SANTOS, Bento Silva - A Metafísica Da Memória No Livro X Das Confissões de Agostinho

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    A METAFÍSICA DA MEMÓRIANO LIVRO X DAS CONFISSÕES DE AGOSTINHO1 

    Bento Silva Santos(UFES – Departamento de Filosofia)

    Nos escritos de Agostinho de Hipona (354-430)  2  a memória exerce a função de

    elemento indispensável no processo do conhecimento seja em relação à percepção do

    continuum  espaço-temporal, seja em relação à atividade reprodutiva e criativa da

    imaginação. Uma abordagem completa acerca da teoria da memória deve examinar como

    Agostinho tematiza a formação das imagens mnemônicas, os processos da memorização e

    da recordação, o papel da vontade nesses processos, a relação entre imagem mnemônica e

    objetos percebidos, o fenômeno do esquecimento, com todas as suas implicações sobre o

    indivíduo como sujeito consciente. Neste artigo, porém, me limito a examinar a concepção

    agostiniana da presença de Deus na mente humana ou da memorização dos objetos do

    conhecimento racional no Livro X das Confissões3.

    1. A MEMÓRIA COMO RECEPTÁCULO DA EXPERIÊNCIA PASSADA

    Quando Agostinho inicia sua abordagem sobre os “vastos palácios” (lata praetoria)

    da memória na primeira parte do Livro X das Confissões, o leitor mais atento não terá

    dificuldades de encontrar suas fontes. Além de ter lido textos de Plotino, a principal fonte

    1  Publicado em Veritas. Revista de Filosofia 47 (2002) 365-375.

    2  Para uma visão geral da filosofia de Agostinho, Cf. J. BRACHTENDORF, Confissões de

     Agostinho.São Paulo: Loyola,2008, especialmente 121-155; 205-238; É. GILSON,  Introdução aoestudo de Santo Agostinho.São Paulo: Paulus/Discurso Editorial,2007; M.R.N. DA COSTA, Santo

     Agostinho: um gênio intelectual a serviço da fé . Porto Alegre,Edipucrs,1999; B. SILVA SANTOS, A questão do tempo no Livro XI das “Confissões” de Agostinho de Hipona, in FRECHEIRAS,M.L. & PAIXÃO, M. P. (orgs.) Em torno da Metafísica.Rio de Janeiro, 7Letras,2001, 38-54;Acerca das obras filosóficas de Agostinho, cf. V. CAPANAGA, Obras de San Agustín 3: Obras

     filosóficas. Madrid, BAC, 1982

    3  Acerca da teoria da memória de Agostinho, cf. G. O’ DALY,  La filosofia della mente in Agostino.Palermo,Augustinus,1988, 165-188; A. SOLIGNAC, Libro decimo delle Confessioni, inCRISTIANI, M. & SOLIGNAC, A. Sant’Agostino. Confessioni 4:  Libri  X-XI .Milano, FondazioneLorenzo Valla-Arnaldo Mondadori Editore,1996, 169-247

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    de Agostinho foi, porém, a obra Tusculanae disputationes  (I,24,56-25,61) de Cícero (106

    a.C.-43 a.C.). Estudando as faculdades específicas da mens, chamada animus, Cícero

    enumera, primeiramente, a memória: “Em primeiro lugar, tem a memória, a memória

    infinita de inumeráveis coisas, que Platão afirma ser reminiscência de uma vida

    precedente”4. Tendo recordado o célebre diálogo Ménon (81e) de Platão, Cícero apresenta

    duas conclusões: 1a) a memória contém impressas na alma, as noções, que chamamos de

     ej nnoiva", de tantas e tão grandes coisas; 2a) o animus possui tais notiones antes de entrar no

    corpo; essas pertencem, de fato, à ordem das realidades imutáveis. Cícero fornece, portanto,

    a Agostinho não somente o esboço de uma análise especulativa da memória, mas também

    expressões como animus, notiones, species, admiratio, vis animae. Longe de ser um merorepetidor de suas fontes, Agostinho possui uma capacidade pessoal excepcional de reunir

    em um sistema todos os dados para elaborar uma espécie de  fenomenologia transcendental 

    da memória. Agostinho manifesta uma admiratio inigualável perante os vastos e recônditos

    campos da memória; tal admiração, porém, não se reduz a uma retórica, mas tem uma

    ressonância metafísica.

    Em outras obras Agostinho utiliza a terminologia platônica da “memória” e do

    “esquecimento” para descrever os estados mentais relativos à posse ativa ou latente do

    conhecimento. Neste sentido, aprender significa recordar . Esta terminologia é mais

    explícita nos primeiros escritos, e quando Agostinho ainda vivia houve muitos equívocos a

    este respeito; por essa razão, nas Retractationes dedicou-se à correção de sua terminologia.

    Por exemplo, referindo-se à obra Contra Academicos 1,22 na qual, falando da mente que

    procura a verdade, afirmara que a verdade, uma vez encontrada, permite à mente “por

    assim dizer, retornar ao lugar de onde veio e voltar, plena de serenidade, ao céu”, ele

    observa ( Retr. 1,1,3) que se tivesse usado o verbo “ir” em vez de “voltar”, teria excluído ainterpretação, em si errônea, da encarnação como estado de queda moral ou como punição

    pelos pecados cometidos. Todavia, não rejeita o termo utilizado (rediturus) e o justifica

    citando Eclesiastes, Paulo e Cipriano. A passagem do Contra Academicos  deve ser

    interpretado em sentido metafórico. A expressão “por assim dizer” indica claramente uma

    4  CÍCERO, Tusculanae disputationes  I,24,56-25,61:  Habet primum memoriam, et eam infinitumrerum innumerabilium, quam quidem Plato recordationem esse vult vitae superioris.

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    metáfora, e este caráter metafórico é explicado em Retr. 1,1,3: “Eu disse ‘no céu’ tendo em

    vista dizer Deus, seu criador [...] sem dúvida, portanto, Deus mesmo é uma espécie de lugar

    do qual se origina a felicidade humana”. Portanto, termos de derivação platônica, à luz da

    teoria da iluminação, podem ser um modo cômodo, e “por assim dizer” simbólico, de falar

    do acesso da mente às verdades a priori e do fato de que tais verdades devem ser realizadas

    através do pensamento5.

    O exame da memória no Livro X constitui apenas uma etapa na subida alma para

    Deus. É necessário “transpor” a força (vis) com a qual infunde vitalidade ao corpo – 

    “ultrapassarei esta minha força com que me prende ao corpo e com encho de vida o meuorganismo”6 -  e a força (vis) com a qual infunde a este sensibilidade: “transporei também

    esta minha força; de fato, possuem-na também o cavalo e a mula, uma vez que também

    sentem por meio do corpo”7.

    No início de sua análise, Agostino utiliza uma série de metáforas para designar a

    extraordinária riqueza da memória: “vastos palácios” (lata praetoria), “tesouros”

    (thesauri), “receptáculos secretos” (abstrusiora quaedam receptacula) (X, 8,12), “imensa

    corte” (aula ingens), “amplo seio” (ingens sinus animi) (X,8,14), “santuário amplo e

    infinito” ( penetrale amplum et infinitum) (X,8,15), “concavidades escondidas” (cavae

    abditores) (X,10,17), etc. Estas imagens enfatizam a imensidade, a potência e sacralidade

    da memória, deixando entrever na mente de Agostinho uma admiratio. Esta nada mais é do

    que uma confessio laudis. Neste sentido, a memória representa o próprio espírito como uma

    fonte que transborda de modo inexaurível, oferecendo assim uma excelente proximidade

    com Deus em sua infinitude e potência criadora. Dois elementos do conteúdo imenso da

    memória são explicitados no parágrafo inicial: as imagens impressas pela percepção de todaespécie de coisas e o “tudo o que cogitamos” (quidquid etiam cogitamus):

    5  Cf. AGOSTINHO, Conf. X,17, 26

    6  AGOSTINHO, Conf. X, 7,11: Transibo vim meam, qua haero corpori et vitaliter compagem eiusrepleo.

    7  AGOSTINHO, Conf. X, 7,11: Transibo et istam vim meam; nam et hanc habet equus et mulus:sentiunt enim etiam ipsi per corpus.

