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S U M Á R I O Ficha Técnica Ano 21 – N.º 59 – Julho/Agosto 2005 PROPRIEDADE: Centro Editor Livreiro da Ordem dos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda. SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 151 1749-084 Lisboa Tel.: 218 427 100 Redacção, Produção e Serviços de Publicidade: Av. Almirante Reis, 242 - 2.º Esq.º 1000-057 LISBOA E-mail: [email protected] Tel.: 218 437 750 – Fax: 218 437 751 Director: Pedro Nunes Directores-Adjuntos: José Moreira da Silva José Manuel Silva Isabel Caixeiro Directora Executiva: Paula Fortunato Redactores Principais: Miguel Guimarães, José Ávila Costa, João de Deus e Paula Fortunato Secretariado: Miguel Reis Dep. Comercial: Helena Pereira Dep. Financeiro: Maria João Pacheco Dep. Gráfico: CELOM Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, S.A. Av.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide Inscrição no ICS: 108374 Depósito Legal: 7421/85 Preço Avulso: 1,6 Euros Periodicidade: Mensal Tiragem: 32.000 exemplares (11 números anuais) Ficha Técnica Médicos REVISTA Ordem dos 40 Toxicodependência Libertação da vontade ou escravatura a novos senhores? por Manuel Pinto Coelho 42 Falta de complacência ou a água do capote por H. Carmona da Mota 44 O Eterno Feminino por António José de Barros Veloso 48 HISTÓRIAS D HISTÓRIAS D HISTÓRIAS D HISTÓRIAS D HISTÓRIAS DA HISTÓRIA A HISTÓRIA A HISTÓRIA A HISTÓRIA A HISTÓRIA Da Medicina e das Belas Letras Mário de Sá-Carneiro O Poeta, Ele e o Outro por Eduardo Macieira Coelho 52 CONT CONT CONT CONT CONTOS OS OS OS OS Cordylobia Anthropophaga por Manuel José Campos Magalhães 55 Uma viagem Etérea por José Barbosa Leão 58 CUL CUL CUL CUL CULTURA TURA TURA TURA TURA 60 CONSUL CONSUL CONSUL CONSUL CONSULTORIA FISCAL ORIA FISCAL ORIA FISCAL ORIA FISCAL ORIA FISCAL 4 EDIT EDIT EDIT EDIT EDITORIAL ORIAL ORIAL ORIAL ORIAL 7 INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO INFORMAÇÃO CNE Inclui Proposta de alteração aos Estatutos e Regulamento Eleitoral da Ordem dos Médicos Colégios das Especialidades - Assembleia Geral obrigatória Apreciação do Conselho Nacional Executivo sobre o mapa de vagas de carenciadas 6º profissionalizante dá acesso a pré-inscrição na Ordem dos Médicos 16 ACTU CTU CTU CTU CTUALID ALID ALID ALID ALIDADE ADE ADE ADE ADE Dia Nacional do Médico 22 ENTREVIST ENTREVIST ENTREVIST ENTREVIST ENTREVISTA Maria Augusta Sousa, bastonária da Ordem dos Enfermeiros 32 OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO OPINIÃO Em Memória de Corino de Andrade por Miguel Leão 36 Novo paradigma médico (I) O médico normalizado ou o Dr. Vasco Moscoso de Aragão por H. Carmona da Mota

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S U M Á R I OFicha Técnica

Ano 21 – N.º 59 – Julho/Agosto 2005

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordemdos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 1511749-084 Lisboa • Tel.: 218 427 100

Redacção, Produçãoe Serviços de Publicidade:

Av. Almirante Reis, 242 - 2.º Esq.º1000-057 LISBOA

E-mail: [email protected].: 218 437 750 – Fax: 218 437 751

Director:Pedro Nunes

Directores-Adjuntos:José Moreira da Silva

José Manuel SilvaIsabel Caixeiro

Directora Executiva:Paula Fortunato

Redactores Principais:Miguel Guimarães, José Ávila Costa,

João de Deus e Paula Fortunato

Secretariado:Miguel Reis

Dep. Comercial:Helena Pereira

Dep. Financeiro:Maria João Pacheco

Dep. Gráfico:CELOM

Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, S. A.Av.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide

Inscrição no ICS: 108374Depósito Legal: 7421/85Preço Avulso: 1,6 EurosPeriodicidade: Mensal

Tiragem: 32.000 exemplares(11 números anuais)

Ficha Técnica

MédicosREV

IST

A

Ordem dos40 Toxicodependência

Libertação da vontade ouescravatura a novos senhores?

por Manuel Pinto Coelho

42 Falta de complacência ou aágua do capote

por H. Carmona da Mota

44 O Eterno Feminino

por António José de BarrosVeloso

48 HISTÓRIAS DHISTÓRIAS DHISTÓRIAS DHISTÓRIAS DHISTÓRIAS DA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIAA HISTÓRIA

Da Medicina e das Belas LetrasMário de Sá-CarneiroO Poeta, Ele e o Outropor Eduardo Macieira Coelho

52 CONTCONTCONTCONTCONTOSOSOSOSOS

Cordylobia Anthropophagapor Manuel José CamposMagalhães

55 Uma viagem Etérea

por José Barbosa Leão

58 CULCULCULCULCULTURATURATURATURATURA

60 CONSULCONSULCONSULCONSULCONSULTTTTTORIA FISCALORIA FISCALORIA FISCALORIA FISCALORIA FISCAL

4 EDITEDITEDITEDITEDITORIALORIALORIALORIALORIAL

7 INFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃO

CNEInclui Proposta de alteraçãoaos Estatutos e RegulamentoEleitoral da Ordem dosMédicos

Colégios das Especialidades- Assembleia Geral obrigatória

Apreciação do ConselhoNacional Executivo sobre omapa de vagas de carenciadas

6º profissionalizante dá acessoa pré-inscrição na Ordem dosMédicos

16 AAAAACTUCTUCTUCTUCTUALIDALIDALIDALIDALIDADEADEADEADEADE

Dia Nacional do Médico

22 ENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTAAAAA

Maria Augusta Sousa,bastonária da Ordem dosEnfermeiros

32 OPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃO

Em Memória de Corino deAndradepor Miguel Leão

36 Novo paradigma médico (I)O médico normalizado ou oDr. Vasco Moscoso de Aragão

por H. Carmona da Mota

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4 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005

E D I T O R I A L

Passagem de Testemunho

A vida corre rápida.Num dia somos o mais novo, enfrentamos tudo e todos com a certeza que o tempo está donosso lado e a capacidade só é limitada pela oportunidade.

No dia seguinte olhamos em volta e já percorremos a maior parte do caminho, contabilizamos o quenão fizemos e arquivamos na gaveta do esquecimento aquilo que, em verdade, sabemos não vir a fazer.A vida corre rápida e quando a tarefa é grande, e na medicina é imensa, corre desesperadamente curta.Tarde demais, por vezes, mas apercebemo-nos do tempo desperdiçado, desse capital tão escasso, queem países acomodados a um clima soalheiro se delapida com alegre negligência.Vivemos em tempo de competição. Por uma aparentemente inexplicável conjunção astral todos estãode acordo que a função eminente de viver é competir, obtendo mais e mais, seja capital, seja curriculum,seja marcas na coronha do revólver.Por uma aparentemente inexplicável conjunção astral, que talvez só se explique por faltar o mais preciosodo tempo, o tempo para pensar, não estão na moda os valores do companheirismo.A luta pelo lugar não poupa gerações. Se os mais novos tendem a perder o respeito, quantas vezesestupidamente reverencial que o era, pelo saber, os mais velhos tendem a perder o respeito pela funçãomais nobre – a de passar o testemunho.Aqui e ali ninguém quer ser orientador (dá trabalho e não é remunerado), não quer fazer parte de júrisde exames, está demasiado apressado para explicar em pormenor uma técnica cirúrgica conhecida a uminterno do primeiro ano.Aqui e ali um gestor da moda descobre a pólvora Arquimédica e, em vez de se precipitar da banheirapara a rua, precipita-se do Gabinete para a câmara da TV alegando que os internos diminuem a“produtividade”, põem em risco os “objectivos”.Dessa nova vaga de “iluminados” são manifestamente piores os aculturados, os que, em tempos quepreferem esquecer, foram médicos e juraram uma ética que agora estimam obsolescente.Há que resistir...Às novas gerações pede-se determinação. Firmeza nas exigências do que é o seu único direito – odireito a ser tratado como médico, a quem se visa optimizar o conhecimento para mais tarde prestarcontas de ter óptimo o gesto.Aos que, ainda ontem internos, hoje dirigem os Colégios, a Ordem, os Serviços, pede-se empenhamento.Empenhamento total porque uma vida só acaba quando não se foi capaz de passar o testemunho egarantir que uma geração de mais novos vai fazer melhor que nós.A formação é o primeiro e o maior interesse da nossa casa comum – a Ordem.Porque desta somos os garantes não hesitamos em escrutinar serviços, hospitais, faculdades de medicina.Se somos os garantes da qualidade da prática médica nada do que a condicione nos é estranho.Não nos é indiferente o 6.º ano profissionalizante, como não nos é indiferente o internato, como nãonos pode ser indiferente o decurso de uma vida profissional assumida num desiderato de desenvolvimentoprofissional contínuo.

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005 5

Pedro NunesE D I T O R I A L

Os professores da Universidade, médicos como todos nós, são aliadosneste combate pela qualidade. Aliados, parceiros, numa igualdade dedireitos e deveres, na humildade que só o saber permite, na éticaque impede a defesa do mesquinho interesse individual ou de grupo.Não há, não pode mais haver dicotomias entre internos e seniores,entre hospitalares e universitários entre especialistas de medicinageral ou de qualquer outra especialidade.O menor, aqui maior, denominador comum do ser médico impõe-sesem redundâncias sobre caracterizações circunstanciais.Vamos combater a fronteira e criar a união europeia da nossa Classe.A primeira que há que fazer cair é a do momento da licenciatura.Numa experiência inovadora, que foi sugerida aliás por um homembom, que dá pelo nome de Gonzalo Heranz e é professor catedráticode ética médica na Universidade de Navarra, vamos pré-inscreveros alunos do 6.º ano (profissionalizante) das nossas Faculdades deMedicina.Vamos dar-lhes um estatuto provisório, que passará a definitivo nomomento solene em que prestam o juramento que é nosso desdeHipócrates. Com tal estatuto poderão ter acesso às instalações eserviços da Ordem, obviamente isentos de qualquer quotização, eusufruirão dum programa especialmente desenhado para acompanhareste último ano de frequência da Universidade.Neste programa os seus colegas mais velhos dos diversos Colégiosde Especialidade fá-los-ão viajar pelo que é o dia-a-dia dos seustrabalhos procurando atraí-los para um dos seus.Nesse programa, palestras de ética e essencialmente a práxis a elaassociada, nas suas intersecções com a sociedade, os costumes, odireito, a moral e a política, lançarão o debate do que é ser médico– um projecto para a vida inteira.Ao mesmo tempo a Ordem irá lançar um inquérito a todos osinternos, de resposta obrigatória, para todos sabermos por ondeandam, o que fazem, qual é a vossa trajectória e onde esperamdesaguar.Esperamos que o entusiasmo da juventude, após o descansoobrigatório das férias de Verão, nos leve a tarefa a bom porto empoucos meses.Bom descanso

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005 7

I N F O R M A Ç Ã OC N E

«Por deliberação do Conselho Naci-onal Executivo, no dia 28/06/2005, foidecidido solicitar à Assembleia da Re-pública uma análise aos Estatutos daOrdem dos Médicos tendo como ob-jectivo a sua alteração e actualização,posto que o diploma em vigor data

Proposta de alteração aos Estatutos eRegulamento Eleitoral da Ordem dos Médicos

de há já 18 anos. Igualmente, o Con-selho Nacional Executivo irá proporao P lenár io dos Conse lhosRegionais a revisão do RegulamentoEleitoral da Ordem dos Médicos. Nes-ta conformidade, o Conselho Nacio-nal Executivo solicita a todos os

Em reunião de CNE datada de 31 de Maio foi homologado oparecer da Direcção do Colégio de Imunohemoterapia que sepassa a transcrever:“Vem a Direcção do Colégio de Imuno-hemoterapia expressarde forma sucinta, a sua preocupação sobre aspectos relaciona-dos com a implementação da Directiva 2002/98/CE, que estabe-lece normas de qualidade e segurança em relação à colheita, aná-lise, processamento, armazenamento e distribuição de sanguehumano e componentes sanguíneos e que altera a Directiva 2001/83/CE .Assim, o que de imediato causa maior apreensão tem a ver como impacto que previsivelmente será dramático, ao nível da co-lheita de sangue e que naturalmente se repercutirá no funciona-mento da quase totalidade das valências hospitalares, se a referi-da implementação não levar em linha de conta a realidade nacio-nal.O referido diploma publicado a 27 de Janeiro de 2003, e em fasede transposição, define duas estruturas: o Serviço de Sangue -responsável pelos aspectos da colheita e análise de sangue huma-no, processamento e distribuição; o Serviço de Transfusão - quearmazena, disponibiliza e realiza testes pré-transfusionais comsangue e componentes sanguíneos para utilização exclusiva dohospital em que está inserido.Em Portugal, a colheita de sangue realiza-se nos 3 Centros Regi-onais de Sangue (Lisboa, Porto e Coimbra) que desempenham asactividades atribuídas aos Serviços de Sangue definidos na Direc-tiva e em 35 Serviços de Imuno-hemoterapia hospitalares quedesenvolvem as actividades correspondentes aos Serviços de San-gue e Transfusão ou só de Transfusão. Em termos percentuais, osCentros são responsáveis por 45% das colheitas (± 150.000/ano)e os Hospitais por 55% (± 190.000/ano).Desde o início dos anos 80 até ao presente, as colheitas de san-gue passaram de cerca de 150.000 para 340.000/ ano. Comoresulta do exposto, retirar a colheita aos serviços hospitalaressignificará de imediato recuar aos níveis de há 20 anos num paísque, apesar do imenso esforço desenvolvido, ainda não atingiusegundo organismos internacionais o ratio desejável neste indi-

Colheita, análise, processamento,armazenamento e distribuição de sangue humano

Colegas que o entendam fazer, queenviem as suas sugestões, até ao pró-ximo dia 15 de Outubro para:Conselho Nacional Executivo da Or-dem dos Médicos: Av. Almirante GagoCoutinho, 151 - 1749-084 Lisboa [email protected]»

cador.Entende esta Direcção que a implementação da Directiva develevar em consideração as especificidades próprias de cada regiãono que respeita à dimensão geográfica, demografia e recursos.Mais, constituirá uma oportunidade para introdução na esferados Serviços Públicos de formas inovadoras de articulação entreinstituições - Centros Regionais e Hospitais - que poderão pas-sar por parcerias que possibilitem o aproveitamento da capaci-dade instalada das estruturas de colheita existentes nos hospitais,no respeito pelo espírito e a letra da Directiva.Considera-se essencial definir e assegurar os investimentos ne-cessários a realizar nos Centros Regionais de Sangue e Serviçosde Imuno-hemoterapia hospitalares, para o cabal cumprimentodos requisitos da Directiva.”

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8 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005

I N F O R M A Ç Ã OC N E

O Conselho Nacional Executivo, reuni-do em 31 de Maio, decidiu tomar a se-guinte posição:«O Conselho Nacional Executivo da Or-dem dos Médicos expressa a sua desilusãorelativamente ao mapa de vagas carenci-adas publicado recentemente no Diárioda República.São questionáveis o número e a distri-buição das vagas carenciadas, pelo que aOrdem dos Médicos solicita ao Ministé-rio da Saúde a divulgação pública dos cri-térios que presidiram à sua definição euma explicação coerente para o facto denão serem abertas vagas para todos osjovens especialistas.A estabilidade laboral e geográfica é es-

Apreciação do Conselho Nacional Executivosobre o mapa de vagas de carenciadas

sencial para o bom desempenho e dedi-cação do Médico, pelo que a Ordem dosMédicos apela para a definição de umanova política de contratações.As restrições de abertura de novos con-cursos para a função pública não podemser aplicadas aos Médicos, face às reco-nhecidas carências destes profissionais emmuitas instituições de saúde.A instabilidade profissional e a insuficiên-cia de meios humanos são factores queafectam muito negativamente a produti-vidade das instituições de saúde.Tem-se assistido ao paradoxo de, em al-gumas instituições de saúde, não seremrenovados contratos com profissionaisindispensáveis, que depois têm de ser

substituídos por outros que vão ser pa-gos em onerosas horas extraordinárias,agravando os seus custos de funciona-mento. A gestão inteligente do ServiçoNacional de Saúde obriga a uma equili-brada gestão de recursos humanos, o quenem sempre se tem vindo a verificar.Assim, recordando que o grande capitalde qualquer organização está nos seusrecursos humanos, a Ordem dos Médi-cos recomenda ao Ministério da Saúdeque encare com outro cuidado a coloca-ção dos jovens Médicos especialistas, emdefesa da qualidade dos cuidados de saú-de prestados aos cidadãos e da própriaefectividade de funcionamento do Servi-ço Nacional de Saúde.»

Foi decidido em CNE de 14 de Junho permitir a pré-inscriçãona Ordem dos Médicos dos alunos do 6º profissionalizante.Esta decisão insere-se na estratégia de aproximação que aOrdem dos Médicos entende ser benéfica para os alunos e ainstituição. Com esta medida, no ano em que começam a terum maior contacto com os doentes, os alunos poderão igual-mente optar por estabelecer uma ligação de proximidadecom a OM podendo assim beneficiar de várias iniciativas.Ir-se-ão realizar diversos debates sobre ética (analisandoquestões específicas da bioética como o consentimento in-

6º profissionalizante dá acesso apré-inscrição na Ordem dos Médicos

formado, a relação médico-doente, etc.), política de saúde,sistema de saúde, economia da saúde (nomeadamente análi-se do impacto a nível económico das decisões dos médicos),etc.Este contacto mais estreito com a Ordem dos Médicos tem,entre outros, o objectivo de permitir aos estudantes demedicina em fase final do curso terem um maior conheci-mento das diversas especialidades e respectivos atractivos,de forma a facilitar a sua escolha futura em termos de espe-cialização.

Foi decidido em CNE de 31 de Maio de2005, que se irá oficiar os Colégios daEspecialidade alertando para o cumpri-mento do artigo 7º, parágrafo 4 do Re-gulamento Geral dos Colégios das Es-pecialidades. Passamos a transcrever oconteúdo desse artigo:

Colégios das Especialidades - Assembleia Geral obrigatória

«Regulamento Geral dos Colégios dasEspecialidades(...)Art.º 7º - A Assembleia Geral ou Plená-ria do Colégio é constituída por todosos médicos inscritos no Colégio, em ple-no gozo dos seus direitos estatutários.

(...)Parágrafo 4 - A Assembleia Geral podereunir a nível nacional ou regional, reu-nindo obrigatoriamente nos seis mesessubsequentes à tomada de posse de cadanova direcção nacional da Ordem dosMédicos.»

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10 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005

1 - Nome completo: _____________________________________________________________

________________________________________________________________________________

2 - Nome Clínico: ________________________________________________________________

3 - Quer actualizar a morada que tem na Ordem?

3 - Nova morada: ________________________________________________________________

________________________________________________________________________________

4 - Telefone: ______________________ 5 - Telemóvel: _________________________________

6 - E-mail: _______________________________________________________________________

7 - Data de início do Internato:____________________________________________________

8 - Ano em que se encontra: ______________________________________________________

9 - Especialidade: ________________________________________________________________

10 - Estabelecimento e Serviço onde se encontra colocado: _________________________

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11 - Comentário geral à forma como está a decorrer o Internato: ___________________

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Enviar via Fax para: 218 427 199 ou para o E-mail: [email protected] ou por correio para:CNE - Av. Almirante Gago Coutinho, n.º 151 – 1749-084 Lisboa

Com o objectivo de conhecer melhor os Médicos Internos e as condições em que estáa decorrer o Internato, consubstanciando a política de contacto mais permanente comtodos os profissionais que a Ordem dos Médicos tem vindo a implementar, pede-se acolaboração de todos os Médicos Internos no preenchimento do breve questionárioque se segue e seu respectivo envio (por uma das vias indicadas a baixo).

