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SAMIZDAT 23 www.revistasamizdat.com dezembro 2009 ano II ficina Unamuno Melodrama e Metalinguagem

SAMIZDAT - rl.art.br · liberdade e uma autonomia ... integrantes da Oficina de Escritores e Teoria ... dirigiu a redação do portal BrTurbo, da Brasil Telecom

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SAMIZDAT

23www.revistasamizdat.com

dezembro2009ano II

ficina

UnamunoMelodrama e Metalinguagem

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Edição, Capa e Diagramação:Henry Alfred Bugalho

Edição de Imagens:Volmar Camargo JuniorHenry Alfred Bugalho

Revisão GeralLéo Borges

Assessoria de ImprensaMariana Valle

AutoresBarbara DufflesCaio RudáCarlos DavissaraDênis MouraGiselle Natsu SatoGuilherme RodriguesHenry Alfred BugalhoJoaquim BispoJosé Guilherme VerezaJú BlasinaLéo BorgesMariana ValleMaristela Scheuer DevesVolmar Camargo JuniorWellington Souza

Textos de:Castro AlvezCruz e SouzaMiguel de Unamuno

Imagem da capa:http://life.qoop.com/images/110978588

www.revistasamizdat.com

SAMIZDAT 23dezembro de 2009

Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.

Todas as imagens publicadas são de domínio público, royalty free ou sob licença Creative Commons.

Os textos publicados são de domínio público, com consenso ou autorização prévia dos autores, sob licença Creative Com-mons, ou se enquadram na doutrina de “fair use” da Lei de Copyright dos EUA (§107-112).

As idéias expressas são de inteira responsabilidade de seus autores. A aceitação da revisão proposta depende da vontade expressa dos colaboradores da revista.

Editorial

Mais um final de ano se aproxima e a Revista SAMIZDAT está prestes a completar seu segundo ano de existência.

Geralmente, este é um período de reflexão e balanço: o que queremos para nosso futuro? Quais serão nossos próxi-mos projetos? O que gostaríamos de fazer que não consegui-mos no ano que passou?

A própria SAMIZDAT foi resultado de uma reflexão se-melhante, e a cada ano que se passa, ela se torna mais diver-sificada. Posso dizer até que esta é uma das nossas metas: ser o espelho da boa literatura que poucos conhecem, reunir num único espaço os grandes talentos dispersos pelos vários países falantes de português. Sinto que, no limite das nossas possibilidades, estamos cumprindo esta missão.

Nós, da Revista SAMIZDAT, desejamos a todos nossos leitores um Feliz Natal e um Ano-Novo repleto de conquistas e sucesso.

Henry Alfred Bugalho

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SumárioPor quE Samizdat? 6

Henry Alfred Bugalho

ENtrEViStadanilo Corci fala sobre a mojo Books 8

autor Em LÍNGua PortuGuESaahasverus e o Gênio 12

Castro Alves

as devotas 14Cruz e Souza

CoNtoSum táxi da Chuva 16

Caio Rudá

um muro de intransigência 18Joaquim Bispo

marca a página 21Wellington Souza

morte & Espelhos 24Ju Blasina

a dança dos imortais 28Volmar Camargo Junior

o incrível Joaquim maria 32Henry Alfred Bugalho

deus me perdoe, era tudo o que eu queria 36José Guilherme Vereza

Noite de Chuva 40Mariana Valle

invasão nas ondas médias 42Léo Borges

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alô, Waldirene? 46Barbara Duffles

69, o ano que nem começou - Big Bang microcósmico - Capítulo 2 48

Dênis Moura

traduÇÃoE faz de conta... 50

Miguel de Unamuno

tEoria LitErÁriaFísica como matéria-prima para o suspense 56

Maristela Scheuer Deves

rEComENdaÇÃo dE LEituramorte e a morte de quincas Berro dÁGua 58

Carlos Davissara

Crepúsculo 60Giselle Sato

CrÔNiCaum vestido rosa, tabu e um fenômeno de intolerância coletiva 64

Henry Alfred Bugalho

Eu também quero o meu Septilhão 68Volmar Camargo Junior

PoESiaiminente (poema blavino) 70

Carlos Davissara

desejo e castidade 71Wellington Souza

Laboratório Poético: indrisos 72Volmar Camargo Junior

Poesia: Contra o muro 74Ju Blasina

4 SAMIZDAT dezembro de 2009

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5www.revistasamizdat.com

Escuro 75Guilherme Augusto Rodrigues

Lascívias viáveis 76Léo Borges

Só a semente 77Maristela Scheuer Deves

SoBrE oS autorES da Samizdat 78

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inclusão e Exclusão

Nas relações humanas, sempre há uma dinâmica de inclusão e exclusão.

O grupo dominante, pela própria natureza restritiva do poder, costuma excluir ou ignorar tudo aquilo que não pertença a seu projeto, ou que esteja contra seus prin-cípios.

Em regimes autoritários, esta exclusão é muito eviden-te, sob forma de perseguição, censura, exílio. Qualquer um que se interponha no cami-nho dos dirigentes é afastado e ostracizado.

As razões disto são muito simples de se compreender: o diferente, o dissidente é perigoso, pois apresenta alternativas, às vezes, muito melhores do que o estabe-lecido. Por isto, é necessário suprimir, esconder, banir.

A União Soviética não foi muito diferente de de-mais regimes autocráticos. Origina-se como uma forma de governo humanitária, igualitária, mas logo

se converte em uma ditadu-ra como qualquer outra. É a microfísica do poder.

Em reação, aqueles que se acreditavam como livres-pensadores, que não que-riam, ou não conseguiam, fazer parte da máquina administrativa - que esti-pulava como deveria ser a cultura, a informação, a voz do povo -, encontraram na autopublicação clandestina um meio de expressão.

Datilografando, mimeo-grafando, ou simplesmente manuscrevendo, tais autores russos disseminavam suas idéias. E ao leitor era incum-bida a tarefa de continuar esta cadeia, reproduzindo tais obras e também as passando adiante. Este processo foi designado "samizdat", que nada mais significa do que "autopublicado", em oposição às publicações oficiais do regime soviético.

Por que Samizdat?

“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico, distribuo e posso ser preso por causa disto”

Vladimir Bukovsky

Henry Alfred [email protected]

Foto: exemplo de um samizdat. Corte-sia do Gulag Museum em Perm-36.

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7www.revistasamizdat.com 7www.revistasamizdat.com

E por que Samizdat?

A indústria cultural - e o mercado literário faz parte dela - também realiza um processo de exclusão, base-ado no que se julga não ter valor mercadológico. Inex-plicavelmente, estabeleceu-se que contos, poemas, autores desconhecidos não podem ser comercializados, que não vale a pena investir neles, pois os gastos seriam maio-res do que o lucro.

A indústria deseja o pro-duto pronto e com consumi-dores. Não basta qualidade, não basta competência; se houver quem compre, mes-mo o lixo possui prioridades na hora de ser absorvido pelo mercado.

E a autopublicação, como em qualquer regime exclu-dente, torna-se a via para produtores culturais atingi-rem o público.

Este é um processo soli-tário e gradativo. O autor precisa conquistar leitor a leitor. Não há grandes apa-ratos midiáticos - como TV,

revistas, jornais - onde ele possa divulgar seu trabalho. O único aspecto que conta é o prazer que a obra causa no leitor.

Enquanto que este é um trabalho difícil, por outro lado, concede ao criador uma liberdade e uma autonomia total: ele é dono de sua pala-vra, é o responsável pelo que diz, o culpado por seus erros, é quem recebe os louros por seus acertos.

E, com a internet, os au-tores possuem acesso direto e imediato a seus leitores. A repercussão do que escreve (quando há) surge em ques-tão de minutos.

A serem obrigados a burlar a indústria cultural, os autores conquistaram algo que jamais conseguiriam de outro modo, o contato qua-se pessoal com os leitores, o diálogo capaz de tornar a obra melhor, a rede de conta-tos que, se não é tão influen-te quanto a da grande mídia, faz do leitor um colaborador, um co-autor da obra que lê. Não há sucesso, não há gran-

des tiragens que substituam o prazer de ouvir o respal-do de leitores sinceros, que não estão atrás de grandes autores populares, que não perseguem ansiosos os 10 mais vendidos.

Os autores que compõem este projeto não fazem parte de nenhum movimento literário organizado, não são modernistas, pós- modernistas, vanguardistas ou qualquer outra definição que vise rotular e definir a orientação dum grupo. São apenas escritores interessados em trocar experiências e sofisticarem suas escritas. A qualidade deles não é uma orientação de estilo, mas sim a heterogeneidade.

Enfim, “Samizdat” porque a internet é um meio de auto-publicação, mas “Samizdat” porque também é um modo de contornar um processo de exclusão e de atingir o objetivo fundamental da escrita: ser lido por alguém.

SAMIZDAT é uma revista eletrônica mensal, escrita, editada e publicada pelos integrantes da Oficina de Escritores e Teoria Literária. Diariamente são incluídos novos textos de autores consagrados e de jovens escritores amadores, entusiastas e profis-sionais. Contos, crônicas, poemas, resenhas literárias e muito mais.

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8 SAMIZDAT dezembro de 2009

Entrevista

danilo Corci fala sobre a

mojo Books

SAMIZDAT - Comecemos pela pergunta que não pode deixar de ser feita: de onde surgiu a ideia de preparar livros inspirados em álbuns musicais?

Danilo Corci - A ideia vem de uma inspiração anti-ga. Na década de 90, eu e o Ricardo tínhamos uma banda que fazia justamente o contrário: pegava livros e musicava. O tempo passou, a banda acabou e nós con-versávamos sobre montar

uma editora. Como estáva-mos muito ligado ao mun-do digital, a escolha de uma editora digital foi natural. E, entre tantas conversas, acabou surgindo a ideia de fazer uma coleção de livros inspirados em música e dai surgiu a MOJO.

SAMIZDAT - Imagino que vocês devam receber inú-meros textos de autores estreantes que gostariam de publicar com vocês.

Danilo Corci

É jornalista e começou sua carreira no Jornal de Jundiaí, rumando de-pois para a Folha de S.Paulo. Criou a revista cultural Speculum ao lado de Renato Roschel. Também criou e dirigiu a redação do portal BrTurbo, da Brasil Telecom. Em 2007 fez sua primeira incursão literária com a novela Black celebration, publicada pela editora Mojo Books. Em março de 2008 lançou sua segunda aven-tura literária, agora um microconto, Sympathy for the devil, também lan-çado pela Mojo Books. Atualmente é redator da agência publicitária JWT. Um dos fundadores da Mojo Books, ao lado de Ricardo Giassetti.

Mojo Books

A MOJO é uma editora 100% digital. Sua proposta é simples: Se música fosse literatura, que história contaria?

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Como funciona o projeto de seleção de um mojo-book? Qual é a exigência ao escolherem um texto para publicação?

DC - Recebemos muito material, alguns claramente fora da proposta e que o autor manda porque já tem um livro escrito e tenta encaixar, o que geralmente não dá certo. Basicamen-te, chegando um livro, ele passa por uma leitura crítica para ver se vale a publicação ou não. Valen-do, vai para uma primeira edição onde algumas falhas são corrigidas. O material volta pro autor retrabalhar e assim vai até que tanto o autor como nós da MOJO estejamos satisfeitos. Dai o livro cai no fluxo normal de publicação, que passa por revisão, capa, etc... De verdade, é um processo editorial tradicional.

SAMIZDAT - Quais são as vantagens do e-book em comparação ao livro im-presso? E as desvantagens? Como tem sido a recep-ção do leitor brasileiro?

DC - Vejo muito mais van-

tagens do que desvantagens. O custo é menor, bem me-nor, é possível arriscar mais por conta disso. A única desvantagem que vejo são os detratores do livro digi-tal que ficam com aquele papo chato de ‘cheirinho de papel’, ‘o toque’, blablablá. E dá mesmo pra dizer que é blablablá porque a re-cepção do público é ótima, temos uma base de mais de 80 mil leitores, cada livro consegue mais de 10 mil downloads, em média, um volume bem grande perto do mercado editorial tradi-cional.

SAMIZDAT - Um dos desafios da Literatura no século XXI é descobrir como lucrar com algo tão facilmente “pirateável” quanto o livro digital.

Qual é o caminho, na opinião de vocês, que o autor que deseja se inserir no universo dos e-books deveria trilhar, caso quei-ra sustentar sua carreira através deste formato?

DC - A pirataria não acaba com o modelo de negócios. Os valores serão revistos para baixo, autores pode-rão ganhar mais. Aqui no Brasil é um pouco mais complexo porque brasileiro tem mania de não querer pagar por bem cultural. Num primeiro momento, este mercado será bancado por publicidade, seja no livro, seja de uma maneira bem feita de merchandising

(como o filme O Náufrago, por exemplo).

SAMIZDAT - Na listagem dos 5 mojobooks mais baixados (o Mojo Top 5) podemos encontrar Be-atles, Amy Winehouse, Rolling Stones, My Che-mical Romance e Bauhaus na parada.

A que vocês atribuem esta hierarquia? Ela refle-te as predileções musicais dos leitores, ou indicam a popularidade dos autores dos mojobooks?

DC - Gostando ou não, a visibilidade do material ain-da está apoiada na banda escolhida. Então este top 5 da MOJO reflete mesmo a preferência musical e não literária. Justamente por saber disso que criamos a coleção MOJO+, onde o foco de divulgação é sem-pre sobre o autor.

SAMIZDAT - Há algum projeto de publicar al-gum livro impresso com os mojobooks? Caso sim, como funcionaria?

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DC - De verdade, não temos planos de ir para o impresso não. Obviamente somos uma editora tentan-do sobreviver no mercado, então se houver alguma oportunidade isso pode ser possível. Mas para a gente ir pro impresso só se for em um esquema bem feito de print on demand ou parceria com alguma outra editora.

SAMIZDAT - Em 2007, a banda Radiohead lançou o álbum “In Rainbows” primeiro na internet, sen-do que os fãs poderiam pagar o quanto quisessem pelo download. Nos EUA, o autor Cory Doctorow publica tanto em meio digital quanto impresso, sendo que seus livros podem ser baixados gra-tuitamente na internet. Estes dois modelos, ligei-ramente diferentes, pode-riam ser reproduzidos no Brasil, seja na música ou na Literatura? O brasilei-

ro pagaria por algo que pode ter de graça?

DC - O Brasil é bem um caso a parte neste universo. Não só pelo poder aquisiti-vo menor, mas pela cultura de não pagar. O modelo brasileiro pode comportar algo assim, mas as chances dos resultados serem pe-quenos é muito alto. Pelo que vejo e tenho aprendido em quase 3 anos de MOJO é que o modelo publicitário dende a trazer melhores resultados.

SAMIZDAT - O livro digital é um formato que veio para ficar? Podemos prever o fim do livro im-presso?

DC - Que veio pra ficar é óbvio, custa menos, é possí-vel lançar mais, etc. Se vai ser o fim do impresso? Não necessariamente. Hoje tem MP3, CD, mas o vinil ainda existe. A diferença é que as editoras provavelmente vão lançar impressos de ‘luxo’, coisa mais elaborada, edi-ção de colecionador, mais cara, com lucro maior. E o jogo segue.

SAMIZDAT - Quais são os planos para a MOJO Books no futuro?

DC - Temos vários planos. Lançar livros inéditos que não tenham nada a ver com

música, mais quadrinhos, terminar a migração para celular e começar a inva-dir outras mídias, como o audiovisual. Mas como temos um modelo de negó-cio novo, vamos com calma fazendo as coisas com a consistência que devem ter.

A equipe da Revista SAMI-ZDAT agradece ao Danilo Corci.

Coordenação da entrevista:Henry Alfred Bugalho

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nome de “O Canto da Sereia de Bach”, já que a bela melodia sempre se mostrava como um fatal e irresistível convite ao além-túmulo.

Quase um ano após o início das mortes, passava pela região um viajante austríaco, excepcional estudante de música, chamado Wolfgang Ama-deus Mozart. Quando soube da maldição, não se alarmou, disse apenas que gostaria de ouvir o tal concerto fúnebre e de conhecer o seu autor. Foi alertado de que a história era verdadeira, de que as pessoas já não queriam mais estudar música, e ele poderia ser o próxi-mo, e o dia fatal estava se aproximando... Nada disso o espantou.

