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S OCIEDADE A batalha · 76 v 27 DE OUTUBRO DE 2011 Pela primeira vez, uma família recusou o tratamento de uma criança com quimioterapia, desobedecendo a médicos e ao tribunal

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Pela primeira vez, uma família recusou o tratamento de uma criança com quimioterapia, desobedecendo a médicos e ao tribunal. Os pais de Safira, uma menina com um tumor renal, queriam a cura – não apenas a sobrevivência da filha. Correram o mundo em busca de alternativas e deram início a uma revolução que poderá mudar a forma como se decidem os tratamentos médicos de menores em Portugal

POR PATRÍCIA FONSECA TEXTO MARCOS BORGA FOTOS

A batalha por

SAÚDE SOCIEDADE

Parabéns a você, nesta data querida...» A família can-ta, juntando-se à volta da grande mesa da sala de jantar. À cabeceira, Safira sorri, ao ver o pai aproxi-

mar-se. Ele avança com um tosco bolo de aniversário nas mãos. É de bolacha sem açúcar, um mimo cozinhado para a filha mais nova, nessa tarde.

A saúde da menina é frágil, como a luz trémula das cinco velas que celebram a sua curta vida. Está magra, muito magra, com apenas 11 quilos. E careca. Sopra uma, duas, quatro vezes para, por fim, conseguir apagá-las. Sorri, triunfante, acarinhada pelas palmas dos pais, dos tios e dos avós, enquanto agarra na mão de Melissa, a irmã seis anos mais velha, e a aperta contra o peito, como quem pede um desejo.

Estamos a 30 de setembro de 2010. Safira acabou de fazer quatro sessões de quimioterapia e uma cirurgia de urgên-cia, para extração do rim direito. Há pou-co mais de um mês, o cabelo baloiçava- -lhe pelas costas, duas grandes tranças de ouro saltitantes. Nessa altura, esta famí-lia nem imaginava como, de um segundo para o outro, as suas vidas iriam mudar.

O LUTO ANTECIPADO«Mamã, precisas de me levar ao médi-co.» Safira Íris, que deve o nome não aos seus olhos, de um profundo azul, mas a uma mensagem de «seres da floresta»

que a mãe ouviu num sonho, insiste vá-rias vezes. Gabriela Freitas, 40 anos, psi-cóloga de formação, estranha a conversa (e a teimosia), até porque a menina não tem sintomas de doença nem se queixa de dores. Ainda pensa tratar-se de uma estratégia para não ir à escola. Mas muda de ideias quando a filha lhe pede para irem ao final do dia. «Que las hay, las hay...» E foram.

Sem saber o que procurar, a médica de família observou o corpo todo de Safira. Ao apalpar a barriga, sentiu o «fígado au-mentado», pediu uma ecografia e depois uma TAC. A mãe recebeu os resultados numa sexta-feira, na Póvoa de Varzim, onde tinha ido visitar o irmão. Preocu-pada, decidiu consultar de urgência um conhecido da família, o cirurgião vascu-lar Roncon de Albuquerque, com consul-tório no Porto.

E é nesse segundo, em que o olhar do médico deixa de observar um exame à transparência para pousar os olhos no rosto aflito da mãe, que tudo muda. «A sua filha tem um tumor no rim. Um tumor de Wilms. E com este tamanho, é um milagre não ter metástases. É para tirar já. É para tirar ontem!»

Gabriela fica em choque. Agarra ime-diatamente no telefone para ligar ao pai de Safira, Gabriel Mateus, 34 anos, que anda entre Lisboa e Exeter, no Sul de Inglaterra, onde prepara uma tese de mestrado em História das Religiões. Os dois estão separados há quatro anos,

Nuno MirandaDIRETOR CLÍNICO DO IPO DE LISBOA

O médico defende que, com quimioterapia, Safira teria, pelo menos, 80% de hipóteses de sobrevivência. Sem ter concluído o tratamento, considera que «há 50% de probabilidades de recaída»

Julian KenyonDIRETOR DA CLÍNICA DOVE, EM INGLATERRA

Quando os pais recusam a quimioterapia, o especialista britânico entende que «os médicos não podem lavar as suas mãos». É preciso apontar alternativas de tratamento – no caso de Safira, recomendou a vacina de células dendríticas

Thomas NesselhutONCOLOGISTA ALEMÃO

O médico dedica a sua vida à investigação do papel das células dendríticas no tratamento do cancro, no Institute of Tumour Therapy, na Alemanha. Foi ele que preparou a vacina tumoral de Safira e está confiante na sua recuperação total