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    “Chego aos campos e vastos palácios da memória, onde estão os

    tesouros das inumeráveis imagens impressas pela percepção de toda

    espécie de coisas. Aí está escondido tudo o que pensamentos aumentando

    ou diminuindo ou até modificando os dados que os sentidos atingiram”8.

    Desses elementos destaca-se um dos significados do termo cogitare: a atividade

    desenvolvida pelo espírito sobre aquilo que já possui para modificar os dados, e tal fato é

    indicado pelos termos no gerúndio: “aumentando” e “diminuindo”. Em seguida, Agostinho

    descreve as facilidades e dificuldades no exercício da memória: algumas vezes, o que seprocura vem repentinamente; outras vezes, é preciso um esforço ingente para encontrá-lo;

    às vezes, surgem recordações desagradáveis que impõem a necessidade de afastá-las.

    Agostinho recorda especialmente o caso em que as recordações se apresentam em série

    ordenada, na ordem de sua sucessão, o que sucede somente “cum aliquid narro memoriter”

    (“quando digo alguma coisa de memória”).

    A memória fornece as imagens das coisas no passado que são percebidas seja em

    sua singularidade, seja distintas por gêneros, segundo a ordem dos cinco sentidos: por

    exemplo: “a luz, as cores e as formas dos corpos penetram pelos olhos; todas as espécies de

    sons pelos ouvidos; todos os cheiros, pelo nariz...”. Se através das imagens as próprias

    coisas se oferecem ao pensamento que as recorda, se é possível fornecer um juízo acerca da

    diferença das qualidades sensíveis mesmo quando há trevas e silêncio, a memória se

    apresenta, de fato, como grande receptáculo e instrumento da consciência do mundo: “Aí

    [no imenso palácio da memória] estão presentes o céu, a terra e o mar com todos os

    pormenores que neles pude perceber pelos sentidos...”9.

    8  AGOSTINHO, Conf. X,8,12: Et venio in campos et lata praetoria memoriae, ubi sunt thesauriinnumerabilium imaginum de cuiuscemodi rebus sensis invectarum. Ibi reconditum est quidquidetiam cogitamus, vel augendo vel minuendo vel utcumque variando ea quae sensus attigerit .

    9  AGOSTINHO, Conf. X,8,14:  Ibi enim mihi caelum et terra et maré praesto sunt cum omnibus,quae in eis sentire potui.

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     2. MEMÓRIA E CONSCIÊNCIA DE SI MESMO

    Excetuando o esquecimento, toda experiência passada presente em nós deve-se à

    grandeza da memória: eventos, ações, afetos, quer se trate de experiência direta ou indireta.

    Se mediante a recordação podemos imaginar o futuro, a memória possui uma função não

    somente retrospectiva, mas também  prospectica: “Medito as ações futuras, os

    acontecimentos, as esperanças. Reflito em tudo, como se me estivesse presente”10. A

    memória possibilita, portanto, totalizar tanto a experiência interior como a exterior, tecendo

    ou entrelaçando a existência humana na medida em que revive o passado e projeta o futuro.

    O termo meditor  no texto em questão sugere uma reflexão profunda sobre o ser e o agir  

    que é colocada em ato no próprio livro X das Confissões.

    Para Agostinho, “meditação” é uma atividade mental que edifica uma ponte entre o

    conhecimento dos objetos terrenos e conhecimento do ser e dos atributos de Deus. O

    programa de uma ascensão até Deus através de uma sucessão de atividades mentais, a partir

    das imagens até o pensamento, do pensamento à meditação, da meditação à contemplação é

    um esquema tipicamente agostiniano. Toda a sucessão de atividade conduz a alma ao limiardaquela visão eterna de Deus que é o escopo de toda criatura racional. Em geral, os termos

    cogitatio  ou meditatio  são quase sinônimos, mas entre ambos existe uma diferença

    importante. Cogitatio pode estar interessada em coisas mundanas e até mesmo em objetivos

    corrompidos, ao passo que a meditatio diz respeito somente à pura reflexão da essência das

    coisas, cognoscível seja à base dos dados empíricos dos sentidos, seja à base do

    conhecimento intuitivo da mente. Quando é voltada para um fim virtuoso, a cogitatio é a

    mesma coisa que a meditatio, e tem como escopo a ascensão da mente para Deus, fimsupremo de toda a vida humana. No caso do Livro X das Confissões, o primado que

    Agostinho atribui à ação da graça, não elimina mas reforça a necessidade de uma lúcida

    consciência de si mesmo e de um esforço para conformar as próprias motivações e a

    própria conduta aos apelos desta graça divina.

    10  AGOSTINHO, Conf. X,8,14:  futuras actiones et eventa et spes, et haec omnia rursus quasi praesentia meditor .

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    Se a memória revela-se uma grande força e um santuário infinitamente amplo, o

    animus  humano, porém, é assaz estreito para possuir a si mesmo. Daí a admiração e o

    estupor de Agostinho: os homens admiram tantas coisas –  os píncaros dos montes, as

    enormes ondas do mar, as largas correntes dos rios, a amplidão dos oceanos, as órbitas dos

    astros -,  mas negligenciam a si mesmos. As imagens usadas sugerem que a admiração

    frente à amplitude da memória deveria conduzir os homens ao divino, pois este “vasto

    palácio” vem a ser o ponto de conjunção entre o espírito humano e o Espírito divino.

    3. MEMÓRIA E AS DISCIPLINAS LIBERAIS

    Dentro da memória existem conhecimentos aprendidos nas artes liberais11, e tais

    conhecimentos são conservados em um lugar interno, mas não de modo espacial: “em um

    lugar mais íntimo, que na verdade não é um lugar” (interiore loco, non loco)12.

    Diferentemente das lembranças das percepções sensíveis, não são as imagens que são

    conservadas, mas as próprias realidades13. Nesta distinção podemos encontrar a inspiração

    plotiniana de Agostinho: “A ciência dos seres imateriais é totalmente sem matéria”14.

    Quando Agostinho aborda a recordação das noções intelectuais15, é possível

    constatar a diferença que o separa de Plotino. Nas Aporias sobre a alma16, Plotino julga que

    as noções intelectuais são objetos de uma “visão” ou de uma “contemplação” direta sem

    11  As artes liberais dividem-se, tradicionalmente, em sermocinales ou artes do discurso (trivium:gramática, retórica, dialética) e reales  (quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música).Tais “artes” faziam parte da formação intelectual do pensador da Idade Média. Cf. L. M.MONGELLI (org.) Trivium e Quadrivium: as artes liberais na Idade Média.Cotia,Íbis,1999

    12  AGOSTINHO, Conf. X,9,16

    13  AGOSTINHO, Conf. X,9,16: nec eorum imagines sed res ipsas gero.

    14  PLOTINO, Enéadas  V,9 7 e 4,2; (cf. PLATÃO, Timeu  42 e) No mesmo significado , cf.ARISTÓTELES, De anima III,4, 430 a 2-5; 5,430 a 19-20; Metaph. L 9, 1075 a 1-4.

    15 Cf. AGOSTINHO, Conf. X,10,17

    16  Cf. PLOTINO, Enéadas IV, 3-3

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    depender da memória; esta última conservaria somente a recordação do “discurso” que

    acompanha o ato que as pensa ( nov hma) e permaneceria na imaginação ( fantasiva).

