12
2020 Rogério Sanches Cunha 12 ª edição revista atualizada ampliada Manual de Direito Penal volume único Parte Especial (arts. 121 ao 361)

Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

2020

Rogério Sanches Cunha

12ª edição

revista atualizada ampliada

Manu

al d

e

Dire

ito

Pena

lv

ol

um

e ú

nic

oParte Especial

(arts. 121 ao 361)

Page 2: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

37

ÍNDICE DE PERGUNTAS

TÍTULO IDOS CRIMES CONTRA A PESSOA .................................................................................................. 43

5 Quando se inicia a vida extrauterina? .............................................................................................................. 47

5 Quando se inicia o parto? ..................................................................................................................................... 47

5 O agente que, sabendo ser portador do vírus HIV, oculta a doença da parceira e com ela mantém conjunção carnal, pratica qual crime? ............................................................................................ 50

5 A vingança é motivo torpe? ................................................................................................................................. 56

5 Pode figurar como vítima do feminicídio pessoa transexual? ................................................................. 66

5 De quem é a competência para o sumário da culpa no feminicídio?................................................... 68

5 O homicídio praticado contra guardas civis (municipais ou metropolitanos) está abrangido na qualificadora do inciso VII do § 2º do art. 121? ....................................................................................... 69

5 E o homicídio praticado contra agentes de segurança viária, está no âmbito da qualificadora? ....... 69

5 E quanto ao homicídio praticado contra agentes de polícia do Congresso Nacional, pode-se afirmar que atrai a qualificadora? ...................................................................................................................... 69

5 No caso de homicídio qualificado-privilegiado surge uma pergunta: o crime será hediondo? . 73

5 Quantas pessoas devem, no mínimo, integrar o “grupo” de extermínio ou a milícia privada? ... 74

5 Quando um grupo de extermínio (ou milícia privada) promove matança, os agentes respondem somente por homicídio majorado (art. 121, § 6º) ou em concurso com o delito de formação de tais grupos criminosos (art. 288-A)? ........................................................................................ 75

5 A conduta daquele que limpa arma carregada próximo de crianças, vindo, acidentalmente, a acioná-la e matar o infante, seria um caso de negligência ou imprudência? O médico responsável pela morte de seu paciente em consequência de uma intervenção cirúrgica que ele empreende sem perfeito domínio da técnica configura imperícia ou negligência? ................................................... 77

5 Que crime estaria caracterizado no caso daquele que induziu ou instigou o ofendido ao suicídio e no momento culminante do ato acabou interferindo na sua execução? ....................... 87

5 Existindo um sobrevivente, pergunta-se: foi ele (sobrevivente) quem abriu a válvula de gás? . 92

5 Para que incida a majorante do art. 127 do CP não é indispensável que o aborto se consume. Basta que a gestante sofra lesão grave ou que venha a morrer. Essa conclusão decorre do próprio texto da lei, que determina o acréscimo quando as lesões graves ou a morte constituem consequências do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo. Neste caso, o agente responderá por tentativa de aborto qualificado? Seria uma exceção à regra de que não cabe tentativa em crime preterdoloso? .................................................................................................. 107

5 Tratando-se de vítima mulher, não fica dúvida de que, na hipótese do § 10, a ação penal é pública incondicionada. Já nas demais (§§ 9º e 11), havendo lesões somente leves, a discussão era inevitável: considerando que foi a Lei 9.099/95 que alterou, nesses casos, o tipo de ação penal, passando de incondicionada para condicionada; considerando, porém, que o art. 41 da Lei 11.340/2006 proíbe aos crimes contra a mulher, no ambiente doméstico e familiar, a aplicação dos dispositivos da citada lei (Lei 9.099/95), qual, afinal, o tipo de ação penal? ............... 133

Page 3: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

43

Título I

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA1

CAPÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A VIDA

1. INTRODUÇÃO

Dos crimes contra a pessoa, destacam-se aqueles que eliminam a vida humana, conside-rada o bem jurídico mais importante do homem, razão de ser de todos os demais interesses tutelados, merecendo inaugurar a parte especial do nosso Código. É evidente que essa co-locação não implica o estabelecimento de hierarquia entre as normas incriminadoras, mas serve para extrair a importância do capítulo.