Dia vinte e oito, “Toca-ta e Fuga em Ré Menor”, tudo como haviam dito, e lá estava Mozart den-tro do cemitério. Com os olhos fechados, deixava-se extasiar com as compo-sições de Johann Sebas-tian Bach, num estado de euforia sobrenatural. Subitamente, o som se extinguiu. O jovem des-pertou do transe e dirigiu

sua visão ao concertista. Aquela mesma figura ca-davérica, que levara tan-tos a sucumbir, apontava-lhe seus terríveis olhos ausentes. E como todos os outros, também Mozart paralisou-se. Junto à ima-gem macabra, sentiu o cheiro da putrefação. As náuseas dominaram-no, o que o fez libertar-se da paralisia, caindo de joe-lhos a largos vômitos. Em meio a engasgos, tosses e ânsias, ouviu a frase mor-tal: “Termine a música”.

Confuso, desnorte-ado, Mozart tentou se levantar apoiando-se no órgão, que sua mão atravessou como se nada ali estivesse. Caiu sobre o vômito, começando a recobrar a razão e ten-tando afastar-se daquele prenúncio da morte. De bruços sobre a terra, sentiu algo prendendo-o pelo pé. Não teve cora-gem de olhar para ver o que era. E novamente a voz suave suplicou: “Ter-mine a música”. Fazendo uma desesperada oração mental, tateou o solo até encontrar uma pedra pontiaguda. Com ela, começou a desenhar no

chão a partitura do final de uma recente compo-sição sua – a primeira a lembrar que estava em harmonia com a música inacabada de Bach. Ter-minando, viu que a perna já estava livre. Correu o mais rápido que pôde, sem olhar para trás. O som de sua composição servia de trilha sonora para a fuga, enquanto ele pensava como, até o momento, aquela música nunca havia lhe parecido tão viva e tão mórbida. Prometeu não mais tocá-la.

No dia seguinte, o jovem Mozart já não se encontrava pela cidade. “Mais um levado pelo Canto da Sereia de Bach”, diziam. Contudo, soube-se na hospedaria que ele havia partido durante a madrugada, são e salvo, após o sinistro concerto. No cemitério, ao invés do esperado músico morto, foi encontrada apenas uma inscrição na terra, parecida com o trecho de alguma partitura. Desde então, não se noticiou mais vítimas do “Canto da Sereia de Bach”.

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Ele tinha diante de si

a mais difícil das missões:

cumprir a vontade de Deus

Henry Alfred BugAlHo

O Rei dos Judeus

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12 SAMIZDAT dezembro de 2009

autor em Língua Portuguesa

ahasverus e o GênioCastro Alves

12 SAMIZDAT dezembro de 2009

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ahasverus e o Gênio Sabes quem foi Ahasverus?... — o precito,

O mísero Judeu, que tinha escrito

Na fronte o selo atroz!

Eterno viajor de eterna senda...

Espantado a fugir de tenda em tenda,

Fugindo embalde à vingadora voz!

Misérrimo! Correu o mundo inteiro,

E no mundo tão grande... o forasteiro

Não teve onde... pousar.

Co’a mão vazia-viu a terra cheia.

O deserto negou-lhe — o grão de areia.

A gota d’água — rejeitou-lhe o mar.

D’Asia as florestas-lhe negaram sombra

A savana sem fim-negou-lhe alfombra.

O chão negou-lhe o pó!...

Tabas, serralhos, tendas e solares...

Ninguém lhe abriu a porta de seus lares

E o triste seguiu só.

Viu povos de mil climas, viu mil raças,

E não pôde entre tantas populaças

Beijar uma só mão...

Desde a virgem do Norte à de Sevilhas,

Desde a inglesa à crioula das Antilhas

Não teve um coração!...

E caminhou!... E as tribos se afastavam

E as mulheres tremendo murmuravam

Com respeito e pavor.

Ai! Fazia tremer do vale à serra...

Ele que só pedia sobre a terra

— Silêncio, paz e amor! —

No entanto à noite, se o Hebreu passava,

Um murmúrio de inveja se elevava,

Desde a flor da campina ao colibri.

“Ele não morre”, a multidão dizia...

E o precito consigo respondia:

— “Ai! mas nunca vivi!” —

O Gênio é como Ahasverus... solitário

A marchar, a marchar no itinerário

Sem termo do existir.

Invejado! a invejar os invejosos.

Vendo a sombra dos álamos frondosos...

E sempre a caminhar... sempre a seguir...

Pede u’a mão de amigo-dão-lhe palmas:

Pede um beijo de amor— e as outras al-mas

Fogem pasmas de si.

E o mísero de glória em glória corre...

Mas quando a terra diz: — “Ele não morre”

Responde o desgraçado:-”Eu não vivi!...”

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Fonte: http://www.dominiopublico.gov.br/do-wnload/texto/wk000583.pdf

Ao poeta e amigo J. Felizardo Júnior

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14 SAMIZDAT dezembro de 2009

autor em Língua Portuguesa

aS dEVotaSCruz e Sousa

I

Enquanto o sino bimbalha,

Bimbalha, bimbalha e tine,

Lançai do olhar a migalha

— Enquanto o sino bimbalha —

À raça que se amortalha

No horror que não se define...

Enquanto o sino bimbalha

Bimbalha, bimbalha e tine.

II

Perto da Igreja a senzala,

O Cristo junto aos escravos

E, pois, deveis visitá-la,

Perto da Igreja, a senzala

E procurar transformá-la

Da luz às palmas, aos bravos!...

Perto da Igreja a senzala,

O Cristo junto aos escravos.

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III

E tão-somente por isto

Enquanto o sino bimbalha,

Bem antes de terdes visto

— E tão-somente por isto —

Todo o martírio do Cristo,

O vosso amor que lhes valha,

E tão-somente por isto,

Enquanto o sino bimbalha.

Fonte: Poemas Irônicos e Humorísticos de Cruz e Sousa

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000098.pdf

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16 SAMIZDAT dezembro de 2009

Contos

Caio Rudá

um táxi na Chuva

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Quisera eu ter tempo para admirar a chuva que cai. E não pense que eis uma redun-dância, pois há chuvas que desabam, há as que deslizam, as que borram o céu, as que não existem. A de hoje é um pouco de todas elas.

Segunda-feira, último dia do mês. Estou certo de que toda essa água vem para diluir e carregar para a terra e esgotos os infortúnios de agosto, época do desgosto. Com os maus agouros vai a espera de uns graus a menos nos termômetros. Não me acostumo à ideia de um meio de ano quente. No interior é diferente. Lá a fina garoa é constante, seja ao amanhecer, ao passar do dia ou à boca da noite. Uma garoa que eu tanto aguardei desde o São João e que só deixou-se aparecer hoje.

O dia precisou amanhecer nublado, abrir-se ― uma brin-cadeira de mal gosto especial-mente para mim ― e voltar a acinzentar-se à tardinha. A despeito da psicótica rixa das forças da natureza para comi-go, a chuva veio. E, diferen-temente de outras vezes, já se vão algumas horas desde que chegou nos céus daqui.

Quisera eu ter tempo para admirar a chuva, que cai,

desaba, desliza, borra e não existe. São quase tantos tipos de chuva quanto as gotas que caem. Os motoristas nos carros, no entanto, não vêem a chuva passar, presos que são no trânsito vagaroso. Até entendo sua ânsia por chegar logo em casa depois de um dia cansativo. É sua opção enrai-varem-se. Cada um elege os sentimentos que lhe convêm.

Assim também é meu direito zombar deles, por não aproveitarem um tempo de gozo pleno, em que nada é mais forte que a força da chu-va. De dentro de um veículo, a intensidade da água no metal é quase um pêndulo hipnotizan-te, intenso e pesado barulho psicodélico, não cabendo aqui melhor descrição ― não se dorme, vigília não pode ser, tampouco sonho, é existir, talvez, no pequeno pedaço de céu que escorre no vidro embaçado.

O mundo real não se quer ver, nem a chuva lhe permite se oferecer às retinas. Faz um pouco de frio, mas não é sentido. Não faz sentido, aliás. Rima para cidade é calami-dade, e o que é feio a água limpa. O vidro molhado seca, já é noite e todos chegam às suas residências molhadas.

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O lugar onde

a boa Literatura é fabricada

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18 SAMIZDAT dezembro de 2009

Contos

Joaquim Bispo

um muro de intransigência

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um muro de intransigênciaO que aconteceu esta manhã

conta-se em poucas palavras: um lunático entrou em Jerusalém vindo da Cisjordânia, acompa-nhado por um pequeno grupo de adeptos determinados. Devem ter passado, dispersos, as barrei-ras militares do muro, para não levantar suspeitas do Tzahal. Chegados às imediações da cida-de, o líder mandou dois discípu-los buscar uma burra, que estava presa, não muito longe, com a sua cria. Quando a trouxeram, os discípulos aparelharam-na com simples panos, ele montou-a e assim entrou em Jerusalém. A estranha personagem e os seus acompanhantes, todos de sandá-lias e túnica, cabelo comprido e cabeça descoberta, foram aplau-didos pelos transeuntes, sobretu-do jovens, aparentemente entu-siasmados com a performance, e houve quem estendesse no chão folhas de palma e mesmo roupas pessoais, para o grupo passar.

O episódio foi ignorado por quase todos os correspondentes estrangeiros, devido ao seu ca-rácter irrisório e quase anedótico.

Quem me relatou os porme-nores deste caso foi um homem de nome Zaqueu que, por ser pequeno, trepou a uma palmei-ra e assistiu a tudo. Disse-me que o chefe do grupo nasceu na Galileia, numa aldeia chamada Nazaré, actualmente ocupada por Israel. Viu a terra, que ele amou na adolescência, ser colonizada aos poucos por gentes vindas

de várias partes do Mundo e tornou-se um revoltado. O seu carácter meditativo não o atirou, porém, para os braços da OLP ou do Hamas. Formou, no entanto, um grupo de activistas pacifistas que pretende, através da persu-asão e de acções não violentas, consciencializar os habitantes de ambos os lados para a necessida-de de se aceitarem mutuamente e partilharem o território em dois estados irmãos.

Diz ele que não faz sentido que Israel queira reconstituir o estado com o mesmo território que dominou nos tempos áureos, mas que foi desmembrado há mais de dezanove séculos. Essa pretensão, diz, é tão absurda como os Árabes quererem re-constituir o califado de Córdoba no território da Península Ibérica, extinto, também, há séculos, ou o povo Inca tentar reanimar o seu antigo império destruído pelos Espanhóis, ou os descendentes dos Cátaros reivindicarem o Languedoc para reorganizarem a sua religião. E que, a exemplo de Israel, organizassem um exérci-to e começassem a expulsar os habitantes actuais desses territó-rios, recorrendo ao morticínio, se necessário.

Avesso à violência, também condena os actos de intolerância dos palestinianos para com os ocupantes, mas compreende o seu desespero. Diz ele, falando aos que param a ouvi-lo:

– Um homem plantou uma

vinha, cavou-a, tratou-a, cons-truiu-lhe um lagar e uma adega. Um dia, vieram uns lavradores e propuseram arrendar-lhe a vinha. Assim se fez, mas quando o dono da vinha enviou emissários a recolher a renda, estes foram apedrejados, feridos e alguns mortos. O mesmo fizeram ao filho do dono da vinha, cuidando apoderar-se definitivamente da herança dele. Agora, dizei-me compatriotas, quando vier o dono da vinha, que fará ele àqueles lavradores?

Com exemplos propícios à reflexão, como este, vai tentando mostrar a razão dos desapossa-dos.

Mostra ser muito sagaz, embora idealista. O episódio de entrar em Jerusalém a caval-gar uma burra parece ter sido preparado meticulosamente para corresponder à profecia de Zacarias (Zc 9,9): «Regozija-te ó filha de Sião. Eis que vem a ti o teu Rei, justo e salvador. Ele é humilde e vem montado numa burra, e sobre o potrinho da bur-ra.» Nicodemo, um membro do Knesset, que acedeu a comentar o episódio, é da opinião que esta entrada messiânica em Jerusalém foi uma estratégia pensada para chegar aos judeus mais conser-vadores.

Aparentemente, esta mensa-gem visual não passou, apesar da relativa algazarra que os jovens militantes anti-guerra produziram durante todo o percurso da co-ht

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mitiva até à esplanada do Muro das Lamentações, onde muitos judeus fanáticos cabeceavam a afirmação dos seus preceitos religiosos. Aí, talvez por não ter tido a atenção que esperava, co-meçou a gritar palavras de ordem em aramaico, a plenos pulmões, provocando os orantes, enquanto puxava as melenas a uns e des-barretava outros, sempre numa atitude de grande irreverência e insolência.

O burburinho foi imediata-mente detectado por uma patru-lha militar que, com grande apa-rato bélico, o intimou a parar. O homem não só não parou como começou a apontar a mão esten-dida para os soldados, com dois dedos unidos levantados. Não se sabe se os soldados entenderam esse gesto como agressivo, ou se simplesmente não toleraram a desobediência; certo é que alguns disparos foram ouvidos e o na-zareno caiu com a túnica ensan-guentada. Morreu pouco depois no hospital. Os companheiros foram presos e estão acusados de alteração da ordem pública, que poderá, eventualmente, evoluir para traição.

Só então as agências noticio-sas se movimentaram e conse-guiram comprar uma gravação de telemóvel feita por um turista.

Este episódio é bizarro, mas estará esquecido em breve. Apesar do clamor internacio-nal que tem denunciado a força excessiva utilizada pelo estado

hebraico contra os opositores à anexação de território pales-tiniano – destruindo cidades, utilizando fósforo branco e outras armas proibidas contra populações civis, exterminando indiscriminadamente sem olhar a idades – a determinação dos dirigentes israelitas em reconsti-tuir a grande terra de Canaã das escrituras tradicionais é inamo-vível, respaldada na posse das únicas armas nucleares da zona, e no apoio incondicional do novo império romano, que parece dis-posto a tudo para ter um aliado fiel junto ao oceano subterrâneo de petróleo.

Isolado na região, este país asiático, sequela dos complexos de culpa europeus, patenteia, ridiculamente, essa relação um-bilical integrando, por exemplo, os torneios de futebol europeus ou os festivais de canções euro-peus, incapaz de uma identidade médio-oriental, que procura no território mas rejeita na cultura.

Cultivando a segregação, prossegue a construção de uma linha de betão de oito metros de altura e setecentos quilómetros de comprimento, a marcar a fron-teira, segundo a sua interpreta-ção, anexando Jerusalém oriental e isolando 450.000 pessoas.

O nazareno pacifista é a mais recente vítima anónima deste enorme equívoco.

Contos

marca a página

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Wellington Souza

marca a página

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Senta-se e abre o livro.

“Na escola arrebentada onde experimentou pela primeira vez a segurança do poder, a poucos metros do quarto onde conheceu a incerteza do amor, Arcadio achou ridículo o formalis-mo da morte. Realmente não se importava com a morte, e sim com a vida, por isso a sensação que experimentou quando pro-nunciaram a sentença não foi uma sensação de medo, mas de nostalgia. Não falou enquanto não lhe pergunta-ram qual era a sua última vontade.*”

Marca a página e fecha o livro.

Sai, atravessa a sala até a cozinha, enche um copo com água da torneira. A essa hora pouco importa as impurezas e precipitados. Na mesa de centro da sala havia ainda quinze, dos vinte Diazepans da cartela. Leva mais um à boca, se-guido de um gole de água; mais um e outro gole, por fim o derradeiro e devolve o copo à mesinha de cen-tro. Conta 3:23 horas no relógio de ponteiro.Volta à escrivaninha, senta e colo-ca café, que está forte, sem açúcar e não mais quente, na caneca de louça. Bebe de uma só vez. Escreve: “Já no avião/ sem volta e aflito/ olha para os lados/e seus colegas pularam/ e agora é a sua vez./ Pula./ é mágico o vôo liberto/ o forte vento é mágico/ o mundo, enfim sob ele/ é mágico./ Puxa a corda do pára-quedas:/ Da sua mochila saem panelas/ talheres/ conchas/ toalha de

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mesa/ cesta de piquenique/ um botijão de gás peque-no./ Atônito,/ele olha para o desenhista!”. Sente uma tontura, de onde sai o título: “Morte animada”.

Deixa de lado o rascu-nho. Abre o livro, mas não consegue focar as palavras com clareza. Mesmo assim segue lendo.

“— Digam à minha mu-lher — respondeu com voz bem timbrada — que po-nha na menina o nome de Úrsula. — Fez uma pausa e confirmou: — Úrsula, como a avó. E digam-lhe tam-bém que se o outro nascer homem, que lhe ponham o nome de José Arcadio, mas não pelo tio, e sim pelo avô.