Inquérito aos Médicos Internos

I N F O R M A Ç Ã O

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12 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005

I N F O R M A Ç Ã O

Por outro lado, no cumprimento dasua missão, como forma de envolverum leque alargado de médicos na de-finição e acompanhamento de assun-tos relevantes para a emergência mé-dica, e dando continuidade à iniciativada Secção Regional do Sul em 2004, a

Assembleias GeraisOs Regulamentos dosColégios de Especialidade,Secções deSubespecialidade eComissões de Competênciada Ordem dos Médicosdeterminam a realizaçãode Assembleias Gerais nosseis meses subsequentes àeleição dos novos CorposGerentes da Ordem dosMédicos.

Comissão de Competência em Emer-gência Médica (CCEM) decidiu acei-tar a proposta do Sr. Bastonário nosentido de assumir a organização deum Encontro Nacional de Trauma, des-ta vez em Coimbra e em colaboraçãocom a Secção Regional do Centro.O II Encontro Nacional “Trauma:Um Flagelo do Século XXI” terálugar nos dias 23 e 24 de Setembro,no Hotel Dom Luís.A manhã do dia 23, Sexta-feira, serádedicada a uma Mesa Redonda Na-cional subordinada ao tema “Con-sensos 2005”. O objectivo é obten-ção de consensos em torno da abor-dagem, tratamento e encaminhamen-to do traumatizado grave, na vertenteda gestão do doente e das instituições,com base na apresentação, por peri-tos reconhecidos, de um conjunto detemas relevantes. Constituem a popu-lação alvo todos os médicos interes-sados, com convite directo aos Direc-tores dos Serviços de Urgência detodo o País.À tarde, realizar-se-á a AssembleiaGeral da CCEM. Pretende-se pro-

mover um debate alargado da activi-dade da CCEM e de temas relaciona-dos com a emergência médica em ge-ral, nomeadamente o da especializa-ção em Medicina de Urgência e Emer-gência. A Assembleia será aberta aosinteressados mas apenas poderão vo-tar os inscritos na CCEM.A manhã do dia 24, Sábado, serádedicada, primeiro, a uma Mesa Re-donda Regional subordinada ao tema“Síndromes Compartimentais”.Pretende-se uma actualização de co-nhecimentos a partir da experiênciadas diversas Especialidades envolvidas,nomeadamente , Cirurgia Geral,Neurocirurgia, Ortopedia, CirurgiaVascular, Anestesia e Medicina Intensi-va. Terminará com uma Conferênciasubordinada ao tema “AspectosMédico-Legais do Trauma”.

António MarquesCarlos Mesquita

Paulo Freitas

O programa detalhado é o que se se-gue:

II ENCONTRO NACIONAL “TRAUMA: UM FLAGELO DO SÉCULO XXI”Coimbra, 23 e 24 de Setembro de 2005

ORDEM DOS MÉDICOS – SECÇÃO REGIONAL DO CENTRO COMPETÊNCIA EM EMERGÊNCIA MÉDICA

PROGRAMADIA 23 DE SETEMBRO, SEXTA-FEIRA

09.00 - SESSÃO DE ABERTURA09.10 - 13.00 MESA REDONDA NACIONAL -CONSENSOS EM TRAUMA 200509.10 - ABORDAGEM NO SAP• Vítor Almeida / João Quadrado (moderador)09.40 - ABORDAGEM PRÉ HOSPITALAR – TRIA-GEM E ENCAMINHAMENTO• Nelson Pereira / Rui Silva (moderador)10.10 - REDES DE REFERENCIAÇÃO• Jorge Mineiro / António Marques (moderador)10.40 - INTERVALO11.10 - ORGANIZAÇÃO E RESPOSTA NA SALADE EMERGÊNCIA• Rui Araújo / João Paulo Almeida e Sousa (mode-rador)11.40 ESTABILIZAÇÃO DO TRAUMATIZADOCRÍTICO

• Jorge Teixeira / Paulo Freitas (moderador)12.10 - TRANSPORTE SECUNDÁRIO DE DOEN-TES• Humberto Machado / Jorge Pereira (moderador)12.40 - SUMÁRIO “STANDARDS EM TRAUMA” -RECOMENDAÇÕES• Salvador Massada (relator)13.00 - ALMOÇO

15.00 - 18.00 ASSEMBLEIA GERAL DA COMPE-TÊNCIA EM EMERGÊNCIA MÉDICA

ORDEM DE TRABALHOS:

1. Informações2. Especialização em Medicina de Urgência• Conferência: Kevin Mckway Jones• Debate: Prós / Contras, Especialidade / Subespe-cialidade

DIA 24 DE SETEMBRO, SÁBADO

09.00 - 12.20 MESA REDONDA REGIONAL -SÍNDROMES COMPARTIMENTAIS09.10 - EM CIRURGIA GERAL• Luís Filipe Pinheiro / Augusto Moreira (modera-dor)09.50 - EM NEUROCIRURGIA• José Cavaleiro / Valdemar Marques (moderador)10.30 - INTERVALO11.00 - EM CIRURGIA DOS MEMBROS• Rui Dias/Óscar Gonçalves (moderador)11.40 - NA PERSPECTIVA DO INTENSIVISTA• Paula Casanova / Carlos Seco (moderador)12.20 - 12.50 CONFERÊNCIA - ASPECTOSMÉDICO-LEGAIS DO TRAUMA• Francisco Corte-Real

12.50 - SESSÃO DE ENCERRAMENTO

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14 Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005

I N F O R M A Ç Ã OSecção Regional do Sul

Inscrições limitadas.As inscrições para os passeios iniciam-se um mês antes da datados mesmos – Vale de Alvados e Fórnea da Velha a partir de 11de Agosto.Taxa de inscrição: 5 euros. As inscriçõessó serão confirmadas após o pagamentodo valor de inscrição que deverá acon-tecer até 4ª feira anterior à data do pas-seio. No caso de isso não se verificar oparticipante perderá o lugar de reserva.Em caso de desistência, os participantesdeverão avisar a SRS até à 4ª feira anteri-or à data do passeio de modo a que lhesseja restituído o valor de inscrição. Casonão o façam dentro do prazo referido,perdem o direito à devolução do valor da inscrição e à inscriçãono próximo Passeio.Informações e Inscrições na Secção Regional Sul ou pelotelefone 21 842 71 00 (Teresa de Sousa).

Informações DetalhadasPasseio Pedestre “Vale de Alvados e Fórnea da velha”

Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros11 de Setembro de 2005

Organização: Secção Regional SulColaboração: Conselho Nacional do Médico InternoLocal de encontroEntrada da igreja de Alvados – 10 H.Como ir lá terLisboa (A1) > Saída Torres Novas (Placa A123) > Direcção Par-que Natural / Moitas Venda > Mira de Aire / Minde, estrada Naci-onal 243(Direcção Porto de Mós) - Desvio aldeia de Alvados (Siga osciprestes até ao local de encontro).ProgramaInclui :1 Passeio pedestre de grau moderado (aprox. 5h/ cerca de 12Km aprox.); guia-de-campo, acompanhamento de 1 guia Papa--Léguas durante todo o percurso, informações histórico-científi-cas, seguro, oferta de 1 café SICAL.Não inclui:Alimentação e transporte até ao local de encontro.Memória DescritivaIniciamos o percurso através de um frondoso carreiro rural, uti-lizado pelos locais para a ligação entre a sua pacata aldeia e os járaros campos agrícolas do parque natural...oliveiras, castanhei-ros e carvalhos centenários, derradeiros testemunhas da mata

Passeios Pedestres 2005A Secção Regional Sul da Ordem dos Médicos propõe aos Médicos e suas famílias um programa de passeios

pedestres pelas mais belas paisagens de Portugal. Trata-se de uma oportunidade única de estar em pleno contacto coma natureza, usufruir da tranquilidade que esta proporciona e de participar num saudável convívio entre colegas.

11 de Setembro – “Vale de Alvados e Fórnea da Velha”– Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros

Organização: Secção Regional Sul

devastada, abraçam um caminho estreito e labiríntico, emoldura-do por dezenas de metros de muros de pedra (chousos), quecompartimentam a paisagem, criando enigmáticos desenhos quan-

do observados do alto de uma encosta.Quem achar a saída será recompensadocom um cenário habitual de áreas mon-tanhosas de maiores dimensões... apare-ce-nos um extenso e larguíssimo vale.Percorreremos esse vale onde o silên-cio impera, sendo apenas desafiado pelopiar agudo de uma ou outra gralha-de--bico-vermelho. Após pausa para meren-dar, iremos ter a oportunidade de obser-var todo o percurso percorrido até en-tão... as vistas são soberbas! O majesto-

so vale espraia-se na paisagem, sendo certamente uma das paisa-gens mais espectaculares dos passeios da nossa terra que a Papa--Léguas organiza. Descendo a encosta até ao Polje de Alvados,sempre com um esplêndido panorama sobre as regiões do par-que natural, chegamos ao ponto culminante do nosso passeio.Uma vigorosa depressão forma um espectacular anfiteatro natu-ral com várias centenas de metros de altura, a que os locaisapelidaram de Fórnea da Velha. Após um merecido descanso, par-tiremos entre tranquilos campos de oliveiras até ao local ondedeixamos as nossas viaturas.Distância: cerca de 12 Km aprox.Duração: cerca de 5 horas aprox.Declives: 1 subida ligeiramente acentuada, desníveis acumulados156m.Dificuldade: ModeradoTipo de terreno: Corta-mato em chão de pedra, estrada emterra batida, trilho estreitoPatrimónio NaturalMaciço Calcário Estremenho (formações cársicas: algares, dolinas,lapiás, entre outras), Planalto de Sto. António e depressão deAlvados; formações de carvalho-cerquinho (Quercus Faginea),olival e estratos arbustivos de garrigue (carrascais e outros ma-tagais de aspecto uniforme; fauna e avifauna da região.Património EdificadoAldeia de Alvados; muros de pedra (chousos); eiras, cisternas,cercas e terrenos para albergar gado.Património EtnológicoLendas da região; festas e romarias das aldeias serranas; artesa-nato e costumes locais; origens toponímicas.EquipamentoCalçado confortável e com sola aderente. Roupas leves, chapéu,protecção para as intempéries. Pequena mochila de dia com al-guns víveres e 1,5 L de água. Máquina fotográfica e binóculos.

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A C T U A L I D A D E

Realizaram-se no dia 18 de Junho ascomemorações do Dia do Médico,pela primeira vez de âmbito nacio-nal, tendo o discurso de abertura fi-cado a cargo de José Pedro Moreirada Silva, presidente do ConselhoRegional do Norte da Ordem dosMédicos. Nesta efeméride foramatribuídos o «Prémio Daniel Serrão2005» à médica Sílvia Marta de Ara-

Dia Nacional do Médicoújo Oliveira e o «Prémio Corino deAndrade 2004» a José Maria Moreira,director de serviços da Secção Re-gional do Norte da Ordem dos Mé-dicos. Na cerimónia, que contou coma actuação do Grupo Coral do Cen-tro de Saúde dos Carvalhos, foi tam-bém atribuída a Medalha Evocativaaos médicos com 25 e 50 anos deinscrição na Ordem dos Médicos.

O discurso de Pedro Nunes, presi-dente da Ordem dos Médicos, en-cerrou as comemorações deste Diado Médico.De seguida, transcrevem-se os discur-sos do presidente do Conselho Regio-nal do Norte da Ordem dos Médicos,do galardoado com o «Prémio Corinode Andrade 2004» e o discurso de en-cerramento do bastonário da OM.

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A C T U A L I D A D E

José Pedro Moreira da Silva

Caros colegas

Estamos aqui hoje 18 de Junho para comemorar pela7.ª vez o “Dia do Médico”, na data da promulgação doestatuto desta Ordem Profissional.Este ano para nós, Secção Regional do Norte, a come-moração tem um alcance mais importante, uma vez queestamos de parabéns.Conforme tínhamos prometido durante a campanhaeleitoral, fizemos uma consulta aos médicos desta Sec-ção Regional, sobre o texto que sugerimos sobre o actomédico. Esta consulta transformou-se num êxito, poisobtivemos o maior número de votos alguma vez entra-do durante uma eleição, (cerca de 4000 votos) o quesignifica que os médicos perceberam o alcance da per-gunta e esmagadoramente, votaram SIM.

Durante esta comemoração vamos proceder à entregado Prémio “Daniel Serrão” que contempla o melhoraluno/a, neste caso aluna, de Medicina das duas Facul-dades de Medicina (a FMP e o ICBAS).O Prémio irá ser en-tregue pelo Sr. Basto-nário à Colega SílviaMarta Araújo Olivei-ra da Faculdade deMedicina do Porto.É sempre uma gran-de honra poder estarpresente e participarnuma cerimónia quepremeie o esforço ea aquisição de conhe-cimentos ao longo deseis anos, assim coro-ada de êxito.

Estamos aqui hojetambém para a entrega do Prémio “Corino de Andrade”.Quis o destino que o Professor Doutor Corino deAndrade falecesse na 6ª Feira passada e ponderamos ahipótese de adiar a atribuição deste Prémio, mas tam-bém logo nos pareceu que a melhor maneira de home-nagear o Homem, o Médico e o Cientista, era prosse-guir com esta atribuição.Os grandes homens não necessitam de grandes elogi-os, até porque a obra e a vida do Professor DoutorCorino de Andrade demonstra-se por si no tempo enos tempos.Personagem destinada a ombrear com o Professor Dou-tor Egas Moniz, Prémio Nobel da Medicina, o ProfessorDoutor Corino de Andrade é credor da mais profundaadmiração e respeito dos Médicos, dos Portugueses, dos

Doentes e das Famílias que serviu ao descobrir a doençaque lhe copia o nome.

Também a figura do premiado o Sr. José Maria Moreiraé uma personagem por nós tão conhecida como queri-da.Poder-se-á dizer, até com uma ponta de inveja, que o Sr.José Maria Moreira é mais conhecido da generalidadedos médicos do que o Presidente e os membros doCR.O Sr. José Maria Moreira com quem trabalho mais deperto há cerca de seis anos e meio é urna figura incon-tornável desta Secção Regional.É por ele, que quase todos os assuntos passam, e é porele, que também a grande maioria dos médicos, de vári-as gerações, têm “passado”.Homem de grande dedicação à Ordem dos Médicos,que vive, atrevo-me a dizer, mais para a causa dos mé-dicos do que às vezes para a sua própria família.Sem a sua abnegação, sem o seu querer, e é por vezesdifícil compreender como consegue apresentar o ser-viço sempre em dia, responder de maneira eficiente eeficaz às várias solicitações que lhe são colocadas.

Pensamos por issoque atribuição doPrémio Corino deAndrade é mais quejusta e só peca, portardia.É para mim umagrande honra poderestar aqui presentecomo Presidente doConselho Regional epor ter sido só ago-ra possível atribuireste Prémio, que éde 2004, para issovou pedir, ao anteri-or Presidente do CR

e meu grande amigo Miguel Leão que lhe entregue oPrémio.Também estamos aqui hoje e pela 5.ª vez a atribuir asmedalhas comemorativas dos 50 e 25 anos de inscriçãona Ordem dos Médicos aos colegas da Secção Regionaldo Norte que perfizeram estes anos de inscrição.Estamos todos aqui juntos a comemorar este feito eassim a dar um maior brilhantismo e simbolismo aoDia do Médico.Não vos vou maçar mais com palavras e vamos passaraos actos, que está mais de acordo com a minha manei-ra de estar e pensar.Muito obrigado pela vossa paciência, por terem vindoaté cá num dia de sol e calor, num Sábado, a 18 de Ju-nho, dia de todos nós.

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A C T U A L I D A D E

José Maria Moreira

• Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Nacional Executivoda Ordem dos Médicos• Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia Regional do Norteda Ordem dos Médicos• Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Regional do Norte daOrdem dos Médicos• Ex.mo Senhor Prof. Doutor Daniel SerrãoIlustres ConvidadosGostaria de saber exprimir toda a alegria e felicidade que mevão na alma, ao receber tão alta distinção mas, para tal, faltam--me em absoluto, “engenho e arte”.Receber um prémio atribuído pela Secção Regional do Norteda Ordem dos Médicos é, já por si, uma honra da qual não meconsidero merecedor. Mas, receber um prémio que perpetua amemória de um Médico e investigador de tão elevado mérito,como foi o Excelentíssimo Senhor Professor Doutor Corinode Andrade, deixa-me estupefacto, de voz embargada e sempalavras.De facto, ao longo dos meus 49 anos de serviço nesta Casa,limitei-me a cumprir as minhas obrigações, trabalhando comafinco, tentando dar o meu melhor, servindo com lealdade asvárias Direcções que foram sendo escolhidas pelos Médicos doNorte, pois essa era a sua vontade e esse o meu dever. Comalguns dos Médicos que me dirigiram aprendi mais do que comoutros, com alguns foi mais fácil trabalhar e evoluir. A todosestou muito grato pois, a minha progressão desde paquete atéao lugar que hoje ocupo, está muito marcada pelo que, comtodos, aprendi.Aos Colegas que comigo trabalham ou trabalharam, o muitoobrigado por me terem ajudado a chegar até aqui.

Muito obrigado aos Médicos do Norte por esta tão grandedistinção. Só tive como merecimento procurar servi-los até aolimite das minhas forças, procurando assim que, para o exercí-cio da sua profissão, não precisassem preocupar-se com osimbróglios burocráticos.

Muito obrigado e a certeza de continuar a ser o mesmo.

Pedro Nunes

Meus caros colegas

Hoje é um dia especial. Um dia vivido com sentimentosdivididos de amargura e alento.

É o dia em que acompanhámos pela última vez um dosmaiores, senão mesmo o maior vulto da Medicina Portu-guesa desde Amato Lusitano – o Professor Corino deAndrade. Entendo que os grandes homens não nos aban-donam. Simplesmente retiram-nos o privilégio da sua pre-sença e transformam-se em referências que nos guiamnos caminhos da nossa vida.

Comecemos este acto solene da comemoração do dia domédico com um momento de reflexão – um minuto desilêncio em memória de um grande médico que a partirde hoje só visitaremos na memória dos que tiveram oprivilégio de beber da fonte do seu saber.

Venho hoje, neste 18 de Junho de 2005, pela primeira veza este auditório comemorar com os colegas desta SecçãoRegional o Dia do Médico.Pela primeira vez este ano a Ordem comemora este diaem termos nacionais. Foi uma decisão recente que nãopermitiu dar-lhe a evidência que os médicos, que ele lem-bra, mereceriam.

Para o ano, com adequada preparação talvez a data per-mita lembrar à Sociedade Portuguesa os seus Médicos. Omuito que diariamente eles contribuem para o bem estarde todos. A enormidade da tarefa e do sacrificio que dia-riamente se lhes pede e a forma empenhada, abenegada,disponível e discreta como eles a desempenham.

Comemorar este dia na casa que o Conselho Regional doNorte administra tem, para mais, um simbolismo particu-lar. É, importa dizê-lo, um acto de inteira justiça. Foi esteConselho Regional que, ano após ano, sob a presidênciade Miguel Leão, insistiu numa comemoração que outrosviam como dispensável, instituindo hábitos que se foramenraizando como a atribuição de medalhas aos médicosque completam 25 e 50 anos de permanência na sua Or-dem, o prémio Corino de Andrade, ou o prémio ao licen-ciado mais bem classificado das Faculdades de Medicinado Porto, que toma o nome de outro grande médico –Daniel Serrão.

Tais iniciativas impuseram-se com o tempo. Ano após anoas outras Secções Regionais foram tomando idênticas ini-ciativas e a partir de hoje formatam o que passa a ser umadata maior na vida da nossa organização.É o exemplo do que de positivo comporta o regionalis-mo. Permite a expressão do individual, do específico e

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A C T U A L I D A D E

particular, da diferença que a nossa identidade nos vin-cula como cultura.