A vida será tratada nesse tópico tanto na forma intra (biológica) quanto extrauterina, resguardando-se, desse modo, o produto da concepção (esperança de homem) e a pessoa humana vivente.

No art. 121 temos etiquetado o homicídio2 (ação de matar uma pessoa, voluntária ou involuntariamente), seguido do delito de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação (eliminação da própria existência). Este dispositivo (art. 122) foi alterado pela Lei 13.968/19, nele incluindo as condutas de induzir ou instigar a automutilação, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique. Estas condutas recentemente incluídas, obviamente, não tutelam a vida, mas incolumidade pessoal.

No art. 123 pune-se o assassínio de um recém-nascido, praticado pela própria mãe, agindo esta sob influência do estado puerperal (infanticídio). Todos os tipos, até o momen-to, preocupam-se apenas com a vida existente, palpável, extrauterina. Já nos artigos seguin-tes (124/127) foi tipificada como crime a interrupção dolosa de uma gravidez, destruindo o produto da concepção.

Vejamos, detalhadamente, as várias modalidades delituosas.

1. Dispõe o art. 59 da Lei 6.001/73 que no caso de crime contra a pessoa, em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade indígena, a pena será agravada de um terço.

2 O nosso Código Penal não incluiu o homicídio preterintencional entre os crimes contra a vida. Encai-xou-o, porém, no capítulo das lesões corporais, no seu art. 129, § 3º, sob o nome de lesão corporal seguida de morte, verdadeiro rodeio para traduzir o mencionado fato delituoso. Fazendo nossas as palavras do Prof. Olavo Oliveira: “Não batemos palmas ao critério adotado, endossando a crítica feita por Ferrão ao similar art. 361, § 2º, do Código lusitano [atual art. 147.1]. O crime, se resultou ou ocasionou a morte, é de homicídio, porque o mal material do crime é que lhe deve dar deno-minação. Portanto, é debaixo do título de homicídio que esta espécie devia ser encontrada, como praticaram na maior parte os Códigos modernos” (Homicídio preterintencional, Justitia, v. 8).

Page 4: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

44

Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

2. HOMICÍDIO

X Homicídio Simples

Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. X Caso de diminuição de pena

§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço).

X Homicídio qualificado§ 2º Se o homicídio é cometido:I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;II – por motivo fútil;III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel,

ou de que possa resultar perigo comum;IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne

impossível a defesa do ofendido;V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

X FeminicídioVI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino;VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integran-

tes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até 3º. grau, em razão dessa condição.

Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:I – violência doméstica e familiar;II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

X Homicídio culposo§ 3º Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

X Aumento de pena§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobser-

vância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pes-soa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.

§ 5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

§ 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou

portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;

Page 5: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

45

TíTulo I – Dos crImes conTra a pessoa Art. 121

III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;

IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006.

2.1. Considerações iniciaisNa busca do conceito de homicídio, trazemos a clássica definição de Nélson Hungria:

“O homicídio é o tipo central de crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada.”3.

É a injusta morte de uma pessoa (vida extrauterina) praticada por outrem (destruição da vida humana, por outro homem)4.

Prevê nosso Código várias modalidades do crime, a saber:a) doloso simples (caput);b) doloso privilegiado (§ 1º);c) doloso qualificado (§ 2º);d) culposo (§ 3º);e) culposo majorado (§ 4º, primeira parte);f ) doloso majorado (§ 4º, segunda parte, e § 6º).Em face do disposto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.072/90, é hediondo o homicídio

cometido em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por um só agente, e o homicídio qualificado.