Antes que o levassem ao paredão, o Padre Nicanor tentou assisti-lo. “Não tenho nada de que me arrepen-der”, disse Arcadio, e se pôs às ordens do pelotão depois de tomar uma xícara de café preto. (...) “Ah, cara-lho!”, chegou a pensar, “me esqueci de dizer que se nascesse mulher pusessem Remedios.”Então, numa só pontada dilacerante, voltou a sentir todo o terror que o atormentara na vida. O ca-pitão deu a ordem de fogo. Arcadio mal teve tempo de estufar o peito e levantar a cabeça, sem entender de onde fluía o líquido ardente que lhe queimava as coxas.

— Cornos! — gritou. — Viva o Partido Liberal!*”

Suas pestanas estão pe-sadas. Não agüenta mais o sono, para não dizer o efei-

to da droga. Tenta levantar-se. Apóia na escrivaninha, mas seus braços logo cedem ao peso do corpo. O direito se flexiona batendo o coto-velo e desliza, deixando o rascunho, canetas e lapiseira caírem no chão. Bate a testa na madeira, mas o impacto é leve. Volta a sentar, já sem forças no corpo, inerte. Ten-tar respirar, mas encontra dificuldades. Abre a boca e um filete de baba mancha o livro. Está ofegante, como que se afogando no ar.

Pensa em tomar a última dose para remediar o fim da tortura. Levanta abrup-tamente e cambaleia até a cama, onde o tronco e os membros superiores conse-guem chegar, mas os infe-riores não. Desmaia, então, com metade do corpo na cama e um braço, o outro está suspenso.

Inanimado, passará nessa posição quase dois dias.

_________________

Acorda numa tarde que não reconhece, com dúvidas sobre sua identidade e seu meio. Forte dor de cabeça e de barriga. Deita na cama e olha para o teto. Nada lhe vem à cabeça. Calcula se conseguirá andar, mexendo a perna. Senta e vê uma mancha de saliva na cama. Levanta escorando nas pa-redes e escorado chega até a cozinha. Prepara um copo de água com sal e segue, assim, até o banheiro. Bebe a água e vomita uma bile amarela, seguido de muitas tentativas que só fazem ba-rulho, mas nada evacuam.

Olha o espelho e encara uns outros olhos fúnebres.

Com o pulso bate no espelho, mas sua estrutura está fraca como seu espírito sempre foi. Concentra-se. Inclina o corpo para trás e bate com mais força. Que-bra. O machucado no pulso é superficial. Ao arrancar um caco do espelho quebra-do fere o dedo. Pega a lasca de espelho e corta um pul-so, troca a lasca de mão e faz um corte mais profundo no outro. Perfura novamen-te o primeiro. O sangue já tinge parte do banheiro.

Caminha cambaleando até a janela da sala, onde ajoelha e se apóia, deixando os braços para fora. Repou-sa a cabeça no parapeito. O sangue escorre pelas mãos, pinga lá em baixo onde for-mará uma pequena poça.

Queria olhar o sol da tarde quente, mas ele está sobre as nuvens.

Inspira. Enfim, não sente mais medo da vida.

*Trechos do livro: Cem Anos de Solidão/ Gabriel García Márquez; tradução de Eliane Zagury – 49° Ed. – Rio de Janeiro: Record 2001.

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De longe, sem se virar, o homem respondeu:

– Kane.

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O lugar onde

a boa Literatura é fabricada

A Oficina Editora é uma utopia, um não-lugar. Apenas no século XXI uma vintena de autores, que jamais se encontraram fisicamente, poderia conceber um projeto semelhante.

O livro, sempre tido em conta como uma das principais fontes de cultura, tornou-se apenas um bem de consumo, tornou-se um elemento de exclusão cultural.

A proposta da Oficina Editora é resgatar o valor natural e primeiro da Literatura: de bem cultural. Disponibilizando gratuitamente e-books e com o custo mínimo para livros impressos, nossos autores apresentam a demonstração máxima de respeito à Literatura e aos leitores.

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Contos

morte & Espelhos

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Mais um feliz dia de trabalho para o Dr. Shoji. Ele chega pontualmente às 07h04min — nem um minuto a mais nem um minuto a menos — ao seu distinto consultório, num dentre os tantos arranhacéus no centro de Tóquio; 49º andar.

— Ohayou, Menial San!— Ohayou, Dr. Shoji,

como vai a família?— Bem, muito bem,

eu diria. Agradeço por perguntar.

Seu inglês era absurda-mente perfeito para um japonês e ele se orgulha-va disso. Teve a melhor educação que o dinheiro e a disciplina podem fornecer, viajou o mundo e ao abrir seu consultó-rio em Tóquio, fez ques-tão de uma secretária americana — e poliglota! — para que assim aten-desse melhor a todo e qualquer paciente, afinal “a insanidade não escolhe descendência” já dizia um provérbio de sua própria autoria.

— A senhorita pode-ria, por obséquio, levar uma xícara de chá até a minha sala, dentro de 4 minutos?

— Pois não, doutor. Chá verde, sem açúcar e 4 biscoitos para acompa-nhar?

— Sim, minha jovem, seria de meu agrado.

Era assim, todo santo

dia, nem mesmo uma vírgula mudara de lugar — muito menos o chá — ainda assim, conferir as preferências quanto ao chá e o número de bis-coitos era algo imprescin-dível para o bom relacio-namento profissional, que já durava 4 anos!

Não tão pontual foi a chegada do primeiro paciente, Hiroito Okashi — primeira consulta. Aliás, como todo e qual-quer paciente do Dr. Shoji: uma única consulta era suficiente para curar qualquer perturbação, conforme garante sua propaganda — rodapé de 4X4 cm, publicada a cada 4 dias, em quatro idiomas, logo abaixo do obituário:

“Para que o seu nome não esteja aqui amanhã, o meu está hoje: DR. KA-GAMI SHOJI”

Sua secretária tomara boas lições de marketing e, segundo ela, o obituá-rio é sem dúvida o me-lhor lugar para angariar os D’s (deprimidos e/ou desesperados).

Sr. Okashi procura-va cupons de desconto para guloseimas quando, por acidente recortara o rodapé do Dr. Shoji e por pura gula ali estava — atrasado e esbaforido. O elevador teimava em parar sempre no andar

inferior, e subir um lance de escada não foi nada agradável para o homem de 130 Kg.

Sr. Okashi não só esta-va atrasado e esbaforido, como também ensopa-do de suor! Ele se apóia na parede e entrega o cupom suado e amassa-do à secretária, que sorri gentilmente e pelo tele-fone anuncia ao doutor a chegada do paciente, sem citar o nome — seu ser-viço preza pelo absoluto sigilo!

O homem, sem enten-der “que raios de lugar é esse” e torcendo para que ao menos o brinde vales-se o sacrifício da escada-ria é então conduzido ao divã. Confuso e atônito, ele apenas senta naquele “banquinho confortável”, enquanto o doutor faz o seu trabalho.

Exatos 40 minutos depois o homem deixa o consultório — calmo e bem disposto. Na saí-da esvazia os bolsos na lixeira da secretária, que com o mesmo sorriso automático, olha e pensa “como pode caber prati-camente uma confeitaria inteira no bolso de um homem?” (...minutos de neurônios em sacrifício...) e a resposta: “é claro: é um bolso grande!”

Cerca de 90 minutos depois chega o próximo paciente – homem car-

morte & Espelhos

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rancudo, cara de poucos amigos, ombros tensos, olhar ameaçador — “um americano típico”, pensa a Srta. Menial e sem ousa dirigir-lhe a palavra, ape-nas sorri e mais do que rapidamente o conduz ao consultório principal, onde o doutor já o aguar-da. Alguns berros, ba-rulhos e minutos depois (40, lógico), o homem sai do consultório. Sorri e agradece, apresentando-se e beijando a mão da secretária que, perplexa, jura ter ouvido o, agora gentil cavalheiro, Sr. Har-dman cantarolar alguma coisa enquanto seguia pelo corredor, escada abaixo.

Pontualmente, às 13 horas chega ela: mulher bonita, cabelos e olhos extremamente negros. Apesar do ar suave e sorridente, há algo mui-to assustador naquela mulher e não é apenas a grande borboleta tatuada em preto cobrindo-lhe o rosto. “Coisas assim são comuns por aqui. Deve ser maquiagem, só pode!”, pensa a secretá-ria, enquanto a paciente caminha serelepe e entra direto no consultório, sem bater à porta e nem mesmo esperar ser anun-ciada!

Consulta muito breve, menos de 15 minutos e ela sai, com a mesma graça assustadora com a

qual entrou.

Dr. Shoji dá por encer-rado o expediente. Algu-mas pessoas orgulham-se de ter um relógio biológi-co apurado – ele poderia se gabar por sua agenda de consultas mental; ape-sar de não trabalhar com hora marcada, inexpli-cavelmente sempre sabe quantos, quando e quais pacientes atenderá por dia. O que torna a secre-tária tão obsoleta quanto um porta guarda-chuvas no verão, porém, além de imprescindíveis em um consultório respeitável, ambos são belos objetos decorativos – sobretudo a Srta. Menial!

— Oh, como eu nun-ca havia reparado em tamanha formosura... a palavra gostosa lhe é bem apropriada! - São tantos os adjetivos que lhe vêm a mente, tantos os atra-tivos que lhe pulam aos olhos, hormônios circu-lando em abundância e respostas fisiológicas previsíveis, que o Dou-tor nem mesmo percebe a atitude gerada. Se vê surpreendido... Ainda mais surpresa fica a Srta. Menial:

Ela se assusta com a brutalidade com a qual ele a toma, grita confor-me seu cabelo é puxado e geme quando seu corpo é jogado violentamente sobre a mesa. Teme, reage brevemente, mas não

desgosta... e como boa e servil secretária, logo re-conhece o ato como algo “imprescindível para o bom relacionamento pro-fissional, que já durara... Quantos anos mesmo?”

Após esta pequena re-creação, Dr. Shoji alinha o paletó, pega a valise, despede-se cordialmente da tão gentil secretária e segue, tranqüilo e se-reno, até sua residência, onde é esperado para o almoço familiar. Entra na impecável casa, beija a impecável esposa — res-peitosamente, na testa — e passa a mão na cabeça de seus dois impecáveis filhos, já sentados à mesa.

A refeição cheira mui-to bem e tem uma apa-rência espetacular, porém não lhe apetece; nada ali lhe apetece, e ao contrá-rio da comida, o cheiro e a aparência de sua esposa lhe são repugnantes. E mais uma vez ele é to-mado por um impulso febril, incontrolável e violentamente esmurra a esposa na cara. A força é tamanha que a arremessa ao chão.

Abatido o primeiro obstáculo, ele olha em volta, ansioso à procura da próxima vítima. O filho corre para o quar-to enquanto a pequena esconde-se debaixo da mesa. O que lhe traz um grande alívio:

— Ah, nada como filhos bem treinados!

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Filhos e cachorros! Que maravilha! - E dizendo isto se levanta e vai até a geladeira em busca de uma refeição decente.

— Hm, sorvete! Queri-da, onde guardamos os biscoitos? Ah, sua estaba-nada, o que faz no chão? Vamos, deixe-me levantá-la, assim, pronto! Você está tão... Abatida, deveria retocar a maquiagem, como faz a Srta. Menial! E você menina, isso são horas pra brincadeiras? Saia já debaixo da mesa! Crianças...

Ele se senta conforta-velmente em sua poltro-na favorita e saboreia a agradável e deliciosa re-feição de sorvetes, biscoi-tos e confeitos coloridos!

— Ah, que belo dia de trabalho! Quanta satisfa-ção!

Ao terminar a refeição sente um enorme vazio — que certamente não vem do estômago. É o tipo

de vazio que um artista sente quando percebe sua obra incompleta. Isto o inquieta.

Ele percorre os cômo-dos da casa, procurando por “sabe-se lá o que”. Confere atentamente sua agenda mental e de repente percebe o que esquecera: “Obrigações profissionais, claro!”

Ele sorri e caminha até o banheiro; abre o armá-rio e de lá tira uma caixa de madeira relativamente antiga que ele nem lem-brava possuir, mas soube exatamente onde encon-trar. Abre a caixa, confere o conteúdo e sorri nova-mente, satisfeito por estar intacto. Olha-se no espe-lho e diz para si mesmo:

— Só mais este tra-balho e meu dia estará completo!

Recorda do que lhe dissera a última paciente (sigilo profissional). Olha-se ao espelho, sorri e...

...40 segundos depois... Pronto: missão cumprida!

O filho ouve o tiro, a filha encontra o corpo, a mulher limpa o san-gue: Chão, parede, teto e espelho.

E a secretária cuida dos detalhes:

— Alô, é do jornal? Sim? Olá, aqui é a Srta. Menial, eu gostaria de modificar o anúncio do Dr. Shoji – não, não, a página está ótima! Isto, obituário mesmo, só precisamos de uma leve alteração no texto, assim:

“Para que o seu nome não esteja aqui amanhã, o meu está hoje

– DR. KAGAMI SHOJI - amado pai e esposo”

— Sim, é só isso. Ariga-tou gozaimasu.

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Volmar Camargo Junior

Contos

a dança dos imortais

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Um crime aconteceu numa cidade provinciana. Os policiais responsáveis pelo caso, Inspetor Magalhães e Inspetor Barbosa, estavam na delegacia, fazendo plan-tão como sempre. Tentavam deduzir algo a partir dos poucos fatos que tinham. Co-çando a garganta, o policial Magalhães preparou-se para reler o primeiro boletim de ocorrência, lavrado por ele próprio na noite do crime.

— Recapitulando: “Orlan-do Nogueira, o Orlandinho assistia ao seu programa de televisão favorito quan-do ouviu à campainha soar das vezes – o segundo toque mais longo que o primeiro. Reconheceu o código, embo-ra houvesse muitos dias que o autor, digo, a autora, não comparecia à sua casa. Assim que destrancou a porta, a amiga, Mighellina Fonseca de Alcântara e Silva, adentrou muito aflita no apartamen-to. Assim que entrou, disse estas exatas palavras: “Eles... querem... me... cal... argh!” Só então Orlando percebeu que Mighellina tinha as mãos, as costas da jaqueta de couro e o lado esquerdo do pescoço manchados de vermelho vivo. Sem aviso prévio, desfaleceu com os olhos vidrados. Estava morta.”

— Mas que bela porcaria, Magal! Precisava desse dra-ma todo? A delegada vai te encher o saco. Bom, continua teu raciocínio.

— Obrigado. A moça não tinha inimigos, não era dada

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30 SAMIZDAT dezembro de 2009

a hábitos escusos, “Um doce!”, disse o tal Orlando. Também não fazia nada de extraordi-nário. Era uma pobre moça rica, que gostava de roman-ces de terror e que até se arriscava ela mesma a escre-ver alguns.

— Mas isso tem alguma importância? – perguntou o Barbosa.

— Ora, tem toda – respon-deu o Magalhães - Essa moça apareceu moribunda no apartamento do amigo, e dis-se esta frase “Eles... querem... me... cal... argh!”. Alguém queria calá-la.

— E como concluiu que alguém queria calá-la? Ela só disse “cal...”. Talvez fosse dessas piadinhas em inglês... “They want to me telefonar”. Sabe aquela: What is um pontinho amarelo vendo a esposa transando com o amante? Um Corn-o-manso!

— Puxa, Barbosinha... Às vezes eu tenho vontade de anotar o que você diz.

— Agora está sendo cíni-co... Então ela era escritora. E daí?

— Sim. Escrevia muito bem, a propósito.

— Conseguiu algum livro dela?

— É lógico. Quer dizer, tal-vez não seja bem o que você está esperando.

— Por quê?

— Ela era defensora da pu-blicação on-line. Tinha uma ONG e tudo, um lance muito esquisito: “Biblioterrorismo”.

Os seus livros estão disponí-veis na internet, de graça. O último tá aqui nesse site.

— Bah! Caso solucionado: quem mandou matá-la foi alguém grande do mercado editorial!

— Acho que não é tão simples assim, Barbosa. Dá uma lida nisso aqui. – disse, Magalhães, levantando-se de seu birô, apontando com a mão espalmada para o mo-nitor do PC. – Enquanto isso, vou fazer um café. Tá a fim?

— Chá verde, para mim. Café tem me dado uma azia...

— Ok! Chá verde para o Inspetor Barbie, que está de dieta. Veadinho...

— “Barbie” é a @#$%¨&;* que te pariu!