Quando algo que até aí era só nosso é absorvido pelacomunidade maior em que nos inserimos então o seu má-ximo objectivo foi atingido. A vocação do particular é fazer--se grande e tornar-se uma parte do Universo. Se porextremismo no conceito, se por medo da imensidão domundo que visto da nossa pequena torre parece um mardesértico, se por incapacidade de nos elevarmos à alturaque realmente temos, se por quaisquer destas ou outrasignoradas e não assumidas razões quisermos que a nossapequena aldeia continue a ser só nossa então condenamo--nos ao que de mais redutor tem o campanário...

Porque o regionalismo quando mal compreendido temtambém essa face feia. A face do que é mesquinho, do quenos divide, das pequeninas políticas inconsequentes doquem é quem...

Não foi isso que,felizmente, aconte-ceu neste caso.Como garante quesou que a Ordemé uma única e na-cional, o estar aqui,hoje, é testemunhoque tal jamais po-deria acontecerentre médicos.

Os médicos pornatureza do seupapel na sociedadenão se contêm empequenos espaços.De Amato Lusita-no nascem em Castelo Branco para se deixar morrer emRagusa após curarem mendigos e Papas. De Hipócratesnão temem de ser apodados de arrogantes e postulamcomportamentos intemporais e de observância universal.

Os médicos pela natureza da sua função, pelo número devezes que imperceptivelmente tocam o infinito onde resi-de a vida, o sofrer e o ser feliz. Os médicos porque me-lhor que quaisquer outros conhecem a fragilidade doHomem, porque melhor que quaisquer outros sabem quãovãs são as transitórias glórias do mundo, os médicos têmda vida a larga visão que só é dada a quem é grande.

Mas não tenhamos ilusões, como todos os que se distin-guem somos o alvo preferencial dos que não tiverem gran-deza ou dimensão.Sobre nós incidirão os cobiçosos olhos dos que na co-

municação social não hesitarão em difamar-nos, a fazer“rankings” para vender lixo travestido de jornalismo,em insinuarem escândalos onde só existe o vazio dasua ignorância.

Sobre nós incidirão os olhos miopes dos políticos semforça, conhecimento ou lucidez. Sobre nós tentarão oexercício acrítico do poder dos pequeninos chefes nummundo cada vez mais carente de verdadeiros lideres eestadistas.

É porque essa é a realidade que sempre nos acompanharáque nunca pactuaremos com a divisão. É porque o risco égrande que a Ordem estará sempre firme, unida e dispo-nível. É porque o risco é grande e o nosso compromissocom os médicos total que não hesitaremos em afastar denós todos os que acima de tudo coloquem os seus inte-resses pessoais mas também não hesitaremos em chamar

a nós todos osque quiserem par-tilhar este cami-nho comum.

Sr. José Maria, aoreceber o prémioque a Secção Re-gional do Nortetão merecidamen-te lhe outorga,aceite-o em nomede todos os fun-cionários que deBragança a PontaDelgada colabo-ram com esta casaque é dos médi-cos mas que hojeé também vossa.

Meu caro colega que hoje começa esta difícil caminhadacom a pesada responsabilidade de ser o melhor classifica-do do seu curso. Lembre-se que o exercício da Medicinaé um caminho árduo em que as vitórias não são mais,quantas vezes que o prenúncio e o início das derrotas.Habitue-se a esse sabor amargo, guarde a memória destedia de júbilo para os dias de desânimo e conte semprecom todos nós, seus naturais companheiros de caminho...

Meus caros colegas que connosco hoje comemoram mar-cos miliares de uma caminhada que ainda ontem começa-ram. Agradeço-lhes terem aplanado o caminho que per-corri. Agrdeço-lhes a honra que me deram de poder es-tar aqui, hoje, a falar em vosso nome. Espero que a mo-déstia das minhas palavras possa ter transmitido um pou-co da grandeza dos vossos sentimentos...

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Enfermeira Maria Augusta SousaBastonária da Ordem dos Enfermeiros

Devíamos adoptar a perspectivado cliente como parceiro de cuidados

Revista da Ordem dos Médicos –No dia 12 de Maio celebrou-se o DiaInternacional do Enfermeiro. Poderiafalar um pouco das temáticas que fo-ram abordadas?Maria Augusta Sousa - O dia 12 deMaio é uma data de referência histó-rica para a profissão de enfermagem.Todos os anos o Conselho Internaci-onal define uma temática e este anoescolheu-se a questão da falsificaçãode medicamentos. Essa realidade, nãomuito significativa em Portugal, é, noentanto, preocupante a nível mundial,tendo sido reconhecido pela própriaOrganização Mundial de Saúde as im-plicações que o fenómeno tem para asaúde dos cidadãos. Os enfermeirosnão podem ficar alheios a esse facto,independentemente de nos seus paí-ses haver maior ou menor identifica-ção da situação. A equipa de saúde tem

uma responsabilidade própria no quediz respeito ao acompanhamento e vi-gilância terapêutica, na identificação deeventuais sintomas adversos, do seuregisto e comunicação. Temos a noçãode que nalguns países essa problemá-tica tem uma relevância profunda e quea falsificação é muito frequente. EmPortugal entendemos que deveríamosaproveitar este momento, por um lado,para alertar para a realidade interna-cional e, por outro, para realçar a res-ponsabilidade dos enfermeiros na vi-gilância terapêutica, desde a verifica-ção da dose que se administra até aoalerta para situações de prescriçãomenos clara.

ROM - Concorda que é fundamentalque actos específicos sejam praticadospor quem para eles é qualificado?Como enquadra neste contexto uma

Maria Augusta Sousa, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, considera que asrelações entre a profissão de enfermagem e a profissão médica têm evoluídopositivamente ao longo dos anos, tal como têm evoluído as próprias relaçõesentre as Ordens. Nesta entrevista, falou-nos da forma como vê os profissionaisde enfermagem, as suas motivações e dificuldades, da criação da figura doenfermeiro de família e forma de actuação do mesmo, da importância dadefinição dos actos de cada profissão e do conceito que defende dever seraplicado – cliente como de parceiro de cuidados – à pessoa que entra emcontacto com os profissionais de saúde. Uma entrevista em que a bastonária daOrdem dos Enfermeiros deixou transparecer a sua postura de diálogo e devontade de «percorrer o caminho», em colaboração com as mais diversasentidades e com os outros profissionais, necessário ao cumprimento do mandatosocial que reconhece às profissões da área da saúde: um mandato que impõe aresponsabilidade de pugnar pela melhoria dos cuidados prestados.

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eventual delegação, orientação e su-pervisão e responsabilidade no que serefere a esses actos quando pratica-dos por pessoas não qualificadas?M. A. S. - Os enfermeiros podem de-legar tarefas, não actos. É uma delega-ção efectuada em pessoal devidamen-te formado para tal e sob a sua res-ponsabilidade funcional directa. É dis-tinto delegar um acto de uma tarefa:ao delegar num auxiliar de acção mé-dica a execução de um banho não es-tou a delegar a intervenção global dahigiene, que implica mais do que omero banho. A responsabilidade últi-ma pela intervenção global é do en-fermeiro. Seja qual for a complexida-de do acto em causa, estamos a falarde cuidados terapêuticos, de exigênci-as de observação, de estimulação. É opermitir que a pessoa possa desenvol-ver ao máximo a potencialidade de as-sumir a sua própria recuperação. Istotem que ser um acto profissional e umacto profissional só pode ser pratica-do por quem o sabe fazer, não podeser feito por quem não tenha o domí-nio destas vertentes.

ROM – Algo que é válido para qual-quer profissão da área da saúde...M. A. S. – Sim, claro. Para mim isto éválido para nós enfermeiros como paraoutros profissionais. Nomeadamentequando um médico faz uma prescriçãoterapêutica, o enfermeiro tem a res-ponsabilidade de a ministrar, tem queter conhecimentos técnicos para o fa-zer correctamente e capacidade paraavaliar, mas não para alterar a terapêu-tica. O enfermeiro é o responsável di-recto pela administração, não existin-do aqui delegação. No trabalho correc-to de complementariedade dos váriosprofissionais, se o enfermeiro, na ob-servação dos efeitos e implicações da-quela administração, detectar aspectosque lhe parecem não correspondernaquele momento exacto à situação dapessoa a quem se administra a tera-pêutica tem a obrigação profissional decomunicar a quem fez a prescrição.

ROM - Como analisa especificamentea questão da definição do acto médico?

M. A. S. – A questão da definição dosactos de cada profissão é uma ques-tão recorrente. Especificamente quan-to à questão que coloca, a minha posi-ção é muito clara: considero que emrelação às questões específicas domédico os enfermeiros não têm queintervir. Tal como considero que osmédicos não têm que intervir nas nos-sas questões específicas. As Ordenstêm a responsabilidade da regulaçãoprofissional, portanto, a OM tem todaa legitimidade para procurar aregulação que considere correcta re-lativamente à profissão médica. Mas,tal como na definição que temos quefazer relativamente ao que são as in-tervenções dos enfermeiros devemosfazê-lo na estrita medida e alcance da-quilo que tem a ver com os cuidadosde enfermagem, no que diz respeito àdefinição de acto médico deveráencontrar-se uma definição no âmbi-to exclusivo da prática profissional damedicina. É neste contexto que às ve-zes é mais difícil encontrar a formacorrecta de construir um articuladojurídico que garanta efectivamente estaconcepção. Facilmente, seja que gru-po profissional for, pode-se recairnuma definição jurídica de uma abran-

gência tal que delimita e limita aquiloé o global da intervenção dos váriosprofissionais na saúde dos cidadãos. Éneste âmbito que se tem que ponde-rar. Não posso, não quero e não te-nho nada a opor quanto à definiçãodo acto médico mas, naturalmente, noque cabe aos enfermeiros deveremosser nós a definir. Sei que esta é umadas preocupações do Senhor Basto-nário da Ordem dos Médicos para estemandato e da minha parte haverá todaa disponibilidade para contribuir paraque se acautele a possibilidade de umadefinição vir a interferir com outrasáreas, neste caso com a enfermagem.Se houvesse uma definição menos cla-ra, quem sairia prejudicado não eramos médicos nem os enfermeiros, massim os cidadãos. O objectivo é clarifi-car e para isso é preciso respeitar oâmbito e autonomia da intervenção es-pecífica de cada profissional. A inter-venção específica daquilo que é o exer-cício profissional da medicina é paranós claro, não deixa margem para dú-vidas e acredito que conseguiremosum espaço de diálogo em que pode-remos todos contribuir, cada um nasua responsabilidade própria natural-mente.

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enfermeiro sejam os cuidados que seprestam. As intervenções destas duasprofissões são pilares fundamentaisnos cuidados de saúde. Considero umprivilégio médicos e enfermeiros po-derem trabalhar juntos. É certo quepoderá haver algumas situações demaior ou menor conflitualidade masisso tem a ver com determinados com-portamentos pontuais que podemocorrer em ambas as profissões. Tra-dicionalmente havia a concepção deque os cuidados de saúde eram ape-nas os cuidados médicos, o evoluir des-se conceito no sentido de uma maiorabrangência é muito positivo.

ROM - E as relações entre as duasOrdens? Concorda que tendo em con-ta que as duas instituições defendem,em primeira instância os interesses dosdoentes, há questões em que aconcertação é importante?M. A. S. – As relações entre as Or-dens têm também evoluído positiva-mente. Estão projectadas reuniõesentre os Colégios da Especialidade daOM e as nossas Comissões da Especi-alidade, nomeadamente na área doscuidados primários, entre o Colégioda Especialidade de Medicina Geral eFamiliar e a nossa Comissão de Cui-dados Gerais e Enfermagem Comuni-tária. As duas Ordens devem assumirperante os cidadãos a sua responsabi-lidade essencial de garantir a promo-ção da qualidade dos cuidados, a OMdos cuidados médicos e a OE dos cui-dados de enfermagem. Estou convictade que há muito mais questões a con-certar do que a «desconcertar». Ecomo estou convicta disto, creio queestamos no bom caminho. Os cami-nhos fazem-se andando e é um bompresságio que as duas Ordens já este-jam a percorrer esse caminho. O se-nhor bastonário da Ordem dos Médi-cos tem tido este papel importante aoprocurar a aproximação de posições.

ROM - Enfermeiro de família e médi-co de família são, naturalmente, for-mas de intervenção diferentes e com-plementares. Poderia falar-me um pou-co desse conceito de cuidados?

M. A. S. – O conceito de enfermeirode família tem a ver com a questãocentral das necessidades de respostaglobal em cuidados de saúde aos cida-dãos. Essa resposta global passa poruma unidade própria que é a família,enquanto conjunto de pessoas que es-tão próximas e partilham o mesmoespaço e não o conceito de família tra-dicional. Ainda que exista um campode actuação comum aos dois profis-sionais, entendemos que a organiza-ção deverá permitir uma melhor ren-tabilização dos recursos existentes. Omédico de família continuará a ter asua lista de utentes, que poderão ounão viver na mesma casa, desde queseja na mesma área de abrangência ge-ográfica do Centro de Saúde.

ROM – Nesse contexto, que tipo deactuação complementar cabe ao en-fermeiro de família?M. A. S. – Para uma organização do tra-balho que garanta uma resposta eficaznas duas vertentes - acompanhamentoe continuidade dos cuidados - é neces-sário que para o enfermeiro de família aunidade de referência, mais do que osutentes, tenha que ser o número de fa-mílias. Só assim se poderá garantir acomplementariedade com o trabalhodos médicos e técnicos de outras áreas- pois os problemas que se podem iden-tificar nas famílias podem implicar ne-cessidade de outros recursos que nãoapenas os cuidados médicos.Entendemos que o enfermeiro temtodas as condições para ser essa figurano seio dos cuidados de proximidade.Caber-lhe-ia então assegurar, no localonde as pessoas vivem, um acompanha-mento que vai para além da consultade vigilância ou da consulta médica. In-seridos no espaço vital das famílias, osenfermeiros poderão efectuar uma pre-venção atempada de diversas situações.Poderão ter ainda um papel fundamen-tal como elemento de ligação com ou-tros profissionais e estruturas e é issoque se pretende: se no espaço onde aspessoas vivem, e onde o enfermeiro defamília foi tratar, por exemplo, de umidoso, mas detecta que há uma criançade sete anos e devia estar na escola

ROM - Como define a actual relaçãomédico/enfermeiro e como foi a suaevolução?M. A. S. - Sendo as profissões cujacomplementariedade da intervenção éindiscutivelmente essencial para oscuidados de saúde a que os cidadãostêm direito, tenho uma avaliação mui-to positiva. A relação histórica nemsempre foi assim mas a evolução nor-mal permitiu que se estabelecesse comclareza como é que cada um contribuina sua especificidade para a melhoriada saúde dos cidadãos seja na doença,na promoção ou na prevenção. Consi-dero que hoje há uma relação maisparitária em termos de entendimentode profissões. Esta evolução foi muitoimportante pois quem beneficia delaé o cidadão, e não uma profissão ououtra, pois permitiu que o centro dequalquer abordagem entre médico e

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mas que não vai. O profissional terá queperceber o que se passa pois ninguémirá ajudar essa criança se não houveruma intervenção. Será necessário per-ceber se há uma problemática de in-serção social ou algum factor relacio-nado com a saúde. Só estando no localserá possível perceber e encaminhar si-tuações deste tipo, pois essa criança po-derá nunca ser levada a uma consultamédica.Não há aqui qualquer repetição de in-tervenções, o que há é rentabilização

do que cada profissional pode dar comoresposta às necessidades daquelas fa-mílias. O que temos é que encontraruma forma organizacional de base quepermita melhorar a rentabilidade.ROM – Que tipo de organização lheparece adequada?M. A. S. – Como queremos ter essavisão global, é essencial que a organi-zação dos enfermeiros seja por núme-ro de famílias e não por número deutentes. Haverá sempre contacto como médico e coordenação das unida-des com o Centro de Saúde. Entende-mos que deverão existir equipas deenfermagem por áreas, a quem sejaatribuído um determinado número defamílias. Cada equipa terá que se or-ganizar de forma a garantir que du-rante as 24 horas essas famílias tenhama quem recorrer sempre que preci-sem, sem precisarem de recorrer ime-diatamente ás urgência dos hospitais.Ao enfermeiro caberá verificar se énecessário ir ao hospital ou chamarum médico. É possível fazê-lo de umaforma muito mais articulada e se aper-feiçoarmos devidamente o sistema po-deremos ter um nível de resposta jun-to da comunidade que não existe nes-te momento. Os centros de saúde sãouma referência mas não o localprioritário de estar e esta é uma dife-rença importante relativamente aolocal onde os cuidados de enferma-gem seriam prestados. Em relação acertos aspectos o funcionamento é emtudo semelhante ao que sucede nohospital onde asseguramos os cuida-dos de enfermagem de que necessi-tam os doentes, asseguramos a rela-ção com os médicos que é necessáriapara o desenvolvimento dos cuidadose asseguramos a continuidade dosmesmos. A continuidade é muito im-portante se tivermos, como devemos,como centro da actuação a ideia depermitir que a pessoa possa desenvol-ver por si própria capacidade para fa-zer face aos seus problemas de saúde.O enfermeiro de família pode trazerum nível de resposta que estáidentificada como necessária, sem en-trar em nenhuma incompatibilidade ouem qualquer lógica de competitivida-

de. Cada profissional tem que pôr oseu saber ao serviço da comunidadepois é para isso que existimos.