O homicídio culposo, em razão da pena mínima prevista (um ano de detenção), per-mite que o agente se beneficie da suspensão condicional do processo, se cumpridos os demais requisitos do art. 89 da Lei 9.099/95. Permite também o acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP), impossível nas demais modalidades do crime. É que, para nós, os crimes violentos que não admitem o acordo são aqueles cuja violência está na conduta, e não no resultado. Por isso, insistimos, o ANPP cabe no homicídio culposo.

Vejamos as espécies delituosas.

3. Comentários ao Código Penal, v. 5, p. 25.4. O crime de genocídio tutela a diversidade humana e, por isso, tem caráter coletivo ou transindividu-

al, não atraindo, por si só, a competência do Tribunal do Júri. Ocorre que uma das formas de praticar genocídio, de acordo com o artigo 1º, “a”, da Lei 2.889/56, é por meio da morte de membros do grupo. Como se sabe, a competência constitucional para o julgamento de crimes dolosos contra a vida é do júri. Assim, o STF ao julgar o RE 351.487/RR sublinhou que havendo concurso formal entre genocídio e homicídio doloso, compete ao Tribunal do Júri da Justiça Federal o julgamento dos cri-mes de homicídio e genocídio, quando cometidos no mesmo contexto fático.

Page 6: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

46

Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

2.2. Homicídio simples

2.2.1. Sujeitos do crimeQualquer pessoa, isolada ou associada à outra, pode praticar o delito de homicídio,

não exigindo o tipo penal nenhuma condição particular do seu agente (crime comum).

Flávio A. Monteiro de Barros, transcrevendo na íntegra a lição de Euclides Cus-tódio da Silveira, nos traz interessante problema referente a crime praticado por xifópa-gos (irmãos ligados um ao outro, desde o apêndice xifoide até o umbigo). Apesar de magro o seu interesse prático, existe uma curiosidade teórica:

“Dado que a deformidade física não impede o reconhecimento da imputabilidade criminal, a conclusão lógica é que responderão como sujeitos ativos. Assim, se os dois praticarem um homicídio, conjuntamente ou de comum acordo, não há dúvida que respon-derão ambos como sujeitos ativos, passíveis de punição. Todavia, se o fato é cometido por um, sem ou contra a vontade do outro, impor-se-á a absolvição do único sujeito ativo, se a separação ci-rúrgica é impraticável por qualquer motivo, não se podendo ex-cluir sequer a recusa do inocente, que àquela não está obrigado. A absolvição se justifica, como diz Manzini, porque, conflitando o interesse do Estado ou da sociedade com o da liberdade indi-vidual, esta é que tem de prevalecer. Se para punir um culpado é inevitável sacrificar um inocente, a única solução sensata há de ser a impunidade.”5.

Flávio Monteiro, no entanto, discordando da conclusão dada ao caso, prefere en-sinar que o xifópago autor do crime deve ser processado e condenado por homicídio, inviabilizando-se, porém, o cumprimento da reprimenda, tendo em vista o princípio da intransmissibilidade da pena. Se, no futuro, o outro também vier a delinquir e a ser conde-nado, ambos poderão cumprir as respectivas penas.

O sujeito passivo é o ser vivo, nascido de mulher.6

A pena é aumentada de um terço se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos (§ 4º do art. 121, segunda parte, com redação dada pela Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso).

2.2.2. Conduta

A conduta típica consiste em tirar a vida de alguém (universo de seres humanos).

5. Crimes contra a pessoa, p. 12.6. Magalhães Noronha aponta, ainda, o Estado como vítima do crime de homicídio, justificando existir

“um interesse ético-político do Estado na conservação da vida humana, como condição de vida e desenvolvimento do conglomerado social ou do povo politicamente organizado, ou, ainda, como condição de sua própria existência.” (Direito penal, v. 2, p. 17).

