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  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann

    O prncipe e a plebia (Sabrina Romances Preciosos 1491)Tuca Hassermann (2007)

    Sonho de mil e uma noites de vero...Para encontrar seu irmo, de quem foi separa na infncia, Sarah lanar mo de certas habilidades que desenvolveu e que poucas mulheres possuem. Mas ela no imagina que est prestes a conhecer um homem... no um homem qualquer, e sim um sheik de verdade... e que usar suas habilidades para salvar a vida dele, num luxuoso palcio numa ilha longnqua do Oriente Mdio...Preocupado com sua irm que fugiu do palcio, com a iminente rebelio por parte de uma faco de fanticos religiosos em Nakabir, e com os preparativos para seu casamento, a ltima coisa que Neyah Faraj precisava era descobrir-se apaixonada por outra mulher! Mas impossvel ignorar o desejo que sente por Sarah Baker, uma mulher linda e intrigante, disposta a correr riscos para proteger o palcio e a famlia dele... e a paixo irresistvel que inflama seus coraes!

    CAPTULO IO palcio do sheik Ahmed Faraj recendia a ervas aromticas. Aquele era o dia do casamento de seu filho mais

    velho, Neyah, seu sucessor ao governo de Nakabir. Toda a ilha estava em festa para celebrar a unio acertada desde o nascimento das crianas do prncipe Neyah com a belssima Ragda, filha de Nimrod, o melhor amigo do sheik.

    Havia trs dias Ragda vinha sendo preparada no harm, segundo a tradio. Todos os cuidados com a pele, os cabelos, as unhas vinham sendo tomados. Sua beleza e sensualidade naturais estariam ainda mais evidentes, para agradar seu futuro marido.

    Naquela noite, Ragda iria se tomar mulher; e uma princesa. Se tivesse sorte, engravidaria durante a lua-de-mel, dando incio a sua famlia com Neyah.

    A vida no poderia ser mais maravilhosa para Ragda. Nenhuma jovem sobre a face da terra podia estar mais feliz do que ela. Desde menina sempre foi muito respeitada por ser a prometida do prncipe Neyah, o sucessor do soberano. Todas as amigas a invejavam, mas se continham perante seu poder. Afinal, um dia ela seria rainha.

    Seu pai, Nimrod, era um homem muito rico. O sheik Ahmed costumava recompensar com generosidade os que colaboravam com ele, desde um simples carregador de gua at o gro-vizir. Contudo, nenhuma fortuna, em toda a regio, poderia se equiparar do sheik.

    Riqueza, formosura, respeito e um marido poderosssimo para proteg-la. O que mais Ragda poderia pedir aos cus?

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  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannFitou-se no espelho. Seus cabelos negros cintilavam quase tanto quanto seus olhos. Naquela noite, no leito de

    seu marido, poria em prtica tudo o que aprendera desde os doze anos com as mulheres do harm. Em sua cultura, o sexo era um ato sagrado, a ser realizado apenas entre marido e mulher. No entanto, era dever de ambos dar o mximo de prazer um ao outro. Por isso, desde cedo as meninas eram iniciadas na arte da seduo. Elas aprendiam centenas de maneiras diferentes de como utilizar seus corpos para agradar, para levar um homem loucura. E Ragda sempre recebera elogios por sua desenvoltura, aplicao e interesse por todas as tcnicas. Poder-se-ia dizer que se tratava de uma virtuose.

    E agora, finalmente, iria dar vazo a todo aquele fogo que a consumia por dentro. Sua feminilidade atingira o ponto mximo. Seu corpo e sua alma estavam mais do que prontos para aquele casamento.

    O prncipe Neyah entrou nos aposentos do sheik. No saberia dizer o que fazia ali, mas experimentava um peso no corao. Uma sensao de que algo estava muito errado o acompanhava desde cedo, naquela manh.

    No compreendia a si mesmo. Durante anos aguardara pelo momento em que, enfim, desposaria Ragda. Ela era lindssima, e seu poder de seduo era tal que ningum ficava imune a seus encantos. Assim que entrava em um ambiente, todos os rostos se voltavam para ela.

    Tudo conspirava a seu favor. Todas as bnos do deus de seu povo foram derramadas sobre sua cabea desde que viera ao mundo. Fora agraciado pela formosura, pela valentia, por pais amorosos.

    Sua me era inglesa, e trouxera para Nakabir, aps se tomar rainha, tudo de melhor que sua cultura possua. Graas convivncia com ela, o sheik se tomara mais acolhedor, tolerante e sorridente. O amor que Ahmed dedicava rainha Justine era tamanho que ele mandara construir um imenso osis no deserto, apenas para desfrutar de romnticos momentos a ss com sua adorada.

    Os trinta e cinco anos de seu casamento produziram seis filhos, cinco rapazes e uma moa: Neyah, Hassin, Miled, Fariso e Sardok, e a princesa Maata, a caula. Os prncipes eram todos morenos como o pai, mas seus olhos eram claros, castanho-esverdeados.

    Maata, porm, se tomara de uma beleza incomum. Tinha pele clara, cabelos muito loiros e olhos negros. Era o grande amor de todos no palcio, a luz que iluminava cada um com sua alegria contagiante. Seu nico defeito era ter nascido independente demais para aquele mundo em que os homens davam as ordens e as mulheres obedeciam.

    Maata jamais se conformou com isso. No costumava entrar em conflito com os irmos ou o pai. Sorria com a imensa doura que sempre os desarmava, mas fazia exatamente o que queria. E ningum tinha coragem de admoest-la quando ela olhava no fundo dos olhos e dizia:

    Eu no falei que ia obedec-lo. Portanto, no menti. Por que est to bravo?E l vinha aquele sorriso maravilhoso, e a pessoa j no lembrava mais o motivo de sua zanga.De repente um arrepio subiu pela coluna de Neyah. Papai?Sem obter resposta, ele se dirigiu ao dormitrio do aposento real. Ento, avistou uma folha de papel cor-de-

    rosa sobre a cama, encimada por um pequeno arranjo de flores.Outro arrepio.Leu sem demora:

    Paizinho amado, Quando voc estiver lendo esta carta, eu me encontrarei bem longe daqui. No quero que voc, mame ou meus

    irmos se aflijam. Sei o que estou fazendo. Aproveitei justamente este dia em que todos estaro ocupados com os ltimos preparativos do casamento de Neyah para fugir. Caso contrrio, dificilmente eu teria outra chance.

    Sei que vocs todos querem o melhor para mim. Como poderia ser diferente, se tanto me amam? Porm, no pretendo, de forma alguma, desperdiar todo o meu talento artstico num pas que no d crdito algum s mulheres. Estudei tanto, papai! E me tornei uma desenhista de jias de primeira linha. Superei at meus mestres, que nunca esconderam uma ponta de inveja por aquilo que eles e eu! consideram um dom.

    Pretendo ganhar o mundo. Quero ser reconhecida por meu trabalho. Irei para o Ocidente, e l serei famosa por meus prprios mritos. Jamais me conformarei em ser a esposa peifeita de um homem que talvez eu nem ame, s porque o destino assim o quis. Meu destino eu mesma farei.

    Amo demais toda a minha famlia. Nunca duvidem, nem por um segundo, que eu morreria por vocs. Mas creio que minha poro inglesa que herdei de mame forte demais para ser ignorada.

    Por favor, d-me suas bnos, papai. E fique tranqilo, eu saberei me cuidar.2

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannDiga a mame que no chore. Assim que possvel, entrarei em contato, dando notcias.S uma coisa: no mande ningum atrs de mim. Se eu tiver de voltar fora, no hesitarei em levar o caso s

    autoridades do pas onde eu estiver. No se esquea de que, assim como meus irmos, tenho nacionalidade inglesa. Desse modo, fora de Nakabir, vocs no mandam em mim, visto que sou maior de idade.

    At breve.Com todo meu amor, Maata

    Neyah releu a carta vrias vezes, para ter certeza de que no entendeu errado e de que aquilo no era um pesadelo.

    Como podia ser?! Ela no pode ter ido longe... Ou pode? Quando foi a ltima vez que a vi?!Ento Neyah se deu conta de que no via Maata havia dois dias. Os preparativos para o casamento tambm

    consumiam muitas horas do noivo, entre oraes, banhos e conversas com os mais velhos. Portanto, sua irmzinha, quela altura, j poderia ter deixado o pas.

    O prncipe decidiu no se entregar ao desespero. Era um homem prtico e acostumado ao comando. Assim, respirou fundo e mandou que Aran, seu servial mais antigo, convocasse uma reunio urgente com seus irmos e o pai.

    Leve-os sem demora para a sala dourada, Aran, a mais distante da rea do harm, pois no quero que minha me saiba de nada, por enquanto. Em quinze minutos estarei l.

    Sim, Alteza e Aran se foi, apressado.

    Ahmed empalideceu e levou a mo ao peito. Como Maata pde fazer isso comigo?! Papai, acalme-se. Ns a traremos de volta. No entende, Miled? Maata uma princesa real, que esteve cercada de todos os mimos e de toda a proteo

    desde que nasceu. Ela no sabe tomar conta de si! Nenhuma mulher sabe. Nossa me sempre soube. No me irrite, Hassin! Nossa me inglesa. As ocidentais so diferentes. Elas desprezam os homens. Sardok, o que diz um disparate! No ! As mulheres tm de ser dirigidas. Quando no so, s fazem bobagens! Como pode dizer algo assim?! Se nossa me ouvir o que voc fala bem capaz de lhe dar umas boas palmadas! Parem de discutir! o sheik bateu com fora no tampo da mesa. No me importo nem um pouco com a

    opinio de vocs! Quero minha menina aqui, junto de mim, e agora! Isso uma ordem!Todos se calaram e baixaram a cabea, submissos.Foi Fariso quem quebrou o silncio: Ela no pode ter ido muito longe. Aran verificou em seu quarto e encontrou muito dinheiro em seu cofre

    particular. Maata to rica quanto vocs. Sua fortuna fica depositada no banco; o dinheiro no cofre apenas para

    despesas imediatas. Alm disso, eu lhe dei todo o ouro e as pedras preciosas que me pediu, para fazer suas jias. Minha filha pode viajar ao redor do mundo vrias vezes, se assim o quiser o sheik, inconformado, encarou o filho mais velho. Neyah, prepare-se. Voc ir agora mesmo atrs de Maata. Leve consigo tudo e todos de que necessitar.

    O prncipe ia dizer algo, mas o sheik o impediu: O casamento ser adiado. Ragda ficar no harm at que voc retome. E no volte sem minha filha!Os prncipes fizeram uma reverncia ao sheik para se retirar da sala dourada quando as portas se abriram e a

    rainha entrou.Justine continuava esplendorosa aos cinqenta e cinco anos e depois de ter tido seis filhos. Era uma mulher de

    mdia estatura, corpo curvilneo, longa cabeleira cor de areia e olhos azul-turquesa. Assim que olhou para eles, tantos anos atrs, o sheik Ahmed foi tomado de uma paixo to fulminante que no descansou enquanto no conquistou o indmito corao de Justine. O que se mostrou uma tarefa rdua, visto que ela era dotada de muita personalidade e talento para a poltica.

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  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannNa ocasio em que se conheceram, Justine cursava comrcio exterior na faculdade, e pretendia seguir carreira

    diplomtica. Ahmed a cobriu de presentes carssimos, achando que assim ela enxergaria logo quanta vantagem teria em se tomar amante dele. Sim, porque nem de longe ocorria ao sheik desposar uma plebia e alm do mais, estrangeira.