Enquanto Magalhães foi até a cozinha da delegacia, Barbosa acessou o link. Havia uma lista de quase trinta romances de autoria da tal moça, o que o deixou em-basbacado. Escolheu o mais recente, intitulado “A Dança dos Imortais”. Conhecido por suas técnicas de leitura dinâmica, quase sem piscar, Barbosa leu ininterruptamen-te três capítulos do roman-ce. Tinha um estilo notável, muito claro e, ao mesmo tempo, dotado de uma impe-cável correção gramatical. O romance de trezentas e treze páginas digitalizadas tinha por enredo a vida de um vampiro carioca, ambientada no que hoje é o centro velho do Rio de Janeiro, em finais do século XIX. Foi então que,

como diz o ditado balzaquia-no, a ficha caiu para o poli-cial. No teclado, pressionou simultaneamente as teclas CTRL+L, e no campo locali-zar escreveu

“Eles querem me calar”

— Magal – gritou o Bar-bosa ao colega quando este trazia as duas xícaras fume-gantes – Você leu o último romance da dita cuja?

— Qual? O do índio gua-rani que seqüestrou, torturou, matou e esquartejou o José de Alencar?

— Não, esse é o penúlti-mo. Estou falando deste aqui, o do vampiro.

— Esse não estava aí. – disse Inspetor Magalhães, pulando curioso diante do monitor, com os olhos arre-galados. — Eu tenho certeza, olhei a página na mesma noite do crime... Eu até dei uma lida, e me admirei: a guria sabia escrever.

— Ah, é? E como ela dei-xou passar isso aqui?

O policial Barbosa selecio-nou o seguinte trecho:

(...) então, como uma tem-pestade, os homens vestido de preto começaram a ati-rarem contra a criatura, que ficou encurralado. Erguendo o punho serrado em direção ao holofote forte que quei-mava seu rosto com a luz intensa, o ser monstruoso proferiu a plenos pulmões, com um tom de voz gutural, demoníaco:

— Eles querem me calar!

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Mas eu sobreviverei! Mesmo que eu seje silenciado como da vez passada, minha obra ainda deixará a marca dela! Minha obra revelará a verda-de sobre os Imortais.

E tendo dito estas palavras, uma nova e longa saraiva-da de tiros de metralhado-ra abafaram a gargalhada horrenda da monstruosa criatura meia homem, meia morcego. (...)

— E então, o que você acha?

— Eu acho que esse trecho precisa ser reescrito com ur-gência... onde já se viu? “Vez passada”, “marca dela”! Nem eu escrevo tão mal!

— Você tem razão, mas não estou falando disso. Você não acha muita coincidência que a mulher tenha morrido como uma vítima de...

— De um vampiro? Tá doido? Que tipo de policial você é, Barbosa?

— Do tipo que entende alguma coisa de literatura.

— Pronto. Falou o especia-lista.

— Acompanha comigo: pelo que eu li desse roman-ce, o personagem principal é um certo Joaquim Maria, mulato, filho ilegítimo de uma escrava negra e um comerciante carioca que conheceu uma cigana es-panhola chamada Capitu. Essa cigana, na verdade, era uma vampira, que o sedu-ziu usando seus encantos, transformando-o também

num vampiro. No terceiro capítulo, o tal Joaquim Maria tornou-se um escritor famo-so. Não pude resistir, e pulei direto para o último capítu-lo, onde encontrei a frase que a Mighellina falou: o Joaquim Maria criou uma sociedade de vampiros-escritores que, na verdade, governam toda a indústria cultural no Brasil: os Imortais. Ele, o fundador, é considerado o maior escritor de todos os tempos; e não é para menos: seu talento é devido a ele ser um vampiro, e os outros todos, para se tornarem “Imortais” da tal so-ciedade secreta, precisam ser transformados também. Não que todos tenham talento... No fim das contas, o Joaquim percebeu o quanto seus la-caios se tornaram escrotos, e se arrependeu. Por isso é que ele decide contar toda a ver-dade para o mundo, dando uma entrevista a uma jovem escritora que abomina as práticas mercadológicas dos Vampiros de Fardão. Mas, antes que ele concedesse tal entrevista, os paus-mandados dos sanguessugas o encon-tram, o perseguem e, por fim, acontece aquela cena que eu não terminei de ler porque tu chegou com o meu chá. Ufa!

— Barbosa... essa é a his-tória mais ridícula que eu já ouvi. Eu achei que a tal Mighellina fosse uma baita escritora. Rapaz, até a minha filha de doze anos tem idéia melhor pras aventuras de RPG dela.

— Magal! Magal! Pres-ta atenção, meu filho! Essa moça, a tal defunta, é um embuste! Ela é uma “laranja intelectual”. Você não viu o jeito que ela escreve? É um horror! Ela até tem as idéias, mas quem escreve os roman-ces dela de verdade é outra pessoa.

— Mas quem?

Então, ouviu-se um baru-lho metálico, uma forte pan-cada vinda detrás da porta que levava à sala do Instituto Médico Legal, contíguo à delegacia. E de novo. E de novo. E na quarta vez, a porta de aço voou contra a parede oposta. Todas as luzes da delegacia apagaram-se. Um guincho medonho foi ouvido em todo o quarteirão onde ficava a delegacia.

No dia seguinte, a faxinei-ra desmaiou diante da porta da sala onde trabalhavam os inspetores Magalhães e Bar-bosa. Havia apenas restos de corpos humanos, papéis em desordem, o monitor do PC esmigalhado e, por todas as paredes, forro, cortinas, birôs, arquivos, cadeiras, soalho. E sangue, muito sangue.

A gaveta onde, até o início da noite anterior, estava o ca-dáver etiquetado como sendo de Mighellina Fonseca de Al-cântara e Silva, foi encontra-da vazia. Ao seu redor, havia marcas de pegadas, como se fossem de um enorme ani-mal bípede, que o rapaz da perícia, formado em biologia, alegou serem muito pareci-das com as de um morcego.

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32 SAMIZDAT dezembro de 2009

O Incrível Joaquim Maria

Henry Alfred Bugalho

Contos

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33www.revistasamizdat.com

O Incrível Joaquim Maria

Ontem morreu Joa-quim Maria. Todos o conheciam, ele dispensa apresentações, homem público, outrora amado pelos nobres, idolatrado pelo populacho.

A vida de Joaquim Maria foi recheada de di-ficuldades, mas ele ven-ceu-as todas e se tornou um símbolo para nossa nação, poucos indivíduos representaram tanto o espírito de seu povo e de sua época como Joaquim Maria.

E o que o tornou tão célebre foram suas idios-sincrasias. Ainda menino elas começaram a se ma-nifestar, primeiro, de ma-neira discreta, mas após a tutela com o místico e sábio Roberto Alberto Norberto, Joaquim Ma-ria aprendeu a controlar seus comportamentos e imediatamente se tornou um notável.

Seus atributos eram maravilhosos, mas o prin-cipal deles era sua capa-cidade de dialogar com qualquer indivíduo do planeta, sobre qualquer assunto. Se se encon-trava com uma criança, Joaquim Maria pare-cia retroceder em anos,

falava, gesticulava e até brincava como se criança fosse; mas se o interlocu-tor fosse um homem de ciência, ou um matemá-tico, ou um engenheiro naval, Joaquim Maria falava sobre tais assuntos com propriedade, como se possuísse o mesmo conhecimento, como se houvesse cursado todas as faculdades e lido todos os livros de tais matérias.

Se conversava com uma mulher, Joaquim Maria afinava a voz, que-brava o pulso e fofocava sobre a vizinhança; se fosse com um mendigo, em pouco tempo tam-bém começava a esmolar, se fosse um capitalista, logo recitava de cor as cotações das ações e quais eram os melhores investimentos.

Certa vez, ao deba-ter com um astrônomo, Joaquim Maria descobriu um novo planeta; ou-tra, discutindo com um filósofo, Joaquim Maria provou a existência de Deus; escreveu três livros após ter se encontrado com autores renomados, duas óperas ao se reunir com compositores e pin-tou, durante uma sessão particular com o artista

da corte, um dos quadros mais visitados da Galeria Real.

Podia manusear qual-quer arma de fogo se na presença de militares, dançava como um pro-fissional se dançarinos o cercassem. O mais im-pressionante, contudo, era o incompreensível dom de falar os idiomas dos interlocutores: russo ao conversar com um russo, ou alemão com um ale-mão, ou polonês com um polaco, ou hebraico com um judeu.

Existiam boatos de que até o comportamento de animais Joaquim Maria era capaz de reproduzir e testemunhas garantem que ele já havia atacado um carteiro na compa-nhia de cães e que, outra vez, durante a visita ao zoológico, a polícia teve grandes dificuldades para retirá-lo dos galhos duma árvore ao lado da jaula dos macacos.

Os sábios do reino então se propuseram uma missão: descobrir o verdadeiro Eu de Joa-quim Maria. Isolaram-no completamente numa sala espelhada e o obser-varam por semanas. No

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34 SAMIZDAT dezembro de 2009

entanto, Joaquim Maria não esboçava nenhum tipo de comportamento, apenas permanecia senta-do, olhando seu próprio reflexo. Mas num dia, subitamente, ele pulou da cadeira e começou a aba-nar os braços e a correr, em ziguezague, pela sala. Foi quando constataram que uma mosca havia se infiltrado no cômodo.

Mas ninguém ima-ginou que um dom tão extraordinário seria a causa da própria des-graça de Joaquim Maria. Sem nenhuma explica-ção, inadvertidamente, Joaquim Maria se tor-nou uma pessoa normal, como outra qualquer.

Quer dizer, mais ou menos...

Durante todos os anos em que Joaquim Maria não passou dum repli-cante, de algum modo inexplicável, ele também havia tido acesso a todos os pensamentos mais secretos das pessoas com as quais havia conversa-do. Joaquim Maria sabia de tudo, desde os detalhes mais sórdidos até as con-jeturas mais intrincadas.

Joaquim Maria decidiu que tanto conhecimento

deveria ser comparti-lhado e, num intervalo de três meses, escreveu um livro expondo tudo isto. Mas Joaquim Maria, agora repersonificado, era um crítico inclemente da sociedade, talvez o mais satírico de todos os tem-pos, um comediógrafo arguto e cruel da vida real.

Em seu livro, ele difa-mava desde o Imperador até a prostituta, do ge-neral ao bobo da corte. Contava tudo, sem censu-ra, sem dó, nem piedade.

É óbvio que Joaquim Maria criou inimigos poderosos e tudo que se falava à boca pequena era que o queriam morto.

Então, ontem à noite, encontraram-no enforca-do em seu gabinete.

O comissário da po-lícia afirmou que não investigará o crime, pois Joaquim Maria havia contado no livro sobre o caso extraconjugal que ele mantinha com um estivador; o Imperador se recusou a comentar o crime; não havia testemu-nhas; ninguém, a não ser eu, velho amigo de Joa-quim Maria, compareceu ao sepultamento deste

gênio de nossa época.

Escrevo este relato para que a memória dele não se apague, e cito o primeiro parágrafo da obra que tornou Joaquim Maria o inimigo público número um, após ter sido o maior expoente do país:

Contar mentiras é peri-goso,

Mas falar a verdade pode ser fatal.

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35www.revistasamizdat.com 35www.samizdat-pt.blogspot.com

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O lugar onde

a boa Literatura é fabricada

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José Guilherme Vereza

deus me perdoe,era tudo o que eu queria

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O quarto tinha cheiro de comida velha. A fumaça da fritura vagabunda vinha do porão da espelunca, atraves-sava o basculante e impreg-nava tudo: as paredes, os len-çóis grossos, os travesseiros toscos, a cortina pesada de veludo que vedava a janela. Ao lado da cama, sobre o criado-mudo, uma morin-ga, dois copos e um abajur empoeirado. No que se diz banheiro, o mínimo. Uma privada sem tampa, um cano no lugar de um chuveiro e uma pia amarelada e torta no canto, um espelho redon-do e duas toalhas aparente-mente limpas penduradas na maçaneta da porta. Ao longe, vestígios de um rádio ligado sujavam o silêncio. Deveria ser fim da tarde quando a porta se abriu e de lá surgi-ram Ademar e uma moça, como se fossem um corpo

só, tal a sofreguidão dos beijos, apertos, passadas de mão e entrelaços de pernas, cambraias e linhos se rasgan-do, botões voando, gemidos, muitos gemidos ecoando, antes mesmo de a porta ser trancada pelas mãos hábeis da mulher. Não perderam tempo. Uma vez trancafia-dos, mergulharam um no outro sobre a cama, num balé animal, aflito e ruidoso, que não durou mais do que o suficiente para Ademar se dar por satisfeito.

- Como é mesmo o seu nome?

- Margareth.- Você vem sempre nesse

lugar?- Umas quatro vezes por

semana, tirando sábado e domingo.

- Você não trabalha sábado

e domingo?- É a minha folga.Ademar esfregou a testa,

coçou a cabeça, vasculhou o ambiente com os olhos. Estranhou tudo.

- Margareth... é Margareth, não é? Me diga, minha filha, como foi que chegamos aqui?

- De táxi, não lembra?- Não lembro. A bebida me

faz mal.- Percebi. O senhor gozou

rápido.***Ademar estava zonzo.

Embora há tempos quisesse viver um encontro arrisca-do com sabe-Deus-quem, não entendeu se deu conta do que fazia naquele lugar. O uísque ordinário tinha um efeito devastador e, aos tropeços, tentou recolher as

Contos

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roupas que se espalharam pelo chão. Apertou os olhos, tentando enxergar o que aca-bara de cometer nos últimos instantes.

- Como é que conheci você?

- Na mesa do Calypso. O senhor foi logo sentando e perguntando quanto custava. Nem teve a elegância de me perguntar o nome.

- Elegância?- É. A gente costuma fingir

que está começando a viver uma romance.

- Romance?- Por que não? Essa profis-

são me dá o direito de me iludir, iludir os clientes, ilu-dir o tempo, até o momento em que o dinheiro voa, voa, voa e pousa na minha bolsa.

- Quanto foi que combina-mos?

- Não acabei o serviço ainda. O senhor me falou na mesa que queria me namorar muito. Prometeu o céu, as estrelas, o universo. Prometeu me levar a um programa da Rádio Nacional.

- Não, minha filha. Não considere o que eu disse. Nem eu considero o que eu disse.

- Vem cá, senhor, relaxe. Não me deixe com saudade de ainda há pouco. Tenho muito trabalho gostoso pela frente.

***- Dessa vez o senhor demo-

rou mais a gozar… está se acostumando comigo?

- Não, minha filha… estou sendo empurrado por sei-lá-o-quê para dentro de você… sem comentários, nem perguntas. Por favor.

- Não se preocupe. Sou

discreta e nada curiosa. Faz parte da natureza do meu negócio.

- Não fale em negócio! Estamos aqui para viver uma paixão, um romance.

- Bravo! Que bela surpresa! Admitindo o nosso romance, hein? Pelo que estou vendo o uísque ordinário está perden-do o efeito. Quer apostar que agora sua cabeça vai virar uma bigorna?

- Tem água nessa pocilga?- Vira a moringa no copo

e senta aqui no meu colinho. Vamos cuidar da ressaca que o tempo é uma criança.

- Criança… criança…. seu filho é menino ou meni-na?

- Mas que observador! Reparou minha cicatriz da cesariana!

- E também seus bicos dos seios escurecidos. Deve ter amamentado de três a quatro meses, quando as glândulas mamárias secaram. A par-tir daí, a repetição de uma massagem assim e assado, devolveu à dona esses dois manjares, que agora repou-sam sob minhas mãos.

- Então, já que o senhor descobriu que sou mãe… adivinhe se a criança é filho ou filha da puta…

- Que palavreado horrendo! Mas eu perdôo. Você é muito graciosa, mãezinha responsá-vel. Com quem fica a criança quando você trabalha?

- Com minha tia. Tenho uma vida muito difícil. Perdi meus pais muito cedo. Mi-nha mãe morreu tísica logo que nasci. Meu pai, no auge da mocidade, se meteu numa briga na Galeria Cruzeiro. Foi esfaqueado e não resistiu. Fui criada por uma tia, pros-

tituta de luxo, que fazia vida num belo apartamento no Catete, mas perdeu tudo no Cassino da Urca. Por gratidão e vocação, entrei nessa vida para sustentar a tia e acabei arrumando uma criança para dar mais trabalho, adivinha a quem?

- A coitada da sua tia.- A própria, pobrezinha. Na

verdade, não tenho o que me queixar, mas pela infância que tive com a velha tia Au-rita, que não poupou a me-lhor educação, os melhores hábitos, os melhores livros e as roupas mais finas à so-brinha órfãzinha, até que eu merecia um bar melhor que o Calypso. Merecia umas roupinhas mais chiques , merecia freqüentar um hotel no Lido, em Copacabana, no Flamengo, enfim, um lugar menos ordinário do que esse aqui na Mem de Sá.

