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SABERES DO CORPO E A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL NA FORMAÇÃO
DE PROFESSORES E NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS PARA AS
DIVERSIDADES
A partir de pesquisas desenvolvidas em campos distintos – a Pedagogia, a Educação
Física e a Saúde Mental –, e articulando-se em torno de uma prática cultural comum, as
Danças Circulares Sagradas, os autores reunidos no painel proposto tematizam a
formação de professores e outros educadores na perspectiva da educação intercultural,
tendo o corpo como locus de aprendizagem e análise. No contexto da educação que
passa pelo corpo, a dança em roda (referida à ancestralidade das tradicionais danças dos
povos), como uma expressão de identidade e cultura, é compreendida como prática
social que expressa diferentes histórias e marcas de relações interétnicas. Desta forma,
podem ser compartilhadas, vivenciadas e potencializadas em propostas de educação
para as diversidades. Justamente porque carregam as marcas de diferentes tradições e
culturas, as Danças Circulares Sagradas apresentam-se como um campo aberto para se
tecer e vivenciar relações interculturais positivas, seja na escola, seja em outros espaços
sociais e educativos. A prática simbólica suscitada e os conteúdos veiculados por essa
modalidade de dança provocam-nos a questionar pressupostos da educação escolar, da
formação de professores e da formação de equipes multidisciplinares que atuam no
campo da saúde mental, propondo práticas plurais, abertas, mais inclusivas.
Compreendendo a interculturalidade e a centralidade do corpo na educação da pessoa
como pressupostos para uma educação voltada ao reconhecimento de si na relação com
o Outro, em espaços educacionais formais e não formais, reafirma-se a importância de
promover práticas que provoquem aquele em formação, ou atuação profissional, à
reflexão, à compreensão e ao respeito aos modos específicos e diferenciados de ser e
viver, de cada grupo e povo.
Palavras-Chave: Saberes Tradicionais, Educação Intercultural, Danças Circulares
Sagradas.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
12118ISSN 2177-336X
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SABERES E PRÁTICAS INTERCULTURAIS: DANÇAS CIRCULARES,
CORPO E EDUCAÇÃO DAS DIVERSIDADES
Marina Luar Duvidovich - UFF
Luciana Esmeralda Ostetto - UFF
Resumo
Em diálogo com a produção acadêmica recente sobre a temática, o trabalho aqui
apresentado busca traçar reflexões que articulem aspectos da educação estética e
intercultural que emergem da prática das Danças Circulares Sagradas (DCS).
Consideradas uma expressão ancestral importantíssima na constituição das diversas
culturas humanas e manifestação primordial da coletividade, as danças circulares e seu
caráter ritualístico permitem o acesso ao que existe de mais antigo em muitas culturas e
tradições. Na experiência de dançar em roda, vivenciamos de "corpo inteiro" histórias,
mitos e símbolos próprios de culturas que, por conta de complexas relações de poder,
hoje se encontram ignoradas e marginalizadas em nossa sociedade. Partindo do conceito
de interculturalidade salientamos as DCS como ação pedagógica significativa,
enfocando suas potencialidades para a educação escolar e a formação de professores.
Nas DCS não são necessários conhecimentos prévios de dança ou da coreografia, nem
são requisitadas habilidades técnicas específicas: apenas se espera do participante que
esteja presente e aberto a entregar-se ao fluxo da dança. Libera-se aí uma passagem para
vivenciar o novo, o diferente, o inusitado. No movimento de seguir os passos de danças
indígenas, afro-brasileiras, judaicas ou ciganas, experimentamos a interculturalidade em
sua dimensão fundamental. Ao deslocarmos o ponto de vista do hegemônico para o
"outro", descentralizamos o olhar, ampliamos nossa visão de mundo, alargamos nossa
compreensão da vida e da realidade – não apenas pelo inteligível, mas especialmente
pelo sensível. Questionando pressupostos do modelo educacional vigente, o texto busca
visibilizar as faces estética, afetiva e sensível da pedagogia a fim de trazê-las para a
centralidade das discussões sobre Educação e formação de professores.
Palavras-chave: Interculturalidade; prática pedagógica; danças circulares.
Introdução: pelos fios da cultura e da educação
A partir do conceito de interculturalidade, o texto propõe um diálogo com uma
específica forma de dança: a dança circular dos povos e suas potencialidades para a
educação das diversidades. Justamente porque carregam as marcas de diferentes
tradições e culturas, as chamadas Danças Circulares Sagradas (DCS) apresentam-se
como um campo aberto para se tecer e vivenciar relações interculturais, seja na escola,
seja em outros espaços sociais e educativos. A prática simbólica suscitada e os
conteúdos veiculados por esse tipo de dança provocam-nos a questionar pressupostos da
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educação escolar (pouco inclusiva) e também da formação de professores (para que
contemple práticas mais inclusivas).
Visando ampliar conhecimentos sobre as DCS e discutir sua contribuição para a
área da Educação, o estudo que dá base ao texto consistiu em levantamento e análise das
produções sobre o tema nos últimos dez anos, tendo como guia a questão: que
contribuições as DCS podem trazer à área educacional, sobretudo a formação de
professores? Debruçando-nos especificamente sobre produções acadêmicas,
encontramos na base de dados da CAPES: 15 (quinze) trabalhos, sendo 10 (dez)
dissertações de mestrado e 05 (cinco) teses de doutorado. A primeira pesquisa
localizada sobre o tema é de 2001 (dissertação de mestrado) e a última (tese de
doutorado) é do ano de 2014. Além disso, foram identificados outros materiais
bibliográficos existentes sobre o tema, sejam artigos publicados em periódicos, sejam
trabalhos acadêmicos do tipo Monografia de Especialização.
Para o presente artigo, focalizamos quatro pesquisas realizadas (duas teses de
doutorado, uma dissertação de mestrado e uma monografia de curso de especialização),
considerando que nos quatro trabalhos tomados para análise as autoras apontaram
possibilidades e contribuições que estas práticas corporais trazem ao campo da
Educação, afirmando sua importância (OSTETTO, 2006; COUTO, 2008; PREISS,
2011; e BARCELLOS, 2012). Nossa discussão teórico-analítica, tomando por base o
material bibliográfico selecionado, buscou circular a potencialidade das DCS enquanto
prática educadora intercultural.
Ainda que a produção sobre o tema tenha crescido na última década, como atesta
o levantamento realizado no banco de teses e dissertações da CAPES, pode-se dizer que
é uma temática pouco conhecida do público em geral, por isso faz-se necessário
introduzir e explanar brevemente sobre tais danças, a fim de situar leitores e leitoras – a
isso se destina a primeira parte do trabalho aqui apresentado.
Evidentemente, a compreensão do que são as Danças Circulares Sagradas não se
dará apenas através de uma descrição escrita; como expressão corporal que é, seu
entendimento passa por dimensões que estão além da palavra. Nesse sentido, busca-se
apresentar as DCS, suas características e sua história como movimento cultural, sem
pretensões de definir ou determinar, mas convidar a imaginar a experiência de dançar
numa roda. A partir daí, serão traçadas reflexões voltadas ao campo de estudos da
educação, tangendo relações que atravessam a instituição escolar e seus sujeitos.
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Por sua vez, diversidade cultural e multiculturalismo são termos que vem
tomando cada vez mais espaço nas produções acadêmicas e nos debates sobre educação.
Colocado em pauta inicialmente pelas lutas dos movimentos sociais, sua proposição
está diretamente ligada as militâncias políticas por visibilidade e promoção de direitos
aos grupos identitários socialmente marginalizados. A crescente pluralização de
abordagens sobre o tema, tanto nos espaços de militância quanto na academia, resultam
num fenômeno de multiplicação constante das terminologias utilizadas, tais como
multicultural, transcultural, intercultural, que combinadas a diferentes adjetivações
ampliam o leque de conceitos que permeiam o debate (CANDAU, 2008).
Aqui utilizaremos o conceito de interculturalidade para dialogar com as
potencialidades das Danças Circulares Sagradas, questionando pressupostos da
educação escolar e da formação de professores. Assim será a segunda parte do texto,
costurando elementos abordados pelas pesquisas estudadas com aspectos voltados ao
debate da educação para a diversidade cultural.
Danças circulares sagradas: uma breve apresentação
Num primeiro olhar, as Danças Circulares Sagradas são práticas de dança
desenvolvidas em círculo, como a própria denominação sugere. Não são necessários
conhecimentos prévios de dança ou da coreografia, nem são requisitadas habilidades
técnicas específicas: apenas se espera do participante que esteja presente e aberto a
entregar-se ao fluxo da dança. A atividade é aberta para quem queira partilhar da
experiência do dançar coletivo, sem finalidade de apresentar-se a um espectador, mas
simplesmente como vivência pessoal e coletiva da atividade de dançar.
As DCS configuraram-se como um movimento cultural que hoje conta com um
repertório específico de músicas e danças de todo o mundo, com os mais variados
ritmos e movimentos. Ao participar da atividade, podemos dançar inúmeras
coreografias, sejam elas tradicionais de povos e culturas ancestrais, ou contemporâneas,
elaboradas por coreógrafos com múltiplas inspirações. Estas ligam-se pela
intencionalidade de serem dançadas em comunhão com o outro, fazendo reverberar
simbologias e significados próprios do círculo de dança (WOSIEN, 2000).
É fundamental aqui pontuar que o dançar em círculo é uma prática humana
ancestral. Há centenas e mesmo milhares de anos as danças circulares são parte da
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expressão cultural de diversos povos tradicionais por todas as partes do mundo.