Safira

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Miguel Oliveira e SilvaPRESIDENTE DO CONSELHO PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA

«Os pais não são donos dos filhos», lembra o clínico, mas defende que deveria haver «um maior respeito» pela sua vontade

Filomena PereiraDIRETORA DE PEDIATRIA DO IPO DE LISBOA

Os pais fazem cada vez mais perguntas, mas a médica, que exerce Oncologia pediátrica desde 1988, conta pelos dedos os casos de conflito

Jorge Leite da CunhaADVOGADO

Aceitou defender o caso de Safira, depois de uma grande «ponderação moral», por entender que esta é «uma causa justa». Os pais, considera, «deveriam ter o direito à escolha» relativamente à saúde dos seus filhos

Gabriela casou-se, entretanto, com Nuno Franco, 38 anos, professor univer-sitário de Matemática.

«A vida redesenha-se naquele momen-to», assume o pai de Safira. «No espaço de uma hora, as prioridades alteram-se totalmente.» Na sua cabeça multipli-cavam-se as dúvidas, os medos. «Num primeiro momento, vivi uma espécie de luto antecipado», confessa. Ouve-se a palavra «cancro» e «mesmo que na nos-sa mente queiramos antecipar um hori-zonte de esperança, ela deriva inevita-velmente para a ideia de perda... e isso é muito difícil».

EUROPA-AMÉRICAFoi em 23 de julho de 2010, ao final de um dia tórrido de verão, que receberam a notícia que lhes gelou o coração. A me-nina tinha 4 anos – este tipo de tumores surge, sobretudo, entre os 5 e os 6 anos, e é relativamente raro, atingindo cerca de dez crianças por ano, segundo o diretor clínico do Instituto Português de Onco-logia (IPO) de Lisboa, Nuno Miranda.

Depois da conversa com Roncon de Albuquerque, Gabriela convence-se de que a sua filha terá de ser operada o mais

depressa possível. Ele disponibiliza-se para a receber na segunda-feira seguinte no Hospital de São João, no Porto, onde é chefe do departamento de Cirurgia Vas-cular. Mas, nessa manhã, a família nem chega a ver o médico, sendo encaminha-da para a Oncologia Pediátrica, onde lhes explicam que a operação apenas se realizará daí a um mês, depois de quatro semanas de quimioterapia. É isso que es-tipula o protocolo clínico europeu.

Novo choque. «Fiquei muito impac-tada com o que o dr. Roncon me tinha dito... a operação era ‘para ontem’ e eu só queria tirar aquela massa densa e ne-gra de dentro da minha filha», recorda Gabriela. «Houve, com certeza, um mal- -entendido», diz agora Roncon de Albu-querque, negando ter-se oferecido para operar a menina. «Eu apenas diagnos-tiquei e encaminhei para a Oncologia Pediátrica», assegura.

Por uma questão de conveniência, dado que vivem na capital, os pais de Safira procuraram então assistência médica no IPO de Lisboa. E foi aí que perceberam que o que pediam – a ope-ração imediata – é o procedimento pre-visto no protocolo americano. Nos EUA,

CUMPLICIDADE A irmã Melissa, filha de uma anterior relação de Gabriel e seis anos mais velha, é a grande companheira de aventuras de Safira

GABRIEL VIVEU UMA ESPÉCIE DE MAS DEPRESSA DESCOBRIU FORÇAS PARA LUTAR

SOCIEDADE

Fernando FreitasEMPRESÁRIO

Tio de Safira, apoiou financeiramente a família, pagando os tratamentos em Inglaterra e na Alemanha. Quer agora criar uma fundação para ajudar pais em situações semelhantes

SAÚDE

LUTO ANTECIPADO.

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entende-se que o tumor deve ser extra-ído e enviado para análise em «estado puro», sem adulterações causadas pelo tratamento. Só depois de analisado se decide qual o tipo de quimioterapia a aplicar e por quanto tempo. Na Europa, opta-se por diminuir primeiro o tumor com quimioterapia, o que facilitará a ci-rurgia. Após a sua remoção, o doente é sujeito a mais quimioterapia, de acordo com os resultados das análises. As taxas

de sobrevivência dos dois protocolos são muito aproximadas, com uma ligeira vantagem de 2% do europeu.

Os pais queriam operar a menina, no privado, e depois levá-la ao IPO, para ser ali seguida. Mas os médicos não gos-taram da ideia. A diretora de Pediatria, Filomena Pereira, não podendo recusar o seguimento da criança, deixou claro, segundo Gabriel Mateus, que o faria «de má vontade». A médica admite que «es-

ticou o dedo» durante a discussão com o pai, por este «pôr em causa a seriedade» do seu trabalho. O certo é que o caldo ficou entornado logo ao primeiro contac-to. As relações entre a família de Safira e o corpo clínico do IPO seriam, nos meses que se seguiram, cada vez mais tensas.