ROM – Como analisa a forma comose vive a profissão de enfermagem emtermos de vocação?M. A. S. - A discussão da vocação émuito complicada. Tenho a noção exac-ta de que, como em outras profissões,temos enfermeiros que entendem a es-sência da sua prática e outros que não.Há bons e maus profissionais. Mas numaanálise global temos bons enfermeiroscapazes de pôr em prática projectosprofissionais. Não há que escamoteardificuldades e não devemos esconderque nem sempre esta disponibilidadeexiste. Mas devemos ter a noção quetemos enfermeiros muito desgastados,com um cansaço intrínseco ao facto deterem que lutar por condições que fal-tam, por coisas mínimas que não têm,pela luta contra decisões por vezes ir-racionais que se tomam nos serviços.Exemplo disso é o facto de, tendo pou-cos enfermeiros especialistas, a formacompletamente irracional como os uti-lizam. Estas decisões com ausência dediálogo conjunto sobre prioridades sãodifíceis de gerir. Há problemas de pla-nificação e tem que se perceber que asprioridades têm que ser definidas emconjunto. Nem sempre os enfermeirosse sentem participantes nas decisõesque se tomam nas organizações, sendoportanto confrontados com situaçõesem que têm a noção exacta que nãovão existir condições para garantir aqualidade dos cuidados que vão ter quedesenvolver. Sinto que, mesmo nessescasos, os enfermeiros continuam a fa-zer o seu melhor mas a desmotivaçãoé inevitável. Apesar de todas as dificul-dades, considero que quem fica na pro-fissão é porque descobriu que valia apena exercê-la. Em termos europeusdevemos ser dos países que tem me-nos abandono profissional e isso é sig-nificativo especialmente se tivermos emconta que muitos enfermeiros tiraramoutros cursos. Há em Portugal níveisde satisfação seguramente superioresaos dos outros países. Quando me re-firo ao projecto do enfermeiro de fa-

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E N T R E V I S T A

Algumas Notas BiográficasMaria Augusta Purificação Rodrigues de Sousa,enfermeira, Bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

• Formou-se em enfermagem na Escola Superior deEnfermagem de Artur Ravara em 1968 – CursoGeral de Enfermagem;• Terminou o curso de Especialização e Enferma-gem de Saúde Mental e Psiquiátrica em 1992, naEscola Superior de Enfermagem Maria FernandaResende;• Possui uma pós-graduação em Sociologia deSaúde pelo Instituto Superior de Saúde;• É licenciada em Enfermagem, tendo terminado oComplemento de Formação em 2003 na EscolaSuperior de Enfermagem Caloust Gulbenkien deLisboa.Trabalhou:• No Hospital de São José na Maternidade de SantaBárbara;• No Hospital dos Capuchos, em Medicina sendo oHospital a que pertence com a categoria deEnfermeira EspecialistaFoi Coordenadora do Sindicato dos Enfermeiros daZona Sul e, após 1988, do Sindicato dos Enfermei-ros Portugueses, período durante o qual elaborouvários trabalhos, entre outros, sobre:- A integração do Ensino de Enfermagem no EnsinoSuperior;- O Regulamento do Exercício Profissional (REPE),participando na Comissão nomeada para o efeitopelo Secretário de Estado;- O desenvolvimento profissional dos Enfermeiros/Carreira de Enfermagem e Avaliação do Desempe-nho.Desenvolveu actividades de cariz formativo dirigidoa jovens a nível Nacional e Internacional (JuventudeOperária Cristã Internacional)Participou e organizou Seminários Nacionais,Europeus e Internacionais, dos quais se destaca noâmbito da UNESCO, participação nos seguintesSeminários Internacionais:- A Fome no mundo e o desenvolvimento humanoem Bangkock, Tailândia, 1976;- A Realidade sócio - política na América Latina, nocontexto Internacional, Bogotá, Colômbia, 1977;- A história das religiões no mundo e sua influênciano desenvolvimento sócio – político, Bruxelas,Bélgica, 1978Integrou a Comissão Instaladora da Ordem dosEnfermeirosFoi Vice - Presidente do Conselho Directivo daOrdem dos Enfermeiros no mandato 1999-2003No quadro das responsabilidades assumidasdurante o referido mandato, realça-se entre outras:- A participação na Conferência da OMS-Europasobre o Enfermeiro de Família, realizada emMunique, 2000, integrando a Delegação Portuguesa;- A Coordenação da Comissão Organizadora do ICongresso da Ordem dos Enfermeiros,- A co-responsabilização pelo processo decandidatura da filiação da Ordem no ConselhoInternacional dos Enfermeiros. E, no âmbito dasRelações Internacionais Coordenou as delegaçõesda Ordem ao Congresso do ICN, em Copenhaga,2001, à Conferência Internacional em Genève,2003, assim como as visitas às Organizaçõescongéneres do Canadá, Inglaterra e Dinamarca.

mília sei que vamos ter que intervir nosentido de ajudar à compreensão da-quilo que deve ser a forma de enten-der os cuidados a prestar às pessoas evamos ter que ajudar a perceber estanova perspectiva de intervenção. Massei que teremos grande receptividadepor parte dos enfermeiros.ROM – Doente, utente, cliente, cida-dão, pessoa... Que definição entende sermais correcta para essa figura centraldos cuidados de saúde?M. A. S. – Naturalmente que olhamosa pessoa de várias maneiras dependen-do da sua situação. Por um lado há aresponsabilidadede cada profissãoface aos cidadãosno que respeita àsaúde, em quenesta área temosum mandato so-cial com respon-sabilidades claras.Quando falamosde utente esta-mos a falar de al-guém que utilizaos serviços quelhe são ofereci-dos e referimo--nos mais a ques-tões institucio-nais e organizaci-onais do que aos próprios profissio-nais. Quando a referência é o clientepodemos ter duas perspectivas: o cli-ente como consumidor de cuidados ouo cliente como parceiro de cuidados.Há aqui uma ambiguidade pois há essaconcepção de cliente que se prendecom o direito de consumo em termosde contrato económico. Mas a visão docliente como parceiro de cuidados é amais correcta. É um desafio que estácolocado porque responsabiliza os pro-fissionais e o próprio cidadão na medi-da em que tem que desenvolver o seupróprio projecto de saúde. Uma difi-culdade que os profissionais de saúdetêm é entenderem que o último res-ponsável por aquilo que quer para asua saúde é a própria pessoa. Facilmentecaímos na tentação de fazer o contrá-rio, como se a pessoa fosse um instru-

mento daquilo que eu quero para oscuidados mais do que aquilo que elaprópria decide. É por essa razão que,por vezes, facilmente passamos porcima do que é o consentimento infor-mado e que deve existir para todos oscuidados que são prestados. A pessoatem o direito de dizer que não quer eo profissional tem o dever de aceitar.Se trabalhássemos melhor a concep-ção de cliente isso ajudaria a percebermelhor este «contrato de parceria» re-lativamente a quem é o decisor final. Éuma parceria no sentido em que nósnão somos mais do que mediadores de

cuidados, media-dores para umprojecto que al-guém consideraimportante paraa sua vida, para asua saúde. Osprofissionais me-diante o que sa-bem e as compe-tências que lhessão reconhecidastêm como funçãoajudar esse pro-jecto a avançar.

ROM – Mas ain-da há a perspec-tiva do doente…

M. A. S. – Se na nossa linguagem pro-fissional às vezes ainda se confundea terminologia, para o cidadão co-mum a saúde passa apenas pela do-ença, isto é, a sua visão é sempre ado doente. Deveríamos ser capazesde trabalhar a perspectiva do clien-te e incutir nas pessoas essa ideiaabrangente de saúde que englobaoutro tipo de intervenções. As inter-venções relacionadas com a promo-ção da saúde e a prevenção dadoença são cada vez mais fundamen-tais para garantir uma melhoria donível global de saúde da população.Não queremos ter o cliente comoconsumidor de cuidados pois aí exis-tiria o perigo do consumismo emsaúde – o que é o melhor caminhopara haver menos saúde, visto queeste é um bem não transaccionável.

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O P I N I Ã O

O Presidente do Conselho Regional do Norte da Ordemdos Médicos cometeu-me a tarefa de redigir algumas pala-vras sobre Corino de Andrade. Em nome da verdade, devodizer que não sou a pessoa indicada para falar de uma dasmais notáveis personagens da Medicina portuguesa, vistoque apenas contactei por duas vezes com o Prof. Corinode Andrade. Aceitei tal incumbência porque é sempre umprivilégio corresponder a um apelo do meu Presidente doConselho Regional e é um privilégio acrescido fazê-lo apropósito de personalidade tão ilustre. Acresce que muitodo que sabe sobre Corino de Andrade está já plasmadopor Maria Augusta Silva no livro editado pela FundaçãoGlaxoSmithKline das Ciências da Saúde. Estas palavras po-dem, ainda, ser entendidas como um desafio para uma in-vestigação mais aprofundada sobre a vida de Corino deAndrade, talvez mesmo sob a forma de história oral, apro-veitando o espólio documental existente e a memória vivados seus discípulos e colaboradores.Perante um conhecimento indirecto, apenas posso trans-mitir uma sensação pessoal decorrente de uma inevitávelafinidade científica com a obra do Prof. Corino de Andrade.De facto não existe nenhum neurologista em Portugal quenão tenha ficado seduzido com a descoberta do “mal dospezinhos”. Independentemente das gerações, certo é que,mesmo que não soubéssemos mais nada, sempre descobrí-amos, ao iniciar o estudo do imenso campo das polineuro-patias que, em qualquer capítulo de qualquer livro ou trata-do ou em qualquer artigo científico, lá encontrávamos, pe-rante uma miríade de referências a autores saxónicos eperante a raríssima escassez de autores portugueses, atradicional expressão “Andrade et al”. E, dessa forma, tam-bém descobríamos que, afinal, os portugueses também fa-ziam ciência.Para que fique registado na Revista da Ordem dos Médicos,recordemos o título do artigo publicado, em 1952, na Re-vista “Brain: UMA FORMA PECULIAR DENEUROPATIA PERIFÉRICA. AMILOIDOSE GENE-RALIZADA ATÍPICA FAMILIAR COM ESPECIALENVOLVIMENTO DOS NERVOS PERIFÉRICOSPOR CORINO ANDRADE (DO SERVIÇO DE NEU-ROLOGIA DO HOSPITAL DE SANTO ANTÓNIO,PORTO, PORTUGAL).Recordemos a respectiva introdução:“Por volta do final de 1939 fomos surpreendidos porum caso que observámos, pela primeira vez, na consul-ta externa do Hospital de Santo António, no Porto.Tratava-se de uma mulher, de 37 anos, que vivia hádezassete na Póvoa de Varzim, uma cidade piscatória

Em Memória de Corino de AndradeHomenagem a António Falcão de Freitas

na região do Porto. A síndrome neurológica da doente,história e quadro clínico fez-nos pensar que tínhamosperante nós uma entidade clínica ainda desconhecidae, portanto, digna de uma atenção particular da nossaparte.A nossa primeira impressão foi reforçada pelo factode termos conhecimento da existência na Póvoa deVarzim de uma doença conhecida por «Mal dos pezi-nhos».Trata-se de uma doença endémica com as seguintescaracterísticas:(1) Paresia das extremidades, particularmente das in-feriores.(2) Diminuição precoce da sensibilidade à temperatu-ra e à dor, começando e predominando igualmente nasextremidades inferiores.(3) Perturbações gastrointestinais.(4) Perturbações sexuais e dos esfíncteres.Esta doença, que tem um início insidioso e prevalenteem várias famílias não relacionadas, impressionou-nosdevido à sua natureza progressiva e à sua taxa de mor-talidade extremamente elevada. Têm sido postos vári-os diagnósticos, dependentes dos primeiros sintomasapresentados pelo doente e do especialista consulta-do. Estes sintomas podem ser neurológicos, gástricos,digestivos, etc; daí a doença ter sido apelidada desiringomielia, mielite, tabes, colite, apendicite,avitaminose ou lepra. Ficámos a saber por meio de in-formações recolhidas entre a população do distrito quea doença tem uma história muito antiga. Ao longo dosanos tem sido responsável pela perda de muitas vidas.Observámos alguns doentes nas suas casas e no Hos-pital da Misericórdia da Póvoa de Varzim. Este factopermitiu-nos ter uma ideia da incidência da doença ecompreender a natureza monótona e constante doquadro clínico, o grande número de casos em determi-nadas famílias e a evolução inexorável da doença.A observação simultânea de vários doentes reforçouem nós a crença de que estávamos perante um proble-ma de interesse para o clínico, o patologista e o médi-co de saúde pública. Foram internados dois doentes noServiço de Neurologia do Hospital de Santo António e,deste modo, tivemos a possibilidade de seguir a evolu-ção da doença até à morte e de completar o estudoclínico com observações histopatológicas.Este estudo anatomopatológico, juntamente com asinvestigações bacteriológicas, a pesquisa do bacilo dalepra e o exame de biópsias de vários órgãos revelou

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O P I N I Ã O

determinados aspectos que também eram constantese peculiares na doença.Prosseguindo os nossos estudos, observámos, desde en-tão, 74 casos pertencentes a famílias diferentes, pesso-as das mais variadas classes sociais e com hábitos ali-mentares muito diferentes. Tendo em conta (1) os as-pectos anatómicos e clínicos peculiares da doença; (2)a sua elevada taxa de mortalidade; (3) o desconheci-mento que envolve a sua etiologia e patogénese e, con-sequentemente, a série de problemas que se colocam,consideramos oportuno tornar conhecida esta formapeculiar de neuropatia periférica.”Esta introdução revela a preciosidade científica do artigo,mas constitui, sobretudo, uma obra-prima de clínica, já queo contributo dos exames histopatológicos fica submersopelos pormenores descritivos das situações clínicas dosdoentes observados desde o ano de 1939. Está é, para mim,a principal qualidade de Corino deAndrade: a capacidade de “inventar”uma doença, com base na sagacidadeda observação clínica, enquadrada pelaanálise epidemiológica e pelas histó-ria familiares.Em complemento daquela extraordi-nária capacidade vem a persistência de,ao longo dos anos, e apesar de condi-ções adversas, não ter desistido. Oumelhor, de nunca ter desistido. De-monstrou, assim, ao longo da sua vida,que se podia ser brilhante sem ser umestrangeirado. No momento em quesaudável globalização do conhecimen-to por vezes se mistura com algumasoperações propagandísticas é notável a lição que Corino deAndrade nos lega quanto à capacidade dos portugueses fa-zerem e se fazerem em Portugal.Para além do clínico emérito, capaz de transformar a clínicaem ciência, e vice-versa, é também conhecida a sua interven-ção cívica e o seu desassombro. Sejamos adversários ou adep-tos das ideias que defendeu, devemos vergar-nos perante asua coragem. Julgo não estar a cometer uma inconfidênciaao atrever-me a relatar um episódio que me foi descritopelo Prof. Doutor Nuno Grande no dia do seu funeral. De-corria, ao tempo, a polémica entre Abel Salazar e Álvaro

Cunhal quanto à finalidade e utilidade da arte quando ÁlvaroCunhal terá tentado convencer Corino de Andrade da au-sência de intervenção social na pintura de Abel Salazar. Daconversa dos dois terá resultado, de forma enigmática e cir-cunspecta, o comentário de Corino de Andrade “depois doque eu lhe disse, não deve querer falar mais comigo”.Não tendo a pretensão de aspirar a biógrafo, atrevo-me aespecular, com base em cartas existentes no seu processoindividual que, já em 1963, o Prof. Corino de Andrade terásido protagonista de um desaguisado com a companhia deseguros “A Social”, quando lhe terão tentado impor umatabela de preços pelos serviços prestados. E Corino deAndrade resistiu recorrendo à Ordem dos Médicos…Também não teve receios em processar o jornal “Actualida-des” quando este, em 1967, pôs em causa o seu bom-nome.E para isso socorreu-se da sua Ordem…Resultou de tudo isto um enorme reconhecimento pela co-

munidade científica (médica ou não) epela sociedade civil, devidamenteenfatizado pelo advento do 25 de Abril.Foi este reconhecimento traduzido pelaOrdem dos Médicos através da atribui-ção da Medalha de Mérito da Ordemdos Médicos no VIII Congresso Nacio-nal de Medicina, sob proposta do Con-selho Regional do Norte da Ordem dosMédicos, ao tempo presidido pelo Dr.António Meireles e, mais recentemen-te, no ano 2002, pelo Conselho Regio-nal a que tive a honra de presidir.É sobre esta homenagem mais recente,de que fui modesto protagonista, quegostaria de deixar o meu testemunho.

Pareceu-nos óbvio que o Prof. Corino de Andrade mereciaser anual e formalmente relembrado pelos seus contributoscientíficos e de cidadania. Foi um bom amigo (o nosso colegaManuel Quintas) que, no ano de 2002, me alertou para aavançada idade do Mestre Corino e para o dever de, com eleem vida, fazermos algo que pudesse vir a constituir uma ma-nifestação reiterada de homenagem inter-pares. O temponão nos iria perdoar, se, como é habitual na (má) tradiçãoportuguesa, nos limitássemos a esperar pela realização deuma homenagem póstuma.Aprovada a ideia pelo Conselho Regional do Norte da Or-

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dem dos Médicos, com entusiasmo e determinação, em 26de Fevereiro de 2002, discuti-a inicialmente com o saudosoProf. Falcão de Freitas, seu e meu amigo. Foi graças ao seuimpulso que nasceu o Prémio Corino Andrade; por isso éeste o momento de expressar a minha gratidão ao Prof. Fal-cão de Freitas a quem devo dedicar estas linhas. Obtido oconsentimento do Prof. Corino de Andrade, através de suafilha, Amália Andrade, graças às diligências do Prof. Falcão deFreitas, demos então corpo à instituição do prémio com oseu nome e, já agora, com a sua figura. Porque só podia serassim, institui-se um prémio de âmbito nacional, destinado agalardoar pessoas singulares ou colectivas, e no primeiro casoobrigatoriamente não médicas, que se tivessem notabilizadopela prestação de relevantes serviços à Medicina e aos Médi-cos portugueses.Escolheu-se para dia da efeméride a sua data de licenciatura(o dia 17 de Outubro). Excluímos a sua data de nascimento(o dia 10 de Junho) porque correr-se-ia o risco de diminuira notoriedade exigível.Assentes a data de atribuição e a finalidade do prémio, falta-va a forma. Imaginámos uma que fosse uma espécie de refle-xo de Corino de Andrade. Desde logo excluímos a compo-nente pecuniária, claramente estranha ao que foram os ob-jectivos da sua vida. Surgiu rapidamente a hipótese de mobi-lizar para este projecto o Mestre José Rodrigues, por sinalamigo do Prof. Corino de Andrade. Com invulgar finura esensibilidade, o Mestre José Rodrigues apresentou-me o seuprojecto: uma peça em bronze, sob a forma de livro, de ondeconstasse a efígie de Corino de Andrade. De um lado, aojeito de capa, o esboço de uma figura inesquecível. Na“contracapa” a introdução do imortal texto do Brain, o sím-bolo da nossa Ordem e uma mensagem que tentei amaneirar,por mandato do Conselho Regional do Norte. Escrevi entãoque “cumpre-se, assim, uma homenagem vital. Vital, porque aOrdem dos Médicos se associa à obra, ao estilo e ao ser deCorino de Andrade. Vital, porque simboliza a vitalidade e aperenidade de Corino de Andrade. Vital, porque se perpetua,em vida e pela vida, a vida de Corino de Andrade”.Assim nasceram as cem peças depositadas na Sede da Sec-ção Regional do Norte da Ordem dos Médicos que, anual-mente, esperam por quem mereça acarinhar o Prof. Corinode Andrade. Três delas encontram-se já nas mãos da Funda-ção Gulbenkian, da Fundação Bial e do Sr. José Maria Moreira,Director de Serviços da Secção Regional do Norte da Or-dem dos Médicos. As restantes noventa e sete terão umdestino igualmente merecedor, contribuindo para perpetuaro nome e a obra do Prof. Corino de Andrade. Um HOMEMque, como afirmou o Presidente da Ordem dos Médicos nacomemoração do Dia do Médico de 2005, realizada na Sec-ção Regional do Norte, no passado dia 18 de Junho, não nosabandonou. Simplesmente nos retirou o privilégio da suapresença.

Miguel LeãoPorto, 17 de Julho de 2005

O P I N I Ã O

Saúde Ocupacional

Vai realizar-se nos dias 3 e 4 de Outubro no auditório A1da Universidade do Minho em Braga, o encontro SaúdeOcupacional em Serviços de Saúde. Este encontro abor-dará, entre outros, temas como o futuro da saúde ocupa-cional, os requisitos legais da segurança, higiene e saúdeno trabalho, as entidades intervenientes em saúde ocupa-cional e o seu papel da saúde na sociedade. Trata-se deuma organização do Gabinete de Saúde Ocupacional daSub-região de Saúde de Braga. As inscrições podem serfeitas até dia 15 de Setembro por fax (253208261).

Medalha de Mérito Cultural

Durante o 48º Congresso da União Mundial EscritoresMédicos, que decorreu em Viana do Castelo em Setem-bro de 2004, foi atribuída ao pediatra João-Maria Nabaisa Medalha de Mérito Cultural da Associação de Escrito-res Médicos e Jornalistas de Bucareste – Roménia/04,pelo seu ensaio: The Dracula Romance Within TheContext of The 19TH Century Medicine apresentado du-rante o 47º Congresso Internacional de Escritores Mé-dicos (Bucareste – Setembro, 2003). Cinco poemas des-te pediatra/escritor foram recentemente inseridos numaantologia de poetas portugueses contemporâneos, ondese incluem nomes tais como Sofia de Melo BreynerAndresen, Eugénio de Andrade, António Manuel CoutoViana, Manuel Alegre, Helberto Helder, etc.. A antologia,«Poesia Portuguesa Contemporânea», é uma edição russabilingue, editada em São Petersburgo (Rússia 2004), como apoio do Instituto Camões.

Prémio de Investigação médica

O Clube Soroptimist International de Varese, em Itália,está a promover mais uma edição do prémio Donisellide investigação médica no domínio oncológico ao qualpodem concorrer trabalhos originais sobre novas tera-pêuticas para o carcinoma mamário e que tenham sidopublicados entre 30 de Junho de 2003 e 30 de Junho de2005. Os interessados que deverão concorrer até dia 1de Setembro de 2005, poderão obter mais informaçõesem: http://www.soroptimisteurope.org/pages/news/05_prize.htm

Candidaturas ao Prémio e Bolsa Pfizerde Investigação

Estão abertas, até dia 30 de Setembro de 2005, as candi-daturas para os Prémios Pfizer de Investigação Clínica ede Investigação Básica, bem como para a Bolsa Pfizer deInvestigação 2005. Esta iniciativa é efectuada numa par-ceria entre este Laboratório e a Sociedade de CiênciasMédicas de Lisboa. Para mais informações contactarMargarida Carrolo (21 423 55 00).