Segundo Couto (2008, p.67), ―as danças circulares são primordiais, poderosas e
universais‖. Manifestação ritualística coletiva, estas danças surgem tradicionalmente
como expressão da conexão dos seres humanos com a natureza e sua dimensão sagrada,
não como espetáculo. Foram as raízes das tradicionais rodas de dança de culturas
populares que inspiraram o início desse movimento conhecido como Dança Circular
Sagrada.
Sobre as origens das DCS como se conhece hoje, existe um consenso na
bibliografia consultada. Elas estão diretamente ligadas ao nome de Bernhard Wosien
(1908-1986), considerado o pai do movimento das Danças Circulares Sagradas. Nascido
na Prússia em pleno começo do século XX, filho de uma família de religiosos
protestantes, Wosien iniciou seus estudos universitários em Teologia, porém
abandonou-os antes mesmo de concluí-los. Em seu livro ―Dança: um caminho para a
totalidade‖, publicado no Brasil em 2000, o bailarino e coreógrafo narra seu percurso
pessoal e sua história com a dança. Nele, descreve o quanto sua trajetória na arte esteve
sempre marcada pela espiritualidade, cultivada desde a infância (WOSIEN, 2000).
Dedicou-se também à pedagogia e atuava como docente da Escola Técnica para
Estudos Sociais em Munique quando, em meados dos anos 1960, formou um grupo na
Escola Popular Superior com o qual viajou pela Europa pesquisando as velhas danças
de roda (comumente chamadas de danças folclóricas). Ao tomar contato com as danças
tradicionais, encantou-se pela cultura popular e por sua forte conexão ritualística com as
raízes da fé dos povos. A dimensão sagrada das danças folclóricas de roda marcou
Bernhard Wosien em sua trajetória com a dança dali em diante. Nessa época, ao
descobrir o enorme potencial de cura holística presente nestas danças de roda, passou a
desenvolver seu trabalho de ensino das danças como procedimento terapêutico.
A arte popular nasceu da comunidade social, autóctone. Ela surge na
região, nas casas e nos campos das famílias, fora, nos lugares comuns
a toda a comunidade. Esta arte é introvertida. As pessoas se encontram
num círculo, se olham. Eles não precisam e expectadores nem tão
pouco contam com eles. Logo reconheci o fundo religioso e ritual
dessas danças e essa compreensão foi ficando cada vez mais forte
(WOSIEN, 2000, p.109).
Por volta da década de 1970, visitando Findhorn, comunidade localizada no
norte da Escócia, conhecida como modelo de ecovila, baseada em princípios de
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sustentabilidade, de respeito e de comunhão com a natureza, (FINDHORN
FOUNDATION, 2014), levou seu trabalho com as danças que posteriormente foram
intituladas Sacred Dance .
Desde então, as Danças Circulares Sagradas se espalharam por todo o mundo
ocidental, chegando ao Brasil por volta dos anos 1990. De acordo com Couto (2008),
tais danças foram inicialmente trazidas para a comunidade de Nazaré Paulista, no
interior do estado de São Paulo, que muito inspira-se em Findhorn. Por sua vez, a
comunidade de Nazaré foi fundada em 1982 como um local de estudos e práticas de
autoconhecimento e da ―arte de viver em grupo‖.
No decorrer dos anos 1990 aos anos 2000 houve um processo de expansão do
movimento dentro do Brasil. Passaram a ser organizadas excursões à Findhorn e cada
vez mais pessoas tiveram acesso às Danças Circulares Sagradas. A partir de então, as
danças se espalharam por todas as regiões do país e foram se popularizando ao longo
dos tempos. Grupos de dança se formaram em variadas cidades de diferentes estados
brasileiros, que promovem encontros reunindo pessoas e grupos de diferentes áreas para
dialogar sobre seus trabalhos com as danças e, invariavelmente, dançar em grandes
rodas.
Ultimamente, além das danças tradicionais do mundo, estão sendo incorporadas
ao movimento matrizes de danças populares brasileiras, como o samba, o xote, o samba
de coco, a ciranda, o maracatu, o cacuriá, dentre outros ritmos, as quais também
passaram a integrar as rodas. Além disso, novas coreografias também são criadas, o que
amplia cada vez mais o repertório das DCS. A variedade de músicas dançadas é parte
importante da enorme diversidade que caracteriza o movimento: em uma mesma roda
pode-se dançar os passos dos povos de diversas regiões do globo, transitando entre
tradições celtas, judaicas, afro-brasileiras, zulus ou xavantes. É justamente por isso que
apontamos essa prática como possibilidade da educação para a interculturalidade.
Interculturalidade, educação estética: ressonâncias do círculo de dança na educação
Através da investigação realizada sobre a bibliografia produzida na área em
questão, identificamos que a dança é apresentada como possibilidade de uma ação
educativa significativa, sendo vista como expressão ancestral importantíssima na
constituição das diversas culturas humanas. Manifestação primordial da coletividade, as
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danças circulares e seu caráter ritualístico permitem o acesso ao que existe de mais
antigo em muitas culturas e tradições que hoje, por conta de complexos processos
históricos e políticos, são por vezes ignoradas e marginalizadas.
O movimento atual de aprendizagem das danças tradicionais de roda age
―contribuindo para a pluralidade cultural e tudo o que ela requer, possibilitando a
convivência de diferenças, permitindo que todos sejam iguais, não em sua
individualidade, mas em oportunidade e experiência‖ (PREISS, 2011, p.15). Isso
significa ampliar olhares, expandindo as possibilidades de ver o mundo e as coisas sob
diferentes perspectivas, resistindo à tendência monocultural que assola a
contemporaneidade, em especial a escola.
A perspectiva intercultural tal como apresentada por Candau (2008), visa
promover uma educação para o reconhecimento do ―outro‖, para o diálogo entre os
diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação que ―enfrenta os conflitos
provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas
sociedades‖ (Candau, 2008, p.52). De acordo com a autora, a educação em uma
perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática,
plural, humana, que articule os ideais de igualdade garantindo a noção de identidade.
Por sua vez, Petronilha Gonçalves e Silva (2007), ao escrever sobre a necessidade de
diversificarmos o currículo escolar, aponta que
o desconhecimento das experiências de ser, viver, pensar e realizar de
índios, de descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, faz
com que ensinemos como se vivêssemos numa sociedade
monocultural. Isto nos torna incapazes de corrigir a ilusão da
democracia racial, de vencer determinações de sistema mundo
centrado em cosmovisão representativa de uma única raiz étnico-
racial. Impede-nos de ter acesso a conhecimentos de diferentes origens
étnico-raciais, e ficamos ensinando um elenco de conteúdos tido como
o mais perfeito e completo que a humanidade já teria produzido
(SILVA, 2007, p. 501).
A autora afirma, ainda, que se voltarmos nossa atenção às experiências
educativas entre povos indígenas, quilombolas e habitantes de outros territórios negros,
veremos que não é somente com a inteligência que se pode acessar conhecimentos, mas
com a inteireza do ser, do corpo. Em suas palavras:
[...] é com o corpo inteiro – o físico, a inteligência, os sentimentos, as
emoções, a espiritualidade – que ensinamos e aprendemos, que
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descobrimos o mundo. Corpos negros, brancos, indígenas, mestiços,
doentes, sadios, gordos, magros, com deficiências, produzem
conhecimentos distintos, todos igualmente humanos e, por isso, ricos
em significados (SILVA, 2007, p. 501).
A reflexão sobre a concepção fragmentária de corpo que paira na cultura
moderna ocidental é fundamental no estudo das DCS. Os trabalhos de Ostetto (2006),
Couto (2008), Preiss (2011) e Barcellos (2012) denunciam o movimento de cisão
colocado pela Modernidade e criticam a herança do pensamento cartesiano que sustenta
os dualismos nos seres humanos, a nefasta divisão entre corpo e mente, corpo e alma,
corpo e espírito, ignorando a percepção de si enquanto totalidade. Barcellos (2012)
aponta que estudos recentes sobre a corporeidade humana buscam superar e refletir
sobre a indissociabilidade entre as dimensões constituintes da unidade do ser humano.
Segundo a autora, as Danças Circulares Sagradas se constituem como ―uma prática
corporal possível e diferenciada, capaz de trazer a discussão da corporeidade e do corpo
para o terreno do sensível e do encontro com o outro‖ (BARCELLOS, 2012, p.52).
Além de considerar a indissociabilidade das dimensões que constituem todos os
seres humanos, as autoras com as quais dialogamos por meio de suas pesquisas, também
consideram a pluralidade de corpos que é a humanidade. Ambas as considerações são de
suma importância para pensarmos a escola e a educação escolar, que mais têm estado a
serviço da padronização e da homogeneização de corpos e mentes do que da fertilização
da diversidade. O corpo é alvo do processo de pasteurização imposto na instituição
escolar. A docilização de corpos, já denunciada por Foucault (2002), age na negação da
expressividade pessoal e singular de cada indivíduo em sua diferença. O corpo que se
apresenta e/ou se movimenta diferente de um padrão pré-estabelecido como ―certo‖
sofre com os diversos mecanismos de retaliação de sua especificidade, dentre eles a
condenação ao castigo e à punição àqueles que são/estão errados. Nas Danças
Circulares Sagradas experimenta-se algo diferente: o acerto ou o erro não são
preocupações presentes. Saber os passos e reproduzi-los não é mais importante do que
sentir-se à vontade e entregar-se ao fluxo da roda. A atmosfera de acolhimento e
cooperação que se cria numa roda de dança contribui para desfazer a postura de rigidez
e autocobrança que nos aprisiona e impede de experimentar o novo. Ao dançarmos,
acessamos conhecimentos ancestrais de diferentes povos tradicionais que nos
atravessam não só pela mente, mas também pelo corpo e alma. É a possibilidade de
experimentarmos esses saberes com a inteireza de nosso ser.