PENSAMENTO POSITIVOResignados, sem meios para levarem a filha para os EUA e sabendo que cada dia contava na recuperação da menina, os pais entregaram-se aos cuidados do IPO de Lisboa. Safira fez a primeira de quatro sessões de quimioterapia pré-operatória a 27 de julho de 2010, usando duas drogas relativamente leves, em relação a outras, muito mais tóxicas: vincristina e actino-

Nuno Franco 38 anos Padrasto

Safira entrou na vida deste professor universitário de Matemática há três anos. Ele não se apaixonou apenas por Gabriela, mas também pela filha dela, que hoje ama como se fosse sua. Nuno e Safira têm sobretudo uma relação de brincadeiras, passando horas em corajosas acrobacias

Gabriela Freitas 40 anos Mãe

Todos os dias, mãe e filha têm um ritual: ao cair da noite, acendem velas por toda a casa e, depois, fazem massagens uma à outra. Antes de dormir, ainda veem juntas um filme de animação e, já na cama, abrem-se os livros para a última história de embalar. Gabriela é toda emoção e a sua relação com a «Safirinha», como lhe chama, é feita de muitos mimos

Gabriel Mateus 34 anos Pai

Pai e filha têm uma relação única, muito especial. Quase nem precisam de falar, basta um olhar para saberem o que o outro pretende. Atualmente, é Gabriel quem a leva à escola e cozinha todas as suas refeições, seguindo regras específicas da alimentação «anticancro»

OS PAIS QUERIAM SEM FAZERQUIMIOTERAPIA PRÉVIA

RETIRAR O TUMOR O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL,

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SOCIEDADE

micina. Ainda assim, para os pais, adep-tos de uma vida saudável e o mais livre de químicos possível, era uma opção muito dura. A menina, vegetariana desde a nas-cença, nunca tinha tomado medicamen-tos que não fossem homeopáticos. Nem sequer fora vacinada – uma opção legal mas polémica, que logo valeu aos pais o rótulo de «fanáticos alternativos».

A criança reagiu mal aos tratamentos. No espaço de uma semana, perdeu toda a vida e energia dos seus 4 anos. «A primei-ra sessão de quimioterapia foi muito dra-

mática, ela praticamente não se mexeu mais. De um momento para o outro, ficou inanimada… Só chorava», recorda a mãe.

Talvez para melhor suportar o que se passava consigo, Safira pediu aos pais para filmarem todos os passos do pro-cesso. Depois, revia as gravações, como quem tenta encontrar um sentido para tamanho sofrimento. Fazia também muitas perguntas. Nas respostas, os pais procuraram passar sempre a verdade, mas nunca usaram as palavras «doença», «tumor», «cancro», «morte».

«Dissemos-lhe que tinha um caroço no rim e que era preciso fazer tratamen-tos para ele sair», conta a mãe. Quando a menina soube que o «caroço» se chama-va Wilms passou a tratá-lo pelo nome, como se fosse um amigo. «Devia ser es-tranhíssimo olhar para nós», reconhece o padrasto. «Durante os tratamentos, estávamos sempre na palhaçada, muito alegres e felizes», recorda. Nas filma-gens familiares, essas gargalhadas sobre-põem-se ao choro constante que se ouve em fundo: o lamento de outras crianças

Etapas Da doença à recuperaçãoOs últimos dois anos da vida de Safira foram uma verdadeira epopeia

Com 4 anos, antes do diagnóstico que transtornaria a sua vida e a da sua família

20112009 2010

Na primeira sessão de quimioterapia, no IPO de Lisboa, com a mãe, Gabriela

No hospital de D. Estefânia, no dia em que lhe retiraram o rim onde se encontrava um tumor de 9 cm

No seu 5.º aniversário, sem cabelo, o efeito mais visível da quimioterapia então iniciada

Na Alemanha, recebendo a vacina tumoral

SAÚDE

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que também faziam quimioterapia na mesma sala do IPO.

Desde a primeira hora, os pais entende-ram que teriam de ajudar a filha naquele processo, rodeando-a com o máximo de carinho possível. Em tudo procuraram ver

Safira passou a ser a prioridade de todos e, por isso, Gabriel deixou a sua casa e mu-dou-se para o sótão de Nuno e Gabriela, onde ainda hoje reside. Os três pararam de trabalhar, dedicando-se a tempo in-teiro ao tratamento e acompanhamento da menina.