    Justine devolveu de imediato todas as jias e raridades que vieram das mos do sheik, com um sonoro "Digam-lhe para me deixar em paz!". Quando se deu conta de que no queria mais mulher nenhuma no mundo alm dela, Ahmed capitulou. E, usando de muita astcia e um elaboradssimo estratagema, conseguiu se aproximar de Justine, que no resistiu ao charrne devastador do sheik.

    Mas o pedido de casamento s foi aceito quando Ahmed jurou que no haveria mais concubinas no harm. As mulheres que l viviam ganharam o direito de optar: poderiam continuar no palcio como empregadas remuneradas, viver por conta prpria com uma penso vitalcia ou deixar que Ahmed lhes arrumasse marido.

    Sem demora, a prtica embora no tivesse sido imposta aos sditos se tomou comum entre os cidados de Nakabir, e a monogamia passou a se tomar mais e mais aceita entre os homens.

    Mame! a que faz aqui? No deveria ter vindo, esta reunio s...Justine se aproximou de Sardok e lhe fez um carinho na face. Fique quietinho, meu filho. Se nem seu pai me diz o que fazer, imagine se voc teria esse poder.Sardok enrubesceu.Muito altiva, Justine se aproximou do sheik e o cumprimentou segundo o protocolo. Majestade, espero que no seja necessrio que eu recorra a meios escusos para descobrir o que se passa

    neste salo. Querida, depois falaremos sobre isso. Se pretende ser indulgente comigo, Ahmed, ter de arcar com as conseqncias.Era dificlimo para o sheik, mesmo agora, ouvir uma mulher se dirigir a ele daquela maneira. No entanto, aquela

    era a sua Justine. Ela no era apenas seu amor; era seu corao inteiro. Tinha adorao pelos filhos, mas sua rainha pulsava em suas veias. E aquele carter de guerreira do deselto o encantava, mais do que o aborrecia.

    Assim, suspirando, Ahmed indicou-lhe que se sentasse e a colocou a par de tudo.Justine empalideceu um pouco, mas no se deixou abater. Que providncias vocs tomaram? Mandei que Neyah sasse procura dela sem demora. E para onde ele ir? Devo comear a procur-la no aeroporto, mame. Sei... Mas no faz dois dias que no v sua irm? Nesse caso, no lhe parece um tanto difcil encontr-la ainda

    no aeroporto? Eu pretendia checar os vos, para descobrir para onde Maata viajou. Algo que voc poderia fazer com um simples telefonema. Ainda no tinha pensado direito, mame. Claro que ia encontrar uma idia melhor. Alguma sugesto, minha adorada Justine?A rainha segurou a mo do marido e a apertou, trocando com ele um olhar repleto de significados. Ento, ficou

    de p e comeou a andar de um lado para o outro. Ahmed conhecia bem esse seu mtodo; era dele que lhe vinha uma clareza de raciocnio em geral estupenda.

    Deve fazer tambm uns dois dias que no vejo minha filha. Com toda essa azfama dos preparativos do matrimnio de Neyah com Ragda, me mantive to ocupada! Alm do mais, Maata fica tanto tempo trancada em seu estdio, trabalhando em suas peas, que no me importei com sua ausncia.

    A rainha tocou o anel de turmalina azul em seu dedo anular da mo direita. Aquela foi uma das primeiras jias confeccionadas por Maata, que ela ofertou me. O aro e a caixa que envolvia a pedra eram em ouro branco, num trabalho em filigrana delicadssimo. A turmalina tinha catorze quilates, e a lapidao utilizada por Maata era to moderna que espantara os tradicionais ourives conhecidos do sheik, que no entendiam de onde ela tirava aquelas idias to avanadas.

    Imagino que a nenhum de vocs tenha ocorrido verificar o computador dela.Os irmos se entreolharam, embaraados. Como lhe falei, mame, assim que eu tivesse oportunidade de me acalmar, decerto seria a primeira

    providncia que tomaria. Claro, Neyah. Antes de sair em disparada para o aeroporto, no ?

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  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannAhmed no conteve um sorriso. Adorava a ironia fina de sua rainha. Duvido que Maata tenha se decidido pela Inglaterra. Na verdade, creio que nenhum pas da Europa seria seu

    escolhido. Ela fala vrios idiomas. Pode viver onde quiser. Evidente, Miled. Mas minha intuio materna me diz que Maata daria preferncia a um lugar de grande

    extenso territorial, o que tomaria mais difcil encontr-la. Seu deslocamento seria fcil e no haveria necessidade de passaporte, como aconteceria se estivesse na Europa.

    Todos assentiram. Vocs esto se afligindo toa Fariso fez um esgar. Assim que Maata utilizar o carto de crdito,

    descobriremos onde est.Justine o encarou. Filho, foi justamente por querer fugir desse tipo de mentalidade retrgrada que sua irm deixou Nakabir.

    Garanto que ela tomou todos os cuidados necessrios para no deixar rastros; usar os cartes de crdito seria a ltima coisa que faria, portanto a rainha tornou a andar. Todos vocs sempre a trataram como um ser inferior, que gostava de se divertir com seus brinquedinhos carssimos que ela mesma fazia. Maata uma artista talentosssima, e jamais teve o apoio do pai ou dos irmos.

    Est sendo injusta, mame. Ns sempre elogiamos as peas dela. Sim. Com os sorrisos indulgentes que se lanam s crianas quando elas vm nos mostrar as primeiras palavras

    que conseguem escrever. No com a admirao que ela merecia. Eu me esforcei tanto para fazer meus filhos enxergar o absurdo dessa postura machista e ultrapassada... Justine respirou fundo. Falhei miseravelmente.

    Mame, entenda. Maata nossa irm. E caula, ainda por cima. No est pedindo demais que homens como ns, de nossa estirpe e cultura, olhem para ela e vejam mais que uma menina a ser protegida? No nos pea o impossvel.

    No posso acreditar que ela tenha preferido enfrentar o mundo, com todos os riscos que ele oferece, a ficar aqui conosco, ao lado da famlia, que tanto a ama Ahmed meneou a cabea, desconsolado.

    Tambm me preocupo com a segurana dela. Maata nunca enfrentou dificuldades, jamais teve de lavar um copo sequer. Mas ela tem o direito de seguir o prprio caminho.

    No tem, no, Justine! o sheik ficou de p, vermelho de indignao. A obrigao dela morar conosco e nos obedecer!

    Justine e o marido ficaram se encarando, numa comunicao muda que os filhos haviam presenciado em diversas ocasies. O resultado era sempre o mesmo: o sheik suspirava e aceitava o desejo dela. E dessa vez no foi diferente.

    Se voc tivesse permitido que Maata abrisse a joalheria que tanto queria, Ahmed, nossa filha estaria aqui conosco, s e salva.

    Como uma princesa real pode trabalhar como uma mulher comum? V? Voc no deixou sada para ela. A culpa minha, ento?Silncio. Bem, acusaes no nos levaro a nada Justine ajeitou os cabelos. Nem sair correndo como baratas

    tontas por a. Portanto, fiquem todos quietos e prestem ateno a minhas instrues.

    Ragda se trancou em seus aposentos. Jamais perdoaria Maata por ter escolhido justo o dia de seu to esperado casamento para resolver fugir.

    E fugir do qu, afinal?, ela se perguntava. Do amor da famlia, do luxo, de todo bem material que qualquer ser humano poderia almejar?

    Vou arrancar todos os cabelos dela quando a encontrar! Ragda jurou, e se atirou na cama aos prantos.De repente, parou de chorar. No, nada disso. No vou ficar aqui, infeliz, aguardando o regresso de meu noivo, que estar em outros pases

    se esbaldando com todas as mulheres bonitas que encontrar pelo caminho. Fiz tudo o que cabe a uma moa decente, obedeci meus pais, obedeci Neyah. E o que ganhei com isso? Ningum neste palcio se importa comigo. Podiam ter mandado um outro irmo atrs daquela infeliz, mas no. Teve de ser Neyah! Da, basta que me tranquem no harm, como uma jia dentro de um cofre, at a hora em que meu amo e senhor resolva se lembrar de que existo!

    Levantou-se e foi lavar o rosto. Enxugou-o com a toalha imaculadamente branca e se mirou no espelho.5

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann Eu decidi que hoje me tomaria mulher, e assim ser. Vou dar um jeito de me divertir muito por aqui enquanto

    meu noivo estiver se divertindo no Ocidente. Os que vivem neste palcio no perdem por esperar!Ragda se despiu e admirou suas formas voluptuosas no espelho. Sabia muito bem que o que pretendia era

    arriscado, mas seu corpo ardia, exigindo ser saciado; e estava disposta a tudo para satisfaz-lo. Se fizesse tudo direito, teria uma noite inesquecvel de sexo. Mais tarde pensaria numa boa desculpa para dar a Neyah quando, enfim, se casassem. Afinal, ele poderia demorar meses, at mesmo anos, para achar Maata.

    Retirou do armrio seus diversos vus de seda. Com muita arte, seguiu todas as instrues aprendidas com as ex-concubinas do harm, e envolveu suas curvas perfeitas com eles. Ao terminar, o resultado era magnfico. At mesmo um homem morto ficaria de queixo cado ao v-la.

    quela hora da noite, todos no palcio deviam estar dormindo, menos os seguranas. Todos eles eram fortes, musculosos, altos. Portanto, qualquer um serviria.

    Num instante de hesitao, Ragda quase voltou atrs. Se fosse flagrada, seria exposta execrao pblica. Toda sua famlia seria apontada na rua, e ela nunca mais poderia sair de casa, devido vergonha.

    Mas sua forte libido e tambm o fato de se sentir muito humilhada por no ter merecido sequer que os futuros sogros mandassem cham-la para inform-la pessoalmente do ocorrido determinou que continuasse avante. Se houvesse um escndalo, a famlia real ficaria em maus lenis. Portanto, sem dvida procurariam abafar qualquer mau passo que ela pudesse vir a dar.

    Ragda, sorrindo por sua esperteza, cobriu-se com um manto que ia at os ps, envolveu a cabea e o rosto com um vu vermelho, que lhe ocultava as feies, e se esgueirou para fora do quarto.

    Ragda se escondeu atrs de uma coluna para observar os arredores. O harm era separado do palcio por um trio, no meio do qual se erigia uma fonte que despejava, com suavidade, sua gua sobre o pequeno lago artificial, onde nadavam peixes de diversas variedades. Aquela parte era pouco vigiada, pois no havia portas que davam para fora, o que impedia a entrada de invasores.

    Sem fazer rudo, ela se esgueirou para dentro do palcio, e, sempre encostada na parede, continuou em frente.J havia caminhado bastante sem encontrar ningum.Droga! Ser que at os guardas resolveram dormir hoje?! Ento, o rudo de uma porta se abrindo muito perto

    dela a assustou, e Ragda correu escada acima, agachando-se embaixo de uma mesa decorativa, no hall que dava para o corredor que conduzia aos aposentos dos prncipes.

    O segurana, muito treinado, ouviu o barulho e exigiu saber: Quem est a?O corao de Ragda disparou. Devia se apresentar a ele e tentar seduzi-lo? Sim, claro, era para isso que estava

    ali.Ento por que no o fazia? O que a impedia?O guarda comeou a subir os degraus.Ragda olhou para a porta do hall. Seria atrevida a ponto de adentrar a rea reservada aos homens? Quem

    encontraria l dentro?O segurana se aproximava cada vez mais.Enfim, ela se decidiu e correu para a ala dos prncipes. Uma vez l, disparou adiante, arrependida de toda aquela

    insensatez, que poderia, inclusive, destruir a amizade entre seu pai e o sheik.O corredor era imenso. E aquela parte do palcio lhe era desconhecida. Nenhuma mulher entrava ali, a no ser

    que fosse convocada.Ragda estacou e olhou para trs. A sombra do guarda surgiu debaixo da porta. No havia mais tempo a perder.Estendendo a mo esquerda, Ragda, desesperada, girou a primeira maaneta que encontrou e se refugiou l

    dentro.