N O T Í C I A S

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O P I N I Ã O

O paradigma clássico da Medicina era o de ajudar a evitar amorte escusada, a tratar os doentes e a minorar o sofrimento.Para tal havia que diagnosticar bem a doença e tão precoce-mente quanto possível para melhor a tratar; e evitá-la, se possí-vel.A eficácia da Medicina teve efeitos colaterais. Pouco a pouco, deuma Medicina para doentes, tende a evoluir-se para uma Medi-cina para pessoas queixosas; dado que, felizmente ainda predo-minam as pessoas sadias, há que identificar bem os “factores derisco” para se evitar o paradoxo de uma Medicina para pessoassaudáveis.A crescente preocupação com a prevenção, alterou radicalmenteo paradigma médico:a) acentua a actual preocupação de todas as pessoas com a suasaúde.b) o médico, que era alguém a quem se pedia auxílio competen-te quando nos julgávamos doentes, passa a ser aquele que,indiscriminadamente, nos impõe restrições, alterações de hábi-tos agradáveis, exames ou terapias mesmo que nos julguemossãos.c) Do profissional que, enquanto minorava o sofrimento indivi-dual e/ou familiar, procurava encontrar a respectiva causa, parauma estratégia radical, passa a ser quem aplica uma técnica,profilática ou diagnóstica, a uma massa de pessoas que se nãosente doente (vacinas, rastreios de massa – bioquímica (pézinho,PSA, colesterol), mamografia, ecografia, endoscopia etc.)

A necessidade de prevenção e de diagnóstico precoce implicaincomodar e afligir muitos que não precisam nem beneficiampara tentar identificar alguns que disso precisam sem que setenham dado conta, na expectativa de que venham a aproveitar.Tal como em qualquer decisão, há que avaliar se os objectivos a

Novo paradigma médico (I)

O médico normalizadoou o Dr. Vasco Moscoso de AragãoA reverência perante as normas e oasfixiante predomínio da farmacoterapiae da técnica e o seu prestígio, altera oparadigma da Medicina, compromete aatitude e a eficácia do médico e deixacampo aberto a curandeiros que dãogrande atenção aos aspectos particularesdas queixas dos doentes.

atingir justificam os riscos e os incómodos impostos; a identifi-cação de “factores de risco” tenta restringir sensatamente onúmero dos molestados sem necessidade, em função da proba-bilidade de serem doentes assintomáticos ou de o virem a ser.Há que manter um equilíbrio sensato entre a sensibilidade dométodo que, como sempre, é inversamente proporcional à es-pecificidade.

As regras, normas, guias para os rastreios são, quase sempredefinidas por especialistas nessa matéria inevitavelmente preo-cupados em evitar situações graves com que muitos já tiveramque lidar; deste modo, é compreensível que as normas tradu-zam uma intenção louvável de não deixar escapar doentes (má-xima sensibilidade); como resultam do trabalho duma Comis-são que procura o consenso, muitas vezes traduzem uma pers-pectiva pessimista e uma atitude defensiva – todo o indivíduo ésuspeito enquanto se não provar o contrário. Os media espelhame ampliam esse ponto de vista catastrofista:

• A doença de refluxo gastro-esofágico afecta cerca de 30% dosportugueses, CMV 2003• Quase metade da população portuguesa está directamenteafectada pelo alcoolismo – 4ª Conferência dos AlcoólicosAnónimos, Março 2002• Mais de um quarto da população portuguesa sofre de doresde cabeça. DN 13-10-2002• Em Portugal, 30 mil novos deficientes por ano resultantes deacidentes de trabalho. (DETEFP) DN 7-10-2002• Como nascem 110.000 portugueses por ano .. ½ dos portu-gueses virão a ser deficientes...Na verdade (Censos 2001) Portugal regista 634 408 defici-entes• ... as lésbicas ou outras mulheres sem actividade sexual, devemtomar a pílula. DN 7-07-2002• Um em cada três portugueses sofre de pelo menos umadoença crónica DN 7-05-2002• A hipertensão arterial atinge hoje cerca de 35% dos portu-gueses. DN 12-06-2002A osteoartrose ... afecta 20% dos portugueses, 21ª JornadasInternacionais de Reumatologia. Mar 2002• Mais de 30 % dos homens portugueses >50 anos têm cancroda próstata. Aos 80 A a taxa sobe para 70 a 80 %. II JornadasNacionais de Urologia em Medicina Familiar 2002• Cerca de 20% da população sofre de incontinência urinária.CMV 2003

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• ...em Portugal, 500 mil homens sofrem de alguma perturba-ção da função eréctil. CMV Nov 2002• Há 100 mil portugueses a sofrer de esquizofrenia, Público18-06-2002• Rinite, asma, rinoconjuntivite - inimigos sazonais de mais de1,5 milhões de portugueses Público, 21 Mar 2002• A epidemia do século XXIO número de crianças a sofrer de alergias aumenta assusta-doramente. Uma doença muitas vezes subestimada, mas quepode provocar a morte.Metade dos homens dos 40 aos 69 anos sofre de disfunçãoeréctil. Público 18-6-2005

Não admira que os portugueses estejam preocupados.Há que exigir provas não só da eficacidade como de uma razo-ável relação de custo e incómodo vs benefício, antes de adoptarqualquer norma.Aquelas foram desenhadas para a generalidade; há que aplicá--las sensatamente a cada caso particular. Se o não fizermos,regrediremos do papel de médico responsável por aquele indi-víduo ou grupo particular para o de um técnico burocrata.Não é necessário ser médico para vacinar todos os lactentesde 2-4-6 meses, para colher sangue a todos os RN, adultosmasculinos ou grávidas, nem para realizar mamografias ou en-doscopias cólicas como prenda do 50º aniversário.Não é necessário ser médico para pedir um hemograma a to-das as crianças de 1 a 2A(1) ou dosear chumbo no sangue atodos os lactentes(2) ou que vivam “in areas with ³27% of housingbuilt before 1950”(3) ou a todas as crianças com problemas dedesenvolvimento(4) ou rastrear celiaquia a todas as criançasdiabéticas, quer tenham ou não sinais suspeitos(5) ou cistografiaa todos os lactentes, após uma infecção urinária(6).Os protocolos das consultas de saúde são inegavelmente úteisse não escotomizarem o indivíduo e se provarem eficazes, oque nem sempre acontece(7-12).Na situação actual, as normas tendem a arvorar-se em leis; nãoservem para nos guiar, há que obedecer-lhes. As leis tornam-sedogmas; não podem ser postas em causa. Crê-se sem se ques-tionar; age-se submissa e automaticamente.A conduta médica que deveria ser regida por leis científicas,sempre com um certo grau de indeterminação e que há queconhecer para as utilizar em benefício das necessidades varia-das dum indivíduo singular ou de grupos de risco particular,tende a ser regida por leis de cariz jurídico, que obrigam todosos indivíduos, independentemente da sua condição. A padroni-zação da conduta médica é indispensável – todos temos querespeitar as bases científicas e éticas da profissão e atender àsorientações dos grupos de peritos mas normalizar a conduta édiferente de calibrar maçãs.Simultânea e paradoxalmente, pretende-se manter o dogma daliberdade de prescrição. A liberdade de prescrição é um atribu-to da Medicina, não dos médicos; dito de outro modo, um atri-buto dos médicos enquanto grupo profissional, não de cadamédico. Toda a actividade médica, a prescrição incluída, tem deater-se a normas – científicas, deontológicas, legais e éticas — a

que todo o médico está obrigado. É da sua responsabilidade asensata aplicação da norma adequada ao doente concreto e éeste o seu grau de liberdade. As normas são úteis se forem baseadas em provas e adequadasàs necessidades e aos recursos da comunidade; terão que sersempre aplicadas sensatamente aos casos concretos.As normas como as técnicas, obviamente indispensáveis, arris-cam a eclipsar a doente – afogado no seu plasma, diluído nonúmero, irradiado da sua película, invisível á endoscopia,despersonalizado pelas normas.A reverência perante as normas e o asfixiante predomínio dafarmacoterapia e da técnica e o seu prestígio, altera o paradigmada Medicina, compromete a atitude e a eficácia do médico edeixa campo aberto a curandeiros e outros alternas, que ou-vem os queixosos, lhes falam e lhes prometem aliviar o seusofrimento.

Part of homeopathy’s appeal is the personal attention paid topatients (Avina and Schneiderman, 1978). In practice, classicalhomeopaths emphasize taking 30 to 45 minutes with each pa-tient, paying careful attention to the emotional state.(13)

One of the attractive aspects of alternative medicine for thesepatients is the holistic approach that treats the whole person

H. Carmona da MotaFaculdade de Medicina

e Hospital Pediátrico de Coimbra. (aposentado)

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rather than the disease.(14)

O paradigma profilático da Medicina tem ainda o risco de serinterpretado de forma excessiva quando não fundamentalista,que não poupa ideologias:

** “Seria aconselhável que, antes de se iniciar uma relação está-vel, de matrimónio ou outra, se incluísse esse exame (rastreioda sida)”Conselho Permanente da Conferência Episcopal Por-tuguesa. Público, 21 Nov 2001** O rastreio obrigatório de doenças infecto-contagiosas, comoa tuberculose, a hepatite A, B, C e D e o HIV1 e HIV2, é propos-to pela Juventude Socialista. Público, 29 Nov 2001** Em Singapura o teste da sida poderá vir a ser obrigatóriopara noivos. Público 6-12-2004** …myocardial infarction can be triggered by emotional upset,such as watching your football team lose an important match.... perhaps the lottery of the penalty shoot-out should beabandoned on public health grounds.Carroll D, Ebrahim S, Tilling K, Macleod J, Davey Smith G.Admissions for myocardial infarction and World Cup football:database survey. BMJ 2002;325:1439-1442** ... o bolo-rei não pode ter brindes (ou favas!?) com menos dequatro centímetros.D-L 158/99, de 11 de Maio** Um especialista em sismologia criticou ontem o “desinteres-se dos políticos” e a falta de investimento do Estado portuguêsna prevenção dos efeitos de maremotos e ondas gigantes dotipo tsunami. DN 2 Nov 2001

É a atitude de Vasco Moscoso de Aragão*. Prescinde-se de pro-curar factores de risco para modelar a estratégia para os quemais precisam. Vacinar todos, medicar todos, rastrear todos ...não vá o diabo tecê-las ... não me vão acusar de deixar passar....Não importa procurar identificar os culpados entre os suspei-tos; melhor é prendê-los todos.Consequentemente, as normas que se presumem “evidencebased”, nem sempre têm em conta os que mais necessitam.Uma meta-análise concluiu que na “... vast majority of youngchildren with acute diarrhea …. routine dilution of milk …are not necessary”. No entanto nenhum trabalho analisouespecificamente as situações de maior risco — pequenos lac-tentes malnutridos ou com formas severas de diarreia(15)

Deixamos de ser médicos; pelo menos deixamos de ser clínicose de responder ao que se espera de nós.

“As pessoas que hoje em dia vão ao médico são mais exigentespara com o clínico. Além da cura, que muitas vezes será relegadapara um segundo plano, os utentes procuram receber uma pa-lavra amiga de conforto e carinho. E nem quando se analisam osdados em função do nível social dos utentes as conclusões sealteram”.(16)• “Precisamos de alguém que nos ouça”...o que nem sempre

acontece, nomeadamente com os profissionais de saúde maisnovos. “Não estão para nos ouvir”, comenta: “As pessoas espe-ram do profissional de saúde amizade, conforto, carinho e, obvi-amente a cura. Mas, o que vem à cabeça é fundamentalmente ocarinho e amizade mais do que a competência”. Susana Duar-te, JN 20-3-2002

O actual critério de selecção dos futuros médicos - o das maisaltas classificações do liceu - pressupõe que a qualidade essenci-al para ser (bom) médico é ter sucesso no processo competiti-vo, isto é, ter adoptado precocemente os valores sociais domi-nantes - o primado do sucesso individual num quadro de com-petição desapiedada. Não está provado nem creio provável queesses sejam valores indispensáveis para vir a ser o médico quedesejamos quando adoecermos(17).

Bibliografia1. AAP. Committee on B Nutrition:- anemia screening recommended for 1- to2-year-olds. Baker S, ed.Pediatric Nutrition Handbook. 4th ed. Elk Grove Village, IL: American Academy ofPediatrics; 19982. The Centers for Disease Control, Atlanta, generally recommends ... blood leadscreening at 1 year of age with additional targetted screening of children consid-ered to be high risk that is, those children living in old housing with leaded paintor with old lead water pipes, especially those with a propensity for ‘mouthing”behaviours.3. Centers for Disease Control and Prevention recently issued new guidelinesendorsing universal screening in areas with ³27% of housing built before 1950.4. Children with behavioural and/or developmental problems… should be rou-tinely screened for lead. G Lewendon et al. Arch Dis Child 2001;85:286-2886. Recommend that all children less than 1 year should have a micturating cysto-gram. These recommendations were based on observations from a number ofstudies showing the high incidence of VUR and renal scarring and the belief thatrenal scarring could be prevented by prophylactic antibiotic therapy. Report of aWorking Group of the Research Unit, Royal College of Physicians. J RColl Physicians Lond 1991;25:36-427. CDC, Atlanta. Update: blood lead levels—United States 1991-1994. MorbidMortal Weekly Report 1997;46:213-17A multicentre trial (New England Journal of Medicine 2001; 344:1421-6)showed no difference on tests of neuropsychological development after 36 monthsof follow up between those treated with an oral lead chelating agent and thosetreated with placebo. The most sensible thing to do about lead poisoning, sayeditorialists, is to stop rearing children in houses with lead paint.8. Although much is known about the natural story of UTI, VUR, and renal scar-ring, little evidence exists that the natural history can be altered. Deshpande PV,Jones KV. Arch Dis Child. 2001;84:324-7.9. Most boys had primary, probably congenital, reflux-associated renal damage,whereas most girls had acquired scarring related to recurrences of febrile UTI.Wennerstrom M, Hansson S, Jodal U, Stokland E. J Pediatr 2000; 136:30-410. … selective screening and case-finding approach with astute clinical vigilanceand awareness is sufficient to make the diagnosis of classical galactosemia in atimely fashion rather than a universal population-based neonatal screening pro-gram. Shah V, Friedman S, Moore AM, et al. Acta Paediatr 90: 948-949.200111. The currently available reliable evidence does not show a survival benefit ofmass screening for breast cancer (and the evidence is inconclusive for breastcancer mortality). Olsen O, Gotzsche PC. Cochrane Database Syst Rev2001; 4: CD001877.12 “A maioria das instituições onde se fazem as mamografias não tem acreditação“ Vítor Veloso. IPO . Público 20-11-200213. National Council Against Health Fraud, 199414. Linda S. Spigelblatt Altemative Medicine: Should It Be Used by Chil-dren? Curr Probl in Pediatrics 1995;25:180-815. HC Mota. Guidelines for managing acute gastroenteritis. Arch DisChild 1999;80:57916. Susana Duarte, “Porque vão as pessoas ao médico?”. Tese de mestradoem Saúde Pública na FMUC; professora adjunta na Escola de Enferma-gem Dr. Ângelo da Fonseca17. HC Mota. Admissão à Universidade. Boletim da Soc. Port. Educ. Médica2001;11:9-10

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Se considerarmos que em Portugal, oconsumo de drogas nos últimos seisanos, não só disparou entre os alunosdo ensino secundário ( um em cada cin-co, diz já ter experimentado substânciasilícitas ), e que, na Europa, logo a seguir àInglaterra e ao País de Gales, somos opaís onde se consome mais heroína.

Se nos lembrar-mos ainda que segundoo Relatório Anual do Observatório Eu-ropeu da Droga e Toxicodependência(OEDT) de 2002, Portugal, conjuntamen-te com a Itália, Luxemburgo e Reino Uni-do, está na cauda da Europa no que àtoxicodependência diz respeito...

...Então penso que ninguém terá dúvi-das de que é premente fazer algumacoisa de modo a modificar esta situação.

Segundo o Relatório Anual sobre a Evo-lução do Fenómeno da Droga na UniãoEuropeia e na Noruega, datado de 3/10/2002, em Portugal «apesar da oferta dotratamento ter aumentado, a procura dosprimeiros tratamentos surpreendentemen-te desceu» o que, como parece óbvio, vaiincriminar claramente a forma como aactual política de redução de danos estáa ser aplicada e o uso indiscriminado esem critério das drogas de substituíçãoque, como o relatório claramente pare-ce testemunhar, têm obstado a que osdependentes procurem tratamento.

A avalizar o que é referido, saiba o lei-tor que fecharam 19 comunidades tera-pêuticas para toxicodependentes nos úl-timos 5 anos e que das 1200 camasconvencionadas existentes nas unidadespúblicas, prontas para receber todosaqueles que vegetam pelos «Casais Ven-tosos e Bairros S.João de Deus » do país,só 700 estão ocupadas!!!

Portugal, apesar dos péssimos resulta-

ToxicodependênciaLibertação da vontade ou escravatura a novos senhores?

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dos obtidos, continua despudoradamen-te a manter os toxicómanos duranteanos a fio a suas expensas (usando odinheiro dos nossos impostos), dando--lhes drogas que imitam os efeitos daheroína, transmitindo assim perversa-mente a mensagem ao povo que se in-teressa muito pela saúde dos seus toxi-codependentes, lavando as mãos, comoPilatos, nas águas da sua ignorância!

Tudo isto não deixa de ser bizarro, tan-to mais que o relatório acima citado,refere claramente que «As avaliações dasintervenções terapêuticas sem drogas re-velaram que, em maior ou em menor grau,conseguem atingir esses objectivos (Gossopet al.,2001). Os resultados das avaliaçõesvariam muito, mas em geral 30 a 50% dospacientes que iniciam este tipo de trata-mento, concluem-no com sucesso.»

Chegados aqui, uma pergunta se impôe:- Numa altura em que uma das princi-pais preocupações do Governo são osgastos com a saúde, com uma grandeparte dos serviços a atingirem o colap-so financeiro, então em vez de se privi-legiar uma política que trate efectivamen-te os toxicodependentes e os retire doServiço Nacional de Saúde, será lógicoque continuemos a promover aeternização da sua institucionalizaçãojunto dos Centros de Atendimento atra-vés dos programas de substituíção, quan-do é sabido que em maior ou menorgrau eles se conseguem tratar em pro-gramas livres de drogas?

Isto mesmo está taxativamente docu-mentado no relatório do I.N.A. de avali-ação da “Estratégia Nacional da Lutacontra a Droga”. Diz este documentoque no período entre 1999 e 2003«verifica-se um crecimento acentuado - 45% - do número total de indivíduos em pro-grama de substituíção opiácea, o que

significa a manutenção em programa desubstituíção, ao longo de vários anos, dagrande maioria dos beneficiários».

E poder-se-á compreender que haja umamegaestrutura pesadíssima para o Esta-do, criada para assim poder distribuir ametadona (responsável pela percenta-gem mais elevada de mortes nos últi-mos anos - 5% - segundo um estudoconduzido pelo Prof. Jorge Negreiros, daFaculdade de Psicologia da Universida-de do Porto) e buprenorfina, que aten-de um universo de 30.000 utentes, quan-do temos áreas da saúde como as quedão assistência a 800.000 alcoólicos cró-nicos, mais os inúmeros doentes diabé-ticos, oncológicos ou cardiovasculares,para só falar nestes, com um financia-mento incomensurávelmente menor daparte do Governo?

Filhos de Deus e do Diabo

Será que uns são filhos de Deus e ou-tros do Diabo? Não será que a conti-nuidade na aposta nos programas desubstituíção não servirá sobretudo paramanter interesses pessoais ecorporativos em detrimento dos colec-tivos?

Deveriam ser profundamente analisadasas estruturas privadas que distribuem ametadona em Lisboa e nos arredores,bem como deveriam ser investigadaseventuais ligações de quem toma deci-sões nos organismos públicos relacio-nados com a toxicodependência comaquelas mesmas estruturas (que, porqueserá, tanto atacam quem na privada de-fende os programas livres de drogas...!).