Findas as quatro sessões semanais de quimioterapia, chegara finalmente o dia que a mãe de Safira tanto desejara – aque-le em que se despediriam do «amigo» Wilms. A operação implicou a extração do rim direito e foi realizada no hospital de D. Estefânia, a 26 de agosto de 2010. A mãe cantou-lhe ao ouvido durante a viagem de maca pelos corredores, até entrar na sala de operações, o pai este-ve de mão dada com ela, durante todo o procedimento. Na maca, havia ainda espaço para um gigantesco golfinho cor--de-rosa, o seu animal preferido.

Quando a menina acordou da anes-tesia, todos sentiram que despertavam

‘Ateliê’ de vidaOs pais da menina, mesmo separados, foram sempre muito unidos na missão de lhe dar a melhor educação. Safira, preciosa como são todos os filhos, frequenta uma escola privada, com um sistema de ensino alternativo (High- -Scope), que privilegia a expressão artística e o contacto com a Natureza

algo de bom: o líquido amarelo que entrava nas suas veias eram «raios de sol», os mil e um exames e ecografias eram um privilégio que só «as senhoras com bebés na barriga» costumam ter, a careca a aparecer resulta-va de uma espetacular «chuva de cabelos».

SAFIRA E PASSOUA TRATÁ-LO PELO NOME

SOUBE QUE O TUMORSE CHAMAVA WILMS

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SOCIEDADE

Nobel As células-milagreO imunologista Ralph Steiman tornou-se na primeira pessoa a receber um Nobel póstumo. A Academia Sueca anunciou o Prémio da Medicina a 3 de outubro último, sem saber que o cientista tinha morrido três dias antes. E decidiu manter a decisão. Já bastava a tristeza de Steiman por não ter visto o seu trabalho distinguido, aliada a outra injustiça: morreu de cancro, a doença que poderá ser vencida graças à sua investigação. Steiman identifi cou, em 1973, um grupo de células do sistema imunitário, as dendríticas, que desempenham um papel crucial na ativação dos linfócitos-T, responsáveis pelo combate aos tumores. O seu trabalho estabeleceu os fundamentos para vários tratamentos inovadores na área da imuno-oncologia, nomeadamente as vacinas de células dendríticas – a terapia que Safi ra segue na Alemanha. Com esta técnica, as células dendríticas são expostas ao tumor retirado do paciente, multiplicadas em laboratório e depois reintroduzidas no organismo, já sabendo como combater células tumorais que possam ter migrado para outros órgãos, mesmo antes de criarem metástases. Os estudos demonstram já resultados muito animadores, sobretudo em tumores renais e cerebrais, mas os investigadores queixam-se da falta de fi nanciamento. Não há uma molécula que possa ser patenteada e distribuída em larga escala; cada tratamento é individualizado, feito com as próprias células do paciente. Em suma, o processo não é lucrativo.

pressionar pelos números: «Eu não que-ro que a minha filha sobreviva durante cinco anos… Quero que ela viva, e com saúde, por mais 40, 50, 80 anos.»

Na cabeça dos pais, pairavam os fan-tasmas dos efeitos secundários reporta-dos (problemas cardíacos, infertilidade, insuficiência renal, entre outros), de-masiado sérios para que entendessem a equação risco/benefício apresentada pelo IPO. «O mais grave é que só tivemos conhecimento dessas consequências lendo estudos complexos e arrancando a muito custo alguns esclarecimentos aos médicos, quando nos deveria ter sido tudo explicado à partida, para que pudés-

semos, de facto, dar um consentimento informado», contesta Gabriel. A diretora de Pediatria do IPO, Filomena Pereira, reconhece que é prática corrente não transmitir toda a informação aos pais das crianças. «Seria bárbaro», justifi ca.

O CASO DE LAURASafi ra faltou ao tratamento seguinte. Os pais pediram tempo para estudar ou-tras opções. Consultaram oncologistas em Portugal, foram a uma conceituada clínica de Navarra, em Espanha, pedi-ram uma segunda opinião à organização americana Best Doctors. Todos os espe-cialistas apontavam para a necessidade

de um pesadelo. O pior já tinha passado, pensaram. Na verdade, o calvário estava apenas a começar.