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Em síntese, ao analisarmos a bibliografia em questão, identificamos uma
concepção que perpassa todos os trabalhos: o corpo como esfera integrante de nossa
humanidade, em seu aspecto simbólico e expressivo, é colocado em um lugar de
extrema importância na prática das DCS. A centralidade que o gesto e o movimento
ocupam para a realização do potencial pleno nas DCS está em muito relacionada com o
caráter simbólico destes. Ao dançar, o corpo em movimento conta histórias, simboliza
sentimentos, expressa tradições (COUTO, 2008). Voltando nossa atenção para o fluxo
de intenções que passa pelo corpo, silenciamos a mente e alcançamos outro estado de
consciência, expandindo nossa percepção sobre o mundo e a realidade (OSTETTO,
2006).
No âmbito da formação de professores, pesquisas têm sido feitas a fim de
identificar as influências que o ato de dançar têm sobre professoras e professores que o
experimentam. Exemplo disso é a tese de doutorado desenvolvida por Ostetto (2006).
Questionando os paradigmas racionalistas que engendram os cursos de formação inicial
e continuada, a autora se propõe a discutir outras dimensões dos cursos de formação: as
dimensões sensíveis, estéticas, poéticas. As Danças Circulares Sagradas se apresentam
como caminho, como possibilidade de acesso a outra educação, que será tomada como
matéria central do estudo. Os questionamentos e indagações que constituem os fios
condutores da pesquisa são propostos da seguinte forma:
Que tipo de formação temos feito no Curso de Pedagogia, que separa
arte e vida, corpo e mente (e não se fala em alma)? Se a arte não está
presente na educação, na formação de professores, pode a Dança
Circular ser um canal para reaproximar a educação da arte? Seria
possível, dançando na roda, provocar travessias no Curso de
Pedagogia, reafirmando a alma como lugar da poesia, do pulso, da
criação? Pode a Dança Circular ter lugar na universidade, fazer parte
de um programa de formação? (OSTETTO, 2006, p.153).
A autora nos conduz por percepções e críticas sobre a formação acadêmica e as
instituições de ensino, colocando em evidência o pensamento moderno racionalista que
predomina em nossa sociedade e represa toda a educação escolar. Aspectos latentes do
ser humano, como o criativo, o intuitivo, o sensível, o espiritual, acabam por ficar
esquecidos ou negligenciados nestes modelos de educação institucionalizada.
A circularidade das rodas dos povos fez-me pensar também na
formatação da educação institucional, seja educação infantil, ensino
fundamental, médio ou universitário – em que o quadrado ainda
impera, desenho rígido, ângulos retos, linhas estáticas. O quadrado
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pode ser estrutura que organiza, oferece base, mas também pode ser
grade que aprisiona e estanca o fluxo do movimento. Através das
Danças Circulares, vi a educação na fôrma, quadrada e imaginei: se as
práticas educativas fossem arredondadas, tudo poderia fluir melhor.
Não poderia? (OSTETTO, 2006, p.155).
Desta forma, propõe que é essencial provocar as múltiplas linguagens do adulto
educador, descentralizar a docência do território da razão. Para tal, o círculo de dança se
apresenta como caminho, um convite à experimentação do corpo de uma forma
inusitada, que sai do padrão cotidiano e normativo. É situação de deslocamento, em que
o ―eu‖ se transfere a outras identidades, construindo outras relações consigo e com o
meio, com a cultura e com o outro, com o diferente.
Dançar a cultura de outros povos permite que a interculturalidade seja praticada
na sua forma fundamental, sendo uma maneira radical de se experienciar o
multiculturalismo. O dançar em círculo pode inclusive ser um ato de resistência à lógica
homogeneizante e sua prática pode significar uma atitude contra-hegemônica de
expressão individual e coletiva.
É nesse sentido que explicitamos a importância de investigarmos caminhos para
uma pedagogia que nos leve a descobrir formas renovadas de sentir e perceber a
realidade, do deslocar do pensamento, da expansão da consciência, da existência, da
vida. Para tal, apontamos para uma necessária educação da sensibilidade, que busca
alcançar a potência latente de ser humano inteiro, em todas as nossas faculdades.
―Educação estética‖, ―educação do sensível‖, ―educação poética‖ são termos que vêm
surgindo em produções acadêmicas recentes, chamando atenção para a centralidade do
corpo e de outras funções da consciência, além do pensamento e da cognição.
Hoy sabemos que hay una nueva modalidade de la experiência
educativa que intenta poner el acento en el cuerpo y, en sus
variaciones sensibles, rescata la imaginación, la contemplación, la
atención, el sentimiento, la percepción, el asombro; así como los
princípios de introspección, delicadeza, inexactitud, fineza y
variabilidad (GALLO 2014, p. 199).
A referida autora indica que a aprendizagem deve passar pelo afeto, pelo gosto,
pelo coração, pelo corpo. Pois quando ensinamos com gosto, fazemos ressoar as
palavras que nos tocam, nos conectam com a vida e produzem vitalidade, reverberando
naqueles que escutam a aprendizagem do que ―existe nas palavras‖, em vez do
prescritivo ―o que é a palavra‖. ―Si el maestro no propone modelos porque no le interesa
moldear al otro, su posibilidad es emitir signos, signos que den qué pensar y sentir‖
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(GALLO, 2014, p.200). A educação da sensibilidade não pode, de forma alguma, estar
calcada na reprodução de modelos. Podemos dizer que a educação sensível se apresenta
como concepção fundada sobre o heterogêneo, a pluralidade, acolhendo a diversidade e
sendo, sobretudo, um ato de criação, um modo de conhecer. A arte e as práticas
corporais estão no âmago desta pedagogia, pois estas expressões ―muestran que las
cosas pueden ser de otras maneras, le apuestan a la diferencia, a las utopias, rompen las
formas periódicas‖ (GALLO, 2014, p.203).
Chegando às considerações (por ora) finais
É através da Arte e suas múltiplas linguagens que sugere-se para o campo da
educação ―uma abordagem integradora do ser humano, denominada educação da
sensibilidade estética‖ (COUTO, 2010, p.177). Diretamente ligada à vivência do lúdico
e do belo por meio das mais variadas expressões artísticas, tal educação inscreve-se
pelas manifestações como o desenho, pintura, escultura, dramaturgia, dança,
coreografia, música, audiovisual, cinema, poesia, literatura, assim como o jogo e a
brincadeira, dentre tantos outros que compõem este universo expressivo. Podemos
captar nas seguintes palavras da educadora e artista plástica Marly Meira a ideia que
paira em relação ao ―para quê educar‖ contido na proposta de uma educação sensível:
Para recuperar essa harmonia fundamental que não destrói, que não
explora, que não abusa, que não nos faz ignorantes de nossos poderes
mais importantes, que não nos torna tolos, perversos nem feios pela
falta de amor. Para que isso aconteça é preciso aprender a olhar e a
escutar sem medo de deixar de ser, sem medo de deixar o outro ser em
harmonia, sem submissão (MEIRA, 2003, p. 108).
As Danças Circulares Sagradas, conforme apresentado e discutido neste
trabalho, se apresentam como possibilidade de acionar outras formas e dimensões do
conhecer, e têm em sua essencialidade ―sinalizar e abrir passagem para acessar
conteúdos negados, reprimidos ou desqualificados no mundo da racionalidade
científica‖ (OSTETTO, 2010, p.52). Como já dito, tal mundo a que se refere a autora
vem se construindo sobre relações de poder que centralizam modelos étnicos, raciais, de
gênero, sexualidade, etc. No entanto, na roda de dança notadamente acessamos saberes
e afetos que descentralizam, experimentando conhecimentos de grupos considerados
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periféricos na sociedade em que estamos. Isso é o que torna essa prática tão
especialmente intercultural.
Enfim, pode-se afirmar que as contribuições que as Danças Circulares Sagradas
trazem à Educação multiplicam-se e reverberam como ondas na água. Dançando de
mãos dadas, voltados ao centro comum, o grupo dança para si mesmo, partilhando da
vivência de venerar os ciclos da vida e da natureza através dos símbolos que emergem
dos gestos. O próprio círculo, como princípio fluído do movimento da roda de dança, é
forma que abole as assimetrias, as divisões e hierarquias, dinamizando, acolhendo e
integrando; símbolo sagrado para diferentes culturas, representa o espiritual, o celeste, o
transcendente (OSTETTO, 2009). Por caminhos circulares, revelando e acolhendo o
outro, podemos tecer propostas e vivenciar práticas de relações interculturais carregadas
de sentido, respeito, gentileza, beleza, humanidade – seja na escola, seja em outros
espaços sociais e educativos.