Já se pensou no que aconteceria aosCentros de Atendimento a Toxicode-pendentes (CAT), se a aposta do Go-verno passasse a incidir nos progra-

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Manuel Pinto CoelhoPresidente da Direcção da Associação para um

Portugal Livre de Drogas

mas livres de drogas?

Já se imaginou o que se pouparia em re-cursos financeiros, se os mesmos técni-cos de agora se empenhassem a ajudar ea evitar o surgimento de “novos” depen-dentes, do álcool à cocaína, do haxixe atodos as outras, tratando-os de facto elibertando-os assim do Serviço Nacionalde Saúde, em vez de os manter no circui-to com outras drogas?(1)

É que é fundamental que se saiba quetemos dos melhores centros de recu-peração do mundo e que estes não es-tão a ser mínimamente aproveitadospara retirar os toxicodependentes docircuito criminógeno.

É urgente inverter o desenvolvimentoda lógica tentacular dos lucros ilícitos,do poder e das influências, gerados comos acordos entre instituíções públicas e

fornecedores de drogas de substituíção!

Finalmente, não haverá falta deracionalidade na afectação de recursos,agora acrescidos no OrçamentoRectificativo de mais uns milhares de eu-ros quando é certo que existem inúme-ras camas por ocupar e o número deprimeiras primeiras consultas nos CATsnão pára de diminuir? (menos 48 %, se-gundo o relatório do INA acima menci-onado)

Derramar “dinheiro” sobre os proble-mas, não apaga o fogo dos seusmalefícios.

Pelo contrário, tem efeitos perversos:– Torna menos aguda a consciência dasua urgência.

– Mascara a gravidade dos dramas emer-gentes do mundo da droga.

– Subverte a decisão política que, iludi-da pela máscara do verdadeiro rosto doproblema, cai na rede dos enganos e des-perdiça recursos na tomada de falsasmedidas paliativas que conduzem direc-tamente em muitos casos a uma lenta edolorosa agonia dos infelizes dos toxi-codependentes.

(1) Segundo o mesmo relatório do I.N.A: «Parecepois evidente a necessidade de alargar o campo deactuação da rede actual a fim de ajudar mais eficaz-mente aqueles que consomem outras drogas, desde oálcool à cocaína».

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A propósito de atestados médicos de complacência nos con-curso de professores, a jornalista (Outras conversas, SIC)lamentava-se, pesarosa: Um médico que faz uma coisa destas oque não poderá fazer... Dizia isto num tom da habitualpesporrência de quem não esquece o argueiro alheio.Quando uma falta ou um benefício só pode ser justificadapor doença, atribuem-se enormes responsabilidades ao mé-dico que, por vezes, se vê numa posição dificílima, tanto maisquanto é frequentemente censurado por não atender aosaspectos humanos do doente.

Apesar da OMS considerar a saúde como “um estado decompleto bem-estar físico, mental e social, e não apenas na ausência de doença ou de enfermidade”, sempre se suspeita que nãofoi o médico mas o amigo (ou o mercenário) que atestouque o mal estar provocado por dada convocatória ou examepode comprometer o “estado de completo bem-estar físico,mental e social” que ao médico compete promover e evitarque seja perturbado. Quem pode afirmar que a saúde daprofessora não ficará perturbada com o incómodo prolon-gado de ser colocada longe do seu local de residência? E omesmo se poderá dizer do risco para a saúde da sua família.

Quando o texto dum recente projecto-lei despenaliza o abor-to “... caso se mostre indicado para evitar perigo de morteou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúdefísica ou psíquica, da mulher grávida, designadamente porrazões de natureza económica ou social...” que, obviamente,caberá ao médico atestar, repete-se o estratagema de atri-buir ao médico tarefas delicadas a que a sociedade se quereximir, fugindo com o rabo à seringa, para usar termos mé-dicos.

Toda a água do capote (a da lei e a do alegado doente – queprefere confessar o logro que simular sintomas) escorre parao médico.

Não seria mais sensato que a sociedade assumisse as suasresponsabilidades e alargasse as escusas legais admissíveis?Poupar-se-iam atestados de complacência, consultas escusa-das e desabafos impertinentes.

H. Carmona da MotaFaculdade de Medicina e Hospital Pediátrico de Coimbra. (aposentado)

Falta decomplacênciaou a água do capote

AAAAA G E N DG E N DG E N DG E N DG E N D AAAAA11th World Congress on Pain21 a 26 de Agosto de 2005Local: Sydney, AustráliaContactos: Telef.:218 422 700

ESC 20053 a 7 de SetembroLocal: Estocolmo, SuéciaContacto: European Society of CardiologyTelf.: 33492947600; Fax.: 33492947601www.escardio.org

11.as Jornadas de Pediatria do Centro Hospitalarde Cascais22 e 23 de SetembroLocal: Centro Hospitalar de CascaisContacto: Telef.: 214827700; Fax.: 214844843

10.º Congresso Nacional de Medicina Familiar25 a 27 de Setembro de 2005Local: Covilhã – Universidade da Beira InteriorContactos: Assoc. Port. dos Médicos de Clínica Geral, Tel.: 21761 52 50;Fax: 21 793 31 45; E-Mail: [email protected] – Top Atlântico -Dep. Congressos; Tel.: 218925405; Fax: 218925406; E-Mail:[email protected]

Congresso de Saúde Ocupacional em Serviços deSaúde3 e 4 de OutubroLocal: BragaContacto: Inscrições até 15 de Setembro para: fax: 253208261

IV Congresso Internacional de Demência Vascular20 a 23 de OutubroLocal: PortoContacto: Kenes InternationalTelef.: 229080488; e-mail: [email protected]

23.º Curso Pós-Graduado Dr. Carlos George “ADOR”20 e 21 de OutubroLocal: Lisboa - Hospital de Santa MartaContacto: 213 594 115 (M.ª José Anacleto)

Curso Teórico-Prático “ComunicaçãoAumentativa e Tecnologias de Apoio emContexto Pedagógico”28 a 30 de Novembro (1.º Curso)Local: Lisboa - Centro R. Paralisia Cerebral Calouste GulbenkianContacto: 217 512 700, Fax: 217 512 727

XV Congresso Nacional de Gastrenterologia5 e 6 de DezembroLocal: Auditório dos Hosp. da Universidade de Coimbrawww.spcoloprocto.com

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O Eterno Femininoum médico no comando do batalhãoe mais um por cada uma das quatrocompanhias. Em pouco tempo estavaesgotado o contingente de médicosdisponível pelo que foi decididoreinspeccionar todos os médicos atéaos 35 anos. No mês de Janeiro de1963, os primeiros 400 médicos fo-ram incorporados como soldados ra-sos para uma rápida recruta em Ma-fra. Se exceptuarmos alguns que, re-correndo a processos pouco trans-parentes conseguiram passar à dispo-nibilidade, todos os outros foram in-corporados em unidades militares ecumpriram uma comissão de servi-ço no Ultramar que no mínimo du-rou dois anos. Foi assim que duran-te cerca de 15 anos as colegas mé-dicas, dispensadas por questões de“género” de participarem na defesada Pátria, foram subindo na carreirahospitalar, ocuparam vagas e ganha-ram terreno em relação aos cole-gas que, no Ultramar, aguardavamcom impaciência a passagem à dis-ponibilidade. Eu sei que tudo istopertence a um passado remoto eque teve efeitos moderados por-que o número de médicas era naaltura bastante reduzido. Mesmoassim merece ficar registado nahistória da nossa profissão.

O segundo período começou em1977 com a instituição do numerus

clausus. A partir dessa altura o ingres-so nas Faculdades de Medicina ficoucondicionado pela classificação final nocurso liceal, e o nível de exigência paraingresso na Faculdade passou a seraltíssimo. Não sou especialista destesassuntos em que outros – psiquiatras,psicólogos, sociólogos – terão uma pa-lavra mais autorizada a dizer. Mas éopinião corrente que o critério danota mais alta favoreceu o “género”feminino por mais do que uma razão.Sabe-se que a adolescência nos rapa-zes é um processo agitado e marcado

reiras ou escolha para funções de che-fia. Que me lembre, os critérios usa-dos entre nós, têm-se baseado nas ca-pacidades, nos conhecimentos e nadedicação de cada um ou de cada uma,à mistura com pequenas doses denepotismo: nada têm a ver com osexo. Para explicar o número aindamuito baixo de mulheres a ocuparcertos cargos para os quais mais doque obrigação terá que haver algumadevoção, há que procurar outras ra-zões como por exemplo o peso ex-cessivo das tarefas domésticas e fa-miliares.

Vamos então às causas da influênciacrescente das mulheres na profissãomédica. Quanto a este aspecto há quedistinguir dois períodos. O primeirodecorreu a partir de 1961, prolon-gou-se até 1974, e atingiu em cheio aminha geração. Vejamos como tudo sepassou.

Soltado o grito de guerra “Para An-gola rapidamente e em força”, os Ser-viços de Saúde do Exército planea-ram, em grande, a cobertura médicados primeiros contingentes militares:

“Medicina no Feminino” foi o títulodado a um dos últimos números daRevista da Ordem dos Médicos1. Com-preende-se a iniciativa tendo em vistao número de mulheres a praticar ac-tualmente uma profissão que, fundadapor Asclépio, parecia de início desti-nada aos homens. É também fácil deadmitir que quem teve esta ideia setenha confrontado com um dilema:incluir apenas artigos assinados pormulheres ou organizar uma mo-nografia acerca da importância cres-cente das mulheres na profissão mé-dica. O resultado acabou por ser umproduto híbrido com um pouco detudo: textos literários, artigostécnico-profissionais, e reflexões so-bre os “géneros” e a medicina.

Entretanto ficámos a saber váriascoisas. Que os “artigos escritos porsenhoras” são raros porque a res-posta ao pedido de colaboração éinvariavelmente: “gostava muito masnão tenho tempo”. Que “as mulhe-res na medicina têm mostrado umavantagem comparativa sobre os ho-mens em vários domínios”. Que “seo país fosse governado por mulhe-res melhor iriam as coisas”. Que “ohomem também tem (alguma) impor-tância na sociedade” porque “servepara amar a mulher”. Nada de grave,portanto.

Sinceramente, aquilo que eu penso éque se perderam duas belas oportu-nidades: uma para reflectir sobre ascausas e as consequências de um fe-nómeno que, sendo vasto porque seinscreve num movimento geral deemancipação da mulher, atingiu espe-cialmente a profissão médica; outrapara tentar compreender como é queuma sociedade considerada tão con-servadora e tão machista como a nos-sa, nunca exibiu sinais de descrimina-ção em relação às médicas no que dizrespeito a salários, promoção nas car-

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António José de Barros Veloso

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que, ali mesmo e rapidamente, lhesfosse dada uma explicação. Que que-ria ele dizer com isso? Apanhado desurpresa e já sem poder voltar atrás,o visado disse que “que se lhe des-sem uns minutos ele explicaria tudo”.E explicou: “Entre homens e mulhe-res existem diferenças biológicas quetodos reconhecem e aceitam facil-mente (massa muscular, estruturaóssea, atmosfera hormonal, papel nareprodução), nada disso levanta pro-blemas, mas quando se fala de com-portamentos emocionais e de inteli-gência as coisas complicam-se”. Oraachava ele que, em termos médios enão exclusivos, existem variantes nadadesprezíveis entre a inteligência nosdois “géneros”: mais intuitivas e prag-máticas as mulheres, mais especulati-vos e irrealistas os homens. Não es-panta, por isso, que quando se obser-vam grandes grupos em acção, estasdiferenças venham ao de cima e setornem evidentes. É possível que emcertas tarefas que exigem persistên-cia, bom senso e objectividade as mé-dicas tenham trazido um contributopositivo; mas isso já não é tão claroem áreas nas quais a dúvida sistemá-tica, o espírito crítico e a insatisfaçãosão determinantes. Exemplos? “Veja--se a importância exagerada que, noexercício da medicina clínica, tem vin-do a ser dada aos fluxogramas, aosprotocolos e às guidelines. Será que opragmatismo feminino não terá nissouma parte de responsabilidade?”

As médicas presentes, nada conven-cidas mas mais calmas, entenderamque se tratava de uma opinião dema-siado genérica, não fundamentada esem credibilidade. E o visado, depoisde ganhar embalagem com este re-cuo, decidiu que era altura de se mos-trar mais afoito. Acrescentou entãoque a tendência especulativa do ho-mem e a sua maior atracção pelo pen-

samento abstracto fazem com que, deminorias restritas, brotem génios emtrês áreas: filosofia, música e ciênciateórica. Se em zonas intermédias asdiferenças entre os “géneros” não sãoperceptíveis, nas “pontas” há evidên-cias que saltam à vista. E concluiu: “Asmulheres têm-se destacado em múl-tiplas actividades no campo das artese das ciências. Mas são homens e nãomulheres os criadores de sistema fi-losóficos, os compositores sinfónicose os autores das grandes teorias cien-tíficas que revolucionaram o mundo”.E para demonstrar isso mesmo, re-cordou a célebre fotografia tirada naSolvay em 1927: “Ali estavam juntos28 dos grandes nomes que criaram afísica teórica do século XX, entre osquais Planck, Einstein, De Broglie,Niels Bohr, Schrodinger e Dirac. Nomeio deles, apenas uma mulher, aliáscom honras de primeira fila e senta-da à direita do anfitrião: Mme Curie”!

Os criados tinham acabado de servirum tornedó e tudo levava a crer quea conversa, a partir daí, se iria azedar.Será que ele ignorava que a mulherfoi descriminada ao longo de sécu-los? Desconhecia que o poder mas-culino tem empurrado as mulherespara tarefas menores, lhes barrou aentrada nas universidades e criou umacultura de desvalorização das suas ca-pacidades intelectuais? Esquece-se deque os afazeres domésticos e a ma-ternidade exigem das mulheres umenorme e permanente esforço suple-mentar? Todos sem excepção concor-daram que sim senhor, que tinha ha-vido e havia descriminação. E que,mesmo admitindo que este assuntonunca tenha sido objecto de uma in-vestigação sistemática, existiam na his-tória exemplos bem documentadosque falavam por si. Foi então recor-dada Alma Mahler, a quem o noivo,Gustav Mahler, exigiu o abandono de

por uma certa imaturidade, durante aqual a procura de novas experiências,o exibicionismo e a atracção pelo ris-co favorecem a dispersão e não con-vidam ao estudo. Por outro lado, ape-sar de todas as “revoluções sexuais”e de todos os “movimentos de liber-tação da mulher”, existem indícios deque, nas últimas décadas, persistiu ain-da nas famílias portuguesas uma maiortendência proteccionista em relaçãoàs raparigas a qual favorece a aplica-ção escolar. Poderá haver quem nãoconcorde com estas explicações. Masentão é necessário encontrar outras,eventualmente menos lisonjeiras parao sexo masculino, que justifiquem estefacto incontornável: a partir da insti-tuição do numerus clausus a relaçãodos ingressos nas Faculdades de Me-dicina inverteu-se a favor do “géne-ro” feminino.

Posto isto, a questão que pretendo co-locar é outra: existem ou não diferen-ças essenciais entre os dois “géneros”na forma de exercer a medicina?

Em 1993, durante o Congresso daICAAC em Nova Orleães (cito a datae o local para deixar bem claro quenão se trata de um episódio inventa-do), um grupo de congressistas por-tugueses preparava-se para dar iní-cio a um daqueles longos e cansati-vos jantares oferecidos pela indústriafarmacêutica. Já se servia o peixe,quando o assunto dos “géneros” foisubitamente introduzido como temade conversa. Um dos médicos presen-tes fez então uma declaração explo-siva que vou citar de memória: “A in-vasão da profissão pelas mulheres,transformou profundamente o exer-cício da medicina em Portugal e nemsempre para melhor”.

Foi como quem pega o fogo a um ras-tilho: as médicas presentes exigiram

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uma carreira musical promissora (“Apartir de agora a tua profissão serátornar-me feliz”); Camille Claudel es-cultora genial, aluna de Rodin, con-trariada por tudo e por todos, queacabaria internada num manicómio;Rosalind Franklin que no King’sCollege e já no início dos anos 50 doséculo XX, teve que fazer frente aomachismo da comunidade científicabritânica e só depois da sua mortefoi reconhecida como a maior peritado seu tempo em cristalografia.

Foi então que resolvi meter-me nadiscussão. Dois dias antes tinha en-contrado no French Quarter uma pu-blicação de 1986, da Livraria do Con-gresso dos E.U.A., com o título:“Women Scientists from Antiquity to ThePresent: an Index”. O livro começavacom uma introdução sobre a partici-pação da mulher na ciência a qual temvariado muito ao longo dos séculos.Inicialmente encorajada pelospitagóricos e pelos platónicos iria di-minuir com o declínio do helenismoe a ascensão do Império Romano apartir do ano 200 A.C. Depois da Ida-de das Trevas, o número das cientis-tas voltaria a crescer no século XI,primeiro em Salerno — onde umamédica, Tortula Platearius compiloucom o seu marido uma enciclopédiade medicina – e depois na Alemanhaonde, já no século XII, se distinguiuuma abadessa médica, Hildegard deBingen. A peste negra, a Guerra dos100 anos e o encerramento de con-ventos que se seguiu, provocou umaredução global de toda a actividadecientífica, mas um outro acontecimen-to teve um efeito devastador: a caçaàs bruxas que teve início em 1300 eque se prolongou por três séculos.As mulheres que praticavam medici-na ou alquimia eram torturadas ouacabavam na fogueira: só em 1600foram executadas por suposta práti-ca de bruxaria cerca de 40.000.

Mas o essencial do livro era o índicecom os nomes de 2500 mulheres. Ex-cluídas as da Antiguidade Clássica eda Idade Média, entre as quais Merit

Ptah do Egipto, Apasia de Mileto e atéa nossa Isabel de Aragão, o que paranós tinha interesse eram as cientis-tas dos últimos três séculos. Aí surgi-am dois nomes de projecção mundi-al: Mme Curie e Florence Nightingale.Para além destas e no campo da me-dicina, Gerti Cori e Rosalynd Yalow –ambas Prémio Nobel —, a já citadaRosalind Franklin cujos estudos cris-talográficos foram decisivos para adescoberta do ADN e Helen Taussigque lançou a ideia do tratamento ci-rúrgico das cardiopatias congénitas.Os apelidos de mais duas mulheresincluídos nesta listagem, soam-nos fa-miliares apenas pela sua ligação ma-trimonial a cientistas de renome: Amá-lia Fleming, bacteriologista, segundamulher de Alexander Fleming, e EthelFlorey que com seu marido, HowardFlorey, realizou o primeiro ensaio clí-nico da penicilina em 187 doentescom sepsis.

Mas a curiosidade de todos centrava--se agora noutra questão: “Então eportuguesas? Quantas estavam incluí-das nessa listagem?” – “Além de Isa-bel de Aragão, apenas duas médicas –Elisa Correia e Domitília de Carva-lho – e (imaginem!) uma engenheiraquímica: Maria de Lourdes Pintassil-go”. Esta revelação provocou exclama-ções de espanto, protestos e algumasgraçolas inocentes. E com tudo isto oambiente começava a distender-se epermitia criar um acordo tácito àvolta de duas ideias: “as mulheres têmsido vítimas de descriminação e exis-tem diferenças claras entre a inteli-gência do homem e da mulher”.

Foi nessa altura que me lembrei decitar o livro de Gordon Childe “O ho-mem faz-se a si próprio” que fizera osencantos da minha juventude. O au-tor, depois de descrever as transfor-mações da revolução neolítica duran-te a qual a Humanidade abandonou aeconomia de recolecção para come-çar a semear, a plantar e a domesti-car animais, rematava desta forma:“Todas as descobertas e invenções deque falámos são, a julgar pelos dados

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da etnografia, devidas ao sexo femini-no”. Quer isto dizer que, enquantoos homens caçavam e recolhiam ali-mentos, as mulheres pacientementeobservavam a natureza, procuravamcopiá-la e pô-la ao seu serviço. Foiassim que a pouco e pouco iriam “in-ventar” a agricultura.