Page 7: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

47

TíTulo I – Dos crImes conTra a pessoa Art. 121

5 Quando se inicia a vida extrauterina?

A vida extrauterina de um indivíduo começa com o início do parto.

5 Quando se inicia o parto?

A doutrina é divergente. Fernando Capez, ao tratar do tema, cita alguns posiciona-mentos:

“Alfredo Molinario entende que o nascimento é o completo e total desprendimento do feto das entranhas maternas. Para Soler, inicia--se desde as dores do parto. Para E. Magalhães Noronha, mesmo não tendo havido desprendimento das entranhas maternas, já se pode falar em início do nascimento, com a dilatação do colo do útero.”7.

Diante da indisfarçável controvérsia, seguimos a lição de Luiz Regis Prado:

“Infere-se daí que o crime de homicídio tem como limite mínimo o começo do nascimento, marcado pelo início das contrações ex-pulsivas. Nas hipóteses em que o nascimento não se produz espon-taneamente, pelas contrações uterinas, como ocorre em se tratando de cesariana, por exemplo, o começo do nascimento é determinado pelo início da operação, ou seja, pela incisão abdominal. De seme-lhante, nas hipóteses em que as contrações expulsivas são induzidas por alguma técnica médica, o início do nascimento é sinalizado pela execução efetiva da referida técnica ou pela intervenção cirúr-gica (cesárea)” 8.

Para que haja o crime, não é necessário que se trate de vida viável (vitalidade, capaci-dade de vida autônoma), bastando a prova de que a vítima nasceu viva e com vida estava no momento da conduta criminosa do agente (qualquer antecipação da morte, ainda que abreviada por poucos segundos, é homicídio).

Recaindo a conduta sobre pessoa já sem vida (cadáver), o crime é impossível por absoluta impropriedade do objeto (art. 17 do CP). Impossível também será no caso de utilizar o agente meio absolutamente ineficaz (ex.: acionar arma de fogo inapta ou des-carregada).

Pode o homicídio ser praticado de forma livre, por ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa), por meios diretos ou indiretos. Mata quem se serve de uma arma de fogo ou de um animal feroz, quem ministra um veneno ou deixa de fornecer a um recém--nascido, tendo a obrigação de fazê-lo, os necessários alimentos.

Magalhães Noronha lembra que o crime pode ser praticado, também, por meios morais ou psíquicos ou mesmo por meio de palavras.

7. Direito Penal – Parte Especial, v. 2, p. 11-12.8. Tratado de Direito Penal Brasileiro, v. 4, p. 62.

Page 8: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

48

Art. 121 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

Explica o autor:

“Não só por meios materiais – o que é a regra – pode dar-se a morte de alguém. Também são idôneos os psíquicos. A violen-ta emoção, provocada dolosamente por outrem e que ocasiona a morte, é meio de homicídio. Lembre-se, v.g., de um filme – As diabólicas –, em que um homem, depois de fazer crer a sua mu-lher que ela o havia assassinado, aparece-lhe, durante a noite, em uma casa deserta e lúgubre, fulminando-a com uma síncope. É meio psíquico ainda o usado pelo personagem de Monteiro Loba-to, fazendo dolosamente o amigo apoplético explodir em estron-dosas gargalhadas e, assim, o matando, por efeito de hábil anedota contada após lauta refeição.”9.

2.2.3. VoluntariedadeÉ o dolo, consistente na consciente vontade de realizar o tipo penal (matar alguém).

Pode ser direto (o agente quer o resultado) ou eventual (o agente assume o risco de produ-zi-lo).

Não exige o tipo básico qualquer finalidade específica do sujeito ativo, podendo o mo-tivo determinante do crime constituir, eventualmente, uma causa de diminuição de pena (§ 1º) ou qualificadora (§ 2º).

Ainda quanto ao elemento subjetivo, destacam-se as situações relativas aos crimes de trânsito com resultado morte nos quais, em razão de embriaguez ou de competição ilegal em via pública, aventa-se a possibilidade de imputação do dolo eventual.