Referências bibliográficas
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AS DANÇAS CIRCULARES SAGRADAS: POTENCIALIDADES
INTERCULTURAIS NA FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Solange Mara Moreschi Silva - UFMT
Beleni Saléte Grando - UFMT
Resumo:
O artigo apresenta dados da pesquisa desenvolvida na Universidade Federal de Mato
Grosso, a qual objetiva compreender a potencialidade das Danças Circulares Sagradas
para a formação de educadores na perspectiva da educação intercultural, tendo o corpo
como lócus de aprendizagem e análise. A interculturalidade adota uma postura
pragmática das relações, estuda a comunicação entre diferentes culturas e pessoas, para
entender como as pessoas criam sentidos, gestos, ações, palavras para outras formas
sutis de comunicação e como usam isso para conviver. Em nossos estudos com povos
autóctones do Brasil, compreendemos a interculturalidade e a centralidade do corpo na
educação da pessoa, sobretudo para uma educação voltada ao reconhecimento de si na
relação com o Outro. A dança que educa e comunica as formas de ser específicas e
diferenciadas de cada grupo e povo, é o recurso didático de investigação na ação
formativa de educadores. A pesquisa tem como colaboradores um grupo de 20
professores de uma Escola Estadual localizada em uma cidade pantaneira de Mato
Grosso. Os recursos utilizados para a coleta foram: registros em audiovisual de oficinas
de danças circulares sagradas realizadas com os participantes, questionário
semiestruturado e roda de conversas. A análise dos dados, orientada pela triangulação
de métodos, nos leva a problematizar a formação de educadores e a relevância da
educação do corpo para a educação intercultural na escola, para que, a partir dessa
relação vivenciada pelos educadores, os mesmos possam ampliar a compreensão das
identidades e culturas em relação na escola. No contexto da educação que passa pelo
corpo, a dança como uma expressão de identidade e cultura é compreendida como
prática social, que expressa marcas dos tempos (história) das relações interétnicas e que
continua a dar sentido e significados específicos em diferentes espaços (territorialidade).
Palavras-chave: Corpo. Dança Circular Sagrada. Interculturalidade.
Introdução
Compreender a potencialidade das Danças Circulares Sagradas (DCS) para a
formação de educadores na perspectiva da educação intercultural e ter o corpo como
lócus de aprendizagem e análise foi o objetivo para este estudo. Nossa perspectiva é a
de ver o corpo como lugar de afetar e ser afetado pelas experiências que nos pautam,
para validar outros modos de conhecer, de qualificar a sensibilidade, o sentimento e
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reconhecimento de outros modos de ser e de viver, investindo nos desafios da
diversidade cultural e do diálogo intercultural.
Os estudos sobre as danças dos povos tradicionais e autóctones suscitam cada
vez mais diálogos, necessários para aprofundar o entendimento sobre as diferentes
formas de interação com a cultura do Outro. O encontro com o Outro é um dos
princípios que orientam os estudos e as práticas pedagógicas voltadas para a inclusão
social e a diversidade como um bem a ser partilhado na educação escolar e por isso
mesmo, deve permear a formação de educadoras e educadores em todo o país.
Na atualidade, as Danças Circulares Sagradas tem seguido esse caminho,
propondo um movimento que traz inúmeras contribuições para o âmbito educacional,
uma vez que busca, através da prática corporal e simbólica, ressignificar os contextos
históricos e culturais dos povos. Por meio do ritmo, da musicalidade e dos passos
milenares, a dança propicia o encontro dos praticantes com a diversidade, abrindo um
caminho de autoconhecimento e de reconhecimento de cada raiz cultural vivenciada.
O bailarino polonês/alemão Bernhard Wosien (também coreógrafo, filósofo e
pedagogo), considerado o precursor das Danças Circulares Sagradas, na década de 1970
reconheceu as marcas de identidades dos povos de culturas tradicionais da velha
Europa, que conheceu e difundiu pela dança. Como um movimento que pressupõe o
encontro com o outro, a DCS conheceu uma rápida expansão e chegou ao Brasil em
meados dos anos 1980. Hoje sua prática é conhecida e vivenciada em todos os estados
brasileiros (RAMOS, 1998; BERNI, 2002; OSTETTO, 2006).
Neste trabalho, buscamos evidenciar a grande contribuição que as danças podem
trazer para o sistema educacional, uma vez que vivemos consideravelmente angustiados
por uma separação interior, da perda da unidade entre espírito-corpo e alma. É urgente a
necessidade de ―delinear uma Pedagogia que abranja o inconsciente, pois, no sentido de
uma ação, a dança é menos pedagogia (como disciplina científica), mas, sobremaneira,
formação humana.‖ (WOSIEN, 2000, p.65).
Nosso eixo de estudo articula o movimento da Dança Circular Sagrada com a
demanda da formação de educadores. A dança que educa e comunica as formas de ser
específicas e diferenciadas de cada grupo e povo, é o recurso didático de investigação e
na ação formativa de educadores. A pesquisa tem como colaboradores um grupo de
professoras e um professor, de um município localizado no Pantanal Mato-Grossense,
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12132ISSN 2177-336X
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cuja identidade cultural é fortemente marcada por danças tradicionais ritualizadas nas
festas religiosas locais.
Os recursos utilizados para a coleta foram: registros em audiovisual de oficinas
de danças circulares sagradas realizadas com os participantes (no contexto de um curso
de formação continuada voltado à inclusão dos estudos da história e cultura indígena, no
caso, a do Povo Bororo, realizado em 2015, em Cuiabá-MT), questionário
semiestruturado e roda de conversas. A análise dos dados nos leva a problematizar a
formação de educadores e a relevância da educação do corpo para a educação
intercultural na escola, sobretudo na relação vivenciada entre os pares na ampliação e na
compreensão das identidades e culturas em relação na escola. As rodas foram
sistematizadas em oficinas semanais, ao todo 48 horas presenciais, a fim de garantir a
participação e a escuta qualificadas do grupo num tempo necessário à acomodação da
formação no corpo.
Os fundamentos teóricos da pesquisa são respaldados nos estudos de Berni
(2002) e Bonetti (2002), referências das Danças Circulares no Brasil; Wosien (2002),
para compreender o Sagrado da dança; Ostetto (2006), que além de estudiosa dessa
dança discute suas contribuições para os processos formativos de educadores e Grando
(2004; 2014); que traz a compreensão da dança como prática corporal e os processos de
educação como expressão de identidade e cultura, e outros com os quais nos
referenciamos na pesquisa.
O compreender e o fazer tornam-se mais amplos quando experimentados no
corpo. Também pelas sensações e saberes que não estão escritos nos livros, mas que
através das imagens, das músicas, das danças, e das experiências vivenciadas no corpo,
sinalizam a construção de estratégias necessárias para currículos mais interculturais,
com possibilidades de aprofundar estudos, problematizar as diferenças culturais, enfim,
educar o olhar para o diferente.
Assim, ao trazemos a proposição da formação na perspectiva da Educação
Intercultural, implica necessariamente nos relacionarmos, ir em busca do Outro que é
diferente.
A interpretação cultural compreende todo o processo de dominação
cultural que envolve a globalização, em seu afã por impor uma cultura
hegemônica. Essa perspectiva também recorda a necessidade de
respeitar a diversidade cultural, que compreende as diversas visões de
mundo e os diferentes sistemas e concepções religiosas, fundamentais
para preservar a pluralidade e para assegurar as condições vitais para a
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convivência democrática e intercultural na sociedade humana
(MARIM, 2009, p.133).
Na busca por conhecer como a dança pode ser essa prática social significativa,
capaz de expressar identidades coletivas a partir dela, mobilizamos os corpos para a
Educação Intercultural, nos colocamos dentro do movimento da Dança Circular Sagrada
e passamos a dialogar com histórias e culturas diferentes provocando na prática
investigativa com os professores, nossa questão orientadora: como se dá o processo de
educação intercultural pela educação do corpo? Como as danças circulares contribuem
para a educação do corpo e para as aprendizagens interculturais?
Nesta direção, o grande desafio para a formação de professores, nos diz Fleuri
(2003), é repensar e ressignificar a própria concepção de educador. O que nos faz
acreditar que a relevância da pesquisa em questão é justamente a evolução da cultura
humana construída em situações sociais de aprendizagem, tendo a educação do corpo
como um mecanismo para a compreensão das diferenças culturais que estão também no
corpo do outro.
Nosso pressuposto é o de que ao recriar as técnicas e danças em diferentes
contextos é possível perceber que, quem dança, recria a dança a partir da sua
corporeidade, sua história, sua cultura e sua experiência corpórea e nela se educa numa
dimensão para além da centralidade do eu.
No diálogo com as referências bibliográficas e com os dados produzidos na
investigação, a primeira fase da pesquisa já nos mostra que a prática pedagógica pautada
nas Danças Circulares Sagradas tem grande potencial de educação do corpo e de
mobilização para a aprendizagem que supera a revisão de conteúdos ou os limites das
formações iniciais pautadas na fragmentação disciplinar.
A Dança Circular Sagrada e a Educação Intercultural do Corpo
Desejamos alcançar o Outro no universo da cultura por meio da centralidade que
reconhecemos no corpo para apropriação do mundo e a consciência de si mesmo. É no
corpo que expandimos nossa vivência para além dos limites estabelecidos por nossa
individualidade, acrescentando a ela a visão e experiência do coletivo, de um ponto de
vista novo.
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A Dança Circular Sagrada é uma proposta que convida o ser humano a vivenciar
sua totalidade, integrando corpo, emoção, mente e espiritualidade. Conforme Dubner
(2015, p.16), ―[...] em roda de mãos dadas, visitando danças coletivamente em diversos
ritmos, gestualidades e melodias, ampliamos nossa consciência corporal‖. Podemos
compreender ainda, na perspectiva da concepção Walloniana, que a consciência do
corpo é a consciência de si e do mundo (GRANDO, 2014).
Pelas danças na roda resgatadas de velhos povos da Europa, é reintroduzida na
contemporaneidade a possibilidade de uma dança coletiva e simbólica onde o homem
resgata seu sentimento de pertencimento comunitário, redescobre novas possibilidades
de conectar a si mesmo e ao outro, distancia-se de padrões tipicamente mecanicistas,
mercantilistas, racionais e individualistas (WOSIEN, 2000).