Tínhamos chegado à sobremesa e oscriados já serviam uma segunda ro-dada de “Moet Chandon”. Foi entãoque ao meu lado alguém exclamou:“Que se lixem as teorias filosóficas ea 5ª sinfonia! Viva a agricultura!” E to-dos brindámos ao “Eterno Feminino”.

O que este grupo de congressistasportugueses não podia imaginar é quepassados alguns anos o problema dos“géneros” — que sem ter ficado re-solvido tinha sido ultrapassado poreles com alguma elegância —, iria re-bentar com enorme estrondo nosE.U.A. Tudo aconteceu em Janeirodeste ano. Larry Summers, presiden-te da Universidade de Harvard aotentar justificar, numa conferência, abaixa representação das mulheres notopo das carreiras científicas, invocounão apenas a pouca disponibilidadepara horários de trabalho que atin-gem as 80 horas semanais e a discri-minação do sexo feminino praticadapelas universidades, como tambémdesigualdades inatas existentes entreo homem e a mulher. Foi esta últimarazão, apresentada de forma desajei-tada e politicamente incorrecta, quedesencadeou um verdadeiro tempo-ral de protestos. Ao sentir-se acossa-do, o infeliz Summers não teve outrasolução senão pedir desculpas publi-camente. Mas isso não impediu que odebate continuasse na sociedade ame-ricana. Acompanhá-lo a partir de ago-ra, terá um sabor especial para os mé-dicos e médicas que porventura guar-dam ainda uma recordação daquelejantar em Nova Orleães, já lá vão maisde 11 anos.

Lisboa, 8 de Junho de 2005

1 Ver “Revista Ordem dos Médicos” Março 2005

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Era eu aluno do quarto ano de medicina con-tou-me Egas Moniz que um dia o procurara noConsultório um doente jovem, português re-sidente em Paris e que regressara a Lisboa por-que deflagrara a guerra entre a França e a Ale-manha, início da Primeira Grande Guerra, 1914--1918, do século XX. Egas Moniz ouviu-o agu-çado pelo interesse crescente que a persona-gem lhe despertava e, cinquenta anos depois,apoiado na sua enorme experiência da nature-

za humana, descreveu-mo e relatou-me o diálogo aproxima-damente assim: «Era um homem ligeiramente obeso, de rostoredondo com um olhar inteligente e triste. Tinha uma estaturasuperior à média dos portugueses. Dizia ser estudante emParis e não era a primeira vez que consultava um neurologista.Tinha consultado outros em Paris. Descrevia com facilidade asmanifestações que o atormentavam. Tinha uma linguagem muitoexpressiva e que denunciava cultura. Apercebe-se que haviaum fosso entre a infância e a maturidade, uma manifesta au-sência de identidade, aparente incoerência de pensamento e,obviamente, pensamento delirante. A certa altura disse-me:«Sabe doutor, por vezes sinto um desdobramento da minhapessoa. Mas não é apenas um desdobramento psicológico masé igualmente um desdobramento físico». Interrompi-o: «O queme descreve faz-me lembrar um poema que recentemente linuma revista literária portuguesa Orfeu e, que diz mais oumenos isto: Despegam-se-me os braços que vestidos de casa-ca vão ao baile do Vice-Rei. E, o doente surpreendentementerespondeu: Mas esse poema fui eu que o escrevi!. Ao ler opoema suspeitei ser uma manifestação literária e artística deum esquizofrénico.É o poema que Sá Carneiro intitulou 16 escrito em Lisboa emMaio de 1914 e que a certa altura descreve:... As mesas do Café endoideceram feitas arCaiu-me agora um braço... olha lá vai ele a valsar,

Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei...(Subo por mim acima como por uma escadade cordaE a minha ânsia é um trapézio escangalhado...)Este surpreendente episódio que muito meimpressionou despertou-me o desejo sempreadiado de reler Sá-Carneiro com curiosidadediferente da primeira leitura.Sá-Carneiro inicia a sua actividade literária como

Da Medicina e das Belas LetrasMário de Sá-CarneiroO Poeta, Ele e o Outro

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

novelista. No volume de oito novelas Céu em Fogo(1) escritasde 1905 a 1914 entre os quinze e os vinte e quatro anos aprimeira, novela da adolescência, A Grande Sombra, é umdeambular por figurações de um sonho fantástico, de imagenssoltas, depois vibrantes e tumultuosas, adivinhando-se já con-fusão e dispersão, sensualidade e ausência de identidade sexu-al que assume na última novela «Ressurreição». Em Mistério, osuicídio como destruição, libertação e salvação, é uma cons-tante, em contraste com a saudade da infância «... porque nainfância, não possuímos ainda o sentido da impossibilidade...».Já na adolescência desponta a angústia existencial característi-ca da personalidade de Sá-Carneiro quando escreveu a certaaltura «... deixo de ser Eu – mesmo em relação ao que meenvolve... vivo só em metade de mim». Desenvolve o tema,dois anos mais tarde na novela Eu – próprio o Outro que iniciacom uma imagem de pesadelo: «Sou um punhal d’ ouro cujalâmina embotou; tenho a minha alma presa num saguão», paraterminar com a obsessão da morte violenta do Eu-próprio:«Enfim, o triunfo. Matá-lo-ei esta noite... quando ele dormir».Aqui apercebe-se incongruência afectiva e pensamento ilógi-co. Em O Homem dos Sonhos descreve a personagem, a certaaltura, desta forma: «Ele derrubava a realidade condenando-aao sonho. E vivia o irreal». Sá-Carneiro no seus momentoslúcidos tinha consciência do seu mundo autista, da sua perdade contacto com o real, dos seus pensamentos ilusivos, quetransmitia às personagens por ele criados.A Confissão de Lúcio. «Narrativa»,(2) é uma obra da maturidade,escrita em 1913, já com vinte e três anos. A personagem RicardoLoureiro, o amigo que Lúcio conhece em Paris e que por fimé protagonista da tragédia, mais tarde em Lisboa, descreve-sedesta forma. «Desde criança que, pensando em certas situa-ções possíveis [...] eu, antecipadamente me vejo ou não vejonelas. Por exemplo: uma coisa onde nunca me vi, foi na vida...Eu, nesse, nunca me figurava. Mas noutro qualquer, outro qual-quer porém, só poderia dar-se por meu intermédio».Em 1914 no poema 7 em Indícios de Ouro Sá-Carneiro confes-sa-se: «Eu não sou eu nem o outro, / Sou qualquer coisa deintermédio: / Pilar da ponte do Tédio/ Que vai de mim para ooutro».Assim, repete e insiste no angustiante desdobramento da suapersonalidade: «Eu - próprio o outro». E, mais adiante RicardoLoureiro continua: «... o meu mundo interior amplia-se... ehora a hora se excede ! É horrível».Tudo isto revela défice na interacção pessoal em Sá-Carneiro.

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Eduardo Macieira Coelho

H I S T Ó R I A S d a H I S T Ó R I A

Ainda na Confissão de Lúcio quando descreve a sala de umaamericana famosa que Lúcio conhecera em Paris e onde se irárealizar um espectáculo, escreve «... o mais alucinador era ailuminação [...] Essa luz – evidentemente eléctrica – provinhade uma infinidade de globos, de estranhos globos de váriascores, vários desenhos, de transparências várias – mas sobre-tudo de ondas que projectores ocultos nas galerias, golfavamem esplendor. Ora essas torrentes luminosas, todas orienta-das para o mesmo ponto quimérico do espaço, convergiamnele em um turbilhão meteórico, é que elas realmente emricochete enclavinhado, se projectavam sobre paredes e colu-nas, se espelhavam no ambiente da sala, apoteatizando-a ...».Nestas sensações de tanto pormenor, porventura por ele ex-perimentadas, Sá-Carneiro faz a descrição de um delírioalucinatório dramático que tipifica uma psicose.A relação entre Lúcio, Ricardo o amigo e, a mulher deste,Marta, é de uma ambiguidade incongruente. Ricardo quer queMarta seja amante de Lúcio e Lúcio em êxtase amoroso con-funde o rosto de Marta com o rosto do amigo. Por fim, Ricardoconfessa a Lúcio: «Dedicavas-me um grande afecto e eu que-ria retribuir-to [...] só se te beijasse, se te possuísse [...] Ah !mas como possuir uma criatura do mesmo sexo ? [...] MandeiMarta ser tua [...] mas estreitando-te ela, era eu próprio quemte estreitava [...] foi como a minha alma sendo sexualizada setivesse materializado». A seguir Ricardo leva Lúcio para juntode Marta e desfecha um revolver sobre Marta. Mas quem caimorto é Ricardo e Marta desaparece, «Evolara-se em silên-cio».Aqui revela-se incongruência de afecto e da identidade sexualque se transforma em afecto – homossexual, também pensa-mento ilógico e, a solução da ambiguidade do afecto por actoagressivo.Dieter Wall(3) num estudo da obra de Sá-Carneiro interpretaa relação entre os protagonistas da narrativa A Confissão deLúcio como se o autor pretendesse essencialmente a aspira-ção a um ideal artístico e expressar a comunhão em arte.Maria Ema T. Ferreira(4) conclui que as novelas de Sá-Carneirodocumentam uma técnica narrativa introduzida por ele pró-prio como projecção e desdobramento do eu sobre a realida-de circundante, que aparece deformada. No entanto, admiteser uma técnica de narrativa que identifica o génio com aloucura.Maria Aliete Galhoz(5) considera Sá-Carneiro como herói úni-co das suas novelas que se desdobra em ficção de si próprio e,Luís de Montalvor(6) entende Sá-Carneiro como definindo-sepela mais extreme desintegração de seu mesmo eu, ou sejaum ser que se oferece no desdobramento da sua personalida-de.Gaspar Simões(7) numa análise psicológica de Sá-Carneiro afir-ma que a obra de Sá-Carneiro «é uma tentativa de fuga porinadaptação [...] é uma auto-biografia, sentia-se despersonaliza-do [...] percebia-se sem realidade perante o mundo [...] o re-conhecimento do mundo como entidade independente do eucondena-o a ser um elemento inconsciente desse mundo».Todos estes estudiosos da obra de Sá-Carneiro apercebem-

-se da natureza patológica do autor tendo contudo dificul-dade em o afirmar.Com vinte e três anos, em 1913, decide Sá-Carneiro aban-donar a novela e encontra na poesia a forma de expressãoartística e literária.Para Gaspar Simões(7) os poemas de Sá-Carneiro «eram es-critos por crises. O poeta seria acometido por uma espéciede delírio poético para acabar, depois, numa espécie de exa-me de consciência. À medida que o delírio se desvanecia,Sá-Carneiro ia tomando consciência de si – mesmo».Se analisarmos a poesia de Sá-Carneiro vemos como reveladesdobramento do eu, incoerência de pensamento e do afec-to, pensamento ilusivo, delírio, alucinação, depressão e recusado real pressupondo outra realidade, que Egas Moniz sus-peitara na leitura do poeta que mais tarde o iria procurarcomo doente:– desdobramento e dispersão da personali-dade –Por sobre o que Eu não sou há grandes pon-tesQue um outro, só metade quer passar(Ângulo);Quero reunir-me, e todo me dissipo –Luto, estrebucho ... Em vão!

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Silvo p’ além(Álcool);– dispersão da personalidade e recusa doreal – Não sinto o espaço que encerroNem as linhas que projecto:Se me olho a um espelho, erro –Não me acho no que projecto(Dispersão);– fuga à realidade –Afronta-me um desejo de fugirAo mistério que é meu e me seduz(Partida);Onde existo que não existo em mim?(Escavação);Irrealidade em mim ondeia

... – Ao meu redor eu sou Rei exilado(Distante Melodia);– tortura autista –Castrado de alma e sem saber fixar-me... Serei um emigrado doutro mundo(Como Eu Não Possuo);– alucinação, delírio, e pensamento ilusório –Imagens, formas, sons luzesQue volteiam dentro de mim(Rodopio);Sou estrela ébria que perdeu os céusSereia louca que deixou o marSou templo prestes a ruir sem deus,Estátua falsa ainda erguida ao ar(Estátua Falsa);Quando chega o piano estala agoiroE medem-se os convivas logo, inquietosAlargam-se as paredes, sobem tectos;Paira um luxo de adaga em mão de moiro(El – Rei);– tomada de consciência da sua incoerência e seus delírios –E eu que sou o rei de toda essa incoerênciaEu próprio, turbilhão, anseio por fixá-la

(A Queda);Oh! regressar a mimprofundamenteE ser o que já fui no meudelírio...(Escala);– depressão –E cinzas, cinzas só, em vezde fogo...- onde existo que nãoexisto em mim?(Escavação);Nada me expira já, nadame vive –Nem a tristeza nem ashoras belas(Além Tédio);

Um pouco mais de Sol – e fora brasaUm pouco mais de azul – e fora alémPara atingir, faltou-me um golpe de asaSe ao menos eu permanecesse áquem ...(Quási).No poema Manucure, no início há pensamento lógico e coe-rente que por fim evolui para pensamento ilusório e delíriometafórico. Este poema recorda a A Confissão de Lúcio. A per-sonagem Gervásio Vila-Nova descreve a Lúcio um movimentoliterário «cuja novidade residia em os seus livros serem im-pressos [...] numa estrambótica disposição tipográfica, e ospoetas e prosadores [...], abolindo a ideia [...], traduziam assuas emoções unicamente em jogo silábico, por onomatopeiasrasgadas, bizarras: criando mesmo novas palavras que coisaalguma significavam e cuja beleza, segundo eles, residia junta-mente em não significarem coisa alguma ...».Na verdade os poemas de Sá-Carneiro reflectem até àsaciedade a sua psicose. Mas são magníficos. Uma surpreen-dente explosão de vocábulos, metáforas, cheios de tensão eintenção, gerando um universo irrealista de emoções ambiva-lentes, de orgias de delírio, com ritmo e musicalidade alucinantes,mas poemas de grande beleza.Em 1916 Sá-Carneiro escreve o poema Fim:Quando eu morrer batam latas,Rompam aos saltos e aos pinotes,Façam estalar no ar chicotes,Chamem palhaços e acrobatasQue o meu caixão vá sobre um burroAjaezado à andaluza...A um morto nada se recusa,E eu quero por força ir de burro !E em Abril desse Ano, depois de o anunciar repetidamente aamigos, Sá-Carneiro suicida-se com estricnina no seu quartodo Hotel de Nice em Montmartre. Para o efeito, vestira osmoking.Diz-se que mais tarde Fernando Pessoa afirmou: «Sá-Carnei-ro não tem biografia, só génio».Aos génios, igualmente, não se passam atestados de saúdemental.

Bibliografia1. “Céu em Fogo” . Novelas. Obras Completas de Mário de Sà –Carneiro. Ática, Lisboa, 19562. “A Confissão de Lúcio. Narrativa”. Obras Completas de Máriode Sá – Carneiro. Ática. Lisboa, 19453. Wall D. Decifrando “ A Confissão de Lúcio”. Revista da Faculda-de de Letras da Universidade de Lisboa, N.º 13, Série III. Lisboa,19714. Ferreira M E T. Introdução. Mário de Sá – Carneiro, Poesias.Biblioteca Ulisseia. Lisboa, 20005. Gallhoz M A. Prefácio. Obras Completas de Mário de Sá – Car-neiro. Céu em Fogo, Novelas. Ática. Lisboa, 19566. De Montalvor L. Nota Editorial. Obras Completas de Mário deSá – Carneiro. A Confissão de Lúcio, Narrativa. Ática. Lisboa, 19457. Simões J G. Estudo Crítico. Obras Completas de Mário de Sá -Carneiro, Poesias. Ática. Lisboa, 1946.

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Era esta, então, a larva voraz de uma mosca africanasubsahariana que, sem sua licença, se instalara, com inten-ções totalmente parasitárias, no tecido dermohipodérmicodo dorso do seu pé, e com que prurido, com que comichãoprovocante, com que insónia noctívaga.

Para adormecer, desafiou-se a si próprio não a contar car-neiros, mas a auto-avaliar-se na área dos vocábulos es-pecíficos. Começaria com vozes de animais, tentando adi-vinhar aqueles termos que os outros membros da equipa,ainda que julgando-se mais doutos, desconheceriam (nãoobstante serem doutores). Acreditava que poucos saberi-am que a zebra africana relinchava e zurrava como qual-quer burro lusitano. E a mesma ignorância manifestar-se-iaa respeito do crocodilo, que bramia e soprava; e da aves-truz, que grasnava, roncava e rugia.

Quanto ao gargalhar da hiena, algunsresponderiam gargalhar, outros diri-am gargalhear, e todos os termos es-tavam certos, pois eram parte do fol-clore e do pouco de verdade quequalquer colono julgava conhecer emrelação a esses interessantes carní-voros “devoradores de carne

putrefacta”. Assim, se tal hipotética sabatina alguma vez seviesse a realizar, daria preferência ao leopardo, que não sóbramava, como rugia e urrava.

Já a ceder ao sono, o enfermeiro Jerónimo teve a percep-ção que aquele torneio vocabular não seria justo nem im-parcial, dada, a seu favor, a sua circunstância ingénita denativo africano, de que tanto se orgulhava.

Este motivo de honra e glória convivia fraternalmente, noentanto, com o sentimento muito íntimo de pertencer àraça de Camões. Na verdade, quem como ele conhecia oilustre vate e o seu grande poema oceânico ‘Os Lusíadas’.Ou a obra poética de D. Dinis, o mais fecundo trovadorportuguês, autor daquele lindo poema ‘Ai flores, ai flores doverde pino’ e de muitas outras cantigas de amor (e algumaspoucas de “maldizer”)? Ou os romances históricos de Ale-xandre Herculano Eurico, o Presbítero e O Monge de Cister.

O enfermeiro Jerónimo até sabia que Herculano, além deter sido romancista, dramaturgo, poeta, historiador e polí-tico, tinha obtido louros na prática da lavoura, produzindona sua quinta em Vale de Lobos (Santarém) um azeite dealtíssima qualidade, o que lhe valera um prémio internacio-nal; facto que os médicos daquela brigada desconheceriam,

em absoluto, mau grado serem portugueses da Metrópole.

Jerónimo amava todos os autores lusitanos, mas distinguia,entre tantos, o talento de Almeida Garrett, que nos legaraobras românticas que ele, nos seus bons tempos escolares,de tal modo estudara e analisara que se tornara num espe-cialista. O nosso erudito enfermeiro recordava as suas re-dacções sobre Viagens na Minha Terra, Frei Luís de Sousa, OAlfageme de Santarém, composições que resultavam em pe-quenas obras-primas, reconhecidas com muito mérito pelasua inesquecível professora Drª. Branca Adozinda.

Em relação aos médicos daquela brigada sanitária, sentia--se, confortavelmente, bem mais culto: o oftalmologista (odoutor mwana*, das mulheres macondes) além das frequen-tes queixas de dispépsia e desconforto centralizado na par-te superior do abdómen, achaques que ele sintetizava aca-brunhado, com o rótulo swahili de matumbo**, só pareciadar importância a um escritor da sua região, um contistamédico de seu nome João de Araújo Correia, que elelouvaminhava com grandes encómios, informando tratar--se de um verdadeiro clássico, de um ficcionista de valoruniversal.

O dermatologista, ainda que supostamente um eminenteleprólogo e micologista, evidenciava conhecer bem, apenase tão somente, um colega médico de Coimbra, Miguel Torgade seu pseudónimo literário, para o qual reclamava, cominsistência, a atribuição de um Prémio Nobel.

Esta superioridade no conhecimento da bibliofilia portu-guesa conferia a Jerónimo uma relaxante satisfação, umabeatífica hipnose, pelo que, a breve trecho, despreocupada-mente, adormeceu.

O dia seguinte foi, por consenso universal, dedicado aotratamento da míase furunculóide do pé do enfermeiroenfermo. Por processos que se iriam discutir com o in-teressado, pôr-se-ia um ponto final à agressão da TumbuFly antropófaga!

Não chegou a haver grande controvérsia quanto ao mé-todo a seguir. Foi lembrado que a evacuação cirúrgicasob anestesia local faria correr o risco de seccionar alarva, o que podia levar à formação de um granulomapor corpo estranho.