    Agostinho assume a segunda parte da solução de Plotino quando afirma: “retenho as

    imagens dos sons de que se formaram estas palavras”17, mas julga que as noções estão

    presentes na memória. Segundo Plotino, a memória se encontra ao nível da alma, da alma

    imaginativa. Ora, na medida em que torna atual a sua participação no Nou'"  e no Uno, a

    alma de deve abandonar as recordações das coisas terrenas e superar também as formas

    inteligíveis para atingir o Uno18. Na antropologia agostiniana, a memória é uma “força”

    (vis) da alma intelectual (da mens no De Trinitate).

    Agostinho pergunta como tais noções penetraram em sua memória: “Donde e por

    que parte [tais noções] entraram na memória? (Unde... in memoriam meam?)”. Eis uma

    questão diante da qual Agostinho permanece impotente. Verdade é que aprendeu tais

    noções, mas as reconheceu como verdadeiras em seu coração sem dar crédito ao parecer

    alheio. Para elucidar este problema, deve-se recorrer à teoria agostiniana do conhecimento.

    Os aspectos essenciais de tal teoria são os seguintes: Agostinho faz uma distinção entre o

    conteúdo  de uma noção, ou de uma afirmação, e a sua verdade. O conteúdo depende de

    uma reflexão (cogitatio), e a verdade implica, ao contrário, uma referência à verdade

    divina. A palavra de um outro, o diálogo, o ensinamento de um mestre são apenas uma

    admoestação (admonitio) que remete sempre para o Mestre interior (Deus ou Cristo, o

    único capaz de comunicar a verdade19. As noções adquiridas explicam-se à luz das razões

    eternas, que não são o princípio dos nossos conceitos, mas normas, regulae, que nos

    permitem formar  juízos de valor e de verdade. A teoria agostiniana supõe a existência de

    uma relação entre o espírito humano e o espírito divino, relação que é de ordem metafísica

    e não da ordem de uma “visão” ou de uma “intuição”. Em diversas passagens Agostinho

    17  AGOSTINHO, Conf. X,10,17: sonorum quidem, quibus haec verba confecta sunt, imaginesteneo. Trata-se de três questões enunciadas no início do parágrafo: “Quando ouço dizer que existemtrês espécies de questões, a saber: ‘se uma coisa existe (an sit ?), qual a sua natureza (quid sit ?) equal a sua qualidade (quale sit ?)”.

    18  Cf. PLOTINO, Enéadas IV 3,31-32; 4,1-4

    19 A propósito, remeto ao meu artigo O De Magistro de S. Agostinho e o problema da linguagem, inDA COSTA, J. R. (org,) Ensaios & Estudos.Belo Horizonte,O Lutador,1997, 151-169

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    confirma a tese segundo a qual o espírito humano não é a tabula rasa de Aristóteles20, mas

    emerge já estruturado, provido de arquétipos, de valores e leis que exercem a função de

    “tear”, sobre o qual se ordenam os dados concretos da experiência, e de regras, para julgar

    esses dados. A memória é, de certo modo, a faculdade que permite ao espírito humano

    encontrar-se em relação com o intelecto divino e participar nas razões eternas.

    Conseqüentemente, ela é a dimensão a priori do espírito21.

    No parágrafo seguinte (X,11,18), Agostinho descreve de que modo se aprendem as

    noções que não dependem das percepções sensíveis, e tal aprendizado consiste no exercício

    do espírito sobre os conteúdos da memória. Trata-se de “coligir pelo pensamento aquelascoisas que a memória encerrava dispersas e desordenadas” e também de fazer aparecer o

    que nela se encontrava escondido e negligenciado e, assim, descobrir as recordações

    colocadas à parte e escondidas em concavidades secretíssimas. Se, de um lado, Agostinho

    se admira diante da multidão dos conhecimentos aprendidos e conhecidos deste modo, não

    deixa de sublinhar, de outro lado, o risco do esquecimento e, portanto, a necessidade de

    recordar tais conhecimentos em intervalos apropriados de tempo. Do contrário, “imergem e

    como que se dissolvem em remotos recessos”. É necessário então coligir os conhecimentos

    da dispersão em que caíram.

    É neste contexto que Agostinho utiliza a construção com o verbo cogitare: “e

    novamente reagrupá-los (cogenda) para que se possa saber, coligindo-os como depois de

    20 A imagem da alma como tabula rasa aparece no De anima (III,4, 429 b-430 a) de Aristóteles:

    “[...] o intelecto (oJ nou'") é, certo modo, em potência, idêntico aos inteligíveis, mas não em ato,antes de pensar. Deve ser como uma tábua na qual nada está escrito em ato(w{sper ej n grammateivw/ w/  | mhqe; n uJ pavrcei ej nteleceiva/ katagegrammev non)”. Segundo umainterpretação objetiva do texto, Aristóteles não quer dizer que o intelecto é em absoluto tabula rasa,mas, ao contrário, “diz que em potência ele é todos os inteligíveis, o que quer dizer que é positivacapacidade de captá-los”. (G. REALE, História da Filosofia Antiga 5.São Paulo,Loyola,1995, 248-249).

    21 Para uma confirmação desta interpretação, cf. AGOSTINHO,  De quantitate animae 20,34;  De Magistro 7,19; II, 36; 13,43; De libero arbítrio II,12,33-34; Conf . VII,10,16; XI,3,5. Cf. também DeTrinitate XII,15,24

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    uma espécie de dispersão – daí o termo cogitare”22. Cogitare é o ato com o qual o espírito

    colige de novo as recordações passadas, a fim de que as noções possam ser re-aprendidas.

    O termo designa uma atividade específica do espírito (animus) que não consiste somente

    em reencontrar as recordações escondidas, mas também em coligir (conligere) aquelas que

    estão presentes para, em seguida, ao “reelaborá-las”, organizá-las em “noções”, definidas

    com precisão. Conseqüentemente, a cogitatio  realiza o conteúdo das noções que será

    referido às razões eternas, a fim de que se possa perceber as verdade das mesmas.

    Depois de ter muito “imaginado” nos “tesouros” de uma memória, Agostinho

    afirma que foi graças à reflexão (cogitatio) sobre coisas aprendidas que pôde escrever oupregar sem grandes dificuldades. Se a obra de Agostinho é um fruto admirável de uma

    cogitatio, explica-se assim o modo pelo qual utiliza as suas “fontes”: mesmo que cite textos

    e alguns autores explicitamente, como, por exemplo, Ambrósio de Milão, os autores na De

    civitate Dei e nos escritos contra os pelagianos, Agostinho compõe de modo assaz pessoal.

    Recorrendo ao material que conserva na memória, ele prefere ora breves fórmulas

    extraídas, por exemplo, de Plotino ou de Porfírio, ora freqüentemente “esquemas de

    pensamento”, “instrumentos conceituais”, que são transformados e integrados ao seu

    “sistema” doutrinal específico.

    4. MEMÓRIA E SABER MATEMÁTICO

    Agostinho prossegue sua reflexão sobre a memória e estabelece em X,12,19 que “as

    relações e as infinitas leis dos números e das medidas” não foram nela retidas através dos

    sentidos, porque tais idéias “não têm cor, nem som, nem cheiro, nem gosto, nem são táteis”.

    Em outras palavras: como as noções das matemáticas (aritmética e geometria) e as suasmútuas relações (operações de cálculo, proporções, construções de figuras) estão presentes

    na memória? Ao comentá-las, Agostinho distingue entre os sons  das palavras que

    22  AGOSTINHO, Conf.  X,11,18: et cogenda rursus, ut sciri possint, id est velut ex quadamdispersione colligenda, unde dictum est cogitare.