Ao analisar os elementos presentes na cultura de um determinado povo, sua
prática corporal e forma de vida, buscamos estabelecer um diálogo intercultural
produzindo saberes com tempos e espaços diferenciados, evidenciados nas danças que
implicam em ressignificação das práticas educacionais cotidianas.
Se a ciência visa uma constatação, conforme nos diz o Bernhard Wosien (2000,
p. 65), ―a dança é uma oferta dessa ordem. Onde pessoas dançam umas com as outras,
elas se educam e se formam a si mesmas‖.
Para compreender o corpo como centralidade da pessoa, como nos ensinam as
sociedades tradicionais, e compreender suas histórias e culturas, acredita-se que este
corpo deve passar por aprendizagens e por experiências que levem o reconhecimento
dessa cultura. Os estudos têm mostrado que é pelo corpo que cada grupo étnico se
constitui como coletivo. Os povos indígenas tradicionais, por exemplo, tem no corpo a
centralidade da construção de suas identidades, resultante de um processo de tecedura
coletiva e sociocultural. Manifestas em rituais e até mesmo na história de conflitos
interétnicos, as transformações das culturas são também expressas e podem ser
reconhecidas no corpo (GRANDO, 2004).
Em relação aos processos que nas tramas da cultura tecem corpos específicos,
Grando (2009) a partir do conceito de técnicas corporais de Mauss (1979), afirma que as
práticas corporais são produções sociais que dão sentidos e significados próprios, em
cada grupo social e cultura, às educações do corpo. Essas práticas educativas, que são
práticas corporais específicas, como as danças, os jogos, as formas de cuidar e exercitar
o corpo se estabelecem no cotidiano e nos momentos ritualizados como uma aula, por
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exemplo. E assim, marcam-se formas de ser e viver nas quais a pessoa individualmente
se identifica e é identificada, ao mesmo tempo em que a prática a integra a um
determinado grupo como possibilidade de reconhecimento de si e do outro.
Se, como afirma Grando (2004, p.42), ―[...] cada povo tem sua cultura expressa
nas maneiras de pensar, de sentir e de agir, guiados por normas, valores e símbolos‖,
reconhecer essa dimensão do corpo como centralidade para compreender a história e a
cultura a qual o outro é pertencente, é elemento chave na formação de pessoas que
consigam ter a sensibilidade de não ver nas coisas dos povos tradicionais como ―coisas
menores‖.
Tendo isso posto, nos remetemos às Danças Circulares Sagradas ou às danças
de rodas, conforme nos diz Ramos (1998 p.179) compreendendo que essas ―[...]
englobam em seu movimento as chamadas Danças Étnicas, que significa peculiar a uma
raça ou nação. Portanto, remontam à cultura de um determinado povo, simbolizando sua
expressão musical e corporal‖.
As Danças Circulares Sagradas são compostas de danças tradicionais e
contemporâneas, inspiradas no folclore de diferentes culturas do mundo; a dança, como
prática milenar sempre presente nas pequenas comunidades nativas em todos os
continentes, foram pesquisadas em suas particularidades, histórias e ritmos, e adaptadas
para potencializar a educação, a cultura e a saúde. As Danças Étnicas ocupam um lugar
importante neste momento da evolução da humanidade, pois, tanto pela sua forma
circular e pelas figuras geométricas que se formam quanto pela evocação das músicas e
melodias de povos e tradições antigas, dão aos participantes oportunidades de recriarem
movimentos livres e harmoniosos (WOSIEN, 2000).
No processo formativo de educadores, a Dança Circular pode então, reunir
componentes que foram transmitidos pelas músicas e pelos costumes da comunidade,
em manifestações que foram além de informar fatos mitológicos e épicos, pautado no
pensamento mítico religioso, também retrataram a vida simples dos camponeses de
diversos países em suas atividades diárias de pesca, plantio ou colheita. Por conter
vários recursos educacionais, a dança em roda tem alto valor construtivo no
desenvolvimento da sociabilidade.
O repertório das danças é composto por músicas dos povos do mundo todo:
hebraicas, gregas, ciganas, africanas, indígenas, israelitas, russas, tibetanas, húngaras,
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indianas, africanas, japonesas e entre tantas outras, proporcionam um pequeno mergulho
nas culturas regionais brasileiras.
No caso das oficinas de formação realizadas no processo da pesquisa, notamos
que as canções estudadas e vivenciadas possibilitaram discutir questões e valores éticos,
morais, culturais e sociais necessário à sensibilização do indivíduo em sua totalidade.
Aquele que dança, busca através de seu corpo em movimento, dizer o
que sente e o que não consegue expressar em palavras. Ele revisita a
sabedoria dos povos percorrendo seu caminhar e compreendendo suas
crenças e símbolos em movimento. Recria pela arte corporal os
significados em sua vida. Realizando passos inspirados em
determinado povo, recria sua cultura, crenças e símbolos. Pelo gesto
simbólico, constrói sua jornada na dança, podendo levá-la para a vida,
para seu modo de ser e agir no mundo (GOMES, 2015, p.134).
O que caracteriza essas danças é o espírito comunitário que elas promovem e
este é um dos motivos pelo qual ela é tão interessante para a educação. Conhecer os
hábitos e costumes dos povos formadores da cultura de base é começar a entender
também um pouco melhor a cultura popular, conhecimento este de importância
fundamental no conteúdo curricular das escolas:
Participar de danças de diferentes "etnias" é um modo de conhecer e
reviver o sentimento do povo ao qual pertence a dança. É uma forma
de afirmar a identidade de um povo, difundindo sua cultura de uma
forma pacífica e solidária. Quando se dança a dança de todos os
povos, cria-se uma nova identidade cultural universal, onde se
vivencia a ideia da Unidade do mundo, e se trabalha de forma
incessante pela Paz (RODRIGUES, 1998, p.45).
Cada dança, dentro das suas características culturais, atua na transformação de
estados emocionais e físicos. A força da dança em Círculo é conhecida há séculos, e é
um poderoso símbolo de unidade e totalidade. No Círculo não existe hierarquia e as
atitudes de competição são substituídas por atitudes cooperativas, onde os participantes
do grupo podem ajudar a superar os erros uns dos outros, manifestando o melhor de
cada um. A Dança Sagrada traz a esperança do crescimento e da transformação
conscientes em comunhão com outras pessoas.
Muitos são os relatos sobre o potencial das danças circulares que conduzem à
sensibilização do corpo e, portanto, reúnem elementos que servem de base para que a
aprendizagem seja intercultural. Para Valéria Pinto (2015, p.176), ―[...] as danças
circulares nos possibilitam estarmos presentes interna e externamente, em contato com o
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12137ISSN 2177-336X
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outro, olho a olho, mão a mão e, simultaneamente, amplia a percepção de si mesmo ao
desenvolver a sensibilidade e o fortalecimento da imagem própria‖.
Bennett (2013) defende a configuração do pensamento intelectual da sociedade a
respeito de concepção de bem viver, de preservação, de valorização e de manutenção
das diferentes culturas se estabelece com a formação intercultural, e esta aprendizagem
é essencial para que todos convivam em paz no mundo. Segundo ele, devido nossas
diferenças, nós ―[...] tentamos converter a pessoa diferente para que seja igual a nós.
Infelizmente, porém, se essa conversão falha, a história mostra que o ser humano parte
para a saída mais simples, que é eliminar o povo culturalmente diferente‖ (BENNETT,
2013, p.17).
Nessa direção, Bernhard Wosien (2002) afirma que a dança educa o homem
como um todo, enriquecendo e expandindo o espaço de vida; complementa a ideia da
Dança como despertar da consciência coletiva e nos leva a reconhecer as diversas
culturas, pois:
Quando se dança a dança de todos os povos, cria-se uma nova
identidade cultural universal, onde se vivencia a ideia de unidade na
diversidade do mundo, e se trabalha de forma incessante pela paz. [...]
A dança é um dos meios mais destacados da pedagogia Criativa. Em
nossa sociedade industrial e de desempenho, a educação é hoje, cada
vez mais, um condicionamento de comportamento, que só permite o
desenvolvimento e a realização pessoal de forma insatisfatória.
(WOSIEN, 2002, p.63).
Na aprendizagem intercultural – aprender a (re)conhecer criticamente as
diferenças culturais e a relacionar-se com elas de forma positiva e construtiva é hoje um
vetor central na educação de pessoas que procuram mecanismos para inferir sobre o
fenômeno educativo. Pensar numa educação para o plural implica reestruturar o sistema
de atitudes em cada um de nós através das representações que temos dos outros, pois a
interculturalidade
[...] implica as noções de reciprocidade e troca na aprendizagem, na
comunicação e nas relações humanas. [...] Por isso é preciso
professores interculturais, que possam contribuir para a construção
também de crianças interculturais, que possam comunicar-se e
respeitar-se. Professores que sejam capazes de pôr em prática
pedagogias da divergência e não apenas de convergência (VIEIRA,
1999, p. 68).
Na perspectiva intercultural, as reflexões foram provocadas nos processos
epistemológicos éticos e políticos, a partir das relações hierarquizadas de saberes
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12138ISSN 2177-336X
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fragmentados, substituindo para o contexto histórico de relações que se entrelaçam, se
entrecruzam e recriam novas formas de ver e agir sobre o mundo.