- Não fale mal deste paraí-so. É o nosso ninho de amor.

- Por favor, vamos deva-gar com as ilusões. Daqui a pouco o senhor me paga, vai para a casa e eu volto para o Calypso, para mais uma rodada no meu taxímetro.

- Mas enquanto daqui a pouco não chega, vamos aproveitar esse pouco que nos resta.

***Algumas horas antes, a

moça chegava ao Calypso, bem antes da fervura do local. O bar de encontros começava a ficar interessan-te a partir das seis e meia, quando senhores vetustos de jaquetão e relógios de bolso deixavam a fineza na calça-da e se esborrachavam no uísque ordinário servido em pequenas mesas de tampo de mármore, quase sempre já

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38 SAMIZDAT dezembro de 2009

preenchidas por duas – ou às vezes três – raparigas dispo-níveis. Ocupando uma boa mesa, bem perto da entrada, a moça queria logo ser vista e desejada pelo primeiro cavalheiro que da porta sur-gisse, desde que cumprisse seus caprichos e requisitos. Foi abordada pelo garçom, que estranhou sua presença ali, naquele momento tão adiantado. Mas como bom anfitrião, deixou-a completa-mente à vontade, além de lhe acender um cigarro e servir um drinque de boas-vindas.

No piano, um tipo quase imberbe, cabelo de glos-tora e colarinho troncho, mal dedilhava um bolero, enquanto fumava um mata-rato impertinente, tão denso, mas tão denso, que pouco se enxergava o balcão às suas costas, de onde a moça viu surgir um vulto cambalean-te em sua direção, que, sem cerimônia – ou sem conheci-mento dos estatutos do local –, sentou-se ao seu lado e foi logo colocando a mão direi-ta na sua coxa. Sem dúvida, uma intimidade de provocar arrepios.

A conversa durou pouco. Mal se apresentaram, mal se enxergaram. Não chegaram a trocar nomes, mas acertaram uma saída urgente, já que um lugar mais aconchegante e discreto poderia ser mais apropriado para escoar toda a excitação. No táxi, beija-ram-se com sofreguidão e só pararam quando o motorista estacionou na porta de um prédio chinfrim na Mem de Sá. Ao analisar o hotel do telhado ao meio-fio, o cava-lheiro balbuciou para si, com bafo de uísque ordinário: “Deus me perdoe… era tudo o que eu queria.”

***- Deus me perdoe… era

tudo o que eu queria.- Ouvi bem o que o senhor

disse?- O que eu disse, minha

filha?- Algo como “Deus me

perdoe… era tudo o que eu queria”.

- Digamos que o que você ouviu foi apenas um golpe de ar que partiu involun-tariamente do esôfago, pas-sando pelas cordas vocais, e, no encontro do palato e da língua em ligeiro movimento, produziu um efeito asseme-lhado a um som indecifrável, que poderia sugerir algumas palavras. Nada que a cons-ciência tenha comandado. Portanto, se disse, não disse o que você supõe que eu tenha dito…

- Para. O senhor, você, seja lá como quer ser chamado, me enrola. Diz que não diz o que diz. Diz que não diz o que pensa e o que sente. Mas não pode dizer o que sente senão estraga tudo. Até entendo. Estamos aqui num teatro, aqui está o palco, ali está a platéia naquele espe-lho, formada por nós mes-mos. Aqui, o cenário: uma cama suficiente, onde você deposita seu carinho animal dentro de mim e eu o recebo com braços e pernas aber-tas, como se fossemos dois amantes em pleno gozo do amor, da paixão, do compa-nheirismo, da cumplicidade, como manda o figurino dos grandes amores. E tem mais: duvido que você não duvide da minha sinceridade. “Será que ela goza? Sera que ela finge?” Quer apostar como isso não sai da sua cabeça?

- Mas você gozou, não

gozou?- Fique com a dúvida. Essa

dúvida é que faz com que meus clientes voltem sempre. Essa dúvida me excita. Essa dúvida é o fio que separa a paixão da hipocrisia.

- Você fala de um jeito que não parece que é o que você é.

- Não subestime o que eu sou. Só porque sou uma mulher fácil e achada numa mesa do Calypso não posso pensar na minha condição? Não basta ser puta? Tem que ser puta e burra?

- Puta, não! Aqui dentro você não é puta! Está no nosso contrato viver um ro-mance de duas ou três horas. Ainda faltam alguns minutos. E, por enquanto, nós somos dois amantes sem pudores, que se escondem da vida num quartinho de um ho-tel. E por isso se desejam, se lambuzam, se querem bem. Isso é o que vale. O aqui e o neste momento.

- Pára de falar…, - a moça afrouxou a voz. - Estou com vontade de fazer tudo de novo…

Ademar baixou a guarda.- Diz “estou com vontade

de fazer tudo de novo”, diz. É vontade mesmo ou é fingi-mento?

A moça põe, entre os den-tes e a pontinha da língua, a orelha do parceiro. E diz, rouquíssima:

- Pois fique com a dúvida..., a-do-ro a dú-vi-da.

***As duas horas combinadas

passaram voando. Ademar excedeu o tempo e nem quis saber o quanto pagaria a mais. Os instantes tinham sido tão generosos, que, fosse

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o que fosse o que estivesse registrado no taxímetro da moça, seria um dinheiro bem despendido, um investimen-to no escuro com retorno farto de energia e auto-estima. Embora sentimentos de culpa e remorsos não tenham aparecido, Ademar já sentia o ímpeto de abrir a carteira, acertar o negócio e sair correndo atrás de um táxi, até chegar aos braços e abraços das suas filhas, que – adolescentes que eram – não costumavam dormir cedinho como bem recomendado às crianças.

- Minha filha, acho que está na hora…

- Não estou ouvindo mais o rádio.

- Me recuso terminante-mente a entrar nesse chuvei-ro nojento.

- Vai sem banho. Chegue em casa com meu cheiro no corpo. Os suores e perfumes do sexo são divinos, abenço-ados e inocentes. Pior seria um batom na camisa, um chupão no pescoço. Quanto a isso, pode ficar tranqüilo: sou muito cuidadosa.

- Sábia, você é sábia...- Você não me disse o seu

nome.- Meu nome?- Também não quero saber.

As colegas do Calypso vão me perguntar com quem fiz o programa e eu vou dizer com Ninguém. “Saí com Nin-guém que deu uma bimbadi-nha e me largou num cafofo da Mém de Sá, com uns trocadinhos na bolsa. Fujam de Ninguém. Ele trepa mal e paga pior ainda.”

- Definitivamente você não saiu com Ninguém.

- De fato: saí com Alguém.

- Alguém, assim, tão indi-gente?

- Não. Alguém dos Santos. Um quarentão grisalho, feroz e carinhoso, um pouco abe-lhudo pro meu gosto. Investi-gou minhas cicatrizes, exami-nou meus mamilos, cheirou meus cheiros, escarafunchou meus recintos secretos. Mer-gulhou em mim como um cliente íntimo e freqüente, e que teve a coragem de sair daqui com meu perfume no seu corpo.

- Não. Eu não tive coragem é de entrar naquele chuveiro.

- E ainda por cima, bem dotado de senso de humor.

- Está aqui o que devo. Por favor, não conta agora não. Fico meio sem jeito, não estou acostumado com essas coisas. É mais do que você pediu. É menos que você merece.

- Já descobri o seu nome. Você é Alguém. Alguém com sobrenome bonito: Alguém dos Santos. Alguém com sobrenome comprido, como os nobres e incomuns. As-sim: Alguém Muito Especial Cavalheiro dos Anjos e dos Santos. Muito prazer, Marga-reth.

***Ademar deixou o hotel

sozinho e flutuando nas nuvens. Nada que abalasse seu estado moral, mas en-trou num táxi com as veias e artérias dilatadas, por onde fluíam sentimentos e sensa-ções de um bem-estar inédi-to e encantador.

Precisava – e como precisa-va – ter vivido esse despudor pelo menos uma vez na vida. Não pensava em retornar ao Calypso, onde nunca tinha ido antes. O que mais queria naquele momento era chegar

em casa, abraçar as filhas, beijar a mulher, que, dormin-do, não perguntaria porque chegou quase à meia-noite. E assim o fez. Deitou na cama sem fazer barulho e custou a adormecer. Ainda com o cheiro da moça no corpo, caiu num sono profundo e restaurador, como nunca tinha dormido antes.

***A moça deixou o hotel

sozinha e flutuando nas nuvens. Nada que abalasse seu estado moral, mas en-trou num táxi com as veias e artérias dilatadas, por onde fluíam sentimentos e sensa-ções de bem-estar inédito e encantador. Precisava – e como precisava – ter vivido esse despudor pelo menos uma vez na vida. Não pensa-va em retornar ao Calypso, onde nunca tinha ido antes. O que mais queria agora era chegar em casa, abraçar os filhos e beijar o marido, que, meio dormindo, inevitavel-mente perguntaria:

- Tudo bem, Maria Cristi-na? Tia Judith está melhor?

- A enfermeira custou a chegar. Por isso cheguei tão tarde.

E assim aconteceu. Maria Cristina deitou na cama sem fazer barulho, custou um pouco a adormecer. Ainda enfeitiçada por ter sido Mar-gareth por algumas horas, caiu num sono profundo e restaurador. Como nunca tinha dormido antes.

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40 SAMIZDAT dezembro de 2009

Contos

Mariana Valle

Noite de chuva

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Noite de chuvaEla andava por um beco

escuro. Passos apressados, com medo. A capa de chu-va cobria o collant e a calça suada que ela usara na aca-demia. Acabara de voltar da aula de dança. Nada a fazia mais feliz do que aquela hora e meia de aula... E foi quando se lembrou da co-reografia do dia que ela se deparou com um moreno forte e mal-encarado.

- Tá sorrindo pra mim é, lindona?

Ela tentou avançar, sem sucesso. Aqueles braços musculosos e sujos de graxa impediam seu caminho.

- Onde você pensa que vai, boneca?

- Você não tem nada a ver com isso. Dá licença, por favor?

- Hummm. Que educa-ção. Olha aqui garota, saiba você que eu tenho tudo a ver com isso, porque você vai comigo agora praquele cantinho.

E dito isso ele já foi em-purrando-a para o ambiente sujo, fétido e escuro.

- Não, por favor, me deixa ir embora. Eu te dou todo o meu dinheiro, toma. É seu.

- Quem disse que eu quero grana, princesa? Eu quero você.

- Por favor...

E nisso ele já tinha aber-to a capa e já abaixava a alça do collant.

- Não, por favor...

- Hum, que peitinho gostoso. Vou mamar você

todinha.

- Por favor...

- Ai, pede, pede mais que eu fico louco.

- Me deixa ir...

- Que barriguinha...

- Socorro!

Com violência, ele ta-pou sua boca e puxou seu cabelo.

- Olha aqui, gostosinha. Gemer pode, mas gritar não. Assim eu perco a paci-ência.

E isso parece que o dei-xou com mais tesão ainda, pois num minuto ele rasgou o collant e colocou o seu membro naquele buraco quentinho.

- Hum, sua safada. Tá molhadinha, hein? Tá gos-tando do papai aqui, tá?

- Me deixa ir embora - dizia ela cerrando os dentes e arranhando a lataria do carro onde estava deitada.

- Eu deixo, mas antes vou fazer a festa, sua cadela - disse o moreno dando um tabefe naquelas fuças.

- Ai, não precisa me ba-ter. Eu fico quietinha.

- Ah vai ficar quietinha, é? Mas eu não quero não, sua piranha. Quero te ver gemendo, gritando. Quero te ver gozando, vai.

- Por favoooooor...

- Isso vai, assim que eu gosto. Já está até perdendo a voz.

- Me deixa ir embora...

- Sem acabar o serviço?

Dito isso, ele a virou de

quatro e retomou os tra-balhos cada vez com mais força.

Ela não sabia se chorava ou se gemia.

- Ai... por favor...

- Vamos parar com essa educação? Me manda meter, vai.

- Como assim?

- Manda logo, porra.

- Mete.

- Assim não, tá muito fraco. Quero ouvir alto.

- Meeeete.

- Mais forte.

- Mete!

- Ta melhorando. De novo.

- Mete, cacete.

- Isso! Assim que eu gosto.

- Mete logo essa porra!

- Hummm.

Era o que faltava pro garanhão gozar.

- Agora pode ir, cadela. E não esquece: você nunca me viu na vida, hein? Sei onde você mora e vou infernizar tua vida se tu der com a língua nos dentes.

Em casa, já no chuveiro, ela não conseguia esquecer o que tinha acabado de acontecer. E nunca contou pra ninguém, nem pra sua analista. Mas todo dia de noite sonhava com o tal moreno. E acordava com o lençol encharcado.

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42 SAMIZDAT dezembro de 2009

– Doces ou travessuras?

– Como “doces ou tra-vessuras”? Como seus pais deixam vocês soltos numa noite como esta? Não estão ouvindo as notícias?

O tenente Mark Budd não entendia como algu-mas crianças mantinham as inocentes brincadeiras do Dia das Bruxas mesmo com a tensão que pairava sobre aquele 30 de outubro. Capetas e vampiros desavi-sados ainda perambulavam

pelas ruas, ignorando a batalha incipiente, fidedig-namente transmitida pela Rádio CBS.

O militar estava transtor-nado. Participara da guer-ra de 1914 no apoio dos Estados Unidos à Tríplice Entente como soldado raso, onde sofrera ferimentos de todo o tipo (além do psico-lógico abalado pela morte dos colegas de farda) e ago-ra se via novamente frente à outra, talvez ainda mais devastadora.

– Mulher, você não vai acreditar! Notícias e mais notícias sobre a assombrosa invasão marciana e idiotas vestidos de diabos e bruxas aí fora desfilando!

Rose Budd, assustada desde que sintonizaram o drama nas ondas médias, via sua aflição aumentar gradativamente com o pânico disseminado pelo professor Pierson, codinome do produtor radiofônico Orson Welles. Este nar-rava o estranho episódio

Contos

Léo Borges

invasão nas ondas médias

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invasão nas ondas médias

de OVNIs que invadiam o espaço aéreo americano e, vez por outra, abria espaço para que gritos histéricos de repórteres e de pessoas sendo caçadas por insuspei-tos seres esverdeados fos-sem levados a toda a nação. Muito longe de ser uma tragédia comum, aquilo era uma impensável ocorrência extraterrestre. Alienígenas estavam atacando o mundo e a tecnologia dos novos aparelhos de radiofreqüên-cia servia apenas para que o medo se espalhasse mais rápido.

– Meu Deus, Mark! Es-tamos nos curvando para esses seres de Marte!

O tenente Budd, procu-rando ripas no sótão, não ouviu o comentário. Estava mais preocupado em en-contrar objetos que pudes-sem ajudá-lo a lacrar as possíveis entradas, dificul-tando, assim, o acesso dos inimigos verdes à sua casa. Ainda incrédula, Rose mu-dou de estação para ouvir o que outras rádios poderiam estar falando sobre o terrí-vel acontecimento. Captou uma estação com notícias internacionais:

A poetisa Gertrude Stein continua defendendo a entrega do Nobel da Paz de 1938 ao líder alemão Adolf Hitler. Este posicionamen-to é compartilhado por Chamberlain, que acredita nas promessas deste novo ícone mundial. Robert Kolgest, analista geopolítico presente aqui em nossos estúdios, crê que, através

destas conexões políticas, a paz vigorará inexoravelmen-te neste planeta no início da nova década...

– Ora, Rose – interrom-peu Mark –, estamos viven-do uma guerra dos mundos e você muda o dial para alguém falando em “paz na nova década”?! Não sabemos nem se vamos estar vivos em 1939! Quem quer saber sobre Nobel da Paz neste momento? Volte para a CBS!

A história da guerra interplanetária ganhava força no boca a boca e as ruas, aos poucos, se esva-ziavam, com os foliões, em fuga, abandonando suas fantasias. Welles era enfáti-co ao informar que muitos já haviam sucumbido ante os raios de esquisitas ar-mas e os que ludibriavam a morte eram, de qualquer modo, cooptados e tinham a consciência subtraída; o Halloween, de mera ficção, ganhava personagens reais. Rose, subitamente, lembrou-se dos pais, idosos, morado-res do quarteirão vizinho.

– Vou ver meus pais – disse e saiu por uma janela que ainda não fora vedada.

– Está louca?! Quer ser abduzida? Eles estão bem! Meu sogro não saiu de casa nem para saudar Roosevelt em seu comício! Não é ago-ra, no meio dessa calamida-de, que o velho vai botar a cara na rua.