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    significam esses conhecimentos e as próprias noções, que não percebidas pelos sentidos. Os

    sons não são idênticos em grego e em latim, e as noções não pertencem a nenhuma língua23.

    5. MEMÓRIA DA MEMÓRIA

    No parágrafo seguinte (X,13,20), Agostinho reflete sobre a memória através da

    própria memória, mas tal reflexão não exclui a intelligentia. À memória Agostinho deve

    muitas coisas, a saber: 1) os conhecimentos intelectuais adquiridos; 2) o modo pelo qual os

    adquiriu; 3) as objeções errôneas que se opõem, nas disputas, aos conhecimentos

    verdadeiros24, mas, ainda que falsas, não é falso lembrar-se de tais erros!; 4) a distinção

    entre conhecimentos falsos e conhecimentos verdadeiros; 5) a diferença entre o modo em

    que percebe agora esta distinção e o modo em que a tinha percebido no passado mediante a

    cogitatio. Disto conclui que, a partir do presente, retorna ao passado e antecipa o futuro:

    “Em suma: lembro-me de recordar, e, no futuro, se me lembrar de ter podido recordar estas

    coisas, as recordarei justamente graças à força da memória”25.

    6. MEMÓRIA, AFEIÇÕES E ESQUECIMENTO

    Segundo Agostinho, o homem é capaz de recordar as sensações e as afeiçõespassadas, como a alegria, a tristeza, o medo e o desejo. Mas tal capacidade não implica

    reviver as afeições das quais se tem recordação: de fato, freqüentemente, enquanto

    recordamos uma afeição, experimentamos uma outra diversa, como, por exemplo, o fato de

    evocar com alegria as tristezas passadas26. Quando se refere à tristeza, à alegria e ao medo

    23  AGOSTINHO, Conf.  X,12,19:  Audivi sonos verborum, quibus significantur, cum de hisdissetitur, sed ilii alii, istae autem aliae sunt. Nam illi aliter graece, aliter sonant, istae vero necgraecae nec latine sunt nec aliud eloquiorum genus.

    24  Agostinho tem em vista provavelmente os perigos morais na leitura dos poetas (cf. Conf . I,16,25-26), as controvérsias entre os retóricos sobre o fim e os preceitos da eloqüência e especialmenteas disputas entre as seitas filosóficas (cf. Conf . III,4,8: a influência da obra Hortensius de Cícero, oqual desmascara os erros; cf. De utilitate credendi 6,13).

    25 AGOSTINHO, Conf. X,13,20: Ergo et meminisse me memini, sicut postea, quod haec reminiscinunc potui, si recordabor, utique per vim memoriae recordabor .

    26  Cf. AGOSTINHO, Conf. X,14,21:  Aliquando et e contratio tristitiam meam transactam laetusreminiscor et tristis laetitiam.

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    como affectiones contidas na memória, Agostinho estabelece uma dupla diferença entre a

    affectio no momento em que foi experimentada e aquela que persiste na memória. Às vezes,

    a recordação da affectio provoca uma reação que podemos definir como neutra: “De fato,

    recordo-me de ter estado alegre, sem estar alegre, e recordo-me da tristeza passada sem

    estar triste”; outras vezes, suscita uma reação contrária: “Evoco com alegria as tristezas

    passadas; e com amargura relembro as alegrias”. Essas diferenças não colocam problema

    algum em se tratando de uma affectio concernente ao corpo. Mas o que acontece quando se

    trata de uma affectio do espírito? Não emerge aqui o problema da identificação, já bem

    atestada na linguagem corrente, da memória com o animus?

    “Mas se é assim, por que será que, quando me recordo de minha

    tristeza passada com alegria, a mente tem a alegria, e a memória (tem) a

    tristeza, de modo que a minha mente se regozija com a alegria que em si

    tem, e a memória não é triste porque nela está a tristeza? Será porque não

    faz parte da mente?”27 

    Para elucidar esta dificuldade, Agostinho se serve de uma comparação, dizendo que

    a memória é “quase como o ventre da mente (quasi venter est animi)”, enquanto a alegria e

    a tristeza seriam o seu alimento, doce ou amargo. Segundo o sentido desta imagem, a

    memória recolhe, assimila e transforma as várias emoções, de modo que estas se depositem

    na própria mente, perdendo, porém, o seu “sabor” individual.

    No parágrafo seguinte (X,14,22) tem-se não mais uma discussão sobre a memória

    das affectiones, mas, sim, uma memória de noções. Agostinho enumera quatro  pavqh 

    segundo a divisão herdada dos estóicos: o desejo, a alegria, o medo e a tristeza. As noções se encontram na memória do mesmo modo que as noções das disciplinas liberais. Se as

    consideramos do ponto de vista da linguagem, tais noções  são neutras no plano da

    afetividade, mas a memória conserva não somente “os sons destas palavras (tristeza e

    27  AGOSTINHO, Conf. X,14,21: Cum ergo ita sit, quid est hoc quod, cum tristitiam meam praeteritam laetus memini, animus habet laetitiam et memoria tristitiam laetusque est animus ex eo,quod inest ei laetitia, memória vero ex eo, quod inest ei tristitia, tristis non est? Num forte non

     pertinet ad animum? 

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    temor), conforme as imagens impressas em nós pelos sentidos corporais, mas também a

    noção dessas mesmas coisas”28. Agostinho julga, portanto, como certo que as idéias

    relativas às emoções (rerum ipsarum notiones) residem na memória, visto que somos

    capazes de evocá-las novamente, ou porque tais idéias foram confiadas à memória pela

    mente ou porque a própria memória as assimilou de outros modos. Além disso, pensa

    também que estas idéias estão necessariamente presentes na memória sob a forma de

    imagens: de fato, elas não estão fisicamente presentes. Portanto, não obstante os problemas

    que surgem ao considerar a sua assimilação parecida àquela das imagens dos objetos

    corpóreos, Agostinho procura adaptar a sua teoria da acumulação das imagens ao fenômeno

    da recordação das emoções

    29

    .

    Nos parágrafos seguintes Agostinho multiplica as dúvidas sobre a memória, a fim

    de confessar deste modo a sua ignorância. A questão central evocada em X,15,23 é a

    seguinte: as coisas que ele nomeia (por exemplo, o nome de “pedra” ou de “sol”) se

    encontram impressas na memória por meio de imagens ou por si mesmas? Diferentemente

    do problema tratado no  De doctrina christiana30, Agostinho discute o modo pelo qual as

    coisas nomeadas estão presentes na memória: estão presentes  por meio de imagens a pedra,

    o sol e também, embora seja menos claro31, a dor e a saúde do corpo.; estão presentes  por

    si mesmas  os nomes dos números por que contamos e as demais noções de ordem

    intelectual.

    Quando Agostinho menciona a lembrança de um “esquecimento” (oblivio) em

    X,16,24, surgem dificuldades maiores. Trata-se aqui do significado do termo oblivio: “Não

    28  AGOSTINHO, Conf.  X,14,22: non tantum sonos nominum secundum imagines impressas asensibus corporis, sed etiam rerum ipsarum notiones inveniremus. Convém precisar, porém, que ohomem adquire essas noções per experientiam passionum suarum.

    29  Cf. G. O’DALY, La Filosofia della mente in Agostino, 182-183

    30  A questão concernia à relação entre res e verba (cf. De doctrina christiana I 1; II 1,1-5,6).

    31  Cf. AGOSTINHO, Conf.  X,17,26: “(Na memória) estão gravadas, ou por imagens, como oscorpos, ou por si mesmas, como as ciências e as artes”.

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    falo do som desta palavra, mas da coisa que significa”32. Para Agostinho, memória e

    esquecimento estão ao mesmo tempo presentes. Se o esquecimento é  privatio memoriae,

    como pode estar presente na memória?