DISCUSSÃO ACESAO telefone tocou e o coração da mãe de Safira tremeu: era Gabriela Caldas, a médica assistente do IPO, com os resul-tados das análises ao tumor. As notícias não eram boas. Apesar de não ter inva-dido o rim, o tumor possuía uma predo-minância de blastema, ou seja, mais de 90% das células tumorais estavam ati-vas. O IPO classificou-o como de «alto risco» e a médica explicou a necessida-de de reiniciar a quimioterapia o quanto antes. Ficou marcada a primeira sessão do novo ciclo de tratamento para 5 de setembro e uma consulta para a semana seguinte, a fi m de responder às questões dos pais. Só então perceberam que eram propostas 27 sessões de quimioterapia, com três drogas diferentes – e uma delas, a doxorubicina, extremamente agressi-va. Gabriela ouvia o ex-marido ques-tionando os médicos e, no seu coração, tinha apenas uma certeza: «Aquele não era o caminho, o meu instinto maternal dizia-me que ela não iria resistir a mais seis meses de quimioterapia... aliás, per-guntei logo à medica: ‘acha que a minha fi lha aguenta?’»

Nesse dia, iniciaram uma investigação exaustiva sobre os tratamentos dispo-níveis em todo o mundo. Começaram por procurar os estudos que suportam o protocolo clínico seguido na Euro-pa, descobrindo que este tem uma base pouco sólida. O padrasto, professor de Matemática, ironiza: «Não sou especia-lista em Estatística mas parece-me que uma amostra de 11 casos não é cientifi ca-mente séria.»

No estudo SIOP 9, dos 362 casos analisados com quimioterapia pré-operatória, apenas 11 dizem respeito a tumores de Wilms em estádio I, sem anaplasia e com blastema, como era o caso de Safi ra. Desses, cinco recaíram (e dois morreram) depois da quimiotera-pia pós-operatória. Além disso, estes re-sultados foram obtidos sem terem sido estudados «casos desfavoráveis», como eram os que apresentavam metástases. O diretor clínico do IPO, Nuno Miran-da, desvaloriza a fragilidade da amostra e afi rma que, com quimioterapia, Safi ra teria, pelo menos, 80% de hipóteses de sobrevivência. Gabriel não se deixou im-

QUANDO FALTOU AOS TRATAMENTOS,

PARA LHES RETIRAR A FILHA

SAÚDE

A POLÍCIA FOI A CASA DOS PAIS

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Passado A sobreviventeHá 35 anos, Rute Caldeira passou pelo mesmo calvário de Safi ra: tinha também 4 anos quando lhe descobriram um tumor no rim direito. Foi internada no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com fortes hemorragias, e só em plena cirurgia o cancro saltou à vista. «Fecharam-me à pressa, como se não valesse a pena estar com grandes cuidados …», conta. À mãe explicaram que a menina teria de fazer quimioterapia, embora difi cilmente sobrevivesse mais de seis meses. Rute ainda se submeteu a uma sessão, mas a mãe decidiu, depois, não sujeitar a fi lha a tamanho sofrimento. Saíram do hospital com o compromisso de prosseguir os tratamentos numa clínica privada. Na verdade, porém, foram diretamente para o consultório de um naturista. «Segui um regime alimentar completamente diferente do normal, comendo, sobretudo, vegetais, leguminosas, algas…» Foi também aconselhada a viver perto do mar e a fazer banhos de sol. «Fui viver com a minha avó para a Zambujeira, e os meus pais emigraram para a Suíça, para pagar os tratamentos. Vínhamos a Lisboa uma vez por mês, ao Celeiro, que era a única loja onde se encontrava aquela comida. No Alentejo, nem iogurtes havia…» Até à adolescência, Rute manteve os cuidados rigorosos, sem comer produtos refi nados ou processados, gorduras e açúcares. Hoje, já faz algumas «asneiras». É uma mulher saudável e feliz, mãe de um menino de 9 anos. «Se o meu fi lho passasse pelo mesmo, gostaria de escolher o seu tratamento. É um direito que os pais deveriam ter.»

de fazer quimioterapia, com ligeiras va-riações no tipo de drogas e no número de sessões – o IPO sugeria 27 quando o es-tudo SIOP se baseia em 18 ciclos. Nuno Miranda justifi ca que a diferença resulta de se querer «elevar a taxa de sobrevi-vência até aos 95 por cento».

Foi então que Gabriel descobriu o caso de Laura Boomsma, na Austrália. Há dez

anos, Laura teve o mesmo tumor que Safira, no mesmo rim e com a mesma idade. Os seus pais recusaram a quimio-terapia pós-operatória e conseguiram ganhar em tribunal o direito a escolher o tratamento para a fi lha – um caso único no mundo. A australiana tinha viajado para Inglaterra, para ser seguida pelo médico Julian Kenyon, e, uma década depois, mantém-se bem de saúde.