    Hassin saiu do boxe e comeou a enxugar os cabelos.Despertara suando, em meio a um sonho muito ertico, no qual uma mulher maravilhosa danava para ele e o

    convidava para o amor, e decidiu tomar um banho frio.As imagens foram to reais que ainda sentia o perfume da pele dela.Voltou para o quarto, decidido a ler um pouco at o sono retomar. Colocou a mo no interruptor para acender a

    luz quando ouviu um rudo suave e o clique da porta.Ficou imvel. Algum entrara em seus aposentos. Mas quem se atreveria a tal?

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  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannA tnue luminosidade do luar permitiu-lhe ver um vulto encolhido atrs da poltrona. Hassin apanhou uma

    estatueta pesada de sobre a escrivaninha e se aproximou. Levante-se bem devagar. Se tentar alguma gracinha, eu racho sua cabea ao meio.Um soluo de surpresa escapou dagarganta do intruso. Mas ele obedeceu.Perto de Hassin, aquela pessoa era muito pequena. Seria uma mulher? No, impossvel. S podia ser algum que

    lhe desejava fazer mal.Assim que endireitou a coluna, a pessoa que invadiu seus aposentos deixou cair o manto que a cobria. O

    movimento levou at o prncipe um delicioso aroma.O mesmo da mulher em meu sonho!, Hassin reconheceu. Quem voc? O que faz aqui? Sou a resposta a suas preces, Alteza. Tudo o que quero faz-lo feliz.A uma leve batida na porta se seguiu a voz do segurana: Alteza? Perdoe-me pelo adiantado da hora, mas... o senhor est bem?Embora confuso, Hassin atendeu ao guarda. Sim, tudo em ordem. Ouvi passos no corredor e vim checar se... Era eu. Venho tendo problemas de insnia. Fique tranqilo, ningum invadiu o palcio. Certo. Boa noite, Alteza.Hassin se virou para a mulher, e mesmo na penumbra pde perceber que ela se sentiu aliviada.Ragda olhou em torno e avistou o aparelho de som. Foi at ele, escolheu um CD e o ps para tocar.Uma msica muito ertica soou em instantes. Ela caminhou at Hassin, tomou-lhe a mo e o fez sentar-se na

    beira da cama. Ragda tremia. Era a primeira vez que se via diante de um homem nu. E, embora estivessem na semi-escurido, podia notar que o corpo dele era esplndido.

    Deixe-me acender a luz ele pediu. Nada disso. O mistrio muito mais excitante.Hassin no devia permitir aquilo. A mulher poderia ser uma assassina, enviada por alguma das diversas milcias

    rebeldes de fanticos religiosos que odiavam o sheik por julg-lo condescendente e progressista demais. Muitos diziam ser uma heresia de Ahmed ter abolido a prtica da poligamia, que fazia parte da cultura de Nakabir. No bastasse, ele deu permisso a todas as mulheres para estudar e at cursar universidade, alm de trabalhar e receber salrios quase iguais aos dos homens. Os adversrios do sheik sabiam que seria um golpe terrvel contra ele se um de seus filhos morresse. No era segredo para ningum o amor de Ahmed por sua famlia.

    Entretanto, Hassin se via refm da dana sensualssima daquela jovem como um camundongo hipnotizado por uma serpente. Ao ritmo inebriante da msica rabe, ela ia retirando os vus, um a um, num meneio de quadris capaz de ressuscitar os mortos.

    Em segundos, uma excitao vigorosa tomou conta do prncipe. A prova ficou muito evidente na ereo que se seguiu.

    Radga, prevendo o fim da melodia, curvou-se diante dele e lhe atirou o ltimo vu. Estava nua diante do prncipe, com apenas o rosto coberto. Seus olhos cintilaram ao ver o resultado de sua dana no baixo-ventre de Hassin.

    O prncipe sentiu mais uma vez o perfume nico daquela jovem, que lhe surgira em sonhos pouco antes de ela invadir seu quarto. Aquela podia ser a ltima noite de sua vida, mas nem uma exploso nuclear o impediria de tomar para si aquela beldade de seios incrveis.

    Hassin estendeu o brao e a puxou para si, jogando-a deitada sobre o leito. No sei quem voc, moa misteriosa, mas no vai sair daqui sem que eu prove todas as suas delcias. De modo algum, Alteza. Estou aqui para servi-lo.Com um gemido estrangulado, Hassin ia lhe tirar o vu de sobre o rosto, mas Ragda o impediu. S o que lhe peo que no me veja. Mas como irei beij-la?Com habilidade, Ragda exps a boca. Apenas meus olhos e meus lbios Vassa Alteza ver. Concorda?Embora intrigado, Hassin estava adorando aquele jogo. S se prometer que no me negar mais nada. Tem minha palavra, Alteza.Hassin a abraou forte e a beijou com paixo.

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  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann As preliminares ficaro para a prxima vez. Preciso tom-la para mim agora mesmo, seno sou capaz de

    morrer!Ragda gargalhou, feliz por sua capacidade de seduo.E gritou quando Hassin a penetrou, acalmando-se aos poucos medida que ele prosseguia nos movimentos cada

    vez mais intensos.O auge atingiu os dois ao mesmo tempo. Ragda cravou as unhas nas costas de Hassin, arqueando-se toda,

    permitindo que ele se satisfizesse por completo.

    Horas depois, Ragda saiu da cama com todo o cuidado, apanhou seus vus, vestiu o manto e retomou a seus aposentos no harm. O prncipe ainda dormia.

    Mas qual dos irmos de Neyah seria ele? Todos os cinco eram muito parecidos, e na penumbra ela no pde enxergar direito as feies.

    Em seu quarto, trancou a porta e se ajeitou logo entre as cobertas. Comeava a amanhecer.O que fiz, meu Deus?! Embora os momentos de intensa paixo com o prncipe tivessem sido inesquecveis,

    naquele momento, passada a raiva e aplacada sua luxria, Ragda se dava conta da loucura que fizera.E o preo a pagar talvez fosse alto demais.

    Seu desempenho foi merecedor de um Oscar! E o seu ento, minha amada? Voc chegou at mesmo a empalidecer! Como conseguiu aquilo? Eu estava muito nervosa, Ahmed. Nossos filhos so muito inteligentes. Bastaria um deslize para que nosso

    plano fosse por gua abaixo, e ns tnhamos de tirar Neyah de Nakabir com urgncia.Justine e Ahmed, deitados entre as almofadas de sua imensa cama, no conseguiam dormir. Eram muitas as

    preocupaes que os afligiam. Maata telefonou? Sim, querido. Fique tranqilo, nossa menina est tima. Quanto tempo terei de ficar sem v-la? S permitirei que Maata e Neyah retomem a Nakabir quando o perigo que nos ronda tiver terminado, Ahmed. Esses malditos fanticos! Os espies infiltrados nas faces extremistas vm fazendo um excelente trabalho. Em breve voc ter os

    lderes em suas mos. A ento, quando o governo no estiver mais ameaado, nosso Neyah, o primeiro na linha sucessria, voltar a Nakabir. Por enquanto, Maata ter de se encarregar de mant-lo muito ocupado bem longe daqui.

    O sheik suspirou. Voc tem razo. No poderamos nos arriscar. Se o pior nos acontecer, Neyah, estando em outro pas, poder

    pedir asilo poltico e em poca melhor retomar e reivindicar seus direitos. Caso contrrio, tudo estaria perdido, e Nakabir ficaria merc daqueles dementes.

    Pois . Nosso primeiro dever com o povo. Para cuidar dele, todo sacrifcio vlido. Voc est sempre certa, Justine. Tomara que Maata tenha metade de sua inteligncia e sagacidade.Justine sorriu. Metade? s vezes tenho a impresso de que ela tem o dobro!Ahmed a beijou, apaixonado. Tenho pena de Ragda... Porqu? Justine, a moa ia se casar hoje! Ora, Ahmed, no seja to sentimental. O destino de Nakabir est em jogo. Se o pas for tomado pelos

    rebeldes, a vida de nenhum de ns valer nada. Quem dera meu maior, problema fosse a frustrao de Ragda. Mesmo assim, gostaria de poder compens-la de alguma forma. Vamos esperar pelo desenrolar dos acontecimentos. Talvez tudo se resolva antes do que imaginamos, e, nesse

    caso, Neyah retomar logo e se casar com ela. Preocupo-me mais com nossos quatro filhos que ainda continuam aqui. Seria to bom se pudssemos envi-los para fora do pas tambm...

    Isso impossvel. Todos ocupam cargos importantes no governo. Ficar sem Neyah j desfalque suficiente no Conselho.

    Justine apagou as velas a seu lado.8

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann Sei disso, querido. Bem, que tal tentarmos dormir um pouco? Logo o sol nascer. Sim, e teremos um longo dia pela frente. Neyah ficou de telefonar assim que chegar a Londres. Muito boa

    aquela pista falsa que Maata deixou no computador. At descobrir que a irm no est na Inglaterra, tero se passado algumas semanas.

    No seja to otimista. Neyah esperto e muito intuitivo. Agora, meu amor, chega de conversa. Durma bem, querida.

    CAPTULO IISarah Baker subiu at seu apartamento pela escada de incndio e saltou para a sacada do quarto. No queria

    que ningum a visse chegando quele horrio.Era perita em entrar e sair de qualquer ambiente sem ser vista. Aprendeu essa e muitas outras habilidades

    semelhantes no orfanato onde viveu at os nove anos, e as desenvolveu ao mximo nos doze lares adotivos que teve, desde ento, at se tornar maior de idade.

    Seus pais, viciados em drogas, morreram muito cedo, deixando desamparados Sarah e seu irmo caula, Jordan. Desde que sara do orfanato, ela lutava por descobrir o paradeiro do irmo, sem sucesso.

    Essa era uma das grandes metas de sua vida: achar seu irmozinho, que fora levado para longe dela ainda beb. Dali a dois meses, Jordan iria completar dezoito anos, Se estivesse ainda no orfanato, teria de sair de l, por ter atingido a maioridade. E para onde ele iria?

    Bobagem minha, ela se dizia pela ensima vez. Claro que Jordan foi adotado. A esta aftura deve viver com uma famlia amorosa, e talvez nem saiba que no filho legtimo. Afinal, era apenas um beb quando nos separamos.

    A primeira providncia de Sarah, ao se ver livre para tomar as rdeas de sua existncia, foi buscar por Jordan Baker na intemet. Encontrou diversas referncias, mas nenhuma se encaixava no perfil de seu irmo. Portanto, era evidente que ele mudara de nome.

    Sem acender as luzes, Sarah guardou no fundo falso do anurio a mochila que trazia. Com suas parcas economias conseguira abrir uma pequena loja de variedades, como costumava dizer. Ali ela vendia desde alfinetes e novelos de l at relgios de grife e jias carssimas. Esses ltimos, no entanto, se mantinham guardados a sete chaves, e s estavam disponveis para clientes muito especiais que faziam encomendas de vulto por conhecer o lado negro de Sarah.