No caso do homicídio cometido durante competição ilegal, a orientação majoritá-ria era de que se tratava de conduta tipicamente animada pelo dolo eventual. Note-se, no entanto, que, com a entrada em vigor da Lei nº 12.971/14, o art. 308 do Código de Trânsito Brasileiro (que tipifica a competição ilegal) foi acrescido de dois parágrafos que tratam da lesão corporal de natureza grave e da morte decorrentes da competição ilegal ou da demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, qualificando este delito. O dispositivo destaca, nos §§ 1º e 2º, que as penas ali estabelecidas são aplicadas apenas se as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo. A partir desta nova disposição legal, que inseriu modalidades de crime pre-terdoloso no art. 308 (lesão grave ou morte culposa, decorrente da ação anterior dolosa de integrar a competição), a análise jurídica de eventos dessa natureza deve se modificar, pois o fato de o condutor do veículo causar a morte de alguém no decorrer de uma competição ilegal em via pública lhe é atribuído a título de culpa, servindo para qualificar o crime, e, portanto, não pode, por si, alicerçar a incidência do dolo eventual, cuja aplicação se restrin-ge a casos em que se evidenciar a indiferença do agente diante do resultado lesivo provável. Era, aliás, o que já sustentava Rogério Greco antes mesmo da alteração legal:

9. Direito penal, v. 2, p. 18.

Page 9: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

183

TíTulo I – Dos crImes conTra a pessoa Art. 137

decorrer de sua vida. É, assim, o conceito social do indivíduo pe-rante a coletividade, em razão de sua reputação, prestígio, nome e fama. É a honra objetiva tutelada com a incriminação dos de-litos de calúnia (art. 138, CP) e difamação (art. 139, CP)”245.

Comparando as três figuras, chegamos às seguintes conclusões: na calúnia e na difa-mação há imputação de um fato concreto, que na primeira (calúnia) deve ser falso e definido como crime, requisitos não exigidos na segunda (difamação); na terceira (injúria), a acusa-ção é genérica, encerrando, em tese, um vício, um defeito ou uma má qualidade da vítima, menoscabando-a. Nas duas primeiras, a frase desonrosa deve chegar ao conhecimento de outrem. Já na injúria, dispensa-se o conhecimento por terceiros.

Não importa o crime (calúnia, difamação ou injúria): o propósito do agente é sempre prejudicar o próximo de qualquer forma: em sua fama, em seu nome, em sua honra246.

Em resumo:

CONDUTA HONRA OFENDIDA

Calúnia (art. 138 CP)

Imputar determinado fato previsto como crime, sabidamente falso. Honra objetiva (reputação).

Difamação (art. 139 CP)

Imputar determinado fato não crimino-so, porém desonroso, não importando se verdadeiro ou falso.

Honra objetiva (reputação).

Injúria (art. 140 CP) Atribuir qualidade negativa. Honra subjetiva (dignidade/decoro, au-

toestima).

Apesar de haver corrente (minoritária) em sentido contrário, prevalece o entendimen-to de que os crimes em estudo são de dano, dispensando, no entanto, a provocação do resultado naturalístico (crimes formais).

A divergência foi bem resumida (e logo resolvida) nas lições de Noronha:

“Discute-se acerca da natureza jurídica dos delitos em questão, sustentando muitos tratar-se de crimes de perigo, por não se exi-gir dano efetivo à honra, bastando a idoneidade da ofensa. Outros, entendendo que esse delito requer dolo de dano, discordam dessa opinião, que também é a nossa: não é mister haver lesão efetiva; não só não se exige que a pessoa se considere ofendida como também se prescinde de que a difamação ou a calúnia tenham encontrado

245. Doutrinas Essenciais de Direito Penal. Crimes contra a honra. RT. vol. 5. p. 931. Out/2010.246. Nos termos da Lei 13.185/15, caracteriza intimidação sistemática (bullying), dentre outros com-

portamentos (ataques físico, patrimonial e sexual), a violência psicológica em atos de intimidação, humilhação e discriminação, praticando-se ações como insultar, xingar, apelidar pejorativamente, difamar, caluniar e disseminar rumores. Trata-se de lei não penal, sem previsão de sanções – penais ou cíveis –, tendo, na verdade, fim programático, anunciando medidas de conscientização, preven-ção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática.