O próprio paciente, com artes de contorcionista, suge-riu a aplicação de tabaco macerado, essência de anis,chewing-gum, parafina e mais uns tantos produtos

Cordylobia Anthropophaga

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oclusivos que teriam o efeito de provocar a asfixia dalarva, que em estado de aflição, migraria para fora dapele, em curto espaço de tempo.

Porém, tudo se resolveu, num instante, da forma mais sim-ples: a modesta e delicada Drª Mariazinha (esposa do dele-gado de saúde goês que albergava a equipa sanitária) fez ashonras da casa e tomou a iniciativa da remoção da larva.

Com um corpo gordo recobriu toda a tumefacção inflama-tória do dorso do pé de Jerónimo, e por suaves, quasecariciosos, movimentos de pressão fez aparecer a extremi-dade caudal do verme, onde se destacavam dois pequenospontos negros correspondentes aos orifícios respiratóriosda larva, agora em sufocante asfixia. Com a ajuda de umapequena pinça, exibiu o corpo cilíndrico recém-expulso,perante os olhos aguados de gratidão de um confusoJerónimo.

Enquanto a médica terminava a sua tarefa, procedendo auma antisepsia local ligeira, Jerónimo imaginava ver a pre-sença da sua amada professora da disciplina de Português,no rosto tão parecido daquela jovem mulher goesa, igual-mente afectuoso, aprazível e doce.

Por outro lado, acreditando que nesta vida terrestre sepode sempre encontrar um verdadeiro anjo, em determi-nados momentos e em certas alturas especiais, sentiu queaquela bela jovem, de traços tão finos e com um olhar tão

profundo e de tão estranho fulgor, só podia ser uma angelicale delicada mestiça de sangue (talvez – pensou – hebreu eindiano).

Sentindo-se feliz e liberto da larva antropófaga, acudiram--lhe à mente fragmentos duma poesia de Frey JoannesGarabatus***;

«Mestiços somos nós todose eu também

..............................

Mestiços somos nós todosJudeus e mourose ainda bem.»

* mwana, (wa-) child, son, daughter (filho) in Swahili-EnglishDictionary at http://mwanasimba.online.fr/VOC/cadre_vocswaen.htm** matumbo – bowels, entrails, intestines in http://research.yale.edu*** Um dos heterónimos de António Augusto de MeloLucena e Quadros, que em Moçambique foi uma figura degrande relevo, como professor, poeta e pintor.

Manuel José Campos MagalhãesDermatologista

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005 51

Longe, quase bem longe, a mais de 190 quilómetros de distância,em plena região Duriense, as salicáceas teimavam em crescer eestender as suas vergônteas para além do espaço contíguo quelhes permitia respirar e, em consequência, sobreviver às intem-peranças dos climas, incluindo os invernais.

Mas não eram só os invernais que incomodavam deveras estesseres vegetais; já os climas veranegos quase insultavam a postu-ra estável dos mesmos, o que os punha de sobreaviso a umpossível desaparecimento constante solar, embora não se en-contrassem num dos pólos. Felizmente, a realidade era que osol consentia aos seus quase subordinados entes animados, sa-tisfazerem-se e verterem as suas resplandecentes efluências, aolongo de suas cascas duras e inamovíveis.

Ali, em pleno pinhal Leiriense, as pináceas com as suas agulhaslongilíneas e pontiagudas faziam prolongar a realidade naturalpara além de uma área restrita; os cernes profundos, os xilemastransportando as seivas ininterruptamente, os câmbios cres-cendo e envolvendo o ser como uma bainha sedosa, os floemastransformando-se quase imperceptivelmente nas definitivas cas-cas, eram no fim de contas os mesmos ali e além, bem longe. Aimobilidade física vegetal não impedia, nem impede que o co-nhecimento arbóreo seja fundamentalmente e sensivelmente omesmo, em qualquer ponto do território ou até planetário.

O Leopoldo ia reflectindo nisto e rodeando o assunto de diver-sas formas; mas acabava por dar a mão à palmatória, dandorazão à universalidade daquele tema. “era mesmo assim”; asárvores são dotadas de formas diferentes, alturas diferentes,larguras diferentes; é certo. Mas certo também é que elas funcio-nam de maneira semelhante. Todas bombeiam a água, engraça-do, com uma poderosa força das mais eficazes que se conhe-cem. E no entanto, estão quietas, não se mexem. Têm uma forçaavassaladora que funciona durante muitas décadas e que, diaapós dia, está em exercício constante; só que não se deslocam.

Leontina ia ao volante e não fazia ideia do que pensava Leopoldo.Era uma mulher com as medidas físicas e psicológicas das mu-lheres ambiciosas: relativamente baixa, não deixando de ter es-trutura atlética, nariz ligeiramente adunco, lábios finos com umaligeira concavidade inferior. Os olhos eram de cor castanha ave-lã, aliás como os dele. Os olhos de ambos entendiam-se às milmaravilhas, em virtude de não haver diferenças de tonalidades ede, além do mais, terem uma conformação iberizada descaídado ângulo interno para o externo, ou seja, eram olhos quase

Uma viagemEtérea

C O N T O S

peculiares, que lhes faziam lembrar os inesquecíveis fragmentosorográficos das medianas montanhas, no seio das quais surdirame foram paulatinamente crescendo. A pele dela era alva comomarfim; a dele era amorenada, ficando mesmo acastanhada com20 horas de exposição solar.

A viatura circulava a baixa velocidade, em virtude dela ser umacondutora amante da lentidão automóvel mesmo em locais tãosossegados como aquele, onde o arvoredo era predominante eonde a estrada serpenteava quase solitária, pois o trânsito eraanimadamente reduzido. Ambos, aliás, gostavam de árvores des-de o tempo em que conheceram os tulipeiros, já lá iam 8 anos.De facto, os tulipeiros uniram ainda mais o destino de ambos,que viram nas suas flores purpúreas auspiciosos dias de roman-ce exaltado. Com efeito, aquele dia era disso prova; sentiamtanto a interdependência como as diversas formas de manifes-tações da natureza: a resina era uma delas; escorria para os seuspequenos recipientes de latão e esperava pacientemente que aviessem buscar. A estrada ia sendo vencida sem dificuldades,ouvindo-se o fragor produzido pelo confronto entre os parale-los graníticos e as quatro rodas; este efeito era favorecido pelofacto dos vidros das janelas se encontrarem descidos completa-mente, o que permitia a circulação de ar e outros componenteslivremente. Era uma sensação, com efeito, exageradamenteaprazível e indizível.

José Barbosa Leão

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De quando em vez, entreolhavam-se para aumentar,inconscientemente, a união deles, a sós, naquele habitáculo,com aqueles eloquentes lugares, onde o silêncio era perse-guido por seus bem-vindos opositores: dentre eles, os gor-jeios podiam escutar-se a centenas de metros, o que encur-tava as distâncias e os fazia quase sustar no tempo e noespaço. Contudo, sabiam bem como tudo era relativo, espe-cialmente relativo ao tempo e ao espaço; e aquele espaçoera limitado, os limites existiam e teriam que entrar noutrosdomínios, nos domínios da sua própria natureza humana, paraa qual contribuíram com o seu saber racional e a sua forçamuscular; no fundo, aquela solidão a dois, adicionada de gor-jeios harmoniosos e de correntes de ar refrescantes, era dejaez quase pecaminosa; no fim de contas, a mácula podia con-siderar-se existente, apesar deles não se tocarem fisicamen-te naquele etéreo deslocamento.

Para eles, tocarem-se não era a condição indispensável paraalmejar a um estado de absoluta satisfação e isso fazia delesdois seres ideais e com ideais quase metafísicos. O físicoexistia sim, os seus corpos estavam ali deslocando-se, esta-vam envoltos por físicos palpáveis, mas, lá no fundo, a fusãocom a metafísica e a aliança com o tempo, faziam deles maisdo que dois viajantes num mecanismo movido a gasolina.Estes momentos iriam perdurar e tudo se iria gravar naque-les lugares e naquelas atmosferas; e mesmo os astros longín-quos iriam sentir os desejos deles, as suas palpitações, iriamsentir os seus planos; iriam, os astros, gravar os seus percur-sos, gravar as suas dissensões.

Depois de percorrerem alguns quilómetros dentro do bos-que enfeitiçador, eles acharam-se, por obra por pouco sobre--humana, num conjunto de morros desprovidos de árvores,

C O N T O S

Novos sabores

O Degusto – Ristorante e Wine Bar,onde é sempre possível encontrara gastronomia italiana, fiel aos sa-bores originais dos ingredientes,lançou um novo Menu de Verão, re-cheado de desafios gastronómicos,numa vertente mais mediterrânica,onde poderá descobrir algumasnuances da gastronomia espanholae a beleza e sensualidade da gas-tronomia Francesa. A carta de vi-nhos, apresenta como sempre umaoferta com mais de 400 vinhos,prontos para acompanhar e pro-porcionar grandes experiênciasgastronómicas e vínicas, assim comovinho a copo.

CULTURA

mas cobertos por urzes; a visibilidade das curvas e contra-curvas passara a ser bastante boa; foi quando a Leontina selembrou:– Leopoldo, anda aqui um casal de moto a fazer assaltos háuns dias; assaltaram uns vizinhos e roubaram-lhes todo oouro e todos os documentos!– E só agora é que te lembras de tal? e se formos tambémvítimas?– Olha, sabes? Passou-me, passou-me completamente. E foipor ir ao teu lado. Sabes isso, não sabes?– Mas o mais importante é a nossa integridade. Ou não será?– Não o mais importante é irmos aqui como um só; um sóser amado e amante!

Os morros sucediam-se e, de facto, notavam-se uns trilhosque desembocavam na estrada e que poderiam ser acessofácil para uma moto todo-o-terreno. Fora por eles, com cer-teza, que o casal aflorara à estrada e fizera os seus estragos.

Leontina e Leopoldo, com efeito, acharam por bem acelera-rem e darem, assim, menos hipóteses a um possível assalto.

Evidentemente que a beleza cerúlea do céu, naqueles luga-res, não foi devidamente apreciada. Contudo, as inclinaçõessucessivas da viatura faziam com que a crosta terrestre semovimentasse aos seus olhos. A natureza não parava quietae adoptava formas diferentes e sucessivas; a dualidade azul--verde encantava-os e revigorava-os.

Passados uns minutos, embrenharam-se num outro bosqueque, no fundo, era parte integrante do primeiro. Aqui, senti-ram algum alívio e voltaram ao sentimento de que aquelesmomentos pertenciam a um todo eternal.

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Mercury Music Prize 2005

A EMI é a editora mais vezes repre-sentada no Mercury Music Prize 2005com:- KT Tunstall - Eye to the Telesco-pe (http://www.kttunstall.com/)

- The Magic Numbers - The MagicN u m b e r s ( h t t p : / /www.themagicnumbers.net/)

- Coldplay - X&Y (http://www.coldplay.com/)

Coçar onde é preciso

Um homem incomodado, inquieto e muito, muito...humorado. Bem ou mal... mas humorado. As várias facetasdo português caricaturado no novo espectáculo de JoséPedro Gomes. Durante mais de uma hora conheça o seuponto de vista sobre a velhice, as tabuletas, os mirones emuito, muito mais. Peça protagonizada e escrita por JoséPedro Gomes com direcção de Sónia Aragão e José Pedro

Gomes. A estreia nacional ocorrerá no Fórum Machico (na Ilha da Madeira)nos dias 2 e 3 de Setembro, dia 16 de Setembro José Pedro Gomes apresentá--la-à em Figueiró dos Vinhos e, no final de Setembro, poderá ver esta peçano Teatro Armando Cortez/Casa do Artista, em Lisboa.

O prémio Mercury Music é atribuídoa um dos 12 melhores álbuns por umartista britânico ou irlandês. No anopassado os estreantes Franz Ferdinandforam os vencedores. Entre os nome-ados deste ano destacam-se nomescomo Antony And The Johnsons, M.I.A.ou Kaiser Chiefs.

Antologia de Iggy Pop

A edição especial de «A Million In Prizes:The Iggy Pop Anthology» inclui comen-tários de outras personalidades mundi-ais do mundo da música sobre o contri-buto de Iggy Pop. Canções como «1969»,«I Wanna Be Your Dog», «Search AndDestroy», «Raw Power», «China Girl»,«Lust For Life», «I’m Bored», «Cry ForLove», «Wild America», «Corruption»,«I Felt The Luxury», «Mask» e «SkullRing» a par de uma lista de DVD’s queincluem nomeadamente «Real WildChild», «The Passenger», «Death Trip»e «Louie Louie», compõem esta antolo-gia. Em Agosto Iggy Pop actuará no LeedsFestival e no Reading Festival, ambos emInglaterra.

Sinead O’ConnorAo longoda suacarreiraS i n e a dO’Connortem sidouma dasv o z e smais re-quisita-das do

universo pop. Ombreando com a reco-nhecida qualidade dos seus quatro álbunsde estúdio, algumas das mais notáveis gra-vações de Sinead O’Connor encontram--se em discos de outros artistas. Experi-ências em diferentes ambientes estéticosque formam um todo de excepção. É dis-so que trata Collaborations, um álbumexcepcional que reúne as várias partici-pações de O’Connor, até aqui dispersas,ao lado de artistas comoMassive Attack, U2, Jah Wobble, PeterGabriel, The The ou Moby.

Best of Fado 3Em Bestof Fado 3voltam ajuntar-seclássicosde sem-pre ec o n s a -g r a d o sda nova

geração - Amália, Camané, Mariza, Alfre-do Marceneiro, Carlos do Carmo, Argen-tina Santos, Max e Kátia Guerreiro, Ma-ria da Fé, entre tantos outros.

C U L T U R A

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ABATIMENTOS E DEDUÇÕESAOS RENDIMENTOS DE 2005

1. ABATIMENTOS

1.1 – Dedução específica do trabalho dependente (Art.º25.º):72% de 12 vezes o salário mínimo mais elevado ou o valordas contribuições totais pagas efectivamente à SegurançaSocial quando superiores.Este limite é elevado em 50% para deficientes com grau dedeficiência superior a 60%.1.2 – Dedução Específica de Pensões (Art.º 53.º): Tem o limite de 8.283,00€

Este limite é acrescido de 30% no caso de sujeitos passivoscom grau de incapacidade superior a 60%1.3 – Organizações Sindicais (Art.s 25.º e 53.º):Valor pago acrescido de 50% até ao limite de 1% do rendi-mento bruto de trabalho dependente ou de pensões.1.4 – Pensão de Alimentos (Art.º 56.º): Totalidade dos encargos quando fixados na respectiva sen-tença judicial.1.5 – Rendimentos profissionais (Recibos verdes) – Regi-me simplificado (Art.º 31.º):O rendimento bruto é abatido de 35% para despesas eencargos, não sendo necessários quaisquer documentos.Não poderá resultar um rendimento líquido global inferiora metade do valor anual do salário mínimo (2.622,90€).1.6 – Rendimentos prediais (Prédios arrendados) (Art.º41.º):As despesas de conservação e manutenção suportadas sãoabatidas, quando devidamente documentadas bem como orespectivo IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).

2. DEDUÇÕES À COLECTA

2.1 – Despesas de Saúde (Art.º 82.º)30% das despesas efectuadas com bens e serviços com IVAàs taxas de 0% e 5%, sem limite. As despesas com bens e serviços com IVA à taxa de 19%,são limitadas a 2,5% daquelas despesas ou a 57,00€, desdeque documentadas com receitas médicas (al. d) do Art.º82.º):2.2 – Despesas de educação e de formação profissional(Art.º 83.º):30% das despesas suportadas com o limite de 160% doSalário Mínimo Nacional Mensal (599,52€). Nos agregadoscom 3 ou mais dependentes o limite é elevado em 30% doSalário Mínimo Nacional Mensal por cada dependente(711,93€).

2.3 – Juros e amortizações de imóveis para habitação pró-pria e permanente, rendas pagas pelos inquilinos (contra-tos posteriores a 15/10/91) e entregas para cooperativasde habitação (Art.º 85.º):30% dos encargos com o limite de 549,00€.2.4 – Encargos com lares e outras instituições de apoio àterceira idade relativos a sujeitos passivos, seus ascenden-tes colaterais até ao 3.º grau que não possuam rendimen-tos superiores ao salário mínimo (Art.º 84.º):25% das despesas com o limite de 316,00€.O limite anteriormente imposto pelo n.º 5 do art.º 78.º doCIRS deixou de existir pelo facto do mesmo ter sido abo-lido pela Lei do Orçamento de 2005.2.5 - Prémios de seguros de vida, acidentes pessoais e fun-dos de pensões, 25 % das despesas com o limite de (Art.º86.º):«Casados – 114,00€; não casados – 57,00€.6.6 – Prémios de seguros de saúde (Art.º 86.º, n.º 3):30% dos encargos com os limites de:Casados – 152,00€; não casados – 76,00€

Por cada dependente a seu cargo os limites são elevadosem 38,00€.2.7 – Custos com equipamentos novos para utilização deenergias renováveis e equipamentos para produção de ener-gia eléctrica ou térmica que consumam gás natural (Art.º85.º, n.º 2):30 % das despesas com o limite de 728,00€.2.8 – Donativos à Administração Central, Regional e orga-nismos estatais (Art.º 5.º, n.º 1, al. a) do Estatuto do Mece-nato):25 % das importâncias atribuídas, sem limite.2.9 – Donativos a outras entidades previstas no Estatutodo Mecenato (Art.º 5.º, al. b) do Estatuto):25% das quantias dispendidas com o limite de 15% da co-lecta.2.10 – Donativos a igrejas e instituições que prossigam finssociais, culturais, desportivos, científicos, etc. (Art.º 5.º, n.º2 do Estatuto do Mecenato):25 % das quantias dispendidas com o limite de 15 % dacolecta.São majorados em 30 %.2.11 - Donativos para Mecenato Científico (Art.ºs 3.º e 9.ºdo Estatuto de Mecenato Científico):25% se as instituições forem do Estado (Art.º 9.º, al a)).25% com o limite de 15% da colecta se as instituições fo-rem privadas (Art.º 9.º, al. B).2.12 – Os pagamentos por conta e as retenções (At.º 78.º,n.º 2):Sem qualquer limite.

7 – MANIFSTAÇÕES DE FORTUNA (Art.º 89.º-Ada LGT)

Devem ser declaradas tratando-se das seguintes aquisições:- Imóveis de valor igual ou superior a 250.000,00€

IRS

CONSULTORIA FISCAL

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS • Julho/Agosto 2005 57

- Automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou su-perior a 50.000,00€

- Motociclos de valor igual ou superior a 10.000,00€

- Barcos de recreio de valor igual ou superior a 25.000,00€

- Aeronaves de turismo- Suprimentos e empréstimos feitos no ano, de valor igualou superior a 50.000,00€.

TABELA DE IRS DE 2005.

PAGAMENTOS POR CONTA

Estes pagamentos, quando devidos, devem ser pagos até aodia 20 dos meses de Julho, Setembro e Dezembro.

ALTERAÇÃO DA TAXA DO IVA

De acordo com a lei 39/205, de 24 de Junho, a taxa doImposto sobre o Valor Acrescentado de 19% passa para21% a partir de Julho de 2005.

NÚMERO FISCAL DE CONTRIBUINTE

Qualquer alteração, nomeadamente da residência, deve sercomunicada no prazo de 15 dias em qualquer serviço definanças ou na loja do cidadão, podendo também fazer-seatravés da internet.

Quaisquer dúvidas ou esclarecimentos sobre matéria fiscalpoderão ser tratados todas as 3.as e 5.as Feiras, das 10 às 13horas nas instalações da Ordem dos Médicos, sitas na Ave-nida Gago Coutinho, 151 em Lisboa.

RENDIMENTO COLECTÁVEL

(euros)

TAXAS (%)

Normal

TAXAS (%)

Média Até 4 351 10,5 10,5000 › 4 351 a 6 581 13 11,3471 › 6 581 a 16 317 23,5 18,5985 › 16 317 a 37 528 34 27,3035 › 37 528 a 54 388 36,5 30,1544 › 54 388 40 -