    Suspirou, muito satisfeita. Conseguira burlar o sistema de segurana de uma joalheria bastante conceituada em Manhattan, e as peas que roubara eram de excelente qualidade. Dwane ficaria surpreso e mais contente do que nunca quando recebesse o que pedira.

    Sarah pegou o telefone. Dwane? Sou eu. O preo subiu, no mais aquele.Com toda a pacincia, escutou as recriminaes e os improprios do outro lado da linha. Encontre-me amanh na loja. Estarei l s sete e meia. Voc ver o que eu trouxe, e se achar que o que quero

    excessivo, basta no pagar. Tenho certeza de que Lousada...Dwane a interrompeu.Sarah sorriu. Bastava citar o nome do concorrente para que Dwane se tomasse mais simptico. No, Dwane, no pretendo arrancar sua pele. Que serventia ela teria para mim? Vamos, pare de choramingar.

    Quantas pessoas com minha competncia voc conhece? Tem de pagar de acordo, portanto ela olhou para as unhas. Precisava ir manicure com urgncia. Primeiro, d uma olhada na mercadoria. Depois, diga o que acha. s sete e meia, amanh, no se atrase.

    Desligou, tirou com certa dificuldade o macaco preto que se colava a seu corpo e foi tomar um banho de banheira, para tirar a tenso dos msculos. Jogou sais na gua e mergulhou at o pescoo.

    Se tudo continuasse caminhando to bem, em breve teria um patrimnio invejvel.No entanto, Sarah no era boba. Jamais caiu na tentao de ostentar que tinha dinheiro. Seu apartamento era

    bom, mas simples e num bairro modesto, longe do centro de Nova York, e seu carro era popular. Tudo de acordo com os rendimentos de uma dona de loja pequena que vendia quinquilharias.

    Sarah era uma sobrevivente, e no via problema algum em lanar mo de tudo o que estivesse a seu alcance para abreviar o tempo para conseguir independncia financeira.

    Era uma ladra; e das boas. Contudo, tinha sua tica. Nunca roubava dos amigos ou de pequenos comerciantes. Costumava at, dentro do possvel, se informar se o dono da joalheria que ela visava tinha algum caso de doena ou problema srio na famlia. Se tivesse, ela o poupava.

    9

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannDe todo modo, lgico, se fosse pega, nada disso seria levado em considerao em seu julgamento. Ela no tinha

    iluses a esse respeito. Sabia muito bem que seria condenada a muitos anos de priso.Mas o risco valia a pena. Por seus clculos, muito em breve poderia se estabelecer com total honestidade. Amava

    jias, e queria muito viver cercada delas, compr-las e vend-las, us-las e admir-las sem medo.E seu gerente seria Jordan. Pagaria a ele um excelente salrio, e os dois seriam compensados por toda a

    tristeza, o desamor e a insegurana que tiveram de enfrentar ainda to pequenos.De repente, Sarah ficou triste. Se morresse naquele instante, ningum daria por sua falta. Era absolutamente

    s no mundo. Sim, havia Jordan, mas seu paradeiro era ignorado. Ah, pare de sentir pena de si mesma!Aborrecida com seu momento de fraqueza, ela se levantou, enrolou-se na toalha e foi secar os cabelos.

    Maata, naquela manh, escolheu um vestido preto, sbrio. Era muito jovem, e seu nariz arrebitado lhe dava um ar de adolescente. No entanto, era absolutamente necessrio que passasse uma imagem de profissional sria. Nenhum joalheiro que se prezasse haveria de querer fazer negcios com uma garota recm-sada da escola, como sua aparncia fazia crer que ela era.

    Tinha recursos mais que suficientes para abrir a prpria joalheria. Porm, bastaria que fizesse isso para Neyah encontr-la. E as instrues de Justine haviam sido muito claras: manter o irmo fora de Nakabir, e to concentrado em ach-la que no teria tempo para se preocupar com os rebeldes em seu pas.

    Mas nem por isso Maata iria perder a oportunidade nica de tentar alcanar sucesso com suas criaes. Suas peas eram belssimas, e seu desenho oriental, muito original. Tornar-se uma designer respeitada e famosa no mundo todo era mera questo de tempo.

    Tinha hora marcada com o sr. Israel Davidovitch. Havia trs meses que aguardava por aquela entrevista; na certa por isso se sentia to nervosa.

    Num estojo apropriado acomodara as melhores peas que trouxera consigo. Como viajara em um dos jatos da famlia, no houve problema em trazer tudo o que quis. Desse modo, teria condies de mostrar ao sr. Davidovitch uma coleo estupenda de colares, anis e pulseiras para que fosse vendida em consignao em sua loja.

    Terminando de aplicar o batom, Maata se mirou no espelho com os olhos brilhando. Tudo de que no precisava na vida era dinheiro. Como princesa que era, no havia bem material na face da terra que ela no pudesse ter. Mas isso no bastava. Era uma artista, e queria ser reconhecida por seu valor como tal.

    Respirou fundo, apanhou a grande bolsa dourada, guardou nela o estojo com as jias e chamou um txi. No fundo do corao sentia que, dali em diante, nada mais seria como antes.

    De fato, srta. Faraj, estou encantado com suas peas. difcil acreditar que uma moa to novinha tenha tamanho talento.

    O sr. Israel Davidovitch tinha uma reputao a zelar. Muito antes de o mundo ter ouvido falar pela primeira vez sobre os diamantes de sangue, ele j se recusava a adquirir pedras procedentes das zonas de conflito africanas. Por isso, ao ver aquela quase criana - embora refinadssima e autoconfiante como uma rainha sentada a sua frente, mostrando-lhe aquelas jias fabulosas e afirmando que eram suas, ficou desconfiado.

    A procedncia das pedras, porm, era garantida. Ela lhe mostrara os documentos, que pareciam estar em ordem. De todo modo, teria de ser cuidadoso. Se a linda jovem fosse uma ladra cinco-estrelas, ter seu nome associado ao dela em manchetes de jornal poderia arruin-lo.

    Eu me dedico fabricao de jias desde criana, sr. Davidovitch.No podia ser verdade. Apenas pais absurdamente ricos dariam ouro e pedras preciosas para sua filhinha

    brincar.Maata compreendeu que falara demais, e se apressou em remediar: Na poca eu utilizava lato e cobre, claro. Todas as minhas amigas na escola tinham pelo menos uma pea

    minha; nenhuma delas resistia e esboou seu mais lindo sorriso.Israel retribuiu. Aquela mocinha o fazia se lembrar de sua neta, por sua meiguice.Naquele momento, uma cliente entrou, olhou ao redor e se dirigiu ao atendente, na mesa ao lado da de Israel.

    Com um simples relance, o joalheiro viu se tratar de algum de estirpe. A linda morena se movia com a graa e elegncia de um guepardo.

    Era alta, de olhos claros verdes ou cor de mel , cabelos muito pretos e altiva como poucas. Disse algo ao funcionrio, que se afastou por instantes para ir buscar o que lhe foi solicitado.

    10

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannEla colocou a bolsa na outra cadeira e, com muita discrio, observou por no mais que trs segundos as peas

    de Maata. Arqueou de leve uma sobrancelha e se voltou para o atendente, que acabara de retomar. Faamos o seguinte, srta. Faraj. Guardarei suas jias em meu cofre e entrarei em contato com alguns clientes

    meus. Se eles demonstrarem interesse e eu fizer a venda, eu lhe telefono, e a sim poderemos pensar em um catlogo e talvez at em exclusividade. O que acha?

    Concordo, sr. Davidovitch. Acho justo. timo. Aguarde-me um instante. Registrarei todas as peas e lhe darei o documento referente Israel se

    virou para o computador e comeou a digitar.Maata, sem conter a alegria, virou-se para o lado e sorriu para a cliente morena, que fez um leve e

    desinteressado aceno de cabea. Aqui est, senhorita. Espero entrar em contato, em breve. De todo modo, esteja vontade para me ligar

    quando quiser. Agradeo muito, sr. Davidovitch. At logo.Naquele instante, a cliente efetivava a compra de um anel de ouro com gua-marinha, uma pea bonita, mas no

    muito cara, que pagou em espcie. Israel fechou o estojo com as jias de Maata e foi para o cofre.Assim que abriu a enorme porta, um arrepio subiu-lhe pela espinha.

    Sarah Baker entrou em casa e guardou sua mais nova aquisio. Comprara o anel sem nem mesmo avali-lo direito. Sua cobia se dirigira toda para as jias que a garota loira oferecia a Israel Davidovitch.

    Assim que as viu, apaixonou-se. E decidiu: faria sua visitinha noturna loja de Israel, pegaria a mercadoria, mas no entregaria a Dwane aquelas maravilhas. Dwane no passava de um atravessador, que arrancava as pedras das peas e derretia o ouro para vender. por isso nunca fora pego. Ganhava fortunas com esse comrcio. Sarah no podia reclamar dele, que lhe pagava muito bem pelo risco que corria. De todo modo, nada do que ela encontrasse no cofre de Israel Davidovitch que tivesse sido confeccionado pela belezinha platinada iria para as mos hereges de Dwane. Permitir que aquelas jias fossem destrudas seria um pecado punido com a danao eterna.

    No, nada disso. Mesmo que s pudesse vir a us-las dali a anos, pouparia as jias e as garantiria para si.

    Sarah abriu a janelinha do banheiro da joalheria sem fazer rudo. Passou uma perna para dentro, depois a outra, virou-se de barriga para baixo e saltou para trs. Como sempre, alcanou o cho com a preciso de um gato.

    Foi at o escritrio particular de Israel e parou no corredor ao ver a luz sob a porta. Algum falava l dentro. Aproximou-se e se ps a ouvir. Israel conversava ao telefone, transtornado:

    No me diga uma coisa dessas, querida. Tudo dar certo. Nosso menino vai encontrar o doador a tempo e ficar bom.

    Sarah franziu o cenho. Tamara, todo o dinheiro que entra nesta joalheria tem servido para dois propsitos apenas: pagar aos

    funcionrios e cuidar da sade de nosso filho. Por que acha que ainda no fui para casa? meia-noite e meia, ainda no jantei... No, no estou reclamando. O que digo que nada no mundo mais importante do que a sade de Ivan Israel suspirou. Eu sei, amor, todos ns nos prontificamos a ser doadores, mas no somos compatveis. Se ao menos soubssemos por onde andam os pais biolgicos de Ivan...

    Droga! Este meu corao mole ainda vai me levar runa! Sarah ia voltando para o banheiro, desistindo do roubo, quando teve uma idia. Assim, escondeu-se embaixo de uma escrivaninha em outra sala, para aguardar at que Israel fosse embora.

    Duas horas depois, Sarah fazia alguns alongamentos no carpete da Joalheria Davidovitch. Ter ficado encolhida por tanto tempo sob a mesa, aguardando que Israel enfim! fosse para casa, fizera suas pernas formigar.

    Acendeu a lanterna, desativou o sistema de alarme que Israel acabara de ligar e foi abrir o cofre outra de suas especialidades. Meu Deus!, no pde deixar de exclamar. Os negcios vo bem, Tamara. Logo, logo sefilho poder fazer tratamento em Marte! Em segundos encontrou as jias da garota loira e as enfiou na mochila, sem apanhar mais nada. Fechou o cofre e, ao passar diante da sala de Israel, sem entender direito por qu, teve vontade de dar uma olhada l dentro.

    Ligou o computador, e com muita facilidade achou o endereo da srta. Faraj.Maata Faraj... Sem dvida um nome rabe. Fez as anotaes que queria quantas outras jias maravilhosas

    devia haver na casa dela? e, ao erguer a cabea, deparou com um porta-retrato.11

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannNa foto, Israel Davidovitch abraava uma senhora, decerto Tamara, e uma mulher de seus quarenta anos.