Havia um caminho a seguir, um outro caminho que não aquele que o IPO pro-punha. E foi isso que Gabriel comunicou ao corpo clínico do hospital, numa reu-nião muito tensa. Descobriu então que, perante a lei, os pais não podem fazer essa opção. «Somos obrigados a assinar o con-sentimento ‘informado’ para um trata-mento, mas deixamos de ser responsáveis pela saúde dos nossos fi lhos se discordar-mos dos médicos: aí, passamos automati-camente a pais negligentes», lamenta.

Nuno Miranda avisou que iria de-

nunciar o caso à Comissão de Proteção de Menores. «Ficámos à espera de ser chamados, julgámos que quisessem sa-ber porque agíamos assim», nota a mãe. «Mas o único contacto que tivemos foi da assistente social do IPO, que nos ameaçou dizendo que ‘isto não ia ficar assim’ e que poderíamos ser acusados de homicídio por negligência.»

Assustados, os pais procuraram um ad-vogado. Dois dias depois, já o Tribunal de Menores tinha emitido uma decisão, sem os consultar: a guarda da Safi ra passaria provisoriamente para o IPO, para que fi -zesse a quimioterapia. Se os pais a acom-panhassem ao hospital, a vida seguiria normalmente; se não, a menina ser-lhes-ia retirada e internada compulsivamente.

«Como começaram a faltar aos trata-mentos marcados, a polícia foi mesmo a casa da mãe», em Casal de Cambra, Sin-tra, soube o advogado Leite da Cunha, mais tarde. Mas a família já tinha saído de casa. Andava pelo mundo, em busca de uma cura para Safi ra.

PAIS FANÁTICOS?O despacho da juíza que assina o pro-cesso de promoção e proteção, a que a VISÃO teve acesso, acaba por repetir, tomando como boa, a informação facul-tada pelo IPO: que a criança estava em risco de vida e possuía «95% de hipóte-ses de cura» com quimioterapia; que os pais são contra tudo o que é químico; que nunca levaram a filha ao médico e nem sequer a vacinaram.

Além dos erros factuais (não havia risco de vida imediato, há 80% de hi-póteses de sobrevivência a cinco anos, não se pode falar de «cura» e a menina ia regularmente a um médico conven-cional), os pais foram retratados como se pertencessem a um culto estranho e equiparados às Testemunhas de Jeová – são apenas de membros desta igre-ja os casos que chegam a tribunal para que se retire temporariamente a guarda aos progenitores por questões de saúde, uma vez que se opõem à realização de transfusões de sangue. Nestes casos, in-vocam-se os artigos 91.º e 92.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Ris-co, considerando-se que existe «perigo atual ou iminente para a vida ou para a integridade física» do(a) menor.

O diretor clínico do IPO mantém que havia (e há) um efetivo risco de vida, no caso de Safira. «Os estudos existentes

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[dos anos 50] dizem-nos que, sem qui-mioterapia, ela tem 50% de hipóteses de recair. Os pais entenderam correr esse risco, mas eu acho que ninguém tem o direito de jogar à roleta-russa com a vida de uma criança.» Para Nuno Miranda não existem, por isso, diferen-ças entre as convicções dos pais de Safira e as crenças de «fanáticos religiosos». A médica Filomena Pereira reforça a ideia: «Eles pertencem a essas correntes que pretendem salvar-nos da civilização.»

O clínico Miguel Oliveira e Silva, pre-sidente do Conselho para as Ciências da Vida, lembra que «os pais não são do-nos dos filhos, mas os médicos também não são donos da verdade». Neste caso, considera que «deveria ter havido mais respeito pela vontade dos pais» e pelo direito a declinar uma terapia e escolher outra. «Não se tratava de recusar o tra-tamento convencional e ficar à espera de um milagre, mas de optar por outro, dito alternativo, sobre o qual a maioria dos médicos tem uma grande ignorân-cia e um desprezo quase arrogante.» Por outro lado, considera ainda Miguel Oli-veira e Silva, «deveria ter havido outro cuidado no consentimento informado, que deve ser o mais pormenorizado pos-sível, escrito e compreendido por quem o assina».

Neste caso, o IPO não só iniciou o tra-tamento pós-operatório com uma auto-rização verbal, como, depois, se limitou

a entregar um esquema da terapia, deta-lhando o número de sessões de quimio-terapia a realizar, sem mencionar os ris-cos associados. Miguel Oliveira e Silva lamenta: «A prática do consentimento informado ainda é insuficiente em Por-tugal e, muitas vezes, é feito para defesa da instituição e dos médicos.»