O reconhecimento do ―outro‖ como possuidor de conhecimentos, segundo
Marím (2009, p.132) significa: ―[...] admitir o valor e a pertinência de suas culturas
como premissas para construir o diálogo intercultural, como fundamento democrático
da educação‖. Este autor da interculturalidade tem nos subsidiado como pesquisadoras
para compreender as ações pedagógicas e as perspectivas das práticas corporais para a
promoção da Educação Intercultural na formação de professores em Mato Grosso.
Fleuri (2003), no campo da intercultura, suscita: ―[...] diferentes iniciativas e
movimentos vêm desenvolvendo proposta de educação para a paz, para os direitos
humanos, para a ecologia, para os valores‖. Sua proposição amplia-se ao afirmar que:
O Brasil se constitui historicamente como uma sociedade multiétnica
tomando-se por base uma imensa diversidade de culturas. Reconhecer
nossa diversidade étnica implica ter clareza de que os fatores
constitutivos de nossas identidades sociais não se caracterizam por
uma estabilidade e fixidez naturais. As identidades culturais - aqueles
aspectos de nossas identidades que surgem de nosso pertencimento a
culturas étnicas, raciais, linguísticas, religiosas, nacionais - sofrem
contínuos deslocamentos ou descontinuidade (FLEURI, 2012, p.223).
A resposta à educação intercultural não deve ser subalterna, por isso, estar
presente na roda da dança requer revisão de valores e de posturas. Dificilmente
encontraremos nas escolas e/ou nas academias um recurso com valor inestimável para
dar conta das diversidades. A dança não é uma mera didática e sim, uma pedagogia
profunda na qual cabe o ser humano por inteiro.
Assim, ao estudarmos o contexto da educação que passa pelo corpo,
compreendemos a dança como uma expressão de identidade e cultura, como prática
social, que expressa as marcas do tempo e das relações interétnicas que continua a dar
sentido e significados específicos em diferentes territórios (espaços). Como produção
cultural, a dança tem uma dimensão simbólica que é complexa, que extrapola os
tempos-espaços do ritual e comunica as identidades e os movimentos do que se vive
como grupo, para o outro (GRANDO, 2004).
Em um país multicultural como o Brasil, a educação para a diversidade é
responsabilidade de todos os sujeitos educacionais, daí a relevância de, na formação,
ampliarmos práticas educativas que contribuam para a formação de educadoras e
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12139ISSN 2177-336X
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educadores que buscam pautar suas práticas pedagógicas na construção da cidadania, a
nosso ver, um marco histórico que busca refletir sobre a transversalidade das relações
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DANÇAS CIRCULARES SAGRADAS E SAÚDE MENTAL: NOVOS OLHARES
NA FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Maria Cristina de Freitas Bonetti - UEG
Tadeu João Ribeiro Baptista - UFG
Resumo:
Os serviços de saúde mental no Brasil vêm desde a Reforma Psiquiátrica de 1990,
possibilitando a inserção na sociedade de pessoas com transtorno mental moderados a
graves, e de usuários de álcool e outras drogas (CAPSad), de acordo com a faixa etária,
adulto ou infanto-juvenil. A proposta central está em tratar as pessoas não por seu
diagnóstico ou limites apresentados pelos diferentes transtornos, mas trazendo
possibilidades de situar a pessoa nas relações que ela estabelece com ela mesma, com a
família, a comunidade ao seu redor e a sociedade em geral. A mudança no foco de
atenção integral se propõe a partir dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
divididos de acordo com o local de inserção e a região atendida em CAPS I, II e III, a
fim de atender as demandas da Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde
(BRASIL, 2004). Uma das características dos CAPS é o trabalho em equipes
multidisciplinares compostas por médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais,
professores de educação física, arte terapeutas, músico terapeutas, entre outros
profissionais. Para desenvolver o trabalho se realizam oficinas e atividades com
diferentes profissionais, como ocorre em Goiânia, onde as Danças Circulares Sagradas
se constituem como uma prática social e corporal relevante. Nesse texto refletimos
sobre as possibilidades terapêuticas das Danças Circulares Sagradas no processo de
tratamento da Saúde Mental em CAPS. A partir dos registros feitos em nossa
experiência e considerando este espaço-tempo como relevante para problematização o
uso destas práticas corporais, visa: a) refletir sobre como as Danças Circulares Sagradas
podem contribuir para que a partir do corpo, as pessoas consigam aprimorar o processo
saúde-doença no contexto mental; b) analisar a relação destas práticas com o processo
de formação do professor de educação física que atua no CAPS.
Palavras-Chave: Danças Circulares, Corpo, Saúde Mental.
Introdução
A saúde mental é uma das áreas presentes na Saúde Pública que tem demandado
maior atenção nos últimos anos. A mudança no modelo de atenção ao processo saúde-
doença tem sido revisitado, procurando não apenas prevenir e controlar as enfermidades
que acometem o ser humano neste campo, mas entende-lo pela lógica da integralidade e
do cuidado. Desse modo, o foco desse texto é pensar o uso das Danças Circulares
Sagradas (DCS) como uma forma de contribuir para a vida das pessoas, bem como,
refletir sobre a sua contribuição na formação de professores que atuam com este grupo.
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Assim, este texto será dividido em três partes, a primeira, apresenta rapidamente o
contexto da saúde mental na atualidade, em segundo apresentaremos o contexto das
DCS e, finalmente, refletiremos sobre o uso das DCS com as pessoas com transtorno
mental e a contribuição na formação de professores que atuam com estes grupos.
Introduzindo a ideia da Saúde Mental
Os serviços de saúde mental no Brasil durante muito tempo foi uma história de
descaso, humilhação, mortes e tratamento desumano (ARBEX, 2013). Como forma de
se contrapor a este modelo, seguindo de certa forma os movimentos sociais que
contribuíram para o desenvolvimento da Reforma Sanitária Brasileira, os pacientes,
familiares e profissionais que atuavam na área dos transtornos mentais, se articularam e
começaram um movimento pelos direitos dos pacientes no final dos anos 1970 e que
ainda está em curso, denominado de Reforma Psiquiátrica (WACHS, 2008).
O foco central deste movimento passava pela mudança do modelo manicomial,
procurando trazer para o usuário um contexto maior de liberdade, a partir de mudanças
nas políticas públicas de saúde mental, as quais culminaram, entre outras coisas na
criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estas unidades de saúde mental
desenvolvem várias atividades com o objetivo de acolher, tratar e reinserir do ponto de
vista psicossocial, pessoas que possuem algum tipo de sofrimento mental ou são
usuários de álcool e outras drogas (SOUZA et al, 2010).
Desde o início da Reforma Psiquiátrica, o foco tem sido atuar junto às pessoas
com sofrimento mental, ou que não conseguiam se organizar do ponto de vista da saúde
mental. De acordo com a OMS (2005), a saúde mental tem três elementos centrais:
conseguir lidar com o estresse normal do cotidiano, trabalhar de forma produtiva e
contribuir com a comunidade. O transtorno mental na sua forma moderada e grave
interfere nestes processos, de forma que as pessoas não conseguem lidar com o estresse
normal da vida, não conseguem desenvolver as atividades laborativas e não contribuem
com a comunidade com os seus grupos de referência.
Nos modelos tradicionais da psiquiatria, as pessoas com estas características
ficavam trancadas e isoladas do mundo, excluídas, para não atrapalhar o restante da
sociedade. Na perspectiva da Reforma Psiquiátrica, ainda que o modelo tradicional
coexista, procura desenvolver atividades que contribuam para a reinserção psicossocial
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destas pessoas, procurando garantir que as mesmas se mantenham próximas das
atividades cotidianas, das relações familiares, do trabalho e da participação na
comunidade.
Uma das formas de garantir este processo é a organização dos CAPS (BRASIL,
2004). Uma das características dos CAPS é o trabalho em equipes multidisciplinares,
compostas por médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, professores de
educação física, arte-terapeutas, músico-terapeutas, entre outros profissionais. Para
desenvolver o trabalho se realizam oficinas e atividades com diferentes profissionais.
Estas oficinas podem desenvolver vários tipos de atividades que vão das terapias em
grupo até as atividades artesanais, da consulta médica até o desenvolvimento de práticas
corporais alternativas.
Luz (2003) traz como referência a ideia de que as práticas corporais alternativas
são atividades realizadas com o corpo e que fogem da racionalidade biomédica. Têm
como foco o desenvolvimento de atividades que para além do contexto da ação
muscular e do gasto energético, trazem outras contribuições do ponto de vista dos
sentidos e significados culturais, além de serem pensadas a partir de uma compreensão
mais holística. A partir dessa compreensão, as Danças Circulares Sagradas se
constituem como uma prática social e corporal relevante, e apresentam algumas
possibilidades terapêuticas, considerando a possibilidade de constituir uma via de cura e
encontro do ser com ele mesmo. Ela pode ser uma boa forma de se recuperar a saúde
entendida aqui a partir da perspectiva apresentada por Canguilhem (1995), de que a
saúde é a capacidade de o ser humano lidar com as infidelidades do meio. Para esta
condição, o bem-estar mental se apresenta a partir da capacidade do ser humano lidar
com os seus contextos cotidianos e a saúde, por isso, é vista em um continuum entre os
extremos saúde e doença.
Danças Circulares Sagradas: fundamentos de cura e formação profissional
A Dança Circular Sagrada resgata uma simbologia ancestral. Retrata um
potencial de unificação, um valor arquetípico para ser compreendido sobre o que é
manifestado por meio da sua simbologia. Dançar em círculo é uma possibilidade de
cultivar a individualidade, ao mesmo tempo em que o coletivo se mantém.
