acontece fora da escola, mas de forma pouco estruturada e sistematizada. o caso dos meios de comunicao de massa, dos movimentos sociais e de espaos como museus e cinemas. Pela prpria caracterstica da mdia, essa modalidade educativa, que pode ser relacionada noo de autodidaxia, tem, a priori, um grau falho de coerncia, pois resulta de estmulos fragmentrios (MOLES, 1984).

    Para Gohn (2001), a educao no-formal um processo com vrias dimenses. A primeira diz respeito aprendizagem poltica dos direitos dos indivduos enquanto cidados, atravs da participao em atividades grupais, como o conselho de escola. A segunda a capacitao para o trabalho via aprendizagem de habilidades ou o desenvolvimento de potencialidades. A terceira a aprendizagem e o exerccio de prticas que capacitam indivduos a se organizarem com objetivos comunitrios, visando a soluo de problemas coletivos cotidianos. A quarta relacionada aprendizag