    “Se nós retemos na memória aquilo de que nos lembramos, e se

    nos é impossível, ao ouvir a palavra ‘esquecimento’, compreender o que

    ela significa, a não ser que dele nos lembremos, conclui-se que a memória

    retém o esquecimento (...) O esquecimento, quando o recordamos, está

    presente na memória, não por si mesmo, mas por uma imagem sua”33.

    Segundo o raciocínio de Agostinho, o esquecimento parece não ser ausência de

    memória, precisamente porque é graças a ela que sabemos o que seja o oblivio, embora o

    esquecimento seja a eliminação deste saber: “quando (o esquecimento) está presente,

    esquecemo-nos”. Daí o paradoxo: “Mas quem saberá indagar, enfim, este mistério? Quem

    poderá compreender o modo como as coisas realmente se realizam?”34. Na tentativa de

    elucidar esta questão, Agostinho procura explicar a presença do oblivio na memória através

    de sua imagem, mas percebe que, no momento mesmo em que coloca a pergunta, emerge

    uma resposta negativa: quo pacto dicam?35 Agostinho toma como exemplos uma cidade,

    lugares diversos, a face de um homem, a saúde ou as dores do próprio corpo para ilustrar a

    questão de como se encontra a imagem do esquecimento. Mas Agostinho depara com a

    seguinte dificuldade: de que modo o oblivio pode ter gravado a sua imagem na memória, se

    a sua função é especificamente a de cancelar  tudo quando fora impresso?

    A solução agostiniana implica uma alternativa assaz esquemática: conservação do

    esquecimento ou  por sua imagem  ou  por si mesmo. Na verdade, o esquecimento é um

    32  AGOSTINHO, Conf. X,16,24: Non eundem sonum nominis dico, sed rem, quam significat .

    33 AGOSTINHO, Conf. X,16,24: At si quod meminimus memória retinemus, oblivionem autem nisimeminissemus, nequaqum possemus audito isto nomine rem... sed per imaginem suam.

    34  AGOSTINHO, Conf. X,16,24: Et hoc quis tandem indagabit? Quis comprehendet, quomodo sit?

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    termo genérico utilizado para expressar o protelar da recordação de um objeto, de um fato,

    de um conhecimento passado que não conseguimos mais recordar. De fato, o esquecimento

    é uma ausência de memória; só por causa de seu nome parece ser o seu contrário.

    7. MEMÓRIA E PROCURA DE DEUS

    O estudo sobre a memória constitui apenas uma etapa da ascensão da alma para

    Deus, e o parágrafo em questão (X,17,26) é ao mesmo tempo a conclusão sobre a memória

    e um convite para superá-la: é preciso atravessar  a memória, mas aqui emerge o paradoxo:

    deve-se encontrar a Deus, ao mesmo tempo  para além da memória e, no entanto, nela  e

    através dela mesma. Dado que Deus não está na memória de modo imediato, Agostinhoafirma que a memória contém a Deus e ao mesmo tempo o esconde através da vontade

    universal de felicidade, de beata vita. O exemplo dos dois homens é esclarecedor: um quer

    ser militar; o outro decide o contrário. O motivo da decisão oposta é o mesmo: ambos

    “desejam ser felizes”. Isto quer dizer que os homens podem procurar a alegria em objetos

    ou situações, mas o fim almejado é sempre o mesmo: alegrarem-se. Sem que se possa dizer

    onde e quando, é através da experiência que todo homem faz da alegria que se reconhece,

    em sua memória, o que significa o nome de beata vita36 . A idéia de beata vita  está na

    memória não à maneira da imagem de uma cidade conhecida, dos números, da eloqüência,

    mas à maneira do gaudium (cf. X,21,30). Trata-se, segundo Agostinho, de uma alegria da

    qual Deus é termo, fonte e causa: et ipsa est beata vita, gaudere ad te, de te, propter te  

    (X,22,32).

    Segundo o capítulos que concluem o Livro X acerca da relação entre memória e

    procura de Deus (X,23-27), podemos encontrar a Deus somente em Deus mesmo, em sua

    plena transcendência, acima de nosso eu e de todas as coisas. É necessário que Deus semanifeste e permita que se faça uma certa experiência de si mesmo, talvez obscura, mas já

    suficiente para iniciar o conhecimento de seu mistério. Portanto, Deus deve estar ao mesmo

    35  AGOSTINHO, Conf. X,16,25: quo pacto dicam imaginem oblivionis teneri memória mea, nonipsam oblivionem, cum eam memini? O termo pactum, diferentemente de modus, implica a idéia deuma tentativa, de uma convenção.

    36  Cf. AGOSTINHO, Conf. X,21,30-31

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    tempo na memória e  acima  da memória. Deus está certamente na memória, mas só na

    medida em que foi conhecido: ex quo didici te  (X,24,35). O conhecimento de Deus deve

    sempre salvaguardar o mistério de sua transcendência. É Deus que se torna imanente ao

    homem permitindo-lhe o conhecimento de seu mistério. Só quem descortinou esta verdade

    pôde proclamar esses célebres dizeres: “Tarde Vos amei,ó Beleza tão antiga e tão nova,

    tarde Vos amei! (Sero te amavi, pulchritudo tam antiqua et tam nova...)”37 .

    ANEXO

    ESQUEMA DE LEITURA E COMENTÁRIO DO LIVRO X  DASCONFESSIONES DE AGOSTINHO DE HIPONA

    PRELÚDIO (I 1,1-V 7,13)I 1,1-2 (= capítulo I [em algarismos romanos], § 1 [em algarismos arábicos],linhas 1 e 2 )

    O apelo à verdadeI 1,1-2. Cognoscam... cognitus sum: “Conhecer-te-ei... como sou conhecido”(cf. 1Cor 13,12b: ej pignwvsomai kaqw;" kai; ej pegnwvsqhn ej pignwvsomai kaqw;" kai; ej pegnwvsqhn ej pignwvsomai kaqw;" kai; ej pegnwvsqhn ej pignwvsomai kaqw;" kai; ej pegnwvsqhn - “Vemos, pois, emespelho e de maneira confusa mas, depois, veremos face a face. Agora o meuconhecimento é limitado, mas depois conhecerei como seu conhecido”.

    2. Virtus... coapta tibi: Virtude da minha alma… adaptai-a a Vós...3.  Haec est mea spes: Esta é a minha esperança... 4. sanum gaudeo: gaudeo com acusativo (e não sane): ... desta esperança me

    alegro quando toda vez que retamente me alegro...

    5. Tanto minus... magis fletur  6-7. veritatem... facit eam: fazer a verdade (verdade da ação e da vida).

    Deus tudo penetra

    II 2, 1-2. Cuius oculis... conscientiae: cf. Eclo 42,18-20: “Ele sondou asprofundezas do abismo e do coração humano, penetrou os seus segredos.Porque o Altíssimo possui toda a ciência e vê o sinal dos tempos. É ele que

    37  AGOSTINHO, Conf. X, 27,38

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    anuncia o passado e o futuro e revela o fundo dos segredos. Nenhumpensamento lhe escapa e nenhuma palavra lhe é escondida”.

    4-7.  Nunc autem... nisi de te: munc autem  tem valor adversativo. Existemfórmulas que sintetizam a relação do homem com Deus.15. tacet... affectu: cala com a voz, mas grita com o coração.

    Confessar-me aos homens?!III 3, 3. Curiosum... desidiosum: Raça curiosa... indolente...13-15. quibus demonstrare... caritas aperit . Necessidade da “fé”.4, 16. medice meus intime.25. quia fuerunt et non sunt .