Page 10: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

235

TíTulo I – Dos crImes conTra a pessoa Art. 149-A

1) se obtido o consentimento mediante ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, rapto – sequestro ou cárcere privado –, fraude, engano;

2) se o agente traficante abusou de autoridade para conquistar o assentimento da vítima;

3) se o ofendido que aprovou o seu comércio for vulnerável330;4) se o ofendido aquiesceu em troca de entrega ou aceitação de pagamentos ou be-

nefícios331.Não se trata de crime habitual, bastando para sua caracterização que apenas uma víti-

ma seja submetida à ação do agente (embora o comum seja a pluralidade de pessoas).A lei elenca como meios de execução a grave ameaça, a violência, a coação, a fraude

e o abuso. A coação constante no tipo ficou redundante, pois se ajusta à grave ameaça (coação moral) ou à violência física (coação física). Se a intenção era ampliar para alcan-çar a chantagem emocional, o legislador deveria ter-se valido da elementar “qualquer forma de coação”.

Finalmente, vejamos, em quadros comparativos, o tratamento penal do tráfico de pessoas antes e depois da Lei 13.344/16:

TRÁFICO (INTERNO) NACIONAL

Antes da Lei 13.344/16 Depois da Lei 13.344/16

Art. 231-A do CP (crime contra a dignidade se-xual)

Art. 149-A do CP (crimes contra a liberdade do indivíduo)

Art. 231-A. Promover ou facilitar o deslocamento de alguém dentro do território nacional para o exercício da prostituição ou outra forma de ex-ploração sexual:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agenciar, aliciar, vender ou comprar a pessoa traficada, as-sim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

Art. 149-A CP. Agenciar, aliciar, recrutar, transpor-tar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, frau-de ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

330. No conceito de vulnerável, não devemos nos contentar com o conteúdo do art. 217-A do CP (pessoa menor de 14 anos, enferma ou com deficiência mental, ou que não pode oferecer resistência). É que no art. 218-B do CP – favorecimento à prostituição ou outra forma de exploração sexual – o menor de 18 anos também é alcançado pelo tipo, sendo irrelevante o seu consentimento. Estranho seria a vítima, de apenas 16 anos, que não pode consentir na sua prostituição, aquiescer validamente no tráfico para o mesmo fim. Preferimos, portanto, trabalhar no conceito de vulnerável com o art. 225 do CP, que, ao tornar a ação penal pública incondicionada nos crimes sexuais contra pessoa menor de 18 anos ou vulnerável, autoriza concluir que, nessas hipóteses, eventual consentimento do ofen-dido não opera nenhum efeito.

331. Entendemos que essa condição tornará difícil – senão impossível – um caso prático envolvendo consentimento relevante do ofendido.

Page 11: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

236

Art. 149-A MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

TRÁFICO (INTERNO) NACIONAL

Antes da Lei 13.344/16 Depois da Lei 13.344/16

IV – adoção ilegal; ou

V – exploração sexual

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

§ 2º A pena é aumentada da metade se:

I – a vítima é menor de 18 (dezoito) anos;

II – a vítima, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato;

§ 1º A pena é aumentada de um terço até a me-tade se:

I – o crime for cometido por funcionário públi-co no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

III – se o agente é ascendente, padrasto, ma-drasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; ou

IV – há emprego de violência, grave ameaça ou fraude.