    Agachado diante deles, um adolescente sorria largo. Aquele devia ser Ivan, o filho que precisava de transplante.Sarah apanhou o porta-retrato e respirou fundo. Uma famlia completa. Ivan nem imaginava como era feliz por

    ser to amado.Israel se referiu aos pais biolgicos dele... Pela idade, Ivan poderia ser Jordan. Bobagem! Quais as chances de

    uma coincidncia dessas acontecer?Apanhou a mochila e a lanterna, tornou a ligar o sistema de alarme e escapou pela mesma janela pela qual

    entrara.

    Pai, eu j revirei a Inglaterra de ponta a ponta, e nem sinal de Maata. Ela tem de estar em algum lugar, Neyah! Faz meses que Maata se foi! Isso evidente. Mas certamente esse "algum lugar" no aqui.Neyah no se conformava. Mesmo tendo de ser discreto nem ele nem a famlia desejavam que o mundo todo

    soubesse que um prncipe rabe deixara seu pas para sair atrs da irm fujona , usara sua influncia ao mximo, e no encontrara pista alguma de onde Maata poderia estar.

    S posso acreditar que ela no veio para c. Cus, onde aquela cabea-oca se meteu?! Calma, papai. No descansarei enquanto no a encontrar. Isso bvio! No me aparea aqui sem sua irm, ouviu bem? Essa a misso que lhe confiei, como pai e como

    sheik. No falhe, Neyah. uma ordem. Quero minha menina s e salva a meu lado. Jamais deixaria de cumprir uma ordem sua, Majestade. E h de continuar assim, Alteza.Neyah cerrou os dentes. Seu pai sabia como irrit-lo. Como est mame? Desesperada. Pai, todos os minutos do meu dia so dedicados a tentar achar minha irm, e voc me trata como se eu no

    estivesse levantando um dedo sequer. Por que faz isso? Afinal, no fui eu quem facilitou a fuga dela. Alis, por acaso descobriu como Maata conseguiu deixar Nakabir? A nado que no deve ter sido.

    Ah, que timo! Primeiro, o rapaz quase choraminga. Depois, imagina que est em condies de fazer piadinhas idiotas! gritou Ahmed. Escute aqui, Neyah, aps minha morte, voc ser o sheik. Porm, se nem ao menos capaz de achar o rastro de uma garota desaparecida, como ter competncia para dirigir uma nao?!

    Neyah nada respondeu. Sua indignao lhe fechava a garganta. No telefone mais para c at encontrar Maata. Neste exato instante talvez algum esteja ligando para lhe

    dar alguma informao, mas o aparelho est ocupado, porque voc sentiu saudade de casa. Pois eu lhe digo que neste momento nada me importa menos do que seus sentimentos! No durma, no coma, no respire at achar minha filha!

    O prncipe teve de afastar o celular da orelha, porque Ahmed recolocou o fone no gancho com... digamos... uma fora excessiva e desnecessria.

    Neyah respirou fundo. Aquela exploso de seu pai no o magoava. Compreendia muito bem a aflio imensa dele e de sua me.

    Maata, quando eu puser minhas mos em voc...Fez fora para reprimir um sorriso. Adoraria dar umas boas palmadas naquela pequena travessa, mas tinha plena

    conscincia de que jamais faria isso. Para ser franco, sentia-se to temeroso quanto seus pais. No parava de pensar na irm, to ingnua e despreparada, solta pelo mundo, merc de aventureiros e toda espcie de gente sem carter e maldosa.

    Pegou o celular de novo para chamar seu secretrio e meneou a cabea. Estava to acostumado a ser servido at nos menores detalhes, que por um segundo se esqueceu de que viajara sozinho; sem assessores, sem segurana.

    Ento, ligou para a gerncia. Por favor, preciso de uma reserva para o primeiro vo de amanh para...Para onde?Ela pode estar em qualquer canto do globo terrestre.Neyah falou o primeiro destino que lhe ocorreu: Washington. Ida e volta, senhor?

    12

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann Apenas ida.

    Quando Maata entrou na Joalheria Davidovitch, encontrou Israel, muito plido, conversando com quatro policiais. Assim que a avistou, o dono da loja lhe fez um sinal para que se aproximasse.

    O que houve, sr. Davidovitch? Recebi seu recado e vim correndo. Srta. Faraj, as jias foram roubadas.Maata arregalou os olhos. As minhas tambm? Na verdade... s as suas. Como que ?! Por favor, sente-se.Israel dirigiu um olhar splice aos policiais, que lhe deram privacidade para falar com Maata. Eu guardei suas peas no cofre, e desde ento no precisei abri-lo. Esta noite, no entanto, tive de faz-lo, e

    dei por falta do estojo com suas jias. Algum entrou aqui em algum momento nos ltimos cinco dias, srta. Faraj, e, embora houvesse muitas coisas de valor em meu cofre, decidiu levar apenas suas jias.

    Maata no sabia o que pensar. E agora? Tenho um seguro para tudo o que est dentro desta loja. Vou acion-lo assim que os peritos terminarem com a

    inspeo. O valor que eu receber ser seu. No entanto, h de ser bem abaixo do que de fato as peas valem... Isso o de menos. Queria tanto que minhas jias fizessem sucesso!Israel, embora abatido pelo terrvel contratempo, no perdia o bom-humor. A meu ver, senhorita, j fizeram.Maata o encarou de cenho franzido. Eu no devia lhe dizer isso, srta. Faraj, mas voc me parece uma excelente pessoa; portanto, confiarei em sua

    discrio. Sim? Alm de seu estojo com as peas, estavam guardados em meu cofre mais de quinhentos mil dlares em

    dinheiro vivo, e pedras preciosas de altssimo quilate. Diamantes, topzios, rubis... E em nada disso foi sequer mexido. O ladro fez questo de levar apenas as suas jias.

    Maata resolveu dar um passeio no Central Park para clarear as idias.O que era tudo aquilo? Se estivesse em Nakabir, no haveria dvida de que algum dos irmos teria tentado

    sabot-la. Mas ali no havia como. Conversava com os pais todos os dias, e tinha certeza de que s Neyah deixara seu pas,

    e at o momento no a encontrara.Portanto, qual o significado de um ladro ter resolvido roubar apenas as suas jias?Israel Davidovitch lhe disse que o invasor cometera um erro. Embora a polcia estivesse longe de saber sua

    identidade, podia garantir que se tratava de uma mulher. Israel no revelou como os agentes da lei fizeram essa descoberta, nem que relevncia poderia ter, mas...

    Maata, apesar de frustrada e com muita raiva desde que deixara suas peas com Israel, ela sonhava todas as noites que se tornara a predileta de dez entre dez estrelas de Hollywood , no deixava de admirar o fato de uma garota ser to arrojada a ponto de invadir uma casa comercial to refinada, roubar o que bem desejava e sair sem deixar pistas.

    Em outras circunstncias, talvez tivesse at alguma simpatia por ela. Ora, o que isso?! A criatura uma ladra!Respirou fundo e deu tratos bola. por que algum quem quer que fosse haveria de querer para si

    justamente as jias que ela confeccionara?A imagem distante de uma bela morena de olhos claros surgiu como um relmpago em sua mente. Mas ela no demonstrou o menor interesse pelas peas.No entanto, embora inexperiente, Maata era mulher. E as mulheres costumam ter mil maneiras de conseguir o

    que querem. Mostrar desinteresse uma das mais eficazes.

    13

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannSarah levou um susto ao ler o jornal. Levava a terceira xcara de caf boca quando deparou com a notcia do

    roubo na Joalheria Davidovitch. Ps a xcara no pires e foi para a sacada, para enxergar melhor.Amassou o peridico e o jogou no cho, furiosa com sua desateno. A primeira providncia ao entrar num lugar

    era desligar o sistema de alarme e a energia eltrica. Assim, se houvesse alguma cmera funcionando, por mais escondida que estivesse, seria desligada.

    Ento, Sarah lembrou: Eu usei o computador! deu um tapa na testa. Esqueci de desligar a energia! Como pude cometer um erro

    to estpido?!No entanto, sabia muito bem o porqu de sua distrao. Assim que ouviu Israel comentar sobre o filho adotivo

    adolescente, que precisava de um transplante e no achava doador, a iluso de que o garoto fosse Jordan a impediu de fazer direito seu trabalho.

    Nunca perdia tempo procurando por cmeras escondidas; no havia necessidade disso, uma vez que a eletricidade estava sempre cortada. E agora seu descuido monumental poderia lhe trazer problemas.

    Ao menos era impossvel, por meio das imagens, saber quem ela era, pois Sarah se vestia sempre de um mesmo modo no exerccio de suas funes: macaco preto colado ao corpo, luvas, botas obviamente sem salto e uma mscara ninja, que s deixavam de fora seus olhos, que ela escondia com culos de lentes espelhadas.

    Mas aquele deslize feria seu orgulho profissional.E deixava mais uma coisa evidente: tinha de descobrir se Ivan Davidovitch era ou no seu irmo, Jordan. Por

    mais improvvel que pudesse parecer, nenhuma possibilidade devia ser descartada. Muito bem, e o que farei se Ivan for Jordan?Isso era algo a ser resolvido depois, em caso positivo. No momento, devia traar um plano, e dessa vez com toda

    a percia que lhe era peculiar. Alm de seu estojo com as peas, estavam guardados em meu cofre mais de quinhentos mil dlares em

    dinheiro vivo, e pedras preciosas de altssimo quilate. Diamantes, topzios, rubis...E em nada disso foi sequer mexido. O ladro fez questo de levar apenas as suas jias.

    CAPTULO III A informao extra-oficial que nossa redao recebeu foi de que o ladro levou apenas uma coleo de jias

    que nem havia sido colocada venda ainda. So peas em estilo oriental, com pedras enormes, com lapidao e cravao exclusivas. H quem diga que o mistrio do roubo da Joalheria Davidovitch no passa de golpe de marketing. Se for, convenhamos, foi uma excelente tacada. A joalheria nunca foi to procurada como agora, embora goze de tima reputao h mais de trinta anos, e todos querem saber quem a artista responsvel pelas peas orientais. Israel Davidovitch, o proprietrio, no revela sua identidade de modo algum. Mas em off nos disse que a designer, por si s, uma preciosidade.

    Neyah apertou a tecla mute do controle remoto da tev. Aposto um dente da frente que eu sei muito bem quem a desenhista das jias! At que enfim! apanhou o

    celular e ligou para Justine. Mame? Sou eu. Encontrei Maata! Pegarei o primeiro avio para Nova York. Deseje-me sorte!

    Filha? mame. Ol, meu amor! Espere s um segundo, sim?Maata pagou ao motorista,do txi, apanhou seus pacotes do supermercado, saiu do carro e entrou no prdio. Ps

    o telefone no ouvido outra vez e chamou o elevador. Pode falar, mame. Tudo bem com voc, querida? Comigo, sim. Mas... aconteceu alguma coisa? Eu ia ligar para voc mais tarde, como sempre chegando a seu

    andar, saiu do elevador e se dirigiu a seu apartamento. Seu irmo acaba de me telefonar. Ele viu uma reportagem na televiso falando... ...do roubo na joalheria Maata procurava a chave na bolsa. Bem, um dia ele ia ter de me achar, no ?