    O fruto das “confissões”

    IV 5, 12-13. Indicabo me talibus: “Mostrar-lhes-ei quem sou/ eu me abrirei atais pessoas”. Duplo fruto das confissões.16-17. de fraternis... tuis. (cf. Ap 8,3-4). “Corações fraternos” - turíbulos -hinos e gemidos a Deus - Templo Santo - perfume - MISERICÓRDIA.6, 21-22. Hic est... qualis sim.22-23. secreta exultatione... cum spe.38. quis iam sim et quis adhuc sim.

    V 7, 13. Facis cum temptatione... exitum: traduz exatamente o grego e[kbasin da 1 Cor 10,13: “Tu nos asseguras uma caminho de saída”.

    PRIMEIRA PARTE (VI 8,1-XXVII 38, 1-2): o conhecimento de Deus.

    1.  A procura de Deus nas obras visíveis 

    VI 8, 1. Non dubia sed certa conscientia.2-3. Percussisti cor meum... terra: “Feristes-me o coração...” Cf. Rm 1,20:“Sua realidade invisível – seu eterno poder e sua divindade – tornou-se

    inteligível, desde a criação do mundo, através das criaturas, de sorte que nãotêm desculpa”; 9,15: “Pois ele diz a Moisés: Farei misericórdia a quem eu

     fizer misericórdia e terei piedade de quem eu tiver piedade”. Anúncio daconcepção das relações entre liberdade e graça.6. Quid autem amo, cum te amo? – “Que amo eu, quando Vos amo?”.

    Reflexão sobre os “sentidos espirituais”.9, 21. Et quid est hoc?26. Fallitur Anaximenes.31. Ipse fecit nos.

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    31-32. Interrogatio mea... species eorum (a tradução bras. parafraseia o texto:“A minha pergunta consistia em contemplá-las; a sua resposta era sua

    beleza”). Os sentidos de “intentio” e “species”.41. Homo interior .10, 45-46. Nonne omnibus... haec species?59. Hoc dicit eorum natura. Vident .

    2.  A procura de Deus nos sentidos e na memória

    VII 11, 1-2. Quis est... animae meae? “Quem é Aquele que está no cimo daminha alma?” 2. Transibo vim meam: “Ultrapassarei esta minha força...”. O termo “vis” =

    atividade da alma segundo os seus diversos poderes.

    a) A memória como receptáculo da experiência passada

    Fonte imediata: Cícero, Tusculanae disputationes I,24,56 – 25,61: faculdadesespecíficas da alma - memória: três pontos (contém “impressas na alma asnoções, que chamamos ej nnoiva" ej nnoiva" ej nnoiva" ej nnoiva", de tantas e tão grandes coisas”)...

    O palácio da memória

    VIII 12, 2-3. lata praetoria: “vastos palácios”: receptáculo das imagens queprovêm da percepção sensível. Portanto, seria absurdo conceber a memóriacomo um vaso ou como cera, dada a imensa multidão de objetos nelacontidos.3. de cuiuscemodi rebus sensis: “onde estão os tesouros das inumeráveis

    imagens impressas pela percepção de toda espécie de coisas”. Comparaçãocom Aristóteles,  Metafísica  I,,1, 980a-982a: sensações  memória38  experiência   arte ( tev cnh tev cnh tev cnh tev cnh)   teoria/ciência ( ej pisthvmh ej pisthvmh ej pisthvmh ej pisthvmh). 1o  elementoencerrado nos “tesouros” da memória: as “imagens...”.

    4. quidquid etiam cogitamus = 2o elemento: o sentido do verbo “cogitare”.8-9.  posco ut... volo: “Quando aí estou, posso chamar todas as imagens quequero”.13, 19.  Distincte generatimque servata: a memória como instrumento daconsciência do mundo.

    38  As “lembranças”, ou seja, memória, quando referida ao homem, deve ser entendido, ao mesmotempo, como lembrança sensível e lembrança abstrata. A relação entre imagem e memória é assimexplicada por Aristóteles no  Da memória  1,451 a 15-16: a memória está “de posse da imagem,considerada como cópia daquilo de que é imagem”.

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     b) Memória e consciência de si mesmo

    14, 48-49.  Ibi mihi... meque recolo: excetuando o esquecimento, toda nossaexperiência passada está presente em nós: eventos, ações, efetos. A memóriaretrospectiva, prospectiva e totalizante. O termo  Meditor : reflexãoaprofundada sobre o ser e o agir .15, 62-64. Magna ista vis... pervenit? “Grande é esta potência da memória...um santuário enorme”. Caráter insondável do sujeito diante imensidade damemória, que é uma vis animi. Notar a relação entre admiratio=stupor   esantuário  memória como ponto de conjunção entre o espírito humano e oEspírito divino.

    c)  Memória e disciplinas liberais 

    IX 16, 2-4.  Hic sunt... sed res ipsas gero: “Aqui (na memória) existemtambém todas as coisas que aprendi das disciplinas liberais”. Notar aexpressão: interiore loco, non loco. São as noções mesmas e não as imagensprovenientes da percepção sensorial.4-17. Nam quid... proferuntur .X 17, 1-2. tria genera... quale sit .

    2-5. sonorum quidem... attigi: “retenho as imagens dos sons que acompanhamtais palavras”. a recordação das noções intelectuais. Paralelo em Plotino, Aporias sobre a alma: noções intelectuais = objeto de uma “visão” ou de uma“contemplação” direta sem depender da memória: esta última conservariasomente a lembrança do “discurso” que acompanha o ato que as pensa( nohvma) e permaneceria na imaginação ( fantasiva). Agostinho julga, porém,que as próprias noções (res ipsas) estão bem presentes na memória.14-15. Unde... in memoriam meam? “De onde e por onde entraram na minhamemória? Comentar a teoria do conhecimento de Agostinho: distinção entre oconteúdo de uma noção, ou de uma afirmação ( reflexão [cogitatio], e a suaverdade (  implica uma referência à verdade divina; as razões eternas  sãonormas que permitem formar juízos de valor e de verdade; não são, portanto, oprincípio dos nossos conceitos). Cf. AGOSTINHO,  De Trinitate  XII,capítulo15, parágrafo 24: “Assim, é preferível crer que a natureza da menteintelectiva foi criada de tal modo que, entrando em contato com as coisasinteligíveis segundo sua natureza, e tendo assim disposto o Criador, possa veresses conhecimentos em certa luz incorpórea de sua própria natureza. Assimacontece com olho do corpo que vê os objetos que o cercam na luz natural,

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    pois pode-se acomodar a essa luz, já que para ela foi feito”39. O espíritohumano não é a tabula rasa de Aristóteles.

    16-17. sed in meo recognovi: “mas na minha (mente) as reconheci” (trad. br.:“mas reconheci-as existentes em mim”), isto é, reconheci de certo modo (asnoções). Se ao prefixo re do verbo recognovi dermos o sentido iterativo (Istoé,no sentido de que “reconhecei” uma segunda vez), o verbo parece indicar queAgostinho acolha ainda a teoria da reminiscência de Platão; mas, segundoConf . VII, XVII 23, Agostinho renunciou a tal teoria; o prefixo  re, portanto,tem valor intensivo: “reconheci de certo modo” as noções.17. vera esse approbavi: “julguei-as verdadeiras”: approbare é, na noética deAgostinho, o ato com o qual o espírito reconhece a verdade de seusconhecimentos, confrontando-as com as “razões eternas”.