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Cada um de nós, quando no círculo, está a uma mesma distância do centro, do
foco principal. Dessa forma, são abertas as portas para a reflexão mediante as
composições da geometria sagrada que no desenvolver da dança se estabelecem. De
acordo com Durand (2012, p. 323): ―O círculo, onde quer que ele apareça, será sempre
símbolo da totalidade temporal e do recomeço‖. Dançar em círculo é uma inspiração
enfatizada por uma atitude simbólica ante a vida e o viver e a crescente hibridação entre
espaço-tempo manifestado por meio do coletivo, enquanto o indivíduo experimenta o
seu próprio ‗eu‘; é abraçar e aceitar a vida que surge no limiar da consciência, e
vivenciá-la em plenitude.
A dança é uma arte silenciosa e também tem uma gramática; a
gramática do movimento. Quando nós escolhemos o primeiro e mais
simples caminho de estarmos juntos, unimo-nos num círculo.
Podemos então ver quantos há de nós, alguém está do outro lado,
alguém mais está à minha direita e à minha esquerda; esse é o começo
de se ter uma consciência um do outro [...]. E ao dançar essas formas
antigas, é como se estivéssemos entrando num outro tempo e
conduzindo esse antigo conhecimento para o movimento presente
(WOSIEN, 1983).
Dançar em círculo é garantia de unidade e igualdade, cria imagens que
estimulam o imaginário e a criatividade, permitindo uma maior capacidade de captar os
paradoxos da vida. A força do círculo em uníssono revela o mesmo passo e o mesmo
ritmo repetidas vezes, transcende o racional e permite um mergulho no misterioso
campo do imaginário e da memória coletiva.
O círculo sustenta o conflito e as mudanças, uma vez que os símbolos expressos
na roda de dança evocam o ciclo natural do viver, do morrer e do renascer, e estes
atuam de forma transformadora. O símbolo do círculo traz uma amplificação que
abrange e reúne imagens que ultrapassam as palavras e o intelecto; portanto, o círculo
reaviva temas universais e atemporais adormecidos no inconsciente coletivo e remete a
um pano de fundo no qual é possível reler a própria história individual.
Neste ponto, é importante apresentar as relações das DCS e a escola do andar. A
escola do andar é composta por movimentos simples e contam a história com os pés.
Nesta escola, depara-se com o caminho, que assim é visto por Bernhard Wosien (1983):
Este não é um caminho novo: as pessoas têm seguido este caminho
desde os tempos antigos — seres humanos buscando o sentido da
vida. Este caminho nunca será antiquado, ultrapassado, entretanto se
dedicação completa é exigida por aquele que busca, porque a resposta
à pergunta sobre o significado da vida é também a resposta à pergunta
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sobre as leis do mundo que em todos os níveis gira em círculos [...]. A
crise de nossa existência se assenta numa forma de pensar, numa
atitude mental, que tenta salvar a humanidade com a ajuda do
conhecimento unilateral rodeado pela funcionalidade de ações
perfeitas.
Ao caminhar nos passos da dança, o homem construiu um sentido simbólico
para a sua arte e a diversificou com características e movimentos distintos,
desdobrando-se em signos que se redobram em outras margens de pensamento. Parte-se
da premissa de que a dança não representa um fato isolado, mas a confluência de
sentimentos, pensamentos e visões de mundo de um determinado povo, cultura ou etnia.
O caminhar é, a meu ver, muito importante, porque se dá passo a
passo. O passo é um salto à frente, numa sincronicidade com o meu
movimento de corpo e com aquilo que acontece em mim. Ao percorrer
a região, a sincronicidade registra-se em mim, como uma experiência
[...]. Dessa forma, a experiência que acontece externamente, reflete-se
internamente. É esta a melhor maneira de se compreender o mundo
através de uma marcha viva. Bernhard Wosien (2000, p.103).
A experiência da comunicação com o sagrado que o homo religiosus vivenciou,
mediante suas diferentes linguagens e expressões artísticas, possibilitou uma
comunicação estética com o que compreendia como sagrado, tempo e espaço,
expressando esta comunicação mediante uma linguagem simbólica. Portanto, devido ao
fato de esta linguagem possuir elementos que podem ser comuns a várias culturas e
exprimir diferentes significados em cada uma delas, eles também contêm expressões
singulares de determinadas culturas, podendo estar inseridos nas mais distintas
circunstâncias, entre elas a própria ideia de reorganização do pensamento e dos
sentimentos a partir do movimento corporal, ou seja, da corporalidade.
Sob este prisma, M-G. Wosien (2002, p. 15) afirma que: ―Variantes dos signos
para a união do céu e da terra, que foram separados no mito da criação e se repetem
anualmente como metáfora cósmica, são também os motivos básicos da dança de roda e
das formas de seus movimentos e de seus passos‖.Todavia, é oportuno realizar uma
análise relativa aos padrões coreográficos encontrados nessas danças para averiguar os
motivos básicos, a forma de seus movimentos e os passos que foram consagrados pela
sociedade como tradicional, isto é, de forma universal. Estas encontram ressonância no
que foi materializado como dança étnica, tradicional ou folclórica, portanto, que se
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encaixam na lógica das práticas corporais alternativas propostas por Luz (2003), haja
vista fugirem da lógica da racionalidade biomédica ocidental.
Para compreender este processo evolucionário nas danças tradicionais, busca-se
recurso no processo histórico da construção de diferentes culturas e sociedades, seus
mitos, símbolos e rituais. Nas DCS encontram-se símbolos arquetípicos que caminham
deixando seus sinais no percurso simbólico das danças tradicionais e esses sinais
encontram-se projetados nas coreografias contemporâneas. Por meio da consonância do
som e dos movimentos, a dança busca articular uma linguagem que origina movimentos
geradores de profundas e inquietantes probabilidades do repertório corporal,
transmitindo uma ideia ou sentimento, expandindo os horizontes do sensível e do
raciocínio lógico, em seu contexto e plenitude, cooperando para a ampliação de sua
consciência como ser conectado ao universo.
A relação lógica do conteúdo da dança tem uma história com objetos, ações e
figuras do imaginário e do simbólico, bem como a lógica com que é tecida a sua
coreografia respondendo às mudanças no espaço cênico. Os contextos em que se
inserem as imagens representadas exprimem sentidos subjetivos transformados em
novas mensagens que podem atingir diferentes percepções e suscetibilidades, em
especial as relações por meio da dramaturgia corporal expressa nos passos da dança, as
quais podem contribuir para pessoas com transtorno mental reorganizarem-se
internamente.
O enfoque principal da pedagogia das Danças Circulares Sagradas, na visão de
seus idealizadores, Bernhard e Maria-Gabriele Wosien, é preservar a função
significativa da dança como arte que atua no coletivo, mantendo a linguagem simbólica,
num importante sistema de comunicação com os mitos e com as histórias que ficaram
gravadas nas tradições de alguns poucos guardiões dessa arte dançada.
Conforme relatado na introdução, no que se refere à coleta de dados para esse
trabalho, os registros aqui disponibilizados fazem parte de anotações, mediante partilha
nas rodas de dança, na qual era mantido o formato circular do grupo e, nesta forma de
círculo, todos podiam se olhar e se ver. Neste sentido, observou-se que havia garantia de
espaço para cada um expressar-se verbalmente, além de não haver críticas ou
preconceitos quanto ao olhar de cada um sobre o tema proposto. Portanto, constata-se
que, dentre muitas informações relatadas, algumas provêm das sensações que não
alcançam a consciência racional e utiliza-se de critérios próprios.
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Refletindo sobre o imaginário relativo à simbologia e significado de vários mitos
na dança em consonância com a diversidade de passos, gestualidade e movimentos
realizados com músicas originárias de várias culturas, pondera-se que as expressões
geradas pelo movimento arquetípico, sem intencionalidade consciente, provêm de
dimensões externas à consciência e absorvidas através do sistema de percepção, situadas
nas regiões que dispõem de vasto acervo e que processam informações seguindo leis
adequadas de coesão interna.
Foram construídas algumas vivências representadas por variados movimentos e
gestualidades corporais, além de músicas e ritmos variados, estudados e recriados para
esta proposta. Nas vivências que foram compostas por manifestas presenças femininas,
sempre houve um equilíbrio com a presença significativa de alguns homens e estes
propiciaram o estabelecimento de vínculos arquetípicos, além da condução de
determinadas danças.
Nesse processo de aprendizagem, encontra-se o focalizador que faz a conexão
das energias sutis e vibrações inerentes ao círculo de dança, para mantê-lo harmônico,
viabilizando, assim, um processo de ressonância e de interação. Ao ensinar as danças
sagradas, encontram-se sentimentos e sensações que envolvem questões mais densas, e
estas estão atreladas à disponibilidade de mudança, uma aventura do devir humano na
qual estão envolvidos o corpo, a mente, a espiritualidade e os sentimentos mais sutis.Por
sua vez, os conteúdos da espiritualidade caminham em uníssono com toda a vivência na
roda, uma vez que o simbolismo arquetípico das danças sagradas está em contato com
ensinamentos de tradições ancestrais.
Nas danças em roda, como modelos tradicionais do universo, a
transformação é baseada nas possibilidades infinitas de cada posição
em um círculo ser um ponto de viragem. Em relação a esses modelos
que deram estrutura à experiência humana através dos anos, com
atenção concentrada no silêncio, nossas identidades biográficas e
históricas restritas são experimentadas como relativas somente dentro
de uma maior armação simbólica. [...] Aprender a ouvir o silêncio, e
dar atenção ao "espaço entre" nós é o melhor professor de movimento
(WOSIEN, 2010).