    Sinceramente, mame, se Neyah tivesse de ganhar a vida como detetive... Maata, no importa o que voc faa, mas Neyah ainda no pode voltar para Nakabir. Eu sei. Os rebeldes esto cada dia mais ousados. Ah, mame, ser que terei de deixar Nova York? Gostei

    tanto daqui...14

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann Voc inteligente, saber o que fazer para manter seu irmo longe de Nakabir. Isso quer dizer "vire-se"? Exatamente.Maata sorriu e enfiou a chave na fechadura. Imaginei que sim. Pensarei em alguma coisa, mezinha. Depois nos falamos, est bem? Certo, meu doce. Salaam aleikum. Salaam aleikum, amor.Ela trancou a porta e acendeu a luz. E por um triz no deixou suas compras se espatifarem no cho. Em seu sof,

    uma bela morena de olhos claros a encarava com um sorriso no canto dos lbios.

    Sarah Baker se levantou de um salto e foi ajudar Maata com os pacotes. Automaticamente, a jovem princesa a seguiu at a cozinha em estilo americano.

    O que... Como... O que... Como...Sarah arqueou uma sobrancelha, achando graa da gaguez de Maata. O que fao aqui e como entrei? Maata cruzou os braos e a encarou, zangada. Foi voc mesma quem roubou a joalheria, no foi? O que

    veio fazer em minha casa? Oh, que pergunta boba... Devia estar dando uma busca para apanhar mais peas, e eu a surpreendi. isso, tenho certeza. Pois eu vou chamar a polcia. Invaso a domiclio crime. O que tem naquela mochila?

    Meu Deus, garota, fique quieta um segundo! Eu estou na minha casa, e voc no me d ordens. Era s o que me faltava!Sarah abriu a geladeira e comeou a guardar o que ia tirando da sacola. O que... Como... Ah, por favor! Voc parece um disco riscado! Sarah tornou a sorrir. Fique tranqila. No tenho inteno

    alguma de lhe fazer mal. Que sorte a minha! Invasora e ladra, sim, mas nem um pouco violenta. Estou a ponto de convid-la para um

    ch! Prefiro uma cerveja.Maata comeava a se enfurecer com tamanha petulncia. Num gesto intempestivo, fechou a porta da geladeira,

    quase prendendo a mo de Sarah. Faamos o seguinte: se voc sair daqui agora mesmo, prometo esperar meia hora at chamar a polcia e fazer

    a denncia. Isso lhe dar algum tempo para fugir.Sarah foi lavar uma ma na pia. Enxugou-a e a mordeu. Faamos o seguinte: voc prepara um lanche para ns duas e ouve a proposta que tenho a lhe fazer. Se no

    concordar com o que pretendo, espera meia hora para chamar a polcia. Isso me dar algum tempo para fugir e piscou para Maata, de um jeito cmplice.

    Proposta?! O que eu poderia querer com uma pessoa como voc?! Como eu, como? Moa, voc uma criminosa! Anjinho, essa uma palavra muito forte. E muito adequada, tambm. De fato, eu transgrido a lei. Mas, at onde fiquei sabendo, nunca prejudiquei quem quer que fosse.Maata ps as mos na cintura. Voc uma ladra! Sim, sou. E diz isso assim, como se no fosse nada de mais? uma profisso que requer muito preparo, tcnica e nervos de ao. No para qualquer um.Maata engasgou. Sem dvida voc uma pessoa muito til para a sociedade. O que seria de ns, bons cidados, sem os ladres?Sarah terminou de comer a ma, jogou o talo e as sementes no lixo e retomou ao sof. Entendo sua indignao, mas tentar me ofender no levar a nada. Mesmo porque no dou a mnima para sua

    opinio a meu respeito. Vim at sua casa me oferecer para devolver suas jias, contanto que voc me faa um pequeno favor.

    15

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannO corao de Maata deu um salto. Amava cada pequena pea que fazia, e imaginar que algum sujeito sem

    escrpulos quela altura poderia estar destruindo sua criao quase a levava s lgrimas. Por esse motivo, serviu-se de um copo d'gua, procurando se acalmar, e foi se sentar diante de... da... daquela mulher.

    Pensei que j tivesse se livrado delas. Pensou errado respirou fundo. Meu nome Sarah. Sarah Baker. Tenho verdadeiro fascnio por jias, e

    por isso me especializei em roub-las. Alm de ganhar um bom dinheiro com elas, acabo aprendendo mais e mais. Por isso com um simples olhar sei avaliar uma jia de valor. E as suas so espetaculares. Est de parabns, Maata, que designer excepcional voc .

    Maata se esforou para no demonstrar a imensa satisfao que o elogio de uma profissional to abalizada embora nem um pouco recomendvel lhe causava. Contudo, o leve rubor que tingiu suas faces a denunciou.

    Obrigada. Mas no a entendo... No cofre do sr. Davidovitch havia muito dinheiro e pedras preciosas, mas voc resolveu pegar s as minhas peas. Por qu?

    Ocorreu a Maata que talvez Sarah soubesse quem ela era e pretendesse chantage-la de alguma forma. Bem, se fosse assim, no iria facilitar as coisas para aquela meliante.

    Minha inteno era esvaziar o cofre de nosso bomjoalheiro. Mas eu o ouvi conversando com a esposa, falando de um problema muito srio de sade em famlia, e ento desisti de lhe impor tal prejuzo. Por isso apanhei suas jias e deixei o resto para trs.

    Maata engasgou de novo. Deixou de levar quinhentos mil dlares e mais uma fortuna em pedras porque teve pena dele? Menina! Ladres tambm tm corao, sabia? No, no sabia. Nunca conheci um antes. , mas foi o que aconteceu.Maata cruzou as pernas e ps as mos sobre o joelho. Muito bem, srta. Sarah Baker, em que posso ser til para sua to nobre pessoa?Sarah se inclinou para a frente, ficando com o rosto bem prximo ao de Maata. Esse seu cabeleireiro excepcional. Eu poderia jurar que a cor de seus cabelos natural. E . Jura? Que raridade, uma loira de olhos negros! Sarah virou um pouco de lado a cabea. Voc tem nome

    rabe, mas branca demais para ser do Oriente Mdio. No tinha uma proposta a me fazer?Sarah tornou a se recostar. Uma moa objetiva. Gosto disso. Muito bem, Maata, eu devolverei a voc todas as suas jias se me ajudar a

    descobrir se o filho adotivo de Israel Davidovitch o meu irmo.

    Sarah contou a Maata como fora sua vida entrando o menos possvel em detalhes desde que ela e Jordan perderam os pais. Ao fim do relato, a princesa no s nutria grande simpatia por ela como a julgava uma mulher interessantssima.

    ...e no vou descansar enquanto no encontrar meu irmo. Juntos montaremos uma joalheria. Voc poderia ser nossa scia, Maata Sarah sorriu-lhe com doura.Maata limpou os lbios com o guardanapo. Preparara para elas o lanche que Sarah solicitara: po com presunto e

    queijo, e ch quente. Sarah preferiu beber gua. Pronto. Agora voc j sabe de tudo o que tinha de saber sobre mim. O que me diz? Vai me ajudar a saber se

    Ivan Davidovitch Jordan?Maata ficou de p. D-me um instante, preciso ir ao banheiro. Com licena.Uma pessoa esperta e vivida como Sarah Baker poderia ser uma bno para algum como Maata, que quela

    altura j esgotara sua criatividade para se manter fora do caminho de Neyah. Sua me a avisara de que ele vinha vindo.

    Na certa, no dia seguinte, naquele mesmo horrio, seu irmo estaria tocando a campainha de seu apartamento e lhe ordenando que voltasse para casa, em Nakabir.

    A bem da verdade, Maata estava farta de ir de um lado para o outro, como vinha fazendo durante meses. No era essa sua idia de diverso. Queria se estabelecer, criar razes, montar sua loja. E isso jamais aconteceria enquanto aquela sua misso durasse.

    16

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannContudo, no podia desapontar os pais. Eles queriam Neyah fora do alcance dos rebeldes, e confiaram nela para

    alcanar esse intento.Foi quando uma idia genial lhe ocorreu. Aquela moa bonita em sua sala, cheia de talentos que Maata nem

    sonhava um dia vir a ter, podia ser a aliada perfeita. Lamentava ser obrigada a mentir para Sarah, mas era por uma boa causa. Alm disso, quando chegasse a hora, saberia como recompens-la.

    Lavou o rosto e sorriu para si mesma no espelho. A comear por Neyah, todos os seus irmos iriam descobrir que as mulheres eram o mximo!

    Sarah, voc se abriu comigo, e quero fazer o mesmo Maata tornou a se sentar na poltrona. Deve ter notado meu sotaque ingls.

    Sem dvida. Meu pai rabe, minha me, inglesa. Nasci em Londres e aos dezesseis anos me casei com um rabe. Fomos

    viver no Oriente, e meu inferno comeou. Meu marido, Neyah, me obrigava a usar o xador, aquela roupa que nos cobre da cabea aos ps. Enfim, todos j ouviram falar de como as mulheres so tratadas em alguns pases orientais, no ?

    Sim. Eu no estava acostumada com aquilo. Fui criada na Inglaterra, com todo o carinho, e jamais vi meu pai

    maltratar minha me. E de uma hora para outra... No falou com seus pais sobre o que estava acontecendo? No, no queria mago-los. Mas, com muito jeito e me fingindo de submissa, acabei conseguindo fugir de meu

    marido e vir para c. Tudo ia muito bem at que a imprensa cdeu destaque ao roubo da Joalheria Davidovitch. No me diga que seu marido a encontrou.Maata fez que sim. Tenho amigos que trabalham na alfndega, e eles me avisaram que Neyah chegou aos Estados Unidos. Em

    poucas horas estar batendo em minha porta.Maata respirou fundo e a encarou com a expresso mais splice de que foi capaz. Agora que nos tomamos amigas, quero lhe fazer a minha proposta. Diga. Eu a ajudo a descobrir se Ivan Davidovitch o seu irmo e voc me ajuda a manter Neyah longe de mim. Ele

    quer me levar de volta para o Oriente, mas tudo o que quero de meu marido o divrcio. Porm, como um homem muito violento, morro de medo de encontr-lo.

    Quer mant-lo distante at conseguir se divorciar? Isso mesmo. Ns nos casamos pelas leis inglesas, portanto posso conseguir o divrcio sem anuncia dele.

    Ento, uma colabora com a outra. E em vez de voc me devolver todas as minhas jias, eu lhe dou de presente a metade delas, a sua escolha. Que tal?

    Sarah sabia que Maata estava mentindo. Entrara no apartamento pelo menos quarenta e cinco minutos antes de a jovem chegar e dera uma boa olhada em tudo. Seus documentos diziam que ela nascera em um lugar chamado Nakabir.

    Seu pai era rabe, e a me, inglesa, de fato, e desse modo, devia ter dupla cidadania. Sim, nada disso dizia que o tal marido malvado fosse inveno. Mas Sarah sabia, melhor que ningum, que todos os que mentem o fazem por um motivo.

    De todo modo, algum estava atrs de Maata, era do sexo masculino e a garota queria se livrar dele. Em troca, faria de Sarah uma mulher rica, lhe daria uma mo para encontrar Jordan e tiraria a polcia de vez de seu encalo; Maata no sabia disso, mas Sarah no perderia aquela oportunidade nica. Sendo assim, por enquanto, ela faria de conta que ignorava aquele simples pormenor. Uma carta na manga nunca era demais.