UMA FAMÍLIA NO ‘EXÍLIO’Depois da última reunião no IPO, em no-vembro de 2010, a família partiu, como

diz Gabriel, para o «exílio». Conscientes de que podiam perder a guarda da filha, nunca estavam descansados. «Não saía de casa sem olhar para um lado e para o outro», recorda, revoltado. «Fomos culpados até prova em contrário», diz, negando que a recusa da quimioterapia pós-operatória se deva a questões de fé. «O utente não tem de ser acrítico e acéfalo», indigna-se. «No IPO é que en-contrei um discurso absolutista, que me lembrou a Inquisição: a diferença é que antes pugnavam pela salvação da alma e agora pela salvação do corpo.»

Atualmente, com o acesso à informa-ção tão facilitado pelas novas tecnolo-gias, este tipo de conflitos é cada vez mais frequente, embora, em tribunal, o caso de Safira se revele único, sem pre-

SOCIEDADE

QuotidianoÉ Gabriel que cozinha tudo o que Safira come (inclusive na escola). A menina é vegetariana desde a nascença e a sua alimentação é totalmente pensada para otimizar a saúde. Não come alimentos processados ou refinados e os doces estão proibidos: as células cancerígenas alimentam-se de açúcar. A mãe, psicóloga, fez com Safira muitos exercícios de confiança. Era, por exemplo, estimulada a deixar-se cair, sabendo que estaria sempre em segurança. A mãe emociona-se ao constatar a coragem com que a menina enfrentou todo este processo: «Admiro-a muito»

NO IPO NÃO É USUAL DAR TODAA INFORMAÇÃO AOS PAIS: DIZEM

SAÚDE

‘SERIA BÁRBARO’,

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Dia de festaA 30 de setembro, Safira fez 6 anos. A prenda de aniversário foi uma viagem ao Zoomarine, no Algarve, para ver araras e catatuas, lontras e focas... mas, sobretudo, para nadar com golfinhos. Desde os 4 anos que a menina sonhava com este dia. No ano passado, doente e debilitada, teve de contentar-se com a companhia de um golfinho de peluche cor-de-rosa, com quem dividia a cama do hospital. Este ano entrou na água sem medo, ao lado da irmã Melissa e do pai Gabriel, para brincar com Hamlet, um macho com pele de seda e tão «simpático» que até lhe deu um beijinho

cedentes. A família gostava que o seu processo servisse de exemplo e abrisse caminhos neste debate que entende ser urgente lançar – e, eventualmente, conseguisse alterar a lei que enquadra o tratamento médico de menores em Por-tugal, à semelhança do que está a fazer a família Navarro, nos EUA. Após ten-tarem tratar o filho com métodos alter-nativos, os Navarro foram obrigados a aceitar a quimioterapia e acabaram por ver o menino morrer devido à toxicidade da terapia «legal».

«Às vezes é preciso que alguém dê o primeiro passo para a multidão come-çar a andar», diz o empresário Fernando Freitas, 47 anos, tio de Safira, que supor-tou os custos do tratamento da sobrinha e pretende agora financiar a criação de uma fundação, para ajudar pais em situ-ações semelhantes. «A ideia é dar apoio moral, psicológico, financeiro», explica Gabriela. «Mas sobretudo disponibili-zar informação, para que todos possam escolher os seus caminhos terapêuticos em consciência.»

«Costumo dizer que o Gabriel salvou a Safira», continua Gabriela, «porque foi incansável e correu o mundo à procu-ra de uma solução, mas sem o apoio do

Page 12: S OCIEDADE A batalha · 76 v 27 DE OUTUBRO DE 2011 Pela primeira vez, uma família recusou o tratamento de uma criança com quimioterapia, desobedecendo a médicos e ao tribunal

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meu irmão nunca conseguiríamos ir ao estrangeiro.» Ao todo, precisaram de 20 mil euros para fazer as malas e partir pri-meiro para Londres e depois para a Ale-manha, seguindo o esquema terapêutico proposto por Julian Kenyon, um clíni-co da área da Medicina Integrativa, que concilia as práticas convencionais com as alternativas, como a homeopatia ou a acupuntura. Contudo, a terapia pouco tinha de alternativa, apesar de ser con-siderada experimental: trata-se de uma vacina de células dendríticas, uma técni-ca em que células específicas do sistema imunitário são expostas ao tumor retira-do do paciente (foi pedida uma amostra ao IPO), multiplicadas em laboratório e depois reintroduzidas no organismo. Estas células tornam-se, assim, numa espécie de corpo de elite que patrulha o organismo, em busca de metástases. O cientista que as descobriu, o alemão Ralph Steiman, recebeu, este ano, o Pré-mio Nobel da Medicina (ver caixa).