– Você é das Forças Ar-madas! Devia estar fazendo alguma coisa além de se acovardar escorando ma-

deiras nas portas e janelas! – berrou a mulher, nervosa com o marido.

Rose saiu sem olhar para trás. O dever de cuidado com seus pais era maior do que o temor por encontrar bizarros ETs pela frente. Corria aos tropeções sob os olhares atônitos de pessoas escondidas em suas casas, agora transformadas em verdadeiras fortalezas.

No meio do caminho, chorou. Com tanta tecnolo-gia bélica o homem ainda era incapaz de fabricar armas que evitassem um problema de tal magnitude. Mas, esperar o quê de seres que constroem um opulen-to e, afirmado pelas autori-dades navais, extremamente seguro navio para, logo em sua primeira viagem, afundar? Isso sem falar na bestialidade da sangrenta guerra – esta puramente humana – de vinte e quatro anos atrás. O mundo estava mesmo perdido. Talvez a invasão dos marcianos não fosse de toda ruim. Iriam destruir essa medíocre e ig-nóbil civilização e criariam uma nova, mais inteligente e justa.

Num átimo, Rose se enxergou ao lado de um dos dominadores esmeral-dinos, quem sabe o mais robusto e poderoso, alguém que fosse o mentor de toda a invasão. Um giro rápido e confuso de recordações entrecortadas fez deste pen-samento um paralelo com seu casamento e de como o condicionara à ascensão

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de Mark no meio militar. A convicção de que somente amor não mantém relacio-namentos (muito embora não admitisse ser taxada como uma pessoa materia-lista) sempre a acompanhou e, por isso, acreditava que estar perto dos vencedores era um meio legítimo de proteção e, por conseguinte, de sobrevivência.

Mas o desvario, revesti-do por uma grotesca carga libidinosa, a fez corar de vergonha e entender que aquilo era pecado não ape-nas macabro como também digno de severo castigo. O remorso obrigou-a, então, a correr ainda mais rápi-do, como se, agora, lutasse para escapar dos insidiosos flashes que açoitavam sua mente. Enquanto corria, viu restos de capas, más-caras mortuárias e cruzes de madeira esquecidas nas calçadas. Ninguém nas ruas além dela e de sua sombra criada pelos antigos pos-tes de ferro do subúrbio de Nova Jersey. Durante a sôfrega correria, a mulher passou perto de uma casa que também ouvia, em alto som, o noticiário que vinha tirando sua paz:

Pierson, eles estão che-gando à Manhattan. São muitos e são hostis. Nossa correspondente em Detroit foi atacada e virou um zumbi. Vou suspender a transmissão. Nick Rogers diretamente de Nova York. Que Deus nos proteja...

– Como? Como é que isso pode estar acontecen-

do? Não é possível! – balbu-ciou Rose para si mesma. – Aquele alemão que está concorrendo ao Nobel da Paz deveria se pronunciar. Vir a público para dar al-guma esperança às pessoas. Falar sobre algum projeto para eliminar essa praga sideral que assolou o mun-do...

Desanimada e sem fô-lego, Rose caiu ajoelhada, olhando para o firmamento e clamando por Deus; o céu estava limpo, mas a luz das estrelas parecia ocultar o brilho dos discos voadores. Em sua frente, repousan-do no asfalto, apenas uma sarcástica e oca abóbora, vazada com seu indefectível sorriso demoníaco. Os inva-sores esperaram o Hallowe-en para poder concretizar o plano. Nada mais perfeito: bruxas e marcianos. Era isso! Eram seres realmen-te evoluídos. Estudaram o comportamento e as tradi-ções dos humanos por anos! Uma noite como aquela, onde todos festejavam o Mal, era perfeita para a conquista da Terra.

Rose, já sem esperanças em uma vitória da Humani-dade, chorava copiosamente quando um soturno homem de terno surgiu em sua frente, oferecendo o braço para ajudá-la a se levantar.

– Q-quem é você?

– Pegue esse pão embe-bido em groselha. Um doce aliviará seu pânico pela travessura.

Mesmo estranhando

aquela aparição, Rose acei-tou a ajuda e, lentamente, ergueu-se.

– Doce? Travessura? Meu senhor, ainda brincas de Halloween? Que calma é essa?

– Desconfie do que ouve e tenha cuidado com os verdadeiros invasores – dis-se, com paciência, o miste-rioso sujeito, afastando-se, logo após, num calmo vagar. Antes, porém, deixou um livro sobre a abóbora com os dizeres: A Guerra dos Mundos – H. G. Wells.

A simples presença daquele exemplar ilumi-nou a mente de Rose de tal modo que a escuridão de desconfianças dissipou-se de imediato, permitindo que o silêncio noturno rapidamente invadisse seus ouvidos. Não havia nenhum ruído de armas estelares ou de monitoramento do espaço terrestre; não havia naves; não havia marcianos; não havia invasão. Mas ain-da assim a mulher sentiu as pernas tremerem, pois a calmaria, de tão mórbi-da, gerou-lhe um súbito e intenso calafrio. Quem era aquela pessoa?

– Qual o seu nome, cida-dão? – indagou com algum receio.

De longe, sem se virar, o homem respondeu:

– Kane.

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O lugar onde

a boa Literatura é fabricada

A Oficina Editora é uma utopia, um não-lugar. Apenas no século XXI uma vintena de autores, que jamais se encontraram fisicamente, poderia conceber um projeto semelhante.

O livro, sempre tido em conta como uma das principais fontes de cultura, tornou-se apenas um bem de consumo, tornou-se um elemento de exclusão cultural.

A proposta da Oficina Editora é resgatar o valor natural e primeiro da Literatura: de bem cultural. Disponibilizando gratuitamente e-books e com o custo mínimo para livros impressos, nossos autores apresentam a demonstração máxima de respeito à Literatura e aos leitores.

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Contos

Barbara Duffles

alô, Waldirene?

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alô, Waldirene?1: Seu problema é

autoboicotismo crônico, senhor.

2: E o que seria isso?

1: Simples. O senhor sabota sua vida. Coloca empecilhos para justifi-car sua depressão – que eu inclusive acho que o senhor saboreia.

2: Eu saboreio minha depressão??

1: Sim. No fundo, o senhor gosta de ser um loser. Chorar suas pitan-gas para os amigos, dizer-se impróprio para a vida.

2: Mas eu sou mesmo. Minha vida não caminha. Vejo os outros correndo por fora. Eu não luto e nem tenho forças para tal.

1: Loser, senhor.

2: Pare de me chamar de loser!

1: Não grite comigo, senhor.

2: Eu quero morrer. E vou fazê-lo esta noite.

1: Isso é egoísmo, se-nhor. Pense no sofrimento dos que vão ficar.

2: Então vou para um mosteiro. Vou me enclau-surar.

1: É uma maneira covarde de fugir da vida, não acha?

2: Ah, me ajude, então, o que eu devo fazer?

1: Para começar, pare de ligar para mim. Eu não posso lhe ajudar.

2: Mas a sua voz me acalma.

1: O senhor não tem amigos? Precisa impor-tunar uma operadora de telemarketing todos os dias?

2: Você é minha única amiga, Waldirene.

1: Eu nem sei seu nome, senhor. Com licen-ça, preciso atender outra ligação.

2: Alô??? Waldireneeee!

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Contos

Dênis Moura

68, o ano que nem começouBig Bang microcósmico- Capítulo 2

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68, o ano que nem começouBig Bang microcósmico- Capítulo 2

Em Nova York, um for-migueiro humano fervilha por dezenas de quartei-rões da estação de metrô Queensboro Place até as margens do rio East River. As águas são escuras, o ar é pesado, malcheiroso e quente. Os galpões indus-triais foram transformados em acampamento. Milhares de pessoas afunilam-se na ponte Queensboro, ocupan-do-a completamente. Ou-tra multidão, bem menor, bloqueia o acesso à ilha de Manhattan. Todos os tú-neis e demais pontes foram igualmente bloqueados, tan-to os da Grande Ilha quanto os do continente. O cerco à Manhattan já dura meses.

Aproximo-me até dis-cernir construções, veí-culos e rostos. As pessoas compartilham grandes cilindros azuis de oxigê-nio, revezando as mascaras constantemente. Encostada no alambrado amarelo da ponte, embaixo das grandes armações de aço, reconheço a face de uma mulher idosa com uma familiar meia lua no centro da testa. Quantas décadas sem reencontrá-la? Helenice, no meio da ponte W, olha para a esquerda, entre as duas velhas chami-nés da Marupi e um painel holográfico na margem do rio onde a defasada frase “Happy 2068 New Year” tre-mula falhando. Seus olhos vão além do extremo sul da ilha Roosevelt Island sob a ponte. Desejam o mesmo

alvo de todos ao seu redor: a sede da ONU.

Muitos carregam faixas e cartazes, mas Helenice, tal qual alguns, carrega um disco preto nas mãos. O que eles querem é apenas consumar um ato simbó-lico, já efetuado em quase todas as partes do mundo: depositar um disco holo-gráfico em cada assento que tenha sido ocupado por um poderoso.

Por todos os lugares do mundo, de um lado, ses-senta famílias controlando toda a riqueza do planeta enquanto seus aparatos de poder reagem violenta-mente ao que chamam de desordem das massas. Do outro, milhões de pessoas invadem no mesmo instante os gabinetes corporativos e governamentais. São os braços de três bilhões de sobreviventes que se organi-zam mundialmente através da Grande Rede e delibe-ram regras para regular a desordem esgotadora de pessoas e natureza que perdurou por mais de cinco séculos.

http://bigbangmicrocos-mico.blogspot.com/

Um detetive...

Uma loira gostosa...

Um assassinato...

E o pau comendo entre as máfias italiana e chinesa.

O COvildos

inOCenteswww.covildosinocentes.blogspot.com

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tradução

E faz de conta...Miguel de Unamunotrad.: Henry Alfred Bugalho

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A Miguel, o herói de meu conto, um haviam lhe pedi-do. Herói? Herói, sim! E por quê?— perguntará o leitor. Pois, primeiro, porque quase todos os protagonistas dos contos e dos poemas devem ser heróis, e isto por defini-ção. Por definição? Sim! E se não, vê-lo-emos.

P. — Que é um herói?

R. — Alguém sobre o qual se pode escrever um poema épico, um epinício, um epitáfio, um conto, um epigrama, ou mesmo uma manchete ou uma mera frase.

Aquiles é herói porque fê-lo Homero, ou quem quer que fosse, ao compor a Ilíada.

Somos, pois, os escrito-res — ó nobre sacerdócio! — quem para nosso uso e satisfação criamos os heróis, e não haveria heroísmo se não houvesse literatura. Isso de heróis ignorados é uma lengalenga para consolo dos simplórios. Ser herói é ser cantado!

E, ademais, era herói o Miguel de meu conto por-que lhe haviam pedido um. Aquele a quem se lhe pede um conto é, pelo mesmo fato de sê-lo pedido, um herói, e aquele que o pede é outro herói. Heróis os

dois. Era, pois, herói o meu Miguel, a quem Emilio lhe pediu um conto, e era herói o meu Emilio, que pediu o conto a Miguel. E assim vai avançando este que escrevo. Quer dizer,

Sem perceber, seguem os dois adiante.

E meu herói, diante das folhas brancas e amarele-cidas, olhos fixos nelas, a cabeça entre as palmas das mãos e cotovelos sobre a escrivaninha de trabalho — e com esta descrição me parece que o leitor estará vendo-o muito melhor do que se o visse ilustrado —, dizia para si: “Bem, sobre o que escrevo agora o con-to que me pedem?” Vixe, escrever um conto alguém que, como eu, não é contis-ta de profissão! Porque há o romancista que escreve romances, um, dois, três ou mais ao ano, e o homem que os escreve quando eles brotam de si. E eu não sou um contista!...

E não, o Miguel de meu conto não era um contista. Quando, por acaso, fazia-os, sacava-os, ou de algo que, visto ou ouvido, havia ferido-lhe a imaginação, ou das mais profundas de

suas entranhas. E isto de sacar contos do fundo das entranhas, isto de converter em literatura os mais ínti-mos tormentos do espírito, as mais espirituais dores da mente, ó, sobre isto!... Sobre isto, tanto já falaram os poetas líricos de todos os tempos e países, que nos resta já muito pouco por dizer.

E logo os contos de meu herói teriam para os leitores habituais de contos — os quais formam uma classe especial dentro do gênero dos leitores — um gravíssi-mo inconveniente, que é o de não haver argumento, o que se chama argumento. Dava muito mais impor-tância às pérolas do que ao fio em que estão inseridas, e para o leitor de contos o importante é a ação, assim com “a”, e não ilação, com “il”, como nos esforçamos em escrever, os mais ou menos latinistas que pensa-mos ser, e ensinar que este vocábulo deriva de infero, fers, intuli, illatum. (Não se esqueçam que sou um ca-tedrático, e por sê-lo meus filhos comem, mesmo que, vez ou outra, merendem de um conto perdido)

E estou na metade de ou-tra página.

E faz de conta...

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Para o herói do meu conto, o conto não é senão um pretexto para obser-vações mais ou menos engenhosas, fragmentos de fantasia, paradoxos, etc., etc. E isto, francamente, é rebaixar a dignidade do conto, que tem um valor substantivo — creio que se diz assim — em si mesmo e por si mesmo. Miguel não cria que o importante era o interesse da narração e que o leitor fosse dizendo para si mesmo a cada momento: “E agora o que virá?”, ou: “E como isto acabará?” Sabia, ademais, que há quem co-meça um destes romances enormemente interessantes, vai ver nas últimas páginas o desfecho e já não o lê mais.

Por isto, acreditava que um bom romance não deve ter desfecho, como não tem, ordinariamente, a vida. Ou devia ter dois ou mais, expostos em duas ou mais colunas, e que o leitor escolha entre aquele que mais o agrade. O que é soberanamente arbitrário. E este Miguel meu era o mais arbitrário que dar-se possa.

Em um bom conto, o mais importante são as situações e as transições. Sobretudo, estas últimas. Ó, as transições! E a respeito

daquelas, é o que dizia o famoso melodramaturgo d’Ennery: “Em um drama (e quem diz drama, diz conto), o importante são as situações; componha você uma situação patéti-ca e emocionante, e pouco importa o que nela digam os personagens, porque o público, quando chora, não ouve”. Que profunda obser-vação esta de que o público, quando chora, não ouve! Um sujeito que havia sido apontador do grande ator Antonio Vico me dizia que, representando este uma vez A morte civil, quando entre dois assentos fazia que mor-ria, e as senhoras o olhavam com binóculos para cobrir com eles as lágrimas e os cavalheiros fingiam que assoavam para enxugá-las, o grande Vico, entre soluços estertóricos e frases entre-cortadas de agonia, estava dando a ele, ao apontador, umas tarefas para a conta-doria. O que precisa é saber fazer chorar!

Sim; aquele que num conto, como num drama, sabe fazer chorar ou rir, pode nele dizer o que lhe apetecer. O público, quando chora ou quando ri, não se inteira. E o herói de meu conto tinha a perniciosa e petulante mania de que o público — seu público, é claro! — se inteirasse do

que ele escrevia. Haja visto pretensão semelhante!

Permita-me o leitor que interrompa um momento o fio da narração de meu conto, faltando ao preceito literário da impessoalidade do contista (veja a Cor-respondance de Flaubert, em qualquer de seus cinco volumes Oeuvres comple-tes, Paris, Louis Conard, libraire-éditeur, MDCC-CXX), para contestar essa pretensão ridícula do herói de meu conto de que seu público se interesse pelo que ele escreve. É que não sabia que a maioria das pessoas lê para não se in-teirar? Fartos estão cada um com suas próprias penas, seus próprios pesares e cavilações para que venham lhes enfiar outras! Quando eu, de manhã, à hora do chocolate, pego o jornal do dia, é para me distrair, para passar o tempo. E conhe-cido é o aforismo daquele sábio granadino: “A questão é passar o tempo”; ao que outro sábio, bilbaíno este, e que sou eu, acrescento: “Mas sem adquirir compromis-sos sérios”. E não há meio menos comprometedor de passar o tempo do que ler o jornal. E se apanho um ro-mance ou um conto não é para que, por reação, suscite minhas profundas preo-cupações e minhas penas,

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senão para que me distraia delas. E, por isto, não me in-teiro do que leio, e até leio para não me inteirar...

Mas o herói de meu conto era um petulante que queria escrever para que se inteirassem e, é natural, assim não pode ser, não lhe resultava do que escrevia senão paradoxos.