    Sarah se levantou e foi para o quarto de Maata. O que est fazendo? Vamos arrumar as malas, mocinha. Se no quer que o troglodita a encontre, ter de sair daqui. Ser to fcil ele me achar num hotel... Voc no ir para um hotel Sarah se virou para ela. Apresse-se! No queremos ter um desagradvel

    encontro com aquele maluco, no ? Quer dizer que vai me ajudar? O que pretende fazer?Sarah abriu a porta do armrio e comeou a tirar algumas roupas l de dentro.

    17

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann Ainda no sei ao certo, mas uma coisa lhe garanto: eu a colocarei to longe do alcance de seu marido que voc

    nem imagina.

    No foi difcil para Neyah conseguir o endereo de Maata. O fotgrafo que acompanhou o reprter que fez a matria do roubo na Joalheria Davidovitch estava com quatro mensalidades da faculdade atrasadas, e, aps dois segundos de relutncia, concordou em colaborar. Num momento de distrao do jornalista, na redao, deu uma busca no computador de seu chefe e encontrou o que procurava. Neyah preencheu um cheque polpudo, e todos ficaram felizes.

    Sem demora, o prncipe entrou em um txi e foi direto para o prdio onde sua irmzinha rebelde residia.Era um edifcio de apenas quatro andares, sem porteiro, mas com elevador, Neyah pde ver pelo vidro da porta.

    Para entrar era necessrio usar o interfone e se identificar. Ora, ela no se atreveria a no permitir minha entrada.Neyah tocou diversas vezes, mas ningum o atendeu.Um rapaz chegou, de bicicleta, e sorriu-lhe. Com licena e enfiou a chave na fechadura. Por gentileza, voc mora aqui? Sim. Est procurando algum? Conhece uma jovem loira, de olhos negros, que mora no 407?O sorriso do jovem se alargou. Refere-se a Maata? suspirou. Como linda aquela garota!Neyah sentiu uma pontada de cime. Saberia me dizer se ela est em casa? Eu a vi sair ontem com uma amiga, to bonita quanto ela, mas morena. Elas levavam malas. Devem ter ido

    viajar. Entendo. Ser que algum poderia me dizer para onde Maata foi?O moo o encarou, desconfiado. Quem voc? Apenas um amigo. Queria fazer uma surpresa, mas ela parece estar sempre um passo adiante. Lamento. No tenho idia de quem teria mais infonnaes a lhe dar. Se me der licena...O rapaz entrou e fechou a porta.Neyah respirou fundo. No se irrite. Isso tudo o que ela quer. Sua irm especialista em tir-lo do srio desde que era beb. Voc

    um homem adulto, controlado e senhor de si. portanto, muita calma nesta hora.No adiantou. Seu sangue continuava quente. Aquela pirralha me paga!A nica coisa que fazia Neyah aceitar deixar de lado sua posio e sair pelo mundo no encalo de sua irm

    adolescente era que jamais se atreveria a desobedecer uma ordem do sheik. Gente de sua estirpe podia ranger os dentes, mas tudo o que seu soberano dizia era lei. O fato de o sheik e seu pai serem a mesma pessoa no o isentava de seu dever.

    Mas to humilhante tudo isso! H tanto o que fazer em meu pas, e eu aqui, para baixo e para cima, bancando o idiota! Certo, o dever para com o sheik no era a nica coisa que o obrigava a seguir em frente. Havia tambm a genuna preocupao com Maata.

    Aquela cabea de vento! Fazia parte da vida de todos os seus ancestrais cuidar e proteger as mulheres. E, muito embora elas tivessem em Nakabir um respeito e um valor que eram rarssimos em outros pases do Oriente Mdio, era impossvel para Neyah esquecer o quo frgeis eram. Ou ao menos fingiam ser.

    E ao ver o sorriso bobo do vizinho de Maata, lembrou-se uma vez mais do risco que corria uma garota inexperiente e to linda em terras estrangeiras.

    Em Nakabir ningum se atrevia a colocar as mos em uma mulher sem o total consentimento dela. As leis eram rigorosssimas, e no havia complacncia com estupradores. Assim, as mulheres podiam andar por todo lado, com a certeza de que nada de mallhes aconteceria. Mas ali no era Nakabir, e sua adorada irm resolvera se atirar na cova dos lees.

    Assim que voltarmos, vou arranjar um marido para ela. Nada como o casamento para manter ocupada uma menina mimada.

    18

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannAntes disso, porm, teria de ach-la.Do outro lado da rua havia um caf, e Neyah decidiu ir at l para comer algo e pensar um pouco.A jovem garonete que veio atend-lo se mostrou bastante solcita. No era sempre que um homem to belo e

    imponente vinha a seu estabelecimento. Bom dia. O que vai ser? Um caf bem forte e um sanduche de queijo quente, por favor.Ela fez a anotao e lanou-lhe um sorriso incandescente.Neyah achou graa, mas no deu mostras.Ento Maata viajara. A primeira providncia seria descobrir se ela deixara o apartamento de vez ou se

    pretendia voltar. Se sua irm tivesse se mudado, tudo comearia de novo. Se fosse voltar, no entanto, dessa vez iria ter uma grande surpresa.

    No entanto, para pr em prtica o que pretendia, Neyah ia precisar de ajuda. Sara em viagem sem os funcionrios que costumavam acompanh-lo, mas havia o piloto de seu jato, que permanecia a sua disposio.

    Ele vai ter de servir.Neyah tomou seu lanche, pediu a conta e retomou ao prdio. Naquele momento, um homem de meia-idade limpava

    a portaria e abriu-lhe a porta. Bom dia. O senhor poderia me informar se h algum apartamento para alugar aqui? O senhor ter de se informar com a administradora o faxineiro tirou do bolso do macaco um carto de

    visitas. Aqui esto o nmero do telefone e o endereo. Muito obrigado.E Neyah retomou calada, pela primeira vez em meses com a sensao de que, enfim, conseguiria resolver

    aquele impasse.Caminhou algumas quadras, chamou um txi e retomou ao hotel.

    Decepcionada?Maata observava a sala do apartamento de Sarah sem conseguir disfarar o espanto. No isso. Mas, para ser sincera, eu imaginava que voc morasse em um lugar bem luxuoso.Sarah deu risada. A ostentao o que costuma levar muito profissional de ponta para trs das grades, Maata. E, como eu lhe

    falei, no sou movida por uma ambio desmedida. O que fao muito arriscado, mas eu no quero perder tempo. J sofri muito nesta vida. Agora, vou aproveitar meus talentos para levantar fundos e me dar tudo o que mereo: um negcio prspero, uma casa muito confortvel e, acima de tudo, achar Jordan. Nossos pais foram irresponsveis demais, e fomos ns, eu e meu irmo, que tivemos de arcar com as conseqncias disso.

    Diga-me uma coisa. E se Jordan for mesmo Ivan Davidovitch? O que voc far? Em primeiro lugar, descobrir se ele foi bem tratado, se sua famlia adotiva o ama. Se Jordan estiver feliz,

    talvez eu siga com minha vida e o poupe de saber que sua irm no exatamente flor que se cheire. Mas se meu irmozinho estiver infeliz, vou lev-lo comigo para bem longe de tudo isso.

    O telefone tocou, e Sarah foi atender. Sim?Era Dwane, o receptador das peas que Sarah roubava.Ele no gostava nem um pouco daquela mania de Robin Hood de Sarah como Dwane costumava chamar, por

    falta de comparao melhor , que evitava "subtrair recursos" de pessoas em dificuldades. Contudo, como era ela a melhor de toda sua equipe, Dwane fazia vista grossa. Contanto que no atrapalhasse seus negcios, Sarah podia fazer o que quisesse.

    Ficando famosa, hein? Como assim? O roubo da Joalheria Davidovitch coisa sua. Quem mais deixaria uma fortuna no cofre, alm de voc? ele

    riu. O que foi dessa vez? Um pobre velhinho precisando fazer tratamento dentrio?Sarah detestava Dwane. O sujeito no tinha escrpulos, e provavelmente havia uma pedra no lugar do corao

    dentro daquele peito mirrado. O que voc quer, afinal? O de sempre, minha querida. Onde esto as jias que voc pegou? Ouvi dizer que so espetaculares. Menina

    esperta!19

  • O prncipe e a plebia Tuca HassermannSarah fez um sinal para Maata, pedindo licena, e foi conversar com ele no quarto a portas fechadas. Elas no esto disposio, Dwane. Como assim? Tenho um assunto muito srio para resolver, e precisarei delas. No ligo a mnima! Meus contatos me informaram que as pedras dessas peas so valiosssimas, e voc no vai

    me passar para trs! Claro que no, acalme-se. Voc as ter, Dwane. D-me apenas um tempo. Sarah, at hoje ns nos demos bem porque voc sempre demonstrou que sabia com quem estava lidando. Ser

    que esqueceu? De modo algum. No me ameace, Dwane. Nunca lhe dei motivo para desconfianas. At este momento. Eu lhe dou vinte e quatro horas. Se at amanh, neste mesmo horrio, eu no tiver em

    minhas mos as jias que voc roubou, sua vida no valer mais nada, Sarah Baker! e ele desligou.Dwane Riscoe no costumava fazer ameaas vs. Muitos dos que acabaram indo parar na lista de desaparecidos

    do FBI tinham tido encontros bastante desagradveis com ele instantes antes de sumir. Dwane era um mafioso, por assim dizer, e ele no admitia erros.

    Sarah sempre fez as coisas a seu modo, e Dwane no se incomodava muito com isso porque os lucros que auferia com ela eram excelentes. Mas Sarah no tinha nenhuma iluso quanto realidade: bastaria uma simples escorregadela para que seu lindo pescoo tivesse um trgico destino.

    Teria de dar um jeito de sumir do mapa. Caso contrrio, jamais encontraria seu irmo. Na verdade, no viveria para tanto.

    Tudo bem? Maata quis saber assim que a viu de novo na sala. No. Mas vai ficar. Sente-se aqui, meu bem. Tenho um timo plano em mente, que beneficiar ns duas.Irnico que elas se vissem na mesma situao, pensou Sarah. Ambas fugiam de homens violentos, e uma acabou

    no caminho da outra. Bem, a sorte no costuma sorrir por muito tempo se no aproveitamos as oportunidades que ela resolve disponibilizar. E Sarah no iria deixar aquela chance lhe escapar.

    De jeito nenhum.

    Acha mesmo que isso vai dar certo? Alguma sugesto melhor?Maata sentia um frio na barriga. O plano que Sarah arquitetara era timo. Daquela vez, Neyah no conseguiria

    encontr-la de jeito nenhum. Voc uma mulher muito inteligente, Sarah. Alguma vez pensou em usar seus dons para o bem? Nunca apanhou a bolsa. Marquei hora para ns duas no melhor cabeleireiro de Manhattan. Gastaremos

    uma pequena fortuna, mas vai valer muito a pena.Maata se levantou da poltrona e desligou a tev. Mais tarde eu lhe mostrarei minha loja. No sabia que tinha negcio prprio. Um honesto, quero dizer.Sarah a fitou de soslaio. No se iluda. Ele faz parte de meu disfarce. Sei... Chega de conversa. Hoje seremos apenas duas garotas soltas em Nova York, dispostas a mostrar aos

    marrnanjos deste mundo que no estamos para brincadeiras.Rindo como velhas amigas, Maata e Sarah saram para dar incio quilo que se tornaria em breve a maior

    aventura de suas vidas.