Kenyon não é contra a quimioterapia mas, quando os pais recusam esse cami-nho, entende que «os médicos não po-dem lavar as suas mãos». Após estudar o sistema imunitário da menina, conside-rou até que «a quimioterapia só iria agra-var o desequilíbrio já existente» e que a vacina tumoral seria a melhor opção. Recomendou que o tratamento fosse fei-to na Alemanha, com o cientista Thomas Nesselhut, e escreveu um relatório para ser entregue no tribunal português, pro-vando que a criança se encontrava sob acompanhamento de clínicas médicas idóneas.

Passaram-se, entretanto, cinco meses desde a operação de Safira. O advogado da família questionou a fundamentação do IPO, para tanto tempo depois ainda querer aplicar o protocolo, que tem re-gras muito específicas e prevê o início dos tratamentos logo após a cirurgia. O diretor clínico, Nuno Miranda, desistiu então do processo: «Não temos qualquer sentimento persecutório em relação aos pais e já não fazia sentido, de facto, aplicar o tratamento.» A família foi nessa altu-ra entrevistada por assistentes sociais e

psicólogas do Estado e ouvida por outra juíza, no Tribunal de Menores de Sintra. O processo acabou arquivado em março último, com desejos de «felicidades».

VACINA SEM PATENTESem amarras legais, partiram para reali-zar o tratamento proposto, na Alemanha. Sobre esta opção, o diretor do IPO é pe-remptório: «Fiz investigação nessa área, na Holanda, sei que os estudos são muito promissores... em ratos. Do que conheço, não há evidências da sua eficácia no ser humano.»Safira recebeu a primeira de quatro vaci-nas em abril, e a última já no final de agos-to. Reagiu bem e o prognóstico de Julian Kenyon é que «está em total remissão e não terá recaídas». Embora, como subli-nha, não existam estudos científicos su-ficientes para suportar a sua afirmação. «Apesar dos resultados fabulosos que va-mos obtendo, com pacientes terminais a sobreviverem mais de dez anos, estes tratamentos estão pouco estudados, por-que não é possível patenteá-los», explica Kenyon. Thomas Nesselhut, que dedi-cou a sua vida à investigação das células dendríticas e chegou a trabalhar com o mais recente Nobel da Medicina, reco-mendou nova vacina daqui a seis meses e outra dentro de um ano. Terão de ser rea-lizados exames de rotina para comprovar que Safira está livre do cancro, ao longo dos próximos cinco anos. Mas o prognós-tico, diz, «não podia ser melhor».

A menina continua rodeada de mil cui-

SOCIEDADE

APESAR DOS RESULTADOS ANIMADORES,O TRATAMENTO EXPERIMENTAL DE SAFIRA ESTÁ POUCO ESTUDADO

SAÚDE

Amor é...‘... ferida que dói e não se sente’, como dizia o poeta e sabem os pais

dados, sobretudo na alimentação. O pai passa quatro horas por dia a fazer comi-da, tendo como bíblia o livro Alimentação contra o Cancro e os conselhos do neu-rocientista David Servan-Schreiber, no best-seller Anticancro. Faz sumos de bró-colos, couve, beterraba, maçã e cenoura pela manhã, sopas de cereais, algas e le-guminosas com um toque de corcumina e pimenta, bolos sem farinhas refinadas ou açúcar, adoçados apenas com fruta – uma alquimia de ciência e amor que visa manter a doença à distância.

A 30 de setembro, Safira fez 6 anos. Agora vai à escola «a sério», os dentes de leite ameaçam cair e os caracóis come-çam a emoldurar o seu rosto, novamen-te. A sua festa foi já muito diferente da do ano passado. Os pais voltaram a sor-rir à sua volta, com vontade. E em vez de um golfinho de peluche, teve a seus pés o Hamlet, um golfinho de verdade: a prenda de aniversário foi uma visita ao Zoomari-ne, para nadar com estes bons gigantes.

Nessa manhã, quando acordou, correu a perguntar:

– Pai, pai, já estou mais alta?Está com pressa de crescer, a preciosa

Safira. Depois de um ano de calvário, é essa alegria transbordante da menina que dá energia aos pais. Continuam debruça-dos sobre um bolo sem açúcar, é certo, mas já cantam com renovado empenho:

– ... muitas felicidades, muitos anos de vida!

Reportagem SIC/VISÃO. Transmissão no domingo, 30, após o Jornal da Noite