II – o crime for cometido contra crianças, adoles-centes ou pessoa idosa ou com deficiência;

III – o agente se prevalecer de relações de paren-tesco, domésticas, de coabitação, de hospitalida-de, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercí-cio de emprego, cargo ou função;

§ 3º Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

*** A pena de multa foi cumulada com a pena privativa no preceito secundário, independente-mente do fim almejado pelo agente. Essa finali-dade, no entanto, pode ser considerada pelo juiz na fixação da pena-base.

*** Não tem minorante correspondente, consi-derando o juiz as condições pessoais do agente na fixação da pena-base (art. 59 do CP).

§2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.

TRÁFICO (INTERNACIONAL) TRANSNACIONAL

Antes da Lei 13.344/16 Depois da Lei 13.344/16

Art. 231 do CP (crime contra a dignidade sexual) Art. 149-A, §1º, IV, do CP (crimes contra a liber-dade do indivíduo)

Art. 231. Promover ou facilitar a entrada, no terri-tório nacional, de alguém que nele venha a exer-cer a prostituição ou outra forma de exploração sexual, ou a saída de alguém que vá exercê-la no estrangeiro.

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena aquele que agen-ciar, aliciar ou comprar a pessoa traficada, as-sim como, tendo conhecimento dessa condição, transportá-la, transferi-la ou alojá-la.

Art. 149-A CP. Agenciar, aliciar, recrutar, transpor-tar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, frau-de ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

Page 12: Sanches Rogério Cunha Manual de Direito Penal volume único · 2020-01-06 · 44 Art. 121 MANU Prt spl Rorio Sances Cuna 2. HOMICÍDIO X Homicídio Simples Art. 121.Matar alguém:

456

Art. 180 MANUAL DE DIREITO PENAL – Parte Especial – Rogério Sanches Cunha

a pena mínima cominada ao tipo penal em questão seria superior a um ano de reclusão, o que afastaria o instituto da suspensão condicional do processo. HC 105963/PE, rel. Min. Celso de Mello, 24.4.2012.

1.6.2. Perdão judicial e minorante

O § 5º, em sua primeira parte, possibilita ao crime culposo a concessão de perdão judicial, caso seu autor seja primário (não reincidente), atuando com culpa levíssima.

Na segunda parte, tratando-se de crime doloso, remete o aplicador da lei ao art. 155, § 2º, privilegiando as consequências do delito.

Receptação culposa Receptação dolosa

Perdão judicial Privilégio

Requisitos: primariedade do agente; as circunstâncias indicarem a desnecessidade da

pena (culpa levíssima).

Requisitos: primariedade do agente e pequeno valor da coisa.

Atenção: De acordo com a maioria, não importa o valor da coisa receptada. –

5 Pergunta-se: é possível receptação qualificada privilegiada?

Não restringindo o tipo à modalidade simples (como fez o parágrafo seguinte), a res-posta parece ser positiva. Há, porém, entendimento de que a gravidade da qualificadora é incompatível com o privilégio.

1.6.3. Majorante

Em que pese respeitável doutrina ensinando que o § 6º anuncia qualificadora327, en-tendemos tratar-se de causa de aumento de pena, aplicável para a receptação de bens e instalações do patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos (Lei 13.531/17).

Todavia, a majorante somente é aplicada nos casos em que a conduta do agente receptador se subsumir aos preceitos existentes no caput, excluindo-se a qualificadora e a forma culposa.

327. E neste mesmo sentido decidiu o TRF da 5ª Região: “O crime previsto no parágrafo 6º, do art. 180 do CP, constitui tipo qualificado, determinando a aplicação da pena em dobro, o que significa um aumento do mínimo e do máximo abstratamente previstos para a receptação simples (caput): de 1 a 4 anos passaria a punição para a faixa de 2 a 8 anos, não constituindo causa de aumento de pena” (Apelação Criminal 200882000038840, DJ. 16/12/2013).