    CAPTULO IVLogo aps o almoo, Neyah telefonou para Justine, para inform-la de que sua amada filhinha mais uma vez

    escapara dos dedos do irmo mais velho. Filho, no possvel que uma garota de dezenove anos esteja fazendo de bobo um homem como voc.Neyah ficou vermelho de indignao. Perdoe-me, mame. Passei tempo demais estudando e me preparando para um dia me tomar o sheik de meu

    pas, e acabei negligenciando os cuidados com meninas mimadas que no conhecem o seu lugar.Silncio do outro lado da linha.

    20

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann No seja rude com sua me. Voc foi injusta comigo. H cinco meses sa s pressas de meu pas por ordem de meu pai, na noite de meu

    casamento. Deixei minha noiva para trs, sem nem mesmo me despedir, e desde ento toda vez que pergunto de Ragda voc me vem com evasivas. A nica coisa que fao, desde que me fui de Nakabir, tentar achar o paradeiro de Maata. At agora no entendi por que vocs no mandaram nossos agentes da Inteligncia atrs dela. Eles so homens treinados, e a esta altura ela j estaria a seu lado, e h muito tempo. Mas tudo bem, no discuti as ordens que recebi, e tenho dado o melhor de mim. Temo que algo de ruim possa acontecer quela cabea-oca, e me angustio toda vez que Maata me escapa de novo. E como recompensa ouo minha prpria me vindo com ironias para cima de mim. Portanto, no espere que eu me desculpe.

    Eu entendo que... Mame, quero falar com minha noiva. Por que o celular est sempre desligado? Por que ela no me telefona? Neyah, ns todos aqui cuidamos do bem-estar de Ragda. E gostaramos de fazer o mesmo com Maata. Sendo

    assim, concentre-se.Neyah suspirou. H algo de muito estranho em tudo isso, e eu ainda vou descobrir do que se trata. Est sendo paranico, meu filho. Tomara. De todo modo, cheguei a meu limite. O que quer dizer? Farei as coisas a meu modo, de agora em diante. Voc far o que eu e seu pai mandarmos. A ordem do sheik foi que eu encontrasse minha irm e a levasse de volta para Nakabir, e o que farei. Mas,

    j que vocs no querem colaborar comigo, e sabe Deus por que motivo nem ao menos me deixam falar com minha noiva, digo o seguinte: s tomarei a me comunicar com o palcio quando estiver pousando no aeroporto de N akabir.

    Nada disso! Quero notcias dirias, conforme combinamos! Ento, chame Ragda. Quero falar com ela. No possvel. Por qu? No seja impertinente! Pense o que quiser. Voltaremos a nos falar em Nakabir. Adeus.Assim que cortou a ligao, Neyah ligou para o nmero do piloto de seujato, hospedado em outro quarto, naquele

    mesmo andar do hotel, que, como de costume, fora reservado inteiro para o prncipe, por medida de segurana. Nagib? Pois no, Alteza. Venha at aqui. Preciso de sua ajuda. Agora mesmo, Alteza.

    As duas se miravam, uma ao lado da outra, no espelho de corpo inteiro no quarto de Sarah. Maata, de queixo cado, comentou:

    Que coisa mais esquisita! Voc ficou igual a mim, e eu estou idntica a voc! Era essa a idia.Os cabelos de Maata, antes loirssimos, tornaram-se pretos como carvo. Os de Sarah assumiram uma

    tonalidade cor de areia. O toque final para a troca de identidades foram as lentes de contato: as de Sarah, pretas; as de Maata, castanhas.

    Temos praticamente a mesma altura e constituio fsica.De longe, ningum notar as poucas diferenas. Assim, ganharemos tempo. Sem dvida! Maata continuava espantada demais com sua nova aparncia. Amanh mesmo irei conversar

    com o sr. Davidovitch. Seja discreta. Se ele desconfiar de algo, poder nos colocar em apuros. Sossegue. No sou to boba quanto posso parecer.Sarah deu risada. Gostava daquela jovem, mas no podia se deixar levar por sentimentalismos. Porm, se tudo

    desse certo conforme ela planejava, as duas ficariam muito bem. Ento isso. A partir de hoje, voc Sarah Baker, e eu, Maata Faraj. Assuma minha casa e minha loja. Eu irei

    morar em seu apartamento. 21

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann Mantenha-se longe de Neyah. Ele pode ser perigoso Maata detestava inventar aquelas calnias sobre seu

    irmo, mas algo muito maior estava em jogo. Sempre haveria tempo para pedir perdo amiga.Sarah tomou as mos dela e a encarou, muito sria. Guarde bem o que vou lhe dizer. Talvez um sujeito chamado Dwane a procure. No ato ele ver que no est

    falando comigo. No permita de modo algum que Dwane a toque. O miservel traioeiro. Ele insistir em saber meu paradeiro. Diga-lhe apenas que entrar em contato comigo e me dar o recado Sarah fez uma descrio detalhada da aparncia de Dwane. Assim que o vir, d um jeito de ter algo bem pesado mo.

    Nossa! Dwane no tem nada contra voc, bvio, mas no aceitar voc dizer que no sabe onde estou. Por isso. todo

    cuidado pouco. No revele meu endereo, mas procure no irrit-lo. Certo. E voc, Sarah, no acredite em nada do que Neyah lhe disser. Ele capaz de inventar as histrias mais

    mirabolantes para se passar por bonzinho. Muito bem Sarah apanhou a sacola de viagem e a bolsa a tiracolo. Vou indo. Nos falaremos apenas pelos

    celulares novos, que compramos para esse fim.Ela ps a mo na maaneta e olhou para Maata. No hesite em me chamar se tiver algum problema. Promete? Pode deixar. Sossegue, eu ficarei bem.Durante todo o trajeto at o prdio de Maata, Sarah se perguntou se agira bem em deixar uma moa to frgil

    exposta a um bandido como Dwane. Mas, ao se lembrar de que talvez estivesse prestes a encontrar Jordan, conformou-se.

    A sorte estava lanada.

    Alteza? Sua irm acaba de entrar no prdio, carregando uma sacola de viagem. timo! Mantenha a vigilncia. Em breve eu lhe direi o que fazer. Como quiser, Alteza.Nagib engoliu o ltimo pedao de seu sanduche e pediu mais um caf. Ainda bem que o estabelecimento

    funcionava vinte e quatro horas. No poderia arredar p dali at que o prncipe lhe desse permisso para isso.

    s sete da manh, o despertador acordou Maata. Era hora de ir para a loja.Ela tomou seu desjejum e foi se arrumar. Meu Deus...Tocou o rosto. Mesmo com seu nariz arrebitado, sua marca registrada, poderia passar por irm de Sarah.Colocou cala jeans, uma blusa de flanela e tnis. Todas roupas da amiga. As suas, que havia trazido de casa,

    estavam com Sarah. Vestiu um casaco grosso e impermevel. O dia amanheceu frio e chuvoso. O fim de outono prenunciava um rigoroso inverno.

    Maata sentiu uma saudade imensa de Nakabir, com seu cu sempre clarssimo, o sol dourando os tetos das residncias. No via a hora de poder voltar. O Ocidente acenava com incrveis possibilidades, sem dvida. Mas o Oriente era seu lar. Desceu para a rua, e em instantes abriu o estabelecimento. Virou a placa da porta de vidro para "Aberto" e foi guardar a bolsa atrs do balco.

    Em menos de cinco minutos, o sininho da entrada anunciava um cliente. Ao olhar para ele, o sangue de Maata gelou. Pela descrio minuciosa de Sarah, aquele era Dwane.

    Maata procurou por algo pesado, mas no deu tempo. Dwane, com um sorriso largo e a agilidade de um felino, estava a milmetros dela antes mesmo de Maata piscar.

    Bom dia, Sa... o sorriso desapareceu dos lbios dele, e seus lbios se tomaram uma linha fina e glida. Quem voc?

    Sarah, a dona da loja. Em que posso ser til?Dwane apoiou os dois cotovelos no balco, num gesto despojado. ltima chance: quem voc?A entonao era suave como o silvo de uma cascavel. O senhor deseja...A frase de Maata foi interrompida por um tremendo tapa, que a atirou sobre as prateleiras atrs do balco.

    Desequilibrada e tonta, ela foi ao cho. Dwane se agachou, agarrou-lhe os cabelos e puxou a cabea dela para cima, com brutalidade.

    22

  • O prncipe e a plebia Tuca Hassermann No chore, docinho. Eu avisei que era a ltima chance ele olhou de lado e apanhou algo que cara perto dela.

    Hum, lentes de contato... A cabeleira de verdade. Se fosse peruca, eu j a teria arrancado.Dwane a obrigou a ficar de p. Qual seu nome? Maata Faraj. Hum, que diferente... Ento, Maata Faraj, a esperta Sarah Baker colocou voc, uma farsante, para se passar

    por ela e tentar me enganar, no ? Ms notcias, meu bem. Ou voc me diz onde ela est ou esse seu lindo rostinho ter de ser reconstrudo.

    Maata, desesperada, tentava se soltar, mas Dwane apertava tanto seus cabelos que quase arrancava seu couro cabeludo. Nesse momento, o sininho da porta soou de novo. Dwane largou Maata, mas ainda sussurrou-lhe:

    Amanh eu virei aqui de novo. Tenha as respostas na ponta da lngua e se foi.

    Na hora do almoo, Maata fechou a loja e correu para casa. Em sua face esquerda comeava a surgir um hematoma.

    Foi direto para o quarto, largou a bolsa na cama e, ao se virar, encontrou o armrio todo destrudo. Roupas e prateleiras tinham sido arrancadas de dentro dele, e a tampa de um fundo falso ficara escancarada. Maata se aproximou, com o corao aos saltos, e verificou que estava vazio. Se existia algo ali dentro, o invasor o levara.

    Tremendo muito, ligou para Sarah e a colocou a par de todos os ltimos acontecimentos. Dwane bateu em voc?! Sim. E teria sido muito pior se um cliente no tivesse entrado naquele momento. Estou furiosa, Sarah. Jamais

    apanhei de um homem antes!Assim que acabou de falar, Maata se deu conta do erro que cometera. Quer dizer... Nenhum que no fosse meu marido. E garanto que no gosto nada disso. Ele mesmo um gngster. O que eu fao? O sujeito disse que voltar amanh. O que direi? Diga a Dwane que me encontre s duas horas no Sidarta, um restaurante indiano que eu e ele conhecemos.

    Tentarei acalm-lo. Olhe, esse camarada muito perigoso. No estou gostando nada de ter de entrar em contato com gente

    assim Maata tocou o rosto machucado. Nem entendo direito por que tive de me disfarar tambm, mas foi tudo to rpido! Faz sentido voc ficar parecida comigo. Assim, ao v-la de longe, meu marido vai segui-la pensando que sou eu, o que o confundir e atrapalhar seus planos; e eu terei tempo de fugir. Mas o tal Dwane viu que eu no era voc assim que me encarou. No sabia que isso ia acontecer?

    No s sabia como a avisei. Ento? Os clientes da loja... Bastava que eu me apresentasse como uma amiga que estava cuidando de tudo enquanto voc viajava. ... Na hora no me ocorreu. Bem, agora j fizemos assim, no ? Pacincia. Mas no se preocupe, vou dar um

    jeito em Dwane. Mudando de assunto, voc prometeu ir hoje conversar com o sr. Davidovitch. Sim. Tenho uma boa desculpa. Vou perguntar do prmio do seguro de minhas jias. timo. E quanto a Neyah? Nada dele ainda? Meu marido no apareceu? Ainda no. Fique atenta, entrar nesse edifcio bem fcil. Se tocarem a campainha, no deixe de verificar quem no

    olho mgico. Ah, que bobagem a minha! Voc especialista em entrar na casa dos