Que é isto um paradoxo? Ah!, eu não sei, mas tam-pouco sabem os que falam deles com certo desdém, mas ou menos fingido; mas nos entendemos, e basta. E precisamente o chiste do paradoxo, como o do hu-mor, firma-se somente em haver quem fale deles e sai-bam o que são. A questão é passar o tempo, sim, mas sem adquirir compromissos sérios; e que compromisso sério se adquire acusando algo de paradoxo, sem saber o que ele seja, ou tachan-do-o de humorístico?

Eu, que como o herói do meu conto, sou também he-rói e catedrático de grego, sei o que etimologicamente quer dizer isto de paradoxo: Da preposição para, que in-dica lateralidade, o que vai ao lado ou se desvia, e doxa, opinião, e sei que entre pa-radoxo e heresia há apenas diferença; mas...

Mas o que tem tudo isto

a ver com o conto? Volte-mos, pois, a ele.

Havíamos deixado nosso herói — começando sendo-o meu e já é teu, leitor amigo, e meu; isto é, nosso — com os cotovelos sobre a mesa, com os olhos fixos nas folhas brancas, etc. (veja a descrição precedente) e dizendo para si: “Bem, sobre que escrevo eu agora?...”

Isto de pôr-se a escrever, não precisamente porque se tenha encontrado assun-to, senão para encontrá-lo, é uma das necessidades mais terríveis a que se veem expostos os escrito-res fabricantes de heróis, e, por conseguinte, heróis eles mesmos. Por que qual é o heroísmo supremo, senão criar heróis, cantá-los? É o herói quem cria seu cria-dor, opinião que mantenho muito brilhante e profun-damente em minha Vida de Don Quixote e Sancho, segundo Miguel de Cervan-tes Saavedra, Madri, librería de Fernando Fe, 1905 — e isto sirva, de passagem, como propaganda —, obra na qual sustento que foi Dom Quixote aquele que criou Cervantes e não este a aquele. E a mim quem me criou, pois? Neste caso, não cabe dúvida que foi o herói do meu conto. Sim, eu não sou senão uma fantasia do

herói de meu conto.

Prossigamos? Por mim, leitor amigo, até onde você quiser; mas temo que isto se converta no conto que nunca há de acabar. E assim é a vida... Ainda que não! Não! A vida se acaba.

Aqui seria uma boa oca-sião, com este pretexto, para dissertar sobre a brevidade desta vida perecedora e a vanidade de seus êxitos, o que daria a este conto um certo caráter moralizador que o elevaria além do ní-vel destes outros contos vul-gares que só servem para divertir. Porque a arte deve ser edificante. Vou, portanto, acabar com uma

Moral da história. Tudo se acaba neste mundo mi-serável: Até os contos e a paciência dos leitores. Não vou, pois, abusar.

Fonte: http://www.scribd.com/doc/6808126/Unamu-no-Miguel-de-Tres-Cuentos

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Miguel de Unamuno y Jugo (29 de Setembro de 1864 – 31 de Dezembro de 1936) foi um poeta e filósofo espanhol.

Nasceu em Ronda del Casco Viejo (Bilbau) e faleceu em Sa-lamanca. Considerado a figura mais completa da Generación del 98, um grupo constituído por nomes como Antonio Machado, Azorín, Pío Baroja, Ramón del Valle-Inclán, Ramiro de Maetzu, Angel Ganivet, entre outros.

Estudou na universidade de Madrid onde tirou o curso de Filosofia e Letras e mais tarde obteve a cátedra de grego na Universidade de Salamanca. Dez anos depois foi nomeado reitor da universidade salmantina.

Foi conhecido também pelos sucessivos ataques à monarquia de Afonso XIII de Espanha. De 1926 a 1930 viveu no exílio, primeiro nas Ilhas Canárias e depois em França, de onde só voltou depois da queda do gene-ral Primo de Rivera. Mais tarde o General Francisco Franco afastou-o novamente da vida pública, devido a críticas duras feitas ao General Millán Astray, acabando por passar os seus últimos dias de vida numa casa em Salamanca.

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Miguel_de_Unamuno

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teoria Literária

Maristela Scheuer Deves

Física como matéria-prima para o suspense

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Seja sincero: alguma vez, durante uma aula de física, você pensou que aquele conteúdo que o professor explicava lá na frente e que por vezes parecia impos-sível de entender poderia servir de base para um romance de suspense? A resposta, muito provavel-mente, é não.

Eu, tampouco, cheguei a cogitar tal coisa. Assim, quando vi a capa do livro A última teoria de Eins-tein numa banca da Feira do Livro de Caxias do Sul, onde moro, ele não atraiu minha atenção. O título e as fórmulas matemáticas na capa deram-me a impressão de que se tratava de um livro teórico.

Mas quando o livreiro, meu conhecido, indicou-me sua leitura, resolvi dar à obra o ônus da dúvida e folheá-lo. Foi o bastante para mudar minha opinião: o livro valia a pena ser comprado e lido. Essa nova impressão se confirmou durante os dias de leitura, pois a obra é um thriller de muito suspense, mesclado com o mundo dos pesqui-sadores e do terrorismo (e uma pitada de romance).

A trama de A última teoria de Einstein, do escri-tor Mark Alpert (editado no

Brasil pela editora Agir, 388 páginas, preço aproximado de R$ 40), gira em torno da Einheitliche Feldtheorie, ou teoria do tudo, um conjun-to de equações explicando todas as forças da natureza que Albert Einstein teria descoberto - mas não teria revelado por medo de que ela fosse usada para criar armas ainda mais poderosas do que a bomba atômica.

Apenas três cientis-tas que trabalharam com Einstein sabem dessa teoria, e agora eles estão sendo mortos, um a um. O último, antes de morrer, revela a existência da teoria a seu ex-pupilo David Swift, um professor universitário que, a partir de então, passa a ser perseguido pelo FBI e por um matador implacá-vel.

Com estilo semelhante a O Código Da Vinci, A última teoria de Einstein é de certa forma mais con-vincente, talvez pela mescla com o mundo da física e da matemática.

Uma leitura que prende do início ao fim - mesmo enquanto os personagem discorrem sobre física.

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a boa Literatura é fabricada

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58 SAMIZDAT dezembro de 2009

recomendação de Leitura

Carlos Davissara

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Confesso nunca ter dado muito crédito à obra de Jorge Amado. Não por qualquer moti-vo mais relevante, mas, simplesmente, por puro preconceito de alguém que não conseguia enxer-gar nenhum ponto atrati-vo em títulos como “Tieta do Agreste” ou “Gabriela, Cravo e Canela”.

E o que maturidade não faz conosco? Hoje, com meus quase 30 anos de idade (nem tão madu-ro assim), resolvi superar meu antigo preconceito juvenil da maneira mais óbvia possível: lendo o que Jorge Amado escre-veu.

Eis que me surge “A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua”, escrito em 1959. E, já no prefácio, encontro pala-vras intimistas de Viní-cius de Moraes, dizendo que a novela em ques-tão trata-se da melhor na literatura brasileira. Opiniões à parte, o que se deve levar em conta é a franqueza até mes-mo comprometedora da afirmação, que deixa para trás obras de outros grandes novelistas. Mas, sendo Vinícius de Mora-es um dos mais respei-

tados nomes da cultura artística de nosso país, há que se dar mínimo crédi-to ao que escreveu e, sem dúvida, chega-se à con-clusão de que a novela de Jorge Amado é, ao menos, digna de ser lida.

Tendo um ou outro deslize na técnica (quase imperceptíveis), a escri-ta de Amado se mostra aconchegante, acalen-tadora, transparecendo algo que remete a certa inocência de tempos idos do Brasil. Ao leitor, fica a agradável experiência de ler uma história que flui sem rebuscamentos, com diálogos divertidos e personagens de uma con-quistadora malandragem inocente.

O enredo trata das circunstâncias envolvidas na morte de Joaquim Soa-res da Cunha, também chamado Quincas Berro Dágua. Através de dois blocos de personagens principais, são confron-tadas distintas versões para a morte do defunto-protagonista. Há o grupo da família sanguínea, o qual insiste na morte tranquila e formal de Joaquim Soares. Enquanto que o grupo da “família mundana”, representado

por tipos caricatos dos subúrbios baianos, defen-de a tese de que Quincas morreu entregue às águas do mar, num cenário de lua e mistério.

Com pitadas de hu-mor irônico – lembrando Tolstoi em seu “A Morte de Ivan Ilitch” – e repre-sentando uma deliciosa alma baiana que talvez nem mais exista – reme-tendo a “O Cortiço” de Aluísio de Azevedo –, Jorge Amado, sem dúvida, criou uma obra magnífi-ca que, como poucas, une prazer na leitura com qualidade literária.

Assim como na mor-te de Quincas, há quem concorde ou discorde da opinião de Vinicius de Moraes. A mim, a certeza que fica é que Jorge Amado foi um dos grandes escritores da literatura brasileira. E, se ainda ficar dúvidas no leitor sobre “A Morte e a Morte de Quincas Berro Dágua”, cabe uma última reflexão sobre a frase derradeira de Quincas, segundo Quitéria que estava ao seu lado: “Cada qual cuide de seu enterro, impossível não há”.

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recomendação de Leitura

Giselle Sato

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Crepúsculo

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Crepúsculo

(Twilight -2008)

O filme começa com um clima normal, uma adolescente como qual-quer outra, Isabella Swan (Kristen Stewart) se muda para Forks, uma cidade pequena, nublada e chu-vosa, perto do estado de Washington. A razão da mudança, é o novo casa-mento da mãe, com um jogador de baseball da se-gunda linha. E a vontade da mesma, de viajar com o marido, o que não po-deria fazer, morando com Bella. A reaproximação com o pai, a escola onde é o centro da atenções e o reencontro com o ami-go índio, dão um enfoque inicial bem tranqüilo.

O que Bella não con-tava, era com o fascínio que uma estranha famí-lia, causa em seu mundo tímido e triste. Os Cullen, são um grupo de jovens pálidos, lindos e arredios. Razão por si só, motivo de muita curiosidade. Em especial, o mais jo-vem dos irmãos, Edward Cullen (Robert Pattin-son), um garoto de uma beleza e magnetismo,

atordoantes e irresistíveis. Depois ela descobre que ele é um vampiro, e se desenrola um romance, o grande mote da historia.

Eis a sinopse do filme, com pitadas de situações onde a jovem é salva pelo amado e todas as informações aprendidas nos antigos filmes sobre vampiros. Quem assistiu Entrevista com vampiro, Harry Potter, Van Hen-sing e outros, sabe muito bem do que estou falan-do. Sobreviver com san-gue humano ou animal? Resistir à sede e lutar contra os maus da espé-cie ou dar vazão a todo poder e ferocidade? Um bom fã de vampiros, co-nhece de cor e salteado. Então, o que tornou uma série, escrita em 2005 por uma escritora novata, um fenômeno? Vamos entrar neste universo sobrenatu-ral...

Se tratando de um primeiro episódio de uma série, esse é um filme mais completo, com um início, meio e fim. A história, para muitas ado-lescentes, é linda, maravi-lhosa e romântica.

Romeu e Julieta do século 21, cenários lindos e a realização dos sonhos de qualquer mortal: Viver a emoção de um imortal, escalando arvores altís-simas, vendo o mundo sob um ângulo completa-mente diferente. E é claro, não podemos esquecer: A dor do amor frustrado, proibido, entre uma hu-mana e um vampiro.

Ele representa o pe-rigo, ela é uma garota diferente, que não teme o desconhecido. Estão tão envolvidos, que precisam lutar contra as inquie-tações desconcertantes, tão comum aos jovens e aprender a controlar seus impulsos.

Bella, aos dezessete anos, é a mistura perfeita de pureza e libido.

Edward tem sede, não de sexo, mas do sangue da amada. Querem situ-ação mais erótica e pro-vocante? Muitas cenas, insinuam um beijo que nunca acontece... E envol-vem o publico em uma torcida apaixonada.

Enquanto isso, sensu-alidade, paisagens belís-

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simas, efeitos especiais, romance e fantasia in-teragem. Não foi à toa que o filme virou febre e conquistou altíssimas bilheterias. Devo admitir que o filme é delicioso e por alguns minutos, senti vontade de ter todos aqueles poderes. Quem não sentiria? Impossível resistir...

E é claro, encontrar um vampiro tão encantador quanto Edward, persona-gem que Stephenie Meyer, a autora, construiu em uma trama de extraor-dinário suspense e que marcou sua estréia lite-rária.

Vale citar que seus livros já venderam mais de 25 milhões de copias e foram traduzidos em 37 idiomas. A saga é contada em quatro livros, e o segundo volume, Lua Nova, já estreou nos cine-mas. Posso adiantar que neste filme, Jacob Black , o amigo índio de Bella e que já deixou indícios, de ser um lobisomem, tem grande destaque na tra-ma.

Crepúsculo vale a pena ser assistido, por todas

as razões acima citadas e principalmente porque foi feito para entreter.

Por alguns minutos, deixe a realidade lá fora, e no escurinho do cine-ma... Liberte o jovem den-tro de si e deixe-se levar pela magia.

“Quando a vida lhe ofe-rece um sonho muito além de todas as suas expectati-vas, é irracional se lamen-tar quando isso chega ao fim”

(trecho do livro)

Diretor: Catherine Har-dwicke

Roteiro: Melissa Ro-senberg

Com: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Billy Burke, Ashley Greene, Nikki Reed, Kellan Lutz e Taylor Lautner.

Autora: Stephenie Meyer formou-se em lite-ratura inglesa na Brigham Young University. Sobre este romance (Crepús-culo), ela diz: “Sempre

admirei a capacidade de alguns escritores de criar situações de fanta-sia impossíveis e depois acrescentar personagens que são tão profunda-mente humanos que suas perspectivas tornam a situação real. Espero que Crepúsculo proporcione a mesma experiência a seus leitores”. A escritora mora com o marido e três filhos em Glendale, no Arizona.

Descrição da Saga:

Crepúsculo: O início da saga de Isabella Swan desde sua chegada a cida-dela de Forks e a desco-berta de sua paixão pelo vampiro Edward Cullen no best-seller mais cultu-ado da atualidade. - 416 páginas

Lua Nova: Para Bella Swan, há uma coisa mais importante do que a pró-pria vida: Edward Cullen. Mas estar apaixonada por um vampiro é ainda mais perigoso do que ela poderia ter imaginado. Edward já resgatara Bella das garras de um mostro

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cruel, mas agora, quando o relacionamento ousa-do do casal ameaça tudo o que lhes é próximo e querido, eles percebem que seus problemas po-dem estar apenas come-çando... Em Lua Nova, Stephenie Meyer nos dá outra combinação ir-resistível de romance e suspense com um toque sobrenatural. - 480 pági-nas

Eclipse: Enquanto Se-attle é assolada por uma sequência de assassinatos misteriosos e uma vampi-ra maligna continua em sua busca por vingança, Bella está cercada de ou-tros perigos. Em meio a isso, ela é forçada a esco-lher entre seu amor por Edward e sua amizade com Jacob - uma op-ção que tem o potencial para reacender o conflito perene entre vampiros e lobisomens. Com a pro-ximidade da formatura, Bella vive mais um dile-ma: vida ou morte. Mas o que representará cada uma dessas escolhas?- 464 páginas

Amanhecer: Na aguar-dada conclusão da saga Crepúsculo Bella se vê a frente da difícil decisão da escolha fatal entre fazer parte do obscuro, mas sedutor, mundo dos imortais ou seguir uma vida totalmente humana. Escolha essa, que poderá significar a transforma-ção do destino dos dois clãs: vampiros e lobiso-mens. Assombroso e de tirar o fôlego, Amanhecer esclarece os mistérios e os segredos desse fasci-nante épico romântico que tem arrebatado mi-lhões de leitores. - 576 páginas

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Henry Alfred Bugalho

um vestido rosa, tabue um fenômeno de intolerância coletiva

Crônica

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um vestido rosa, tabue um fenômeno de intolerância coletiva

Todos os anos, em janeiro, no auge do inverno nova-iorquino, centenas de pessoas se reunem para uma estra-nha brincadeira: entrar no metrô sem calças. Na parte de cima, homens e mulheres vestem o que habitualmente usam, paletó, blusa, casaco, ou moletom, no entanto, na parte de baixo, somente cue-cas e calcinhas, com pernas à mostra.

Da primeira vez que vi isto ocorrer, causou um certo estranhamento, mas, no metrô lotado, eu era o único que parecia estar no-tando algo de errado. Todos os demais nova-iorquinos ignoravam, ou fingiam igno-rar, a ausência das calças em alguns passageiros. Era como se fosse um dia corriqueiro, como qualquer outro.