    21. cavis.22. nisi admonente... eruerentur .XI 18, 1-18. Quocirca... dicatur :  De que modo se aprendem as noções quenão dependem das percepções sensíveis? O aprendizado consiste no exercíciodo espírito sobre os conteúdos da memória.12. indidem.13-15. et cogenda... cogitare. Sentido de “cogitare” no De Trinitate: é o termoque indica o ato com o qual a alma  pensa a si mesma, passando de umconhecimento implícito a um explícito (XIV,6,8). A imagem da Trindade

    presente na natureza espiritual do homem secundum rationalem mentem:memória, inteligência  e vontade  (ou mens, notitia, amor ): O conhecimentoexplícito dá-se quando o que estava implícito na  memória (= 1o elemento, oque gera [gignem]; é a faculdade pela qual a alma está presente a si própria, ouseja, uma presença de si a si, a consciência)40, no âmago da mente (in abditomentis), passa para a superfície (in conspectu mentis). O termo gerado(genitum) é o  pensamento  ou (saindo de seu silêncio) o seu verbum  (=2o elemento). E a dileção é a vontade, o terceiro termo (= 3o elemento) que une oprimeiro ao segundo. O conhecimento se dá quando é objetivado pela reflexão(cogitatio).

    39  Agostinho esclarece que a alma pode ver as coisas inteligíveis, em certa luz espiritual, que possuiuma natureza própria. Quando ele escreve: “Nossa mente é iluminada pela primeira verdade”,entenda-se em sentido efetivo, não formal ou imediato. Deus é luz de nossa inteligência, porque oentendimento divino produz as realidades criadas no ser inteligível, dando-lhes uma subsistênciaobjetiva. Assim, as razões eternas são objeto de nossa intelecção, Entretanto, isso não traz em si,uma visão imediata da essência divina. A luz, que banha com claridade de aurora as obscuridadesda alma, é com toda evidência, uma luz criada incorpórea “sui generis” (cf. Luiz ARIAS).

    40  Segundo Agostinho, a memória possui um “nosse”, anterior ao “cogitare”, e no qual já estãoembrionariamente a palavra interior e a dileção.

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     d)  Memória e saber matemático 

    XII 19, 1-2.  Item continet... innumerabiles. A expressão numerorumdimensionumque se refere aqui a aritmética e à geometria. Os significados de“rationes” e “leges”.7. Vidi lineas fabrorum: “Vi as linhas traçadas por mestres de arte”. Às linhas

    tenuissimae  e, todavia, visíveis, se opõem illae aliae   as da figurasideais.

    e) Memória da memória

    XIII 20, 1-12. Haec omnia... recordabor . O que Agostinho deve à memória?Cinco pontos.

     f) Memória das affectiones

    XIV 21,1-2.  Affectiones... continet .  Affectio designa um ato emotivo da almaconseqüente a uma percepção, um modo de reagir quando se é atingido.Diferença entre a affectio  no momento em que foi provada e aquela quepersiste na memória. Como entender a affectio  do espírito?   Solução:

    memória como quasi venter est animi.22,25-26. Quattour esse... tristitiam. Passa-se da discussão da memória dasaffectiones  para uma memória de noções. Como entender uma memória denoções? As quatro pavqh pavqh pavqh pavqh  segundo a divisão herdada dos estóicos. Enquantonoções, são neutras no plano da afetividade. Todavia, existe uma diferença:

     per experientiam passionum suarum.

    g)  Dúvidas sobre a memória 

    XV 23, 1-2. Sed utrum... dixerit?  Problema: as coisas que ele nomeia seencontram na memória pelas suas imagens ou por si?   Através das imagens:a pedra, o sol.  Por si mesmas estão presente os números numerantes (e asoutras noções de ordem intelectual. Que dizer da memória e do esquecimento?XVI 24, 1. Quid, cum oblivionem nomino. Agostinho fala aqui do significadodo termo oblivio. A memória do “oblivio” é um caso particular.25, 20-21. Ego certe... sudoris nimii. Notar o uso dos pronomes pessoais ereflexivos de primeira pessoa. Alusão a Gn 3,17.19: labor e fadiga queencontra para compreender a si mesmo.

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    21-23. Neque... libramenta. Fontes: Cícero; Jó 38,33. Problema paradoxal: egosum, qui nemini, ego animus...  Questão: De que modo o oblivio  pode ter

    inscrito a sua imagem na memória, se a sua função é especificamente aquelade cancelar  tudo quando fora registrado?47-48. qua id quod meminerimus obruitur : existe esquecimento quando secancela (indicativo) aquilo que deveremos recordar  (condicional).

    h) Memória e procura de Deus

    XVII 26, 1-12.  Magna vis... finis nusquam. Mesma admiração pelo caráter“sacro” da memória sublinhada por metáforas de poder e, sobretudo, deinfinito. Conteúdo da memória com uma nova indicação sobre affectiones:

    notio é de ordem cognitivo; notatio se refere a uma experiência   per nescioquas notiones vel notationes = “não sei quais noções ou notações (notatio =ação de marcar com um sinal; exame), como os sentimentos da alma...”.13-14. tanta vitae... mortaliter .14. Transibo.24. Qui separavit me a quadrupedis.XVIII 27, 1-17. Perdiderat... tenebatur .1-2. Perdiderat... quaesivit eam.XIX 28, 1-22. Quid... fuerimus: Referência a um conhecimento esquecido;

    relação memória-esquecimento; atividade dinâmica da memória.

    3.  A procura de Deus e a “vita beata”

    XX 29, 1-34. Quomodo... teneretur . Uma série de perguntas e suas respeticasrespostas.XXI 30, 1-14.  Numquid... experimur : Como está a idéia de vita beata  namemória? Sob a forma de gaudium. O texto retorna ao caráter neutro oucontrário da lembrança das affectiones, mas aqui, vê-se Agostinho pensandoem sua vida passada: a affectio presente implica um juízo de consciência.

    31, 26. Ubi... beatam. Pergunta sem resposta, mas todo homem fezexperiência da alegria; é, portanto, através desta experiência que o homemreconhece, na sua memória, o que significa o nome de beata vita.XXII 32, 1-3.  Absit... putem. Agostinho não quer encontrar a alegria fora deDeus.XXIII 33, 1-2. Non ergo... beati volunt .10-11. Beata... veritate. A idéia de verdade é objeto da vontade universal.34, 25. Cur autem veritas parit odium.

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    25-26. inimicus... praedicans. Dois momentos da resposta à questão: Por que éque a verdade gera o ódio?

    33. oderunt... indicat .33-34. Inde retribuet eis.

    Deus na memória

    XXIV 35, 1-9. Ecce... meam. Observar as quatro repetições de ex quo didicite: Deus não está na memória  por si mesmo, mas aí está depois que foiconhecido. É, antes, com uma intervenção pessoal que encontramos a Deus.Não se pode atingir a Deus por via independente da Revelação. Mas a reflexãode Agostinho aqui, e sobretudo no De Trinitate, reconhece, na inteligência da

    fé, a vida do espírito como portadora de um sinal da consubstancialidade,distinção, circumincessão, da vida trinitária divina ( memória, inteligência evontade ou mens, notitia e amor ).XXV 36, 1. Sed... memoria mea. Deus não pode ser reduzido a nenhum dosobjetos contidos na memória, nem tampouco na memória como animus.XXVI 37, 1-3. Ubi... supra me?: in te supra me.

    Tarde Vos Amei!

    XXVII 38, 1-2. Sero te amavi, pulchritudo tam antiqua et tam nova, sero teamavi. 

    SEGUNDA PARTE (XXVIII 39, 1-XXXIX 64, 1-2): o conhecimento de simesmo.

    Agostinho segue o esquema das três concupiscências presente em 1Jo2,16: concupiscentia carnis  (sexualidade, paladar, audição, olfato, visão);concupiscentia oculorum  (curiositas  ou avidez de conhecimento) e ambitiosaeculi (orgulho, amor dos louvores, vanglória e amor próprio). Âmbito dasreflexões de Agostinho: exame de consciência e procura de um justoequilíbrio no juízo moral incertezas e escrúpulos do autor.

    Miséria da vida humana...

    XXVIII 39, 1-4. Cum inhaesero... sum.2-3. Nunc autem.