Dessa forma, compreende-se que o aprendiz só aprende o que deve aprender em
determinada situação, se ele não estiver preparado para receber informações mais
aprofundadas, não adianta impelir. Tampouco existe uma única forma de aprender, e
esta não acontece apenas pela razão, ou simplesmente pela emoção. Na roda existem
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alguns participantes mais auditivos, outros mais visuais ou então se encontram os
cinestésicos. Portanto, a Dança Sagrada, no seu processo de aprendizado, pode ser
expressa a todos, não existindo limitação; no entanto, deve ser respeitada a condição de
apreensão do aprendiz.
Ao explorar os saberes experienciais em vivência ritualizada de Danças
Circulares Sagradas, observa-se o focalizador como um ator encenando discursos
didáticos integrados à sua linguagem corporal e gestual, além do aspecto da voz e do
ritmo ao passar o conteúdo. Todos esses elementos são essenciais e influenciam o
resultado de uma vivência, na qual o jogo do aprender e o ensinar dialogam mediante o
repertório de conteúdo elencado para a realização da proposta.
Este é um processo educativo que se move em um universo de enigmas, e não
existem regras para esta pedagogia ser aplicada de maneira diferenciada, uma vez que
cada um assimila conforme a sua bagagem e a sua proposta com a dança sagrada. O
aprendiz precisa estar disposto para acolher a transformação, atingindo outra
compreensão da dança e do sagrado. Por sua vez, existem diferentes etapas de
aprendizado, algumas se encontram no campo racional, outras serão emocionais, outras,
ainda, mobilizam o campo do simbolismo, amoldável à consciência de quem o
decodifica.
Esta proposta se utiliza do círculo que é um ponto que se expande, assim, o
ponto simboliza a origem, o centro, o princípio da emanação e designa a força criativa e
o remate de todas as ocorrências. A meditação se origina no ponto, sendo ele o tema do
advento da integração espiritual. Assim, a dança contribui para um processo de
reorganização pessoal, o qual pode contribuir de modo significativo na vida das pessoas
com transtorno mental.
A preparação, nos seus pressupostos gerais, foi pautada como etapa simbólica do
caminho, obedecendo a critérios que foram preconizados por Bernhard Wosien, assim
como as formas e conteúdos das danças, que constituíram as discussões com o grupo
permanente de Danças Sagradas, composto por mulheres e homens, no qual houve
espaço para insights pessoais de um caminhar criativo.
Sendo assim, esta proposta teve por base a experiência criativa, incorporada aos
princípios da espiritualidade, respeitando todas as crenças. A oficina, dividida em três
caminhos, foi elaborada para ser utilizada e reconstruída a cada vivência, após ser
refletida em cada etapa da sua construção. A cada resultado obtido mediante partilha,
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observou-se a importância de dar espaço para que cada pessoa se expressasse quanto ao
significado individual da etapa/dança vivenciada, uma vez que ao ser colocado na roda
algo emergia no coletivo. Outro fator significativo foi a percepção de que um ciclo se
completava e se reconstruía alicerçado mediante novos desafios, e que esta forma
metodológica permitia dar continuidade à jornada terrena da aventura humana e de sua
investigação para expandir a consciência divina que reside em todo ser.
No primeiro caminho, considerado como uma preparação para a jornada,
buscou-se conhecer o espaço e cada um pôde refletir sobre a sua busca pessoal, bem
como o que despertou e o que motivou para realizar essa jornada. A primeira volta do
caminho da espiral evolutiva é a sensorial e pré-pessoal (BASSO; PUSTILNIK, 2001),
não se sabe por que acontecem as coisas, é fantasmagórico, são memórias caladas do
feminino arquetípico. É primordial recuperar a memória do processo evolutivo. Ao
desenvolver então as etapas desse primeiro caminho, os participantes são convidados a
reconstruir um retorno à confiança, à inocência, sendo um reencontro com a fé. É um
reconhecimento das percepções sensoriais e possibilidade de encarar a sombra, pois, o
caminhar para a luz, que reverbera esperança. Sombra e luz são percepções de energia
com um sentido mais aguçado; é a descida e subida na Terra em sincronia com uma
vida de magia e fluidez.
No segundo caminho, depara-se com o conhecimento de si mesmo, é a
oportunidade de poder sair da influência dos campos mórficos sociais, nos quais se
encontra a cultura para controlar. Por sua vez, utiliza-se a mente reflexiva e
representativa do padrão masculino, sendo a lei que se internaliza. Nesse caminho é
necessário o amadurecimento mental para germiná-lo de uma mente dialética e
integradora para ter insights metafísicos. Após a iniciação no primeiro caminho, na qual
foram enfrentados desafios profundos ao encarar a própria sombra e libertar-se com
confronto e correção, desembaraçar-se e germinar; no segundo caminho, as percepções
são liberadas, as metas estabelecidas e a energia em movimento interagem com o todo.
Ao concluir esse caminho, a sabedoria interior é honrada e inicia-se a entrada na terceira
volta da espiral, ou o terceiro caminho, que é a possibilidade de transformação.
O terceiro caminho está ligado às responsabilidades dos seres que são
conscientes e estão além das sensações corporais. É não abrir-se às qualidades menos
desprovidas do sensível. Este é o local onde se pergunta qual a frequência que está
alimentando o corpo físico. É uma qualidade mais densa ou mais sutil? Questiona-se,
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ainda, com qual frequência caminho no cotidiano, qual é a frequência que circulo no
meu devir. Esse é um caminho que desperta para a responsabilidade de retransmitir
frequências positivas e luminosidade ao campo mórfico social. Para que o ser humano
passe a perceber o seu campo morfogenético, potencializando o Ser que é, necessita
estar com a medula alinhada, possibilitando um sagrado espaço de silêncio.
Ao estudar os campos morfogenéticos da Dinâmica Energética do Psiquismo
(DEP), pode-se observar que o que se produz em nível de campo energético é o que é
vivido, os eventos que são vivenciados são consequências da organização desses
campos. Dentro dessa Dinâmica, somos um campo que tem portais e a consciência
navega por esses campos. Existem energias em todos os níveis, mas criamos entraves
para que ela se manifeste. Somos seres tridimensionais e vivenciamos múltiplas
experiências; o processo se repete e a cura é mudar o padrão vibratório. Nos caminhos
da dança, a pessoa percebe o que a fez travar, desbloqueando para que a energia se
manifeste. Quando o campo é coligado, ele se manifesta, o importante é fazer
movimento. A partir desse contexto pretendemos refletir como as DCS podem
contribuir no contexto da saúde mental.
Danças Circulares Sagradas, Saúde Mental e formação em Educação Física
A formação em Educação Física, sobretudo, no curso de Bacharelado em
Educação Física da UFG, tem se preocupado em formar discentes que tenham como
foco a atuação na saúde pública, a partir de um olhar diferenciado, tendo como
referência os princípios do SUS. Tem como o campo de estágio no 5º e 6º períodos (3º
ano do curso) o estágio nos CAPS. Ao mesmo tempo tem como um de seus conteúdos a
disciplina de Práticas Holísticas, a qual procura desenvolver conteúdos que se
aproximam da proposta de Luz (2003).
Assim, no contexto do curso procura-se trabalhar a partir de uma perspectiva
ampliada de saúde, com a lógica de que o bem-estar do usuário e a maneira como ele
lida com as suas relações é fundamental para o seu tratamento. Por isso,
compreendemos que o uso das Danças Circulares Sagradas é uma tecnologia leve-dura
importante (MEHRY; FRANCO, 2003) de intervenção do professor de Educação Física
na saúde pública, sobremodo, nos CAPS, uma vez que, os caminhos percorridos pelos
usuários com ajuda das DCS podem contribuir de maneira significativa.
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A proposta do curso (MARTINEZ et al, 2013) tem como foco formar um
profissional que tenha capacidade de intervenção na saúde pública com competência
técnica e compromisso político. Dessa forma, compreendemos o fato de que o processo
de tratamento deve ser desenvolvido a partir de um projeto terapêutico singular (PTS),
do qual pode fazer parte as danças circulares sagradas. A interação do usuário com ele
mesmo, com o outro que está ao seu lado ou à sua frente, é fundamental para que cada
pessoa possa se organizar dentro do seu contexto.
Para contribuir com o usuário, o profissional que está sendo formado, precisa ter
acesso aos conhecimentos, estratégias, símbolos, sentidos e significados apresentados
por estas danças. O professor tem que pensar para além dos conceitos religiosos, étnicos
e ter como foco as contribuições de cada prática para a pessoa que está sendo tratada.
Esta prática corporal não é uma mera atividade recreativa, é um trabalho de
desenvolvimento da própria consciência do usuário. Destarte, compreendemos que as
DCS são conteúdos fundamentais na formação de alunos de Educação Física.
Compreendemos, pois, que as Danças Circulares Sagradas são, não apenas uma
importante prática corporal no contexto do campo da Educação Física, mas acima de
tudo, um conteúdo fundamental para o desenvolvimento no contexto da formação
profissional, porquanto estas práticas corporais contribuem para a ampliação dos
conhecimentos dos futuros profissionais da Educação Física, mas, acima de tudo, uma
importante tecnologia leve-dura para ser usada pelos profissionais no contexto da saúde
mental.
Ao apresentar, ainda que de maneira rápida o processo de utilização das Danças
Circulares Sagradas para o CAPS, não estamos olhando apenas para o processo de
intervenção com usuários da saúde mental, mas, acima de tudo, pensar que tanto para o
professor de educação física como para o usuário, o acesso a este conhecimento se
constitui em um processo de formação humana, fundamental para o acesso à autonomia
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