Semana passada, no East Village, um homem, vestido de mulher, corria em círculos com uma rena de pelúcia em mãos. A maioria das pessoas simplesmente passava por ele, fingindo não vê-lo, apenas um ou outro dava uma risa-dinha, ou parava para tirar uma foto

Se era um louco, pouco importa, o extraordinário era a reação das pessoas, a indiferença delas.

O mote dos EUA, arrotado aos quatro ventos, é liber-dade. Em vários aspectos, é

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uma lema puramente retó-rico, para justificar invasões ao Iraque ou Afeganistão, mas em outros, é de fato o ideal pelo qual os americanos vivem: liberdade acima de tudo.

Para um americano, pouco importa como você se veste, o que você faz, com quem você anda, o que você come. Cada um é responsável por seus próprios atos, livre para fazer suas próprias escolhas e ninguém tem nada a ver com isto. Ninguém.

Isto não significa que não haja preconceitos, mas externá-los chega a ser quase antiético.

Como os americanos re-agiriam a uma universitária desfilando com um vestido rosa curtíssimo?

Difícil dar uma resposta categórica, mas talvez com a mesma indiferença com que tratam os passageiros sem calças no metrô, ou o louco trajado de mulher na Astor Place, com indiferença, com naturalidade.

E é neste momento em que revelamos toda nossa hipocrisia, nosso atraso, nossa moralidade retrógrada.

Estamos tão habituados à exposição do corpo, à reifi-cação da mulher e do sexo, no baile funk, no carnaval, no fio dental na praia, no

concurso “Menina da Laje”, na protagonista da novela posando para a “Playboy”, na imagem do corpo vendida e veiculada em todos os outdo-ors, nas revistas, na TV, nos jornais de quinta.

Consumimos a todo o momento o culto ao corpo, ao sexo, à beleza a qualquer custo e, ao mesmo tempo, pa-radoxalmente, repudiamo-lo quando se apresenta fora dos meios onde ele é convencio-nalmente aceito.

Talvez sejam os tabus, estas normais sociais que regulam o permitido e proi-bido, que estejam no cerne desta questão, que expliquem porque aceitaríamos a Geyse e seu vestido rosa em certas circunstâncias, mas a repu-diariamos em outras.

Mas nada é tão simples, e tabus não explicariam porque milhares de alunos, supostamente esclarecidos, posto que estão numa Uni-versidade, se reuniriam para insultar uma colega, apenas por causa do que ela veste. Se tabu, ou machismo, pode estar na origem do ocorri-do, as proporções do evento sugerem outro fator.

“Eu comecei a gritar, mas nem sabia o que estava acon-tecendo. Foi engraçado”, disse um estudante da UniBan, numa das reportagens que assisti. O ser humano, como

uma criatura social, tende a reproduzir os atos dos seus pares como estratégia de sobrevivência: se a maioria faz, então deve ser o melhor a ser feito. Enquanto que este comportamento se justifica em várias ocasiões e nos aju-da coletivamente, em muitas situações apenas reforça uma injustiça.

No livro “A Sabedoria das Multidões”, há um exemplo esclarecedor - uma mulher que deseja se suicidar jogan-do-se de uma ponte causa um enorme congestionamen-to. Algumas pessoas, para se livrarem logo deste incômo-do, começam a gritar, “Pula! Pula!”. Em pouco tempo, cen-tenas de motoristas nervosos reforçam o coro e a mulher se joga para a morte.

Duvido que qualquer uma daquelas pessoas, individual-mente, desejasse a morte da mulher, mas coletivamente, de modo errôneo, os moto-ristas julgaram que, se ela se jogasse logo no rio, o tráfego seria normalizado.

Às vezes, precisamos nos esconder sob a máscara da coletividade para expormos nossa intolerância. Somente assim, sentimo-nos seguros para demonstrar a nossa profunda ignorância.

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Volmar Camargo Junior

Eu também quero meu Septilhão!

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Eu também quero meu Septilhão!

Dia desses, um certo cidadão americano chamado Dalton Chiscolm entrou com uma ação na justiça, pedindo uma indenização ao banco onde é correntista, o Bank of America, alegando que foi mal atendido. O valor pedido por ele por conta da cara feia (e, talvez, por causa das deze-nas de tarifas cobradas pelo banco, ou porque o cafezinho tinha gosto de meia suja) é o número mais absurdo que já se ouviu falar

US$ 1.784.000.000.000.000.000.000.000,00 (ou, um septi-lhão e pouco de dólares)(¹)

Quem pode com um tro-ço desses?

É óbvio que não existe di-nheiro o suficiente no mun-do pra pagar o cara. Ainda que algum juiz fosse levar o cara a sério (é só uma supo-sição, ok?), como seria pos-sível indenizá-lo? Eu tenho aqui minhas sugestões:

1º - entregar a ele uma escritura pública do plane-ta Saturno, incluindo o anel recém-descoberto, já que dizem que ele poderia cir-cundar bilhões de planetas iguais à Terra;

2° - entregar uma escri-tura pública do ex-planeta Plutão, já que agora ele caiu para a segunda divisão do sistema solar, estaria livre de pagar o IPTU. Mas seria preciso fazer isso antes que o MST tomasse conta do pla-netóide, alegando que se trata de propriedade improdutiva.

3º - pagá-lo com relíquias católicas medievais. Dizem que com a quantidade de ossos de Jesus Cristo surgidos nas igrejas da idade média - que cobravam “uma pequena quantia” para que os pere-grinos os vissem, tocassem ou mesmo, levassem uma lasquinha para casa - dava para dar uma volta inteira ao redor de Roma.

4º - entregar a ele o baú do mago Paulo Coelho, de onde saíram todas as verda-des e provas de seus contatos extraplanares e extraterres-tres.

5º - pagá-lo com a hi-poteca das usinas de bene-ficiamento de urânio e as indústrias de armamento de destruição em massa que os americanos encontraram no Iraque.

Com uma dessas alterna-tivas, seria bem provável que o cara ficasse bem satisfei-to. Só não ia conseguir que os bancos melhorassem o atentimento. Afinal, o que lhes interessa são números. Grandes números.

Nova Yorkpara Mãos-de-VAca

GUIAHenry Alfred Bugalho

O Guia do Viajante Inteligente

www.maosdevaca.com

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70 SAMIZDAT dezembro de 2009

Carlos Davissara

iminente (poema blavino)Poesia

Peça

Eu sei, amor,

que queres mais

Atrás, à frente, não importa

Se quiseres, peça, e eu digo mais

Sem compaixão, sem dó ou remorsos

Direi-te o que há cravado na garganta há tempos

E não transforme lágrima em reforços!

Assim, garanto que não volto atrás

e trago-te a verdade morta

Vai continuar, vai,

doce flor?

Peça!

http://www.flickr.com/photos/yeyito/96304435/sizes/l/

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Carlos Davissara

Wellington Souza

desejoecastidade

Passo os dedos em tua boca

e abro-a – entreabro,

como se pudesse te fazer pedir.

Passas os dedos em meus olhos

e fecha-os como a um cadáver querido

mas não podes me fazer sonhar.

Há a demanda insatisfeita.

Há a oferta insatisfatória.

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72 SAMIZDAT dezembro de 2009

Volmar Camargo Junior

Laboratório Poético: indrisosPoesia

[córrego por onde escorre o tempo]

córrego por onde escorre o tempo

sentença tornada gelo

lago vazio de perguntas

só um dique, ora seco, ora raso

ora transbordando

comportaria essas águas todas

essas correntes às vezes caudalosas

não raro somem sem razão nenhuma

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Laboratório Poético: indrisos

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[um barco deixou aqui uma caixa]

um barco deixou aqui uma caixa

depois, deixou o barco o porto

deixou, pois, p’ra trás, o horizonte

choveu, e a chuva manchou a caixa

deixei os nomes e a tinta irem p’ra junto d’água

não vi para quem era, nem de que se tratava

ventou e o vento trouxe o barco de volta

deixei o chão, o porto, a caixa, a tinta, e fui embora

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74 SAMIZDAT dezembro de 2009

Ju Blasina

Poesia

Os muros são tantos

Obstáculos intransponíveis

A dividir a estrada

E nós — Tão poucos

Impedidos de proferir

Impelidos a prosseguir

A alta escalada

Apta a transcender

Esta plástica realidade

Ah, se nós fôssemos tantos

Quanto são os sonhos que ousamos ter (?)

Ah, se fôssemos tão fortes

Quanto é o medo que nos faz oprimir (?)

Que nos tenta abater

Ah, se fôssemos mais altos

Que os obstáculos

Que nos levam a cair

Não haveria muro

Capaz de suportar

Tamanha vontade

E a realidade (?)

Seria nova

Seria nossa (?)

Seria nada

*Nota da autora: poesia inspirada nos 20 anos da queda do muro de Berlim, com-pletos em 09/11/09.

http://www.flickr.com/photos/roozbeh11/2307922735/sizes/l/

Poesia: Contra o muro

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Poesia: Contra o muro

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Escuro

O bom de se apagar a luz

permanecer em total escuridão

-e nada se ver-

é que acende a luz da cabeça

brilham os olhos, como faróis,

aí posso voar para qualquer estrela

pois além da minha cabeça

só elas estão acesas, e o meu coração,

e voo cada vez mais alto

sou tragado pela leveza e calmaria do vento e oceano

e quando a luz torna a acender

apaga-se a luz da cabeça

e tudo volta ao normal

Assim, sem nada para ver.

Guilherme Augusto Rodrigues

Poesia

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76 SAMIZDAT dezembro de 2009

Alguns desejos são traídos pela lógica,

outros, conquistados pela inocência.

Todos atraídos pela vontade de ontem.

Em cômodos, estes pecados se travestem,

incômodos trazidos por meias promessas.

Tolos pactos impregnados de noite.

Por fim, alças caem dentro de trapaças.

E orgasmos surgem no auge da mentira.

Léo Borges

Poesia

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Lascívias viáveis

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Lascívias viáveis

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A vida é feita de sonhos,

que vêm e vão

Vêm com esperança, vão com desilusão.

Mas a semente fica, embora o sonho morreu;

Mas a semente fica, esperando a chuva

que de algum lugar virá

Que de algum lugar virá, antes que seja tarde

Antes que a semente

morra também.

Maristela Scheuer Deves

Poesia

Só a semente

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78 SAMIZDAT dezembro de 2009

SOBRE OS AUTORES DA

SAMIZDAT

Henry alfred BugalhoFormado em Filosofia pela UFPR, com ênfase em

Estética. Especialista em Literatura e História. Autor de quatro romances e de duas coletâneas de contos. Editor da Revista SAMIZDAT e um dos fundadores da Oficina Editora. Autor do livro best-selling “Guia Nova York para Mãos-de-Vaca”. Mora, atualmente, em Nova York, com sua esposa Denise e Bia, sua cachor-rinha.

[email protected]

Edição, diagramação e capa

Volmar Camargo JuniorInconformado com a própria inaptidão para di-

zer algo sem ser através de subterfúgios, abdicou de parte de suas horas diárias de sono, tentando domar a sintaxe e adestrar a semântica. Depois de perambu-lar pelo Rio Grande do Sul, acampou-se na brumosa, fria, úmida, às vezes assustadora – mas cercada por um cenário natural de extrema beleza – Canela, na Serra Gaúcha. Amargo e frio, cálido e doce, descen-dente de judeus poloneses, ciganos uruguaios, indí-genas missioneiros, pêlos-duros do Planalto Médio, é brasileiro, gaúcho, e, quando ninguém está vendo, torcedor do Grêmio Futebol Porto-alegrense. Autor dos blogs “Um resto de café frio” e “Bah!”.

[email protected]://recantodasletras.uol.com.br/autores/vcj

Edição de imagens

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Léo BorgesNasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor

público e amante da literatura. Formado em Comu-nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas “Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.

Revisão

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mariana VallePor um amor não correspondido, a carioca de

Copacabana começou a poetar aos 12 anos. Veio o beijo e o príncipe virou sapo. Mas a poesia virou sua amante. Fez oficina literária e deu pra encharcar o papel com erotismo. E também com seu choro. Em reação à hipocrisia e ao machismo da sociedade. Atuou como jornalista em várias empresas, mas foi na TV Globo onde aprimorou as técnicas de reda-ção e ficção. E hoje as usa para contar suas próprias histórias. Algumas publicadas em seu primeiro livro e outras divulgadas nos links listados em seu blog pessoal: www.marianavalle.com

Assessoria de imprensa

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Giselle SatoAutora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-

rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine apenas como uma contadora de histórias carioca. Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes, funcionando como um eficiente panorama da socie-dade em que vivemos.

Wellington SouzaPaulistano, mas morou também em Ribeirão Preto,

onde cursou economia na Universidade de São Pau-lo. Hoje, reside novamente no bairro em que nasceu. Participou das antologias do concurso Nacional de Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas de Ga-veta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e ensaios literários em um blog (Hiper-link), na revista digital SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária. “Escrever é um modo de ser outro ser”.

dênis mouraPaulistano de pia, cearence de mar e poeta de

amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberes-paço, mais com bits de imaginação que com telescó-pios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social, com a democracia participativa eletrônica, onde o povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias sua primeira obra, um Romance de Ficção Científi-ca, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É feito de bits, links e teia pra que não desmaterialize, o clique, o blogue e o leia!

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Colaboração

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Jú BlasinaGaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar

a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como estudante de letras, de onde obterá mais papéis para aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher (Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas virtuais, além de projetos secretos sustentados à base de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.

Carlos davissaraPaulistano, filho de nordestinos, desenhista desde

sempre, artista plástico formado, escritor. Começou sua vida profissional como educador e, desde então, já deixou seu rastro por ONG’s, Escolas e Centros Culturais, através de trabalhos artísticos e pedagó-gicos – experiências que têm forte influência sobre seus escritos. Atualmente, organiza oficinas de ilus-tração para crianças, estuda pós-graduação em Histó-ria da Arte e escreve para publicações na internet.

[email protected]://desnome.blogspot.com

maristela devesGaúcha nascida na pequena cidade de Pirapó, co-

meçou a sonhar em ser escritora tão logo aprendeu a ler. Escreve principalmente contos nos gêneros mis-tério, suspense e terror, além de crônicas. Mantém ainda o blog Palavra Escrita, sobre livros e literatura (www.pioneiro.com/palavraescrita).

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Joaquim BispoEx-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-

dor, licenciado recente em História da Arte, experi-menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.

[email protected]

Guilherme rodriguesEstudante de Letras na Universidade do Sagrado

Coração, em Bauru, onde sempre morou. Procura reinventar o mundo a seu modo, seja belo ou grotes-co, e assim mostrar um novo caminho. Admirador das coisas mais simples e belas do mundo e da vida, busca expressar essas sublimes minúcias em suas poesias. Não dispensa o café da tarde com pãezinhos. Apaixonado por Línguas, Literatura e Linguística.

Caio rudáBahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda

Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera um dia entender o ser humano. Enquanto isso não

acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,

reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas como consolo, um potencial asseverado pela mãe.

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Barbara DufflesJornalista, escritora e roteirista, é autora do livro

“Não Abra” e do blog “Não Clique”. Apesar das nega-tivas, esta carioca quer, sim, ser lida - como todo es-critor. Tem dias de conto, de crônica e de pílulas sem sentido. Suas paixões: cinema e livros com cheiro de novo - se bem que adora se perder nos sebos da vida.

José Guilherme VerezaPublicitário, redator, executivo, professor, aluno, marido,

pai, filho, cunhado, tio, sobrinho, genro, sogro, amigo, bota-foguense, tijucano, lebloniano, neopaulistano, escritor, leitor, eleitor, metido a cozinheiro, guloso, nem gordo nem magro, motorista categoria B, pedestre, caminhante, viajante, seden-tário, telespectador, pilhado, zen, carnívoro, beatlemaníaco, cinemeiro, desafinado, sinfônico, acústico, capricorniano, calorento, alérgico a ditaduras, sonhador, delirante, insone, objetivo, subjetivo, pragmático, enérgico, banana, introspec-tivo, extrovertido, goleiro, blogueiro, colunista do Bolsa de Mulher, colaborador do Mundo Mundano, tem livro publi-cado, conto premiado, teve texto encenado no teatro, fez ro-teiros para televisão, criou uma infinidade de comerciais e aprendeu que aproveitar a vida intensamente é ser de tudo um muito. Samizdat é seu mais recente energético..

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Também nesta edição, textos de

Barbara Duffles

Caio rudá

Carlos davissara

dênis moura

Giselle Natsu Sato

Henry alfred Bugalho

Joaquim Bispo

José Guilherme Vereza

Jú Blasina

Léo Borges

mariana Valle

maristela deves

Volmar Camargo Junior

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