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    4-6. Contendunt... contendunt . “As minhas alegrias, pelas quais devereichorar, lutam  com as tristezas, pelas quais deverei alegrar-me…  Lutam  as

    minhas tristezas más com as alegrias boas…”. A repetição do verbo expressaduas tensões internas.9-10. Numquid... super terram?10-11. Quis velit... difficultates?11. Tolerari… amari. Eis uma nova tensão e idéia de combate e luta.XXIX 40, 1-2. Et tota spes… tua. Agostinho não desespera da condiçãomiserável da existência.2.  Da quod iubes et iube quod vis  =  Dá o que ordenas e ordenas o quequeres.

    Pelágio (insiste na “força e qualidade da natureza humana” e na

    “santidade natural”) e o princípio fundamental da heresia pelagianismo:

    afirmar a onipotência moral da vontade livre. O homem sempre pode sozinho

    e por si mesmo querer e realizar o bem. O querer e o fazer dependem

    unicamente da própria vontade. Daí deduziam outros erros: negação do pecado

    original, inutilidade da graça interior atuando sobre a vontade, falsa idéia da

    redenção, etc. Sentido da fórmula de Agostinho:  Da quod iubes et iube quodvis41.

    1. A “CONCUPISCENTIA CARNIS”

    a) A sexualidade 

    XXX 41, 1-2. Iubes certe... ambitione saeculi. Citação de 1Jo 2,16.

    5-23. Sed adhuc... esse doleamus.42, 24-41. Numquid... victoriam.

    41  Acerca das relações entre a liberdade, a vontade e a graça:“ Duas condições são exigidas parafazer o bem: um dom de Deus que é a graça e o livre-arbítrio. Sem o livre-arbítrio não haveriaproblemas; sem a graça, o livre-arbítrio (após o pecado original) não quereria o bem ou, se oquisesse, não conseguiria realizá-lo. A graça, portanto, não tem o efeito de suprimir a vontade, massim de torná-la boa, pois ela se transformara em má. Esse poder de usar bem o livre-arbítrio éprecisamente a liberdade. A possibilidade de fazer o mal é inseparável do livre-arbítrio, mas o poderde não fazê-lo é a marca da liberdade. E o fato de alguém se encontrar confirmado na graça, a pontode não poder mais fazer o mal, é o grau supremo da liberdade. Assim, o homem que estiver maiscompletamente dominado pela graça de Cristo será também o mais livre” (E. GILSON).

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     b) O gosto

    XXXI 43, 1-12. Est alia... vocantur .2-5. cotidianas ruinas… sempiterna.5.  Nunc autem… necessitas.8. et Dolores... pelluntur .44, 13-14. Hoc me docuisti... accedam.14-30. ad quietem satietas... nondum stat . Agostinho propõe uma análisecompleta sobre onde se entrecruzam  psicologia  e  juízo moral .   O que ésuficiente  para a saúde é muito pouco  para o prazer (quod saluti satis est,delectationi parum est ).

    45,31. Audio vocem... Dei mei.32-55. Ebrietas... quod vis. Emerge aqui uma confessio do poder da graça.  Se é o poder da graça que domestica tais inclinações, não se admite a“fraqueza” da razão para controlar a “fraqueza” da vontade (akrasia)?46, 59-67. Docuisti me... temptatione.68-77.  Noe... improbari. Uma série de exempla  tirados, excetuando um, doAntigo Testamento.47, 87-88. quia et imperfectum eius... oculi tui.

    c) O odor  

    XXXII 48,1. De inlecebra... nimis.

    d) O ouvido

    Capítulo complexo. A reflexão de Agostinho se funda noentrecruzamento de quatro momentos: 1) O ouvido mesmo (soni, vox, voxatque cantus); 2) O affectus  interior (cor, religiosus et ardentius, flamma

     pietatis, affectus spiritus nostri, occulta familiaritas); 3) O significado

    inteligível (eloquia tua, sententiae, sancta dicta, mens, ratio); 4) O juízo devalor (dignitatis locum, honor proprios modos, saepe me fallit, pecco).

    XXXIII 49, 1-2. Voluptates... liberasti me.2-3. in sonis... eloquia tua.3-4. cum suavi... cantantur .4-7. aliquantulum... congruentem.

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    8-18.  Aliquando... sentio. Agostinho passa aqui de um léxico afetivo ouemocional a um intelectual e moral affectus, spiritus são distintos de mens e

    ratio. Temor de Agostinho: ser enganado pela delectatio carnis 

     enfraqueceo “nervo” da mens.50,19. Aliquando autem.20-21. melos... suavium.26. Verum tamen cum reminiscor .35. Tamen cum mihi accidit .37-38. Ecce ubi sum... pro me flete.

    e) A vista

    XXXIV 53, 43-44. sacrifico... meo.44-45. pulcra traiecta... veniunt .47. operatores et sectatores.47-48. inde trahunt... utendi modum.

    2. A “CONCUPISCENTIA OCULORUM” OU “CURIOSITAS”

    A curiositas almeja um prazer desordenado de fazer experiência e desaber “efeitos teatrais”, observação inútil das obras da natureza, a magia

    e também, na religião, a procura de “sinais e prodígios”.

    XXXV 54,9. concupiscentia oculorum... appelata est .55, 22-23. voluptatis... curiositatis.27. laniato cadavere.32. in spectaculis.32-35. ad perscrutanda... cupiunt .36-38. artes mágicas... desiderata.56, 39-40. immensa silva... dispulerim.45-47. iam theatra... detestor .

    50-51. Sed obsecro... castam.57, 56-72. multis minutissimis... incipio.73. talibus vita mea plena est .

    3. O “AMBITIO SAECULI” OU “SUPERBIA”

    XXXVI 58,1. Numquid etiam hoc.8-9. qui compressisti ... superbiam meam.9. mansuefecisti.

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    9-10. Et nunc... est mihi.59, 13-16. Sed numquid… potest .

    13-14. Domine… dominaris.15-16. numquid… vita potest .16-17. timeri… ab hominibus.22-23. humanae societatis… ab hominibus.29-30. qui statuit… in aquiline.31. tenebrosi frigidique.32. pusillus... sumus.32-33. Praetende alas tuas.34. propter te... in nobis.36-38. Cum autem… benedicitur .

    XXXVII 60, 2-3. Cotidiana fornax... língua9-10. a voluptatibus... a curiositate.61,25-26. Quid igitur... laudibus? 35-36. continentiam… iustitiam.62,52. Ecce.. veritas, vídeo.XXXVIII 63,1. Egenus... sum.1-2. melior... mihi.6-11. privatam... gloriatur .XXXIX 64, 1-2. Intus etiam... temptationis malum.

    9-11. vides... sentio.

    CONCLUSÃO

    XL 65,1. Ubi... veritas.3. teque consulerem?7.consideravi et expavi.7-8. nihil... sine te.8. nihil... inveni.

    8-9. Nec ego ipse inventor .15-16. quia lux... consulebam.16-17. et audiebam... iubentis.17-18. Et saepe... delectat .22-24. Et aliquando... non erit .24-25. Sed recido... ponderibus.26-27. Tantum consuetudinis... digna est!XLI 66, 1-4. languores... potest .4-5. Proiectus... tuorum.

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    5.Tu es… praesidens.5-6. At ego... meam.

    XLII 67, 1. Quem invenirem... tibi?18-19. Falax... mediator .XLIII 68, 1. Verax... mediator .69-70.69,17-21. subditus... sacrificium.21-22. faciens... serviendo.25-26. Multi enim... medicina tua.70, 30-31. Conterritus... in solitudinem.38-39. Non calumnientur mihi superbi.39. quoniam... meum.

    40-41. pauper cupio... requirunt eum.